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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PESQUISA NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS MESTRADO EM LETRAS CARLOS HÉRIC SILVA OLIVEIRA DISCURSOS PEDAGÓGICOS NA FORMAÇÃO DOS PROFESSORES NO CURSO NORMAL: FOCO NA DISCIPLINA METODOLOGIA DE PORTUGUÊS São Cristóvão 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PESQUISA

NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS MESTRADO EM LETRAS

CARLOS HÉRIC SILVA OLIVEIRA

DISCURSOS PEDAGÓGICOS NA FORMAÇÃO DOS PROFESSORES NO CURSO NORMAL: FOCO NA

DISCIPLINA METODOLOGIA DE PORTUGUÊS

São Cristóvão 2011

CARLOS HÉRIC SILVA OLIVEIRA

DISCURSOS PEDAGÓGICOS NA FORMAÇÃO DOS PROFESSORES NO CURSO NORMAL: FOCO NA DISCIPLINA METODOLOGIA DE

PORTUGUÊS

Dissertação apresentada ao Núcleo de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Sergipe – Área de Concentração: Estudos da Linguagem e Ensino, linha de pesquisa: Teorias do Texto, como pré-requisito para obtenção do grau de Mestre em Letras.

Orientadora: Profª Drª Leilane Ramos da Silva

São Cristóvão 2011

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

O48d

Oliveira, Carlos Héric Silva Discursos pedagógicos na formação dos professores no curso normal : foco na disciplina metodologia de português / Carlos Héric Silva Oliveira. – São Cristóvão, 2011.

166 f.: il.

Dissertação (Mestrado em Letras) – Núcleo de Pós- Graduação em Letras, Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Universidade Federal de Sergipe, 2011.

Orientadora: Profª. Drª. Leilane Ramos da Silva.

1. Língua portuguesa – Estudo e ensino. 2. Professores -

Formação. 3. Análise de interação em educação. I. Título.

CDU 811.134.3:37.02

CARLOS HÉRIC SILVA OLIVEIRA

DISCURSOS PEDAGÓGICOS NA FORMAÇÃO DOS PROFESSORES NO CURSO NORMAL: FOCO NA DISCIPLINA METODOLOGIA DE PORTUGUÊS

Dissertação apresentada à comissão julgadora

do Núcleo de Letras da Universidade Federal

de Sergipe

Aprovada em 05 / 01 / 2011

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________ Profª Drª Leilane Ramos da Silva – UFS

Universidade Federal de Sergipe Presidente – Orientadora

___________________________________________________ Profª. Drª Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin – UFC

Universidade Federal do Ceará 1ª examinadora – Externa

___________________________________________________ Prof. Drª Maria Leônia Garcia Costa Carvalho – UFS

Universidade Federal de Sergipe 2° examinadora – Interna

Quando achamos que todos os momentos são difíceis, entendemos que ali está

surgindo um espaço de crescimento que nos fortifica para seguir em frente...

A Deus, pelo Dom da vida e da perseverança; Aos meus pais, José Carlos e Ana Cátia; À minha adorável família: Liliane Oliveira, minha esposa, e Ícaro Guilherme, meu filhinho, que contagiou nas horas difíceis.

AGRADECIMENTOS

Para início de conversa, não posso falar de meus agradecimentos se não

recordar alguns episódios que me fizeram chegar até aqui!

Em 2006, quando terminava minha graduação em Letras-Português, não

pensei duas vezes – concorri – logo no final daquele ano, a uma vaga no Mestrado

em Letras e Linguística pela Universidade Federal de Alagoas – UFAL com um

projeto elaborado sobre a questão do poder em Michael Foucault.

Ainda no ato da inscrição, daquela seleção, veio o primeiro OBSTÁCULO,

eu não tinha uma CARTA DE ACEITE, para realizar a inscrição, então a

coordenadora do Programa, naquela época, falava-me assim “vou assinar sua carta,

mas ninguém aqui trabalha com Michael Foucault, você terá que convencer a banca

sobre seu projeto”.

Tudo bem! Saiu o resultado da primeira fase e fui aprovado. Agora,

precisava “convencer” a banca sobre meu projeto, fato que não aconteceu.

Exatamente a mesma professora, aquela – coordenadora do Curso – estava na

banca e não CONVENCI. Fui reprovado na entrevista da seleção. Após ter superado

esse momento surgiu uma nova possibilidade – ingressar como aluno especial lá

mesmo na UFAL no ano de 2007!

Fiz a seleção para aluno especial na disciplina Teorias da Análise do

Discurso com a Profª Virgínia Borges do Amaral. Fui aprovado e começara uma

nova etapa na minha vida. No segundo semestre de 2007, terminado a disciplina no

semestre 2007.1, resolvi cursar outra, desta vez, Semântica Discursiva, foi um

desafio... Terminando o ano, minha preocupação estava em delimitar meu projeto e

adaptá-lo às linhas de pesquisa daquele programa. Feito isso, consegui a carta de

aceite com a Profª Rita Zozzoli, após ter apresentado a ela minhas pretensões.

Desta vez, confiante, pois já tinha delimitado meu projeto e tinha a carta

de aceite, fiz a inscrição da seleção no final de 2007, e após a prova escrita, a

surpresa: FUI REPROVADO! De fato, confesso que o mundo despencou quando vi o

resultado. Mas tudo bem, tudo passa.

Desacreditado, mas confiante que o Mestrado seria a minha próxima

meta, fiz a inscrição no Mestrado em Letras pela Universidade Federal de Sergipe e

participei da seleção em novembro de 2008. Desta vez, passei em todas as etapas e

fui admitido como aluno regular desta instituição.

Agora sim, poderei iniciar meus agradecimentos...

Sempre agradeço a Deus pelo Dom da perseverança que Ele me

concedeu, não sou grato apenas por isso, mas pelo Dom da vida recebido de suas

mãos e pelos Dons específicos plantados em mim.

Aos meus pais José Carlos e Ana Cátia, ofereço a eles esse momento

importante, o resultado de muito suor e pesquisas, pois sempre estiveram comigo

me apoiando e me ensinando que seria capaz de chegar e nunca deixaram de

oferecer uma educação de qualidade durante toda a minha vida.

À minha adorável e companheira esposa Liliane Oliveira, que no

trajeto inicial da minha pesquisa esteve MUITO presente apoiando-me, mesmo na

dificuldade do desemprego em 2007, decidiu carregar o peso e empurrou-me pra

seguir adiante. Obrigado pelas vezes que você compreendeu quando precisávamos

sacrificar muitos momentos de lazer em prol da pesquisa, das leituras, das viagens

nos congressos, na coleta de dados, enfim muito obrigado por acreditar em mim,

você sabe que essa vitória é nossa.

Ao meu Ícaro Guilherme, filho adorável, que ainda não sonhava em

nascer, mas saberia que precisava enfrentar a ausência de seu pai em alguns

momentos de sua vida e depois de nascido, me sentia revigorado quando você

chegava engatinhando por debaixo dos meus pés ao estar no computador

escrevendo minha dissertação e nas madrugadas que você me acompanhava

quando chorava para comer... quantas noites hein, filho!!!

Às minhas irmãs Hérica Carla e Hingrid Paloma e aos meus sobrinhos

Carlos Eduardo e Gledson Júnior, obrigado pelo carinho e apoio recebido e saber

que, a qualquer momento, posso contar com vocês indistintamente.

Aos demais familiares tios, tias, primos,, primas e adjacentes, que

sempre visualizaram em mim uma pessoa capaz de alcançar os meus objetivos

mesmo quando pensava em desistir. Obrigado pelos incentivos e orações.

Ao Pe. Jefferson Pinheiro, irmão de fé, amigo e compadre, você

acompanhou e presenciou todos os meus passos até chegar aqui, obrigado pelos

“acessos” à internet para realizar as pesquisas, pagar as inscrições das seleções de

mestrado, passagens, enfim, todas essas coisas pequenas – consideradas até por

você, materiais –, mas que significam MUITO em minha vida. Muito Obrigado

mesmo pelo APOIO.

Ao Pe. Gilvan Carvalho, meu grande mestre na vida e das teorias

filosóficas, sou muito grato pelo seu APOIO durante minhas idas e vindas de Maceió

quando cursava as disciplinas isoladas no ano de 2007, esse ano foi de Ação de

Graças em minha vida!

Ao Pe. Jadilson Andrade, irmão de fé, mesmo distante, mas sempre

rezando por mim e incentivando-me a avançar na vida; obrigado pelo APOIO na

realização de minhas viagens a João Pessoa e por suas orações, sei que você

acredita em mim!

À Profª Virgínia Borges do Amaral, da Universidade Federal de

Alagoas, pela sua simplicidade, humildade, delicadeza. Nossa! São tantas

qualidades... Obrigado pelos seus ensinamentos e por me apresentar ANÁLISE DO

DISCURSO. Foi um prazer conhecê-las!

À Christianne Gally, “caroneira e caronista” das viagens a Maceió todas

as sextas-feiras durante o ano de 2007, eram as viagens mais intelectuais e banais

simultaneamente que já realizei, desde as “bobagens” aos esclarecimentos sobre a

AD. Não me esqueço de sua delimitação na pesquisa, quando me sentia perdido

aparecia você, com seu jeito “GROSSO” e explicava o que não conhecia. Você me

“desvirginou intelectualmente” e mostrou-me um mundo de oportunidades. Obrigado

por tudo, inclusive pela brilhante revisão textual neste trabalho!

À Profª Leilane Ramos, pela orientação, conselhos, compreensão,

leituras, esclarecimentos na área da Pragmática e, sobretudo, por ter acreditado na

minha pesquisa. Agradeço ainda pela sua referência e modelo de docente, caminho

que me amadureceu como professor. Lembra quando você dizia: “você não tem

juízo não?”, pois bem, às vezes a ausência do juízo nos dá sabedoria e

discernimento. Acredito que tive foi MUITA sorte em conhecer você.

À Profª Eulália Leurquin, que, por uma participação na mesa redonda no

IX ENIL em 2010, descobri um caminho possível em minha pesquisa, agradeço

ainda pelas intensas trocas de e-mails, vários telefonemas para dialogarmos sobre o

ISD, muito obrigado pela sua simpatia, simplicidade e atenção. “Antes tarde do que

nunca”, a Senhora sabe...

À Profª Maria Leônia, pela brilhante e fundamental contribuição teórica

na qualificação e pós-qualificação em nossas conversas informais. Realmente o

cearense tem um coração muito bom! Sua simplicidade será modelo de docência.

Ao NPGL, através da Profª Drª Lêda Corrêa, pela sua atenção, carinho e

disponibilidade em atender-me nos momentos de dúvidas, também à secretária

Meyre Jane, que pelo seu esforço e dedicação tanto contribuiu pacientemente com

seus “minutos” a mais para providenciar minha documentação desde a qualificação

à defesa.

À CAPES, pelo auxilio financeiro durante os meses de execução de

minha pesquisa tornando possível o resultado deste trabalho.

Ao Colégio Estadual Professor Rogaciano Mágno Leão Brasil, pela

aceitação na realização de nossa pesquisa e onde tivemos a oportunidade de

reconhecer ser a sala de aula o ambiente que informa e transforma o ser humano.

À Profª Quenedina Mota, pela atenção e preocupação durante nossa

pesquisa, permitindo acompanhar suas aulas e gravá-las para o nosso estudo.

Aos alunos do 3° ano do Curso Normal, pela participação, amizade e

comprometimento na pesquisa, colaborando durante as aulas, nas entrevistas

gravadas e escritas.

...e assim reconheço verdadeiramente que somos capazes de sonhar,

sonhos realizáveis, pois pelos obstáculos, todos aqueles que conosco convivem

ajudam-nos a ultrapassá-los e chegar, de fato, a mais esta VITÓRIA que não acaba

por aqui...

MUITO OBRIGADO A TODOS VOCÊS!

Matar o sonho é matarmo-nos. É mutilar a nossa

alma. O sonho é o que temos de realmente nosso, de

impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso.

Fernando Pessoa

RESUMO

Este trabalho, de fundamentação teórica nas Teorias Enunciativas em Bakhtin

(1999) e do sócio-interacionismo de Vigotsky (2005) objetivou a interação verbal

(oral e escrita) entre professor-alunos. Essa relação provoca reações significativas

de poder e conflitos na formação dos professores de Língua Materna (LM) do Curso

Normal (CN). O espaço da pesquisa, ou segundo Bronckart (2007) o ambiente, foi

uma sala de aula da turma do terceiro ano do CN da disciplina Metodologia de

Português (MP). A pesquisa, de cunho etnográfico, se estendeu durante o ano de

2010 entre os meses de fevereiro e setembro, perfazendo oito meses de

observações, em um Colégio da rede pública estadual de ensino da cidade de Santo

Amaro das Brotas, situada no Estado de Sergipe. Nosso corpus foi formado por vinte

e uma aulas gravadas em áudio, cada uma com quarenta e cinco minutos de

duração, boa parte delas ministrada pela professora. Considerando a sala de aula o

lugar das conversações (KERBRAT-ORECCHIONI, 2006), conforme foi delimitado o

recorte do corpus, quanto à interação oral, das vinte e uma aulas gravadas, três

fizeram parte da análise, a primeira sobre as impressões iniciais, a segunda,

preleção da professora sobre o ensino de Língua e Linguagem e a terceira

apresentação de mini-aula sobre as vogais ministrada por uma aluna da disciplina,

através da interação escrita, uma avaliação e um questionário com cinco perguntas

supriram a análise. Dessa maneira, a pesquisa utilizou de duas categorias: (1) O

Contexto de Produção (BRONCKART 2007, 2008; BAKHTIN 2003 e VIGOTSKY

2007); (2) As Relações de Poder (FOUCAULT, 1979, 2009). O contexto de

produção refere-se às atividades de linguagem construídas no ambiente da sala de

aula e as formações sociais da consciência e dos enunciados. A relação de poder é

vista como institucionalizadora do discurso pedagógico que delimita o agir do sujeito.

PALAVRAS-CHAVE: Ensino de língua materna; Formação de professores

interações verbais; Interacionismo Sociodiscursivo.

El RESUMEN

Este trabajo, de fundamentación teórica en las Teorías Enunciativas en Bakhtin

(1999) y del socio-interacionismo de Vigotsky (2005) objetivó la interacción verbal

(oral y escrita) entre profesor-alumno. Esa relación provoca reacciones significativas

de poder y conflictos en la formación de profesores de Lengua Materna (LM) del

Curso Normal (CN). El espacio de la pesquisa, o según Bronckart (2007) el

ambiente, fue una clase de tercer año del CN de la asignatura Metodología de

Portugués (MP). El estudio, de cuño etnográfico, se desarrolló durante el año 2010

entre los meses de febrero y septiembre, cumpliendo ocho meses de observaciones,

en un colegio de la red pública estadual de enseñanza de la ciudad Santo Amaro

das Brotas, situada en el Estado de Sergipe. Nuestro corpus fue formado por

veintiuna clases grabadas en audio, cada una con cuarenta y cinco minutos de

duración, gran parte ministrada por la profesora. Considerando el aula el lugar de

las conversaciones (KERBRAT-ORECCHIONI, 2006), conforme fue delimitado el

recorte del corpus, cuanto a la interacción oral, de las veintiuna clases grabadas, tres

hicieron parte del análisis. La primera sobre las impresiones iniciales; la segunda, la

prelación de la profesora sobre la enseñanza de Lengua y Lenguaje; y la tercera,

una presentación de mini clase sobre las vocales, ministradas por una alumna de la

asignatura, a través de la interacción escrita. Una evaluación y un cuestionario con

cinco preguntas suplieron el análisis. De esa manera, la pesquisa utilizó dos

categorías: (1) El Contexto de Producción (BRONCKART 2007, 2008; BAKHTIN

2003 e VIGOTSKY 2007); (2) Las Relaciones de Poder (FOUCAULT, 1979, 2009).

El contexto de producción se refiere a las actividades de lenguaje construidas en el

ambiente de clase y a las formaciones sociales de la conciencia y de los enunciados.

La relación de poder es vista como institucionalizadora del discurso pedagógico que

delimita la manera de actuar del sujeto.

PALABRAS CLAVE: Enseñanza de Lengua materna; Formación de profesores;

Interacciones verbales; Interacionismo Sociodiscursivo.

SUMÁRIO

LISTA DE SINAIS DAS TRANSCRIÇÕES............................................................... 13

LISTA DE ABREVIATURAS....................................................................................... 14

LISTA DE ESQUEMAS, FIGURAS, GRÁFICOS, E QUADROS........................... 15

INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 16

CAPÍTULO 1: UM OLHAR SOBRE O CURSO NORMAL..................................... 22

1.1 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DOS PRIMÓRDIOS AO INÍCIO DO SÉCULO XIX.. 22

1.2 O ADVENTO DA REPÚBLICA E OS AVANÇOS NOS CURSOS NORMAIS...... 27

1.3 OS AVANÇOS DO CURSO NORMAL NO ESTADO DE SERGIPE.................... 28

1.4 O CURSO NORMAL DA CIDADE DE SANTO AMARO DAS BROTAS.............. 32

CAPÍTULO 2: O ESPAÇO DAS TEORIAS NO CONTEXTO PEDAGÓGICO

DA SALA DE AULA.....................................................................................................

35

2.1 UMA DISTINÇÃO PRELIMINAR DO TERMO INTERAÇÃO................................ 35

2.2 INTERAÇÃO: UMA PONTE CONCEITUAL ENTRE BAKHTIN E VIGOTSKY.... 36

2.2.1 O signo em Bakhtin e a consciência em Vigotsky............................ 40

2.2.2 O signo como mediador da atividade consciente............................. 50

2.3 A INTERAÇÃO X AGIR AUTORITÁRIO DOS SUJEITOS................................... 53

2.3.1 O ambiente autoritário.......................................................................... 53

2.3.2 conceito de enunciado em Michel Foucault...................................... 58

2.3.3 Van Dijk e os atos de fala como instrumento de interação............. 62

CAPÍTULO 3: A MATERIALIZAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS

METODOLÓGICOS DA PESQUISA.........................................................................

64

3.1 O AMBIENTE INSTITUCIONAL: ONDE TUDO SE REALIZA.............................. 64

3.2 O CORPUS E ANÁLISE DOS DADOS................................................................ 67

3.2.1 As categorias de análise...................................................................... 68

3.3 DESCRIÇÃO DOS AMBIENTES.......................................................................... 75

3.3.1 O contexto institucional: o Colégio..................................................... 75

3.3.2 A arena das interações: a sala de aula.............................................. 83

3.3.3 Os sujeitos do ambiente: os alunos................................................... 85

3.3.4 O sujeito mediador: a professora........................................................ 86

CAPÍTULO 4: ANÁLISE DE CORPUS EM AULAS DE METODOLOGIA DE

PORTUGUÊS DO CURSO NORMAL.......................................................................

87

4.1 O RECONHECIMENTO – A PRIMEIRA IMPRESSÃO........................................ 89

4.2 ABORDAGEM SOBRE CONCEITOS DE LÍNGUA E LINGUAGEM.................... 97

4.3 DA TEORIA À PRÁTICA: UMA AULA SOBRE AS VOGAIS................................ 114

4.4 A VOZ DOS ALUNOS MATERIALIZADA NO QUESTIONÁRIO.......................... 123

CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................ 135

REFERÊNCIAS............................................................................................................. 144

ANEXOS........................................................................................................................

AVALIAÇÃO ESCRITA...............................................................................................

HISTÓRICO ESCOLAR DO CURSO NORMAL.........................................................

QUESTIONÁRIOS......................................................................................................

149

150

151

153

13

LISTA DE SINAIS DAS TRANSCRIÇÕES

Sinais Significados

P Professor

Pes Pesquisador

A Aluno

PA Professor/aluno momento que ministrava a aula

A1, A2 ... indicação de que são alunos diferentes que falam

Axx fala simultânea de vários alunos

L1, L2 ... numeração correspondente às linhas do recorte para facilitar

a referência, durante a análise. Por exemplo, L15 A1 deve

ser lido como a linha oito, a fala do aluno um dentro do

recorte analisado.

MAIÚSCULA Ênfase ou acentos fortes ou entonação enfática

ah, ahã, eh, ehn,

ih, oh, uhn, uhm

Fáticos

+ Pausa breve

++ Pausa longa

:: Alongamento de vogal

# # Barulho externo à sala de aula

... Trecho não transcrito

(sv) Sobreposição de vozes

- - - Silabação

/ Truncamento bruscos – parada abrupta

// Parada total sem finalização da fala

? Interrogação

! Exclamação

Risos

[>>>] Uso do celular durante a aula

( ) Dúvidas no entendimento das palavras – incompreensões

(...) Indicação de que as falas foram interrompidas em algum

momento

[ ] Comentário do transcritor

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LISTA DE ABREVIATURAS

Abreviaturas Significados

CN Curso Normal

EN Escola Normal

IERB Instituto Educacional Rui Barbosa

LDB Lei de Diretrizes e Base

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

CFE Conselho Federal de Educação

CEE Conselho Estadual de Educação

RH Recursos Humanos

EF Ensino Fundamental

EM Ensino Médio

LD Livro Didático

LP Língua Portuguesa

LM Língua Materna

MP Metodologia de Português – Disciplina do Curso Normal

PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais

PCNEM Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio

Para os sinais das transcrições, fizemos uma adaptação dos seguintes autores:

KOCH, Ingedore Villaça. A inter-ação pela linguagem. Campinas, São Paulo:

Contexto, 2004.

MARCUSCHI, Luis Antônio. Análise da Conversação. 5ª Ed. São Paulo: Ática,

2005

SOUSA, Maria Ester Vieira de. As surpresas do previsível no discurso de sala de

aula. João Pessoa: Editora Universitária, 2002.

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LISTA DE FIGURAS, GRÁFICOS, ESQUEMAS E QUADROS

OBJETO DESCRIÇÃO P

Esquema 1 Compreensão da atividade consciente....................................... 41

Esquema 2 Formação da consciência social................................................. 49

Esquema 3 Compreensão da atividade mediada.......................................... 52

Esquema 4 Construção social de conhecimento humano............................. 96

Esquema 5 Reflexo da consciência............................................................... 97

Gráfico 1 Carga Horária da disciplina......................................................... 70

Gráfico 2 Descrição do Corpus.................................................................. 71

Gráfico 3 O agir profissional, ser ou não ser professor?............................ 127

Gráfico 4 Concepção do exercício da docência......................................... 129

Gráfico 5 A disciplina MP como instrumento de aprendizagem................. 131

Gráfico 6 A disciplina MP como suporte conceitual................................... 132

Figura 1 Marco inaugural da Escola de 2° Grau Dr. Augusto do Prado

Franco.........................................................................................

76

Figura 2 Salas de aula da antiga Escola de 2° Grau................................ 77

Figura 3 Marco inaugural da escola Professor Rogaciano Magno Leão

Brasil...........................................................................................

78

Figura 4 Fachada do Colégio Estadual Prof. Rogaciano M. L. Brasil....... 78

Figura 5 Fachada do Colégio em obras desde janeiro de 2010............... 79

Figura 6 Reforma da parte interna do Colégio.......................................... 80

Figura 7 Área coberta entre as salas de aula........................................... 80

Figura 8 Quadra de esportes do Colégio.................................................. 81

Figura 9 Fachada do prédio alugado onde acontecem as aulas.............. 81

Figura 10 Área interna do prédio alugado.................................................. 82

Figura 11 A sala de aula numa visão do fundo para a entrada.................. 83

Figura 12 A sala de aula numa visão da entrada para o fundo.................. 84

Figura 13 Avaliação de Metodologia de Português.................................... 92

Tabela 1 Dados sobre o corpus da pesquisa............................................ 70

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INTRODUÇÃO

Curso Normal (CN) é uma modalidade do Ensino Médio (EM)

que oferece aos jovens estudantes a possibilidade de

estudarem e obterem uma formação de nível médio para

atuarem na sala de aula – lugar onde ocorre a construção do processo educacional

na vida dos sujeitos e nela se constituem relações determinantes para o

desenvolvimento da vida social – dos anos iniciais do Ensino Fundamental (EF).

Sendo a escola um ambiente socializador das competências individuais,

ao mesmo tempo, ela (in/de)forma. Esse emaranhado de relações verticais e

horizontais coloca os sujeitos em condições de produzir, contextualizar e ordenar os

conhecimentos que transitam pelas interações verbais do ambiente da sala de aula.

Os conflitos existentes no contexto das aulas, através de seus

enunciadores, tornam-se instrumentos de linguagem por meio dos enunciados

produzidos entre as interações orais e escritas. Através da dialogização, os rumos

das interações tomavam proporções maiores que proporcionaram nossa análise

quanto aos instrumentos de pesquisa que desejávamos.

Com essa produção enunciativa decorrente da dialogização em sala de

aula, a pesquisa aqui inserida analisou o contexto das aulas de Metodologia de

Português, uma disciplina oferecida no Curso Normal do Colégio Estadual Professor

Rogaciano Magno Leão Brasil, pois tal carrega a responsabilidade de introduzir o

aluno no campo de trabalho educacional. Mas por que nesse Colégio? A justificativa

está no fato de existir poucas unidades que oferecem esta modalidade de ensino e

pelo acesso facilitado na realização da pesquisa.

O processo de formação dos alunos para o ensino de língua materna

neste curso motivou esta pesquisa, pois tal constatação desencadeou um

questionamento pertinente ao objetivo principal: por que os alunos não saem

preparados da disciplina de MP para lecionarem a Língua Materna (LM)?

Antes, porém, de responder a essa questão, faz-se necessário

compreender a maneira pela qual foi instituído o Curso Normal no Brasil. Sua

O

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formação consiste através das instituições sociais que oferecem as modalidades do

Ensino Fundamental e Ensino Médio podendo ser direcionado ao Curso Normal

todos os alunos que desejarem atuar na profissão docente. A função primordial,

como dito anteriormente, é formar os futuros professores para atuarem nos anos

iniciais do EF.

Esse curso nasceu da necessidade, ainda no período do Brasil Império,

de capacitar professores para atuarem nas salas de aula no ensino das primeiras

letras. O sistema educacional brasileiro passou por várias transformações

significativas ao longo do tempo, ocorrendo o aprimoramento desses cursos em

todas as partes do país, inclusive na cidade de Santo Amaro das Brotas, Estado de

Sergipe, local que focalizamos nossa pesquisa.

Depois de escolhido o lugar da pesquisa, baseado nas observações de

algumas práticas cotidianas, advindas da convivência profissional nesse ambiente,

chamava a atenção os problemas referentes à escrita e à fala dos futuros

profissionais do EF – mesmo cursando a disciplina MP – que denunciavam as

dificuldades em se adquirir a linguagem padrão e, consequentemente, refletiam em

sua prática profissional.

Nesse sentido, a interação verbal tornava-se o instrumento da

enunciação que naturalizava o discurso nos dizeres da sala de aula. A análise da

sala de aula de MP ficou evidente como ambiente desta pesquisa que se atentou

nas relações constituídas da disciplina, suas relações de poder e o contexto de

produção dos alunos, que identificava ali um futuro professor dos anos iniciais do

EF. Essas preocupações surgiram a partir dos seguintes objetivos:

(i) identificar como as relações de poder existentes na sala de aula de MP

influenciam na formação dos futuros professores dos anos iniciais do EF;

(ii) analisar como as interações verbais produzidas na sala de aula

refletem na formação e nos discursos entre professor-alunos através do contexto de

produção de atividades em sala;

(iii) verificar a partir de questionário, como o curso é visto pelos alunos e,

se de fato, supre as expectativas dos alunos considerando seu futuro profissional.

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Desde então, esse ambiente institucional tornou-se o objeto de interesse

na pesquisa. As enunciações produzidas convergiam para lugares diferentes, como

setas de interesses pessoais que adentravam em constantes conflitos nas

interações face a face dos sujeitos participantes.

Assim, a pesquisa precisava de uma estrutura metodológica

concretizadora dos objetivos traçados. Daí surgiu o interesse em utilizar os turnos

de fala (Cf. KERBRAT-ORECCHIONI, 2006), para organizar as conversações

advindas das aulas observadas e gravadas em áudio, como também através do

Diário de Classe (Cf. MACHADO, 1998) utilizado para registrar as anotações que

não eram alcançadas pelo gravador.

A permanência no ambiente da sala de aula durou oito meses,

perfazendo quarenta e quatro aulas observadas, sempre às segundas-feiras, no

turno da noite, no terceiro e quarto horários. A presença do pesquisador causou

certa apreensão pelos alunos, por se tratar de um número muito reduzido –

quatorze, sendo treze meninas e um menino, mas, com assiduidade nas aulas, nove

meninas e um menino, totalizando dez. Dessa forma, era preciso observar todos os

aspectos que aconteciam na sala de aula, desde as questões ligadas ao conteúdo à

interação imediata que estava sendo formado, entre o pesquisador, o professor e os

alunos, principalmente os dois últimos.

A partir desse contexto, o corpus foi outro desafio delimitador. Como se

tratava de analisar a formação dos sujeitos numa determinada disciplina, então o

obstáculo estava na seleção dos dados analisados. Dessa forma, ficaram priorizado

os instrumentos da fala entre professor-alunos, mediatizadas pelas relações de

poder e pelo contexto de produção a partir das atividades desenvolvidas em sala de

aula.

Além das gravações em áudio – posteriormente transcritas – materiais

digitalizados como avaliação e questionário foram delimitadores nesse estudo. Das

gravações em áudio, vinte e uma aulas compuseram o corpus, mas apenas os

recortes de três aulas foram utilizados para responder a pergunta investigativa. A

primeira sobre as impressões da sala de aula e os discursos produzidos entre a

professora e os alunos, a segunda sobre uma aula de língua e linguagem, e, por

último, uma aula sobre as vogais ministrada por uma aluna.

Nenhuma pesquisa caminha com as próprias pernas. Não foi diferente

com esta também. Ela necessita de aportes teóricos para sustentar a análise dos

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dados e, assim, subsidiaram essa investigação os princípios da teoria da

enunciação, a partir da interação verbal mediada pela dialogização entre os

indivíduos, (Cf. BAKHTIN, 1999, 2003); a teoria da formação da consciência social

do sujeito, proposta por Vigotsky (2005, 2007), a partir do contexto de produção na

sala de aula (Cf. BRONCKART 2007, 2008) e as discussões referentes às relações

de poder institucionalizadoras da sala de aula e entre os sujeitos a partir de Foucault

(1979 e 2009). Outras referências apareceram como fundamentação, ou ainda,

conforme Derrida (1971), suplemento. Nesse caso, não é perigoso como o autor

instiga, mas necessário ao desenvolvimento da pesquisa.

Nessa esfera relacional, Bakhtin dirá que as interações verbais na sala de

aula se constituem como

elos intermediários, inclusive aqueles elos imediatos do cotidiano, do dia-a-dia, não são omitidos, mas assimilados à luz das últimas questões como etapa ou símbolos da decisão final [...] Não se trata da análise da consciência sob a forma de um eu único e singular, mas precisamente da análise das interações de muitas consciências. (BAKHTIN, 2003, p. 341). (grifo nosso).

Esses elos impressos a partir das observações realizadas no „cotidiano‟

da sala de aula direcionam-se, detalhadamente, para as questões relacionadas aos

enunciados produzidos em sala de aula tanto pelo professor quanto pelos alunos.

Uma vez delimitados o objeto, corpus, referencial teórico e objetivos, essa

investigação foi estruturada da seguinte maneira:

No Capítulo 1 – Um olhar sobre o curso normal: breve histórico sobre

o percurso da educação brasileira desde a colonização, com a chegada dos

jesuítas, passando pelo Brasil Império, República, até a criação, constituição e

objetivos das primeiras Escolas Normais, dando ênfase ao Estado de Sergipe,

chegando à Cidade de Santo Amaro das Brotas, no final do século XX, na década

de 90.

O Capítulo 2 – O espaço das teorias no contexto pedagógico da sala

de aula – traz as discussões das teorias necessárias à fundamentação do objeto de

pesquisa, relacionando-as mediante os discursos que vislumbram o ambiente

institucionalizado da sala de aula. Esse capítulo foi subdividido da seguinte maneira:

20

visão geral sobre interação; pensamento de Bakhtin e Vigotsky relacionando a

interação relacionado com ISD – Interacionismo Sociodiscursivo a partir de

Bronckart; o signo e a consciência; o signo como mediador da atividade consciente;

o agir autoritário dos sujeitos; o ambiente autoritário; conceito sobre enunciado e

relações de poder em Foucault; e, por fim, uma ressalva a partir do conceito de atos

de fala em van Dijk.

Tais teorias colaboraram na solidificação da pesquisa e análise do

corpus, oferecendo alternativa de melhorar a qualidade de ensino da disciplina

Metodologia de Português daquela unidade escolar na cidade de Santo Amaro das

Brotas-SE.

No Capítulo 3 – A materialização dos pressupostos metodológicos

da pesquisa: foram construídos os procedimentos de análise. A instituição

escolhida para a pesquisa faz parte da rede pública estadual de ensino. A

delimitação centra-se em uma turma do terceiro ano do Curso Normal da disciplina

Metodologia de Português.

Quanto aos procedimentos, gravações em áudio nas aulas, anotações

pessoais por um diário de classe (Cf. MACHADO, 1998), foram recursos utilizados e

incluídos neste capítulo. Imagens do Colégio, gráficos explicativos sobre a disciplina

e a delimitação do nosso corpus também fazem parte do capítulo. Outrossim, os

sujeitos participantes da pesquisa como também o ambiente foram apresentados.

O quarto e último capítulo – Transcrição do discurso: análise da

interação em sala de aula – apresenta a análise dos dados coletados, desde as

gravações em áudio, que foram transcritas e, posteriormente, recortadas para

atender aos objetivos propostos à avaliação aplicada aos alunos sobre os

conteúdos desenvolvidos em sala de aula, como também o questionário respondido

por cada aluno sobre o Curso Normal e a disciplina MP.

Inicialmente, nossa análise se preocupou em contextualizar o ambiente

da sala de aula quanto à aprendizagem e uma avaliação respondida pelos alunos;

logo em seguida uma análise sobre uma aula de Língua e Linguagem e os reflexos

de consciência das relações na sala de aula.

