Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2....
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Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social
dos jovens através do Desporto:
Uma análise centrada na perspetiva dos especialistas
Dissertação apresentada com vista à obtenção
do grau de Doutor em Ciências do Desporto nos
termos do Decreto Lei 74/2006 de 24 de Março
Orientador: António Manuel Leal Ferreira Mendonça da Fonseca
Coorientador: Thomas J. Martinek
Maria Leonor Ventura Regueiras
Porto, 2012
II
Regueiras, M. L. V. (2012). Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos
jovens através do Desporto: Uma análise centrada na perspetiva dos especialistas
Porto: M. L. V. Regueiras. Dissertação de Doutoramento em Ciências do Desporto apresentada
à Faculdade de Desporto da Universidade do Porto
Palavras-chave: Desenvolvimento Positivo da Juventude, Desporto, Desenvolvimento da
Responsabilidade Pessoal e Social, TPSR , Perfil de professor de Educação Física.
III
Aos meus pais
Maria Antónia e João
IV
V
Agradecimentos
Ao concluir este trabalho, quero manifestar de forma muito particular um
reconhecido agradecimento ao Professor Doutor António Manuel Fonseca, que,
mais uma vez, aceitou ser meu orientador. Como verdadeiro mestre, ajudou-
me com disponibilidade, generosidade, amizade e sabedoria, fazendo sempre
as perguntas certas: aquelas que nos levam a querer encontrar as respostas.
Também ao Professor Doutor Thomas Martinek, agradeço a ajuda, a
motivação, o apoio e a amizade que fui recebendo, mesmo que de lá de longe.
Quero agradecer muito carinhosamente aos meus pais, a quem dedico esta
tese. O grande amor que sempre deram aos filhos fez com que crescêssemos
convencidos de que tudo nos seria possível e de que nada nos estava vedado,
a não ser por falta querer.
Agradeço aos meus irmãos, ao João, à Alda e ao Pedro, que durante toda a
minha vida me deram exemplo de trabalho, de tenacidade, de sensibilidade, de
humor diante da vida e, sobretudo, me deram amizade incondicional.
A tantos amigos que me foram motivando e mostrado que acreditavam que eu
era capaz, mesmo quando eu própria tinha muitas dúvidas. Pelo seu
entusiasmo, pelo seu interesse e curiosidade, pela sua disponibilidade e
colaboração, pela sua amizade e pelo seu carinho.
Aos meus colegas de trabalho, que engrossam o número dos amigos e que
tantas vezes, pacientemente, me ouviram falar de escolas, de estratégias, de
políticas, métodos e modelos em que acreditava. Que me substituíram e
apoiaram quando deles precisei. Sempre amigos.
VI
Ao meu colégio e às pessoas que representa para mim, aos educadores que lá
conheci e que me motivaram a encarar a educação como a tarefa primeira de
todo homem e mulher.
Aos meus alunos, em quem o saber se torna sabedoria porque estão a crescer.
Também eles amigos para sempre.
Deixo aqui também um reconhecido agradecimento ao Nuno Corte-Real, à
Cláudia Dias e ao Rui Corredeira, aos professores e colegas da minha
faculdade FADEUP. Encontrei neles, sobretudo, amigos fieis.
Finalmente, agradeço ao Mário João e ao João Maria, pelas noites passadas
com a mãe “agarrada” ao computador, aceitando com naturalidade os meus
silenciosos mergulhos em papéis. Por muitos fins-de-semana por casa…
“porque a mãe tem que trabalhar”. Como toda a família, acreditaram e
ajudaram em tudo o que puderam, tapando as minhas “ausências” como se
todos estivéssemos a fazer um doutoramento.
A todos os que não nomeei mas que levo no coração.
Obrigada
VII
ÍNDICE GERAL
ÍNDICE DE FIGURAS XI
ÍNDICE DE QUADROS XII
Resumo XIII
Abstract XV
I Introdução 1
II Revisão da Literatura 11
1. Desenvolvimento Positivo da Juventude 13
1.1. Origens de um conceito 13
1.2.Definições de Desenvolvimento Positivo da Juventude 21
1.3. Conceitos e vocabulário 23
1.4. Caraterísticas dos programas de Desenvolvimento
Positivo da Juventude 29
2. Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social
(Hellison) 39
2.1. Convicções 43
2.2. Níveis de responsabilidade 46
2.3. Estratégias 58
Estrutura da aula 58
Estratégias de ensino 64
2.4. Atmosfera do programa 66
2.5. Perfil do professor 68
2.6. Estado atual do Modelo de Responsabilidade 71
III Metodologia 77
1. Enquadramento metodológico 79
2. Material e métodos 82
3. Participantes 85
4. Procedimentos de análise 88
5. Confiabilidade 98
IV Apresentação dos Resultados 101
1. Desenvolvimento Positivo da Juventude 104
VIII
2. Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social 119
2.1. Origem 120
2.2. Objetivos 123
2.3. Enquadramento institucional 124
2.4. População alvo 126
2.5. Estrutura das sessões 128
2.6. Meios e atividades 130
2.7. Estratégias pedagógicas 132
2.8. Fatores de sucesso 147
2.9. Relação professor / modelo 152
2.10. Disseminação do modelo 154
2.11. Avaliação da implementação 155
3. Perfil do Professor 157
3.1. Valores, atitudes e convicções 158
3.2. Gosto de trabalhar com adolescentes 161
3.3. Competências de relação do adulto 162
3.4. Relação personalizada com o adolescente 163
3.5. Compromisso na relação com o adolescente 164
3.6. Capacidade de adaptar o ensino ao adolescente 166
3.7. Conhecimento das necessidades do adolescente 168
3.8. Visão do adolescente 169
3.9. Formação profissional 177
3.10. Prática reflexiva 180
V Discussão 183
1. Desenvolvimento Positivo da Juventude 187
1.1. Origem do conceito 187
1.2. Definição do conceito 188
1.3. Objetivos 190
1.4. População alvo 192
1.5. Enquadramento institucional 193
1.6. Meios e atividades 194
1.7. Estratégias pedagógicas 196
IX
1.8. Fatores de sucesso 198
1.9. Enquadramento teórico 200
2. Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social 205
2.1. Origem 205
2.2. Objetivos 207
2.3. Enquadramento institucional 207
2.4. População alvo 209
2.5. Estrutura das sessões 210
2.6. Meios e atividades 214
2.7. Estratégias pedagógicas 217
Estratégias específicas por Nível 217
Centrar no adolescente 226
Empowerment 227
Tomada de consciência 228
Ambiente seguro 229
Decisões e escolhas 231
Avaliação sistemática 231
Integração 233
Experiências de êxito 234
2.8. Fatores de sucesso 235
Tempo 235
Qualidade da relação com o adolescente 236
Rácio 238
Ambiente 239
Avaliação 239
Objetividade e realismo do adulto 240
Estrutura do modelo 241
Idade 241
2.9. Relação professor / modelo 243
2.10. Disseminação do modelo 244
2.11 Avaliação da implementação do modelo 244
3. Perfil do Professor 249
X
3.1. Valores, atitudes e convicções 249
3.2. Gosto de trabalhar com adolescentes 251
3.3. Competências de relação do adulto 252
3.4. Relação personalizada com o adolescente 253
3.5 Compromisso na relação com o adolescente 255
3.6. Capacidade de adaptar o ensino ao adolescente 257
3.7. Conhecimento das necessidades do adolescente 257
3.8. Visão do adolescente 259
Expectativas do professor 259
Motivação dos alunos 261
Contexto social de proveniência do adolescente 262
Relação do adolescente com o adulto 263
Relação do adolescente com a Escola 264
3.9. Formação profissional 265
3.10. Prática reflexiva 266
VI Conclusões 271
VII Bibliografia 277
XI
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1 – Como é que o Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social promove o Desenvolvimento Positivo da Juventude?
8
Figura 2 – Bases históricas do Desenvolvimento Positivo da Juventude 20
Figura 3 – Relação de cada Nível em função do tipo de responsabilidade que desenvolve
46
Figura 4 – Imagem de uma versão inicial dos Níveis de Responsabilidade publicada por Hellison
48
Figura 5 – Níveis de Responsabilidade Pessoal e Social 50
Figura 6 – Relação entre os três Temas-eixo 91
XII
ÍNDICE DE QUADROS
Quadro 1 – Vocabulário do Desenvolvimento Positivo da Juventude 28
Quadro 2 – Versões diferentes das componentes dos Níveis inicialmente propostas por Hellison
49
Quadro 3 – Componentes dos Níveis de Responsabilidade Pessoal e Social
52
Quadro 4 – Categorias definidas a priori e a posteriori 93
Quadro 5 – Distribuição da codificação pelas categorias do tema Desenvolvimento Positivo da Juventude
104
Quadro 6 – Distribuição da codificação pelas categorias e subcategorias do tema Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social
120
Quadro 7 – Frequência das referências para o tema do Perfil do Professor
157
XIII
Resumo
Ao longo dos últimos anos têm vindo a ser propostos diversos programas para o
desenvolvimento positivo de crianças e jovens, de entre os quais se destaca o
Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social, criado e desenvolvido por
Donald Hellison. Todavia, e apesar do reconhecimento de que tem sido alvo em
diversos países, a informação sobre as principais razões pelas quais tal tem
acontecido continua a ser manifestamente escassa. Nessa medida, o propósito desta
tese foi o de aprofundar o conhecimento sobre o como e o porquê do êxito deste
modelo, com base no entendimento dos seus protagonistas, procurando assim
proceder à identificação dos seus principais pontos fortes, potencialmente
transponíveis e úteis para outras situações e realidades.
Para o efeito, após ter sido revista toda a informação disponível na literatura da
especialidade sobre este tema, foi desenvolvido um guião de entrevista semidiretiva e
estruturada, posteriormente aplicada a sete especialistas internacionais no domínio do
desenvolvimento juvenil através do desporto em geral e com um conhecimento
profundo deste modelo em particular. Igualmente com base na revisão da literatura foi
elaborada uma conceptualização inicial, posteriormente complementada pelos
resultados de uma análise inicial da informação recolhida nas entrevistas, que deu
origem à definição de um sistema de temas, categorias e subcategorias, tendo em
conta as suas propriedades e dimensões, com base no qual foram organizados,
analisados e interpretados os diversos contributos dos vários entrevistados. Através do
processo referido, foram identificados como principais temas-eixo o Desenvolvimento
Positivo da Juventude, o Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social e o
Perfil do Professor, tendo a análise dos dados sido efetuada através do recurso ao
NVIVO7 da QSR International Pty Ltd.
Em termos globais, da análise dos resultados emergiu que, para os entrevistados, as
caraterísticas do modelo de Hellison que mais impacto exercem no desenvolvimento
positivo das crianças e jovens aos quais é aplicado são: o tempo de duração do
programa; a qualidade da relação que o adulto estabelece com o adolescente; o
ambiente da aprendizagem; a avaliação constante de processo e produto; a
objetividade e o realismo do adulto responsável; e o rácio
professor/aluno. Adicionalmente, foi também possível verificar que, para os
entrevistados, as caraterísticas dos professores que mais determinam a qualidade dos
resultados obtidos são: a visão que o professor tem da criança, do adolescente ou do
jovem; os seus valores, atitudes e convicções; o seu compromisso a longo prazo com
os alunos; o estabelecimento de relações personalizadas com estes; a capacidade de
adaptar o ensino ao praticante; aprática reflexiva; as competências globais de relação;
o gosto por trabalhar com crianças e jovens; e o conhecimento das suas
necessidades.
PALAVRAS-CHAVE: DESENVOLVIMENTO POSITIVO DA JUVENTUDE, DESPORTO, TPSR, PERFIL DE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA
XIV
XV
Abstract
Over the last few years various programs have been offered for the positive
development of children and youths, among which stands out the Development of
Personal and Social Responsibility, created and developed by Donald Hellison.
However, despite the recognition it has attained in several countries, information
regarding the main reasons why this has been the case remains manifestly scarce. The
purpose of this thesis was to increase the knowledge of the manner and reasons
behind the success of this model, based on an understanding of its protagonists,
seeking to identify its core strengths in the belief that they are potentially transferable to
and useful for other situations and realities.
To this end, after having been reviewed all the available information in the literature on
this topic, a guide to a standardized open-ended interview was developed.
Subsequently, seven international experts in the area of youth development through
sports with in-depth knowledge of this particular model were interviewed. Moreover,
based on the literature review, an initial conceptualization was created and
subsequently complemented by the results of an initial analysis of the information
gathered in the interviews. This resulted in the definition of a system of themes,
categories and subcategories, which took into account its properties and dimensions,
and on which the various contributions of the various intervieweest were then
organized, analyzed and interpreted. Through the above process, Positive Youth
Development, the Development of Personal and Social Responsibility, and the Profile
of the Teacher were identified as major axis-themes and data analysis was performed
using the NVIVO7 of QSR International Pty Ltd.
Generally, it emerged from the analysis that for the respondents the characteristics of
the Hellison’s model that have the largest impact on the positive development of
children and youths to whom it is applied are as follows: the duration of the program;
the quality of the relationship that the adult establishes with the teenager; the learning
environment; the continuous assessment of process and product; the objectivity and
realism of the adult responsible; and the teacher / student ratio. Additionally, it was also
possible to verify that, for the respondents, the characteristics of the teachers which
most determine the quality of the results obtained are: the vision that the teacher has of
the child, adolescent or youth; his or her values, attitudes and beliefs; his or her long-
term commitment to students; the establishment of personal relationships with the
students; the ability to adapt teaching to the practitioner; his or her reflexive practice;
his or her overall relationship mangement skills; his or her fondness for working with
children and youths; and the knowledge of their needs.
KEYWORDS: POSITIVE YOUTH DEVELOPMENT, SPORTS TPSR, PROFILE OF PHYSICAL EDUCATION TEACHER
XVII
Lista de abreviaturas e de símbolos
A. E. Amparo Escartí
AF Atividade Física
A. P. Albert Petitpas
Cinco Cs Competência, Confiança, Conexões, Caráter, Cuidado
D. H. Donald Hellison
DP Desenvolvimento Positivo
DPJ Desenvolvimento Positivo da Juventude
DRPS Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social
EF Educação Física
EUA Estados Unidos da América
FADEUP Faculdade de Desporto da Universidade do Porto
M. P. Melissa Parker
MR Modelo de Responsabilidade
NBA National Basketball Association
NCY National Collaboration for Youth Members
NRPS Níveis de Responsabilidade
PE Physical Education
P. W. Paul Wright
PYD Positive Youth Development
R. B. Robert Brustad
T. M Thomas Martinek
TPSR Taking Personal and Social Responsibility
US United States
Y-CAP Action Project
YMCA Young Men’s Christian Association
A utilização do género masculino como generalizador em uso da linguagem
escrita desta tese responde unicamente a critérios simplicidade e fluidez da sua
redação e leitura.
I Introdução
Introdução
2
Introdução
3
Em todo o tempo e lugar houve quem educasse e quem aprendesse. Desde
que o Homem é Homem que a preocupação de uma geração pelo sucesso da
geração seguinte é uma constante. Com melhores ou piores resultados, cada
comunidade humana passou às suas crianças e jovens valores, crenças,
saberes, motivações e atitudes em relação à vida, ao mundo e aos outros.
Inicialmente, este labor da educação surge naturalmente nos grupos humanos,
com os mais novos imitarem os mais velhos e estes, por sua vez, a motivarem
e a estimularem os primeiros a crescerem nas suas competências para
chegarem a ser adultos capazes.
Esta situação de imitação/estimulação acompanhou sempre o desenvolvimento
das civilizações humanas e é, ainda hoje (mesmo que inconscientemente), a
forma de educar mais comum, mais natural e eficaz. É por este meio que todos
aprendemos as coisas mais básicas e vitais da nossa existência, como por
exemplo: a comunicação, nas suas mais variadas expressões; a locomoção e
as atividades do dia-a-dia que exigem destreza motora; as relações familiares e
sociais; os costumes e as crenças da nossa comunidade; as normas básicas
de comportamento social, os riscos e os limites tolerados. Poderíamos
continuar enumerando muitos mais exemplos, mas a experiência de vida de
cada um preencherá facilmente as faltas.
Todos os membros de qualquer grupo humano (seja aldeia, tribo, família,
país…) têm, por inerência natural, estatuto de educadores, quer tenham disso
consciência ou não. Isto é, independentemente do papel que cada um queira
desempenhar em determinada comunidade, o seu estatuto de “mais velho”,
mais sapiente, de pai, de avô, ou simplesmente de colega mais velho, torna-o
alvo do olhar curioso e imitador do mais novo ou menos experiente.
Outro fenómeno transversal à história das civilizações é o de, a dado momento,
aparecerem figuras que adquirem mais responsabilidade nessa tarefa de
preparar a nova geração. Para além dos “educadores naturais” – mãe, pai,
avós, restante família e comunidade –, vemos o papel da educação dos juvenis
ser atribuído a pessoas que, adquirindo nessa sociedade um estatuto
Introdução
4
específico, ficam, de certa maneira, credenciados para a tarefa. São os
feiticeiros, os mestres, os preceptores… os professores, os treinadores.
Teremos, portanto, um processo educativo informal (resultante da ação dos
pais e outros adultos) e um processo educativo formal, efetuado por pessoas
socialmente designadas para esse efeito (Savater, 2006).
A atribuição desta tarefa a determinados membros da comunidade, que esta
considera especialmente preparados para ela, não libertou, no entanto, os
outros da responsabilidade comunitária de educar os seus jovens,
particularmente em relação às aprendizagens vitais mais básicas
(anteriormente referidas), como sempre sucedeu.
Acontece, porém, que se assistiu, e assiste frequentemente, ao declinar dessa
responsabilidade por parte dos progenitores, dos familiares e de outros
membros basilares para o desenvolvimento das crianças e jovens, confiando
estes totalmente a educação da geração seguinte àquelas pessoas e
instituições que, por estatuto atribuído, têm a missão de educar – referimo-nos
aos professores e à Escola.
Por outro lado, adquirem peso fundamental na educação dos jovens de hoje
elementos novos, que exercem sobre estes uma grande atração – sendo, por
isso mesmo, o alvo de estudos no âmbito das ciências sociais - e que fogem do
controlo, pelo menos, daqueles que se consideram responsáveis pelo
desenvolvimento dos jovens em direção a um futuro de sucesso espectável.
Referimo-nos às novas tecnologias de informação e de comunicação, aos
meios multimédia, à informática, que oferecem aos jovens novos heróis, tanto
na televisão como no cinema ou nos jogos virtuais. Novos valores e
contravalores são veiculados por estes novos “educadores” (Urra, 2007).
Normalmente, estes meios estão fora do controlo dos “tradicionais
responsáveis” pela tarefa de educar e dos responsáveis pelas decisões
políticas relativas à educação limitando estes a sua ação à definição de
políticas escolares.
Assim, deixando de fora todo o novo mundo habitado pelas crianças e jovens,
potencialmente importante para o seu desenvolvimento, entregam o seu
controlo displicentemente à política criminal, à burocracia, a famílias muitas
Introdução
5
vezes disfuncionais e às comunidades, onde as artes da criminalidade são
mais atraentes e acessíveis que a própria Escola e as outras forças educativas.
Sendo a juventude um bem maior, indiscutivelmente parco, a sua educação e o
seu desenvolvimento feliz, em direção a uma adultez responsável e ao
sucesso, deveriam ser prioridades duma sociedade moderna. A estruturação
na sociedade civil de programas de atividades, dentro ou fora da Escola, que
permitam aos nossos jovens experiências enriquecedoras, que lhes ampliem
as suas próprias perspetivas da vida, facilitem a sua socialização e
desenvolvam as suas competências, tornou-se urgente. Esta preocupação
ocupa desde há algumas décadas psicólogos, pedagogos, políticos, pais e
muitos outros que se envolvem nas questões relativas à educação.
A partir do fim da Segunda Guerra Mundial, as preocupações dos psicólogos
incidiram sobretudo sobre o “tratamento” da doença mental. A, então chamada,
abordagem de “redução do défice” ocupou os estudos quer de teóricos quer de
práticos da Psicologia da Educação. Tendo tido por base a Psicologia vigente,
o estudo da adolescência estruturou-se quase exclusivamente numa perspetiva
do défice, em que se tinha como fundamental preocupação o evitar os
comportamentos de risco e a recuperação dos jovens problemáticos que não
tinham escapado ao consumo de drogas ou de álcool, ao envolvimento em
sexo desprotegido e à participação em comportamentos considerados
delinquências (Lerner, 2005).
Foi na oposição a esta visão do desenvolvimento dos jovens, em que a maior
preocupação era “tratar/resolver” os problemas apresentados pela juventude,
que observámos o aparecimento de um movimento dentro da Psicologia que se
denominou por Psicologia Positiva (Holt & Neely, 2011; Seligman &
Csikszentmihalyi, 2000). Esta conceção aparece em oposição à “conceção
curativa” e à “conceção preventiva” do desenvolvimento dos jovens. Ambas
concebem a adolescência e a juventude como etapas do desenvolvimento
problemáticas, cujos efeitos nefastos é preciso tratar (na “conceção curativa”)
ou prever para evitar (na “conceção preventiva”) (Catalano, Hawkins, Berglung,
Pollard, & Arthur, 2002).
Introdução
6
Paralelamente ao aparecimento da Psicologia Positiva, assiste-se à
implementação de vários modelos de intervenção pedagógica, utilizados em
diversos contextos, baseados na assunção de que todos os jovens tinham
potencialidades para se desenvolverem de forma positiva e, portanto, para
transitarem de forma bem-sucedida para a idade adulta. A esta nova visão do
desenvolvimento dos jovens chamou-se Desenvolvimento Positivo da
Juventude (DPJ)1 (Benson, 1990). Nesta perspetiva, o adolescente é visto
como pessoa com potencial para se desenvolver saudavelmente e com mais
recursos do que comportamentos disruptivos (Roth & Brooks-Gunn, 2003a).
Alguns dos programas de intervenção, que junto destes escalões etários foram
surgindo a partir dos anos 70, foram identificados com Desenvolvimento
Positivo da Juventude pois, embora alguns deles anteriores à própria
Psicologia Positiva, reuniam caraterísticas típicas desta nova visão positiva do
jovem.
Foi o caso do modelo de intervenção denominado de Desenvolvimento da
Responsabilidade Pessoal e Social (DRPS)2, cujo criador era um jovem
professor de Educação Física chamado Don Hellison. No seu programa com
rapazes delinquentes, em Chicago, em 1973, Hellison parte da convicção de
que os comportamentos de responsabilidade se poderiam ensinar através de
diferentes estratégias, a partir de diferentes envolvimentos ou meios, e que,
estes comportamentos e atitudes, ajudariam os adolescentes a adaptar-se com
sucesso às mudanças da vida e a desenvolver-se como adultos sãos e
competentes. Utilizando como meio privilegiado a atividade desportiva, dedica
vários anos a organizar um conjunto coerente de ideias e a escolher (através
da avaliação constante) as estratégias que melhor se adequavam ao fim que
perseguia (Hellison, 1978, 1985, 1990b, 1991, 1995, 2003; Hellison & Walsh,
2002; Martinek & Hellison, 2009). A estrutura base do Modelo de
Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social, ou Modelo de
Responsabilidade (MR), como também começou a ser conhecido, resultou
1 Manteremos ao longo deste trabalho as iniciais “DPJ” do Desenvolvimento Positivo da
Juventude embora a sua forma inglesa “PYD” (de Positive Youth Development) seja, sem dúvida, a abreviatura mais frequentemente utilizada na literatura sobre o tema. 2 Na língua original: Taking Personal and Social Responsibility (TPSR).
Introdução
7
desta tentativa de relação constante entre o que se passa dentro da sessão e a
transferência dos valores adquiridos para a vida do dia-a-dia dos alunos.
O Modelo de Responsabilidade tem como estratégia fundamental uma
estrutura de aula, organizada em vários momentos: Conversa individual,
conversa de consciencialização, atividade física (no original lesson), reunião de
grupo e tempo de reflexão. Este modelo é também caraterizado por utilizar um
conjunto de estratégias de ensino do qual fazem parte estratégias de
consciencialização, instrução direta, estratégias individuais, tomada de
decisões individuais, tomada de decisões em grupo (Hellison & Walsh, 2002).
O Modelo de Responsabilidade é atualmente aplicado em aulas de Educação
Física curricular ou em sessões para grupos específicos com necessidades
educativas variadas, em clubes desportivos, campos de férias, atividades de
prolongamento da escola etc. A sua não se circunscreve a determinado estrato
social ou minoria, estando até generalizada ao ensino em várias escolas de
ensino estatal ou privado. É já elevado o número de países onde o Modelo de
Responsabilidade tem sido aplicado, tais como: Estados Unidos da América,
Nova Zelândia (Gordon, 2010), Canadá (Saskatchewan, 1999), Espanha
(Escartí, Pascual, & Gutiérrez, 2005; Pardo, 2008), Brasil (Monteiro, K., &
Valentini, 2008), Itália (Pardo, 2008) e Portugal (Regueiras, 2006).
Tem sido evidente que o modelo de intervenção pedagógica Desenvolvimento
da Responsabilidade Pessoal e Social de Hellison promove, o
Desenvolvimento Positivo dos Jovens (Escartí, Buelga, Gutiérrez, & Pascual,
2009; Gutiérrez Sanmartím, Escartí, & Pascual, 2011; Hansen & Parker, 2009;
Holt, 2008; Martinek & Ruiz, 2005; Wright, Li, Ding, & Pickering, 2010). Neste
estudo pretendemos confirmar semelhante convicção e responder à pergunta:
Como é que se desenvolvem positivamente os jovens através do referido
modelo?
Para respondermos à questão posta empreendemos uma investigação onde se
buscou saber a opinião de sete investigadores que se têm notabilizado no
estudo do Desenvolvimento Positivo dos jovens através do modelo de
Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social de Hellison.
Introdução
8
Pretendeu-se perceber, como e porquê resulta o referido modelo, a partir da
reflexão sobre prática e da investigação dos peritos entrevistados (Figura 1).
Figura 1 – Como é que o Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social
promove o Desenvolvimento Positivo da Juventude?
Numa mesma linha outras questões foram sendo postas por nós no sentido de
melhor compreendermos as virtualidades do modelo de intervenção em estudo:
Que fatores presentes no programa DRPS seriam mais significativos, na
opinião dos investigadores, para fomentarem o Desenvolvimento Positivo nos
jovens? Que caraterísticas (que perfil) dos professores ou mentores
ressaltariam do discurso dos entrevistados como determinantes da qualidade
dos resultados educativos obtidos?
Estas questões surgiram do facto de, trabalhando e investigando este modelo
de intervenção pedagógica, nos interrogámos sobre a sua eficácia, o seu
funcionamento sobre as suas potencialidades. Buscámos entender o que era,
para estes líderes de terreno, relevante e que recomendações se poderiam
extrair do seu discurso.
Para o efeito começámos, pois, por clarificar alguns conceitos em torno dos
quais se desenvolveu o nosso trabalho através duma cuidada revisão de
literatura. A investigação assumiu a forma de um estudo de caso (o modelo
DRPS de Hellison) para o qual se fez uma busca circunstanciada de
informação através de uma entrevista. Da referida revisão de literatura e das
primeiras leituras feitas ao material recolhido surgiram três grandes eixos do
estudo: o Desenvolvimento Positivo da Juventude, o Desenvolvimento da
Introdução
9
Responsabilidade Pessoal e Social e o Perfil do Professor. Estes foram, pois,
os temas-eixo da nossa investigação.
Ao longo da presente tese registámos todos os detalhes dos processos
metodológicos de recolha e tratamento de informação, apresentámos uma
descrição extensa do material recolhido, agrupado pelas categorias e
subcategorias dos três temas-eixo do trabalho, e discutimos os resultados
encontrados.
As conclusões a que chegámos na nossa investigação, permitiram-nos avançar
com os resultados que nos parecerem mais pertinentes em relação às
perguntas que motivaram a presente investigação. Apresentámos pois,
asserções, que viemos a construir a partir da nossa perspetiva, sobre os
resultados que emergiram da investigação.
Introdução
10
II Revisão da Literatura
Revisão da Literatura
12
Revisão da Literatura
13
1. Desenvolvimento Positivo da Juventude
1.1. Origens de um conceito.
Durante os últimos anos do séc. XX e os primeiros anos do séc. XXI,
desenvolveu-se uma nova visão e um novo vocabulário referentes ao
desenvolvimento juvenil3. A partir da colaboração de estudiosos, de
formuladores de políticas e de pessoas da prática que trabalhavam com jovens,
a maneira de ver a juventude mudou. Passou a ser vista, segundo estes, mais
como um recurso a ser desenvolvido do que uma etapa da vida tempestuosa,
stressante e perturbada (King, et al., 2005; Lerner, Taylor, & Eye, 2002). O
novo vocabulário põe ênfase nas potencialidades presentes em todos os
jovens, envolvendo conceitos tais como “recursos desenvolvimentais” (Scales,
Benson, Leffert, & Blyth, 2000), “desenvolvimento positivo da juventude”
(Benson, 1990), “desenvolvimento moral e propósito nobre” (Damon, Menon, &
Bronk, 2003), “participação cívica” (Flanagan & Faison, 2001)4 “bem-estar”
(Bornstein, 2003) e “prosperidade” (Scales, et al., 2000; Theokas, et al., 2005).
Todos estes conceitos têm implícita a ideia de que todos os jovens têm
capacidade para se desenvolverem positivamente.
Esta visão opõe-se à tradicional, em que a tónica da investigação era posta nos
problemas do desenvolvimento, como sejam os comportamentos de risco, os
problemas familiares, os efeitos da pobreza, as mudanças sociais rápidas, o
uso de substâncias aditivas, o abandono escolar, a gravidez na adolescência
entre outros. O desenvolvimento “normal” parecia não atrair os estudiosos
quando comparado com o desenvolvimento problemático ou de alguma forma
desajustado (Benson, et al., 2006).
Esta perspetiva era comum à Psicologia, cujo foco de atuação foi,
historicamente, mais remediativo que preventivo, centrado nas disfunções,
3 «”Desenvolvimento da juventude ", um termo amplamente utilizado para descrever coisas diferentes. Ele é usado para descrever a natureza do desenvolvimento da juventude no seu sentido mais amplo que ocorre naturalmente ao longo do tempo e em diferentes domínios (p. ex.: familiar, escolar e de grupo). Também é usado para conceptualizar áreas específicas de trabalho, nomeadamente, em relação a programas de atividades com jovens, com especial incidência em objetivos não-acadêmicos.» (Seymour, 2011). 4 Cit. por Lerner, (2006)
Revisão da Literatura
14
incapacidades e patologias (Araújo, Cruz, & Almeida, 2007), nas dificuldades
de aprendizagem, nas desordens afetivas e na conduta antissocial (Damon,
2004; Sprintthall & Collins, 2008).
Segundo Richard Lerner, desde os primórdios do estudo científico do
desenvolvimento do adolescente, com Granville Stanley Hall (1904)5, a
estrutura conceptual dominante do estudo desta etapa de crescimento era “a
tormenta e o stress”, ou um tempo ontogénico de perturbação do
desenvolvimento, como defendia Freud (1969)6. Resumidamente, durante mais
ou menos os 85 anos seguintes, o estudo da adolescência estruturou-se
exclusivamente numa perspetiva do défice em que, para se considerar que um
jovem se estava a desenvolver bem, bastava que não fosse consumidor de
drogas ou de álcool, não se envolvesse em sexo desprotegido e não fosse
delinquente (Lerner, 2005).
Durante todo esse tempo, a Psicologia “investigava os desequilíbrios e
disfuncionamentos emocionais vividos pelas pessoas procurando desenvolver
processos científicos adequados ao seu tratamento clínico e à sua
recuperação” (Ferreira, 2007, p. 193).
Este modelo “curativo” da Psicologia corresponde, em parte, aos modelos
médico e criminal, privilegiando o “tratamento” e a “punição” em relação à
prevenção, ao desenvolvimento de capacidades e à atenção aos aspetos
positivos do desenvolvimento humano (Damon, 2004; Park, 2004).
A partir dos anos 70 (cf. Figura 2), aparecem alguns estudos que serão
preconizadores de uma nova posição de psicólogos e educadores em relação
ao desenvolvimento da juventude. Inspirados por estudos sobre a “excelência”,
como expressão do talento humano, alguns datando de 1869, outros, como os
de Galton, ou dos anos 20 do Séc. XX, como os de Terman, e como os de
Hollingworth, já na década de 40, desenvolvem-se na segunda metade do séc.
5 Granville Stanley Hall tornou-se conhecido pelos seus estudos sobre o desenvolvimento da
criança e com a psicologia educacional infantil nos Estados Unidos. Sua obra principal, Adolescence: Its Psychology and Its Relation to Physiology, Anthropology, Sociology, Sex, Crime, Religion, and Education ("Adolescência: sua psicologia e relação com a fisiologia, antropologia, sociologia, sexo, crime, religião e educação"), foi publicada em 1904, em dois volumes. 6 De Anna Freud no seu livro "Adolescence as a Development Disturbance" de 1969, cit. por
Lerner, (2005).
Revisão da Literatura
15
XX, estudos multidimensionais sobre a inteligência que culminam com Simon e
Chase (1973), na primeira “teoria da Expertise”. Seguem-se Gardner (1983)
propondo a “Teoria das Inteligências Múltiplas” e Bloom (1985) com trabalhos
sobre indivíduos talentosos em várias áreas. Com Csikszentmihalyi (1989)
surge o conceito de flow (da Experiência Ótima) e Sternberg (1999) apresenta
o conceito de “Inteligência de Sucesso” (Araújo, et al., 2007; Csikszentmihalyi &
LeFevre, 1989; Gardner, 1983).
Está assim lançada uma base de estudos teóricos onde a perspetiva positiva
do desenvolvimento juvenil pode florescer. Durante a década de 90, Martin
Seligman apresenta a Psicologia Positiva, que traduz um compromisso entre a
ciência e aquilo que de mais positivo se pode aproveitar das potencialidades
das pessoas.
“O campo da Psicologia Positiva, a um nível subjetivo, consiste em valorizar experiências subjetivas: de bem-estar, contentamento, satisfação, esperança e otimismo e fluxo de felicidade. A nível individual tem a ver com traços positivos do próprio indivíduo: capacidade de amar e vocação, coragem, competência interpessoal, sensibilidade ascética, perseverança, capacidade de perdoar, originalidade, mentalidade aberta ao futuro, espiritualidade, talento e sabedoria. A nível de grupo tem a ver com as capacidades cívicas e com as instituições que levam os indivíduos a uma melhor cidadania, como seja: a responsabilidade, amparo, altruísmo, civilidade, moderação, tolerância e a ética no trabalho (profissional, nos estudos) ” (Seligman & Csikszentmihalyi, 2000, p. 5).
Paralelamente a este interesse teórico, surge o trabalho de práticos, críticos
dos modelos baseados no deficit, que estão interessados em algo melhor do
que apenas reduzir riscos, como é o caso dos projetos Effort com Martinek,
Lead com Cutforth, Coaching Club de Hellison, Programa Educativo para la
Integración Social de Durán Gonzalez, Moral Development de Bredemeier,
Project Connect com Brustad, Commmunity-based Project com Wright,
Programa Educação pelo Desporto do Instituto Ayrton de Senna e Deporte
para la Paz de Ennis entre outros. Poderemos encontrar referências a estes e a
outros programas em trabalhos de investigação onde se procurou a
caracterização do Desenvolvimento Positivo da Juventude a partir do
conhecimento empírico (Benson, 1997; Catalano, Berglung, Ryan, Lonczak, &
Hawkins, 2004; Eccles & Gootman, 2002; Roth, 2004; Roth & Brooks-Gunn,
2003a; Seymour, 2011; Shields & Bredemeier, 1995). Estas experiências
práticas caraterizaram-se pelo trabalho dos seus autores, com os jovens, tendo
como base as capacidades e as suas potencialidades destes (cf. Figura 2).
Revisão da Literatura
16
Investigações a respeito da “resiliência” fazem balançar o pendulo da
curiosidade científica para o lado “positivo” da questão. Resiliência era o que
mostravam alguns jovens através de uma espantosa habilidade para serem
bem-sucedidos, apesar dos desafios difíceis que a vida lhes tinha posto, sob a
forma de desastres naturais, grandes perdas familiares, pobreza, negligência e
todo o tipo de dificuldades que teriam levado os seus pares, em situação
semelhante, a fazer escolhas desastrosas (Benson, et al., 2006). Esta
capacidade de tirar de si e do seu envolvimento o que há de positivo para
seguir em frente com sucesso, inspirou professores, treinadores e estudiosos
das ciências da educação.
Assim, o Desenvolvimento Positivo da Juventude emerge primeiramente como
uma abordagem entre os práticos da educação, que trabalhavam com jovens, à
medida que estes se foram apercebendo dos benefícios dos modelos
baseados nas competências das crianças, dos adolescentes e dos jovens. É
frequente acontecer que este tipo de experiências não seja de imediato
acompanhado pela atenção dos académicos e portanto esta relação
teoria/prática estabeleceu-se só muito recentemente (Benson, et al., 2006).
A história dos programas de intervenção junto da juventude, evolui a partir do
reconhecimento da infância e da adolescência como períodos especiais em
que os jovens precisam do suporte da comunidade e da família para o seu
desenvolvimento. Isto acontece nos países ocidentais da Europa e América do
Norte durante o séc. XX. Na segunda metade desse século, assiste-se a
mudanças na sociedade em geral, com particular reflexo na instituição familiar,
consistindo em vagas de migrações, aparecimento de novos nichos de
pobreza, alteração da composição da família nuclear, nascimentos fora do
casamento, mobilidade familiar e monoparentalidade. Ao mesmo tempo,
assiste-se a um aumento da criminalidade juvenil, particularmente urbana, à
democratização do acesso ao ensino e à implementação das atividades de
ocupação dos tempos livres dos jovens (Catalano, et al., 2004).
Aparecem neste ambiente os programas juvenis de intervenção. Primeiramente
com o objetivo de apoiar as famílias dando resposta às necessidades e crises
do momento (Catalano, et al., 2002), tentando, por exemplo, reduzir as
Revisão da Literatura
17
consequências do consumo de drogas7, apoiar mães solteiras e fazer a
reinserção social de jovens delinquentes. Em Portugal temos várias iniciativas
de programas ação perante a crise, como, por exemplo, as Equipas de
Intervenção Direta da Segurança Social.
A abordagem preventiva (Catalano, et al., 2002), que consiste em intervir antes
que os problemas se manifestem, emerge entre as décadas de 70 e 80,
variando de país para país. Em Portugal, existem neste momento, dentro do
Programa Nacional de Saúde, a Prevenção do Consumo de Substâncias
Ilícitas, a Prevenção da Violência Escolar e do Bullying e o programa de Saúde
Sexual e Reprodutiva e Prevenção das DST, entre outros (M.S., 2006). Esta
intervenção incide normalmente sobre um tipo de problemas só, como seja a
toxicodependência. O objetivo destas intervenções é fundamentalmente
prevenir comportamentos problemáticos potencialmente de risco.
Muitas vezes, este tipo de programas utiliza o conhecimento dos fatores de
risco (Sapienza & Pedromônico, 2005) para tentar interromper os processos
que levam ao desenvolvimento dos problemas, como, por exemplo, dar
especial atenção aos grupos sociais dos jovens de forma a prevenir a influência
no uso de drogas ou noutros comportamentos disruptivos. Este é um ponto de
viragem em direção a programas mais holísticos, dado que os serviços
responsáveis pelos programas começaram a mostrar maior interesse na
aplicação de estudos sobre os preditores dos comportamentos problemáticos
dos jovens. Esta informação resultou de estudos longitudinais que permitiam
identificar importantes preditores de problemas de comportamento (Catalano,
et al., 2004). Assim, é possível, por exemplo, identificar preditores do uso de
drogas por adolescentes, tais como: os pares e a influência social, e as normas
sociais que condenam ou promovem tais comportamentos. Estes programas de
prevenção estão apoiados em teorias explicativas de como as pessoas tomam
decisões, tais como, a Teoria da Autoeficácia de Bandura (1986, 1999), Teoria
dos Comportamentos Planeados de Ajzen e Madden (1986), Modelo da Crença
de Saúde de Becker e Maiman (1975), entre outras.
7 Em Portugal é possível obter alguma informação sobre este tipo de programas, por exemplo,
em: http://www2.seg-social.pt/left.asp?03.06.07.01.01
Revisão da Literatura
18
A partir da década de 80, os investigadores começaram a interessar-se mais
em adquirir conhecimento sobre os preditores ambientais que envolvem as
vivências dos jovens e sobre a interação entre os preditores ambientais e os
preditores individuais (Catalano, et al., 2002).
Mercê das investigações sobre o tema da resiliência, toma-se conhecimento de
que nas caraterísticas pessoais e do envolvimento, que tomam parte no
desenvolvimento das crianças e jovens, intervêm igualmente fatores de risco e
fatores de proteção (Werner, 1995) e que estes últimos influenciavam,
melhorando ou alterando, a resposta do indivíduo a certas dificuldades do meio
que predispõem para uma evolução negativa. Segundo Haggerty e cols.
(2000), foram, então, desenvolvidos modelos que incluíam os fatores de
proteção como redutores de possíveis disfunções ou desordens8.
Surge entretanto uma segunda geração de programas de prevenção que se
focam em preditores próximos (mais intimamente relacionados com o
problema) de determinados problemas específicos de comportamento (cf.
Figura 2). Por exemplo: estabeleceu-se uma relação significativa e em cadeia
entre os comportamentos problemáticos dos amigos (pares) e as normas, que
facilitam a entrada nesses comportamentos (p. ex: a atividade sexual precoce
ou o consumo de drogas). O objetivo destes programas é interromper/mudar a
cadeia de fatores antecedentes próximos que permitiam predizer um problema
de comportamento (Kirby, 1997)9.
Os programas de prevenção começaram a ser criticados por se centrarem
normalmente num único problema de desenvolvimento quando os estudos
mostravam que normalmente se assistia à ocorrência de mais do que um
comportamento problemático em cada criança; e por, , ignorarem assim, de
certa forma, a coexistência de fatores individuais e ambientais que interagem
na mudança dos comportamentos, centrando-se mais na resolução dos
problemas isolados do que na promoção de um desenvolvimento globalmente
saudável.
Começa então a desenvolver-se um consenso (entre práticos e académicos e a
que nos referimos no início do capítulo) (Benson, et al., 2006) de que uma
8 Cit. por Catalano, et al., (2002) e Sapienza & Pedromônico, (2005).
9 Cit. por Catalano, et al., (2002).
Revisão da Literatura
19
transição bem-sucedida para a vida adulta exigia - mais do que evitar
consumos de drogas, violência, insucesso escolar ou gravidez precoce - a
promoção do desenvolvimento social, emocional, comportamental, cognitivo,
através de modelos de intervenção que implementassem o desenvolvimento
positivo dos jovens.
É assim que a partir dos anos 90 aparece uma mudança de visão na teoria e
na investigação psicológicas, com consequências notórias em várias áreas
incluindo a das políticas educativas e sociais (Damon, 2004).
Segundo Scales, Benson e Leffert (2000), um crescente número de estudos foi
demonstrando uma associação entre os recursos pessoais e processos
próprios (self-processes) dos adolescentes, a presença ou ausência de vários
suportes ecológicos e a redução de riscos e a constatação de resultados de
desenvolvimento positivo. Assim, adolescentes que reportavam um nível mais
elevado de recursos de desenvolvimento (pessoais ou ecológicos) estavam
menos sujeitos a entrar em comportamentos de risco e também mais
suscetíveis a alcançar resultados positivos. Estas relações foram
consistentemente comprovadas por vários estudos estudos (Connell, Spencer,
& Aber, 1994; Hawkins, Catalano, & Miller, 1992; Jessor, Van Den Bos,
Vanderryn, Costa, & Turbin, 1995).
Outros estudos mostravam que os indicadores de sucesso (como p. ex:
sucesso escolar, ajuda aos outros, manutenção da saúde física, retardamento
da gratificação, valorização da diversidade e superação das adversidades)
estavam geralmente relacionados com outros resultados positivos quer na
juventude quer a mais longo prazo em termos de adultez (Scales, et al., 2000).
Desenvolvimento Positivo da Juventude tem sido desde então usado para
representar essa emergente conceção de adolescente, como pessoa com
potencial para se desenvolver saudavelmente, com mais recursos do que
comportamentos disruptivos (Roth & Brooks-Gunn, 2003a). Os programas que
incorporaram esta visão do desenvolvimento, lutam por influenciar o
crescimento dos adolescentes através de resultados positivos, incrementando
a sua exposição a oportunidades de desenvolvimento e de suporte. Segundo
Pittman, Irby e Ferber (2000), os movimentos de desenvolvimento da juventude
Revisão da Literatura
20
foram chamados a uma mudança de paradigma - da dissuasão para o
desenvolvimento - encerrada na frase “problem free is not fully prepared” que
levou a um aumento da aceitação da necessidade de preparação e
desenvolvimento da juventude, e não apenas da prevenção de problemas e de
dissuasão como metas desejáveis, exigindo ações estratégicas10.
Para finalizar, reforçamos a ideia de que embora tenha havido uma sequência
no aparecimento dos vários tipos de programas (curativos, preventivos ou de
desenvolvimento), eles coexistem no tempo e nas comunidades de acordo com
os seus objetivos. Por outro lado gostaríamos de salientar a importância dos
estudos empíricos (particularmente no âmbito das atividades desportivas), a
que fizemos já referência anteriormente, que beneficiaram do trabalho de
professores e de treinadores, que pelo menos desde a década de 80,
promoveram programas juvenis baseados nos recursos desenvolvimentais dos
jovens, os strength-based programs, seguindo a sua intuição, a sua capacidade
de introspeção e baseando-se no seu próprio autodidatismo. O contributo
destes foi fundamental para o consenso posterior em torno das caraterísticas
dos programas de Desenvolvimento Positivo da Juventude.
Figura 2 – Bases históricas do Desenvolvimento Positivo da Juventude
10
Cit. por Roth, (2004).
Revisão da Literatura
21
1.2. Definições de Desenvolvimento Positivo da Juventude
A partir do início dos anos 90 até meio da primeira década do séc. XXI, surge
uma nova visão e um novo vocabulário na discussão sobre a juventude fruto do
estudo de teóricos e das experiências empíricas de muitos profissionais que
trabalhavam no campo da educação e da intervenção social (Lerner, 2005).
Estas inovações foram sendo enquadradas pelas teorias explicativas do
desenvolvimento e foram captando o interesse dos cientistas de variadas
áreas, como por exemplo: estudiosos do potencial de mudança durante a
infância e a juventude, profissionais da área de desenvolvimento da juventude
e decisores políticos preocupados com a melhoria das oportunidades de vida
dos jovens e das suas famílias (Baltes, et al., 2006; Benson, et al, 2006;
Damon, 2004; Cummings, 2003; Floyd & McKenna, 2003; Lerner, 2004; Little,
1993; Pittman, Irby, & Ferber, 2001; Wheeler, 2003; Gore, 2003)11.
Assim, ao longo dos últimos anos, foi possível encontrar na literatura referente
ao Desenvolvimento Positivo da Juventude várias definições desta nova forma
de abordar o desenvolvimento juvenil. Os termos em que são formuladas as
várias definições dependem, evidentemente, do campo de ação do(s) autor(es)
e do momento em que foram propostas.
O primeiro documento em que encontrámos a expressão “Positive Youth
Development” é “The Troubled Journey: A Portrait of 6th-12th Grade Youth” de
Peter Benson (1990), no qual, embora não surja uma definição explícita do
conceito, se pode ler: “Respec Teen é um esforço nacional que visa ajudar os
pais, adolescentes, escolas, instituições que atendem jovens, congregações e
comunidades a trabalharem juntos na promoção do desenvolvimento juvenil
positivo.” (Benson, 1990, p. 1).
O Desenvolvimento Positivo da Juventude é um macro conceito que se baseia
no desenvolvimento das capacidades dos jovens, fundamentalmente orientado
para programas e serviços disponíveis na comunidade, em vez de se basear
na classificação dos seus problemas e das situações de risco. Os programas e
atividades são de participação voluntária e providenciam oportunidades e
11
Cit. por R. M. Lerner,(2005).
Revisão da Literatura
22
experiências formais e não formais que suportam uma transição de sucesso
para a idade adulta. O Desenvolvimento Positivo da Juventude difere
significativamente dos sistemas que dão prioridade e financiam a prevenção e
a intervenção em situação de crise (tratamento) (Robertson, 1997).
Segundo a definição da National Collaboration for Youth Members12 de Março
de 1998, trata-se de “um processo que prepara os jovens para enfrentarem os
desafios da adolescência e da adultez, através de uma série de atividades e
experiências, coordenadas e progressivas, que os ajudam a tornarem-se
social, moral, emocional e cognitivamente competentes”. Para esta entidade,
“O Desenvolvimento Positivo da Juventude dirige-se globalmente às
necessidades de desenvolvimento da juventude, ao contrário dos modelos de
abordagem focados nos deficits, e nos problemas juvenis” (Hall, Yohalem,
Tolman, & Wilson, 2003, p. 9).
Roth e Brooks-Gunn (2000) consideram que, de um modo geral, poder-se-á
dizer que o Desenvolvimento Positivo da Juventude enquadra todas as
esperanças e aspirações de que os adolescentes se desenvolvam saudáveis,
felizes e competentes, no seu caminho para uma idade adulta produtiva e
satisfatória.
A perspetiva do Desenvolvimento Positivo da Juventude enfatiza as
potencialidades manifestas mais do que as supostas incapacidades dos jovens,
mesmo no caso de se tratar de jovens provenientes de meios desfavorecidos
ou com histórias de vida muito acidentadas (Damon, 2004).
Também Hamilton et al. (2004) sugerem que um desenvolvimento juvenil ótimo
“habilita os indivíduos para fazerem a sua vida de jovens, e mais tarde de
adultos, de forma saudável, satisfatória e produtiva, uma vez que adquirem
competência para ganhar a vida, para se envolverem em atividades cívicas,
para tomarem conta de outros, para se relacionarem socialmente e para
participarem em atividades culturais”. No mesmo artigo, podemos ler
igualmente que Christopher Peterson (2004) destaca que, através desse
12
A National Collaboration for Youth Members (NCY), é uma associação com 40 anos, em colaboração com a National Assembly cujos membros se interessam pelo tema do desenvolvimento juvenil. Na NCY estão associadas mais de 50 organizações americanas de desenvolvimento juvenil, sem fins lucrativos. http://www.collab4youth.org/Default.aspx
Revisão da Literatura
23
desenvolvimento ótimo, emerge a “boa juventude” (“good youth”) a qual é tida
como com correspondendo a mais experiências positivas do que negativas,
mais satisfeita com as suas vidas tal como são, reconhecendo o que fez bem e
usando as suas capacidades para atingir objetivos e para ser membro
contribuinte da sociedade13.
O Desenvolvimento Positivo da Juventude aparece portanto como uma visão
alternativa da passagem da infância para a vida adulta que, em vez de
antecipar, tentar resolver e prevenir problemas, se assume como um novo
paradigma que considera as potencialidades, competências e contribuições
que a juventude pode fazer de forma a alinhar essas forças com recursos e
suportes do seu envolvimento para maximizar o desenvolvimento saudável
(não em sentido restrito de saúde) para os indivíduos e para a sociedade
(Theokas, et al., 2005).
A teoria do Desenvolvimento Positivo da Juventude, que emergiu na literatura
sobre desenvolvimento dos adolescentes, especifica que, se os jovens tiverem
ao mesmo tempo uma boa relação com as outras pessoas e com as
instituições do seu mundo social, estarão no caminho certo para um futuro
promissor marcado por contributos positivos para si mesmos, para a família e
para a sociedade em geral. (Lerner, Lerner, Almerigi, & Theokas, 2005a)
1.3. Conceitos e vocabulário
Associado a esta nova visão da juventude, surge um novo vocabulário
referindo o desenvolvimento juvenil e incluindo termos, tais como: bem-estar
(well-being), florescer (flourishing), prosperar (triving), e os “Cinco Cs”14, para
descrever um desenvolvimento que se está a processar bem. Os problemas de
comportamento, as disrupções e os comportamentos de risco continuaram a
ser medidos e estudados, mas verificou-se que a atenção de muitos
investigadores se ocupa atualmente em nomear, definir e avaliar os
constituintes do desenvolvimento ótimo (Theokas, et al., 2005).
13
Citados por Fraser-Tomas, Côté, & Deakin, (2005, p. 3). 14
Nesta última expressão deter-nos-emos com detalhe mais tarde.
Revisão da Literatura
24
A propósito das alterações de vocabulário e de conceitos, o Search Institute15
propôs e avaliou sete indicadores comportamentais de desenvolvimento que
incluem (a) sucesso escolar, (b) liderança, (c) ajuda aos outros, (d)
manutenção da saúde física, (e) adiamento da gratificação, (f) valorização da
diversidade, e (g) ultrapassagem da adversidade (Benson, 1997; Scales, et al.,
2000).
Numa posterior revisão de literatura, levada a cabo pelo mesmo instituto, em
2006, onde se referem 40 recursos de desenvolvimento, constatou-se que
estes indicadores de prosperidade geralmente estão relacionados com outros
resultados positivos, tanto em termos de resultados proximais durante o curso
da adolescência, como de resultados mais distais do início da idade adulta e
que refletem a aquisição de competências/habilidades necessárias ao
desenvolvimento.
A propósito da dificuldade que a proliferação de termos e conceitos
relacionados com o Desenvolvimento Positivo da Juventude veio trazer ao
discurso científico, Jodie Roth alertou para a situação criada pela multiplicidade
de expressões que facilmente assumem significados diferentes para diferentes
autores. Como exemplo citamos duas das expressões utilizadas nas várias
definições propostas: “adolescentes saudáveis, felizes e competentes”, ou
“idade adulta produtiva e satisfatória”. Na verdade enquanto a segunda
expressão pode corresponder, para uns, a autonomia económica, para outros
pode significar estabilidade psicológica e bem-estar. A mesma confusão
verifica-se em relação ao que deve constar de uma lista de fatores de
Desenvolvimento Positivo da Juventude, porquanto também aqui não se
encontrando consenso (Roth, 2004).
No ano 2000, Lerner, Fisher e Weinberg chamam a atenção para os resultados
importantes do desenvolvimento positivo das crianças, isto é, para as
caraterísticas de desenvolvimento da juventude saudável, dizendo que:
15
Há mais de 50 anos, Search Institute tem sido líder e parceiro de organizações de todo o mundo investigando as causas do sucesso no desenvolvimento juvenil. O conhecimento e os recursos desta instituição doa Estados Unidos da América têm ajudado na motivação e formação de adultos educadores e cuidadores em de escolas, comunidades e famílias onde os jovens se desenvolvem. Com base em pesquisas feitas, publicações e no trabalho realizado em escolas e com jovens, serviram já organizações em mais de 60 países.
Revisão da Literatura
25
“(…) deveria ser assegurado que as famílias teriam capacidade para providenciar aos seus filhos envolvimento e expectativas, satisfação das suas necessidades físicas e de segurança, clima de carinho, inculcação da autoestima, encorajamento ao desenvolvimento, valores positivos e a possibilidade de estabelecerem ligações à comunidade” (…) “os programas e as políticas deviam assegurar que os recursos de que estas famílias necessitam para criarem e socializarem as suas crianças estão disponíveis” (…) “Se os programas estiverem, efetivamente, facultando estes recursos, vários seriam os resultados que deveriam florescer entre os jovens. Esses resultados poder-se-ão resumir em “5Cs”: Competência, Conexão, Confiança, Caracter e Compaixão
16” (Lerner, Fisher, & Weinberg, 2000, p. 16).
Esta abordagem nascente permitiu, a partir de meados da década de 9017,
categorizar os resultados do Desenvolvimento Positivo da Juventude em cinco
Cs que representam grupos (clusters) de atributos individuais: (1) Competência
académica, social e vocacional, habilidade intelectual e competências
comportamentais; (2) Confiança, identificação positiva de si mesmo, sentido de
auto eficácia e coragem; (3) Conexões (ligações) com instituições, com a
comunidade, com a família, e com os pares; (4) Caráter ou valores positivos,
humanos, integridade e compromisso moral, sentido de justiça; (5) Cuidado
(caring) e compaixão, respeito e empatia. Os autores sugeriram que quando
um jovem manifesta os 5Cs ao longo do seu desenvolvimento se pode concluir
que está num trajeto de desenvolvimento próspero (Lerner, et al., 2000).
Mais recentemente, um outro “C” – Contribution – foi acrescentado aos
atributos do Desenvolvimento Positivo da Juventude uma vez que se entendeu
que, a emergência dos cinco atributos anteriores no desenvolvimento de um
adolescente será indicadora da existência de um sexto: a “contribuição” desse
jovem para si mesmo, para a família, para a comunidade e, em última análise,
para a sociedade civil (Lerner, 2004; Lerner, et al., 2005b).
Um reforço deste modelo, dos 5 Cs, surge com os estudos de King e colegas
(2005), através dos quais vai crescendo o suporte empírico para o uso dos
cinco ou seis Cs como indicadores da presença de desenvolvimento positivo
nos jovens.
Ao mesmo tempo continuam a usar-se conceitos como thriving e Well-being
entre outros. Para além disso, permanecem na literatura termos associados a
16
A tradução das expressões – competence, confidence, connections, character e caring – foi feita usando a palavra mais próxima, em português, com o sentido da inglesa, mas respeitando a letra inicial “c”. 17
Primeiras referências a estes atributos aparecem, segundo Lerner et al. (2000), em: 1989 na Carnegie Concil on Adolescent Development; 1993, com R. R. Little, e em 1995, com o próprio R. M. Lerner
Revisão da Literatura
26
outros modelos teóricos do desenvolvimento da juventude, inclusivamente, dos
modelos de defice, de tratamento e de prevenção. Segundo King e colegas,
coexistem termos identificados com o Desenvolvimento Positivo da Juventude
que diferem na sua dimensão conceptual genérica com termos usados na sua
dimensão operacional mais específica e por conseguinte talvez contrastem
quanto a referenciar resultados específicos ou indicadores de desenvolvimento
positivo. Por exemplo, termos como “bem-estar” ou “prosperidade” são mais
genéricos do que qualquer um dos termos relativos aos cinco Cs que, por sua
vez, são mais genéricos que conceitos como autoestima ou competência
académica ou competências sociais (King, et al., 2005).
Na tentativa de clarificar um pouco esta questão relativa aos conceitos e
vocabulário, surgiram vários estudos (Benson, et al., 2006; Damon, 2004;
Dotterweich, 2006; Fraser-Tomas, et al., 2005; Lerner, 2005; Lerner, et al.,
2000; Lerner, et al., 2006; Lerner, et al., 2002; Roth, 2004; Scales, et al., 2000;
Theokas, et al., 2005) mas a questão está longe de um consenso total. Numa
análise da literatura referente ao Desenvolvimento Positivo da Juventude, de
1991 a 2003, em que foram objeto de estudo 5.500 artigos, King e colegas
(2005) concluíram que não tinha ainda emergido uma rede pertinente de
conceitos em torno do Desenvolvimento Positivo da Juventude.
Segundo Benson e colegas (2006), a falta de consenso em relação à
terminologia reflete a relativa novidade deste campo de investigação e da sua
natureza profundamente interdisciplinar. Revendo numerosas definições
concernentes ao vocabulário do Desenvolvimento Positivo da Juventude, estes
autores concluem que estas se organizam em combinações de cinco
construtos centrais:
(a) Os contextos de desenvolvimento de que fazem parte o envolvimento,
as caraterísticas dos programas, os envolvimentos e as relações com a
comunidade que tenham potencial para gerarem suportes, oportunidades e
recursos; b) o aspeto pessoal da natureza da criança e, especialmente, a sua
inerente capacidade de se desenvolver, prosperar e de participar ativamente no
seu contexto de suporte; (c) outro aspeto individual, o das competências
desenvolvimentais do jovem, tais como atributos, incluindo habilidades,
Revisão da Literatura
27
competências, valores, disposição para se comprometer ativamente com
mundo; (d) a redução dos comportamentos de risco (e) e a promoção do
êxito (thriving), sendo os dois últimos considerados como construtos
complementares do desenvolvimento de sucesso.
Vasto foi, segundo Benson (2006), o vocabulário utilizado vários por autores,
pensadores e práticos, relativo ao Desenvolvimento Positivo da Juventude. No
Quadro 1, este investigador ilustra a diversidade da referida terminologia,
exemplificando as expressões mais representativas desse vocabulário relativas
às forças ou competências pessoais e do contexto, aos recursos
desenvolvimentais e à natureza dinâmica da interação pessoa-envolvimento,
utilizadas por quatro reconhecidas instituições de investigação do
Desenvolvimento Positivo da Juventude.
