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3603 DIREITOS FUNDAMENTAIS DA MULHER: UM OLHAR SOBRE A ANENCEFALIA FUNDAMENTAL RIGHTS OF WOMEN: A VIEW ABOUT ANENCEPHALY Francisco Davi Fernandes Peixoto RESUMO Recentemente, com a interposição da ADPF nº 54 junto ao STF, passou-se a se discutir proibição ou legalização não da antecipação terapêutica do parto de fetos anencefálicos. Apesar de a jurisprudência já vir discutindo o assunto há mais de 15 anos, o mesmo se mostra deveras atual em face da ausência de consenso sobre o mesmo. Cumpre destacar que, apesar de se tratar de matéria de grande interesse para o direito penal, vez que os dispositivos contestados pelo remédio constitucional são justamente artigos do Código Penal brasileiro, a matéria é de importância salutar para o direito constitucional, em especial para os direitos fundamentais, vez que nesta estão envolvidos diversos direitos fundamentais da mulher, tais como o direito à saúde, à integridade física e psíquica, à vida privada etc., que estariam em conflito com o suposto direito à vida do anencéfalo. Além disso, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, em relação à gestante, também seria gravemente ameaçado pela criminalização da antecipação terapêutica do parto de fetos anencefálicos. Trata-se de questão de difícil resolução a que o Pretório Excelso se debruça, tendo inclusive realizado audiências públicas para elucidar sua cognição sobre a mesma. Ademais, esta problemática envolve também os direitos ditos sexuais e reprodutivos da mulher, verdadeiros direitos fundamentais derivados implicitamente da CF/88, mas que não alcançam grande eficácia na sociedade brasileira em face da forte tendência machista e discriminatória desta. PALAVRAS-CHAVES: ANENCEFALIA. DIREITOS FUNDAMENTAIS. DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ABSTRACT Recently, with the interposition of ADPF nº 54 on the STF, it started to discuss the prohibition or legalization of the therapeutic anticipation of the birth the anencephalyc fetuses. Although the jurisprudence is discussing the issue for over 15 years, it shows quite current in the face of the lack of consensus on it. stands out that, while this is a matter of great interest to the criminal law because the devices challenged by the constitutional remedy are precisely some articles of the Brazilian Penal Code, the matter is very important for the constitutional law, in particular for fundamental rights, since Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008.

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DIREITOS FUNDAMENTAIS DA MULHER: UM OLHAR SOBRE A ANENCEFALIA

FUNDAMENTAL RIGHTS OF WOMEN: A VIEW ABOUT ANENCEPHALY

Francisco Davi Fernandes Peixoto

RESUMO

Recentemente, com a interposição da ADPF nº 54 junto ao STF, passou-se a se discutir proibição ou legalização não da antecipação terapêutica do parto de fetos anencefálicos. Apesar de a jurisprudência já vir discutindo o assunto há mais de 15 anos, o mesmo se mostra deveras atual em face da ausência de consenso sobre o mesmo. Cumpre destacar que, apesar de se tratar de matéria de grande interesse para o direito penal, vez que os dispositivos contestados pelo remédio constitucional são justamente artigos do Código Penal brasileiro, a matéria é de importância salutar para o direito constitucional, em especial para os direitos fundamentais, vez que nesta estão envolvidos diversos direitos fundamentais da mulher, tais como o direito à saúde, à integridade física e psíquica, à vida privada etc., que estariam em conflito com o suposto direito à vida do anencéfalo. Além disso, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, em relação à gestante, também seria gravemente ameaçado pela criminalização da antecipação terapêutica do parto de fetos anencefálicos. Trata-se de questão de difícil resolução a que o Pretório Excelso se debruça, tendo inclusive realizado audiências públicas para elucidar sua cognição sobre a mesma. Ademais, esta problemática envolve também os direitos ditos sexuais e reprodutivos da mulher, verdadeiros direitos fundamentais derivados implicitamente da CF/88, mas que não alcançam grande eficácia na sociedade brasileira em face da forte tendência machista e discriminatória desta.

PALAVRAS-CHAVES: ANENCEFALIA. DIREITOS FUNDAMENTAIS. DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.

ABSTRACT

Recently, with the interposition of ADPF nº 54 on the STF, it started to discuss the prohibition or legalization of the therapeutic anticipation of the birth the anencephalyc fetuses. Although the jurisprudence is discussing the issue for over 15 years, it shows quite current in the face of the lack of consensus on it. stands out that, while this is a matter of great interest to the criminal law because the devices challenged by the constitutional remedy are precisely some articles of the Brazilian Penal Code, the matter is very important for the constitutional law, in particular for fundamental rights, since

Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008.

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there are a lot of fundamental rights of women involved, such as the right to health, the right to physical and mental integrity, who would be in conflict with the supposed the right to life of the anencephalyc fetus. Moreover, the Principle of Human Dignity of the person in relation to pregnant women, would also be seriously threatened by the criminalization of the therapeutic anticipation of the anencephalyc fetuses. This is a difficult matter to solve for the Brazilian Supreme Court, so that it made public hearings to clarify their cognition about this. Moreover, this issue also involves the sexual and reproductive rights of women, which are real fundamental rights derived from CF/88 but also not achieve great efficiency in brazilian society because of his strong trend to be discriminatory and sexist.

KEYWORDS: ANENCEPHALY. FUNDAMENTAL RIGHTS. SEXUAL AND REPRODUCTIVE RIGHTS. PRINCIPLE OF THE DIGNITY OF HUMAN PERSON.

INTRODUÇÃO

Os avanços biomédicos do século XX foram significativos para a prevenção e cura de doenças que até então assolavam a humanidade. De fato, a alvorada do século passado iniciou um movimento avassalador de inovações na área da biotecnologia que se estende até a presente data[1].

Quase que mensalmente, surgem novas técnicas biomédicas, permitindo diagnosticar cada vez mais cedo diversas patologias que eram indetectáveis no passado. A anencefalia, por exemplo, não era passível de ser diagnosticada à época da positivação do Código Penal brasileiro. Atualmente, em face de avanços nos exames pré-natais, pode a mesma ser constatada com 100% (cem por cento) de certeza

Almeida asseverou que:

Graças aos avanços alcançados pela medicina, hoje é possível fazer exames pré-natais para diagnosticar alguma anomalia, exames como a ultra-sonografia e a amniocentese dão a possibilidade dos pais escolherem se desejam levar a gravidez até o fim[2].

Porém, o descobrimento por parte do homem do poder contido na tecnologia, quando aplicado à área das ciências da saúde, trouxe também novas e delicadas questões acerca da existência humana e sobre a necessidade de se imporem limites à pesquisa cientifica, principalmente quando se lida com assuntos como o início e término da vida, dos limites da manipulação da vida humana.[3]

Este avanço científico inevitavelmente gera repercussões sociais variáveis, especialmente quando leva em considerações questões polêmicas como a dos fetos anencefálicos. De fato, o judiciário brasileiro vê-se cada vez mais abarrotado com demandas acerca da antecipação da gestação de tais fetos que, conforme será visto, são totalmente incompatíveis com a vida extra-uterina.