A transcrição de uma aula ministrada por uma aluna sobre as vogais

delimitou nossa análise a partir do contexto de produção na aprendizagem e por

21

último, analisamos um questionário respondido pelos alunos sobre a disciplina MP e

o CN.

Na Conclusão do trabalho, algumas reflexões foram expostas a respeito

de alternativas para melhorar a formação na disciplina de MP dos futuros

professores no CN e as condições do cotidiano de sala de aula na interação

professor-alunos, quanto sua motivação social no processo formador em análise,

objetivando aos alunos a importância devida daquele curso para suas vidas quanto

ao papel ético e profissional.

22

CAPÍTULO 1:

UM OLHAR SOBRE O CURSO NORMAL

1.1 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DOS PRIMÓRDIOS AO INÍCIO DO SÉCULO XIX

história da educação no Brasil inicia-se em 1549 com a vinda

dos jesuítas que aqui aportaram em companhia do primeiro

Governador-Geral, Tomé de Souza. Desde então, ficou

praticamente entregue aos padres da Companhia de Jesus o ensino público em

nosso país, obedecendo às regras advindas da Coroa portuguesa.

Os jesuítas dedicaram-se à pregação da fé católica e ao trabalho

educativo. Perceberam que não seria possível converter os índios à fé católica sem

que soubessem ler e escrever. Todas as escolas jesuíticas eram regulamentadas

por um documento, escrito por Inácio de Loyola, o Ratio atque Instituto Studiorum,

ou abreviadamente, Ratio Studiorum1.

Os jesuítas não se limitaram ao ensino das primeiras letras além do curso

elementar, eles mantinham os cursos de Letras e Filosofia, considerados

secundários, e o curso de Teologia e Ciências Sagradas, de nível superior, para

formação de sacerdotes. No curso de Letras, eram estudadas as disciplinas

Gramática Latina, Humanidades e Retórica; e, no curso de Filosofia, os alunos

estudavam Lógica, Metafísica, Moral, Matemática e Ciências Físicas e Naturais.

Os jesuítas permaneceram como mentores da educação brasileira

durante duzentos e dez anos, até 1759, quando foram expulsos de todas as colônias

portuguesas por decisão de Sebastião José de Carvalho, o marquês de Pombal,

primeiro-ministro de Portugal, de 1750 a 1777, que entendeu serem eles “os grandes

causadores do estado calamitoso.” (OLIVEIRA, 2010, p. 71). Assim, segundo Falcon

(1993, apud idem), “a luta contra os jesuítas era a manifestação da rejeição de

1 Era um tipo de documento-constituição da Companhia de Jesus, com versão preliminar datada de

1556, no qual estavam presentes as regras definidoras da ação pedagógica a ser desenvolvida nos colégios mantidos pela Companhia de Jesus. (MELO, 2007, p. 26)

A

23

Pombal com relação à dominação aristocrática que no nível econômico estava em

perfeita harmonia com o que os jesuítas representavam no nível ideológico”

No momento da expulsão, os jesuítas tinham 25 residências, 36 missões

e 17 colégios e seminários, além de seminários menores instalados em todas as

cidades onde havia casas da Companhia de Jesus. A educação brasileira, com isso,

vivenciou uma grande ruptura histórica num processo já implantado e consolidado

como modelo educacional.

A expulsão deles, em 1759, aconteceu intencionalmente no período

pombalino que determinava as modificações na formação docente. O ministro

Marquês de Pombal que era, em Portugal, o representante de D. José I, rei de

Portugal, influenciado pelo movimento iluminista, tinha como objetivos, dentre outros,

modernizar a cultura portuguesa. Assim, através do Alvará de 28 de junho de 1759,

ao mesmo tempo em que suprimia as escolas jesuíticas de Portugal e de todas as

colônias, Pombal criava o auxílio pecuniário conhecido como Erário Régio2, cujo

objetivo era o de criar um novo método de ensino3 nas disciplinas de Latim, Grego e

Retórica. Criou também a Diretoria de Estudos, que só passou a funcionar após o

afastamento de Pombal. Cada Aula Régia era autônoma e isolada, com professor

único e não articulada com as outras.

Por conseguinte, Portugal logo percebeu que a educação no Brasil estava

estagnada e era preciso oferecer uma solução. Para isso, instituiu o "subsídio

literário" – um tipo de imposto que servia para custear os ensinos primário e médio.

Os professores – que se tornavam "proprietários" vitalícios de suas aulas régias –

eram geralmente mal preparados para a função, já que eram mal pagos e eram

nomeados por indicação ou sob concordância de bispos.

Apesar dos objetivos de modernização da educação, inúmeros problemas

foram aparecendo após a expulsão dos jesuítas de Portugal e das áreas colonizadas

2 O conceito insere-se na reorganização do sistema de cobrança de impostos e no combate ao fluxo

contrabandista, que causava os monopólios comerciais concedidos às companhias de comércio portuguesas. Segundo Oliveira (2010, p. 94) “A instituição desse sistema de ensino estatal provocou o desaparecimento do antigo mestre-escola, pago pelos pais de alunos, e criou a figura do mestre régio, que era subvencionado pelo Erário Régio [...] Tal imposto, como vimos, visava financiar o pagamento dos professores e mestres, mediante a taxação de um real em cada canada de vinho e quartilho de aguardente, nos reinos e ilhas, e em cada arrátel de carne de vaca.” 3 “Compreendiam o estudo das humanidades, sendo pertencentes ao Estado e não mais restritas à

Igreja - foi a primeira forma do sistema de ensino público no Brasil. (...) Na prática o sistema das Aulas Régias pouco alterou a realidade educacional no Brasil, tampouco se constituiu numa oferta de educação popular, ficando restrita às elites locais. Ao rei cabia a criação dessas aulas isoladas e a nomeação dos professores, que levavam quase um ano para a percepção de seus ordenados, arcando eles próprios com a sua manutenção”. (AZEVEDO, 1958. p. 289-320).

24

por aquele país. Em conformidade com os acontecimentos advindos da ausência

dos jesuítas, no Brasil,

a uniformidade da ação pedagógica, a perfeita transcrição de um nível escolar para outro, a graduação, foram substituídas pela diversificação das disciplinas isoladas. Leigos começaram a ser introduzidos ao ensino e o Estado assumiu, pela primeira vez, os encargos com a educação. Mas, apesar disso, a situação não mudou em suas bases. (ROMANELLI, 1998, p. 38)

Tendo em vista o caos referente ao sistema educacional brasileiro, a

formação de professores não caminhava mais pelas diretrizes institucionalizadas da

Igreja Católica, e sim pelas definições das reformas pombalinas. Com essa postura,

os interesses não foram alcançados por causa da transformação educacional-

cultural que passava o Brasil e por não ter suprido as dificuldades de formação dos

professores e torná-los, assim, preparados para orientar o ensino às normas do

Estado português.

Após o período de reestruturação da educação brasileira e com o fim da

descentralização da Igreja Católica, surge, no Brasil, a autonomia política no ano de

1822, que determinava uma educação não apenas para um grupo da sociedade

considerado elite, mas paulatinamente, para assumir um papel de preparadora de

setores específicos da população, inclusive de distribuição em cargos públicos da

estrutura administrativa do país.

A Constituição de 1824 (Artigo 179) destacava, com respeito à educação

que a instrução primária seria gratuita para todos os cidadãos. Com essa gratuidade,

três anos depois, a Assembleia Legislativa aprovou a primeira lei sobre a instrução

pública nacional imperial do Brasil, estabelecendo que, em todas as cidades, vilas e

lugares populosos haveria escolas de primeiras letras tantas quanto fossem

necessárias.

Conforme reformulação da Lei Geral de 15 de outubro de 1827, os

presidentes das províncias definiam os ordenados dos professores; as escolas

deviam ser de ensino mútuo; os professores, que não tivessem formação para

ensinar, deveriam providenciar a necessária preparação em curto prazo e às

próprias custas.

A formação do professor “ocorreria na capital da província e seriam

admitidos, mediante exame, em caráter vitalício, com estipêndio anual de, no

25

máximo quinhentos mil-réis” (SUCUPIRA, 2001, p. 58). Se a formação era uma das

prioridades, quanto ao ensino eram cruciais os conteúdos das disciplinas no ensino

de princípios da moral cristã e de doutrina da religião Católica e Apostólica Romana,

dando ênfase aos temas, no ensino de leitura, sobre a Constituição do Império e

História do Brasil.

Com Ato Adicional de 6 de agosto de 1834, instituindo as Assembleias

Legislativas provinciais com o poder de elaborar o seu próprio regimento. Desde que

estivessem em harmonia com as imposições gerais do Estado, caberia a elas

legislar sobre a divisão civil, judiciária, eclesiástica local e legislar sobre a instrução

pública, repassando ao poder local o direito de criar estabelecimentos próprios, além

de regulamentar e promover a educação primária e secundária. Ao Governo Central

ficavam reservados o direito, a primazia e o monopólio do ensino superior.

Villela (2007) ressalta que esse procedimento do Ato Adicional tinha como

princípio a descentralização administrativa. Baseado nessa Lei, cada província

passava a responder pelas diretrizes e pelo funcionamento das suas escolas de

ensino elementar e secundário. Logo, as províncias se defrontaram com dificuldades

para dar condições de primeiras letras aos moradores dos lugares distantes e

isolados.

Nesse período, o acesso à escolarização era precário ou inexistente,

tanto por falta de escolas, quanto de professores. Para atender ao problema da falta

de docentes, saíram os decretos para criação das primeiras Escolas Normais4 no

Brasil, com o objetivo de preparar professores para oferecer a instrução de primeiras

letras.

Graças à descentralização da educação através do Ato Adicional, em

1835, surgiu a primeira Escola Normal do país, em Niterói. Em seguida, outras

Escolas Normais foram criadas visando melhorias no preparo do docente. A partir da

constatação de que a educação brasileira encontrava-se numa situação de

abandono, o princípio de formação docente passou a ser discutido no Brasil.

A criação das escolas normais marcou uma nova etapa no processo de institucionalização da profissão, balizado por um duplo movimento: de um

4 Para suprir a necessidade de formação docente naquele momento histórico brasileiro, foram criadas

Escolas Normais em várias províncias do país: Minas Gerais (1835), Rio de Janeiro (1835), Bahia (1836), São Paulo (1846). Sabe-se que, embora criadas legalmente, a maioria dessas escolas optou por mandar professores para estudar fora do país, para aprender os métodos mútuos e simultâneos. Apenas a Escola Normal de Niterói iniciou suas atividades na década de 30 do século XIX.

26

lado, o controle estatal se faz mais restrito; de outro, os docentes de posse de um conhecimento especializado, melhoravam o seu estatuto sócio-profissional. (VILLELA, 2007, p. 101).

A presença do Estado na educação, no período imperial, era quase

imperceptível, pois estava diante de uma sociedade escravagista, autoritária e

formada para atender a uma minoria encarregada do controle sobre as novas

gerações. Ficava evidenciada a contradição da lei que propugnava a educação

primária para todos, mas na prática não se concretizava.

Assim, no final do Império, o quadro geral do ensino era de poucas

Instituições Escolares, com apenas alguns Liceus provinciais nas capitais, colégios

privados bem instalados nas principais cidades, Escolas Normais em quantidade

insatisfatórias para as necessidades do país.

Apesar de alguns cursos superiores garantirem o projeto de formação

(médicos, advogados, políticos e jornalistas), eram também os responsáveis por

construírem o grande abismo educacional para a maioria da população brasileira –

que tinha acesso apenas a uma casa e uma escola, com uma professora leiga para

ensinar os conteúdos de interesse do governo Imperial.

Foi a partir da República que o discurso liberal ganhou força no meio

intelectual. É nesse contexto que o sistema educacional passa por uma

transformação de ordem ideológica e cultural chegando a ser considerado como

condição importante na formação das pessoas na sociedade.

Diante dessas transformações, o surgimento das Escolas Normais (EN)

ganhou importância na formação social, pelo fato de ser reconhecida, na sociedade

brasileira, a inexistência de profissionais para lidar com o ensino primário no manejo

de lecionar aulas de conhecimentos básicos aos brasileiros.

Os cursos só se preocupavam com a formação profissional de alto

escalão da sociedade junto aos cidadãos das famílias elitizadas. Entendemos,

assim, que a preocupação ao ensino da educação brasileira era fundamental por

causa da precariedade nas EN no Brasil. Com o advento da República, a ênfase era

especificamente na formação de profissionais para o exercício magistério nas EN.

27

1.2 O ADVENTO DA REPÚBLICA E OS AVANÇOS NOS CURSOS NORMAIS

Como a intenção, nesse primeiro momento, está em mostrar um

panorama histórico do CN, cabe-nos salientar que o advento da República trouxe

inúmeras transformações a partir do movimento positivista encabeçado por Benjamin

Constant (1890 a 1892), que norteou as proposituras da laicidade, liberdade e

gratuidade da escola primária, desenvolvendo uma nova forma de ensino e

formação. Particularmente em Sergipe, as transformações começaram quando o CN

foi instituído com efetiva precariedade no ano de 1881 para alavancar as

transformações da escolaridade da região.

Conforme o novo momento educacional, Romanelli (1998) verificou que

houve pouco incentivo político por parte das elites, que enxergava nas ideias,

outrora constituídas por Benjamin Constant, uma forte ameaça ao processo

formativo da juventude pelo fato de a educação ter sido construída e visualizada

pelos valores da sociedade mais idosa, aristocrática. Essa posição é afirmada por

Azevedo (1953) quando diz que

do ponto de vista cultural e pedagógico, a república foi uma revolução que abortou e que, contentando-se com a mudança do regime, não teve o pensamento ou a decisão de realizar uma transformação radical no sistema de ensino para provocar uma renovação intelectual das elites culturais e políticas, necessárias às novas instituições democráticas. (1953, p. 134)

A educação das EN, portanto, não estava colocada como objetivo

prioritário, e as marcas dessa negligência tornavam-se visíveis pela falta de

investimentos por parte do Estado.

Nesse sentido, a educação das EN era assegurada à União como

responsável competente para legislar sobre o ensino superior na Capital da

República (art. 34, n°30), cabendo-lhe, sem exclusividade, alguma responsabilidade

de criar instituições de ensino superior e secundário nos Estados. (Cf. TANURI,

2000).

Conforme Decreto e instrução do governo republicano, os Estados

estavam prontos, legitimamente, para iniciar os cursos superiores e, prioritariamente,

secundários. A decisão de abertura institucional de ensino, porém, não determinava

que cada estado ou que cada município tivessem condições econômicas para tais

28

implantações, por causa da grande instabilidade ocasionada pela descentralização

do poder político. Resultado da falta de apoio financeiro por parte do governo

central, os Estados e Municípios5 passaram a criar e organizar os cursos primários

independentemente das diretrizes nacionais.

Com a estruturação do CN, o Estado de São Paulo foi o precursor dessa

modalidade de ensino e notadamente exerceu grande influência na educação de

Sergipe por ser, nesse período, considerado desvelador da educação nacional em

referência à formação de professores. Era atribuído a cada Estado elaborar um

relatório de governo, com as devidas informações e necessidades reais para formar

o professor, enviando-os a São Paulo para estudarem e voltarem em condições

profissionais de atuarem na sala de aula no ensino das primeiras letras.

Enquanto o país se desvelava em implantar esta nova modalidade de

ensino, buscando aprimorar a educação brasileira, o Estado de Sergipe ainda não

tinha o conhecimento dessas transformações nacionais. Com o florescer dos ideais

educacionais, o governo provinciano de Sergipe atentou para essa necessidade e,

como veremos a seguir, buscou modernizar e capacitar a educação sergipana.

1.3 OS AVANÇOS DO CURSO NORMAL NO ESTADO DE SERGIPE

A preocupação em preparar profissionais qualificados para o exercício

docente no Estado de Sergipe não foi a única iniciativa do governo, também houve a

preocupação em criar os primeiros grupos escolares, em organizar as cidades e,

principalmente, a capital do Estado, que começava a se diferenciar dos municípios

que criavam, simultaneamente, seus grupos escolares, assumindo características

próprias da vida urbana e reduzindo, progressivamente, os traços sociais de aspecto

rural, tanto em relação à cultura quanto à incorporação de práticas e costumes

urbanos.

5 Baseado neste Decreto foi que, posteriormente, a cidade de Santo Amaro das Brotas, no ano de

1993, iniciava suas atividades nesta modalidade de ensino, inaugurando a Escola Municipal de 2° grau Dr. Augusto do Prado Franco.

29

Assim, os Estados começaram a estruturar a EN obedecendo apenas às

exigências locais de suas necessidades. Em Sergipe, na última década da Primeira

República, a despeito dos sucessivos atos dirigidos à instrução pública, as

condições de funcionamento e de atendimento do ensino primário continuavam

precárias.

As reformas educacionais, promulgadas umas sobre as outras, além de

não contribuírem para uma política duradoura de melhoria e ampliação do

atendimento, favoreciam a descontinuidade e a instabilidade do setor educacional.

O Estado de Sergipe começava, em 1847, com a Resolução n° 15, a

preparar o terreno para iniciar a EN e o Curso de Humanidade no Atheneu

Sergipense. Após inúmeras tribulações no cenário político de Sergipe, a EN passou

por transformações ao ponto de descaracterizar o seu objetivo, provocando um

retrocesso nos ideais de ensino para a formação de profissionais das primeiras

letras.

Em detrimento à descentralização, Villela (2007) diz que o período das

décadas de 50 e 60 do século XIX não tinha se tornado favorável para a

solidificação da modalidade de formação de professores da EN por causa dos

acontecimentos políticos ocorridos no cenário local e nacional, enfraquecendo

continuamente a estrutura das escolas, seus currículos escolares e as constantes

extinções e recriações destes centros de estudos.

Quando Maurício Graccho Cardoso assumiu o governo em 1922, as

melhorias no Estado começavam a se tornar significativas, e a EN novamente fora

reestruturada com sua demarcação geográfica no Instituto Educacional Rui

Barbosa6, constituído como centro de atividades educacionais na profissionalização

docente, tornando-se o principal estabelecimento de ensino do Estado nesta

modalidade.

Assim, o panorama educacional de ensino saiu da esfera de ultrapassado

para um estado moderno e progressista. Este governo criou medidas para estimular

o ensino profissionalizante em Sergipe, dando margem ao surgimento a posteriori,

de CN no interior do Estado sob a responsabilidade dos municípios e,

principalmente, das instituições religiosas. (Cf. NUNES, 1984).

6 Unidade de ensino voltado para a formação de docentes no Curso Normal, na cidade de Aracaju,

trouxe consigo uma base de escola do Magistério nos moldes das antigas escolas normais, estruturada em muitos estados do país. Com o passar dos anos, a grade curricular foi sofrendo alterações.

30

Dentre os CN que surgiam no interior do Estado, no caso das unidades de

ensino que seriam administradas pelas religiosas, somente moças poderiam ser

matriculadas. Era determinante a prioridade por aquelas que pertenciam a famílias

importantes da cidade-sede da unidade de ensino. As vagas restantes eram

preenchidas por outras moças de cidades circunvizinhas, cabendo, no ato da

matrícula, um respaldo referencial sobre as moças e suas famílias.

Diante disso, Freitas (2003, p. 31) dizia que “o CN, além de oferecer uma

profissão às jovens órfãs que não se casavam7, oportunizava a ampliação de

estudos para jovens não internas”. Em outras palavras, a autora afirma serem as

unidades de ensino o ambiente para habilitar as moças às atividades religiosas ou

matrimoniais, além de priorizar a formação de professores para atuarem no ensino

das primeiras letras a crianças.

A preocupação dessas unidades de ensino centrava-se no tipo de

currículo a oferecer; a existência de disciplinas voltadas para atividades do lar, como

Trabalhos Domésticos, Corte e Costura e Economia Doméstica. As disciplinas de

Português, Matemática, Ciências, Geografia e História complementavam seus

currículos de estudos.

Segundo Pimenta (1992), os CN eram reconhecidos como sérios e de

uma dignidade inquestionável, pois seus conteúdos disciplinares compreendiam

estudos teóricos preparando as professoras para ministrarem aulas aos alunos da

elite social das cidades, excluindo dos centros de estudos as classes populacionais

menos favorecidas. Pouco tinha importância o salário que ganhariam, importava

apenas a dimensão sócio-matrimonial que o curso lhes oferecia perante a sociedade

e seu privilégio na elite social.

Quando promulgada em 1971, a LDB quase que não apresentou

alteração ao CN, corroborando na manutenção de sua não-identidade, pois teve

como reflexo o esvaziamento de conteúdos que não respondia às exigências de

capacitação e conhecimentos básicos para o exercício docente. Apenas alcançava

os objetivos da formação geral básica, mas pouco consistente. A caracterização que

7 É importante, mais uma vez, salientar que o CN preocupava-se, primeiramente, com a educação

social das famílias. Acredita-se que, por estas instituições serem administradas por religiosas, o intuito seria de consolidar a formação de futuras mães de família na perspectiva do matrimônio, entendendo que este, sendo um dos sacramentos da Igreja Católica, condicionava as mulheres como um “chamado de Deus” para suas vidas.

31

faltava para os CN advinha da inexistência de disciplinas pedagógicas, como

Estágio Supervisionado e disciplinas de fundamentação didático-pedagógica.

Os Estados não ofereciam nenhum embasamento para o docente

ministrar aulas nas séries iniciais, quanto menos uma diferenciação curricular que

inovasse os métodos de ensino-aprendizagem. Era urgente, portanto, formar

professores nessa modalidade, mas o Estado não investiu adequadamente para que

tal curso tivesse sua base bem organizada política e pedagogicamente.

Apesar disso, Sergipe continuava oferecendo o CN com as precariedades

advindas da base pedagógica, proliferando essa modalidade de ensino – com

habilitação do magistério – na cidade de Aracaju, no Atheneu Sergipense e,

posteriormente, no IERB e, principalmente no interior, por não existir um mínimo de

exigências em infra-estrutura para instaurar o curso.

Já nos meados do século XX, com a expansão das unidades de ensino, o

objetivo do Estado foi descentralizar o crescimento educacional da capital,

construindo ou mantendo CN em cidades do interior do Estado em parceria com os

municípios por causa da grande procura na capital. A expansão não ficou apenas

quanto ao número de unidades abertas em outros lugares, também houve a

necessidade de criar outras modalidades de ensino como Científico, Administração,

Contabilidade e Pedagógico.

O acesso ao curso superior ainda era um obstáculo distante de ser

alcançado por muitos que concluíam os primeiros estudos e encontravam, nessa

modalidade de curso técnico, a facilidade do término e a garantia de um lugar no

mercado de trabalho. Essa demanda foi aguçada pelas necessidades

mercadológicas de trabalho e pela condição de resumir a formação em um tempo

menor que uma graduação de nível superior. Assim, não distanciado de outras

realidades, tais cursos surgiram em várias cidades interioranas do Estado de

Sergipe, inclusive na cidade de Santo Amaro das Brotas.

32

1.4 O CURSO NORMAL DA CIDADE DE SANTO AMARO DAS BROTAS

A cidade de Santo Amaro das Brotas localiza-se na região do Vale do

Cotinguiba no Estado de Sergipe e possui, segundo dados do IBGE 2009, um pouco

mais de doze mil habitantes, distribuídos entre as zonas rural e urbana. Até o início

da década de 1990, século XX, o ensino público era mantido pelos governos

municipal e estadual, na esfera municipal com as modalidades de Educação Infantil

e EF e na esfera Estadual apenas com o EF. Desde então, todos os alunos que

terminavam seus estudos iniciais tinham que viajar todos os dias para as cidades

circunvizinhas para cursar o EM, antigo 2° grau.

Preocupado com essa situação, o governo municipal de Santo Amaro das

Brotas, em 1993, iniciou a oferta de matrículas para o curso do 2° grau na própria

cidade, depois da fundação da Escola Municipal de 2° Grau Dr. Augusto do Prado

Franco que ofereceria o curso pedagógico – que futuramente seria denominado CN

–, o Científico, hoje conhecido como EM e o curso de Contabilidade, que atualmente

somente é ofertado no nível superior.

Essa decisão acompanhou o ritmo de outras unidades de ensino da

capital e cidades do interior do Estado. Os cursos de 2° grau começavam a

funcionar, e a procura por matrículas fora enorme não só pela comunidade local da

cidade de Santo Amaro das Brotas como também pelas das cidades adjacentes, já

que essa seria a única que oferecia modalidades diferentes ao curso tradicional de

2° grau, chamado científico.

Com o surgimento do 2° grau, a unidade necessitava de professores em

áreas específicas para o exercício docente na formação de futuros professores que

atuassem na Educação Infantil e nos anos iniciais do EF. Por vias legais, o curso

ficou respaldado pelo Parecer do CFE (Parecer 349/72), que assegurava o

oferecimento da habilitação em Magistério no 2° grau. Este documento trouxe

também a definição da matriz curricular, juntamente com o CEE e a Secretaria de

Estado da Educação, tendo como base uma matriz comum no primeiro ano dos

cursos de 2° grau, tornando-se obrigatório em âmbito nacional a frequência dos

alunos nestas disciplinas.

No que se refere ao curso do Magistério, as disciplinas pertencentes no

segundo e terceiro anos de estudos eram direcionadas aos alunos disciplinas

33

específicas para o aprofundamento da habilitação profissional escolhida, como

Fundamentos Sociais, Históricos e Filosóficos da Educação, Didática, Estrutura,

Metodologia de Matemática, MP – objeto de nossa pesquisa – Metodologia de

Ciências, Metodologia de Estudos Sociais, Medidas Educacionais, Recursos Áudio

Visuais, Arte Infantil e Fundamentos Biológicos da Educação8.

A essas diretrizes, Pimenta (1992, p.116) define como finalidade na

presente proposta curricular da formação dos professores do CN que,

1. a formação dos professores se dará em Curso de Formação de Professores da 1ª à 4ª série do 1° grau; 2. a finalidade do Curso será formar professores capazes de ensinar de modo que os alunos aprendam os conhecimentos básicos da Língua Portuguesa, da Matemática, da História, da Geografia e das Ciências – instrumentos básicos para a inserção crítica na sociedade; 3. para isso, o Curso terá como objetivos propiciar aos alunos uma aguda consciência da realidade n a na qual irão atuar [...]; 4. a alfabetização é compreendida não como um conjunto de técnicas, mas enquanto leitura do mundo [...]; 5. o Estágio será um Projeto de Curso a iniciar-se no 1° ano [...]; 6. o Curso terá a duração de quatro anos, devendo as disciplinas do Núcleo Comum percorrê-lo, bem como iniciar-se-ão no 1° ano as disciplinas profissionalizantes; 7. para a composição da grade curricular, estabelecem-se princípios que a orientarão. (PIMENTA, 1992, p. 116)

Conforme a proposta do autor, os cursos teriam uma colaboração

subsidiária da Secretaria de Estado da Educação. Um grande problema, que não se

distanciou da realidade de outras cidades, também ocorreu em Santo Amaro das

Brotas quando houve a estruturação da unidade de ensino, nas condições

estruturais e pessoais (Recursos Humanos).

Como o Estado não oferecia investimento para as unidades de ensino,

era a Prefeitura que mantinha a instituição e, assim, a equipe pedagógica e o corpo

docente não tinham o devido suporte para melhor oferecer as atividades

educacionais, limitava-se aos esforços por eles desprovidos, solicitando sempre a

ajuda de amigos para manter o referido centro educacional.

Com o surgimento dessa modalidade de ensino, nascem outros

problemas estruturais e curriculares que Pimenta (idem), afirma ser mais uma

8 Disciplinas constantes no certificado de uma das concludentes para formação do Magistério da 1ª à

4ª série e embasadas pelo reconhecimento das Leis n° 5692/71 e 7044/82, pelo ato de autorização e funcionamento fornecido pelo Conselho Estadual de Educação, Resolução n° 127/1995. Ressaltamos que tal matriz curricular já passou por inúmeras transformações.

34

habilitação no 2° grau, sem infraestrutura adequada para oferecer um ensino de

qualidade.

Sem identidade própria; apresenta-se esvaziada em conteúdo, pois não responde nem a uma formação geral adequada, nem a uma formação pedagógica consistente; habilitação de “segunda categoria [...] Não há articulação didática nem de conteúdo entre as disciplinas do núcleo comum e da parte diversificada, e nem entre estas [...] (Ibidem, p. 109)

Nesse período, essa modalidade de ensino constituiu-se, portanto, em um

retrocesso na formação do professor e do cidadão brasileiro, quando atribuiu, de

modo universal e compulsório, a formação docente de 2° grau. Ao deparar-nos com

essa situação, somos capazes de questionar qual é o lugar da formação docente

nestas unidades de ensino e seus mecanismos de ensino-aprendizagem em

qualificar um cidadão e torná-lo apto em lecionar nos anos iniciais do EF.

Não queremos afirmar que os gestores educacionais locais naquela

ocasião foram os responsáveis pela ineficácia educacional, pois isso decorre da

ausência de ações do Estado – não apoiar e incentivar a instituição de ensino – que

deveria criar políticas públicas e favorecer a ampliação e a qualidade da educação

na cidade de Santo Amaro das Brotas.

O que se procura, nesses cursos, é a formação de um cidadão que

associe a competência científico-técnica à competência política que seja capaz de

compreender os processos produtivos, a ponto de capacitar-se para dirigi-los, e não

apenas executá-los. Para isso, oferecemos, neste estudo, um aporte teórico para

referenciar os pontos metodológicos e conceituais dos futuros profissionais da

educação brasileira dos anos iniciais do EF.

Como nosso objetivo está focado na formação dos professores no CN,

cabe salientar ser fundamental um estudo específico sobre as teorias que norteiam

as interações na sala de aula desta modalidade formativa. Apresentaremos, então,

no próximo capítulo, um estudo a partir da perspectiva das interações verbais,

baseado em autores que acreditamos serem importantes como referencial teórico

para esta pesquisa.

35

CAPÍTULO 2:

O ESPAÇO DAS TEORIAS NO CONTEXTO PEDAGÓGICO

DA SALA DE AULA

osso estudo propõe uma reflexão acerca da interação verbal a partir

da teoria enunciativa em Bakhtin (1999, 2003) e da teoria sócio-

interacionista de Vigotsky (2005, 2007). A importância dada para

este capítulo concentra-se na compreensão de teorias que acreditamos serem

fundamentais para a análise dos discursos produzidos em sala de aula. Assim,

propomos uma reflexão sobre o termo interação que se desdobra nas concepções

particularizadas, advindas dos teóricos acima citados desde a formação da

consciência social ao interacionismo sociodiscursivo.

2.1 UMA DISTINÇÃO PRELIMINAR DO TERMO INTERAÇÃO

Analisar a interação em sala de aula implica, inicialmente, observar os

enunciados que constituem os dizeres e os sujeitos presentes no contexto

enunciativo do espaço institucionalizado e proceder à análise dessa interação

através do tipo de estudo de caso dos discursos que são constituídos tanto pelos

alunos quanto pelo professor. Daí o ambiente institucional transformar-se numa

arena de interesses em que a interação entre os sujeitos é produzida por um só

motivo – o do ensino- aprendizagem.

Não podemos tratar da interação se não tivermos uma delimitação sobre

tal conceito, já que “recobre uma grande diversidade de fenômenos.” (ROCHA E

GURGEL, 2002, p. 213). Como a interação é um termo polissêmico nos estudos da

N

36

linguagem, delimitaremos esse conceito em um contexto de dimensão interacional

dialógica9 particular dos discursos apresentados e produzidos em sala de aula.

Para Charaudeau e Maingueneau (2006), interação é a ação recíproca de

dois (ou vários) objetos ou fenômenos. Particularmente à abordagem interacionista,

enfatizam a necessidade de privilegiar o discurso dialogado, tal como ele se realiza

nas diversas situações da vida cotidiana. Esse conceito oferece-nos subsídios de

grau interativo pelo fato de os discursos implicarem interação entre o emissor e o

receptor, em graus diferenciados mediante a comunicação face a face.

Os discursos são, nessa perspectiva, entendidos como construções

coletivas entre os interactantes do contexto. Muitos estudos foram gerados no

campo da interação. Nessa perspectiva, a linguagem, tanto por suas propriedades

formais, quanto discursivas, é uma forma privilegiada dos sujeitos enunciadores.

A concepção de interação como constitutiva da natureza dialógica da

linguagem associa-se a uma ideia de ação conjunta entre os sujeitos no ambiente

conversacional, permitindo qualidades circunstanciais da reciprocidade enunciativa

em detrimento do contexto das práticas situacionais. (Cf. MORATO, 2007).

Analisar a sala de aula permite-nos acreditar ser a interação verbal um

caminho possível para nosso estudo, pois abordaremos a seguir a visão bakhtiniana

norteando os conceitos na dimensão dialógica da sala de aula.

2.2 INTERAÇÃO: UMA PONTE CONCEITUAL ENTRE BAKHTIN E VIGOTSKY

Existem pontos convergentes entre as teorias de Bakhtin e as de Vigotsky

que focalizam as relações sociointeracionais da linguagem no espaço da sala de

aula e que podem ser observadas nos estudos acerca das enunciações.

Enquanto em Bakhtin (1999, 2003) os postulados referentes às interações

verbais são constituintes dos discursos que se enunciam entre os sujeitos de um

espaço institucionalizado, em Vigotsky (2007), o interacionismo sugere a

9 Entende-se como o campo que abrange as práticas de linguagem numa primeira referência teórica

que se localiza na obra de Bakhtin, focalizando a palavra como uma espécie de ponte lançada entre um eu e os outros. [...] Essa concepção reafirma que a enunciação é sempre o produto da interação de dois interlocutores socialmente organizados. (ROCHA E GURGEL, 2002, p. 215-6)

37

compreensão entre os sujeitos como responsáveis na construção de sua

consciência social profissional.

Tais teorias podem ser correlacionadas para fundamentar as interações

verbais nos discursos da sala de aula. Em Vigotsky (2004, 2005, 2007), a análise do

sociointeracionismo restringir-se-á à formação do pensamento e da consciência

social.