Revisão da Literatura
28
Quadro 1 – Vocabulário do Desenvolvimento Positivo da Juventude
Contexto Pessoa Sucesso do
Desenvolvimento
Search Institute
(Recursos
desenvolvimentais)a
Recursos Externos:
. Suporte
. Empowerment18
. Limites e expectativas
. Uso construtivo do
tempo
Recursos Internos:
. Compromisso com a
aprendizagem
. Valores positivos
. Competências sociais
. Identidade positiva
Indicadores de
Prosperidade:
. Ajuda os outros
. Supera a adversidade
. Exprime liderança
. Valoriza a diversidade
. Mantem boa saúde
. Adia a gratificação
. Tem sucesso escolar
. Resiste ao perigo
National Research
Councilb
Caraterísticas positivas
de programas (settings)
de desenvolvimento
Recursos pessoais e
sociais
America’s Promise –
The Alliance for
Youth
(As cinco Promessas)c
. Adultos cuidadores
. Oportunidades de
prestar serviço
. Lugares seguros
. Começo saudável
Habilidades
transacionáveis
Forum for Youth
Investment
(Os Cinco Cs)d
Conexões (ligações)
. Carater
. Competência
. Confiança
Cuidado/compaixão
a) Scales, P. C., & Leffert, N. (2004). Developmental assets: A synthesis of the scientific research (2nd ed.). Minneapolis: Search Institute; b) National Research Council and Institute of Medicine. (2002). Community programs to promote youth development.
Washington, DC: National Academy Press; c) Retrieved October 16, 2006, from www.americaspromise.org; d) Pittman, K., Irby, M., & Ferber, T. (2001). Unfinished business: Further reflections on a decade of promoting youth development. In P. L. Benson & K. J. Pittman (Eds.), Trends in youth development: Visions, realities and challenges (pp. 3–50). Boston: Kluwer Academic, p. 8.
18
Empowerment surge como um modelo teórico formulado por Julian Rappaport (1977) integrado na perspetiva do
Desenvolvimento Positivo, partindo do pressuposto de que o bem-estar das pessoas depende da sua capacidade para controlar o curso das suas vidas, tomar decisões e orientar as suas ações. A realização pessoal surge assim da perceção de competência que cada um tem para resolver os desafios que enfrenta (Escartí, et al., 2009).
É um processo de reconhecimento, criação e utilização de recursos e de instrumentos pelos indivíduos, grupos e comunidades, em si mesmos e no meio envolvente, que se traduz num acréscimo de poder - psicológico, sociocultural, político e económico - que permite a estes sujeitos aumentar a eficácia da sua cidadania (Pinto, 1998). Em português
pode ser traduzido por “empoderamento”, como com alguma frequência já aparece em artigos das ciências sociais, ou “conferir poder”, “capacitação”, “fortalecimento” e mesmo por “autonomia”. No entanto, a expressão inglesa é a mais comum na literatura especializada, pelo que a manteremos ao longo do presente trabalho.
Revisão da Literatura
29
Embora com traços comuns, nas diferentes contribuições, que pretendem
alcançar definições mais universais e consensos mais abrangentes entre
estudiosos, ressaltam as diferenças terminológicas. Na verdade, apesar dessas
divergências, todos os investigadores buscam conhecer os contributos, os
componentes, ou recursos necessários para ajudar ao sucesso do
desenvolvimento do jovem no seu trajeto para a vida adulta. Daí que a lista
resultante inclua globalmente recursos humanos (pessoais e contextuais),
experiências e oportunidades nos vários contextos que podem influenciar o
desenvolvimento, ou seja, a família, a escola, os amigos, os vizinhos e o
contexto social mais alargado.
A este propósito lemos em Benson e colegas: “A atual falta de consenso numa
definição específica [de Desenvolvimento Positivo da Juventude], que reflete a
novidade deste campo de estudo assim como a sua natureza profundamente
interdisciplinar, oculta a quantidade de terreno comum que pode ser
encontrada.” (2006, p. 2)
Numa coisa estão de acordo a teoria, a investigação empírica e a prática: quer
os recursos pessoais, quer os recursos sociais, são fundamentais para o
desenvolvimento positivo. Os jovens precisam de acesso a lugares seguros, a
desafios, a experiências e à atenção dos outros para crescerem (Roth, 2004).
1.4. Caraterísticas dos programas de Desenvolvimento Positivo da
Juventude
Dizem-nos Pittman, (1991), Roth, Brooks-Gunn, Murray & Foster (1998)19 que
embora não exista consenso quanto aos elementos que constituem
exatamente um programa de desenvolvimento da juventude, a visão positiva
dos jovens, como potenciais bons cidadãos, com recursos a desenvolver, e não
como problemas a gerir, é um ponto de partida fundamental.
Peter Benson, no seu livro “All Kids Are Our Kids: What Communities Must Do
to Raise Caring and Responsible Children and Adolescents”, introduz uma nova
maneira de abordar o desenvolvimento de crianças e adolescentes que se
centra na construção de recursos desenvolvimentais nos jovens (Benson,
19
Cit. por Roth & Brooks-Gunn,(2000).
Revisão da Literatura
30
1997). Estes recursos desenvolvimentais são constituídos por importantes
dinâmicas da comunidade – recursos externos – e por competências,
habilidades e autoconhecimento que gradualmente se desenvolvem nos jovens
– recursos internos.
Os recursos externos, em número de vinte, estão agrupados em: “Recursos de
suporte” (6)20, que representam as oportunidades de experiências de
afirmação, aprovação e aceitação; “Empowerment” (4), representando os
fatores de encorajamento, sensação de se ser útil e de segurança; “Limites e
expectativas” (6), naturais do ambiente familiar (ou outro) e consistentes nos
adultos com quem os jovens se relacionam; e “Uso construtivo do tempo” (4)
com atividades ricas e variadas que propiciem a ligação a adultos
compassivos.
Os recursos internos, também em número de vinte, estão agrupados em:
“Compromisso com a aprendizagem” (5), resultante de uma combinação entre
crenças pessoais, valores e competências de aprendizagem; “Valores
positivos” (6), consubstanciados em valores pró-sociais e valores de caráter;
“Competências sociais” (5), traduzidos em competências para enfrentar e lidar
com a complexidade social; e, “Identidade positiva” (4), que consiste numa
visão positiva de si mesmo relacionada com uma estável autoestima e com
sentido positivo de propósito e de competência (Benson, 1997; Benson, Leffert,
Scales, & Blyth, 1998).
Os recursos desenvolvimentais são de primordial importância para o
Desenvolvimento Positivo da Juventude. Compreendê-los, permite ao
profissional planear e desenvolver programas e atividades apropriadas ao DP
dos seus jovens (Carter & Kucharewski, 2005).
Catalano, Hawkins, Berglung, Pollard, e Arthur, (2002), num artigo subordinado
ao tema do Desenvolvimento Positivo da Juventude, recomendam que os
programas se foquem nos resultados positivos para os jovens, nas estratégias
baseadas no sucesso e no papel das famílias e das comunidades. De acordo
com estes autores as intervenções junto dos jovens, para serem eficazes
20
Entre parêntesis está o número de recursos que compõem o grupo.
Revisão da Literatura
31
devem atender à pessoa como um todo devendo os programas de
Desenvolvimento Positivo da Juventude ter as seguintes caraterísticas:
Promoverem o desenvolvimento para atingir resultados positivos para os
jovens.
Dirigirem a atividade para criança como um todo.
Focarem-se em resultados específicos para estádios de
desenvolvimento e capacidades específicas.
Darem atenção às interações com a família, a escola, o bairro e os
contextos sociais e culturais.
Com base na literatura e nos resultados de pesquisa sobre programas
Desenvolvimento Positivo da Juventude, (Roth, 2004; Roth & Brooks-Gunn,
2003a) examinaram três das caraterísticas que emergem como definidoras
desses programas (i.e. os objetivos do programa, a atmosfera, e as atividades
eleitas), tendo verificado que os objetivos dos programas de Desenvolvimento
Positivo da Juventude incluem, mas não estão limitados, a prevenção de
problemas de comportamento e que a matriz das qualidades a desenvolver tem
paralelo nas listas apresentadas por estudiosos do tema. As autoras dão como
exemplo o facto de a gama de objetivos declarados pelos participantes no
estudo coincidir com os cinco Cs da lista de desenvolvimento positivo de Lerner
(2000), abrangendo ao mesmo tempo áreas típicas de desenvolvimento: físico,
intelectual, psicológico, emocional e social.
Em relação à atmosfera dos programas, Roth e Brooks-Gunn, adotaram como
definições operacionais as providenciadas por Catalano e outros (1999) e pelo
National Research Council (2002) para investigarem três dimensões da
atmosfera dos programas (o ambiente de suporte, de empowering e de
expectativas) tendo identificado uma grande consistência nos programas de
Desenvolvimento Positivo da Juventude relativamente à capacidade
demonstrada para promoverem o empowerment e uma atmosfera de
expectativas positivas, mais até do que quanto à capacidade para criar um
ambiente onde os jovens se sentissem apoiados e seguros. Num outro artigo,
Roth (2004) refere que os professores e pessoal responsável pelos programas
Revisão da Literatura
32
devem criar nutrir um “ambiente de esperança”. A importância destas três
dimensões foi ainda reforçada noutros artigos em que se chama a atenção
para a exigência de uma correta planificação a este nível (Roth & Brooks-Gunn,
2003b) .
A terceira caraterística de um programa de Desenvolvimento Positivo da
Juventude será, segundo aquelas autoras, definida pelas atividades
desenvolvidas pelos participantes. Estas oferecem mais oportunidades de
desenvolvimento aos seus participantes que nos programas de prevenção,
assim como mais trabalho de desenvolvimento de competências, mais
oportunidades de experiências autênticas, e mais possibilidade de expansão
dos horizontes dos jovens. As atividades mais comuns são as desportivas e
recreativas. No geral, artes e ofícios, liderança comunitária, serviços ou
programas de trabalho atraem um menor número de participantes, segundo as
autoras. As componentes mais frequentes das referidas atividades são: as
competências de vida, competências sociais, treino de liderança e
competências relacionais.
Para além do tipo de atividades e das suas componentes, são muito
importantes, para as autoras, as oportunidades que os jovens têm de
desenvolver competências (p. ex.: académicas, sociais, vocacionais,
interpessoais e físicas), de participarem em atividades verdadeiramente
desafiantes (p. ex.: treino de atividades profissionais, serviço comunitário,
liderança exigindo tomada de decisões) e de alargar os seus horizontes (p. ex.:
atividades culturais, serviço à comunidade, recreação e tutorado de pares ou
adultos, de forma a que os participantes sejam expostos a pessoas diferentes,
novos espaços e situações).
Também em relação à extensão do programa, de acordo com a filosofia do
desenvolvimento juvenil, confirma-se neste estudo que um maior número de
horas de contacto oferece um ambiente de suporte mais sólido e maior
variedade de experiências (Roth & Brooks-Gunn, 2003a).
Catalano, Berglun, Ryan, Lonczak e Hawkins (2004) referem num artigo
intitulado “Positive Youth Development in the United States: Research Findings
Revisão da Literatura
33
on Evaluations of Positive Youth Development Programs” que, com base numa
revisão da literatura feita, e na consulta a cientistas e pessoal responsável pela
avaliação de programas, foi possível criarem uma definição operacional de
Desenvolvimento Positivo da Juventude. Assim, para estes autores, os
programas Desenvolvimento Positivo da Juventude são abordagens que
buscam alcançar um ou mais dos seguintes objetivos, integrando os construtos
implícitos nos mesmos:
Promover ligações – as interações entre crianças e entre crianças e os
adultos que se ocupam delas, criam laços de relação que são a chave
do desenvolvimento da capacidade de motivação da criança. Estas
relações estabelecem a confiança do jovem em si mesmo e nos outros e
são cruciais para o desenvolvimento da capacidade da resposta
adaptativa às mudanças necessárias ao crescimento em direção à vida
adulta saudável.
Desenvolver a resiliência – a resiliência protege o jovem da adoção de
comportamentos problemáticos face a situações de risco, permitindo-lhe
dar respostas positivas aos desafios que se lhe vão deparando e usar as
suas competências de forma bem-sucedida.
Promover competências – o desenvolvimento positivo cobre áreas do
funcionamento juvenil que exigem competências sociais, emocionais,
cognitivas, comportamentais e morais promovendo: a capacidade de
integrar e compreender sentimentos, ideias e ações que permitem atingir
objetivos de relação interpessoal; a habilidade de identificar e responder
a sentimentos e a reações emocionais próprias e dos outros; o
desenvolvimento e a aplicação da capacidade de diálogo-interno, de ler
e interpretar sinais sociais, de resolver problemas e de tomar decisões,
de compreender a perspetiva dos outros e as normas de
comportamento, a atitude positiva perante a vida e a autoconsciência; a
habilidade para usar a lógica, o pensamento analítico e o raciocínio
abstrato; a habilidade para comunicar de forma verbal e não-verbal
aquilo que se sente e que se quer; a capacidade para avaliar e
responder à dimensão ética, afetiva e de justiça das situações.
Revisão da Literatura
34
Promover a autodeterminação – desenvolvendo a capacidade de pensar
autonomamente e de atuar em conformidade com o seu próprio
pensamento.
Promover a espiritualidade – definida como a consciência da natureza
espiritual, da alma ou de Deus e da pertença a uma religião ou igreja.
Este construto também está associado ao juízo moral, ao compromisso,
à crença na ordem moral e aos valores pró-sociais.
Promover a esperança no futuro e o otimismo – desenvolver a
expectativa no futuro, interiorizando a esperança e o otimismo em
relação à possibilidade de vir a obter bons frutos.
Promover o reconhecimento do comportamento positivo – reforçando os
comportamentos positivos, preferindo o reforço à punição, estimulando o
jovem a repetir esses comportamentos no futuro.
Providenciar oportunidades de envolvimento pró-social – envolvendo os
jovens em variados ambientes sociais onde possam participar em
atividades de interação com outros jovens, desempenhando papéis de
contribuição para o grupo, ou para a família ou para a comunidade mais
alargada.
Desenvolvendo normas pró-sociais – encorajando a adoção de crenças
saudáveis e de padrões de comportamento positivo, através de
abordagens variadas que podem ir da informação ao compromisso com
esse tipo de comportamentos.
Adicionalmente, Catalano e colegas (2000) salientam neste estudo que:
(…) “apesar do grande leque de estratégias que produzem estes resultados
[promoção de comportamento positivo dos jovens e prevenção dos problemas de comportamento], os temas comuns ao sucesso envolvem fortalecimento social, emocional, comportamental, cognitivo e competências morais; promovem a autoeficácia; incorporam normas das famílias e comunidades acerca de claros padrões de comportamento; implementam ligações saudáveis com adultos, jovens da mesma idade e mais velhos; expandem oportunidades e identificação dos jovens; providenciam estrutura e consistência na aplicação do programa; e, intervêm junto dos jovens por períodos não inferiores a nove meses” (p. 117).
Ainda neste mesmo estudo de revisão, os seus autores resumem, como
caraterísticas a observar para se poder concluir da efetividade de um programa
de Desenvolvimento Positivo da Juventude, as seguintes:
Revisão da Literatura
35
Conterem construtos constituintes do Desenvolvimento Positivo da
Juventude
Medirem resultados e avaliarem problemas da implementação
Terem currículo estruturado
Terem uma frequência e duração compatível com os objetivos (nove
meses ou um valor médio de 12 sessões por intervenção)
Manter fidelidade ao programa a implementar com manutenção da
qualidade do mesmo
Tipo de população abrangida (no artigo em apreço são referidos todos
os grupos sociais e etnias existentes nos Estados Unidos).
Para além de não ficar por aqui o trabalho dos investigadores sobre as
caraterísticas atribuídas aos programas de Desenvolvimento Positivo da
Juventude, há que realçar que nem sempre se verifica uma sobreposição exata
das conclusões.
Assim, Christopher Edginton e Steven Randall (2005),defendendo uma visão
crítica dos programas de Desenvolvimento Positivo da Juventude num artigo
sobre estratégias para programar serviços de apoio à juventude, em que
comparam os programas de prevenção com os de Desenvolvimento Positivo
da Juventude e com os programas relacionais de jovens (Relational Youth
Work) 21, caraterizam os programas de Desenvolvimento Positivo da Juventude
em relação a sete caraterísticas.
Visão do jovem: indivíduo incompleto, adquirindo competências para a
vida.
21
Perspetiva relacional emergente que enfatiza que “o desenvolvimento ocorre entre um jovem e um monitor (youth worker), à medida que estes estabelecem padrões de mútua interação e suporte (…). Esta visão do trabalho com jovens é contrária às perspetivas preventivas e desenvolvimentais, na medida em que promove a ideia de que o Self é constituído mais relacionalmente do que individualmente, e, sugere que jovens e monitores co-criam entendimentos partilhados mais do que procuram fazer aquisições de objetivos de desenvolvimento pré-determinados (…).” Segundo esta perspetiva, programas de prevenção e de DPJ põem o foco no indivíduo, nas mudanças individuais e nos comportamentos preferencialmente aos contextos relacionais através dos quais jovens e adultos interagem (Edginton & Randall, 2005).
Revisão da Literatura
36
Visão da mudança pessoal: Visão desenvolvimental; os jovens estão a
adquirir as competências e as habilidades necessárias; procura-se
adquirir resultados de desenvolvimento pré-determinados.
Foco da intervenção: Aumento dos recursos e diminuição dos defices;
implementação da atividade autónoma.
Objetivos: em conformidade com determinados ideais, valores e
atitudes; promotores da autonomia.
Metodologias: comunicação e transmissão ativa; relação meios/fins.
Conteúdos: programas educativos e de enriquecimento; programas de
construção de recursos com base na comunidade; preocupações,
interesses e experiências individuais.
Organização: serviços de apoio à juventude, recursos comunitários,
escolas e famílias.
Responsáveis: Todos os membros da comunidade.
Em todo o caso, mesmo que não se tenha chegado a um total consenso em
relação à definição de Desenvolvimento Positivo da Juventude, há acordo nas
componentes-chave dos programas de intervenção que usam esta abordagem
(Dotterweich, 2006).
Num trabalho recente feito na Griffith University, na Austrália, tentando clarificar
como é que uma tão grande diversidade de programas tem potencial para obter
resultados similares em termos de desenvolvimento juvenil, Kathryn Seymour
(2011) refere que emergem, do seu estudo, seis caraterísticas-chave
estruturais e operacionais, a saber:
Organizações que fomentam programas de Desenvolvimento Positivo da
Juventude baseiam o seu trabalho em abordagens holísticas, assentes
nas potencialidades dos jovens e não nas suas dificuldades. Têm em
conta a generalidade das suas necessidades e não um problema único
ou um tema circunscrito.
Estas organizações estão focalizadas no trabalho com jovens (e não no
trabalho para jovens), construindo os seus programas de acordo com os
interesses destes, promovendo oportunidades para a tomada de
Revisão da Literatura
37
decisões, reconhecendo-lhes o potencial e valorizando-os pelo que são
enquanto jovens e destacando o seu desenvolvimento e contributos.
Estes programas assentam na própria comunidade e têm uma natureza
universal em termos de população, contrariamente a programas dirigidos
a franjas muito “etiquetadas” da sociedade. Aspiram a estar disponíveis
para todos os jovens, normalmente entre os 12 e os 18 anos, sejam
rapazes ou raparigas e, portanto, a promoverem atividades
diversificadas e acessíveis a todos.
A duração do envolvimento dos jovens é também uma caraterística
importante dos programas Desenvolvimento Positivo da Juventude.
Embora não seja fácil determinar um tempo de envolvimento preciso, os
estudos apontam sempre para a preferência de programas de médio
prazo face aos de curto prazo.
As organizações que promovem o Desenvolvimento Positivo da
Juventude optam por programas estruturados, isto é, deliberada e
intencionalmente educativos, com uma organização programática
coerente com a idade e a fase de desenvolvimento dos participantes,
apoiada por pessoas experientes e competentes.
Finalmente, exige-se às organizações que fomentam programas de
Desenvolvimento Positivo da Juventude que providenciem, quer através
do próprio programa quer através do ambiente organizacional, a
maximização das oportunidades para que as potencialidades, recursos e
mais-valias pessoais dos jovens estejam em sintonia com as
potencialidades, recursos e mais-valias do seu envolvimento contextual.
Para tal, devem apoiar a formação da equipa de educadores para que
estes enriqueçam, desenhem e ponham à disposição da juventude,
programas de desenvolvimento bem-sucedidos; para que negociem,
desenvolvam e mantenham relações positivas com os jovens e os
conduzam ao sucesso através da definição clara dos limites, do apoio e
encorajamento e do monitoramento do comportamento (Seymour, 2011).
Revisão da Literatura
38
Em suma, poderemos dizer que, dada a riqueza e a amplitude do campo de
investigação do Desenvolvimento Positivo da Juventude, quer ao nível do
vocabulário e conceitos, quer ao nível da diversidade de áreas de estudo e de
áreas profissionais em presença, não pareceu possível confinar a sua definição
a uma expressão simples. Ainda assim, com base na revisão apresentada e na
identificação de determinados traços comuns foi possível selecionar um
conjunto de referências orientadoras que nos permitiu avançar com o nosso
trabalho, no sentido de responder às questões que inicialmente nos tínhamos
proposto. Por outro lado, a dificuldade verificada no sentido da identificação de
uma definição relativamente comum sobre os principais conceitos neste
domínio, acabou por estar na origem da nossa decisão de a constituir como
uma das questões a explorar posteriormente junto dos nossos
especialistas/entrevistados em relação ao conceito de Desenvolvimento
Positivo da Juventude.
Revisão da Literatura
39
2. Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social (Hellison)
O Modelo de Intervenção Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e
Social (DRPS)22, também referido na literatura como Modelo de
Responsabilidade (MR), foi desenhado por Don Hellison, no início dos anos 70,
para ajudar adolescentes e jovens, de bairros marginais da cidade de Chicago,
a adquirirem estratégias que lhes permitissem ser responsáveis por si mesmos
e pelos outros de forma a poderem exercer controlo sobre as próprias vidas.
“Eu compreendi que ajudar os meus alunos a assumirem a responsabilidade pelo seu bem-estar e ajudá-los a serem mais sensíveis e responsáveis pelo bem-estar dos outros, seria talvez o meu melhor contributo dados os problemas pessoais e sociais que os meus alunos tinham que enfrentar.” (Hellison, 1995)
Para Hellison, a premissa básica do DRPS é a de que os comportamentos de
responsabilidade se podem ensinar através de diferentes estratégias e que
estes comportamentos e atitudes ajudarão crianças e jovens a adaptarem-se
às mudanças da vida e a desenvolverem-se como adultos sãos e competentes
(Hellison, 2003). Com base neste pressuposto, Hellison escolhe como contexto
educativo a atividade física, seja ela realizada em contexto escolar,
extracurricular, em clubes, campos de férias ou outro. Nesse ambiente,
desenvolve a partir da sua prática e da reflexão pessoal um modelo de
intervenção pedagógica através do desporto.
Esclarecemos que, no contexto desta tese, a expressão “modelo”, embora por
vezes contestada por alguns investigadores, para os quais um modelo é um
termo que refere uma estrutura padrão, imitável, relativamente rígida, será por
nós utilizada como sendo “conjunto organizado de ideias”, uma vez que foi
declaradamente com este significado que Hellison a usou nos seus escritos.
Ele próprio evitou inicialmente usar a expressão “modelo”, por entender que
podia ser entendida como algo que deve ser implementado de forma rígida e
não como uma organização de ideias que propõe a cada um a reflexão sobre
as mesmas e a avaliação da sua relevância. Assim, cada um usando de
autorreflexão, pode adaptar aquilo que lhe pareça mais válido para a situação e
para os seus alunos (Hellison, 2003).
22
Na língua original Taking Personal and Social Responsibility (TPSR),
Revisão da Literatura
40
Partindo da necessidade prática de dar resposta às atitudes, valores e
comportamentos de jovens negligenciados; armado, segundo as suas próprias
palavras, com algumas vagas noções sobre construção de carácter; Hellison
enceta um processo, que durará até à atualidade, de estudo dos seus
progressos e falhanços, refletindo sobre quais as estratégias específicas que
permitiam por em prática o seu objetivo de tornar mais responsáveis jovens
que viviam em condições sociais muito problemáticas (Hellison, 2003). No seu
primeiro livro, “Humanistic Physical Education”(1973), já era patente a
preocupação de Hellison sobre alternativas pedagógicas que potenciassem a
Educação Física (EF) como um meio de desenvolvimento de competências de
“bem-estar emocional e social”. Referindo frequentemente o contributo de
Muska Mosston, Hellison avançou para a adoção de um estilo de ensino que
favorecesse o desenvolvimento pessoal e social dos seus alunos (Hellison,
1973).
Esta necessidade pessoal de organizar um conjunto coerente de ideias e de
eleger as estratégias que melhor se adequavam ao fim que perseguia, levou
Hellison a relacionar aquilo que ia fazendo no ginásio com a aquisição
desejada da responsabilidade por parte dos jovens. A estrutura base do
Modelo de Responsabilidade resultou desta tentativa de relação constante
entre o que se passa dentro e fora do ginásio.
Levar os alunos a uma maior responsabilidade, obrigou Hellison a refletir sobre
“como se ensinam valores?” e a concluir que “os valores não devem ser
tratados como absolutos mas como qualidades a experienciar e sobre as quais
refletir”. A partir desta consciencialização, “os alunos são, em última análise,
responsáveis por adotar, modificar ou rejeitar esses valores na sua vida”.
(Hellison, 1995, p. 11)
Inicialmente criado para uma população de jovens socialmente desfavorecidos
em risco de exclusão social (Hellison, 1995) o Modelo de Responsabilidade em
poucos anos atraiu educadores que o implementaram com grupos de crianças
e jovens distintos dos iniciais e em contextos igualmente diferentes (Buchanan,
2001; Cutforth, 1997; Cutforth & Hellison, 1992; DeBusk & Hellison, 1989;
Escartí, et al., 2005; Martinek & Hellison, 1997; Masser, 2004; Parker, Kallusky,
Revisão da Literatura
41
& Hellison, 1999; Ruiz Pérez, et al., 2006; Saskatchewan, 1999; Sparks III,
1993; Stiehl, 1993; Watson, Newton, & Kim, 2003; Wright, White, & Gaebler-
Spira, 2004).
O primeiro esboço do Modelo de Responsabilidade surge publicado em 1978
(Hellison, 1978). Hellison tem como pressuposto, como já referimos, o
desenvolvimento global da pessoa através da Educação Física. Sem dúvida
fundamentado numa visão humanista da educação, propõe ao aluno a
atualização das suas próprias potencialidades, utilizando a Educação Física
como um meio de desenvolvimento. Segundo o próprio autor, justificar-se-ia
por isso a denominação da disciplina de “Educação pelo Físico” em
substituição da atual “Educação Física”. Esta proposta será uma constante do
modelo nascente, ao longo de mais de 30 anos de existência do mesmo, tendo
sido confirmada por estudos que a identificaram posteriormente como conceito
de “empowerment” (Wright, et al., 2004).
Após os primeiros escritos, surgem numerosas publicações da autoria do
próprio Hellison e também de outros investigadores/professores que
encontraram no Modelo de Responsabilidade uma boa ferramenta pedagógica,
composta por um conjunto de objetivos, estratégias e orientações
metodológicas que permitia partir de uma base de trabalho estruturada para o
trabalho de desenvolvimento dos jovens através da atividade desportiva em
vários programas.
Ao longo dos anos, a conceção do Modelo de Responsabilidade mantém uma
estrutura básica no que diz respeito às convicções, objetivos e estratégias.
Essa estrutura básica é referida por Hellison e Walsh (2002) num artigo de
revisão “Responsibility-Based Youth Programs Investigating the Investigattions”
e é aquela pela qual optamos como esquema estruturante do presente
capítulo, onde referiremos também os temas da “atmosfera do programa” e da
formação dos professores, sem o qual não nos pareceria completa a revisão de
literatura sobre o Modelo de Responsabilidade.
Exploremos então um pouco mais cada um dos traços estruturantes do modelo
desenvolvido por Hellison.
Revisão da Literatura
42
Revisão da Literatura
43
2.1. Convicções
Hellison apresenta-nos quatro convicções pedagógicas básicas nas quais
alicerça a sua forma de intervir.
Integração - O ensino de competências para a vida e dos valores deve
estar integrado na atividade física da aula23 e não ser trabalhado
separadamente.
Transferência - As aprendizagens da aula no ginásio devem ser
programadas de forma a possibilitar ao aluno a transferência destas
para outros aspetos da sua vida.
Empowerment - A forma de dar instruções deve ter como base a
passagem gradual da responsabilidade do professor para o aluno.
Relação professor-aluno - Para o sucesso do modelo, é fundamental que
o responsável pela sua aplicação reconheça e respeite a individualidade,
as forças, as opiniões e a capacidade de decisão de cada um dos
participantes na atividade ou programa.
Em relação a este tema, Hellison chama a atenção para a “Integração”
traduzindo-a pela necessidade de o professor ser competente e considerar na
sua programação não só o ensino de determinada atividade ou competência
estritamente desportiva mas também como é que dentro desse conteúdo o
aluno vai experimentar a responsabilidade. Será pois necessário integrar os
dois tipos de objetivos sendo a atividade física o meio onde ambos se
desenvolverão (Hellison, 2003). Mesmo antes de utilizar o termo “integração” o
autor do modelo tem esta necessidade presente. No seu livro Goals and
Strategies for Teaching Physical Education (1985) refere o imperativo de se
infundirem as estratégias de desenvolvimento da responsabilidade no conteúdo
normal das aulas. Os próprios alunos devem percecionar a aprendizagem da
responsabilidade pessoal e social como parte integrante de cada lição e não
como um “acrescento” que se faz à mesma (Gordon, 2010).
23
Por simplificação de discurso, utilizaremos a expressão “aula” quer se trate de um período de aula escolar propriamente dito, quer de uma sessão de atividades, de treino ou outros. Da mesma forma, a expressão “aluno” pode referir-se simplesmente a um participante. Também a expressão professor pode referir o professor de educação física, um treinador ou monitor.
Revisão da Literatura
44
A preocupação com a potencialidade da “Transferência” das aquisições em
termos de valores do ginásio para a vida do dia-a-dia, para as outras aulas
escolares, para casa ou para o bairro, é também constante na vida do Modelo
de Responsabilidade. A transferência diz respeito à aplicabilidade do que o
aluno aprende no ginásio para outros contextos. Esta oportunidade de
transferência deve ser planeada e proporcionada aos alunos. Deve mesmo ser
estimulada pelo professor fazendo perguntas ou motivando a reflexão sobre as
alterações do comportamento em casa ou na escola.
Como no caso da convicção anterior, não é de início que encontramos a
expressão transferência (transfer, na língua original); no entanto, já em 1985
Hellison refere a importância deste tema na eficácia do Modelo de
Responsabilidade, escrevendo “A transferência de valores é essencial para que
o modelo funcione porque os níveis (objetivos) representam valores que são
importantes para a vida.” (Hellison, 1985, p. 162). Promover a transferência é o
ponto fulcral (Wright & Burton, 2008) e é o maior desafio do Modelo de
Responsabilidade (Martinek, Schilling, & Johnson, 2001).
Frequente na literatura da Psicologia Social, o termo “empowerment” é o
conceito que melhor corporiza a terceira convicção de Hellison. Na prática do
Modelo de Responsabilidade, traduz a passagem da responsabilidade do
professor para o aluno, de forma a capacitá-lo de que tem potencialidades para
orientar a sua vida e de participar construtivamente na vida dos outros. Desde
os seus primeiros escritos que Hellison declara esta convicção de que em
contexto educativo a responsabilidade deve ir transitando do professor para o
aluno à medida do desenvolvimento deste (Hellison, 1973). Esta transferência
de responsabilidade implica dar ao estudante oportunidade para tomar
decisões e a experiência de viver as consequências das suas próprias
decisões (Gordon, 2010). Segundo Williamson e Hellison (1992), o jovem tem
necessidade de aguentar as pressões externas do seu envolvimento e de
converter o controlo externo sobre o seu destino em controlo pessoal do
próprio destino; daí o uso frequente de autocontrolo e de auto-motivação
Revisão da Literatura
45
quando se fala de objetivos e de níveis de responsabilidade. O professor deve
encorajar nos seus alunos a perceção de independência e de controlo da
própria vida, através da participação ativa nas decisões a tomar no programa
Modelo de Responsabilidade (Martinek & Hellison, 1997).
O último tema ou convicção diz respeito à “relação professor-aluno”. Diz
Hellison que nada do resto interessa se não se consegue desenvolver uma
relação com os próprios alunos (2003). Cada aluno deve ser tratado como
pessoa individual, a quem o professor reconhece forças, opiniões, capacidade
para tomar decisões. “A primeira caraterística [do professor] é a sensibilidade
para as necessidades, competências, interesses e sentimentos juntamente
com a compreensão de que estes são únicos para cada indivíduo” (Hellison,
1973, p. 95).
O Modelo de Responsabilidade propõe que os alunos sejam tratados com
dignidade, que se promova um desenvolvimento holístico e de respeito pela
pessoa. Mais uma vez, o dar voz a cada um, dar a oportunidade de participar
nas escolhas e ser capaz de alterar a sua “programação” para acolher ideias
dos jovens, é uma das melhores maneiras de os fazer experimentarem ser
tratados dignamente como pessoas (Hellison, 2003).
Nesta relação, a honestidade é a primeira exigência. Hellison aconselha
veementemente que o adulto seja genuíno:
“Não tentes ser “fixe”. É crucial seres tu mesmo, seres genuíno. […] É difícil não tentar ser popular. Eu próprio já mencionei o meu medo de ser tido como um professor não “fixe”. Esse medo está sempre presente em segundo plano, mas eu tento não deixar que ele me controle. O melhor antídoto que eu descobri são as experiências de sucesso que tive com os meus alunos sendo eu mesmo” (Hellison, 1995, p. 60).
Os professores devem também tentar conhecer a cultura dos seus alunos
lutando contra qualquer tentação de preconceito ou de ideias preconcebidas a
respeito dos seus alunos mesmo que sejam de simpatia. O professor deve
estar preparado para aceitar diferenças e para escutar os alunos apreciando
mesmo as suas teorias e a sua perceção da vida, da escola e das atividades
físicas (Martinek & Hellison, 1997).
Revisão da Literatura
46
2.2. Níveis de Responsabilidade
Desde o início da sua carreira, Hellison foi defensor de uma Educação Física
que, para além dos objetivos de aprendizagem do gesto desportivo, de fitness
e de rendimento desportivo, proporcionasse ao aluno o desenvolvimento de
valores pessoais e de relação. Assim, esquiça um primeiro modelo, um “goal
model”, dando especial atenção ao desenvolvimento de valores relacionados
com o desenvolvimento pessoal e com o desenvolvimento social dos jovens
(Hellison, 1978). A partir desta primeira tentativa de síntese, que resultou num
modelo relativamente complexo no que respeita a níveis e subníveis, Hellison
elege dois grandes objetivos relativos ao bem-estar pessoal – esforço e
autonomia – e dois relativos ao bem-estar social – o respeito pelos direitos e
sentimentos dos outros e a preocupação com os outros. O facto de optar por
dois eixos de valores teve o propósito de permitir que os alunos se lembrassem
facilmente, dentro e fora das aulas, dos objetivos do trabalho e, para isso,
tornava-se necessário que estes fossem simples e em pequeno número
(Hellison, 1995). Hellison propõe então quatro Níveis, através dos quais os
jovens aprendem a tomar a responsabilidade do seu bem-estar pessoal e do
bem-estar dos outros, juntando-lhes um quinto (Figura 3), que busca a
aplicação dos quatro Níveis anteriores ao contexto de vida do aluno, seja a
escola, a família ou o bairro (Hellison, 1995).
Figura 3 – Relação de cada Nível em função do tipo de responsabilidade que desenvolve
(Pardo, 2008)
Revisão da Literatura
47
Eis assim encontrada a primeira versão dos Níveis de Responsabilidade
Pessoal e Social (NRPS) (Hellison, 2003). Como objetivos a atingir durante as
sessões pelos alunos são definidos, por Hellison, cinco Níveis de
Responsabilidade Pessoal e Social que nomeamos abaixo, juntamente com
exemplos de comportamentos a implementar em cada um:
Respeito pelos direitos e sentimentos dos outros
Autocontrolo do temperamento e da “boca”
Respeito pelo direito de todos a serem incluídos
Envolvimento na resolução pacífica e democrática dos conflitos
Esforço e trabalho em equipa
Auto motivação para explorar o seu próprio esforço, tentar tarefas
novas e persistir na tarefa
Cooperação
Auto direção
Trabalho individual
Estabelecimento de metas de progressão com coragem para
resistir à pressão dos pares
Ajuda e liderança
Sensibilidade e sentido de responsabilidade pelas necessidades e
interesses dos outros
Contribuição para o bem-estar, ao mesmo tempo, próprio e do
grupo
Fora do ginásio
Tentar aplicar estas ideias fora da atividade física do Modelo de
Responsabilidade
Ser um modelo
Na Figura 4, podemos ver uma representação desta versão dos Níveis de
Responsabilidade usada por Hellison nessa altura.
Revisão da Literatura
48
Figura 4 – Imagem de uma versão inicial dos Níveis de Responsabilidade
(Hellison, 1995)
Esta organização dos objetivos permitiu-lhe iniciar um trabalho de procura de
estratégias específicas que veio a produzir resultados diversos nos últimos
quase 40 anos. Podem encontrar-se, ao longo deste tempo, diferentes versões
das componentes dos níveis inicialmente propostos. As diferenças
representam, não só uma evolução no sentido de aproveitar a experiência de
todos os que já tinham trabalhado com este modelo de intervenção, como
também a adaptação do mesmo ao ensino de grupos específicos de alunos
com Necessidades Educativas Especiais ou outras. No Quadro 2 encontram-se
as versões mais significativas disponíveis na literatura (Hellison, 1978, 1985;
Marín, 2007; Masser, 2004; Williamson & Hellison, 1992).
Revisão da Literatura
49
Quadro 2 – Versões diferentes das componentes dos Níveis inicialmente propostas por Hellison
Como se pode verificar, há algumas diferenças em relação ao projeto inicial de
Hellison. No entanto, os trabalhos referem basicamente cinco Níveis de
Responsabilidade Pessoal e Social que abrangem os valores relativos ao
próprio, à sua relação com os outros e à transferência das competências
adquiridas para a vida fora do sítio onde se desenrolam as atividades do
Modelo de Responsabilidade. Estes níveis são propostos aos alunos ao longo
de sessões de Educação Física, treino desportivo ou de atividades de campos
de férias.
Nos primeiros trabalhos feitos em Portugal (Correia, 2007; Regueiras, 2006)
adotaram-se as seguintes denominações para os Níveis de Responsabilidade:
Respeito pelos direitos e sentimentos dos outros; Participação e esforço;
Autonomia; Liderança e ajuda aos outros; e Fora do ginásio.
Hellison, 1978
(Humanistic
Goal Model)
Hellison, 1985 Williamson e
Hellison, 1992
Martinek,
Schilling e
Johnson, 2001
Masser, 2004 Marín 2007
Nível 0 Irresponsabilidade
Nível I
Ausência de
consciência
2 subníveis
Autocontrolo
Autocontrolo e
respeito pelos
direitos e
sentimentos dos
outros
Autocontrolo e
respeito pelos
outros
Respeito/auto
controlo
Respeito pelos
direitos e
sentimentos dos
outros
Nível II Consciência de si
4 subníveis Empenhamento
Participação e
esforço
Participação e
esforço Participação
Participação e
esforço
Nível III
Consciência dos
outros
2 subníveis
Auto
responsabilidade Autonomia Autonomia
Autonomia / auto
responsabilidade
Autogestão/Autono
mia
Nível IV
Integração
dos três primeiros
níveis de
consciência
Atenção aos
outros
Atenção e ajuda
aos outros Ajuda aos outros
Atenção aos
outros
Empatia e conduta
pró social
Nível V
Aplicação dos
níveis fora do
ginásio
Aplicação fora da
Educação Física Transferência
Nível VI Projeção no
trabalho e no lazer
Revisão da Literatura
50
Nos trabalhos publicados nos últimos anos, a expressão “fora do ginásio” tem
sido frequentemente substituída por “Transferência” (Corte-Real, 2011;
Nogueira, 2011). Adotámos, por isso, essa denominação do Nível V no
presente estudo.
Assim, representando esquematicamente os Níveis de Responsabilidade
Pessoal e Social obteremos a seguinte imagem:
Figura 5 – Níveis de Responsabilidade Pessoal e Social
Inicialmente, os Níveis de Responsabilidade Pessoal e Social representavam
uma progressão acumulativa de ensino, isto é, para se alcançar um nível
superior havia que se ter ultrapassado os níveis anteriores seguindo-se do
primeiro para o quinto nível. No entanto, cedo Hellison e outros autores
chamam a atenção para a não obrigatoriedade desta ascensão. Justificam-se
dizendo que os alunos nem sempre progridem de forma linear, podendo
inclusivamente avançar e estagnar ou recuar, em determinado nível, de acordo
com as suas caraterísticas pessoais (Escartí, et al., 2005; Hellison, 2003). Para
além disso, há, em relação ao Nível 5, todo o interesse em que este seja
trabalhado desde o primeiro dia pois isso facilita a transferência gradual das
Revisão da Literatura
51
aquisições. Um outro argumento apresentado é o de que a progressão rígida
de níveis (em que só se propõe o seguinte quando o anterior está “adquirido”)
pode proporcionar a etiquetagem dos alunos a determinado nível (Pardo,
2008). De qualquer maneira, embora não de forma exclusiva, os Níveis de
Responsabilidade Pessoal e Social contêm em si uma progressão entre eles,
pois representam níveis de exigência diferentes no que refere às componentes
de responsabilidade pessoal e de responsabilidade social.
Dentro de cada Nível de Responsabilidade Pessoal e Social, os diferentes
autores foram trabalhando de forma variada as suas componentes. Deste facto
seguem alguns exemplos organizados no Quadro 3.
Revisão da Literatura
52
Quadro 3 – Componentes dos Níveis de Responsabilidade Pessoal e Social
Em seguida damos conta de cada um dos Níveis de Responsabilidade Pessoal e
Social de forma um pouco mais detalhada.
Nível I – Respeito pelos direitos e sentimentos dos outros
Um comportamento respeitoso dos direitos e sentimentos dos outros facilita,
em primeiro lugar, a criação de um clima física e psicologicamente seguro. Este
ambiente permite que nenhum aluno se sinta intimidado nem ameaçado por
24
Cit. por Hellison, 2003b. 25
(Hellison, 1995) 26
(Marín, 2007) 27
(Wright & Craig, 2011)
Masser 199024
Hellison 199525
Marín 200726
Wright 201127
Nível I
Respeito pelos
direitos e
sentimentos
dos outros
Autocontrolo
Resolução pacífica de
conflitos
Direito de ser incluído
Autocontrolo
Resolução pacífica de
conflitos
Direito de ser incluído
Autorregulação
Empatia
Autocontrolo
temperamental
Resolução pacífica de
conflitos
Incluir os outros
Nível II Participação e
esforço
Auto motivação
Exploração do esforço
Persistência
Auto motivação
Exploração do esforço
Tentar coisas novas
Definição pessoal de
sucesso
Motivação intrínseca
Persistência nas tarefas
Demonstração de esforço
Motivação intrínseca
Nível III Autonomia
Trabalho autónomo
Proposta de progressão
nos nineis
Resistência à pressão dos
pares
Trabalho autónomo
Plano pessoal
Equilibrando as
necessidades atuais e
futuras
Lutando contra forças
exteriores
Autonomia
Estabelecimento de metas
Clima motivacional
Trabalho individual
Propor-se objetivos
pessoais
Tomar decisões acertadas
Nível IV
Liderança e
ajuda aos
outros
Atenção e compaixão
Sensibilidade e
compreensão
Força interior
Habilidades interpessoais
de pré-requisito
Compaixão
Sem recompensas
Membro contribuinte da
comunidade
Desenvolvimento moral
Orientar colegas
Desempenho do papel de
professor
Encorajar e ajudar os
outros
Nível V Transferência
Aplicação das anteriores
noutros envolvimentos
Ser um modelo
Transferência Transferência
Transferir os 4 primeiros
níveis e os
comportamentos
associados
Revisão da Literatura
53
ninguém, podendo sentir-se livre de manifestar as suas emoções, opiniões e
medos. Favorecem-se comportamentos de respeito pelas opiniões dos outros e
pela sua maneira de ser e de atuar, o respeito pelas regras básicas de
convivência, e o autocontrolo.
Os comportamentos e atitudes incompatíveis com o Nível I são: Agredir física
ou oralmente os outros, interromper as tarefas e atividades dos colegas ou do
professor, intimidar, ameaçar os colegas ou ignorar algum deles.
Algumas das estratégias específicas para estimular as competências
necessárias referem o trabalho de autorregulação com os alunos, levando-os a
pensar sobre os seus comportamentos, a avaliar os mesmos comportamentos
em relação a metas propostas e canalizar as reações emotivas para
comportamentos construtivos e responsáveis. O fomento da empatia – levando
o aluno a entender a perspetiva do outro – é de tal maneira importante que se
dará como desejável nalguns grupos despender algumas sessões
especificamente para aquisição desta competência (Escartí, et al., 2005).
Nível II – Participação e esforço
Neste nível, o programa tem como objetivo principal a motivação intrínseca e,
para isso, devem propor-se aos participantes estratégias que os levem a
experimentar tarefas novas e a persistir no trabalho mesmo quando este se
torna mais difícil; sentirem-se orientados para a tarefa e não para a competição
buscando critérios pessoais de êxito.
O professor, visando o compromisso pessoal de todos os alunos, deve propor
atividades variadas de forma que todos possam envolver-se nelas mostrando
um comportamento responsável. É importante a proposta de atividades não
discriminatórias (onde a vontade de participar supere caraterísticas de sexo ou
de nível de habilidade) e motivantes (que encerrem novidade e desafio) a fim
de que os alunos demonstrem perseverança e se mantenham motivados ao
enfrentarem dificuldades e desafios. Por isso, é essencial que os jovens vão
sendo cada vez mais capazes de se focarem no seu próprio desempenho em
vez de se compararem sistematicamente aos outros.
Revisão da Literatura
54
Nível III – Autonomia
A um passo do nível anterior, temos o Nível III cujo principal objetivo é fomentar
a autonomia nos alunos ensinando-lhes a serem independentes e a assumirem
(com mais exigência) responsabilidades. As propostas feitas neste nível
necessitam particularmente de ser ajustadas à idade e caraterísticas pessoais
dos participantes como veremos em seguida.
A estratégia do trabalho sem supervisão direta assume aqui um papel
educativo fundamental. O aluno redefine não só os seus critérios de êxito,
como no nível anterior, mas identifica as próprias necessidades e leva a cabo
(na medida das caraterísticas de cada um) o seu próprio projeto, tomando
decisões sobre objetivos e estratégias.
Esta tomada de decisões exige treino e realismo e, por esta razão, é muito
importante que em cada sessão do programa se proponham diferentes opções
aos alunos de forma que eles tenham que fazer escolhas. Segundo Hellison,
“quando um jovem escolhe, começa a compreender as suas necessidades
próprias e não apenas os seus interesses (…) para adquirir este tipo de
independência o aluno tem que ter coragem para olhar para dentro de si
mesmo” (Hellison, 2003, p. 32). Estratégias que privilegiem este trabalho de
sensibilidade, que reforcem a aceitação de si mesmo (virtudes e dificuldades),
e permitam que o aluno, de alguma forma, elabore o seu próprio plano (seja
para melhorar técnica, ganhar força, modelar o aspeto ou qualquer outro), o
execute e o avalie, serão fundamentais para que este se sinta bem consigo
mesmo e se sinta motivado pela autorresponsabilidade.
A perceção de autoeficácia é importante neste nível, dado que os alunos que
tenham desenvolvido um forte sentido de eficácia, em diferentes contextos de
ação, terão tendência a proporem-se metas mais arrojadas do que aqueles que
acumularam na sua história frequentes experiências de fracasso (Escartí, et al.,
2005, p. 39).
Nível IV – Liderança e ajuda aos outros
Este nível, centrando-se em aspetos da responsabilidade social, é
particularmente condicionado pelas aquisições anteriores dos participantes, em
Revisão da Literatura
55
termos da capacidade de se porem no lugar dos outros e de compreenderem
os seus sentimentos e as suas necessidades. Os jovens são estimulados a
desenvolver o cuidado de considerar o bem-estar dos outros adquirindo
capacidade de compromisso moral. O trabalho neste nível amadurecerá no
jovem a sua competência de relação e as atitudes de resposta interessada e
compassiva, contribuindo para o grupo sem expectativas de recompensa
(Hellison, 2003).
A aprendizagem deste nível não é simples e, normalmente, está sujeita a
avanços e estagnações ao longo de muitas sessões, no entanto permite
aquisições muito ricas do ponto de vista das destrezas sociais. Trata-se de
experimentar, sem arrogância, ajudar os colegas que precisam ou que querem
ser ajudados. “Exige força interior – coragem para resistir à pressão e à agenda
encoberta de se fazer um líder egocêntrico” (Hellison, 2003, p. 34).
As estratégias usadas no Nível IV são, como já se referiu para o nível anterior,
muito condicionadas pela idade dos alunos. A título de exemplo, Hellison
sugere que se preste especial atenção àqueles que apresentam maiores
dificuldades, sendo estes os que são solicitados a ajudar o professor com os
alunos que necessitam (Pardo, 2008). Outra estratégia consiste em pedir a um
aluno para dar o aquecimento ou outra parte da sessão.
No fim desta etapa os alunos devem estar capazes de pensar mais em termos
de grupo e de comunidade do que em termos de individuais e egoístas.
Nível V - Transferência
“Aparentemente, a transferência (de valores) requer explanações específicas
por parte do professor ou do treinador relacionando o que se passa no terreno
(on the field) com o que se passa na vida (in life).” (Hellison, 1973, p. 27).
A referência acima (anterior à criação do Modelo de Responsabilidade) é uma
das primeiras que Hellison faz à transferência de valores do Desporto para o
envolvimento extradesportivo do aluno, seja na escola, em casa ou na
comunidade. É interessante que desde cedo subsista a convicção de que esta
etapa da educação de valores, através da atividade desportiva, não seja
Revisão da Literatura
56
automática e de que necessite de uma atenção particular por parte do
professor.
Mais tarde, em 1978, Hellison diz, no contexto do Modelo Humanístico, que “o
Nível IV, nível de Integração, [correspondente ao Nível V do Modelo de
Responsabilidade], representa um sistema integrado de ser-no-mundo em que
interfere o autodesenvolvimento e senso de comunidade funcionando de forma
espontânea e interdependente” (1978, p. 22).
Trata-se do último nível, o nível provavelmente mais importante pois encerra
nos seus objetivos a finalidade da educação – proporcionar a sabedoria para a
vida. Exige-se do aluno a capacidade de aplicar os anteriores Níveis de
Responsabilidade Pessoal e Social fora do programa, quer dizer, na escola,
junto da família e na comunidade. Como refere Hellison, “Em última instância, o
Nível V, significa ser um modelo para os outros” (2003, p. 36). Os jovens que
ascendem a este nível de responsabilidade manifestam respeito, empenho,
autonomia, liderança e compaixão pelos outros, não só no seu clube mas
também em qualquer outro ambiente.
A transferência é influenciada por muitos fatores, alguns dos quais
relacionados com os próprios jovens, como por exemplo, a idade, a
diversificação de experiências, a capacidade de abstração, a capacidade de
atenção, a capacidade metacognitiva, a personalidade e a estabilidade das
aprendizagens, o uso eficiente da experiência passada, a motivação e outras
(Perkins & Salomon, 1992).
Como deu conta Hellison desde o início, a aquisição deste nível não é fácil nem
automática. Também Escartí e colegas comentam esta constatação:
“[a transferência] não se considera como uma consequência automática de qualquer tipo de aprendizagem, pelo que devem existir condições psicológicas para que se produza”. Assim, continua Escartí, “a questão é conhecer, tanto quanto possível, em que condições se produz a transferência e quais os aspetos que a favorecem em maior grau" (2005, p. 43).
Um desses aspetos é, segundo Perkins e Salomon (1992, p. 7), a relação
metafórica entre aquilo que se aprende e a nova situação onde se pretende
aplicar esse conhecimento. “Usando uma metáfora ou analogia: A transferência
é facilitada quando o novo material é estudado à luz do material previamente
aprendido que serve como uma analogia ou metáfora.”
Revisão da Literatura
57
Um obstáculo evidente à transferência das aprendizagens é a diferença de
culturas entre os vários contextos onde se desenrola a vida do jovem. “Ao
longo das sessões, os níveis contribuem para a construção de um clima de
respeito, de esforço, de autonomia e de comunidade, mas essas qualidades,
com frequência, não são valorizadas na rua e, muitas vezes, nem mesmo em
casa ou na escola” (Hellison, 2003, p. 36). Também Martinek e colegas (2001)
chamam a atenção para este “choque cultural” que envolve a cultura familiar,
da escola, os valores da competição e a desconfiança existente por vezes
entre as comunidades e os programas implementados. Diz Martinek que
transferir o Modelo de Responsabilidade para a escola, o recreio, o bairro etc.
continua a ser o maior desafio para os implementadores do mesmo.
Várias são, por outro lado, as estratégias que favorecem a transferência.
Incentivar os alunos a que experimentem aplicar um dos objetivos conseguidos
em casa, com os irmãos, ou numa outra aula, é uma delas. Assim, os jovens
têm oportunidade de confirmar com a sua própria experiência como funcionam,
noutra situação, os padrões de comportamento, as regras e as habilidades
necessárias à aplicação de conduta adequada de determinado nível.
Paralelamente, durante a sessão, será positiva a existência de momentos em
que essas experiências possam ser partilhadas (normalmente na reflexão final,
ou em conversa individual), e em que professor possa fazer perguntas
orientadoras nesse sentido (Parker & Hellison, 2001).
Até ao início dos anos 90, alguns estudos começaram a evidenciar as
potencialidades do Modelo de Responsabilidade em relação à transferência de
valores para fora do ginásio (Hellison & Walsh, 2002). A partir daí, mercê de
muitas chamadas ao estudo do suporte empírico da transferência, tem havido
um bom contributo da comunidade científica no sentido desse estudo (Walsh,
Ozaeta, & Wright, 2010).
Em estudos recentes (Martinek, Hellison, & Walsh, 2004; Walsh, 2008a; Walsh,
et al., 2010) sublinhou-se o facto de haver dois fatores/estratégias que
favorecem os resultados positivos do V Nível do Modelo de Responsabilidade.
O primeiro deve-se ao facto de que, desde as sessões iniciais, os professores
conversarem com os alunos sobre a potencial transferência daquilo que vão
Revisão da Literatura
58
aprendendo em cada um dos quatro primeiros níveis. Esta estratégia parece
facilitar a conexão gradual entre aquilo que se passa no ginásio e o
envolvimento. Os professores promovem a discussão à volta do tema, facilitam
exemplos, louvam os participantes que vão percebendo que a transferência é
possível e pedem o exemplo de cada um.
O segundo é integrar nas conversas uma projeção das aprendizagens nos
futuros possíveis dos jovens, ajudando-os assim a compreender o significado
futuro dos seus esforços atuais. A estratégia para o fazer é falar
(individualmente ou em grupo) sobre as expectativas que os jovens têm em
relação às suas ocupações futuras, aconselhando-os a empenharem-se mais
neste ou naquele objetivo que os ajudará a atingir os seus anseios. Outra
estratégia, mais exigente, consiste em ajudá-los a traçar as etapas detalhadas
necessárias para atingir os seus objetivos, incluir nesse trabalho a forma como
o programa pode ajudá-los experimentalmente, através das atividades práticas
como sejam o estabelecimento de metas dentro do próprio programa.
2.3. Estratégias
Hellison propõe, para que se atinjam os Níveis de Responsabilidade Pessoal e
Social, dois tipos de estratégias pedagógicas: um esquema estrutural da aula
formal que a organiza em vários momentos e um conjunto específico de
estratégias de ensino utilizadas dentro da estrutura.
Estrutura da aula formal: Conversa individual, conversa de
consciencialização, atividade física (no original lesson), reunião de grupo
e tempo de reflexão.
Estratégias de ensino: Estratégias de consciencialização, instrução
direta, estratégias individuais, tomada de decisões individuais, tomada
de decisões em grupo (Hellison & Walsh, 2002).
a) O esquema de aula proposto por Hellison resulta da sua própria experiência
pedagógica. Esta estrutura tem como objetivo que os alunos se acostumem a
determinada organização e normas de funcionamento de forma a saberem o
que é que se espera deles a cada momento.
Revisão da Literatura
59
Trata-se de um formato de aula que obedece a uma rotina e que consiste em
cinco partes (Hellison, 1990b; Hellison, Martinek, & Cutforth, 1996; Hellison &
Walsh, 2002; Parker & Hellison, 2001; Regueiras, 2006; Wright, et al., 2004):
Conversa individual, antes ou depois da sessão, ou noutro momento no
decorrer desta.
Conversa de consciencialização no princípio da sessão que, nas
sessões iniciais, tem como principal objetivo fazer com que os alunos
compreendam os Níveis de Responsabilidade Pessoal e Social.
A atividade física em si, respeitando o objetivo do Desenvolvimento da
Responsabilidade Pessoal e Social na interação com os alunos.
Breve reunião de grupo perto do final, para que os alunos possam
exprimir as suas opiniões acerca de como correu a sessão e das
eventuais alterações a fazer para melhorar.
Tempo de reflexão para acabar, de forma a que os alunos possam
avaliar o nível de responsabilidade pessoal e social atingido naquela
aula.
A Conversa Individual, fundamental no contexto do Modelo de
Responsabilidade, pode acontecer em qualquer momento em que haja
oportunidade de o professor e o aluno estabelecerem uma comunicação mais
personalizada. Durante estes momentos, o professor pode saber como está o
aluno a viver o programa, como esteve nas suas atividades familiares, na
escola, no tempo livre. São também bons momentos para orientar o aluno nas
atividades que programou na sua autogestão, nos seus objetivos individuais,
conhecendo as suas dificuldades e a sua perceção de sucessos.
É durante este tempo relacional que o professor ajuda o participante a
compreender a relevância de se propor objetivos individuais, quer para sua
vida escolar, quer para os seus empreendimentos futuros (Walsh, et al., 2010).
Embora seja um desafio encontrar tempo para esta relação personalizada, esta
é fundamental, pois proporciona a implementação da confiança, a convicção do
aluno de que é único com capacidades próprias assim como com necessidades
Revisão da Literatura
60
de trabalho próprias; o jovem pode entender então que aquilo que diz é
importante e tem interesse para o seu professor; através destas conversas
pode reforçar-se no aluno a capacidade de tomar decisões (Hellison, 2003).
É importante que, no sentido de acompanhar todos, o professor vá registando
com quem já falou individualmente para que todos tenham acesso a este
tempo de relação privilegiada e para que todos se sintam igualmente
acompanhados e respeitados.
Correndo os riscos inerentes, de não ser compreendido ou de ser acusado de
querer ser o “psicólogo” dos alunos, o professor tem obrigação (como qualquer
adulto bem formado) de participar do desenvolvimento moral dos seus alunos e
este é um momento apropriado para isso. De qualquer maneira, o professor
que quer ajudar tem que ser realista e honesto, percebendo qual é o seu papel
e quando deve encaminhar o jovem com problemas mais profundos para as
pessoas de competência especializada28.
A Conversa de Consciencialização corresponde ao início da aula formal. Nela,
com o grupo todo junto, dá-se início à sessão explicando-se aos jovens os
conteúdos dos Níveis de Responsabilidade Pessoal e Social (ou nível) que se
irão trabalhar naquela aula para que estes tomem consciência do que se
espera deles. Tem a função de re-focar os alunos nos objetivos (Gordon,
2010). É o momento de motivação inicial, deve ser simples e breve, mostrando
a atitude recetiva do professor (Escartí, et al., 2005).
Depois de terem compreendido bem os níveis, esta conversa é uma
oportunidade para entregar aos alunos as responsabilidades para aquele dia.
Pode, por exemplo, a partir de certa altura, pedir-se-lhes para conduzirem este
momento, explicando a todos por palavras suas o que pede o Modelo de
Responsabilidade em determinado nível (Hellison, 2003). O professor pode
também falar de algumas regras importantes para o funcionamento da aula,
pedindo sugestões aos alunos sobre o que deverá fazer-se em caso de
incumprimento. É fundamental que os alunos se habituem a pensar a respeito
28
Martinek, 1984, cit. por Hellison, 2003b
Revisão da Literatura
61
dos assuntos e a contribuir com a sua maneira de ver as coisas (Regueiras,
2006).
A atividade física, “levels in action” ou “the lesson” para Hellison (1995, 2003) e
“la responsabilidad en acción” para Escartí (2005), foram as denominações
mais usadas para a atividade desportiva propriamente dita. É o conteúdo
desportivo da aula através do qual se atingem os objetivos de rendimento, de
aptidão física e de treino desportivo e em que as atividades, tarefas e
habilidades são o veículo para o ensino da responsabilidade.
Discute-se quais serão os desportos que melhor servem o fim do Modelo de
Responsabilidade. Das artes marciais (Wright, et al., 2004), ao basquetebol
(Hellison & Wright, 2003), da escalada e outras atividades radicais (Parker &
Stiehl, 2005), aos clubes multi-atividades (Regueiras, 2006), e aos conteúdos
variados das aulas de Educação Física, as propostas são diversas. Wright e
Burton (2008) repegam a discussão sobre o tema, pondo na mesa as valias de
cada tipo de atividade, referindo que Hellison já tinha exprimido várias vezes o
dilema da escolha entre atividades mais populares (por exemplo o basquetebol
nos Estados Unidos) ou mais desconhecidas para os alunos. A este respeito,
Hellison chama a atenção para a “cultura de rua” que é “arrastada” para o
programa e que pode dificultar o desenvolvimento de aspetos éticos no caso do
desporto muito popular, embora refira como potencialmente positiva a
motivação que normalmente os miúdos têm por este tipo de desportos. Por
outro lado, atividades alternativas, novas na comunidade, podem chamar
alunos para investir numa modalidade menos usual. Concluem Wright e Burton
que, seja qual for a escolha, ela trará necessariamente, para o Modelo de
Responsabilidade, vantagens e desvantagens.
