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DIFERENÇA, CULTURA E TERRITÓRIOS EDUCATIVOS: UMA PERSPECTIVA INCLUSIVA Este artigo tem como objetivo apresentar a pesquisa “A Escola e suas transform(ações) a partir da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva”. Essa pesquisa foi proposta pelo Ministério da Educação (MEC) e coordenada pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença (LEPED), da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), em parceria com o Instituto de Pesquisa do Discurso do Sujeito Coletivo (IPDSC), no âmbito da cooperação internacional da Organização dos Estados Ibero- Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura-OEI. O objetivo principal foi identificar a percepção da comunidade escolar sobre os impactos decorrentes da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva de 2008. Para efetivação da pesquisa foram entrevistados gestores de educação especial, diretores de escola, coordenadores pedagógicos, professores dos anos iniciais e finais do ensino fundamental, professores de atendimento educacional especializado e pais de estudantes com e sem deficiência, de 96 escolas públicas urbanas e rurais de 48 municípios brasileiros. Esses depoimentos foram analisados e qualiquantificados por meio das técnicas do método Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). Os resultados permitiram que os pesquisadores pudessem agrupar as informações em categorias em três blocos intitulados: Percepções e Posições dos Sujeitos sobre Inclusão Escolar; Mudanças na Escola Comum decorrentes da Implantação da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva e Fatores Impulsores e Restritivos Intervenientes na Implantação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Palavras-chave: Inclusão. Diferença. Cultura XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 10758 ISSN 2177-336X

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DIFERENÇA, CULTURA E TERRITÓRIOS EDUCATIVOS: UMA

PERSPECTIVA INCLUSIVA

Este artigo tem como objetivo apresentar a pesquisa “A Escola e suas transform(ações)

a partir da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva”. Essa pesquisa foi

proposta pelo Ministério da Educação (MEC) e coordenada pelo Laboratório de Estudos

e Pesquisas em Ensino e Diferença (LEPED), da Universidade Estadual de Campinas

(UNICAMP), em parceria com o Instituto de Pesquisa do Discurso do Sujeito Coletivo

(IPDSC), no âmbito da cooperação internacional da Organização dos Estados Ibero-

Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura-OEI. O objetivo principal foi

identificar a percepção da comunidade escolar sobre os impactos decorrentes da Política

Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva de 2008. Para

efetivação da pesquisa foram entrevistados gestores de educação especial, diretores de

escola, coordenadores pedagógicos, professores dos anos iniciais e finais do ensino

fundamental, professores de atendimento educacional especializado e pais de estudantes

com e sem deficiência, de 96 escolas públicas urbanas e rurais de 48 municípios

brasileiros. Esses depoimentos foram analisados e qualiquantificados por meio das

técnicas do método Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). Os resultados permitiram que

os pesquisadores pudessem agrupar as informações em categorias em três blocos

intitulados: Percepções e Posições dos Sujeitos sobre Inclusão Escolar; Mudanças na

Escola Comum decorrentes da Implantação da Educação Especial na Perspectiva da

Educação Inclusiva e Fatores Impulsores e Restritivos Intervenientes na Implantação da

Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva.

Palavras-chave: Inclusão. Diferença. Cultura

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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EDUCAÇÃO ESPECIAL NA PERSPECTIVA INCLUSIVA: DESAFIOS E

TRANSFORMAÇÕES NAS ESCOLAS

Lilia Maria Souza Barreto

Mestre e doutoranda pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e

Diferença/LEPED/Faculdade de Educação/Universidade Estadual de Campinas.

Resumo

Este artigo tem como objetivo apresentar a pesquisa “A Escola e suas transform(ações)

a partir da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva”. Essa pesquisa foi

proposta pelo Ministério da Educação (MEC) e coordenada pelo Laboratório de Estudos

e Pesquisas em Ensino e Diferença (LEPED), da Universidade Estadual de Campinas

(UNICAMP), em parceria com o Instituto de Pesquisa do Discurso do Sujeito Coletivo

(IPDSC), no âmbito da cooperação internacional da Organização dos Estados Ibero-

Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura-OEI. O objetivo principal foi

identificar a percepção da comunidade escolar sobre os impactos decorrentes da Política

Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva de 2008. Para

efetivação da pesquisa foram entrevistados gestores de educação especial, diretores de

escola, coordenadores pedagógicos, professores dos anos iniciais e finais do ensino

fundamental, professores de atendimento educacional especializado e pais de estudantes

com e sem deficiência, de 96 escolas públicas urbanas e rurais de 48 municípios

brasileiros. Esses depoimentos foram analisados e qualiquantificados por meio das

técnicas do método Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). Os resultados permitiram que

os pesquisadores pudessem agrupar as informações em categorias em três blocos

intitulados: Percepções e Posições dos Sujeitos sobre Inclusão Escolar; Mudanças na

Escola Comum decorrentes da Implantação da Educação Especial na Perspectiva da

Educação Inclusiva e Fatores Impulsores e Restritivos Intervenientes na Implantação da

Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva.

Palavras-chave: Educação especial. Política Educacional inclusiva. Educação Inclusiva.

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Introdução

A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva

(2008) agregou vários elementos que compõem um novo direcionamento para a

educação especial no Brasil. Estes elementos nasceram de uma necessidade coletiva

com o objetivo de trazer para o centro das discussões o rompimento da

homogeneização em favor do reconhecimento das diferenças em uma educação que

atenda às necessidade de todos os alunos.

Essa política altera a concepção de uma educação substitutiva ao ensino comum,

com escolas e classes especiais ou reforço escolar e define como serviço da educação

especial, o Atendimento Educacional Especializado/AEE. Segundo as diretrizes dessa

Política (2008), o AEE, tem como objetivo: identificar, elaborar e organizar recursos

pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação

dos alunos, considerando suas necessidades específicas. Este atendimento é feito pelos

profissionais da educação especial nas Salas de Recursos Multifuncionais/SRM e

diferencia-se das atividades realizadas nas salas de aula comuns. Ele visa à autonomia

e independência dos estudantes público alvo da educação especial (estudantes com

deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e com altas

habilidades/superdotação).

A Política Nacional de educação inclusiva tem resultado numa mudança de

concepção sobre a inclusão escolar. Dadas essas transformações colocadas à escola

comum, era necessário investigar como estava se dando sua implementação, uma vez

que ela propôs uma série de alterações para a escola comum. Essa investigação foi

realizada após cinco anos da formulação da Política Nacional de Educação Especial na

Perspectiva da Educação Inclusiva (lançada pelo MEC em 2008), por meio de uma

pesquisa, intitulada “A Escola e suas transform(ações) a partir da Educação Especial na

Perspectiva da Educação Inclusiva”.

Essa pesquisa foi proposta pelo Ministério da Educação (MEC), coordenada e

implementada por oito pesquisadores do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino

e Diferença (LEPED), da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), em

parceria com o Instituto de Pesquisa do Discurso do Sujeito Coletivo (IPDSC), no

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âmbito da cooperação internacional da Organização dos Estados Ibero-Americanos para

a Educação, a Ciência e a Cultura-OEI.

A pesquisa abriu a possibilidade de verificar junto aos diversos sujeitos que

compõem a comunidade escolar (gestores de redes, gestores escolares, coordenadores,

professores de sala comum, professores de AEE e familiares) sua percepção sobre os

reais impactos da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação

Inclusiva (MEC, 2008).

A pesquisa teve como objetivos:

Identificar e caracterizar, nas escolas comuns, as condições institucionais,

humanas, pedagógicas e operacionais que atualmente são predominantes

nos processos de implantação e consolidação da Política Nacional de

Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008).

Formular e apresentar proposições gerenciais, organizacionais, técnico-

pedagógicas e metodológicas aplicáveis à consolidação ou

aperfeiçoamento dos processos educacionais e de gestão utilizados pelas

escolas que ofertam o AEE em seus Projetos Políticos Pedagógicos.

Os referenciais que embasaram a elaboração e o procedimento da pesquisa

passam pelo direito à diferença. Direito esse que, de acordo com Mantoan (2015),

"desconstrói o sistema atual de significado escolar excludente, normativo, elitista,

com suas medidas de produção da identidade e da diferença". O estudante da

escola inclusiva, na perspectiva da diferença, é outro sujeito, que não se enquadra

em um identidade fixa, determinada por modelos ideais, pré-estabelecidos,

essenciais e permanentes.

Burbules (2008) afirma que a diferença não é apenas um suplemento à nossa

compreensão de quem é o outro, mas um questionamento direto que se refere ao

movimento em que a própria diferença se atualiza. Portanto, construir e realizar o

trabalho educacional e pedagógico na medida em que os alunos atualizam as suas

aprendizagens e tudo mais que os constitui (diferença humana), é um passo

decisivo para que não caiamos nas armadilhas da diversidade que classifica,

categoriza e define em representações estáticas, quem são os nossos alunos.

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De acordo com o documento orientador do Programa Implantação de Salas

de Recursos Multifuncionais (BRASIL, 2012):

A formulação da educação inclusiva, compreende o

processo educacional como um todo, pressupondo a

implementação de uma política estruturante nos sistemas

de ensino que altere a organização da escola, os modelos

de integração em escolas e classes especiais. A escola

deve cumprir sua função social, construindo uma proposta

pedagógica capaz de valorizar as diferenças com a oferta

da escolarização nas classes comuns do ensino regular e

do atendimento às necessidades específicas dos seus

estudantes.