São as intervenções, consideradas sócio-históricas, entre as pessoas,

que Vigotsky (2005) defende – no desenvolvimento da criança –, como

conhecimento e uso de unidades significativas da língua e, posteriormente, a

caracterização do pensamento consciente. Essa origem do pensamento social e do

funcionamento humano advém do outro – neste caso, especificamente, a relação do

locutor com o ouvinte – nas relações naturais do cotidiano. Assim, a linguagem é

vista numa concepção sociointeracionista que se realiza nas interações sociais.

Nessa corrente, o percurso do desenvolvimento do sujeito é visto de fora para

dentro, do social para o individual.

Enquanto prática social, a interação verbal circula pelo movimento das

palavras entre os sujeitos. Essa movimentação diz respeito ao contexto em que se

desdobram elementos complementares – situação imediata e meio social amplo.10

Segundo Bakhtin, só existe interação se houver um locutor e um ouvinte

pertencentes

à mesma comunidade linguística, a uma sociedade claramente organizada. E mais, é indispensável que estes dois indivíduos estejam integrados na unicidade da situação social imediata, quer dizer, que tenham uma relação de pessoa para pessoa sobre um terreno bem definido. (1999, p. 70)

Com efeito, o autor afirma que a situação imediata deve ser colocada

como essencial nas divisões metodológicas quando cada sujeito constrói sua fala

em detrimento do outro, considerado pelo próprio autor de subjetivismo idealista

(idem, p. 72) que organiza a linguagem como um “caráter preliminar, construtivo,

descritivo, classificatório” procedente de atos voluntários individualizados.

10

Entendemos a situação imediata como o espaço contextual que se aproxima dos interactantes para alcançar o reconhecimento de si mesmos e dos outros. As relações no meio social os qualificam para produzirem as enunciações da própria língua. O meio social amplo estabelece que a enunciação organize condições de análise envolvendo as esferas na estrutura da sociedade dialogando com a política, a religião, o judiciário, a história e os fatores sócio-econômicos que determinam o funcionamento das estruturas sociais e da vida dos sujeitos.

38

As interações são construídas pela língua que representa, na sociedade,

o código de fala entre os indivíduos produtores de enunciados reconhecidos e

assimilados pelo contexto social. Para melhor compreender a interação verbal social,

apresentamos três eixos – língua, linguagem e fala11 – postulados anteriormente por

Ferdinand Saussure e considerados por Bakhtin como sistema das enunciações.

Contribuindo similarmente a esta discussão, Bronckart (2008) quando trata do

conceito de língua no Interacionismo Sociodiscursivo – ISD, afirma ser

um conjunto organizado de formas acessíveis à consciência dos sujeitos falantes. A linguagem é um fenômeno; é o exercício de uma faculdade que existe no homem. A língua é o conjunto das formas concordantes que este fenômeno assume em uma coletividade de indivíduos e numa época determinada. (2008, p. 26)

Cientes de que a língua é a representação social, o signo da fala por

excelência, ela individualiza os discursos mediante os sujeitos, produzindo atividade

de linguagem. Bakhtin (1999) dizia ser a expressão-enunciação o atravessamento

dos discursos por meio da enunciação no convívio social. Essa enunciação é

formada pela transmissibilidade da palavra lançada ao outro, sendo

o produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados e, mesmo que não haja um interlocutor real, este pode ser substituído pelo representante médio do grupo social ao qual pertence o locutor A palavra dirige-se a um interlocutor: ela é a função da pessoa desse interlocutor: variará se se tratar de uma pessoa do mesmo grupo social ou não, se esta for inferior ou superior na hierarquia social, se estiver ligada ao locutor por laços sociais mais ou menos estreitos [...] não pode haver locutor abstrato. (1999, p. 112)

O autor valoriza o ato de fala, a enunciação, afirmando sua natureza

social. Esta última é, para Bakhtin (1999), a unidade real da cadeia verbal, já que as

relações sociais estão sempre em evolução. A enunciação realiza-se no discurso

11

Bakhtin não rejeita o pensamento saussuriano. Ele considera o pensamento de Saussure indispensável quando analisa o estudo da língua e da fala. Para tanto, “tomada como um todo, a linguagem é multiforne e heteróclita; participando de diversos domínios tanto do físico, quanto do fisiológico e do psíquico, ela pertence ainda ao domínio individual e ao domínio social; ela não se deixa classificar em nenhuma categoria dos fatos humanos, porque não se sabe como isolar sua unidade. A língua, ao contrário, é um todo em si mesma e um princípio de classificação. A partir do momento em que lhe atribuímos o maior destaque entre os fatos da linguagem, introduzimos uma ordem natural num conjunto que não se presta a nenhuma outra classificação. [...] A língua não é função do sujeito falante, ela é um produto que o sujeito registra passivamente. [...] A fala é, ao contrário, um ato individual de vontade e de inteligência no interior do qual convém distinguir: primeiramente, as combinações pelas quais o sujeito falante utiliza o código da língua para exprimir seu pensamento pessoal; em segundo lugar o mecanismo psicofísico que lhe permite exteriorizar estas combinações. (SAUSSURE, 2003, p. 86-7)

39

como atividade de linguagem ininterrupta, que atende aos objetivos sociais de

comunicação. O processo de fala é compreendido como amplo na atividade de

linguagem, tanto exterior, quanto ao discurso interior, considerando a atividade

verbal pelo pensamento.

Abordar a questão enunciativa bakhtiniana leva-nos a considerar o

dialogismo, pois a construção das enunciações advém desse processo e reproduz

unidades linguísticas como fundamentadoras em um só sistema da língua

reproduzida individualmente. Esse elo constitui uma nova enunciação. Se a língua é

o instrumento sígnico social da interação verbal, então vários discursos são

originados nos grupos sociais por meio das enunciações entre os sujeitos.

Bakhtin considera o agir do sujeito como essencial na ação comunicativa

com o outro. O sujeito é visto em sua incompletude, pois necessita do

relacionamento com o outro. Integrando essa discussão, o Interacionismo

Sociodiscursivo (ISD)12 oferece instrumento interacional, ou seja, prática social, de

linguagem dos sujeitos em contextualizarem seu agir no discurso pedagógico de

sala de aula, formando situações de ensino-aprendizagem.

Isso significa perceber a raiz das análises pelo contexto de produção das

falas da professora e dos alunos. Na dimensão interacional, será que os

interactantes estão cientes do contexto de produção de suas falas na disciplina MP

no ensino de LM?

Esse jogo dialógico pressupõe que, no ato enunciativo, várias vozes se

entrecruzam; portanto, a enunciação, por ser inegavelmente marcada pelo diálogo,

pressupõe respostas. Os enunciados, enquanto elos da cadeia discursiva, são

reações a outros que o antecederam e suscitam novas respostas. Se não for assim,

não é um enunciado – isto é, um conjunto de elementos linguísticos articulados,

porém, não expostos à enunciação, na qual os sentidos são negociados e as

relações sociais consolidadas.

A seguir, os conceitos de signo e consciência serão apresentados para

sustentar o princípio das interações verbais mediadas pelas relações entre os

sujeitos sociais que desenvolvem a fala por meio da consciência na formação do

saber.

12

Neste momento, não queremos apresentar mais uma teoria para este capítulo, mas afirmar ser possível, no terceiro e quarto capítulos do nosso trabalho, utilizá-la como suporte nas análises. Sobre esse termo recorremos aos postulados teóricos de Jean-Paul Bronckart.

40

2.2.1 O SIGNO EM BAKHTIN E A CONSCIÊNCIA EM VIGOTSKY

Todas as representações dialógicas devem aparecer nas relações de

consciência do sujeito, pois, de acordo com Bakhtin (1999, p. 115), a atividade

mental é de caráter primitivo, gregário e diferenciado. Essa atividade torna-se uma

diferenciação ideológica como crescente do grau de consciência na estabilidade da

orientação social dos sujeitos. Nesse sentido, o próprio autor postula que uma

consciência

[...] adquire forma e existência nos signos criados por um grupo organizado no curso de suas relações sociais. Os signos são o alimento da consciência individual, a matéria de seu desenvolvimento, e ela reflete sua lógica e suas leis. A lógica da consciência é a lógica da comunicação ideológica da interação semiótica de um grupo social. (BAKHTIN, 1999, p. 35-36).

A concepção de signo deve ser entendida como uma abordagem

dialógica da consciência mental para social. Por conseguinte, o signo não será

entendido como estrutura plana do sistema da língua enquanto código, atribuído por

Saussure como significado e significante.

Somente a visão total do objeto linguagem poderá permitir uma

compreensão ativa de assimilação entre interação e o elemento linguístico língua (já

denominado anteriormente como sistema social) e a fala, como atividade de

individuação discursiva do sujeito buscando a síntese enunciadora como constitutiva

da linguagem humana. Como enfatiza Bakhtin,

um signo não existe apenas como parte de uma realidade; ele também reflete e refrata uma outra. Ele pode distorcer essa realidade, ser-lhe fiel, ou apreendê-la de um ponto de vista específico, etc. Todo signo está sujeito aos critérios de avaliação ideológica (isto é: se é verdadeiro, falso, correto, justificado, bom, etc). O domínio do ideológico coincide com o domínio dos signos: são mutuamente correspondentes. Ali onde o signo se encontra, encontra-se também o ideológico. Tudo que é ideológico possui um valor semiótico. (1999, p. 32, grifo do autor)

Destacamos que a capacidade de reversão do signo social verbal é

garantida por sua característica de mediação entre o objeto e o sujeito, produzindo o

movimento singular da consciência dialeticamente no movimento de sentido – fora,

dentro e fora do sujeito. A seguir propomos um esquema que pode representar as

41

interações verbais entre o signo socialmente apresentado como reflexo do sujeito/Eu

para o sujeito/Outro e suas representações.

Movimento SVS

O esquema representa o Signo Verbal Social que opera entre os sujeitos

de maneira a construir, a partir da língua, a fala de cada interactante. Através do

sistema social, o sujeito realiza o processo de individuação da fala através do signo,

pois só ele determina as formações enunciativas capazes de formar os discursos

individualizados. Dessa maneira, a troca de falas entre os sujeitos constituirá

reflexos e trocas de ideias no processo de socialização linguística que formará a

consciência de cada sujeito enquanto responsável da atividade consciente que

opera no desenvolvimento do sujeito enquanto responsável em sua formação.

Cabe lembrar que a produção enunciativa dos sujeitos deve compreender

o sistema da língua que os envolve. O processo de formação dos discursos

compreende e reconhece a comunidade linguística. As interações verbais não se

esgotam em nenhuma dessas esferas apresentadas, pelo contrário, são

reconstruídas com a participação do outro.

O agir do sujeito, nessa perspectiva, permite a individuação de seu

discurso, que se constitui na interação verbal. Por esse motivo, ela, a individuação,

será entendida como um processo social verbal, no qual os interlocutores

relacionam-se enquanto sujeitos tanto no plano social quanto no linguístico, ao

realizarem as escolhas verbais possíveis num determinado contexto social.

SISTEMA SOCIAL – SIGNO

Formações enunciativas de discursos individualizados

SIGNO SONGIS

Processo de socialização linguística

SUJEITO 1 individuação da fala

SUJEITO 2 individuação da fala

Esquema 1: compreensão da atividade consciente

42

Ainda em Bakhtin (1999), o sujeito é, outrora dito, constituído nas

interações com os outros. Comungando dessa realidade, na sala de aula,

verificamos ser possível criar um espaço enunciativo para a construção dos dizeres

entre os interactantes por meio de produção de contexto e relação de poder13. A

função do sujeito está focalizada em seus discursos para produzirem relações de

conhecimento e consciência social.

O conhecimento e a consciência estão sempre inacabados. Por

conseguinte, a consciência não se forma do interior para o exterior, mas do exterior

para o interior de forma contínua, ela precisa de informações do meio social para

tornar essencial seu objetivo e concretizá-lo como suporte de aprendizagem em sua

formação. Essa formação consciente é um processo ininterrupto, que se forma e se

manifesta através da linguagem. A relevância que Bakhtin sugere na situação social

e nos participantes constitui partes determinantes da forma e do estilo da

enunciação. Nas palavras do autor, “a significação é o efeito da interação do locutor

e do receptor produzido através do material de um determinado complexo sonoro”.

(1999, p. 132)

Em outras palavras, não é possível separar a significação da situação

concreta em que se realiza: o discurso como tal não tem significação, é apenas um

sinal, o qual é conceituado por Bakhtin (ibidem, p. 93) como um instrumento técnico

para designar objetos e acontecimentos, cujo conteúdo é imutável. E acrescenta que

“(...) não pode substituir, nem refletir, nem refratar nada (...)”.

Em razão desses condicionamentos sócio-históricos que atravessam os

sujeitos, a teoria dialógica de Bakhtin somente afirma o acontecimento enunciativo

que dará significação da palavra; ela será construída durante o processo enunciativo

da interação verbal e social. Como ressalta Bakhtin,

não tem sentido dizer que a significação pertence a uma palavra enquanto tal. Na verdade, a significação pertence a uma palavra enquanto traço de união entre os interlocutores, isto é, ela só se realiza no processo de compreensão ativa e responsiva. A significação não está na palavra nem na alma do falante, assim como também não está na alma do interlocutor. Ela é o efeito da interação do locutor e do receptor produzidos através do material de um determinado complexo sonoro. É como uma faísca elétrica que só se reproduz quando há contato dos dois pólos opostos.

13

Os termos usados serão esclarecidos posteriormente, quando nos referirmos às categorias de análise do corpus coletado e transcrito.

43

Aquele que ignora o tema14

(que só é acessível a um ato de compreensão ativa e responsiva) e que, procurando definir o sentido de uma palavra, atingem o seu valor inferior, sempre estável e idêntico a si mesmo [...] (BAKHTIN, 1999, p. 132, grifo do autor)

Afirma-se, então, que a significação do signo social – por considerar o

fator linguístico língua – localiza-se no nível inferior do processo de compreensão

ativa e responsiva, por enquanto abstrato na constituição de frases. Considerando o

signo numa concepção bakhtiniana, ele se apresentará como um sistema abstrato

estritamente linguístico, no nível da norma gramatical ou discursivo, sendo

compreendido em sua dinamicidade como mutável sem significações prévias.

Nessa última assertiva, sobre a significação sígnica, concentra-se o

objetivo desta pesquisa, por ser ela a atividade social ideológica que se materializa

pela palavra, não apresentando significação, mas sentidos resultantes da

dialogização procedente das interações verbais entre os sujeitos. O espaço

institucionalizado do contexto enunciativo será o interior da sala de aula, realizando

o trabalho de interpretação sob o olhar da Linguística de corpus concernente à

coleta de dados como mais importante na interação verbal, ultrapassando o terreno

do elemento gramatical à formação das produções enunciativas dos interlocutores.

Segundo Bakhtin (1999), a interação verbal realiza-se através das

enunciações que se constituem como elemento fundamental da língua. O diálogo

em sala de aula, portanto, focalizado nesta pesquisa, é reconhecido em uma

dimensão ampla, conforme orienta o autor:

o diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, senão uma das formas, é verdade que das mais importantes, da interação verbal. Mas pode-se compreender a palavra “diálogo” num sentido amplo, isto é, não apenas como enunciação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja. (1999, p. 123)

14

Para compreender, a partir de Bakhtin, o conceito de tema, delimitamos tal estudo na concepção entre interação-sujeitos-enunciados. “O tema da enunciação é na verdade, assim como a própria enunciação, individual e não reiterável. Ele se apresenta como a expressão de uma situação histórica concreta que deu origem à enunciação [...] ele – o tema – é determinado não só pelas formas linguísticas que entram na composição (as palavras, as formas morfológicas ou sintáticas, os sons, as entonações), mas igualmente pelos elementos não verbais da situação [...] o tema da enunciação é concreto, tão concreto como o instante histórico ao qual ela pertence [...] o tema é um sistema de signos dinâmico e complexo, que procura adaptar-se adequadamente às condições de um dado momento da evolução. O tema é uma reação da consciência em devir ao ser em devir. (BAKHTIN, 1999, p. 128-29, grifo do autor)

44

O signo verbal ideológico, então, tem sentido constituído no interior da

interação verbal pelo processo das enunciações concretas advindas dos discursos

entre os interlocutores. A centralização do discurso do “outro” e a constituição da

subjetividade nas enunciações estabelecem diferentes formas e graus de orientação

dialógica do discurso enunciativo. O diálogo, tanto exterior, na relação com o outro,

quanto no interior da consciência, realiza-se na linguagem e pertence à dimensão

humana. Consideramos o dialogismo bakhtiniano como relações decorrentes entre

interlocutores, em uma ação histórico-social, por causa da produção da fala original.

Bakhtin explica que a atitude responsiva ativa é o fato de um ouvinte não

se comportar apenas como um decodificador da língua, mas de adotar em relação

ao dito uma atitude de concordância (ou não), do enunciado produzido. Essa

posição supõe o limite de cada enunciado concreto como partícula de comunicação

que se alterna entre os sujeitos do discurso. Assim,

o falante termina o seu enunciado para passar a palavra ao outro ou dar lugar à sua compreensão ativamente responsiva. O enunciado não é uma unidade convencional, mas uma unidade real, precisamente delimitada da alternância dos sujeitos do discurso, a qual termina com a transmissão da palavra ao outro [...] essa alternância dos sujeitos do discurso, que criam limites precisos do enunciado nos diversos campos de atividade humana e da vida, dependendo das diversas funções da linguagem e das diferentes condições e situações de comunicação, é de natureza diferente e assume formas variáveis. (BAKHTIN, 2003, p. 275)

Nota-se que o autor instiga a alternância dos sujeitos como método real

dos diálogos alternadores das enunciações entre os interactantes. A cada

participação discursiva compete uma resposta pela formação de um novo discurso

produzido por outrem. A resposta advinda do outro é vista como atividade

responsiva.

A alternância dos sujeitos do discurso que emoldura o enunciado e cria para ele a massa firme, rigorosamente delimitada dos outros enunciados a eles vinculados, é a primeira peculiaridade constitutiva do enunciado como unidade da comunicação discursiva, que o distingue da unidade da língua. (idem, p. 279-80).

Corroborando com a ideia de alternância do sujeito responsivo, Bakhtin

especifica graus diferenciados nas respostas pelas enunciações dos sujeitos.

Primeiro, uma atitude responsiva imediata: caracterizada pela resposta direta do

ouvinte ao enunciado do locutor, apresentando sua opinião favorável, desfavorável,

45

refutada ou ironizada; segundo, com representatividade responsiva silenciosa

referindo-se à obediência e concordância da enunciação, principalmente no discurso

autoritário; e, terceiro, atitude responsiva ativa de efeito retardatário, correspondente

à manifestação ativa do sujeito à palavra que lhe foi dirigida, sem resposta imediata.

Essa atitude é característica do processo de interação que envolve

gêneros discursivos e estes, por sua estrutura, conteúdo ou estilo, em determinadas

instâncias sociais, não possibilitam a manifestação imediata do interlocutor, como,

por exemplo, os gêneros escritos da esfera acadêmica.

Devemos entender o termo dialogização, neste trabalho, a partir do

contexto discursivo de atividade de linguagem. O estudo nomenclaturar da gramática

não é nosso objeto de estudo. Importa-nos estudar o discurso como realização

social do signo entre os sujeitos; assim, a base do dialogismo e das relações

dialógicas circula entre as questões do tema e do gênero como

relações entre toda a espécie de enunciados na comunicação discursiva. Dois enunciados, quaisquer que sejam, se confrontados em um plano de sentido (não com objetos e não como exemplos linguísticos), acabam em relação dialógica. Mas essa é uma forma especial de dialogismo não intencional. (BAKHTIN, 2003, p. 323)

É considerável, portanto, que todo enunciado produza e reconheça ter um

interlocutor participante. Todo o sujeito, em Bakhtin, forma um conjunto conceitual

discursivo que está ligado direta, ou indiretamente, a outras enunciações. São os

discursos que transmitem um conhecimento de linguagem aos autores

contemplando a subjetividade das interações a partir das falas produzidas para os

outros.

A concepção de linguagem em Bakhtin, desenvolvida através da

interação entre os sujeitos, tem forte semelhança com a teoria de Vigotsky, cujo

enfoque é também o sócio-histórico, referente à apropriação do conhecimento

historicamente construído que se dá através da interação social por meio da

linguagem sígnica15 e da palavra.

Ambas as teorias enfatizam o signo, de modo especial, a enunciação, na

constituição da atividade verbal. Partindo dessa premissa, esboçaremos alguns

15

Fizemos um empréstimo da Linguística Estruturalista do termo. Tratarei em nossa pesquisa como delimitação à concepção psicológica do pensamento vigotskiano para entender a representação do desenvolvimento humano entre palavra e significado e aos postulados do ISD – Interacionismo Sociodiscursivo. A reflexão sugerida por Ferdinand Saussure não será contemplada neste trabalho.

46

conceitos básicos da teoria de Vigotsky (2005) relevantes à prática discursivo-

pedagógica na formação do adulto e sua consciência.

Ao desenvolver a teoria de análise das relações face a face entre o

pensamento e a linguagem, Vigotsky refere-se a dois elementos linguísticos – som e

o significado. Para ele,

é no significado da palavra que o pensamento e a fala se unem em pensamento verbal [...] Uma vez que o significado da palavra é simultaneamente pensamento e fala, é nele que encontramos a unidade do pensamento verbal que procuramos. [...] A função primordial da fala é a comunicação, o intercâmbio social. (2005, p. 6)

Nesta opção teórica, não pretendemos delimitar o conceito de signo ao

postulado psicológico, mas vê-lo como resultado das relações sociais na formação

do pensamento humano. Com relação ao instrumento do signo, Vigotsky fala do tipo

especial chamado de análise em unidades. Ela tem o mesmo valor para o autor

(2005, p. 41), como o signo para os linguistas, ou seja, uma unidade que representa

o todo e que pode ser subdivida em partes. Nessa unidade, o progresso da palavra

“não é paralelo ao progresso do pensamento.” E ainda,

no desenvolvimento da fala, este é o estágio final da fala interior, silenciosa. Continua a existir uma interação constante entre as operações externas e internas, uma forma se transformando na outra sem esforço e com frequência, e vice-versa. Quanto à forma, a fala interior pode se aproximar muito da fala exterior, ou mesmo tornar-se exatamente igual a esta última, quando serve de preparação para a fala exterior – por exemplo, quando se repassa mentalmente uma conferência a ser dada. Não existe nenhuma divisão clara entre o comportamento interno e externo, e um influencia o outro. (idem, p. 58).

Considerando as palavras do autor, entende-se que a função da fala

completa-se a partir das interações do sujeito com seu próprio pensamento,

chamada por Vigotsky de fala interior. Não podemos, entretanto, considerar essa

fala como sistema internalizador – externalizador, uma vez que a fala é representada

por sequências advindas do exterior para o interior do adulto.

Segundo Vigotsky (2005), é a linguagem quem move o desenvolvimento

do pensamento a partir do instrumento social da fala e organiza as experiências

sócio-culturais dos sujeitos pela absorção de conhecimentos. Por isso, entendemos

que os fatores exteriores são necessários para pensar os interiores da consciência

humana. Esse cruzamento mediatizado pelo signo social considera o

47

reconhecimento de significados válidos na construção dos saberes intelectuais dos

sujeitos. Essa importância deve ser credibilizada por causa da formação do

pensamento humano a partir das relações sociais.

No conjunto dessa observação teórica na formação do pensamento

humano, Vigotsky afirma serem

os mecanismos intelectuais relacionados à fala que adquirem uma nova função; a percepção verbalizada, não mais se limita ao ato de rotular. Nesse estágio do desenvolvimento, a fala adquire uma função sintetizadora, a qual por sua vez, é instrumental para se atingir formas mais complexas das percepções cognitivas. A fala requer um processamento sequencial. (2007, p. 23, grifo nosso)

Para justificar, o autor dirige-se aos mecanismos intelectuais por

reconhecer sua importância nos componentes interiores da mente humana e

processadora das manifestações sociais. Por isso, entendemos que a fala transita

por um processamento sequencial constitutivo de relações sociais, categorizando os

objetos e transformando em atividades intelectuais.

Vigotsky (2005), particularizando a discussão acerca do pensamento e da

palavra, enfatiza que ambos não devem ser vistos como uma coisa, mas um

processo, “um movimento contínuo de vaivém do pensamento para a palavra.” Daí,

a relação existente entre esses dois pilares teóricos – e, ao mesmo tempo,

metodológicos – passa por transformações funcionais.

No entanto, considerando os aportes teóricos da psicologia, enxergamos

a comunicação humana como atitude generalizadora dos avanços do

desenvolvimento da palavra enquanto subsídio significativo social da mente

humana, uma vez que se reconhece a infinita representação dos signos para o

desenvolvimento do pensamento.

Destacamos que os processos da formação social e do pensamento

humano iniciam em Vigotsky (2007), a partir da criança16, nos estudos acerca da

Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP)17, e vão até a fase de constituição do

16

A fronteira de delimitação sobre a formação do desenvolvimento da criança, neste trabalho, compreende uma análise específica das fases da criança. Não pretendemos analisar a dimensão do desenvolvimento da criança psicologicamente, mas preparar o leitor para as condições que inserem a criança no contexto das formações sociais, desde a constituição de sua consciência quando exige não mais da criança, e sim do adulto, uma distinção de suas opções – inclusive profissionais. 17

A ZDP é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais

48

amadurecimento profissional adulto. A origem social da consciência, ressaltando a

importância da linguagem como constituinte do pensamento, é, para ele, fenômeno

da subjetividade e do comportamento humano.

Portanto, a formação social da mente humana, em Vigotsky, parte do

exterior para o interior; essa formação reside numa internalização de conceitos,

através da socialização de eventos entre pessoas para construir o pensamento

intelectual em que a palavra desempenha papel fundamental nas interações entre

comportamento social e consciência. Assim,

criado com o auxílio da fala, o campo temporal para a ação estende-se para diante quanto para trás. A atividade futura, que pode ser incluída na atividade em andamento, é representada por signos. Como no caso da memória e da atenção, a inclusão de signos na percepção temporal não leva a um simples alongamento da operação no tempo; mais do que isso, cria as condições para o desenvolvimento de um sistema único que inclui elementos efetivos do passado, presente e futuro [...] na criança engloba, agora, duas novas funções: as intenções e as representações simbólicas das ações propositadas (VIGOTSKY, 2007, p. 29, grifo do autor)

O desenvolvimento da criança transforma-se numa mudança estrutural de

seu comportamento, levando-a às alterações básicas das necessidades e

motivações residentes no convívio social entre os sujeitos mais adultos, ou da

mesma idade, embora haja diferenças nos conhecimentos de cada um.

Elaboramos o esquema a seguir a fim de explicar melhor o funcionamento

da consciência social no sujeito e na construção de conhecimentos a partir dos

signos sociais, desde a dimensão temporal até a constituição da palavra e suas

relações com outros sujeitos na organização do pensamento e dos saberes

conscientes.

capazes. Se ingenuamente perguntássemos o que é nível de desenvolvimento real ou, formulando de forma mais simples, o que revela a solução de problemas pela criança de maneira mais independente, a resposta mais comum seria que o nível de desenvolvimento real de uma criança define funções que já amadureceram, ou seja, os produtos finais do desenvolvimento. (2007, p. 97)

49

Esquema 2: formação da consciência social

Consideramos a esfera verde como a consciência intelectiva de cada

sujeito e seus componentes interiores específicos como: o signo, a palavra e o

conhecimento, apenas este último se apresenta numa esfera maior para indicar o

armazenamento do conhecimento na mente do sujeito. A importância pelo destaque

ao conhecimento se traduz na experiência de aprendizagem que os alunos desejam

realizar durante sua formação escolar.

Estes dois componentes – signo e palavra – representam a formação do

sujeito, primeiro enquanto aquisição de conteúdo, que absorve a ideia sígnica

socialmente, ou seja, o significado das representações sociais e dos instrumentos de

ensino no ambiente da sala de aula, segundo, a palavra que corrobora com a

transmissão da aprendizagem adquirida e socializada entre os sujeitos participantes

da formação. Neste caso, tomamos a consciência como fator social para estabelecer

critérios conceituais na formação dos futuros docentes.

No convívio social, vários sujeitos relacionam-se trocando significações a

partir das palavras e dos signos apreendidos. A máquina fazedora do saber reside

exatamente na consciência, considerada por Vigotsky (2007), da formação interior.

Assim, os sujeitos relacionam-se trocando informações mediatizadas pelo signo e

pela palavra, cabendo a cada sujeito determinar o seu tipo de formação e apreensão

do conhecimento desejado através da exterioridade. “Os adultos tomam uma

50

decisão preliminar internamente, e, em seguida, levam adiante a escolha na forma

de um único movimento”. (VIGOTSKY, 2007, p. 25)

Observa-se que Vigotsky (idem) entende a formação do ponto de vista da

constituição da atividade mental do próprio sujeito, a importância que é dada à

faculdade intelectiva e social do próprio aluno em construir seu conhecimento. Para

ele, a fala é importante para o desenvolvimento e a aprendizagem, pois, antes de

controlar o próprio comportamento, o sujeito começa a controlar o ambiente com a

ajuda da fala, produzindo, dessa forma, novas relações com o ambiente, além de

uma nova organização do próprio comportamento.

Nesse círculo, o sujeito não é apenas reflexo, não é componente

observável, nem menos reações manifestadas pelo inconsciente; ele é uma

conformação do sistema de relações – a consciência –, com estímulos sociais

desempenhando um papel importante na operacionalização do Eu, já que o contato

com os outros sujeitos permite o reconhecimento do Outro e, por meio disso, o

autoconhecimento.

A fala modifica a qualidade do conhecimento que se tem do mundo em

que se encontra. A palavra cria novas modalidades de atenção, memória e

imaginação. Vigotsky (2004) demonstrou que a linguagem, sistema simbólico básico

das pessoas, possui um papel fundamental no desenvolvimento do pensamento.

Na sala de aula, o material a ser apreendido é colocado externamente

com os sujeitos em discussão, primeiro pelo professor (processo intrapessoal) e

segundo pelo aluno, que se apropria do conhecimento, dá-lhe um significado próprio

a partir de sua experiência sócio-histórica e reconstrói, interna e individualmente, a

operação (processo interpessoal). A seguir, veremos como o signo medeia a

atividade consciente dos sujeitos.

2.2.2 O SIGNO COMO MEDIADOR DA ATIVIDADE CONSCIENTE

O caráter e a função de mediação do signo indicam relações entre a

organização social do comportamento e a organização individual do pensamento.

Além de Bakhtin, como apresentado anteriormente, Vigotsky destaca a importância

51

do signo e a palavra por excelência, no desenvolvimento da inteligência e da

consciência.

De acordo com Vigotsky (2007), a mediação na interação homem-

ambiente se dá pelo uso de instrumentos e signos, desenvolvidos em gerações

precedentes. Essas relações atribuem aos sujeitos formas constitutivas de

conhecimentos isolados e desenvolvidas socialmente nas esferas educacionais.

Mas, a ascensão do conhecimento humano não é esgotada quando nos

referimos aos conceitos de palavra e signo. Quanto ao seu funcionamento, o sujeito

precisa internalizar os aspectos sociais externos, devendo ser feita uma seletividade

conceitual dos conhecimentos envolvidos no processo pedagógico. Ou seja, a

consciência manifesta-se como representante internalizadora das escolhas que cada

sujeito faz a partir do conhecimento que se pretende alcançar.

Dessa maneira, a consciência torna-se o mecanismo dos reflexos sociais

que transmite os signos através de representações intelectuais. Vygotsky (2004), ao

apresentar a origem social da consciência, ressalta a importância da linguagem

como constituinte dela. A evidência dada por ele aos fenômenos subjetivos, ou seja,

todas as escolhas que representam a aproximação do signo com os sujeitos

involuntariamente, constitui a dimensão do espaço e do tempo das relações sociais.

A verdadeira essência da memória humana está no fato de os seres humanos serem capazes de lembrar ativamente com a ajuda de signos. Poder-se-ia dizer que a característica básica do comportamento humano em geral é que os próprios homens influenciam sua relação com o ambiente e, através desse ambiente, pessoalmente modificam seu comportamento, colocando-o sob seu controle. (VIGOTSKY, 2007, p. 50).

É interessante observar que essa discussão sobre os fenômenos

subjetivos internalizados na memória recai na concepção do Eu-Outro18. Como já

mencionamos anteriormente, o Eu é construído nas relações sociais com o Outro,

mediatizadas pela palavra e pelo signo que desempenham, simultaneamente, o

comportamento e a formação do pensamento humano.

Temos a preocupação sistemática em sugerir esquemas por entendermos

que o conceito vigotskyano não é de fácil compreensão. Por isso, para assimilar a

18

O uso dos termos não se assemelha aos conceitos de Émile Benveniste. Para melhor compreender sobre a relação Eu/Tu e sobre subjetividade, sugerimos a leitura de BENVENISTE, E. Problemas de Lingüística Geral I. 3ed. São Paulo: Pontes, 1991. Cap. 21. p. 284-293.

52

relação do Eu e o Outro nas relações sociais com o signo e a palavra, ilustramos da

seguinte maneira:

A função dos instrumentos incide sobre a serventia que o sujeito/EU tem

quando pretende estudar o signo a partir da atividade mediada pela condução da

influência humana do sujeito/OUTRO, logo, tanto os instrumentos quanto o signo

devem ser mediatizados pela palavra até alcançar seu objetivo último, o

sujeito/Outro. O instrumento da palavra corrobora na construção das atividades

mediadas pelo Sujeito/EU que representa significação por meio do signo que ele

utiliza para objetivar o exercício da atividade ao outro no contexto de aprendizagem.

