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1 Dimensões do fenómeno do assédio sexual: A experiência organizacional CLÁUDIA MÚRIAS UMAR UNIÃO DE MULHERES ALTERNATIVA E RESPOSTA 9 Março 2016 LISBOA, Centro de Estudos Judiciários

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Dimensões do fenómeno do

assédio sexual:

A experiência organizacional

CLÁUDIA MÚRIAS

UMAR UNIÃO DE MULHERES ALTERNATIVA E RESPOSTA

9 Março 2016 – LISBOA, Centro de Estudos Judiciários

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Assédio Sexual: Quebrar Invisibilidades

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O que é assédio sexual no trabalho?

Organização Internacional de Trabalho (OIT)

Qualquer comportamento indesejado de caráter sexual, intencional ou não

intencional que ocorrendo em local de trabalho ou estando com ele

relacionado, viole a dignidade da pessoa ou ofenda a sua integridade física

e moral, desde que apresente umas das seguintes características:

constituir uma condição clara para dar ou manter o emprego;

influenciar na carreira ou promoções da pessoa assediada;

prejudicar o rendimento profissional, humilhar, insultar ou

intimidar (Magalhães, 2011).

Quando se fala de assédio sexual, fala-se de insinuações sobre a

aparência física ou a vida pessoal, olhares maliciosos, piadas, anedotas,

convites impertinentes, exibição de material pornográfico, até contactos

físicos forçados, como beijos e abraços, agressões físicas graves ou

violações (FRA, 2014; Dias, 2008; Morgan, 2001).

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Assédio sexual no local de trabalho = risco psicossocial

Enquanto forma de violência em contexto de trabalho, o assédio

sexual é considerado um risco psicossocial que mais afeta a saúde

das pessoas trabalhadoras em todo o mundo, a par do álcool e

drogas, do stress, do tabaco e do HIV (Cruz & Klinger, 2011),

É encarado pela OIT como um obstáculo ao trabalho digno por

comprometer o gozo de direitos laborais.

De acordo com V Inquérito Europeu sobre as Condições de Trabalho,

as mulheres reportam três vezes mais situações de assédio sexual

(Eurofound, 2012).

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Motivos para a prevenção e intervenção nas organizações

A falta de representação do assédio sexual enquanto violência tem

como consequências sociais:

Existência de representações sociais desresponsabilizadoras dos

comportamentos de assédio sexual: interpretação das situações de assédio

sexual como situações de sedução, flirt ou piropo (Magalhães, 2012);

desvalorização do caráter indesejado e/ou ofensivo do comportamento

A vitimização secundária por parte da colegas ou familiares com a

culpabilização e derrogação da vítima de assédio sexual (Baugh, 1997):

quando as mulheres resistem e questionam a naturalidade destas

imposições é a sua própria credibilidade que é colocada em causa e sob

suspeita – não a da pessoa que assedia ou da organização que permite tais

comportamentos (Fitzgerald, 1993) – porque se “insinuam aos homens”,

porque “lhes dão confiança” ou porque podem “controlar as situações se

assim o quiserem” (Magalhães, 2012)

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Consequências do assédio sexual no local de trabalho

Porque o assédio sexual é geralmente inesperado e, muitas vezes,

viola as crenças que as pessoas têm sobre um ambiente de

trabalho de apoio e colaborativo:

As vítimas de assédio são susceptíveis de ter sintomas psicológicos

semelhantes às pessoas que experienciam acontecimentos

traumáticos (Fitzgerald et al, 1997);

Existem muitas semelhanças entre as consequências da vitimização

pela violência de género nas relações de intimidade e a violência

por assédio sexual (Magalhães, 2011).

Em situações de assédio sexual, as organizações assistem ao

aumento dos seus custos em resultado de maior absentismo,

rotatividade do pessoal e de menor produtividade (CITE, 2013;

Dias, 2008; ILO, 1992).

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Estratégias de intervenção do projeto:

Envolver e trabalhar em rede com a CITE, autarquias, sindicatos,

associações, departamentos de recursos humanos de empresas e

escolas profissionais para caracterizar o assédio sexual, em

especial nos locais de trabalho.

Sensibilizar, contribuindo para a alteração de mentalidades,

integrando a igualdade de género nas práticas quotidianas,

escolares e académicas, nas relações profissionais e no espaço

público/rua.

Situar o projeto no tecido económico, social e cultural,

utilizando técnicas de abordagem específicas para os diversos

agentes no terreno e para a sociedade no geral (exemplos: spot,

kit informativo, etc.) promovendo a visibilização social do

assédio sexual.

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Fase I – Estudo e preparação

Estudo jurídico comparado

Recolha e análise comparada de legislação e

jurisprudência; comunicações e publicações

científicas; Iniciativa legislativa

Linha de atendimento / espaço online

Espaço para denúncias e acompanhamento

jurídico de situações de assédio sexual

Kit informativo online

Disponibilização de documentos agrupados por:

Guias e Manuais

Legislação Internacional

Relatórios e Estudos

Revisão da Literatura

Fase I

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Fase II

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Fase II – Sensibilização e apoio técnico

Ações de sensibilização

Dirigentes e delegadas/os sindicais

Dirigentes e profissionais de autarquias e

das redes sociais

Profissionais das associações de

imigrantes e de desenvolvimento local

Grupos de discussão focalizada

Estudantes da escolas profissionais

Raparigas, jovens e mulheres adultas

Grupos de apoio mútuo

Vítimas de assédio

Fase I

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Fase III

Fase II

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Fase III – Visibilização social

Seminário final

Entidades parceiras, grupos de

investigação, público / sociedade civil

Campanha de sensibilização

Postal, cartaz, folheto para circular na

rua, centros de emprego, escolas,

sindicatos, autarquias, associações, etc.