A elaboração e desenvolvimento da pesquisa foram consolidados em

concepções princípios e valores contidos nos sistemas educacionais inclusivos.

Método

No intuito de conhecer e analisar o percurso da política e subsidiar a formulação

de proposições para o seu fortalecimento, adotou-se como desenho metodológico de

investigação o Discurso do Sujeito Coletivo -DSC (LEFEVRE; LEFEVRE, 2012). Esse

método possibilita identificar as representações sociais obtidas de pesquisas empíricas

em que as opiniões ou expressões individuais de sentidos semelhantes são agrupadas em

categorias gerais.

Com o objetivo de compor os discursos de diferentes atores sociais que

participam da construção da política, foram ouvidos 357 (trezentos e cinquenta e

sete) sujeitos, dentre eles: diretores de escolas, coordenadores pedagógicos,

professores do ensino fundamental, professores do Atendimento Educacional

Especializado e pais de estudantes com e sem deficiência, de 96 (noventa e seis)

escolas públicas urbanas e rurais, de 48 (quarenta e oito) municípios integrantes

do Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade, com o total de 3.570

(três mil, quinhentos e setenta) depoimentos, abarcando as cinco regiões

brasileiras.

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Foram realizadas: coleta, organização, descrição e ponderação dos sentidos

de cada depoimento emitido pelos diferentes segmentos do público-alvo

pesquisado. Essa metodologia proporciona a realização de entrevistas em

profundidade, possibilitando a apreensão da diversidade de referenciais e de

pontos de vista provenientes de diferentes espaços sociais e das diversas

perspectivas conceituais adotadas. A metodologia DSC condiciona a coleta e o

processamento de dados e informações de forma a abranger o caráter plural, denso

e complexo do objeto a ser pesquisado: a Educação Especial na perspectiva da

educação inclusiva e sob a ótica de seus principais atores.

O Discurso do Sujeito Coletivo (LEFEVRE; LEFEVRE, 2005; 2010) é uma

forma de resgatar e apresentar as representações sociais obtidas de pesquisas

empíricas em que as opiniões ou expressões individuais, que apresentam sentidos

semelhantes, são agrupadas em categorias semânticas gerais, como normalmente

se faz quando se trata de perguntas ou questões abertas. Mas o diferencial da

metodologia do DSC é que a cada categoria estão associados os conteúdos das

opiniões de sentido semelhante de modo a formar, com tais conteúdos, um

depoimento síntese, redigido na primeira pessoa do singular, como se tratasse de

uma coletividade falando na pessoa de um indivíduo. Trata-se de um discurso

construído na primeira pessoa coletiva do singular.

Como ferramenta, a pesquisa utilizou QLQT Online2 e Qualiquantisoft3 que

são dois softwares que fazem parte do instrumental do método. O QLQT Online é

um software que permite a construção de formulários online facilitando a coleta e

a organização de dados coletados para o grupo de pesquisadores. O

Qualiquantisoft é um software que facilita e operacionaliza o processamento de

dados qualitativos com vistas à obtenção dos DSCs. Esses ambientes

informatizados agilizaram os processos mecânicos e automatizáveis da pesquisa,

fazendo com que o pesquisador pudessem se concentrar nas tarefas que exigem

habilidade intelectual.

Para a coleta de dados foram elaborados casos com situações relacionadas a

problemas comuns às escolas e que envolvem: práticas pedagógicas do professor

de sala comum; o papel do professor do AEE; o posicionamento dos pais,

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dirigentes e coordenadores em relação ao direito de todos à educação em

ambientes escolares inclusivos.

Esse casos retratam o cotidiano das escolas e dizem respeito a inclusão de

estudantes com deficiência no ensino comum.

Exemplo de um dos casos:

Caso 1 - Matricular na escola comum ou continuar na escola especial.

"Marquinhos é um aluno com deficiência e estuda em uma escola especial.

Amigos e familiares de Marquinhos têm insistido para que seus pais o matriculem

na escola comum, onde é oferecido o AEE. Os pais têm dúvidas a respeito e foram

procurar você. O que você diria a esses pais e por quê?"

Resultados e discussão

No exemplo acima citado "Caso 1", apresentaremos resumidamente as

ideias centrais das respostas obtidas pelos entrevistadores sobre esse caso, em

todas as escolas dos municípios selecionados. Essas respostas foram listadas e

definidas com o apoio do software Qualiquantisoft.

De posse da listagem das ideias centrais das respostas de todos os

entrevistados os coordenadores da pesquisa realizaram um minucioso trabalho de

classificação dessas ideias e as compuseram em categorias. No caso em destaque

foram definidos como critérios de inclusão nas categorias, conforme Mantoan

(2014):

a) Favorável - diz respeito a matrícula do aluno na escola

regular por: existir o AEE na escola; pela diminuição da

discriminação; pela troca de experiências entre alunos com

e sem deficiência; pela promoção da socialização e

desenvolvimento; pela melhoria da auto estima; pela

autonomia e independência do aluno com deficiência; pelo

ganho geral que a educação inclusiva traz ao alunos na

aprendizagem de valores de conteúdos e pelo direito de

todos à educação;

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b) Desfavorável - diz respeito a ser favorável: dependendo

do tipo de deficiência; da escolha dos pais na hora de

matricular o filho; pela possibilidade de dupla matrícula

do aluno pelo fato de a escola comum não estar preparada

para receber o aluno com deficiência; porque considero a

escola especial tão regular quanto a comum e porque é

preciso manter o aluno com deficiência na escola especial

para ele ficar entre iguais; c) Não respondeu à questão.

Em todos os casos apresentados foram coletadas repostas quantitativas e

qualitativas. No caso citado "caso 1", obtivemos as seguintes respostas no país:

Exemplo quantitativo:

Figura 1 - Demonstrativo dos resultados das respostas dos sujeitos no Brasil.

Exemplo do resultado qualitativo, relacionado ao Caso 1.

Dada a extensão dos discursos, segue uma amostra da apresentação do DSC

referente a categoria A. (Professor AEE - zona rural)

Categoria A - Favorável - diz respeito a matricula do aluno na escola

regular por: existir o AEE na escola; pela diminuição da discriminação; pela troca

de experiências entre alunos com e sem deficiência; pela promoção da

socialização e desenvolvimento; pela melhoria da auto estima; pela autonomia e

independência do alunos com deficiência; pelo ganho geral que a educação

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inclusiva traz ao alunos na aprendizagem de valores de conteúdos e pelo direito de

todos à educação.

Professor AEE - Rural

Eu diria que eles podem, sim, matricular o menino na escola regular, porque é

direito da criança.Aqui na escola agente tem o suporte para oferecer para essa

criança. A gente tem o Atendimento Educacional Especializado. Eu explicaria

qual é o trabalho do AEE porque muitos pais desconhecem o que é o AEE. Eu vou

incentivar essa mãe para trazer o Marquinhos para a sala regular, porque essa

criança precisa desse atendimento, dessa socialização com os demais colegas.

Aqui as crianças passam a se envolver. Isso é bom não só para ela, mas para toda

a escola é um processo fantástico. A experiência que eu tenho é muito boa nesse

sentido. Eles estão certos em matricular seu filho na escola comum e se sentirão

seguros ao saber que o Marquinhos terá na escola todo o suporte necessário para

as dificuldades que apresenta. Eu também gostaria de dizer: Pais vamos fazer

uma experiência? O senhor traga o seu filho, a gente se compromete em

acompanhá-lo, se o senhor quiser o senhor vem também. Nós passamos todas as

informações. Eu sugiro que venham todos. Marquinhos poderá

melhorar muito e essa melhora não é só socialização. É melhorar em

aprendizagem, em vivência de mundo, em experiência diferenciada. No AEE ele

não vai só aprender para a escola,vai aprender para fora da escola. A gente vai

trabalhar mais o concreto, vai trabalhar situações diferentes para que

Marquinhos tenha mais autonomia na sua vida. Porque ele vai aprender a

conviver com pessoas de todos os tipos para ele também ser aceito. Eu diria para

esses pais que estudar na escola regular é essencial. Por trás dessa criança vai

ter um suporte, que talvez até para o professor será importante,porque o

professor também tem as suas dificuldades. Que matriculem. Vai ser melhor para

ele,porque ficando em casa ele não vai aprender nada. A educação se faz com a

parceria da escola com a família e é necessário que os pais acreditem nesse

trabalho. Todo mundo tem esse direito a educação. A Constituição diz que nós

somos iguais e pronto, independentemente do que se possa ter de dificuldade.

Existe uma lei que apoia e vários outros decretos e lei.

Categoria B - Desfavorável - diz respeito a ser favorável dependendo do

tipo de deficiência; da escolha dos pais na hora de matricular o filho; pela

possibilidade de dupla matrícula do aluno pelo fato de a escola comum não estar

preparada para receber o aluno com deficiência; porque considero a escola

especial tão regular quanto a comum e porque é preciso manter o aluno com

deficiência na escola especial para ele ficar entre iguais.

