Direito Comunitário Apontamenotos-Minho

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    Direito Comunitrio

    1. Gnese e evoluo da integrao europeia.

    O objectivo da unidade poltica europeia tem histria. Muitos polticosdefenderam a integrao europeia. Em 1705, Kant defendeu a celebrao decontratos entre os chefes liberais da Europa, de modo a obter a paz perptua.Victor Hugo defendia a criao de dois blocos: os Estados Unidos da Amrica e osEstados Unidos da Europa. Foi o colapso das economias e a destruio docontinente pela II Guerra Mundial que condicionou, favoravelmente, a integraoeuropeia.

    Em 1946, Winston Churchill, Primeiro-ministro britnico, apelava reunificao da Frana. Em 1950, Robert Shuman, Ministro francs, prope que todaa produo franco-alem do carvo e do ao fosse posta sob uma autoridadecomum. Os governos da Alemanha, Holanda, Itlia, Blgica e Luxemburgoacolheram a proposta francesa e, em 1951, estes seis Estados assinaram o Tratadode Paris, que criava a Comunidade Econmica do Carvo e do Ao (CECA).

    Tal partilha de poderes soberano, relativamente a um sector estratgico, ocarvo e o ao, foi insuficiente face s pretenses dos Estados em causa. Em 1957 assinado, em Roma, o Tratado Constitutivo da Comunidade Europeia da EnergiaAtmica, relativamente ao desenvolvimento da energia nuclear. Tambm em 1957,em Roma, assinado o Tratado Constitutivo da Comunidade Econmica Europeia(CEE), com vista criao de um mercado comum, livre circulao dos agentes efactores econmicos.

    Passados 50 anos desde a assinatura do Tratado de Roma, a Europa de paz,criada at ento, tem muito que comemorar, porque se assiste ao fenmeno dareunificao dos pases que foram alvo das maiores barbaridades. So actualmente27 os Estados Membros. Esta reunificao comeou em 1973, dando-se o primeiroalargamento das trs comunidades: Reino Unido, Dinamarca e Irlanda. A Inglaterras conseguiu aderir depois de dois pedidos vetados pela Frana.

    Em 1981 foi a vez do alargamento Grcia. Em 1986 foi a vez de Portugal eEspanha. Em 1995 deu-se a adeso da ustria, Finlndia e Sucia. Em 2004 d-se aintegrao dos pases de leste, dantes isolados pela Cortina de Ferro (dez pases).Em 2007 foram integrados a Bulgria e a Romnia, que viram a sua entradaprotelada por razes econmicas.

    Todavia, os alargamentos demandam alteraes aos Tratados Constitutivos,sobretudo ao nvel do financiamento, para que o aumento dos integrantes noacarrete custos de agregao. Assim, a primeira reviso de fundo da versooriginria dos Tratados Constitutivos deu-se em 1986, com o Acto nico Europeu.Este estabelece como objectivo a constituio de um mercado interno atDezembro de 1992. A CEE foi criada com vista ao estabelecimento de um mercadocomum. Este acto veio estabelecer o prazo para a criao do mercado interno, ouseja, para a criao de um espao sem fronteiras no qual a livre circulao depessoas, mercadorias, servios e capitais fosse assegurada. O acto foi um impulsodecisivo para a construo europeia.

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    A segunda reviso deu-se com o Tratado de Maastricht de 1992, que cria aUnio Europeia. Mas o que a Unio Europeia? At ento, apenas se falava nascomunidades. A Unio Europeia funda-se nas Comunidades Europeias que existiamat ento. Desde a dcada de 50 so acrescentados mais dois pilaresintergovernamentais: Justia e Assuntos Internos (JAI) e Poltica Externa e

    Segurana Comum (PESC).A Unio Europeia assenta em trs pilares de extenso desigual. O primeiro

    pilar seria o Pilar Comunitrio, porque tem a ver com as trs comunidades que jexistiam e diz respeito integrao econmica e monetria. O segundo pilarintergovernamental seria o PESC. O terceiro, por seu turno, seria a cooperaopolicial e judiciria em matria pena, porque muito deste pilar j foi comunitarizado,passou para o primeiro pilar.

    Estes dois ltimos pilares so intergovernamentais porque entre elespersistem as decises tomadas por unanimidade, dos Estados-Membros. Aquiqualquer Estado pode vetar, enquanto que no Pilar Comunitrio as decises so

    tomadas por maioria dos Estados-Membros (regra da maioria). Assim, estadisciplina intitula-se de Direito Comunitrio, porque se relaciona com o estudo doprimeiro pilar.

    Depois do Tratado de Maastricht, os Tratados Constitutivos foram revistospelos Tratados de Amesterdo (1997) e de Nice (2001). Estes tratados vieramaproximar os pilares intergovernamentais do Pilar Comunitrio. Tem havido umprocesso de comunitarizao dos pilares intergovernamentais. Deixa de fazersentido estudar a Unio Europeia numa perspectiva tripartida, porque tem havidouma aproximao destes trs pilares.

    Com a entrada do Tratado de Lisboa em 2009 ir acabar esta viso de

    pilares, esta estrutura tripartida da Unio Europeia e com a expresso de DireitoComunitrio (relacionado com o primeiro pilar), que ser substituda por DireitoEuropeu ou Direito da Unio Europeia, precisamente por deixar de haver esses trspilares.

    Assim, levanta-se a questo: porque razo foi preciso rever os TratadosConstitutivos atravs do Tratado de Lisboa? Bem, tal se justifica porque as revisesde Amesterdo e Nice no atingiram os objectivos, no que respeita reforma dasinstituies europeias, que permitisse a adaptao da Unio Europeia aoalargamento dos pases da Europa central e oriental. Assim, o Conselho Europeu,em Dezembro de 2001, decidiu convocar uma Conveno para debater os

    problemas da Unio Europeia, nomeadamente:

    1. A delimitao dos poderes da Unio Europeia e dos Estados-Membros.

    Nunca os Tratados Constitutivos previram a delimitao de competncias. Aclusula de flexibilidade prevista permitia que as competncias europeias fossemalargadas. Era o momento de acabar com isso e definir que faz o qu e em quelimites.

    2. Resolver o problema do Estatuto da Carta dos Direitos Fundamentais daUnio Europeia.

    Esta foi proclamada em 2001, mas no foi integrada nos tratados, ou seja,no se lhe atribui fora vinculativa. Contudo, a Carta integra o acervo comunitrio

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    que os pases aceitaram respeitar quando aderiram Unio Europeia, logo tambmvincula os Estados-Membros. Mas enquanto no for integrada nos Tratados, oscidados no a podem invocar em juzo. O Tratado d fora vinculativa Carta epermite a cada cidado invoc-la. uma revoluo da proteco dos DireitosFundamentais.

    3. Tornar os tratados mais flexveis populao comum.

    A ideia era substituir todos os tratados europeus/todos os textos queregulam a Unio Europeia num nico texto, o Tratado Constitucional.

    4. O fortalecimento do papel dos Parlamentos nacionais nas normaseuropeias, atravs do princpio da subsidiariedade.

    Assim, em 2001, o Conselho procurou uma Conveno para resolver estesproblemas. Esta Conveno era composta por deputados, comissrios, etc. Em Julho

    de 2003 esta Conveno apresentou ao Conselho uma proposta de TratadoConstitucional. Este projecto elaborado pela Conveno serviu de base ao TratadoConstitucional assinado em Roma pelos Chefes de Estado e de Governo em 2004.Contudo, a entrada em vigor dos Tratados Constitutivos da Unio Europeia dependeda ratificao por todos os Estados-membros da Unio Europeia. Relativamente aoTratado Constitucional, todos os Estados-membros deveriam ter ratificado at 1 deNovembro de 2006. Contudo, a Holanda e a Frana chumbaram o Tratado.

    Houve, ento, uma crise constitucional na Unio Europeia durante dois anos.Esta crise foi sendo resolvida pela Alemanha e Portugal, e culminou com aassinatura do Tratado de Lisboa a 13 de Dezembro de 2007.

    A integrao europeia esteve sempre baseada na partilha de poderessoberanos, algo indito at ento. No se estava a criar um Estado Federal, aquipartilhavam-se poderes para criar um ente poltico, partilha de poderes quecomeou com um sector econmico carvo e ao. A partir da vo-se alargando asdecises, mais de 50 domnios passam a ser decididos por maioria qualificada.

    A Unio Europeia no um Estado, mas cria Direito/normas jurdicas quevinculam obrigatoriamente os Estados-membros e os seus cidados. A UnioEuropeia exerce poder pblico pela partilha de poderes soberanos. Feitas as contas,mais de 50% das normas que nos regem, decorrem directa ou indirectamente dasinstituies europeias. O nosso motor normativo j est europeizado, logo preciso,

    cada vez mais, entender o Direito Europeu para perceber o Direito nacional.

    2. Evoluo dos tradicionais elementos do Estado.

    No sculo XIX eram trs os elementos constitutivos do Estado: povo, podersoberano e territrio. O Estado a comunidade de cidados politicamenteorganizada. uma estrutura organizada de poder e aco que se manifesta atravsde rgos, servios e relaes de autoridade que se traduz numa comunidadepoliticamente organizada. O Estado visa manter a paz e a segurana jurdicas. Visa

    garantir as expectativas criadas, garantir Segurana e Certeza jurdicas.

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    E como que o Estado o consegue? Vinculando normativamente ascondutas. O Estado produz e assegura o cumprimento das normas jurdicas. Asinstituies que exercem a autoridade pblica criam Direito e vinculam-se a ele, oEstado vincula-se ao Direito que ele prprio cria. No existe a ideia de poderexercido legitimamente sem Direito. O Estado no pode ser entendido sem Direito,

    a autoridade dos governantes est submetida a regras.Este entendimento do Estado no existiu sempre, isto um produto

    histrico. O Estado, enquanto modelo de unidade poltica, portador da fora fsicapoltica legtima, obra do racionalismo ocidental e do iluminismo do sculo XVIII(Revolues Liberais) Estado Constitucional de Direito. O modelo liberal de Estado uma forma histrica de organizao jurdica do poder, cuja principal qualidade opoder soberano.

    O que significa a soberania que qualifica o poder soberano moderno? Asoberania significa o poder supremo, no plano interno, e o poder independente, noplano internacional/externo. No plano interno, a soberania traduz-se no monoplio

    da coaco fsica legtima e no monoplio da produo normativa. No planointernacional, a soberania moderna traduzia-se no no reconhecimento de qualquerpoder superior ou acima do Estado. No se aceitavam quaisquer limitaes, a noser as que o Estado aceitava, atravs de Convenes internacionais.

    Este modelo de Estado Westfaliano conduziu teorizao dos tradicionaiselementos do Estado. Segundo a teoria clssica dos elementos do Estado,elaborada no sculo XIX por George Jellinek, o Estado Constitucional baseava-se natrilogia povo, territrio e poder poltico. Tal significava unidade e inteireza poltico-administrativa, territorial e populacional. Havia um nico poder poltico de comandoque tinha como destinatrio os cidados nacionais reunidos num determinado

    territrio.Esta concepo vigorou at ao sculo XX. Contudo, o Estado soberano

    padece de um desgaste crtico. H uma recesso do Estado soberano e umaconsequente reestruturao supranacional do global, ou seja, reagrupamento emgrandes grupos dos Estados nacionais: EUA, Mercosul, Unio Europeia, etc. O que certo que os tradicionais elementos do Estado j no so o que eram no incio dosculo XX, esto numa fase de transformao.