Durante o tempo de atividade física, o mais importante é que a abordagem
pedagógica selecionada seja apropriada à aquisição dos objetivos propostos
pelo Modelo de Responsabilidade e portanto tenha significado de
aprendizagem para os alunos (Gordon, 2010). Daí que, na escolha das
estratégias específicas seja da maior importância o condicionamento dos jogos,
a introdução de regras que intensifiquem a participação de todos ou a
Revisão da Literatura
62
concessão da possibilidade de cada equipa escolher o seu treinador. Estas
são estratégias frequentemente relatadas em intervenções com o Modelo de
Responsabilidade.
Uma Reunião de Grupo finaliza a atividade. Normalmente, os alunos sentam-se
em roda com o professor e é-lhes proposto que exprimam os seus pontos de
vista sobre o desenrolar da atividade, sobre o seu desempenho e o dos
colegas e até mesmo sobre o tipo de orientação feita pelo professor. Partilham-
se opiniões e sentimentos e cada um pode dar a sua ideia sobre como está a
correr o programa. Como estratégia para este momento, o professor pode
lançar uma pergunta aberta e genérica sobre como correu a atividade do dia.
É um momento rico de desenvolvimento de competências do primeiro nível,
que é sempre o nível básico de toda a relação interpessoal. Para tal, há que
fazer respeitar algumas regras (estratégias) orientadoras:
Respeitar todos durante a conversa, por exemplo, não fazendo pouco ou
culpando os outros.
Incluir todos na discussão.
Resolver pacificamente os diferendos.
Tomar as decisões finais em grupo.
Proporcionar a oportunidade para os alunos experimentarem as
consequências das decisões do grupo, mesmo que estas não pareçam
as melhores ao professor (Escartí, et al., 2005; Hellison, 2003; Pardo,
2008).
Esta aprendizagem contínua, crescente e nem sempre pacífica, pode levar os
alunos a procurarem a empatia com os outros e a considerarem pontos de vista
diversos dos seus.
O Tempo de Reflexão, para finalizar a sessão, é o momento em que os jovens
devem pensar acerca do seu comportamento durante a aula. Esta reflexão
pode ser feita de várias formas: Hellison (2003) propõe aos alunos uma
avaliação feita com a mão no ar, mostrando o polegar levantado, de lado, ou
virado para baixo, conforme acharem que o seu comportamento, face aos
Revisão da Literatura
63
objetivos propostos, foi bom, necessita de melhorar alguma coisa, ou ainda
ficou muito aquém do desejado. Outros propõem o preenchimento duma ficha
simples onde o aluno marcará a figura, por exemplo um “smile”,
correspondente ao seu comportamento em relação aos níveis de
responsabilidade (Regueiras, 2006). Há professores preferem fazer algumas
perguntas que orientam a reflexão dos alunos. Esta estratégia é
particularmente eficaz na reflexão sobre o quinto Nível de Responsabilidade
Pessoal e Social (Hellison, 2003).
Há ainda quem proponha a utilização de checklists. Uma estratégia que pode
ajudar alunos e professores é o registo em diário (Cutforth & Parker, 1996).
Para alunos mais novos, Pete Hockett29 pintou os Níveis de Responsabilidade
Pessoal e Social verticalmente na parede do ginásio, ao lado da porta, de
forma a permitir que os miúdos tocassem no nível que se propunham
desenvolver quando entravam e tornavam a tocar na escala quando saíam,
desta feita representando o nível que conseguiram atingir. Muitos outros
exemplos se poderiam dar a este respeito.
Normalmente, o tempo de reflexão é feito no fim da sessão de forma a que se
possa avaliar o envolvimento de cada um com os níveis propostos; no entanto,
pode também ser feito, por vezes, noutro momento, se o professor achar que
algo que ocorreu em determinada ocasião merece uma reflexão. Por exemplo,
no caso de uma escolha menos bem feita ou refletida. Aí, o professor tem
oportunidade de confrontar os alunos com os seus atos e escolhas imediatas e
ajudá-los a pensar mais profundamente acerca das escolhas que fazem
(Hellison, 2003).
No sentido de ir validando a avaliação feita pelos alunos, o professor deve
também registar as suas próprias avaliações acerca da maneira como estes
vão estando. Durante todo o processo, o clima criado é fundamental para que o
aluno que sentiu que não teve êxito se sinta à vontade para dizer “ainda não foi
desta” (Regueiras, 2006).
29
Cit. por Hellison, 2003b.
Revisão da Literatura
64
b) De tudo o que já foi dito se depreende que a estrutura da aula ou da sessão
é, em si mesma, uma estratégia para se atingir o desenvolvimento da
responsabilidade através dos cinco níveis descritos por Hellison e por todos
aqueles que lhe seguiram o modelo. Ao mesmo tempo, da experiência de cada
um, foram resultando especificações de estratégias para o desenvolvimento de
cada Nível de Responsabilidade Pessoal e Social. Disto fomos dando conta ao
longo dos parágrafos anteriores quando falávamos da estrutura da aula.
Parece-nos, no entanto, importante referir algumas estratégias de ensino que,
pelo facto de serem usadas pelos primeiros aplicadores do Modelo de
Responsabilidade, se tornam linhas estratégicas mestras do modelo. Elas
impregnam como que obrigatoriamente as decisões pedagógicas dos
professores que trabalham o modelo.
Logo nos primeiros tempos do Modelo de Hellison, encontrámos referência a
seis tipos de “estratégias de interação” (DeBusk & Hellison, 1989; Hellison,
1985), a saber:
I. Explicação verbal: estratégia simples que contém as ações em que o
professor explica e apresenta os Níveis de Responsabilidade Pessoal e
Social, e os refere durante a sessão;
II. Modelação (ser): refere a forma como o professor mostra em si mesmo
os NRPS através das suas atitudes e comportamentos;
III. Reforço: é qualquer ato em que o professor reforça uma atitude ou
comportamento de um jovem;
IV. Tempo de reflexão: refere o tempo que os alunos despendem pensando
nas suas atitudes e comportamentos em relação aos Níveis de
Responsabilidade Pessoal e Social;
V. Partilha com o aluno: acontece quando os alunos são chamados a dar a
sua opinião sobre qualquer aspeto do programa;
VI. Estratégias específicas por nível: refere-se àquelas atividades que
implementam a interação com determinado Nível de Responsabilidade
Pessoal e Social, por exemplo, os “contratos com os estudantes” no
Nível III, o ensino entre pares (seja dois a dois seja em equipas maiores)
Revisão da Literatura
65
que pode ajudar os alunos a trabalharem dentro do Nível V (DeBusk &
Hellison, 1989, p. 106).
Hellison sublinha num artigo (Hellison, 1990b) a importância das estratégias. O
autor refere o facto de os vários projetos de ensino implementados com base
no Modelo de Responsabilidade assentarem num processo vivencial, de
conhecimento, experiência, tomada de decisões e de reflexão pessoal por
parte do aluno e que este processo exige estratégias próprias.
I. A primeira dessas estratégias é a tomada de consciência (awareness)
através da qual se pretende que os alunos conheçam os Níveis de
Responsabilidade Pessoal e Social.
II. A segunda consiste em proporcionar aos alunos experiências de êxito
nos diferentes Níveis de Responsabilidade Pessoal e Social,
convidando-os a respeitar e a apoiar os outros, a arriscar uma atitude
nova em relação a eles ou a perseguir objetivos próprios no treino.
Hellison diz despender muito do seu tempo de conversa com os alunos
incentivando-os a experimentarem a aplicação dos níveis fora do ginásio
(Nível V). Diz-lhes, “apenas para verem como se sentem”, que “tentem
durante uma semana e depois faremos ajustes se não correr bem”
(Hellison, 1990b, p. 59). Esta estratégia exige que o professor conheça
bem os seus alunos, pois é necessário acreditar que eles já têm as
competências de que necessitam para por em prática o que lhes propõe.
Outra coisa que ajuda a implementação desta estratégia é o ambiente
de confiança, de alegria e de prazer com a atividade das sessões. Aí, o
modelo do professor é fundamental.
III. Uma terceira estratégia envolve a tomada de decisões e a resolução de
problemas para que os alunos sejam confrontados com as suas próprias
opções e se sentam estimulados a enfrentar os problemas propostos em
cada Nível de Responsabilidade Pessoal e Social. Estas decisões e
resoluções de problemas devem estar perfeitamente integradas no
currículo do programa e não “inventadas” como situações imaginárias.
Esta estratégia aproveita as decisões tomadas em relação, por exemplo,
Revisão da Literatura
66
ao comportamento de cada aluno (referente aos NRPS), ou as decisões
tomadas para resolver problemas da equipa ou outros do género.
Quando aparecem problemas de grupo, seja insultos durante um jogo ou
desmotivação de alguns elementos, uma partilha (por exemplo na
reunião de grupo) pode ser conduzida no sentido de se encontrar uma
tomada de decisão de grupo em relação ao assunto.
IV. A última estratégia sugerida por Hellison é a de reservar em todas as
sessões um pouco de tempo para introspeção para que os alunos
reflitam sobre os seus valores, intenções e comportamentos em relação
aos Níveis de Responsabilidade Pessoal e Social. Desta estratégia
falámos já quando nos referimos à estrutura da sessão, no Tempo de
Reflexão, no entanto ela não se esgota aí. A introspeção pode ser
estimulada pela própria reunião de grupo, ao fomentar no aluno uma
revisão das suas convicções, atitudes ou ações, ou pelo professor,
numa conversa individual ou ainda durante um período de paragem
durante a sessão. Os períodos de paragem são estratégias usadas por
muitos professores, consistindo basicamente na paragem da atividade
de um aluno (por sua iniciativa ou a pedido do professor) para lhe
possibilitar a reflexão sobre um acontecimento em que não esteve tão
bem, por exemplo. O chamado “banco-da-paz” usado com as crianças
do Primeiro Ciclo é um exemplo de aplicação das estratégias de
introspeção: os alunos envolvidos em bulhas, por exemplo, devem
sentar-se num sítio pré-determinado do espaço desportivo, o “banco-da-
paz”, para tratar de solucionar entre eles o problema mediante o diálogo.
Encontrada a solução comunicam-na ao professor e integram
novamente a atividade (Escartí, et al., 2005, p. 64).
2.4. Atmosfera do programa
“Providencie um ambiente psicologicamente seguro da mesma forma que providencia um ambiente fisicamente seguro. Uma coisa é garantir a liberdade de danos físicos, outra é detetar e controlar o abuso emocional e a ridicularização que são muitas vezes disfarçados de humor, gestos, ou insinuações.” (Martinek & Hellison, 1997, p. 43).
Entende-se por “atmosfera do programa” aquilo que é normalmente definido na
literatura sobre educação como “clima da aula”. Nesse tipo de literatura é
Revisão da Literatura
67
comum indicar-se como clima ideal para a aprendizagem um ambiente
“caloroso”.
Num programa orientado para objetivos de desenvolvimento, como é o Modelo
de Responsabilidade, a atmosfera é relacional, os jovens têm voz ativa,
recebem uma atenção individualizada, fazem escolhas significativas e é-lhes
dada responsabilidade. Vive-se um ambiente onde se acredita mais que os
jovens têm recursos a desenvolver do que problemas a resolver. Em resumo,
trata-se de uma atmosfera de esperança e de empowerment (Hansen & Parker,
2009).
A atmosfera que se respira numa sessão do Modelo de Responsabilidade
implica um envolvimento relacional entre adultos e jovens que permita a
conversa informal numa tentativa de compreensão mútua. A atitude do
professor deve manifestar as “convicções” inerentes ao modelo de Hellison,
reconhecendo e respeitando a individualidade, as forças, as opiniões e a
capacidade de decisão de cada um dos participantes. O adulto deve criar as
condições para que um aluno fale ou execute uma habilidade motora sem
medo de errar ou de ser ridicularizado.
Ouvir as sugestões dos alunos, aceitar as suas escolhas, propondo-lhes
desafios individuais e passando-lhes gradualmente a responsabilidade ajuda-
os a respeitar, confiar e a acreditar nos outros. Este clima de confiança
desenvolve-se num ambiente de segurança não só física como também
psicológica.
Assumindo o seu papel de modelo no Modelo de Responsabilidade, o
professor tem que ser honesto consigo mesmo e com os alunos, conversando
os assuntos de forma descontraída (sem dramatismo ou superficialidade),
propondo objetivos sérios, respondendo sinceramente às perguntas dos
jovens, tentando entender a sua linguagem e não faltando à palavra ou aos
compromissos.
Segundo Wright e Li (2009, p. 248), os alunos que sentem um “clima afetivo
positivo” e que se sentem “tratados como capazes” são mais propensos a
gostar das sessões de treino e dos exercícios, a empenharem-se no trabalho e
Revisão da Literatura
68
a valorizar a aptidão física. Ao sentirem o apoio do professor experimentam um
maior sentido de pertença ao grupo.
Segundo Pardo (2008), a intenção que Hellison transmite com o seu Modelo de
Responsabilidade é a de tentar desenvolver as capacidades emocionais,
sociais e cognitivas dos alunos e não só as suas habilidades motoras ou
competências desportivas. Em definitivo, continua Pardo, «trata-se de
desenvolver “boas pessoas” e não só bons desportistas» e isso depende do
ambiente vivido. Hellison (2003, p. 16) dá relevância a este assunto logo nas
primeiras páginas de um dos seus livros explicando que “os dois primeiros
Níveis de Responsabilidade Pessoal e Social, respeito e esforço, que podem
ser vistos como o primeiro estádio de desenvolvimento da responsabilidade
são essenciais no estabelecimento de um ambiente de aprendizagem positivo”.
2.5. Perfil de professor
“Na minha opinião, quem é o professor, faz mais diferença do que qualquer
outro fator por si só e, provavelmente, do que qualquer combinação de fatores,
quando se pretende implementar um modelo de intervenção por objetivos”
(Hellison, 1978, p. 24).
Para poder ensinar responsabilidade e ganhar a confiança dos jovens, o
professor deve ser competente, quer nos conteúdos estritamente desportivos
quer no ensino dos valores que propõe (Hansen & Parker, 2009).
Ao professor ou treinador pede-se que seja capaz de:
Tratar os alunos como pessoas, com necessidades e interesses
emocionais, sociais, físicos e intelectuais.
Reconhecer os alunos como indivíduos lutadores, fortes, com voz
própria e capacidade de decisão.
Criar um ambiente física e emocionalmente seguro para a aprendizagem
e para o desenvolvimento.
Estabelecer com os alunos ligações pessoais e pedagógicas de
qualidade.
Responsabilizar os alunos tanto quanto eles forem capazes de o ser.
Revisão da Literatura
69
O Modelo de Responsabilidade é implementado através da integração dos
seus objetivos nas atividades físicas do desenvolvimento da condição física,
dos jogos, ou de outras atividades menos tradicionais e alternativas (Wright, et
al., 2004). É portanto pedido ao responsável pela implementação do programa,
seja qual for a atividade ou o contexto, um perfil exigente, quer do ponto de
vista das suas caraterísticas relacionais pessoais, quer do ponto de vista da
sua formação profissional (Hellison, et al., 2000).
O conhecimento profissional exigido a um professor é de “natureza
compósita”30 e para ele contribuem as caraterísticas pessoais do mesmo, a sua
formação científica (da área de conhecimento que ensina e das ciências da
pedagogia) e o processo de reflexão sobre a sua própria prática (Roldão,
2007).
Hellison diz no capítulo final do seu livro “Goals and Strategies for Teaching
Physical Education“ (1985, p. 163) que o Modelo de Responsabilidade tenta
implicar a humanidade de professores estudantes e treinadores. Aos
professores exige que tenham confiança suficiente nas suas capacidades para
estarem abertos a incorporar as componentes do modelo no programa e
sensibilidade para partilharem problemas com os alunos, para refletirem e
analisarem o seu próprio estilo (de ensino) e para se sentirem suficientemente
criativos para mudar o que tiver que ser mudado.
Mais tarde, Hellison faz suas as palavras de Bill Ayers (1989)31:
“Não existe uma linha muito definida que distinga a pessoa e o professor. Em vez disso parece haver uma ligação contínua entre ensinar e ser, entre ser professor e ser pessoa. Ensinar não é simplesmente o que uma pessoa faz é mais o que uma pessoa é.”
Referindo-se às qualidades e skills necessários para aplicar o seu modelo de
intervenção, Hellison (2003) começa pelo “sense of purpose”, sentido de
finalidade, isto é, acreditar verdadeiramente que se pode fazer alguma coisa
pelos jovens e ter a intenção moral de desenvolver um certo tipo de ser
humano. Esta caraterística exige, no contexto do Modelo de Responsabilidade,
30
“Compósita” e não composta. “Não se trata de conhecimento constituído de várias valências combinadas por lógicas aditivas, mas sim por lógicas conceptualmente incorporadoras (…) não basta que se adicionem os conhecimentos de várias naturezas mas que eles se transformem, passando a constituir-se como parte integrante uns dos outros” (Roldão, 2007, p. 100). 31
Cit. por Hellison, 2003b.
Revisão da Literatura
70
que o professor tenha os Níveis de Responsabilidade Pessoal e Social
“incorporados”, feitos seus e que acredite nas suas potencialidades educativas
e os “acalente”.
Hellison continua dizendo na mesma obra que só o sentido da finalidade não é
suficiente. É obrigatório que se reconheça o jovem como digno de respeito
como ser único, com os seus valores próprios, as suas aspirações, os seus
medos e perceções, que merece ser ouvido, com quem se conversa, se
negocia e, em resumo, com quem o professor se preocupa e trata com
dignidade. Ser capaz de ouvir é uma forma fundamental de preocupação de
interesse.
Daí resulta outra qualidade do professor que deseja aplicar o Modelo de
Responsabilidade: ser capaz de ouvir e de se interessar. Ser interessado e ter
capacidade de escutar um aluno requer, por parte do professor, que seja
genuíno (Hellison, 1995, 2003). Isto exige que se expresse com humanidade e
compreensão de uma maneira apropriada, importando-se sinceramente com
eles. De outra forma o diálogo não servirá de nada.
O que foi dito, implica aceitar em si mesmo alguma vulnerabilidade.
Particularmente os alunos mais problemáticos, do ponto de vista disciplinar,
podem aproveitar-se da compreensão e da abertura ao diálogo por parte do
professor, mas isso é um risco que o professor tem que estar disposto a correr.
Há que ser capaz de recuar, procurar a estratégia melhor, conversar
individualmente, propor compromissos. Por outro lado, reforça Hellison (1995,
2003), a vulnerabilidade é para equilibrar com capacidade de confrontação isto
é, também é importante ser capaz de confrontar os alunos com os seus atos,
mostrar-lhes os abusos, a argumentação inválida, a falta de esforço, o seu
egocentrismo e outras falhas. A isso obriga também o ser genuíno.
Ao professor é necessária também a intuição e a autorreflexão. Ser capaz de
ler, quer o aluno quer as situações, a partir de poucas “pistas”, é nisto que
consiste a intuição. É uma caraterística que resulta muito da mobilização que o
professor faz das suas aprendizagens anteriores e da reflexão sobre os
acontecimentos. É uma bagagem que se vai acumulando. Ser capaz de avaliar
indivíduos e grupos, para determinar quanto serão capazes de aguentar e
Revisão da Literatura
71
saber quando há que abandonar uma ideia, são questões de autorreflexão. A
reflexão diária sobre o que se vai passando ajuda a reconhecer os problemas,
a pensar em soluções e a avaliar essas soluções aplicadas.
Por fim, Hellison (1995, 2003) fala de uma última caraterística, a seu ver
importante, para implementar o Modelo de Responsabilidade. Ele refere que a
dureza da vida profissional de um professor, com grupos grandes de alunos e
com um horário cheio, só se leva avante com sentido de humor e com um
espírito brincalhão. Estas duas caraterísticas, defende, são a melhor proteção
contra o esgotamento (burnout), bem como sublinha que, dentro do sentido de
humor, o mais importante é a capacidade de se rir de si mesmo.
Martinek (2001) descreve também algumas qualidades como imprescindíveis a
um bom mentor que, mais tarde, Escartí e Marín (2005, cap. 3) subscrevem
num capítulo dedicado às qualidades e atitudes que deve exercitar o professor
responsável pelo Modelo de Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e
Social. Essas qualidades e atitude são as seguintes:
Apreciar a companhia dos alunos porque eles são sensíveis aos adultos que os
entendem e os respeitam; cultivar valores pessoais, pois estes são parte do
processo da influência que o professor vai exercer sobre os alunos; ser
paciente, compreender os erros dos jovens e dar-lhes oportunidades e formas
de os repararem; manter as promessas e cumpri-las de forma a construir a sua
credibilidade junto dos alunos; comunicar de forma eficaz, aprendendo as
componentes da comunicação humana para conseguir uma boa relação com
os seus alunos.
2.6. Estado atual do Modelo de Responsabilidade
Conforme se poderá extrair do que foi dito o Modelo de Responsabilidade é
citado com muita frequência na literatura relativamente ao ensino da
responsabilidade. Muito associado inicialmente à intervenção junto de crianças
e jovens em risco, este modelo tem, ao longo dos seus mais de trinta anos,
servido de base de trabalho a educadores empenhados potenciando a criação
e implementação de um envolvimento educativo que promove o
comportamento pro-social.
Revisão da Literatura
72
Um dos primeiros trabalhos, após as primeiras experiências em Chicago, é um
estudo de caso, de autoria de Michael DeBusk e Don Hellison (DeBusk &
Hellison, 1989), no estado de Montana, que examinou o impacto do modelo em
10 rapazes do 4º Ano (Ensino Básico) durante 6 semanas (Martinek & Hellison,
2009).
Desde então, o DRPS tem suscitado o interesse e o estudo de dezenas de
investigadores que têm experimentado e avaliado diversas versões do modelo
em diferentes contextos (e.g.,Buchanan, 2001; Cecchini, Montero, & Peña,
2003; Cutforth, 1997; DeBusk & Hellison, 1989; Escartí, Gutiérrez, Marín,
Martínez, & Chacón, 2006; Gordon, 2010; Jiménez, 2006; Martinek & Hellison,
1997; Martinek, et al., 2001; Pardo, 2007; Parker & Stiehl, 2005; Regueiras,
2006; Watson, et al., 2003; Williamson & Hellison, 1992; Wright, et al., 2004)32.
Ao mesmo tempo, a investigação foi abrangendo temas mais específicos do
Modelo de Responsabilidade, como sejam a avaliação de resultados e a
formação de professores e de monitores (Cutforth & Hellison, 1992; Gordon,
2010; Marín, Escartí, Pascual, & Gutiérrez, 2005; Pardo, 2008; Parker & Stiehl,
2005; Walsh, 2008b; Williamson & Hellison, 1992; Wright & Burton, 2008). É
igualmente tema de conferências, formações e intercâmbios entre escolas e
universidades.
Por tudo isto, o DRPS de Hellison encontra-se atualmente disseminado por
vários países, dos Estados Unidos da América até à Nova Zelândia (Gordon,
2010), passando pelo Canadá (onde está consagrado nas orientações
programáticas do Ministério da Educação para as escolas) (Saskatchewan,
1999), em Valência, Oviedo, Toledo e Madrid em Espanha (Escartí, et al.,
2005; Pardo, 2008), Porto Alegre no Brasil (Monteiro, et al., 2008), em L’Aquila
na Itália (Pardo, 2008). Há também conhecimento de experiências de
introdução do modelo na Coreia através da investigadora Okseon Lee da Seul
Nacional University.
Nos Estados Unidos, onde apareceu, numerosas universidades desenvolveram
programas físico-desportivos baseados no Modelo de Responsabilidade, das
quais se destacam a University of Illinois em Chicago, a California State
32
Referem-se, a título exemplificativo, apenas alguns dos trabalhos presentes na literatura da especialidade.
Revisão da Literatura
73
University em los Angeles, a University of Northern Colorado em Greely, a
University of North Carolina em Greensboro e a University of Denver. Mais
ainda, alguns professores destas seis universidades formaram uma associação
chamada Urban Youth Leader Partnership que promove programas baseados
no Modelo de Hellison.
Esta associação publicou um livro em 2000 intitulado Youth Development and
Physical Activity: Linking Universities and Communities que, sendo uma
referência importante para todos quanto se interessam por este tema, facilita a
organização dos programas existente de acordo com o perfil dos participantes,
duração do programa, conteúdos utilizados, cenários onde se desenrolaram,
metodologia de investigação utilizada e resultados obtidos (Hellison, et al.,
2000)
Em 2002, Hellison e Walsh, num artigo de revisão em que analisaram 26
estudos, fazem um ponto da situação avaliativo do Modelo de
Responsabilidade e do seu impacto desde o início (Hellison & Walsh, 2002).
Deste trabalho pôde concluir-se que a progressão do processo de ensino-
aprendizagem não é rígida e a aquisição de responsabilidade relacionada com
o autocontrolo e com o esforço evolui mais facilmente que a auto-direção e que
a ajuda aos outros. Os autores também concluíram que a transferência resulta
mais frequentemente em grupos pequenos e que este fator em programas
dilatados no tempo facilita o sentimento de pertença. O desenvolvimento
pessoal e social foi constatado por todos os estudos, quer nas suas
componentes de desenvolvimento pessoal quer nas suas componentes de
desenvolvimento social.
Também noutros países, vários estudos, acompanharam a disseminação do
programa. Assim, em Espanha realizaram-se já alguns estudos baseados no
Modelo de Responsabilidade. Por exemplo, Escartí e a sua equipa na
Universidade de Valência iniciam em 2000 um trabalho de investigação de
forma ininterrupta até à atualidade (Escartí, et al., 2009; Escartí, Gutiérrez, &
Marín, 2010b; Escartí, et al., 2006; Escartí, Gutiérrez, & Pascual, 2011; Escartí,
et al., 2005; Marín, 2007; Marín, et al., 2005). Ao mesmo tempo, em 2000,
Pedro Jiménez da Universidade de Madrid desenvolvia uma tese de
Revisão da Literatura
74
doutoramento sobre a educação de valores através do modelo de Hellison,
tendo posteriormente publicado outros documentos, juntamente com Durán
Gonzalez, orientador da sua tese, sobre o mesmo tema (Jiménez, 2006; Pardo,
2008). Outras teses de doutoramento e mestrado foram sendo apresentadas
tendo como tema o Modelo de Responsabilidade, como sejam a de Maria
Teresa Bizkarra (2003) da Universidade do País Basco em Bizkaia ou a de
Diana Marín da Universidade de Valência (2007) Foram também apresentados
vários outros estudos de entre os quais poderemos referir os realizados por
Cecchini, Montero Alonso, Izquierdo, Contreras e Peña da Universidade de
Oviedo (Cecchini, Montero, Alonso, Izquierdo, & Contreras, 2007; Cecchini, et
al., 2003) e o realizado por Luiz Miguel Ruiz da Universidad de Castilla
La.Mancha em Toledo, dando a conhecer a investigação de Tom Martinek, com
o Project Effort (Ruiz, Graupera, Gutiérrez, & Nishida, 2004; Ruiz, et al., 2006).
Em Portugal, no Porto, os primeiros trabalhos aparecem no início da década de
2002, na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, na sequência de
visitas feitas ao Projeto Effort, na Universidade de North Carolina em
Greensboro, pelos professores António Fonseca, Nuno Corte-Real e Cláudia
Dias. A primeira intervenção consistiu, num conjunto de sessões que se
desenvolveram sob a forma de Clube de Desporto Escolar junto de
adolescentes em risco de exclusão escolar (Regueiras, 2006). O segundo
(Correia, 2007) foi também resultado de uma intervenção pedagógica junto de
crianças em risco de insucesso escolar, numa escola de ensino Básico e
Secundário. Mais recentemente, registaram-se outras intervenções das quais
poderemos destacar uma desenvolvida em Aveiro, com jovens do sexo
masculino do Centro de Acolhimento para Jovens em Risco (Nogueira, 2011); e
em Gondomar, integrada nas aulas de Educação Física curricular (Corte-Real,
2011). A Faculdade de Desporto da Universidade do Porto tem desenvolvido
linhas de investigação no âmbito deste modelo de intervenção, integradas no
amplo campo do Desenvolvimento Positivo da Juventude.
Revisão da Literatura
75
Revisão da Literatura
76
III Metodologia
Metodologia
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Metodologia
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1. Enquadramento metodológico
Segundo Strauss e Corbin (2008), o termo “pesquisa qualitativa” refere
“qualquer tipo de pesquisa que produza resultados não alcançados através de
procedimentos estatísticos ou de outros meios de quantificação”. Os mesmos
autores consideram que este tipo de investigação se pode “referir à pesquisa
sobre a vida de pessoas, experiências vividas, comportamentos, emoções e
sentimentos, e também à pesquisa sobre funcionamento organizacional,
movimentos sociais, fenómenos culturais e interações entre nações.”.
Para Bogdan e Biklen (1994), a investigação qualitativa possui cinco
caraterísticas: o investigador é o instrumento principal de recolha de
informação; a investigação é descritiva; o investigador interessa-se mais pelo
processo do que apenas pelos resultados; os dados tendem a ser analisados
de forma indutiva; e o significado dos dados para o participante é de
importância vital
A escolha deste método pareceu-nos pertinente no presente estudo pois os
procedimentos e orientações da abordagem qualitativa correspondiam ao tema
do trabalho – educação – ao material de investigação utilizado e aos nossos
objetivos.
Usando o método qualitativo, procurámos uma aproximação ao complexo tema
da educação de valores. Desta feita, através do estudo de um modelo de
intervenção pedagógica que se desenvolve tendo como meio a atividade
desportiva, o modelo de Desenvolvimento da responsabilidade Pessoal e
Social de Hellison (DRPS ou MR).
A perspetiva qualitativa na investigação em educação, tem vindo a ganhar
maturidade ao longo das últimas décadas. Segundo Bogdan e Biklen (1994), a
partir dos anos sessenta e, mais significativamente, da década de setenta, a
investigação qualitativa ganha o seu espaço como método não “marginal” e
começa a ter apoio de instituições que estimulam a investigação, adquirindo
definitivamente o reconhecimento como método avaliativo (Bogdan & Biklen,
1994).
Metodologia
80
Os dados recolhidos numa investigação qualitativa têm algumas caraterísticas
específicas. São normalmente em forma de palavras, ou imagens, ou sons não
totalmente redutíveis a números. Uma vez que os resultados escritos têm
obrigatoriamente referência a este tipo de dados para ilustrar ou substanciar a
apresentação, não pode haver grande redução de páginas contendo essas
narrativas ou essas imagens
O facto de alguns dados poderem ser estatisticamente estudados, como é o
caso da frequência com que determinada categoria é referida pelos
entrevistados, não invalida a classificação do método como qualitativo.
Acontece que se trata, verdadeiramente, de informação, que podendo ser
quantificável, o seu interesse para a investigação não resulta
fundamentalmente da sua validade estatística mas da sua relevância no
contexto do estudo.
Considerámos que a forma de investigação que se adaptava melhor à presente
tese seria o estudo de caso, pois este é pertinente quando se pretende fazer
um estudo de uma realidade humana socialmente complexa. Este tipo de
estudo apresenta uma grande tradição nas ciências sociais e humanas, muito
particularmente em estudos sobre educação. O estudo de caso permitiria, no
presente trabalho, a reunião de informação e a sua interpretação de forma a
possibilitar chegar a conclusões e tomar decisões a respeito dos tópicos em
apreço.
Segundo Stake (2009, p. 18), “um caso é uma coisa específica, uma coisa
complexa e em funcionamento.”; isto é, se ao objeto de estudo falta
especificidade, ele deixa de ter a particularidade para se poder considerar um
estudo de caso. Acreditámos, desde início, que a natureza peculiar do modelo
em causa justificaria, ao longo deste estudo, a nossa opção.
O objetivo do nosso estudo - compreender de que forma determinado modelo
de intervenção pedagógica promove o desenvolvimento positivo dos jovens –
caracteriza-o como um estudo de caso instrumental, pelo facto de, para além
de ter uma intenção explicativa, visar a aquisição de um conhecimento mais
profundo das variáveis envolvidas que nos permitirá posteriormente,
inclusivamente, orientar outros estudos ou pesquisas.
Metodologia
81
Não podemos esconder que, apesar não aspirarmos fazer generalizações
sobre modelos de intervenção pedagógica, pretendemos no entanto
ultrapassar a compreensão do caso em si, abrindo portas para o conhecimento
mais claro sobre a intervenção através do desporto, as suas potencialidades de
desenvolvimento, os seus atores, fatores condicionantes e resultados.
Particularizar, de forma a conhecer melhor o que fazem e pensam os
especialistas entrevistados foi, por isso, uma meta nossa investigação.
A escolha deste caso deveu-se ao facto de se ter tornado possível o acesso
privilegiado a um grupo de especialistas de relevância científica, o que nos
permitiria maximizar a nossa aprendizagem sobre este modelo através de
entrevistas presenciais.
A riqueza e a vastidão dos fatores e relações que se adivinhavam levaram-nos
a tentar estabelecer perguntas de investigação que, de alguma forma, nos
ajudassem a definir fronteiras em relação ao que seria estudado, não cobrindo
evidentemente todas as potencialidades do material a recolher mas ajudando-
nos a reduzir a área de investigação para um tamanho viável.
Ao estabelecer determinadas questões de pesquisa tentámos, por outro lado,
manter uma certa flexibilidade e liberdade que nos permitisse evoluir com a
própria investigação para nos mantermos disponíveis para a descoberta
proporcionada pelos dados em si.
A este respeito, Strauss e Corbin (2008, p. 51) referem “… na base desta
técnica para pesquisa qualitativa está a suposição de que nem todos os
conceitos (e relações) pertencentes a um determinado fenómeno foram ainda
identificados, pelo menos não nesta população ou neste local.” Por isso se
justifica que se mantenha, durante o estudo, abertura a novas perguntas e/ou a
aceitação de que outras inicialmente formuladas venham a permanecer sem
resposta. Esta flexibilidade é uma caraterística do planeamento da investigação
através do estudo de caso.
Este posicionamento, a que chamaríamos expectante, coexiste, a bem da
qualidade da investigação, com um esforço de objetividade num equilíbrio
constante entre a nossa interferência como pesquisadores e o ato da pesquisa.
Metodologia
82
Surgem-nos assim algumas questões iniciais de pesquisa a respeito do
entendimento que têm os protagonistas deste processo em sobre temas em
estudo:
- O que caracteriza o Desenvolvimento Positivo da Juventude?
- O que caracteriza o modelo de intervenção de Desenvolvimento da
Responsabilidade Pessoal e Social de Hellison?
- A que aspetos das atitudes e crenças dos professores é dada mais
importância?
- Quais são as principais caraterísticas definidoras do perfil do
professor/monitor que trabalha DRPS?
- Que visão dos jovens é adotada por parte dos gestores dos processos?
- Que caraterísticas do modelo de Hellison concorrem para a promoção do
Desenvolvimento Positivo da Juventude?
2. Material e métodos
Neste capítulo descreveremos a forma como se fez a recolha de informação, a
análise, a organização da mesma em categorias, contribuindo assim para o
enquadramento metodológico de todo o trabalho desenvolvido.
Pretendemos que da análise feita sejam identificados, a partir dos dados
obtidos, os fatores a valorizar no modelo de Desenvolvimento da
Responsabilidade Pessoal e Social de Hellison (DRPS), que justifiquem uma
atenção pedagógica especial de forma a desenvolvê-los, a cultivá-los nas
aulas, ou noutras intervenções educativas, e na formação dos novos
professores ou monitores.
Tal como referimos anteriormente, a presente investigação teve um carácter
exploratório e descritivo em que o desenho foi emergindo da própria
informação que foi sendo recolhida e organizada.
A recolha de dados foi feita com conhecimento e acordo dos participantes em
ambiente natural, calmo e com tempo suficiente para o efeito. Aproveitaram-se,
para tal, dois momentos em que os entrevistados participavam em conferências
e em que estavam disponíveis para conversarem connosco. As entrevistas
Metodologia
83
desenrolaram-se de forma interativa facilitando o diálogo entre o investigador e
os entrevistados, permitindo que os últimos enfatizassem os assuntos mais
importantes para eles mesmos.
Daqui resultou um conjunto de informações multifacetadas do fenómeno de
aplicação do modelo (DRPS), salientando-se para cada personalidade as suas
particularidades, experiências e perspetivas.
A entrevista, definida como uma ferramenta que se utiliza com o objetivo de
inferir algo através das palavras do(s) entrevistado(s), a propósito de
determinado tema ou realidade representativa de uma população ou de um
grupo de indivíduos (Bardin, 2008), pareceu-nos ser adequada aos nossos
objetivos de investigação.
Optámos por uma entrevista semidiretiva, estruturada em torno de perguntas
base. Assim, a partir da abrangência das respostas dos entrevistados, poder-
se-ia fazer outras perguntas, que nos iriam dando informações mais concretas
sobre áreas que nos pareceu importante abordar.
Sendo os entrevistados estrangeiros - cuja disponibilidade em momentos
posteriores poderia ser difícil e, portanto, cujo contacto direto e pessoal no
momento em que estávamos a fazer a entrevista seria um privilégio a
aproveitar ao máximo - deixámos muitas vezes que explanassem as suas
ideias com muita liberdade de tempo e de tema. Resultou, por isso, que o
próprio entrevistador não interferisse como regulador no seguimento na
entrevista, guardando a escolha entre a matéria fundamental e acessória, ou
mesmo dispensável, para outra fase, posterior, do estudo.
O conteúdo das entrevistas foi orientado tendo como base o esquema
seguinte:
1 - O que significa, para si, Desenvolvimento Positivo da Juventude?
Definição
Origem
Objetivos
Metodologia
84
População alvo
Meios/atividades/estratégias
2 - De que fatores depende o sucesso nos programas de Desenvolvimento
Positivo da Juventude?
3 - Fale-me do seu conhecimento do modelo de intervenção de Hellison.
Origem
Objetivos
População alvo
Estrutura
Meios/atividades/estratégias
4 - De que fatores depende o sucesso no modelo de Desenvolvimento da
Responsabilidade Pessoal e Social de Hellison?
A recolha dos dados foi feita através de duplo registo em suporte de vídeo e de
gravação de áudio. Esta forma redundante garantiu-nos a segurança dos
documentos caso houvesse qualquer falha técnica e, para além disso, uma vez
que se tratava de entrevistas feitas em inglês, assegurávamo-nos também de
duas fontes que se poderiam clarificar reciprocamente em caso de dúvida do
conteúdo.
Após a recolha, as entrevistas foram transcritas na íntegra e traduzidas. Foram
feitas pequenas correções de lapsos resultantes da passagem da linguagem
oral para escrita, correções essas que estão assinaladas no texto final.
Procurou-se sempre respeitar o carácter espontâneo das falas.
Após uma primeira análise temática, de que resultou uma primeira definição
das categorias e subcategorias, passou-se ao tratamento dos dados, feito com
suporte informático, utilizando-se o programa de análise de conteúdo NVIVO7
da QSR International Pty Ltd.
Metodologia
85
3. Participantes
Para incluir neste capítulo alguns tópicos biográficos dos especialistas
entrevistados, servimo-nos das páginas pessoais dos mesmos publicadas na
internet e nas informações que acompanham os seus livros e publicações.
Os entrevistados participantes neste estudo foram:
- Albert Petitpas é professor catedrático no Departamento de Psicologia da
Universidade de Springfield (EUA), onde dirige a Fundação Nacional de
Futebol (NFF) Centro de Desenvolvimento da Juventude através do Desporto.
É doutorado em Aconselhamento Psicológico pela Universidade de Boston.
Tem prestado serviços de consultoria para uma ampla gama de organizações
Desportivas como, por exemplo, a National Basketball Association (NBA) e a
Young Men’s Christian Association (YMCA). A sua pesquisa e trabalho aplicado
incidem sobre o uso do Desporto como veículo para promover o
desenvolvimento positivo ao longo da vida, mais especificamente sobre as
transições de competências da atividade desportiva para a vida e as
estratégias de aconselhamento.
Foi entrevistado em Julho de 2008, em Valência, em Espanha.
- Amparo Escartí, doutorada em Psicologia. Atualmente é professora titular de
Psicologia Social na Faculdade de Psicologia da Universidade de Valência e
diretora do projeto “Ensinando Responsabilidade Pessoal e Social em
Adolescentes de Risco”, financiado pelo Ministério de Ciências e Tecnologia de
Espanha.
É especialista no estudo dos aspetos psicológicos e sociais da prática do
Desporto nas crianças e adolescentes. Foi professora convidada em várias
universidades como a Universidade de Illinois em Chicago, a Universidade de
Illinois em Urbana-Champaign, a Universidade de Northern Colorado e a
Universidade de Virgínia.
Conta com diferentes publicações, tanto de livros como de artigos científicos
nacionais e internacionais. É editora da área de Psicologia Social do Desporto
Metodologia
86
na revista “Psicologia Social Aplicada” e membro do comité editorial da revista
“Psicología del deporte”.
Foi entrevistada em Junho de 2007, no Colorado nos EUA.
- Donald Hellison, doutorou-se em Educação Física em 1969, na Universidade
Estatal de Ohio. A partir de 1970, Hellison dedicou-se ao trabalho com
programas ocupação de tempos livres dos jovens provenientes das escolas de
bairros com problemas sociais. Nesse âmbito, estabeleceu parcerias com
organizações dessas comunidades, em escolas de ensino não regular, em
residências de acolhimento e em centros de detenção. A sua atividade
desenrola-se fundamentalmente em torno de programas alternativos de
Educação Física que implementem a educação de valores.
É professor no College of Education e co-director no Responsible Youth Sport
Program na Universidade de Illinois Chicago e na Universidade de Northern
Colorado entre outras.
As ideias e os estudos de Hellison estão publicados em várias revistas e livros.
Para além disso tem sido conselheiro de várias instituições tais como:
Curriculum and Instruction Academy Scholar Award, American Alliance for
Health, Physical Education Recreation and Dance (AAHPERD), National
Association of Physical Education (NASPE), National Association of Physical
Education in Higher Education (NAPEHE) Scholar Award e International
Olympic Committee President’s Prize.
É uma personalidade de notoriedade especial na presente tese uma vez que foi
o criador do modelo de intervenção pedagógica sobre o qual nos debruçámos:
o Modelo de Responsabilidade.
Foi entrevistado em Junho de 2007, no Colorado, nos EUA.
- Melissa Parker, é professora catedrática na School of Sport and Exercise
Science na Universidade de Northern Colorado. As suas áreas de interesse
incluem o desenvolvimento positivo das crianças através da prática da
atividade física, a educação na escola elementar, a formação de professores e
a educação através de atividades extraescola. Antes de dar aulas no ensino
Metodologia
87
universitário foi professora de Educação Física no ensino básico trabalhando
com crianças negligenciadas.
Parker doutorou-se na Universidade Estatal de Ohio em 1984 e adquiriu pós
graduações posteriores na Universidade da Carolina do Norte em Greensboro.
Foi autora de variadas publicações e recebeu a Honor Awards, a nível estatal e
nacional pela sua dedicação aos estudantes e às causas do ensino.
Foi entrevistada em Junho de 2007, no Colorado, nos EUA.
- Paul Wright, doutorado em 2001 pela Universidade de Illinois em Chicago, é
professor associado do Departamento de Saúde e Ciências do Desporto na
Universidade de Memphis e é investigador na Faculdade do Centro de
Pesquisa em Política Educacional e no Instituto Benjamin L.. A sua principal
linha de pesquisa diz respeito ao desenvolvimento, implementação e avaliação
de programas de Atividade Física para o Desenvolvimento Positivo dos Jovens
através do modelo de intervenção pedagógica Modelo de Responsabilidade.
Vários são os seus estudos nesta área. Os seus livros e artigos de pesquisa
têm sido publicados em revistas científicas e apresentados em congressos
nacionais e internacionais. Trabalha com jovens implementando o Modelo de
Responsabilidade através do desporto e das artes marciais. Nos últimos anos,
dedicou-se também à aplicação do modelo em atividades de voluntariado na
Community Action Project (Y-CAP), trabalho pelo qual foi premiado a nível nos
EUA como Voluntário do Ano 2011.
Foi entrevistado em Julho de 2008, em Valência, em Espanha.
- Robert J. Brustad, doutorado em 1986, na Universidade de Oregon, é
especialista nas áreas de Psicologia do Desporto. As suas áres de interesse
relacionam-se com Desenvolvimento Positivo da Juventude. É professor
convidado de várias universidades (Universidade do Porto em Portugal,
Universidade Diego Portales de Santiago do Chile e Universidade de Valência
em Espanha). Foi professor da Universidade de Portland no Oregon EU e é
atualmente professor catedrático de Desporto e de Ciências do Exercício Físico
na Universidade de Northem Colorado - Greeley também nos EUA.
Metodologia
88
Presentemente, investiga temas da Psicologia Social do Desporto e da
Atividade Física. Dentro desta área, manifesta um forte interesse pela
compreensão da relação entre Desporto e a Atividade Física no
comportamento de crianças e adolescentes, dedicando especial atenção à
compreensão do papel dos pais, colegas, treinadores, e irmãos.
Foi entrevistado em Julho de 2008, em Valência, em Espanha.
- Thomas Martinek doutorou-se na Universidade de Boston e é professor
catedrático no Departamento de Exercício e Ciência do Desporto da
Universidade de North Caroline em Greensboro nos Estados Unidos.
A sua investigação tem incidido no estudo das dinâmicas sociais e psicológicas
do ensino e do treino desportivo e os seus trabalhos têm sido publicados em
revistas destas especialidades. É também autor e coautor de vários livros sobre
o Modelo de Responsabilidade.
Tem dedicado os últimos anos dirigindo e ensinando em programas de
Desenvolvimento Positivo da Juventude, quer em comunidades, quer em várias
universidades, colaborando na formação de professores. Nestas atividades tem
tido como base de trabalho a sua investigação sobre a influência das
expectativas e da desilusão sobre resiliência das crianças e dos jovens. Dedica
muito do seu tempo à formação de jovens preparando-os para serem líderes
através do desporto.
Foi entrevistado em Abril de 2007, na Faculdade de Desporto da Universidade
do Porto em Portugal.
4. Procedimentos de análise
Segundo Strauss e Corbin (2008), há, na pesquisa qualitativa, três
“componentes fundamentais”: os dados recolhidos que podem provir de várias
fontes; os procedimentos utilizados para interpretar e organizar os dados; e os
relatórios que podem ser apresentados de forma escrita ou verbal e que
Metodologia
89
correspondem ao produto final do projeto de investigação. Neste subcapítulo
ocupar-nos-emos da segunda componente da pesquisa, a codificação.
A codificação corresponde às tarefas de “conceptualizar e reduzir os dados,
elaborar categorias em termos das suas propriedades e dimensões e relacioná-
los por meio de uma série de declarações preposicionais” (Strauss & Curbin,
2008) .
Estas tarefas foram, no caso da presente tese, muito longas no tempo,
absorvendo muita da nossa atenção e esforço uma vez que, verdadeiramente,
nunca sentimos que estivesse acabada.
Há uma intensa inter-relação entre o autor e os dados, inter-relação essa que
vai resultando num trabalho de vaivém, de revisão constante. Conceptualiza-se
em relação a determinado conjunto de informações, categorizam-se e
referenciam-se as suas dimensões. Desta primeira “arrumação” resulta, muitas
vezes, uma nova visão do material de pesquisa que exige, por isso, nova
análise. O contacto com os dados parte de leituras inicialmente “flutuantes”,
pouco profundas, para leituras mais organizadas e precisas que resultam duma
maior empatia do investigador com o assunto e da emergência de hipóteses
sobre o material em apresso. Ao longo deste ler e reler do material torna-se, na
opinião de Laurence Bardin (2008), necessário que o investigador intercale
uma atitude de abertura aos dados e às suas interpretações com uma
“desconfiança da evidência” perguntando constantemente se não existirá uma
evidência contrária.
Malcom Parlet e David Hamilton (1976)33 referem uma “focalização
progressiva” que resulta da evolução do plano e das questões iniciais, ou da re-
hierarquização das mesmas, à medida que se aprofundam as leituras do
material. Este aprofundamento do conhecimento do material foi-nos permitindo
organizar e categorizar os conceitos com que fomos lidando.
Podemos ler em Jorge Vala e Pinto (1999):
“… a categorização é uma tarefa que realizamos quotidianamente com vista a reduzir a complexidade do meio ambiente, a estabilizá-lo, a identificá-lo, ordená-lo ou atribuir-lhe sentido. A prática da análise de conteúdo baseia-se nesta elementar operação do nosso quotidiano e, tal como ela, visa simplificar para potenciar a apreensão e se possível a explicação” p. 110.
33
Cit. por Stake, (2009)
Metodologia
90
A dificuldade, no caso de um estudo, surge do facto de o pensamento que cada
um manifesta através da linguagem ser muito complexo e envolver aspetos que
não são apenas racionais e conscientes mas também simbólicos e imersos em
convenções. Estas cambiantes da expressão e do pensamento humano
resultam em complexidade e exigem não só saberes mas, sobretudo,
sensibilidade para a investigação.
A análise de dados foi construída de forma indutiva, desenvolvendo-se
categorias e subcategorias sobre uma base inicial de traços largos que se
foram preenchendo e complexificando com base na informação que ia sendo
obtida.
Este processo integrou a análise categorial que, segundo Bardin (1977)34, trata
do “desmembramento do discurso em categorias, em que os critérios de
escolha e de delimitação orientam-se pela dimensão da investigação dos
temas relacionados ao objeto de pesquisa, identificados nos discursos dos
sujeitos pesquisados.”
As unidades de registo (ou de informação) utilizadas correspondem a recortes
de nível semântico (Bardin, 2008; Vala, et al., 1999), que vão desde a
expressão traduzida por uma única palavra a frases ou períodos significantes.
Esta unidade de registo será o segmento de conteúdo que constituirá um item
agrupável numa categoria ou subcategoria.
Segundo Morin (1969)35, as referidas unidades são recortadas “en esprit et non
à lettre”, ou seja, independentemente do seu modo de inserção léxico-
sintático”.
As unidades de registo ou itens constituíram, neste trabalho, as unidades de
enumeração em função das quais foi feita, sempre que oportuna para o estudo,
alguma quantificação.
A primeira organização temática surgiu fundamentalmente de uma preparação
prévia à recolha de dados, que consistiu no estudo teórico dos tópicos
envolvidos e que se encontra registada no capítulo “Revisão de Literatura”.
Contribuiu também para este primeiro passo a intervenção pedagógica,
34
Cit. por Valentim (2008, p. 4) 35
Cit. por Vala e col. (1999)
Metodologia
91
realizada pela autora desta tese num Clube Desportivo Escolar, utilizando o
modelo de intervenção em estudo.
Esta organização ressaltou da primeira leitura feita, através da qual se
confirmaram dois grandes temas-eixo (Bardin, 2008): Desenvolvimento Positivo
da Juventude, Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social.
Posteriormente, durante as primeiras tentativas de organização, a categoria
Perfil do Professor ganhou importância tornando-se num 3º tema-eixo
autónomo.
A estas macro categorias nos referimos, na presente tese como “temas-eixo”
para facilitar a relação destas com as categorias e subcategorias
subsequentes. Os temas-eixo foram os tópicos em volta dos quais se
agruparam as opiniões dos entrevistados (Figura 6).
Figura 6 – Relação entre os três Temas-eixo
A construção do sistema de categorias resultou da combinação de categorias a
priori e a posteriori. Podem ver-se na grelha de codificação, no Quadro 4, as
Metodologia
92
categorias e subcategorias a priori (representadas a sombreado) e as
categorias e subcategorias a posteriori (representadas sem sombreado).
Metodologia
93
Quadro 4 – Categorias definidas a priori e a posteriori
Temas-eixo Categorias Subcategorias
Desenvolvimento Positivo
da Juventude
Origem
Definição
Enquadramento teórico
Objetivos
População alvo
Enquadramento institucional
Meios e atividades
Estratégias Pedagógicas
Fatores de sucesso
Desenvolvimento da
Responsabilidade Pessoal
e Social
Origem
Objetivos
Enquadramento institucional
População alvo
Estrutura das sessões
Meios e atividades
Estratégias pedagógicas
Ambiente seguro
Avaliação sistemática
Centro no adolescente
Empowerment – capacitar
Experiências de êxito
Integração
Tomada de consciência
Tomada de decisões e escolhas
Estratégias específicas p/ Nível
1º Nível
2º Nível
3º Nível
4º Nível
5º Nível
Fatores de sucesso
Ambiente
Avaliação
Estrutura do modelo
Idade
Objetividade e realismo do adulto
Qualidade de relação adulto/adolescente
Rácio
Tempo
Relação professor/Modelo
Disseminação do Modelo
Avaliação da implementação
Perfil do Professor
Valores, atitudes e convicções
Gosto por trabalhar com o adolescente
Competência de relação do adulto
Relação personalizada com o adolescente
Compromisso na relação com o adolescente
Capacidade de adaptar o ensino ao adolesc.
Conhecimento das necessidades dos adolesc.
Visão do Adolescente
Atenção ao contexto social de proveniência
Motivação
Relação com o adulto
Expectativas
Relação do adolescente com a escola
Formação Profissional Formação académica inicial
Formação em exercício
Prática reflexiva
Metodologia
94
Como já referimos, os temas-eixo e as categorias à priori resultaram sobretudo
da revisão de literatura feita previamente. Durante as leituras flutuantes
seguintes foi feito um levantamento de indicadores que hipoteticamente
comporiam determinada categoria descrevendo o campo semântico de um
conceito. Este trabalho, numa fase ainda manual, foi tão extenso como útil. A
título de exemplo refira-se que para a categoria “visão da criança” foram
localizados trinta e três itens e que para a categoria “formação profissional”
foram encontradas, numa primeira classificação, cinquenta e cinco referências.
A partir desta primeira análise empírica foi possível identificar, organizar e
definir as categorias de forma a nos aproximarmos, tanto quanto possível, do
pensamento dos entrevistados.
As categorias assim definidas não são mutuamente exclusivas pois, como
verificaremos nas transcrições feitas, por vezes uma mesma referência contém
informação que diz respeito a diferentes categorias e subcategorias. Neste
caso, foram contabilizadas tantas vezes quantas as categorias em que foram
integradas.
Em todas as categorias e subcategorias foi procurada a exaustividade
colocando nelas todas as unidades de registo correspondentes.
A informação ao nível do tema-eixo “Desenvolvimento Positivo da Juventude”
foi organizada em nove categorias. No tema-eixo “Desenvolvimento da
Responsabilidade Pessoal e Social” incorporamos a informação relativa ao
modelo de intervenção pedagógica de Hellison organizada em sete categorias.
No tema-eixo “Perfil do Professor” reuniu-se a informação sobre as
caraterísticas pessoais e profissionais positivas do professor/monitor que
emergiram do discurso dos entrevistados. Neste último foram consideradas dez
categorias.
Faremos em seguida a descrição das categorias e subcategorias, relativas a
cada tema-eixo, de forma a clarificar o seu conteúdo. Antes, porém,
gostaríamos de salientar que o trabalho de definição das várias categorias e
subcategorias acompanhou o processo de aprofundamento da intimidade do
investigador com o material estudado e, tal como aconteceu na génese das
Metodologia
95
categorias, foi evoluindo no sentido da precisão e da sua capacidade
definidora. Assim, na lista que se segue damos a conhecer o nome da
categoria, ou subcategoria, seguido da definição das unidades de registo que
integra.
1. Desenvolvimento Positivo da Juventude (DPJ).
a. Origem – Primeiros contactos dos entrevistados com o DPJ36
b. Definição – Caraterísticas atribuídas aos programas de DPJ
c. Enquadramento teórico - Teorias em que se baseiam os fenómenos estudados
d. Objetivos - Objetivos do trabalho com adolescentes37
no contexto do DPJ
e. População alvo - Grupos a que se dirigem as intervenções
f. Enquadramento institucional - Tipo de instituição em que se desenrola a
atividade
g. Meios e atividades - Conteúdos, materiais e opções de organização da sessão,
aula ou treino
h. Estratégias pedagógicas - Ações aplicadas com o intuito de alcançar os
objetivos de aprendizagem
i. Fatores de sucesso - Fatores a que os entrevistados atribuem o sucesso na
aprendizagem
2. Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social (DRPS)
a. Origem – Primeiros contactos dos entrevistados com o MR
b. Objetivos - Objetivos do trabalho com adolescentes de acordo com o MR
c. Enquadramento institucional - Tipo de instituição em que se desenrola a
atividade
d. População alvo – Grupos de adolescentes a quem se dirigem as intervenções
e. Estrutura das sessões – Momentos ou etapas fundamentais da sessão, aula ou
treino
f. Meios e atividades – Conteúdos, materiais e opções de organização da sessão,
aula ou treino
36
Deve ler-se, por exemplo: a categoria denominada “origem” integra as unidades de registo que fazem referência aos “primeiros contactos dos entrevistados com o DPJ”. As alíneas seguintes apresentam uma estrutura semelhante. 37
Para responder à necessidade de simplificar e tornar fluida a redação e leitura da presente tese, utilizámos na denominação e definição das categorias a expressão “adolescente” com o significado de criança, adolescente e jovem. Fizemos esta opção uma vez que a adolescência ocupa uma grande parte do período de desenvolvimento que precede a idade adulta (segundo a OMS, a adolescência estende-se dos 10 aos 19 anos (OMS, 2012)) e representa, embora não exclusivamente, a população alvo da maior parte dos estudos que investigámos.
Metodologia
96
g. Estratégias pedagógicas – Ações aplicadas com o intuito de alcançar os
objetivos de aprendizagem
i. Ambiente seguro - Criação de ambiente de aprendizagem física e
psicologicamente seguro como estratégia de desenvolvimento do MR
ii. Avaliação sistemática - Avaliação usada como estratégia de
desenvolvimento do MR
iii. Centrar no adolescente – Aparecimento do adolescente como centro
da ação educativa
iv. Empowerment – Uso de estratégias de "empowerment", "dar voz", "dar
poder", "transmitir responsabilidade"
v. Experiências de êxito – Proporcionar aos alunos experiências de êxito
(escolher tarefas desafiantes mas possíveis de concretizar)
vi. Integração - Integrar dos objetivos de responsabilidade na atividade
desportiva
vii. Tomada de consciência – Promover a reflexão pessoal dos alunos
sobre os seus comportamentos, as opções, sobre os acontecimentos,
intenções, valores e sobre que se espera deles
viii. Tomada de decisões e escolhas – Estimular os alunos a que tomem
decisões e a que façam escolhas em relação a assuntos da
aula/sessão, e providenciar para que as escolhas feitas pelos alunos
sejam consequentes
ix. Estratégias específicas por nível – utilizar estratégias específicas para
cada um dos NRPS
h. Fatores de sucesso - Fatores a que os entrevistados atribuem o sucesso do
MR
i. Ambiente - Envolvimento físico e psicológico das sessões como fator
de sucesso
ii. Avaliação - Avaliação dos processos e resultados como fator de
sucesso
iii. Estrutura do modelo - Estrutura do modelo como fator de sucesso
iv. Idade - Idade dos alunos como fator de sucesso
v. Objetividade e realismo do adulto - Objetividade e o realismo do adulto
como fator de sucesso
vi. Qualidade da relação do adulto com o adolescente - Qualidade da
relação do adulto com a criança ou jovem como fatores de sucesso
vii. Rácio - Rácio adulto/adolescente como fator de sucesso
viii. Tempo - O tempo de aplicação do modelo como fator de sucesso
i. Relação professor/modelo - Relação entre o professor e o MR
j. Disseminação do MR – Relatos de como foi feita a disseminação do MR
Metodologia
97
k. Avaliação da implementação - Materiais e modos de avaliar a implementação
do MR
3. Perfil do Professor
a. Valores, atitudes e convicções - Valores, atitudes e convicções do adulto
b. Gosto por trabalhar com adolescentes - Gosto manifestado pelo adulto em
trabalhar com adolescentes
c. Competências de relação do adulto - Caraterísticas relacionais do adulto
d. Relação personalizada com adolescentes - Estabelecimento de relações
individualizadas e personalizadas com os adolescentes
e. Compromisso na relação com os adolescentes - Compromisso do adulto na
relação com os adolescentes
f. Capacidade de adaptar o ensino aos adolescentes - Adaptação do ensino ao
grupo de adolescentes
g. Conhecimento das necessidades dos adolescentes - Conhecimento por parte
dos professores das necessidades dos adolescentes
h. Visão do adolescente - Forma como o adulto vê o adolescente e as suas
potencialidades
i. Atenção ao contexto social de proveniência - Importância da
proveniência social, cultural e familiar do adolescente
ii. Motivação - Visão que o professor tem das motivações do adolescente
iii. Relação com o adulto - Importância dada ao tipo de relação que o
adolescente estabelece com o adulto.
iv. Expectativas - Expectativas do adulto em relação ao adolescente
v. Relação do adolescente com a escola - Forma como o adulto vê a
relação do adolescente com a escola
i. Formação Profissional - Tipos de formação académica ou em exercício do
professor ou monitor
i. Formação académica inicial - Formação académica inicial do professor
ou monitor
ii. Formação em exercício - Formação em ambiente de trabalho com
adolescentes
j. Prática reflexiva - Capacidade do professor ou monitor para pensar, refletir, e
se autoavaliar
Metodologia
98
5. Confiabilidade
Segundo Stake (2009), o investigador que conduz uma investigação
qualitativa não se limita à interpretação e identificação de variáveis, à recolha,
análise e interpretação de dados. Ele é um intérprete colocado no campo de
recolha, que ao mesmo tempo que recolhe dados examina o seu significado e
redireciona a investigação. Há evidências que se alteram, planos que são
modificados ao longo da observação e tratamento dos dados. Daí que, defende
o mesmo autor, a ênfase do trabalho do investigador qualitativo é recolher e
trabalhar os dados de tal maneira que lhe permitam manifestamente sustentar
uma interpretação vigorosa. Por isso mesmo, ele tem que ter clara consciência
do seu envolvimento na investigação nas suas várias fases. De acordo com o
tipo de trabalho que se propôs fazer, o investigador tem que calcular a
“quantidade correta de participação” sob pena de se transformar num
“indígena” (imergindo-se no material em estudo) (Bogdan & Biklen, 1994).
