Desigualdade no Brasil - IHU · 2018. 8. 30. · Moral da hist oria at e aqui Nas pesquisas...
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Desigualdade no Brasil
Quem somos? De onde viemos? Por que estamos aqui?
Pedro H. G. Ferreira de Souza
27 de agosto de 2018
Sumario
1. Introducao
2. As muitas desigualdades possıveis
3. Panorama
4. Determinantes: visao historica
5. Determinantes: oportunidades iguais?
6. Determinantes: o estado de bem-estar social dos ricos
7. Conclusoes
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Introducao
Perguntas fundamentais
• Quem somos? → Quao desigual e o Brasil?
• De onde viemos? → Qual a trajetoria da nossa
desigualdade?
• Por que estamos aqui? → O que explica nossa
desigualdade?
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Resposta rapida
• O Brasil e extraordinariamente desigual, assim como boa parte
da America Latina.
• Melhoramos um pouco nos ultimos 10-20 anos, mas nao tanto
quanto achavamos.
• Alta desigualdade nunca tem uma causa unica: somos muito
desiguais devido a um legado historico terrıvel + ausencia de
reformas radicais em perıodos propıcios + persistencia de
instituicoes que privilegiam os mais ricos. Ademais, reduzir
drasticamente a desigualdade e sempre muito difıcil.
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As muitas desigualdades possıveis
Quatro decisoes principais
• Unidade de analise: desigualdade entre quem?
• Atributo de analise: desigualdade de que?
• Mensuracao: como resumir as informacoes em um numero?
• Fonte de dados: de onde vem as informacoes?
. . . diferentes escolhas podem gerar resultados conflitantes.
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Unidade de analise
• Desigualdade entre indivıduos?
• Desigualdade entre grupos?
• Sociodemograficos: genero, cor/raca, grupos educacionais,
idade etc.
• Geograficos: regioes, estados, municıpios etc.
• Institucionais: escolas, firmas, setores economicos, ocupacoes
etc.
→ Hoje: principalmente entre indivıduos no Brasil.
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Atributo de analise
Desigualdade de que? Renda, altura, expectativa de vida, notas
em uma prova. . . ?
Mesmo para desigualdades economicas temos muitas opcoes:
renda, patrimonio, status socioeconomico . . .
→ Hoje: desigualdade de renda individual ou per capita.
Obs.: renda 6= riqueza/patrimonio!
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Mensuracao
Como reduzir uma distribuicao a um numero?
Qualquer escolha implica um julgamento de valor: e impossıvel
medir o grau de desigualdade sem introduzir criterios normativos.
→ Hoje: principalmente, o coeficiente de Gini e a fracao da
renda recebida pelo 1% mais rico.
Obs.: desigualdade 6= pobreza & nıvel 6= trajetoria!
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Fontes de dados
Pesquisas domiciliares amostrais (e.g.: PNAD)
• Vantagens: informacoes detalhadas sobre varios aspectos da
vida dos indivıduos (educacao, famılia, trabalho etc.).
• Desvantagens: captacao da renda dos mais ricos e ruim, em
geral os rendimentos mais altos ficam subestimados.
Informacoes do IRPF
• Vantagens: informacoes muito melhores sobre os mais ricos;
serie historica longa.
• Desvantagens: sem informacoes sobre os indivıduos.
→ Hoje: ambas.
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Panorama
Coeficiente de Gini, 1976-2013
Renda domiciliar per capita
Renda do trabalho
0.45
0.50
0.55
0.60
0.65
Coe
ficie
nte
de G
ini
1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2015Anos
Fonte: PNADs 1976-2013.
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Gini e renda per capita, 1995-2013
Ü Coeficiente de Gini
Renda média Þ
200
300
400
500
600
700
800
900
1000
Ren
da d
omic
iliar
per
cap
ita (
R$
2013
)
0.50
0.52
0.54
0.56
0.58
0.60
0.62
0.64
0.66
Coe
ficie
nte
de G
ini
1995 1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009 2011 2013
Anos
Fonte: PNADs 1995-2013.
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Brasil vs. America Latina, 1995-2015
Brasil
América Latina
45
50
55
60
65
Coe
ficie
nte
de G
ini (
x100
)
1995 2000 2005 2010 2015Anos
Fonte: PNADs 1995-2015; Milanovic’s All the Ginis dataset.
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Gini vs. PIB per capita, 2008
BRA
FRA
NOR
USA
ZAF
ZAR
.2
.3
.4
.5
.6
.7
Coe
ficie
nte
de G
ini
250 500 1000 2000 4000 8000 16000 32000 64000PIB per capita, PPP$
Fonte: Milanovic (2015).