    O que mudou? Lucas Pires dizia que o territrio se tornou menos estanque.As fronteiras do Estado deixaram de ser relevantes para muitos efeitos, porexemplo, para os efeitos de conteno da informao que vem do exterior, da

    liberdade de circulao de pessoas (que anulou as fronteiras), etc. Da que, porexemplo, a poltica de conhecimento do terrorismo tenha que ser revista, porque jno h fronteiras. Mesmo fora da Unio Europeia, o Estado j no consegue resistirs crescentes formas de circulao e comunicao globais.

    Habermas costuma enunciar um exemplo sobre a impossibilidade docontrolo fronteirio das inovaes cientfico-tecnolgicas actuais: baste aconstruo de uma central nuclear para por fim s fronteiras, porque se ela explodeos efeitos no se limitam aos locais onde ela se encontra localizada. Assim, a ideiaclssica de suprema territorialidade no faz sentido face s inovaes cientfico-tecnolgicas. Portanto, so necessrias normas supranacionais.

    O conceito de populao tambm se tornou menos exclusivo, segundo LucasPires. No modelo tradicional do Estado havia um s povo homogneo e s os

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    nacionais tinham participao no poder. Os Direitos polticos pertenciamunicamente aos nacionais, os estrangeiros eram afastados do Governo onderesidiam. As sociedades contemporneas deixaram de ser marcadas pela cidadanianacional. Os movimentos de imigrao alteraram as estruturas das cidadeseuropeias, isto aumentou o nmero de emigrantes nos Estados europeus.

    Hoje reconhecem-se esses Direitos polticos aos estrangeiros. Normalmente,esses Direitos so reconhecidos com base na reciprocidade, feitas nas Conveneseuropeias. O reconhecimento de Direitos de cidadania aos residentes,independentemente da sua nacionalidade, constituiu uma revoluo constitucionalde grande alcance. O povo, do entendimento tradicional de Estado era uno. O povoera uma unidade. Havia o povo dominante, a lngua e at a religio oficial. Osfascismos e os nazismos no pouparam esforos para a unificao do povo.

    Hoje, porm, a perspectiva contrria. Descobriu-se o pluralismo tico,poltico e religioso. A diversidade passou a ser vista como uma mais-valia.Protegem-se e reconhecem-se as minorias. Deixou de haver um povo nacional,

    unitariamente concebido. O povo , hoje, constitudo por uma variedade/pluralidadede povos parciais. Isto muito importante para o constitucionalismocontemporneo.

    Harberler disse, o povo j no deve ser entendido num sentido tico-cultural, mas como uma pluralidade de foras poltico-culturais que se manifestamem associaes que so capazes de defender esquemas de organizao para acomunidade. O povo como unidade ideal deixou de existir. Caminhamos para umEstado heterogneo, a nvel populacional.

    Por seu turno, tambm a soberania se tornou menos indivisvel, ou seja, omodelo da unidade poltica do Estado est em crise devido aos fenmenos da

    globalizao e integrao em modelos poltico-econmicos. O modelo tradicional doEstado no conhecia qualquer limitao externa para alm das que fossem aceitesnas Convenes internacionais. Contudo, existe o ius cogens que vincula osEstados, independentemente do seu consentimento. um conjunto de regrasimperativas de Direito Internacional que vinculam os Estados nas suas actuaes anvel de poltica externa.

    A ideia de Estado nacional altamente soberano est, portanto, em crise. Oscritrios da globalizao alteraram isso. O que significa dizer que um ente poltico,como a Unio Europeia, partilha poderes com Estados? A Unio Europeia um entesupranacional. Quer dizer que, pela Unio Europeia, foram transferidas

    competncias que antes eram do Estado-membro. Dizer que a Unio Europeia temcarcter supranacional significa que para a Unio Europeia foram transferidascompetncias dos Estados-membros.

    Os rgos da Unio Europeia tm uma racionalidade diferente dos interessesdos Estados nacionais, por exemplo, o Tribunal Europeu de Justia, a ComissoEuropeia que defendem os interesses da prpria Unio. Significa isto que a UnioEuropeia tambm emite decises vinculativas, directamente aplicveis aos Estados-membros, no carecendo de intermediao do Estado-membro, vinculando as suasempresas, cidados, etc. Significa que a Unio Europeia tem meios sancionatriosao seu dispor capazes de obrigar os Estados-membros sua vontade (exemplo:

    dfice, quotas leiteiras, etc.).

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    Portanto, hoje esto em curso movimentos de poltica que implicam apartilha de poderes soberanos, anteriormente reconhecidos aos Estados soberanos.Longe est o Estado nacional munido do poder supremo.

    Se estamos a observar um processo de reestruturao do globo, o processomais manifesto o da Unio Europeia, que abrange poderes legislativos,administrativos e jurisdicionais. A criao de uma moeda nica e de uma polticaexterna e de defesa comum revela esta fantstica integrao.

    Os Estados nacionais, outrora instncia nica e suprema de poder, passam aser apenas um nvel de uma longa cadeia de poder: local, regional, nacional esupranacional. Isto no significa que o Estado vai desaparecer. Ele muitoimportante a nvel estratgico, de fiscalizao e de prestao social, bem como, noquadro da Unio Europeia um agente insubstituvel. As instituies europeias,respeitando as formas dos Estados, so obrigadas a garantir que o Estadosalvaguarde a segurana interna, as suas fronteiras, a ordem pblica, etc. Asinstituies europeias zelam para que os Estados-membros cumpram as suas

    funes.

    No discurso sobre a integrao europeia, no h qualquer usurpao dopoder nacional. a Constituio que a autoriza, no artigo 7/1. ela que diz que oEstado no tem o monoplio do poder pblico. a CRP que rejeita a ideia deorgulhosamente ss. A problemtica da integrao europeia no pe em causa oprincpio da independncia nacional, artigos 288 e 289 da CRP. A independncianacional probe a submisso dos rgos de soberania portugueses ao controlo deoutro Estado. Contudo, a Unio Europeia no um Estado. um ente poltico aoqual Portugal aderiu voluntria e convencionalmente, o que aponta para a ideia deautodeterminao. A independncia nacional no significa isolamento, ela

    totalmente compatvel com a integrao. H quem diga que a criao europeia aprpria construo da identidade nacional. Sem democracia, Portugal no poderiater aderido Unio Europeia, sem ela no haveria democracia.

    Ser que o princpio da indivisibilidade da soberania nacional no fica emmaus lenis com a Unio Europeia, artigo 3 da CRP? A indivisibilidade dasoberania tem a ver com o princpio da unidade do Estado. Logo, Portugal umEstado nico, com rgos espalhados por todo o territrio e, por isso, no hqualquer problema a este nvel.

    Os Tribunais Constitucionais fiscalizam as Constituies para saber se estode acordo com as mudanas a nvel comunitrio e no o contrrio. As Constituiesdos Estados-membros tm que se adaptar integrao europeia. No fundo, oSistema Europeu funciona como uma Ordem Jurdica. A Ordem Jurdica Europeia dotada de instituies prprias, mecanismos coercivos, funciona como uma Uniode Direito. Isto significa que o exerccio do poder pblico da Unio Europeia deveestar submetido ao Direito.

    Ao exercer os poderes que os Estados-membros lhe devolveram, a suaactuao deve reger-se por normas e formas de actuao jurdicas presentes nosTratados Constitutivos. Estes prevem os fins, o quadro constitucional do poderpoltico, um mecanismo jurisdicional, um sistema de actos jurdicos, etc., tal como

    as Constituies. Funcionam como uma Constituio da Unio Europeia, na medida

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    em que consagram uma Ordem Jurdica fundamental que vincula toda a actuaodo poder pblico europeu.

    Tal supremacia dos Tratados anula qualquer acto jurdico que os contrarie,como se fosse mesmo uma Constituio. Isto porque tem que ir buscar legitimidadea um conjunto de Direitos Fundamentais que regulem a actuao do poder pblicoeuropeu. O Tribunal Europeu de Justia decidiu no acrdo Os Verdes que todasas actuaes das instituies europeias esto subordinadas ao Direito. Nenhumadimenso jurdica que afecte o cidado pode ficar sem resposta, desta vez segundoo acrdo Segi.

    Por tudo isto se diz que a forma de poder europeu predominantementeconstitucional. A Unio Europeia comporta-se e evolui como se o seu textofundador, a sua base jurdica fosse uma Constituio e no um Tratado governadopelo Direito Internacional. Todos os princpios que regem a Unio Europeia derivamdo Direito Constitucional e no do Direito Internacional. O paradigma da construoeuropeia constitucional e no internacional.

    Ser, ento, possvel afirmar que a Unio Europeia tem, de facto, umaConstituio? Sim, a Unio Europeia tem uma Constituio material, porque osTratados funcionam como a Constituio da Unio Europeia. Material porque no uma Constituio concebida como tal, no foi criada pela Assembleia Constituinte.Trata-se de um novo constitucionalismo, porque procura fornecer uma novaplataforma de entendimento entre as vrias perspectivas dos 27 Estados-membros.Procura superar a ideia de que o poder poltico e a sua Constituio estovinculados a um territrio e a um povo. Esta ideia, como j vimos, tem-setransformado.

    A ideia de construo europeia traz um novo constitucionalismo. A ideia de

    Estado soberano e de Constituio atravessaram de mos dadas a modernidade. Sea Unio Europeia entendida como a primeira forma poltica ps-moderna, porquerepresenta uma nova forma de agregao poltica para alm do Estado, tem umcarcter supranacional. Ento a Unio Europeia no tem que repetir as frmulas jtestadas a nvel nacional e, por isso, demanda novas solues. Os elementostradicionais do Estado Moderno esto ausentes na Unio Europeia: povo, territrio epoder soberano. Logo, o instrumentrio do Estado no serve para entender a UnioEuropeia.

    Por isso mesmo, h quem defenda que a Constituio Europeia muitodiferente da Constituio nacional, como defende Poiares Madeira. Porque assim?

    Porque a Constituio Europeia resulta do dilogo entre todas as Constituies dosEstados-membros, o que produz um constitucionalismo plural. Gomes Canotilhotambm defende que o processo de construo europeia deve ser estruturadosegundo a teoria da interconstitucionalidade, segundo uma rede de Constituiesnacionais a conviverem no mesmo espao poltico.

    Isto para explicar que os instrumentos do Direito Constitucional nacional nochegam para o Constitucionalismo Europeu. Basta ver que as relaes daConstituio europeia com os Ordenamentos Nacionais no so hierrquicas,porque a nvel nacional o Ordenamento Jurdico adquire uma conformaohierarquizada em que no topo est a Constituio, que goza de primazia. Assim,

    qualquer norma infraconstitucional que infrinja o disposto na Constituio nula.Em relao Constituio Europeia, as relaes da Unio Europeia com os

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    Ordenamentos Jurdicos nacionais no hierrquica. So ordenamentos separados,com fontes distintas.