A atualidade do assunto é tal que recentemente bateu as portas do Supremo Tribunal Federal - STF a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF nº 54 interposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores e Saúde - CNTS. Apesar de a

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jurisprudência pátria já lidar com o assunto a mais de 15 anos, o tema encontra-se cada vez mais presente em meio à sociedade, não havendo consenso, motivo pelo qual se justifica o interesse pelo tema. Tanto é que foram realizadas recentes audiências públicas[4] nos dias 26 e 28 de agosto e nos dias 4 e 16 de setembro,a fim de que fossem ouvidos diversos setores da sociedade brasileira.

A ADPF nº 54 trata da possibilidade de uma legítima, constitucional e legal antecipação terapêutica do parto de anencéfalos. Questiona especificamente os arts. 124, 126 e 128, I e II, do Código Penal Brasileiro em face dos seguintes preceitos fundamentais expressos na Carta Magna de 1988: a Dignidade da Pessoa Humana (Art 1º, III), a Legalidade, em seu conceito mais amplo, da Liberdade e da Autonomia da Vontade (art. 5º, II) e também os diretamente relacionados à Saúde (Art. 6º caput, e Art .196).

Esses preceitos, dentre os quais se incluem o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, no caso específico da anencefalia, são relativos não aos fetos anencefálicos, mas às gestantes cujos fetos padecem desta mal formação, de modo que as mesmas teriam aqueles direitos cerceados em face da criminalização desta conduta.

A criminalização e proibição da antecipação terapêutica do parto de fetos anencefálicos, além de representar uma violação dos citados preceitos fundamentais destacados na ADPF nº 54, demonstra também um reflexo da dominação e discriminação de gênero à mulher na sociedade brasileira. Assim, atinge os direitos sexuais e reprodutivos da mulher que, apesar de para parte da doutrina terem status de meros direitos humanos, são em verdade direitos fundamentais, gozando, nos moldes da Constituição Federal de 1988 – CF/88, de eficácia imediata.

1 ANENCEFALIA: BREVE CONCEITUAÇÃO E CONSEQÜÊNCIAS

Na exordial da ADPF nº 54, Barroso[5] define anencefalia como a má formação fetal congênita por defeito no fechamento do tubo neural durante a gestação, de modo que o feto não apresenta os hemisférios cerebrais e o córtex, havendo apenas resíduo do tronco encefálico. Segundo Sebastiani:

A anencefalia caracteriza-se pela ausência de uma grande parte do cérebro, pela ausência da pele que teria que cobrir o crânio na zona do cérebro anterior, pela ausência dos hemisférios cerebrais e pela exposição do tecido nervoso hemorrágico e fibrótico.[6]

O termo “malformação” é auto-explicativo, constituindo formações irregulares do feto, não sendo necessário tecermos informações para defini-lo. Já o termo congênito carece de algumas considerações.

Congênito significa que o defeito está presente no feto antes, durante e depois de sua concepção. É uma patologia determinada por diversos fatores chamados teratogênicos ou teratógenos, que atuam diretamente sobre o ser em formação, ampliando a probabilidade de tais patologias. São exemplos destes fatores as diversas formas de radiação, vírus, drogas e doenças maternas existentes[7].

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Ressalte-se ainda que comprovadamente os fatores teratogênicos não são as únicas causas que incidem e concorrem para que ocorra a anencefalia, outros fatores como descendência e etnia também o fazem.

É fato cientificamente comprovado que nenhum anencéfalo sobreviveu mais que um tempo irrisório quando fora do corpo da mãe[8]. Cerca de 75% (setenta e cinco por cento) nascem mortos e os 25% (vinte cinco por cento) restantes só sobrevivem poucas horas, dias e, em casos raríssimos, semanas.

Deveras, cerca de 65% (sessenta e cinco por cento) sequer chega a nascer, vindo a falecer[9] ainda durante a gestação. Destarte, conclui-se que ocorre total incompatibilidade com a vida extra-uterina[10]. “Em 65 % (sessenta e cinco por cento) dos fetos anencefálicos ocorrerá a morte cardiorrespiratória intra-útero,[...]”.[11]

Mister ressaltar novamente que, no caso da anencefalia, as ciências médicas e biológicas atuam com um grau de certeza absoluto, ou seja, de 100% (cem por cento). Ademais, das diversas malformações fetais que podem acontecer durante o desenvolvimento embrionário, a anencefalia é a mais grave.

Apesar de manter algumas funções vegetativas, relacionadas ao sistema respiratório e circulatório, dependentes da medula espinhal, o anencéfalo nunca terá consciência. Jamais desenvolverá as funções relacionadas ao sistema nervoso central, tais como a cognição, a vida de relação, a comunicação, a afetividade e a emotividade.

Tem aparência grotesca, hedionda e bizarra, assemelhando-se a de uma rã, com ausência de calota craniana com protusão dos olhos. Não é a toa que, para a ciência médica, a descrição da anencefalia é a de uma “monstruosidade caracterizada pela ausência de cérebro e da medula.”[12] A despeito de, em alguns raros casos, os olhos do anencéfalo parecerem normais, o nervo ótico, comprovadamente, não se estende até o cérebro

A gestação de fetos anencefálicos representa geralmente 30-50% (trinta a cinqüenta por cento) dos casos complicações na gravidez. Pode ocorrer macrossomia fetal (fetos grandes e desproporcionais), dificuldade respiratória para a gestante, ruptura uterina, embolia de líquido amniótico, atonia uterina pós-parto e outras complicações. Assim, este tipo de gravidez coloca a própria vida da gestante em risco.

2 INEXISTÊNCIA DO DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA DO ANENCÉFALO

Consoante os dados acima destacados, pode-se chegar à seguinte conclusão: os fetos anencefálicos não nascem com e para a vida, mas sim irremediavelmente para a morte. É uma certeza científica da qual não resta dúvida alguma, apesar do que dizem as crenças pessoais de cada pessoa.

Destarte, não se irá adentrar aqui na interminável discussão acerca do início da vida que, quiçá, seja filosófica e biologicamente irrespondível. Importa saber que, de acordo com os critérios para se constatar a morte adotados no direito brasileiro, fetos anencefálicos não podem ser logicamente considerados seres vivos.

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No Brasil, a Lei nº 9.434/9 - Lei de Transplante de Órgãos e Tecidos e a Resolução nº 1.480 de 8 de agosto de 1997[13] do Conselho Federal de Medicina - CFM tratam dos critérios para a constatação da morte. Esta é averiguada de acordo com o período de tempo no qual o indivíduo permanece em coma aperceptivo, com ausência de atividade motora supra-espinhal e apnéia, variando aquele período conforme a faixa etária de cada paciente.