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Moral da historia ate aqui
Nas pesquisas domiciliares, o Gini da renda domiciliar per capita
caiu muito no Brasil e na America Latina entre 2000-2010, e
depois estabilizou-se. Tambem houve grande crescimento
economico nesse perıodo.
Apesar disso, continuamos sempre entre os paıses mais desiguais
do mundo – somos nos, o resto da America Latina e alguns paıses
africanos.
Infelizmente, os dados tributarios contam uma historia parecida, so
que mais pessimista.
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1% mais rico no Brasil, 1926-2015
0
5
10
15
20
25
30
35
Fraç
ão d
a re
nda
(%)
1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 2020Ano
Fonte: Souza (2016, 2017).
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O 1% no Brasil e em paıses ricos, 1915-2015
0
5
10
15
20
25
30
35
Inco
me
shar
e (%
)
1915 1925 1935 1945 1955 1965 1975 1985 1995 2005 2015Year
Brazil France Sweden United States
Fonte: Souza (2016, 2017), WID.world.
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O 1% no Brasil e em paıses em desenvolvimento, 1915-2015
0
5
10
15
20
25
30
35
Inco
me
shar
e (%
)
1915 1925 1935 1945 1955 1965 1975 1985 1995 2005 2015Year
Brazil Argentina Colombia South Africa
Fonte: Souza (2016, 2017), WID.world.
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A renda dos ricos na PNAD e no IRPF (2015)
Em R$ 2015:
A) PNAD B) IRPF %
Media por adulto 17,887 30,130 −41
P90 36,000 38,015 −5
P95 60,000 79,326 −24
P99 140,160 255,558 −45
P99.9 336,000 997,613 −66
Fonte: Souza (2016, 2017).
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Determinantes: visao historica
Raızes
Trafico negreiro, 1500-1886:
• ∼12,5 milhoes de escravos embarcados para o Novo Mundo;
• ∼10,7 milhoes sobreviveram a viagem;
• ∼4,9 milhoes foram trazidos para o Brasil;
• . . . em comparacao, menos de 400 mil foram para os EUA.
. . . e nos ainda fomos o ultimo paıs das Americas a abolir a
escravidao. Com isso, chegamos ao inıcio do seculo 20 com uma
sociedade rural, oligarquica e altamente desigual.
Muito se discute sobre o peso desse legado historico na
desigualdade hoje. Mas e inegavel que o ponto de partida foi
muito ruim.
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Perdemos o “grande nivelamento”
Muitos paıses ricos tambem eram muito desiguais cem anos atras,
mas, entre 1915 e 1945, uma serie de catastrofes e intervencoes
radicais mudou tudo.
Nos nao so perdemos esse “grande nivelamento”, como vivemos
trajetoria oposta durante a ditadura de Vargas.
Pior, os avancos obtidos mais tarde, nos anos 1950, foram
revertidos pelo golpe militar de 1964.
Pior ainda: em termos tecnologicos e organizacionais, essa epoca
foi muito propıcia a reducao da desigualdade.
19/34
O 1% no Brasil e nos paıses ricos, 1935 a 1975
22.8
27.7
24.3
20.4
23.2
15.4
10.0 9.68.5
7.3
Brasil
Países ricos (média)
0.0
10.0
20.0
30.0
Fraç
ão d
o 1%
mai
s ric
o (%
)
1935 1945 1955 1965 1975Anos selecionados
Fonte: Souza (2016, 2017), WID.world.
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Por que perdemos o “grande nivelamento”?
• Ditadura + repressao
• Investimentos sociais mınimos em momento de grande
crescimento populacional
• Envolvimento limitado na guerra nao obrigou o governo a
reformas profundas (agraria, educacional etc.) – pelo
contrario!
• Ao mesmo tempo, guerra beneficiou setores industriais
• Resposta polıtica focada na acomodacao e na busca
desenfreada pelo crescimento
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Determinantes: oportunidades
iguais?
Brasil contemporaneo
Muitos esforcos nas ultimas decadas, sobretudo apos a
redemocratizacao, para expandir gastos sociais e corrigir distorcoes
historicas.
Copo meio cheio ou meio vazio? Avancamos muito em estender o
acesso a servicos publicos, mas continuamos com carencias
terrıveis, muito desiguais e com muitas barreiras a mobilidade
social.
22/34
A questao agraria
Concentracao fundiaria secular sem reforma agraria seria
→ exodo rural muito forte durante urbanizacao e transicao
demografica
→ populacao urbana cresceu > 500% entre 1940-1980, enquanto a
rural cresceu < 40%
→ oferta precaria de infra-estrutura urbana e transportes,
agravada pela crise dos anos 1980
→ pobreza e desigualdade rural continuam altas
→ reproducao de uma enorme desigualdade de oportunidades:
domicılios do seculo 21 vs domicılios do seculo 19.