    O Tribunal Constitucional nunca declara uma norma nacional invlida porviolao dos Tratados, no o pode fazer, porque no cabe recurso das decises parao Tribunal de Justia da Unio Europeia. O Tribunal Constitucional pode declarar oincumprimento do Estado-membro por manter no seu Ordenamento Jurdico umanorma desconforme com o Tratado da Unio Europeia. Mas o Tratado no declarainvlida uma norma do Ordenamento Nacional como poderia fazer o TribunalConstitucional, precisamente por no haver uma hierarquizao entre a OrdemEuropeia e a nacional. No h uma hierarquia de normas, logo a relao entre aOrdem Jurdica Europeia e as Ordens Jurdicas nacionais no hierrquica. Damesma forma que o juiz nacional no pode decidir sobre a invalidade de umanorma europeia sem reenviar previamente para o Tribunal de Justia, para que elese manifeste.

    Este respeito entre os dois ordenamentos existe porque no h essa

    hierarquia. Mas se assim , se o Tribunal de Justia se empenhou naconstitucionalizao dos Tratados, se j se entende que os Tratados so umaConstituio material Europeia, ento porque se decidiu avanar para umaConstituio Formal, para um Tratado que criasse uma Constituio para a UnioEuropeia assinado em 2004 e chumbado em 2005, que por sua vez criou a criseconstitucional s agora resolvida com o Tratado de Lisboa? O objectivo destaConstituio formal da Unio Europeia era mobilizar a opinio pblica para aquiloque seria a refundamentao da Europa. O objectivo era simplificar a Europa,aproximar o cidado da Europa e a a adopo de uma Constituio formal foi amelhor forma de promover um consenso essencial entre os cidados.

    Foi por isso que, em Dezembro de 2001, o Conselho Europeu convocou umaConveno para constitucionalizar a Europa. O Tratado Constitucional foi elaboradopela Conveno e o documento foi aprovado pelo Parlamento Europeu em Janeirode 2004. Vital Moreira diz que nenhum dos anteriores Tratados europeus foi todiscutido como este, assinado em Outubro de 2004 em Roma. O TratadoConstitucional tinha manifestas vantagens em relao aos Tratados que oantecederam.

    De facto, os seus artigos substituem perfeitamente a panplia de Tratadosque o antecederam e os textos equivalentes. O Tratado Constitucional acabava coma estrutura dos Pilares e reforava o papel da Unio Europeia enquanto entidadepoltica autnoma na cena internacional, com capacidade decisria. Empenhava-se,

    tambm, na defesa e proteco dos Direitos Fundamentais dos cidados, dandofora vinculativa Carta.

    Contudo, este Tratado Constitucional foi sempre mal interpretado. Calhomdizia que uma Constituio no poderia substituir um Tratado. Os americanos jtinham resolvido esta questo, no sentido de que a Constituio no seria umTratado, mas as consequncias dele. Assim, no deveria haver polmica, porqueesta j havia sido resolvida h 200 anos atrs.

    conta desta incompreenso, o Tratado Constitucional acabou por serrejeitado nos referendos franceses e holandeses. Os motivos da recusa prendem-se

    no com o texto e decises que albergava, mas com o desencanto dos cidadoseuropeus. Muito se especulou sobre as razes do chumbo. Alguns referiam-se aofacto de no ter havido uma Assembleia Constituinte. Contudo, o problema no est

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    em quem a criou, mas na sua capacidade para resolver os problemas. No n 12 deO Federalista, Hamilton assume que o objectivo primrio de uma Constituio apromoo do bem-estar da comunidade. A Constituio serve para resolver osproblemas concretos das populaes. Foi este o entendimento que vigorou. Aindase argumentou que o Tratado Constitucional teria sido recusado pela inexistncia

    de um povo constituinte. Mas, como vimos, no constitucionalismo nacional, a ideiade povo tambm j foi revista.

    Qual este povo ideal que teria evitado o chumbo? O processo deintegrao europeia estabelece uma nova forma de identidade europeia. Habermasdiz que o que de facto une uma comunidade pluralista a partilha de entendimentopossvel, e esta partilha pode gerar um sentimento de pertena comunidade. Se omodelo ideal democrtico era centrpeto, a sociedade moderna centrfuga. Osgrupos so actualmente os protagonistas da vida democrtica e s assim oscidados participam na democracia europeia. Muitas das decises que afectam oscidados so tomadas a nvel supranacional.

    O Estado obra da modernidade, do contexto histrico do sculo XXI. Oreferendo no consegue evitar que as populaes o utilizem como arma dearremesso contra os dirigentes nacionais. O referendo s permite respostas de sime no, e nem tudo na vida se resume a isso. Da o chumbo.

    Na sequncia de chumbos ao Tratado Constitucional entende-se que oreencanto do mesmo passava pelo estudo do que introduzir nele para melhorsatisfazer as necessidades dos cidados. Os franceses e os holandeses noentenderam que s uma Constituio permitiria um critrio de convergncia daspolticas econmico-sociais europeias.

    Os referendos que rejeitaram o Tratado Constitucional no individualizaram

    as solues que o Tratado deveria mudar, no se soube porque rejeitaram, portantoera legtimo que o Tratado de Lisboa resgatasse o contedo do TratadoConstitucional. O que foi, ento, alterado do Tratado Constitucional para o Tratadode Lisboa?

    Foram retiradas do Tratado de Lisboa todas as referncias que pudessemevidenciar a criao de um Estado supranacional. Os smbolos, o hino, a moeda, foitudo retirado do Tratado de Lisboa, bem como as disposies constitucionais. OTratado de Lisboa despiu-se das suas vestes constitucionais. Do TratadoConstitucional para o Tratado de Lisboa perdeu-se a criao de uma Constituioque substitusse todos os Tratados anteriores. O Tratado de Lisboa faz apenas uma

    mera referncia Carta dos Direitos Fundamentais, mas atribui-lhe foravinculativa.

    O Ministro dos Negcios Estrangeiros foi substitudo pelo Alto Representanteda Unio Europeia para os Negcios Estrangeiros e Poltica de Segurana. Aclusula do primado tambm desapareceu do Tratado de Lisboa. Perdeu-se emtermos de simplificao, porque no temos um Tratado nico que substitua osTratados em vigor. Perdemos em termos de democraticidade, porque a elaboraodo Tratado Constitucional, atravs do mtodo constitucional (uma Convena naqual os cidados poderiam participar por Internet) era muito mais transparente doque o mtodo tradicional de elaborao dos Tratados (cada Estado-membro tem um

    corpo de juristas que elabora os Tratados) e porque um Tratado mais simplesaproxima o cidado do Projecto Europeu.

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    Perdemos, tambm, em termos de agregao, porque o contextodesfavorvel levou o Reino Unido e a Polnia a abandonar a Carta dos DireitosFundamentais. Ainda assim, a apreciao do Tratado de Lisboa deve ser positiva,porque muito do Tratado Constitucional foi recuperado: as instituies europeiasforam finalmente revistas, permite a participao dos Parlamentos nacionais no

    Parlamento Europeu, segundo o princpio da subsidiariedade. Os Parlamentosnacionais podem fazer o controlo da subsidiariedade da Unio Europeu e tambmprocess-la no Tribunal de Justia.

    O Tratado de Lisboa tambm acaba com a estrutura dos pilares. Definecritrios para a repartio de competncias entre os Estados e a Unio Europeia. OTratado de Lisboa aumenta a eficcia do processo decisrio, porque alarga asdecises por maioria qualificada que antes eram tomadas por unanimidade,acelerando ento o processo. Inova quanto aos actos normativos da UnioEuropeia, dividindo entre actos legislativos e no legislativos.

    Permite, tambm a adeso da Unio Europeia Conveno Europeia dos

    Direitos do Homem e oferece fora vinculativa Carta Europeia dos DireitosFundamentais. Permite que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem venha aapreciar as aces da Unio Europeia. Isto uma verdadeira revoluo.

    O Direito da Unio Europeia goza de primazia em relao ao Direitonacional? Oferecer fora vinculativa carta significa que o cidado poder invocaras disposies da Carta contra o Estado-membro que viole o seu Direito, contido naCarta. A Unio Europeia no tem competncia geral para a proteco dos DireitosFundamentais porque isso expandiria ainda mais as suas competncias. Ainda queela no disponha de uma competncia geral, mas de uma competncia sectorial,contribui para a proteco dos Direitos Fundamentais.

    No difcil concluir da necessidade do Tratado de Lisboa, porque osproblemas actuais no podem ser resolvidos a nvel nacional e os Tratados queregulam a Unio Europeia no esto preparados para enfrentar os desafios globais,porque foram criados para os Estados-membros. Problemas ambientais,desemprego, etc., exigem a conjugao de esforos, de entreajuda. A melhor formade se defender a soberania atravs da soberania partilhada.

    3. Princpio Democrtico na Unio Europeia.

    Artigo 8/a/b/c do Tratado de Lisboa, artigo 6 do Tratado de Nice.

    Muito se tem discutido sobre isto, a Unio Europeia tem sido acusada de noo respeitar e no funcionar de acordo com ele. Fala-se no dfice democrticoeuropeu. Mas isto no, de todo, verdade, j que tudo na Unio Europeia discutidoexaustivamente.

    Se a Unio Europeia constitui um sistema de governo, propriamentedemocraticamente eleito, das eleies ao Parlamento no constitui um Governocomo ns o concebemos a nvel nacional. Se assim , tambm temos que entenderque a Unio Europeia funciona em moldes inovadores, distintos dos modelos dapoltica nacional comum.

    H argumentos suficientes que justifiquem a supremacia da democracia

    nacional? Ter a Unio Europeia que se adaptar a um povo ou a toda uma unio depovos?

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    O princpio da boa governao surgiu como exigncia do Banco Mundial aospases da frica e Amrica do Sul, e entende uma gesto responsvel e eficaz dosgovernos pblicos. A governao europeia adoptou estes moldes.

    Benjamin Franklin um constituinte que elaborou a Constituio dos EstadosUnidos da Amrica, e quando questionado sobre liberdade e democracia dizia quedemocracia era dois lobos e um cordeiro a decidir o jantar (que obviamenteresultaria na morte e consequente consumo do cordeiro) e liberdade era dar aocordeiro a oportunidade de se defender.

    A democracia o melhor sistema poltico concebido pelo menos no mundoocidental, porque permite um certo grau de interveno popular nas escolhasgovernamentais. Temos democracia quando a autoridade popular controla oGoverno, legitima o exerccio do poder poltico, e permite a convivncia de opiniese objectivos diferentes. Isto porque h sempre uma srie de grupos de interesses, asub poltica, o pluralismo o resultado inevitvel do funcionamento de instituieslivres, cada vez mais uma mais-valia, pois permite uma maior distribuio do

    poder.

    por causa deste pluralismo que a democracia se torna indispensvel,porque permite a harmonizao desses ideais, a paz social, as solues abertas dainfluncia de minorias, que podem livremente manifestar as suas opinies econtribuir, de certo modo, para as decises da maioria.