A busca da objetividade neste caso significa ouvir e dar voz a outras
informações, a outras fontes e a outros autores de forma a estabelecer
estratégias que transmitam confiança ao leitor (Strauss & Curbin, 2008).
Neste estudo, estabelecemos como estratégia de confiabilidade a triangulação.
Apresentámos, por isso, múltiplas fontes de dados e múltiplas perspetivas que
permitiram proporcionar uma visão compreensiva dos temas em estudo.
Na tentativa de evitar o viés resultante do facto de que as declarações dos
indivíduos entrevistados podem ser afetadas pela consciência da participação
no estudo, sentindo os próprios, em consequência disso, algum
constrangimento ou responsabilidade resultante do papel de entrevistado,
procurámos uma triangulação, usando declarações dos mesmos em
material não produzido com o fim de servir especificamente esta
investigação. Para esse efeito utilizámos artigos, textos de livros, de
conferências e outro material escrito. Esta estratégia permitiu-nos verificar se
os dados recolhidos apresentavam estabilidade no tempo e se tinham
consistência interna (Stake, 2009).
Metodologia
99
Para além disso, o próprio facto de termos recolhido depoimentos de sete
especialistas assegurou-nos, de certa forma, validação dos dados uma vez
que a triangulação das fontes entre si permitiu o acesso a diferentes
interpretações dos mesmos fenómenos, partindo-se de pessoas, e, portanto,
de circunstâncias diferentes na observação do nosso caso.
Outra técnica utilizada neste trabalho foi a triangulação do investigador. Em
primeiro lugar, referiremos que a recolha das entrevistas foi sempre feita por
uma equipa de dois entrevistadores que participou também da revisão da
versão final em português. Este aspeto da triangulação do investigador
mostrou-se útil também posteriormente, quando se estudava o material
recolhido, pois permitiu que fossem debatidas interpretações alternativas dos
fenómenos emergentes (Stake, 2009).
Outro protocolo utilizado foi o da análise da metodologia de categorização
utilizada. Comparando as codificações feitas pelo autor com as feitas por um
júri, pretendeu assegurar-se a validade do processo. O índice de fidelidade
encontrado foi de 0,87 o que corresponde a um nível de acordo inter-
codificadores de 87% que é considerado bastante satisfatório segundo Miles e
Huberman (1984, p. 63)38.
As reuniões de discussão e avaliação entre pares, assim como conversas
pontuais com investigadores da área, foram também frutíferas no sentido de
manterem a fidelidade do estudo aos seus objetivos e aos princípios da
honestidade intelectual.
Segundo Robert Stake (2009), para além das técnicas relatadas, uma
“descrição densa” do material recolhido pode facilitar ao leitor do relatório
final um conhecimento dos dados que lhe permitirá aferir da qualidade das
aceções a que os autores chegam. Para tal, poderá contribuir também toda a
informação veiculada na revisão de literatura da presente tese e na lista de
fontes bibliográficas do mesmo. Este acesso à informação técnica específica
pode considerar-se uma outra forma de triangulação.
38
Cit. por Lima e Pacheco (2006)
Metodologia
100
IV Apresentação dos Resultados
Apresentação dos Resultados
102
Apresentação de Resultados
103
“ A investigação de estudos de caso partilha o fardo de clarificar as suas
descrições e de sofisticar as interpretações. Seguir uma perspetiva
construtivista do conhecimento, incentiva o investigador a fornecer aos
leitores bom material em bruto para que eles criem as suas próprias
generalizações.”(Stake, 2009, p. 117)
Este capítulo divide-se em três subcapítulos que dizem respeito aos grandes
temas abordados nas sete entrevistas que servem de fonte ao presente estudo,
a saber: (a) Desenvolvimento Positivo da Juventude (DPJ), (b) modelo de
intervenção Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social de
Hellison (MR), e (c) o Perfil do Professor.
Em relação a cada tema apresentaremos primeiramente um quadro de
distribuição da codificação relativamente às subcategorias em que se
decompõe e ao número de referências encontradas.
Na apresentação de resultados relativos ao primeiro tema-eixo (subcapítulo 1),
fizemos uma história descritiva, longitudinal (ao contrário da dos temas
seguintes), que nos permitiu conhecer o entendimento de cada entrevistado em
relação à definição do conceito Desenvolvimento Positivo da Juventude.
Fizemos o “retrato” do construto em apreço visto pelo prisma de cada um dos
especialistas. Esta abordagem foi, por isso, importante para entendermos como
conceptualizavam os vários especialistas entrevistados o Desenvolvimento
Positivo da Juventude e assim compreendermos as relações posteriormente
estabelecidas com o modelo de intervenção estudado.
Nos subcapítulos seguintes (2 e 3) apresentámos as respostas dos
entrevistados através de uma abordagem transversal. Centrada numa
categoria de cada vez, a análise dos dados permitiu-nos compreender melhor a
que elementos da aplicação do modelo e do perfil do professor foi dada maior
relevância pelos entrevistados.
Apresentação dos Resultados
104
1. Desenvolvimento Positivo da Juventude
Começámos por perguntar aos nossos entrevistados “O que entende por
Desenvolvimento Positivo da Juventude?”, pois a perceção destes em relação
ao conceito central é fundamental para compreendermos a relação entre o
modelo de intervenção pedagógica que estudamos e o Desenvolvimento
Positivo (DP). A distribuição das referências feitas pelos especialistas pelas
várias categorias está esquematizada no Quadro 5.
Quadro 5 – Distribuição da codificação pelas categorias do tema Desenvolvimento
Positivo da Juventude
Tema-eixo Categorias Fonte Nº ref % ref
Desenvolvimento Positivo da Juventude
Origem 5 7 4.76
Definição 7 24 16.33
Enquadramento teórico 2 8 5.44
Objetivos 6 20 13.61
População alvo 4 8 5.44
Enquadramento institucional 3 14 9.52
Meios e atividades 7 16 10.88
Estratégias Pedagógicas 4 30 20.41
Fatores de sucesso 5 20 13.61
TOTAL 147 100
As primeiras respostas que apresentamos são de Albert Petitpas que começa
por nos dar conta de que Desenvolvimento Positivo da Juventude (DPJ) não é
um tema recente.
O meu primeiro contacto [com o DPJ] foi provavelmente em 198039
. Um bom amigo tinha um programa chamado “ao encontro do objetivo”… (A. P.)
40
Depois, procurando “definir DPJ em poucas palavras” Petitpas diz:
É uma questão difícil. Deixe-me ver: “dar poder”; esta é a expressão que usam aí na investigação: “treino de apoio de autonomia”; eu gosto do termo: “liderança ao serviço”. (A. P.)
Petitpas continua referindo o objetivo desse primeiro programa com que
contactou.
39
Optámos por salientar a negrito as palavras ou expressões de maior relevância para a categorização das unidades de registo numa determinada categoria. 40
As iniciais entre parêntesis “A. P.” representam o nome do entrevistado Albert Petitpas.
Apresentação de Resultados
105
[…] e ele estava a utilizar o desporto para ensinar a traçar objetivos e técnicas da vida a miúdos e eu ajudei-o durante quatro ou cinco anos e depois, para mim, começavam a desenvolver-se outros programas. (P.A.)
Embora saliente que no nome do programa ainda não se fizesse referência ao desenvolvimento positivo, claramente nos situa nessa nova visão da educação.
Chamava-se “a intervenção no desenvolvimento da vida”, […] mas isso continha um ciclo de vida, […] começariam com jovens e continuariam até serem adultos, mas o foco era a juventude, nessa altura. Mas, então, chamava-se “intervenções no desenvolvimento da vida” e era uma abordagem educacional, de desenvolvimento muito semelhante à do modelo do Hellison e outros. (A. P.)
Petitpas refere em seguida que o DP tem como novidade o centrar-se nas
potencialidades das pessoas, aproximando-se da corrente da Psicologia
emergente – Psicologia Positiva. É neste contexto que sublinha a necessidade
de se treinarem mentores para trabalharem de acordo com essa perspetiva.
Bem, quero dizer, o que é novo é, penso eu, que se foca em qualidades e desenvolvimento, e isso são as boas notícias. Eu penso que o que é novo para mim é que se foca em treinar mentores. Foi… penso eu… muita gente acredita que quem tem boas intenções pode simplesmente falar com alguém e as coisas boas acontecem. Mas eu penso que agora temos algumas evidências de que se podem treinar pessoas para serem eficazes e que o treino e a supervisão são importantes quando se começam a expandir os programas mais e mais. (A. P.)
A população alvo do DPJ foi, desde início, a dos jovens, Petitpas refere-os
frequentemente nas suas respostas:
[…] fazer com que os jovens vejam que se estão realmente a fazer coisas para os tentarmos ajudar. […] Então é mais um começar com eles devagar... […] às vezes os jovens acham que é tudo divertimento e jogos, […] é só fazê-lo onde os jovens querem estar. (A. P.)
Falando das atividades através das quais se faz o DPJ, Petitpas dá relevância
às atividades desportivas:
[…] por exemplo, o desporto é muito importante e, quando se fazem estudos, os jovens preferem ser o melhor atleta no lugar de outra qualquer posição na escola. Por isso, preferem ser o melhor atleta em lugar de ser o mais inteligente, o melhor artista ou o melhor músico. Por isso, é muito importante.
Se é aí que os jovens querem estar, penso que é um bom lugar para começar. Comecemos aqui, onde eles querem praticar desporto. Deixemo-los praticar desporto e veremos o que eles aprenderam.” […] Eu acredito que, particularmente até aos doze, treze, catorze, os jovens devem ser o mais possível expostos a desportos múltiplos. (A. P.)
As estratégias pedagógicas que, no entender do entrevistado, promovem DPJ
são estratégias que envolvem muito a atividade desportiva e em que se busca,
Apresentação dos Resultados
106
de forma intencional, a transferência das aquisições feitas nesse contexto para
outros ambientes. O serviço à comunidade é um outro exemplo de estratégia
que promove essa transferência.
Deixemo-los praticar desporto e veremos o que eles aprenderam. E então deixemo-los pegar no que aprenderam aí e transferir isso para a sala de aulas.
[…] Sim, porque os miúdos não sabem que técnicas aprenderam e não sabem como podem usá-las noutros lugares na sua vida. Eles não estão seguros de que podem fazer isso [transferir aquisições de um ambiente para outro]. Por isso, alguém que nunca se sentiria intimidado a praticar um desporto, poderia ter receio de erguer a mão na sala de aula, porque não quereria parecer estúpido ou burro, mas no desporto nunca teria medo de o fazer.
Portanto, o que achamos ser a melhor forma de conseguir a transferência, é ter gente a fazer serviço comunitário ou a envolver-se nas suas comunidades, ajudando outras pessoas e isso dá-lhes a oportunidade de praticar essas técnicas e aí, as pessoas que estão a trabalhar com eles ajudarem-nos a identificar que técnicas são essas. Assim, eles podem não saber que estão (por exemplo) a usar técnicas de organização mas se alguém lhes mostra isso, então de repente eles podem ver como funciona. Muita gente, jovem, nunca viveu estas experiências de estar em campos, em escolas ou de estar noutra comunidade ou ajudando as pessoas. Portanto, quantas mais são as experiências desse tipo mais as oportunidades de utilizar essas técnicas. (A. P.)
Em relação ao valor educativo das atividades comunitárias, chama a
atenção para a importância de se garantir que estas se desenrolem em
condições de segurança no sentido de que as experiências sejam
encorajadoras.
Sim, desde que se providencie alguma segurança, algumas salvaguardas, quer físicas quer psicológicas, sim. Porque às vezes as pessoas ficam com tanto receio e depois vão lá para fora e sentem que tiveram uma má experiência. Por isso temos que ter a certeza de que eles têm suportes à volta para os ajudar e encorajar a continuarem a tentar.
[…] o nosso trabalho é criar lugares que sejam física e psicologicamente seguros, onde eles queiram experimentar coisas e ajudar pessoas, ser expostos a experiências diferentes de uma forma segura. (A. P.)
Ainda falando de estratégias, Petitpas diz que se podem transferir
aprendizagens em sentido inverso, associando a determinados conteúdos,
porventura mais desinteressantes para os “alunos atletas”, competências que
serão necessárias em contexto desportivo (mais agradáveis). Reconhecendo a
“utilidade” destes saberes (e saber-fazer) para a vida desportiva, os jovens
podem adotar uma atitude mais recetiva.
[…] pode-se ter gente a praticar técnicas noutros cenários que depois podem ser usados para a escola. Por exemplo, se temos um número significativo de estudantes concentrados num grupo podemos dizer-lhes: durante um minuto vocês têm de se
Apresentação de Resultados
107
concentrar no que o professor diz; depois relaxam; depois por um minuto concentram-se e focam-se realmente. – Portanto, o que estamos a fazer é a ajudá-los a ganharem técnicas de concentração que podem utilizar no desporto mas que também estão a utilizar na sala de aulas e aí eles começam a ouvir melhor os professores e começam a ser melhores nas aulas.
[…] Mas eu penso que se podem ensinar currículos académicos de uma forma que possa ser mais interessante para estudantes atletas. Se conseguirmos mostrar-lhes como a Matemática ou o Inglês, ou o que quer que seja, os pode ajudar a serem melhores atletas. Quer seja dando-lhes coisas para lerem que sejam relacionadas com o seu desporto ou quer seja mostrando-lhes, usando a Matemática, por exemplo […] pode-se ensinar Matemática relacionada com o seu desporto e eles ficam mais interessados e – percebem? – Isso é só uma outra forma de o fazer. (A. P.)
Perguntamos por fim: “De que fatores depende o sucesso nos programas de
Desenvolvimento Positivo?”. Petitpas atribui importância à criação de ambiente
física e psicologicamente seguro (como já verificámos em citações anteriores),
à relação significativa com o adulto, ao apoio exterior (da comunidade, por
exemplo, para a transferência das aprendizagens) e à perceção de contribuição
proporcionada ao jovem. Na opinião deste pedagogo, o adolescente mantem-
se num programa de desenvolvimento positivo:
Se ele achar que o mentor realmente se importa com ele ou ela. Portanto, se eles (…) se estiverem a divertir e acharem que esta pessoa [o treinador] realmente se importa com eles, eles ficarão. Agora, o divertimento resultar da mestria no desporto mas também pode surgir de eles acharem que têm um papel especial na equipa. Talvez não sejam o melhor jogador mas talvez sejam encorajadores do melhor jogador, ou talvez eles forneçam qualquer outro aspeto positivo à equipa que lhes permita sentirem-se como que a dar uma contribuição que é importante. Por isso, eles não têm de ser o melhor jogador. (A. P.)
A segunda entrevistada, Amparo Escartí, à pergunta “O que entende por
Desenvolvimento Positivo da Juventude?” responde pondo ênfase no favorecer
o desenvolvimento de potencialidades a que se refere como “capacidades”,
“habilidades” e “competências”. Distingue o conceito de “desenvolvimento
positivo” do de “prevenção” e usa para o efeito a metáfora da prevenção no
âmbito da saúde.
Na literatura este conceito aparece nos anos 90. Pode entender-se um pouco o desenvolvimento positivo se entendermos o que é a diferença entre a prevenção, intervenção e desenvolvimento positivo. A prevenção é quando tratas de que uma série de comportamentos não surja. Por uma metáfora médica: se eu vou ao médico todos os anos para não vir a ter um cancro de mama, isso é prevenir; quando eu já tenho uma doença e o médico me faz quimioterapia ou medicamentos está intervindo; agora quando uma pessoa em princípio está sã e lhe damos habilidades e capacidades para que se desenvolva mais [é desenvolvimento positivo]. Voltando ao exemplo do médico: quando alguém faz exercício, alimentação saudável, se cultiva intelectualmente e tem amigos isso corresponde ao desenvolvimento positivo. Desenvolvimento positivo é dar a alguém capacidades e habilidade necessária para que, se em algum momento enfrentar problemas, seja capaz de enfrentá-los
Apresentação dos Resultados
108
porque tem competências para isso. É um conceito complicado pois às vezes confunde-se com prevenção. Desenvolvimento positivo é mais do que prevenção. […] (A. E.)
41
Escartí refere, na sua resposta, alguns objetivos do Desenvolvimento Positivo
da Juventude.
[…] descobriu-se que há uma série de habilidades chave que uma criança tem que ter para ser capaz de enfrentar as dificuldades da vida, dificuldades essas com que se vai seguramente encontrar. Nisso consiste o DP, enfrentar as situações que a vida em si põe.
[…] nos trabalhos sobre desenvolvimento positivo concluiu-se que os fatores que predizem os problemas dos comportamentos de risco são os mesmos que predizem o desenvolvimento positivo mas no inverso. Assim, trabalhando o DP estamos a assegurar que os miúdos não venham a ter comportamentos de risco […].
Que faz a Psicologia do Desenvolvimento positivo? Potencia a autonomia, potencia a responsabilidade, potencia a empatia. […] (A. E.)
A população alvo do Desenvolvimento Positivo é, para esta investigadora, a
infância e a adolescência, aqui referidas pelas expressões “miúdos” e “alunos
da educação elementar”. Nas suas declarações fica claro o aspeto de não
haver um grupo de caraterísticas pré-definidas, isto é, o DP tem como
população alvo todas as crianças, adolescentes e jovens e não
especificamente as ou os que têm qualquer tipo de problemas.
Pensamos então em aplicar o mesmo modelo a toda a escola, promovendo o desenvolvimento positivo e com a ideia de que os miúdos não cheguem a ter as dificuldades (referidas do grupo de risco). No segundo ano foi isso que fizemos, aplicamo-lo aos alunos da educação elementar […].
Assim trabalhando o DP estamos a assegurar que os miúdos não venham a ter comportamentos de risco, não só os problemáticos mas todos. (A. E.)
As atividades que servem de meio à implementação de programas de
desenvolvimento positivo são, também para Escartí, atividades desportivas.
Quer dizer, que sobre as unidades didáticas, os temas e os conteúdos que se vão desenvolver nas outras unidades didáticas, p.ex., na patinagem, no basebol, esse momento inicial serve para fazer a avaliação diagnóstico e para elaborar as normas. Para isso selecionam-se atividades que podem dar alguma informação sobre o que podem aprender depois na unidade didática, p.ex. no basebol, selecionam-se atividades de lançamento e a receção para ver como estão os alunos em relação a essas habilidades e ao mesmo tempo nos dão informação sobre o nível inicial destes em relação às atividades propostas.
41
As iniciais entre parêntesis “A. E.” representam o nome da entrevistada Amparo Escartí.
Apresentação de Resultados
109
Estas atividades dão informações e servem também de metáfora para ver os problemas que vão surgindo em cada uma delas, p. ex., os comportamentos problemáticos, as agressões, as faltas de respeito […] (A. E.)
Escartí, ao falar dos programas de desenvolvimento positivo, salienta a
importância do tempo de aplicação do programa como fator de sucesso do
mesmo.
Eu creio que um programa de dois meses, ou dois meses e meio, para objetivos tão valiosos e que na realidade vamos adquirindo ao longo de toda a vida – pois o respeito é algo de muito importante e durante toda a vida se aprendem coisas relativas ao respeito – portanto os programas muito curtos não dão tempo…
O que acontece é que quando se fazem programas de dois ou três meses para observar comportamentos são geralmente programas que têm objetivos muito específicos, p. ex., melhorar as competências de comunicação dos alunos, ou melhorar a empatia o compreender o outro, isso sim pode ser feito num programa curto e pode ser que se encontrem mudanças pois está muito focalizado. (A. E.)
Acrescenta ainda que podemos “predizer” o desenvolvimento positivo dos
jovens a partir do conhecimento de determinados fatores do envolvimento e
pessoais.
Quais são os fatores que predizem o comportamento disruptivo ou do DP? São fatores do envolvimento e fatores pessoais. Nos primeiros estão alguns tipos de ambiente escolar, algum tipo de ambiente familiar e envolvimento que diz respeito as pessoas significativas. Em relação aos fatores pessoais é o mesmo. A Psicologia do Desenvolvimento defende “escolas educativas”, pais que protejam e que ajudem os seus filhos, grupos de pares que sejam solidários e é isso que, de alguma forma trabalha. Que faz a Psicologia do Desenvolvimento Positivo? Potencia a autonomia, potencia a responsabilidade, potencia a empatia. […]. Há escolas que favorecem o DP, estamos seguros disso, e há também famílias que (independentemente de conhecerem um programa) favorecem o DP.
Apresentamos, em seguida, as respostas dadas por Robert Brustad à questão
“O que entende por Desenvolvimento Positivo da Juventude?”:
É um pouco difícil de dizer, porque eu sempre trabalhei nessa área antes de existir o desenvolvimento positivo da juventude. O que chamamos DPJ já existia na época, mas não existia a terminologia. Eu diria que sempre, desde 1975, trabalhei com jovens (…), mas a maior parte do meu trabalho foi nos últimos dez anos, na… eu trabalho em desporto para crianças mas foi mais centrado em resultados no desporto, melhorando os programas de desporto, e neste momento eu não tenho tanto interesse em trabalhar com programas de desporto, tento melhorá-los um pouco (…), mas eu preferia aplicar a minha energia em trabalhar com crianças e aumentando talvez a sua… ajudando-os através do desporto, ajudando-os através da atividade física […]. (R. B.)
42
Brustad continua enquadrando a perspetiva do Desenvolvimento Positivo da
Juventude em várias bases teóricas.
42
As iniciais entre parêntesis “R. B.” representam o nome do entrevistado Robert Brustad.
Apresentação dos Resultados
110
Eu penso que o mais importante aqui, com as crianças, é perceber as suas necessidades de desenvolvimento. Eu penso que muitos dos programas para crianças são baseados em Psicologia do Desenvolvimento, por isso, percebem realmente como é diferente um adolescente, aquilo de que precisam eles, que é diferente daquilo que precisa uma criança de nove anos. Como é diferente um de nove anos de um de doze. Como mudamos as coisas para que um de doze anos beneficie deste programa e um de nove beneficie daquele programa. […]
Porque a melhor coisa acerca deste campo é que, eu acho-o muito estimulante, porque normalmente Psicologia do Desporto é Psicologia do Desporto! (…) No DPJ, não. No DPJ, como no desporto e na atividade física, a base deve vir da Psicologia de Desenvolvimento, Psicologia da Comunidade, da Psicologia Cultural, da Sociologia, da justiça criminal, e de uma série de diferentes áreas […]
[…] eu penso que uma das mais úteis é a teoria da autodeterminação. Eu penso que essa é muito, muito útil. Mas também algumas das outras teorias de desenvolvimento social e teorias sociais como a de Roth e Breda, aqui o modelo ecológico e outro, no sentido de teoria comunitária eu estava a falar dos outros… esses são muito importantes, penso eu. (R. B.)
Brustad não refere muito especificamente os objetivos do Desenvolvimento
Positivo da Juventude; no entanto, aqui e ali, pode depreender-se das suas
palavras a importância que dá à aprendizagem da autonomia, da liderança e da
relação positiva entre estas e a motivação.
E eu penso que o período de autodeterminação, autonomia, é essencial. Trabalhamos com miúdos, e, a maior parte dos miúdos, na maior parte das situações, não tem muita autonomia e penso que, como adultos, nos esquecemos disso. […] Mas eu penso que a autonomia é realmente a chave, é particularmente importante com adolescentes. Os adolescentes sem autonomia são, geralmente, desmotivados. Portanto, a menos que providenciemos alguma autonomia e os deixemos tomar algumas das suas próprias decisões, não vamos ter a motivação que queremos ver. […]
Bem, eu diria: “O que António precisa de aprender é liderança. O que ele precisa de aprender nesta idade é a tomar decisões. O que ele precisa de aprender é a dar-se com os outros.” Então eu diria: “Ok.” Planeamos futebol. Vou modificar os jogos de meneira que ele tenha de fazer isso. E vou dizer: “Ok. Vais ser… eu vou estar encarregado dos treinos, tu vais estar encarregado do condicionamento, vais estar encarregado disto, vais ser responsável por alcançar os objetivos do grupo e de…” - porque não me interessa se a equipa do António ganha. Interessa-me que o António desenvolva autonomia, aprenda autonomia. (R. B.)
A população alvo do seu trabalho é constituída por “miúdos” de famílias pobres,
pouco acompanhados, crianças que facilmente contactam a delinquência.
Desenvolve a sua atividade em horário pós-escolar.
Crianças que eram de, poderíamos dizer migrantes, famílias camponesas migrantes. As famílias que vivem da agricultura, por isso muito, muito pobres, todos mexicanos. Eu tinha a meu cargo as atividades pós-escolares […]
[…] eu gosto de trabalhar em estabelecimentos pós-escolares e isso funciona muito bem porque há uma grande necessidade [de atividades], pelo menos nos Estados Unidos, para os miúdos, em horário pós-escolar. É quando a maior parte de todos os problemas de crime, de uso de drogas e de comportamento acontecem. Miúdos que não eram supervisionados na altura… O que sabemos nos Estados Unidos é que o
Apresentação de Resultados
111
que os miúdos fazem fora de horas, horas escolares, são os maiores indicadores simples da delinquência ou da não delinquência. É necessário providenciar o ambiente de qualidade. […]
Em relação ao enquadramento institucional Brustad trabalha, como já vimos,
preferencialmente em tempo pós-escolar, reconhecendo, no entanto, que é
possível, embora difícil, fazer Desenvolvimento Positivo no contexto da
Educação Física Escolar.
Aparentemente, o programa de desporto em que eu estou envolvido, fomos nós que o criamos, nós estabelecemos as regras. Portanto, ninguém nos vem dizer – têm de acrescentar isto, têm de fazer aquilo – Essa é a diferença. […] (R. B.)
É um programa pós-escolar?43
Sim. (R. B.)
E imagina, pensa que isso seria possível nas aulas de EF?44
É possível… é difícil… porque gosto mais de trabalhar com desporto do que com Educação Física. Em primeiro lugar está o tempo. Eu preferia, para mim, sinto-me mais eficiente trabalhando com vinte miúdos sete horas por semana todo o ano. Eu sei que isso tem um efeito positivo. Mas se eu trabalhar com trezentos miúdos nas aulas de Educação Física, uma hora por semana… […] uma das coisas que sabemos do DPJ, a pesquisa diz que, quanto mais as pessoas estão absortas, mais elas estão empenhadas na atividade, mais significado tem e mais podem elas beneficiar.
[…] Não podemos controlar isso em Educação Física, obviamente, mas no desporto, no desporto podemos […] (R. B.)
Mas também se pode trabalhar de uma forma intensiva, por exemplo num campo…45
Sim! Claro!
[…] Eu acho que uma das grandes contribuições para o DPJ, no nosso campo é, com disse antes, em programas pós-escolares, não em desportos estruturados e não em EF. Quero dizer, há benefícios no desporto e há benefícios na EF mas, na minha opinião, há muito mais potencial quando se sai dos estabelecimentos tradicionais porque aí pode-se dizer “ok”, como um programa de arte, fazemos os nossos… é o nosso programa, ninguém nos diz o que fazer. (R. B.)
Nas atividades que implementa, Brustad reconhece a importância do Desporto
como meio embora não o considere o único conteúdo capaz de promover o
desenvolvimento positivo.
O desporto é só um meio, nada mais. […] (R. B.)
43
Entrevistador 44
Idem 45
Com a expressão “num campo” a entrevistadora quis referir os acampamentos de férias que as crianças, adolescentes e jovens podem frequentar durante o Verão.
Apresentação dos Resultados
112
Pensa que, de alguma forma, o desporto é mágico? Como posso dizer? O desporto é melhor do que o teatro ou a música? Ou que o desporto é melhor do que os outros?
46
Não, não é, não! Eu acho que, voltando aos aspetos do desenvolvimento, para adolescentes é realmente importante ser-se bom a essa, qualquer coisa. Para crianças, é importante mas nada que se pareça. Os adolescentes têm identidades: “Sou ator. Sou músico. Sou jogador de futebol. Sou jogador de basquetebol”, e para eles, para a sua própria definição, ser competente em qualquer coisa é muito, muito importante e aí, a maior parte das vezes, o seu grupo social está envolvido nessa competência, quer seja música ou dança. Por isso, não importa o que é, mas o desporto é naturalmente bom porque é como a música, é como arte, teatro e isso oferece aos miúdos tempo infinito que eles podem investir, se quiserem, se quiserem. E, o único benefício extra é só a atividade física uma vez que as outras atividades não são tão exigentes fisicamente, mas, mesmo assim, não, não há nada melhor no desporto. (R. B.)
Em relação às atividades desenvolvidas com as crianças no âmbito do
desenvolvimento positivo, Brustad declara usar o desporto, adaptando-
o às idades e aos objetivos, ao mesmo tempo que usa outras
atividades como sejam a leitura ou a visualização de DVD.
[…] alteramos o desporto para que ele beneficie o máximo. Nós não dizemos: “É assim que se faz. É assim que se joga futebol. É assim que se joga basquetebol.” Por isso, quando começamos com ele, primeiro e dizemos: Bem, se ele tem quatro anos de idade, vamos jogar três contra três, sem guarda-redes. Porquê? Porque isso vai desenvolver mais habilidade, mais poder de decisão, mais motivação intrínseca. Ele vai ter de gostar do trabalho à medida que vai tendo mais treino. […]
Não é só no campo de basquetebol mas nós temos um programa de leitura. [Perguntamos] “Quanto leste esta semana? Quanto treinaste sozinho? Só praticas basquetebol aqui no ginásio ou praticas nos fins-de-semana? “ Nós temos DVDs para os ajudarmos com as suas habilidades. “ Vais para casa e vês estes DVDs. Diz-me o que aprendeste “ ou teremos projetos “Fala-me acerca dos jogadores da NBA, de quantos países diferentes são eles?” e eles têm de ir para os computadores para obterem esta informação. Todas estas coisas são indicadores. (R. B.)
Como estratégias pedagógicas, Brustad lança mão da transmissão de poder
para o adolescente, deixando-o tomar decisões, implementando a autonomia
de forma progressiva, alterando os conteúdos desportivos, premiando o
compromisso, reunindo com os jovens e questionando-os sobre as estratégias
a adotar com vista à melhoria do programa, motivando-os a participar
assiduamente nas atividades e estimulando a autoavaliação e o registo em
diários desses e doutros aspetos. Para além destas estratégias, Brustad, refere
a importância de manter os grupos pequenos, de assegurar um atendimento
individualizado dos participantes e um ambiente positivo num programa de
desenvolvimento positivo.
46
Entrevistador
Apresentação de Resultados
113
Então, dar poder é importante para si?47
Sim, absolutamente. E eu penso que o período de autodeterminação, autonomia, é essencial. […]
Mas eu penso que a autonomia é realmente a chave, é particularmente importante com adolescentes. Os adolescentes sem autonomia são, geralmente, desmotivados. Portanto, a menos que providenciemos alguma autonomia e os deixemos tomar algumas das suas próprias decisões, não vamos ter a motivação que queremos ver. […]
Eu penso que o que se tem de fazer é: tem de se criar um ambiente onde os miúdos percebam que têm o poder de tomar as decisões que vão afetar as suas vidas. Se não acreditarem nisso, então não é suficientemente bom. Por outras palavras, eu posso-lhes dar a autonomia para tomar decisões, mas se eles não acreditarem que têm autonomia, realmente, não vale de nada. Por isso, temos mesmo que demonstrar que os miúdos participam nas decisões sobre como o programa vai ser trabalhado, nem todas as decisões, claro… […]
E não se lhes dá toda a autonomia no primeiro dia, porque eles não aguentam. É apenas um passo orientado. Quanto mais mostra que aguenta a autonomia, mais autonomia lhe dão. […]
[…] se nos interessamos pelo António que é o nosso adulto ou a nossa criança, alteramos o desporto para que ele beneficie o máximo. […]
[…] os miúdos que querem representar a escola têm de ser os que estiverem no mais alto nível de compromisso. E muito disto veio de reuniões que tivemos com os participantes deste ano. Nós perguntamos: O que fariam vocês para melhorar o programa? E eles dizem: Bem, se quer representar a nossa escola, fale com os professores todas as semanas acerca do desempenho dos seus alunos na escola, nas suas disciplinas e se eles não estiverem mesmo a tentar o suficiente, não estiverem bem na escola, então não podem jogar.
[…] certifique-se de que todos os miúdos que estão a participar nos jogos vêm a todos os treinos e tentam o seu melhor. […]
Tu és mais dedicado, tu és mais responsável, tu és mais o que quer que seja. […] eles podem-se auto pontuar e podem dizer porquê - Esta semana pontua-me o teu nível de responsabilidade. Tu pontuas o teu nível e eu vou pontuar o teu nível. Explicas-me porquê e eu explico-te porquê […]
Sim. Como diários? Tentamos manter diários.[…] (R. B.)
Diários! E vê os diários/relatórios deles e eles também veem os seus?48
Eles escrevem-nos principalmente acerca deles próprios e depois discutimo-los. Mas nesta idade eles são muito abertos, podemos dizer. Bem, também penso que são bastante perspicazes. […]
[…] Nós temos cerca de vinte a vinte e dois [alunos]. (e) Normalmente temos cerca de quatro a seis adultos [em cada turma].
[…] Nós fazemo-lo de diferentes maneiras. Normalmente eu dirijo o treino, organizo-os. E então, muitos dos outros adultos trabalham com um miúdo em particular que está a ter problemas ou talvez com um par de miúdos que realmente necessitam de atenção e eu tento organizar toda a coisa. Mas, sim, é realmente isso que fazemos para trabalhar e fazemo-los escreverem os seus diários no final do treino, quase todos os dias, ou tentamos fazê-lo todos os dias, depois do treino. […]
47
Entrevistador 48
Idem
Apresentação dos Resultados
114
[…] quando vinham para a escola, a escola começa às 8h00, eles vêm às 7h15 e vão até ao ginásio e todo o ginásio fica cheio de miúdos a jogarem basquetebol. Há um ano não havia miúdos a jogarem basquetebol. Para mim, isso captou o seu interesse para encontrarem alguma coisa em que estivessem interessados, mas podia ser qualquer desporto, aconteceu de ser o basquetebol, mas neste caso, mais é melhor. […]
[…] para os miúdos isso é muito, muito importante, para que eles fiquem: o ambiente positivo em que eles estão, … social positivo… não estão a lutar, não fogem à disciplina… eles necessitam sentir… que eles têm algum controlo sobre o ambiente, […] (R. B.)
Seguidamente Brustad refere os fatores que, no seu entender, são fatores de
sucesso. São eles: o ambiente seguro, o tempo vs racio adulto adolescente e a
possibilidade da relação significativa entre pares e com adultos.
Para mim isso é o mais importante, é perceber os aspetos de desenvolvimento das crianças e isso faz parte dos meus antecedentes educacionais, por isso sinto-me mais confortável a esse respeito. Mas, pessoalmente, penso que é isso que faz um programa de sucesso.
Eu penso que o que se tem de fazer é: tem de se criar um ambiente […]
[…] gosto mais de trabalhar com desporto do que com Educação Física, em primeiro lugar está o tempo. Eu preferia, para mim, sinto-me mais eficiente trabalhando com vinte miúdos sete horas por semana todo o ano. Eu sei que isso tem um efeito positivo […].
[…] tem muito mais a ver com estes relacionamentos positivos com adultos, com outros miúdos, com estar num ambiente seguro e agradável.
O que sabemos nos Estados Unidos é que o que os miúdos fazem fora de horas, horas escolares, são os maiores indicadores simples da delinquência ou da não delinquência. É só providenciar o ambiente de qualidade.
Melissa Parker, a quarta entrevistada, respondeu à pergunta “O que entende
por Desenvolvimento Positivo da Juventude?” referindo a perspetiva positiva de
abordagem:
Eu chamaria programas de desenvolvimento juvenil positivo, a programas de desenvolvimento em que se pudessem ver as crianças... e pessoas... numa luz positiva que todos temos coisas para dar e só necessitamos de perceber como ajudar as pessoas a aperceberem-se disso. […]
Então eles têm tido o desenvolvimento nos objetivos mas eu vejo alguns desses programas a trabalharam pelo que eu chamo um modelo de défice. Quero dizer que... Tu tens problemas? Eu tenho de te ajudar a resolvê-los. Há uma criança em apuros e eu preciso de a ajudar a sair deles, olhando para isso numa perspetiva negativa. […]
[…] é muito subtil, essa diferença entre “positivo” e “de défice”, mas se eu o vejo [o aluno] como para tentar consertá-lo... é muito diferente de vê-lo tentando dar-lhe poderes numa tentativa de capacitar essa pessoa a encontrar o sucesso no mundo de uma forma adequada e com esforço pessoal. Assim, eu olho para isso de um modo positivo. […]
Apresentação de Resultados
115
É uma questão difícil49
. No outro dia ouviu o Don falar sobre como tinha feito desenvolvimento juvenil antes de ser desenvolvimento juvenil, e a minha história é de algum modo a mesma. […] comecei a fazer desenvolvimento juvenil desde que comecei a ensinar na escola elementar. (M. P.)
50
Referindo os objetivos do Desenvolvimento Positivo, Parker diz:
Por isso penso que é trabalhar com os mesmos objetivos, pelo menos para mim, eu tenho os mesmos objetivos, as estratégias que uso para chegar a esses objetivos são provavelmente diferentes para diferentes populações – os objetivos mantêm-se os mesmos. […]
Para mim, eu penso... têm de haver múltiplos objetivos para o DPJ, múltiplos, múltiplos objetivos, mas para mim... os meus objetivos tendem a juntar-se ou a agruparem-se à volta de áreas de responsabilidade pessoal e social. […]
[…] os meus primeiros objetivos foram quando eu comecei a ensinar. Pretendia que os estudantes se tornassem responsáveis pelo seu próprio comportamento, se tornassem aprendizes autodirigidos e visualizassem a aprendizagem como um longo processo da vida. Isso foi quando eu tinha 21 anos, esses eram os meus objetivos para ensinar e nunca mudaram. Mantiveram-se na universidade. Mantêm-se os mesmos se eu estiver a trabalhar com crianças, portanto esses são os meus objetivos para o meu trabalho. (M. P.)
Como se depreende das afirmações anteriores, Parker tem experiência de
educação com populações diversas:
[…] ensinei numa reserva índia no sul do Utah e durante seis ou sete meses estive novamente trabalhando com crianças. Tinha que voltar a ensinar crianças. Depois de ter feito isso, quando voltei à universidade decidi que terei sempre que ensinar crianças e terei sempre que ensinar alunos de universidade. Por isso, dou aulas a crianças desde os últimos …estamos em 2007, desde há 13 anos que ensino crianças ou antes da escola ou depois da escola, ou no verão, enquanto na universidade faço DPJ com os meus alunos universitários. […]
Não acredito que alguma criança realmente se queira meter em sarilhos, ou que queira mesmo ser mal sucedida na escola, por isso penso que trabalhar com crianças em risco ou com outras não é muito diferente. […] (M. P.)
Parker refere vários enquadramentos institucionais em que teve oportunidade
de fazer o seu trabalho de Desenvolvimento Positivo.
Era uma escola privada, na catedral de uma paróquia – estamos a falar de muito dinheiro e esses miúdos tinham o mesmo tipo de problemas.
Mas eu comecei por o fazer ensinando crianças na disciplina de Educação Física […]
[…] desde há 13 anos que ensino crianças ou antes da escola ou depois da escola, ou no verão, enquanto que na universidade faço DPJ com os meus alunos universitários. […]
Então agora “positive youth development “ faz parte do meu programa para as minha turmas na universidade […] (M. P.)
49
M.P. refere-se aos primeiros contactos que teve com Desenvolvimento Positivo Juvenil. 50
As iniciais entre parêntesis “M. P.” representam o nome da entrevistada Melissa Parker.
Apresentação dos Resultados
116
Em relação às estratégias utilizadas, no âmbito de atividades que têm como
objetivo o Desenvolvimento Positivo, Parker fala de proporcionar aos jovens a
oportunidade de fazerem escolhas, tomarem decisões, criarem as próprias
atividades (jogos) e de aplicarem fora do contexto das sessões as
aprendizagens que se vão fazendo.
[…] dava-lhes escolhas, podiam ser escolhas simples como: “Com que colega queres trabalhar “, ou ”que bola queres usar”, esse tipo de coisas, até escolhas e decisões mais importantes como: ”o que queres aprender?”. Procurava que concebessem os seus próprios jogos em vez de eu lhes ensinar um jogo, eles criavam os jogos e trabalhavam uns com os outros, tinham que registar as regras em termos de instrução e conteúdo. Eles tinham muitas escolhas […]
Demos a oportunidade de o praticar, levando-o para fora do ginásio e eu penso que temos de o fazer. Trazer para fora do ginásio e ter de o praticar de qualquer forma. O ano passado, na minha escola, no fim do ano, os estudantes quiseram fazer uma caça ao ovo da Páscoa... sabem o que é a caça ao ovo da Páscoa?... ok... nós pensamos... sim, é o que vocês querem... será o nosso final de ano. […] Vieram as mães e roubaram, levaram, todos os nossos ovos de Páscoa antes dos alunos terem a oportunidade de sair para a caça. […] e as crianças olharam para mim e disseram: “Elas não sabem para mais. Temos de as ensinar”. Eu é que estava zangada e os meus alunos de 10 anos estavam a dizer-me “temos de lhes ensinar o que deveriam fazer”. (M. P.)
O nosso quinto entrevistado foi Thomas Martinek. Quando questionado sobre
“O que entende por Desenvolvimento Positivo da Juventude?” respondeu:
Há vários princípios (valores) subjacentes ao programa desenvolvimento positivo da juventude (DPJ): O empowerment, a programação com base nas potencialidades, a liderança persistente e carinhosa, a construção de futuros possíveis, e o respeito pela individualidade das crianças são apenas alguns dos princípios que servem como diretrizes para o planeamento e implementação. […] Empowering jovens, dar-lhes capacidade de decisão, centrar-se nas suas forças e capacidades e não nas suas fragilidades é o que interessa.[…] (T. M.)
51
Referiu que, na sua opinião, os objetivos de um programa de DPJ seriam os
seguintes:
[…] ensino de habilidades importantes para a vida, […] ajudar as crianças a tornarem-se líderes carinhosos e compassivos. Na melhor das hipóteses, […] promover um clima de equidade, justiça e apoio para aqueles que precisam de um pouco mais de ajuda. Eu concentro-me no desenvolvimento líderes dentro dos nossos programas de juventude com um objetivo específico de transferência para outras configurações. […]
Para tal, as estratégias pedagógicas apropriadas seriam:
[…] dando “vozes e escolhas”, permitindo-lhes falhar sem serem ridicularizados, oferecendo experiências de aprendizagem que permitem que os miúdos "vivam" os valores […] a oportunidade de interagir com as crianças individualmente o maior número possível é dada antes ainda de começar qualquer parte organizada.[…]
51
As iniciais entre parêntesis “T. M.” representam o nome do entrevistado Thomas Martinek.
Apresentação de Resultados
117
Martinek sublinha enfaticamente a necessidade de dedicar tempo ao trabalho com crianças como um fator importante de sucesso. Refere também a importância da atividade física como um meio a explorar.
Finalmente, quero voltar a sublinhar a necessidade de haver muito tempo relacional com crianças (eu soo como um disco quebrado ou não?).
[…] a atividade física desempenha um papel enorme no ensino de importantes habilidades para a vida […] (T. M.)
Paul Wright, o sexto especialista, a quem também pusemos a questão “O que
entende por Desenvolvimento Positivo da Juventude?”, dá-nos a definição e
identifica os primeiros contactos que teve com DPJ com os primeiros contactos
que teve com Hellison.
[DPJ é] uma alternativa para programas de intervenção tradicionais, que são baseados em deficit, isto é, que se centram em tratar ou prevenir problemas nos jovens como a violência ou abuso de drogas. […] Em vez disso, os programas de PYD fomentam o desenvolvimento integral dos jovens e concentram-se seus pontos fortes individuais e potenciais.
[…] os bons programas de PYD envolvem os jovens a vários níveis.
[…] Os programas são atraentes, agradáveis, e criam sentido de pertença.
[…] o Don estava a fazer o seu trabalho e o seu modelo estava a desenvolver-se claramente, bem antes do termo “desenvolvimento juvenil” começar a ser usado. (P. W.)
52
Wright considera várias estratégias, mesmo fora da atividade desportiva, como
meios próprios para Desenvolvimento Positivo da Juventude.
Então, esta mesma linha de pensamento vai além da atividade física, e se alguém tem realmente paixão pelo teatro e sabe como agarrar os miúdos e ajudá-los a expressarem-se, então, pode fazer as mesmas coisas […]
Sabem, nos Estado Unidos temos 30-35 miúdos numa sala de aulas. Eles têm um programa muito rígido, a pressão dos testes. Portanto, por causa da estrutura, é realmente difícil fazer isto, mas eu acredito que um bom professor de matemática, um bom professor de línguas poderia fazer o mesmo com o programa escolar. Não é acerca de atividade física, para mim. Isso é o veículo. […]
[…] há uma história realmente boa, e é baseada numa verdadeira história, acerca de um senhor que se chamava Jaime Escalante, e ele era, penso, latino de certeza, talvez Mexicano Americano, professor de matemática num qualquer bairro muito pobre da Califórnia, com uma vizinhança desesperada, e, fizeram um filme acerca da sua história, e eu penso que se chama “Stand by me”, mas isto é só um exemplo de... sabem?... ele fez exatamente o que nós estamos a tentar fazer e, quero dizer, ele ligou-se aos seus miúdos, criou relações, desafiou-os, deu-lhes poder, cativou-os, fê-los pensar acerca do seu papel na vida, de quem eram e para onde iam, usando a matemática como um conteúdo, mas no final, não foi a matemática (o fator de mudança), foi ele. […] (P. W.)
52
As iniciais entre parêntesis “P. W.” representam o nome do entrevistado Paul Wright.
Apresentação dos Resultados
118
Por fim, daremos conta das respostas do nosso último entrevistado, Hellison. À
pergunta, “O que entende por Desenvolvimento Positivo da Juventude?”,
Hellison responde:
Penso que o DPJ se centra na criança como um todo, não é só o físico, é desenvolvimento, não é só jogar, é melhorar várias componentes do desenvolvimento conjugando o psicológico o social… etc. […]
Infelizmente, do meu ponto de vista, a maior parte dos programas com Desporto são aquilo a que chamo programas com acrescentos (anexos). Por exemplo, temos um Torneio de Futebol em que depois do treino temos um momento em que falamos de relações pais filhos ou outra coisa qualquer. O que fazem é falar com eles coisas da vida mas isso não tem nada a ver com o desporto, tudo o que diz respeito ao desporto fica na mesma, o que têm que fazer enquanto equipa e enquanto jogam é a mesma coisa só lhes é acrescentado algo. Eu sinto mais consistência quando estas coisas são integradas (não acrescentadas): eles aprendem o que têm a aprender com a atividade física […] (D. H.)
53
Qual é distinção entre DPJ e educação?54
Nalguns contextos educação quer dizer saber ler escrever e contar, é literacia e números. É algo de que nenhuma criança deve escapar embora muitas crianças fiquem aquém. Não tem muito a ver com a vida das crianças. (D. H.)
Em relação aos conteúdos utilizados para se atingirem os objetivos do
Desenvolvimento Positivo, Hellison refere a importância de que mesmo no
contexto das atividades desportivas, se deva ter preocupação de atingir
objetivos de desenvolvimento que ultrapassem as competências motoras.
As competências motoras podem trabalhar-se, nós fazemos isso, mas no contexto do DPJ não poderia dizer que está a fazer alguma coisa se não tem relação com a vida, se não tem a ver com ajudar o miúdo a ser melhorar-se a ele mesmo na vida. Para mim isso é o positivo, porque eu sei que se podem fazer vários tipos de trabalho em que todas estas as coisas encaixam todas têm o seu lugar. Temos muitos programas, todos válidos porque todos tentam mais do que simplesmente atividade física. (D. H.)
Sublinhamos que na mesma referência (supra citada) Hellison refere “a relação
com a vida” como fator definidor do sucesso numa atividade de
Desenvolvimento Positivo
[…] mas no contexto do DPJ não poderia dizer que está a fazer alguma coisa se não tem relação com a vida, se não tem a ver com ajudar o miúdo a ser melhorar-se a ele mesmo na vida. (D. H.)
53
As iniciais entre parêntesis “D. H.” representam o nome do entrevistado Donald Hellison. 54
Entrevistador.
Apresentação de Resultados
119
2. Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social (DRPS)
A apresentação de resultados neste subcapítulo foi ordenada de forma a
corresponder à importância atribuída a cada um dos temas, pelos próprios
entrevistados. As questões feitas nas entrevistas foram as seguintes: “Fale-me
do seu conhecimento do modelo de intervenção de Hellison” e “De que fatores
depende o sucesso no modelo de Desenvolvimento da Responsabilidade
Pessoal e Social de Hellison?”.
Como no subcapítulo anterior, iniciámos a presentação de resultados com um
quadro, o Quadro 6, onde é possível observar a frequência das referências
para cada uma das categorias e subcategorias relativas ao tema.
Apresentação dos Resultados
120
Quadro 6 – Distribuição da codificação pelas categorias e subcategorias do tema
Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social
Tema-eixo Categorias Subcategorias Fontes Nº de Ref % de Ref
Desenvolvimento da Responsabilidade
Pessoal e Social
Origem 5 18 5,25
Objetivos 5 17 4,96
Enquadramento institucional 5 18 5,25
População alvo 5 25 7,29
Estrutura das sessões 6 21 6,12
Meios e atividades 5 17 4,96
Estratégias pedagógicas Nº de Ref = 123 % de Ref = 35,86
Ambiente seguro 4 9 2,62
Avaliação sistemática 5 7 2,04
Centrar no adolescente 5 19 5,54
Empowerment – capacitar 6 17 4,96
Experiências de êxito 3 4 1,17
Integração 5 5 1,46
Tomada de consciência 4 11 3,21
Tomada de decisões e escolhas 2 7 2,04
Estratégias específicas p/ Nível Nº de Ref= 46 % de Ref = 13,41
1º Nível 4 5 1,46
2º Nível 3 5 1,46
3º Nível 6 9 2,62
4º Nível 1 2 0,58
5º Nível 6 25 7,29
Fatores de sucesso Nº de Ref = 46 % de Ref = 13,41
Ambiente 3 7 2,04
Avaliação 3 7 2,04
Estrutura do modelo 2 4 1,17
Idade 1 1 0,29
Objetividade realismo do adulto 1 5 1,46
Qualidade de relação adulto/ad. 4 9 2,62
Rácio 3 5 1,46
Tempo 4 11 3,21
Relação professor/modelo 6 22 6,41
Disseminação do MR 3 7 2,04
Avaliação da implementação 5 24 7,00
Total 343 100
2. 1. Origem
Nas palavras dos entrevistados, o modelo de intervenção pedagógica de
Hellison tem origem na experiência, reflexão e avaliação que o próprio autor foi
fazendo sobre o seu trabalho. Estes especialistas conheceram o Modelo de
Responsabilidade no contacto direto com Hellison. Apresentamos, de seguida,
as referências relativas a esses primeiros contactos.
“O contexto em que tudo começou foi diferente do que temos hoje embora
algumas coisas estejam ainda presentes. (…)”. Hellison refere este facto nas
passagens seguintes.
Apresentação de Resultados
121
Por essa altura, era costume, nos bairros de periferia, os juízes darem a escolher aos jovens marginais ou irem para a cadeia ou irem para a marinha. Fiquei encarregado de trabalhar com esses jovens e adorei. O trabalho era muito físico, tudo era feito através da atividade física e eu entendi que era aquilo que eu queria fazer: quero trabalhar com estes jovens através da atividade física. Aí eu tinha vinte e quatro ou vinte e cinco anos, […]
Fiz tudo isto pensando no trabalho com jovens marginais e pensava que a EF me ensinaria a lidar com eles mas em EF não se sabia também como trabalhar com este tipo de alunos, não havia ainda interesse nesse tipo de trabalho. Todos queriam ser treinadores e ninguém estava verdadeiramente interessado em ajudar miúdos vindos daqueles meios.
Nos EUA os professores não têm muita autoridade e aquilo era muito difícil. Todas as estratégias que eu propunha eram aborrecidas para eles. Eu era simpático com eles, propunha coisas que achava que lhes agradavam: boxe, pesos e halteres, nada funcionava. […]
Comecei a pensar em como ensinar-lhes como se governarem a si mesmos, como se responsabilizarem por eles mesmos de maneira a progredirem. […] Então dediquei-me. Não era professor de EF, nem de sociologia nem de desporto por isso dediquei-me a este trabalho de responsabilidade […]
Eles também não tinham boa relação uns com os outros e por isso pensei também em ajudá-los serem responsáveis pela maneira como lidavam com as outras pessoas. E foi por aí que comecei. (D. H.)
A partir das necessidades dos próprios jovens, Hellison inicia o seu trabalho
tentando encontrar uma estrutura que respondesse aos objetivos que tinha.
Partia da própria prática e da reflexão pessoal sobre os processos e os
resultados.
A primeira vez que tentei organizar os níveis de responsabilidade eram tantos que nem me conseguia lembrar de todos. Lembro-me que uma vez um aluno meu estava a tentar ensinar a outro os níveis de responsabilidade e o outro disse: Isso não faz nenhum sentido! O primeiro respondeu: eu sei mas é isto que ele (apontou para mim) quer! Percebi que não era aquele o melhor caminho. […]
Todo trabalho foi montado assim: com avanços e recuos. E nem sequer estou a contar todos os detalhes, houve mesmo momentos difíceis. Finalmente, após três anos, tudo começou a funcionar melhor. (…) Tratou-se de uma experiência muito forte do que fiz diariamente com aqueles miúdos e eu avaliava-a todos os dias, sem saber muito bem como o fazer, fazia entrevista, testes físicos … mas o mais importante é que me avaliei a mim mesmo […]
[…] estávamos em 1975 e eu tinha começado este trabalho em 1970 demorei muito a chegar ali. Foi uma tarefa verdadeiramente dura, pelo menos para mim, para alguém mais forte seria provavelmente mais fácil, mas para mim foram tempos difíceis e foi muito duro manter-me com eles e continuar mesmo sabendo que seria muito difícil. […]
Se lerem o que fui escrevendo sobre responsabilidade, verão o meu próprio desenvolvimento vê-se que aquilo que vou mostrando nessas publicações vai evoluindo. As coisas não se alteram completamente mas mudam porque eu mudo à medida que vou estando com estes miúdos. (D. H.)
Apresentação dos Resultados
122
Martinek refere da seguinte maneira a origem do modelo de intervenção de
Hellison:
Don sentiu necessidade de parar e de pensar sobre a origem daquelas crianças. Acaba por decidir trabalhar um modelo centrado em duas dimensões - de responsabilidade pessoal e social - desenvolvendo uma série de estratégias que permitissem trabalhar no ginásio para que os miúdos vivenciassem diversos tipos de valores. Refletindo sobre estas experiências apercebeu-se de que resultavam. Resultavam, em primeiro lugar, porque os miúdos foram capazes de ir mais além do que lhes pedia para fazerem. Conseguiam aprender a fazer por eles mesmos e responsabilizarem-se pelo trabalho. Para além disso Don sentiu que esta maneira de ensinar fazia parte da sua maneira de ser e daquilo em que acreditava e isso foi provavelmente o mais importante.
Foi assim que tudo começou. (T. M.)
Para Parker, os primeiros contactos com o modelo de Desenvolvimento da
Responsabilidade de Hellison foram da seguinte forma:
Quando acabei o meu bacharelato na universidade, dei aulas numa escola elementar, uma escola primária na Geórgia, do primeiro ao oitavo ano, e nessa altura, desde o começo, comecei a dar nas minhas aulas “Responsabilidade Pessoal e Social”.
[…] os meus objetivos tendem a juntar-se ou a agruparem-se à volta de áreas de responsabilidade pessoal e social. Foi onde comecei. Eu comecei antes ainda de conhecer o Don Hellison, mas como eu disse, os meus primeiros objetivos foram quando eu comecei a ensinar. Onde os estudantes se tornam responsáveis pelo seu próprio comportamento, se tornam aprendizes autodirigidos e visualizam a aprendizagem como um longo processo da vida. (M. P.)
Vinda de Espanha para os EUA, Escartí toma contacto com o trabalho de
Hellison.
Em 1999 tive uma bolsa do governo espanhol para professores que me permitiu visitar outros países e então estive dois meses aqui no Colorado e outros dois em Chicago. […]
Eu tinha interesse que em tantos anos de estudo […] o meu trabalho deveria ter alguma utilidade. Nesse sentido comecei a falar com Gloria e com Bob e começaram a falar-me do programa de Don Hellison. Como tinha muito tempo aqui para estudar, trabalhar, estar na biblioteca comecei a ver o programa [de Hellison] e a estudar também outros programas mas o que mais me convenceu foi o de Hellison porque me pareceu fácil, aplicável e simples. (E. A)
Para Wright, as origens do seu trabalho com MR partiram também do contacto
direto com Hellison.
[…] arranjei informação sobre os programas, verifiquei em diferentes departamentos. Cinesiologia na Universidade de Chicago pareceu-me uma boa possibilidade […] disseram-me: Bem, fale com o Don Hellison, parece-me que o que faz lhe poderá interessar a ele. Então, tive algumas reuniões com ele e inteirei-me sobre o trabalho e acontece que ele tinha um programa de artes marciais no centro juvenil da cidade e eu disse: Perfeito, posso ensinar crianças, incluindo artes marciais e fazer investigação. É o que eu estou à procura. (P. W.)
Apresentação de Resultados
123
2. 2. Objetivos
As referências seguintes traduzem os objetivos do trabalho com adolescentes e
jovens de acordo com o modelo que abordamos.
Hellison iniciou o seu trabalho tentando encontrar os objetivos ajustados
partindo das necessidades do próprio grupo.
Perguntava-me: o que é que posso dar a estes miúdos? Dinheiro? Não posso dar-lhes. Eles precisavam de orientação e não tinham quem lha desse, por isso, se necessitavam de ajuda e não a iam obter nem em casa nem da polícia, que só aparecia se houvesse problemas. […]
[…] pensei também em ajudá-los a serem responsáveis pela maneira como lidavam com as outras pessoas. E foi por aí que comecei. […]
Acredito que se eu fizer isto com eles durante um ano ou dois que eles viverão melhor as suas vidas, refletindo sobre si mesmos. Eles saberão como olhar para si mesmos e fazer a sua autocrítica. […]
[…] eu já sabia que queria humanizar a Educação Física, eu queria que fosse o humano o centro do meu trabalho e não o Desporto ou a condição física ou outra coisa do género. […]. (D. H.)
Nas referências dos outros entrevistados encontrámos também os objetivos do
modelo. Para Escartí, por exemplo, os objetivos dirigidos à autonomia como
caminho para a responsabilidade serão, entre outros, importantes.
[…] neste programa trata-se de dar autonomia aos miúdos – empowerment - para que possam ir gerindo a sua vida e, uma das premissas da Psicologia, que todos conhecemos, é que para se ser autónomo tem que ter participado e escolhido as próprias metas. Daí que a partir do momento em que os alunos conseguem fazer as suas próprias normas e se comprometem a cumpri-las estão a ganhar autonomia, está-lhes a ser dada autogestão que é uma coisa básica para a responsabilidade. […] (A. E.)
Para Parker, também o desenvolvimento da responsabilidade aparece como
referência fundamental do seu trabalho.
[…] gostaria de ser capaz de ajudar crianças e estudantes universitários a serem a melhor pessoa que pudessem ser e eles poderiam ser pessoas responsáveis e produtivas, e felizes, bem sucedidas neste mundo. Então, é como... para mim, isso tem a ver com relações, tem a ver com desenvolver estratégias para ajudar crianças ou pessoas a serem mais responsáveis. […]os meus objetivos tendem a juntar-se ou a agruparem-se à volta de áreas de responsabilidade pessoal e social. Foi onde comecei. (P. M.)