Professor AEE - Rural

Eu recomendaria, mas acho que cabe analisar o nível da deficiência. Embora

acredite que a melhor solução é a inclusão. Ele está no meio de crianças ditas

normais, entre aspas, mas com as quais ele vai ter uma interação maior.

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A pesquisa também se propôs a identificar e caracterizar nas escolas comuns

das redes públicas de ensino as condições predominantes nos processos de

implantação e consolidação da política, relacionando-os e descrevendo-os em seus

aspectos restritivos e impulsores.

Os 3.570 (três mil quinhentos e setenta) depoimentos sobre quatro questões

abertas e cinco casos apresentados, nos mostraram as transformações em curso nas

escolas comuns, a partir da Política.

Fatores Impulsores e Restritivos Intervenientes na Implantação da Política

Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva:

Percepções e posições dos entrevistados sobre inclusão nas escolas comuns:

81,18% dos entrevistados responderam que indicariam aos pais de crianças

com deficiência a matrícula na escola comum.

15,73 % dos entrevistados apresentam restrições ao processo de inclusão

escolar.

Mudanças na Escola Comum Decorrentes da Implantação da Educação Especial

na Perspectiva da Educação Inclusiva:

89,14% dos entrevistados apresentam a percepção de ganhos na vida dos

profissionais da educação, pais e alunos com e sem deficiência;

2,23% dos entrevistados que atuam na escola não detectaram em si

mesmos ganhos diretamente vinculados ao AEE.

Nos resultados encontrados, a maioria dos entrevistados (81,8%) indicam a

matrícula na escola comum aos pais de crianças com deficiência. Isso reflete um

entendimento dos participantes sobre o direito de todos à educação. Outro resultado

importante é que 89,14% dos participantes perceberam ganhos na vida dos profissionais

da educação, dos pais e estudantes com as práticas inclusivas. Os pais indicaram, por

exemplo, que o relacionamento interpessoal entre estudantes com e sem deficiência e no

próprio ambiente familiar melhorou muito com a implantação do AEE. Para os

professores, houve mudanças significativas no acesso dos alunos ao conhecimento,

como avanços na aquisição da leitura e da escrita. Além das percepções sobre o AEE,

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também foi possível identificar aspectos impulsores e restritivos da política de educação

inclusiva.

Como aspectos impulsores, destaca-se: o compromisso da secretaria de educação

dos municípios, do gestor da escola, dos professores de AEE e demais profissionais com

a política de educação inclusiva são alguns dos fatores citados como fundamentais para

que a inclusão aconteça. Outros aspectos são a presença de professores de AEE

habilitados nas escolas e a participação e confiança das famílias para a inclusão de seus

filhos em escolas comuns.

Como aspectos restritivos, destaca-se: falta de recursos públicos e falta de espaço

para o AEE. Resistência de alguns professores, falta de capacitação e esclarecimento

sobre o AEE, a quantidade de alunos por turma e a negligencia dos pais também foram

destacados como prejudiciais à política de educação inclusiva.

Considerações finais

Após cinco anos de implementação da Política Nacional de Educação Especial na

Perspectiva da Educação Inclusiva (época da realização desta pesquisa), a Pesquisa “A

Escola e suas transform(ações) a partir da Educação Especial na Perspectiva da

Educação Inclusiva”, concluiu que houve um avanço na compreensão da educação

como direito de todos e que esse direito deve ser assegurado na escola comum.

Essa constatação resulta da reorientação das diretrizes político pedagógicas

e do redirecionamento do financiamento público da Educação Especial para: a

institucionalização do Atendimento Educacional Especializado (AEE) nas escolas

comuns; a formação continuada dos professores do AEE; e a promoção da

acessibilidade nas redes públicas de ensino, tendo em vista o pleno acesso e a

participação dos alunos da Educação Especial em todas as etapas, modalidades e

níveis de escolaridade.

Outra investida da política vai na direção da chamada Discriminação

Positiva ou Diferenciação Positiva, que faculta às pessoas com deficiência

fazerem suas próprias escolhas, diante de possibilidades que lhe são apresentadas,

para resolver situações problema. Pela Convenção da Guatemala, promulgada

pelo Decreto 3.956/2001 (BRASIL, 2001), em seu Artigo I, as pessoas com

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deficiência não podem ser diferenciadas pela deficiência pois essa diferenciação

constitui discriminação. Esse decreto ele veio reafirmar a necessidade de revermos

o caráter discriminatório de algumas práticas escolares mais comuns e perversas

que responsabilizam o estudante pelo seu próprio fracasso na escola. A

diferenciação pela deficiência não discrimina quando o objetivo é promover a

integração social ou o desenvolvimento pessoal das pessoas com de deficiência.

Mas é importante frisar que a diferenciação ou preferência pela deficiência não

deve limitar o direito à igualdade dessas pessoas e elas não são obrigadas a aceitar

tal diferenciação ou preferência.

As políticas de educação básica precisam se basear no

acervo de contribuições oferecido pela Educação Especial

dos tempos atuais, para que possam questionar o que têm

proposto como soluções para a melhoria do ensino

brasileiro. Um ensino que não considera a diferença de

cada aluno, jamais alcançará o nível de excelência que

temos de buscar para a nossa educação. Toda

homogeneização, toda solução que desconsidera essa

especificidade dos seres humanos está fadada ao fracasso.

(MANTOAN, 2014).

Com essas considerações aqui apontadas, espera-se que norteiem um novo

tempo para as escolas comuns, tornando-as em ambientes de ensino de qualidade,

democráticos e aberto a todos, nas suas diferenças.

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10770ISSN 2177-336X

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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E

DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA

Profa. Msa. Elenir Santana Moreira, Centro Universitário Salesiano

de São Paulo - Unisal, Americana, SP

Profa. Dra. Norma Silvia Trindade de Lima, Laboratório de Estudo e

Pesquisa em Ensino e Diferença - Leped / Departamento de Ensino e

Práticas Culturais - Deprac / Faculdade de Educação / Unicamp

RESUMO

Este artigo refere-se a uma pesquisa de mestrado, cujo objetivo foi investigar a

produção da identidade e da diferença da criança com deficiência, no ambiente escolar

que se denomina inclusivo. A finalidade do referido estudo foi saber como as narrativas

ou as práticas tanto discursivas quanto não discursivas de professoras e crianças sem

deficiências (de três a seis anos) vão criando efeitos, sentidos e significados

compartilhados, tornando-se modos de dizer sobre o outro e colaborando, ou não, para a

produção da identidade e da diferença da criança com deficiência. Trata-se de uma

pesquisa qualitativa e participante, valendo-se de questionários, observação participante,

diário de campo, desenhos e fotografias. Foi realizada uma pesquisa de campo em dois

Centros Municipais de Educação Infantil (CEI), no interior de São Paulo, tendo como

participantes: quatro professoras e 16 crianças de três a seis anos, dentre as quais, duas

com deficiências. Como aporte teórico destacam-se, nesse estudo, Tomaz Tadeu da

Silva, Stuart Hall, Kathryn Woodward e Maria Teresa Eglér Mantoan, contribuindo com

a reflexão sobre inclusão escolar, produção da identidade e da diferença. A

interpretação dos dados aponta que o encontro com as crianças e suas criações, tecem

em nós sutilezas capazes de possibilitar outro olhar, para e sobre as identidades e

diferenças. Conclui-se que é necessário problematizar o que é ser criança com

deficiência nessa sociedade que inventou o normal e o anormal. A criança marcada por

essas representações, por vezes, ratificadas por práticas pedagógicas e discursivas,

constroem estratégias para sobreviver no Centro de Educação Infantil que se denomina

inclusivo, tendo em vista o reconhecimento e legitimidade da diferença.

Palavras-chave: Identidade, Diferença, Educação Infantil.

INTRODUÇÃO

Como professora de Educação Especial há mais de vinte anos, coloco-me a re(pensar) o

lugar ou o NÃO-lugar das crianças com deficiências no Centro de Educação Infantil –

CEI que se denomina inclusivo. Diante de tantas inquietações vividas, volto a estudar,

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agora como pesquisadora investigando a produção da identidade e da diferença da

criança com deficiência, no contexto deste CEI, a fim de se saber, como as narrativas ou

as práticas discursivas e não discursivas de professoras e crianças sem deficiência vão

criando efeitos, sentidos e significados compartilhados, tornando-se modos de dizer

sobre o outro e colaborando, ou não, para a produção da identidade e da diferença da

criança com deficiência.

Muitas são as perguntas que me movem, e assim interessa saber que vozes atravessam

as narrativas das crianças e das professoras, bem como se a criança com deficiência

“escapa” ou não do sentido produzido e compartilhado de identidade e de diferença que

lhe é atribuído. Se sim, verificar como isso ocorre e as possíveis linhas de fuga.

O objetivo dessa pesquisa visa a investigar a produção da identidade e da diferença da

criança com deficiência pelas práticas discursivas e não discursivas de professoras e das

outras crianças que não têm deficiências.

É uma pesquisa qualitativa e participante, na qual as narrativas/histórias apresentadas se

fundem com as vozes dos pesquisados e da pesquisadora, a fim de que outras histórias

possam ser contadas e recontadas.

Os autores são aqueles com os quais converso, como que querendo compreende-los

cada dia mais, como: Silva (2009), Hall (2014, 2009), Woodward (2009), Mantoan

(2011, 2004), Galvão (2005), Menegaço (2004) e Benjamin (1987).