Essa relação é vista como mecanismos de reconhecimento mútuo entre

os sujeitos e o signo; a compreensão psicológica da formação do sujeito, como

semelhante ao outro. Esse processo não deve ser visto como um reflexo de espelho,

igual ao outro, pelo contrário, a identidade social que cada sujeito carrega não é

transferível, ela representa um referencial de conhecimento que habilita os sujeitos a

se conhecerem por estímulos sociais desempenhados na operacionalização

individual do sujeito enquanto atividade mediada. A atividade da compreensão

psicológica de cada sujeito é conceituada por Bronckart (2008, p. 65) como

qualquer organização coletiva dos comportamentos orientada por uma finalidade ou que visa a um objeto determinado [...] O conceito de ação apreende o agir coletivo como sendo articulado a objetivos que os agentes nele envolvidos se propõem a atingir ou dos quais eles têm consciência, o que implica que a ação, como tal, só é atestável nos seres humanos [...] (grifos do autor).

Atividade Mediada

SIGNO

Instrumentos

Palavra Sujeito EU

Instrumentos

OBJETO DA ATIVIDADE

OUTRO

Esquema 3: compreensão da atividade mediada

53

É preciso, então, diferenciar as atividades em função de seu

conhecimento, antes que o sujeito tenha o reconhecimento da realidade social, do

ambiente vivido, ser auto-reconhecido por sua consciência intelectual enquanto

sujeito. Não é acreditável que as ações sociais de cada sujeito advenham dos

representantes sociais externos – essa vontade parte do interior do pensamento

humano.

Apresentados e correlacionados os conceitos que sustentam a formação

do sujeito e sua consciência na concepção vygotskiana, passemos, agora, aos

postulados que representam um vasto campo nas interações verbais

assumidamente formados no discurso institucionalizado.

O contexto de produção das relações sociais implica condições de

aprendizagem entre os sujeitos, mas compete a eles criarem ambiente que favoreça

as interações. A sala de aula é muito bem vista nessa concepção. Nela,

encontramos conflitos e interesses que divergem dos objetivos particulares. Nesse

sentido, a discussão sobre interação e o discurso pedagógico autoritário

representam marcas na formação consciente dos sujeitos.

2.3 INTERAÇÃO X AGIR AUTORITÁRIO DOS SUJEITOS

2.3.1 O AMBIENTE AUTORITÁRIO

O espaço da sala de aula ocupa uma importância significativa para nós

por se tratar de um ambiente indispensável na análise das interações dialógicas.

Dessa forma, surge a primeira divergência – ofuscação das enunciações individuais

– quanto aos procedimentos científicos da situação em que o discurso pedagógico é

visto como autoritário.

Nas palavras de Orlandi (1987, p. 15), é um “discurso de poder”, mas

esse impasse não obstrui a pesquisa ou qualquer enunciação que seja ofertada no

ambiente. É possível visualizar essa atividade para compreendermos algumas

54

significações da interação verbal que aparecem nos momentos de socialização na

sala de aula. Seguindo a linha deste pensamento,

o discurso autoritário, no entanto, como verdade incontestável, tenta abafar as diferentes vozes em conflito e as diferentes posições que podem ser assumidas pelos sujeitos, num processo de interação verbal e de constituição do sentido. (FLORÊNCIO, 2007, p. 32).

Visto desta forma, vários autores já dissertaram a este respeito tecendo

considerações das mais significativas para o estudo do discurso em sala de aula.

Contudo, as considerações mais gerais são aquelas que interpretam a ação

autoritária que acontece no discurso pedagógico como sendo uma ação em que o

professor é o mediador autoritário.

Segundo Bakhtin (1988), o discurso autoritário está inserido em nossa

cultura, ou seja, é uma tradição e, por isso, dificilmente nos damos conta de sua

persuasão,

a palavra autoritária exige de nós o reconhecimento e a assimilação, ela se impõe a nós independentemente do grau de sua persuasão interior no que nos diz respeito; nós já a encontramos unida à autoridade. A palavra autoritária, numa zona mais remota, é organicamente ligada ao passado hierárquico. É, por assim dizer, a palavra do país. Ela já foi reconhecida no passado. É uma palavra encontrada de antemão. (BAKHTIN, 1988, p.143).

Para entender a postura abordada por Bakhtin e comparar com as

dimensões que existem atualmente na interação entre os sujeitos, é necessário

considerar a história cultural da sociedade brasileira, na qual encontramos, no

passado, uma hierarquia bastante definida entre quem mandava e quem era

subordinado. Não havia dificuldade para uma geração de escravos, por exemplo,

entender que, naquele contexto, quem mandava era o barão, e ele deveria

obedecer, mesmo sem saber que motivos tinham lhe dado poder para tomar as

decisões, nem que circunstâncias históricas haviam instaurado aquela ordem.

Nascemos e crescemos nessa sociedade sabendo a quem obedecer sem

questionar. É nessa abordagem que Bakhtin fala da existência do discurso

autoritário.

Contrariando essas condições abordadas pelos teóricos acima referidos,

os PCNEM não abordam a questão com sua devida atenção. Quanto à análise da

55

interação e participação19 das aulas de LP, este referencial sugere como proposta

disciplinar o uso de códigos de linguagem e recursos de novas tecnologias para o

ensino da LM. Tais documentos guiam a estruturação das matrizes curriculares

presentes nas escolas de EM20 e visualizam, no espaço da sala, uma comunicação

que não segue uma mão única,

supõe um esquema reversível e interacional entre os interlocutores. Assim, a significação se funda na interlocução, ou nas trocas sociais que possibilitam aos falantes a produção de enunciados, de acordo com intenções específicas, em determinados contextos. O sentido de um texto e a significação de cada um de seus componentes dependem, portanto, da relação entre sujeitos, construindo-se na produção e na interpretação. Essa parece ser a condição mesma do sentido do discurso, obrigando-nos a considerar não apenas a relação entre os interlocutores, mas também a desses sujeitos com seu meio social. Devido a esses fatores sociais e históricos, que envolvem tanto os sujeitos quanto os signos em jogo nas diferentes linguagens, a significação de um texto só ocorre no ato efetivo da interlocução. No caso da língua, por exemplo, o contexto de enunciação determina o sentido de cada palavra, que poderá ou não coincidir com aquele registrado no dicionário. O termo interlocução pode ainda contemplar as relações que se estabelecem entre o eu e o outro no momento da realização do discurso ou texto. (BRASIL, 1999, p. 141, grifo nosso)

Essa ideia de comunicação vista como forma interacional não implica

dizer que o documento aborda, ou não, a questão do ensino nos CN. Existe uma

política de abafamento no tocante à responsabilidade das matrizes curriculares,

preocupando-se em apresentar aspectos ou códigos de linguagem21 que versam

ligeiramente sobre as disciplinas de Ciências Humanas e as práticas metodológicas

destas disciplinas na sala de aula de EM.

Sendo a interação decorrente da construção dos discursos, os sujeitos

participantes ativos na construção dos diálogos atravessam a barreira do discurso

vazio22, perfazendo o dialogismo na sala de aula e a escola como um ambiente da

prática de linguagem rotineira.

19

A ação da palavra pela palavra um com o outro que ocorre em tempo real simultaneamente, costurando sentidos nos dizeres para formar e informar no tocante à aprendizagem da sala de aula entre professor e alunos. 20

Sobre o ensino de LP no Curso Normal, não existe nenhuma determinação, ações ou metas para o seu ensino. Obviamente não questionamos a elaboração de um manual específico para a modalidade de ensino Curso Normal, mas uma observação que deveria ser feita para estes cursos, pois serão eles os formadores de consciência e educadores da LM a crianças em fase de desenvolvimento. 21

Expressão utilizada nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio para dizer sobre as ações e objetivos que devem nortear o ensino de Língua Portuguesa para esta modalidade de ensino. 22

Diz respeito aos discursos pormenores que não validam as enunciações na formação de significados do processo de ensino-aprendizagem. Qualificamos também como intervenções

56

Convém acrescentar que o professor deve fazer um planejamento que

possibilite operar sobre o uso do Livro Didático (LD) como mecanismo de

participação e interação na sala de aula entre os alunos, pois a prática da formação

dos professores no CN necessita de procedimentos pedagógicos que os insiram

num contexto dialógico das interações da instituição escolar em função do

desenvolvimento da linguagem. Entretanto, o LD não deve ser o precursor dessa

aprendizagem, nem se limitar a ele.

Todo e qualquer trabalho que envolve a linguagem no âmbito educacional

exige um planejamento mediado por manuais que determinam as condições de

aprendizagem. Como se trata de um espaço na formação de professores, e os

alunos são participantes diretos do processo, é possível que eles entendam que o

poder e a vontade de poder submetam-se indistintamente, fato que não foge da

esfera dos discursos de sala de aula, pois, perante os alunos, existe um professor

determinando as condições de aprendizagem mediante a interação. O professor não

deve

tomar o poder como um fenômeno de dominação maciço e homogêneo de um indivíduo sobre os outros, de um grupo sobre os outros, de uma classe sobre as outras; mas ter bem presente que o poder – desde que não seja considerado de muito longe – não é algo que se possa dividir entre aqueles que o possuem e o detêm exclusivamente e aqueles que não o possuem e lhe são submetidos. O poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo que só funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está nas mãos de alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou um bem. O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos não só circulam mas estão sempre em posição de exercer este poder e de sofrer sua ação; nunca são o alvo inerte ou consentido do poder, são sempre centros de transmissão. Em outros termos, o poder não se aplica aos indivíduos, passa por eles [...] o indivíduo não é o outro poder. [...] O indivíduo é um efeito e transmissor do poder. (FOUCAULT, 1979, p. 183, grifo nosso)

No que tange ao pensamento foucaultiano e transpondo a situação para

as interações em sala de aula, deduzimos que tanto os alunos quanto o professor

têm vontade de poder, vontade de poder de verdade, mas que correspondem a

papéis diferentes institucionalmente marcados: o professor como sujeito que

desempenha diretamente suas aulas com autoridade social no espaço pedagógico

contundentes que servem para atrapalhar o momento interacional enquanto existe uma linearidade de falas corroborando na formação dos professores.

57

constitutivo; e os alunos como sujeitos ativos23 da vivência acadêmica, na

construção de sua aprendizagem escolar no interior da sala de aula através das

interações verbais. Denominamos este círculo como relações de poder24 na sala de

aula. Essa

vontade de verdade [...] apóia-se sobre um suporte institucional: é ao mesmo tempo reforçada e reconduzida por todo um compacto conjunto de práticas como a pedagogia [...] Mas ela é também reconduzida, mais profundamente sem dúvida, pelo modo como o saber é aplicado em uma sociedade, como é valorizado, distribuído Enfim, creio que essa vontade de verdade assim apoiada sobre um suporte e uma distribuição institucional tende a exercer sobre os outros discursos – estou sempre falando de nossa sociedade – uma espécie de pressão e como que um poder de coerção. (FOUCAULT, 2009, p. 18)

Obviamente, no espaço da sala de aula, os conceitos foucaultianos

referentes à verdade estão relacionados às condições de constituição dos saberes e

das formas subjetivas individualizadoras, implicando o fundamento social de

aprendizagem do sujeito. Em Foucault (1979, p. 12), encontramos um papel

intelectual singular: o sujeito “é obrigado a assumir responsabilidades políticas”.

Nesse sentido, a verdade é vista na esfera do poder e

cada sociedade tem seu regime de verdade, sua “política geral” de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro. (idem, p.12).

A verdade é constituída nas amarras do poder institucionalmente formado,

ou seja, o espaço que habita as formações discursivas compreende o problema de

não precisar mudar a consciência do sujeito, mas se faz, desta consciência, fator

essencial que modifica os conceitos do contexto de verdade dos saberes

conscientes. (Cf. FOUCAULT, 1979).

O contexto discursivo então é entendido como suporte que movimenta os

recursos expressivos de uma língua com certa finalidade; como instrumento de

23

O aluno é sujeito ativo quando participa diretamente nas enunciações juntamente com o professor, porém existe a possibilidade de se tornar passivo pelo comodismo e falta de interesse pelo assunto da aula. 24

Mais uma vez, fazemos uso do termo a partir da Análise do discurso para realizarmos nossa categoria de análise nas conversações da sala de aula.

58

ensino que sempre aparece em ambientes entre sujeitos participantes do processo

de aprendizagem. Esse contexto é visto como sequência lógica entre a linguagem e

as suas atividades cotidianas da sala de aula através da aprendizagem adquirida.

Como as relações de poder concretizam-se através das interações, o conceito

foucaultiano de enunciado deve ser apresentado como alternativa de compreensão

nesse estudo.

2.3.2 CONCEITO DE ENUNCIADO EM MICHEL FOUCAULT

Chamamos de enunciado o conjunto da interação verbal. Foucault (2002)

relaciona o enunciado com a interação pela linguagem, ou seja, aquele que

considera a linguagem em relação a sua condição enunciativa. Assim como o

contexto é constitutivo da significação,

o enunciado não existe no sentido em que uma língua existe e, com ela, um conjunto de signos definidos por seus traços oposicionais e suas regras de utilização; a língua, na verdade, jamais se apresenta em si mesma e em sua totalidade [...] Se não houvesse enunciado, a língua não existiria; mas nenhum enunciado é indispensável à existência da língua (e podemos sempre supor, em lugar de qualquer enunciado, um outro enunciado que, nem por isso, modificaria a língua). A língua só existe a título de sistema de construção para enunciados possíveis; mas, por outro lado, só existe a título de descrição (mais ou menos exaustiva) obtida a partir de um conjunto de enunciados reais. Língua e enunciado não estão no mesmo nível de existência; e não podemos dizer que há enunciados como dizemos que há línguas. (FOUCAULT, 2002, p. 96-7, grifo nosso)

Diante da discussão sobre o enunciado e a participação dos sujeitos

nesse instrumento de linguagem, Foucault (2002) reconhece o enunciado e a língua

como alternativa nas relações significativas, diferenciando nas representações

sociais. Neste caso, para Foucault (2002) a diferença entre língua e enunciado é

decisivamente óbvia, principalmente quando distingue sobre a língua como

instrumento social inalterável:

[...] (apesar de ser composto de signos que só são definíveis, em sua individualidade, no interior de um sistema lingüístico natural ou artificial), nem do mesmo modo que objetos quaisquer apresentados à percepção (se

59

bem que seja sempre dotado de uma certa materialidade. (FOUCAULT, 2002, p. 98)

Tanto a língua quanto o enunciado determinam os espaços discursivos,

porém cada qual com suas especificidades linguisticamente marcadas e definidas.

Dessa forma, para analisar o contexto das interações verbais – a sala de aula – na

formação dos docentes, entendemos ser a língua o código essencial da fala e o

enunciado o veículo que gera os dizeres entre os interactantes.

Dessa forma, com o enunciado, os sujeitos contextualizam suas

produções em busca do poder de verdade, não mais o da vontade, pelo desejo de

querer, mas o institucionalizado, aquele que o permite estar como sujeito

socialmente reconhecido de sua posição. Assim, o enunciado

[…] não é, pois, uma unidade elementar que viria somar-se ou misturar-se às unidades descritas pela gramática ou pela lógica. Não pode ser isolado como uma frase, uma proposição ou um ato de formulação. Descrever um enunciado não significa isolar e caracterizar um segmento horizontal, mas definir as condições nas quais se realizou a função que deu a uma série de signos (não sendo esta forçosamente gramatical nem logicamente estruturada) uma existência específica. [...] A descrição dos enunciados se dirige, segundo uma dimensão de certa forma vertical, às condições de existência dos diferentes conjuntos significantes (FOUCAULT, 2002, p. 125).

O conceito foucaultiano sobre o enunciado contribui para as discussões

mediante a existência de relação de oposição referente às formulações gramaticais,

como frase, preposição e quando é tomado o discurso como ato de unidade sígnica.

Certamente, não poderíamos deixar de apresentar o conceito de enunciado sem nos

preocuparmos com a análise dos dados de nossa pesquisa. Para tanto, preferimos

indicar, neste momento, a concepção enunciativa em Foucault (2002), que, para

nossa pesquisa, é favorável. Segundo ele,

A análise enunciativa é, pois uma análise histórica, mas que se mantém fora de qualquer interpretação: às coisas ditas, não pergunta o que escondem, o que nelas estava dito e o não-dito que involuntariamente recobrem, a abundância de pensamentos, imagens ou fantasmas que as habitam; mas, ao contrário, de que modo existem, o que significa para eles o fato de se terem manifestado, de terem deixado rastros e, talvez, de permanecerem para uma reutilização eventual; o que é para elas o fato de terem aparecido – e nenhuma outra em seu lugar. (2002, p. 126, grifo nosso)

60

Os enunciados, para Foucault (2002, p. 126), são produzidos para

intencionalizar outras produções enunciativas, representando coexistência entre si

por um “conjunto de seqüência de signos, isto é enquanto lhes podemos atribuir

modalidades particulares de existência”. Desta intenção de poder institucionalizado,

Orlandi (1987) diz ser o discurso a ferramenta social que se apresenta em três

formas, o lúdico, o polêmico e o autoritário. Interessa-nos este último que entendido

pela autora como o discurso cujo

referente está “ausente”, oculto pelo dizer; não há realmente interlocutores, mas um agente exclusivo, o que resulta na polissemia contida (o exagero é a ordem no sentido em que se diz „isso é um ordem‟, em que o sujeito passa a instrumento de comandado). Esse discurso recusa outra forma de ser que não a linguagem. (ORLANDI, 1987, p. 15)

A polissemia dos discursos envolve o contexto pedagógico que, segundo

a autora, provoca e transmite o dizer de maneira a formar produções de sentidos.

Quando, outrora, tínhamos falado sobre o LD, que auxilia o professor na sala de

aula, retornamos a discussão e constatamos, pela circularidade do discurso

pedagógico, que ele não extrapola o dizer pedagógico do professor.

Este discurso enunciador na formação dos alunos vai além das barreias

do LD, caracterizando-se pelas esferas autoritárias. Nas palavras de Foucault

(2009),

em escala muito mais ampla, é preciso reconhecer grandes planos no que poderíamos denominar a apropriação social dos discursos. Sabe-se que a educação, embora seja, de direito, o instrumento graças ao qual todo indivíduo, em uma sociedade como a nossa, pode ter acesso a qualquer tipo de discurso, segue, em sua distribuição, no que permite e no que impede, as linhas que estão marcadas pela distância, pelas oposições e lutas sociais. Todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo. [...] é muito abstrato separar como acabo de fazer, os rituais da palavra, as sociedades do discurso, os grupos doutrinários e as apropriações sociais. (2009, p. 43-4, grifo nosso).

Na esfera das falas sociais, vemos que o discurso pedagógico se aparece

como descritivo, fechado, como encontramos, por exemplo, no LD, que apenas

serve para facilitar reproduções enunciadoras proporcionando a apreensão do

conhecimento, ou ainda como mediador de prática de leitura fechada.

Dessa forma, presenciamos, nas aulas de Metodologia de Português

(MP), o ensino-aprendizagem estruturado no tradicionalismo educacional, que não

61

possibilita ao aluno a relação-interação na sala de aula juntamente com a

professora.

Logo, os alunos, ainda em sua formação escolar, estão envoltos nas

malhas do poder. Eles se sentem no direito de exercer seus poderes, solicitando o

diálogo na sala de aula como forma de interação no processo de ensino-

aprendizagem construindo a prática enunciativa e, por isso,

o que se chama “práticas discursivas” pode ser agora precisado. Não podemos confundi-la com a operação expressiva pela qual um indivíduo formula uma ideia, um desejo, uma imagem; nem com a atividade racional que pode ser acionada em um sistema de inferências; nem como competência de um sujeito falante quando constrói frases minadas no tempo e no espaço, que definiriam, em uma época dada, e para uma determinada área social, econômica, geográfica ou linguística, as condições de exercício da função enunciativa. (FOUCAULT, 2002, p. 136).

Sendo a prática discursiva o caminho das interações, enfatiza-se que, na

perspectiva bakhtiniana de análise do processo dialógico em sala de aula, é

fundamental, no decorrer da interpretação dos dados linguísticos relativos ao

sistema da língua, que se faça a ligação com as enunciações que o determinam e

são determinantes, pois, assim agindo, serão feitas conexões entre os planos do

nível imediato e do nível mediato como considera Geraldi (1993), ao afirmar que tais

conectores

[...] não podem deixar de ser consideradas aqui por duas razões: a) porque as interações verbais não se dão fora do social mais amplo; b) porque o ensino da língua, nosso objeto de preocupação mais imediato, não está infenso às interferências do sistema escolar e este do social. A linguagem não passa ilesa por a) e b). (1993, p. 61)

E ainda complementa dizendo que:

os sujeitos se constituem como tais à medida que interagem com os outros, sua consciência e seu conhecimento de mundo resultam como “produto” deste mesmo processo. Neste sentido, o sujeito é social já que a linguagem não é o trabalho de um artesão, mas trabalho social e histórico seu e dos outros e é para os outros e com os outros que ela se constitui [...] Elas se tornam possíveis enquanto singulares, no interior e nos limites de uma determinada formação social, sofrendo as interferências, os controles e as seleções impostas por esta. (idem, p. 06).

O papel fundamental que a linguagem desempenha na constituição dos

sujeitos é a interação verbal social nos discursos de aprendizagem em sala de aula

62

que jamais passam despercebidos pelos alunos quando recorrem aos conflitos de

informações e divergências sociais com o professor na sala de aula.

Na seção seguinte, os atos de fala como instrumento da interação

contribuem para fortalecer a ideia existente entre a formação dos sujeitos e o

ambiente da sala de aula. Dentre os conflitos, os interesses se sobressaem nas

vozes a partir das interações verbais.

2.3.3 VAN DIJK25 E OS ATOS DE FALA26 COMO INSTRUMENTO DE INTERAÇÃO

Podemos destacar que Van Dijk (2000) contribui em nossa pesquisa pela

temática que ele sustenta sobre as relações pragmáticas apresentadas enquanto

unidades de análise do discurso27. O esquema conceitual de van Dijk está na

compreensão do contexto e do processo verbal que se caracteriza pelos momentos

imediatos das interações sociais. Elas passam por atos de fala que, usualmente,

estão encaixados,

[...] no desenvolvimento da (inter)-ação. [...] Durante a (inter)-ação, a pessoa vai gradativamente construindo os traços relevantes do contexto e as mudanças para os estados subseqüentes: ela estará consciente não apenas das características globais do contexto social do frame e seus componentes, como também das ações de fato realizadas nesses contextos e frames. Ela então construirá os objetivos e intenções (conhecimentos subjacentes e desejos) dos co-participantes, em particular do falante, e julgará se os objetivos dos atos de fala são compatíveis com as condições iniciais. (van DIJK, 2000, p. 89, grifo do autor)

Dessa forma, na comunicação oral, a interação é fundamental, e sempre

se desenvolve em contextos dinâmicos, cuja mudança depende de princípios,

convenções e outras restrições decorrentes dos eventos e das ações envolvidas

nesse ato. O discurso, para van Dijk (idem), deve ser considerado dentro de um

25 As contribuições deste autor perante ACD (Análise Crítica do Discurso) fortaleceriam

significativamente nosso estudo quando tratamos sobre as relações de poder, mas por delimitação teórica preferimos permanecer no campo das teorias enunciativas. Sua importância neste trabalho será em esclarecer sobre os atos de fala que trataremos na análise. 26

Tomamos de empréstimo este termo da Pragmática para fazer uso às análises dos turnos de fala desenvolvidos nesta pesquisa. 27

Convém destacar que o termo não é o mesmo utilizado pela Análise do Discurso de linha francesa.

63

contexto amplo (social, econômico e cultural) como uma forma particular de prática

social e institucional. Essa prática discursiva de produção e compreensão é

analisada através dos dois patamares, do textual e contextual.

Se o discurso atravessa as situações da enunciação, é porque os sujeitos

que dele participam constituem interações de aceitabilidade social, pois quando

afirmamos que a palavra dita é aquela levada ao ouvinte, é porque existe ali um

código linguístico que define uma comunicação verbal, oferecendo mecanismos

representativos na sala de aula. A informação apresentada como interação

comunicativa é, segundo van Dijk (2000, p. 95), “surpreendentemente complexa”,

por isso existe a necessidade de saber controlar e ordenar as informações

produzidas no evento social.

Dentre as concepções teóricas até aqui apresentadas, agora é possível

enxergar o discurso pedagógico da sala de aula como evento social, desde a visão

interacional da enunciação bakhtiniana delimitada por nós, até a formação do sujeito

consciente enquanto construtor de seu pensamento cognitivo. Tais teorias

oportunizarão, a posteriori, a realização de um estudo específico das conversações

mediadas na sala de aula sob o olhar dos enunciados proferidos.

No próximo capítulo, apresentaremos um panorama metodológico

descritivo sobre a instituição escolar, local onde foi realizada a pesquisa e o recorte

do nosso corpus. Um ponto de encontro entre a teoria dialógica e o processo de

ensino de LM na disciplina MP deve ser pontuado em alguns aspectos porque são

fundamentais nas interações entre os interactantes da sala de aula.

64

CAPÍTULO 3:

A MATERIALIZAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS

METODOLÓGICOS DA PESQUISA

3.1 O AMBIENTE INSTITUCIONAL: ONDE TUDO SE REALIZA

modalidade EM profissionalizante – antes de tudo, de um

trabalhador – assegura a posse do conhecimento para formar e

habilitar, em igualdade de condições, o aluno a fim de levá-lo à

realização profissional que pretende após a conclusão do curso. É na escola que

políticas pedagógicas – que lutam contra as desigualdades e descriminações sociais

– são empreendidas para assegurar essa igualdade de condições.

Nossa pesquisa foi realizada em um Colégio da rede pública estadual de

ensino da cidade de Santo Amaro das Brotas/SE28, – um município com 317 anos de

fundação, com uma população aproximadamente de doze mil e quinhentos

habitantes, distribuídos entre a zona urbana e rural –, situada na região do Vale do

Cotinguiba do Estado de Sergipe e atende tanto ao público da comunidade local

quanto ao dos povoados adjacentes.

Como nossa pretensão é mostrar o contexto da formação no CN dos

futuros professores na disciplina de MP, devemos aceitar os seguintes objetivos

específicos, já mencionados na introdução:

(i) identificar como as relações de poder existentes na sala de aula de MP

influenciam na formação dos futuros professores dos anos iniciais do EF;

28

Distante da capital Aracaju 39 Km, é considerada, desde sua elevação a Vila, a quarta cidade mais antiga do Estado de Sergipe e a sexta do Brasil, cuja história carrega um povo simples predominantemente de classe baixa que sobrevive, em sua maioria, da agricultura e da pesca local.

A

65

(ii) analisar como as interações verbais produzidas na sala de aula

refletem na formação e nos discursos entre professor-alunos através do

contexto de produção de atividades em sala;

(iii) verificar, a partir de questionário, como o curso é visto pelos alunos e,

se, de fato, supre as expectativas dos alunos, considerando seu futuro

profissional;

Quando pensamos em executar a pesquisa, as primeiras considerações

surgiram como perguntas pertinentes ao problema. Objetivando nossa pesquisa,

partimos para o ambiente do estudo e começamos a coletar os dados necessários

para alcançar tais metas. Dessa forma, já no ambiente da sala de aula, surgiram as

seguintes „perguntas-problemas‟:

(i) de que maneira pode existir um ambiente de sala de aula, visto como

espaço dialógico das interações verbais, que não contemple as relações

de poder?

(ii) como pode ser possível a produção desenvolvida em sala de aula de

MP contextualizar a formação no curso normal dos futuros professores

dos anos iniciais do EF em LM?

(iii) a partir de que momento e com base nos conteúdos do CN, o aluno

está preparado para a sala de aula no ensino de LM?

Os resultados decorrentes dessas assertivas serão esclarecidos,

sequencialmente, durante a análise dos dados de nossa pesquisa no quarto capítulo

e desfechando-os nas considerações finais.

Para agirmos sobre determinado espaço, entretanto, teremos de

considerar a situação concreta do “estado”, cuja categorização é baseada no

desenvolvimento de um triplo trabalho:

66

(i) a análise do estado de ensino de uma determinada matéria (suas finalidades, sua história, sua organização, as características de seus professores e de seus alunos etc.); (ii) a análise profunda dos aportes das disciplinas científicas de referência; (iii) trabalhos de pesquisas e de intervenção que visam a melhorar o estado do ensino, com a introdução de conceitos e métodos oriundos do campo científico, mas que são sempre objeto de uma transposição, isto é, de uma adaptação, levando-se em conta o que parece ser possível fazer em uma determinada situação didática. (BRONCKART, 2006, p. 205-6, grifo do autor)

Uma vez reconhecido o ambiente institucional, conseguimos as

ferramentas necessárias para agir conforme as situações de transformação

educacional, propondo, segundo Bronckart (idem), uma modernização no projeto de

ensino que fortalecesse os instrumentos de desenvolvimento das condições de

aprendizagem dos alunos.

O Colégio é o contexto, o lugar da situação comunicativa29. Por ter sido e

ainda ser o único na cidade a oferecer o EM, o Colégio Estadual Professor

Rogaciano Magno Leão Brasil tornou-se um referencial de grande valia na história

do município, pois muitos dos profissionais das diversas áreas já passaram por ali

como aluno. Além disso, escolhemos esse estabelecimento por oferecer irrestrita

acessibilidade aos professores – e as suas aulas – e aos dados administrativos.

Nessa perspectiva de ambientização do objeto de estudo, Cicurel (2010,

p. 2) diz que

Les événements de la classe et les pratiques peuvent être connus par observation de l‟interaction entre les participants d‟une classe. Les comportements verbaux et non verbaux, filmés, transcrits donnent la matière première d‟une approche ethnographique qui permet de faire une analyse des interactions, des buts, des tours de parole, des échanges, des modes d‟évaluation, de la régulation de la parole. On assiste aux échanges, on peut les décrire et, en partie, les interpréter avec des outils qui sont ceux de l‟analyse du discours et de la linguistique interactionnelle, mais bien des choses échappent à la connaissance de l‟analyste : les représentations des impétrants, la perception qu‟ils ont de leur public et sans doute aussi les idées et les conceptions qu‟ils forment eux-mêmes à propos de cette action d‟enseignement qu‟ils ont à mener ou à subir. (No prelo)

30

29

A situação comunicativa pode ser entendida como a competência de um conjunto de capacidades que permitem ao sujeito falante comunicar-se, de modo eficaz, em situações culturalmente específicas (Cf. Kerbrat-Orecchioni, 2006). 30

Os acontecimentos da sala e suas práticas podem ser conhecidos por observação da interação entre os participantes de uma sala de aula. Os comportamentos verbais e não-verbais, filmados, transcritos, são considerados como material coletado de uma abordagem etnográfica que permite fazer uma análise das interações, os objetivos, a circulação das palavra, as trocas, os modos avaliativos, a regularidade da palavra. Se assiste às trocas, podendo descrever e, em parte,

67

Todos os materiais que reconhecem as interações verbais, portanto,

devem ser valorizados em pesquisas deste tipo por causa da importância dos

interlocutores na produção de seus discursos. Levando todos esses aspectos em

consideração, a unidade escolar escolhida, in loco, proporcionou-nos um estudo

configurado nas diretrizes etnográficas do texto conversacional em sala de aula.

3.2 O CORPUS E A ANÁLISE DOS DADOS

Considerando a pesquisa numa abordagem sociointeracionista, temos a

ideia de discurso como constante na construção coletiva. Mas, em qual circunstância

o corpus foi produzido? A Análise da Conversação (Cf. MARCUSCHI, 2005;

KERBRAT-ORECCHIONI, 2006) define o espaço construído do corpus e seus

procedimentos de análise. Dessa maneira, o corpus deste trabalho foi constituído

por vinte e uma aulas gravadas com um enfoque etnográfico de análise

conversacional31. Esse modelo difere de outras posições teóricas e metodológicas,

pois reconhecemos a linguagem como atividade real e concreta que se realiza

através e pelos sujeitos falantes.

Kerbrat-Orecchioni (2006) afirma serem os ingredientes do ambiente a

produção dos diálogos. De acordo com essa concepção, segundo Bronckart (2007),

o contexto de produção constitui o conjunto de parâmetros que exerce influência

sobre a forma como são organizados no ambiente e os participantes no contexto

enunciativo.

A sala de aula é o lugar e o ambiente físico-social entendendo que a

conversação ocorre neste ambiente, simultaneamente, nas condições de interação

interpretar com instrumentos pertinentes à análise do discurso e da linguística interacional, mas muitas coisas escapam ao conhecimento de quem analisa: as representações dos envolvidos – participantes, a percepção do público e sem dúvida também as ideias e concepções que são formadas por eles mesmos desta ação de ensino que é levada de maneira séria, ou não. (tradução nossa). 31

O objetivo é “descrever o desenvolvimento das conversações cotidianas em situação natural. As conversações aparecem, com efeito, como um lugar privilegiado de observação das organizações sociais em seu conjunto, nas quais elas são somente uma forma particular e, particularmente exemplar [...] O que interessa aos partidários da análise conversacional, é portanto, a „tecnologia da conversação‟, tal como ela pode ser reconstruída a partir da minuciosa observação de amostras gravadas”. (KERBRAT-ORECCHIONI, 2006, p. 21-2).

68

face a face. A professora e os alunos são os participantes diretos das funções

interlocutivas que se alteram nos turnos de fala oficialmente constituídos na sala de

aula do grupo de interactantes.

3.2.1 AS CATEGORIAS DE ANÁLISE

O Contexto de produção (Cf. Bronckart, 2007; Bakhtin, 1999, 2003; e

Vigotsky, 2005) subsidiou as análises deste trabalho, observando o conjunto de

opções enunciativas entre os interactantes, a seleção de temas dos níveis de atos

de fala, e o desempenho por igualdade da relação de significação dos discursos

produzidos. Por isso, é indispensável aos dados contextuais e à descrição das

interações.

Na seleção conversacional, outra categoria utilizada advém dos estudos

foucaultianos: a relação de poder32, que também fornece suporte para a análise,

pelo fato de as esferas institucionais determinarem práticas sociais no ambiente da

sala de aula e nas conversações distribuídas nos turnos de fala. Os comportamentos

sociais, gestos, posturas, características que não alcançamos nas gravações de

áudio tornaram-se cruciais para interpretá-las no âmbito da segunda categoria.