Para Wright, os objetivos do modelo de Hellison estão claros na própria
definição dos níveis.
Isso é... exatamente, e eu penso que o grande valor dos níveis é que dão alguns objetivos claros e consistentes para o programa, mas uma vez mais, aí, providencia um enquadramento que, para se tornar vivo têm de trabalhar com ele...
Apresentação dos Resultados
124
sabem?... não basta recitarem estas cinco definições para as meterem nas suas cabeças. […]
[…] se for bem feito, não é realmente centrado na competição mas sim no melhoramento pessoal e onde os valores são falados explicitamente assim como o e comportamento e outras coisas, como seja a aplicação à vida. (P. W.)
Martinek fala das duas dimensões globalizantes dos objetivos do modelo, o
desenvolvimento da responsabilidade pessoal e o desenvolvimento da
responsabilidade social.
Acaba por decidir trabalhar um modelo centrado em duas dimensões - de responsabilidade pessoal e social […]
Não se trata de ensinar matemática ou lançamento em suspensão, trata-se de ensinar crianças a serem cidadãos responsáveis, quem sabe mesmo lideres e, para isso, tem que se acreditar mesmo que isso é verdadeiramente importante. […]
Muitas pessoas pensam que este modelo de trabalho com desporto é próprio para crianças que se portam mal, mas isto não é um modelo de ensino de disciplina este é um modelo de ensino de valores para todas as crianças. […]
A EF e o desporto são coisas de que as crianças gostam muito e são um meio ótimo para desenvolver valores […]
Nas aulas de EF não há grande possibilidade de ensinar verdadeiramente grandes skills desportivos porque a carga horária é baixa mas se se optar por lhes dar competências de vida, desde que entram na aula até que saem, isso resultará melhor. Voltamos sempre ao mesmo: o que é importante que os alunos aprendam? (T. M.)
2. 3. Enquadramento institucional
Falando sobre o tipo de instituição e de atividade (dentro ou fora do tempo
escolar) em que se desenrola a aplicação do modelo, recolhemos as seguintes
referências.
No caso de Hellison, verificamos que o entrevistado equaciona
enquadramentos vários para aplicação do modelo.
Ao falarem nestas conferências algumas pessoas fazem assunções acerca do que vocês fazem ou daquilo que eu faço que, por vezes, não estão corretas porque os contextos são diferentes, as escolas são diferentes. Nós temos programas desportivos em escolas e há países que trabalham com clubes e isso muda tudo. […]
[…] a experiência mais valiosa que tive com miúdos foi uma experiência acidental quando tinha entre cinquenta e sessenta anos e trabalhava com escolas secundárias. Um sujeito contactou-me - tinha uma escola especial/alternativa, uma escola secundária para alunos problemáticos que tinham sido expulsos de outras escolas ou saído da cadeia – e disse-me: “Tenho conhecimento do seu trabalho, do desenvolvimento da responsabilidade e queria faze-lo. Você ajuda-me?” “Claro”, disse eu.
Eu quero pegar nestes miúdos e colocá-los num envolvimento, (e a atividade física serve muito bem para isso, tanto faz se é em contexto de Desporto ou de Educação Física) eu busco a forma mais ágil de aplicar o programa a estes miúdos de maneira que adquiram algo. (D. H.)
Apresentação de Resultados
125
Escartí refere também a enquadramentos da intervenção variáveis.
[…] eram miúdos que estavam na escola secundária [+- 3º ciclo] mas que estavam num programa para crianças para quem é muito difícil fazer o currículo escolar normal. Nas escolas secundárias (3ºCiclo) há um programa que se chama PAC onde estão crianças que não são capazes de seguir o ritmo normal das aulas. […]
Agora, p. ex., que vamos iniciar uma fase bastante ambiciosa, porque vamos aplicar o programa a um município [a todas as escolas)] […] (A. E.)
Seguem-se as referências de Parker, tal como os entrevistados anteriores,
relata enquadramentos diferentes na aplicação do modelo.
Sim, eu comecei por fazer “Desenvolvimento Juvenil” ou “Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social”, esses eram os meus objetivos. Mas eu comecei por o fazer ensinando crianças na disciplina de Educação Física. […]
[…] desde há 13 anos que ensino crianças ou antes da escola ou depois da escola, ou no verão […]
[…] tenho trabalhado com crianças após a escola e nos últimos dois anos numa escola elementar com miúdos de 9 e 10 anos; […]
[…] nos sete anos anteriores a esse com crianças de ensino elementar e básico, numa escola de ensino especial. […] (P. M.)
Já Wright refere alguma limitação de aplicação do programa se o envolvimento
institucional implica uma participação com carácter de obrigatoriedade, como é
o caso das aulas de EF.
[…] se é um programa voluntário, que só tem dez miúdos, que estão lá por opção, então pode fazer muito... mas, se está em EF nas escolas, tem três vezes mais miúdos e muitos deles não teriam escolhido estar lá, se não foi uma escolha deles... Mais uma vez, o que se poderá fazer é diferente. […] (P. W.)
Martinek vem a referir o mesmo condicionamento que Wright em relação às
aulas de EF, achando, no entanto, que este não é em absoluto determinante no
alcançar dos objetivos do modelo.
As escolas com que trabalhamos são todas escolas públicas (com crianças que normalmente seguiriam para a universidade) com programas pós-escolares (extraescolares) mas estamos preparados para que os nossos alunos passem para a universidade continuando nós a trabalhar com eles. […] Uma outra área do nosso trabalho é, para além desta ideia de como ajudá-los voltar para a escola, a criação de um programa de “Mentor”/conselheiro. Este programa funciona com alunos dos primeiros anos da Universidade de North Carolina em Greensboro da seguinte maneira: um universitário responsabiliza-se por um dos miúdos do clube e trabalha reunindo com ele uma vez por semana na escola. […]
O nosso trabalho principal continua a ser através do desporto na […] universidade, mas pode ser feito noutro sítio qualquer. Já o fizemos com raparigas e rapazes de outras escolas, doutras cidades. […]
Apresentação dos Resultados
126
A EF e o desporto são coisas de que as crianças gostam muito e são um meio ótimo para desenvolver valores se os professores optarem por ensinar valores. Se acreditarem nisso, é bom que o usem na escola, nas aulas. […] Nas aulas de EF não há grande possibilidade de ensinar verdadeiramente grandes skills desportivos porque a carga horária é baixa, mas se se optar por lhes dar competências de vida desde que entram na aula até que saem isso resultará melhor. […]
[…] quando implementas um programa desportivo é que crias uma cultura, uma cultura baseada no desenvolvimento (empowerment) dos alunos, dás-lhes capacidade de decisão, torna-os responsáveis pelas suas decisões sejam boas ou más. […] crias uma cultura diferente da cultura escolar e, para os miúdos, lidar com isto não é fácil. […]
Todos os países precisam de investir em programas alternativos e, por isso, decidi desenvolver esta área de formação para estudantes que queiram vir a trabalhar com jovens, não obrigatoriamente na escola mas também em programas alternativos extraescolares para rapazes e raparigas. Podem ser programas das igrejas. Há igrejas que estão afazer isso agora como programas paroquiais. (T. M.)
2. 4. População alvo
Outra categoria muito importante relativamente ao tema Desenvolvimento da
Responsabilidade Pessoal e Social é o tipo de população a que foi sendo
aplicado. Recolhemos, das entrevistas feitas, as referências que se seguem.
Iniciamos com Hellison.
Um sujeito contactou-me - tinha uma escola especial/alternativa, uma escola secundária para alunos problemáticos que tinham sido expulsos de outras escolas ou saído da cadeia […]
Com que tipo de alunos trabalha, alunos com problemas?55
- Sim, inclusivamente com alunos a cumprir penas. É este tipo de trabalho que me interessa, com situações muitas vezes desesperadas, principalmente com miúdos mais velhos que chegam com dezasseis, dezassete ou dezoito anos… é complicado. […]
A essência do meu trabalho é com jovens negligenciados, […]
[…] mas quando se trabalha na city não se tem nada disso… é uma situação muito precisa, trabalha-se sob tensão… e é disto que eu gosto, é o que eu sei fazer, é a minha paixão (e a do Tom também). […] (D. H.)
A população com que tem trabalhado Escartí tem também variado ao longo do
tempo.
Nós começamos a trabalhar com estudantes de risco – o modelo era feito para miúdos com muitos problemas na cidade de Chicago. […]
São miúdos que têm o perfil de adolescentes de risco: têm problemas escolares, problemas de relação com os colegas, alguns têm problemas com drogas e álcool,
55
Entrevistador
Apresentação de Resultados
127
absentismo escolar… como são crianças muito complicadas são colocadas nesse grupo PAC. […]
56
Pensamos então em aplicar o mesmo modelo a toda a escola […] No segundo ano foi isso que fizemos, aplicamo-lo aos alunos da educação elementar […].
[…] vamos aplicar o programa a um município (a todas as escolas) […] (A. E.)
Parker trabalhou com populações com caraterísticas variadas e estendeu a sua
experiência de aplicação do Modelo de Responsabilidade a escolas de alunos
de um estrato social mais alto.
Quando acabei o meu bacharelato na universidade, dei aulas numa escola elementar, uma escola primária na Geórgia, do primeiro ao oitavo ano, e nessa altura, desde o início, comecei a dar nas minhas aulas “Responsabilidade Pessoal e Social”. […]
Ensinei com Don Hellison no sul de Chicago e depois fui ensinar numa reserva de índios […] ensinei numa reserva índia no sul do Utah e, durante seis ou sete meses, estive novamente trabalhando com crianças. Tinha que voltar a ensinar crianças. […]
[…] nos últimos dois anos numa escola elementar com miúdos de 9 e 10 anos; nos sete anos anteriores a esses com crianças de ensino elementar e básico, numa escola de ensino especial. […]
Quando eu ensinei na Geórgia, quando estava a ensinar pela primeira vez, estava numa escola católica, muito muito rica. Era uma escola privada, na catedral de uma paróquia – estamos a falar de muito dinheiro – e esses miúdos tinham o mesmo tipo de problemas. […] (P. M.)
Wright refere também a aplicação do modelo de Hellison a crianças e jovens de
grupos específicos variados.
[…] em Chicago, nos três programas com o Don, a que ele me ligou, foi primeiramente, trabalhar com estudantes Afro-americanos do bairros pobres, para miúdos da “Big House”
57 e para projetos em Chicago, portanto, ao nível da pobreza,
dos bairros com altos índices de criminalidade e atividades de gangs […]
E também, embora por minha conta e risco, em Chicago, eu estudei e comecei a usar o modelo de responsabilidade com crianças com deficiências. Ora, estas crianças não eram necessariamente de... algumas viviam nos subúrbios, portanto, não eram desfavorecidas economicamente. […] mas a maior parte eram crianças brancas de classe média, dos subúrbios, mas tinham problemas de défice de atenção, eram hiperativos, seropositivos, tinham síndrome de Down, autismo. Então, eu usei uma terapia de artes marciais, desenvolvi uma terapia de artes marciais para eles, mas usando o Modelo de Responsabilidade. […]
[…] desde que vim para Memphis, […] continuei a trabalhar com jovens de bairros pobres, porque são muito do mesmo perfil, Afro-americanos pobres que vivem em escolas e ambientes muito duros. (P. W.)
56 “PAC” são as iniciais de um programa, em Espanha, de currículo especial, adaptado e prático, que tem como objetivo a atribuição do certificado do ensino obrigatório a alunos que demonstram dificuldade em obtê-lo de outra forma. 57
“Big House” de Chicago é organização de jogo e apostas que suporta gangues e crime organizado.
Apresentação dos Resultados
128
Martinek fala-nos sobretudo de trabalho com grupos com dificuldades
escolares e de integração social.
Acho que se pode dizer que trabalhei sempre com grupos difíceis. A maneira como começámos um grupo no meu clube do 1º ciclo foi através da informação do professor da primária, ou o diretor de turma, ou o conselheiro que os referenciou. […] são tipicamente miúdos que têm problemas nas aulas, que apresentam mau comportamento, que são chamados ao DT muitas vezes, que têm maus resultados e chegam a ser suspensos.[…]
Começamos com os miúdos cedo com miúdos do 3ª, 4ª e 5ª anos […] Temos um clube dos 2º e 3º ciclos que apanha os miúdos que completaram o ciclo e tenta mantê-los o que é difícil, pois é quando começam a dispersar-se por outras escolas. Depois deste temos um clube com programa para o secundário. É nesta que começa o “Youth Leaders Corps Programe” com esses jovens que ficam connosco vários anos. Aí em vez de serem “membros” do clube passam a ser “lideres” do clube mudando do papel de participantes para o de lideres. […] desta forma os alunos de secundário aplicam o programa Responsabilidade e ensinam a outros miúdos competências de vida.
Mas, basicamente, os jovens com que trabalhamos são alunos problemáticos e que, para ser honesto, continuarão provavelmente a ser. A verdade é que eles conseguem lidar com situações difíceis […]
E também não é só para crianças pobres, as ricas apresentam os mesmos problemas. Este tema atravessa todos os estratos económicos. […]
Eu estou a trabalhar com crianças de escolas públicas, não necessariamente violentas, […] (T. M.)
2. 5. Estrutura das sessões
Nesta categoria agrupamos as referências feitas pelos entrevistados à forma
de organizar as sessões numa intervenção de Modelo de Responsabilidade.
Registaram-se sobretudo as etapas e momentos fundamentais.
Hellison refere os momentos em que se divide a sessão e as estratégias que
utiliza para tornar os alunos conscientes do seu próprio progresso.
Mas quando estamos no “tempo de reflexão” e eu pergunto: como foi que te portaste hoje? Como esteve o teu temperamento? E as bocas, controlaste as bocas? E eles vão dizendo: sim… mais ou menos… ainda não… […] Depois vou perguntando se algum atingiu algum objetivo (pessoal ou desportivo) que se tenha proposto de início. E, em frente a todos, eles dizem se sim. […] Aí pergunto: desde a última vez que nos vimos querem dar algum exemplo de algo que tenham aprendido aqui e que tenham feito lá fora, em qualquer lado? […]
No meu caso (e no caso de atividades de paróquia ou em treinos) em que trabalhamos nos tempos livres, eu posso sempre falar com eles em tempo de aconselhamento e perguntar-lhes: como está a ir a escola? Pergunto-lhes como estão na equipa do bairro… […]
[…] eles aprendem o que têm a aprender com a atividade física e depois tem que se tratar da transferência, tem que se conseguir isso. (D. H.)
Escartí refere também a estrutura das sessões nas suas aplicações do Modelo
de Responsabilidade.
Apresentação de Resultados
129
Isso fazemo-lo constantemente, não se espera que se acabe o nível quatro para começar o nível cinco vamos trabalhando nele desde o princípio do programa […]
No final de cada dia, na reflexão final, faz-se um apanhado “vamos ver, que problemas surgiram hoje?”. […]… nessa avaliação ao fim do dia faz-se esse resumo, registamos os problemas de que eles deram conta e então a partir daí, fazendo assim todos os dias, faz-se uma lista dos problemas, organizados por ordem de gravidade e prioridade para propor as normas em função dos problemas que realmente surgiram. Assim a norma surge de uma necessidade, de algo que ocorreu. Não é uma norma que o professor estabelece mas sim algo que no grupo é preciso resolver. (A. E.)
Parker refere a forma como Hellison integra as estratégias de aprendizagem na
atividade física da sessão.
Ele desenvolveu atividades que funcionaram para ele em termos de levar os estudantes a praticarem... mas o que não se vê, do que o Don faz... ele fala sobre conversa de consciência, grupo de reflexão, tempo de aconselhamento, e estas outras coisas. O grosso do que ele faz, que ainda está enterrado algures, ele não fala muito acerca disso... é durante esse jogo de equipa, esse tempo de atividade, o que quer que ele lhe chame. Quando as crianças estão fisicamente ativas, ele faz milhares de coisas, isso pode ser mais importante do que o tempo de reflexão e a conversa de consciência. (P. M.)
Wright salienta também a integração dos objetivos na prática da sessão
“Integração”,[…] fala, nessa “integração sem costuras”. Então, como exemplo aqui, é a pessoa que só põe o póster na parede. As ideias são anunciadas mas isso não altera nada do que acontece no jogo, isso não está integrado, mas se falarmos de liderança e dermos aos miúdos a oportunidade de liderar coisas, aí está-se a integrar. Falamos de fazer escolhas e deixamos os miúdos tomarem decisões na atividade, aí está integrado. […] (P. W.)
E continua recomendando que quem intervém pedagogicamente usando o
modelo de Hellison se centre naquilo que é essencial e não na estrutura como
fórmula rígida.
Pode-se ou não falar de qualquer dos níveis especificamente; podem ou não usar o formato da aula, mas se estão a abordar esses temas
58, aí a essência do modelo
está e podem-se mudar as coisas. […]
Por exemplo, com os níveis algumas pessoas leem isso e pensam que os níveis são como degraus: 1º têm de fazer este; ainda não podemos falar de liderança; não podemos dar liderança porque ainda estamos a fazer este e agora vamos fazer este e agora... É um a um. Mas o facto é que quando estamos a trabalhar com um grupo de miúdos, frequentemente temos miúdos que entram e são líderes natos, são naturalmente cuidadosos e protetores e ajudam. Então, por que carga de água diriam: “Não vamos poder abordar isto ou aquilo. Não vos fiz passar por estes passos” […] Não é uma sequência mas, infelizmente, eu penso que algumas pessoas ficam confusas com isso. Eu mesmo, não me refiro a eles como níveis, tantas vezes. Eu refiro-me a eles como: estes são os objetivos do programa; se podemos atingir todos os cinco e abordá-los a todos ao mesmo tempo, comecem com todos eles desde o início. Eu costumava mais ou menos seguir isso passo a passo e esperava até à terceira ou quarta semana para integrar algum material com a forma de liderança e então tentei fazê-lo um pouco mais cedo, e um pouco mais cedo, e descobri “estes
58
Paul Wright refere-se no mesmo texto a que há coisas mais importantes que a própria estrutura dos níveis, como seja por exemplo, criar na aula “relações positivas com os miúdos”.
Apresentação dos Resultados
130
miúdos têm idade suficiente e são suficientemente bons. Logo que eu os deixe tomar a liderança, eles são capazes. Por que é que os estou a fazer esperar ao longo de dez aulas para chegarem lá?” […]
[…] e pode-se trabalhar o resto dos níveis ao mesmo tempo?59
- Sim. Correto. E os níveis são só, novamente, penso eu, são uma espécie de indicadores. […] mas não têm de trabalhar em cada um deles em todas as aulas, sempre. Por isso, não deviam estar amarrados por eles. São um óptimo enquadramento e um bom conjunto de objetivos e algumas pessoas poderão, num programa, dizer “eu quero acrescentar outro” ou “eu quero fazer menos disto e mais daquilo” para preencher as necessidades do grupo com que estão a trabalhar. […] com um grupo de bons miúdos, o comportamento não será um problema, não vão gastar muito tempo com o nível um, porque, como que, está lá, ou talvez o possam trabalhar a um mais alto nível, (P. W.)
A flexibilidade da estrutura do modelo é também referida por Martinek. Ele
prefere dizer que “há uma ideia de desenvolvimento implícita no modelo” mas
que esse desenvolvimento é fluído.
Depende de quem são os miúdos. São apenas pontos de referência para o trabalho. Numa sessão penso que vou trabalhar o primeiro nível e na seguinte se correr bem tento avançar um pouco. […]
O modelo em si mesmo apresenta um desenvolvimento com o seu nível um, nível dois, nível três (eu chamo-lhes metas, nem sequer lhe chamo níveis), de qualquer maneira há uma ideia de desenvolvimento implícita no modelo mas muito fluida, pode-se andar para trás e para a frente. Depende de quem são os miúdos. […]
Há duas semanas tivemos uma sessão que foi terrível, com miúdos que tivemos todo o ano e tivemos que recuar e voltar para o primeiro nível, trabalhando a ideia do auto controlo e do respeito pelos outros. É assim que se passa, é uma dinâmica muito fluida mas o modelo é basicamente apenas um guia. Para mim é uma maneira de ver onde estão estes miúdos e até onde é que posso ir com eles. […] Mas o modelo, por si só, é, como eu digo para mim, apenas um guia de percurso. Eu penso que Don diria a mesma coisa. (T. M.)
Na referência que se segue Martinek deixa um pouco implícito que há, apesar
da flexibilidade estrutural, alguma ideia de pré-requisito entre níveis.
Se não consegues que os miúdos apreendam o 1º nível (auto controlo e respeito pelos sentimentos dos outros) nada do resto funciona. É exatamente como dizes. Comigo o que se passa é que quando entro (para o ginásio) eu não digo “hoje vou atingir este e aquele objetivos”, eu tenho que sentir como estão os miúdos, onde estão eles e, por vezes, opto por simplesmente treinar uns lançamentos. Às vezes deixamos apenas que se conheçam, que ganhem um pouco de confiança uns nos outros. (T. M.)
2. 6. Meios e atividades
Neste tópico ficaram agrupadas as referências que dão a conhecer a variedade
de atividades que os autores aplicam às suas sessões do Modelo de
Responsabilidade.
59
Entrevistador
Apresentação de Resultados
131
Para Hellison, claramente, a atividade física é o meio educativo por excelência.
Penso que neste trabalho tem que se estar em sintonia com os miúdos mas temos que ter algo para fazer com eles. Eles são muito rebeldes: eles jogam Basquetebol, saltam num trampolim e é isso que querem fazer, eles não querem conversa! […] eles aprendem o que têm a aprender com a atividade física […] (D. H.)
Também Escartí refere as atividades físicas desportivas como os conteúdos
fundamentais das sessões.
Eu diria que a primeira unidade didática, que é a da elaboração de normas, é uma unidade em que se obtém uma avaliação inicial. Quer dizer que sobre as unidades didáticas, os temas e os conteúdos que se vão desenvolver nas outras unidades didáticas, p.ex., na patinagem, no basebol, esse momento inicial serve para fazer a avaliação diagnostico e para elaborar as normas. Para isso, selecionam-se atividades que podem dar alguma informação sobre o que podem aprender depois na unidade didática. P.ex., no basebol selecionam-se atividades de lançamento e de receção para ver como estão os alunos em relação a essas habilidades e ao mesmo tempo nos dão informação sobre o nível inicial destes em relação às atividades propostas. (A. E.)
A atividade física, sob a forma de jogos e de trabalhos em equipa, é o
conteúdo/meio mais utilizado nas aulas de Missy Parker. Esta propõe aos seus
alunos a criação dos próprios jogos e respetivas regras.
Procurava que concebessem os seus próprios jogos em vez de eu lhes ensinar um jogo. Eles criavam os jogos e trabalhavam uns com os outros, tinham que registar as regras em termos de instrução e conteúdo. […]
[…] por isso iria estar a praticar pingue-pongue. Outro grupo podia estar a praticar ginástica, outro podia estar a praticar basquetebol, e então toda a gente na turma iria estar a fazer coisas diferentes, de acordo com os contratos […] (P. M.)
Wright tem uma visão mais ampla sobre o tipo de atividades que se podem
usar, embora na sua própria prática se refira quase sempre às artes marciais
como meio ou conteúdo educativo.
Então, eu usei uma terapia de artes marciais, desenvolvi uma terapia de artes marciais para eles mas usando o modelo de responsabilidade. […]
[…] eu vejo-a, a atividade, como um veículo. É a forma como é usada. Certo? Então, sim. Poderia ser desporto ou qualquer atividade física, mas a ideia é usar isso como um ponto de interesse, o seu foco para chamar os miúdos. Mas eu penso que outras pessoas fazem tão bem, um trabalho muito similar, com teatro, com performance, com arte.(…)
[…] eu posso fazer um programa de sucesso em Tai Chi […]
As ideias são anunciadas mas isso não altera nada do que acontece no jogo, isso não está integrado, mas se falarmos de liderança e dermos aos miúdos a oportunidade de liderar coisas, aí está-se a integrar. Falamos de fazer escolhas e deixamos os miúdos tomarem decisões na atividade, aí está integrado. (W.P.)
Apresentação dos Resultados
132
Trabalhando com escalões etários mais elevados, Martinek refere que, para
além da atividade física, utiliza a “tutoria” feita pelos mais velhos em relação
aos mais novos como atividade educativa no contexto do modelo de Hellison.
[…] um universitário responsabiliza-se por um dos miúdos do clube e trabalha com ele reunindo com ele uma vez por semana na escola. São os mesmos princípios dos desportos aplicados ao aconselhamento. […]
O nosso trabalho principal continua a ser através do desporto, […] (T. M.)
2. 7. Estratégias pedagógicas
A que estratégias dão os entrevistados importância? Perguntámo-nos ao
analisar os dados. Para podermos responder começámos por transcrever as
referências em que os entrevistados falam das estratégias pedagógicas usadas
nas suas intervenções. Subdividimos esta categoria em subcategorias de forma
a facilitar a análise das estratégias referidas.
a) Ambiente seguro
A criação de um ambiente onde os alunos se sintam bem, seguros e
respeitados, é determinante para a sua permanência na atividade. A garantia
deste ambiente, onde há segurança psicológica e física, é um tópico que se
repete nas preocupações dos especialistas. Começamos por ver o que diz
Hellison.
A minha convicção é que o que eles fazem no ginásio poderiam fazer cá fora mas, eles próprios dizem, é muito difícil, porque não têm apoio, não há clima nem envolvimento. […] ao fim de algum tempo, quando entram do ginásio, eles próprios têm expectativas ou de não serem agredidos, ou de terem a oportunidade de serem mais responsáveis… eles vão adquirindo estas expectativas que depois não veem nas salas de aula, ou no parque de jogos nem mesmo em casa. Eles sabem que é diferente. […]
[…] claro, dizem eles, nas aulas é mais difícil, aqui é mais divertido, lá há muita gente a deitar-nos abaixo. (D. H.)
Parker faz também referências à importância de um ambiente seguro onde são
dadas oportunidades mesmo de errar.
Se cometo um erro em termos de comportamento ou responsabilidade ou autocontrole, então sou posto fora da aula, qualquer coisa como expulso da escola.” Então não damos às crianças uma oportunidade de praticarem, num ambiente seguro, com situações reais. […] Mas é a pessoa criando uma atmosfera que permita às crianças a oportunidade de praticar as habilidades de que necessitarão
Apresentação de Resultados
133
para serem responsáveis ou autodirigidos e isso é muito...penso eu... muito difícil para nós. (P. M.)
Wright fala-nos também a respeito do ambiente estrategicamente criado pelos
responsáveis pela atividade.
Alguns miúdos ligam-se realmente a isso, porque acham que é um lugar onde se sentem realmente confortáveis […]. [os responsáveis] providenciam um ambiente estruturado e seguro onde são apropriadamente desafiados que, se for bem feito, não é realmente centrado na competição mas sim no melhoramento pessoal e onde os valores são falados explicitamente assim como o e comportamento e outras coisas, como seja a aplicação à vida. (P. W.)
A criação de um ambiente positivo e seguro, em que os adultos não mudam
constantemente e onde o jovem sente que há controlo sobre o que se passa, é
importante para Brustad.
Não se pode ter pessoas diferentes o tempo todo, e então para os miúdos isso é muito, muito importante, para que eles fiquem: o ambiente positivo em que eles estão, … social positivo… não estão a lutar, não fogem à disciplina… eles necessitam sentir… que eles têm algum controlo sobre o ambiente, então, eles querem ficar […] tem muito mais a ver com estes relacionamentos positivos com adultos, com outros miúdos, estar num ambiente seguro e agradável. (R. B.)
b) Avaliação sistemática
A avaliação sistemática é referida por cinco dos entrevistados como uma
estratégia habitual aos aplicadores do Modelo de Responsabilidade.
Começamos por Hellison que nos dá conta da sua experiência nesta prática.
[…] tratou-se de uma experiência muito forte do que fiz diariamente com aqueles miúdos e eu avaliava-a todos os dias, sem saber muito bem como o fazer, fazia entrevista, testes físicos … mas o mais importante é que me avaliei a mim mesmo […]
Por isso, para mim, o importante é começar por nos questionarmos sobre o que é que se está a fazer em cada dia, em cada aula. Saber o que é que estão a fazer. Sentar-se e escrever, e pensar o que é que vão fazer amanhã e no seguinte e verificar a consistência do trabalho. O importante é ver que resultados obtemos das aulas, que resultados do processo. (D. H.)
Escartí dá conta duma avaliação diária como estratégia importante.
[…] nessa avaliação ao fim do dia faz-se esse resumo, registamos os problemas de que eles deram conta e então a partir daí, fazendo assim todos os dias, faz-se uma lista dos problemas surgidos, organizados por ordem de gravidade e prioridade para propor as normas em função dos problemas que realmente surgiram. (A. E.)
Apresentação dos Resultados
134
Na mesma linha que Escartí, Wright dedicou mesmo uma parte do seu trabalho
ao desenvolvimento de instrumentos de registo e de avaliação do processo
pedagógico.
Há produtos específicos diferentes. Os instrumentos que eu desenvolvi focam particularmente o modelo de responsabilidade. (P. W.)
Das palavras de Martinek adivinhamos algumas das formas que a avaliação
constante assume na sua atividade.
Podemos considerar aquilo que observamos informal e formalmente. Informalmente, a minha avaliação centra-se naquilo que os miúdos fazem no clube sob a forma de pequenas vitórias e olho para isso duma maneira informal. Os miúdos têm os seus pequenos diários. Às vezes redijo algumas notas ou registos diários. […]
Alguns não conseguem manter este contacto mudam-se etc. mas tentamos manter o grupo através dos lideres e segui-los através de entrevistas procurando saber do que é que se lembram do clube, como é que isso os ajudou. (T. M.)
c) Centrar no adolescente
Outra caraterística estratégica do trabalho dos entrevistados é o centrar
sistemático de todo o trabalho pedagógico nas crianças, adolescentes e jovens
e nas suas necessidades. Começamos uma vez mais com Hellison:
Então dediquei-me. Não era professor de EF, nem de sociologia nem de desporto por isso dediquei-me a este trabalho de responsabilidade. Perguntava-me: o que é que posso dar a estes miúdos? Dinheiro? Não posso dar-lhes. Eles precisavam de orientação e não tinham quem lha desse, por isso, se necessitavam de ajuda e não a iam obter nem em casa nem da polícia, que só aparecia se houvesse problemas. Eles também não tinham boa relação uns com os outros e por isso pensei também em ajudá-los serem responsáveis pela maneira como lidavam com as outras pessoas. E foi por aí que comecei. […]
Penso que neste trabalho tem que se estar em sintonia com os miúdos mas temos que ter algo para fazer com eles. […] (D. H.)
Reforçando a ideia de que o professor/monitor trabalha para a criança e de que
só quem tem capacidade para esse tipo de entrega é que deve meter-se no
papel de professor, Hellison continua.
[…] se não conseguem entusiasmar-se verdadeiramente por este trabalho procurem outra coisa, e, eu não estou a falar sobre o método eu estou a falar sobre trabalhar com crianças, se não se comprometem com o ajudar crianças é necessário que procurem outra pessoa […] Precisamos apenas dos que são bons, dos que têm muita qualidade que se comprometem e que se preocupam com os miúdos. […]
Eu continuo a tentar construir algo, a trabalhar com os miúdos, a trabalhar com os estudantes, a orientar e a tentar pôr a funcionar caminhos novos. […] (D. H.)
Apresentação de Resultados
135
Não o referindo diretamente, é claro do discurso de Parker a importância que a
criança ocupa no centro do processo de aprendizagem.
Fazia muitas vezes atividades com os miúdos em que lhes dava escolhas.
Deixa-me voltar atrás. Para os meus objetivos era importante que os alunos pudessem tomar decisões sobre a sua própria aprendizagem […]
[…] os meus primeiros objetivos foram quando eu comecei a ensinar. Pretendia que os estudantes se tornassem responsáveis pelo seu próprio comportamento, se tornassem aprendizes autodirigidos e visualizassem a aprendizagem como um longo processo da vida. (P. M.)
Também Wright menciona que no seu trabalho as necessidades dos jovens
estavam no centro das suas decisões pedagógicas.
[…] alguém poderia seguir as orientações e programar as suas aulas desta forma, mas se não criasse relações positivas com os miúdos e, eu quero dizer, o plano da sua aula poderia parecer certo mas poderia não ter a essência do modelo, […]
Wright diz ainda que esta atenção tem que ser individualizada uma vez que os
“miúdos” apresentam caraterísticas e necessidades individuais que
condicionam a escolha de estratégias diversificadas.
[…] eu trabalhei com miúdos que representam, causam problemas, metem-se em brigas, isto e aquilo, mas quando se põem encarregues de um miúdo mais novo, são maravilhosos, porque em casa, tomam conta dos seus irmãos mais pequenos. Portanto, em certas atividades ou estratégias têm problemas de autocontrolo ao nível mais básico, mas ao mesmo tempo podem ser o vosso melhor líder absoluto. […]
[…] algumas pessoas poderão, num programa, dizer “eu quero acrescentar outro” ou “eu quero fazer menos disto e mais daquilo” para preencher as necessidades do grupo com que estão a trabalhar. (P. W.)
Martinek expõe inequivocamente que as necessidades das crianças,
adolescentes e jovens têm que estar no centro da sua ação educativa.
[…] centrar-se nas suas [do aluno] forças e capacidades e não nas suas fragilidades é o que interessa.
Eu não digo “vou ensinar auto controlo e respeito!” Depende de quem são os miúdos. […]
É claro que o importante é quem são os miúdos. […] Depende de quem são os miúdos. […]
Cada criança é um indivíduo diferente doutra e responde de forma diferente às atividades. Há coisas que funcionam com umas e não com outras. […]
A única maneira de ensinar aos miúdos é com esforço, prestando-lhes atenção. […]
Apresentação dos Resultados
136
Temos que pensar em quem são as crianças com quem trabalhamos e temos que pensar naquilo que é importante e temos que defender isso. […] se te começas a preocupar com as classificações verás que isso não tem a ver contigo nem é o que te interessa. (T. M.)
d) Empowerment
Referido como um objetivo educativo prioritário, o “empowerment” surge
também no discurso de muitos como uma estratégia para restituir à pessoa a
capacidade de se responsabilizar pelo seu próprio futuro.
Hellison reforça essa ideia no seu discurso referindo-se quer à
responsabilidade pessoal quer à responsabilidade social.
Comecei a pensar em como ensinar-lhes a se governarem a si mesmos, como se responsabilizarem por eles mesmos de maneira a progredirem. […]
[…] pensei também em ajudá-los a serem responsáveis pela maneira como lidavam com as outras pessoas. […]
Se trabalharmos com eles durante seis meses já podemos ver algumas diferenças mas quanto mais tempo tivermos mais hipóteses se tem que adquirir uma posição de liderança e de confiança junto deles e de os fortalecer (empower them). (D. H.)
Da mesma forma, Escartí refere a importância da estratégia pedagógica de
“empowerment” aplicada nas sessões.
[…] neste programa trata-se de dar autonomia aos miúdos – empowerment - para que possam ir gerindo a sua vida e uma das premissas da Psicologia que todos conhecemos é que para se ser autónomo tem que ter participado e escolhido as próprias metas. Daí que a partir do momento em que os alunos conseguem fazer as suas próprias normas e se comprometem a cumpri-las estão a ganhar autonomia, está-lhes a ser dada autogestão que é uma coisa básica para a responsabilidade. […]
Para nós o que o modelo de Hellison tem de especial é que é um modelo integrador: cria um ambiente, o clima da aula, propício ao DP porque favorece todos os elementos que os estudos sobre DP demonstraram serem importantes, como é o respeito, o empowermnt, a autonomia, a empatia. (A. E.)
Seguindo a mesma ideia, Parker propõe estratégias em que se exercita a
responsabilidade.
[…] têm de haver estratégias preparadas para ensinar responsabilidade às crianças e deixá-las desafiar-nos fazendo-o, […] Cada criança sabe ser boa. Mas nunca praticaram ou foram colocados numa situação em que pudessem praticar estas ideias de tomar responsabilidade. […]
Parker refere-se especificamente a estratégias que observou no trabalho de
Hellison como orientador dos treinadores.
Apresentação de Resultados
137
Ele dá feed-back aos treinadores sobre como dar feed-back aos jogadores. Então ele está a dar poder às crianças através de peças estruturais, muito, muito pequenas, que eu penso serem muito, muito críticas... para fazer trabalho de desenvolvimento juvenil. Então... sim... é a pessoa?... Muito... Mas é a pessoa criando uma atmosfera que permita às crianças a oportunidade de praticar as habilidades de que necessitarão para serem responsáveis ou autodirigidos e isso é muito...penso eu... muito difícil para nós. (P. M.)
Wright fala-nos de como é central, para a consecução dos objetivos do Modelo
de Responsabilidade, a capacidade de o adulto promover a assunção do poder
por parte do jovem e de fazer com que se responsabilize por si próprio.
[…] aí a sua essência do modelo está e pode-se mudar as coisas. Então, esses temas, essa essência, eu penso que o Don articulou realmente bem isso, um é “dar poder”. Se puder ficar e ver uma pessoa a ensinar durante uma hora, assistir à sua aula, e não a vir passar responsabilidade aos miúdos ou dar-lhes poder, então o modelo não está a acontecer, ou o que está a acontecer não alinha com o modelo. […] algumas pessoas podem fazê-lo de diferente forma, talvez algumas pessoas nem o façam em grupo, talvez tenham uma abordagem diferente, mas, de qualquer forma, se neste programa não for abordada a “transferência” ou o “conferir poder” […]
Eu pego em várias estratégias muito específicas que se poderiam observar. Eu olho para elas como indicadores. Coisas como dar escolhas e vozes, dando aos miúdos a voz no programa... (P. W.)
Martinek define e centra “empowerment” no desenvolvimento de
potencialidades dos alunos.
Empowering jovens, dar-lhes capacidade de decisão, centrar-se nas suas forças e capacidades e não nas suas fragilidades é o que interessa. […]
[…] quando implementas um programa desportivo é que crias uma cultura, uma cultura baseada no desenvolvimento (empowerment) dos alunos, dás-lhes capacidade de decisão, torna-os responsáveis pelas suas decisões sejam boas ou más. (T. M.)
e) Experiências de êxito
Proporcionar experiências de êxito é, para estes especialistas, uma aposta
clara numa pedagogia do sucesso. Para eles a motivação dos jovens assenta,
definitivamente, em estratégias em que o desafio é apropriado e em que a
sensação de competência é atingida pelo aluno.
Parker diz-nos como conduz os seus alunos através deste tipo de experiências.
[…] eles tinham que perceber por eles mesmos, tinham que determinar as coisas por eles próprios, tinham que experimentar e verificar o que funcionava melhor. eu não estava ali para lhes dar as respostas do género ” é assim que se atira, agora faz!” Perguntavam ”É melhor se se anda para a frente com o pé oposto ou, se se anda para a frente com o mesmo pé?”. Eu tentava fazê-los pensar sobre o que estavam a aprender ao mesmo tempo que experimentavam. (P. M.)
Apresentação dos Resultados
138
Wright põe a tónica nas estratégias que proporcionam experiências de êxito,
em que o “desafio é apropriado” aos jovens.
[…] providenciam um ambiente estruturado e seguro onde são apropriadamente desafiados que, se for bem feito, não é realmente centrado na competição mas sim no melhoramento pessoal […]
É interessante que Wright nos remete para as suas próprias memórias de
aprendizagens de sucesso.
Quando eu fui à minha primeira aula de karaté eu só disse: “Oh pá! Eu adoro estar aqui! Sinto-me bem comigo próprio. Sinto-me com sucesso. Sou capaz de fazer todas estas coisas porreiras e gosto das pessoas... eu quero ser como estas pessoas”, […] (P. W.)
Por fim, Martinek chama também a atenção para a importância das “boas
experiências”.
Temos boas experiências centradas em que os miúdos sejam o melhor possível enquanto estão connosco e na esperança de que levem algo disto lá para fora, para alguns resultará para outros não. (T. M.)
f) Integração
A forma como a transmissão de valores, muito particularmente da
responsabilidade pessoal e social, é feita durante as sessões é caracterizada
pelos entrevistados como “integrada” na atividade física.
A explicação de Hellison esclarece esse conceito.
Temos muitos programas realmente, eu falava nas minhas aulas, quando estava na faculdade, de programas para a juventude negligenciada e tratava-se de programas de desenvolvimento físico mas todos apresentavam objetivos não apenas desportivos. Infelizmente, do meu ponto de vista, a maior parte dos programas com Desporto são aquilo a que chamo programas com acrescentos (anexos). Por exemplo, temos um Torneio de Futebol em que depois do treino temos um momento em que falamos de relações pais filhos ou outra coisa qualquer. O que fazem é falar com eles sobre coisas da vida mas isso não tem nada a ver com o desporto, tudo o que diz respeito ao desporto fica na mesma, o que têm que fazer enquanto equipa e enquanto jogam é a mesma coisa só lhes é acrescentado algo. Eu sinto mais consistência quando estas coisas são integradas (não acrescentadas): eles aprendem o que têm a aprender com a atividade física e depois tem que se tratar da transferência, tem que se conseguir isso. Eu penso que é possível e alguns programas fazem-no. […] e é isso que eu penso que faz a diferença. […] (D. H.)
Escartí expressa a mesma opinião.
Para nós o que o modelo de Hellison tem de especial é que é um modelo integrador: cria um ambiente, o clima da aula, propício ao DP porque favorece todos os elementos que os estudos sobre DP demonstraram serem importantes, como é o respeito, o empowermnt [devolver o poder aos alunos], a autonomia, a empatia. Penso que é integrador nesse sentido. É um programa de DP porque trabalha todos os aspetos que o DP demonstrou que funcionam. (A. E.)
Apresentação de Resultados
139
Por outras palavras, Parker refere a necessidade de que a aprendizagem da
responsabilidade surja naturalmente do ambiente da sessão.
[…] esta aprendizagem de responsabilidade pessoal e social tem de ser em contactos tão significativos e cheios para eles, isso não pode ser imaginado, não pode ser inventado mas tem de ser num ambiente natural que o torne real para eles. Então temos de perceber como manipular esse ambiente... ter os objetivos até aqui [gesto] no seu decorrer. Quase que temos de entrar, eu diria, pela porta traseira para que eles não pensem que estamos a trabalhar desenvolvimento juvenil positivo, eles pensam que estamos a jogar futebol e só vai ser diferente e isso é uma daquelas coisas... e eu penso que isto é crítico... ter miúdos capazes de acompanhar o nosso trabalho. (P. M.)
Wright fala em “integração sem costuras” para explicar a necessidade de que a
atividade física seja o contexto em que se exercitam os valores.
“Integração”, que eu oiço, como a Pat... fala, nessa “integração sem costuras”. Então, como exemplo aqui, é a pessoa que só põe o póster na parede. As ideias são anunciadas mas isso não altera nada do que acontece no jogo, isso não está integrado, mas se falarmos de liderança e dermos aos miúdos a oportunidade de liderar coisas, aí está-se a integrar. Falamos de fazer escolhas e deixamos os miúdos tomarem decisões na atividade, aí está integrado. (P. W.)
g) Tomada de consciência
A necessidade de que os jovens observem, reflitam e avaliem o próprio
processo de aprendizagem é também referida como uma estratégia
necessária.
Hellison declara na sua entrevista o seguinte.
Acredito que se eu fizer isto com eles durante um ano ou dois que eles viverão melhor as suas vidas, refletindo sobre si mesmos. Eles saberão como olhar para si mesmos e fazer a sua autocrítica. […]
Mas quando estamos no “tempo de reflexão” e eu pergunto: como foi que te portaste hoje? Como esteve o teu temperamento? E as bocas, controlaste as bocas? E eles vão dizendo: sim… mais ou menos… ainda não… (D. H.)
Parker refere o mesmo apelo à tomada de consciência por parte dos alunos,
referindo que a utiliza como estratégia específica mesmo com crianças
pequenas.
Trabalhei muito a reflexão: já nessa altura os meus alunos mais novos, provavelmente da terceira classe - 8 anos de idade - mantinham diários sobre o que acontecia na aula […] Registavam as suas reações, como se sentiam, como trabalhavam com outras pessoas nas aulas […] tinham oportunidade de fazer escolhas pois refletiam sobre os assuntos. […] Eu tentava fazê-los pensar sobre o que estavam a aprender ao mesmo tempo que experimentavam […]
Eles eram responsáveis por o cumprir e tinham que refletir sobre isso todos os dias. Perguntávamos-lhes: ”onde trabalhaste? “;”quanto fizeste?”; “o que precisas amanhã?”- (P. M.)
Apresentação dos Resultados
140
Martinek usa as memórias dos alunos para os fazer consciencializar o seu
próprio processo de aprendizagem.
Disse-lhes: pensem em três pessoas ou factos que foram verdadeiramente significantes para vocês e pensem como foi que chegaram a ser universitários, ou professores ou o que são hoje. Eles conversaram a respeito disto, partilharam e trocaram ideias uns com os outros a propósito (T. M.)
A tomada de consciência é também uma estratégia utilizada por Brustad com
os seus alunos.
Tu és mais dedicado, tu és mais responsável, tu és mais o que quer que seja e assim é fácil e também ajuda porque eles podem-se auto pontuar e podem dizer porquê - Esta semana pontua-me o teu nível de responsabilidade. Tu pontuas o teu nível e eu vou pontuar o teu nível. Explicas-me porquê e eu explico-te porquê e se ambos estivermos de acordo, muito bem. […]
Eles escrevem-nos principalmente acerca deles próprios e depois discutimo-los. Mas nesta idade eles são muito abertos, podemos dizer. Bem, também penso que são bastante perspicazes. […]
Mas, sim, é realmente isso que fazemos para trabalhar e fazemo-los escreverem os seus diários no final do treino, quase todos os dias, ou tentamos fazê-lo todos os dias, depois do treino. (R. B.)
h) Tomada de decisões e escolhas
Permitir que o aluno tome decisões a respeito de normas, ou do conteúdo das
sessões, ou dos parceiros de trabalho, ou outras, e que depois leve
responsavelmente as suas escolhas até ao fim, é uma estratégia referida por
dois dos entrevistados.
Escartí refere especificamente a criação de normas.
[…] a norma surge de uma necessidade de algo que ocorreu. Não é uma norma que o professor estabelece mas sim de algo que no grupo é preciso resolver. Aqui não se trata apenas de estabelecer a norma mas também do que acontece em caso de incumprimento da mesma que consequências derivariam daí […] (A. E.)
Parker motivava os jovens a fazer escolhas sobre a sua própria aprendizagem,
sobre os colegas com quem trabalhar e sobre os materiais a usar.
Fazia muitas vezes atividades com os miúdos em que lhes dava escolhas […]
Para os meus objetivos era importante que os alunos pudessem tomar decisões sobre a sua própria aprendizagem […] mesmo com crianças pequenas, dava-lhes escolhas, podiam ser escolhas simples como: “Com que colega queres trabalhar “, ou ”que bola queres usar”, esse tipo de coisas, até escolhas e decisões mais importantes como: ”o que queres aprender?”.
Eles tinham muitas escolhas.
Apresentação de Resultados
141
Isto é o que se espera que eu faça; é com estes colegas que devo estar a trabalhar e é assim que eu vou ser avaliada/o pelo professor.
Eles eram responsáveis por o cumprir e tinham que refletir sobre isso todos os dias. Perguntávamos-lhes: ”onde trabalhaste? “;”quanto fizeste?”; “o que precisas amanhã?”- por isso, estavam bastante auto-direcionados na sua própria aprendizagem. (P. M.)
i) Estratégias específicas para cada nível
Para atingir cada um dos níveis os entrevistados referem algumas estratégias
mais específicas. Martinek reforça a importância dessas estratégias.
As estratégias são outra coisa muito importante. Em cada um dos níveis há um conjunto de estratégias que vão permitir aos miúdos experimentar e precisamos delas para os fazer avançar no auto controlo (p. ex.) e aceder ao nível seguinte. (T. M.)
1º Nível
No primeiro nível pretende-se que os jovens se sintam bem no espaço em que
se desenrola a atividade, que respeitem os outros e que se sintam respeitados.
Hellison, por exemplo, usa as perguntas diretas ao aluno, feitas no período de
reflexão, sobre a forma como respeitou os direitos e os sentimentos dos outros.
Mas quando estamos no “tempo de reflexão” e eu pergunto: como foi que te portaste hoje? Como esteve o teu temperamento? E as bocas, controlaste as bocas? E eles vão dizendo: sim… mais ou menos… ainda não… (D. H.)
Parker dá conta da importância das situações reais de jogo para fazer os
jovens experimentarem o respeito de forma segura.
Então, se estiver a jogar Basquetebol e decidir entrar numa luta, isso é muito real. Como é que eu o ajudo a lidar com isso, nessa situação? Como é que o ajudo a... refletir no seu comportamento? Então, isto tem de acontecer, para mim, num ambiente natural. É sob este ambiente natural, eu não inventei (a situação)... “não finjas que lutas!” e eles resolverão. Mas eles necessitam de oportunidades para praticar e há muitas oportunidades que são seguras. (P. M.)
Martinek reforça a importância deste nível como condição de desenvolvimento
dos seguintes.
Se não consegues que os miúdos apreendam o 1º nível (auto controlo e respeito pelos sentimentos dos outros) nada do resto funciona. (T. M.)
Brustad recompensa os jovens que demonstram responsabilidade social.
Mostra mais capacidade em estar preocupado com os outros e eu dou-lhe mais oportunidades. Ok? Mostra mais motivação e eu dou-te mais oportunidade. (R. B.)
Apresentação dos Resultados
142
2º Nível
No segundo nível fomenta-se nos alunos a participação nas atividades e o
esforço pessoal para o êxito. Parker e Martinek exemplificam da forma
seguinte.
Outro grupo podia estar a praticar ginástica, outro podia estar a praticar basquetebol, e então toda a gente na turma iria estar a fazer coisas diferentes, de acordo com os contractos onde liam: Isto é o que se espera que eu faça; é com estes colegas que devo estar a trabalhar e é assim que eu vou ser avaliada/o pelo professor. Eles eram responsáveis por o cumprir e tinham que refletir sobre isso todos os dias. Perguntávamos-lhes: ”onde trabalhaste? “;”quanto fizeste?”; “o que precisas amanhã?”- por isso, estavam bastante auto-direcionados na sua própria aprendizagem. (P. M.)
[…] o aluno deve primeiro ser capaz de respeitar os direitos e sentimentos dos outros, colaborar e mostrar esforço, […] (T. M.)
Brustad refere a motivação que faz aos seus alunos no sentido de fomentar o
compromisso pessoal.
[…] os miúdos que querem representar a escola têm de ser os que estiverem no mais alto nível de compromisso. […]
[…] Ou certifique-se de que todos os miúdos que estão no treino estão a trabalhar com os seus treinadores, o miúdo treinador dessa equipa, e assim eles pontuam-se a si próprios ao nível do compromisso e se não estiverem no nove ou dez, não podem jogar nessa saída. Podem jogar, podem continuar a jogar basquetebol, vêm a todos os treinos e jogam nas competições internas da escola. (R. B.)
3º Nível
Fomenta-se a autonomia no terceiro nível através do treino individual e da
assunção da responsabilidade pessoal. Hellison relata a forma como questiona
os jovens sobre este aspeto.
E vamos avançando assim até que eles cheguem a ter uma certa autonomia. Depois vou perguntando se algum atingiu algum objetivo (pessoal ou desportivo) que se tenha proposto de início. E, em frente a todos, eles dizem se sim. Muito bem, vamos avançar para a liderança… (D. H.)
Escartí dá o exemplo da utilização da construção das normas para o exercício
da autonomia.
Apresentação de Resultados
143
[…] a partir do momento em que os alunos conseguem fazer as suas próprias normas e se comprometem a cumpri-las estão a ganhar autonomia, está-lhes a ser dada autogestão que é uma coisa básica para a responsabilidade. (A. E.)
Parker faz várias referências às estratégias usadas para promover o terceiro
nível e à sua importância. Mais uma vez refere que este trabalho é possível
mesmo com “crianças pequenas”.
Para os meus objetivos era importante que os alunos pudessem tomar decisões sobre a sua própria aprendizagem e, por isso, desde o começo, mesmo com crianças pequenas, dava-lhes escolhas, podiam ser escolhas simples como: “Com que colega queres trabalhar “, ou ”que bola queres usar”, esse tipo de coisas, até escolhas e decisões mais importantes como: ”o que queres aprender?”. […] Procurava que concebessem os seus próprios jogos em vez de eu lhes ensinar um jogo, eles criavam os jogos e trabalhavam uns com os outros, tinham que registar as regras em termos de instrução e conteúdo. Eles tinham muitas escolhas. […]
[…] o aluno podia entrar e dizer ”Missy eu quero aprender pingue-pongue, eu e os meus amigos ouvimos falar disso e eles também querem aprender comigo”. Então eu apresentava-lhe uma folha de papel com um formulário onde escreveria o que queria aprender, com quem ia estar a trabalhar, o que ia fazer para aprender e como é que no final iriam saber o que tinham aprendido […] nessa semana entrava em EF todos os dias, juntava-se ao seu grupo amigos e trabalhava no seu contrato, por isso iria estar a praticar pingue-pongue. (P. M.)
Wright faz referência à estratégia que Hellison propõe desde sempre para o
desenvolvimento da autonomia o “empowerment”.
[…] eu penso que o Don articulou realmente bem isso, um é “dar poder”. Se puder ficar e ver uma pessoa a ensinar durante uma hora, assistir à sua aula, e não a vir passar responsabilidade aos miúdos ou dar-lhes poder, então o modelo não está a acontecer, ou o que está a acontecer não alinha com o modelo. (P. W.)
4º Nível
No quarto nível fomenta-se o comportamento solidário, a entreajuda. Os alunos
ajudam-se uns aos outros e, no exemplo presente das palavras de Parker, o
próprio professor estimula a ajuda entre os “alunos-treinadores” e os outros
alunos.
Por exemplo, ele60
deixa crianças treinarem crianças mas ele fala com os treinadores e estes vão e falam com a equipa. Eles têm de fazer sozinhos os seus aquecimentos... […] Ele
61 dá feedback aos treinadores sobre como dar feedback aos
jogadores. […] Então ele62
está a dar poder às crianças através de peças estruturais, muito, muito pequenas, que eu penso serem muito, muito críticas... para fazer trabalho de desenvolvimento juvenil. (P. M.)
60
Missy Parker refere-se com o pronome “ele” a Don Hellison 61
Idem nota anterior 62
Ibidem nota anterior
Apresentação dos Resultados
144
5º Nível
O quinto nível é aquele que culmina toda a ação educativa. Pretende-se que o
aluno transfira para a sua vida as competências adquiridas no ambiente
educativo restrito do seu clube ou aula de EF. Talvez por esse motivo é o nível
que tem o maior número de referências a estratégias específicas.
Registamos as referências feitas por Hellison que começa por chamar a
atenção para a dificuldade de encontrar estratégias específicas para este nível.
De tudo isso é o mais difícil [o 5º Nível]. Porque não se pode passar todo o tempo a falar disso e verdadeiramente não é coisa que posamos ser nós a fazer. Tom tem algumas ideias a respeito disto, estudou e avaliou como faze-lo na aula. (…) A minha convicção é que o que eles fazem no ginásio poderiam fazer cá fora mas, eles próprios dizem, é muito difícil, porque não têm apoio, não há clima nem envolvimento. É um problema que tem a ver com as relações com as suas amizades etc. (…) De qualquer maneira, eu penso que ao fim de algum tempo, quando entram do ginásio, eles próprios têm expectativas ou de não serem agredidos, ou de terem a oportunidade de serem mais responsáveis… eles vão adquirindo estas expectativas que depois não veem nas salas de aula, ou no parque de jogos nem mesmo em casa. Eles sabem que é diferente. […]
Finalmente chega à parte que diz respeito ao que se passa fora do ginásio. Aí pergunto: desde a última vez que nos vimos querem dar algum exemplo de algo que tenham aprendido aqui e que tenham feito lá fora, em qualquer lado? Às vezes eles não conseguem dizer porque isto é difícil para eles e então eu começo de uma forma mais simples: como foi o teu autocontrolo nas aulas desde que eu te vi a última vez? E eles lá vão dizendo. […] Eu estou sempre a tentar que eles vejam a ligação, isso é o mais importante. […]
Quando falamos de transferência uma das coisas que dizem é que não veem onde está a ligação, o que é que uma coisa tem a ver com a outra. Isto acontece-nos muito quando falamos de desporto, de como aprendem muitas coisas, por exemplo a moralidade que depois fica só no campo. Passa-se o mesmo em relações a coisas menos boas como por exemplo: fazer batota. O facto de fazerem batota no desporto não quer dizer que obrigatoriamente o vão fazer lá fora e isso é bom. […] Mas quando aprendem qualquer coisa verdadeiramente boa – cooperação em equipa - nós queremos que o transfiram e que o usem na vida, para isso descobrimos maneiras simples. No meu caso (e no caso de atividades de paróquia ou em treinos) em que trabalhamos nos tempos livres eu posso sempre falar com eles, em tempo de aconselhamento, e perguntar-lhes, como está a ir a escola? Pergunto-lhes como estão na equipa do bairro… (D. H.)
Escartí defende a “transferência” como uma habilidade que se aprende. Refere
ainda a sua importância e a sua transversalidade em todo o programa que
aplique o modelo de Hellison.
A transferência é uma habilidade que se aprende, não se dá espontaneamente. Consideramos que verdadeiramente não é apenas o nível cinco, consideramos que se dá ao longo do programa, que é transversal ao programa. Há que falar-lhes ao longo do tempo que as coisas que aprendem no programa ao longo das sessões têm
Apresentação de Resultados
145
que as aplicar em casa, nas outras aulas ou no recreio. Esta é um pouco a nossa ideia: os níveis são algo de progressivo que se vai superando em escada, os níveis vão-se trabalhando cumulativamente e o nível cinco aparece como transversal, isto é, durante todo o tempo está-se trabalhando o nível cinco. […]
A transferência é uma capacidade intelectual que os miúdos aprendem, temos que ir falando com eles, explicando-lhes que o que aprenderam hoje é para aplicar em casa ou nas aulas e que o que acabam de aprender lhes servirá para outras coisas. Disso é o professor que tem que os fazer conscientes, conscientes do que aprenderam e de que isso lhes pode ser útil para outras situações. […]
Isso faz-se através das perguntas, através do diálogo com os alunos. Na primeira parte da sessão é quando perguntamos: então algum conseguiu aplicar o que aprendemos ontem em casa, com a família, ou na rua, ou no recreio? (A. E.)
Parker fala-nos também da dificuldade em encontrar estratégias específicas
para o nível cinco. Apesar disso refere algumas das que utiliza na sua
intervenção pedagógica.
E como faz para fazê-los transferir essas coisas? (entrevistador)
É difícil, é muito difícil. Temos que os ajudar a aprender como se faz. Não se pode dizer:” Faz “ e esperar que aconteça. O melhor é ficar com os alunos o tempo suficiente para haver um relacionamento. Que haja um relacionamento, que eles saibam que podem confiar em nós e mantê-lo durante os tempos difíceis. […]
Isso permite que os ajudemos com estratégias muito concretas sobre o que fazer depois da escola, como os apoiar. Programar coisas para eles fazerem depois da escola, e depois pedir que relatem como correu, ou sair com eles e ajudá-los a transferir coisas. […]
Os estudantes falavam inglês e espanhol, então estas crianças de 9 e 10 anos ensinaram, aos idosos, atividade física. E com o que fizeram parecia que se tinham tornado amuletos para caminhadas, com os velhinhos. E só vieram e falaram com eles, então começaram a ver como é que o podiam fazer, como o podiam aplicar cá fora, mas nós providenciámos a primeira situação. Demos a oportunidade de o praticarem levando-os para fora do ginásio e eu penso que temos de o fazer. Trazer para fora do ginásio e ter de o praticar de qualquer forma. […]
O ano passado, na minha escola, no fim do ano, os estudantes quiseram fazer uma caça ao ovo da Páscoa... sabem o que é a caça ao ovo da Páscoa?... ok... nós pensamos... sim, é o que vocês querem... será o nosso final de ano. Então, escondemos ovos por todo o pátio da escola e era o final das aulas. Vieram as mães e roubaram, levaram, todos os nossos ovos de Páscoa antes dos alunos terem a oportunidade de sair para a caça. Eu estava muito zangada, eu estava muito zangada... e as crianças olharam para mim e disseram: “Elas não sabem para mais. Temos de as ensinar”. Eu é que estava zangada e os meus alunos de 10 anos estavam a dizer-me “temos de lhes ensinar o que deveriam fazer”. Então, está a ajudar, penso que está a ajudá-los aprender como levar lá para fora o que aprenderam, com exemplos reais, experiências reais, não apenas dizer “faz isto quando fores”. (P. M.)
O parágrafo seguinte Wright diz que se estes objetivos (transferência e outros)
não forem perseguidos então “o programa não está a acontecer”.
A outra coisa é “transferência”. Se a ideia de aplicar à vida fora do programa não é abordada, de alguma forma... algumas pessoas podem fazê-lo de diferente forma, talvez algumas pessoas nem o façam em grupo, talvez tenham uma abordagem
Apresentação dos Resultados
146
diferente, mas, de qualquer forma, se neste programa não for abordada a “transferência” ou o “conferir poder” ... (P. W.)