A pesquisa de campo foi realizada em dois CEIs de uma Rede Municipal de Educação

Infantil, no interior de São Paulo e os sujeitos da pesquisa foram quatro professoras e 16

crianças de três a seis anos, dentre as quais, duas com deficiências. As estratégias de

construção de dados foram: questionário, observação participante, diário de campo,

desenhos, fotografias e narrativas.

Irei dividir as narrativas que compõem este artigo em três sessões, onde na primeira

contextualizo o problema de pesquisa, articulando-o com o objetivo do trabalho e

conceituando o que é identidade e diferença mediante os estudos culturais. A segunda

descrevo o trabalho de campo, trazendo a criança como sujeito e a necessidade da

escuta para as narrativas infantis. Na terceira, apresento a análise dos dados e é

composta de duas narrativas/histórias, que denomino como “caminhos”. E, por fim,

apresento as considerações finais.

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1. Identidade e diferença

Valho-me da necessidade de analisar as narrativas das professoras e das crianças sem

deficiências, para considerar como estas vão, ou não, criando efeitos, sentidos e

significados compartilhados, que se tornam modos de dizer sobre o outro. No caso,

crianças com deficiência, é preciso que estejamos atentos a quais são as vozes que

atravessam essas narrativas e como os efeitos destas vão produzindo a identidade e a

diferença da criança com deficiência.

É primordial considerar que “essas identidades adquirem sentido por meio da linguagem

e dos sistemas simbólicos pelos quais são representadas” (WOODWARD, 2009, p.8),

ou seja, a linguagem que utilizamos para atribuir sentidos não é inocente. Hall (2009),

de forma oportuna, explica como as identidades não são idênticas e de que maneira são

reinventadas, permitindo-nos fazer articulações com as narrativas produzidas dentro do

ambiente do CEI:

É precisamente porque as identidades são construídas dentro e não fora do

discurso que nós precisamos compreendê-las como produzidas em locais

históricos e institucionais específicos, no interior de formações e práticas

discursivas especificas, por estratégias e iniciativas especificas. Além disso,

elas emergem no interior do jogo de modalidades especifica de poder e são,

assim, mais o produto da marcação da diferença e da exclusão do que o signo

de uma unidade idêntica, naturalmente tradicional – isto é, uma mesmidade

que tudo inclui, uma identidade sem costuras, inteiriça, sem diferenciação

interna. (p.109).

Silva (2009) coloca que inicialmente a conceituação de identidade, numa determinada

perspectiva, parece fácil, independente e se esgota em si mesma. Pode, ainda, ser

definida como aquilo que se é; por exemplo: “sou brasileiro” e diferença como aquilo

que o outro é; exemplo: “ela é italiana”. Nessa perspectiva, “[a]“ diferença, tal como a

identidade, simplesmente existe.” (SILVA, 2009, p. 74). Tal autor assegura que a língua

possibilita que ao afirmar “sou brasileiro”, subtende-se que “não sou argentino”, e ao

dizer, “ela é chinesa”, subtende-se que ela não é argentina. Logo, ela ajuda, mas

também esconde. Tudo isso faz parte de uma cadeia de “negações”, pois “[a]s

afirmações sobre diferença também dependem de uma certa cadeia, em geral oculta, de

declarações negativas sobre (outras) identidades.” (SILVA, 2009, p. 75). Pode-se, então,

dizer que a identidade e a diferença são interdependentes e inseparáveis, pois uma não

existe sem a outra.

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De acordo com esse mesmo autor, é preciso desnaturalizar o caráter natural que, às

vezes, é atribuído à identidade e à diferença e elas são sim, uma produção cultural e

social, que pode e deve ser questionada, uma vez que remete sempre a uma questão de

poder e de força num campo disputado hierarquicamente:

A identidade e a diferença estão, pois, em estreita conexão com relações de

poder. O poder de definir a identidade e de marcar a diferença não pode ser

separado das relações mais amplas de poder. A identidade e a diferença não

são, nunca, inocentes. (SILVA, 2009, p. 81).

Andando pelos corredores do CEI, busco compreender as práticas pedagógicas e a

implicação das mesmas na produção da identidade e diferença da criança com

deficiência, então observo o quanto “... a inclusão coloca em xeque a estabilidade da

identidade” (MANTOAN, 2011, p. 103), uma vez que ela nos apresenta um aluno real,

singular, que foge da imagem do sujeito universal, pensado a partir de uma referência

identitária, normatizada, padronizada e idealizada pela escola. A diferença do aluno

pensado a partir desta identidade fixa, padronizada, é atrelada a uma diferença entendida

como “diferente”, que inferioriza.

Constato mais e mais que a diferença pensada e compreendida como processo de

diferimento comum a todas as pessoas, não as “reduzem a modelos estabelecidos”,

(MANTOAN, p. 103, 2011) padronizados, fixos, mas conferem-lhe singularidade,

especificidades.

Conhecer os campos de pesquisa e os sujeitos, e o quanto eles contribuem para

desestabilizar o caráter da identidade fixada, padronizada e tida como “normal” se torna

mais emergente. Assim, sigo caminhando.

2. A criança como sujeito

A escolha do campos de pesquisa é um desafio, e finalmente ela é definida por dois

CEIs, sendo um na região leste, perto do núcleo comercial, que descreverei como CEI 1,

no qual eu não sou professora, e outro, um pouco mais afastado da região central, mas

também na região leste, o qual denominarei de CEI 2, onde sou professora.

Os critérios iniciais para a escolha dos CEIs foram: ter agrupamento III, (que são as

classes de crianças com idade de 3 a 6 anos); ter criança com deficiência matriculada e

frequentando a sala do agrupamento III; e a diretora da escola, assim como professoras

e crianças concordarem com a realização da pesquisa.

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No CEI 1, as crianças não me conheciam, então foi uma surpresa no primeiro dia em

que estive com elas. Elas estão com olhos atentos e curiosos, examinam-me, querem

saber diversas coisas, de modo que são as próprias crianças quem mais perguntam:

- Quem é você? - O que você faz aqui? - Você não é professora! nós nunca te vimos! - O que você quer? - Você vai ao parque com a gente? - Você vai vir todo dia? - Você tem filho? - Você gosta de brincar?

Propositalmente, não defino o que são pessoas com deficiências, pois não quero

encharcá-las com os significados que defendo.

No CEI 2, como as crianças já me conhecem não estranham a minha presença de forma

que as perguntas feitas no CEI 1 não se repetem, apesar disso, elas ficam curiosas

quando começo a explicar a pesquisa, e me fazem outros questionamentos.

Feita a tramitação burocrática é dado o início e os sujeitos da pesquisa do CEI 1, são

uma professora, que está na função há 22 anos, sete crianças, dentre as quais uma tem

Transtorno do Espectro do Autismo –TEA.

Do CEI 2, são nove crianças, das quais uma tem síndrome de Down e síndrome de

West. Oito crianças têm entre três e quatro anos e são do mesmo agrupamento da que

tem deficiência. Uma criança tem cinco anos e é de outro agrupamento III. Neste CEI,

três professoras aceitaram ser participantes da pesquisa. Elas estão na função há mais de

20 anos. Todas são formadas em pedagogia.

A pesquisa de campo foi realizada no CEI 1, nos meses de novembro e dezembro de

2014, período em que as crianças tinham entre cinco e seis anos.

No CEI 2, a pesquisa foi realizada nos meses de fevereiro a junho de 2015, período em

que as crianças tinham entre três e quatro anos.

As crianças são os principais atores sociais nesta pesquisa, e Kramer (2002), faz-nos

refletir acerca da maneira como concebemos as infâncias e de que forma

oportunizamos que as crianças sejam protagonistas de seus próprios saberes. Para isso, é

fundamental que não nos descuidemos das questões éticas que envolvem as pesquisas

com elas e que, muitas vezes, não são consideradas, mas:

Quando trabalhamos com um referencial teórico que concebe a infância

como categoria social e entende as crianças como cidadãos, sujeitos da

história, pessoas que produzem cultura, a ideia central é a de que as crianças

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são autoras, mas sabemos que precisam de cuidado e atenção (KRAMER,

2002, p.42).

Porém, com esse enfoque, a seleção dos procedimentos de construção de dados,

mediante as estratégias escolhidas que são os questionários, observação participante,

desenhos, fotografias e narrativas, passam a ser cuidadosamente analisados, de forma a

mostrar caminhos que evidenciem ou que levem às reflexões sobre o problema desta

pesquisa.

De tal modo, ouvir as narrativas das crianças pequenas requer que busquemos

compreender sua história vivida:

Mas, não podemos esquecer que não temos acesso direto à experiência dos

outros, lidamos apenas com representações dessa mesma experiência por

meio do ouvir contar, dos textos, da interação que se estabelece e das

interpretações que são feitas. (GALVÃO, 2005, p. 330).

Essa reinterpretação precisa considerar também a minha subjetividade presente nas

narrativas e possibilitar uma busca por ouvir a voz das crianças, permitindo dar-lhe

sentido.

A nossa escuta para as narrativas infantis e as histórias que as constituem é percebida a

partir do lugar que ocupamos. Este, busca, incansavelmente, reconhecer e significar o

direito da criança de ser reconhecida como produtora de cultura.

