Desnho

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Desenho “Ilustração do livro Mecânica do Coração” Escola Secundária de Rocha Peixoto | Curso Profissional Técnico de Design Gráfico Tiago Neves nº14 11ºQ

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Desenho

“Ilustração do livro Mecânica do Coração”

Escola Secundária de Rocha Peixoto | Curso Profissional Técnico de Design Gráfico

Tiago Neves nº14 11ºQ

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• Para a capa optei

por um coração com

algumas rodas de

relógio para mostrar

que era mecanizado

e pelo o título do livro

“Mecânica do

Coração”. Capa Original A Minha Proposta de Capa

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• “Edimburgo e as suas ruas escarpadas

metamorfoseiam-se. Umas a uma, as

fontes transformam-se em girândolas de

gelo. O velho rio, habitualmente tão sério

no seu papel de rio, estende-se até ao

mar disfarçado de lago de açúcar glacê.

O fragor da tempestade faz um ruído de

vidros a quebrar. O orvalho congelado faz

maravilhas, cobrindo de lantejoulas os

corpos dos gatos. As árvores parecem

grandes fadas em camisa de

noite, dançando de braços abertos à luz

do luar, vendo as caleches a derrapar nas

calçadas geladas. O frio é tal que os

pássaros gelam em pleno voo antes de

se esmagarem no solo. O barulho que

fazem ao cair é incrivelmente suave, nem

parecem um som de morte.

E é neste dia mais frio do mundo que

me preparo para nascer.”

Edimburgo e as suas ruas escarpadas metamorfoseiam-se. Umas a uma, as fontes transformam-se em girândolas de gelo. O velho

E é neste dia mais frio do mundo que me preparo para nascer.

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• “A coisa passa-se numa velha

casa empoleirada no topo da mais

alta colina de Edimburgo – Arthur s

Seat –, um vulcão de quartzo azulado

no cimo do qual repousam, segundo

se diz, os restos mortais do velho rei

Artur. O telhado da

casa, pontiagudo, é incrivelmente

alto. A chaminé, em forma de

faca, aponta para as estrelas. A lua

amola nela as suas fases. (…) É aqui

que vive a doutora Madeleine, a

parteira dita louca pelos habitantes da

cidade, bastante bela apesar da

idade. O brilho dos seus olhos

mantém-se intacto, mas o seu sorriso

parece falso.”

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• “No dia do meu décimo aniversário, a

doutora Madeleine, decidiu finalmente

levar-me à cidade. Há tanto tempo que

lhe peço… No entanto não consegue

deixar de, até ao último momento, tentar

adiar o inevitável, mexendo em

objectos, passando de uma sala para

outra.

Quando decido segui-la até à

cave, impaciente, descubro uma prateleira

cheia de boiões. Alguns têm etiquetas a

dizer «lágrimas 1850-1857» e outros estão

cheios de «maçãs do jardim».

- De quem são estas lágrimas? –

pergunto-lhe.

- Minhas. Sempre que choro, meto as

lágrimas num frasco e guardo-o nesta

cave para fazer cocktails.”

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• “Entramos para a sala de aula. Madeleine

tinha razão, aborreço-me como nunca na minha

vida. Porcaria de escola, sem a pequena

cantora… e eu inscrito para todos o ano escolar.

Como é que vou dizer a Madeleine que já não

quero «estudar»?

Durante o recreio dou início à minha

investigação, perguntando se alguém conhece a

pequena cantora «Andaluzia» que passa a vida a

tropeçar em tudo. Ninguém me responde.

- Ela não anda aqui na escola?

Nenhuma resposta.

Ter-lhe-ia acontecido alguma coisa?

Um tipo estranho, mais velho do que os outros.

Aproxima-se. Ao vê-lo, os outros baixam

imediatamente os olhos. O seu olhar cor de

azevinho deixa-me gelado. O tipo é tão magro

como uma árvore morta, tão elegante como um

espantalho vestido por um grande costureiro e a

sua cabeleira parece confeccionada a partir de

assas de corvo.”

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• “As humilhações de Joe prosseguem dia

após dia. Transformei-me no brinquedo em

que ele descarrega toda a sua raiva e

tristeza. Por mais que as regue, as flores da

recordação da pequena cantora começam a

secar.

Madeleine bem tenta consolar-me, mas nem

sempre quer ouvir histórias sentimentais. Artur

já não tem quase nenhumas recordações no

saco e canta cada vez menos.

Na noite de meu aniversário, Anna e Luna

aparecem sempre para me fazer uma

surpresa. Como habitualmente, divertem-se a

perfumar cunnilingus, mas desta vez Luna

carrega um pouco na dose. O hamster retesa-

se, tem um espasmo e cai morto, redondo. A

visão do meu fiel companheiro na

jaula, imóvel, enche-me de tristeza. Um longo

«cucu» escapa-me do peito.

Como consolação, Luna dá-me uma aula de

geografia sobre a Andaluzia. Ah, a

Andaluzia… se ao menos tivesse a certeza de

que Miss Acácia estava lá, partia

imediatamente!”