Para Martinek o 5º nível é também muito difícil de implementar. Na sua opinião
o maior problema reside na diferença cultural entre o programa e o
envolvimento fora deste.
[…] o último nível é realmente crítico. Especialmente na escola o que acontece quando implementas um programa desportivo é que crias uma cultura, uma cultura baseada no desenvolvimento (empowerment) dos alunos, dás-lhes capacidade de decisão, torna-os responsáveis pelas suas decisões sejam boas ou más. […] Criada esta cultura nos miúdos eles voltam para a cultura da sua escola e, a maior parte das escolas é exigente com os alunos no cumprimento das matérias escolares propriamente ditas com grande ênfase nas classificações, […] crias uma cultura diferente da cultura escolar e, para os miúdos, lidar com isto não é fácil. […]
[…] é difícil trabalhar o quinto nível…63
Claro e olhando mais adiante, mesmo na vizinhança (na sua comunidade) eles têm que ser “duros” e nós andamos a falar de respeito… nós podemos falar de respeito no nosso clube, de se respeitarem uns aos outros, os sentimentos dos outros, as suas individualidades e diferenças, mas quando se fala de respeito nos bairros destes miúdos estamos a falar de uma coisa diferente. Lá, “respeito”, quer dizer ser duro, não recuar, aguentar-se sozinho, e eles aprendem isto no seu bairro, com a sua família, com os seus pais. Por isso é uma contracultura (o teu trabalho). […]
O melhor que há a fazer com os professores das outras aulas é em relação ao nível de transferência (nível 5), com esses há que informá-los do que estás a fazer, em que estás a trabalhar, o que fazes com os miúdos e os benefícios desse trabalho. Isso ajudou-me pois nós encontramo-nos com os outros professores e estas ideias ficam-lhes na mente, que tentamos levar estes miúdos a estar de uma forma melhor na escola, […] pelo menos há que informá-los sobre o trabalho que estamos interessados em fazer. […]
A ideia do conselheiro é basicamente possibilitar uma ponte entre os objetivos do clube e a sua aplicação na escola e assim ajudar estes miúdos a estarem mais centrados nos objetivos. (T. M.)
63
Entrevistador
Apresentação de Resultados
147
2. 8. Fatores de sucesso
As subcategorias que analisámos em seguida integram os registos vários dos
fatores de sucesso que, na opinião dos entrevistados, são mais importantes no
modelo de Hellison. São eles: o ambiente em que se desenvolve a atividade
educativa, o tipo de avaliação que é feita quer ao produto quer ao processo de
ensino, as estratégias, a estrutura do modelo, a idade dos alunos, a
capacidade do adulto ser objetivo e realista, a qualidade da relação do adulto
com a criança, o adolescente ou o jovem, o rácio professor aluno e o tempo em
que o adulto se mantém envolvido no projeto com determinado grupo.
Para facilidade de leitura encontram-se agrupados em alíneas que compõem
as subcategorias respetivas.
a) Ambiente
Segundo Parker, o ambiente de ensino deve corresponder a uma atmosfera
“natural” onde o jovem tem direito à experiência e ao erro.
Se cometo um erro em termos de comportamento ou responsabilidade ou autocontrole, então sou posto fora da aula, qualquer coisa como expulso da escola.” Então não damos às crianças uma oportunidade de praticarem, num ambiente seguro, com situações reais. […]
Então, isto tem de acontecer, para mim, num ambiente natural. É sob este ambiente natural, eu não inventei (a situação)... “não finjas que lutas!” e eles resolverão. Mas eles necessitam de oportunidades para praticar e há muitas oportunidades que são seguras. […]
Mas é a pessoa criando uma atmosfera que permita às crianças a oportunidade de praticar as habilidades de que necessitarão para serem responsáveis ou autodirigidos e isso é muito...penso eu... muito difícil para nós. (P. M.)
Wright fala de um ambiente “confortável”, estruturado e seguro, onde existe
êxito e desafio.
Alguns miúdos ligam-se realmente a isso, porque acham que é um lugar onde se sentem realmente confortáveis e eu penso que esta é a razão porque muitas pessoas gravitam o desporto. […] providenciam um ambiente estruturado e seguro onde são apropriadamente desafiados […]
Adorava o conteúdo, as figuras, a atividade física, mas foi o clima e a cultura do programa que me agradaram. (P. W.)
b) Avaliação
Apresentação dos Resultados
148
A avaliação sistemática do produto do trabalho pedagógico e do próprio
processo de ensino é, na opinião dos entrevistados uma estratégia importante
para o êxito dos programas.
Nos textos seguintes, Hellison diz que utiliza quer a recolha de opinião dos
próprios alunos quer de outros intervenientes na sua educação. Sejam outros
professores ou os diretores de turma. Os resultados da sua própria observação
também são importantes.
Trata-se de intuição, é uma outra maneira. […] Eu procuro os alunos e também os professores, principalmente nos programas após a escola, eu pergunto aos diretores de turma, por ex.: “como é que vai este miúdo? tem faltado?” e o mesmo aos alunos. Um deles uma vez disse-me: “tenho tido menos suspensões!” e isto foi dito com ar de triunfo! Por isso, há uma série de maneiras de medir e avaliar mas a primeira coisa que me interessa descobrir é como trabalhar, como levar isto avante. […]
O importante é ver que resultados obtemos das aulas, que resultados do processo? Por ex.: se eu tenho miúdos que refletem e lhes proponho que se avaliem a eles mesmos, “o que fizeste hoje? Correu bem para ti? Achas que estás a trabalhar nisso?” para mim é suficiente, eu vi o que eles fizeram, não há necessidade de me virem dizer que foi maravilhoso! (D. H.)
Escartí usa alguns meios técnicos de registo, como seja vídeo, e registo e
discussão em grupo de observações.
Também utilizamos gravação de vídeo, fazemos registos das categorias que queremos observar em relação com os níveis de responsabilidade e verificamos se os comportamentos dos miúdos, ao longo do seu percurso escolar melhoram ou não. […]
[…] temos o grupo de discussão com os professores e assim encontramos resultados que têm a ver com os miúdos mas que também têm a ver com os professores: verificamos não só que os alunos melhoraram mas também os professores tiveram benefícios com a participação no programa. (A. E.)
Martinek fala-nos da observação direta que faz dos seus alunos, de entrevistas
e estudos e de parâmetros de observação que considera significativos, tais
como, a permanência no clube, a diminuição de problemas disciplinares na
escola – “afastados do gabinete do diretor de turma” – e o tipo de ocupação de
tempo livre.
Aquilo que procuro é ver se estão mais reflexivos na maneira como se relacionam com os outros, as suas relações com os colegas, a sua capacidade de lidar com a responsabilidade… […]
Duma perspetiva formal observa-se o “compromisso”. (É uma das coisas que Tammy Shiling refere como importante num artigo saído da sua dissertação) “porque é que as crianças continuam a frequentar o clube” onde faz entrevistas centradas no
Apresentação de Resultados
149
grupo, feitas aos miúdos e aos pais, onde procura saber o que é que mantém as crianças fiéis ao clube e comprometidas com o clube.
E eu digo: se conseguir que os miúdos se mantenham orientados, afastados do gabinete do diretor de Turma, se se inscrevem num clube… isso é o que me interessa! (T. M.)
c) Estrutura do modelo
Escartí refere o facto de a estrutura do modelo permitir a sua fragmentação o
que, segundo ela, possibilitará verificar alterações nos alunos após
relativamente pouco tempo.
[…] o programa que aplicamos está bastante fragmentado e aí sim há aspetos que, mesmo em pouco tempo, é possível ver algumas mudanças (p. ex., na autonomia...) (A. E.)
d) Idade
Hellison refere também que a idade (mais baixa) permite uma maior
progressão dentro dos objetivos do programa.
Quando trabalhamos nas classes mais avançadas muito raramente se tem resultados como com os miúdos. Nós começamos por baixo com jovens que fazem connosco um certo percurso, puxamos por eles e eles podem progredir mais neste âmbito, até à liderança juvenil e por aí fora. (D. H.)
e) Objetividade e realismo do adulto
Por sua vez, Martinek salienta a importância, para o sucesso do modelo, da
objetividade e do realismo do adulto que o aplica. Fala da capacidade de ter
paciência em relação ao aparecimento dos resultados e para valorizar as
“pequenas vitórias”.
A razão pela qual acredito nisto é porque reforça aquilo que é importante para as crianças, aquilo de que precisam para sobreviver nas suas vidas e isso é o que me interessa. Reforça o que é importante para os miúdos […]
Há que ser realista! Não podes mudar completamente um miúdo. Talvez, uma vez por outra consigas que um outro professor te diga “que é que tens feito com este miúdo, ele está diferente” mas muito raramente. O que vais obter, normalmente, são pequenas coisas. […] é como se plantássemos sementes e esperássemos que uma pequena parte delas deem árvores, são as pequenas vitórias. Essas pequenas vitórias aparecem quando, por exemplo, um miúdo tem um confronto com outro e nesse dia resolve virar as costas não entrar na bulha, é isso, […]
É por isso que é tão difícil avaliar o impacto deste programa, eles têm muitos altos e baixos e há que buscar essas pequenas vitórias. […]
Apresentação dos Resultados
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[…] sê realista no que fazes – não podes fazer tudo – tenta fazer pequenas mudanças nesses miúdos […] (T. M.)
f) Qualidade da relação do adulto com o adolescente
É muito simples a maneira como Hellison descreve o tipo de relação com os
jovens.
Consegui construir relações de amizade com eles, eu via-os como gente. (D. H.)
Parker dá-nos mais detalhes. Salienta a relação em que existe confiança e em
que o aluno é considerado para além do seu papel de “aluno”.
Que haja um relacionamento, que eles saibam que podem confiar em nós e mantê-lo durante os tempos difíceis.
Também me parece importante que se veja o aluno ‘lá fora’ (no exterior). Tem que se ver os alunos como pessoas reais, que têm uma vida muito mais ampla e mais rica do que o tempo em que os vemos, durante ou depois da escola. […] se eles fazem desporto, então eles precisam de saber que eu me importo o suficiente para aparecer e vê-los jogar. (P.M.)
Wright chama a atenção para a importância do estabelecimento de relações
positivas com o aluno.
[…] alguém poderia seguir as orientações e programar as suas aulas desta forma, mas se não criasse relações positivas com os miúdos e, quero dizer, o plano da sua aula poderia parecer certo mas poderia não ter a essência do modelo, (W.P.)
No mesmo sentido vão as referências de Martinek, salientando o impacto que a
relação professor/aluno pode ter na vida deste.
…e pode nunca se saber quando se teve verdadeiramente impacto (influência) num jovem. […]
[…] tu nunca sabes quando fazes memória! E eu digo: tu saberás quando terás impacto numa criança. Por isso as pequenas coisas são muito importantes. Falamos muito de avaliação e de outras coisas mas realmente as coisas pequenas (pequenos progressos) são as mais importantes. […]
[…] seguimos os alunos para além do clube. Nós ficamos em contacto com eles, não os perdemos: ora eles nos telefonam ora nós lhes telefonamos a eles. Mantemos tanto quanto nos é possível uma relação de amizade com todos. (T. M.)
g) Rácio
A relação do número de alunos por professor ou monitor é muito importante
para os entrevistados. Hellison refere esse fator.
Apresentação de Resultados
151
Apareci então lá na escola. Era uma escola pequena de trinta e cinco alunos, com quatro ou cinco professores, turmas de mais ou menos de doze de quinze alunos. […]
Aí eu vi como os alunos evoluíam verdadeiramente em responsabilidade por um motivo – a turma era mais pequena! (D. H.)
A referência de Wright reforça a convicção de Hellison.
Se estou a trabalhar com dez ou doze miúdos, e é assim que o Don, normalmente, trabalha, pode-se ir muito mais longe na construção de uma relação, e individualizando e chegando mais fundo. Se é um professor de EF no mundo real, com 30 ou 35 miúdos, por causa dos números, a sua capacidade de ir tão fundo é (menor)... abrange mais miúdos, mas não consegue ir tão fundo. (P. W.)
Martinek é também perentório neste assunto.
“mantém o grupo pequeno”. Não tentes pegar em trinta ou quarenta crianças para trabalhar este tipo de coisas (é uma coisa boa que têm os programas pós-escolares) não se pode trabalhar com 50 crianças, vinte é o máximo! Se se aceitar mais do que isto não se pode fazer um bom trabalho. Tem que se manter o grupo pequeno, tem que se manter o equilíbrio. […]
Mantêm o grupo pequeno e sê realista no que fazes – não podes fazer tudo – tenta fazer pequenas mudanças nesses miúdos e mantém-te com eles. (T. M.)
h) Tempo
Todos os entrevistados que trabalham normalmente com o Modelo de
Responsabilidade fazem referência à importância do tempo que se despende
em contacto com os alunos. O êxito na aplicação dos programas depende em
muito da duração dessa aplicação, isto é, do número de sessões, dos meses,
dos anos. Começamos com as referências feitas por Hellison.
Eles têm que experimentar, exercitar e quanto mais melhor. Se estiver com eles tempo suficiente acontece uma coisa interessante: eles começam a defender o programa da forma como o fazemos. Se, por exemplo nos esquecemos da avaliação – levantando os polegares – eles próprios lembram e querem fazer direito e dizem que não é assim que se faz. […]
Se trabalharmos com eles durante seis meses já podemos ver algumas diferenças mas quanto mais tempo tivermos mais hipóteses se tem que adquirir uma posição de liderança e de confiança junto deles e de os fortalecer (empower them).
Por outro lado, acho que não devemos estar com eles tempo demais. Pergunto a mim mesmo até onde posso ir com eles? Sei o que é o meu ideal mais alto e sei qual é a realidade, o ponto onde comecei, – e há dias em que olho e digo – será que poderei avançar até ali ou não posso ir mais longe hoje – ou – talvez não hoje! – ou – este é um bom momento para ir mais além! (D. H.)
Da mesma forma, Escartí sublinha a importância do tempo de contacto com o
modelo.
Apresentação dos Resultados
152
O problema é que estes miúdos estão connosco apenas um ano, no ano seguinte vão embora e não os podes seguir para saber quais são os efeitos do programa. È verdade que durante esse ano melhoram, mas é um efeito a curto prazo. […]
A mim parece-me que pelo menos um ano escolar no mínimo é necessário. […]
Já quando trabalhamos responsabilidade num plano mais abrangente é necessário pelo menos um ano. (A. E.)
Parker justifica o tempo pela qualidade de relação que envolve o
desenvolvimento juvenil.
Então, eu penso que é a mesma coisa com os programas de desenvolvimento juvenil, mais ainda se falarmos de desenvolvimento de relações. Os relacionamentos demoram tempo. (P. M.)
Martinek fala do período de escolaridade básica e secundária.
Frequentemente eles não ficam connosco muito tempo: e o que é um semestre, mesmo que seja um ano? Depois vão e voltam… é por isso que é tão importante conseguir estar com eles muito tempo, não só durante a escola básica mas também na secundária. (T. M.)
2. 9. Relação professor/modelo
A importância atribuída pelos entrevistados ao professor (monitor) e ao modelo,
neste caso o Modelo de Responsabilidade, encontra-se registada em muitas
referências. Salientaremos algumas dando exemplo da forma como se referiu à
relação professor/modelo cada um dos entrevistados.
Hellison exprime a sua opinião da seguinte maneira.
Há pessoas que usam o método como fórmula rígida, e quando ensinamos (professores) alguns querem fazer disto uma receita, como que apoderar-se da fórmula, se possível em metade do tempo, e o resto não interessa. […]
O que é que acha mais importante a pessoa ou o modelo? (Entrevistador) - Sempre a pessoa! Agora se temos a pessoa certa talvez a metodologia ajude. Especialmente se temos determinado objetivos. (D. H.)
Escartí estabelece uma relação entre os dois fatores as caraterísticas do
professor e as virtualidades do modelo.
Não é possível um sem outro […]
[…] se o professor que aplica o modelo não tem qualidades, não interiorizou o modelo ou não o entendeu bem e não é um bom modelo em si mesmo para os meninos, não serve. Nós, como aplicamos o programa durante dois anos observamos diferenças significativas, importantes, entre os grupos em função do professor. O professor que nós verificávamos, através das observações e dos diários, que trabalhava bem com os miúdos, que seguia a filosofia do modelo, esse professor obtinha resultados. Sem dúvida que os professores que não seguiam a filosofia do
Apresentação de Resultados
153
programa e cujos comportamentos fossem contrários ao espírito do modelo e do programa, os seus alunos, não obtinham os mesmos resultados de aprendizagem da responsabilidade. […]
Essa dicotomia professor/programa, eu não a entendo. Vejamos, o programa é uma maneira de entender a educação e de ensinar, portanto não tem que ser um espartilho em que o professor deixa de ser ele mesmo para fazer o programa, tem que se esperar que os professores sejam eles mesmos com alguma flexibilidade. O que eles têm que fazer é interiorizar os valores, as normas, os objetivos que se perseguem e que depois sejam eles mesmos, pois se se lhes põe o tal espartilho não funcionam, pois no mínimo não se sentem bem com o que estão a fazer. A nossa experiência diz-nos que, o mais importante é que aprendam as estratégias a aplicar com os miúdos e que os alunos, de alguma forma, obtenham benefícios com elas. (A. E.)
Para Parker o professor é sem dúvida o mais importante, no entanto, ressalva
a importância de estratégias apropriadas às crianças com quem se trabalha.
O professor é a coisa mais importante. Mas, eu digo que o professor é a coisa mais importante, contudo, se estiverem a trabalhar com crianças ou com alguém tentando fazer isto, tem de haver estratégias, não necessariamente as do Don, mas têm de haver estratégias preparadas para ensinar responsabilidade às crianças e deixá-las desafiar-nos fazendo-o, […]
[…] a pessoa é importante, mas a pessoa tem de ser capaz de ensinar essas competências de desenvolvimento juvenil positivo... (P. M.)
Seguem-se as referências feitas por Wright ao mesmo tema.
Então, para alguma coisa funcionar, não é só um fator, é como várias coisas se juntam. Pensando assim, eu diria, o que quero dizer é que o professor é uma grande parte disso, mas se não tiver estes valores ou esta orientação ou esta entrega, nada poderá surgir. […]
[…] alguém poderia seguir as orientações e programar as suas aulas desta forma, mas se não criasse relações positivas com os miúdos e, quero dizer, o plano da sua aula poderia parecer certo mas poderia não ter a essência do modelo […]
Então, é por causa das minhas experiências como esta que eu não digo: “Oh! Tem de se colar a esta fórmula, porque se não o faz, não está a fazer o modelo”. Eu penso que isso é muito restrito. […] (P. W.)
A opinião de Martinek é concordante com a dos entrevistados anteriores.
Portanto eu adapto e trabalho à minha maneira, como seguramente tu trabalhas à tua e isso é que é importante. […]
É assim que se passa, é uma dinâmica muito fluida mas o modelo é basicamente apenas um guia. Para mim é uma maneira de ver onde estão estes miúdos e até onde é que posso ir com eles. […] Mas o modelo, por si só, é, como eu digo para mim, apenas um guia de percurso. Eu penso que Don diria a mesma coisa. […]
O modelo que usas tem que estar ajustado (tem que servir) aos teus valores e àquilo em que acreditas. Tens que ser tu mesma, não se pode forçá-lo. Não se pode dizer “tu vais trabalhar em empowerment” se isso não te interessa / se não tem nada a ver contigo. Eu digo às pessoas a quem dou cursos ou aos meus alunos “isto pode não ser para ti se isto não tem a ver contigo, se não é este o teu sistema de valores”. (T. M.)
Apresentação dos Resultados
154
Embora não seja um aplicador regular do modelo de Hellison, Al Petitpas deu-
nos também a sua opinião sobre o tema.
Eu penso que o modelo pode dar um enquadramento mas o modelo não pode ser tão rígido que não se possa… é necessário ser flexível e para ser flexível temos de nos conhecer a nós mesmos muito bem e temos de ser confiantes em nós mesmos, porque se tentarmos fazer coisas muito rigidamente, exatamente como o modelo sugere, às vezes isso também não é muito bom. Portanto, o modelo pode fornecer-nos com um sentido de direção mas ainda teremos de determinar a melhor forma de chegar lá, baseados na nossa personalidade. (A. P.)
2. 10. Disseminação do modelo
Esta categoria engloba o registo de referências em que se relata, nas palavras
dos entrevistados, como e onde foi sendo feita a disseminação do modelo de
intervenção DRPS.
Hellison refere-se a algumas intenções que considera menos positivas.
[…] alguns querem fazer disto uma receita, como que apoderar-se da fórmula, se possível em metade do tempo, e o resto não interessa. (D. H.)
Escartí fala da sua experiência quando implementou o modelo em Espanha.
Nós começamos a trabalhar com estudantes de risco64
– o modelo era feito para miúdos com muitos problemas na cidade de Chicago. No primeiro ano foi assim que fizemos e tivemos resultados muito bons. Trabalhamos com um grupo de adolescentes de risco e os resultados foram muito bons. (A. E.)
Wright dá-nos conta da sua preocupação acerca da falta de informação que há
a respeito do modelo de Hellison.
Eu penso que, alguns dos problemas que advêm dos níveis, da forma que as pessoas os interpretam, sabe, muito disto é acerca de interpretação. À medida que este modelo é disseminado e as pessoas são expostas a ele, se tudo o que têm é esta pequena explicação, um parágrafo num artigo, diferentes pessoas podem interpretá-lo de diferentes formas. Como usá-lo? quão importante é? o que é um meio para um fim e o que é um fim por si só (não sei se isto se consegue traduzir bem)?... […]
Eu penso que algo interessante, realmente interessante acerca deste modelo, é a ideia de fidelidade. Interessa-me a ideia de fidelidade e disseminação, porque são coisas diferentes, […]
[…] só há algumas pessoas como eu e o Dave que aprenderam diretamente com o Don, a maior parte das pessoas só teve oportunidade de o conhecer aqui e acolá, ou visitar um programa, um dia ou dois e ler coisas. Há tantas pessoas por aí empenhadas em usarem este modelo, que estão sempre a perguntar: Estou a fazer bem isto? Isto está bem? Isto não está bem? […]
64
A primeira intervenção em Espanha, a que se refere o texto da entrevista foi em 2000 (Escartí, et al., 2005)
Apresentação de Resultados
155
Então, isso é qualquer coisa que se espalhou pelos Estados Unidos e através de países tão diferentes... tornou-se então tão grande que necessitamos de abordar algumas dessas saídas mais importantes. […]
Eu acredito que isso ajuda os praticantes, mais programas poderiam ser ajustados com a alteração destas ideias. Se foram bem-sucedidas e mais miúdos poderiam ser abrangidos. Isso não é domínio do mundo, isso é disseminação de algo muito positivo mas presentemente não temos as cabeças para aí viradas, não temos pontos ou estratégias para como facilitar isso e eu penso que isso faz parte do futuro do modelo, (…) (P. W.)
2. 11. Avaliação da implementação do modelo
Em seguida registamos as referências dos entrevistados aos materiais e
modos de avaliar a implementação do modelo nos vários sítios onde foi sendo
experimentado. Hellison diz-nos como acha importante ir avaliando o que se
faz.
[…] sobre ter uma visão de conjunto… estou de acordo. Precisamos de ter uma ideia sobre para onde estamos a ir. Alguém, que não eu, utilizou a expressão “aproximações de sucesso”, isto é, começa-se num ponto e tenta-se ir mais além. […]
O que acontece frequentemente é que, falamos muito de educação da personalidade e não o fazemos. Tem que haver alguma evidência de que o que estamos a fazer está a resultar. (D. H.)
Uma vez que se encontra envolvida em projetos de investigação que têm como
objetivo o aperfeiçoamento da aplicação do modelo, Escartí põe grande
importância em todos os processos de avaliação implementação do mesmo.
Uma vez que este trabalho foi proposto como sendo uma investigação tem registos de observação. Temos um observador da nossa equipa que assiste às aulas e faz um diário de observação. Também utilizamos gravação de vídeo, fazemos registos das categorias que queremos observar em relação com os níveis de responsabilidade e verificamos se os comportamentos dos miúdos, ao longo do seu percurso escolar melhoram ou não. […]
Utilizamos um desenho quási-experimental. Isso que dizer que temos um grupo de controlo GC e um grupo de intervenção GI. […]
Depende dos objetivos que tenhas. Se pretendes apenas intervir, pegar num programa e aplicá-lo sem nenhum interesse em saber se o programa funciona ou não, seguindo apenas a tua intuição porque aches que sim… o que estás a fazer é o que fazem todos os professores e para isso não é preciso avaliar o programa. (…) Agora se queres saber se funciona ou não o programa pelos seus resultados então tens que avaliá-lo. E, se para além disso queres que outras pessoas o apliquem pois tens que faze-lo de uma maneira sistemática para que outros possam replicar aquilo que fizeste e ver se funciona ou não. E, em terceiro lugar se quiseres examinar os teus resultados de forma a dá-los a conhecer à comunidade científica para que aproveite esse esforço para melhorar e ampliar o conhecimento, então tens que fazê-lo. […]
Escolhemos esses porque no início nos pareceu que seriam os que mediriam as variáveis que estávamos a trabalhar. Agora, p. ex., que vamos iniciar uma fase
Apresentação dos Resultados
156
bastante ambiciosa, porque vamos aplicar todo o programa a um município (a todas as escolas) e estamos a aprender com os nossos próprios erros, vamos aplicar um ou outro instrumento diferente e fazer outras alterações. (A. E.)
Da mesma forma que Escartí, Wright investiga cientificamente a intervenção
através do modelo de Hellison, dedica-se fundamentalmente à avaliação dos
seus resultados.
Há muitas questões que podemos colocar. Mas eu penso que esta comunidade, esta comunidade TPSR, precisa de ter mais estratégias e melhor capacidade para fazer investigação. Portanto, eu não estou a tentar dizer: Oh! Precisamos de arranjar mais instrumentos quantitativos porque isso é melhor. Eu estou a dizer: Neste momento, não temos nenhum e precisamos de alguns. Por isso, estou a trabalhar para preencher essa falha, neste momento, mas vou continuar a fazer estudos de qualidade, de caso e coisas participativas. […]
Eu quero aumentar a nossa capacidade de fazer um ramo de investigação, para nós como comunidade, porque, mais uma vez, eu penso que isso é... eu tenho essa orientação e essa paixão e penso que isso irá realmente beneficiar este corpo de trabalho. Nos meus programas, isso ajuda-me a perceber o que estou a fazer melhor. Por isso, vou fazê-lo por mim e ver se posso contribuir qualquer coisa para os outros também. Porque eu penso que muita gente que usa este modelo está à procura de alguma orientação e (pergunta-se) “Como estudo isto?” […]
Bem, o facto é que o modelo agora, tem uma espécie de vida própria e por isso, há outros aspetos deste modelo, se realmente olharmos para trás, que eu penso merecem ser melhor estudados e percebidos. Por isso, eu penso que o que vocês estão a fazer aqui é muito importante, é tentarem perceber como as pessoas interpretam este modelo, de diferentes formas. Como o usam em diferentes formas? Como abordam isso? Como é partilhado com as pessoas? […]
O Don, pessoalmente, não tem interesse nisso. Ele não está interessado em dominar o mundo, de todo, nem eu, mas o que me interessa é, eu vejo isto a acontecer e digo: Se estas coisas são dignas de serem feitas e estas pessoas estão tão empenhadas nisso, pensemos um pouco em como isto está a funcionar e, se o compreendermos melhor, como poderemos dar um melhor apoio para que isto se expanda e vá para a frente. Porque então, há mais pessoas, como praticantes, que podem beneficiar disso, se isso lhes servir. (P. W.)
Martinek volta ao problema inicial levantado por Hellison: o modelo como
“receita” para todas as situações.
Um dos problemas que as pessoas têm com estes modelos é que pensam que pegam numa receita (e muitos professores agem assim querendo saber o que é que dá resultado) mas não há um modelo puro, “limpo”. Ele representa o trabalho que venho a fazer: podemos falar dos níveis, dos miúdos, mas não se pode impô-los como remédio para algumas coisas porque as estratégias podem não funcionar. […] (T. M.)
Apresentação de Resultados
157
3. Perfil de Professor
Como referimos anteriormente, pretendemos com o estudo deste tema
compreender quais elementos do perfil do professor mais importantes para os
peritos. Lembramos, por isso, as questões de investigação: a que aspetos das
atitudes e crenças dos professores dão mais importância os entrevistados? e,
quais são, nas opiniões dos mesmos, as principais caraterísticas definidoras do
perfil do professor/monitor que trabalha com o modelo de Desenvolvimento da
Responsabilidade Pessoal e Social? A grelha resultante da nossa análise de
conteúdo das entrevistas é a que se segue no Quadro 7.
Quadro 7 – Frequência das referências para o tema do Perfil do Professor
Tema-eixo Categorias Subcategorias Fontes Nº de Ref % de Ref
Perfil do
Professor
Valores, atitudes e convicções 7 55 17,74
Gosto por trabalhar com o adolescente 5 10 3,23
Competência de relação do adulto 5 12 3,87
Relação personalizada com o adolescente 6 25 8,06 Compromisso na relação com o adolescente
7 42 13,55
Capacidade de adaptar o ensino ao adolescente
6 20 6,45
Conhecimento das necessidades do adolescente
4 12 3,87
Visão do adolescente Nº de Ref = 96 % de Ref =30,97
Atenção ao contexto social proveniência 6 17 5,48
Motivação do adolescente 5 20 6,45
Relação com o adulto 5 9 2,90
Expectativas do adulto 6 40 12,90
Relação o adolescente com a escola 3 10 3,23
Formação Profissional Nº de Ref = 25 % de Ref = 8,06
Formação académica inicial 3 6 1,94
Formação em exercício 6 19 6,13
Prática reflexiva 4 18 5,81
Total 310 100
Como podemos verificar, nesta subdivisão temática, são referenciadas
unidades donde ressaltam as convicções e valores do educador; as suas
caraterísticas relacionais; a sua visão do que é a criança, o adolescente e o
jovem; e, a sua formação inicial e diretamente relacionada com o exercício
profissional.
Assim este 3º subcapítulo resulta, não só, do interesse do assunto abordado
revelado na revisão de literatura feita, como também da importância atribuída
pelos entrevistados ao referido assunto - perfil do professor/monitor.
Apresentação dos Resultados
158
Estas referências apresentam-se quer na primeira quer na terceira pessoa,
revelando, não só, as convicções dos próprios entrevistados em relação a si
mesmos, como também as convicções destes em relação às pessoas que
lideram intervenções junto das crianças e jovens.
3.1. Valores, atitudes e convicções
Nesta categoria agrupámos as referências em que os nossos entrevistados
mencionaram algumas das caraterísticas, a que genericamente chamámos
“valores, atitudes e convicções”65, relativamente ao adulto monitor ou professor.
A esse respeito tomamos as palavras de Petitpas que salienta a valorização da
satisfação consigo mesmo, da confiança, e aliança entre a espontaneidade e a
experiência dada pela idade
Portanto, se o Don Hellison é bom, é porque ele é o Don Hellison. Percebem? E o Tom Martinek é bom porque ele é o Tom Martinek. Mas às vezes as pessoas tentam ser (como) eles mas não estão a ser elas próprias, por isso não são eficazes. […]
[…] é necessário ser flexível e para ser flexível temos de nos conhecer a nós mesmos muito bem e temos de ser confiantes em nós mesmos, […]
Bem, como eu disse hoje, têm de se conhecer e estar bem consigo mesmos; eu penso que isso é o mais importante. […]
[…] à medida que se torna um treinador mais experiente, torna-se muito mais flexível, diz menos, instrui menos mas é capaz de ser mais espontâneo e é capaz de reagir ao indivíduo nesse momento e eu acho que é quando a experiência vem para o jogo. […] (A. P.)
Hellison refere várias vezes a importância dos valores do educador.
Se lerem o que fui escrevendo sobre responsabilidade verão o meu próprio desenvolvimento vê-se que aquilo que vou mostrando nessas publicações vai evoluindo. As coisas não se alteram completamente mas mudam porque eu mudo à medida que vou estando com estes miúdos. […]
Na minha opinião esta abordagem, para além de toda a ciência, de todos os dados, de todas as evidências, assenta em valores, as pessoas tem que avaliar os ideais. […]
65 Os valores podem conceber-se como critérios que permitem ajuizar a realidade e que não são
observáveis ou avaliáveis, ocupando um nível superior às atitudes e às normas. Os valores traduzem-se nas atitudes correspondentes e estas, por sua vez, nas correspondentes normas.
Um valor é um princípio normativo que preside e regula o comportamento das pessoas em qualquer
situação e momento
Uma atitude é uma tendência a comportar-se de uma forma consistente e persistente diante de
determinadas situações, objetos, factos ou pessoas.
Uma norma é uma regra de conduta que têm de respeitar as pessoas em determinadas situações.
Hábitos são comportamentos automatizados orientados para proporcionar segurança e eficácia (Carranza
& Mora, 2003).
Convicções são crenças e opiniões arreigadas (Costa & Melo, 1987).
Apresentação de Resultados
159
[…] quando se procura alguém para trabalhar neste modelo o problema é que se trabalha com pessoas. Como é que se fala de como é que elas são? de como pensam? de como fazem as coisas… quando se trata de uma metodologia podemos olhar e dizer: agrada-me, ou, não me agrada. Mas quando olhamos para nós mesmos e dizemos: não gosto do que estou a fazer... […] Os que têm muita conversa não aprendem porque arranjam sempre desculpas para tudo: “ a culpa foi dele” ou “foi do miúdo” vão dizer e, por isso, não olham para eles mesmos. […]
Hellison reconhece que há convicções que o acompanham desde o início da
atividade docente.
[…] eu já sabia que queria humanizar a Educação Física, eu queria que fosse o humano o centro do meu trabalho e não o Desporto ou a condição física ou outra coisa do género. […]
Estas convicções e valores, manifesta-as também ao nível das orientações que
dá aos professores em formação.
Eu digo-lhes que se tentem manter íntegros e que não se vendam ao sistema a não ser que isso faça mais sentido do que o motivo que os trouxe até mim. […] Vão para a universidade, estudem desporto, psicologia, ou para serem professores, ou outra coisa qualquer mas, quando chegam aqui começam sempre por construir o seu próprio programa e isto exige coragem, é preciso inventar um curso… […] (D. H.)
A mesma ideia é repegada no discurso de Escartí. Também ela se preocupa
com a interiorização de valores ao nível da formação de professores.
O que eles têm que fazer é interiorizar os valores, as normas, os objetivos que se perseguem e que depois sejam eles mesmos, […] (A. E.)
Brustad vê com desconfiança algumas das crenças dos professores e dá como
exemplo a tendência generalizada dos professores para manterem sob sua
autoridade todas as opções das sessões.
[…] eu penso que há uma tendência dos professores e treinadores para dizerem: “Sabem, nós é que tomamos todas as decisões” […]
E não se lhes dá toda a autonomia no primeiro dia, porque eles não aguentam (mas) Quanto mais mostra que aguenta a autonomia, mais autonomia lhe dão. […] Essa é a maior quebra. Os adultos controlam tudo. […]
Ao nível das convicções em Parker sentimos segurança em relação ao papel
determinante das decisões do professor no espaço de aula.
[…] eu penso de facto que não podemos mudar a casa mas podemos determinar o que acontece na nossa sala de aulas ou no ginásio ou no campo de jogos. Isso, para mim, isso é o que podemos fazer. Eu posso determinar o que acontece nessa área e posso ajudar a ensinar lá. (P. M.)
Apresentação dos Resultados
160
De Wright ressaltam duas ideias base: a primeira, de que a competência nos
conteúdos de ensino é importante, e a segunda, de que os valores do professor
são prévios às opções pedagógicas.
Eu não sou bom na maioria dos desportos porque não tenho esses antecedentes. Portanto, quando eu vou dar um programa, não tento fazer essas coisas. Trabalho com o que sei, o que eu tenho para trazer para o programa, a minha habilidade, e tenho paixão por ela. […]
Eu fui ter com o Don e achei “Uau! Isto faz sentido para mim. Eu acredito nestas coisas. Gostava de fazer isto” mas eu não tinha estratégias, por isso não era muito bom a dar o programa. […] o modelo não mudou quem eu era, eu fui atraído pelo modelo pelos meus valores e filosofia […] (P. W.)
É clara a semelhança entre o pensamento de Martinek e do próprio Hellison
registada nas referências seguintes:
Don sentiu que esta maneira de ensinar fazia parte da sua maneira de ser e daquilo em que acreditava e isso foi provavelmente o mais importante. […]
A razão pela qual acredito nisto é porque reforça aquilo que é importante para as crianças, aquilo de que precisam para sobreviver nas suas vidas e isso é o que me interessa. Reforça o que é importante para os miúdos e penso que isso coincide com os valores do Don, e o seu modelo parece resultar muito bem. […]
O modelo que usas tem que estar ajustado (tem que servir) aos teus valores e àquilo em que acreditas. Tens que ser tu mesma, não se pode forçá-lo. Não se pode dizer “tu vais trabalhar em empowerment” se isso não te interessa / se não tem nada a ver contigo. Eu digo às pessoas a quem dou cursos ou aos meus alunos “isto pode não ser para ti se isto não tem a ver contigo, se não é este o teu sistema de valores”. […]
[…] o que estamos a fazer é a desenvolver competências muito importantes para os miúdos. Não se trata de ensinar matemática ou lançamento em suspensão, trata-se de ensinar crianças a serem cidadãos responsáveis, quem sabe mesmo lideres e, para isso, tem que se acreditar mesmo que isso é verdadeiramente importante. Se perdes isso o resto deixa de ser importante. Sê verdadeiro com os teus valores, não os percas, isso mantém-te orientado. […]
Sê verdadeiro com os teus valores. Acredita que assim fazes a diferença, em coisas pequenas. […]
Martinek apela à honestidade pessoal do professor consigo mesmo, com as
suas expectativas, com os seus valores.
A primeira coisa é ser realista consigo mesmo. Não vamos conseguir fazer tudo. Não vamos conseguir ser o “lançador mágico” destes miúdos, tem que se ter consciência disto. […]
E terceira coisa mais importante é ser verdadeiro com os seus valores, […]
[…] o que está em causa somos nós mesmos e aquilo em que acreditamos […] agarra-te aos teus valores dá um passo atrás e pensa no que é que estás a tentar fazer? E isso não é sempre claro. […]
Apresentação de Resultados
161
[…] é importante o que disse em relação a manteres os teus valores, porque se te começas a preocupar com as classificações verás que isso não tem a ver contigo nem é o que te interessa. (T. M.)
3. 2. Gosto de trabalhar com adolescentes
Nas entrevistas que fizemos é referido com frequência o gosto de trabalhar
com crianças, com adolescentes e com jovens, como uma caraterística que
observam positivamente quer em si mesmos quer nos jovens monitores ou
professores que formam. Hellison é expressivo nesta constatação, refere este
facto, de gostar de trabalhar com adolescentes com frequência e com
veemência.
Felizmente a universidade permitiu-me ter alunos […] Por essa altura era costume, nos bairros de periferia, os juízes darem a escolher aos jovens marginais irem para a cadeia ou irem para a marinha. Fiquei encarregado de trabalhar com esses jovens e adorei. […] eu entendi que era aquilo que eu queria fazer: quero trabalhar com estes jovens através da atividade física. […]
Fiz tudo isto pensando no trabalho com jovens marginais e pensava que a EF me ensinaria a lidar com eles […]
Sim, inclusivamente com alunos a cumprir penas. É este tipo de trabalho que me interessa com situações muitas vezes desesperadas, principalmente com miúdos mais velhos que chegam com dezasseis, dezassete ou dezoito anos… é complicado (D. H.)
Escartí constata nos seus trabalhos, com professores em formação, a
importância do mesmo sentimento. Quando diz “trabalhar bem” interpretámos
que se refere a trabalhar com gosto, a estar bem, e não restritamente à
competência técnica do professor.
O professor que nós verificávamos, através das observações e dos diários, que trabalhava bem com os miúdos, que seguia a filosofia do modelo, esse professor obtinha resultados. (A. E.)
Para Brustad, trabalhar com crianças foi uma escolha.
[…] preferia aplicar a minha energia em trabalhar com crianças e aumentando talvez a sua… ajudando-os através do desporto, ajudando-os através da atividade física (R. B.)
Parker relata como sentiu a falta do trabalho direto com crianças num período
em que esteve afastada dele.
[…] durante alguns anos afastei-me do meu trabalho inicial. Sentia que algo não estava certo, não batia certo comigo, e por isso talvez dez anos após ter terminado a minha licenciatura, desisti do cargo de diretora de departamento, ou o que lhe queira chamar, tirei sabática e voltei ao ensino de crianças.
Apresentação dos Resultados
162
Tinha que voltar a ensinar crianças. Depois de ter feito isso, quando voltei à universidade decidi: Terei sempre que ensinar crianças e terei sempre que ensinar alunos de universidade. (M. P.)
Também em Martinek a forma como nos dá conta da sua escolha pelo trabalho
com crianças revela o seu gosto.
Bom, este é o ponto da situação, é aqui que me encontro agora, envolvido em programas de “depois da escola” com jovens inicialmente na escola primária, depois no 2/3 ciclo e também no secundário […] Isso é aquilo em que me empenho agora e provavelmente aquilo em que vou manter-me durante o resto da minha vida profissional. (M. T)
3. 3. Competências de relação do adulto
Outra caraterística que parece importante para os entrevistados em relação
aos professores e monitores são as suas competências relacionais. Vejamos
as referências feitas pelos entrevistados a esse respeito.
Em Hellison a importância desta caraterística é clara.
Penso que neste trabalho tem que se estar em sintonia com os miúdos mas temos que ter algo para fazer com eles. Eles são muito rebeldes: eles jogam Basquetebol, saltam num trampolim e é isso que querem fazer, eles não querem conversa! […] Consegui construir relações de amizade com eles, eu via-os como gente. […]
[…] se não temos ninguém que se relacione bem com os atletas ou com os estudantes (ou sejam quem forem) tudo será mais difícil. […]
Nesse mesmo livro66
tem um capítulo que apresento uma série de competências de relação com os miúdos e explico cada uma delas e, quando trabalho com estudantes universitários (ou professores), eu proponho que se avaliem a partir desses parâmetros. (D. H.)
Escartí refere (pela negativa) o efeito da qualidade da relação do professor.
Há professores que, embora entendam o programa e tenham aprendido as estratégias, em momentos em que estão tensos, de conflito, de maior tensão, ou porque os miúdos se portam muito mal, a reação destes afasta-se muito do programa. Se, p. ex., gritam aos miúdos perdem a coerência com o programa. (A. E.)
Brustad nota esta preocupação, desde logo, a partir dos próprios professores
em formação.
Eles não estão preocupados com a parte de ensinar, estão preocupados se serão capazes de comunicar e entender-se com os miúdos. Eles dizem: “Não sei como entender-me com miúdos.” É trabalhando com miúdos que… não é ensinar basquetebol. (B. B)
Em duas referências Martinek fala do interesse que tem para si mesmo o
relacionar-se também com outros adultos que atuam na mesma área.
66
(Hellison, 2003) pg.124
Apresentação de Resultados
163
Continuamos a trabalhar juntos, eu e Don, e trocamos ainda ideias e é por isso que é importante o contactar gente que trabalha valores com crianças. […]
Também pode ajudar conversarmos com alguém (T. M.)
3. 4. Relação personalizada com o adolescente
Uma subcategoria que é rica de referências é a que diz respeito à necessidade
de se estabelecerem relações personalizadas e individuais com as crianças.
Hellison dá-nos conta disso ao referir a sua experiência numa escola em que
teve oportunidade de estabelecer esse tipo de relação dado o número pequeno
de alunos por grupo.
Aí eu vi como os alunos evoluíam verdadeiramente em responsabilidade por um motivo – a turma era mais pequena! Estes alunos eram muito complicados mas sabiam que aquela era a sua última oportunidade. Consegui construir relações de amizade com eles, eu via-os como gente. (D. H.)
A mesma ideia é corroborada por Brustad que dá importância a esta relação na
figura do “mentor”.
[…] muitos dos outros adultos trabalham com um miúdo em particular, que está a ter problemas ou talvez com um par de miúdos que realmente necessitam de atenção e eu tento organizar toda a coisa.
Mentores são pessoas que só trabalham com um miúdo. […] eu acho que preferia trabalhar com menos miúdos e muito mais tempo. Eu não… Eu não… Eu não acredito muito que um pouco de tempo para muitos miúdos, faça necessariamente muito bem a todos. (R. B.)
Parker refere a importância da relação que permite conhecer o aluno para além
da escola.
Também me parece importante que se veja o aluno ‘lá fora’ (no exterior).Tem que se ver os alunos como pessoas reais, que têm uma vida muito mais ampla e mais rica do que o tempo em que os vemos, durante ou depois da escola. Eles têm mais 12 a 16 horas no seu dia em que não os vemos, e temos que os conhecer nessa vida (M. P.)
No conjunto das referências feitas por Wright compreende-se a importância da
construção de uma relação individualizada.
[…] alguém poderia seguir as orientações e programar as suas aulas desta forma, mas se não criasse relações positivas com os miúdos e, quero dizer, o plano da sua aula poderia parecer certo mas poderia não ter a essência do modelo, […] O terceiro desses temas é a “relação professor e aluno”. Podem-se fazer tecnicamente bem todos esses temas mas se se for distante ou frio, não vai funcionar. […]
Se estou a trabalhar com dez ou doze miúdos, e é assim que o Don, normalmente, trabalha, pode-se ir muito mais longe na construção de uma relação, e individualizando e chegando mais fundo. Se é um professor de EF no mundo real,
Apresentação dos Resultados
164
com 30 ou 35 miúdos, por causa dos números, a sua capacidade de ir tão fundo é (menor)... abrange mais miúdos, mas não consegue ir tão fundo. (P. W.)
Martinek é profícuo em referências a esta categoria pelo que apresentaremos
apenas as mais ilustrativas.
A única maneira de ensinar aos miúdos é com esforço, prestando-lhes atenção. […]
…e pode nunca se saber quando se teve verdadeiramente impacto (influência) num jovem. […] O que se passa é que cada pessoa teve alguém que teve impacto em si, e pode ter sido através de qualquer coisa muito simples, pode mesmo nunca se ter visto essa pessoa antes. […] tu nunca sabes quando fazes memória! E eu digo: tu saberás quando terás impacto numa criança. Por isso as pequenas coisas são muito importantes. Falamos muito de avaliação e de outras coisas mas realmente as coisas pequenas (pequenos progressos) são as mais importantes.
[…] um universitário responsabiliza-se por um dos miúdos do clube e trabalha reunindo com ele uma vez por semana na escola. São os mesmos princípios dos desportos aplicados ao aconselhamento. […]
Mantêm o grupo pequeno (T. M.)
3. 5. Compromisso na relação com o adolescente
Dentro das referências à qualidade da relação estabelecida entre
adulto/professor e o adolescente houve uma abundante chamada de atenção,
por parte dos entrevistados, para relação de compromisso. Como em relação a
subcategorias anteriores, apresentamos apenas as mais representativas, a
nosso entender, do pensamento do entrevistado. Começamos com Hellison
que nos mostra como é exigente para ele esse aspeto da relação pedagógica.
Foi uma tarefa verdadeiramente dura, pelo menos para mim, para alguém mais forte seria provavelmente mais fácil, mas para mim foram tempos difíceis e foi muito duro manter-me com eles e continuar mesmo sabendo que seria muito difícil. […]
Se trabalharmos com eles durante seis meses já podemos ver algumas diferenças mas quanto mais tempo tivermos mais hipóteses se tem que adquirir uma posição de liderança e de confiança junto deles e de os fortalecer (empower them). […]
Apesar de apelar para uma relação de compromisso que, nas suas próprias
palavras, exige tempo, Hellison levanta o problema de qual será o tempo certo.
Por outro lado, acho que não devemos estar com eles tempo demais. Pergunto a mim mesmo até onde posso ir com eles? […]
É interessante que em relação a um deles [parâmetros de avaliação de professores] os estudantes universitários não vão longe, é o sentido compromisso, eles não lhe dão valor, vão pela vida fora sem lidarem com isso! […] se não conseguem entusiasmar-se verdadeiramente por este trabalho procurem outra coisa, e, eu não estou a falar sobre o método eu estou a falar sobre trabalhar com crianças, se não se comprometem com o ajudar crianças é necessário que procurem outra pessoa. […] Precisamos apenas dos que são bons, dos que têm muita qualidade que se comprometem e que se preocupam com os miúdos. (D. H.)
Apresentação de Resultados
165
Para Escartí a capacidade de se comprometer parece ser mesmo um critério
de recrutamento de professores.
Pensamos escolher gente que nos parecia particularmente implicada.
A mim parece-me que pelo menos um ano escolar no mínimo é necessário. […] Eu creio que um programa de dois meses, ou dois meses e meio, para objetivos tão valiosos e que na realidade vamos adquirindo ao longo de toda a vida – pois o respeito é algo de muito importante e durante toda a vida se aprendem coisas relativas ao respeito – portanto os programas muito curtos não dão tempo…[…] Já quando trabalhamos responsabilidade num plano mais abrangente é necessário pelo menos um ano. (A. E.)
É clara a convicção de Brustad de que é o compromisso do adulto que mantém
os jovens nas atividades educativas.
[…] quanto mais as pessoas estão absortas, mais elas estão empenhadas na atividade, mais significado tem e mais podem elas beneficiar.
Eu acho que eles se mantêm no programa, bem depende do programa, mas eu penso que eles ficam, em primeiro lugar se realmente virem compromisso por parte dos adultos, se perceberem que os adultos estão seriamente empenhados nisso, se virem que os adultos estão lá porque querem ajudar os miúdos, esta é a única razão maior. Portanto precisamos de adultos constantes. Não se pode ter pessoas diferentes o tempo todo, e então para os miúdos isso é muito, muito importante, para que eles fiquem […]
eu só quero lá gente que vai ser boa, portanto tem que haver um nível de compromisso, têm que se comprometer a estar lá um certo número de horas. E se puderem fazer isso, então poderão ser envolvidos. […] muitos, começam a vir todo o tempo, sempre que podem, porque gostam, não é preocupante. […]
[…] o que os miúdos querem, principalmente é um contacto de um para um.
Eu acho que quanto mais importante se torna, mais sentido tem e quanto mais tempo se investir, melhores eles serão. (R. B.)
Parker diz-nos que é importante que os alunos creiam na capacidade de
compromisso do adulto.
O melhor é ficar com os alunos o tempo suficiente para haver um relacionamento […] eles precisam de saber que existe alguém ali, a longo prazo, que se vai manter com eles, durante tempos difíceis e ajudá-los. Eles não são apenas um “fair weathered friend” , e não sei se existe uma palavra ou frase em Português mas “fair weather” quer dizer “oh eu serei sempre teu amigo se as coisas correrem bem, em bom tempo, mas se estiver a chover já não sou teu amigo”, isto é o que eu acho que não pode acontecer ao longo do tempo. […] eles precisam de saber que eu me importo o suficiente para aparecer e vê-los jogar. (…) Ou que podem falar comigo como pessoa, portanto eu acho que o envolvimento precisa de ser maior do que o tempo da escola. (…)
Quanto mais tempo estiverem com as crianças melhor. […]
Os meus melhores programas foram os que duraram 5 ou 6 anos. […] Os relacionamentos raramente são desenvolvidos num curto espaço de tempo... pelo
Apresentação dos Resultados
166
menos os que duram muito tempo, que fazem a diferença na vossa vida, […] eu vi os meus alunos 5 dias por semana durante 8 anos. (M. P.)
Para Martinek esta capacidade de o adulto se comprometer numa relação é
fundamental. O programa em que trabalha estende a sua ação ao longo da
escolaridade de forma a proporcionar aos alunos o maior contacto possível
com uma situação de “compromisso duradouro”.
[…] é tão importante conseguir estar com eles muito tempo, não só durante a escola básica mas também na secundária. […]
Começamos com os miúdos cedo com miúdos do 3ª, 4ª e 5ª anos e quando conseguimos que eles permaneçam um ano (p. ex.:), apesar de lhes dizermos que a frequência é livre, conversamos e dizemos-lhes “isto é o que fazemos, gostaria de saber se estás interessado em ficar no clube” e é assim que tudo começa. Temos um clube do 2/3 ciclo que apanha os miúdos que completaram o ciclo e tenta mantê-los o que é difícil, pois é quando começam a dispersar-se por outras escolas. Depois deste temos um clube com programa para o secundário. É neste que começa o “Youth Leaders Corps Programe” com esses jovens que ficam connosco vários anos. Aí em vez de serem “membros” do clube passam a ser “líderes” do clube mudando do papel de participantes para o de lideres […]
Nós ficamos em contacto com eles, não os perdemos: ora eles nos telefonam ora nós lhes telefonamos a eles. […] Mantemos tanto quanto nos é possível uma relação de amizade com todos. […] Tentamos manter o contacto mesmo depois de saírem do clube – é um compromisso duradouro. (M.T.)
3. 6. Capacidade de adaptar o ensino ao adolescente
Outra caraterística, muito referenciada sobre o perfil do adulto – professor ou
monitor – que trabalha adolescentes numa perspetiva positiva e de
desenvolvimento da responsabilidade, é a sua capacidade de flexibilizar as
estratégias de forma a adaptar o ensino aos alunos que tem à sua frente.
Hellison é claro embora parco nas palavras a este respeito.
[…] eu busco a forma mais ágil de aplicar o programa a estes miúdos de maneira que adquiram algo. (D. H.)
Brustad oferece exemplos da capacidade de adaptação do ensino em várias
referências.
Como é diferente um de nove anos de um de doze. Como mudamos as coisas para que um de doze anos beneficie deste programa e um de nove beneficie daquele programa. […] para mim o centro deveria ser sempre no principiante, na criança, não na tecnologia, não no conteúdo, não no que eu faço. Comecemos primeiro – Quem é a criança? – e então orientamos tudo para quem aquela criança é, de acordo com o seu nível de desenvolvimento, de acordo com as suas experiências, de acordo com a sua cultura.
Apresentação de Resultados
167
Sim. Quero dizer, é mais possível se levarem em conta, considerações de desenvolvimento do que se não o fizerem. Mesmo que quisesse fazer um grande campeão olímpico seria na mesma importante conhecer o nível de desenvolvimento. Não o trataria como um adulto… […] Eu ia utilizar o modelo adulto porque quero fazer um campeão? Não! Não vai funcionar. […]
[…] se nos interessamos pelo António que é o nosso adulto ou a nossa criança, alteramos o desporto para que ele beneficie o máximo […] Por isso, quando começamos com ele, primeiro e dizemos: - Bem, se ele tem quatro anos de idade, vamos jogar três contra três, sem guarda-redes. Porquê? Porque isso vai desenvolver mais habilidade, mais poder de decisão, mais motivação intrínseca. […] O que ele precisa de aprender é a dar-se com os outros.” Então eu diria: “Ok.” Planeamos futebol. Vou modificar os jogos em que ele tem de fazer isso. (R. B.)
Parker faz também uma referência ao assunto.
[…] as estratégias que uso para chegar a esses objetivos são provavelmente diferentes para diferentes populações – os objetivos mantêm-se os mesmos.(M. P.)
Wright dá-nos vários exemplos concretos de como se buscam alternativas para
adaptação do modelo à população específica com que se trabalha.
Claro! Por isso eu tive de adaptar o modelo. […] Então, criei uma história, como uma história infantil, que envolvia movimentos e a história como que nos ensina as ideias de responsabilidade […]. Assim é mais divertido, mais apropriado em termos de desenvolvimento.
[…] algumas pessoas poderão, num programa, dizer “eu quero acrescentar outro” ou “eu quero fazer menos disto e mais daquilo” para preencher as necessidades do grupo com que estão a trabalhar. Se alguém está a trabalhar numa escola secundária suburbana, com um grupo de bons miúdos, o comportamento não será um problema, não vão gastar muito tempo com o nível um, porque, como que, está lá, ou talvez o possam trabalhar a um mais alto nível, sabe, estou a falar de ideias mais sofisticadas de inclusão e falo acerca de diversidade na inclusão. (P. W.)
Petitpas relaciona a capacidade de adaptar o ensino com a experiência do
professor.
[…] à medida que se torna um treinador mais experiente, torna-se muito mais flexível, diz menos, instrui menos mas é capaz de ser mais espontâneo e é capaz de reagir ao indivíduo nesse momento e eu acho que é quando a experiência vem para o jogo. (A. P.)
Martinek fala da possibilidade de flexibilizar o modelo de forma a servir os
alunos.
Depende de quem são os miúdos. […]
[…] há uma ideia de desenvolvimento implícita no modelo mas muito fluida, pode-se andar para trás e para a frente. Depende de quem são os miúdos. (T. M.)
Apresentação dos Resultados
168
3. 7. Conhecimento das necessidades do adolescente
Muito relacionada com a categoria anterior surge a presente “o conhecimento
das necessidades da criança, do adolescente e do jovem por parte dos
professores” que é referida por alguns entrevistados.
Brustad sublinha, nas referências que faz, a importância que atribui a esta
capacidade do professor.
Eu penso que o mais importante aqui, com as crianças, é perceber as suas necessidades de desenvolvimento. Eu penso que muitos dos programas para crianças são baseado em Psicologia do Desenvolvimento, por isso, percebem realmente como é diferente um adolescente. […] Para mim isso é o mais importante, é perceber os aspetos de desenvolvimento das crianças e isso faz parte dos meus antecedentes educacionais,
Eu acho que, voltando aos aspetos do desenvolvimento, para adolescentes é realmente importante ser-se bom a essa, qualquer coisa. Para crianças, é importante mas nada que se pareça. Os adolescentes têm identidades: “Sou ator. Sou músico. Sou jogador de futebol. Sou jogador de basquetebol”, e para eles, para as suas próprias definições, ser competente em qualquer coisa é muito, muito importante e aí, a maior parte das vezes, o seu grupo social está envolvido nessa competência, quer seja música ou dança. (B.B.)
Wright faz também algumas referências a este aspeto salientando o facto do
conhecimento das necessidades do adolescente ser condicionador da ação
pedagógica.
Eu costumava mais ou menos seguir isso passo a passo e esperava até à terceira ou quarta semana para integrar algum material com a forma de liderança e então tentei fazê-lo um pouco mais cedo, e um pouco mais cedo, e descobri “estes miúdos têm idade suficiente e são suficientemente bons. Logo que eu os deixe tomar a liderança, eles são capazes. Por que é que os estou a fazer esperar ao longo de dez aulas para chegarem lá?”
[…] algumas pessoas poderão, num programa, dizer “eu quero acrescentar outro” ou “eu quero fazer menos disto e mais daquilo” para preencher as necessidades do grupo com que estão a trabalhar.
Se alguém está a trabalhar numa escola secundária suburbana, com um grupo de bons miúdos, o comportamento não será um problema, (P. W.)
Petitpas relaciona algumas opções metodológicas com as necessidades dos
adolescentes em determinadas idades.
Eu acredito que, particularmente até aos doze, treze, catorze, os jovens devem ser o mais expostos (possível) a desportos múltiplos. Eu acho que especializarem-se num desporto muito novos é um grande problema e penso que quando os jovens se começam a especializar, queimam-se realmente, desistem do desporto e não acho que eles cheguem, que atinjam o seu potencial. Não jogam tão bem como podiam. (A. P.)
Martinek refere a importância de tal conhecimento desde a formação
inicial dos professores.
Apresentação de Resultados
169
Todos os mentores têm uma preparação/aulas, que sou eu que dou, onde aprendem sobre os adolescentes, os problemas da pobreza e os seus efeitos nos miúdos e nas famílias, sobre a afro-cultura, sobre a cultura dos outros países, uma vez que trabalham com crianças de países diferentes com orientações culturais diferentes, aprendem sobre o trabalho por objetivos, sobre competências de comunicação e outras coisas assim. (M. T,)
3. 8. Visão do adolescente
A cada forma de estar em educação corresponde uma visão específica da
criança, do adolescente e do jovem. Reunimos neste subcapítulo a visão que
os nossos entrevistados expõem ao longo das suas respostas. Buscámos
compreender qual é a importância que atribuem à forma como “olha” o
educador para o adolescente, para o seu contexto social, para as suas
motivações, para a maneira como ele estabelece relação com o adulto e com a
escola? Que expectativas tem o adulto a respeito deste adolescente?
a) Atenção ao contexto social de proveniência da criança.
Começaremos por uma breve referência de Hellison que vê o “mundo” de onde
provem o jovem como determinante nas respostas sociais que dá.
Isto é difícil porque o que eles sabem é criticar os outros, é a sua autodefesa uma vez que vêm de um mundo muito duro. (D. H.)
Para Escartí, os fatores do envolvimento assumem também importância na
predição do comportamento.
Quais são os fatores que predizem o comportamento disruptivo ou do DP? São fatores do envolvimento e fatores pessoais. Nos primeiros estão alguns tipos de ambiente escolar, algum tipo de ambiente familiar e envolvimento que diz respeito as pessoas significativas. (A. E.)
Parker refere a influência que tem o ambiente comunitário das crianças, no que
elas são e na própria escola.