Os procedimentos de análise e discussão de dados visam a identificar como o corpus

coletado é atravessado por outras vozes e como este revela, ou não, as marcas que

alunos sem deficiências e as professoras atribuem às crianças com deficiência. Marcas

que vão produzindo a identidade e a diferença desses alunos, mesmo considerando que:

...as narrativas podem incluir dados que sem nenhuma precisão são fixados e

repetidos, tais como: uma „pitada‟ de sal, „algumas‟ folhas, „certos‟

exercícios, uma história „engraçada‟, uma „solução‟ para um problema, um

„modo de fazer‟ os alunos escreverem um texto maior, uma „indicação‟ de

como ler um livro fazendo anotações e garantindo a escrita a seguir, etc.

(ALVES, p. 6).

Desta forma, o intento é mostrar, identificar no ambiente pesquisado como as práticas

vão produzindo/constituindo as crianças com deficiência, forjando identidades e

diferenças a partir das atribuições de sentidos e significados discursivos.

3. Caminho 1: O dia tão esperado

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O dia tão esperado de iniciar a pesquisa de campo finalmente havia chegado. Eu estou

visivelmente curiosa por ouvir as narrativas e os saberes das crianças relacionadas à

temática estudada. No primeiro dia em que irei realizar a observação participante, no

CEI 1, chego antes de começar a conversa inicial, momento em que a professora

organiza as atividades do dia, com as crianças sentadas em cadeiras e em círculo. Nesse

espaço, cada uma delas pode falar daquilo que tem vontade. Em conversa anterior com a

professora, solicito que ela não conte para as crianças o que eu irei fazer lá no CEI,

quero que elas me digam as suas impressões, sem serem orientadas a uma resposta, uma

vez que a pesquisa consiste em ouvir as narrativas e os saberes delas com o mínimo de

intervenção possível.

A professora então me apresenta para as crianças dizendo que eu também sou

professora e irei participar da Roda. Feito isso, prossegue como de costume, ora fazendo

perguntas, ora respondendo àquelas feitas pelas crianças, ora ouvindo.

Percebo logo que são crianças curiosas, críticas e falantes. Constato, então, a

oportunidade de fazer a primeira pergunta: -Vocês têm algum amigo diferente?

Pronto! Primeira pergunta feita. Quais serão as respostas? A minha escuta agora parece

ser outra, ouvidos atentos, coração em disparada, olhos arregalados e emoção a ser

controlada, pois preciso saber ouvir com ouvidos de pesquisadora, como quem quer

desvendar um mistério.

Em meio a um turbilhão de imaginação, Lulu, uma garotinha de seis anos, prontamente

diz:

-Sim. Essas duas aqui ó (apontando o dedo para duas colegas que estavam à

sua frente), uma é branquinha e a outra é branquinha e usa óculos e esmalte. Ela marca a diferença, primeiramente, por um fenótipo, mas em seguida sugere a

diferença ligada a um assessório que são os óculos e o esmalte. Sem ter tempo de tecer

uma outra reflexão Lulu, completa:

- E Tem o Kamau, porque ele grita e fica pulando o dia inteiro (se referindo

ao colega que tem TEA, que estava em pé perto da lousa no canto esquerdo

da sala). Imediatamente penso: será que ela percebe a diferença a partir da deficiência que

Kamau tem? Então levanto outro questionamento e digo:

-O que você acha quando o Kamau grita? -Normal. -O que é normal? -Não sei.

Explica com suas palavras:

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-Normal é tudo bem!

Lulu, não aponta a diferença a partir da deficiência de Kamau, ela apresenta algo que

ele faz e que provavelmente chamou sua atenção, destacando como: “ele grita e fica

pulando o dia inteiro”, mas para ela o gritar e pular é “normal” e normal é “tudo bem”.

A conversa prossegue e então faço outra pergunta:

-Tem alguma criança com deficiência aqui nesta sala? Insisto, pois estou com o objetivo da pesquisa impresso em minha mente, é como se

necessitasse saber a partir de qual perspectiva a criança sem deficiência via o seu colega

com deficiência. Será que a diferença era compreendida como diferente?

Gyasi é um garoto que, enquanto os colegas estão sentados conversando, distrai-se e se

movimenta brincando com o próprio corpo e com o cadarço do seu tênis. Parece estar

alheio à conversa, mas é pura impressão de adulto, ele se volta para a roda e pergunta:

-O que é deficiente? A pergunta soa displicente, como que perguntando o significado de uma palavra

desconhecida, nova, pouco comum ao seu repertório. Mesmo assim, como a minha

intenção, nesse primeiro dia, é ouvir as narrativas, os saberes das crianças e provocar

algumas inquietações, fico quieta. Ele continua:

-Tem ele (apontando para o colega ao lado), porque ele corre no parque e

cai. Penso que correr e cair é algo que acontece com a maioria das crianças, inclusive com

ele próprio.

Outra criança repete a pergunta:

-O que é deficiente? Urenna, imediatamente responde:

-É uma criança diferente da outra.

A resposta de Urenna mostra que ir ao encontro da criança com deficiência, requer que

nos dissipemos das apreciações pré-formadas e consideradas como verdadeiras, e “a

ideia de identidade móvel desconstrói o sistema de significação escolar excludente,

normativo, elitista, com suas medidas e mecanismos de produção da identidade e da

diferença” (MANTOAN, 2004, p. 16).

Com o desígnio de causar mais reflexão, pergunto:

-Nessa sala todo mundo é igual? Akil, logo responde:

-Não! Por que todo mundo tem o cabelo diferente. Outra menina também responde:

-Eu tenho uma irmãzinha que era mais ou menos igual. Agora essa amiga é

igual a mim, porque ela usa óculos.

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Akil, ao dizer “todo mundo tem o cabelo diferente” e a outra menina ao proferir “ela

usa óculos” não se referem a uma representação rígida, única, mas “à representação que

não é, nessa concepção, nunca, representação mental ou interior. A representação é,

aqui, sempre marca ou traço visível ou exterior” (SILVA, 2009, p.91), como aquela que

pode atribuir sentido à identidade.

Segundo Silva (2009), a identidade e a diferença não representam algo natural, elas são

criadas socialmente e as representações das identidades e diferenças requerem que o

poder as defina.

3.1- Caminho 2: cotidiano educacional, entre relatos e fatos

Uma professora diz:

-Essas crianças estariam melhores se estivessem na Associação de Pais e

Amigos dos Excepcionais -APAE. O aluno é que tem que se adaptar à escola. Fico extremamente irritada com essa afirmação, pois costumava ouvir isso logo no

início da minha carreira profissional, há mais de 20 anos atrás. Pensava que, após a

implementação das políticas públicas, em prol da educação inclusiva e da determinação

da secretaria municipal de educação, da qual este CEI faz parte, sendo favorável à

inclusão de TODOS os alunos com deficiência, esta fosse uma discussão já superada.

Incontáveis foram as reuniões nas quais dialogamos sobre essa temática. Pensei que não

mais fosse ouvir essa afirmativa, pelo menos não nessa escola. Mas estava ouvindo!

Outra professora respondeu:

-As crianças geralmente não excluem, ficam curiosas e querem ajudar. Certa

vez, matriculou-se no nosso CEI um Down de 4 anos que quase não

enxergava e era muito pequeno, parecia bebê, muito fofo. As crianças

queriam cuidar dele o tempo todo. Sei que também vem a insegurança a

respeito da nossa competência, pois não somos preparados para isso.

Pensei que a resposta dessa professora fosse mais encorajadora, mas ela salienta a falta

de “preparação profissional”, outro chavão fortemente repetido e usado no meio

educacional. Nessa perspectiva, é possível pressupor que o sujeito identificado por elas

é uno, centrado, marcado por uma identidade fixa, caracterizada por uma diferença

visível, palpável, que contrapõe com as identidades dos sujeitos reais que não são fixas,

mas que “é definida historicamente, e não biologicamente.” (HALL, 2014, p. 12).

A professora ao referir-se ao aluno com síndrome de Down, de quatro anos, dizendo:

“era muito pequeno, parecia bebê, muito fofo”, emite uma visão romantizada referente à

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inclusão e associa a deficiência a uma criança pequena, sendo assim, a criança com

deficiência se torna “fofa” por ser parecida com um bebê. Cabe ressaltar que ela utiliza

o advérbio “muito”, para qualificar o adjetivo, que representa, em ambas as situações,

quantidade (muito pequeno e muito fofo). Posteriormente ao dizer: -Sei que também vem

a insegurança a respeito da nossa competência, pois não somos preparados para isso.

Nesse instante, ela não usa o pronome minha, e sim nossa, ao se referir à competência e

preparo para a inclusão, a que ela se refere como: isso. Nesse caso, ela transfere a

relação de posse para o outro.