É capital também que a morte encefálica seja conseqüência de um processo irreversível e de causa conhecida. Tecnicamente, é mais seguro e plausível afirmar que um paciente está morto de acordo com os critérios da Resolução nº 1.480/97 do conselho. Tais critérios são simples, objetivos, universais e transparentes, não deixando margem para dúvida acerca de sua licitude e plausibilidade.

Sá, baseando-se na legislação nacional estabelece três critérios para a constatação da morte cerebral:

I) Em primeiro lugar, verifica-se a história de doença catastrófica – doença estrutural conhecida, ou seja, tumores, infecções, acidentes vasculares cerebrais, ou causa metabólica sistêmica irreversível, como a hipoglicemia, uremia, coma hepático, etc.

II) Seis horas de observação da ausência de função cerebral são suficientes em caso de causa estrutural conhecida, quando nenhuma droga ou álcool estejam envolvidos na etiologia do tratamento. Caso contrário, 12 horas, mais investigação negativa de drogas, são necessárias.

III) Ausência de função cerebral e do tronco encefálico: nenhuma resposta comportamental ou reflexa a estímulos nocivos na localidade entre a coluna e o crânio; pupilas fixas; ausência de resposta oculovestibular ao teste térmico com água gelada, que é procedido injetando-a no ouvido para a verificação de movimentos oculares; apnéia, que significa a falta de resposta respiratória durante oxigenação por dez minutos.[14]

Já Rocha[15], citando igualmente os dispositivos do ordenamento brasileiro taxativos do conceito de morte cerebral mencionados, destaca que, para que se constate a morte encefálica, deve-se obedecer a dois princípios básicos: a perda da função cerebral e a irreversibilidade deste estado.

De tal modo, tendo por base a legislação e a doutrina nacional, é palmar reconhecer que o feto cuja anencefalia foi diagnosticada não está vivo, pois “[...] sequer chega a ter início de atividade cerebral, pois não apresenta os hemisférios cerebrais e o córtex, havendo apenas resíduo do tronco encefálico.”[16] Assim, ao se antecipar o parto de um feto que padece de anencefalia não ocorre prática de crime de aborto, e sim um mero tratamento terapêutico lícito.

Para que houvesse crime de aborto o fato deveria ser necessariamente típico, antijurídico e culpável, porém, no caso do anencéfalo, o feto não é considerado vivo pelos critérios legais existentes na atualidade. É natimorto, de modo que se este não é ser vivo, há absoluta impropriedade do objeto jurídico visado pela conduta.

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Por conseguinte não há qualquer afronta ao bem jurídico da vida protegido pelos tipos penais que regulam a conduta do abortamento. Não haveria sequer necessidade de concessão de alvará judiciais para o procedimento de antecipar o parto de anencéfalos. Aliás, demora na concessão desses, muitas vezes faz com que o parto ocorra em face da morosidade de justiça brasileira.

Contudo, infeliz é a realidade de que as funestas conseqüências da criminalização da anencefalia não se subscrevem à seara do direito penal. Mais atrozes e dramáticas são as suas conseqüências para os direitos fundamentais da mulher.

3 DIREITOS FUNDAMENTAIS E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO CASO DOS FETOS ANENCEFÁLICOS

Viu-se que os fetos anencéfalos, sob a ótica da legislação brasileira, não possuem direito à vida. Apesar disso, parte da doutrina, em geral autores mais conservadores e ligados à igreja católica, o direito à vida seria um direito inato, inerente ao ser humano desde o momento do início da vida que se daria com a concepção[17], incluídos aí os anencéfalos.

Estes autores vão mais além ao sustentar que a CF/88, ao prever a inviolabilidade do direito à vida, não teria sequer recepcionado os dispositivos normativos do Código Penal brasileiro que tratam da possibilidade de aborto legal, comparando-o ao assassinato.[18] Para os mesmos a vida seria um direito absoluto.

De acordo com parte significativa da moderna teoria dos direitos fundamentais, não existem direitos absolutos. Conforme ressaltou Alexy, em uma colisão entre interesses, inexiste uma precedência absoluta de um direito em relação a outros, pois

[...] nenhum desses deveres goza, por si só, de prioridade. O “conflito” deve, ao contrário, ser resolvido por meio de um sopesamento entre os interesses conflitantes. O objetivo desse sopesamento é definir qual dos interesses – que abstratamente estão no mesmo nível – tem maior peso no caso concreto.[19]

Ademais, Leciona Lima[20] que a vida nunca foi tida como um direito ou valor supremo. Entre os povos antigos, por exemplo, os valores espirituais ou sagrados eram tidos como mais elevados que os valores vitais. Em sentido similar, Pessini destaca que, ao analisarmos a vida como um valor, a vida orgânica sempre teve uma avaliação inferior a valores éticos e religiosos. De acordo com esse:

Sempre se considerou uma característica de heroísmo ou de santidade que alguém dê sua vida para ajudar seus semelhantes (valor ético) ou para defender suas próprias crenças (valor religioso).

[...]O significado do princípio da sacralidade da vida é absoluto porém formal, e que a determinação material dos conteúdos do respeito à vida não pode ser absoluta, mas pode mudar com o tempo.

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Cada sociedade e cada pessoa devem dotar de conteúdo em cada momento concreto o princípio formal de sacralidade da vida humana.[21]

Dessa forma, conclui-se que a vida não é um bem de valor absoluto e imemorial. Um determinado bem só é valorizado sob a perspectiva de uma cultura ou tradição ética resolvida, ou seja, os bens, dentro os quais a vida, são historicamente valorizados.

Importa destacar ainda que entre os próprios católicos, a questão de que o início da vida se dá com a concepção é controvertida. Tomás de Aquino, influenciado pela teoria aristotélica do hilemorfismo, defendia a teoria da animação retarda[22], segundo a qual o feto só teria alma a partir do que denominava “sopro de vida” que se daria em torno de 40 a 80 dias da concepção[23]. Consoante a lição de Pedro:

[...] convém destacar que no início da era cristã, era seguido o preceito antigo, com origem em Aristóteles, de que a alma só ocorria no feto masculino após quarenta dias, e no feminino após noventa dias. Na tradição cristã a alma feminina antecipou-se em dez dias, introduzindo-se após oitenta dias. Esta diferença entre a concepção e a ocorrência da alma estava relacionada com o pressuposto de que “nenhuma alma” poderia “viver num corpo não formado”[24]

O Brasil é um país laico. Expressamente estabeleceu a liberdade religiosa como direito fundamental (art. 5º, VI da CF/88) e a laicidade do Estado como princípio constitucional (at. 19, I da CF/88).