Penso que o que é realmente diferente é o que as crianças ou alunos trazem com elas para esse ambiente, oportunidades que têm ou não fora da escola. Os miúdos com quem trabalhei, os miúdos de risco, vinham de famílias muito pobres, muitas vezes o Inglês era a sua segunda língua não era falado em casa – por isso tinham mais problemas com que lidar, o seu ambiente era mais difícil do que o dos miúdos ricos, mas esses tinham exatamente o problema oposto: - sempre lhes fora dado tudo, e eles esperavam que tudo lhes fosse dado. […]
[…] essas competências que nós assumimos ou aprendemos em casa, pelo menos neste país, já não são aprendidas em casa. (M. P.)
Apresentação dos Resultados
170
Wright faz o mesmo tipo de referência sublinhando a importância que o
conhecimento do contexto de proveniência do adolescente tem para o seu
trabalho com ele.
Há muitos fatores que considero... (por exemplo), o contexto sociocultural. Miúdos brancos, nos subúrbios com incapacidades, temos aqui uma situação diferente da dos Afro-americanos do interior da cidade que vivem na pobreza, lutando com armas de fogo. […] eu considerei isso, o contexto social dos miúdos e os seus níveis de capacidade, e as suas idades, e o número de miúdos. (P. W.)
O ambiente originário da criança tem sido, nas palavras de Martinek, motivo de
reflexão para as pessoas que aplicam o modelo de DRPS. Martinek refere a
importância que é dada a esse tema na própria formação dos monitores ou
professores.
Don (Hellison) (ele trabalha nisto há 30 anos) e trabalhava com grupos de miúdos e jovens com problemas escolares e percebeu que o que estava a fazer com eles não tinha resultados. O seu trabalho tinha uma abordagem tradicional da E.F. Don sentiu necessidade de parar e de pensar sobre a origem daquelas crianças.
Claro e olhando mais adiante, mesmo na vizinhança (na sua comunidade) eles têm que ser “duros” e nós andamos a falar de respeito… nós podemos falar de respeito no nosso clube, de se respeitarem uns aos outros, os sentimentos dos outros, as suas individualidades e diferenças, mas quando se fala de respeito nos bairros destes miúdos estamos a falar de uma coisa diferente. Lá, “respeito”, quer dizer ser duro, não recuar, aguentar-se sozinho, e eles aprendem isto no seu bairro, com a sua família, com os seus pais. Por isso é uma contracultura (o teu trabalho).
Alguns dos meus melhores alunos no secundário saíram e entraram numa vida do pior, “tocaram mesmo no fundo”. Um deles era um ótimo monitor no programa, sempre com os miúdos à porta, eles gostavam muito dele. Mas, uma vez em que voltou às ruas, à sua casa, correu tudo mal, apanhou três anos de cadeia. É com este tipo de coisas que temos que lidar e procurar as coisas pequenas (as pequenas vitórias). Esse monitor está agora de volta ao programa, está a trabalhar.
Todos os mentores têm uma preparação/aulas, que sou eu que dou, onde aprendem sobre os adolescentes, os problemas da pobreza e os seus efeitos nos miúdos e nas famílias, sobre a afro-cultura, sobre a cultura dos outros países, uma vez que trabalham com crianças de países diferentes com orientações culturais diferentes, aprendem sobre o trabalho por objetivos, sobre competências de comunicação e outras coisas assim. (T. M.)
b) Motivações da criança ou jovem
A visão que o professor tem das motivações da criança e do jovem e, a
maneira como as interpreta e tira partido delas, parecem ser determinantes
para a atividade educativa.
É Brustad quem nos refere com maior riqueza a importância das motivações do
aluno para a sua aprendizagem, relacionando-a com a perceção de autonomia
e de competência, particularmente no adolescente. No seu discurso, fala da
Apresentação de Resultados
171
motivação intrínseca como a única que pode levar o jovem longe. Segundo
Brustad, o educador tem que acreditar na capacidade da criança para fazer as
suas próprias opções. Ele refere também que a perceção de autonomia do
adolescente se relaciona com as suas motivações.
[…] isto é particularmente verdade na aprendizagem, acerca da aprendizagem do desporto, qualquer coisa que envolva motivação… sem motivação intrínseca [o adolescente] pode chegar a evoluir muito mas nunca vai chegar muito longe. Nunca vai ser um grande artista, nunca vai ser um grande músico, nunca vai ser um grande atleta, nunca vai ser um grande, qualquer coisa. Mas a chave da motivação intrínseca é compreender alguns desses princípios […] a ideia especificamente, tem de vir de fontes internas, e para fazer isso, têm de acreditar nas escolhas da criança. […]
[…] eu penso que há uma tendência dos professores e treinadores para dizerem: “Sabem, nós é que tomamos todas as decisões” – por isso não é de admirar que o João, não é de admirar que a Ana, não é de admirar que o Charlie, não estejam motivados, porque nós tomamos todas as decisões por eles. Mas eu penso que a autonomia é realmente a chave, é particularmente importante com adolescentes. Os adolescentes sem autonomia são, geralmente, desmotivados. Portanto, a menos que providenciemos alguma autonomia e os deixemos tomar algumas das suas próprias decisões, não vamos ter a motivação que queremos ver. […]
[…] Porque isso vai desenvolver mais habilidade, mais poder de decisão, mais motivação intrínseca. Ele vai ter de gostar do trabalho à medida que vai tendo mais treino. (…) (R. B.)
Brustad continua chamando a atenção para a motivação através da perceção
de competência. Na sua maneira de ver, a perceção de competência é
particularmente importante para os adolescentes.
Eu acho que, voltando aos aspetos do desenvolvimento, para adolescentes é realmente importante ser-se bom a essa, qualquer coisa. Para crianças, é importante mas nada que se pareça. Os adolescentes têm identidades: “Sou ator. Sou músico. Sou jogador de futebol. Sou jogador de basquetebol”, e para eles, para as suas próprias definições, ser competente em qualquer coisa é muito, muito importante e aí, a maior parte das vezes, o seu grupo social está envolvido nessa competência, quer seja música ou dança. (R. B.)
A adesão livre é, na visão apresentada por Wright sobre a motivação, um dos
fatores a considerar. O entrevistado referencia-o como o menos positivo, no
caso da aplicação do modelo à EF escolar, pois, a adesão obrigatória, não
favorece a motivação intrínseca. Vejamos:
[…] (se o programa) é um programa voluntário onde só tem dez miúdos que estão lá por opção? Então, pode fazer muito... mas se está em EF nas escolas, tem três vezes mais miúdos, e muitos deles não teriam escolhido estar lá, não foi uma escolha. Mais uma vez, o que poderá fazer é diferente. (P. W.)
Em seguida, dá-nos o seu próprio exemplo acerca de um conjunto de fatores,
de onde ressaltam, uma vez mais, a autonomia, a possibilidade de escolher e a
Apresentação dos Resultados
172
perceção de competência. Wright, reforça, com o seu caso, a ideia de que,
para a criança, a motivação é o motor da aprendizagem.
Quando eu fui à minha primeira aula de karaté eu só disse: “Oh pá! Eu adoro estar aqui! Sinto-me bem comigo próprio. Sinto-me com sucesso. Sou capaz de fazer todas estas coisas porreiras e gosto das pessoas... eu quero ser como estas pessoas”, [...] E eu penso que isto acontece quando a adesão é voluntária, percebem? Isto é o que acontece com muitos destes miúdos que se mantêm “colados” por muito tempo, eles apenas acham “Uau! Isto encaixa-me perfeitamente. Acho que gosto de quem sou quando estou aqui!” (P. W.)
Petitpas vai na direção dos especialistas anteriores dando uma visão da
criança que necessita de se motivar para aderir às atividades. Para ele, essa
motivação pode resultar da perceção de competência, do divertimento
proporcionado pelo Desporto e da opinião dos pares.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o desporto é muito importante e quando se fazem estudos, os jovens preferem ser o melhor atleta no lugar de outra qualquer posição na escola. Por isso, preferem ser o melhor atleta no lugar de ser o mais inteligente, o melhor artista ou o melhor músico. Por isso, é muito importante […]
[…] Agora, o divertimento pode ser domínio do desporto mas também pode ser, se eles acharem que têm um papel especial na equipa. Talvez não sejam o melhor jogador mas talvez encorajem o melhor jogador ou talvez seja porque, eles estejam a fornecer outro qualquer elemento através da equipa que lhes permita sentirem como que estejam a dar uma contribuição que é importante. Por isso, eles não têm de ser o melhor jogador. […]
[…] é só fazê-lo onde os jovens querem estar. Portanto, se eles já estão interessados num desporto como o futebol ou o basquetebol e é o que eles querem fazer, assim o desporto faz sentido. Se eles não têm realmente nenhum interesse em nada mas se podemos criar jogos que os deixem interessados em desportos diferentes e eles só se divertem tanto que os deixa curiosos, e aí eles querem continuar a ir. […] às vezes os jovens acham que é tudo divertimento e jogos, mas nalgum ponto, se eles ficarem, se eles ficarem muito interessados nisso e se quisermos dar-lhes um lugar onde possam melhorar, porque uma vez que estejam presos, viciados, então, acho que estão prontos para um outro nível de desenvolvimento. […] depois dos dez ou doze é o grupo de pares, portanto eles não querem ficar mal em frente aos seus amigos, os seus pares, e tomam decisões diferentes por causa disso. (A. P.)
Martinek, apenas num período, diz da motivação generalizada que as crianças
têm pelo desporto e pela EF.
A EF e o desporto são coisas de que as crianças gostam muito e são um meio ótimo para desenvolver valores se os professores optarem por ensinar valores, se acreditarem nisso, é bom que o usem na escola, nas aulas. (T. M.)
c) Relação com o adulto
Nesta alínea, referimos a visão que os nossos entrevistados têm sobre o tipo
de relação que se estabelece entre o adolescente e o adulto e a importância
Apresentação de Resultados
173
atribuída a essa relação. Começamos com uma frase de Hellison que põe a
tónica da relação na amizade entre adulto e adolescentes.
Aqueles alunos eram do secundário e tinham atitudes de mais velhos e eramos amigos. (D. H.)
Brustad realça a atitude aberta dos jovens para com os adultos e a sua
necessidade de relações individualizadas.
Eles escrevem-nos principalmente acerca deles próprios e depois discutimo-los. Mas nesta idade eles são muito abertos, podemos dizer. Bem, também penso que são bastante perspicazes […]
Eu penso que isso depende da situação, mas funciona, quero dizer, o que os miúdos querem, principalmente é um contacto de um para um. (R. B.)
Parker fala-nos da confiança e das relações significativas como sendo as
verdadeiramente importantes para as crianças e jovens.
Que haja um relacionamento, que eles saibam que podem confiar em nós e mantê-lo durante os tempos difíceis. […]
[…] esta aprendizagem de responsabilidade pessoal e social tem de ser em contactos tão significativos e cheios para eles, […] tem de ser num ambiente natural que o torne real para eles e então temos de perceber como manipular esse ambiente... (P. M)
Petitpas refere a importância da comunicação não-verbal na relação entre
jovens e adultos, mais uma vez se chama a atenção para a perspicácia dos
alunos.
A forma como olha para a juventude é importante? (R. L.)
- Sim. Se não pensar que os jovens são boas pessoas e vão fazê-lo sozinhos, então, provavelmente está a enviar as mensagens erradas, não verbalmente. E eu acho que o que se diz, o que se comunica não verbalmente, os jovens apanham imediatamente.
Martinek volta ao tema da importância das relações significativas para crianças,
adolescentes e jovens. Também este entrevistado conta a sua própria
experiência.
[…] …e pode nunca se saber quando se teve verdadeiramente impacto (influência) num jovem. (…) O que se passa é que cada pessoa teve alguém que teve impacto em si, e pode ter sido através de qualquer coisa muito simples, pode mesmo nunca se ter visto essa pessoa antes. Alguém me tocou em relação ao desporto quando eu tinha oito anos, nunca mais tornei a ver essa pessoa. Ele captou-me para o desporto, eu tinha acabado de ser excluído da equipa de basebol e num acampamento ele chamou-me e disse-me “podes jogar aqui connosco” e fê-lo com boa intenção e resultou. Nunca mais o tornei a ver, poderia ter sido diferente mas foi assim. […]
Apresentação dos Resultados
174
[…] tu nunca sabes quando fazes memória! E eu digo: tu saberás quando terás impacto numa criança. Por isso as pequenas coisas são muito importantes. (T. M.)
d) Expectativas
Transcrevemos, em seguida, as referências feitas pelos entrevistados que
transmitem a importância, para visão que o adulto tem do adolescente, das
expectativas do primeiro em relação ao segundo. Por exemplo, Hellison,
manifesta expectativas positivas em relação a jovens que à partida se sentem
“perdidos para o sistema”.
Eles sentem que já estão perdidos para o sistema desde muito cedo! […] Estes alunos eram muito complicados mas sabiam que aquela era a sua última oportunidade. Consegui construir relações de amizade com eles, eu via-os como gente. […]
De qualquer maneira, eu penso que ao fim de algum tempo, quando entram do ginásio, eles próprios têm expectativas ou de não serem agredidos, ou de terem a oportunidade de serem mais responsáveis… eles vão adquirindo estas expectativas que depois não vêem nas salas de aula, ou no parque de jogos nem mesmo em casa. Eles sabem que é diferente. […] E, eles avaliam-se sempre mais baixo em relação às outras aulas que dentro do ginásio: claro dizem eles, nas aulas é mais difícil, aqui é mais divertido, lá há muita gente a deitar-nos abaixo. Eu estou sempre a tentar que eles vejam a ligação, isso é o mais importante. (D. H.)
Escartí manifesta as suas expectativas em relação à capacidade de
aprendizagem e de transferência da aprendizagem nas crianças e jovens.
A transferência é uma capacidade intelectual que os miúdos aprendem, temos que ir falando com eles explicando-lhes que o que aprenderam hoje é para aplicar em casa ou nas aulas e que o que acabam de aprender lhes servirá para outras coisas. […]
[…] neste programa trata-se de dar autonomia aos miúdos – empowerment - para que possam ir gerindo a sua vida e uma das premissas da Psicologia que todos conhecemos é que para se ser autónomo tem que ter participado e escolhido as próprias metas. Daí que a partir do momento em que os alunos conseguem fazer as suas próprias normas e se comprometem a cumpri-las estão a ganhar autonomia, está-lhes a ser dada autogestão que é uma coisa básica para a responsabilidade. […] (A. E.)
Segundo Brustad, as expectativas de um professor ou monitor a respeito das
crianças, adolescentes e jovens passam por se acreditar que eles são capazes
de assumir responsabilidades, de avaliarem as suas ações e de se
comprometerem. Se o aluno não perceciona essa crença por parte do
professor, se não sente esta confiança, não há motivação para ficar aprender
(ou para ficar no programa).
Eu penso que o que se tem de fazer é: tem de se criar um ambiente onde os miúdos percebam que têm o poder de tomar as decisões que vão afetar as suas vidas. Se
Apresentação de Resultados
175
não acreditarem nisso, então não é suficientemente bom. Por outras palavras, eu posso-lhes dar a autonomia para tomar decisões, mas se eles não acreditarem que têm autonomia, realmente, não vale de nada. […] E digo: “… eu vou estar encarregado dos treinos, tu vais estar encarregado do condicionamento, vais estar encarregado disto, vais ser responsável por alcançar os objetivos do grupo e de…” - porque não me interessa se a equipa do António ganha. Interessa-me que o António desenvolva autonomia, aprenda autonomia. […]
[…] os miúdos conseguem perceber os níveis, por isso é muito útil como enquadramento para avaliarem o seu próprio comportamento […]
[…] eu penso que eles ficam, em primeiro lugar se realmente virem compromisso por parte dos adultos, se perceberem que os adultos estão seriamente empenhados nisso, se virem que os adultos estão lá porque querem ajudar os miúdos, esta é a única razão maior. (R. B.)
Parker apresenta uma visão muito positiva daquilo que se pode esperar de um
adolescente. Os seus objetivos dão disso conta.
Nenhuma criança vem a este mundo má, ou a planear ser má, ou a pensar que é dessa maneira que quer reger a sua vida. Não acredito que alguma criança realmente queira estar em sarilhos, ou que queira mesmo ser mal sucedida na escola, […]
Eu gostaria de ser capaz de ajudar crianças e estudantes universitários a serem a melhor pessoa que pudessem ser e eles poderiam ser pessoas responsáveis e produtivas, e felizes, bem-sucedidas neste mundo […] desenvolver estratégias para ajudar crianças ou pessoas a serem mais responsáveis. (M. P.)
Petitpas sublinha também o papel das expectativas positivas no perfil do
educador.
Têm de querer confiar na crença de que os jovens têm capacidades dentro deles […]
E para fazer isso como um adulto tem de se ter muita confiança na criança. […]
Se não pensar que os jovens são boas pessoas e vão fazê-lo sozinhos, então, provavelmente está a enviar as mensagens erradas, não verbalmente. (A. P.)
Finalmente, Martinek, chama a atenção para uma visão realista das
capacidades da juventude.
Conseguiam aprender a fazer por eles mesmos e responsabilizarem-se pelo trabalho. […]
Há que ser realista! Não podes mudar completamente um miúdo. […] O que vais obter, normalmente, são pequenas coisas. Don Hellison disse uma vez que é como se plantássemos sementes e esperássemos que uma pequena parte delas deem árvores, são as pequenas vitórias. […]
Temos boas experiências centradas em que os miúdos sejam o melhor possível enquanto estão connosco e na esperança de que levem algo disto lá para fora, para alguns resultará para outros não. […]
A verdade é que eles conseguem lidar com situações difíceis […]
Apresentação dos Resultados
176
[…] e lidar com o facto de que há miúdos que nunca chegarão lá, há miúdos que vais perder. (T. M.)
e) Relação do adolescente com a escola
Que convicções manifestam os entrevistados sobre o estilo de relação que os
adolescentes estabelecem com a escola? Ressalta sobretudo uma diferença
grande entre a relação do jovem com a escola, com o “ginásio”67 e com a sua
comunidade, surgindo frequentemente referências comparativas às diferentes
culturas presentes em cada um dos ambientes.
São as seguintes as convicções de Hellison sobre o tópico.
A minha convicção é que o que eles fazem no ginásio poderiam fazer cá fora (outras aulas) mas, eles próprios dizem, é muito difícil, porque não têm apoio, não há clima nem envolvimento. É um problema que tem a ver com as relações com as suas amizades etc. […]
De qualquer maneira, eu penso que ao fim de algum tempo, quando entram do ginásio, eles próprios têm expectativas ou de não serem agredidos, ou de terem a oportunidade de serem mais responsáveis… eles vão adquirindo estas expectativas que depois não vêem nas salas de aula, ou no parque de jogos nem mesmo em casa. Eles sabem que é diferente. […] E, eles avaliam-se sempre mais baixo em relação às outras aulas que dentro do ginásio: claro dizem eles, nas aulas é mais difícil, aqui é mais divertido, lá há muita gente a deitar-nos abaixo. Eu estou sempre a tentar que eles vejam a ligação, isso é o mais importante. […]
Martinek referencia a criação de “contracultura” quando se faz uma abordagem
pedagógica diferente da da escola.
Especialmente na escola o que acontece quando implementas um programa desportivo é que crias uma cultura, uma cultura baseada no desenvolvimento (empowerment) dos alunos, dás-lhes capacidade de decisão, torna-os responsáveis pelas suas decisões sejam boas ou más. […] Criada esta cultura nos miúdos eles voltam para a cultura da sua escola e, a maior parte das escolas é exigente com os alunos no cumprimento das matérias escolares propriamente ditas com grande ênfase nas classificações, […] crias uma cultura diferente da cultura escolar e, para os miúdos, lidar com isto não é fácil. […]
Claro, e olhando mais adiante, mesmo na vizinhança (na sua comunidade) eles têm que ser “duros” e nós andamos a falar de respeito… nós podemos falar de respeito no nosso clube, de se respeitarem uns aos outros, os sentimentos dos outros, as suas individualidades e diferenças, mas quando se fala de respeito nos bairros destes miúdos estamos a falar de uma coisa diferente. Lá, “respeito”, quer dizer ser duro, não recuar, aguentar-se sozinho, e eles aprendem isto no seu bairro, com a sua família, com os seus pais. […]
Hawkson Lee, uma aluna minha, fez a sua dissertação à volta tema dos problemas culturais dos alunos que estão no clube da escola do primeiro ciclo, sobre como os alunos estavam a lidar com as barreiras culturais na escola e como estas barreiras os impediam de aplicar objetivos do clube na escola. Ela entrevistou alunos e professores e algumas conclusões confirmam o que já sabíamos: é dada grande
67
Entende-se por “ginásio” o espaço onde as atividades desportivas se desenrolam implementando-se o modelo de desenvolvimento da responsabilidade de Hellison.
Apresentação de Resultados
177
importância aos testes, os alunos sentem-se sob uma grande pressão porque estão constantemente a ser testados em relação à sua cultura.
3. 9. Formação profissional
No sentido de caracterizar com mais detalhe o perfil do educador que trabalha
com o Modelo de Responsabilidade, recolhemos as referências que fazem os
entrevistados em relação ao percurso e tipo de formação preconizados.
Referimos a formação académica inicial e a formação em exercício no modelo
de Hellison.
a) Em relação à formação académica inicial, temos uma referência de
Martinek sobre a importância dada aos conhecimentos relativos à
educação de valores e a programas alternativos.
Isto é um trabalho importante em termos da preparação profissional dos professores que hão-de trabalhar nos programas lá fora, nas escolas. Qual a importância dada a este tipo de trabalho – educação de valores – na formação inicial dos professores, na sua preparação profissional em relação aos modelos e programas de desenvolvimento de valores? […]
É que eu tenho a impressão de que cá68
o ensino é muito focalizado na preparação técnica. É uma questão a pensar esta da preparação dos professores […]. Eu coordeno uma disciplina de formação inicial de professores de EF há 4 ou 5 anos “Comunity Youth Sport Development”. Eu trabalhei sempre na formação de professores de EF mas desde que comecei com os programas pós-escolares e que os alunos começaram a vir ajudar-me e a ficar interessados nos programas alternativos para crianças, pensei, “vamos desenvolver um trajeto profissional nesta área”
Para isso são necessários profissionais que promovam o desenvolvimento dos jovens, baseado no desenvolvimento de valores. Temos nesta opção uns trinta estudantes, não são muitos mas isto também não é para qualquer estudante. (T. M.)
Parker fala também do desenvolvimento positivo como conteúdo do seu
programa de formação inicial de professores.
Então agora “positive youth development “ faz parte do meu programa para as minha turmas na universidade. (M. P.)
Brustad expõe que para si mesmo, tem sido muito importante a aquisição de
conhecimentos no âmbito da Psicologia Social e da Psicologia do
Desenvolvimento. Este especialista refere também que a formação não pode
ficar apenas pelos conhecimentos do âmbito das ciências do desporto.
68
Martinek refere-se à formação de professores em Portugal.
Apresentação dos Resultados
178
Mas eu penso, igualmente, eu penso que algumas das coisas mais interessantes são: Psicologia da Comunidade e eu nunca li muito sobre Psicologia da Comunidade, isso é fascinante; e Psicologia Cultural e muitas coisas como até com imigrantes, lidar com crianças imigrantes, e ver como, tal como aqui na Europa, nos Estados Unidos, eles têm vindo a usar arte, música para a integração social […]
Mas algumas teorias acerca, teorias correntes, quero dizer, obviamente, eu penso que uma das mais úteis é a teoria da autodeterminação. Eu penso que essa é muito, muito útil. Mas também algumas das outras teorias de desenvolvimento social e teorias sociais como a de Roth e Breda, aqui o modelo ecológico e outro, no sentido de teoria comunitária eu estava a falar dos outro… esses são muito importantes, penso eu. E por isso, eu penso que corremos o risco se não, se só lermos literatura de desporto, ficamos… poderíamos realmente ficar cegos a fazer essas coisas. (R. B.)
b) Os nossos entrevistados fazem referência à formação profissional em
exercício, específica, sobre o Modelo de Responsabilidade. Hellison dá
conta do acompanhamento prático que oferece sempre que alguém
inicia o trabalho no referido modelo.
Trabalhamos com professores e com treinadores, da mesma forma, fazemos um trabalho de acompanhamento. Se alguém quer trabalhar assim digo-lhe: tudo bem mas quando eu venho trabalhar com os professores se o fizer uma só vez não vai resultar. Alguns ficarão com uma ideia, não mais do que isso e com os miúdos passa-se o mesmo. Eles têm que experimentar, exercitar e quanto mais melhor. […]
Quando vou a uma instituição começo por fazer uma pequena introdução. Depois gosto de saber quem se interessou e trabalho com essas pessoas. Finalmente pergunto-lhes: querem trabalhar assim? Muito bem então eu volto e apoio-os, converso com eles tentando entender o que está a funcionar bem e o que está mal de maneira a corrigirem. Isso é o que eu penso que podemos fazer na formação dos professores. […]
Vieram ter comigo porque queriam trabalhar com miúdos, queriam fazer este trabalho então tiveram que ir com as pessoas que aqui trabalhavam e trabalharem como eles, na mesma situação. Vão para a universidade, estudem desporto, psicologia, ou para serem professores, ou outra coisa qualquer mas, quando chegam aqui começam sempre por construir o nosso próprio programa e isto exige coragem, é preciso inventar um curso… (D. H.)
Escartí dá-nos alguns exemplos práticos de como funciona a formação de
professores.
Fizemos então um curso de trinta horas de treino, onde lhes explicámos como funcionava o modelo e tudo o que era necessário e assim começamos. […]
A primeira coisa que fazemos é explicar-lhes o modelo, vamo-lo introduzindo de forma participativa, p. ex., em relação ao respeito pelos outros: nas aulas tentamos ver quais são as condutas que podem ser representativas de respeito e quais são as que não são. Depois fazemos listas e trabalhamos em dinâmica de grupo. Também fazíamos role playing, p. ex., com dois fazendo de alunos e um de professor onde aparecia um conflito e perguntávamos como o resolveriam e como o resolveria uma criança. Desta maneira eles iam incorporando o sentido que tinham os níveis de responsabilidade. […]
«O que eles têm que fazer é interiorizar os valores, as normas, os objetivos que se perseguem e que depois sejam eles mesmos, pois se se lhes põe o tal espartilho não
Apresentação de Resultados
179
funcionam, pois no mínimo não se sentem bem com o que estão a fazer. A nossa experiência diz-nos que o mais importante é que aprendam as estratégias a aplicar com os miúdos e que os alunos, de alguma forma, obtenham benefícios com elas. […]
Temos também as entrevistas em profundidade aos alunos e aos professores que fizeram o programa e também temos o grupo de discussão com os professores e assim encontramos resultados que têm a ver com os miúdos mas que também têm a ver com os professores. (A. E.)
Brustad fala na preocupação dos próprios estudantes, que querem futuramente
trabalhar com as crianças e jovens, em terem oportunidade de fazerem alguma
formação em exercício.
São principalmente estudantes que vêm ter comigo e que querem estar envolvidos porque querem experimentar trabalhar com crianças. Isso surpreendeu-me - porque eu, como sempre trabalhei com miúdos, não tinha pensado nisso – mas muitos estudantes querem ser professores de Educação Física, portanto querem ser professores. Eles não estão preocupados com a parte de ensinar, estão preocupados se serão capazes de comunicar e entender-se com os miúdos. Eles dizem: “Não sei como entender-me com miúdos.” É trabalhando com miúdos que… não é ensinar basquetebol. Não é ensinar isto. Muitos vêm para terem a experiência e só precisam da experiência com miúdos pequenos. (R. B.)
Parker fala-nos da “perícia para ajudar” normalmente ausente das
preocupações dos formadores.
Quando eu os vejo, nós nunca demos aos pais ou nunca demos aos professores a perícia para ajudar... nós damos aos professores perícia para ensinar a ler ou, damos aos professores perícia para ensinar atividade física, mas não damos aos professores perícia para desenvolver artes do desenvolvimento juvenil positivo... (P. M.)
Em relação aos jovens professores que iniciam o trabalho de “mentores”
(específico do Modelo de Responsabilidade), Martinek refere o apoio teórico à
sua atividade docente.
Todos os mentores têm uma preparação/aulas, que sou eu que dou, onde aprendem sobre os adolescentes, os problemas da pobreza e os seus efeitos nos miúdos e nas famílias, sobre a afro-cultura, sobre a cultura dos outros países, uma vez que trabalham com crianças de países diferentes com orientações culturais diferentes, aprendem sobre o trabalho por objetivos, sobre competências de comunicação e outras coisas assim. (T. M.)
Apresentação dos Resultados
180
3. 10. Prática reflexiva
Outra categoria introduzida a posteriori foi a capacidade do professor fazer a
sua própria introspeção, de se autoavaliar e de avaliar as suas práticas como
educador.
Começamos com Hellison que fala no seu trajeto pessoal em relação à
aquisição de hábitos de prática reflexiva.
[…] mas o mais importante é que me avaliei a mim mesmo e não me atribui mais do que um C+ durante todo o primeiro período: Setembro, Outubro, Novembro e metade de Dezembro. […]
Pergunto a mim mesmo até onde posso ir com eles? Sei o que é o meu ideal mais alto e sei qual é a realidade, o ponto onde comecei, – e há dias em que olho e digo – será que poderei avançar até ali ou não posso ir mais longe hoje – ou – talvez não hoje! – ou – este é um bom momento para ir mais além! É um processo mais de tentativa e erro para mim. […]
Mas quando olhamos para nós mesmos e dizemos: não gosto do que estou a fazer... […]
Diz às pessoas (professores com quem trabalha) que se avaliem a elas mesmas? (entrevistador)
– Digo. No livro (…) há uma lista de verificação com perguntas que faço para saber se estão abertos a este tipo de abordagem e quando lhes peço para responderem digo-lhes que não é obrigatório, que não são classificados por isso, serve apenas para lhes dizer se o tipo de trabalho que fazemos se lhe adapta ou não. (…)
As coisas que partilhei com as outras pessoas foram o resultado minha reflexão ao longo da minha carreira, as histórias que fui contando foram sobre o que tinha sucesso e sobre o que não tinha para ajudar os outros a iniciarem o seu trabalho com os jovens e a perceberem como é que eles agem… muitas das histórias que conto são as dos meus falhanços. […]
[…] o importante é começar por nos questionarmos sobre o que é que se está a fazer em cada dia, em cada aula. Saber o que é que estão a fazer. Sentar-se e escrever, e pensar o que é que vão fazer amanhã e no seguinte e verificar a consistência do trabalho. O importante é ver que resultados obtemos das aulas, que resultados do processo? (D. H.)
Em Wright esta preocupação introspetiva também está presente.
É olhar para os fatores desta forma e parar, e pensar: Então, o que é que eu preciso ajustar para isso, de forma a resolver esse problema, ou ultrapassar essa questão, como posso moldar isto de forma diferente?
Isto é o que me apetece – pensei como um miúdo na minha própria experiência, eu pensei – Esta é a minha oportunidade para esse tipo de vida. Este é o tipo de pessoa que eu quero ser. (P. W.)
Martinek fala da sua própria experiência de reflexão e também na experiência a
que foi assistindo noutros professores, como por exemplo, em Hellison.
Apresentação de Resultados
181
Refletindo sobre estas experiências apercebeu-se69
de que resultavam. […] Don sentiu que esta maneira de ensinar fazia parte da sua maneira de ser e daquilo em que acreditava e isso foi provavelmente o mais importante. […]
Tem que se encontrar tempo para nós mesmos, para nos afastarmos do trabalho, para sermos capazes de refletir. Este refletir pode ser simplesmente olhar um pouco para a janela, escrever o que correu bem o que não correu… é preciso tempo para nos afastarmos do que fazemos. Don (Hellison) refere esta necessidade muitas vezes. Como universitário eu posso trabalhar com as crianças e depois voltar para a universidade e entretanto ter esse tempo para refletir. Isto é fundamental. Se se está “ao serviço” continuamente não se aguenta! Tem que se cuidar de si mesmo. […]
Para mim duvidar de mim mesmo não é mais do que ser capaz de olhar para trás e pensar que é nisto que trabalho, é com isto que trabalho. Esta dúvida também nos mantém “no trilho” (com objetividade). Também pode ajudar conversarmos com alguém. […] agarra-te aos teus valores dá um passo atrás e pensa no que é que estás a tentar fazer? E isso não é sempre claro. (T. M.)
69
Martinek refere-se à experiência de Hellison nos primeiros tempos do DRPS.
Apresentação dos Resultados
182
V Discussão
Discussão
184
Discussão
185
O propósito desta tese foi aprofundar o conhecimento sobre o como e o porquê
do sucesso do Modelo Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social
(MR) de Hellison no Desenvolvimento Positivo da Juventude (DPJ). Para tal,
estudamos o assunto com base no entendimento dos seus protagonistas,
procurando identificar os seus principais pontos fortes, potencialmente
transponíveis e úteis para outras situações e realidades.
Perguntámo-nos: Quais os fatores presentes no Modelo de Responsabilidade
são significativos, na opinião dos investigadores, para fomentarem o
Desenvolvimento Positivo nos jovens? O que é, para eles, relevante e que
orientações extraímos do seu discurso? Que caraterísticas dos professores ou
mentores (que perfil) ressaltam do discurso destes especialistas como
determinantes da qualidade dos resultados educativos obtidos? Para podermos dar cumprimento a estes propósitos iniciais, estruturou-se o
presente estudo qualitativo à volta de três grandes temas: o Desenvolvimento
Positivo da Juventude, o Modelo de Responsabilidade Pessoal e Social e o
Perfil do Professor. Como referimos já, no capítulo da metodologia, tentámos
evitar o viés resultante da possibilidade de que as declarações dos indivíduos
entrevistados pudessem ser afetadas pela consciência da participação em
estudo, provocando algum constrangimento ou responsabilidade resultante do
papel de entrevistado. Para tal, introduziremos a cada passo da análise dos
resultados uma triangulação com declarações dos mesmos em material não
produzido com o fim de servir especificamente esta investigação. Usamos, por
isso, artigos, textos de livros, de conferências e outro material escrito,
conferindo aos dados recolhidos estabilidade no tempo e consistência interna
(Stake, 2009). Para além disso, evocamos nesta dissertação referências de
outros autores, que se tenham dedicado ao estudo dos temas em apreço, de
forma a concretizar uma argumentação tão sólida quanto possível.
Por questões de clareza de exposição subdividimos o texto da discussão
seguinte em três subcapítulos, onde procurámos refletir e retirar asserções
sobre os assuntos que nos propusemos abordar.
Discussão
186
Discussão
187
1. Desenvolvimento Positivo da Juventude
O primeiro tema buscou, junto dos entrevistados, a definição de
Desenvolvimento Positivo da Juventude.
Atentando na frequência de determinadas ocorrências - referências a
conteúdos ou categorias – no discurso dos entrevistados, verificámos que
algumas se impõem (cf. Quadro 5). Esta frequência pode revelar-nos a
“atenção que o sujeito do discurso confere aos diferentes conteúdos
inventariados (…) ” (Vala, et al., 1999, p. 120), pois, embora a análise
quantitativa não tenha definido, por si só, a importância de determinada
categoria, permitiu, por vezes, uma triangulação que confirmasse o interesse
de determinado conjunto de dados.
1.1 . Origem do Conceito
Os participantes falaram de uma nova maneira de abordar o desenvolvimento
dos jovens de que foram tomando conhecimento a partir de meados dos anos
70, muito embora a denominação Desenvolvimento Positivo da Juventude só
tenha aparecido mais tarde.
É interessante a referência que fazem Petitpas, Brustad, Parker, Wright e
Hellison70 (referido nas entrevistas por Wright e Parker) ao facto de que, no seu
trabalho com jovens, promoveram Desenvolvimento Positivo da Juventude
muito antes de este aparecer como conceito teórico71.
Este facto é compatível com as afirmações de outros autores, de que falámos
na Revisão de Literatura, ao referirem que a experiência pedagógica não foi de
imediato acompanhada pela atenção dos académicos. Daí resultou que a
relação teoria/prática se estabelecesse mais recentemente (Benson, et al.,
2006), como ficou patente no capítulo da Revisão da Literatura.
70
Para facilitar a busca dos excertos dos textos das entrevistas, em todo o capítulo “Discussão” referenciaremos, em nota de rodapé, as páginas respetivas, quando se trate de uma referência interna, isto é, de uma referência a textos transcritos no capítulo “Apresentação de resultados”. As citações feitas com base nos dados ilustram e substanciam a discussão. 71
Cf. p. 115
Discussão
188
1.2. Definição do conceito
Os especialistas que entrevistámos utilizaram na definição do conceito
expressões tais como: “Dar poder”, “treinar a autonomia”, “ensinar a traçar
objetivos”, “ensinar técnicas de vida”, “ver as pessoas numa luz positiva”,
“tentando dar poder à pessoa”, “ajudar a que encontre o sucesso de uma forma
apropriada”, “centrar na criança como um todo”, “desenvolvimento integral” e
“em relação com a vida da criança” “construção de futuros possíveis”. Nas
expressões utilizadas por Petitpas, para definir Desenvolvimento Positivo da
Juventude em poucas palavras, surge uma expressão a que deu relevo,
servant leadership72 73.
A esta expressão é também dada importância num capítulo de um livro em que
colaboram, como autores, três dos nossos entrevistados: Parker, Martinek e
Hellison. No referido livro, de título “Youth Development and Physical Activity:
Linking Universities and Communities”, é defendida a ideia de que a liderança é
antes de mais uma atitude de serviço e que um educador, que se oriente por
esta teoria, adapta a configuração do seu trabalho em função daqueles a quem
presta o serviço de educar (Hellison, et al., 2000, p. 201). Também nas
referências de Martinek, esta ligação do Desenvolvimento Positivo à criação de
oportunidades de liderança responsável é clara. Diz ele: “Eu acredito que todos
os adolescentes têm potencial de liderança, quando dada a oportunidade e
orientação”.
As expressões utilizadas reportam claramente o conceito de Desenvolvimento
Positivo da Juventude para uma conceção de jovem como pessoa com
potencial a quem se “devolve” o poder para se desenvolver e que deve ser o
centro da preocupação educativa (Roth & Brooks-Gunn, 2003). A ideia central
do Desenvolvimento Positivo da Juventude é, segundo estudos de revisão
72
Este conceito é introduzido na gestão e contexto organizacional empresarial por Robert Greenleaf, por volta de 1997. O modelo servant leader é baseado no trabalho em equipa e na comunidade, procurando envolver os outros na tomada de decisão. Fortemente assente no comportamento ético e atencioso, tenta melhorar o crescimento pessoal dos subordinados, através do cuidado e da qualidade das relações nas instituições. Desde cedo investigadores estudiosos da liderança no desporto aplicaram teorias das áreas de negócios e da indústria ao fenómeno desportivo, pois este possui muitas das caraterísticas do ambiente empresarial. Este tem sido também o caso do modelo servant leader (Rieke, Hammermeister, & Chase, 2008). 73
Cf. p. 104
Discussão
189
muito recentes, a perspetiva de que o jovem tem, em virtude da sua
plasticidade, um grande potencial de mudança do curso do seu
desenvolvimento (Glaspie, 2011).
Os nossos entrevistados enfatizaram, com o seu discurso, essa perspetiva.
Sublinharam a visão positiva que o Desenvolvimento Positivo exige por parte
dos educadores, levando-os a focarem a sua atividade nas qualidades em
desenvolvimento nos jovens, promovendo as capacidades e habilidades
necessárias para enfrentarem a vida com competência. Distinguiram esta
abordagem da “prevenção de problemas” juvenis, salientando as diferenças
entre os modelos de abordagem dos défices (negativos)74 e os modelos que
visam a promoção das potencialidades (positivas) dos jovens75 76. Para além
disto referem o facto de os programas de Desenvolvimento Positivo da
Juventude abordarem o seu objeto de trabalho, a criança e o jovem, de forma a
promover o seu desenvolvimento holístico77.
Em material publicado anteriormente pelos entrevistados, encontrámos
referências que corroboram os resultados do presente estudo. Hellison refere
exatamente a necessidade de se adotar este tipo de abordagem, positiva,
dizendo que os serviços de apoio à juventude devem enfatizar a necessidade
que há de se construir sobre as “forças” do adolescente e de se desenvolver
todo o seu potencial. Continua Hellison dizendo que, mais do que focarmo-nos
nos seus problemas e mais do que afastá-los simplesmente da rua, interessa
querermos ajudá-los a serem aquela pessoa que são capazes de ser (Hellison,
et al., 2000).
Também Brustad e Parker (2005), num artigo referiram que programas de
Desenvolvimento Positivo da Juventude são promovidos para desenvolver
potencialidades existentes nos jovens e não para suprir défices, por isso
mesmo é suposto beneficiarem toda a juventude e não só alguma com
74
Cf. p. 117 75
Cf. p. 107 76
Cf. p. 114 77
Cf. p. 117
Discussão
190
problemas específicos. Mais tarde, Parker (2009) chama a atenção para esta
“abordagem positiva” não “remediativa”, sublinhando que evitar apenas os
problemas não assegura um desenvolvimento de todas as competências
necessárias para que os jovens venham a ter uma vida produtiva. Também
Wright refere a mesma preocupação de ir mais além do que simplesmente
evitar problemas. Diz ele que Desenvolvimento Positivo da Juventude é um
campo interdisciplinar ainda relativamente recente, que se carateriza por um
compromisso em ajudar os jovens a alcançar o seu potencial como pessoas
(Wright, 2009).
Petitpas, na sua definição, distingue “Programas de Intervenção”, cujo desígnio
é parar ou reduzir o comportamento negativo, de “Programas de Prevenção”
que procuram atrair o participante para atividades procurando mantê-lo longe
da possibilidade de fazer experiências negativas e, Programas de
Desenvolvimento da Juventude cujo objetivo está na aquisição e
desenvolvimento de competências (Petitpas, Cornelius, Raalte, & Jones, 2005).
Uma perspetiva positiva é dada por vários artigos de Escartí, em que o
Desenvolvimento Positivo da Juventude é definido como um crescimento da
pessoa de acordo com as inter-relações contínuas e dinâmicas que se
produzem entre esta e os seus contextos sociais, resultando no sucesso de
certas condutas funcionais que vão sendo valoradas ao longo do
desenvolvimento (Escartí, et al., 2009; Escartí, Gutiérrez, & llopis, 2010a;
Escartí, et al., 2011).
1.3. Objetivos
Em relação aos objetivos do Desenvolvimento Positivo da Juventude, nas
entrevistas evidenciam-se algumas expressões de forma repetida e explícita.
Tal é o caso da “autonomia”, da “autodeterminação”, do “empowerment”, da
capacidade para “tomar decisões”, da “responsabilidade” e da “liderança”78. Em
relação a esta última, o desenvolvimento da capacidade de liderar, Martinek
refere de uma maneira muito perentória a sua convicção dizendo “Eu
78
Cf. p. 104, 108, 110, 115, 116
Discussão
191
concentro-me no desenvolvimento de líderes dentro dos nossos programas de
juventude.”
Brustad refere enfaticamente na entrevista que a busca da “autonomia é a
chave” do trabalho com crianças e jovens, dizendo que há uma relação positiva
entre a autonomia e a motivação para aprender. Para além disso, Brustad
reforça a sua convicção sobre a necessidade de que os jovens aprendam
liderança.
Para Escartí, reforçar fatores de proteção assegura de forma mais sólida o
evitar dos comportamentos de risco, por isso, o Desenvolvimento Positivo da
Juventude tem como objetivo o fazer desabrochar uma série de habilidades-
chave que permitirão a crianças, adolescentes e jovens enfrentarem com
sucesso as dificuldades que encontrarão na vida. Para esta psicóloga, o
Desenvolvimento Positivo da Juventude trata da aquisição e potenciação das
cinco competências descritas pelo grupo de investigação de Lerner,
conhecidas pelos 5Cs, que permitem aos jovens adaptar-se eficazmente aos
diversos desafios da vida. Ela faz uma referência frequente aos objetivos da
Psicologia Positiva, como sejam, potenciar a autonomia, a responsabilidade e a
empatia (entre outros), transpondo-os para o Desenvolvimento Positivo.79
Verificando a produção escrita dos entrevistados, podemos encontrar as
mesmas convicções. Brustad refere nos seus artigos e nas conferências que
faz sobre o tema que a autonomia é um resultado esperado dos programas de
Desenvolvimento Positivo da Juventude (Brustad, 2008).
A busca das competências de liderança, como forma de devolver aos jovens a
sua capacidade de orientar a própria vida, está patente na literatura produzida
pelos entrevistados enquanto autores sobretudo no caso de Martinek, Hellison
e Parker (Hellison, et al., 1996; Martinek, Schilling, & Hellison, 2006). No livro
“Youth Leadership in Sport and Physical Education” (2009) pode ler-se de Tom
Martinek e de Don Hellison: “Para nós, ver as crianças a liderar e a ajudar os
outros eleva a resiliência para outro nível. A importância de tudo isto é
reconhecer que o desenvolvimento de liderança juvenil promove a aquisição de
79
Cf. p. 108
Discussão
192
comportamentos positivos saudáveis e reduz os comportamentos de risco”
(p.XIII). No mesmo livro, num outro capítulo, Melissa Parker reforça a ideia de
que os programas de desenvolvimento estão focados no empowerment e não
no controlo (sobre o aluno) e que no ensino há coisas mais importantes que os
conteúdos tais como o “empowerment, a responsabilidade e a capacidade de
liderança”.
Para Escartí, a relação entre objetivos da Psicologia Positiva e os dos
programas de Desenvolvimento Positivo está também patente nos seus
escritos: “Trabalhar com crianças para fortalecer habilidades adaptativas para
enfrentar o futuro tornou-se um tema relevante em Psicologia hoje, e ligado ao
conceito de desenvolvimento juvenil positivo” (Escartí, et al., 2010a, p. 388).
1.4. População alvo
Há acordo entre os nossos entrevistados em relação à abrangência da
população alvo nos programas de Desenvolvimento Positivo da Juventude. Por
exemplo, referem-na de acordo com as experiências profissionais de cada um,
estendendo-a desde a infância80 aos jovens adultos81, passando por todas as
etapas de desenvolvimento, abrangendo jovens dos dois sexos.
Para além disso, como já referimos, as atividades de Desenvolvimento Positivo
da Juventude desenvolvem-se com todas as crianças e jovens e não apenas
com aqueles que se apresentam em situação de risco ou com necessidades
especiais em alguma área de desenvolvimento82. Podem encontrar-se em
contexto escolar ou pós escolar, da escola elementar às universidades.
Apesar de se destinarem a toda a população, há, no entanto, programas que
se estabelecem em comunidades mais carentes ou problemáticas83 com o
objetivo de dar uma oportunidade de desenvolvimento à juventude dessas
comunidades. Um exemplo disso é-nos dado por Brustad através da sua
experiência pessoal de trabalho com famílias camponesas migrantes, pobres
80
Cf. p. 109 81
Cf. p. 115 82
Cf. p. 109 83
Cf. p. 107, 112
Discussão
193
que viviam da agricultura, outro exemplo é o de Melissa Parker com crianças
de uma reserva índia.
1.5. Enquadramento institucional
O enquadramento institucional dos programas de Desenvolvimento Positivo da
Juventude, segundo os entrevistados, pode ser muito variado. Desde logo, o
contexto pode ser escolar, dentro ou fora do currículo, ou como atividade extra
curricular. Outras experiências são enquadradas pelo desporto juvenil em
clubes ou em instituições localizadas na comunidade originária dos jovens.
Escartí que, como nos fomos já apercebendo, trabalha sobretudo no contexto
da Educação Física escolar, defende que o Desenvolvimento Positivo também
é possível neste enquadramento com algumas vantagens. Refere a esse
respeito que outros tipos de programa tendem a ser curtos no tempo e,
portanto, não permitem o atingir de alguns objetivos de desenvolvimento84
importantes.
Parker refere já ter trabalhado Desenvolvimento Positivo em contexto escolar,
quer nas aulas de Educação Física quer fora delas, antes e depois das
mesmas. O Desenvolvimento Positivo faz atualmente parte integrante dos
programas que desenvolve na universidade com os próprios alunos85 inscritos
num programa para formação de professores de Educação Física.
De uma outra opinião é Brustad86, argumentando que o número de alunos de
uma turma e o reduzido número de aulas semanais não permite que,
verdadeiramente, se construa um programa de Desenvolvimento Positivo da
Juventude. Este especialista manifesta, por isso, a sua preferência por um
enquadramento de atividade pós escolar ou mesmo de campo de férias e não
pela Educação Física curricular. Para justificar a sua posição, Brustad alega a
falta de tempo de empenhamento na atividade no caso das aulas de Educação
Física. Nos programas de Desporto (mais ligados ao rendimento) encontra o
tempo necessário ao desenvolvimento de programas de Desenvolvimento
84
Cf. p. 109 85
Cf. p. 115 86
Cf. p. 109
Discussão
194
Positivo, no entanto, é nos programas pós-escolares que vê o maior potencial
devido à liberdade de programação existente87.
Nos estudos escritos produzidos pelos entrevistados, podemos acompanhar o
trabalho desenvolvido por cada um em enquadramentos variados. Os extended
day programs, a que se refere Hellison no seu livro “Youth Development and
Physical Activity” (2000), consistem em programas cujo enquadramento é dado
pela comunidade no contexto da política de programas juvenis e que se
desenvolvem antes ou depois da escola, aos fins-de-semana, ou nas férias.
Esta oferta tem, segundo Hellison, a vantagem de poder ser aproveitada por
um leque maior de praticantes. Melissa Parker tem também artigos onde
claramente nos aparecem modelos de atuação conforme o Desenvolvimento
Positivo na Educação Física escolar (Hansen & Parker, 2009; Parker &
Hellison, 2001; Parker, et al., 1999) e noutro tipo de enquadramentos (Parker,
2008).
Salientamos também aqui os documentos produzidos a respeito do trabalho em
contexto escolar desenvolvidos por Amparo Escartí na comunidade Valenciana
a partir do final dos anos 90. Começando com adolescentes de risco de
algumas escolas, está hoje empenhada em projetos de Desenvolvimento
Positivo da Juventude que envolvem todas as escolas de uma comunidade,
desde a primária à secundária, no contexto da Educação Física curricular
(Escartí; Escartí, et al., 2009; Escartí, et al., 2006).
1.6. Meios e atividades
Apesar de salientarem que o Desenvolvimento Positivo da Juventude pode
servir-se de diferentes meios e atividades para promover o desenvolvimento
juvenil, tais como o teatro, a música, a dança, outras formas de arte, ou áreas
de interesse88, os nossos entrevistados chamam a atenção para a mais-valia
representada pelo Desporto (e pelas Atividades Físicas) como meio privilegiado
de Desenvolvimento Positivo.
87
Cf. p. 111 88
Cf. p. 112, 117
Discussão
195
A grande relação de alguns deles com o desporto poderia por si só justificar
esta preferência, no entanto, nas entrevistas falam de motivos intrínsecos à
própria natureza das atividades desportivas.
Petitpas diz-nos que o desporto é o “meio” onde os jovens se encontram, é
onde querem estar, e que, por isso, é por onde se pode começar89. Para além
disso, Brustad fala-nos do papel desempenhado pelo desporto nas
necessidades de desenvolvimento da criança, particularmente na necessidade
desta construir a sua identificação como alguém de êxito (o adolescente tem
necessidade de se sentir alguém que é bom na música, no teatro ou noutra
coisa qualquer). O desporto proporciona, segundo os entrevistados, uma
oportunidade de sucesso para muitos jovens 90.
A esta vantagem junta-se o facto de a atividade desportiva ser adaptável à
idade e às necessidades das crianças e jovens91 e de poder desempenhar um
papel muito importante no ensino de habilidades para a vida92, o que, segundo
Hellison, tem sentido no contexto do Desenvolvimento Positivo da Juventude 93.
Esta potencialidade do desporto resulta do facto de este ser verdadeiramente
uma “metáfora da vida”. Aí, deparando com situações, acontecimentos e
problemas que suscitam comportamentos, sentimentos e atitudes, os jovens
exercitam competências e consolidam valores de que necessitarão durante a
vida e que, em contexto desportivo, permitem uma intervenção educativa por
parte do adulto94.
Brustad e Parker (2005) defendem que a atividade física e o desporto são uma
excelente área através da qual se facilita o desenvolvimento positivo dos
jovens, uma vez que os jovens têm, na generalidade, uma forte atração natural
por estas atividades que, ao mesmo tempo, providenciam numerosas
oportunidades de interação estimulantes à mudança positiva.
89
Cf. p. 105 90
Cf. p. 105, 112, 116 91
Cf. p. 112 92
Cf. p. 117 93
Cf. p. 118 94
Cf. p. 109
Discussão
196
Apesar destas posições, os nossos entrevistados não atribuem ao desporto um
papel “automaticamente” importante no Desenvolvimento Positivo, não
reconhecem que o desporto seja educativo por si só. Hellison, por exemplo,
defende num artigo que nem o desporto nem a atividade física inculcam, por si
sós, valores como seus “produtos naturais” (Hellison, 1990b). A mesma opinião
é veiculada por Escartí quando diz, em documentos escritos, que a prática do
desporto não produz, por si mesma, desenvolvimento positivo mas que, para
isso ser possível, os programas desportivos devem ensinar, mais do que
competências desportivas, competências de vida (Escartí, et al., 2011; Escartí,
et al., 2005).
1.7. Estratégias pedagógicas
A atividade desportiva necessita, para se enquadrar na visão do
Desenvolvimento Positivo da Juventude, de estratégias apropriadas. Neste
contexto, os vários desportos e atividades são escolhidos de forma a servirem
os objetivos do Desenvolvimento Positivo. Como referimos no início deste
capítulo, esses objetivos do Desenvolvimento Positivo da Juventude vão no
sentido do empowerment, do desenvolvimento da autonomia, da capacidade
para a tomada de decisões, da responsabilidade e da liderança. Os
entrevistados referiram algumas estratégias pedagógicas promotoras de tais
desenvolvimentos.
Hellison, por exemplo, chama a atenção para que se aproveite a atividade
física como a estratégia base, através da qual os ensinamentos são feitos e
onde se exercitam os valores a transmitir95. Com esta recomendação, ele
desincentiva programas que utilizam o desporto como “chamariz” dos miúdos
para depois lhes fornecer teoricamente informações sobre temas que
consideram importantes. Para este especialista o valor da atividade física está
em, através dela, os alunos poderem descobrir o que é importante para o seu
próprio desenvolvimento, fazendo-o de uma forma integrada96.
Para promover a autonomia é considerado essencial que os jovens participem
ativamente nas tomadas de decisões. Para tal, é fundamental que se transfira
95
Cf. p. 116 96
Cf. p. 118
Discussão
197
poder do adulto para o praticante97 dando-lhe voz, permitindo-lhe fazer
escolhas durante a atividade, concedendo direito ao erro e desencorajando
atitudes que ridicularizam os outros98. Parker exemplifica este tipo de estratégia
sublinhando a importância de dar aos alunos a oportunidade de exercitar a
capacidade de escolher, desde as escolhas mais simples, como seja o colega
com quem se vai trabalhar, às mais complexas, como p. ex., o que é que o
aluno quer aprender99, ou até a conceção dos próprios jogos.
Ao mesmo tempo, e com o objetivo de desenvolver competências de liderança,
alguns entrevistados defendem que se promovam entre os praticantes
atividades de apoio aos mais novos e à própria comunidade100.
Estas estratégias permitem atingir o objetivo último do ensino que consiste no
desenvolvimento, no jovem, da capacidade de transferir para a vida aquilo que
aprende na escola, ou no clube, ou noutra estrutura educativa.
Ainda em “Youth Development and Physical Activity: Linking Universities and
Communities” (2000), Martinek afirma que, para levar jovens a terem uma
perspetiva positiva das suas vidas e da sociedade, se pode começar por
promover programas em que lhes deem poder e os valorizem. Também Paul
Wright, num artigo na Physical Education and Sport Pedagogy, escreve que,
para representarem um real contributo para o Desenvolvimento Positivo, os
programas devem refletir o compromisso de dar poder e voz aos jovens
(Wright, 2009).
Tom Martinek e Luiz Miguel Ruiz (2005) enumeram com detalhe algumas das
estratégias que promovem o desenvolvimento da capacidade de liderar, tais
como: reforçar as expectativas dos jovens como lideres, dar-lhes voz (direito de
opinião, de dizer o que sentem…), estimular a reflexão e reconhecer os seus
progressos e esforços em contexto de apoio aos mais jovens ou à comunidade.
Por seu lado, Hellison sublinha em vários artigos e livros a importância da
97
Cf. p. 113 98
Cf. p. 116 99
Cf. p. 116 100
Cf. p. 106, 110, 116,
Discussão
198
integração das estratégias referidas no contexto da atividade desportiva
(Hellison, 2003; Hellison, et al., 1996)
1.8. Fatores de sucesso
Para além das atividades e das estratégias escolhidas, há outros fatores a
condicionarem o sucesso de um programa de Desenvolvimento Positivo da
Juventude.
Para começar, a relação que o adulto (professor, treinador, mentor…)
estabelece com o jovem. Petitpas sublinha a importância dos “mentores” desde
a sua formação inicial, passando pelo treino e pela supervisão101. Mais adiante,
refere a qualidade da relação com a criança como fundamental, fazendo
depender o sucesso desta da capacidade do adulto em transmitir aos jovens o
seu interesse por eles. A partir desta perceção é possível que os jovens se
deem conta do seu próprio papel no grupo e na equipa, pois o adulto fá-los
sentir a importância da sua contribuição para o sucesso comum 102.
Toda esta dinâmica de relação está dependente do conhecimento que o
professor tenha das potencialidades e necessidades das crianças e jovens com
quem trabalha. Brustad diz estar convencido de que a Psicologia do
Desenvolvimento constitui a base teórica dos programas de Desenvolvimento
Positivo da Juventude e por isso o seu estudo e conhecimento é estrutural na
formação do professor 103.
É evidente, nas respostas recolhidas, a importância dada ao tempo de
interação adulto/jovem, não só pelo que este revela de dedicação e de
importância atribuída aos praticantes, por parte do adulto, como também pela
natureza dos objetivos dos programas de Desenvolvimento Positivo. Diz, por
exemplo, Escartí que a aprendizagem de competências para a vida é exigente
em termos de tempo, pois há que dar tempo às mudanças104. As respostas de
Brustad vão no mesmo sentido, uma vez que ele defende que é difícil atingir os
objetivos de Desenvolvimento Positivo quando se está condicionado pelo
101
Cf. p.105 102
Cf. p. 107 103
Cf. p. 110 104
Cf. p. 109
Discussão
199
tempo e por uma programação que ultrapassa a do próprio professor ou
treinador. Efetivamente, como já referimos, esta é uma das dificuldades que
Brustad apresenta para a aplicação de programas de Desenvolvimento Positivo
em aulas de Educação Física ou em treino desportivo em contexto de clube.
Também Martinek é perentório na sua convicção de que o tempo é
fundamental, uma vez que se trata de ensinar competências de vida que estão
absolutamente dependentes, na sua opinião, do tempo relacional partilhado
entre adulto e jovem 105.
Ainda assim, não deixa de ser interessante, verificarmos, que Escartí
desenvolve o seu trabalho em contexto de aula de Educação Física, sendo
numerosas as publicações onde dá conta de resultados positivos obtidos
mesmo com constrangimentos de tempo (Escartí, et al., 2009; Escartí, et al.,
2010a; Escartí, et al., 2011).
Para além da questão do tempo, é também relevante, para os entrevistados, o
rácio adolescente/adulto 106. Um número baixo de adolescentes sob a
orientação de cada adulto, para além de representar atenção individualizada,
representa também um tempo de empenhamento na tarefa mais significativo e
implementador do desenvolvimento dos jovens envolvidos 107.
Poderemos dizer, a partir das respostas que obtivemos, que só com um
número de jovens limitado e um tempo de interação considerável é possível
estabelecer relações significativas entre professor e aluno, ficando, no entanto,
a ideia de que o rácio e o tempo ótimos podem ser diferentes para diferentes
professores, realidades e enquadramentos do programa.
Outro fator de sucesso realçado nas palavras dos entrevistados é a
necessidade de providenciar um ambiente de qualidade. Referido por todos,
este ambiente resulta de várias coisas. Desde logo, a garantia do clima de
segurança física e psicológica é fundamental e depende de uma atmosfera
105
Cf. p. 117 106
Cf. p. 113 107
Cf. p. 114
Discussão
200
composta por uma série de fatores mais e menos objetivos. A segurança será
dada pelo ambiente agradável e divertido, pela certeza de que não se será
agredido física ou verbalmente, de que não se será ridicularizado, de que
aquilo que cada um diz interessa e de que as opções feitas serão cumpridas. O
clima de segurança está também muito dependente das convicções dos jovens
acerca da fidelidade do professor, das relações positivas (significativas)
estabelecidas entre pares e com os adultos, e do suporte exterior ao programa,
por exemplo, no caso de se proporem atividades comunitárias108. As palavras
de Petitpas resumem a tarefa do professor na criação deste ambiente de
qualidade quando diz “[…] o nosso trabalho é criar lugares que sejam física e
psicologicamente seguros, onde eles [crianças e jovens] queiram experimentar
coisas e ajudar pessoas, ser expostos a experiências diferentes de forma
segura”109.