    A convivncia possvel em democracia porque os processos decisriosassentam na conciliao, que pressupe uma minoria na qual todos os interessadosse revejam. Quando se encontra uma soluo consensual, o resultado convence edispensa coaco. As decises so quase sempre consensuais e no impostas pelafora. E quando as solues consensuais no so possveis ficamos com a vontade

    da maioria, que a segunda melhor soluo por estar mais prxima do consenso.

    No consenso todos os interessados aprovam uma soluo e so responsveispor ela. Promove uma soluo melhor por todos se identificarem com ela, a foraintegradora muito maior. Por isso que, em democracia, as solues de consensoso o ideal, ou ento dicensos razoveis.

    A regra da maioria legtima? quando existe a possibilidade de alternnciado poder, de que os vencidos de uma deciso possam ser os vencedores no futuro.Se no h a real possibilidade de alternncia do poder no h democracia. Avontade da maioria legtima porque a Ordem democrtica protege a minoria, d-

    lhe a real possibilidade alternncia do poder para que possa mais tarde vir a ser amaioria. Sem liberdade, sem defesa das minorias no h democracia. A maioria notem poder de disponibilidade, tem que dar palavra minoria, dar hiptese de sedefenderem. S assim temos democracia.

    Por tudo isto, a democracia racionaliza o processo poltico, porque osprocessos decisrios esto sujeitos s regras da publicidade e debate, pelas quais oprocesso poltico ganha clareza. A participao das vrias foras polticas nesteprocesso tende a limitar o poder da maioria. A democracia aponta para o controlodos governantes pelos governados. O cidado que participa nos processosdecisrios est bem informado, apto a formular um juzo crtico sobre as decises atomar, sobre o qual se ter que manifestar.

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    Portanto, onde no houver conscincia cvica dos cidados, capacidade deinterveno esclarecida e conscincia comunitria, toda a vivncia democrticaest comprometida. A democracia leva tempo, fruto do costume. preciso tempopara esta conscincia se formar.

    Como evoluiu o conceito de democracia?

    Quando se fala nisto, surge-nos a imagem das cidades-estado, as polis, naGrcia antiga, onde o povo exercia o poder poltico directamente, semintermedirios, na agora. Na democracia directa os destinatrios das normas so osseus prprios criadores. Contudo, esta democracia directa foi sempre racionalizadapor causa da sociedade.

    Actualmente a participao directa impraticvel porque, em primeiro lugar,a complexidade social torna a Ordem Jurdica pouco acessvel ao cidado comum; eem segundo lugar, porque o aumento populacional impede a reunio para debatedos assuntos de ordem nacional. Mesmo a democracia electrnica ainda

    impossvel, por causa do nmero escasso de pessoas com acesso domstico Internet. Apesar de tudo isto, o excesso de democracia tambm a pode assassinar.

    Sieys dizia que uma sociedade s seria operacional se elegesserepresentantes capazes de manifestar a opinio do cidado. Surge, ento, ademocracia representativa, na qual o cidado elege, periodicamente (porque aconduo da democracia exige legitimao do poder) os representantes. Mas estesistema tem-se tornado oportunista, rendeu-se defesa dos interessesinconfessveis, afastados do interesse do cidado comum, originando sriosproblemas de corrupo, lobbys, etc.

    Vai da a necessidade de suprir a distncia entre cidado e representante. As

    ordens democrticas sentiram ento a necessidade de redescobrir o poltico nademocracia participativa. Esta aponta para uma micro interveno dos cidadospara as decises mnimas que afectam a vivncia do mesmo. O cidado intervmapenas nos processos decisrios mas naquele espao de decises mnimas participaes dos pais na escola, do cidado na AP, etc.

    A democracia representativa e participativa convivem de forma harmoniosa.A segunda actualiza a lgica democrtica, um complemento primeira, mas noa afasta.

    A democracia nacional est longe de garantir a participao e arepresentao plena por haver decises que escapam s mos dos governos, soalm fronteiras, supranacionais. H um desfasamento, portanto. A ideia clssica desuprema autoridade do Estado est afectada pela crescente ideia de globalizao.O conceito de democracia est, por isso mesmo, a precisar de srios reparos, umavez que no responde s necessidades do Homem contemporneo, que vo almdo espao nacional, mais concretamente supranacional. Efectivamente, muitosproblemas das sociedades modernas j s so resolvidos atravs da democraciasupranacional.

    Contudo, preciso ter em conta que o Parlamento Europeu no capaz dereproduzir o funcionamento da democracia representativa nacional. Da que a ideiade dfice democrtico seja errada, porque as regras do jogo democrtico so outras

    a nvel europeu. Inclusive o funcionamento europeu pode conduzir a resultadosmais democrticos que os nacionais, por causa da necessidade do consenso.

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    A Unio Europeia uma nova forma de governao que se traduz nopredomnio dos grupos de interesse relativamente aos legisladores, e dainterveno dos experts, de grupos de interesse, pblicos e privados, comits queexpressam a sua opinio, implicados no processo decisrio europeu. Vejamos oprocedimento de co-deciso (artigo 250 do Tratado de Nice). A comisso europeia

    detm a iniciativa legislativa, auxiliada por 700 grupos especiais, de sbios. Propeas leis, apoiada por uma rede de 700 comits organizados em grupos pblicos eprivados. A proposta europeia discutida no Parlamento e a ser aprovada seguepara o Conselho de Ministros para debate, para depois ser promulgada.

    No mbito da Unio Europeia, nada decidido sem um debate srio edevido, para permitir o consenso. Os grupos de interesse tm igual poder e estodevidamente identificados. Da que a democracia supranacional no tenha quereproduzir os mecanismos nacionais, at porque no tem a mesma legitimidade, ade origem e do resultado, ela permite a entrada de todos aqueles que queremparticipar.

    Poiares Madeira defende at o superavit da democracia supranacionaleuropeia.

    Gomes Canotilho diz que a teoria do Estado Democrtico no fornecequalquer suporte teoria especificamente europeia da legitimao do poder.

    Se a democracia europeia passasse nos testes aos requisitos enunciados noincio, vamos que o Parlamento eleito por sufrgio, os membros da Comisso soaprovados pelo Parlamento e eleitos pelos cidados europeus, o Parlamentofiscaliza a Comisso e o Conselho, aprova moes de censura Comisso, constituicomisses parlamentares de inqurito, e as decises so qualitativamentelegitimadas pelos comits e os grupos de interesses grupos e no cidados so os

    protagonistas da poltica europeia. Tem de ser assim porque os cidadosorganizados adquirem o protagonismo que os seus interesses exigem.

    A democracia europeia permite o debate, vai muito mas longe no domnioconsensual que a democracia nacional. O processo europeu persegue o consenso. Osalto qualitativo dado pela democracia supranacional europeia prende-se com areinveno das condies necessrias ao dilogo, discusso crtica e aberta dosinteresses comuns, e com o compromisso do entendimento que o consenso necessrio e a base da sobrevivncia da democracia.

    O Tratado de Lisboa alarga as possibilidades de participao daqueles que

    quiserem participar, individualmente ou por grupos. Alm disso, preciso lembrar oque Carl Popper dizia, que to importante como legitimidade o controlo e osmecanismos europeus esto devidamente estruturados para tal.

    4. O sistema institucional, funcional e processo decisrio da Unio Europeia.

    O Tratado de Lisboa actualiza o Tratado da Unio Europeia e transforma oTratado da Comunidade em Tratado do Funcionamento da Unio Europeia. OTratado de Lisboa altera o Tratado da Unio Europeia, segundo os seus artigos 1 e2. O Tratado de Lisboa acaba com a estrutura tripartida, logo o Tratado dasComunidades designa-se de Tratado sobre o Funcionamento da Unio Europeia. OTratado da Unio Europeia, verso Nice, ainda est em vigor, enquanto que o

    Tratado de Lisboa ainda vai entrar em vigor.

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    As instituies da Unio Europeia esto previstas no artigo 9 do Tratado daUnio Europeia, verso Lisboa. So elas o Conselho Europeu, o Parlamento Europeu,o Tribunal de Justia da Unio Europeia, o Banco Central Europeu, o Tribunal deContas e a Comisso Europeia. As instituies servem para promover os valores eobjectivos da Unio Europeia, para servir os interesses dos cidados e dos Estados

    membros, para assegurar a coerncia, eficcia e continuidade das polticas e acoda Unio Europeia. Estas instituies vo actuar nos termos das atribuies quelhes so concedidas pelos Tratados (Tratado da Unio Europeia e Tratado sobre oFuncionamento da Unio Europeia) e no actuar de acordo com os procedimentos,condies e tendo em conta as finalidades estabelecidas pelos Tratados.

    Comecemos pelo Parlamento Europeu. Previsto no artigo 9A do Tratado daUnio Europeia, verso Lisboa, e no artigo 196 do Tratado sobre o Funcionamentoda Unio Europeia, o Parlamento Europeu era composto pelos representantes dosParlamentos nacionais. S em 1979 se passo a ser eleito por sufrgio universalpelos cidados dos Estados membros. A eleio do Parlamento feita segundo ossistemas eleitorais de cada Estado membro.

    Contudo, Lisboa vem mudar isso. O artigo 190 do Tratado doFuncionamento Europeu diz que o Parlamento Europeu vai elaborar um sistemaeleitoral nico, para todos os Estados membros da Unio Europeia, que deve seraprovado pelo Conselho. preciso que todos os Estados da Unio Europeiaaprovem este sistema eleitoral para a eleio do Parlamento Europeu.

    O Parlamento Europeu composto por representantes dos cidados daUnio. O seu nmero de deputados no pode ser mais que 750 (artigo 9A, versoLisboa). Contudo, por exigncia da Itlia, so 750 deputados mais um, o Presidente,logo so 751 no total. A partir da entrada em vigor do Tratado de Lisboa vo ser

    750 mais um os deputados do Parlamento. Quanto repartio dos lugares, adopta-se a representao degressivamente proporcional: o nmero populacional doEstado membro conta com um limiar mnimo de 6 representantes e um limiarmximo de 96 representantes.

    provvel que o processo de eleio uniforme dos deputados do Parlamentoainda no esteja em vigor em 2009, porque depende da aprovao de todos osEstados membros. Contudo, em 2009 preciso j estar definido quantos deputadostem cada Estado membro, por deciso unnime do Conselho Europeu, artigo 9,segundo pargrafo. O protocolo relativo s disposies transitrias no seu artigo 2dispe que em tempo til, antes das eleies parlamentares de 2009, a composiodo Parlamento Europeu j deve estar definida. Como o nmero mximo de

    deputados foi alargado para 750, a composio do Parlamento deve estar definida,embora o sistema eleitoral unitrio ainda no esteja aprovado.

    Os eurodeputados repartem-se por familiares. Mas ainda no existe aconscincia partidria europeia. O Parlamento Europeu funciona por comisses. Soas comisses permanentes parlamentares que asseguram a participao doParlamento no processo legislativo europeu.