Para que a pesquisa, em relação à transcrição das conversações, não

ficasse comprometida, adotamos as observações de Marcuschi (2005, p. 09):

não existe a melhor transcrição. Todas são mais ou menos boas. o essencial é que o analista saiba quais os seus objetivos e não deixe de assinalar o que lhe convém. De modo geral, a transcrição deve ser limpa e legível sem sobrecarga de símbolos complicados. [...] O sistema sugerido é eminentemente ortográfico, seguindo a escrita-padrão, mas considerando a produção real. (grifo do autor)

Procuramos assinalar, de forma bastante simplificada, os enunciados,

destacando os momentos necessários e indispensáveis para nosso estudo. Durante

o período de observação, verificamos as situações do trabalho pedagógico por meio

da produção de falas institucionais da professora – a partir das abordagens

32

Conferir capítulo dois no subitem 2.3

69

conceituais mediadas pelo planejamento disciplinar e das participações individuais

dos alunos – durante sua preleção e das atividades desenvolvidas pelos alunos. De

acordo com a observação realizada, os dados coletados permitiram-nos analisar o

contexto de ensino-aprendizagem dessa disciplina.

Para Marcuschi (2005, p. 16), desde que haja mais de uma pessoa e que

partilhem um mínimo do conhecimento, é possível a conversação implicar uma

interlocução, ou seja, passa a existir uma troca de informações com tema

determinado se alternando entre turnos de fala.

Dessa forma, a preleção das aulas pela professora, as atividades

desenvolvidas e as contribuições interacionais entre os interactantes foram decisivas

na pesquisa e não passaram despercebidos em nossas observações.

Consideramos, a partir das conversações, turnos de fala, que segundo

Kerbrat-Orecchioni (2006, p. 43), são “as regras que regem as interações verbais

(...). As regras da conversação podem evidentemente ser transgredidas, e isso ainda

mais facilmente porque, em sua maioria, elas são bastante flexíveis”. Existem dois

tipos de relações conversacionais: o horizontal e o vertical.

A produção de um falante horizontal na interação pode se mostrar, mais

ou menos, próximas ou afastadas. Essa relação é gradual e orientado pelo

distanciamento social ou pela familiaridade e intimidade que existem entre os

interactantes. Como podem existir, nesse eixo, marcadores verbais e não verbais,

delimitaremos neste trabalho apenas os marcadores verbais.

A produção de um falante vertical remete ao fato de os parceiros

presentes, no lugar enunciativo, não se apresentarem por igualdade nas interações.

Esse eixo reproduz as falas do poder, da hierarquia, da dominação, ou ainda, da

relação de lugares. A produção das falas, especialmente na sala de aula, mostra

marcas de dominação, ou pela situacionalidade do sujeito ou pelo uso intenso do

tempo utilizado para falar. (Cf. KERBRAT-ORECCHIONI, 2006).

A análise etnometodológica, utilizada nesta pesquisa, considera a

exploração dos níveis de relações formadas a partir da análise abrangente nas

interações da sala de aula de maneira natural e recíproca entre os interactantes.

A sala observada foi a do terceiro ano do CN do EM, nas aulas de MP

durante um período de trinta semanas – oito meses –, todas as segundas-feiras

sempre no turno da noite, no terceiro e quarto horários, realizando gravações de

70

áudio, anotações no diário de classe e observação de todas as reações não

captadas pelo gravador.

Dentre as possibilidades de análise e observação do ambiente

materializado da sala de aula na disciplina MP, preocupamo-nos em focalizar as

interações verbais decorrentes das produções enunciativas detalhadas como objeto

da seguinte maneira:

Carga horária total anual

da disciplina: 80h/a N° de aulas observadas: 44h/a

N° de aulas gravadas:

36h/a

Gravações perdidas: 08h/a

Gravações com pouca compreensão: 03h/a

Gravações sem compreensão nenhuma: 04h/a

Gravações validadas: 21h/a Corpus e recorte

Tabela 1: dados sobre o corpus da pesquisa

Após colocarmos no quadro acima os dados da pesquisa,

apresentaremos, em dois gráficos, os resultados percentuais constituída na

disciplina MP para melhor compreender os dados e delimitar nosso corpus.

Gráfico 1: carga horária da disciplina

Aulas Gravadas

45%Aulas

Observadas

55%

71

Neste gráfico, priorizamos informar os dados da disciplina enquanto

matriz curricular do colégio que compreende um número de aulas de oitenta horas.

Destas, 55%, ou seja, quarenta e quatro aulas foram observadas por nós durante

oito meses no ano de 2010. Porém, após as primeiras semanas de observação,

iniciamos as gravações das aulas que compreenderam 36 horas/aulas, atingindo um

percentual de 45% de aulas gravadas. Feita esta divisão na carga horária da

disciplina MP, agora precisávamos através de outro gráfico – gráfico dois –, delimitar

nosso objeto de estudo e realizar o recorte necessário do corpus.

Gráfico 2: descrição do Corpus

No gráfico, encontra-se a subdivisão de nossas gravações a partir das

trinta e seis aulas gravadas apresentadas no gráfico anterior. Neste caso, quatro

aulas gravadas estavam sem compreensão nenhuma totalizando 11%. Além das

gravações sem compreensão nenhuma, três consideramos como gravações com

pouca compreensão, resultando 8% das aulas.

Tivemos ainda um percentual de 22% de gravações perdidas,

compreendendo um total de oito horas/aula. Todas essas gravações foram

descartadas por causa das condições externas e internas do ambiente da sala de

aula. Dessa maneira, classificamos como material desprovido de dados insuficientes

para nossa pesquisa, pela sua legibilidade deficitária.

Gravações válidas

59%

G. sem compreensão nenhuma

11%

G. com pouca compreensão

8%

Gravações perdidas

22%

72

Sabendo que precisávamos encontrar nosso corpus para realizar a

pesquisa, conseguimos um total de vinte e uma aulas de gravações validadas para

constituirmos nosso recorte da pesquisa totalizando um percentual de 59% de

horas/aulas. Cabe lembrar que, deste percentual recortamos três aulas pela sua

importância no contexto da aprendizagem dos futuros docentes e pela sua

importância na execução das atividades de produção da sala de aula.

A primeira aula refere-se às impressões iniciais dos alunos da professora

e do pesquisador que se desdobraram na análise de uma avaliação escrita

respondida pelos alunos; a segunda, sobre o conteúdo de língua e linguagem

desenvolvida pela professora, a terceira e última, foi sobre as vogais ministrada por

uma alunas na condição de estagiária.

É decorrente destes resultados no ambiente da sala de aula, Francine

Cicurel (2010, p. 3) afirma que “La manière 1 de recueillir des données est

l’observation dans les classes. Ce sont des données naturelles avec non intervention

des chercheurs dans les échanges qui sont ainsi accessibles.” 33

Assim, além dos aspectos indicados anteriormente, também serviram

como suporte de análise as reações emocionais e comportamentais, os gestos e

posturas da professora e dos alunos, não alcançados pelas gravações, mas que

foram observados e anotados em um diário de classe pelo pesquisador.

Essas notas realizadas em um diário de classe34 são reconhecidas como

material produzido referente às atividades adotadas pela professora para identificar

as diferentes situações quando foram solicitadas aos alunos. (Cf. MACHADO, 1998).

Em nosso trabalho, metodologicamente, o diário de classe serviu para organizarmos

as atividades produzidas pelos alunos e pela professora durante o desenvolvimento

das aulas. Esse procedimento metodológico, entretanto, não se limita a esse tipo de

análise; é possível, num estudo futuro, utilizarmos, segundo Daniel Faïta (2010)35

como “caixa de ferramenta” nas pesquisas de linguagem em sala de aula.

33

Inicialmente, a maneira de recolher dados é a observação na sala de aula. São dados naturais e autênticos dos pesquisadores nas trocas que se apresentam com facilidade. (Tradução nossa). 34

Durante as aulas, enquanto o gravador captava os discursos construídos entre o professor e os alunos, desde o início até o final de cada aula, o pesquisador anotava todos os gestos e posturas que os interactantes exerciam na sala de aula. 35

Durante o momento de perguntas, Faïta questionou as práticas metodológicas e o agir profissional em sala de aula, na palestra intitulada: La Notion de << Style Professoral >> Est-Elle Pertinente Vers de Nouvelles Approches Didactiques à travers I’agir Professoral, proferida pela Profª. Drª Francine Cicurel de Paris XIII durante o II Fórum Internacional de linguística Aplicada e Ensino de Línguas – II FLAEL promovido pela Universidade Federal do Ceará, realizado na cidade de Fortaleza-CE, no período de 24 a 26 de novembro de 2010.

73

Todos os procedimentos indicados nessa proposta possibilitaram o

entendimento de como se procedeu –, antes, durante e depois – o trabalho com a

interação nessa sala de aula. Os recursos metodológicos já apresentados

anteriormente serviram como suporte da pesquisa para que não ficássemos nas

especulações do vazio científico, pois

(...), a observação ocupa um lugar privilegiado nas novas abordagens de pesquisa educacional. Usada como o principal método de investigação ou associada a outras técnicas de coleta, a observação possibilita um contato pessoal e estreito do pesquisador com o fenômeno pesquisado, o que apresenta uma série de vantagens. Em primeiro lugar, a experiência direta é sem dúvida o melhor teste de verificação da ocorrência de um determinado fenômeno. “Ver para crer”, diz o ditado popular. (LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p. 26).

Tais recursos inserem-nos diretamente na pesquisa, não apenas como

investigador, mas como participante da vida educacional dos alunos e da professora

– que enxergam na pesquisa uma possibilidade de transformação no processo de

ensino-aprendizagem das novas gerações.

A formação da consciência humana e a interação verbal, noções tratadas

no segundo capítulo, são essenciais nesta pesquisa. Ambos os conceitos

atravessam o discurso pedagógico e tornam o sujeito essencialmente social e

comunicativo, construindo seu conhecimento com outros sujeitos nas práticas

sociais. (Cf. FAIRCLOUGH, 2001).

Em relação ao trabalho pedagógico da professora e às interações dos

alunos na disciplina de MP, na sala do terceiro ano do CN, nosso estudo se deteve,

especialmente, à observação do ambiente e das situações enunciativas a partir das

atividades realizadas na sala de aula, como também nos instrumentos de avaliação

escrita e questionário sobre a disciplina e o curso.

Consideramos, nesta pesquisa, toda a situação de como o ato enunciativo

se construiu. A transcrição dos enunciados foi vista, em alguns casos, isoladamente.

Sentimos, nas primeiras semanas, que o fator „presença física‟ durante as

observações da sala de aula, afetou a dinâmica dos discursos entre os interactantes

– não realizamos gravações de áudio dessas aulas, como mostra o gráfico 2.

Posteriormente, os participantes da pesquisa começaram a naturalizar as

enunciações, esquecendo-se da minha presença, e a trocar turnos de fala mediados

pela professora, naturalmente.

74

Considerando a turma heterogênea na diversidade social por causa do

número muito reduzido de alunos frequentadores, as observações feitas refletiram,

de maneira aproximada, a construção do contexto de produção no processo do

ensino-aprendizagem dos sujeitos nas interações. Conscientes da problemática na

pesquisa procuramos seguir as orientações de André (1995), quando se refere à

atuação do pesquisador. Em relação aos objetivos de seu trabalho para com o

pessoal de uma escola, o

pesquisador pode enfatizar que centrará a observação nos comportamentos dos alunos, embora pretenda também focalizar o grupo de técnicos ou os próprios professores. A preocupação é não deixar totalmente claro o que pretende, para não provocar muitas alterações no comportamento do grupo observado. (ANDRÉ, 1995, p. 30)

Inicialmente, o contato pessoal com os sujeitos envolvidos, inicialmente foi

desconfortável, pois eles não entendiam nossa presença, mas depois da

apresentação da proposta da pesquisa, o ambiente da sala de aula voltou ao seu

ritmo normal. Posteriormente, a naturalidade do comportamento ficou visível devido

à interação que mantínhamos com a professora e os alunos durante o período que

frequentamos a sala.

Confessamos que essa naturalidade – pós-adaptação – facilitou as

observações das aulas, de modo a identificar a ação pedagógica com os dizeres ali

produzidos entre os interlocutores. Não poderíamos deixar de priorizar esse aspecto,

pois mantivemos nossa honestidade e respeito pelas partes envolvidas na pesquisa

e pelo relacionamento informal entre a equipe pedagógica da escola e demais

funcionários.

Num primeiro momento, a professora acreditava que iríamos estagiar

como tradicionalmente acontece no término dos cursos de graduação. Após uma

conversa juntamente com a coordenadora pedagógica, ela entendeu e apoiou nosso

projeto em trabalhar nesta disciplina como pesquisador. Deixamos bem claro

também que não estávamos ali para simplesmente coletar os dados da pesquisa,

mas, mediante resultados, dispúnhamo-nos a contribuir em termos teóricos e

práticos, para a melhoria da qualidade de ensino daquela unidade escolar, junto à

formação dos docentes no CN com vistas à docência.

Nessa visão, a nossa pesquisa foi entendida como uma releitura à

formação e estruturação do CN na cidade de Santo Amaro, buscando esforços

75

coletivos para solucionar os problemas decorrentes do curso. Coube também

esclarecer à professora que nossa presença poderia servir, se ela desejasse, de

apoio teórico nas aulas, intervindo, contestando, discutindo ou até acrescentando

novos conceitos dos aspectos relacionados à qualidade do ensino desta modalidade

profissionalizante.

Aos alunos e à professora competia produzir os discursos

espontaneamente para selecionarmos o corpus de nosso estudo. E ao pesquisador,

a responsabilidade que estava na atenção aos momentos enunciativos da sala de

aula e seus contextos do ambiente, sem desmerecer qualquer detalhe que

futuramente pudesse ser considerado imprescindível. Feitas as determinações

materializadoras da pesquisa, prosseguiremos com a descrição dos ambientes

institucionais do nosso estudo.

3.3 DESCRIÇÃO DOS AMBIENTES

Se a sala de aula é a arena das interações, então os interactantes são os

personagens-atores principais das interações verbais no discurso pedagógico. Isso

implica, entre outras coisas, pensar o teto, o chão, todas as paredes, o som

ambiente, a disposição do mobiliário escolar, os objetos colocados sobre móveis e

carteiras. Enfim, tudo o que havia na sala e nos espaços adjacentes. Dessa forma,

traçaremos, inicialmente, alguns aspectos do perfil da instituição escolar, da sala de

aula e, posteriormente, dos alunos e da professora em nossa pesquisa.

3.3.1 O CONTEXTO INSTITUCIONAL: O COLÉGIO

Com necessidade de instaurar a modalidade de 2º grau no município e

sem o apoio do governo estadual, a prefeitura de Santo Amaro das Brotas/SE

inaugurou – após aprovação da Lei n° 147/92 de 23/09/1992 autorizando o seu

76

funcionamento – a Escola Municipal de 2º Grau Dr. Augusto do Prado Franco, que

iniciou suas aulas no dia 15 de fevereiro de 1993, com os cursos Científico,

Magistério, Contabilidade e Administração. Todos esses cursos funcionavam de

forma precária pela falta de investimentos dos governos estadual e federal.

Figura 1: marco inaugural da Escola de 2° Grau Dr. Augusto do Prado Franco

A proposta pedagógica do ensino de 2° grau concentrava-se na educação

de qualidade para a população da cidade de Santo Amaro das Brotas/SE. Um dos

fatores que motivaram o governo municipal a instaurar a unidade escolar

relacionava-se à necessidade de muitos alunos terem que terminar seus estudos

nas cidades circunvizinhas, o que implicava em “acordos políticos” entre essas

prefeituras para aceitarem os alunos não pertencentes ao seu município.

77

Figura 2: salas de aula da antiga Escola de 2° Grau Dr. Augusto do Prado Franco

A Escola Municipal de 2º Grau realizou suas atividades no período de

cinco anos. Depois desse período, o governo instituiu, em 1998, o EM no Colégio

Estadual Professor Rogaciano Magno Leão Brasil, prevalecendo, na oferta anual

desta instituição, o CN – outrora, Magistério.

O Colégio Estadual Professor Rogaciano Magno Leão Brasil – CEPRMLB

foi fundado em 10 de março de 1969, quando a primeira unidade escolar recebia

homonimamente a designação de Escola. Ela funcionava com os ensinos, a priori,

denominados polivalente – da 1ª à 4ª série – e ensino de 1º grau – da 5ª à 8ª série –

nos turnos matutino, vespertino e noturno, atendendo a uma clientela composta, em

sua maioria, por alunos da classe baixa, que moravam na sede do município e nos

povoados geograficamente pertencentes a Santo Amaro das Brotas.

78

Figura 3: marco inaugural, na época, ainda Escola P. Rogaciano M. L. Brasil.

Após vinte e nove anos da sua inauguração, o Colégio Estadual Professor

Rogaciano Magno Leão Brasil implantou a modalidade do EM. Por conveniência

política e necessidade de apoio técnico-pedagógico-financeiro, o município transferiu

todas as ofertas do EM para o Colégio Estadual.

Figura 4: 4achada do Colégio Estadual Professor Rogaciano Magno Leão Brasil (em reforma)

79

Segundo o registro de matrícula inicial, em 2010, oitocentos e quarenta e

quatro alunos compõem o corpo discente da escola, distribuídos nos Ensinos

Fundamental e Médio, desde o sexto ano (antiga quinta série) ao quarto ano do CN

da modalidade EM, funcionando nos períodos matutino, vespertino e noturno.

Do ponto de vista da estrutura física – embora esteja ele passando por

uma grande reforma, iniciada em janeiro do ano de 2010 –, possui ambientes

adequados ao ensino. Contém dez salas de aula com ventiladores de teto, quadra

não-coberta, pequena biblioteca, um laboratório de informática com vinte e cinco

computadores, sala de professores, secretaria, cozinha, depósito, banheiros

masculino e feminino, um pátio coberto entre as salas e outra área livre sem

construção.

Figura 5: Fachada do Colégio em obras desde janeiro 2010.

80

Figura 6: reforma da parte interna do Colégio

Figura 7: área coberta entre as salas de aula

81

Figura 8: quadra de esportes que não foi contemplada na reforma para ser coberta.

Enquanto as obras não são concluídas, as aulas e o funcionamento

burocrático da unidade escolar funcionam em prédios alugados e/ou cedidos pelos

órgãos estadual e municipal para atender à demanda e não atrasar o calendário

letivo escolar. A infra-estrutura do local transformado em salas de aula não favorece

o aprendizado, considerado necessário na formação dos alunos, assunto do qual

trataremos no item seguinte.

Figura 9: fachada do prédio alugado onde acontecem as aulas

82

Figura 10: área interna do prédio alugado

Atualmente, os gestores e a equipe técnica da unidade de ensino são

compostos por uma diretora – que cursou Pedagogia e Matemática–, duas

coordenadoras – Pedagogia e Letras-Português–, uma secretária – graduada em

História – e quatro oficiais administrativos que revezam nos três turnos do

funcionamento escolar. Todos eles foram muito solícitos quanto à pesquisa

desenvolvida, sem medirem esforços quanto ao nosso acesso à unidade escolar e à

busca por documentos institucionais pertinentes.

Quanto aos docentes, alguns residem na própria cidade, outros na Capital

– Aracaju. A instituição possui dezesseis professores efetivos, com formação em

nível de graduação nas áreas de atuação em sala de aula. Em conversa informal,

eles afirmaram que era possível transformar o cidadão pela educação.

Em relação aos equipamentos disponíveis para as atividades burocráticas

e pedagógicas, o Colégio possui antena parabólica, cinco televisores, dois aparelhos

de DVD, dois computadores, datashow, retroprojetor, máquina fotográfica digital,

83

filmadora, duas impressoras, máquina de xerox e mimeógrafo a álcool, no qual são

reproduzidas algumas atividades para os alunos.

A respeito dos recursos didático-pedagógicos, o Colégio utiliza aqueles

enviados pelo Estado ou comprados pela própria instituição com recursos

depositados diretamente na conta bancária da unidade de ensino através do Plano

de Desenvolvimento da Educação/PDE, do Projeto de Financiamento Nacional

PROFIN e do Plano de Desenvolvimento do Dinheiro Direto na Educação/PDDE,

mantidos pelo governo Federal. Os livros didáticos são utilizados ano após ano pelos

alunos matriculados na instituição escolar.

3.3.2 A ARENA DAS INTERAÇÕES: A SALA DE AULA

Figura 11: a sala de aula numa visão do fundo para a entrada.

84

Figura 12: a sala de aula numa visão da entrada para o fundo

O objeto de nossa pesquisa está no interior da sala de aula. Nosso

objetivo é analisar as falas dos interactantes, participantes deste ambiente,

mediados pelas interações verbais, como suportes da formação dos professores do

CN. Analisamos, por meio de questionário respondido pelos alunos, como eles

enxergavam o CN e a disciplina MP.

A estrutura física que apresentamos do interior da sala de aula não é

muito propícia ao ensino-aprendizagem, isso porque – como já dito – a sede da

unidade escolar encontra-se em reforma, e as dependências utilizadas para as aulas

estão em péssimas condições estruturais. Contribui também para o não

favorecimento educacional desses alunos o tamanho da sala e sua localização – a

medida aproximadamente da sala é de dois metros quadrados.

O quadro fica apoiado no próprio chão, as carteiras amontoadas umas

sobre as outras, duas janelas fazem a ventilação, e a acústica não ajuda durante as

aulas por causa do barulho das salas vizinhas. Além disso, a constante entrada e

saída dos alunos durante a aula desvia a concentração tanto da professora quanto

dos próprios alunos.

85

3.3.3 OS SUJEITOS DO AMBIENTE: OS ALUNOS

Os quatorze alunos que compõem a turma do terceiro ano do CN, do

período noturno, possuem, em sua maioria, nível socioeconômico baixo – filhos de

assalariados, de pescadores e de pequenos agricultores. São alunos cuja faixa

etária varia de quinze a dezoito anos. Todos eles estão cursando, pela primeira vez,

a série em curso. Dentre eles, três moram na região rural do município e o meio de

transporte é oferecido pela prefeitura que disponibiliza um ônibus para transportá-

los, através de recursos providos do Governo Federal.

A familiaridade existente entre os alunos e o Colégio ficou evidente, pois,

desde o EF, eles sempre estudaram juntos. Entretanto, por causa dessa

familiaridade, existe muita falta de atenção durante as aulas por parte deles – alguns

usam o celular durante as aulas, outros não conseguem ficar na sala por muito

tempo sentados, além das inúmeras conversas paralelas durante as aulas.

Essas ocorrências provocaram desvio de atenção à aula entre os demais

alunos ali presentes porque a sala era muito pequena – improvisada – e com o

“entra e sai” frequentes, em algumas aulas, nem a professora nem os alunos

conseguiam se concentrar. A consequência era visível: pouca aprendizagem e

insuficiência no processo de interação entre eles, tanto pelo fator “espaço

improvisado” quanto pelos próprios alunos ao desinteresse na formação.

Em relação ao número de aulas, pela matriz curricular, a disciplina MP

tem, semanalmente, apenas duas horas/aulas, e elas aconteciam no terceiro e

quarto horários, às segundas-feiras. Dessa forma, quando as aulas dos primeiros

horários não aconteciam por causa da falta do professor, os alunos não esperavam

o horário dessa disciplina, e costumavam ir embora. Eles permaneciam no Colégio

apenas quando a professora programava atividades pontuadas como avaliativas.

Algumas vezes, mesmo existindo aula desde o primeiro horário, certos

alunos, sabendo que não teriam aula no último horário (o quinto), também não

ficavam na segunda aula da disciplina e, ao final do terceiro horário, iam embora.

86

3.3.4 O SUJEITO MEDIADOR: A PROFESSORA

Quando uma pesquisa se destina a analisar um espaço constituído como

formativo, em especial a sala de aula, o fator determinante desta observação deve

ser considerado em todas as suas dimensões, desde a localização, a estrutura

física, até os frequentadores do ambiente – alunos, professores e funcionários.

A professora da disciplina em questão é formada em Pedagogia. Atua

como docente na rede estadual há vinte e cinco anos. Foi a partir deste ano de 2010

que começou a lecionar a disciplina Metodologia de Português no terceiro ano do

CN. Ela mora na sede do município e, além dessa disciplina, também ensina outras

da matriz curricular do CN. Frequentemente, ela participa de cursos de

aperfeiçoamento e de capacitação docente, oferecidos pelo Estado, sempre que tem

oportunidade.

Durante conversas informais conosco, a professora relatou sobre sua

paixão em lecionar, mas destacou que as “coisas mudaram” quando se refere à

qualidade do ensino e ao interesse dos alunos pelos estudos, e, especialmente os

alunos do CN. A sua preocupação concentrava-se no aproveitamento dos alunos

perante a formação no CN. Ela entendia que essa modalidade de ensino carregava

uma responsabilidade muito grande.

A professora também criticou a matriz curricular: além de o número de

aulas dessa disciplina ser insuficiente, não se justifica sua ausência nos anos

anteriores do curso. Para ela, a disciplina deveria ser ofertada nos quatro anos do

CN, com uma proposta pedagógica voltada para as experiências de sala de aula e

práticas de aprendizagem.

87

CAPÍTULO 4:

ANÁLISE DE CORPUS EM AULAS DE METODOLOGIA DE

PORTUGUÊS DO CURSO NORMAL

sala de aula é vista como um espaço onde se desenvolve o

processo ensino-aprendizagem. Nela, encontra-se a organização

social dos signos e da palavra mediada pelos sujeitos e suas

relações. Na visão enunciativa da linguagem, que embasa nosso trabalho, a

dinâmica discursiva que acontece no espaço institucional da sala de aula estará

presente nos papéis interlocutivos da enunciação que refletirão conflitos entre os

enunciados, seus produtores e sua formação.

Chamamos esses conflitos de disputa de lugares sociais, bem como de

diversidade de valores que circulam no processo interacional através das múltiplas

enunciações que constituem os sujeitos no espaço da sala de aula. Pela interação

verbal, visualizaremos as coerções sociais e interacionais que perpassaram a

relação professor-alunos no contexto da formação profissional. A essa disputa, as

relações de poder expressarão a vontade de verdade e as diferenças sociais que se

refletem nos conflitos do ambiente institucional.

Quanto ao contexto de produção, a sala de aula é vista como espaço

dialógico em que os sujeitos fazem dela uma arena central em prol das produções

interlocutivas, mediatizadas pela consciência e formação social, fazendo uso de

suas responsabilidades perante o objetivo de ser um profissional bem preparado a

assumir uma sala de aula com crianças nos anos iniciais do EF. O agir dos sujeitos

desenvolve o objetivo coletivo das relações sociais para alcançar a capacidade de

construção representativa dos efeitos da atividade educacional, ou seja, a vontade

de aprender para ser um bom profissional.

O lugar do professor permite mediar a palavra no processo ensino-

aprendizagem. Ele é o sujeito institucionalmente autorizado para regular e distribuir

as vozes no espaço da sala de aula para (RE)produzir o conhecimento da disciplina.

Do professor, espera-se o cumprimento de suas funções básicas; dos alunos, a

A

88

produção contextual das tarefas dialógicas para os procedimentos reguladores e

fundamentais da análise nas interações verbais.

O contexto interpessoal é apresentado como interação entre os sujeitos

numa relação horizontal – visto no capítulo anterior –, aproximando uns aos outros

pela familiaridade e intimidade, compreendendo as características internas e

externas da consciência social de cada um. A professora enquadra-se numa relação

vertical por permanecer no lugar hierarquizado, de dominação, poder. Essa relação,

teoricamente, está localizada na desigualdade das interações da sala de aula, pois o

poder e uso da fala, por exemplo, podem ser unicamente utilizados pela professora.

Como se trata, porém, de um agir nos discursos entre sujeitos da sala de

aula, essa relação vertical pode ser apropriada por algum aluno que detenha a fala,

enquanto instrumento de agir, e não oportunize os demais colegas interagirem na

construção dos enunciados. A fala dos alunos pode ocasionar distanciamento

quanto ao processo ensino-aprendizagem na disciplina por causa do grau de

familiaridade existente entre eles. (Cf. BRONCKART, 2008).

Há, decisivamente, no espaço da sala de aula, conflitos de opiniões que

validam o conhecimento em prol da formação docente no CN. Essa validação

decorre do processo dialógico que possibilita a troca de informações durante as

interações entre a voz do enunciador e a voz do outro.

Sendo a sala de aula o lugar, o espaço enunciativo organizado, as falas

dos sujeitos serão apresentadas em suas interações através de turnos de fala

alternados, marcadas pelas relações sociais, políticas, cognitivas e, principalmente,

educacionais.

Quanto à análise, seguiremos fielmente nossa proposta nas interações da

sala de aula, mas cabe ressaltar que todo estudo sobre este gênero de discurso

exige um início, meio e fim. Assim, o desenvolvimento dessa investigação se deu a

partir das interações no momento de nossa chegada na sala de aula quando

iniciamos a pesquisa; uma aula conteudística sobre língua e linguagem verificando o

contexto interacional formado na sala de aula entre os interactantes por meio do

conteúdo desencadeando numa avaliação escrita, a apresentação de uma aula

sobre as vogais ministrada por uma aluna e a análise de um questionário sobre a

disciplina MP e o CN respondido pelos alunos.

No quadro dos estudos da linguagem, o uso de questionário serviu para

concretizar determinados dados estatísticos coletados durante a pesquisa. Por isso,

89

faremos, na última parte do quarto capítulo, esse recurso metodológico para

apresentarmos resultados significativos sobre o curso e a disciplina MP na intenção

de melhorar o curso.

4.1 O RECONHECIMENTO – A PRIMEIRA IMPRESSÃO

Após ter combinado com a professora da disciplina que iniciaríamos

nossas observações naquele dia, já tínhamos a ideia de nossa pesquisa. Essa aula

foi apenas de reconhecimento do contexto da pesquisa e as reações dos

participantes eram também alvo de nossas atenções. Inicialmente, a reação dos

alunos, quando nós chegamos à sala de aula, de forma discreta e silenciosa, foi

impressionante, nós não conhecíamos os nomes dos alunos ainda. Veja, a seguir, o

diálogo estabelecido.

(...)

L1- A > (sv) será que é professor de Inglês? (sv) (# #)

L2-

L3-

A > (sv) acho que não. (sv) (##)

A > (sv) então o que ele veio fazer aqui? (sv) / ... (...)

L4-

L5-

L6-

P > (sv) Gente silêncio pelo amor de Deus (##) Aqui é o professor Carlos

Héric, ele vai observar vocês durante um BOM tempo para fazer a

pesquis::::a, de que mesmo, Héric?

L7- Pes > (##) do mestrado! (sv)

L8- P > (##) Ah! é mesmo, lembrei. Ele não é estagiário.

L9- A > Que pena! (sv) ()

L10- P > (sv) Como? (sv)

L11- A > (sv) nada, nada professora. (/) É BABADO ()

L12-

L13-

P > (sv) Então durante as aulas ele vai observar a gente e depois vai fazer

uma espécie d---e, (++) (++) estudo! (//) Acho melhor ele falar né?

L14- A > (sv) também acho!!! ()

90

L15-

L16-

L17-

L18-

L19-

L20-

L21-

Pes > (sv) Olá turma, como a professora bem falou, meu nome é Carlos

Héric. Acredito que muitos de vocês já me conhecem, pois sou daqui.

Minha mãe é professora de vocês também e por isso acredito que nosso

trabalho será tranquilo, mas é claro, precisarei MUITO da ajuda de vocês.

(/) (+) Meu objetivo aqui com vocês é de oferecer, após meus estudos e

com a conclusão de nossa pesquisa no mestrado, alternativas para

melhorar o curso, ach----o que é só (//).

(...)

Após o diálogo de apresentação, a aula transcorreu naturalmente. A

professora estava trabalhando o programa da disciplina – métodos de ensino de LM

na pré-escola, PCNs e conceitos sobre educação.

Notamos um constante fluxo de alunos que entravam e saíam

continuamente sem prestarem atenção ao conteúdo. A professora precisava chamar

a atenção deles por causa do barulho que eles realizavam, além do barulho externo

do corredor do Colégio que era significativo.

Na aula, a discussão girava em torno dos PCNs e do conceito de

educação. A professora estava explicando a importância que tem os PCNs e sua

finalidade para o ensino de LP. Ela ressaltava que era um documento produzido por

estudiosos do Sul e Sudeste do Brasil, mas que, para nossa realidade, era pouco

aproveitável.

Em decorrência das atividades pedagógicas que aconteciam

simultaneamente em outra sala de aula, a discussão sobre o tema foi superficial.

Mas, a professora orientou a turma para estudos dirigidos em grupo e pediu para

que escrevessem um pouco sobre o conceito de PCNs de LP. Logo após a saída da

professora, houve uma grande dispersão na sala de aula. Alguns foram embora,

outros ficaram, mas, nos dois casos, não realizaram a atividade.

Quando a professora retornou, muitos minutos depois, não cobrou a

atividade aos alunos e solicitou que eles pesquisassem na internet sobre o assunto.

Antes que terminasse a aula, ela indicou aos alunos a leitura dos PCNs apenas de

LP – isso ela já tinha feito – e confirmou que faria uma prova sobre esse assunto e

conceitos básicos sobre educação.

91

Mediante a este contexto de produção da fala professoral, seria de

fundamental importância aprofundar melhor este documento, por se tratar de uma

diretriz nacional que rege o ensino de LM. A sala de aula é o espaço ideal para

realizar as interações pelos possíveis questionamentos advindos dos alunos. Essa

perspectiva de produção poderia gerar a

orientação em direção ao ensino produtivo de língua cujo ponto de

referência deve ser o texto/discurso e não mais palavras isoladas; a

produção de gêneros e não mais redações escolares, pois não têm

propósito comunicativo compatível com os objetivos hoje definidos, vem se

fortalecendo de maneira significativa. (LEURQUIN, 2009 apud KATAOKA,

2009, p. 27). (Grifo nosso).

