Desenvolvimento Local com Justiça Social -...

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Desenvolvimento Local com Justiça Social: Uma Estratégia Alternativa de Combate à Pobreza em Angola. . Introdução Um projeto de desenvolvimento que priorize o combate à pobreza não pode se limitar ao desejo imprescindível de crescimento econômico, o que é legítimo em países que tentam se erguer do caos da guerra como Angola. A redução da desigualdade deve ser encarada não somente como um poderoso atalho do modelo a ser desenvolvido, mas também como um propósito fundamental da reconstrução de uma nação economicamente dinâmica e socialmente justa. Nesse sentido, este artigo não pretende analisar detalhadamente a Estratégia de Combate à Pobreza (ECP) do Ministério do Planejamento da República da Angola. Seu objetivo será o de introduzir, em linhas bastante gerais, a partir de limitações observadas na ECP, as principais diretrizes de um modelo alternativo de desenvolvimento para o país que combine crescimento econômico com redução da desigualdade visando combater a pobreza. Para tanto, acredita- se que será preciso romper com o padrão de desenvolvimento, segundo o qual o que é relevante é apenas o crescimento econômico, orientado pelo Estado e baseado na grande empresa e dependente de setores específicos como é o caso do setor petrolífero angolano 1 . O modelo de desenvolvimento que se faz necessário deveria, ao contrário, passar pela criação de ambientes favoráveis às Micro e Pequenas Empresas concebidas em nível local a partir da valorização do território. Sua caracterização remete a uma reorientação do Estado, que precisaria passar a atuar de forma mais descentralizada e em parceria com a sociedade civil e a iniciativa privada na 1 Segundo o INE, o setor petrolífero respondia por mais de 50% do PIB angolano em 2002. Outro setor mencionado na ECB é o explorador de diamantes. Apesar do seu peso no PIB ser menor (aproximadamente 5% do PIB em 2002), apresentou o maior crescimento em 2003 (aproximadamente 20% em relação a 2002). 1

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Desenvolvimento Local com Justiça Social: Uma Estratégia Alternativa de Combate à Pobreza em

Angola. . Introdução Um projeto de desenvolvimento que priorize o combate à pobreza não pode

se limitar ao desejo imprescindível de crescimento econômico, o que é legítimo em

países que tentam se erguer do caos da guerra como Angola. A redução da

desigualdade deve ser encarada não somente como um poderoso atalho do

modelo a ser desenvolvido, mas também como um propósito fundamental da

reconstrução de uma nação economicamente dinâmica e socialmente justa.

Nesse sentido, este artigo não pretende analisar detalhadamente a

Estratégia de Combate à Pobreza (ECP) do Ministério do Planejamento da

República da Angola. Seu objetivo será o de introduzir, em linhas bastante gerais,

a partir de limitações observadas na ECP, as principais diretrizes de um modelo

alternativo de desenvolvimento para o país que combine crescimento econômico

com redução da desigualdade visando combater a pobreza. Para tanto, acredita-

se que será preciso romper com o padrão de desenvolvimento, segundo o qual o

que é relevante é apenas o crescimento econômico, orientado pelo Estado e

baseado na grande empresa e dependente de setores específicos como é o caso

do setor petrolífero angolano1.

O modelo de desenvolvimento que se faz necessário deveria, ao contrário,

passar pela criação de ambientes favoráveis às Micro e Pequenas Empresas

concebidas em nível local a partir da valorização do território. Sua caracterização

remete a uma reorientação do Estado, que precisaria passar a atuar de forma

mais descentralizada e em parceria com a sociedade civil e a iniciativa privada na

1 Segundo o INE, o setor petrolífero respondia por mais de 50% do PIB angolano em 2002. Outro setor mencionado na ECB é o explorador de diamantes. Apesar do seu peso no PIB ser menor (aproximadamente 5% do PIB em 2002), apresentou o maior crescimento em 2003 (aproximadamente 20% em relação a 2002).

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oferta conjunta de bens e serviços públicos voltados a aprimorar os mecanismos

de funcionamento dos mercados, ao invés de tentar substituí-los.