    As sesses plenrias organizam-se uma semana por ms. Antes da subidados relatrios das comisses ao plenrio, neste momento que se procede acompromissos cruzados entre as deliberaes das diferentes matrias. A regra de

    votao do Parlamento Europeu a da maioria simples, maioria dos votosexpressos, artigo 198 do Tratado sobre o Funcionamento da Unio Europeia. Emalguns casos, contudo, exige-se a maioria qualificada, ou seja, maioria dos

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    membros que compe o Parlamento. Para aprovar as disposies relativas aosistema eleitoral uniforme dos deputados ao Parlamento, exige-se uma maioriaqualificada.

    O Parlamento Europeu tem competncia em matria do controlo/domniopoltico. Fiscaliza a Comisso e o Conselho atravs de questes orais postas a estasduas instituies, artigo 197. O Parlamento aprova moes de censura Comisso,artigo 201, por maioria de 2/3 dos votos expressos, mas desde que representem amaioria dos membros que compe o Parlamento Europeu. Se for aprovada a moo,os membros da Comisso devem abandonar colectivamente a Comisso.

    O Parlamento Europeu pode ainda constituir comisses de inqurito, artigo193, a pedido de dos membros que compe para analisar alegaes deinfraco ou m administrao da aplicao do Direito da Unio Europeia, seja porparte das instituies da Unio, seja por parte das instituies dos Estadosmembros. A comisso de inqurito apresenta ao Parlamento um relatrio final e oParlamento apresenta uma recomendao s instituies em causa. O Parlamento

    pode ainda solicitar informaes e relatrios a outras instituies da Unio Europeiae alguns relatrios devem ser-lhe apresentados obrigatoriamente sem que elesolicite.

    O Parlamento tem, tambm, competncias no domnio legislativo, artigo249A. O Parlamento Europeu tem competncias no procedimento legislativoordinrio (251) processo de co-deciso que o Tratado de Lisboa elevou aprocesso legislativo europeu. Atravs deste processo, os actos legislativos europeusdecorrem de uma deciso conjunta do Parlamento e do Conselho. Este processolegislativo ordinrio consiste na adopo da medida proposta pela Comisso eaprovada pelo Parlamento e pelo Conselho, artigo 249. Ouvido o Parlamento

    Europeu, a regra de aprovao das disposies europeias o procedimentolegislativo ordinrio do artigo 251. Por vezes, podem surgir processos legislativosespeciais. Podem surgir actos legislativos do Conselho consultado o Parlamento evice-versa, mas isso no quer dizer que por ser ouvido tenha peso na deciso.

    O Parlamento Europeu tem competncias na designao dos membros deoutras instituies ou outros rgos da Unio Europeia. O Provedor de Justia umrgo escolhido pelo Parlamento, artigo 195. O Presidente e os membros daComisso dependem da aprovao pelo parlamento. O Conselho Europeu faz umaproposta de Presidente da Comisso ao Parlamento. Este aprova por maioria dosmembros que compe o Conselho. Caso o candidato no seja aprovado, tem umms para aprovar outro. Caso seja aprovado, surge uma lista de membros da

    Comisso, composta por membros dos Estados membros. O Conselho Europeuelabora uma lista de comissrios para serem aprovados pelo Parlamento.

    O Parlamento Europeu tem tambm poderes de iniciativa, artigo 194. OParlamento pode solicitar Comisso que lhe submeta propostas de actos jurdicoslegislativos, porque quem tem a iniciativa legislativa a Comisso. O Parlamentopode pedir Comisso que lhe apresente uma proposta de acto jurdico que julgueadequado ao cumprimento dos Tratados.

    Por ltimo, o Parlamento tambm recebe peties, artigo 194, dos cidadosda Unio Europeia sobre questes que integrem o domnio da actividade da Unio

    Europeia e das competncias que digam respeito aos particulares.

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    Passando, agora, ao Conselho Europeu. Est previsto no artigo 9B doTratado da Unio Europeia, verso Lisboa, e artigo 201A e seguintes do Tratadosobre o Funcionamento da Unio Europeia. O Conselho Europeu uma instituiode direco poltica, na qual tm assento os Chefes de Estado ou de Governo dosEstados membros. Tem como objectivo dar Unio Europeia os impulsos

    necessrios ao seu desenvolvimento e definir as polticas gerais da Unio Europeia.Foi o Tratado de Maastricht que criou o Conselho Europeu a fim de

    desbloquear os processos decisrios que no tinham consenso. Inicialmente temia-se que o Conselho Europeu desintegrasse a Unio Europeia, porque havia o receitode que os membros do Conselho Europeu se limitassem defesa dos interesses dosEstados membros e no os interesses da Unio Europeia. A institucionalizao doConselho Europeu leva ao detrimento da defesa dos interesses da Unio Europeia.Contudo, todas as decises da Unio tm sido tomadas pelo Conselho Europeu. Mascomo surgiu uma entidade externa ao sistema institucional europeu, o ConselhoEuropeu foi muito temido.

    Rene-se duas vezes por semestre. O Conselho Europeu pronuncia-se porconsenso, salvo disposio em contrrio do Tratado, ou seja, todos os membros tmque se rever na soluo adoptada.

    Com o Tratado de Lisboa, o Conselho Europeu passa a eleger o Presidente doConselho por maioria qualificada por perodos de dois anos renovveis. OPresidente do Conselho vai exercer, com a entrada do Tratado de Lisboa, arepresentao externa da Unio Europeia, sem prejuzo das atribuies do AltoRepresentante dos Negcios Estrangeiros. O Presidente no poder exercerqualquer mandato nacional.

    Analisemos agora o Conselho. O Conselho est previsto no artigo 9C do

    Tratado da Unio Europeia, verso Lisboa e no artigo 204 do Tratado sobre oFuncionamento da Unio Europeia. O Conselho composto por um representantede cada Estado membro a nvel ministerial, da se dizer Conselho de Ministros. OConselho exerce a funo legislativa e oramental, assim como tambm exercefunes de coordenao, por si s. A prtica europeia institucionalizou a matria aser tratada.

    A lista de formao do Conselho elaborada pelo Conselho Europeu, artigo201B. Mas h duas formaes previstas pelo Tratado de Lisboa, no n 6 do artigo9C:

    1. O Conselho dos Assuntos Gerais, que assegura a coerncia dos trabalhosdas vrias formaes, a coerncia interna da poltica da Unio Europeia;

    2. O Conselho dos Negcios Estrangeiros, que elabora a aco externa daUnio Europeia e assegura a coerncia externa da poltica da UnioEuropeia.

    E depois temos ainda as formaes que o Conselho Europeu entender comopositivas. As reunies destes Conselhos so mensais. A cada 6 meses, um dosmembros do Conselho assume a presidncia do mesmo, artigos 9 do 9C e artigo201B. O Conselho Europeu dever adoptar a lista do Conselho. Segundo o artigon9, a Presidncia do Conselho assegurada por trs membros, com base num

    programa comum. A indicao dos Chefes de Governo e de Estado para o ConselhoEuropeu a adopo de um sistema rotativo de Conselhos assegurado por 3

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    membros a cada 18 meses rotativos: um presidente durante 6 meses e ajudadopelos outros 2 membros, para assegurar a continuidade das polticas, declaraon9 das disposies relativas aos Tratados que o Conselho Europeu proferiu.

    O Conselho ou cada formao do Conselho assessorada por rgos: oComit de representantes permanentes dos Governos dos Estados Membros. Se asreunies do Conselho so mensais, o trabalho tem que ser feito continuamente porum comit que prepara as decises das vrias formaes do Conselho. O Conselho assessorado por um grupo de sbios grupos de exput 250 fundos de sbios.

    A preparao dos trabalhos e a ordem do dia compete ao COREPEG. OTratado de Lisboa dispe que a Comisso participa nas decises do Conselho. OTratado de Lisboa inova quanto s reunies do Conselho. Sempre que o Conselhodelibere sobre actos legislativos, as reunies devem ser pblicas. As reunies doConselho, depois da entrada do Tratado de Lisboa, sero publicas, quando oConselho decide sobre actos legislativos, e no sero pblicas quando se decidesobre actividades no legislativas.

    Quanto ao modo de votao no Conselho, o Tratado de Lisboa tambminova: a regra geral no mbito do Conselho a da maioria simples (metade dosEstados presentes 14). Tambm em algumas situaes exigida a unanimidade,sobretudo ao nvel da poltica externa. O Tratado de Nice introduziu um sistemaconfuso para se apurar a maioria qualificada, que assenta numa maioria de votos artigo 205/2 do Tratado da Comunidade que est em vigor. Esta ponderao devotos diz que a Espanha dispe de 27 votos, Portugal 12, Dinamarca 7, Malta 3, etc.

    Como se chegou a esta ponderao? Mistrio. Mas fruto do medo deperder poder devido ao alargamento a Leste. As medidas no Conselho s seroaprovadas se obtiverem pelo menos 255 votos favorveis. Mas estes 255 votos tm

    que exprimir a vontade da maioria dos Estados membros do Conselho, ou seja 14Estados membros e estes Estados tm que representar pelo menos 62% dapopulao da Unio Europeia. As decises do Conselho dependem de uma triplamaioria: 255 votos, maioria dos membros do Conselho, 62% da populao europeia.

    A boa nova que o Tratado de Lisboa substitui esta tripla por uma duplamaioria, desaparecendo tambm a ponderao dos votos. O artigo 4 do artigo 9Cdispe que a partir de 1/11/2014, a maioria qualificada corresponde a 55% dosmembros do Conselho (15 membros) que renam pelo menos 65% da populao daUnio Europeia. O Tratado de Lisboa introduziu um novo elemento negativo: aminoria de bloqueio deve ter pelo menos 4 Estados membros.

    Exemplo: atinge-se 15 Estados, mas no 65% da populao. A medida sno ser adoptada se 4 Estados se opuserem.

    O critrio populacional tambm deve ser tido em conta no apuramento damaioria qualificada do Conselho. Os Estados devem, partida, ter o mesmo peso,mas quem tem mais populao deve ser compensado, para no haversobrevalorizao de alguns em relao a outros (exemplo: Luxemburgo VS Frana).Para evitar isto, o critrio demogrfico deve contar. Mas ele atenua a igualdadeentre os Estados membros. Contudo, este critrio no deve impedir que os Estadosmais populosos bloqueiem as decises do Conselho. claro que este critrio temque ser tomado em considerao mas com cuidado. A introduo de uma minoria

    de bloqueio exige que pelo menos quatro Estados formem uma fora de bloqueio.

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    A Comisso Europeia a instituio executiva da Unio Europeia e a guardidos Tratados. De facto, que a guardi dos Tratados no h dvidas, artigo 9D/1.Contudo, o facto de se dizer que a instituio executiva suscita algumas dvidas,porque a Unio Europeia no goza de um aparelho administrativo prprio, logoquem executa as disposies europeias so as respectivas administraes pblicas

    dos Estados membros. correcto dizer que a que a instituio responsvel pelaprossecuo do interesse geral da Unio Europeia, tal como o Parlamento Europeurepresenta os interesses dos cidados e o Conselho os interesses dos Chefes deEstado.

    A Comisso representa os interesses da Unio Europeia, ela prossegue-os.Nesse sentido, toma as medidas necessrias para essa prossecuo. Vela pelosTratados e pela sua aplicao, bem como zela pelas medidas adoptadas pelasinstituies europeias. Controla/fiscaliza a aplicao do Direito da Unio Europeia,por isso que a guardi dos Tratados sob a vigilncia do Tribunal de Justia.