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Acesso a servicos basicos (%), 1992-2012
40.6
46.0
51.154.7
59.2
20.0
40.0
60.0
80.0
Aces
so a
ser
viço
s bá
sico
s (%
)
1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012Anos
Fonte: Ipea (2013). Servicos basicos = eletricidade + coleta de lixo + esgotamento sanitario + agua.
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Educacao
No Brasil, educacao esta no centro do debate sobre desigualdade
desde os anos 1970. Ninguem questiona sua importancia.
Controversias existem so quanto ao seu peso.
Politicamente, reconhecimento so veio muito depois. Tentativas de
aumentar os gastos + corrigir as distorcoes + melhorar a gestao.
Houve progressos.
Dificuldade maior diz respeito a qualidade (em todos os nıveis) e
ao gargalo no ensino medio.
25/34
Educacao no Brasil, 1992-2012
2012
1992
0
3
6
9
12
15
Anos
de
estu
do
0 20 40 60 80 100Centésimos da renda do trabalho
Fonte: Ipea (2013). Media em 1992: 5,8. Media em 2012: 8,9.
26/34
Retornos a educacao, 1976-2013
0
100
200
300
400
500
600
700
800
900
Ret
orno
vs.
nen
hum
a e
scol
arid
ade
(%)
1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2015
Anos
4a série do Fundamental Ensino Fundamental completo
Ensino Médio completo Ensino Superior completo
Fonte: Souza (2016).
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Determinantes: o estado de
bem-estar social dos ricos
A concentracao de renda no topo
Desigualdade brasileira decorre em boa medida da concentracao de
renda no topo. Isso ocorre em parte porque os mais ricos se
beneficiam indiretamente da propria desigualdade de oportunidades
(e.g., menor competicao por vagas e remuneracao maior).
No entanto, ha fatores especıficos que explicam o nıvel e a
dinamica no topo. Por exemplo, quanto mais rico, maior o peso de
lucros, dividendos e rendimentos financeiros na renda total.
Historicamente, muitas polıticas publicas contribuıram para a
reproducao desse quadro. Na maioria dos casos, sao polıticas bem
menos visıveis e bem menos avaliadas do que aquelas que afetam
os mais pobres.
28/34
A questao tributaria (I): CTB/PIB
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
Fra
ção
do P
IB (
%)
1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2015
Anos
Brasil Anglófonos Escandinávia
Europa Ocidental Sul da Europa América Latina
Fonte: Souza (2016).
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A questao tributaria (II): IR/CTB
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
55
Fra
ção
da
CT
B (
%)
1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2015
Anos
Brasil Anglófonos Escandinávia
Europa Ocidental Sul da Europa América Latina
Fonte: Souza (2016).
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A questao tributaria (III)
• Estado da com uma mao e tira com a outra: so 25% da nossa
carga tributaria e de tributos diretos (na OCDE, media de
40%).
• IRPF esta longe de cumprir potencial redistributivo: alıquotas
baixas, muitos rendimentos com tratamento diferenciado etc.
IPTU e ITR estao mais longe ainda.
• Impostos indiretos encarecem produtos, distorcem precos e
recaem sobre a maioria da populacao.
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E o gasto nem e tao progressivo assim
• Premio salarial dos funcionarios publicos
• Gasto com Previdencia (13% do PIB) maior do que soma de
educacao e saude
• Enorme volume de subsıdios fiscais e credito barato para
setores selecionados (e.g.: agronegocio, empreiteiras) e
grandes empresas
• Restricoes a entrada e, por tabela, pouca competicao em
setores cruciais (e.g.: sistema bancario)
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Equilıbrio ruim
Estado incluindo por “acomodacao”
→ tentativa de atender demandas sociais sem romper com
favorecimento aos estratos mais ricos e organizados
→ pressao fiscal constante e deficits
→ juros mais altos e crescimento lento.
33/34
Conclusoes
• Desigualdade alta e persistente e sempre produto de uma
combinacao duradoura de causas
• Brasil vem de um passado escravocrata e nunca passou por
um choque externo que exigiu a mobilizacao em massa, como
nos paıses ricos
• Pelo contrario, instabilidade entre ditadura e democracia
favoreceu persistencia de instituicoes reprodutoras da
desigualdade
• Expansao de benefıcios e servicos para os mais pobres convive
com vantagens para lobbies e corporacoes, tributos pouco
progressivos, regulamentacoes e restricoes que reduzem a
competicao, tratamento privilegiado para a elite do
funcionalismo publico. . .
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