Este artigo se divide em três breves seções, além desta introdução. Na

próxima, apresentam-se, de forma sucinta, características do modelo de

desenvolvimento da ECP que vão de encontro à nova concepção de

desenvolvimento que se faz necessária hoje em Angola. Na seção seguinte,

apresentam-se os principais elementos da agenda que seria necessária para a

formatação de uma estratégia deste tipo. A terceira e última é a das considerações

finais.

I. ECP em Angola: Do petróleo ao desenvolvimento local

A breve discussão dessa seção irá se apoiar basicamente em duas

questões para abordar o problema do combate à pobreza: Desenvolvimento Local

e produção de informação.

Apesar do entendimento geral de que é necessário dinamizar a economia

não-petrolífera e corrigir os desequilíbrios nos mercados, ainda encontra-se

arraigada em Angola a idéia de que o petróleo é o “ouro negro” da sociedade e a

“menina dos olhos” do Governo, produto que irá sedimentar a ponte entre o caos

da guerra e a prosperidade da nação. Entretanto, sabe-se que a influência deste

ramo de atividade no combate à pobreza é apenas marginal na medida em que é

intensivo em capital e o pouco que emprega é, em grande parte, mão-de-obra

qualificada. Um país que almeja seguir uma trajetória sustentada de

desenvolvimento deveria enfraquecer a correlação entre o crescimento do PIB e o

sucesso de um setor em particular. A conseqüência mais imediata desta relação é

a elevada dependência das receitas fiscais, em torno de 80%, o peso excessivo

das despesas públicas no PIB (em média entre 1991 e 2001), em redor de 57,5%,

a precarização do setor privado doméstico e milhões de angolanos vivendo à

margem do mercado de trabalho formal.

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Por outro lado, o retorno de cerca de 30% da população de deslocados das

capitais provinciais2 para as tradicionais áreas de residência e atividade

econômica está, muito propriamente, associado à intenção de desenvolver a

atividade rural e da indústria transformadora3 para diminuir a vulnerabilidade do

mercado interno. No entanto, não se coloca explicitamente qual será o modelo de

produção: baseado nos grandes empreendimentos, produção familiar de

subsistência ou arranjos produtivos4.

A concepção de um modelo local de desenvolvimento deve partir da

valorização dos territórios não somente nas cidades, mas também nos ambientes

rurais e, também, apoiados nas suas peculiaridades culturais. Estes territórios não

devem ser vistos apenas como dimensões administrativas (burocráticas) e ainda

menos como realidades puramente geográficas – mas como redes locais de

cidadãos. Territórios se constituem, também, pela presença e a integração de

instituições de bens e serviços públicos (mas não necessariamente estatais),

como, educação, saúde, crédito, telecomunicações, transportes, centros de

pesquisa, estações de tratamento de água, agências de desenvolvimento,

plataformas logísticas, etc. Dessa forma, o território é desenhado pela extensão

das redes sociais, técnicas e institucionais que criam e recriam esses bens e

serviços públicos; sua competitividade é função da cooperação entre os atores

locais, organizados nessas diferentes redes. É através da aliança entre o governo,

a iniciativa privada e a sociedade civil, por meio de uma multiplicidade de

iniciativas de desenvolvimento local que se acredita que se pode chegar a um

processo de longo prazo que leve ao crescimento de forma mais eqüitativa

corrigindo também os desequilíbrios regionais.

A pobreza, apesar de generalizada e intensa em Angola5 e entendida sob

múltiplas dimensões, seu enfrentamento necessita, antes de qualquer ação, da

definição de uma única linha de pobreza e de uma medida para que se possa

2 De Luanda, Cabinda, Luanda Norte, etc. 3 Por exemplo, a madeira, os têxtil, o açúcar e derivados apresentam vantagens competitivas. Pode-se mencionar também o papel, metais não-ferrosos, alimentos, etc. 4 Redes de micro, pequenas e médias empresas, compostas de estruturas hierárquicas mais eqüitativas e baseadas num território produtivo, de acordo com o modelo de desenvolvimento local. 5 Em torno de 57% na área urbana e 94% na área rural, segundo o IDR de 2000-2001.

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formar uma fila de prioridades. Isto não se verifica no documento da ECP quando

se associa a linha de pobreza de aproximadamente US$ 1,7 diários do Governo

de Angola à meta de redução de pobreza no longo prazo em consonância com os

objetivos de Desenvolvimento do Milênio (redução até 2.015 de 50% da proporção

da população com menos de US$1 diários).