O desafio é o de continuar estabelecendo interlocuções com essas narrativas, que

permitam tecer e avançar em outras reflexões sobre qual o olhar e práticas destas

professoras, para e sobre as identidades e diferenças da criança com deficiência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Aprendi que narrativas como as das crianças e professoras apresentadas nesta pesquisa

instigam-nos a rever o lugar que a criança com deficiência ocupa dentro dos CEIs que

se denominam inclusivos. Ouvir essas narrativas é algo que nos movimenta e encanta,

além de nos fazer retomar o objetivo que esse trabalho se propôs a investigar que é a

produção da identidade e da diferença da criança com deficiência. Ao refletirmos sobre

quais são as vozes que atravessam essas narrativas, podemos dizer que as professoras

ainda atribuem às crianças com deficiências, sentidos que as inferiorizam, do mesmo

modo que continuam buscando por um aluno idealizado e normatizado. A busca por

esse tipo de sujeito continua perpetuando uma tentativa eloquente de igualar a todos,

como pudemos observar no exemplo mencionado anteriormente, no qual uma

professora diz: “essas crianças estariam melhores se estivessem na APAE”.

Já, a criança sem deficiência, de três a seis anos, compreende que o lugar do seu colega

com deficiência é o mesmo que o seu, como podemos constatar nas respostas sobre o

que é deficiente, que ela responde: “é uma criança diferente da outra”.

Em meio a tudo isso, a criança com deficiência “escapa” do sentido produzido e

compartilhado de identidade e diferença como diferente, no sentido negativo que lhe são

atribuídos, ao desestabilizar a identidade fixa, possibilitando o (re)pensar sobre a

identidade e a diferença.

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Então, aventuro-me a dizer, que busco (re)significar minha prática pedagógica na

relação com a criança, que a cada olhar me alcança e pela qual me permito ser

alcançada, no sentido de dar nova forma ao lugar que esta ocupa dentro do CEI. Lugar

que possibilita, ou deveria possibilitar, diferentes formas de aprendizagem,

oportunizando à criança diferentes e possíveis maneiras de ler e escrever o mundo, para

nele se inscrever.

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CAPOEIRA: UM TERRITÓRIO EDUCATIVO E INCLUSIVO

Profa. Dra. Norma Silvia Trindade de Lima, Laboratório de Estudo e

Pesquisa em Ensino e Diferença - Leped / Departamento de Ensino e

Práticas Culturais - Deprac / Faculdade de Educação / Unicamp

[email protected]

Prof. Daniel de Raeffray Blanco Nascimento, mestrando pelo

Laboratório de Estudo e Pesquisa em Ensino e Diferença - Leped /

Faculdade de Educação / Unicamp

Resumo

A educação inclusiva e as políticas públicas afirmativas, ao assumirem o direito à

diferença como um princípio constitucional e educacional e a multiculturalidade dos

ambientes formativos, ampliam as noções de território e linguagens educativas,

possibilitando a criação e/ou o reconhecimento de práticas de ensino e aprendizagens

outrora subalternizados. A legitimidade da diferença e a valorização das culturas

ganham centralidade como princípios ético-educacionais, o que inspirou a proposição

desta Pesquisa Exploratória, desenvolvida em uma instituição de ensino superior

privada, no interior de São Paulo, em 2015. Buscou-se conhecer a contribuição da

capoeira à formação da comunidade acadêmica de tal instituição, apoiando-se em

referenciais que fundamentam os estudos sobre inclusão e cultura, na perspectiva da

diferença e, ainda, documentos sobre a capoeira, entendida e reconhecida como

patrimônio cultural imaterial do Brasil (IPHAN, 2008) e da Humanidade (UNESCO,

2014). Foram desenvolvidas sete oficinas vivenciais, por mestres e professores de

capoeira convidados. Somou-se 150 participantes, de faixa etária variada; em sua

maioria, pessoas que não tinham experiência com a capoeira. Eram discentes da

graduação e pós-graduação, docentes e gestores de diversos cursos, além de pessoas da

comunidade. Os dados analisados foram construídos por meio de registros narrativos,

coletados ao final de cada oficina. Conclui-se que as oficinas ministradas, ao resgatar

uma dimensão sensível, artística e poética - outra lógica de saberes e fazeres, ensino e

aprendizagem, pautados na corporeidade, musicalidade, fraternidade e pertencimento -

criaram desafios pessoais e relacionais, e acesso à memória coletiva e à história.

Ademais, promoveram uma discussão sobre culturas, pertencimentos, e implicações nas

relações pessoais, sociais, institucionais. Questionaram paradigmas e preconceitos,

especialmente sobre a capoeira, presentes no cotidiano social e visão de mundo

eurocêntrica, elitista e excludente. Também fomentaram descobertas e diferimentos

pessoais, possivelmente, alargando a visão de mundo e suas fronteiras de participação e

atribuição de sentidos e significados.

Palavras-chave: inclusão, capoeira, formação acadêmica.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

10783ISSN 2177-336X

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“ a ginga está na alma e a alma está na liberdade”

À guisa de uma introdução

A estética/escrita desse artigo busca uma intercessão entre os aspectos teóricos

que dão sustentação a um percurso argumentativo e as expressões da experiência dos

sujeitos dessa pesquisa, por meio de seus registros narrativos aqui apresentados, sem

adaptações, em forma de títulos e subtítulos - por isso, em itálico. Trata-se de visar um

diálogo entre as vozes dos sujeitos da experiência com a capoeira e os conceitos que dão

sustentação a essa versão possível de interpretação. Pretende-se que a experiência com a

capoeira, expressa em breves e livres registros, como um plano de imanência,

possibilitem a fruição de um pensar, um tecer sobre um acontecimento.

“que as nossas dificuldades se transformem em gingas”

As exigências educacionais – inclusivas e afirmativas reconhecem a identidade

cultural brasileira como híbrida e multiétnica. Favorecem, dessa maneira, o

desenvolvimento de estudos que valorizem culturas forjadas nas margens do

colonialismo, exclusão e violência, como a capoeira, reconhecida neste século XXI

como um bem cultural do Brasil e da humanidade. Dessa forma, há um campo de

proveniência para a proposição e realização da pesquisa exploratória ora apresentada,

cujo propósito é conhecer a contribuição da capoeira, reconhecida como um patrimônio

cultural imaterial, à comunidade acadêmica de uma instituição de ensino superior

privada, no interior de São Paulo, em 2015. Tal proposta pauta-se na legitimidade da

contribuição da ancestralidade africana, presente na capoeira, à formação educacional,

ao agregar ou mesmo resgatar uma dimensão sensível, artística e poética - outra lógica

de saberes e fazeres pautados na corporeidade, musicalidade, pertencimento,

fraternidade e transcendência. Ademais, a capoeira, como um patrimônio cultural

imaterial, revitaliza saberes e fazeres de uma cultura, constituída às margens, no "entre-

lugares" (BHABHA, 2013). E, sobretudo, como prática de resistência à captura e

subordinação aos padrões elitistas, monoculturais, preconceituosos e eurocêntricos,

favorece processos de singularização.

Supõe-se, pois, que a capoeira, na perspectiva de um bem cultural, possa

colaborar com a formação educacional. Mas, como e quais são as possíveis

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10784ISSN 2177-336X

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contribuições da capoeira à comunidade educacional, numa perspectiva transversal às

grades curriculares?

“superação: realmente foi uma experiência nova, não imaginava a alegria que a

capoeira transmite;

“aprender a interagir, respeitar o limite do outro, descobertas”

Esse texto trata de destacar a contribuição da capoeira à formação educacional de

uma comunidade acadêmica de ensino superior privada, no interior de São Paulo.

Valeu-se de um projeto de extensão universitária: “Projeto Capô: experimentações e

pesquisa em capoeira”, realizado no primeiro semestre letivo de 2015, no campus da

instituição pesquisada. Mestres e professores de capoeira realizaram sete oficinas,

contando com a presença de uma média de cento e cinquenta participantes. Os

participantes eram discentes de graduação e pós-graduação stricto-sensu - mestrado em

educação, docentes e gestores dos seguintes cursos de graduação: serviço social, direito,

publicidade, psicologia, engenharia civil, engenharia da computação e pedagogia, além

de pessoas da comunidade - amigos, parentes e capoeiristas. A dinâmica das oficinas

ocorreu por meio de narrativas dos mestres e professores de capoeira, e movimentação

corporal: alongamento, exploração e consciência corporal, espacial e relacional, e

expressões próprias da capoeira como: ginga, esquivas, golpes, jogo e roda de capoeira.

Relevante destacar a musicalidade como elemento essencial na prática da capoeira.

Promoveu-se, assim, experimentação e exploração dos instrumentos da capoeira:

berimbau, pandeiro, atabaque, agogô, reco-reco, palmas e cânticos. Após esses

momentos, compartilhava-se a experiência vivenciada, e produzia-se registros

narrativos em folhas - em branco - dispostas no chão. Os registros traziam reflexões

sobre o vivido: relações estabelecidas por cada um, entre as experimentações -

propostas em cada oficina de capoeira - e suas experiências de vida. Os dados

analisados são estes produzidos e coletados ao final de cada oficina como parte do

compartilhamento da vivência.

A análise e interpretação dos dados apoiam-se em referenciais pós-estruturalistas

e pós-colonialistas, que fundamentam os estudos sobre inclusão e cultura, na

perspectiva da diferença. Destacamos os seguintes autores: Mantoan, Deleuze, Guattari,

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10785ISSN 2177-336X

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Boaventura de Souza Santos, Hall e Bhabha. Ademais, apoiou-se também em

documentos sobre a capoeira, entendida como patrimônio cultural imaterial.