    Para bem assegurar o controlo dos Tratados, a Comisso pode obter

    informao junto dos Estados membros e das suas empresas e verificar asinformaes omitidas, artigo 174 do Tratado de funcionamento da Unio Europeia.A Comisso tem poderes de investigao. Pode desencadear um processo deviolao do Direito da Unio Europeia, artigo 26, aco por incumprimento. Podedemandar os Estados membros junto do Tribunal de Justia quando achar queviolaram o Direito Europeu, atravs de uma aco por incumprimento/clusulas desalvaguarda.

    A Comisso tem poder de iniciativa legislativa, artigo 9D/2. Os actoslegislativos da Unio Europeia s podem ser adoptados sobre proposta daComisso, salvo raras disposies dos Tratados. Ela prope actos legislativos ao

    Conselho e ao Parlamento. At 31/10/2014, composta por um nacional de cadaEstado membro que inclui o Alto Representante dos Negcios Estrangeiros e oPresidente da Comisso. A partir de 2014 passa a ser constituda por 2/3 dosEstados membros da Unio Europeia, sendo certo que os comissrios seroescolhidos segundo um sistema de rotatividade, artigo 9D/5. Segundo artigo 9D/3o mandato da Comisso de 5 anos, tal como o actualmente. Os seus membrosno podem ser destitudos pelo Conselho, porque o Conselho representa o conjuntode Governos e a Comisso deve ser independente de todos os outros interesses e,por isso, s pode ser destituda pelo Parlamento.

    O Tribunal de Justia est previsto no artigo 9F e 221 e seguintes. ainstituio que garante o respeito do Direito na interpretao e aplicao dos

    Tratados. O Tribunal de Justia da Unio Europeia inclui, nos termos do artigo 9F doTratado da Unio Europeia, verso Lisboa, o Tribunal de Justia, o Tribunal Geral eos Tribunais Especializados. A estrutura jurisdicional da Unio Europeia no se limitaa estes tribunais, porque tambm os tribunais nacionais integram essa estrutura,so os chamados tribunais comuns, artigo 9F/1, 2 pargrafo.

    O Tribunal de Justia propriamente dito composto por um juiz de cadaEstado membro e assessorado por 8 advogados gerais. Estes advogados sopersonalidades independentes que exprimem opinies sobre as questes em litgio.O tribunal tem em conta as opinies de advogados antes de decidir. O Tribunal deJustia pode reunir em seces compostas por 3 ou 5 juzes ou em grande seco

    com 13 juzes (aqui o quorum seria de 9 juzes). O Tribunal de Justia pode

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    funcionar em seces de 3 ou 5 juzes ou em seco de 13 juzes ou em pleno(quorum de 13 juzes.

    O Tribunal Geral ainda no tem este nome, chama-se ainda de Tribunal deprimeira instncia. composto por pelo menos 1 juiz de cada Estado membro, maspodero ser mais. Tambm podero ser assistidos por advogados gerais. O TribunalGeral foi criado em 1988 para descongestionar o Tribunal de Justia, sobretudo noque diz respeito ao contencioso dos particulares com aces especficas contra asinstituies europeias.

    As aces dos particulares so propostas no tribunal de primeira instnciacom possibilidade de recurso para o Tribunal de Justia. O Tribunal de primeirainstncia fiscaliza a legalidade dos actos das instituies europeias. Aprecia asquestes de facto que lhe so apresentadas.

    Tambm podem ser criados Tribunais Especializados que esto adstritos aoTribunal Geral e que esto encarregues de uma srie de funes previstas no artigo

    225A do Tratado do funcionamento da Unio Europeia. Actualmente est j emfuncionamento o Tribunal da funo pblica, Tribunal especializado da UnioEuropeia.

    O Tribunal de Justia da Unio Europeia no funciona como instncia derecurso das decises dos Tribunais nacionais. O Tribunal de Justia apenasinterpreta e diz da validade das disposies europeias, por vezes, a pedido dosjuzes nacionais, faz o que est previsto no artigo 234, avalia as aces especficaspropostas directamente no Tribunal de Justia ou no Tribunal de primeira instncia.

    O Tribunal de Justia pode ainda julgar as violaes dos Estados membros,aco por incumprimento, artigo 226.

    Os juzes nacionais no tm competncia para dizer que uma normaeuropeia invlida face ao Direito Europeu.

    5. Actos Jurdicos da Unio Europeia.

    O princpio da separao dos poderes no se aplica na Unio Europeia emmoldes idnticos aos dos Estados membros. Na Unio Europeia no se conseguedefinir com preciso que quais as competncias das instituies. Nos Estados-membros possvel distinguir facilmente a funo legislativa (funo normativaprimria) como pertencente ao Parlamento, da funo executiva (funo normativasecundria), do Governo e da Administrao Pblica. Assim, quando a nvel nacional

    falamos na lei, logo a relacionamos com a funo legislativa da Assembleia daRepblica ou do Governo (quando autorizado). Quando se fala num actoregulamentar a nvel nacional logo o relacionamos com a funo executiva doGoverno e da Administrao Pblica. Alm disso, a nvel dos Estados-membros huma hierarquia de normas, a Ordem Jurdica interna escalonada: CRP, lei eregulamentos. A lei busca fundamento na CRP e os regulamentos buscamfundamento na lei. H uma hierarquia escalonada de normas nacionais.

    Contudo, diferentemente do que ocorre a nvel nacional, no OrdenamentoJurdico da Unio Europeia no existe correspondncia entre as normas e rgo queas emitiu. No existe uma correspondncia directa entre as funes, as instituies

    que as exercem e os actos emitidos por essas instituies. Na Unio Europeia, osactos jurdicos no se distinguem em funo do seu autor. A funo legislativa, a

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    nvel nacional, exercida pela Assembleia da Repblica, que cria leis. Contudo, naUnio Europeia, a funo legislativa exercida por diversas instituies. Assim,regulamentos e directivas pode ser emitidos pelo Parlamento Europeu e peloConselho (conjuntamente), pelo Conselho sozinho, pela Comisso sozinha, tudodepende do procedimento decisrio previsto no Tratado para cada caso concreto.

    Assim, na Unio Europeia, em vez de se falar em princpio da separao depoderes, falamos em equilbrio de poderes, porque as funes esto distribudas deuma forma distinta da dos Estados-membros, uma vez que as decises europeiasresultam tendencialmente do contacto recproco das instituies. Contudo, oTratado de Lisboa vem trazer alguma coerncia ao sistema normativo europeu,porque vem distinguir actos legislativos de actos no legislativos.

    Os Tratados Constitutivos da Unio Europeia no distinguem as funes daUnio Europeia por instituies encarregues de as prosseguir, ao contrrio daquiloque acontece a nvel nacional em que o Estado tem trs mbitos fundamentais e aConstituio cria instituies para prosseguir esses mbitos e, estas, por sua vez,

    criam actos normativos.

    Os Tratados Constitutivos tambm no estabelecem uma hierarquia denormas da Unio Europeia. No h uma hierarquia de normas produzidas pelasdiferentes instituies europeias.

    O artigo 249 do Tratado sobre o funcionamento da Unio Europeia, versoLisboa, prev os actos jurdicos a serem adoptados pelas instituies europeias. OTratado de Lisboa vai homogeneizar os actos jurdicos da Unio Europeia, porqueat ento cada pilar tinha os seus prprios actos jurdicos. At ento, os actosjurdicos do Tratado da Comunidade Europeia s diziam respeito ao primeiro pilar.Mas como o Tratado de Lisboa vem por fim estrutura de pilares, no interessa

    estudar os outros dois pilares.

    O Tratado Constitucional fazia uma revoluo muito maior. Criava leis eregulamentos no sentido nacional. Contudo, o Tratado de Lisboa manteve asnormas que existiam at ento, mas s aquelas que se reportam ao primeiro pilar,porque o Tratado de Lisboa pe fim estrutura de pilares. Por exemplo, asdecises-quadro pertencem ao terceiro pilar. Mas com a entrada em vigor doTratado de Lisboa vo deixar de existir estes pilares. Assim sendo, com a entradaem vigor do Tratado de Lisboa, os actos jurdicos da Unio Europeia ficam reduzidosaos previstos no artigo 249 do Tratado sobre o Funcionamento da Unio Europeia,verso Lisboa: regulamentos, directivas, decises, recomendaes e

    pareceres. Os trs primeiros com fora vinculativa e os outros com fora novinculativa.

    O regulamento um instrumento normativo, o acto jurdico da UnioEuropeia que mais se assemelha nossa lei a nvel interno. Isto porque oregulamento estabelece uma regra, impe uma obrigao, confere direitos a todosos destinatrios, assim como deveres. Segundo o artigo 249, o regulamento temum carcter geral, obrigatrio em todos os seus elementos e directamenteaplicado em todos os Estados-membros.

    O facto de ter um carcter geral significa que o regulamento no visa quemquer que seja individualmente. O regulamento visa a todos, desde os Estados, aos

    seus rgos, empresas, cidados, instituies da Unio Europeia, etc. Ageneralidade distingue os regulamentos dos actos de alcance individual como so

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    as decises. Isto significa que o regulamento no tem destinatrios identificados,mas sim categorias abstractamente identificadas no seu conjunto.

    Por sua vez, o facto de ser obrigatrio em todos os seus elementos distingueos regulamentos dos actos no vinculativos como, por exemplo, os pareceres erecomendaes, e dos actos apenas obrigatrios em relao a alguns elementoscomo as directivas que so obrigatrias mas apenas quanto aos fins. Esta noo deplenitude da obrigao do regulamento tem vrias consequncias para os Estados-membros. Estes no podem aplicar os regulamentos de uma forma selectivamenteincompleta, tm de os aplicar de forma completa. Os Estados-membros no podeminvocar uma disposio do seu direito interno para impedir a aplicao dedeterminados elementos do regulamento. Tambm no podem impedir a execuodo regulamento pelo acto de terem apresentado reservas aquando da adopo doregulamento.

    Os regulamentos podem necessitar de medidas posteriores deconcretizao/execuo. Por vezes so necessrias medidas complementares das

    autoridades nacionais ou europeias para possibilitar a prtica das disposies dosregulamentos. Se o regulamento impe a tomada de providncias, os Estados, emfuno da obrigatoriedade do regulamento, esto vinculados adopo destasmedidas e no se podem recusar a faz-lo.

    Em ltimo lugar, o regulamento directamente aplicvel aos Estados-membros. Esta aplicabilidade directa significa que os regulamentos se aplicam nasOrdens Internas sem necessidade de um acto de transformao/mediao por partedos Estados. O regulamento aplica-se na Ordem Interna sem necessidade detransposio. Uma vez publicado no Jornal Oficial da Unio Europeia e passada avacatio legis, o regulamento entra em vigor e aplica-se directamente aos Estados-

    membros sem necessidade de transposio.Contudo, o facto de um regulamento ser imediatamente aplicvel no quer

    dizer que ele seja imediatamente exequvel, porque a aplicao efectiva doregulamento pode estar subordinada a medidas complementares das autoridadeseuropeias (regulamentos de base/de execuo) ou at das autoridades nacionais(os Estados so obrigados a tomar estas medidas). As coisas no se esgotam numnico regulamento, so precisos outros para a sua execuo.