Entretanto, qualquer tentativa de política, não somente para combater a

pobreza, aumentará o risco de não suceder se não for fundamentada por um

aparato científico e informacional exaustivo. Isto se dá uma vez que não se faz

política sem ciência. Prescindir deste aparato sistemático de informações

detalhadas sobre a sociedade significa aumentar o custo de oportunidade social

das políticas e deixá-las subordinadas à “boa vontade” dos políticos. Um exemplo

ilustrativo de como boas intenções desprovidas de informações e conhecimento

científico podem gerar a anulação e até mesmo a inversão dos objetivos é o

mercado de crédito no Brasil. Uma pesquisa foi realizada com juízes de várias

capitais do Brasil querendo saber para quem era dada a causa em disputas

judiciais quando bancos querem reaver seus empréstimos a pequenos tomadores

que não pagavam. A causa, na grande maioria das vezes, era dada ao pequeno

tomador de empréstimos. Os juízes, na certeza de estarem praticando ativismo

social sob suas funções achavam que a causa deveria ser dada ao José da Silva,

pobre e que não podia pagar o empréstimo. O problema é que ajudando ao José

da Silva, pessoa física, está prejudicando todo o grupo de pobres pequenos

tomadores de empréstimos (o “barraqueiro” da esquina) que certamente terá

dificuldades em conseguir crédito, devido ao desincentivo gerado pela tendência à

perda das causas pelos bancos e à falta de informação sobre o pequeno tomador.

Portanto, é extremamente necessário que se construa um sistema de

produção estatística contínuo. É também necessário que abranja não somente

agregados econômicos e setoriais da economia e da sociedade através de

indicadores defasados e coincidentes. Para ajudar a combater a pobreza não

basta a produzir dados sobre pobreza, mas também sobre desigualdade, não

mencionado na ECP. É importante produzir análises bivariadas, isto é, traçar um

perfil das variáveis indicativas do universo estudado (ex: renda) em relação aos

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principais atributos sócio-demográficos observáveis em pesquisas de Inquérito

(ex: sexo, raça, idade, escolaridade, status de imigração) e atividades econômicas

exercidas (ex: posição na ocupação, tempo de trabalho e setor de atividade).

Os grandes inquéritos junto à população para a formação de micro-dados

do Instituto Nacional de Estatística (INE) ainda são muito limitados. Por exemplo, a

amostra do Inquérito aos Agregados Familiares sobre Receitas e Despesas (IDR)

é considerada pequena com 4.700 agregados familiares principalmente em áreas

urbanas. Ademais, a maioria dos Inquéritos, que foram elaborados somente a parir

de 1995, a exceção do Inquérito de Indicadores Múltiplos (MICS) de 2001, não

chegava à área rural devido à insegurança da guerra, o que sugere um

questionamento não somente da representatividade das amostras, mas também

do padrão e da confiabilidade das fontes de informação6.

Além do esforço que já vem sendo realizado junto ao INE através do Plano

Nacional de Médio Prazo 2002-2006, seria bastante edificante uma parceria com

instituições internacionais especializadas e países com maior experiência na

produção estatística. Um eventual candidato que surge é o Brasil, não somente

pela proximidade que a língua portuguesa sugere, mas também pelo acúmulo de

conhecimento técnico, metodológico e operacional do Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE). Nesse sentido, o intercâmbio de técnicos, cursos e

seminários poderiam agregar valor de fato ao sistema de produção estatística de

Angola. Através de um diagnóstico mais detalhado da sociedade e da atividade

econômica e da formação de técnicos para avaliar os dados é possível desenhar

políticas mais focadas7 e que tenham maior potencial de impacto nos grupos

sociais mais vulneráveis.