Spot publicidade institucional para meios

de comunicação

Publicações temáticas

Brochura “Assédio Sexual é Violência.

Direito ao Trabalho com Dignidade”

Agenda Feminista 2016 “Assédio Sexual

é Violência” 40 Anos da UMAR

Fase I

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Testemunhos que quebram o silenciamento

“Nós tínhamos briefings semanais com fixação de objetivos e análise de resultados e, ou

corria lindamente, ou então ele tinha brincadeiras de natureza sexual… tinha contacto

físico com algumas colegas, mexia-lhes no pescoço, mexia-lhes nos braços, sentava-se

ao colo delas, punha-as ao colo dele, muitas vezes também ia por trás e fazia

massagens, e tinha assim comentários… Uma colega era particularmente molestada por

ele – molestada no sentido de estar constantemente com toques, com e-mails, e a fazer

referências à vida sexual dela ou ausência de sexualidade dela, aquelas coisas… ele

escondia-se atrás do pilar, punha-se assim atrás de um pilar, puxava-lhe o cabelo…”

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Testemunhos que quebram o silenciamento

“Ao princípio senti medo. Medo de tudo. Pode não ser um medo declarado,

mas um medo difuso, uma sensação terrível. Senti medo até de mim. O que é

que eu poderia fazer perante a atitude que estavam a ter comigo? Tinha

mesmo medo de vir para a rua, o que é que eu ia fazer com esta idade? Na

rua, com um filho menor, eu precisava daquele trabalho para o sustento dele.

Se calhar foi o que me fez muitas vezes ser humilhada e aguentar muita coisa.

Foi isso.”

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Testemunhos que quebram o silenciamento

“É um atentado à dignidade: são gestos de desprezo, atitudes que desqualificam

A violência surge quando o assédio já está instalado e, apesar de notado por

todos, deixa a vítima extremamente fragilizada e sem apoio. Ao mesmo tempo a

vítima é tida como responsável. A vítima aparece sempre como a culpada e é

isto que temos de combater. A vítima também se autoculpabiliza porque a

sociedade assim o induz. A sociedade acha que a vítima é que fez qualquer

coisa. Temos uma sociedade que não torna o agressor na pessoa que é o móbil

do crime e tem de ser ele a ser culpabilizado.”

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Testemunhos que quebram o silenciamento

“Só que elas não conseguiam falar sobre o assunto. Estavam constantemente

ansiosas, angustiadas. Uma colega minha pediu transferência para a

contabilidade. Já estava a antidepressivos. A outra colega também estava a

antidepressivos, estava zombie dos medicamentos. Não aguentou trabalhar

com ele. As pessoas já não estavam a conseguir lidar, mas a empresa pagava

acima da média, portanto havia muita gente que não estava na disponibilidade

de sair porque tinha contas para pagar. Foi muito complicado gerir do ponto de

vista emocional. Durante algum tempo, até tinha pesadelos com aquilo,

portanto faço ideia das minhas colegas, e foram anos! Havia pessoas que já

estavam em terapia, a minha colega estava num psicólogo e disse-me quanto é

que gastava por ano em terapia – uma fortuna! Eu vi que aquilo estava a afetá-

las, estava mesmo a afetá-las.”

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Testemunhos que quebram o silenciamento

“As vítimas que passaram pelo meu sindicato, por muito que eu lutasse para que não

desistissem, desistiram. A maior parte delas desistiu. Algumas abandonaram mesmo o

setor. E precisavam de emprego, tinham filhos, mas chegava a uma altura que se iam

embora porque não aguentavam mais, porque a vítima entra numa escalada de

depressão e degradação psicológica tal que se reflete na família, porque a vítima não

reparte este problema com quase ninguém. Dificilmente a vítima fala disto. É muito difícil

falar e isto tem repercussões. Ela vai calando, calando e a família – e a relação sexual

dentro do casal – fica completamente destruída. É preciso perceber a gravidade e as

consequências sociais que o assédio acarreta.”

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Testemunhos que quebram o silenciamento

“Se bem que acho que ele ficou um bocado assustado. Ele não

estava à espera que fosse tão longe. E o facto de ter sido alvo de

dois processos-crime é capaz de funcionar como um factor inibidor

de futuros comportamentos daqueles.”

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Visibilização social Campanha multimedia

https://www.youtube.com/watch?v=YNrVWYmXOtM

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Concluindo…

Ao recolher histórias de assédio sexual, pretende-se desocultar o

fenómeno, propagar as consequências e os impactos sentidos nos

quotidianos das pessoas – em especial das mulheres – que sofrem este

tipo de violência, e quebrar o seu silenciamento.

Visou-se ainda disseminar a sensibilização junto dos meios sindicais,

profissionais, empresariais e a sociedade civil em geral para esta

problemática, contribuindo, deste modo, para o aumento da

consciencialização sobre os direitos humanos.

Foi uma das formas de mobilizar estes atores sociais para a criação dos

meios e das técnicas para ouvir as denúncias e para agir no sentido de

apoiar todas as pessoas trabalhadoras que pretendem atuar mas que

têm receio de o fazer, procurando criar respostas de apoio jurídico e

psicológico.