    Qual a utilidade da aplicabilidade directa dos regulamentos? Porque que oregulamento deve ser directamente aplicvel? Para que os Tribunais nacionais opossam aplicar, em todo o territrio europeu, contribuindo, assim, para a

    uniformidade do Direito da Unio Europeia. O Direito da Unio Europeia no teriaefeito til se as jurisdies nacionais no pudessem aplicar os regulamentos. Assim,a aplicabilidade directa do regulamento til.

    O Tribunal de Justia da Unio Europeia incompetente para conhecer daspretenses de um particular face a outro particular ou Estado. O particular tem quese dirigir aos Tribunais nacionais quando se insurge contra um outro particular ouEstado. S quando alguma instituio europeia viola o Tratado que o particularpode recorrer ao Tribunal de Justia. Por regra, o particular recorre directamenteaos Tribunais nacionais. Mas se for um Estado-membro a violar o Tratado, este julgado pelo Tribunal de Justia, a pedido da Comisso. Nem assim o particular se

    dirige ao Tribunal de Justia, pode reclamar Comisso para que ela actue juntodo Tribunal de Justia.

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    Assim, os particulares estariam completamente desprotegidos, se no fossea aplicabilidade directa dos regulamentos, que permite aos tribunais nacionaisaplicar o Direito da Unio Europeia. A jurisdio nacional competente parasalvaguardar o Direito da Unio Europeia directamente aplicvel e restaurar oDireito do particular ou do Estado. A utilidade da aplicabilidade directa dos

    regulamentos permitir que os tribunais nacionais possam aplicar o Direito daUnio Europeia e salvaguardar os interesses dos cidados, porque s em rarasexcepes que eles se podem dirigir directamente ao Tribunal de Justia. Aaplicabilidade directa dos regulamentos permite a proteco do particular junto dosTribunais nacionais. competncia do Tribunal de Justia julgar as violaes doDireito da Unio Europeia por parte dos Estados (aco por incumprimento), quetem de ser levado a cabo pela Comisso e no pelos particulares. O Tribunal deJustia avalia tambm os actos das instituies europeias, interpreta as disposiesdo Direito da Unio Europeia a pedido dos Tribunais nacionais.

    Resumindo, a aplicabilidade directa seria a susceptibilidade de aplicao deuma norma comunitria sem necessidade de transposio por parte do Estado-

    membro. Por exemplo, o regulamento para entrar em vigor na Ordem JurdicaPortuguesa, basta que seja aplicado no Jornal Oficial da Unio Europeia: a partir daconfere Direitos e impe obrigaes aos Estados, s instituies europeias, sempresas, aos cidados, etc.

    A directiva vincula o Estado-membro quanto ao resultado a alcanar, masdeixa liberdade ao Estado na escolha dos meios para o alcanar. No uminstrumento normativo que tenha correspondncia nos actos jurdicos internos.

    Diferentemente do regulamento, que um rgido instrumento deuniformizao jurdica, porque quando entra em vigor aplicado em todo o espao

    europeu, a directiva um instrumento mais flexvel, de aproximao das OrdensJurdicas. A directiva tendencialmente mais flexvel porque deixa aos Estados umacerca margem de discricionaridade quanto aos meios de implementao. A UnioEuropeia, contudo, tem definido directivas to pormenorizadamente que a escolhados meios muito mais restrita. Cada vez mais as directivas so mais densas.

    Ao contrrio do regulamento que goza de aplicabilidade directa, as directivasprecisam de ser transpostas para a Ordem interna, atravs de lei, Decreto-lei ouDecreto legislativo regional (artigo 112/8 CRP). Para que sejam aplicadas aosparticulares, as directivas tm que ser transpostas para o Direito interno. a normainterna e no a norma europeia que se aplica aos particulares.

    Tambm ao contrrio do regulamento, a directiva no um acto normativode carcter geral. A directiva obriga apenas os destinatrios nela designados, via deregra, so Estados (todos ou alguns). Sempre que a directiva se destine a todos osEstados, a transposio deve ser feita no mesmo prazo. Os Estados so osdestinatrios das directivas.

    E se o Estado no fizer essa transposio no prazo fixado? Os particularesficariam numa posio desigual face aos cidados dos Estados que j fizeram atransposio. Isto cria uma certa desigualdade. A directiva no directamenteaplicvel, mas poder ela ser invocada nos tribunais antes de ser transposta?Convm distinguir primeiro aplicabilidade directa de efeito directo.

    A aplicabilidade directa a susceptibilidade de aplicao do acto jurdico daUnio Europeia sem necessidade de transposio por parte do Estado. Efeito directo

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    a susceptibilidade de invocao de uma norma comunitria por parte daquele aquem a norma confere direitos ou obrigaes (num tribunal nacional ou perantequalquer autoridade pblica) quer a norma tenha sido transposta ou no peloEstado, e desde que cumpridos os requisitos da clareza, preciso eincondicionalidade da norma. A directiva comunitria no tem aplicabilidade directa

    mas pode ter efeito directo, isto , pode ser invocada pelos particulares em tribunalcontra o Estado que no transps a directiva nos prazos previstos e por isso mesmolesou o cidado.

    O regulamento goza de aplicabilidade directa e de efeito directo. A directivapode ser invocada pelos particulares contra o Estado se este no efectuou atransposio da directiva ou se o fez de forma incorrecta. Uma directiva notransposta no pode ser invocada contra um particular, mas pode ser invocadacontra um Estado que no cumpriu a disposio europeia, por no ter transposto adirectiva.

    Para proteger os particulares contra a inrcia do Estado-membro, o Tribunal

    de Justia j considerou, desde 1991, no acrdo Frankovich, que verificadoscertos requisitos a directiva pode sim produzir efeitos na esfera jurdica doparticular, mesmo antes de ser transposta para o Direito interno. Se a directiva tiverum contedo preciso, claro e incondicionado, pode ser invocada pelo cidadocontra o Estado, mesmo que ainda no tenha sido transposta. No acrdoFrankovich estava em causa uma directiva do Conselho que protegia os Direitosdos trabalhadores assalariados. Impunha-se o prazo de 2 anos para que o Estadocriasse as providncias necessrias para tal. O Estado italiano nada fez e AndreiaFrankovich e Daniele Bonifacci trabalhavam em 2 empresas que faliram e eramtitulares de crditos salariais que no foram pagos aps 5 anos. O Estado italianonada fez para proteger os cidados de acordo com a directiva. Assim, as duas

    trabalhadoras propuseram uma aco contra o Estado dentro dos tribunaisnacionais. Estes reencaminharam a aco para o Tribunal de Justia, que decidiuque o Estado italiano era responsvel pelas leses dos trabalhadores por violaodo Direito da Unio Europeia.

    A transposio das directivas pelos Estados deve ser correcta e clara. Se adirectiva no for correctamente transposta ou at no for transposta, mas sendo oseu contedo preciso, o particular pode invocar a norma contra o Estado. Contraisto, o particular vai obter a aplicao da norma da directiva, se estiver a demandarcontra o Estado, porque o Estado que no transps ou transps incorrectamente anorma incorre em incumprimento. Se estivermos perante uma norma de umadirectiva que no foi transposta ou foi transposta incorrectamente se esta normativer um contedo preciso e incondicionado, o particular pode invoc-la em juzo sea norma lhe atribui um direito ou impe um dever, e se estiver a demandar contra oEstado, o particular pode invocar a norma da directiva.

    E o particular pode demandar contra outro particular? No. No acrdoFrankovich, Frankovich no podia invocar a norma da directiva contra a empresa,porque a directiva no se aplica aos particulares, mas sim aos Estados.

    O Direito Comunitrio no teria qualquer efeito til se os cidados nopudessem invocar as disposies europeias perante as jurisdies nacionais, j queo Tribunal de Justia da Unio Europeia incompetente para conhecer da pretenso

    de um particular frente a outro particular ou Estado. O Tribunal de Justia temoutras competncias: julga a violao das obrigaes europeias por parte dos

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    Estados, a pedido da Comisso ou de outro Estado, aprecia a legalidade dos actosdas instituies europeias, interpreta as disposies europeias a pedido dostribunais nacionais, atravs do chamado reenvio prejudicial.

    A deciso um instrumento normativo, um acto jurdico adequado para arealizao de funes administrativas/executivas da Unio Europeia. Visa aplicar oDireito da Unio Europeia a casos concretos, por isso muito assimilvel ao nossoacto administrativo no Direito interno. A deciso obrigatria em todos os seuselementos, mas apenas para os destinatrios nela designados. Os destinatrios dadeciso so nela individualizados. Diferentemente das directivas que s se dirigemaos Estados, as decises podem ser dirigidas aos Estados, s empresas, aosindivduos, etc. As decises impem o resultado/fim a ser atingido pelo Estado, mastambm impem as modalidades de execuo desse resultado, ao contrrio dadirectiva. As decises no tm um carcter geral, porque os destinatrios estoindividualizados, mas so obrigatrias em todos os seus elementos para os seusdestinatrios.

    Por exemplo, o artigo 182 probe o abuso da posio dominante, probe queuma empresa explore de forma abusiva a posio dominante que exerce nomercado, anulando a concorrncia. Suponhamos que no exerccio dascompetncias administrativas a Comisso decide que h abuso de posiodominante por parte da empresa. A Comisso aplica uma sano pecuniria e exigeque a empresa adopte as medidas para que aquela posio acabe. A deciso no satribui efeitos jurdicos empresa como permite aos particulares exigiremresponsabilidade pela violao dos seus direitos.

    As decises tambm podem ser dirigidas aos Estados, seja para concederuma autorizao, seja para revogar uma autorizao, seja para obrigar o Estado a

    adoptar certas medidas. A deciso vai mais longe que as directivas, porque impemresultados e meios. As decises podem emanar do Conselho, ou da Comisso, ou doParlamento ou do Conselho e Parlamento conjuntamente.

    Recomendaes e pareceres no so vinculativos, no acarretamobrigaes jurdicas para os seus destinatrios. Tais actos servem para que asinstituies europeias possam prosseguir funes de orientao. Asrecomendaes so actos do Conselho dirigidos ao Estado ou actos da Comissodirigidos ao Conselho e a outros Estados. Servem para exprimir o ponto de vista deuma dada instituio, serve para sugerir determinados comportamentos a seremadoptados por outra instituio ou Estado.

    Os pareceres expressam a opinio de uma instituio numa dada situaomas emitido pela instituio qual foi solicitado. A Comisso, por exemplo, dpareceres s empresas e aos Estados quando solicitada. O Conselho d pareceres Comisso e a Comisso d pareceres ao Conselho.

