Direitos Embriao Post Mortem

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PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATOLICA DE MINAS GERAIS ANA LUIZA DE ASSIS

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Direitos Embriao Post Mortem

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PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATOLICA DE MINAS GERAIS

ANA LUIZA DE ASSIS

BELO HORIZONTE - MG 2015As tcnicas de reproduo medicamente assistida podem ser divididas em intra-corpreas e extracorpreas, e, ainda, em homlogas e heterlogas. A reproduo intra-corprea a inseminao artificial, que se d quando o smen masculino coletado e processado em laboratrio, e introduzido no tero feminino na poca da ovulao.A reproduo extracorprea a chamada fertilizao in vitro, por meio da qual tanto o smen quanto os vulos so recolhidos e fecundados fora do corpo humano, formando embries que sero, posteriormente, implantados no tero materno. H trs mtodos diferentes de fertilizao in vitro:Na transferncia intratubrica de gametas, os vulos e os espermatozoides so tratados e selecionados em laboratrio, e ento implantados no tero, na mesma hora. Assim, a fertilizao, de fato, se d in vivo. Na transferncia intratubrica de zigotos, os vulos e os espermatozoides selecionados permanecem in vitro por at 24h, quando se d a fecundao, sendo a o zigoto implantado no tero. Na Injeo Intracitoplasmtica de Espermatozoides, um nico espermatozoide injetado no vulo, em laboratrio, para que o embrio resultante seja implantado no tero materno. A polmica em torno da fertilizao in vitro se d por conta do que feito dos embries que no so utilizados aps o sucesso do procedimento: seu descarte ou seu uso por outros casais ainda geram discusses nos campos da biotica e da medicina legal. Quando a inseminao artificial homloga ocorre aps a morte do marido, ela chamada de post mortem. comum em casos de doenas cujo tratamento pode deixar o paciente estril, ocasio em que, por indicao mdica, se faz a coleta do smen para o banco de criopreservao. Pode ocorrer tambm quando o marido, cujo smen constava em banco para futura reproduo assistida, padece de um mal sbito ou vtima de algum acidente. Nos casos em que o recolhimento do material biolgico se deu antes da morte, o prprio banco de criopreservao possui um documento que permite sua utilizao para fins de inseminao artificial. Nem todos os contratos, no entanto, trazem clusulas que autorizem a utilizao mesmo aps o falecimento do contratante. A discusso gira em torno da omisso nesse documento, ou seja, se a viva teria o direito de usar o esperma e gerar um filho aps a morte do seu marido ou companheiro, e se essa criana, quando gerada, teria direitos de sucesso. O princpio da dignidade da pessoa humana consta logo no artigo 1 da Constituio, que trata dos fundamentos da Repblica Federativa do Brasil, em seu inciso III. um valor inerente pessoa, que consiste na autodeterminao consciente e responsvel da prpria vida. Assim sendo, nada mais natural que essa autodeterminao inclua tambm o exerccio do direito ao planejamento familiar. A autorizao para realizao de inseminao artificial homloga post mortem, no entanto, ainda encontra lacunas no Direito brasileiro, uma vez que o legislador foi omisso ao tratar do assunto. A princpio seria a autorizao expressa o modo mais fcil de fazer com que a clnica ou o hospital liberassem o esperma criopreservado para utilizao pela viva aps a morte do doador, e idealmente a clusula permissiva estaria presente em todos os contratos firmados no Pas.No caso em que o contrato omisso quanto aos desejos do doador aps sua morte, h uma questo controversa quanto a quem teria o direito de decidir sobre o material gentico em criopreservao; se a viva, cujos planos de maternidade podem ter acabado com a morte do cnjuge ou do companheiro, ou se a clnica que detm o material preservado, sem autorizao expressa para liberao. No Brasil, h julgados nos dois sentidos. Em 2007, no Distrito Federal, a 3a Turma Cvel do Tribunal de Justia do Distrito Federal e Territrios reformou deciso singular e acolheu o pedido do hospital de no permitir a liberao do material biolgico do falecido. Em 2010, no entanto, em Curitiba, o juzo da 13a Vara Cvel entendeu que, sim, a viva teria direito a esse material para fins de inseminao artificial post mortem.