Apesar de alguns destes aspectos estarem mencionados de forma genérica

na ECP no que se refere as mudanças de Governação8, a reorientação do Estado

6 Por exemplo, no documento da ECB divulgam-se repetidas vezes a incidência da pobreza em Angola em torno de 68% de acordo com IDR de 2001. Mas, utilizando a mesma fonte pode-se perceber, numa tabela de indicadores de pobreza, uma incidência de 62,2%. 7 Como por exemplo, a ênfase na cobertura e na qualidade da educação, uma vez que o perfil da estrutura demográfica angolana é muito jovem e gera pressões tremendas sobre o mercado de trabalho. Cerca de 50% da população, segundo o INE, é composto de jovens menores de 15 anos. 8 Ë notável, na ECB, a falta de um arcabouço teórico bem estruturado e institucionalizado para fundamentar a coordenação entre as esferas estatais cria margem para os agentes envolvidos desviarem das ações eficientes

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deve partir do princípio de que a prosperidade de Angola derivará da

democratização ao acesso a um vasto conjunto de ativos que constituem a

riqueza9 e do amadurecimento da cultura democrática. Em outras palavras, a

institucionalização da cultura da informação e da cultura estatística não somente

para traçar diagnósticos exaustivos da sociedade, mas também para abrir

caminhos mais seguros para o desenvolvimento tornado-lo mais independente da

intuição ligeira e do ciclo político.

Desta forma, através do aprofundamento da cultura informacional e da

transparência será possível, por exemplo, que as empresas conheçam melhor

seus mercados e o seu potencial de expansão, os Governos possam redesenhar

suas políticas através do aprendizado, tornando-as mais efetivas, e os cidadãos

possam controlar o compromisso político com seus eleitos. Somente desta forma

poder-se-ão aumentar os vínculos sociais, a confiança nas instituições locais e a

constituição de um ambiente favorável à inovação e ao empreendedorismo tão

necessários para a reconstituição da unidade nacional e da qualidade de vida de

todos os cidadãos angolanos.

II. Uma Agenda de desenvolvimento com foco na redução da pobreza Adotar um modelo de desenvolvimento que priorize o combate à pobreza

não se limita a uma estratégia agressiva de crescimento econômico. Um modelo

baseado nos grandes empreendimentos intensivos em capital e na atuação do

Estado conferindo mais dinâmica a setores específicos (como o petrolífero) pode

conferir altas taxas de crescimento da atividade econômica com ônus de Angola

continuar a ser um país com muitos pobres. Não se trata, portanto, somente de

gerar mais recursos, mas de distribuir os recursos que são gerados. Entretanto,

distribuir renda é, sobretudo, conseqüência de uma reorientação do Estado e de

e, até mesmo, para a ocorrência de comportamento oportunístico, uma vez que os mesmos teriam liberdade e incentivo (escondendo-se no anonimato da falta de transparência) para adotar ações ocultas (Moral Hazard), em outras palavras, a corrupção sistemática. 9 Tais como educação, propriedade, crédito, informação, infra-estrutura, etc.

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uma reengenharia institucional formando um novo padrão de acumulação. Não é

fruto exclusivo da intervenção direta do Estado através das políticas sociais.

O conceito de elasticidade de crescimento da redução da pobreza ajuda a

explicar como políticas de distribuição de renda podem potencializar o efeito do

crescimento econômico no combate à pobreza. A idéia básica sugerida é a de que

países que apresentam maior desigualdade precisam crescer mais e mais rápidos

do que os mais igualitários para reduzir em um por cento o número de pessoas

que vivem na pobreza. Portanto, quanto menor a desigualdade de renda mais

forte é a relação (direta) entre crescimento econômico e redução da pobreza.

No Brasil, foram feitas estimativas no Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada (IPEA) através de um exercício utilizando a Pesquisa Nacional por

Amostragem Domiciliar (PNAD/IBGE) de 2001 para demonstrar combinações

entre crescimento e redução na desigualdade para diminuição da extrema pobreza

em 10 pontos percentuais. O resultado aponta que, para reduzir em 10% a

extrema pobreza (de 15% para 5%) bastaria reduzir o grau de desigualdade em

10%. Por outro lado, a mesma redução da extrema pobreza, para ser alcançada

apenas com crescimento econômico demandaria um crescimento contínuo da

renda per capita de 3% ao ano durante 28 anos sem alteração no grau de

desigualdade. Exercícios como estes são úteis para perceber que, provavelmente

crescimento e redistribuição não são ortogonais. Neste caso, tanto crescimento

econômico quanto políticas pró-pobres podem reforçar-se mutuamente.