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• “O comboio resfolga com um

barulho lancinante. Gostaria de recuar

no tempo para depositar o velho relógio

que me serve de coração no teu colo. O

ritmo sincopado da carruagem causa-

me uma certa perturbação que

aprenderei a evitar mais tarde, mas

neste momento tenho o coração a

estalar. Oh, Madeleine, ainda não deixei

as brumas de Londres e já bebi a

totalidade das tuas lágrimas!

Oh, Madeleine, prometo-te que na

próxima paragem vou à procura de um

relojoeiro. Verás, voltarei para junto de

ti em bom estado ou só um pouco

desregulado para que possas, de

novo, exercer os teus talentos em mim.”

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• “Miss Acácia, flamenco picante ás 22horas no

teatro pequeno, em frente do comboio fantasma.

Reconheci-lhe imediatamente os traços do rosto. Ao

fim de quatro anos, eis que a realidade substitui o

sonho! Sinto-me como um passarinho no dia do

primeiro voo, com vertigens. O ninho fofo da

imaginação afasta-se, vou ter de me lançar no vazio.

As rosas de papel cosidas no vestido da pequena

cantora desenham o mapa do tesouro do seu corpo.

Tenho electricidade na ponta da língua. Sou uma

bomba prestes a explodir, uma bomba

aterrorizada, mas uma bomba, mesmo assim.

Corremos o teatro e instalamos-nos nas cadeiras

destinadas ao público. O palco é um simples estrado

à sombra do toldo de uma caravana. Quem diria que

eu vou vê-la dentro de alguns instantes… Quantos

segundos passaram desde o dia dos meus dez

anos? Quantos milhões de vezes sonhei com este

momento? A euforia que se apodera de mim é tão

intensa que mal consigo ficar sentado. Entretanto, no

meu peito o orgulhoso moinho de vento, pronto a

devorar tudo à sua passagem, transformou-se de novo num minúsculo cuco suíço.”

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• “Méliès avisou-me. <<Atenção, ela é cantora e é

bonita. Não deves ser o primeiro a quem passou pela

cabeça… O cúmulo da sedução é dar-lhe a ilusão de

que não estás a tentar seduzi-la.>>

-Apoiei-me na porta, que estava mal fechada, e aterrei no

seu canapé.

-Acontece-lhe muitas vezes aterrar assim no camarim de

uma rapariga que se prepara para mudar de roupa?

-Muitas vezes não!

Tenho a impressão de que cada palavra é de uma

importância capital. Sílaba a sílaba, cada uma delas sai com

dificuldade. O peso do sonho que trago comigo faz-se sentir.

-E habitualmente vai para onde? À cama ou ao duche?

-Habitualmente não vou para lado nenhum.

Tento recordar o curso de feitiçaria cor-de-rosa de Miélès.”

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• “Dirijo-me ao seu camarim e meto-lhe uma

mensagem por debaixo da porta:

Meia-noite em ponto por trás do comboio-

fantasma. Ponha os óculos para não ir contra a

lua e espere por mim. Prometo que lhe dou

tempo de os tirar antes de olhar para si.

-Anda hombre! Anda! Chegou a hora de lhe

mostrares o teu coração! - repete Méliès.

-Tenho medo de a assustar com os meus

ponteiros. Aterroriza-me a ideia de ela me rejeitar…

já viste que há séculos que sonho com este

momento?

-Mostra-lhe o teu coração verdadeiro, lembra-te do

que te disse, é o único truque de magia possível.

Se ela vir o teu coração verdadeiro, o relógio não a

assustará, podes crer!

Enquanto espero pela meia-noite como um Pai

Natal apaixonado, o pombo desconjuntado de Luna

pousa-me no ombro. Desta vez a carta não se

perdeu; desdobro-a num estado de excitação

comovida.”

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• “Tento mantê-la um pouco afastada do lado esquerdo do

meu peito, como se o coração fosse de vidro, o que

complica a nossa dança, dado que ela parece ser a

campeã do mundo de tango. O volume do meu tiquetaque

aumenta cada vez mais. As recomendações de Madeleine

vêm-me à memória. E se eu morresse antes sequer de a

beijar? Assalta-me uma sensação de salto no vazio, a

alegria de voar, o medo de me estatelar no chão.

Os dedos de Miss Acácia acariciam-me o pescoço e os

meus perdem-se algures por baixo das suas omoplatas.

Tento ligar o sonho à realidade, mas estou a trabalhar sem

máscara. As nossas bocas aproximam-se. O tempo

abranda, quase pára. Os nossos lábios completam-se,

misturam-se delicada e intensamente. A sua língua

parece um pardal a eclodir-me na boca e,

curiosamente, sabe a morango.

Vejo-a a esconder os olhos enormes por baixo das

pálpebras-sombrinhas e sinto-me um halterofilista das

montanhas, os Himalaias no braço esquerdo e as

Montanhas Rochosas no direito. Atlas é um pobre anão

comparado comigo. Uma alegria gigante inunda-me! O

comboio faz ressoar os seus fantasmas a cada um dos

nossos gestos. O som de passos no soalho envolve-nos.”