O ente estatal não deve atuar ou legislar em matérias que dizem respeito à autonomia dos indivíduos, a sua individualidade e subjetividade, como, por exemplo, o direito à liberdade religiosa. Os direitos fundamentais a intimidade e a vida privada das mulheres devem ser resguardados como forma de garantir a sua própria dignidade como indivíduos e pessoas racionais, sua liberdade de autodeterminação conforme ver-se-á infra.

Deste modo, cabe ao Estado garantir a igualdade, segurança e o mínimo vital aos seus cidadãos, atuando de forma neutra nos campos da moral, ideologia e cultura, não invadindo a vida privada dos indivíduos a não ser para coibir condutas que prejudiquem seus pares. Deveras, em uma sociedade pluralista o Estado deve “[...]respeitar e proteger tanto os que crêem (seja qual for a crença) quanto os que, simplesmente, não crêem. Nos moldes da doutrina de Dias e Andrade:

[...]sempre que o direito criminal invade as esferas da moralidade ou do bem estar social, ultrapassa os seus próprios limites em detrimento das suas tarefas primordiais [...]. Pelo menos do ponto de vista do direito criminal, a todos os homens assiste o inalienável direito de irem para o inferno à sua própria maneira, contanto que não lesem ao diretamente ao alheio.[25]

Não bastassem tais considerações, em verdade, no caso da gestação dos fetos anencefálicos, a vida que se apresenta em risco é a da gestante, pois é a mesma que tem de sofrer com as prováveis complicações que poderão vir a ocorrer no transcorrer daquela. Nestas gestações, a mulher tem 25% (vinte cinco por cento) mais chances de ter doenças hipertensivas, aumentando as possibilidades de desmaios e convulsões, sendo o parto cerca de 22% (vinte dois por cento) mais arriscado que um parto normal.

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O próprio trabalho de parto que normalmente dura cerca de 6 a 8 horas no caso em questão chega a durar de 14 a 18 horas[26].

Destarte, o direito à saúde da mulher é posto sob grave ameaça no caso da gestação de fetos anencefálicos. Não apenas a saúde física, mas também da saúde psíquica, isto é, psicológica da mulher[27], pois obrigar uma mulher a levar a termo uma gestação sabidamente inviável pode ser comparado a uma tortura psicológica. Pior ainda, uma tortura institucionalizada, pois é imposta pelo Estado.

Por sua vez, quanto ao Princípio da Dignidade Pessoa Humana, exposto no art.1º, III da CF/88 como fundamento da República Federativa do Brasil, é de se destacar que o mesmo visa à pessoa humana. Urge assim diferenciar pessoa de ser humano. O primeiro a tratar do conceito de pessoa foi Severino Boécio, para muitos considerado o último dos romanos e o primeiro dos escolásticos[28].

Para Boécio, três seriam as características que qualificariam a pessoa: substância, individualidade e racionalidade. A individualidade seria condizente ao aspecto individual da pessoa, ao passo que a racionalidade ao seu aspecto universal, ambos integrados em uma única substância, uma única subsistência[29].

Destaca-se também a filosofia de Kant. Para o filósofo de Königsberg, os seres humanos, enquanto racionais não obedecem outra lei senão aquelas que eles mesmos dão a si mesmos. Destarte, sua vontade é tida como legisladora universal, sendo autônoma perante a lei. Kant trata então do que chama reino de fins, qual seja do vínculo existente entre os seres racionais que se submetem àquelas leis criadas por sua vontade.

A moralidade em Kant é justamente o fato estes seres racionais terem que obedecer ou proceder segundo estas leis, pois só podem integrar um reino de fins se forem tidos como legisladores universais.

Em um reino de fins os fenômenos ou têm dignidade ou preço. Se têm preço é porque possuem valor relativo, podendo serem permutados por coisas de valor equivalente, já se têm dignidade é porque possuem valor interno, ao podendo ser vendidos ou permutados.

A humanidade possui dignidade, pois, conforme visto supra, os seres humanos são tidos como fins em si mesmos. Todavia, também a moralidade tem dignidade, vez que aquela é condição para que os seres humanos racionais sejam fins em si mesmos.[30]

As pessoas humanas são justamente esses seres racionais que não possuem preço, isto é, que são fins em si mesmo, possuindo dignidade. Assim, são iguais e racionais, de modo que a moral kantiana baseia-se justamente no famoso imperativo categórico: Age segundo a máxima de que possas a todo tempo querer que se tornasse uma lei universal.[31]

Após a análise do pensamento de ambos os filósofos, conclui-se que o anencéfalo careceria do qualificativo pessoa, pois não possui as características inerentes a essa. Ao se falar de Dignidade da Pessoa Humana não se inclui aí o feto anencefálico. A suposta vida do anencéfalo vida sequer pode ser considerada “vida”, quanto mais vida digna.

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A natureza da pessoa humana não tem apenas uma, mas múltiplas dimensões, ou seja, não apenas uma dimensão biológica individual. A partir da concepção não há de imediato uma pessoa humana devidamente constituída, mas apenas potencial, visto que sua composição também comporta aspectos sociais, filosóficos, espirituais e políticos. Aristóteles em sua obra “Política”, destacando a natureza associativa do ser humano destacou que:

Ora, aquele que não pode viver em sociedade, ou que nada precisa por bastar-se a si próprio, não faz parte do Estado; é um bruto ou um deus. A natureza compele assim os homens a se associarem. Àquele que primeiro estabeleceu isso se deve o maior bem; porque se o homem, tendo atingido a sua perfeição é o mais excelente dos animais, também é o pior quando vive isolado, sem leis e sem preconceitos[32]

Os anencéfalos jamais poderiam desenvolver as demais dimensões que compõem uma pessoa humana na sua própria dimensão biológica já é deficiente em demasia. Não possuem portanto dignidade, pois não são pessoas humanas. Segundo o Ministro Carlos Ayres de Britto, no julgamento da ADI 3510:

[...]nossa Magna Carta não diz quando começa a vida humana. Não dispõe sobre nenhuma das formas de vida humana pré-natal. Quando fala da “dignidade da pessoa humana” (inciso III do art. 1º), é da pessoa humana naquele sentido ao mesmo tempo notarial, biográfico, moral e espiritual (o Estado é confessionalmente leigo, sem dúvida, mas há referência textual à figura de Deus no preâmbulo dela mesma, Constituição). E quando se reporta a “direitos da pessoa humana” (alínea b do inciso VII do art. 34), “livre exercício dos direitos (...) individuais” (inciso III do art. 85) e até dos “direitos e garantias individuais” como cláusula pétrea (inciso IV do § 4º do art. 60), está falando de direitos e garantias do indivíduo-pessoa. Gente. Alguém.[33]

Um outro argumento que freqüentemente se levanta a favor da proibição da gestação de fetos anencefálicos é o de que os mesmos, apesar de inviáveis do ponto de vista extra-uterino poderiam fornecer órgãos para transplantes[34], porém tal prática violaria a Dignidade da Pessoa Humana da gestante, pois coisificaria o seu corpo transformando o mesmo num mero depósito de órgãos frescos.