    Invocao do Tratado de Lisboa em matria de actos jurdicos da

    Unio Europeia

    O Tratado de Lisboa distingue, pela primeira vez, actos legislativos de actosno legislativos. Dantes tnhamos apenas actos jurdicos da Unio Europeia. Estadistino remete-nos para a distino a nvel interno entre actos legislativos eregulamentos. O artigo 249A do Tratado sobre o Funcionamento da Unio Europeia

    diz respeito ao processo legislativo, que pode ser:

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    1. Ordinrio atravs deste processo, o Parlamento e o Conselho Europeuadoptam conjuntamente regulamentos, directivas e decises, sobproposta da Comisso que tem a iniciativa legislativa. o processo deco-deciso, artigo 251, ou seja, o processo legislativo ordinrio decorredo processo de co-deciso.

    2. Especial em casos especficos, o Parlamento Europeu, com a eventualparticipao do Conselho, ou Conselho, com a eventual participao doParlamento, pode adoptar regulamentos, directivas ou decises. Esteprocesso excepcional.

    Os actos jurdicos adoptados pelo processo legislativo ordinrio ou especialso actos legislativos artigo 249/A/3. O artigo 249B e C dispe sobre actos nolegislativos de alcance geral, ou seja, est em causa a funo normativasecundria, os actos regulamentares/funo regulamentar. Destes artigos decorreque um regulamento, uma deciso ou uma directiva possa ter ou no carcterlegislativo.

    Os regulamentos, directivas e decises podem ser actos legislativos seemitidos segundo o artigo 249A. Os actos no legislativos sero sempre objecto deexecuo ou de delegao. Estes actos dependem sempre de um acto legislativoprvio que delegue na Comisso poderes para o alterar (nunca nas suas dimensesespeciais), para o complementar ou para o executar. Um acto legislativo, criadoatravs do processo legislativo ordinrio ou especial, pode delegar na Comisso opoder de criar actos no legislativos/actos regulamentares que o completam, oalteram ou o executam. Neste caso, o acto legislativo que autoriza a delegao nacomisso define claramente o mbito de poderes concedidos, o prazo de vigncia(249/B/1), o contedo, etc. O Parlamento e o Conselho pode revogar o acto de

    delegao.Assim, podemos ter regulamentos delegados, decises e directivas

    delegadas. O acto legislativo que autoriza a delegao assemelha-se s nossas leisde aprovao da Assembleia da Repblica que autorizam o Governo a legislar. Oque difere que o acto legislativo que delega o poder do Conselho e do Parlamentoda Comisso delega um poder regulamentar e no um poder legislativo, comofazem as leis de autorizao da Assembleia da Repblica. O Conselho/Parlamentodelega poderes na Comisso para criar um acto no legislativo. Os regulamentos,decises ou directivas delegadas so emitidas pela Comisso como um actoregulamentar, vm alterar ou complementar o acto legislativo emitido no processolegislativo ordinrio ou especial.

    O artigo 249C trata da delegao de competncias de execuo Comissopara executar os actos emitidos pelo Parlamento ou pelo Conselho. Os actoslegislativos podem conferir Comisso poderes de execuo/regulamentar quandofor necessrio criar condies uniformes de execuo dos actos legislativos. O actolegislativo pode delegar poderes de execuo na Comisso. A estes actosacrescentamos o adjectivo execuo: regulamento de execuo, directiva deexecuo e deciso de execuo. Estes actos tm uma funo secundria face a umacto legislativo. So actos regulamentares.

    Necessidade de fundamentao de todos os actos e normas

    comunitrias e obrigao de publicidade de alguns deles.

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    Os actos jurdicos da Unio Europeia devem ser fundamentados, artigo 253,e devem fazer referncia ao cumprimento das exigncias previstas nos tratados,por exemplo, se for necessria a recomendao. Isto decorre da ideia de Unio deDireito. Um Estado de Direito aquele que cumpre os procedimentos previamenteprevistos. A Unio de Direito aponta para o cumprimento dos procedimentos e para

    a exigncia de fundamentao da actuao do poder pblico.A fundamentao promove a aceitao e a transparncia do poder pblico.

    No Direito da Unio Europeia, a fundamentao da interveno, a publicitao dosmotivos que presidem adopo daquele acto jurdico, bem como a indicao dabase jurdica do tratado que autoriza a instituio a agir, tem relevncia acrescida,porque, a partir dessa fundamentao jurdica, ns sabemos se a norma do tratadoinvocada para regular uma dada matria confere ou no poderes que a instituiopensa ter para regular aquela matria, porque a fundamentao pode levar ou no anulao daquele acto jurdico.

    O artigo 254 diz respeito assinatura e publicao dos actos da Unio

    Europeia. Os actos jurdicos adoptados segundo o procedimento legislativo ordinriodevem ser assinados pelo Presidente do Conselho e pelo Presidente do ParlamentoEuropeu. Quem assina os actos jurdicos adoptados segundo o procedimentolegislativo ordinrio o Presidente da instituio que o adoptou. Os actoslegislativos so sempre publicados no Jornal Oficial da Unio Europeia. Todos elesdevem ser a publicados e entram em vigor na data por ele fixado ou no vigsimodia seguinte sua publicao. Os actos no legislativos, por sua vez, se noindicarem destinatrios so publicados no Jornal Oficial da Unio Europeia e seindicarem destinatrios s entram em vigor depois da notificao dos seusdestinatrios (decises delegadas, etc.).

    6. Proteco Jurisdicional dos Direitos Fundamentais na Unio Europeia.No continente europeu existem, a propsito da proteco dos Direitos

    Fundamentais, duas realidades: o sistema da Unio Europeia (sistemaeurocomunitrio) e o sistema do Conselho da Europa (sistema europeu). Em quediferem?

    A proteco dos Direitos Fundamentais no mbito do Conselho da Europa(Organizao Internacional de 50 Estados) funda-se na Conveno Europeia dosDireitos do Homem (CEDH). A CEDH foi assinada em Roma, em 1950 e entrou emvigor em 1953, sendo posteriormente completada por 11 protocolos, 9 dos quaisainda em vigor. O Tribunal que zela pelos Direitos que foram consagrados na CEDH

    foi o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) com sede em Estrasburgo. um Tribunal diferente do Tribunal de Justia da Unio Europeia (sediado noLuxemburgo). Porque so distintos? Porque o TEDH s se dedica proteco dosDireitos Fundamentais consagrados na CEDH. Depois, ambos os tribunais tm umdesenvolvimento de percurso muito diferente, o acesso dos particulares tambm distinto. O TEDH decorre do Conselho da Europa e o TJUE decorre da Unio Europeiaque s rene 27 Estados-membros. O TEDH visa garantir os Direitos que a CEDHestabelece e s estes.

    A pedra de toque do sistema europeu o acesso directo dos particulares aoTEDH. Sempre que ocorre uma falha do sistema nacional de proteco dos Direitos

    Humanos por violao dos Direitos consagrados na CEDH, o particular lesado podedirigir-se ao TEDH para exigir reparao. As queixas dos particulares chegam aoTEDH directamente e so ou no aceites. Porm, este acesso exige certos

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    requisitos, nomeadamente: esgotamento das vias de recurso ordinrias paraeventualmente ultrapassar o acto nacional. No fundo, aquilo que o TEDH faz condenar o comportamento do Estado luz da CEDH por o Estado no tersalvaguardado a pretenso do particular e, eventualmente, obrigar reparao dodano causado ao particular, atravs de uma indemnizao.

    A sentena do TEDH tem uma natureza permanentemente declarativa, ouseja, o Tribunal apenas reconhece que certo comportamento nacional contraria osDireitos previstos na CEDH, apenas reconhece a violao dos Estados. Contudo, oTEDH no pode revogar/modificar a deciso interna, no pode anular os actosjudiciais das autoridades nacionais. No mximo, o TEDH condena o Estado aindemnizar o particular lesado. O TEDH exorta, portanto, o Estado prevaricador aactuar em conformidade com o seu acrdo. Mas o TEDH nem sequer radica o tipode medidas necessrias, no estabelece um prazo para a adopo das medidas, oque deixa ao Estado prevaricador uma ampla margem de liberdade de actuao emconformidade com o acrdo do TEDH. Nada disto tem a ver com o que acontece dolado da Unio Europeia.

    Na Unio Europeia, a proteco jurisdicional dos Direitos Fundamentaisfunda-se nos Tratados Constitutivos da Unio Europeia e exercida pelos Tribunaisque integram a estrutura judicial da Unio Europeia: o Tribunal de Justiapropriamente dito, o Tribunal de primeira instncia e os Tribunais nacionais. Estaproteco decorre da ideia de Unio de Direito. Se na esfera jurdica nacional haviamecanismos para que o particular reagisse contra a violao dos DireitosFundamentais, quando a competncia transferida dos Estados-membros para aUnio Europeia, a proteco do particular no pode ficar diminuda.

    Quando h devoluo de competncias para a Unio Europeia, a proteco

    do particular no pode ficar diminuda, porque a Unio Europeia funciona como umaUnio de Direito, pois o poder pblico est sujeito ao Direito. Ao exercer os poderesque os Estados-membros lhe devolveram, a Unio Europeia afecta a esfera dosindivduos, logo a proteco dos Direitos Fundamentais na Unio Europeia deveestar assegurada. A transferncia de competncias para a Unio Europeia, bemcomo a ideia de Unio de Direito, exige a proteco dos Direitos Fundamentais dosindivduos.

    Desde cedo se tornou evidente que a transferncia de competncias para aUnio Europeia acarretaria a violao dos Direitos dos cidados, porque onde hpoder h necessariamente violao de Direitos, sempre foi assim. A limitao dopoder atravs dos Direitos Fundamentais a base do constitucionalismo. O

    exerccio do poder por parte da Unio Europeia acarretaria uma violao dosDireitos Fundamentais, da a necessidade da proteco dos Direitos Fundamentaisda Unio Europeia.

    Os Tratados Constitutivos ainda no tm um catlogo dos DireitosFundamentais. A carta dos Direitos Fundamentais da Unio Europeia ainda no foiintegrada nos Tratados e carece de vinculao jurdica. O Tratado de Lisboa oferecevinculao jurdica Carta, aprovada em 2001. Mas, por enquanto, a Carta dosDireitos Fundamentais da Unio Europeia carece de vinculao jurdica, no podeser invocada pelos tribunais, porque no foi integrada nos Tratados Constitutivos.Assim, o Tribunal de Justia teve de recortar jurisprudencialmente a proteco dos

    Direitos Fundamentais no mbito da Unio Europeia. Atravs dos seus acrdos, o

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    Tribunal de Justia l foi definindo jurisprudencialmente a proteco dos DireitosFundamentais na Unio Europeia.

    Quando o Tribunal de Justia profere uma deciso, ela vale para todos osTribunais nacionais, forma precedente, da falar-se no princpio do precedentevinculativo do Tribunal de Justia. Por ausncia de um catlogo de DireitosFundamentais nos Tratados Constitutivos, o Tribunal de Justia foi recortandojurisprudencialmente a proteco dos Direitos Fundamentais. E f-lo com base nosprincpios gerais do Direito e com base nas tradies constitucionais comuns aosEstados-membros. Isto ficou definido j no acrdo Stander de 1969. Desde 1969que o Tribunal de Justia vem fazendo este recorte da proteco dos DireitosFundamentais, entendendo-os como princpio geral do Direito e tradio comumdos Estados. Esta orientao jurisprudencial foi mais tarde reforada por umadeciso do