Quando destacamos “não mais palavras isoladas” queremos afirmar que

não foi a professora que agiu erroneamente no tocante à atividade, mas quanto ao

conteúdo foi indicado aos alunos pesquisarem a respeito destas diretrizes, dessa

forma, independentemente, os alunos deveriam buscar o conhecimento através de

suas habilidades individuais considerando-se sujeitos conscientes de sua formação

social. O contexto de produção da sala de aula é realizado através de condições de

aprendizagem favorecedoras ao desenvolvimento humano que, através das

exigências sociais, se manifestam por meio do interesse individual de cada aluno.

Nesse sentido, Vigotsky (2004) afirma que depois de os instrumentos

dependentes da assimilação do conhecimento serem propostos, cabe aos alunos,

pela formação de sua consciência (Cf. VIGOTSKY, 2007), buscarem, através dos

signos sociais, seus saberes independentemente. O aluno persistindo em não

procurar aprender individualmente, apenas acontecerá um “processo inteiramente

dependente das propriedades de sua intervenção no mundo” (BRONCKART, 2008,

p. 125-6).

Considerando o instrumento avaliação como uma “caixa de ferramenta”

(FAÏTA, 2010), tanto avalia quanto é avaliado, os interactantes (professora e alunos)

se envolvem no processo avaliativo de maneira natural. Dessa maneira, após essa

primeira impressão na observação da pesquisa, tivemos a curiosidade de a os

fatores enunciativos produzidos antes do início desse trabalho para identificarmos o

contexto de produção da disciplina e sabermos como deveríamos desenvolver nosso

estudo.

92

Para isso, recorremos à análise de uma avaliação escrita (ressaltamos

que não se trata de um novo objeto de estudo) realizada pelos alunos sobre

conceitos básicos de educação. Tendo digitalizado a avaliação, os resultados foram

analisados conforme sua estrutura e conteúdo da seguinte maneira:

a. O contexto da estrutura:

(i) falta de recursos para digitação e reprodução em cópias;

(ii) rasuras;

(iii) sem margens;

Figura 13: avaliação de Metodologia de Português

93

b. O contexto quantitativo da avaliação – quatro questões:

(i) Quanto aos PCNs na Língua Portuguesa, o que focaliza?

(i.i) quanto à necessidade?

(i.ii) quanto a sua organização?

(ii) Por que ler e escrever, pensar e imaginar é tão importante para o ato

da leitura e da escrita?

(iii) Na atualidade, que grupo utiliza recursos da antiguidade (linguagens)

para se comunicar? Por quê?

(iv) Que maneira o homem encontrou para expressar suas ideias e seus

sentimentos e fazer com que deve mais que o seu tempo?

Para não entrarmos em análises aleatórias e infundadas, seguiremos a

ordenação das questões a começar pela pergunta (i): existem três perguntas a

respeito dos PCNs em uma só – a primeira voltada para o foco, segunda para a

necessidade e terceira para a organização. Lamentavelmente, o aluno, por qualquer

motivo, não respondeu a nenhuma dessas questões, mesmo sabendo que a

professora tinha orientado, em sala de aula, um estudo dirigido, ou ainda uma

pesquisa sobre o tema solicitando também aos alunos, após o estudo,

considerações pertinentes aos PCNs.

Como a sala de aula é o espaço das relações constitucionais, o papel da

professora centrava-se em orientar, definir e motivar caminhos para os alunos

estudarem. Obviamente, os alunos só conseguiriam respondê-la se estivessem

seguido às orientações em sala de aula e dominado o conteúdo.

Logo, a questão foi formulada e apresentada ao aluno, porque a

professora já tinha orientado previamente. Nesse caso, a atividade do pensamento

humano – o estudo coletivo em sala de aula configurado como estudo dirigido – não

esteve em exercício na produção do conhecimento social, sobre a importância,

fundamento e utilização dos PCNs para o ensino de LM. De acordo com Vigotsky

(2007), essa capacidade de conhecimento começa na sala de aula com base na

atividade (o estudo dos PCNs). A proposta sugerida pela professora para os alunos

pesquisarem seria mais bem aproveitada se os resultados fossem levados à sala de

94

aula e houvesse a socialização das ideias sobre PCNs entre os alunos e a

professora.

A segunda questão proposta na avaliação sugere um conhecimento do

aluno sobre noções básicas de educação. A resposta do aluno foi a seguinte:

É porque quando você imagina você acaba levando a imaginação

para o pensamento e desse momento endiante (sic) acaba escrevendo

tudo aquilo no que você está pensando e consequentimente (sic) você le

(sic) o que escreveu.

A questão estava direcionada ao ato de pensar e imaginar sobre leitura e

escrita. Segundo Antunes (2003, p. 160), “a avaliação, em função, mesmo de sua

finalidade, deve acontecer em cada dia do período letivo, pois a aprendizagem,

também está acontecendo todo dia.” Dessa forma, o contexto de produção do aluno

tangencia o objetivo da pergunta ocasionando deslizes contextualizadores mediante

assunto da questão.

A atribuição da nota máxima nesta questão motivou o aluno ao estudo

sobre conceitos pertinentes ao assunto. Esta nota correspondia à caracterização do

poder enquanto articulação relacionável entre a professora e o aluno (FOUCAULT,

1982 apud FOGAÇA, 2010). Visto o ambiente da sala de aula na relação vertical

institucionalizadora, a professora detinha o poder dessa relação para julgar a

produção do aluno conforme suas capacidades educacionais; ela reconheceu que o

aluno foi capaz de responder à questão.

No ambiente da sala de aula, a relação de poder estabelecida entre

professor-aluno consiste no contexto daquele que ensina e avalia (o professor) e

aquele que aprende e é avaliado (o aluno). Neste contexto social, existe sim uma

interação vertical endossada pelos papeia sociais institucionalizados na escola.

Como, neste momento, nossa análise estava voltada para a interação

professo-aluno a partir de uma atividade avaliativa precisávamos perceber para um

ponto fundamental de análise: o encontro entre o sujeito que produz seu contexto de

conhecimento e outro sujeito que avalia, mede, pune, enfim, com o poder

95

institucionalizador garante (RE)aprovação. Esse critério de (RE)aprovação é garantia

de aprendizado que

se desenvolve lá por meio de um conjunto de comunicações reguladas (lições, perguntas e respostas, ordens, exortações, códigos de conduta, marcas de diferenciação do “valor” de cada pessoa e os níveis de conhecimento) e por meio de uma série de processos de poder (confinamento, vigilância, recompensa e punição, e a pirâmide hierárquica) (FOUCAULT, 1982 apud FOGAÇA, 2010, p. 218-219, tradução do autor)

Seguindo a mesma linha de raciocínio, analisemos a resposta do aluno na

terceira e quarta questões, mas, especificamente, só a terceira chama-nos a atenção

pelos traços notáveis em seu contexto de produção.

Os escoteiros? Porque eles vão fazer muitas aventuras,

acampamentos, tudo isso muitas vezes nos matos (sic).

A construção textual segue a mesma ordem da segunda questão, por

isso, retomemos à pergunta:

(iii) Na atualidade que grupo utiliza recursos da antiguidade

(linguagens) para se comunicar? Por quê?

Quando estudamos em Bakhtin (1999) que os enunciados são produções

concretas dos discursos dos sujeitos, também em Vigotsky (2007) a formação social

da mente – são as formulações cognitivas: primeiro o que é escoteiro e segundo

quais suas atividades – passam pelo conhecimento humano mediatizadas

socialmente pelo aluno, esse processo é simultâneo e natural na consciência

humana. Nesse sentido, a resposta do aluno interage com ele mesmo e seu

conhecimento de mundo em função da consciência social.

96

Revendo o esquema que propomos no capítulo dois sobre o movimento

SVS36, o aluno compreende o signo como sua realidade consciente, exterior, ou

seja, aquela que ele conhece por individuação da fala nas formações sociais do

conhecimento mediatizado. Em outras palavras, a dimensão da análise estende-se à

visão da ZDP (como visto no capítulo dois): o conhecimento que o aluno tem sobre

os escoteiros e todas as atividades realizadas por este grupo o fazem relacionar ao

conhecimento social que pode justificar sua resposta. Vejamos:

CONSTRUÇÕES SOCIAIS DE CONHECIMENTO

Atividade escolar

Transmissão do pensamento consciente para o conhecimento

Interiorização/Exteriorização – reprodução sígnica

Esquema 4: construção social de conhecimento humano

Para o aluno, a resposta não poderia ser melhor, porque o conhecimento

que ele tem o habilita a responder serem os escoteiros o único grupo de pessoas

que utiliza recursos da antiguidade da linguagem. Essa ilustração remete à opinião

de Vigotsky (2007), para quem o sujeito é responsável conscientemente pelas suas

ações. O aluno responde de acordo com o objeto mais próximo dele, o que

apareceu em mente no ato da prova.

Acompanhando a tendência de Vigotsky da ZDP, o aluno é reflexo de seu

conhecimento. Quando organiza o conhecimento pela aproximação do objeto e

contato com ele, é adquirido mais rapidamente o domínio sobre o conceito e

transmite para outra esfera social, sucessivamente. Somente difere essa análise da

quarta questão, pois a pergunta requereu uma resposta sistemática ao assunto

abordado na sala de aula. Também quanto à construção dela, sentimos existir algo

que completasse sua compreensão.

36

Sobre Signo Verbal Social (SVS), conferir o segundo capítulo deste trabalho.

Avaliação

Ah! já sei. ESCOTEIROS

signo

saber

palavra

...

97

REFLEXO DA CONSCIÊNCIA

SIGNO

OBJETO X

Esquema 5: reflexo da consciência humana

Todavia, a resposta da questão três compreende duas considerações: a

primeira, a partir da condição vygotskiana de ZDP, pois o aluno consegue aproximar

sua realidade ao contexto de produção educacional, ou seja, ele consegue assimilar

o conhecimento adquirido com o exigido na avaliação; segunda, considerando o

contexto de produção do ambiente de sala de aula, o aluno pode ter assimilado

sobre determinada discussão realizada em sala de aula e mediada pela professora.

Considerando a resposta do aluno, entendemos ser a atividade de

linguagem um instrumento discursivo advindo da antiguidade, mas esse processo

não estagnou no passado e nem ficou delimitada, ou ainda, subalterna a qualquer

grupo social discursivo.

Nossa consideração quanto ao instrumento “avaliação” apenas quis

nortear uma discussão que melhor seria desenvolvida em outro trabalho específico;

daí, prosseguiremos com nosso objetivo analisando o espaço da sala de aula e suas

interações, com base na aula sobre língua e linguagem.

4.2 ABORDAGEM SOBRE CONCEITOS DE LÍNGUA E LINGUAGEM

A aula que resolvemos transcrever abaixo se refere ao assunto Língua e

Linguagem, ocorrida durante três aulas de quarenta e cinco minutos cada. A

importância desta aula consiste nos instrumentos de aprendizagem que ela oferece

98

à formação dos futuros decentes, pois toda formação que se preze ao exercício

docente, necessita de conhecimentos básicos acerca da língua materna.

(...)

L1- P > Boa Noite gente, hoje vamos falar sobre língua. O que é língua. (sv)

L2-

L3-

A1 > (sv) Assim, eu acho que língua é a maneira que cada um tem de

expressar de maneira livre, da forma que eu sei, do lugar onde estou. (sv)

L4- P > Certo, o que mais? (++) Alguém para ajudar A1 (...) (# #)

L5- A2 > (sv) falou tudo já, [>>>]

L6- P > não, não, de jeito nenhum. Língua é muito mais. Vamos! (++)

L7- A3 > (sv) diga aí o que é língua (++)

L8-

L9-

L10-

L11-

L12-

P > (sv) Falem gente, vocês precisam me a:::ju:::::dar Eu tô aqui pra avaliar

vocês. Se vocês não me ajudarem fica difícil (sv) falar alguma coisa. (+) ()

Bem, se vocês não querem falar, então vou fazer a chamaDA até a mente

de vocês resolverem colaborar, ou ainda a preguiça (sv) de vocês permitir

esse ato. Aluno1 (...)

L13- P > (sv) Aluno 2 (sv)

L15- A2 > (sv) Presente! (sv)

L16- P > (sv) Aluno 3 (sv)

L17- A3 > (sv)Presente! (sv)

L18- P > (sv) Aluno 4 (sv)

L19- A4 > PRESENTE PROFESSORA! (sv) ()

L20-

L21-

L22-

P > (sv) Calma, A4 a sala é tão pequena que já vi você aí, inclusive

concentre-se em pensar alguma coisa para responder. Aluno 5 (sv) ()

[Nenhum aluno estava preocupado em realizar a atividade solicitada].

L23- A5 > (sv) Presente!

L24- P > Aluno 6, Aluno 6 (sv) Vocês não calam a boca não, né?

L25- A4 > (sv) Faltou professora, TÁ VENDO não???

L26- P > realmente não, se tivesse vendo ele estaria aqui! (). Aluno 7

L27- A2 > (sv) Também faltou professora.

L28- P > (sv) O que foi que houve, o ônibus do povoado não foi buscá-los. (sv)

L29- A2 > (sv) Não! Tá chovendo. [Os alunos justificaram a ausência dos

99

L30-

L31-

L32-

colegas que moram nos povoados e faltaram por causa das condições das

estradas e os ônibus não trafegam nas estradas quando chove, pois corre o

risco de ficar atolado]. (sv)

L33-

L34-

P > (sv) Ahã, é mesmo! Aluno 8. Esse aqui também é do povoado. Faltou.

Aluno 9

L35- A9 > (sv)Presente professora

L36- P > (sv) Aluno 10

L37- A10 > (sv) Presente

L38- P > (sv) Aluno 11

L39- A11 > (sv) Presente

L40- P > (sv) Aluno 12

L41- A12 > (sv) Presente

L42- P > Aluno 13, esse aqui acho que desistiu. (sv)

L43-

L44-

L45-

L46-

A5 > (sv) desistiu mesmo professora ele disse que não quer ser mais

professor não, disse que trabalhar no “trampo” é melhor (), () [A aluna

quis se referir “trampo” trabalhar em empresas terceirizadas pela Petrobrás

em outras cidades do país]

L47-

L48-

P > (sv) Pois é! Pelo menos ele desistiu há tempo, pior é ir para uma sala

de aula e esteja se realizado com o que está fazendo. Aluno 14

L49- A14 > (sv) Presente.

L50- P > (sv) Aluno 15

L51-

L52-

L53-

L54-

L55-

A4 > (sv) essa é outra professora, só pensa em namorar, acho que ela

fugiu, e não vem mais pra escola. [“fugir” para eles é sair de casa sem se

casar ou sem a autorização dos pais, normalmente esses acontecimentos

ocorrem nas madrugadas quando todos estão dormindo e ninguém vê

nada]

L56-

L57-

L58-

P > (sv) Então! Prontos? Quem poderia começar a falar para nós o que

LÍNGUA? (+) Vamos? (++). Tá vendo estavam preocupados em falar sobre

a vida dos colegas, esqueceram da atividade.

L59- Axx > (sv) Falem qualquer coisa aí ()

L60-

L61-

A4 > (sv) Qualquer coisa () () [a turma acha engraçada a resposta dos

colegas e continuam rindo da resposta] (sv)

L62- A2 > (sv) Vá você, gosta tanto de falar, é um “negoço” da boca ()

100

L63-

L64-

A5 > (sv) Eu nã::o. [Nesse momento existe um grupinho de meninas que

está falando sobre uma colega] Ôi é BABADO ()

L65-

L66-

P > (sv) Língua é um código linguístico, agora o que é um código

linguístico? (++) (++) (++) O que é um código? Ahã.

L67- A1 > (sv) Não é um código, são vários.

L68-

L69-

L70-

P > (sv) Certo, isso, tá vendo que vocês sabem falar alguma coisa

proveitoso sobre as questões colocadas, o que mais? (+) Então qual é o

nosso código? Linguístico? O nosso específico.

L71- A1 > A língua Portuguesa. (sv)

L72-

L73-

P > Isso a Língua Portuguesa, muito bem! Ok! Nesse mesmo sentido como

é que nós expressamos, a nos---sa, o--- nosso português?

L74- A1 > falando. (sv)

L75-

L76-

L77-

L78-

L79-

L80-

L81-

L82-

L83-

L84-

L85-

L86-

L87-

L88-

L89-

P > Pois é! Falando! Então por isso, que quando A2 falou que a língua é um

negócio da boca e vocês acharam engraçado, porque é de fato um órgão,

um membro que faz parte de nosso organismo que faz desenvolver uma

comunicação uma linguagem, não é nem uma comunicação, (sv) porque

CO:MU:NI:CA:ÇÃO, nós vamos ver (+) daqui a pouco, não é só isso. Já a

LINGUAGEM, a partir da língua nós transmitimos nosso código linguístico

que é a LP, aí sim a língua ela vai ser (+) trabalhada, pelo ponto, pelo fato

(sv) de você entender que você fala aquele tipo de LM, então como

podemos não saber qual é a nossa língua materna a língua portuguesa. Por

que língua materna? Porque é a nossa língua mãe, é a língua de onde nós

nascemos (++) por isso que nós temos a língua materna, () língua

portuguesa e as línguas estrangeiras são as línguas de outros lugares,

outros países, (+) sabendo nós que a nossa língua é a língua materna,

língua portuguesa, eu posso dizer com isso que eu não, que eu não

necessito aprender outra língua?

L90- Axx > (sv) N:::ÃO! (sv) Vixe! Oh negocinho enjoado...

L91-

L92-

L93-

L94-

L95-

P > Então nós temos uma possibilidade e devemos também aprender uma

outra língua (+) o espanhol, o inglês, o francês, o alemão, o italiano, o

aramaico, o grego, enfim, o hebraico, são línguas que nós aprendemos

para se comunicar com outras pessoas daquele mesmo código linguístico

de outros países, né?

101

L96- A1 > (sv) de outros países?

L97-

L98-

P > (sv) Exatamente! Então, língua é o mecanismo que pos:si:bi:li:ta e faz

gerar o nosso código linguístico. (++) O que é língua mais?

L99- A4 > (sv) Tá bom professora, já foi, já disse tudo.

L100-

L101-

L102-

L103-

L104-

L105-

P > Não, de jeito nenhum, é por isso que vocês, no curso normal existe

uma preocupação muito grande em aprender todas as metodologias de

ensino das disciplinas, e dentre todas as metodologias existe a de língua

portuguesa. Quando a gente falou aqui, o ano passado o que vocês

estudaram em português e vários de vocês responderam substantivo,

adjetivo, pronome, verbo, pá, pá, pá (...)

L106- A2 > (sv) Verbo? Eu não lembro de ver não professora.

L107- A4 > Foi mesmo, também não, acho que foi pulado essa página ()

L108-

L109-

L110-

L111-

L112-

L113-

P > (sv) Bem, se vocês não estudaram não posso fazer nada, mas essas,

esses assuntos deverão ser ensinados por vocês nas séries iniciais do

ensino fundamental quando vocês forem professores. E:: ssa, essa intuição

do ensino da língua portuguesa ela não é muito aceitável no curso normal

porque o ensino é sistemático do uso de regras. Porque o objetivo do curso

é o quê? (++)

L114- A2 > Ahã, hein, o que professora?

L115- P > Qual é o objetivo do curso normal?

L116- A6 > Formar professores

L117-

L118-

P > (sv) Isso! Formar professores e se vocês estão aqui para serem

formados professores vocês devem ter uma perspectiva de quê?

L119- A > (++) (++) É? () Perspectiva? [>>>>] O que?

L120- P > (sv) qual é a perspectiva? O que vocês pretendem? (sv)

L121- A4 > Ah! Entendi! (/) Trabalhar é claro né? () BABADO (/)

L122- A1 > (sv) Aprimorar os (sv) conhecimentos professora.

L123- P > (sv) Aprimorar! Muito bem! O que mais, (ahã)

L124- A1 > Ir pra faculdade

L125- P > (sv) Ir pra faculdade. E ao sair, depois do quarto ano? logo depois? (sv)

L126- A4 > (ahã) Ah! não sei, não sei não professora. (ahã)

L127- A1, A2 > Arrumar () (...) ... emprego

L128- P > (sv) AH! (//) Arrumar um emprego. Então quando vocês saírem daqui.

102

L129- (sv), Então quando vocês saírem daqui! (# #)

L130- A4 > Hoje professora? ()

L131- P > (sv) Engraçadinha! (sv) () () Não sei o que VOCÊ vem fazer aqui!

L132-

L133-

L134-

P > (sv) Quando vocês saírem daqui FORMADOS, OBVIAMEN:::TE vocês

já saem PRE:PA:::RA::::DOS, para uma sala de aula. Por isso, a formação

do curso normal deve ser visto com grande (sv) seriedade, NÃO É A4? (sv)

L135- A4 > (sv) Porque eu professora? Pelo menos sou verdadeira e direta ()

L136-

L137-

L138-

L139-

L140-

L141-

L142-

L143-

L144-

L145-

P > (sv) Imagine por quê? Se você não sabe, (//) Acho que suas gracinhas

não levaram ninguém a lugar nenhum, inclusive VOCÊ e essa (sv) sua

concepção errada sobre o curso e sua formação. Bem pessoal

continuando, podemos perceber (sv) que as METODOLOGIAS, podem e

devem ser consideradas para a boa preparação das aulas. Estudar a

gramática é importante, mas vocês devem se preocupar também em como

aprender a ensinar a gramática às crianças. [Na verdade o que acontece

neste momento torna-se como fator comum nas aulas, o sinal toca e os

alunos nem espera a professora sair da sala, não se importam para o que

está seno dito e começam a ir embora ignorando a professora na sala].

As possibilidades que contemplam a análise destes turnos de fala no agir

dos sujeitos da sala de aula são inúmeras. Para compreender ativamente o processo

da interação, consideramos as observações no campo sociológico necessárias para

ampliarmos a ideia de que

Toda situação inscrita duravelmente nos costumes possui um auditório organizado de uma certa maneira e consequentemente de um certo repertório de pequenas fórmulas correntes. A fórmula esteriotipada adapta-se, em qualquer lugar, ao canal de interação social que lhe é reservado, refletindo ideologicamente o tipo, a estrutura, os objetivos e a composição social do grupo [...] Assim, encontram-se diferentes formas de construção de enunciados nos lugares de produção de trabalho. (BAKHTIN, 1999, p. 126, grifo nosso)

Nesse sentido, o contexto da sala de aula que imaginamos,

inevitavelmente técnico-tradicional, não está distante do observado. No enunciado

abaixo, presenciamos o início das atividades pela professora.

103

(...)

L1- P > Boa Noite gente, hoje vamos falar sobre língua. O que é língua. (sv)

L2-

L3-

A1 > (sv) Assim, eu acho que língua é a maneira que cada um tem de

expressar de maneira livre, da forma que eu sei, do lugar onde estou. (sv)

L4- P > Certo, o que mais? (++) Alguém para ajudar A1 (...) (# #)

L5- A2 > (sv) falou tudo já, [>>>]

L6- P > não, não, de jeito nenhum. Língua é muito mais. Vamos! (++)

L7- A3 > (sv) diga aí o que é língua (++)

L8-

L9-

P > (sv) Falem gente, vocês precisam me a:::ju:::::dar Eu tô aqui pra avaliar

vocês. Se vocês não me ajudarem fica difícil (sv) falar alguma coisa.

(...)

A postura da professora, dos alunos, as conversas paralelas, as posições

das carteiras sinalizam para o enquadramento e a circunscrição na transmissão dos

discursos organizados por um sistema de atividade humana determinada pela

professora. Para Foucault (2009),

a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório. (2009, p. 9)

Quando a professora estava instigando os alunos a falarem sobre o

conceito de língua, após algumas tentativas, apenas A1 responde:

(...)

L2, L3 > “Assim, eu acho que língua é a maneira que cada um tem de expressar de maneira livre, da forma que eu sei, do lugar onde estou”

(...)

L4 P > “Certo, o que mais? (++) Alguém para ajudar A1

(...)

104

Surpreendentemente tínhamos estranhado a professora não ter interferido

na resposta de A1 para instigá-lo a desenvolver melhor sua resposta ou até mesmo

motivar os demais da sala em participar. Mas logo notamos, como na L4, que ela

preferiu que os demais alunos participassem a partir da resposta de A1 – se ela

opinasse, talvez pudesse desmotivar os demais da turma nas interações.

O agir da professora consistiu em respeitar a diversidade de interações

que poderia surgir entre os demais alunos mediante contexto abordado em sala.

Para Cicurel (No prelo, 2010), o agir do professor é válido quando “une seconde

manière de connaître ce monde consiste alors à recueillir les discours des acteurs

sur ce qu‟ils ont fait afin de voir quel est le sens que les acteurs attribuent aux

événements qu‟ils ont vécu”37.

Porém, a ressalva que a professora faz sobre a participação dos demais

alunos é decorrente de não estarem preocupados com a aula – entram e saem

frequentemente, atendem ao celular, “retocam a maquiagem” 38. Após a fala de A1,

foi surpreendente a posição de A2

(...)

L5 A2 > (sv) falou tudo já, [>>>]

(...)

A transferência de responsabilidade ocorria a cada instante, pois ninguém se

preocupava em interagir junto com a professora. Dessa relação, no ambiente da sala

de aula, é destacado o enunciado como produção dos interactantes que se

constituem por diálogos, segundo Marcuschi (2005) do tipo assimétrico, pelo fato de

que

um dos participantes tem o direito de iniciar, orientar, dirigir e concluir

a interação e exercer pressão sobre o(s) outro(s) participante(s). É o

caso das entrevistas, dos inquéritos e da interação em sala de aula.

(MARCUSCHI, 2005, p.16, grifo nosso)

37

Uma segunda maneira de conhecer este mundo consiste então em recolher os discursos dos interactantes sobre o que falaram a fim de notar qual é o sentido que eles atribuem aos acontecimentos que viveram. (Tradução nossa). 38

A essas reações tivemos acesso pelo diário de classe registrado por nós durante a aula.

105

À luz desse entendimento, compete ao professor agir sobre esses pilares

verbais, por ser a pessoa que inicia, orienta, dirige e conclui os discursos em sala.

Contrariamente, o que pode também acontecer é um aluno dizer conclusivamente

sobre o tema do assunto e a reação dos demais pode diversificar, como por

exemplo:

(i) os demais alunos ficam intimidados a falar;

(ii) suas falas poderão servir de “enchimento de saco” para os demais;

(iii) supõe-se que ninguém vai falar mais ou que a aula irá terminar;

Nesse sentido, como na turma existiam apenas dez alunos, nessa aula –

dentre eles, somente cinco interessados –, a professora retoma a palavra da

seguinte maneira:

L8, L9 > “vocês precisam me ajudar”, eu tô aqui pra avaliar vocês. Se vocês não me ajudarem fica difícil (sv) falar alguma coisa.” (grifo nosso)

Ela faz um convite às interações verbais quanto à participação no

conteúdo, mas sem resultados. A falta de participação ainda era visível. Como se

não bastasse, a professora precisou impor sua fala, controlando o discurso,

evidenciando seu poder institucionalizado de avaliadora no processo ensino-

aprendizagem. O instrumento de linguagem passou a ser desenvolvido por meio das

condições de controle social, ou seja, se os alunos participassem, ou não, da aula

interacionalmente a formalização avaliativa já estaria acontecendo.

Contrariando o que pensa Cicurel (2010), a partir do momento que os

alunos não participam das interações, a professora deve direcionar e formular um

conjunto de conhecimentos que os motivem a aprenderem e formar suas

consciências sociais mediante tema da aula. Segundo a autora, o agir do professor

deveria ser

le point de rencontre entre les intentions et buts du professeur, et l'interaction telle qu‟elle émerge en classe, face à des individus qui

106

réagissent en créant une situation imprévue. L‟agir professoral se compose, d'une part, de ce que le professeur prévoit pour sa classe et, d'autre part, de l'appropriation de ces contenus par les élèves. (CICUREL, 2010).

39

Assim, as intenções não partiram da professora, mas de dois ou três

alunos que ainda persistiam nos diálogos sobre o tema língua, enquanto a

professora iniciava a sequência da chamada. O importante, agora, na visão da

professora, era o cumprimento dos procedimentos institucionais.

L10, L11, L12 > (+) () Bem, se vocês não querem falar, então vou fazer a chamaDA até a mente de vocês resolverem colaborar, ou ainda a preguiça (sv) de vocês permitir esse ato.

A professora marca e conduz sua voz, em seu argumento, especificando

seu entendimento pelo assunto, mas não socializa com os alunos quando paralisa o

conteúdo da aula para realizar a chamada aluno por aluno. Abaixo, o fragmento

conversacional do controle de presença dos alunos feito pela professora no espaço

da sala de aula:

(...)

L13- P > (sv) Aluno 2 (sv)

L15- A2 > (sv) Presente! (sv)

L16- P > (sv) Aluno 3 (sv)

L17- A3 > (sv)Presente! (sv)

L18- P > (sv) Aluno 4 (sv)

L19- A4 > PRESENTE PROFESSORA! (sv) ()

L20-

L21-

P > (sv) Calma, A4 a sala é tão pequena que já vi você aí, inclusive

concentre-se em pensar alguma coisa para responder. Aluno 5 (sv) ()

39

O ponto de encontro entre as intenções e objetivos do professor está em como a interação se manifesta na sala de aula, perante indivíduos que reagem criando uma situação imprevista. O agir do professor é composto, por um lado, daquilo que prevê na sala de aula e, por outro, da apropriação dos conteúdos pelos alunos. (tradução nossa).

107

L22- [Nenhum aluno estava preocupado em realizar a atividade solicitada].

L23- A5 > (sv) Presente!

L24- P > Aluno 6, Aluno 6 (sv) Vocês não calam a boca não, né?

L25- A4 > (sv) Faltou professora, TÁ VENDO não???

L26- P > realmente não, se tivesse vendo ele estaria aqui! (). Aluno 7

L27- A2 > (sv) Também faltou professora.

L28- P > (sv) O que foi que houve, o ônibus do povoado não foi buscá-los. (sv)

L29-

L30-

L31-

L32-

A2 > (sv) Não! Tá chovendo. [Os alunos justificaram a ausência dos

colegas que moram nos povoados e faltaram por causa das condições das

estradas e os ônibus não trafegam nas estradas quando chove, pois corre o

risco de ficar atolado]. (sv)

L33-

L34-

P > (sv) Ahã, é mesmo! Aluno 8. Esse aqui também é do povoado. Faltou.

Aluno 9

L35- A9 > (sv)Presente professora

L36- P > (sv) Aluno 10

L37- A10 > (sv) Presente

L38- P > (sv) Aluno 11

L39- A11 > (sv) Presente

L40- P > (sv) Aluno 12

L41- A12 > (sv) Presente

L42- P > Aluno 13, esse aqui acho que desistiu. (sv)

L43-

L44-

L45-

L46-

A5 > (sv) desistiu mesmo professora ele disse que não quer ser mais

professora não, disse que trabalhar no “trampo” é melhor (), () [A aluna

quis se referir “trampo” trabalhar em empresas terceirizadas pela Petrobrás

em outras cidades do país]

L47-

L48-

P > (sv) Pois é! Pelo menos ele desistiu há tempo, pior é ir para uma sala

de aula e esteja se realizado com o que está fazendo. Aluno 14

L49- A14 > (sv) Presente.

L50- P > (sv) Aluno 15

L51-

L52-

L53-

L54-

A4 > (sv) essa é outra professora, só pensa em namorar, acho que ela

fugiu, e não vem mais pra escola. [“fugir” para eles é sair de casa sem se

casar ou sem a autorização dos pais, normalmente (sv) esses

acontecimentos ocorrem nas madrugadas quando todos estão dormindo e

108

L55- ninguém vê nada]

(...)

Os turnos de fala acima apresentados demonstram o tempo “perdido”

para essa tarefa, aproximadamente vinte e cinco minutos, pois, como a turma é

pequena, seria dispensável a realização do controle de presença, sem precisar

interromper a discussão sobre língua. Observa-se que o poder efetivamente

perpassa os sujeitos prevalecendo, nas interações verbais, a posição hierárquica da

professora. Não queremos afirmar que a professora é autoritária na sala de aula,

pelo contrário, a relação dela com a turma é harmoniosa.

Durante o controle da chamada, foi-nos revelada outra preocupação entre

os participantes do curso. Dentre os quatorze alunos que estavam matriculados,

apenas dez frequentavam assiduamente as aulas, porém desses, somente quatro

ou seis interagiam nos conteúdos. Quando a professora retomou a aula, os convidou

a falarem sobre o assunto, mas não obtinha resultado.

(...)

L56-

L57-

L58-

P > (sv) Então! Prontos? Quem poderia começar a falar para nós o que

LÍNGUA? (+) Vamos? (++). Tá vendo estavam preocupados em falar sobre

a vida dos colegas, esqueceram da atividade.

L59- Axx > (sv) Falem qualquer coisa aí ()

L60-

L61-

A4 > (sv) Qualquer coisa () () [a turma acha engraçada a resposta dos

colegas e continua rindo da resposta] (sv)

L62- A2 > (sv) Vá você, gosta tanto de falar, é um “negoço” da boca ()

L63-

L64-

A5 > (sv) Eu nã::o. [Nesse momento existe um grupinho de meninas que

está falando sobre uma colega] Ôi é BABADO ()

(...)

A desmotivação nas participações era muito visível, as brincadeiras que

existiam na sala eram frequentes, como constatamos nas L59, L60, L61, L62, 63,

64. Pelos enunciados transcritos, notamos que os interesses eram bastante

variados. Quando, na linha 62, A2 indicou uma colega para falar sobre o conceito de

109

língua, ela mesma (A2) respondeu, ocasionando risos por causa de sua resposta

inusitada.

Quando a A2 afirmou ser a língua “um negócio da boca” abriu um

precedente para risos e brincadeiras, na sala de aula, sem demonstrar, pelo menos

aparentemente, interesse real pelo conhecimento no assunto. Dentre os fatores que

influenciam esse comportamento, pode estar atribuído ao desestímulo em estudar

ou querer ser professor. Mas essas deduções não passam de considerações

observáveis a partir do comportamento de A2 na sala de aula.