Tal argumento, bem como os demais contrários à antecipação terapêutica do parto de fetos anencefálicos, vão de encontro ao princípio kantiano de que a Dignidade da Pessoa Humana que reside justamente na autonomia ética, qual seja, a autonomia da pessoa de se autodeterminar e agir conforme sua autodeterminação.[35]

Conclui-se, portanto, que a criminalização da antecipação do parto na gestação de fetos anencefálicos é contrária a diversos direitos fundamentais da mulher, tais como o direito à vida, à saúde, à intimidade, à privacidade, à liberdade religiosa além de violar a sua dignidade enquanto pessoa humana.

Urge destacar ainda um último ponto, qual seja a questão da visão desta proibição à mulher como forma de violação dos seus direitos sexuais e reprodutivos, reflexo da sociedade patriarcal e machista brasileira.

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4 DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS DA MULHER EM FACE DA ANENCEFALIA

4.1 Sobre os direitos sexuais e reprodutivos

Tradicionalmente, o controle da sexualidade feminina foi um dos diversos instrumentos de dominação nas sociedades ocidentais para a imposição de um padrão comportamental às mulheres. O domínio sobre os corpos femininos visava justamente coibir a autonomia das mulheres quanto à possibilidade de se expressar sexualmente, sendo bem sucedido e até mesmo intensificado na Era Moderna.

A diferenciação entre as chamadas mulheres honestas e as mulheres faladas, isto é, entre aquelas que obedeciam quase que bovinamente as ordens dos pais e maridos, e as que tinham suas condutas “socialmente indesejáveis” criminalizadas, visava justamente atender aos interesses das elites burguesas que aspiravam um comportamento tido como ideal de suas esposas e filhas[36].

Conforme destaca Foucault[37], a sexualidade atual como ponto de passagem nas diversas relações de poder da sociedade, ente homens e mulheres, pais e filhos, educadores e alunos etc, sendo nessas um dos elementos dotados de maior instrumentalidade, sendo a histerização do corpo da mulher um dos grandes procedimentos de poder a respeito do sexo.

Na sociedade moderna ocidental foi, e ainda é, fato comum taxar de criminosos aqueles indivíduos que integrem minorias marginalizadas, tais como mulheres, negros, prostitutas, homossexuais etc. Busca-se através disso inibir cada vez mais estes, além de legitimar o uso da força contra os mesmos, inclusive com o uso do direito penal[38].

Foi apenas no século passado que a mulher deixou de ser uma mera atriz secundária na sociedade política para começar a atuar como verdadeira protagonista, adquirindo paulatinamente a cidadania que a muito lhe era renegada. Escreve Santos que:

O papel da mulher na sociedade vem passando por mudanças drásticas no mundo. Os movimentos de emancipação nos países ocidentais industrializados encontram paralelos, embora minimizados, mesmo nas mais remotas comunidades rurais. Há países nos quais o padrão de vida das mulheres sofreu mudanças concretas e positivas. Em outros, as mudanças são menos definitivas, representando, muitas vezes, apenas uma melhoria da consciência sobre as circunstâncias de suas vidas, um repúdio aos antigos preconceitos de submissão e um vago sentimento de instabilidade.[39]

Consoante a lição de Bobbio[40], os direitos humanos não estão estanques, mas sim num constante processo de evolução histórica, daí a sua característica que se denomina de historicidade dos direitos humanos. No mesmo sentido doutrina Ávila:

Os conceitos de direitos humanos e cidadania vão se forjando historicamente e variando no tempo a partir de conflitos e lutas sociais e políticas. A cada contexto histórico, pensadores/as teóricos/as reelaboram seus significados em diversas perspectivas

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políticas e epistemológicas, o que faz com que esses conceitos recebam diversas definições e interpretações dentro de uma mesma época.[41]

Só recentemente, principalmente a partir da década de 1990, com as Conferências do Cairo em 1994[42] e de Beijing em 1995, que os direitos sexuais e reprodutivos passaram a ser considerados como integrantes do rol dos direitos humanos.

O conteúdo básico dos direitos sexuais e reprodutivos concerne à liberdade de reprodução, à liberdade inerente à condição humana que homens e mulheres (principalmente as mulheres) possuem acerca do desejo de se reproduzir ou de não o fazer. Trata da própria questão da autodeterminação individual[43] quanto ao livre exercício da sexualidade e da capacidade reprodutiva, sem qualquer ação do Estado no sentido de coerção à mesma.

Destaca Brauner que:

[...]não se trata apenas das questões ligadas ao funcionamento do aparelho genital e do processo reprodutivo, mas abarca a idéia ligada à busca do prazer, reconhecendo a vida sexual gratificante como um direito de cada cidadão, Homem e mulher, não mais se concebendo a sexualidade como uma mera necessidade biológica.[44]

Entretanto, ainda hoje existem controvérsias pontuais sobre a possibilidade dos direitos sexuais e reprodutivos femininos serem ou não reconhecidos no seu todo como direitos humanos, quanto mais como direitos fundamentais, bem como no que se refere à criação de mecanismos que garantam a sua efetividade.[45] Este questionamento acerca de em qual categoria estariam enquadrados os direitos sexuais e reprodutivos não é de mero valor metodológico, vez que terá conseqüências também na efetividade e exigibilidade jurídica dos mesmos.

4.2 Direitos sexuais e reprodutivos como direitos fundamentais

Doutrina Häberle[46] que os direitos fundamentais são aqueles que possuem nível de bens constitucionalmente protegidos, sendo pressupostos para a constante atualização e reconstrução do ordenamento através do exercício das liberdades pelos indivíduos. Têm um valor duplo, pois “[...]de un lado, representan los “valores supremos”, y de outro, permiten al hombre encontrar velores y actualizarlos, garandizándole el status de libertad.”[47]

Para Guerra Filho[48] os direitos fundamentais embora tenham sido originalmente direitos humanos, evoluíram destes vindo a qualificar-se por uma eficácia jurídica, isto é pela capacidade de produzir efeitos diretos no plano jurisdicional mediante o uso de procedimentos apropriados. Direitos humanos seriam normas suprapositivas, deonticamente diversas dos direitos fundamentais, pois, careceriam de eficácia jurídica, isto é, de forma similar aos direitos naturais, situar-se-iam acima do plano dos direitos positivos.

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Por sua vez, Bonavides[49] e Pereira[50] entendem que os direitos fundamentais podem ser tratados através de duas perspectivas: uma “lato sensu” ou do ponto de vista material e outra “stricto sensu” ou do ponto de vista formal.