Uma agenda de desenvolvimento teste tipo passaria e referenciar-se nas

seguintes diretrizes gerais:

Consolidação da estabilidade macroeconômica: Por si só, trata-se de

uma condição necessária, mas não suficiente para esta estratégia de

desenvolvimento. Os problemas sociais angolanos não podem ser

solucionados através de políticas macroeconômicas, mas podem ser

agravados por más políticas como ocorreu num passado recente no

país. Um ambiente econômico em que se observava10, entre 1991 e

2001, uma taxa média de inflação anual de 893,5%, uma taxa média

10 Todas as fontes remetem ao INE.

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de juros de cerca de 200% ao ano e uma sobrevalorização da moeda

nacional não gerava um ambiente propício e incentivador de

investimento privado devido à instabilidade dos preços relativos. A

consolidação da estabilidade macroeconômica, para a qual se tem

dirigido esforços recentemente, poderia levar, paulatinamente, a uma

redução das taxas de juros, o que poderia abrir espaço para uma

ampliação do gasto público social sem tanta necessidade de

aumento da carga tributária11.

Ampliação do gasto público social (GPS) e da efetividade das

políticas sociais: O GPS em Angola ainda é considerado baixo

apesar do aumento de 3% do PIB em 2002 para 7% do PIB em

2003. Entretanto, não basta aumentar o GPS, é preciso garantir que

o mesmo está, efetivamente, combatendo a pobreza. A política social

para ser efetiva necessita antes ser eficiente eficaz e ter foco. Neste

sentido, a mesma precisa ser capaz de transformar recursos em

serviços a um baixo custo. Estes serviços devem ser capazes de

gerar impacto, ou seja, as intervenções devem melhorar o bem-estar

dos beneficiários (expandindo capacidade produtiva ou o grau de

utilização desta e satisfazendo necessidades básicas). Mas, além

disto, deveria assegurar que o impacto incida sobre os mais pobres.

Portanto, percebe-se que há uma gama de questões entre o gasto

público social e o resultado em termos de indicadores. Estas

questões atuam sobre a política social através de múltiplas

dimensões e demonstram que o montante em gastos não tem

necessariamente correlação positiva com a melhora do resultado em

termos de indicadores sociais. Sendo assim, existem algumas

dimensões que também estão correlacionadas com a qualidade do

gasto público social, como, operacionalização, coordenação entre as

11 A carga tributária em angola vem crescendo recentemente. De uma carga de 9,3% do PIB em 2001 para 15,1% em 2003. Entretanto, por Angola se tratar de país muito pobre, acredita-se que há espaço para um aumento devido à ênfase no papel redistributivo do Estado. Mas, deveria diminuir a dependência da Receita Pública do petróleo, ampliando a base fiscal e potencializando o impacto do gasto público sobre o combate à pobreza.

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esferas estatais, integração de políticas e esforços de diagnóstico,

monitoramento, e avaliação através da construção sistemática de

bases informacionais. Desta forma, deve-se evitar que programas

sociais, como é o caso da ECP, sejam concebidos para atender a

objetivos genéricos, sobrepostos, múltiplos e de difícil verificação a

priori dos resultados pretendidos devido às limitadas possibilidades

de hierarquização destas orientações. A formulação de metas muito

ambiciosas e com prazos muito curtos (muitos são para 2006-2007)

em frentes como, por exemplo, a desminagem, combate ao

VIH/SIDA, e nas infra-estruturas básicas são conseqüência da falta

de fundamentação estatística que limita a projeção de indicadores

com mais segurança.

Aprofundamento das reformas institucionais: As reformas são

necessárias, antes de tudo, para permitir o aumento do GPS e da

sua efetividade em combater a pobreza. É preciso garantir que os

governantes tenham mais margem de manobra para decidir o

formato do GPS para evitar que o Orçamento do Governo seja muito

“engessado” e que o mesmo seja capturado pelas camadas mais

favorecidas economicamente e mais organizadas politicamente. Ao

mesmo tempo, deve-se conciliar incentivos legais e institucionais

para que os beneficiários das políticas sociais não fiquem

subordinados a disputas eleitorais e abrir canais para que os

recursos públicos cheguem às áreas que oferecem maiores retornos

à sociedade. Aprofundar as reformas significa também atuar na

correção das falhas dos mais diversos mercados, atuando como uma

espécie de lubrificante das engrenagens da economia. Isto irá

permitir que atividade econômica flua de forma mais eficiente e

competitiva na inserção de um mundo globalizado e com maior

capacidade de produzir desenvolvimento doméstico e justiça social.