“sentir-se parte do todo para descobrir o seu singular”

A inclusão é um princípio constitucional e educacional, pautado na diferença,

assim como, a multiculturalidade dos ambientes formativos. Contudo, há uma distância

entre as conquistas legais e o usufruto das mesmas pelos sujeitos de direitos.

O Brasil contemporâneo mantém, ainda, um cenário de desigualdade e exclusão.

Isso embora, a partir dos anos de redemocratização, sobretudo no início do século XXI,

políticas públicas afirmativas e inclusivas são assumidas pelo Estado, sendo este

signatário de documentos e mecanismos internacionais baseados no reconhecimento e

legitimidade da diferença e princípios da Declaração Universal de Direitos Humanos de

1948. Em razão do recorte desse trabalho, destacamos os seguintes acontecimentos

devido às repercussões nas atuais políticas educacionais, sobretudo o alcance da

perspectiva inclusiva e a participação de "novos" atores e demandas sociais, antes

desqualificados. São eles: a III Conferência Mundial contra o racismo, a discriminação

racial, a xenofobia e intolerância correlatas, realizada em 2001, em Durban, África do

Sul; a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, por ocasião da

Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e

Cultura – UNESCO, realizada em Paris, em 2003; e a 9ª sessão do Comitê

Intergovernamental para a Salvaguarda do Patrimônio Imaterial da UNESCO, em Paris,

2014, que confere o título de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade à Roda de

Capoeira.

É fato que desde 1988 os princípios inclusivos estão presentes na Constituição

Federal - CF. Conforme o Art.205 (BRASIL, 1988), a educação é um direito

constitucional inalienável de todos os sujeitos sociais, cidadãos e cidadãs, independente

de quaisquer atributos, como: gênero, raça, etnia, deficiência, transtorno.... E, ainda, nos

artigos 215 e 216 (BRASIL, 1988), também a cultura é um direito, e reconhece-se a

pluralidade étnica na constituição da sociedade brasileira e sua relevância para o

sentimento de pertencimento, memória e identidade na promoção da igualdade e

equidade. Em 2004, o Conselho Nacional de Educação institui as Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação das relações étnico-raciais e para o ensino de

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10786ISSN 2177-336X

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história e cultura afro-brasileira e africana, a serem observadas por todas as instituições

educacionais, níveis e modalidades do ensino (CNE, 2004). E, demanda que as

instituições de ensino assumam, em seus desígnios formativos, a sociedade brasileira

como multicultural e pluriétnica.

“liberdade é sentir-se solto e deixar o corpo se expressar sem medo”

As sete oficinas de capoeira foram realizadas, promovendo três respectivos

momentos, em cada uma delas: experimentação corporal, compartilhamento da vivência

e reflexão sobre a vida e a formação acadêmica. O objetivo central fora conhecer,

investigar e salvaguardar o universo da capoeira, reconhecida em 2008 como

Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil e, em 2014, Patrimônio Cultural da

Humanidade, pela Unesco, explorando a sua contribuição à formação educacional,

numa perspectiva transversal às grades curriculares.

Buscou-se potencializar a singularidade de cada ser em suas dimensões sensível,

poética e relacional, conectadas a um pertencimento histórico, cultural e ancestral - a

capoeira, reconhecida como um bem cultural. Posterior ao momento do

compartilhamento, registros narrativos eram produzidas pelos participantes. Seguem

abaixo, os produzidos na sétima e última oficina, fim de maio, de 2015, por mais ou

menos quinze participantes, os que ficaram até o fim. Vale destacar que algumas

pessoas saiam antes do fim, por compromissos, outros.

...bom psicólogo precisa além de desenvolver a escuta para o outro, estar aberto

para “experiências... para ter condição de entrar em contato com o outro; … quebra de

paradigmas sobre o que é a capoeira, não é só atividade física…; ...relação com a

cultura, diferentes culturas…; ...conhecer pessoas diferentes, novas, de outros cursos –

amplia o repertório pessoal, visão de mundo e, portanto, colabora com a formação

profissional, acadêmica e pessoal...;... acesso à história, memória, ancestralidade ...

pensar sobre isso... não se fala disso no dia a dia, não se pensa o que temos a ver com

essas questões...;...conhecer, pensar, conversar sobre a história do negro...sobre a nossa

história …;...se não fosse essa pesquisa, não haveria esse momento de conhecimento

histórico, sobre a identidade cultural do Brasil...;...conhecer o sofrimento dos escravos

implica em nos darmos conta da cumplicidade da sociedade com a escravidão, com o

racismo…; … momento de entrega, de emoção, de coração…;... quebra de paradigmas

sobre: pessoas, sobre os cursos/formação ... humanas, exatas... se faz estereótipos...

sobre a professora, pesquisadora se apresentar como “capoeira”. (PARTICIPANTES

DA OFICINA, 2015)

“capoeira é sentimento de poder”

“é a hora que saio da zona de conforto e encontro a liberdade”

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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“capoeira é preencher espaços vazios”

Há algum tempo, a temática da inclusão tornou-se recorrente e polissêmica, com

entendimentos e práticas diversificadas. Enquanto uma concepção educacional de

abertura às diferenças, a inclusão escolar fomenta possibilidades diversificadas de

construções subjetivas e identitárias, em prol de uma sociedade plural, responsável e

ética (MANTOAN, 2003). Apoiando-nos em Silva, Hall e Woodward (2013)

discutimos, em estudos já concluídos, a produção social de significados, sentidos e

posicionamentos de sujeitos sociais decorrentes de critérios de pertencimento e

processos de subjetivação, questionando-se a produção de identidade e de diferença em

contextos educativos (LIMA, 1998, 2003, 2007, 2008).

A inclusão, como a entendemos, é um princípio educativo de largo e intenso

alcance, com potências múltiplas, como: problematizar as fronteiras e/ou critérios e

condições de pertencimento social e cultural que forjam enunciados, processos de

subjetivação e produção de identidades.

Pautando-se na noção de diferença, refuta-se a naturalização e a fixação de uma

identidade prescrita, cujo padrão de desempenho intelectual e social delineia uma

performance e/ou idealiza um sujeito previsível, (re)produtivo e normatizado.

O indivíduo, entendido como devir, está numa encruzilhada, como um terminal

(GUATTARI, 2001). Ao ser atravessado por vetores discordantes, ele é subjetivado nos

espaços e tempos educacionais. Este processo ocorre continuamente e dinamicamente,

de modo tão mais singular ou alienado, conforme as suas e as dadas condições e

possibilidades de lidar ou “jogar” com os vetores/fluxos/campos de forças - discursivos

e não discursivos - de subjetivação que o transpõem, subjetivando-o, tornando-o sujeito.

Nessa perspectiva, entende-se que o ser humano se constitui a partir de

enunciados e de agenciamentos que o atravessam e com os quais ele interage

ativamente, lidando, a sua maneira, tão mais alienado ou singularizado, conforme seus

processos, espaços, tempos e modos de subjetivação. Isto é, estilo de vida ou estéticas

existenciais (DELEUZE, 2010). Considera-se que o ser humano é um ser vulnerável e

atravessado por uma complexidade de universos que o singularizam e/ou massificam,

infinitamente. Vetores, devires que encaminham o seu estado de sentir, agir, pensar.

Deleuze (2010, p.175) chama de afectos “devires que transbordam aquele que passa por

eles (tornando-se outro)”.

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A noção de sujeito aqui proposta e discutida distancia-se de uma metanarrativa,

uma teoria geral, universal, regida por leis e regularidades que esquadrinham e

justificam enunciados previsíveis e lineares sobre o fenômeno humano (SILVA, 1994).

Assim, ao invés de natureza humana, trata-se de um jogo de devires, forças-potências-

fluxos que se afetam (DELEUZE, 2010; GUATTARI E ROLNIK, 2010 ).

A perspectiva inclusiva da maneira como explicitamos questiona concepções e

valores sobre os quais as práticas sociais e pedagógicas forjam identidades: por meio

dos procedimentos institucionais que incidem sobre as relações sociais e afetivas

constituindo-as, produzindo subjetividades. Esse tem sido o recorte de discussões que

desenvolvemos acerca da inclusão, entendida como princípio e implicada num propósito

de transformação, pautado na tensão e embate entre identidade e diferença, entre o

mesmo e o outro, entre o familiar e o estrangeiro, entre o previsível e o possível, entre a

mesmidade e o diferimento.

De acordo com Guattari (2001), a relevância de se engendrar novas práticas

centradas no respeito à singularidade é fundamental, pois os efeitos do poder capitalista

ampliam-se não apenas sobre o conjunto da vida social, mas, especialmente, infiltrando-

se na interioridade dos indivíduos por meio de “componentes de subjetivação” que

massificam. Vale ressaltar que o movimento inclusivo é extensivo à vida e sujeitos

sociais, portanto, não está circunscrito a um grupo social – os sujeitos da educação

especial: pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento ou altas

habilidade/superdotação.

Reconhecer e lidar com as diferenças envolve posicionamentos frente ao que não

é idêntico, previsível e estabelecido, em nós e no outro, questionando a ordenação do

mundo em suas formas de educar, pertencer, enunciar, perceber e interagir, na tensão e

no embate em que se manifestam as singularidades em suas estéticas e formatos

diversificados.