Segundo a primeira, direitos fundamentais são aqueles que concernem aos valores máximos da vida, liberdade e dignidade humana, ao passo que, nos moldes da segunda, são os direitos que a Constituição reconhece como fundamentais, recebendo uma proteção mais forte do ordenamento para a sua alteração e/ou revogação[51], inclusive perante as demais normas de direitos constitucional.

Em sentido similar, Canotilho[52] assevera que não basta a mera positivação de um direito para que este possa ser considerado fundamental. A positivação dos direitos fundamentais, por si só, não garante a sua efetividade, muito menos lhes retira a qualidade de serem a base para o controle de legitimidade[53] de um ordenamento jurídico.

Ainda na lição do professor lusitano, diferenciam-se as características de positivação dos direitos fundamentais das de constitucionalização e fundamentalização. A constitucionalização[54] diz respeito ao reconhecimento destes por normas básicas (constitucionais), possibilitando a sua proteção mediante o controle de constitucionalidade.

Já a fundamentalização[55] seria formal e material. A formal corresponderia às qualidades de superioridade hierárquica dos direitos fundamentais, ao procedimento mais dificultoso para a sua reforma e revisão, ao fato dos mesmos constituírem limites materiais da própria revisão e também à vinculação dos poderes públicos aos mesmos. Quanto à fundamentalização material, condiz ao fato de que os direitos fundamentais tratam dos valores mais básicos de um Estado e de uma sociedade, como a vida, a saúde, a privacidade etc.

Destarte, hodiernamente não se fala em mera fundamentalidade formal dos direitos fundamentais, ou seja, os direitos fundamentais não são meramente aqueles que estão escritos, postos, pela Carta Constitucional. Existem também direitos materialmente fundamentais, quais sejam aqueles que, não obstante não estarem postos diretamente pela Constituição desta derivam, direta ou indiretamente, assunto no qual deter-se-á mais a frente.[56]

Nesse sentido afirma Sarlet:

Direitos fundamentais são, portanto, todas aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância (fundamentalidade em sentido material), integradas no texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, por seu conteúdo e significado, possam lhes ser equiparados, agregando-se à Constituição material, tendo ou não, assento na Constituição formal (aqui considerada a abertura material do Catálogo).[57]

Ainda no espelho por esse[58], além dos direitos fundamentais explícitos, existem direitos fundamentais implícitos, isto é subentendidos nas normas definidoras de

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direitos e garantias e outros decorrentes do regime de princípios da Constituição, aliás o que expressamente admite o art. 5º, §2º da CF/88.

Direitos ditos sexuais e reprodutivos estão intimamente ligados não só ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana das mulheres, mas também ao princípio da igualdade material entre homens e mulheres (art.5º, caput) e ao direito à saúde (art. 5º, III)[59]. Não são apenas direitos humanos sem qualquer força normativa, sem eficácia jurídica, mas de verdadeiros direito fundamentais implícitos ao ordenamento jurídico brasileiro, decorrendo dos direitos e princípios supracitados, do próprio ordenamento jurídico e constitucional brasileiro.

Cerceá-los, como no caso dos fetos anencefálicos, é flagrante violação à Constituição. O próprio Estado passar a atuar em sentido contrário ao que deveria, qual seja o do resguardo e efetivação dos direitos fundamentais. Esta situação ocorre em face de uma herança patriarcal e machista da sociedade brasileira, buscando impor as mulheres um padrão comportamental desejado[60].

Consoante lecionam Lopes, Jucá,Andrade e Costa:

Apesar das conquistas femininas, como o direito ao voto, da evolução dos costumes, das reivindicações do movimento feminista e de acontecimentos como as grandes guerras – que fizeram com que as mulheres assumissem tarefas tradicionalmente reservadas aos homens -, ainda não se vislumbra uma paridade entre sexos[...][61]

Deste modo, faz-se necessário que o Estado encampe, através de políticas públicas voltadas para a conscientização e educação de gênero, uma nova ótica mediante a qual nas inumeráveis situações nas quais ainda remanescem discriminações às cidadãs brasileiras, violando-as em seus direitos sexuais e reprodutivos, como é o caso da anencefalia, sejam repensadas. Aliás, não apenas repensadas, mas que seja posta em prática esta nova perspectiva.

CONCLUSÕES

Hodiernamente, as cidadãs brasileiras ainda vêm travando batalhas para efetivar real e verdadeiramente a igualdade material consagrada na CF/88, tarefa esta que em verdade caberia ao Estado, mas que, na falta deste em face de reflexos dentro do mesmo da cultura patriarcal cultivada a séculos na sociedade brasileira, é posta em prática pelos movimentos feministas.

Com efeito, muitas das mulheres brasileiras, sejam jovens ou idosas, negras ou brancas, católicas ou atéias, têm diariamente sua cidadania e sua dignidade enquanto seres humanos violadas pela ausência do Estado no resguardo de seus direitos fundamentais, sendo em alguns casos mais grave ainda esta ausência, como é o caso da proibição da antecipação terapêutica do parto de fetos anencefálicos.

A criminalização destas condutas não só deixa de efetivar os direitos fundamentais da mulher. Acaba o Estado por atuar no sentido de reprimir uma conduta que, em face dos critérios médico-legais existentes atualmente, não se trata de crime, por ser fato atípico.

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Mais funestas ainda são as conseqüências para a dignidade da pessoa humana da mulher, pois a mesma termina por ter cerceada o seu direito de se auto-determinar, postulado básico kantiano inerente a toda pessoa.

O anencéfalo sequer é pessoa. Carece dos pressupostos básicos que caracterizam o indivíduo como tal, de modo que não possui dignidade, uma vez que a CF/88 não fala em dignidade humana, mas em Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Também não se pode dizer que possui vida, pois, conforme visto, de acordo com os critérios médico-legais não é ser vivo e, ainda que o fosse, questiona-se qualidade de vida teria este ser.

Assim, a violação dos direitos fundamentais da mulher não se justifica, a não ser como forma de reflexo de uma cultura machista e patriarcal que nega à mulher, além daqueles seus direitos sexuais e reprodutivos.

Tal realidade se demonstra incompatível com o Estado democrático e constitucional de direito que busca a igualdade material entre homens e mulheres. Destarte, urge que sejam reconhecidos e efetivados os direitos sexuais e reprodutivos como fundamentais, descriminalizando e legalizando a antecipação terapêutica do parto de fetos anencefálicos.

Cabe ao STF no julgamento da ADPF nº 54 a decisão sobre este caso. Aguardemos, portanto, a pronúncia do Pretório Excelso, a qual esperamos ser iluminada sob a ótica de um dos valores básicos do direito: a justiça.