Ampliação do espaço público para além das fronteiras estatais:

Tanto para promover o crescimento quanto para reduzir a

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desigualdade é necessário aumentar a oferta de bens e serviços

públicos, o que é possível somente através da multiplicação de

alianças entre distintos níveis de governo, a iniciativa privada e a

sociedade civil. A diferença fundamental destes tipos de alianças

com aquelas que são mencionadas na ECP refere-se à produção

destes bens e serviços pelos diferentes agentes aos arranjos

produtivos e aos cidadãos e, também, ao trânsito das políticas de

desenvolvimento industrial para as políticas de desenvolvimento

destes serviços ampliando a noção do que é público. O desafio

passa por levar esse tipo de experiência não somente ao meio rural,

mais pobre, mas de generalizá-lo para as capitais provinciais, onde a

pressão demográfica é maior e a desigualdade é mais intensa.

. Considerações finais A intenção deste artigo não foi a de analisar ponto a ponto as áreas de

intervenção da ECP em Angola, algumas delas, muito bem intencionadas e

apoiadas em bons princípios, como, por exemplo, o da gestão pública mais

participativa e da criação de um sistema de monitoramento e avaliação de

políticas. Mas, foi, sobretudo, a de sublinhar, a partir de algumas limitações

observadas, a importância dos vetores distribuição de renda e informação na

formulação de políticas de combate à pobreza.

A herança deixada desde os tempos de colônia portuguesa até o período

de guerra civil torna inevitável o desejo por mais crescimento econômico.

Entretanto, o momento de reconstrução de uma nação surge como oportuno para

se repensar a questão do desenvolvimento projetando-a mais além da idéia de

crescimento da atividade econômica. Romper as barreiras entre o econômico, o

social e o político promovendo um amplo aprofundamento das práticas

democráticas, descentralizadas, participativas e fomentadoras de

empreendimentos é elemento decisivo na definição de uma agenda de

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desenvolvimento que combine mais crescimento (e eficiência) e mais eqüidade,

promovendo uma maior inclusão social.

Para tanto, deve-se abandonar a noção nacional-desenvolvimentista,

concebendo o desenvolvimento como um processo que passa pela criação de

condições para que ocorra uma vasta e diversificada gama de experiências de

desenvolvimento local. Ela mostra, entre outras coisas, que é no âmbito local que

podem ser costuradas as parcerias e alianças entre vários níveis de governo,

iniciativa privada e sociedade civil que são requeridas para ampliar a oferta de

bens e serviços públicos de forma que esse novo padrão de acumulação possa

vingar. Sendo assim, outras formas de capital, que não o físico e o humano podem

passar a ocupar um lugar prioritário nas agendas políticas, antes organizadas em

cima de orientações estritamente políticas e setoriais. O capital social, o intangível,

o cognitivo representado pelos vínculos sociais e pela confiança entre os agentes

e a confiança nas instituições pode ser de suma importância.

Contudo, a desejável busca de maior racionalidade no processo de

desenvolvimento que priorize combater a pobreza deve, necessariamente,

envolver as duas origens da Economia: O ingrediente ético, que diz respeito à

escolha dos fins, e o elemento logístico, que visa viabilizar a consecução destes

fins. Parece igualmente claro que, ainda que a colaboração entre ética e logística

seja estreita, e grande a tentação de reduzir uma à outra, uma vocação não pode

ser reduzida à outra sob a pena de indeterminação. O eficiente não existe no vazio

de propósitos e o desejado não se viabiliza sem engenharia. Nesse sentido, o

grande desafio da reconstrução de Angola será o de compatibilizar essas duas

dimensões: a ética e a eficiência para que possa romper a barreira entre o querer

e o poder, ou seja, entre o sonho de uma sociedade mais próspera e uma

realidade com muitas privações.