“Contato: tenhamos coragem para despertar. Assim como o relacionamento nos

modifica, não somos estáticos. Não nascemos para ficar sozinhos. Somos seres de

contato. Só aprendemos pelo contato. Através do contato buscamos nossa felicidade.

E unidos nos tornamos mais fortes”.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

10789ISSN 2177-336X

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Educação é cultura. E cultura implica em saberes, fazeres, valores e estilos

estéticos que ordenam e conferem sentido aos comportamentos, modos de sentir e

interpretar acontecimentos que animam a vida e o viver compartilhado. Entendidas

como empreitada humana, historicamente circunstanciadas, e tecidas no jogo de poder

inerente às relações sociais, as culturas agenciam modos de vida ou estéticas de

existência (BHABHA, 2013). Nesta perspectiva, a noção de cultura não comporta uma

visão unívoca, hierárquica e classificatória, nem se restringe à tradição e costumes

partilhados (VEIGA-NETO, 2003).

As culturas, como um tear vivo, enunciam visões de mundo. Compõem diferentes

arranjos e tessituras que funcionam como eixos/referentes para a formação humana.

Tais enunciados são bens culturais. Estes carregam sentidos e significados simbólicos

de uma memória coletiva e histórias compartilhadas que, na materialidade dos

encontros e vida social, são reeditadas, ressignificadas. Torna-se, assim, de fundamental

relevância promover e garantir a preservação, a divulgação e o fomento de patrimônios

culturais, garantindo acesso às comunidades, favorecendo a apropriação e recriação de

práticas culturais por sujeitos sociais.

O Brasil é uma nação mestiça e híbrida, um mosaico étnico heterogêneo,

decorrente de diferentes matrizes, tradições e saberes que se interpenetram. Todavia,

atravessada por preconceitos monoculturais e colonialistas, a população nem sempre se

identifica e/ou reconhece o seu pertencimento étnico frente ao conjunto de

manifestações e expressões do que é reconhecido como patrimônio cultural imaterial.

Dificulta-se, assim, o entendimento, a valorização e a legitimidade de bens culturais

como instâncias educativas, em ambientes e experiências educacionais.

O reconhecimento do patrimônio cultural na formação dos sujeitos sociais destaca

o cunho educacional e inclusivo de bens culturais, na perspectiva de uma educação

patrimonial e inclusiva. Entende-se por educação patrimonial ações e processos

educativos que possibilitem aos atores envolvidos conhecer, compreender e dialogar

com referências culturais que constituem patrimônios, fomentando o reconhecimento de

bens culturais na formação de suas identidades e memórias, criando sentidos e

significados para a preservação de tais referências (FLORENCIO et al, 2014). Assim, a

noção de salvaguardar bens culturais ganha destaque e legitimidade enquanto noção

educacional inclusiva necessária à formação cultural e à criação humana.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

10790ISSN 2177-336X

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A capoeira, nessa perspectiva, reconhecida como bem cultural imaterial afro-

brasileiro preserva, resgata, fomenta, divulga e recria referências culturais, oriundas da

ancestralidade e matrizes africanas.

“é errando que se aprende, estar em roda, olhar nos olhos”

A capoeira foi reconhecida como um bem cultural, patrimônio imaterial brasileiro

em 2008, por ocasião da gestão de Gilberto Gil como ministro da cultura. De lá para cá,

manifestações de culturas, “populares, subalternizadas”, têm sido reconhecidas como

bens culturais, não apenas a capoeira - o Jongo é outro exemplo - conquistando certa

visibilidade, por meio de políticas culturais que reconhecem a relevância de saberes e

tradições na memória coletiva e em processos de construção de sentimentos de

pertencimento e/ou identidades culturais.

Em Campinas, São Paulo, foi publicado, em Diário Oficial, a Lei Nº 14.701 De 14

De Outubro De 2013 (CAMPINAS, 2013), que institui no âmbito da Secretaria

Municipal de Cultura, o Programa Municipal de Patrimônio Imaterial. E, em

12/12/2013 o Conselho de defesa do patrimônio cultural de Campinas - CONDEPACC,

em reunião ordinária, ata 427, aprova por unanimidade o Registro do Bem de Natureza

Imaterial “Capoeira”, no Livro de Formas de expressão, como um patrimônio cultural

campineiro (CONDEPACC, 2014, pp. 3, 4).

Vale destacar, por percepção e vivência com capoeiristas, que estes eventos de

reconhecimento oficial ainda não se traduziu em avanços no âmbito do cotidiano e das

práticas sociais, no que diz respeito à capoeira e seus respectivos detentores de saber, os

mestres e professores de capoeira. Muito embora, o reconhecimento oficial e formal da

capoeira como patrimônio cultural imaterial possa significar uma conquista importante,

possibilitando uma re-conceitualização. Afinal, não se trata de um fato natural, pois, no

decorrer dos tempos, desde a época da escravidão até os nossos dias, a capoeira passou

por várias fases, quanto às atribuições de enunciados e significados: foi, em 1890,

criminalizada; ao sair do código penal, foi estilizada, escolarizada e, recentemente,

reconhecida oficialmente como um bem cultural campineiro, nacional e da humanidade.

Considerando-se o até então exposto, problematiza-se a noção de cultura no

âmbito dos espaços e tempos educacionais, sobretudo o questionamento sobre seleção,

elegibilidade e legitimidade de critérios, enunciados e valores que definem o que deve

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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ser considerado ou não, reconhecido ou não, valorizado ou não acerca de experiências e

sujeitos sociais, bem como suas estéticas, saberes, tradições (HALL, 2013; CANDAU,

2008; BHABHA, 2013; SANTOS, 2006, 2010).

As referências culturais legitimadas socialmente são pertinentes a

posicionamentos de poder social, político e cultural – de enunciação, posto que estas

dimensões não são independentes, mas interconectadas e interdependentes, cujos

sujeitos e experiências sociais são valorizadas enquanto outros são ocultados e

desqualificados. A este respeito, Boaventura de Souza Santos (2006, 2010) destaca a

ocultação de sujeitos e experiências sociais por uma epistemologia hegemônica imposta

por um processo de colonização elitista, eurocêntrico e racista que, para além do

domínio territorial, político e econômico, envolve, sobretudo, uma produção de

discursos e enunciados. Estes, consubstanciados em uma visão monocultural, assumida

e/ou compartilhada socialmente como legítima, verdadeira e unívoca, tão excludente

como autoritária, silencia, invisibiliza e desqualifica uma ampla gama de linguagens,

visões, expressões, crenças, códigos e tantas outras manifestações que caracterizam as

experiências sociais e seus modos e estéticas de existências em um país constituído por

tantas etnias e culturas. Nas palavras de Santos (2010), “as epistemologias do sul”. Por

outro lado, essas “epistemologias do sul”, por demandas e conquistas de “novos”

sujeitos de direitos nos espaços e tempos educacionais, que reclamam a legitimidade da

diferença, de modo que as culturas possam romper com a colonização monocultural e

excludente, tensionam a hegemonia monolítica epistemológica colonial.

“diferença; cultura afro-brasileira; renovação; possibilidades…”

Com vistas a uma conclusão…

Fragmentos, traços, signos, sentidos e significados condensados de experiências

com a capoeira, compõem narrativas compartilhadas, sem adaptações, ao longo desse

texto. Por serem passíveis das mais diversas traduções, ressaltamos a relevância de se

dar visibilidade às expressões das experiências dos sujeitos de pesquisa em educação, a

fim de que vozes múltiplas e díspares possam ter escuta, enunciando saberes tecidos em

outras ordens e registros. Registros esses, poéticos, sensíveis, ancestrais. As breves e

pontuais narrativas produzidas ao final de cada oficina de capoeira, expressam pistas

significativas de dizeres insurgentes da experiência sobre como e quais são as

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10792ISSN 2177-336X

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contribuições possíveis da capoeira à comunidade educacional, numa perspectiva

transversal às grades curriculares, indagação central dessa pesquisa.

Entre tantas possibilidades de análise e interpretação, esses relatos parecem

indicar o alcance que as experimentações promovidas pelas oficinas vivenciais de

capoeira proporcionaram a respeito de visão de mundo, memória, pertencimento,

história, conceitos, e suas implicações nas relações pessoais, sociais e institucionais.

Nesse sentido, aponta a singularidade e a multiplicidade de contribuições possíveis da

capoeira, a partir de outras linguagens, como a estética, a artística, a política, enfim,

outras potências e intensidades, alargando as fronteiras e deslocando as referências

na/da formação de comunidades educacionais, sobretudo, a acadêmica, escopo dessa

pesquisa. De fato, uma educação contemporânea, ao assumir a diferença como

princípio inclusivo, reconhece a multiplicidade de territórios, linguagens e saberes

educativos, demandando intercessões entre culturas, diferença e inclusão, como essa

pesquisa propôs. Vale, uma analogia entre as narrativas dessa pesquisa e um estilo

tradicional de poesia japonesa, o haicai, que busca manifestar a singeleza da

experiência humana na sua forma mais concisa e objetiva. Assim, “a experiência, não

ter medo... aqui a vergonha e limitação não podem ficar!”

Ressalta-se o limite do estudo, sendo uma versão possível, numa margem móvel,

posto que a experiência é intraduzível e incomensurável.

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