No contexto de produção das falas em sala de aula, a professora poderia

se utilizar do tema língua para estimular a participação dos alunos intervindo no

turno de fala para mostrar a importância de seu estudo. Em relação a essa atividade,

Bronckart (2008, p. 87) diz que

o agir linguageiro se traduz em um texto, que pode ser definido como toda unidade de produção verbal que veicula uma mensagem organizada e que visa a produzir um efeito de coerência sobre o destinatário, ou, então como unidade comunicativa de nível superior, correspondente a uma determinada unidade de agir linguageiro. (grifo do autor)

O autor apresenta alternativas para os alunos nos resultados da produção

conceitual sobre língua entre a professora e eles. Para existir a conceitualização do

termo língua, é preciso que a professora defina os conhecimentos temáticos sobre o

tema da aula. (Cf. BRONCKART, 2008).

Kerbrat-Orecchioni (2006) explica essa relação quando apresenta dois

tipos de relações: a vertical e a horizontal. Na primeira, a relação é autoritária – da

professora – e não tem participação com as conversações acima transcritas, pela

assimilação e conhecimento dos assuntos, entre os alunos discutidos; a segunda

relação, horizontal, é dos alunos, que dominam a fala e o espaço da sala de aula,

sem permitir que a professora reinicie o assunto da aula.

O grande desafio da professora estava em conseguir que os alunos

participassem das aulas. Após alguns minutos, ela interferiu nas conversas paralelas

e continuou a aula sobre o conceito de língua:

110

(...)

L65-

L66-

P > (sv) Língua é um código linguístico, agora o que é um código

linguístico? (++) (++) (++) O que é um código? Ahã.

L67- A1 > (sv) Não é um código, são vários.

L68-

L69-

L70-

P > (sv) Certo, isso, tá vendo que vocês sabem falar alguma coisa

proveitoso sobre as questões colocadas, o que mais? (+) Então qual é o

nosso código? Linguístico? O nosso específico.

L71- A1 > A língua Portuguesa. (sv)

L72-

L73-

P > Isso a Língua Portuguesa, muito bem! Ok! Nesse mesmo sentido como

é que nós expressamos, a nos---sa, o--- nosso português?

L74- A1 > falando. (sv)

L75-

L76-

L77-

L78-

L79-

L80-

L81-

L82-

L83-

L84-

L85-

L86-

L87-

L88-

L89-

P > Pois é! Falando! Então por isso, que quando A2 falou que a língua é um

negócio da boca e vocês acharam engraçado, porque é de fato um órgão,

um membro que faz parte de nosso organismo que faz desenvolver uma

comunicação uma linguagem, não é nem uma comunicação, (sv) porque

CO:UM:NI:CA:ÇÃO, nós vamos ver (+) daqui a pouco, não é só isso. Já a

linguagem, a partir da língua nós transmitimos nosso código linguístico que

é a LP, aí sim a língua ela vai ser (+) trabalhada, pelo ponto, pelo fato (sv)

de você entender que você fala aquele tipo de língua materna, então como

podemos não saber qual é a nossa língua materna a língua portuguesa. Por

que língua materna? Porque é a nossa língua mãe, é a língua de onde nós

nascemos (++) por isso que nós temos a língua materna, língua portuguesa

e as línguas estrangeiras são as línguas de outros lugares, outros países,

(+) sabendo nós que a nossa língua é a língua materna, língua portuguesa,

eu posso dizer com isso que eu não, que eu não necessito aprender outra

língua?

L90- Axx > (sv) N:::ÃO! (sv) Vixe! Oh! negocinho enjoado...

(...)

O enunciado discursivo na sala de aula, entendido como enunciação

individual dos sujeitos, não é neutro, porque as palavras não as são, elas constituem

sentidos a partir da individuação de cada sujeito através da fala. Em razão disso, o

111

discurso pedagógico, por pertencer aos gêneros do discurso, marca o sujeito que

enuncia – nesse momento, a professora.

Provavelmente ela, como locutora, fala pela formação que tem sobre o

conhecimento transmitido. É neste ponto que Vigotsky (2007) chama o

conhecimento de formação da consciência social, ou melhor, o sujeito passa a ter

responsabilidade quanto ao enunciado. O pensamento humano processa

informações que permitem a socialização.

Em Bakhtin,

toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém, Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. A situação mais imediata e o meio social mais amplo determinam completamente e, por assim dizer, a partir do seu próprio interior, a estrutura da enunciação. [...] qualquer que seja a enunciação considerada, mesmo que não se trate de uma informação factual (a comunicação no sentido estrito), mas da expressão verbal de uma necessidade, é socialmente dirigida. [...] ela é determinada da maneira mais imediata pelos participantes do ato de fala. (BAKHTIN, 1999, p. 113, grifo nosso)

O comprometimento dos discursos em sala de aula ganha sentido quando

os sujeitos, locutor e ouvinte, entendem o objetivo da formação no CN. O grau de

consciência, então, será da atividade mental que possibilitará compreender a

necessidade de aprender os conceitos fundamentais da LM.

Quando a professora retomou a aula explicando sobre língua, notamos

que alguns alunos estavam realmente interessados em aprender. Aprofundando o

tema, dois conceitos apareceram nas discussões: o que é língua e código. Nos

estudos da Linguística Estruturalista, esses conceitos são trabalhados a partir de

Ferdinand Saussure em Curso de Linguística Geral, especificamente nas faculdades

de Letras.

(...)

P > (sv) Língua é um código linguístico, agora o que é um código linguístico?

(++) (++) (++) O que é um código? Ahã.

A1 > (sv) Não é um código, são vários.

P > (sv) Certo, isso, tá vendo que vocês sabem falar alguma coisa proveitoso

sobre as questões colocadas, o que mais? (+) Então qual é o nosso código?

112

Linguístico? O nosso específico.

A1 > A língua Portuguesa. (sv)

(...)

Quando houve a intervenção de A1, a professora confirmou a resposta e

ainda os incentivou a falar mais – foi notória a reação positiva da professora perante

aquele momento de interação. Nota-se que houve uma intervenção: na visão de A1,

quando a professora quis dizer que a Língua Portuguesa era apenas um código, A,

apesar de ter entendido, afirmou que existia mais de um, continuando a responder

quando a professora perguntava.

Essa produção conceitual parte, segundo Bronckart (2008, p. 90), de uma

“instância à qual o autor empírico de um texto confia a responsabilidade sobre aquilo

que vai ser enunciado”. Segundo o autor, a partir desse momento, a professora

distribuiu as vozes, mas não foi ela quem obteve a instância de responsabilidade, foi

o aluno quando retificou a voz da professora.

O contexto das interações continuava a partir da preleção da professora

sobre o tema língua, como visualizamos nas L72 a L89. De fato, foi o primeiro

momento da aula em que os alunos prestaram atenção às falas e interagiram. Um

pouco adiante, a concentração foi interrompida pelo comentário de Axx na L90.

Subitamente, a partir dos turnos de fala da L97 em diante, as enunciações

convergiam par o término da aula, como na L99

(...)

L99 A4 > (sv) Tá bom professora, já foi, já disse tudo.

(...)

Existia uma impaciência dos alunos em continuar ouvindo a professora, e

o interesse deles era de ir embora. Por isso, o enunciado de L99 convidava os

colegas a dizerem que já tinham entendido tudo sobre o assunto. Mas, nas L100 a

L113, existe uma advertência por parte da professora em demonstrar preocupação

113

pela aprendizagem dos alunos, principalmente quando A2 e A4 disseram que não

estudaram certos assuntos nas séries anteriores.

(...)

L100-

L101-

L102-

L103-

L104-

L105-

P > Não, de jeito nenhum, é por isso que vocês, no curso normal existe

uma preocupação muito grande em aprender todas as metodologias de

ensino das disciplinas, e dentre todas as metodologias existe a de língua

portuguesa. Quando a gente falou aqui, o ano passado o que vocês

estudaram em português e vários de vocês responderam substantivo,

adjetivo, pronome, verbo, pá, pá, pá (...)

L106- A2 > (sv) Verbo? eu não lembro de ver não professora.

L107- A4 > Foi mesmo, também não, acho que foi pulado essa página ()

L108-

L109-

L110-

L111-

L112-

L113-

P > (sv) Bem, se vocês não estudaram não posso fazer nada, mas essas,

esses assuntos deverão ser ensinados por vocês nas séries iniciais do

ensino fundamental quando vocês forem professores. E:: ssa, essa intuição

do ensino da língua portuguesa ela não é muito aceitável no curso normal

porque o ensino é sistemático do uso de regras. Porque o objetivo do curso

é o quê? (++)

(...)

Nesse momento, o agir do professor seria decisivo para contextualizar a

produção dos assuntos não vistos nas séries anteriores pelos alunos, mas, como na

L108, a professora considerou o excesso de conteúdos pertinentes à disciplina atual

e ignorou o problema. Não afirmamos, porém, que a professora seja responsável por

essa situação, pelo contrário, cabe ao aluno buscar reverter essa deficiência

conceitual e sanar este deficit em sua formação individual. Essa responsabilidade

parte da consciência interior (VIGOTSKY, 2007), de cada aluno para construir um

pensamento a partir da consciência exterior.

Quando foi iniciada a discussão sobre os problemas de uma formação

deficitária em séries anteriores, o discurso na aula tomou outro rumo. Deste ponto

em diante, a professora começou a tratar sobre a profissionalização dos alunos.

114

Dentre as aulas desenvolvidas, e para contextualizar os acontecimentos

delas, precisamos retomar algumas observações de caráter organizacional da

pesquisa. Das vinte e uma aulas observadas, tivemos algumas que não

apresentaram significância em nossa pesquisa. Três aulas foram convertidas em

projetos interdisciplinares de atividades fora do colégio, e quatro aulas foram

redirecionadas para os alunos visitarem escolas que oferecem o EF.

Após o período de atividade fora da sala de aula, todas orientadas pela

professora, houve o retorno ao programa da disciplina com uma avaliação da

unidade. Foi retomado o assunto língua e linguagem, com objetivo de recapitular

conceitos importantes desse tema. Na avaliação, foram cobrados os seguintes

assuntos: PCNs Língua Portuguesa, Língua e Linguagem.

4.3 DA TEORIA À PRÁTICA: UMA AULA SOBRE AS VOGAIS

Contextualizando a cena enunciativa, sobre língua e linguagem, as aulas

foram reiniciadas com apresentações individuais. A professora tinha proposto aos

alunos, semanas atrás, a preparação de aulas específicas sobre assuntos que

girassem em torno do ensino de LM. Para cada aluno, era reservada uma aula.

Vocês só vão estagiar próximo ano, mas aqui na sala de aula, vocês vão ter a oportunidade de se sentir dentro de uma sala com crianças do maternal até o quinto ano. Vocês devem escolher um tema que tenha sentido com a língua portuguesa, porque essa disciplina que vocês estão estudando comigo é para isso, pra ensinar a vocês como ensinar as crianças à língua portuguesa, nossa língua. (PROFESSORA, Gravação em áudio, dia 16/08/2010).

Seguindo as suas orientações, os alunos prepararam as aulas sobre LM

e, no encontro seguinte, as apresentações começaram obedecendo à ordem

escolhida por sorteio feito pela professora.

Tomamos o cuidado de não deixar dúvidas quanto aos turnos de fala e

seus sujeitos. Para a transcrição das falas, utilizamos PA representando a fala da

aluna que estava ministrando a aula.

115

Antes que a aula começasse, houve um impasse por causa de uma

situação posta pela coordenação, sobre a realização de um simulado. O fato ocorreu

quando a coordenadora aplicou aos alunos dessa turma um simulado, no dia

anterior ao início do trabalho de apresentação das aulas. Àqueles que responderam

ao simulado, a coordenação os liberou da aula no dia seguinte sem ter

conhecimento do planejamento da disciplina.

Como a coordenação não sabia dessa atividade na disciplina, os alunos

também se omitiram em comunicá-la sobre a programação disciplinar. Entretanto, no

dia da aula, a professora titular chegou à sala e até as 19h05m não tinha chegado

nenhum aluno. Assim, o horário que começava às 18h40m só foi iniciado às

19h25m, ou seja, o primeiro horário já estava prejudicado.

Por decisão da professora, foram feitas algumas ligações para os alunos

comparecerem sob pena de realizarem uma avaliação no período das atividades de

estágio na sala da disciplina. Vale dizer que não estava planejada. Entre os alunos,

só se comentava a falta de comprometimento dos demais perante a atividade

solicitada pela professora.

Após ter resolvido todos os transtornos e com a chegada de três alunas, a

professora iniciou explicando sobre a importância daquele momento de

aprendizagem. A aula foi iniciada com a primeira apresentação, como segue a

transcrição:

L1 PA > (sv) Bom dia crianças! (sv)

L2 Axx > (sv) Bom dia! (sv)

L3

L4

L5

L6

L7

L8

PA > (sv) () meu nome é L, vou dar aula pra vocês, ministrar pra vocês,

português e vamos falar sobre as vogais (++) () (++) (...) (sv) Depois

vou MA::::DAR vocês “responde” uma tarefinha viu? [durante um bom

tempo a aluna escreve no quadro e cola alguns cartazes] (++) Primeiro

nós vamos cantar uma “musiquinha” pra gente aprend::::er as vogais. (+)

acompanhe (sv) (). a, a, a faz a abelhinha (), e, e, e, / “vamo‟ pessoal.

L9

L10

Axx > (sv) () A, A, A faz a abelhinha, E, E, E, (), I, I, I faz o indiozinho, O,

O, O faz () da vovó, U, U, U o uso se escondeu quando () ( ) (sv)

L11 PA > (sv) () de novo, “vamo”?(sv)

116

L12

L13

L14

L15

Axx > () A, A, A faz a abelhinha. E, E, E, faz a escovinha. I, I, I faz o

indiozinho. O, O, O faz o óculos da vovó. U, U, U o uso se escondeu

quando () (sv) [Durante a apresentação anotamos a letra da música. Foi

possível transcrever, logo após, com a ajuda do diário de classe]

L16 PA > (sv) São cinco as vogais, vamos lá?

L17 Axx > (sv) a, e, () i, o, u (sv)

L18

L19

PA > (sv) “vamo” repetir? “Vamo” lá! (sv), Como é esse (sv) [a professora

aponta para os cartazes fixados no quadro e pergunta]

L20 Axx > (sv) a:::::::::(sv)

L21 PA > (sv) “a” de (sv)

L22 Axx > (sv) A- -VI- -ÃO::::: (sv)

L23 PA > (sv) e essa “e” de ES- -CO- -VA:::: () Vamo repita!

L24 Axx > (sv) “e” de ES- -CO- -VA:::: ()

L25 PA > (sv) ESSA (sv)

L26 Axx > (sv) “i” de ÍN- -DIO

L27 PA > (sv) “o” de

L28 A7 > (sv) orelha professora

L29

L30

P > (sv) (+) Não! Orelha não! (+) Aqui tem outra figurinha qual é (++) é

u::::m ÓCULOS .

L31 Axx > () óculos (sv)

L32

L33

PA > “Vamo” continuar? “u:::” de [a professora desconsidera a opinião do

aluno e segue adiante com a aula]

L34 (sv) urso () (sv)

L35

L36

A3 > (sv) Mais tia, também orelha se escreve com “O” não é? [o aluno

persiste sobre a escrita da palavra orelha]

L37

L38

PA > (sv) (+) () É:::::::. Se você sabe, porque pergunta? Se você

continuar com essas perguntas vou colocar de castigo viu?

L39

L40

L41

L42

L43

PA > (sv) agora “vamo” fazer uma tarefinha pra vocês aprender mais (sv)

(++) [a professora distribui uma folha de atividade para os alunos

realizarem] (++) não façam agora, só quando a tia mandar. [tosses], (sv)

(++) e então? Ói, escreva as vogais que a professora ditar, vamo lá de

novo.

L44 Axx > (sv) A:::::::::::: outra ()

117

L45 PA > (sv) outro desenhinho no quadradinho ()

L46

L47

Axx > (sv) E::::::::::::::::: [a professora continua apontando para as figuras

apresentadas nos quadradinhos e os alunos continuam respondendo]

L48 Axx > (sv) I:::::::::::::::::::: (sv) I::::::::::::

L49

L50

Axx > (sv) O:::::::::::::::::::::::, (sv) O::::::::::: [alguns alunos leem antes, outros

depois, gerando desencontros de vozes simultâneas]

L51 PA > (sv) e a última (+)

L52 Axx > (sv) U:::::::::::::::::::::::::::::::: [tosses da professora da disciplina] (++)

L53 PA > (sv) fizeram?

L54

L55

L56

A2 > (sv) fize::mos (++) (sv) [durante este intervalo de tempo conseguimos

captar pelo som do gravador A6 cantando: o sapo cururu na beira do rio,

quando o sapo canta ô maninha é por que tem frio]

L57

L58

L59

PA > (sv) Óia que desenho bonito! Parece com você! (), [a professora

estava passando pelas carteiras dos alunos e olhando os desenhos e

fazendo vários comentários] (+) (sv) (# #) Ói esse aqui, o que é isso?

L60 A7 > (sv) uma orelha! ()

L61

L62

L63

PA > Lá vem você de novo com suas gracinhas, tá querendo me

atrapalhar né? Tá vendo né fessora?!!! [ela se refere à professora

reclamando do A7, que ela acredita estar atrapalhando sua apresentação]

L64

L65

L66

L67

A1 > (sv) fessora cadê essas menina hein? [outra aluna se dirige à

professora da disciplina simultaneamente durante a aula para perguntar

pelas demais colegas que ainda não tinham chegado à escola para

apresentarem a aula] (sv) (++) (# #) [a professora titular não responde]

L68

L69

PA > (sv) agora são vocês que vai falar, por favor vamo? Vamo lá! Que

letra é essa? Quem não falar vou colocar de CASTIGO, viu? () (sv)

L70 Axx > (sv) A:::::::::: ()

L71 PA > (sv) Essa (sv)

L72 Axx > (sv) E:::::::: (+)

L73 PA > (sv) Essa () [a professora aponta para as demais letras]

L74 Axx > (sv) I:::::::::: (sv)

L75 Axx > (sv) O:::::::: ()

L76 Axx > (sv) U::::::: (sv) (+)

L77 PA > (sv) muito bem, vocês se comportaram direitinho, menos A7 não é?

118

L78 (++) Por hoje é só viu. Tchau.

Nesses enunciados, a sala de aula representava o espaço da significação

das palavras que mediatizava o contexto de produção do conhecimento dos

interactantes a partir da apresentação da aluna. É nela que se pode constituir um

saber representativo sobre determinado produto que é estruturado através de

cobranças em atividades disciplinares correspondentes às relações de poder entre a

professora e os alunos.

Apesar das sobreposições de vozes e muitos risos registrados no

momento enunciativo, notamos que os alunos não levavam a sério a atividade

desenvolvida. Outro fator que impressionou refere-se à postura tomada pela aluna

que estava apresentando a aula:

L3

L4

L5

L6

L7

L8

P > (sv) () meu nome é L, vou dar aula pra vocês, ministrar pra vocês,

português e vamos falar sobre as vogais (++) () (++) (...) (sv) Depois

vou MANDAR vocês “responde” uma tarefinha viu? [durante um bom

tempo a aluna escreve no quadro e cola alguns cartazes] (++) Primeiro

nós vamos cantar uma “musiquinha” pra gente aprend::::er as vogais. (+)

acompanhe (sv) (). a, a, a faz a abelhinha (), e, e, e, / “vamo’ pessoal.

Sentimos, pelas entonações e gestos, que a aluna estava muito nervosa,

como se estivesse realmente na sala de aula com crianças. As frases eram

repetidas e sem concordâncias gramaticais entre elas. Segundo Foucault (2009), a

aluna assumia a postura de desejar o poder de vontade de verdade na L5

[MANDAR], mas limitada às relações que o poder institucionalizador da sala de aula

a condicionava quando se tratava, simbolicamente, de uma apresentação do agir da

professora como se fosse professora. O nervosismo da aluna estava representado

na condição de fala que desejava condicionar os colegas.

Sentimos, pelas enunciações desse recorte, existir um contexto de

produção que refletia na vontade do aluno em demonstrar suas habilidades

conforme desejo profissional. Ele se sentia numa sala de aula e reproduzia,

119

conforme seu ponto de vista, o comportamento desejado em sala de aula. Isso pode

ser compreendido, segundo Bakhtin (1999), como a ampliação de aspectos da

relação social sobre a apreciação coletiva.

A entonação não traduz adequadamente o valor apreciativo; esse serve antes de mais nada para orientar a escolha e a distribuição dos elementos mais carregados de sentido da enunciação [...] toda enunciação compreende uma orientação. (p. 135, grifo do autor)

Em razão disso, o enunciado traz em si um forte elemento produzido pela

aluna na entonação regente de uma professora que estabelece funções e regras ao

exercício de suas atividades. Visto nos enunciados abaixo, o uso metodológico da

música serviu para explicar o tema de sua aula e controlar a ordem em sala.

Vejamos:

L9

L10

Axx > (sv) () A, A, A faz a abelhinha, E, E, E, (), I, I, I faz o indiozinho, O,

O, O faz () da vovó, U, U, U o urso se escondeu quando () ( ) (sv)

L11 P > (sv) () de novo, “vamo”?(sv)

L12

L13

L14

L15

Axx > () A, A, A faz a abelhinha. E, E, E, faz a escovinha. I, I, I faz o

indiozinho. O, O, O faz o óculos da vovó. U, U, U o urso se escondeu

quando () () (sv) [foi possível detectar as letras da música com a ajuda do

nosso diário de classe]

Todavia, utilizar um recurso pressupõe preparação e equilíbrio para não

ofuscar o conteúdo ou comprometê-lo ao ponto de não transmitir os devidos

saberes.

Na disciplina de MP, reconhecemos existir uma grande distância entre o

que é ensinado e o que se aprende. Conseguíamos entender qual era a finalidade

dessas apresentações, mas, esses momentos não eram levados a sério pelos

colegas da turma. A intenção da professora era positiva por causa da necessidade

deles – os alunos – em produzirem atividades desse gênero para quebrarem a

timidez da sala de aula.

120

Nos enunciados sequenciais das L18-38, encontramos uma relação de

poder e de produção contextualizadas pelas enunciações da aluna perante os

colegas. Essas representações, naturalmente, refletem-se por causa dos interesses

distintos existentes na sala.

O ato enunciativo da aluna em explicar cada vogal e solicitar respostas

aos colegas, apontando para o quadro, determinava respostas fechadas porque

existiam figuras com as iniciais de cada vogal.

L27 P > (sv) “o” de

L28 A7 > (sv) orelha professora. [parece que o aluno disse intencionalmente]

L29

L30

P > (sv) (+) Não! Orelha não! (+) Aqui tem outra figurinha qual é (++) é

u::::m ÓCULOS .

Quando o aluno responde, ele corrobora com a ideia de alternância do

sujeito responsivo que Bakhtin (2003) especifica como uma atitude responsiva

imediata, caracterizada pela resposta direta do ouvinte ao enunciado do locutor

apresentando sua opinião – nesse caso, desfavorável. Esse contexto produzido por

um dos colegas da turma provocou reação na apresentação da aluna.

Primeiro, acredita-se que ela não esperava a intervenção; depois o tipo de

intervenção realizada foi pertinente, pois o interventor colocou-se como sujeito

consciente da realidade social. A representatividade refletida através do colega

mostrou a postura da aluna perante a possível intervenção de uma criança na sala

dos anos iniciais.

A evocação na dimensão profissional do agir do professor poderia ser

produzida em outro contexto. Interessa-nos essa análise por causa do objetivo

lançado a esta atividade por parte da professora. Segundo Bronckart (2008),

a análise do agir é o contexto que provoca a evocação das competências e ela procede da interpretação, que se manifesta em segmentos de textos necessariamente caracterizados por decisões de ordem enunciativa [...] a construção das competências apresenta-se como um processo de encaixamento de capacidades ou de equilibrações sucessivas [...] (2008, p. 175-6, grifo do autor).

121

Falar do agir da professora nessa ocasião é pertinente por causa do

instrumento da aula ter sido sobre um assunto de LP. Como houve bastante

desinteresse por parte dos colegas pela apresentação da AP, a intervenção da

professora articulou o agir da aluna como produtor do conhecimento necessário à

sua formação. Aquele momento serviu para mostrar a importância da atividade na

formação dos alunos do CN.

As trocas dialógicas permitiriam explorar a questão metodológica e os

posicionamentos da AP perante sua aula. Não nos compete analisar as formas

verbais utilizadas por ela durante sua aula ou suas respostas ao colega A7, mas

constatamos que as malhas do poder começam a se constituir ainda na formação.

Quando a AP impõe ao colega A7 uma resposta conclusiva sobre a figura

apresentada, desmerece a opinião dele sobre o assunto. Após o momento da

“explicação” sobre as vogais, a aluna sugere uma atividade para assimilar o

conteúdo. Logo em seguida, conforme os enunciados das L57-67, a aluna persiste

em seus métodos que tendem ao seu ponto de vista, circula entre a sala tecendo

opiniões sobre as atividades produzidas pelos colegas.

Ao aproximar-se do colega A7, interventor da explicação, a aluna olha

para o desenho, verifica que ele desenhou uma orelha ao invés de óculos e diz:

L61

L62

L63

P > Lá vem você de novo com suas gracinhas, tá querendo me atrapalhar

né? Tá vendo né fessora?!!! [a aluna se refere à professora titular

reclamando do A7, que ela acredita estar atrapalhando sua apresentação]

Com pouca segurança enquanto professora, a AP reconheceu o colega

A7 como um sujeito fora dos padrões das interações de sala de aula por atrapalhá-la

durante sua apresentação. Como subsídio de poder institucional, ela recorreu à

professora, indicando que sua apresentação fora prejudicada por causa do colega

A7. Toda essa relação dialógica corrobora com nosso objeto e estudo.

A relação de poder, apresentada no segundo capítulo, conduz-nos a

perceber que o espaço da sala de aula representa o lugar das condições sociais no

contexto composicional da formação dos sujeitos.

122

Dizer que o aluno, ao concluir essa disciplina, estará em condições de

assumir uma turma de crianças para lecionar a LM, é prática discursiva complexa,

pois os resultados da consciência de cada um dependerão da compreensão que ele

tenha sobre conhecimento humano (Cf. VIGOTSKY, 2004).

Após ter analisado alguns recortes de nosso corpus, constatamos que o

espaço das interações verbais na sala de aula da disciplina MP do CN ainda é

pouco explorado na formação dos alunos.

Esse problema reflete noutros fatores condicionantes, como a relação

entre os alunos, que normalmente é de familiaridade e isso, algumas vezes, deixou o

processo de aprendizagem pouco satisfatório. A estrutura do colégio também não

oferecia condições básicas para o ensino.

Se as enunciações são construídas pelas interações sociais, não

podemos apontar um culpado à falta de qualidade nessa modalidade de ensino.

Caso fosse, cada um participaria, porém, interessa-nos expor que a estrutura do CN,

em sua matriz curricular atual, condiz com os parâmetros da educação, mas, na

prática, a carência que existe quanto aos métodos e aos tempos de aprendizagem

ainda é discutível. Eles reconhecem que o modelo de ensino está ultrapassado e

insuficiente quanto ao tempo e oferta dessa disciplina em apenas um ano durante o

curso inteiro.

Até esse momento, traçamos caminhos para analisar as enunciações em

sala de aula a partir de contextos de produção embasados nas práticas pedagógicas

da disciplina MP, desde as relações observáveis da pesquisa até a análise das

transcrições nas aulas de língua e linguagem e apresentação de aulas por uma

aluna.

Agora, feito o percurso da análise contextual, precisamos identificar como

os alunos enxergam o CN e a disciplina MP enquanto instrumentos de formação no

futuro profissional. O modelo de questionário40 se apresentou como recurso

metodológico favorável em detectar nossa análise a partir da opinião dos alunos.

Convém ressaltar que não se trata de um novo objeto de estudo, pelo contrário, ele

serviu de referência nas respostas às assertivas apresentadas no início do capítulo

terceiro desta pesquisa.

40

Os questionários respondidos pelos alunos estão disponíveis nos anexos deste trabalho.

123

4.4 A VOZ DOS ALUNOS MATERIALIZADA NO QUESTIONÁRIO

Como dito anteriormente, preocupamo-nos, neste momento, em

apresentar o resultado de um questionário sugerido por nós para sabermos o ponto

de vista do aluno sobre a formação deles no CN e na disciplina MP41. Elaboramos

cinco perguntas, a primeira de ordem subjetiva, as demais objetivas, marcando SIM

ou NÃO. A estrutura de cada pergunta está apresentada abaixo:

(i) Por que você escolheu o Curso Normal para estudar?

(ii) Você pretende lecionar logo após o término do curso?

(iii) Você se sente preparado para lecionar Língua Portuguesa nos anos

iniciais do EF, após o término do curso?

(iv) Quanto à disciplina Metodologia de Português, ela proporciona

conhecimentos para sua aprendizagem?

(v) Os conteúdos da disciplina Metodologia de Português são satisfatórios

para a formação?

Como nosso interesse focalizou as interações em sala de aula,

precisaríamos atentar-nos para fatores extra-verbais, como o questionário. Fizemos,

então, depois de aplicarmos os questionários, um gráfico para cada pergunta, exceto

a primeira, que foi discursiva. De acordo com as respostas da primeira questão,

temos o seguinte resultado:

1- Desejo de ser professor 06 alunos

2- Motivação da família 06 alunos

3- Desejo de conhecer o curso 01 aluno

4- Por achar o curso interessante 01 aluno

TOTAL DE ALUNOS QUE RESPONDERAM 14 ALUNOS

41

Lembramos que o objetivo deste questionário foi concentrado na avaliação do CN e da disciplina MP, ou seja, não se trata de analisar e/ou avaliar a professora ou qualquer aluno daquela turma. Seu objetivo está decisivamente em apresentar, concretamente, resultados diagnosticadores da formação.

124

Quanto à primeira pergunta do questionário, queríamos identificar

exatamente o que levava os alunos a cursarem esta modalidade. Dos quatorze

alunos que responderam, seis afirmaram enfaticamente que sua decisão decorreu

da vontade própria em exercer a função docente logo após o término do curso.

Fato curioso foi observado nas respostas do questionário de uma aluna

que, mesmo respondendo, na primeira questão, que desejava ser professora, na

segunda resposta ela afirmou que NÃO pretende lecionar. Na terceira questão, a

mesma aluna responde que não está preparada para lecionar afirmando que deseja

buscar mais conhecimentos, aprofundando seus estudos posteriormente.

Analisando a resposta da aluna, recorremos a Vigotsky (2007), para

afirmar o seu reconhecimento na situação de trabalho formado a partir de atividades

sociais constituídas em lugares diferentes produzindo enunciados distintos.

A produção desses enunciados diversifica na consciência de cada

indivíduo, formando um elo com a zona de desenvolvimento proximal quando as

formas de aprendizagem transformam-se em processos de formação da consciência

humana, ou seja, a dúvida persiste na mente da aluna em não saber o que, de fato,

pretende fazer.

Identificamos a necessidade de complementaridade em sua formação,

porém, no caso específico desta aluna, nas questões posteriores, ela responde SIM,

margeando o problema para incertezas ou dúvidas em sua formação e nos

conteúdos aplicados, como se não existisse um mapeamento, por ela, sobre o curso,

os conteúdos e sua importância profissional.

Seis alunos indicaram, pelas respostas, que foram motivados pela família,

mas não destacaram a prática de docência; apenas foram motivados para cursarem

esta modalidade por ser de fácil aquisição de emprego. O interesse concentra-se no

“Porque é um curso que nos proporciona uma aprendizagem, ou seja, nos

ajuda melhorar o desempenho para quem se interessa em ser um professor.”

“Porque nesse curso as pessoas se desenvolvem e se expressa, não quero

dizer que o científico não se desenvolve, mais o meu foquei é o pedagógico,

e no futuro eu vou da o meu melhor para os meus futuros alunos.”

125

desejo de outras pessoas que acreditam ser o melhor caminho para o futuro de seus

filhos.

Essas práticas sociais consistem, segundo Foucault (1979), relações de

poder formadas pelos discursos constituídos através da esfera institucional família.

Essa relação condiciona o aluno ao propósito da ação do sujeito enquanto ser

social. A individualização é colocada de lado para responder e satisfazer as malhas

do poder indicadas pela família, “a verdade deste mundo; ela é produzida nele

graças a múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder.”

(FOUCAULT, 1979, p. 12). Existe, nas relações de poder, entre os sujeitos, uma

incitação social política e economicamente objetivado, pelas formas de vivência na

sociedade. Com base nas respostas apresentadas, a “verdade” do aluno em cursar

esta modalidade de ensino circunscreve, no sistema de poder produzido pelos

reflexos de vontade da estrutura institucional família, o desejo de outras pessoas,

não do próprio aluno.

Essa questão mostrou-nos outro interesse imediato: o CN apresenta-se

como alternativa de profissionalização no mercado de trabalho, conforme foi

respondido por uma das alunas do curso:

Segundo Bronckart (2008, p. 95), entendemos que esses alunos

procuram o curso como alternativa para aprofundarem seus conhecimentos

desvelando o rumo profissionalizante e vivendo

“Porque é mais fácil de encontrar um emprego e porque pretendo

realmente ser uma pedagoga.”

“Quando comecei a pensar o que vou fazer no futuro! E como na família já

existe alguns professores decidir ser também. Mas o que me chamou a

atenção foi sentir que podia contribuir para o futuro de muitos baixinhos e

baixinhas.”

Porque a minha mãe disse que era pra mim fazer por causa da minha irmã

que ela ia fazer e minha colega também.Por isso que eu estou fazendo mais

agora eu estou gostando do curso. (grifo nosso)

126

seu agir nesse quadro como um trabalho sobre o qual constroem representações e avaliações, para o qual mobilizam, por vontade própria ou obrigatoriamente, uma parte de seus recursos comportamentais e psíquico-mentais.