Nessas situaes, o caso concreto pesa muito na deciso final. A questo delicada, uma vez que se deve levar em considerao o histrico do relacionamento do casal at o momento da morte, as circunstncias que levaram deciso de engravidar, o posicionamento da famlia do falecido e outros questionamentos. Quando o smen do esposo falecido encontra-se num banco de criopreservao, de se chegar lgica concluso que esse homem tinha planos de procriar e constituir uma famlia com sua esposa. Estivessem eles passando por tratamentos para tentar engravidar ou apenas garantindo que num futuro prximo isso seria possvel, h uma bvia inteno de projeto familiar. No a clnica ou o hospital que possuem o direito de decidir sobre a maternidade e o planejamento familiar de uma pessoa, ainda mais quando esse projeto j se encontrava em andamento quando da morte do cnjuge ou do companheiro. Nesse sentido, defende Maria Berenice Dias (2011, p. 117) que: O uso das tcnicas de reproduo assistida um direito fundamental, consequncia do direito ao planejamento familiar [...]. Impensvel cercar esse direito pelo advento da morte de quem manifestou a vontade de ter filhos ao se submeter a tcnicas de reproduo assistida. Na concepo homloga, no se pode simplesmente reconhecer que a morte opere a revogao do consentimento e impe a destruio do material gentico que se encontra armazenado. O projeto parental iniciou-se durante a vida, o que legaliza e legitima a inseminao post mortem. H que se pensar que, se no houvesse, por parte do homem, o desejo de que sua esposa ou companheira fosse a futura me de seus filhos, deveria, a sim, haver uma clusula proibitiva, uma manifestao expressa de sua vontade. Uma vez que ele procura um banco de criopreservao para deixar seu smen, no entanto, expondo sua inteno de resguardar seu material gentico para a possibilidade de uma futura concepo, est declarada sua vontade, sendo essa a nica autorizao realmente necessria para que sua esposa utilize o smen aps sua morte. O plano familiar no deixa de existir, tendo a viva o direito de continu-lo por conta prpria. A partir do momento em que nasce uma criana, ela ter, necessariamente, uma filiao, e, pela filiao, o direito sucesso legtima. O grande problema da inseminao artificial homloga post mortem justamente esse. O princpio da igualdade, presente no caput do artigo 5 da Constituio da Repblica Federativa do Brasil, define que todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza. um dos direitos fundamentais, garantias constitucionais tidas como clusulas ptreas, Para alm do artigo 5 , porm, est o princpio da igualdade fadado a proteger as relaes familiares, principalmente no que se refere ao tratamento dos filhos:Art. 227 - [...]. 6o - Os filhos, havidos ou no da relao do casamento, ou por adoo, tero os mesmos direitos e qualificaes, proibidas quaisquer designaes discriminatrias relativas filiao. O Cdigo Civil deixa clara a posio do Direito Brasileiro quanto aos filhos havidos por tcnicas de reproduo homloga assistida em seu artigo 1.597, notadamente no inciso III: Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constncia do casamento os filhos:I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivncia conjugal; II - nascidos nos trezentos dias subsequentes dissoluo da sociedade conjugal, por morte, separao judicial, nulidade e anulao do casamento;III - havidos por fecundao artificial homloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embries excedentrios, decorrentes de concepo artificial homloga;V - havidos por inseminao artificial heterloga, desde que tenha prvia autorizao do marido. Assim, uma vez que a criana concebida pela viva com o material gentico do marido falecido, a presuno de paternidade existe, a filiao existe, e essa criana equipara-se a qualquer outra havida pelo mesmo pai. O princpio que fundamenta o direito das sucesses o chamado droit de saisine, que estabelece que o de cujus transmite a herana aos seus sucessores automatica e imediatamente na ocasio de sua morte H duas espcies de sucesso: a legtima e a testamentria. A sucesso legtima ocorre em virtude da lei, que estabelece a ordem da vocao hereditria, nesse caso, a herana transmitida aos herdeiros legais. J a sucesso testamentria ocorre quando a destinao dos bens do de cujus se d por ato de ltima vontade, por meio do testamento. Assim, o autor da herana tem o direito de transmiti-la a quem quiser, desde que corresponda a apenas 50% do seu patrimnio, caso tenha herdeiros necessrios e no seja casado em regime de comunho total de bens. O inciso I do artigo 1.799, garante a sucesso testamentria dessa criana, na redao: na sucesso testamentria podem ainda ser chamados a suceder: I os filhos, ainda no concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucesso.