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[1] “Presencia-se, atualmente no alvorecer do século XXI, o fim de uma era e o início de outra. Ingressa-se na Pós-Modernidade. Isso implica um processo de destruição de modelos e ao mesmo tempo reconsrução de outros em substituição àqueles em suplantação, bem como o despertar de novos desafios gerados pelos avanços científico e tecnológicos.” MORAES, Germana de Oliveira e PEIXOTO, Francisco Davi

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Fernandes. “O biodireito através do prisma da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais.” NOMOS. V. 28. Fortaleza jan/jul, 2008.1, p. 104.

[2] ALMEIDA, Aline Mignon de. Bioética e biodireito. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2000, p. 144.

[3] “A questão da manipulação da vida pode ser contemplada a partir de variados ângulos: biotecnológico, político, econômico, social, jurídico, moral. Em respeito à liberdade (individual e coletiva) conquistada pela humanidade através dos tempos, a pluralidade constatada neste final de século XX requer que o estudo bioético do assunto contemplado – na medida do possível e de forma multidisciplinar – abranja todas estas possibilidades.” GARRAFA, Volnei. “Direito, ciência e bioética: avanços, responsabilidade e respeito à dignidade humana.” In: CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS. Anais da I conferência Internacional de Direitos Humanos. Brasília: OAB, Conselho Federal, 1997, p. 128.

[4] Para obtenção de uma lista das entidades ouvidas nestas audiências vide a página: http://www.stf.gov.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processoAudienciaPublicaAdpf54.Acesso em 18 de setembro de 2008.

[5] A Petição inicial da ADPF nº 54 pode ser encontrada em: http://gemini.stf.gov.br/cgi-bin/nph-brs?d=ADPF&s1=54&u=http://www.stf.gov.br/Processos/adi/default.asp&Sect1=IMAGE&Sect2=THESOFF&Sect3=PLURON&Sect6=ADPFN&p=1&r=2&f=G&n=&l=20. Acesso em 01 de dezembro de 2005.

[6] SEBASTIANI, Mário. Analisis ético bajo el concepto del feto como paciente em los casos de anencefalia. LexisNexis - Jurisprudência Argentina. Fascículo 4. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 23 de julho de 2003, p. 71.

[7] FERNÁNDEZ, Ricardo Ramiro. Et al. Anencefalia: um estudo epidemiológico de três anos na cidade de Pelotas. Ciências & Saúde Coletiva. Rio de Janeiro: Abrasco, 2005, p. 185-190.

[8] Destaca-se como raríssima exceção o caso de Marcela de Jesus Galante Ferreira, anencéfala de 9 meses, que foi retratado na revista Veja, porém, mesmo em tais casos destaca-se que, conforme relatou a própria revista: “A menina nunca ouviu um único som e não sabe o que é sentir dor física ou emocional. Desconhece o cheiro e o sabor de qualquer alimento. Sobrevive no mais absoluto vazio.” VEJA. A menina sem estrela. São Paulo: Editora Abril p. 122-123. Edição 2021, ano 40, nº 32 de 15 de agosto de 2007.

[9] Frise-se aqui que o uso do termo falecer é de certo modo impróprio, pois conforme será visto, o feto anencéfalo não chega, nos moldes da legislação brasileira a ser, tecnicamente, um ser vivo.

[10] “Como é intuitivo, a anencefalia é incompatível com a vida extra-uterina sendo fatal em 100% dos casos. Não há controvérsia sobre o tema na literatura científica ou na experiência médica.” BARROSO, Luís Roberto. “Gestação de fetos anencefálicos e pesquisas com células-tronco: Dois temas acerca da vida e da dignidade na

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Constituição.” In: CAMARGO, Marcelo Novelino (org.). Direito Constitucional: Leituras Complementares. Salvador: Jus PODIVM, 2006, p. 88-89.

[11] LÔBO, Cecília Érika D’Almeida. A interrupção da gestação de fetos anencefálicos em face da dignidade da pessoa humana. Fortaleza, 2005. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2005, p. 110.

[12] GARNIER, Marcelo e DELAMARE Valery. Dicionário de termos técnicos de medicina. 20ª ed. São Paulo:Andrei Editora, 1984, p. 71.

[13] Para ter acesso à esta Resolução vide o seguinte endereço eletrônico: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/1997/1480_1997.htm. Acesso em 16 de junho de 2007.

[14] SÁ, Maria de Fátima Freire. Direito de morrer. Eutanásia, suicídio assistido. 2. Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 45-46.

[15] ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. “Vida digna: direito, ética e ciência.” In: ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. (Coord.) O direito à vida digna. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 135.

[16] BARROSO, op. cit., p. 95.

[17] “A vida humana biologicamente é o seu corpo, e esse é inicialmente formado na fusão dos gametas. [...] não resta dúvida que a vida humana tem início na concepção, com a fertilização do óvulo e formação do zigoto.” BRANDÃO, Dernival da Silva. “O embrião e os direitos humanos. O aborto terapêutico.” In: PENTEADO, Jaques de Camargo e DIP, Ricardo Henry Marques. A vida dos direitos humanos: Bioética médica e jurídica. Porto Alegre: SAFe, 1999, p. 22-26.

[18] Nesse sentido: PENTEADO, Jaques de Camargo. “O devido processo legal e o abortamento”. In: PENTEADO; DIP. op. cit., p. 151-154.

[19] ALEXY, Robert. Teoría dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 95.

[20] LIMA, Francisco Metón Marques de. O resgate dos valores na interpretação constitucional. Por uma hermenêutica reabilitadora do homem como <<Ser-moralmente-melhor>>. Fortaleza: ABC, 2001, p. 71 e 87.

[21] PESSINI, Leo. Eutanásia: Porque abreviar a vida? São Paulo: São Camilo/Loyola, 2004, p. 152-154.

[22] Parte dos filósofos católicos da atualidade defendem que Tomás de Aquino teria mudado seu pensamento se tivesse o conhecimento atual dos avanços biotecnológicos. Todavia, outra corrente sustenta que aquele não só teria mantidos seu pensamento, como na verdade poderia ter pensado que o feto só teria alma bem mais tarde que o prazo por ele estipulado, pois para o hilemorfismo adotado por Tomás de Aquino o corpo humano só receberia a alma após ter plena constituição dos órgãos necessários à atividade espiritual. Nesse sentido: DWORKIN, Ronald. Domínio da vida: aborto,

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eutanásia e liberdades individuais. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. Rev. Silvana Vieira. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 55-59.

[23] Nesse sentido: MARCÃO, Renato. “O Aborto no Anteprojeto do Código Penal.” In : Revista Justilex. Ano IV. Nº 47. Novembro de 2005, p. 44.

[24] PEDRO, Joana Maria. “Aborto e infanticídio: práticas muito antigas.” In: PEDRO, Joana Maria (Org.) Práticas proibidas: práticas costumeiras de aborto e infanticídio no século XX. Florianópolis: Cidade Futura, 2003, p. 23.