A aluna, antes de entender que este é o caminho “mais fácil” para

alcançar um trabalho, assimila vários enunciados socialmente marcados que

denominam sua decisão de escolha, por isso,

não se pode dizer que esses esquemas sejam falsos e que não correspondam a determinados momentos da realidade; contudo, quando passam ao objetivo real da comunicação discursiva eles se transformam em ficção científica. Neste caso, o ouvinte, ao perceber e compreender o significado (linguístico) do discurso, ocupa simultaneamente em relação a ele uma ativa posição responsiva: concorda ou discorda dele (total ou parcialmente), completa-o, aplica-o, prepara-se para usá-lo, etc.; essa posição responsiva do ouvinte se forma ao longo de todo processo de audição e compreensão desde o seu início, às vezes literalmente a partir da primeira palavra do falante. (BAKHTIN, 2003, p. 271)

Mediatizados pelos enunciados circundantes do meio em que vivem, os

sujeitos-alunos anulam a vontade própria, o desejo pessoal de escolha, para seguir

orientações adversas. Os enunciados que circulam nesse meio social constituem

relações de conduta quanto ao caminho profissionalizante dos sujeitos-alunos.

Nesse caso, os propósitos da interação verbal passam longe do ensino-

aprendizagem por causa do grau de familiaridade que perpassa os interesses

individuais.

O discurso produzido socialmente pode influenciar decisivamente outros

sujeitos, isso porque as relações constituídas na sociedade são, segundo Vigotsky

(2004), reflexos de experiências e de conhecimentos de cada sujeito. Dessa

maneira, a vontade de cursar esta modalidade de ensino é vista pelos alunos como

um desejo social de agir como professor numa sala de aula. Para entendermos

melhor sobre esta situação profissional, o gráfico, a seguir, mostra os resultados da

pergunta: Você pretende lecionar após o término do curso?

127

Gráfico 3: o agir profissional, ser ou não ser professor?

As respostas concentraram-se em SIM ou NÃO. Dos quatorze alunos que

responderam, 71,42% deles pretendiam exercer a função de professor dos anos

iniciais do EF. Colocamos esta pergunta logo em seguida à primeira sobre o CN

propositadamente, pois precisávamos detectar o grau de responsabilidade que os

alunos teriam com a pesquisa.

Devido às inúmeras observações feitas, acreditávamos que alguns alunos

poderiam se inibir e não responder as questões, ou por medo de se expor – apesar

de não ter identificação no questionário – ou por desinteresse, reconhecendo que

tudo está muito bom e não precisa mudar nada.

Foi pertinente identificar o interesse do aluno quanto à profissionalização

docente. Se o contexto de produção social mostra a ele alternativa, conforme Cicurel

(2010),

Lorsqu‟on parle d’agir on met aussi l‟accent sur le fait que pour accomplir son métier d‟enseignant, le professeur exécute une suite d’actions en général coordonnées, et parfois simultanées, subordonnées à un but global. Ces actions ont la particularité d‟être non seulement des actions sur autrui, d‟être destinées à provoquer des actions de la part du groupe ou d‟individus puisqu‟elles veulent induire des transformations de savoirs et parfois de comportements

42

42

Quando se fala em agir sugere também discutir sobre a realização do seu ofício de professor, ele executa uma sequência de ações em geral coordenadas, e às vezes simultâneas, que se condicionam em objetivo geral. Estas ações têm a particularidade de ser não somente ações sobre outro, sendo destinadas a provocar ações por parte do grupo ou indivíduos dado que querem induzir transformações de conhecimentos e às vezes de comportamentos. (tradução nossa).

SIM71%

NÃO29%

Questão 2

128

A função profissional do contexto de sala de aula deve ser vista como agir

profissional do professor perante os alunos. Daí então, o ato de estudar o CN não

deve ser compreendido como maneira fácil, e/ou sem opção para estudar. O sujeito,

em sua formação consciente, deve reconhecer a importância e optar pelo desejo

que tem de ser professor.

O interesse pelo curso comprova que existem alunos preocupados em

aprender teorias e práticas relacionadas às atividades de ensino de LM para

crianças nos anos iniciais. Como se trata de uma comunidade de classe baixa

decorrente de famílias carentes, o reflexo da questão número um, no tocante às

sugestões de pessoas da família quanto aos estudos dos filhos, é visto como “um

melhor futuro”, pois as escalas de igualdade distanciam-se por causa do fator

analfabetismo que muitos deles encaram na própria família. Eles se sentem

responsáveis em aprender para não seguir os caminhos de seus precedentes

familiares.

Analisando pela ótica das relações de poder, a instituição família decai

para nascer outra corrente institucional dentro dela, pois, na busca do conhecimento,

Foucault (2009) reconhece como “vontade de verdade [...] que rege nossa vontade

de saber”. Essa presunção enquadra-se na vontade, mediada pela família, de os

filhos seguirem caminhos diferentes aos deles. Conforme o autor,

essa vontade de verdade apóia-se sobre um suporte institucional: é ao mesmo tempo reforçada e reconduzida por todo um compacto conjunto de práticas como a pedagogia, é claro, como o sistema dos livros, [...], mas ela é também reconduzida, mais profundamente sem dúvida, pelo modo como o saber é aplicado em uma sociedade, como é valorizado, distribuído. (FOUCAULT, 2009, p. 17)

Essa redistribuição dos saberes significa, na formação dos alunos, uma

retomada das relações de poder interior. Melhor dizendo, o aluno está preparado

para receber os devidos conteúdos pedagógicos conforme determina a matriz

curricular, porém compete a cada um aprofundar, ampliar e socializar este

conhecimento ao ponto de atribuir critérios em sua profissionalização.

Os 28,57% de alunos, entre os quatorze que não pretendem ser

professores, estão envoltos na malha institucional familiar do poder, mas não

condicionados a seguirem um conjunto de práticas realizadas pelos pais. Nesse

sentido, poderia acontecer um desfavorecimento educacional perante eles se seus

129

pais os instigassem a exercer as mesmas práticas de trabalho deles, desqualificando

o sistema de ensino.

Sabendo do compromisso que os alunos assumiram em cursar esta

modalidade, a resposta atribuída à questão terceira surpreendeu nossas

expectativas. Ainda no período das observações em sala de aula e nos registros das

gravações em áudio, já tínhamos notado o problema curricular dos conteúdos para o

ensino de LM. Nessa questão, dos quatorze alunos que responderam ao

questionário, 92,85% afirmaram não estarem preparados para lecionar LM. Um dos

fatores pontuados por eles estava centrado nos conteúdos curriculares

apresentados a esta disciplina; outro fator era o número muito reduzido de aulas na

carga horária da disciplina e o oferecimento dela apenas no terceiro ano do CN.

Gráfico 4: concepção do exercício da docência

Vários fatores puderam ter influenciado o resultado da terceira questão.

Apesar disso, algumas considerações devem ser feitas: em primeiro lugar, não

estamos apontando especificamente culpados para esse resultado, tanto porque o

processo de ensino-aprendizagem envolve inúmeros fatores e sujeitos, dentre eles,

os principais, a professora, os alunos, a equipe diretiva e coordenativa.

Se colocarmos inicialmente a culpa na professora, estaríamos atribuindo

limitações em suas competências específicas de docente. Na verdade, às vezes ela

aparece como vítima do processo educacional imposto a partir das relações de

poder institucionalizadoras – o Estado – pois sua função lhe é atribuída a partir do

eixo extra-institucional de políticas públicas contrárias às suas ideias enquanto

SIM7%

NÃO93%

Questão 3

130

formadora. Com mais precisão, existe uma política de (RE)aprovação que

contabiliza números para os investimentos na educação. Dessa forma, o processo

que deveria ser qualitativo torna-se quantitativo, independentemente do desejo que

a professora tenha.

Não podemos aceitar que o problema esteja nos alunos, pois, como vimos

no gráfico anterior, o desejo em cursar esta modalidade surgiu deles e seus esforços

são decisivos para essa escolha; porém se a professora está envolta nas malhas do

poder, os alunos estão mais ainda, por causa do contexto que se insere nas

interações sociais, suas experiências educacionais anteriores e costumes de vida

diferem uns dos outros. Todos são capazes de apreender um novo conhecimento,

mas de maneiras deferentes.

Considerando a ideia de contexto de produção do agir do professor,

Bronckart (2006) diz que os instrumentos do agir profissional funcionam na formação

dos sujeitos como ferramentas sociais das atividades de desenvolvimento humano,

que priorizam o signo na representação dos enunciados produzidos. Ou ainda,

o jovem ser humano se apropria progressivamente das regras de ação e de comunicação em uso em seu ambiente (ele as “coloca em prática” em sua atividade e em suas produções verbais iniciais). Depois ele as interioriza, ou seja, ele elabora uma linguagem interior que retoma e reorganiza as formas psíquicas provenientes da linha “natural” do desenvolvimento, o que se traduz pela elaboração de um funcionamento psíquico sistemático e operatório (o pensamento), mais e mais acessível à autoconsciência (ou consciente). (BRONCKART, 2006, p. 101) (grifo nosso).

Tendo em vista as práticas de atividades da linguagem, o uso da

linguagem interior é materializado através dos signos que socializam a palavra nas

enunciações de sala de aula, por isso o papel fundamental do desenvolvimento

humano individual está na vontade de cada um em alcançar seus objetivos e

construir seus saberes necessários para torná-los bons professores

independentemente da estrutura educacional proporcionada.

O gráfico 4 traz o resultado da pergunta sobre o conhecimento

proporcionado pela disciplina. Dos quatorze alunos participantes, 64,28% afirmaram

que a disciplina proporciona informações necessárias para sua aprendizagem.

Desses quatorze alunos, 35,71% negaram existir na disciplina condições

de aprendizagem quanto à sua formação. Dos alunos que responderam

negativamente, identificamos que seus objetivos estão além do CN. São aqueles

131

que não pretendem parar os estudos após o término do curso e entendem que a

formação precisa ser muito mais aprofundada para entrarem na sala de aula com a

devida formação dos conteúdos de LM.

Esse resultado mostrou-nos os diferentes caminhos que pretendem

seguir: uns afirmam querer lecionar logo após terminar os estudos; outros, caso haja

oportunidade, frequentarão uma graduação e aperfeiçoarão seus conhecimentos.

Gráfico 5: a disciplina MP como instrumento de aprendizagem

No que diz respeito às respostas dadas pelos quatorze alunos, notamos

certa disparidade, pois o contexto das interações verbais é o mesmo para todos – o

espaço da sala de aula. Essas distorções corroboram para recorrermos à teoria de

Vigotsky (2007) sobre a ZDP, quando exemplifica a relação de aprendizagem de

cada aluno e de sua aproximação quanto ao objeto proximal de conhecimento.

A atividade de linguagem dos alunos torna-se individual por causa dos

interesses e dos instrumentos particulares que existem entre os discursos e o

conhecimento. O grau de proximidade que o aluno tem, quando estabelece uma

relação entre o conteúdo e a consciência, difere uns dos outros. A formação da

consciência social (Cf. VIGOTSKY, 2007) adverte o sujeito para os instrumentos que

ele materializa a partir da recepção e da transmissão da palavra que medeia os

enunciados em comunicação verbal necessária aos sujeitos. Dessa forma, para uns,

o conteúdo transmitido é suficiente à sua formação; para outros, que pretendem

seguir com os estudos pedagógicos no ensino superior, é insuficiente para o

exercício da atividade docente.

SIM64%

NÃO36%

Questão 4

132

O agir do professor passa pela formação da consciência humana. Não se

deve admitir, então, que aluno A ou B esteja preparado para a função docente. Os

instrumentos de atividade de linguagem no contexto da sala de aula permitem

margear ou visualizar que aqueles alunos receberam as informações necessárias,

mas quem, de fato, está autorizado a definir metas é a própria consciência individual.

Somente o indivíduo poderá dizer se está preparado, ou não, para

lecionar, porque somente ele teve acesso ao conhecimento necessário para sua

formação. No gráfico referente à quinta questão, perguntamos se os conteúdos da

disciplina MP são satisfatórios para sua formação. Utilizamos os resultados para

identificar.

Das respostas realizadas pelos quatorze alunos, 71,42% deles acreditam

que os conteúdos da disciplina MP não são suficientes para sua formação no CN

Gráfico 6: a disciplina MP como suporte conceitual

Com esse índice, notamos uma disparidade entre os resultados das

questões quatro e cinco, pois, se, na quarta questão, dos quatorze alunos, 64,28%

responderam que a disciplina proporciona conhecimentos para sua aprendizagem,

como, então, explicar, na questão seguinte, que os conteúdos NÃO são

satisfatórios?

Para entender essa relação conflituosa de saberes e respostas,

precisamos compreender que a atividade de linguagem dos alunos é proveniente

SIM29%

NÃO71%

Questão 5

133

dos instrumentos sociais de apropriação do conhecimento. O contexto de produção

consiste no desenvolvimento humano, que se apresenta

como um processo contínuo de confrontar e de negociar o valor atribuído a um signo por uma pessoa individual. [...] A “verdade” dos signos só existe na interação, que a racionalidade de nossos conhecimentos é, nesse sentido, apenas um produto de um processo de acordo social que se renova perpetuamente [...] (BRONCKART, 2006, p. 250, grifos do autor).

O resultado dessas questões revela as ações do agir do professor e dos

alunos quanto à responsabilidade do conhecimento adquirido. Para uns, a formação

consciente está inserida nos instrumentos sociais adquiridos pelo signo

materializado na palavra do professor exclusivamente em sala de aula ministrando o

conteúdo; para outros, essa formação da consciência vai além da sala de aula e das

interações verbais produzidas por lá. Dessa forma, “a comunicação verbal entrelaça-

se inextricavelmente aos outros tipos de comunicação e cresce com eles sobre o

terreno comum da situação de produção” (BAKHTIN, 1999, p. 124).

A comunicação como instrumento social do contexto de produção do agir

do professor exerce o papel de transmissor dos saberes institucionais, mas não deve

ser limitada a uma só enunciação autorizada – o professor. Segundo Cicurel,

Comme toute personne qui enseigne le sait, un professeur qui planifie son action, qui a son programme, peut constamment être détourné de son projet dans l‟instance du cours. Rappelons que l’action didactique consiste à transmettre et à essayer de faire acquérir certains contenus dans un temps somme toute limité par l‟institution. L‟action enseignante non seulement rencontre des obstacles mais il ne peut en être autrement : obstacles que l‟on peut identifier comme des contraintes liées au temps et au contenu du programme, à la réaction des élèves.

43 (2010, p. 19).

Os instrumentos de conhecimento são instantâneos entre os sujeitos. Por

isso, o processo dos conteúdos emerge numa escala institucional obedecendo a um

programa pedagógico, considerado estrutural na reprodução dos conteúdos, ou seja,

o agir do aluno é receber os conteúdos, da professora, transmiti-los – ambos na

esfera do poder institucional.

43

Da mesma maneira que a pessoa ensina também sabe, um professor que planeja sua ação, que a partir de seu programa, pode constantemente desviar seu projeto na dimensão do curso. Deve-se lembrar que a ação pedagógica consiste em transmitir e tentar fazer adquirir certos conteúdos num tempo limitado pela instituição. A ação de ensinar não somente como encontro dos conflitos, mas como visão diferente: conflitos que podem identificar constrangimentos ligados ao tempo e o conteúdo do programa, à reação dos alunos. (Tradução nossa).

134

Outra explicação a esse resultado contraditório está na relação de poder

entre os sujeitos da sala de aula: primeiro, pode haver uma limitação da professora

para não avançar nos conteúdos; segundo, concentra-se nos interesses individuais

de aprendizagem. Esse resultado pode ter sido influenciado em decorrência de não

ter alcançado os objetivos desejáveis, mas essas necessidades encontram-se na

dimensão afetiva e consciente da atividade humana de cada sujeito.

Por isso, pensar um conteúdo que contemple todos os desejos pessoais é

impossível, porém é viável repensar a estrutura curricular dessa disciplina quanto ao

número de aulas e sua inclusão em todos os anos do CN.

Após ter analisado os dados do corpus de nossa pesquisa, entendemos

que o espaço da sala de aula é, de fato, um ambiente onde o contexto de produção

é visto como uma atividade de linguagem inerente às interações verbais. As relações

de poder atravessam essas enunciações, demarcando os espaços sociais de cada

sujeito. O resultado desse trabalho fez-nos enxergar que os enunciados são

produzidos na sala de aula para provocar e causar conflitos, nas relações sociais

entre os sujeitos, pois o ambiente perfaz o desenvolvimento humano da consciência

social.

Feita a análise dos componentes considerados “dados da pesquisa”,

seguiremos para nossas considerações finais fazendo uma retrospectiva teórica e

pontual do objeto da pesquisa como também de seus objetivos.

135

CONSIDERAÇÕES FINAIS

sta pesquisa teve como objeto de estudo as interações verbais

oral e escrita na formação dos professores no CN. Quanto à

interação oral partimos da relação professor-aluno, considerada

como situação real e professor-estagiário, como situação simulada de estágio. Na

análise escrita ressaltamos a situação de produção através de avaliação e

questionário. Seu objetivo concentrou-se na sala de aula do CN a partir das

enunciações produzidas no contexto das aulas de MP. Em virtude da necessidade

de pensar esta formação, preocupamo-nos em oferecer uma contribuição que

repensasse as atividades do agir tanto dos alunos, quanto da professora a partir dos

instrumentos interacionais.

Não se pode pensar uma sala de aula numa visão homogênea, pois ela é

construída através das múltiplas falas e de seus turnos que se alternam e “alteram”

nas produções enunciativas individualizadas. Tais falas se representam oralmente e

por escrito em situações de avaliação ou não diretamente neste contexto. Em se

tratando de interação professor-aluno ocorre, como vimos sempre uma luta de

poder.

Dessa forma, tanto a categoria do contexto de produção quanto a relação

de poder influenciam o sujeito em suas interações formando significados a partir da

palavra sígnica que (RE)produz enunciados constituidamente sociais e decisivos na

formação do professor de LM.

O ambiente da sala de aula é o local onde se concentra dois tipos de

sujeitos – o locutor e os receptores –, formando um conjunto de interlocutores

mediatizados pelas interações. Esse ambiente ficou representado como espaço de

conflitos que constituem discursos determinantes no agir do interactante.

Analogamente, nenhuma análise do processo de interação em sala de aula se

esgota em si mesma. Há uma infinidade de aspectos da interação professor-alunos

que poderiam ser analisados, além daqueles que foram examinados neste trabalho.

E

136

Na aula de MP, o processo de interação equivale, em muitos aspectos, ao

primordial de seu objetivo – o ensino-aprendizagem de LM. A professora, o Colégio

e os alunos devem entender sobre esta importância nesse processo. As formas de

agir, de dizer, de se dirigir, de escutar e perguntar farão toda a diferença nas

interações no ambiente escolar.

A sala de aula da disciplina MP deve ser pensada como um espaço

formador de LM. Muitas vezes, um detalhe aparentemente sem maior relevância, e

que, por isso mesmo, acaba por não receber a devida atenção da parte da

professora, pode significar a subtração de um conhecimento que representaria um

passo fundamental para o crescimento e formação do conhecimento humano do

aluno.

Essa formação atravessa o universo da consciência do aluno permitindo-

lhe reconhecer e absorver todas as informações transmitidas a partir do elo existente

entre a realização social do professor – conhecimento adquirido – e a absorção do

aluno – conhecimento recebido. Esse mecanismo desenvolve-se através do contexto

de produção construído em sala de aula quando os interactantes trocam ideias a

partir de instrumentos ou atividades de linguagem decorrentes das interações

enunciativas, nesse caso, os sujeitos ao mesmo tempo avalia e é avaliado.

Apresentamos, no primeiro capítulo, uma discussão sobre a evolução da

educação brasileira. O surgimento do CN nasceu da necessidade de ensinar as

primeiras letras aos brasileiros; dessa forma, o governo iniciava a profissionalização

de futuros docentes em todas as regiões do país. Com a implantação deste curso na

cidade de Santo Amaro das Brotas-SE, os alunos já idealizavam seu futuro

profissional a partir dos estudos nessa modalidade de ensino.

Fizemos, no segundo capítulo, uma exposição dos pontos essenciais e

entendemos que as teorias enunciativas mediadas pelas concepções bakhtinianas,

as teorias do Interacionismo Sociodiscursivo – ISD e a concepção de consciência

em Vigotsky davam conta de contextualizar os dados que analisamos nesse estudo.

Desse modo, qualquer tipo de análise que abordasse o uso do discurso e da

linguagem por si só não supriria os fenômenos linguísticos, principalmente quando

desenvolvidos no contexto da sala de aula por vários sujeitos enunciando seus

discursos em prol de interesses individuais.

A contextualização teórica de nosso trabalho foi decisiva para

identificarmos traços recorrentes das interações em sala de aula. A importância das

137

teorias enunciativas deu-se pelos constantes turnos de fala que existem na sala de

aula e suas relações institucionais de poder. A partir da produção de discursos,

detectamos o contexto formativo em que os alunos estavam inseridos nas relações

de poder e seu interesse primordial em cursar aquela modalidade de ensino.

Não era fácil estudar o comportamento humano a partir de condições de

aprendizagem. Éramos direcionados a pensar sobre a consciência e sua formação à

luz de Vigotsky, em cada sujeito. Dessa maneira, apenas as gravações não dariam

conta para falarmos sobre a formação daqueles alunos na disciplina de MP, por isso

pensamos em analisar uma avaliação escrita e um questionário de cinco perguntas.

No terceiro capítulo, detalhamos especificamente os pontos principais de

nossa análise e seus espaços institucionais, desde o ambiente institucional até o

sujeito mediador – a professora e os mediados – os alunos. A matriz curricular do

CN, mesmo não sendo objeto direto da pesquisa, mostrou-nos a necessidade de

repensar alternativas metodológicas para o ensino de MP, pois sua permanência

apenas no terceiro ano desse curso facilita a não-aprendizagem da LM enquanto

procedimento didático de ensino para os anos iniciais do EF.

A solução não está unicamente direcionada em incluir a disciplina MP do

primeiro ao quarto ano, mas rever sua ementa referente aos conteúdos essenciais e

norteadores às praticas de docência em sala de aula após sua formação. Notamos,

nas respostas dos alunos, a partir do questionário, que a base conteudística não

supre a aprendizagem deles. Todavia, entendemos que essa alternativa de

melhoramento acerca da inclusão da disciplina em todos os anos do CN, quanto aos

seus conteúdos, sugere uma pesquisa futura nesse contexto educacional.

Dentre as análises realizadas aqui, acreditamos que o problema não se

concentra na professora, porque, durante nossas observações, identificamos sua

presença e a aplicação dos conteúdos.

A professora é vista como uma profissional limitada ao seu compromisso

de ensinar. Não nos compete, portanto, analisar sua capacidade profissional perante

a disciplina. Desde quando os alunos e professores tomaram ciência da reforma do

prédio, logo acreditaram que o ano letivo de 2010 seria prejudicado. Como

mostramos no terceiro capítulo, a infraestrutura encontrada pela equipe diretiva –

conseguida com muitos esforços, – não proporcionou, de maneira alguma,

motivações pessoais, educacionais e/ou profissionais ao ensino de qualquer

disciplina, principalmente MP.

138

Os professores e alunos não contavam com espaço suficiente, pois as

salas de aula eram muito pequenas, os recursos didáticos não estavam sendo

utilizados, os horários das aulas sempre foram prejudicados. Ainda foi válido ter

iniciado as aulas mesmo nessas condições, pois até o momento da finalização de

nossa pesquisa, as reformas do prédio do Colégio não estavam concluídas. Enfim, o

Colégio, a professora e os alunos vivenciaram, neste ano de 2010, um verdadeiro

caos institucional e educacional.

Como se trata de uma disciplina que pretende ensinar aos alunos como

dar aulas de LM, o agir do professor, enquanto atividade pedagógica, não deve ser

rotineiro. Se isso acontecer, seu agir profissional trará consequências de atividades

não bem sucedidas, deixando os alunos com indagações que dificilmente serão

colocadas em uma segunda possibilidade de aprendizagem.

Muitas dessas indagações constituirão, provavelmente, dúvidas de

linguagem e algumas dificuldades de comunicar-se com outros sujeitos. Esses

fatores foram provenientes das vinte e uma gravações em áudio realizadas na sala.

Como nosso objetivo não estava centrado na matriz curricular, como dito

anteriormente, preocupamo-nos com os turnos de fala que se constituíram durante

nossas visitas nas aulas de MP. Essas gravações foram realizadas por meio de

gravador de áudio, focalizado nas falas entre a professora e os alunos. Outro

instrumento que nos levou a analisar a formação dos docentes foi uma avaliação

escrita aplicada pela professora após o conteúdo ter sido trabalhado sem ala de

aula. Além disso, aplicamos um questionário com os alunos para descobrirmos

alguns fatores condicionantes como:

(i) o objetivo do aluno em cursar esta modalidade;

(ii) sua pretensão em dar aulas de LM quando concluírem curso;

(iii) sua preparação e domínio de acordo com a LM;

(iv) se a disciplina proporciona conhecimentos suficientes para a docência;

(v) se os conteúdos da disciplina MP são satisfatórios na formação.

Dessa forma, no quarto capítulo, concentramos o resultado de toda a

análise da pesquisa através das interações face a face mediadas pelas relações de

poder e o contexto de produção a partir da linguagem e do agir da professora e dos

alunos.

139

Primeiro, mostramos que a sala de aula é um ambiente de novidades. A

nossa presença, inicialmente, causou espanto e estranheza; depois, conseguimos

identificar quais e como são transmitidos os conteúdos daquela disciplina através da

análise da avaliação. Por meio da aula apresentada pela aluna sobre as vogais

constatamos que eles, de fato, não estavam preparados para dar aulas de LM, a

partir da aprendizagem recebida nessa disciplina; e, por último, o questionário com

cinco perguntas sobre o CN e a disciplina MP respondido pelos quatorze alunos.

Com as respostas do questionário, tivemos a certeza de que o CN precisa

rever sua estrutura curricular, especificamente na disciplina de MP. Entre o

questionário e as gravações em áudio, ficou muito claro que os alunos se envolvem

nas esferas do poder de maneira a privar-se de suas vontades e verdades

(FOUCAULT, 2009), pois as conversações transcritas mostraram-nos um contexto

de produção de saberes alienados às decisões da professora; o agir do aluno

direcionava-se aos posicionamentos da professora em sala de aula. Essa relação

era esperada, seria estranho pensarmos se ocorre uma situação contrária, porque

ter conhecimento é ter poder.

Diante do histórico a respeito do CN, sua importância institucional, as

opções teóricas, os procedimentos metodológicos, os dados observados, coletados,

apresentados e analisados, podemos concluir a partir das categorias de análise de

nossa pesquisa que,

(i) No Contexto de Produção – os enunciados são produzidos em sala

de aula através de sistemas hierarquizados constituídos pela

predominância da relação vertical (KERBRAT-ORECCHIONI, 2006), de

poder representado pela professora que detém e domina o contexto da

sala de aula como fator socialmente institucional. A professora exerce

seu poder para socializar os enunciados necessários ao processo de

ensino-aprendizagem. Essas interações verbais constituem-se através

de enunciados transmitidos; os alunos representam a relação

horizontal dos discursos, e essa relação ficou evidente quando os

alunos posicionavam-se contra as ideias da professora, sendo-as

desconsideradas pelos alunos. Todos os enunciados devem ser critério

de análise porque são formas concretas de agir. É o aluno, quando se

140

conscientiza de seu papel formador, que sustenta sua capacidade de

julgar e definir metas em sua formação acompanhando uma tendência

educacional em prol dos objetivos sociais como educador. O contexto

de produção do agir pela linguagem (BRONCKART, 2008) de cada

aluno permite que ele identifique seus instrumentos formadores na

aprendizagem de LM. Não é simplesmente o agir do professor que

determinará o exercício de docência dos alunos. É na verdade, a

formação da consciência social (VIGOTSKY, 2007), enquanto agentes

individuais que internalizam ou mediatizam a palavra e o signo social à

mente. Nesta projeção, os sujeitos criam relações entre eles de

conhecimento humano e saberes intelectuais. Sem sombra de dúvidas,

o contexto dos conteúdos programáticos da disciplina MP não é

suficiente para o aluno produzir seus saberes e dar aulas de LM nos

anos iniciais do EF.

(ii) Nas Relações de Poder – os mesmos enunciados procedentes das

atividades de linguagem determinam sentidos hierárquicos nas

relações de poder. Esses atos de fala (VAN DIJK, 2000) formam

sequências de discursos ou de conversações (IN)compreensíveis, por

causa das interpretações advindas dos interactantes. O contexto das

enunciações é formada pela intenção da aprendizagem acompanhada

por cada sujeito. Não se pode pensar as relações de poder fora de um

ambiente de conflitos e interesses diversos. A partir da relação

horizontal e vertical, visto no capítulo terceiro, os sujeitos

assemelham-se conforme suas necessidades e priorizam os

fundamentos de aprendizagem na busca pelo conhecimento. Em sala

de aula, a institucionalidade reprime os alunos num contexto de

produção específico que massifica as enunciações entre os sujeitos

envolvidos. Na sala de aula, a existência do poder é disciplinar

(FOUCAULT, 1979), quando exerce suas atividades, invisivelmente, a

partir dos métodos impostos às práticas de linguagem rotineiras das

aulas, como também da estrutura física determinada perante o

exercício das aulas. Esse mecanismo de objetivação disciplinar foi

141

apresentado por nós na seção 4.3 do quarto capítulo quando os

alunos ministraram aulas sobre conteúdos de LM sem domínio algum

e/ou intervenção da professora. De fato, o ritual de poder exercido

pela professora e pelos alunos foi notadamente visível, a partir de

momentos verbais como: [“...fiquem calados”], [“...olha professora

ele tá querendo me atrapalhar...”], [“...quem não fizer direitinho

vai ficar de castigo...”]. O poder apresentado na sala de aula não foi

parte integrante do conteúdo disciplinar, mas foi bem apresentado e

desenvolvido pelos interactantes, visto que as relações enunciativas,

por natureza, constituem-se pelas relações de poder.

Assim, gostaríamos de ressaltar, a partir do exposto neste trabalho, que

nossos objetivos foram alcançados. Foram eles:

(i) Identificar como as relações de poder existentes na sala de aula de MP

influenciam na formação dos futuros professores dos anos iniciais do

EF;

(ii) Analisar como as interações verbais produzidas na sala de aula de

refletem na formação e nos discursos entre professor-alunos através

do contexto de produção de atividades em sala;

(iii) Verificar a partir de questionário, como o curso é visto pelos alunos e,

se de fato, supre as expectativas dos alunos considerando seu futuro

profissional;

Nas observações realizadas, percebemos que existem duas classes

distintas de poder quanto ao primeiro objetivo: a relação horizontal entre os alunos e

a vertical da professora com os alunos. Obviamente, a predominância da relação

vertical foi visível. As trocas dos turnos de fala respaldaram a relação horizontal que

não possibilitava avançar o conteúdo e o processo de aprendizagem por causa da

familiaridade entre os alunos e o grau de cumplicidade entre eles. As atividades de

linguagem do contexto da sala de aula faziam do agir dos interactantes um

constante conflito de poderes entre si. Quanto ao processo de aprendizagem do

ensino de LM, pode-se dizer que as relações de poder influenciavam os métodos

estereotipados transmitidos pela professora e condições sociais tradicionais já

142

determinantes e determinadas na vida dos sujeitos. Assim, nossa primeira assertiva

é confirmada mediante relações que contribuíram a partir dos envolvimentos da sala

de aula entre os interactantes.

Na segunda assertiva, verificamos que os conteúdos não proporcionam

momentos de interação entre os alunos; existe sim, uma parcialidade interacional,

mas o contexto da produção de linguagem para benefício profissional não consistiu

em instrumentos de formação de consciência e capacidade de absorver

conhecimentos. Nossa posição, neste momento, não é a de criticar, mas de

repensar os métodos de linguagem motivando os alunos às interações verbais

concernentes às produções de instrumentos que favoreçam sua atividade

pedagógica consciente através dos ensinamentos adquiridos no espaço da sala de

aula.

Em relação ao terceiro objetivo, identificamos fatores (DES)favoráveis na

formação dos alunos na disciplina de MP. Foi a partir do questionário que os alunos

tiveram melhores condições para se expressarem. Com as respostas obtidas,

percebemos muito claramente as representações construídas sobre o curso.

Alcançamos o objetivo quando defendíamos precisar mudar alguns

aspectos do curso, e essa resposta apareceu de maneira positiva. Ou seja, a

disciplina precisa ser ampliada quanto a sua permanência nos demais anos do CN, a

organização conteudística deve sugerir um esquema sequencial de estudo,

possibilitando ao aluno estudar partes da gramática pertinentes aos anos iniciais do

EF.

Concluímos nosso estudo ressaltando que ele não se esgota nessas

análises apresentadas, mas sugerimos dois caminhos possíveis para melhorar o

ensino de MP referente aos seus objetivos educacionais. A existência das relações

de poder pode ser mais bem aproveitada nas trocas de conhecimentos, visto que

não é possível acreditar em inexistência – ela persiste nas relações sociais e deve

ser mediada a partir das formações conscientes dos interactantes. O contexto de

produção através das interações verbais pode influenciar nos aspectos sócio-

interacionais da conversação. A maior contribuição consiste nas trocas

experimentais do convívio em sociedade, pois não são apenas os conteúdos da

disciplina que formarão os alunos, mas também as experiências profissionais, que

serão provenientes do conhecimento e assimilação da formação docente.

143

Temos a convicção de que este estudo contribuirá decisivamente para

uma reflexão educacional na medida em que os gestores educacionais

conscientizem-se da importância de se formar profissionais autênticos e sabedores

das práticas do ensino de LM nos anos iniciais do EF. Nesse sentido, nossa

pretensão consistiu em oferecer sugestões para melhorar esta modalidade de ensino

no nível médio. O CN é, e deve ser visto, com responsabilidade e comprometimento

a partir de todos que circundam este espaço de produções enunciativas concretas.

144

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149

ANEXOS

150

AVALIAÇÃO ESCRITA

151

HISTÓRICO ESCOLAR DO CN – FRENTE

152

HISTÓRICO ESCOLAR DO CN – VERSO

153

QUESTIONÁRIOS

154

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