Assim sendo, querendo que o filho gerado por meio da inseminao artificial homloga post mortem tenha direito de sucesso, basta o testador deixar expressa sua vontade. No entanto, apesar de ser o meio mais simples de resolver a questo do direito de herana, a sucesso testamentria no a mais utilizada no Brasil. A maioria das pessoas no deixa testamento em vida, prevalecendo, portanto, a sucesso legtima. No h dvidas quanto ao embrio que j havia sido implantado no tero quando da morte do de cujus. Tambm no restam dvidas acerca do embrio criopreservado, pois o conceito de nascituro tambm abarca a concepo in vitro. No entanto, h divergncias quando se fala dos direitos do concepturo.Entende Douglas Phillips Freitas (2008), expondo que, no Estado Democrtico de Direito, o garantismo constitucional, que abrange o direito de herana, no permite que se exclua o concepturo da sucesso legitima, devendo ser encontrados meios para tutelar os direitos dessa prole. Ele vai alm: Independente de ter havido ou no testamento, sendo detectada no inventrio a possibilidade de ser utilizado material gentico do autor da herana (j que sua vontade ficar registrada no banco de smen), no intuito de evitar futuro litgio ou prejuzo ao direito constitucional de herana, h de ser reservados os bens desta prole eventual sob pena de ao ser realizado o procedimento, vier o herdeiro nascido depois, pleitear, por petio de herana, seu quinho hereditrio, como se fosse um filho reconhecido por posterior ao de investigao de paternidade. O pargrafo quarto do artigo 1.800 do Cdigo Civil coloca que se, decorridos dois anos aps a abertura da sucesso, no for concebido o herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposio em contrrio do testador, cabero aos herdeiros legtimos. A norma, que regula a sucesso testamentria, poderia ser aplicada analogamente legtima. Assim, se o fruto da inseminao artificial homloga post mortem for concebido aps o prazo de dois anos da abertura da sucesso, ele no teria direito de sucesso legtima. A filiao da criana concebida por inseminao artificial homloga post mortem assegurada no inciso III do artigo 1.597 do Cdigo Civil. Uma vez que essa criana possui um pai, portanto, consequncia direta e obrigatria que ela tenha o mesmo tratamento dado a qualquer outro filho desse mesmo genitor, o que inclui no s, mas principalmente, o direito sucesso legtima. Concedendo-se o direito, a uma mulher, de realizar inseminao artificial com o smen de seu falecido marido, h que se conceder, criana, todos os direitos a ela inerentes, como se por reproduo natural tivesse nascido. No s a Constituio da Repblica Federativa do Brasil impe que so todos iguais perante a lei, sem qualquer distino, como tambm impe que todos os filhos devem receber igual tratamento, independente da forma de filiao. Ademais, o prprio Cdigo Civil reconhece a filiao do concebido mediante inseminao artificial homloga post mortem, em seu artigo 1.597 inciso III. Na opinio de Jos Luiz Gavio de Almeida, citado por Maria Helena Diniz (2010), diante do reconhecimento da filiao da criana, aplicando-se os princpios da igualdade entre os filhos e da dignidade da pessoa humana, dos artigos 227, 6 , e 1 , inciso III, respectivamente, da Constituio da Repblica Federativa do Brasil, deveria o concebido post mortem ter direito sucessrio, pois a lacuna normativa que existe sobre esse tema ser resolvida com base nos artigos 4 e 5 da Lei de Introduo s Normas do Direito Brasileiro, ou seja, de acordo com a analogia, os costumes e os princpios gerais de direito, atendendo aos fins sociais da lei e s exigncias do bem comum. CONCLUSO Os princpios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da liberdade e do livre planejamento familiar, todos, protegem os direitos do cnjuge sobrevivo de dar continuidade ao plano que iniciou com a vida a dois e com a preservao do material biolgico: o de gerar um filho Uma vez que o inciso III do artigo 1.597 do Cdigo Civil brasileiro reconhece a filiao dos filhos nascidos por inseminao artificial homloga, ainda que falecido o marido, de se assumir que, nascida por meio desse mtodo de reproduo assistida, a criana ser presumida filha do de cujus. Mesmo que a doutrina e a jurisprudncia se dividam quanto aos direitos da viva sobre o material gentico do morto, sendo concebida a criana, h um entendimento geral de que h presuno de paternidade. O princpio constitucional da isonomia, estendido ao direito de famlia como princpio da igualdade de tratamento entre os filhos, juntamente com o princpio do melhor interesse da criana, formam as bases de proteo desses incapazes, o que sempre ser mais forte que a diviso da herana.