[25] DIAS, Jorge Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa. Criminologia. Coimbra: Coimbra Editora, 1984, p. 405-406.

[26] FERNANDES, op. cit., p. 115-116.

[27] Após a criação da Organização Mundial de Saúde – OMS em 1946, o conceito de saúde passou a ser o completo estado de bem estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade. Vide: http://www.who.int/publications/en/. Acesso em 28 de Agosto de 2008.

[28] MORA, José Ferrater. Diccionário de filosofia. V. 1. Madrid: Alianza Editorial, 1990, p. 358.

[29] JUNGES, José Roque. Bioética: perspectivas e desafios. São Leopoldo: Unisinos, 1995, p. 106.

[30] JUNGES, op. cit., p. 120.

[31] VALLS, Álvaro L. M. Da ética à bioética. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 127.

[32] ARISTÓTELES. A política. Tradução de Nestor Silveira Chaves. São Paulo: Escala, p. 16.

[33] http://www.stf.gov.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/adi3510relator.pdf. Acesso em 13 de agosto de 2008.

[34] O Conselho Federal de Medicina segundo a Resolução 1.752/94 autoriza expressamente médicos a fazerem transplantes de órgãos de fetos que padeçam de anencefalia mediante autorização expressa dos pais dada, no mínimo, 15 dias antes da data do provável nascimento. Vide: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2004/1752_2004.htm. Acesso em 16 de junho 2007.

[35] Esse é o pensamento de Luigi Ferrajoli: “Penalizá-la com a mantença da gravidez, para a finalidade exclusiva do transplante de órgãos do anencéfalo significa uma lesão à autonomia da mulher, em relação a seu corpo e à sua dignidade como pessoa” FERRAJOLI, Luigi. A questão do embrião entre direito e moral. Revista do Ministério Público, Lisboa, nº 94, abril/junho 2003, p. 22.

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[36] NECKEL, Roselane et al. “Aborto e infanticídio nos códigos penais e nos processos judiciais: A pedagogia de condutas femininas.” In: PEDRO, op. cit., p. 87-88.

[37] FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: A vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guillhon Albuquerque. Rio de Janeiro: Graal, 1988, p. 98-99.

[38] EMMERICK, Rulian. Aborto: (des)criminalização, direitos humanos e democracia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 8-9.

[39] SANTOS, Yasmin Ximenes. “Os direitos femininos e a lei” In: GUERRA FILHO, Willis Santiago (coord.) Dos direitos humanos aos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 124.

[40] BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. 8ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 5.

[41] ÁVILA, Maria Betânia. “Cidadania, Direitos Humanos e Direitos das Mulheres.” In: BRUSCHINI, Cristina e UNBEHAUM, Sandra G. (Orgs.) Gênero, democracia e sociedade brasileira. São Paulo: FCC: Editora 34, 2002, p. 123.

[42] “O Plano de Ação do Cairo reconhece, como parte do direito à saúde sexual e reprodutiva, o direito das pessoas de usufruírem o progresso científico, e recomenda aos Estados-Partes que garantam o acesso à esse direito através da oferta de tratamento e medicamentos que possibilitem o controle de homens e mulheres de sua fecundidade.” BARSTED, Leila Linhares. “Direitos humanos e descriminalização do aborto”. In: SARMENTO; PIOVESAN, op. cit., p. 103.

[43] BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Anais da I Conferência Nacional de Políticas voltadas para as Mulheres. Brasília: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, 2004, p. 82.

[44] BRAUNER, Maria Cláudia Crespo. “Direitos sexuais e reprodutivos: uma abordagem a partir dos Direitos Humanos.” In: MEZZAROBA, Orides (Org.) Humanismo Latino e estado no Brasil. Florianópolis: Editora Fundação Boiteux, 2003, p. 398.

[45] PITANGUY, Jacqueline. “Gênero, cidadania e direitos humanos.” In: BRUSCHINI; UNBEHAUM. op. cit., p. 117.

[46] HÄBERLE, Peter. La libertad Fundamental en El Estado Constitucional. Tradução de Carlos Ramos. San Miguel: Pontificia Universidad Catolica Del Peru, 1997, p. 55-59.

[47] Ibidem, p. 55.

[48] GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. 5. Ed. rev. e ampl. São Paulo: RCS, 2007, p. 39-40.

[49] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 17ª ed. Atual. São Paulo: Malheiros, 07.2005, p. 561-562.

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[50] PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais: uma contribuição ao estudos das restrições de direitos fundamentais na teoria dos princípios. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 76.

[51] A Constituição Federal de 1988, por exemplo, prevê em seu art. 60,§4º, IV que são cláusulas pétreas, não podendo ser objeto de emenda constitucional os direitos e garantias individuais, embora significativa parte da doutrina tenha entendido acertadamente, numa interpretação extensiva, que trata-se aí não apenas dos direitos e garantias individuas, mas de todos os direitos fundamentais.

[52] CANOTILHO. J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3. Ed. Coimbra: Almedina, 1999, p. 353-354.

[53] Em sentido semelhante, Germana de Oliveira Moraes destaca em sua obra dedicada ao controle jurisdicional dos atos discricionários da administração pública que ao Poder Judiciário cabe, ao exercer o controle de constitucionalidade destes atos normativos, além de auferir a legalidade destes, exercer também o controle de sua juridicidade de acordo com os princípios positivados na lei fundamental. MORAES, Germana de Oliveira. Controle jurisdicional da administração pública. 2. Ed. São Paulo: Dialética, 2004, p. 16.

[54] CANOTILHO, op. cit., p. 354.

[55] Ibidem, p. 355-356.

[56] Robert Alexy expressamente admite a existência de normas de direito fundamentais que não decorrem diretamente do texto constitucional, pois se apenas estas fosse normas de direito fundamental esta rol seria por demasiado restrito. Destarte, em face da abertura, tanto semântica quanto estrutural, admite normas que, por serem atribuídas à constituição através de uma correta fundamentação referida a direitos fundamentais adquirem esta característica de fundamentalidade. ALEXY, op. cit., p. 69-76.

[57] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 91.

[58] Ibidem, p. 99-106.

[59] É o pensamento de Flávia Piovesan e Wilson Ricardo Buquetti Pirota segundo o qual os direitos reprodutivos relacionam-se direitamente com “o acesso a um serviço de saúde que assegure informação, educação e meios, tanto para o controle de natalidade, como para a procriação sem riscos de saúde.” PIOVESAN, Flávia e PIROTA, Wilson Ricardo Buquetti. “A proteção dos direitos reprodutivos no direito internacional e no direito interno” In: PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 167-168.

[60] PEDRO, op. cit., p. 45.

[61] LOPES, Ana Maria D’Ávila et al. “Gênero: Fator de discriminação na teoria e prática dos direitos fundamentais das mulheres.” .” In: NOMOS. Op. cit., p. 23.

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