Para além destes fatores, Hellison chama a atenção para a importância do
trabalho das competências motoras e desportivas que, também este, só
alcança verdadeiro significado no contexto do Desenvolvimento Positivo se
está em relação com a vida. Esclarece ele em linguagem coloquial “[…] não se
poderia dizer que se está a fazer alguma coisa se não tem relação com a vida,
se não tem a ver com ajudar o miúdo a melhorar-se a ele mesmo na vida. Para
mim isso é o positivo, […]”110.
1.9. Enquadramento teórico
A subcategoria “Enquadramento teórico” é realmente uma das três menos
referidas pelos nossos entrevistados. Este facto deve-se, talvez, ao tom prático
e experiencial de todas as entrevistas. Apesar da baixa frequência obtida, não
deixaremos de nomear alguns tópicos que foram aparecendo. São Escartí e
Brustad que se lhe referem, de forma expressa, no seu discurso, revelando
vários envolvimentos teóricos possíveis, tais como: Psicologia Positiva,
Psicologia do Desenvolvimento, Psicologia do Desporto, Psicologia
108
Cf. p. 106, 111, 114, 114 109
Cf. p.106 110
Cf. p. 118
Discussão
201
Comunitária, Psicologia Cultural, Sociologia, Justiça Criminal, Teorias do
Desenvolvimento Social e Teorias Sociais 111.
Em termos conclusivos, poderemos dizer que o Desenvolvimento Positivo da
Juventude é entendido pelos entrevistados de uma forma semelhante e
suportada pela literatura existente sobre o assunto. Também entre eles, como
acontece entre outros estudiosos, os termos usados na definição variam mas
não os conceitos base da definição. Claramente, o Desenvolvimento Positivo
da Juventude aparece como uma visão do desenvolvimento de todos os
jovens, atuando a montante da prevenção e da intervenção em situações de
risco ou remediativas, aproveitando e desenvolvendo potencialidades com
base nos recursos existentes nestes e no envolvimento.
Como objetivos fundamentais, os entrevistados apontam o desenvolvimento da
autonomia e da autodeterminação através de estratégias de empoderamento
(empowerment), da tomada de decisões, da responsabilidade e da liderança.
Também as capacidades relacionais e a empatia aparecem referidas como
objetivos desejáveis do Desenvolvimento Positivo da Juventude.
A população a que se destinam os programas assentes no Desenvolvimento
Positivo estende-se da infância aos jovens adultos, para indivíduos dos dois
sexos, em contextos institucionais variados que vão dos escolares aos de
ocupação de tempos livres. Integrando modelos de intervenção para a
população jovem em geral, referem-se intervenções para populações
problemáticas com diversos tipos de carências culturais e sociais, com
populações de integração escolar difícil seja por necessidades educativas
especiais seja por dificuldades de ordem comportamental.
As atividades que podem servir de veículo ao Desenvolvimento Positivo da
Juventude, segundo os entrevistados, são várias (formas de arte como a
música e o teatro e outras áreas de interesse dos jovens). A atividade
desportiva foi a que mais frequentemente apareceu nas referências
categorizadas.
111
Cf. p. 108, 110
Discussão
202
A riqueza deste tipo de atividade é justificada pela motivação dos jovens para a
atividade e pela potencialidade do desporto como metáfora da vida. Nele é
possível treinar uma multiplicidade de competências necessárias à mesma e é
exequível propor desafios motivantes, controlados, onde a experiência pessoal
e coletiva de êxito é viável.
A atividade física e desportiva, no contexto do Desenvolvimento Positivo da
Juventude, necessita de se valer de estratégias apropriadas e, neste ponto, as
referências atingiram grande frequência. Na opinião dos entrevistados, esta
permite que todas as componentes do desenvolvimento a integrem. Nesta
abrangência, a tomada de decisões, o exercício do direito a ter voz nas
decisões, a possibilidade de escolher e de responsabilizar-se, o estímulo à
reflexão e as estratégias de sensibilidade ao outro são as mais referidas. Todas
estas estratégias dependem, para o atingir dos objetivos dos programas, de
uma última, mas não menos importante: a transferência das aprendizagens
para a vida.
Outro tópico importante das respostas que estudámos foi o dos fatores que
condicionam o sucesso dos programas de Desenvolvimento Positivo.
As qualidades de relação do adulto, fundamentalmente com a criança
aparecem como determinantes para o sucesso. O tempo de duração da
intervenção é também de grande importância, não só pela natureza de
objetivos a atingir (de desenvolvimento) como pelo que este representa de
importância e confiança dedicada aos praticantes. Relacionado com este fator,
encontra-se o rácio adulto/jovem que, na opinião dos entrevistados, deve ser
baixo de forma a permitir estabelecer relações pessoais significativas.
O ambiente (ou clima) da intervenção é outro aspeto a considerar no sucesso
destes programas. Todas as recomendações orientam para a implementação
de um clima de segurança física e psicológica onde o aluno encontre
divertimento, onde saiba que terá direito a errar sem ser ridicularizado, onde as
decisões sejam cumpridas, onde o risco seja um desafio controlado.
Fomos, de certa forma, surpreendidos com a falta de referências ao
enquadramento teórico do Desenvolvimento Positivo da Juventude. Esta baixa
frequência pode decorrer do facto do Desenvolvimento Positivo não se situar
Discussão
203
claramente em nenhum domínio de conhecimento específico, mas sim
beneficiar do contributo de vários, tais como: Psicologia, Serviço Social,
Desporto e outros.
Outra constatação interessante foi a de que, no que se refere à matéria,
definição das caraterísticas do Desenvolvimento Positivo da Juventude,
psicólogos do desporto, professores de Educação Física em contexto escolar e
educadores em programas de extensão escolar ou extraescolar, apresentam
respostas compatíveis com uma visão do desenvolvimento juvenil de contornos
e conteúdos idênticos e bem definidos.
Discussão
204
Discussão
205
2. Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social
O segundo tema-eixo permitiu-nos caracterizar o modelo de intervenção de
Hellison (MR), através das respostas dos entrevistados relativamente ao tema.
Nesta parte da discussão, referente ao modelo de Hellison, contaremos
sobretudo (embora não exclusivamente) com a recolha feita junto dos
entrevistados que trabalham diretamente com o modelo, são eles, Hellison,
Escartí, Parker, Wright e Martinek.
2.1. Origem
Durante este processo verificámos que o Modelo de Responsabilidade de
Hellison teve origem na busca iniciada pelo autor no sentido de dar resposta às
necessidades educativas112 dum grupo de alunos, jovens marginais, por quem
ficou responsável, como professor de Educação Física. Partindo das suas
dúvidas, convicções e dos seus valores, Hellison inicia o seu trabalho
perseverando na prática pedagógica, no estudo, na reflexão e na permanente
introspeção e autoavaliação, chegando a uma forma diferente de abordar a
educação pelo desporto 113. Salientando, no seu discurso, o facto de ir
chegando à estrutura do modelo através de avanços e recuos é o próprio
Hellison que lembra a dificuldade sentida nas primeiras tentativas de
estruturação do Modelo de Responsabilidade 114. Também do ponto de vista
prático, as dificuldades eram grandes e iam do desinteresse muitas vezes
mostrado pelos alunos até à necessidade de encontrar um novo papel do
professor de Educação Física.
É no contacto com Hellison que alguns dos entrevistados - Martinek, Parker,
Escartí e Wright - tomam conhecimento desta nova abordagem da Educação
Física e do desporto de formação 115.
112
Cf. p. 121 113
Cf. p. 121 114
Cf. p. 121 115
Cf. p. 122
Discussão
206
A revisão de literatura (Buchanan, 2001; Cecchini, et al., 2003; Cutforth, 1997;
Hellison, 1978, 1985; Saskatchewan, 1999; Stiehl, 1993; Wuest, 1999) confirma
as declarações dos entrevistados em relação à paternidade do modelo.
Hellison partiu da sua inquietude profissional e de algumas convicções que se
lhe adivinham desde os seus primeiros escritos. Sem dúvida que buscava um
modelo de ensino humanista 116. Num documento de resumo de um debate
entre Hellison e Siendentop (1974, p. 24) em que o primeiro se estriba nos
conceitos do “humanismo” e o segundo defende o “behaviorismo” pode ler-se
deste último:
“eu gosto de debater e interagir com Don117; acho isso estimulante. Apesar de estar basicamente em desacordo com a sua visão (…) tenho que reconhecer que ele tenta melhorar a qualidade da formação profissional; ele tenta encontrar uma maneira de melhorar a experiência que os alunos têm da Educação Física escolar; ele é contra o uso de métodos punitivos e busca maneiras de conduzir a Educação Física de tal maneira que os alunos a valorizem mais.”
Num dos seus primeiros livros, “Humanistic Physical Education” (1973),
Hellison dá conta das suas dúvidas a respeito do papel da Educação Física no
desenvolvimento dos jovens, tal como era concebida no seu país. Algumas
crenças começavam a ser postas em causa por estudos onde se procurava
avaliar com objetividade os resultados obtidos com programas existentes. Pode
ler-se no referido livro:
“Mais, parece que os programas atléticos não “constroem o caráter”,[…] nem a transferência de valores do desporto para a sociedade está garantida, segundo a investigação disponível. Os estudos também tendem a desvalorizar afirmações comuns, tais como, todas as formas de atividade física diminuem a agressividade, a tensão e a ansiedade. […]. Para além disso, está mesmo instalada a dúvida sobre a convicção de que a maioria dos programas atuais de Educação Física promova o desenvolvimento da aptidão física [importante na ascensão social, referida como consequência natural no mesmo livro], comprometendo assim, pelo menos, uma parte do argumento de que o desenvolvimento social é um valor automático decorrente dos programas atuais. […] ainda precisam conceber-se programas que satisfaçam este objetivo e, em seguida, avaliar as aprendizagens resultantes” (p. 33).
Como dizíamos, o Modelo de Responsabilidade tem origem nas convicções e
valores de Hellison na sua prática pedagógica, e na permanente introspeção e
autoavaliação.
116
Cf. p. 123 117
Referência a Hellison.
Discussão
207
2.2. Objetivos
Após os primeiros anos, Hellison chega à definição dos objetivos agrupando-os
em duas dimensões: o desenvolvimento da responsabilidade pessoal e o
desenvolvimento da responsabilidade social118.
Das respostas dos nossos entrevistados é possível encontrar objetivos de
desenvolvimento juvenil que levarão à prossecução das duas áreas definidas
por Hellison. Referem, sistematicamente, a busca da autonomia e, com ela, a
autogestão das próprias vidas; pretendem trabalhar com os jovens o
empowerment, a reflexão sobre si mesmos e sobre o que os rodeia,
conferindo-lhes o poder de chegarem à vida adulta felizes, bem-sucedidos com
potencialidade produtiva; empenham-se no seu melhoramento pessoal, na
interiorização de valores transferíveis para a vida; pretendem, nos seus
programas, ensinar crianças a serem líderes, carinhosos, responsáveis e com
espírito de serviço e de contribuição positiva em relação à sua comunidade119.
Veem no modelo de DRPS de Hellison uma estrutura cujas peças se articulam
de forma a atingir as dimensões globalizantes da educação para a
responsabilidade, uma estrutura que proporciona o desabrochar de
competências de vida. Martinek chega mesmo a referir que, apesar de no caso
da Educação Física escolar os limites de tempo e de rácio podem ser
constrangedores da aprendizagem de skils desportivos, é possível desenvolver
as competências de vida, donde, conclui, estas são aquilo em que
verdadeiramente vale a pena apostar120.
2.3. Enquadramento institucional
Para além da Educação Física na escola, outras instituições são referidas
como enquadramentos possíveis do modelo de Hellison. Ele próprio nos dá
conta da necessidade de ir adaptando o modelo a cada situação diferente, seja
numa escola específica, num programa desportivo, num outro país, numa
paróquia, num prolongamento de aulas, num clube, numa escola alternativa,
118
Cf. p. 122 119
Cf. p. 123 120
Cf. p. 124
Discussão
208
num colégio de elite ou outra, numa escola primária ou numa universidade em
ensino público ou privado 121.
No contexto escolar ou noutro, é possível trabalhar o Modelo de
Responsabilidade, sendo que cada situação apresenta vantagens e
desvantagens. Desde logo, programas onde os praticantes estão de livre
vontade têm vantagem em termos de motivação122. Nos enquadramentos
escolares há sempre a possibilidade de um acompanhamento distendido no
tempo, por exemplo, de iniciar um programa na primária e seguir até à
universidade, se assim se entender. Foi neste contexto que surgiram trabalhos
de liderança juvenil (cujos “monitores” são estudantes universitários)
funcionando em colaboração com escolas básicas e secundárias e
faculdades123. Por outro lado, é interessante que os entrevistados que aplicam
na sua atividade o Modelo de Responsabilidade, embora reconheçam que o
contexto da Educação Física curricular tem alguns constrangimentos
(programas, obrigatoriedade de frequência e número de alunos, por exemplo),
não entendam que esses sejam limitadores para o sucesso do trabalho124.
Fazem sim referência à necessidade de fazer adaptações, buscando “a forma
mais ágil” de aplicar o programa atingindo os objetivos125. Uma das chamadas
de atenção neste sentido é-nos feita por Martinek, lembrando que, quando
intervimos junto de determinados grupos, criamos uma cultura que é diferente
da cultura escolar e mesmo da comunidade, criamos contracultura, e que isso
exige da parte dos miúdos adaptações nem sempre fáceis126. Esta dificuldade
verifica-se sobretudo quando se pretende passar das aprendizagens
contextualizadas na sessão do Modelo de Responsabilidade para a sua
aplicação na vida do dia-a-dia.
Em documento escrito, Hellison e outros colegas defendem também vantagens
dos programas que, apesar de funcionarem no espaço da escola ou não, são
121
Cf. p.124, 125 122
Cf. p. 125 123
Cf. p. 125 124
Cf. p. 126 125
Cf. p. 124 126
Cf. p. 126
Discussão
209
independentes do contexto da Educação Física, pois permitem uma maior
variação de conteúdos, mais flexibilidade de tempo, de composição de grupos,
de objetivos e globalmente de tomada de decisões pelos responsáveis
(Hellison, et al., 2000). Há, no entanto, outros estudos que suportam a
possibilidade de trabalhar o Modelo de Responsabilidade no contexto da aula
de Educação Física apesar de alguns constrangimentos provocados pelo
número de alunos e pelos programas das escolas. Este facto é evidenciado, a
título de exemplo, num estudo onde se conclui que o modelo oferece, nas aulas
de Educação Física, um instrumento útil para o desenvolvimento moral através
do desporto e da atividade física (Cecchini, et al., 2003).
No Canadá, na província de Saskatchewan, o Modelo de Responsabilidade foi
adotado pelo Ministério da Educação como orientação programática da
Educação Física do 1º ao 5º ano de escolaridade (Saskatchewan, 1999).
2.4. População
Escartí, Parker, Wright e Martinek, mercê de experiências de trabalho em
países e programas diferentes, apresentam nos seus discursos grande
variedade na população em que aplicaram o Modelo de Responsabilidade: as
idades, sexo, condição social e nível de ensino.
Tendo o Modelo de Hellison nascido num contexto de reabilitação para jovens
delinquentes, portanto para uma população com necessidades especiais, hoje
encontra-se ao serviço de todos os tipos de população desde a infância aos
jovens adultos.
Amparo Escartí, tendo-se dedicado nos últimos anos ao trabalho em escolas
públicas básicas e secundárias de ensino regular, em Espanha, iniciou os seus
estudos em DRPS, em Chicago, com alunos com perfil de risco127. Parker
trabalhou com um grupo pertencente a uma minoria étnica (numa reserva índia
no Utah) e dedica-se nos últimos anos a crianças da primária e alunos
universitários128. Wright tem-se dedicado também ao trabalho multicultural e a
crianças com NEE (necessidades educativas especiais), nomeadamente no
127
Cf. p. 126 128
Cf. p. 127
Discussão
210
âmbito da paralisia cerebral129. Martinek e Hellison trabalham com grupos de
adolescentes e jovens negligenciados, delinquentes e com dificuldades de
integração escolar e social. Ambos se têm entregado ao trabalho de formação
de líderes em clubes e em contexto de ensino universitário130.
A produção literária dos nossos entrevistados dá-nos conta muito detalhada
das suas intervenções educativas utilizando o modelo de DRPS de Hellison
(DeBusk & Hellison, 1989; Escartí, et al., 2010a; Escartí, et al., 2010b; Escartí,
et al., 2005; Hellison, 1985, 1990a, 1990b; Hellison, et al., 2000; Hellison, et al.,
1996; Hellison & Wright, 2003; Martinek & Hellison, 2009; Martinek, et al., 2006;
Martinek, et al., 2001; Parker & Hellison, 2001; Parker & Stiehl, 2005; Walsh, et
al., 2010; Wright, et al., 2010; Wright, et al., 2004).
Em numerosos outros documentos poderemos ter acesso a diferentes
intervenções pedagógicas realizadas por outros investigadores, utilizando o
modelo de DRPS, em populações e enquadramentos distintos (Balderson &
Martin, 2011; Cecchini, et al., 2007; Gordon, 2010; Gutiérrez, Escartí, &
Pascual, 2011; Hammond-Diedrich & Walsh, 2006; Hellison & Walsh, 2002;
Jiménez, 2006; Marín, 2007; Martinek & Hellison, 2009; Pardo, 2007;
Regueiras, 2006; Saskatchewan, 1999; Stiehl & Galvan, 2005; Walsh, 2007).
Num dos mais recentes livros escritos por Martinek e Hellison pode ler-se que o
Modelo de Responsabilidade “não é uma teoria sonhada numa torre de marfim.
Ele foi adotado e adaptado por muitos professores de Educação Física e por
outros tantos treinadores e responsáveis de trabalho com jovens, quer nos
Estados Unidos quer em vários outros países.” (Martinek & Hellison, 2009, p.
114).
2.5. Estrutura das sessões
Apesar da aplicação a populações diferentes, a estrutura das sessões131 (que
constitui em si mesma uma estratégia base) mantém aspetos comuns quer se
129
Cf. p. 127 130
Cf. p. 126, 128 131
Descrita no Capítulo de Revisão de Literatura p. 58
Discussão
211
trate de treinos, de aulas de Educação Física ou de ocupação de tempos livres.
Há um seguimento de tempos/momentos com funções determinadas, que
desempenham um papel importante no atingir dos objetivos, embora seja
reiterado pelos entrevistados que esta estrutura não é rígida e que pode e deve
ser adaptada de acordo com as necessidades dos diferentes cenários
pedagógicos.
Referem o tempo de aconselhamento (ou conversa individual)132 como tempo
importante para o conhecimento do aluno, da sua maneira de ser, dos seus
hábitos, das suas expectativas. Compreendemos aqui algumas das limitações
referidas pelos entrevistados (quando falamos do trabalho feito em contexto de
aula de Educação Física, ou no clube, ou noutro envolvimento) em relação ao
tempo de contacto e ao rácio adulto/jovem, pois estas variáveis de
enquadramento e de população condicionam o tempo que se pode dedicar a
cada um e daí a qualidade da relação individual.
Em relação à conversa de consciencialização, em que se pretende que os
miúdos tomem parte no desenvolvimento de Níveis de Responsabilidade
Pessoal e Social que se espera naquela sessão, ressalta-nos a ideia de que,
na opinião dos entrevistados, não é tão importante que sejam nomeados e
definidos mas sim que sejam realmente perseguidos. Wright di-lo claramente133
e esta ideia é abordada por outros que, no seu trabalho, preferem referir-se a
metas ou a outro tipo de desafios134. Importante parece ser que os níveis
estejam verdadeiramente nas intenções do educador. Não é determinante que
se proponham aos alunos em cada aula (ou sequência de aulas) determinados
Níveis de Responsabilidade Pessoal e Social, mas os praticantes têm que ser
desafiados a exercitar cada um deles seja qual for a denominação que se lhes
dê. O trabalho dos Níveis de Responsabilidade Pessoal e Social tem que ser
sistemático pois, tratando-se da aquisição de valores, exige tempo e os
progressos têm acelerações positivas e negativas135. Os níveis do modelo de
Hellison serão melhor representados por uma estrutura de sequência fluida do
132
Cf. p. 128 133
Cf. p. 129 134
Cf. p. 130 135
Cf. p. 130
Discussão
212
que por degraus rígidos136. Nessa estrutura há avanços e recuos sendo que
uns Níveis servem de pré-requisitos aos seguintes de uma forma mais
determinante. Martinek ilustra esta convicção dizendo que o não dominar
comportamentos básicos de 1º nível, que exige respeito pelos sentimentos dos
outros, criará grandes dificuldades aos níveis seguintes137, como será fácil de
entender se pensarmos, por exemplo, no 4º nível. Respeitando as diferenças
entre os vários jovens com quem trabalham os entrevistados referem que
frequentemente se estão a trabalhar níveis diferentes na mesma aula e que o
trabalho de um nível nunca se considera completamente acabado (para se
poder começar outro)138.
Por tudo isto, do que nos dizem os nossos entrevistados a respeito da
“conversa de consciencialização”, concluímos que é, para eles, uma parte
importante nas sessões que preparam para os seus alunos, sendo constituída
por uma conversa entre todos os intervenientes em que se propõem objetivos
normalmente envolvendo os Níveis de Responsabilidade Pessoal e Social.
Respeitando embora os estádios de desenvolvimento e as necessidades de
cada participante, este momento responsabiliza cada um pelas suas tarefas e
funções139. Mais adiante se falará mais especificamente dos Níveis de
Responsabilidade Pessoal e Social quando abordarmos as estratégias
pedagógicas do modelo.
Na reunião final de grupo avalia-se com os jovens a sessão em si140, no que
respeita a atividades e estratégias utilizadas, e faz-se a passagem para o
tempo de reflexão.
Particularmente nas palavras de Hellison, observámos a importância dada a
este momento em que o aluno é orientado para a autoavaliação do seu próprio
comportamento, para as metas atingidas e para as dificuldades encontradas.
Ele utiliza perguntas de reflexão141 ou o sistema de levantar o polegar ou outro
meio para levar os alunos à introspeção.
136
Cf. p. 129 137
Cf. p. 130 138
Cf. p. 129, 129, 129 139
Cf. p.130 140
Cf. p.129 141
Cf. p. 128
Discussão
213
Ainda referindo a estrutura da sessão, uma peça fundamental globalizante de
toda a ação educativa é a atividade física. No contexto do Modelo de
Responsabilidade, foi o meio privilegiado para que os objetivos de
desenvolvimento (seja físico, social, emocional ou cognitivo) fossem atingidos.
Esta é uma das primeiras convicções 142 de Hellison e ele deixa-o claro na sua
entrevista143 e nos seus escritos. Ele chama a atenção para a necessidade de
“integrar” na atividade os conceitos, as atitudes ou os comportamentos a
promover, pois este tipo de programas deve considerar a pessoa como um
todo. Os valores devem ser construídos no modelo, de forma a ter a força das
mensagens exteriores ao programa (do grupo ou “da rua”). Esta atitude
pedagógica é comum a outros entrevistados144 que referem que é durante o
tempo em que estão fisicamente ativos que os alunos aprendem. Parker, no
entanto, vai mais longe dando mais importância ao tempo de atividade física
que aos outros momentos da sessão145.
Os aspetos que sublinhámos em relação à estrutura da sessão são
corroborados pelas palavras escritas dos seus autores e de outros estudiosos
do tema. No seu artigo Beyond Violence Prevention in Inner-City Physical
Activity Programs, Hellison escreve:
“O tempo de reflexão, no fim de cada sessão, dá aos participantes a oportunidade de avaliarem em si mesmos até onde foram responsáveis (respeitosos, automotivados, etc.) nessa sessão. Autoavaliando as próprias atitudes e comportamentos, verbalmente ou por escrito, eles podem tirar conclusões não só sobre o que estão a fazer mas também até que ponto tais responsabilidades são importantes para eles mesmos” (Hellison, et al., 1996, p. 325).
Em toda a literatura produzida sobre o tema do Modelo de Responsabilidade a
consciencialização do próprio comportamento, a reflexão e a auto avaliação
são referidos como momentos de capital importância para o desenvolvimento
dos alunos (Escartí, et al., 2005; Hansen & Parker, 2009; Hellison, 1985;
Martinek & Hellison, 2009; Pardo, 2008; Walsh, et al., 2010). A título de
exemplo, citamos Rodrigo Pardo que, nas conclusões da sua tese doutoral,
sublinha a importância do tempo de reflexão dizendo:
142
Descrita no Capítulo de Revisão de Literatura p. 43 143
Cf. p. 128 144
Cf. p. 129, 129 145
Cf. p. 129
Discussão
214
“É preciso um tempo de reflexão na aula de EF. No final da sessão acontece um “retorno à calma”, momento muito apropriado para aprofundar as atitudes e comportamento que se foram tendo. Esta reflexão não deve ser dirigida só aos alunos mas também ao professor para que, desta forma, melhore o seu trabalho docente” (Pardo, 2008, p. 391).
A esta ideia voltaremos quando nos debruçarmos sobre o perfil do professor.
Escartí, no seu livro “Responsabilidad Personal y Social a través de la
Educación Física y del Deporte” (2005, p. 44), chama à atividade física no
contexto do Modelo de Responsabilidade “a responsabilidade em ação” e
explica que é durante as atividades desportivas ou habilidades físicas que os
estudantes aprendem a comportar-se com responsabilidade de acordo com os
objetivos propostos para esse dia. No mesmo parágrafo, diz que qualquer
atividade pode ser útil para ensinar responsabilidade, desde que seja
motivadora para os estudantes. Esta afirmação leva-nos ao ponto seguinte da
nossa discussão.
Diremos, apenas, para finalizar a questão da estrutura das sessões que,
comparando as respostas dos entrevistados com as suas declarações escritas
noutros documentos e mesmo com trabalhos de outros autores, confirmámos
que a estrutura das sessões é uma estratégia original de Hellison que se
mantem, ao longo dos mais de 30 anos de aplicação do Modelo de
Responsabilidade, sem grandes alterações no seu esqueleto base, o que nos
pode fazer pensar que é uma das caraterísticas do modelo com
responsabilidade no seu êxito.
2.6. Meios e atividades
Debruçando-nos mais profundamente na subcategoria dos meios e atividades
através dos quais se atingem os objetivos do Desenvolvimento da
Responsabilidade Pessoal e Social, concluímos que todos os entrevistados que
trabalham o modelo utilizam globalmente as atividades físicas e desportivas
como fomos verificando ao falarmos da preocupação em integrar a aquisição
de valores no conteúdo prático da aula/sessão.
Discussão
215
É muito expressiva a declaração de Hellison, que recolhemos da entrevista,
onde diz que: o que os alunos querem é atividade, querem jogar, saltar, fazer
coisas146.
Também da recolha de referências das entrevistas concluímos que Escartí e a
sua equipa utilizam os desportos formais para todas as fases das unidades
didáticas desde o diagnóstico, à avaliação, passando pela criação de normas e
escolha de conteúdos147. Estes também são utilizados por Parker que, no
entanto, propõe atividades e jogos criados pelos próprios alunos de forma a
que possam trabalhar em grupos de atividades diferentes. Para além disso,
Parker responsabiliza os alunos pelo trabalho em autonomia através de
“contratos de compromisso” escritos148. Também Martinek procura desenvolver
a responsabilidade dos alunos através do desporto, mas desafiando-os a
apoiarem crianças mais novas integrando programas de tutoria149.
Deste grupo de entrevistas chega-nos também o registo do exemplo de Wright
que usa artes marciais – Tai Chi – para aplicar o modelo de Hellison.
Verifica-se, portanto, que, muito embora usando uma série de meios variados,
que vão dos contratos de compromisso ao trabalho criativo por parte dos
participantes, os entrevistados utilizam como meio e contexto educativo
primordial as atividades físicas e desportivas.
Confirma as nossas conclusões a produção escrita dos entrevistados e de
outros autores. Nos seus primeiros escritos sobre a importância da atividade
física e do desporto, Hellison defende que a atividade física é um excelente
meio de ensino, pois tem um grande potencial por conter variadíssimos fatores
emocionais, ser muito interativa e muito atraente (fator motivação) para os
praticantes (Hellison, 2003; Lee, 2009).
As virtudes desta opção pela atividade física e desportiva têm vindo a ser
suportadas por vários estudos. Zarrett, Lerner, Carrano, Fay, Peltz e Li,
(2008)150, num estudo em que verificavam a relação do compromisso dos
146
Cf. p. 131 147
Cf. p. 131 148
Cf. p. 131 149
Cf. p. 132 150
Cit. por (Holt, 2008), cap. 1
Discussão
216
adolescentes em atividades desportivas ou noutras (p. ex.: artísticas, religiosas,
ocupações remuneradas e atividades escolares) com desenvolvimento positivo
desses jovens, concluíram que a relação é positiva e maior no caso das
atividades desportivas embora existam diferenças de acordo com as variações
de participação.
No livro “Youth Development and Physical Activity: Linking Universities and
Communities”, na parte III, relatam-se programas (de DRPS) de tipo e
enquadramento muito diferentes, tais como: atividades de ar livre, educação
aventura, atividades de prolongamento escolar, clubes de tutores/monitores,
clubes inter idades e clubes desportivos pós ensino básico, entre outros.
Nestes clubes e centros praticam-se atividades físicas e desportivas que vão
dos desportos escolares mais tradicionais, como o Basquetebol, o Voleibol, o
Futebol ou o Atletismo, aos radicais, como a escalada, a canoagem, passando
pelas referidas artes marciais, pelos jogos de “campo” (nos acampamentos),
pelo fitness (treino da condição física) ou outros (Hellison, et al., 2000). A
existência deste tipo de programas corrobora a evidência de que, podendo
utilizar outros meios como auxiliares da ação educativa, o Modelo de
Responsabilidade é fundamentalmente um modelo de intervenção educativa
através do desporto e da atividade física.
Apesar da reconhecida riqueza do desporto como meio de desenvolvimento de
várias competências, na opinião de Parker e Stiehl (2005), também não é
completamente indiferente qual a atividade que se escolhe. Por exemplo:
muitos alunos sentem-se excluídos da atividade por não terem “jeito” para
determinado jogo, no entanto, aceitar e ser aceite é uma das competências
prévias à responsabilidade. Daí que seja preferível, nestes casos, não escolher
desportos que serão fatalmente eliminatórios para alguns e, em alternativa,
escolher ou criar atividades em que se assegure a participação de todos em pé
de relativa igualdade. Por outro lado, parece haver uma certa tendência para
importar para o programa aspetos antiéticos dos desportos mais populares, tais
como, determinado tipo de linguagem menos respeitosa e excessos
competitivos, embora alguns alunos se possam sentir inicialmente mais
motivados por este tipo de desportos (Hellison, 2003; Wright & Burton, 2008).
Discussão
217
No sentido de os jovens se sentirem integrados, mesmo jogando jogos mais
tradicionais (o que pode acontecer, por exemplo, no caso de um desporto
tradicionalmente masculino), Hellison propõe que se alterem as regras destes
provocando situações de participação e sucesso para todos. No caso do
Basquetebol, p. ex., pode impor-se a regra de “passa-por-todos”, que obriga a
que todos os jogadores de uma equipa tenham que tocar na bola antes de
lançar ao cesto. No caso do Voleibol também é possível usar os “três-toques-
obrigatórios” com o mesmo objetivo. O mesmo tipo de estratégias pode ser
utilizado habilitando muitos desportos para a sua prática dentro dos objetivos
do Modelo de Responsabilidade (Hellison, 1995).
2.7. Estratégias pedagógicas
Na categoria “estratégias pedagógicas” recolhemos informação sobre quais as
formas de atuar do ponto de vista pedagógico que os entrevistados usam e
consideram importantes.
a) As “estratégias pedagógicas específicas” no Modelo de Responsabilidade
foram as que reuniram maior frequência de referenciação (cf. quadro 6). Estas
estratégias resultaram diretamente do trabalho por níveis de responsabilidade
pessoal e social, tal como foi proposto por Hellison, e são o campo
experimental que permite aos praticantes aceder a níveis cada vez mais
exigentes de responsabilidade151.
Para o 1º Nível são propostos aos jovens comportamentos que geram atitudes
de “respeito pelos direitos e sentimentos dos outros”, permitindo que todos se
sintam bem no espaço da atividade e que se desenvolvam a partir daqui os
outros níveis.
A vivência de oportunidades reais de situações onde os alunos são chamados
a controlar e refletir no seu comportamento constitui a estratégia base. Não se
fala, ou constroem situações simuladas de falta de respeito pelos outros, mas
151
Cf. p. 142
Discussão
218
usam-se as que acontecem no ambiente natural da atividade152. A
consciencialização destas situações e do comportamento de cada um no
momento faz-se, por exemplo, através de perguntas diretas no momento ou no
tempo de reflexão. Hellison exemplifica algumas dessas perguntas: “como
esteve o teu temperamento?”, “Controlaste as «bocas»?”. Parker e Martinek
dão também conta da ajuda que é preciso dar aos jovens, criando
oportunidades de reflexão e de exercício deste nível de responsabilidade, para
que atinjam o autocontrolo necessário153.
Em artigos escritos, são referidas estas e outras estratégias, tais como: não
aceitar o uso de linguagem agressiva ou de “palavrões” (Martinek); estar atento
a qualquer forma de intimidação (bullying); dar orientações para o bom
tratamento do material e do espaço; treinar a resolução pacífica de conflitos
(Martinek & Hellison, 2009); fomentar a empatia fazendo exercícios de
observação dos colegas, dos seus comportamentos, do tom de voz, das
reações (Marín, 2007); providenciar listas de comportamentos expectáveis e
dar consistente feedback relativamente ao comportamento dos alunos (Wright,
et al., 2010); avaliar formativamente através de listas de verificação (checklist)
(Cutforth & Parker, 1996; Parker & Stiehl, 2005), incentivar o pedido do
“desconto de tempo” (time out) para se acalmar, para pensar, para avaliar e
canalizar reações (Escartí, et al., 2005); ouvir e não interromper quem fala
(Hansen & Parker, 2009; Parker & Hellison, 2001). Escartí e colegas (2009, p.
49) salientam ainda uma importante estratégia “O professor comunica-se de
maneira respeitosa dando exemplo”.
No 2º Nível os alunos são desafiados a participar nas atividades com esforço
pessoal. Através das declarações de Parker, de Martinek e de Brustad 154,
ficamos com alguma ideia das estratégias utilizadas. No entanto, a literatura
produzida pelos entrevistados e por outros autores é abundante nesta matéria.
152
Cf. p. 142 153
Cf. p. 142 154
Cf. p. 143
Discussão
219
Assim, em relação às estratégias específicas do 2º Nível, os artigos e livros
escritos pelos entrevistados, e por outros autores, confirmam o testemunho oral
dos mesmos. Hellison fala de se fornecer aos alunos uma variedade de
definições de sucesso pessoal de forma que eles possam, eventualmente,
desenvolver normas internas que sejam válidas para eles mesmos, por
exemplo, valorizarem o esforço pessoal mais do que o facto de ser melhor que
os outros (Hellison, 2003). Por isso, sugere-se que o clima da sessão seja
orientado para a tarefa, buscando a melhoria pessoal, utilizando variedade de
atividades e estabelecendo metas pessoais realistas e de curto prazo. A
escolha de atividades desportivas não tradicionais poderá ajudar à participação
evitando discriminações de sexo ou atitudinais (Jiménez, 2006).
Desafiam-se os participantes a desenvolver técnicas de autogestão e
reconhece-se-lhes o esforço e o progresso. As metas propostas, tendo em
consideração as necessidades e caraterísticas de cada um, podem ser
extremamente simples (o que não quer dizer fáceis), como por exemplo, trazer
roupa adequada para a atividade em questão (Escartí, et al., 2009; Escartí, et
al., 2005), cumprir um contrato pessoal, mesmo que custe e praticar fora do
tempo de aula (Parker & Hellison, 2001; Wright & Craig, 2011). O sistema de
louvor ou recompensa centra-se no reconhecimento do esforço, do progresso e
na melhoria pessoal (Marín, 2007).
“Participação e esforço” também inclui propor aos alunos fazerem tarefas ou
atividades que não lhes sejam familiares e ajudá-los a persistir no esforço de
as levarem até ao fim. O objetivo central deste nível é ajudar cada jovem a ver
a relação existente entre esforço e resultados e a desenvolver a motivação
intrínseca (Hellison, 1995; Hellison & Templin, 1991; Martinek & Hellison, 2009;
Wuest, 1999). Escartí, num estudo publicado em 2011, observa esta relação
dando conta de resultados que apoiam a hipótese de que a motivação
intrínseca para a atividade física se relaciona positiva e significativamente com
o trabalho da responsabilidade pessoal e social em contexto desportivo.
Em relação ao 3º Nível, em que se pretende estimular a autonomia dos alunos
promovendo a sua responsabilidade pessoal, os entrevistados referem várias
Discussão
220
situações em que, estrategicamente, é dada oportunidade aos alunos de
escolherem o que fazer e como fazer. Esta prática resulta da convicção dos
mesmo de que, como para a aquisição de competências desportivas, também
na questão dos valores, só é possível adquirir aquilo que se exercita. São
várias as referências ao longo do discurso de Parker que atestam esta
convicção 155. Wright diz a propósito de Hellison que ele acredita que só
“passando poder” aos jovens eles poderão ganhar autonomia156. O próprio
Hellison, por sua vez, refere que vai acompanhando o evoluir dos alunos
fazendo-lhes perguntas sobre as suas conquistas pessoais nesta competência
157. Escartí fala da construção das normas pelos alunos e a sua aplicação ao
comportamento próprio como uma estratégia que funciona 158.
A importância de “dar poder” (empowerment) aos jovens constitui uma das
grandes convicções de Hellison que referimos já na revisão de literatura159.
Esta encontra-se, portanto, sobejamente abordada em toda a bibliografia
relativa ao Modelo de Responsabilidade, nomeadamente no que diz respeito às
estratégias de desenvolvimento do 3º Nível.
Incluem-se nas estratégias promotoras de autonomia, o dar aos alunos tempo
livre para trabalharem habilidades desportivas, ou desenvolverem a sua
aptidão física, ou optarem em relação aos seus objetivos individuais em termos
de plano de fitness (Hellison, 1985; Parker & Hellison, 2001), ou ainda deixar
que escolham o seu próprio percurso, em determinada atividade (Hansen &
Parker, 2009). Este nível de responsabilidade envolve a tomada de decisões e
de escolhas. Para isso, é necessário que esta oportunidade seja explicitamente
criada (Wright, et al., 2010), “a autonomia começa com o aprender a trabalhar
sem supervisão direta” (Martinek & Hellison, 2009). Como estratégia para o
desenvolvimento deste 3º nível é muito importante a autoavaliação sistemática.
A aquisição de coerência nesta atividade trará ao aluno o realismo necessário
155
Cf. p. 144 156
Cf. p. 144 157
Cf. p. 143 158
Cf. p. 144 159
Cf. Capítulo de Revisão de Literatura p. 44
Discussão
221
para desempenhar tarefas importantes, tais como propor-se metas a curto e a
longo prazo (Escartí, et al., 2009).
O 4º Nível representa, em termos de desenvolvimento de responsabilidade
social, o nível mais alto e envolve o apoiar ou ajudar, liderar, orientar (treinar) e
ensinar os outros, demonstrando empatia e/ou preocupação, sem esperar
qualquer recompensa externa. Os alunos deverão aprender a pôr-se no lugar
dos outros. Para atingir tais objetivos, as estratégias, uma vez mais, exigem a
passagem de poder para os alunos. Parker relata na sua entrevista situações a
que assistiu em intervenções feitas por Hellison. Refere ela que, em vez de
intervir diretamente no trabalho das equipas, Hellison é apoiado por
“treinadores/alunos” e é a estes que dá as orientações. Dá-lhes feedback sobre
a forma como estão a orientar os outros e promove a sensibilidade e a empatia
160.
Também na produção escrita é chamada a atenção para esta estratégia. A
oportunidade de ensinar outros é usada para dar competência a cada um para
que este se sinta responsável pela aprendizagem e pelo bem-estar dos outros
(Martinek & Ruiz, 2005). Para chegarem a este nível de liderança é pedido aos
alunos que elogiem os seus pares dizendo, por exemplo, “boa!”, ou ajudem a
resolver pacificamente uma discussão ou ensinem o colega a fazer um
“lançamento na passada” (Martinek & Hellison, 2009; Martinek & Ruiz, 2005).
Outra estratégia consiste em pedir a um par que observe o outro a trabalhar e
que anote num “cartão de orientações” se estão a seguir os passos corretos.
Em seguida, trocam de posições os observados e os observadores e por fim
trocam feedback entre si e propõem uns aos outros formas de melhorar
(Parker, et al., 1999; Parker & Stiehl, 2005).
Na ajuda aos outros, é importante que os alunos aprendam a fazê-lo sem
arrogância e sem dogmatismo, ajudando apenas aqueles que querem e que
precisam de ajuda (Escartí, et al., 2005) evitando comportamentos
egocêntricos (Marín, 2007).
160
Cf. p. 144
Discussão
222
O 5º Nível é aquele que os entrevistados mais referem nas entrevistas. Em 46
categorizações feitas sobre estratégias específicas para desenvolvimento dos
Níveis de Responsabilidade Pessoal e Social, 25 referem-se a estratégias de
transferência, das aprendizagens feitas na sessão para o envolvimento exterior
(seja para outras aulas e atividades, seja para casa ou para a comunidade).
Este facto pode ficar a dever-se, por um lado, à importância decorrente deste
nível, uma vez que concretiza uma finalidade de toda a tarefa educativa –
generalizar a aprendizagem à vida da pessoa – e, por outro lado, à grande
dificuldade que todos encontram para promover tal finalidade161.
Os adolescentes têm dificuldade em fazer esta transferência de competências,
justificando-se este obstáculo, segundo Hellison, pelo facto de os adolescentes
não terem apoio nem clima de envolvimento fora do ambiente das sessões162.
Hellison diz mais: que a transferência de aquisições feitas nas sessões do
Modelo de Responsabilidade ou noutro ambiente desportivo não são
automáticas163. Escartí, Parker e Wright refletem a mesma convicção e
fundamentam que esta competência não se verifica de forma espontânea e que
carece de aprendizagem164.
Na mesma linha, Martinek aponta como grande dificuldade à transferência a
circunstância de as aprendizagens feitas em contexto do Modelo de
Responsabilidade constituírem, geralmente, uma contracultura em relação ao
resto da escola e à comunidade de origem do praticante. Esclarece, dizendo
que: uma cultura baseada na passagem de poder (empowerment) para o
aluno165 não encontra apoio, nem em toda a atividade escolar, nem em todas
as famílias e que, portanto, se criam dificuldades de transferência aos alunos
que, naturalmente, optam pela distinção de atitudes e comportamentos de
acordo com o meio em que estão a atuar166. Assiste-se, assim, a uma espécie
161
Cf. p. 145, 146, 147, 147 162
Cf. p. 145 163
Cf. p.145 164
Cf. p. 145, 146, 146 165
Cf. p. 147 166
Cf. p. 147
Discussão
223
de “esquizofrenia cultural” com os jovens a comportarem-se em cada ambiente
de acordo com a cultura imperante no mesmo.
Como estratégias que facilitam a transferência, são referidas as conversas com
os alunos, particularmente no momento de reflexão final da sessão, em que se
põem questões dirigidas, por exemplo, à aplicação que algum aluno tenha feito,
fora do ginásio, de alguma coisa que aprendeu durante a última aula ou
sessão167. Outra estratégia utilizada por Escartí, Wright e Martinek é de se ir
dando pistas durante as sessões da forma como podem aplicar em casa ou no
bairro aquilo que aprenderam. Isto faz-se conversando, explicando,
antecipando como é que se faz 168.
Parker refere a importância de conversar frequentemente com os alunos sobre
o que podem fazer depois da escola, chegando a planear com todo o grupo, a
promoção e participação em atividades comunitárias que facilitem a
transferência169.
Martinek avança com duas estratégias que podem ajudar o próprio profissional:
partilhar o trabalho que se vai fazendo com os outros professores170 e, em
programas onde isso seja possível, utilizar o “conselheiro” ou “tutor” (aluno
mais velho que acompanha individualmente os participantes no programa)
como pessoa que faz a ponte entre o que se faz no clube e a sua aplicação na
escola, ajudando o participante a centrar-se nos objetivos propostos mesmo
fora do contexto das sessões171.
Como já tinha ficado claro na revisão de literatura 172, a transferência da
aprendizagem deve ser uma preocupação educativa permanente. Martinek e
colegas, no artigo “Transferring Personal and Social Responsibility of
Underserved Youth to the Classroom”, fazem uma avaliação da transferência
feita por alunos de um programa de mentores, salientando que este é um
processo evolutivo lento e que conta com a existência de barreiras, tais como a
167
Cf. p. 145, 146 168
Cf. p. 145, 146, 147 169
Cf. p. 146 170
Cf. P. 147 171
Cf. p. 147 172
Capítulo de Revisão de Literatura p.44
Discussão
224
cultura escolar, os valores da competição desportiva, os valores das famílias e
a falta de confiança que os alunos têm fora do ambiente das sessões. Dizem
ainda: “ Descobrimos que a aplicação dos objetivos do Modelo de
Responsabilidade às aulas da escola, ao recreio, à vizinhança e a casa dos
participantes é o nosso mais formidável desafio” (Martinek, et al., 2001, p. 43).
Escartí encontra a mesma dificuldade quando aplica o Modelo de
Responsabilidade a uma classe de Educação Física do 1º ciclo, propondo
como estratégia para futuros estudos que o modelo seja integrado no resto do
currículo com o objetivo de que toda a comunidade educativa promova valores
e comportamentos similares (Escartí, et al., 2010a).
Para além da dificuldade de transferir atitudes e comportamentos adquiridos
pelos alunos em sessões de desenvolvimento da responsabilidade, Wright e
colegas referem no artigo “Transference of Responsibility Model Goals to the
School Environment: Exploring the Impact of a Coaching Club Program”, que é
muito difícil avaliar estas ocorrências quando se toma em consideração o
impacto social nas comunidades desfavorecidas, da pobreza, do racismo ou da
violência, para dar alguns exemplos (Walsh, et al., 2010).
Noutros textos produzidos pelos nossos entrevistados para livros e revistas da
especialidade, essa preocupação com a transferência das aprendizagens é
patente e corrobora as declarações feitas por eles para a presente
investigação. Hellison propõe uma conceção do ginásio como uma micro
sociedade onde os jovens são encorajados a experimentar novos valores e a
integrar essa experiência nas suas vidas do dia-a-dia (Hellison, 1990b).
Em 1985, Hellison refere a transferência pela primeira vez, num capítulo breve
com o título de “Going beyond the levels”, (Indo para além dos níveis) e, a partir
dessa referência, a preocupação de transferência está sempre presente nos
seus escritos, dando muitas vezes conta da dificuldade de a implementar e de
a avaliar (Hellison, 1985; Hellison & Walsh, 2002).
Wright (Walsh, et al., 2010) refere que são estratégias fundamentais de
transferência: focar a expectativa dos alunos em “futuros possíveis”, pois,
mesmo não sendo uma estratégia específica do Modelo de Responsabilidade,
claramente apresenta resultados positivos; discutir a transferência com os
Discussão
225
participantes no programa desde o primeiro dia pedindo-lhes para falarem das
suas futuras ocupações e, em seguida, propor sugestões para ajudá-los a
alcançar seus objetivos. Uma estratégia mais avançada seria ajudá-los a
planear etapas detalhadas necessárias para atingir seus objetivos, onde se
valorizariam opções e comportamentos consentâneos com os valores do
Modelo de Responsabilidade.
Também Parker refere nos seus artigos a estratégia de se irem dando pistas
em cada sessão sob a forma de aplicar as aquisições feitas nas sessões para
outros ambientes. Dá o exemplo do quadro referido por Masser (1990)173, onde
os alunos podem ver sugestões de situações em que se manifesta respeito nas
aulas, em casa e no tempo livre. Para além deste exemplo, reforça a
importância de aproveitar o tempo de reflexão como oportunidade de promover
a transferência (Hansen & Parker, 2009; Parker & Hellison, 2001).
Escartí, como referiu na entrevista, utiliza também preferencialmente a reflexão
feita com os alunos nos momentos de reflexão. Aí chama-lhes a atenção para
as consequências dos seus atos, quando agiram (ou não) responsavelmente,
de acordo com as aprendizagens feitas no programa do Modelo de
Responsabilidade (Escartí, et al., 2009).
Esta dificuldade, levantada à transferência de aprendizagens de um contexto
para outro, é realçada por outros autores e parece ser maior no caso das
competências sociais.
Por exemplo, João A. Lopes e colegas (2006, p. 95), apoiando-se nas “regras
cardinais” para o treino das competências sociais de WalKer, Ramsey e
Gresham (2003)174, dizem o seguinte: “As competências sociais são fortemente
contextuais e relativistas” e “O ensino das competências sociais é mais eficaz
em contextos e situações naturais”. Daí concluem, mais adiante, que “não é de
esperar que um tipo específico de comportamento, quando ensinado numa
“aula” se generalize linearmente às outras aulas”. No entender destes autores a
principal explicação para este fenómeno reside no facto de as competências
sociais se regerem pelo princípio da reciprocidade social, o que justifica que os
173
Cit. por Masser (2004) 174
Cit. por Lopes, Rutherford, Cruz, Mathur & Quinn, 2006.
Discussão
226
alunos possam apresentar em determinada situação um comportamento
perfeitamente adequado e noutra não, dependendo tal do comportamento dos
que o rodeiam175.
Outros autores corroboram as convicções dos entrevistados no que respeita ao
impacto da variedade de experiências proporcionadas. Perkins e Salomon
(1992) defendem que: a transferência pode depender da prática extensiva do
desempenho em questão em contextos variados para que se produza um
conjunto relativamente flexível de habilidades, facilmente evocadas em
situações novas. Os mesmos autores referem também as estratégias de
reflexão sobre o próprio comportamento como um processo que parece
promover a transferência de competências. As convicções destes autores
corroboram as afirmações dos entrevistados a respeito da complexidade da
competência de transferência das aprendizagens.
b) Continuando a discussão ao nível da categoria “estratégicas pedagógicas”,
onde se agrupam as estratégias globais do Modelo de Responsabilidade (que
se materializam em estratégias de aula mais simples), considerámos em
seguida a preocupação manifestada em “centrar o trabalho pedagógico no
adolescente”. Esta foi a estratégia global que maior número de referências
obteve, depois das estratégias específicas por nível.
As necessidades dos jovens com que primeiro contactou, ditaram, para
Hellison, a sua forma de trabalhar ao longo da sua vida profissional176. Estar
em sintonia com eles, sentindo quais as suas necessidades, foi a estratégia
base de Hellison, como professor, e condicionou a sua necessidade de
formação177. Para Hellison, o trabalho do professor é “para a criança” e ele é
veemente na forma como verbaliza esta sua convicção178. A mesma
preocupação, de centrar as estratégias de ensino na criança, é patente no
discurso de Parker179 e de Wright180, no entanto, este chama a atenção para o
175
Entende-se por reciprocidade social a tendência em responder a uma ação positiva com outra ação positiva, e responder uma ação negativa com outra negativa. 176
Cf. p. 134 177
Cf. p. 134 178
Cf. p. 135 179
Cf. p. 135
Discussão
227
facto de o conhecimento das necessidades das crianças obrigar à
individualização das estratégias (mesmo das específicas do Modelo de
Responsabilidade)181. Martinek está em consonância com os outros
entrevistados, referindo a necessidade de o professor se centrar sobretudo nas
forças e capacidades dos praticantes e reforçando também a necessidade da
atenção à individualidade de cada um182.
Em artigo publicado, Martinek sublinha a necessidade de se conhecer e
estudar as caraterísticas das crianças e dos jovens para que se possa centrar
neles toda ação educativa. Esta preocupação preside a formação dos
monitores dos programas (Martinek, et al., 2001). Também Escartí dedica a
primeira parte do seu livro às caraterísticas psicológicas e sociais das crianças
e jovens em que se devem centrar as decisões pedagógicas de professores e
de pais (Escartí, et al., 2005). Para Parker, esta preocupação de que o
programa seja centrado no jovem é clara no capítulo “Focus on Youth” do livro
“Youth Development and Physical Activity (Hellison, et al., 2000) e noutros
artigos e livros (Parker & Stiehl, 2005).
Outro autor, Sparks III (1993), refere esta caraterística do modelo de Hellison
dizendo que, mais do que se focar num tema subjetivo ou em conhecimentos, o
modelo dá importância à preservação da dignidade do indivíduo.
c) A estratégia “Empowerment” mereceu também um grande número de
referências por parte dos entrevistados, logo a seguir à atenção centrada no
adolescente. Na entrevista, Hellison, salienta esta estratégia como uma forma
de ensinar aos alunos o governo da própria vida e a maneira responsável de
lidarem com os outros183.
Escartí e Parker põem a tónica na necessidade de usar sistematicamente a
“passagem de poder”, de forma vivencial, nas sessões pois, defendem, só se
apreende a autonomia que se exercita184. Quando abordámos as estratégias
180
Cf. p. 135 181
Cf. p. 135 182
Cf. p. 135 183
Cf. p. 137 184
Cf. p. 211
Discussão
228
específicas do 3º Nível, verificámos que o empowerment surge como a
principal estratégia/objetivo e que se serve de outras para se concretizar. São
elas a escolha das própria metas, a participação em decisões, ter direito à
“voz”, ao erro, a responsabilizar-se por tarefas de treino etc. Fica claro no
discurso de todos que é uma tarefa primordial do professor, que exige a sua
intencionalidade e atos concretos de “dar poder” 185.
Uma vez mais, Martinek lembra que dar poder aos jovens é dar-lhes
capacidade de decisão (daí que empowerment é um objetivo do programa e ao
mesmo tempo uma estratégia para atingir o controlo da própria vida) e que
para isso é necessário confiar nas suas capacidades e responsabilizá-los pelas
suas opções sejam ela boas ou más186.
Na leitura de artigos e livros confirmámos, também, que o empowerment
constitui uma das convicções pedagógicas de Hellison presente nos seus
escritos desde 1973187. Este é, por isso, um dos objetivos do programa
sobretudo quando se trata de uma população negligenciada (Hellison, 1995;
Hellison & Templin, 1991; Hellison & Wright, 2003; Williamson & Hellison,
1992).
d) Uma outra estratégia referida por todos os entrevistados que aplicam o
Modelo de Responsabilidade, e mesmo por Brustad que o utiliza menos
intensivamente, foi da ”tomada de consciência”. Já referida também a propósito
das estratégias específicas por nível, nomeadamente quando abordámos a
transferência de aprendizagens188, a capacidade de “olhar sobre si mesmo e
refletir sobre a própria vida” é outra constante das atividades propostas por
Hellison e que ele mesmo facilita fazendo perguntas aos miúdos sobre o que
pensam do próprio comportamento ou das suas atitudes189. A mesma
estratégia de fazer perguntas que levem à autorreflexão, foi referida por
185
Cf. p. 138 186
Cf. p. 138 187
Capítulo de Revisão de Literatura p.44 188
Neste mesmo capítulo p. 226 189
Cf. p. 140
Discussão
229
Paker190, enquanto Martinek propõe exercícios de evocação da memória
seguidos de partilha e troca de ideias191. Brustad refere nas suas respostas a
utilização de diários, escritos pelos alunos e a auto classificação da
responsabilidade discutindo-a entre aluno e professor192.
Hellison escreve que referir e lembrar aos alunos os níveis para que tomem
consciência deles, não tem nenhum objetivo de “doutrinação”, mas apenas
fornecer-lhe ferramentas para que facilmente se reportem aos objetivos do
programa verificando as suas próprias conquistas (Hellison & Templin, 1991):
esta é a finalidade da consciencialização. Para além da consciencialização do
conteúdo comportamental de cada nível, a tomada de consciência do
comportamento próprio e do dos outros exige e exercita a capacidade de
autorreflexão que é uma habilidade necessária ao desenvolvimento da
responsabilidade (Marín, 2007).
e) A estratégia global de que falamos em seguida consiste na criação
“ambiente seguro”. Segundo Hellison, a falta de um ambiente que proporcione
a sensação de segurança física e psicológica aos jovens, condiciona toda a
aprendizagem e, mesmo que essa tenha acontecido dentro do ginásio, impede
a sua transferência para a vida do dia-a-dia. Refere que os alunos não
encontram noutras espaços (seja a escola, a casa ou o bairro) nem o apoio,
nem o clima, nem o envolvimento que encontram nas sessões de
desenvolvimento da responsabilidade, eles sabem que nestas poderão vir a
desenvolver competências e que não necessitam temer serem agredidos ou
mal tratados. Conta-nos a esse respeito que os seus alunos referem que nas
outras aulas é mais difícil, pois correm o risco de serem vexados. Para além
disso, dizem, não é tão divertido como nas sessões193.
O discurso de Parker vem ao encontro da mesma ideia. Ela sublinha o direito
ao erro nas suas aulas e a manutenção da liberdade de experimentar e de
190
Cf. p. 140 191
Cf. p. 141 192
Cf. p. 141 193
Cf. p. 132
Discussão
230
praticar para promover a responsabilidade e a autonomia194, sem medo de ser
expulso ou posto fora.
Wright defende a criação, por parte dos adultos, de um ambiente onde as
crianças se possam sentir realmente confortáveis. Nesse ambiente, estas são
motivadas a buscar a melhoria pessoal, quer no comportamento quer nos
outros objetivos, sem que se sintam pressionados no sentido negativo (em
relação ao ego) da competição. Segundo este professor, os alunos devem ser
“apropriadamente desafiados”, isto é, devem sentir-se desafiados pelas
atividades ao mesmo tempo que têm perspetivas de êxito realistas195.
Esta responsabilização do adulto, na criação do ambiente seguro, é também
referida por Brustad quando diz que é fundamental que os adultos, que lidam
diretamente com as crianças e jovens, não estejam constantemente a mudar,
pois isso não facilita a criação de relacionamentos positivos tão necessários
para que os mais novos tenham alguma perceção de controlo do ambiente196.
Wright, num artigo conjunto com outros autores, salienta a efetividade da
criação de um ambiente positivo e afetivo nos programas de DRPS que fideliza
os participantes (Wright, et al., 2010). Esta afirmação de Wright é confirmada
por estudos, quer de Hellison e Walsh (2002), quer de outros autores (Kahne,
et al., 2001). Hellison explicita esta ideia escrevendo que o ambiente do ginásio
deve ser de maneira a servir de suporte à aprendizagem, com interações
personalizadas, feedbacks positivos, dando pistas de sucesso e orientações
(verbais e não verbais) para controlo do comportamento. Aumentando as
probabilidades de sucesso o professor reduz a ansiedade e a insegurança do
praticante (Hellison & Templin, 1991).
Para a construção de um ambiente física e psicologicamente seguro, as
interações respeitosas entre pares são fundamentais no sentido de construir
confiança entre jovens e permitir-lhes disfrutar da sua participação desportiva
(Holt, 2008)
194
Cf. p. 132 195
Cf. p. 133 196
Cf. p. 133
Discussão
231
f) Respeitando o princípio do livre arbítrio, não há verdadeira responsabilidade
sem “tomada de decisões e escolhas”, daí decorre que esta vivência, a da
escolha, da opção, é fundamental para o desenvolvimento da responsabilidade
pessoal e social. Segundo as palavras de Escartí e de Parker, são várias as
situações em que se podem propor escolhas aos alunos. Por exemplo, na
composição das normas de funcionamento do grupo, os jovens propõem regras
e consequências de acordo com as situações que vão surgindo na prática197; e
em relação à própria aprendizagem podem escolher o grupo de trabalho, os
materiais ou mesmo o conteúdo. Por outro lado, dizem, o aluno vai ganhando
consciência de que há expectativas a respeito dele e das escolhas que vai
fazendo, dando conta das mesmas ao grupo. Desta forma, os jovens adquirem,
na opinião de Parker, capacidade de se auto direcionarem no ambiente de
aprendizagem198.
Podemos encontrar em Missy Parker outro exemplo da promoção da
responsabilidade. No livro “Personal and Social Resposibility” (Parker & Stiehl,
2005) declara que dar opções de escolha aos alunos favorece a tomada de
posições, a orientação da necessidade de controlo da própria vida, a
prevenção do comportamento disruptivo, o aumento do sentimento de
pertença, o reforço dos compromissos consigo e com os outros, e, o
fortalecimento do conhecimento das suas próprias necessidades sem magoar,
perturbar, ou prejudicar alguém.
Escartí também salienta que o Modelo de Responsabilidade fortalece a
juventude ao proporcionar-lhe segurança e relações positivas com adultos
significativos (Escartí, et al., 2010a).
g) Muito relacionada com as estratégias anteriores está a “avaliação
sistemática”. Todos os cinco entrevistados que trabalham com o Modelo de
Responsabilidade a referem.
197
Cf. p. 141 198
Cf. p. 141
Discussão
232
Um dos pontos comuns das respostas dos entrevistados é o facto de
considerarem que a avaliação deve ser diária199. Nas palavras de Hellison
nota-se uma preocupação muito ampla, abrangendo não só os alunos como a
ele mesmo e utilizando vários meios, tais como o auto questionamento, a
escrita e leitura dos apontamentos diários, a introspeção sistemática e a
avaliação dos resultados de tudo isto200.
Escartí dá o exemplo de listas de tópicos cujo levantamento é feito ao longo
das sessões, que depois são analisados e hierarquizados para serem tratados
por todos posteriormente. É a partir das decisões tomadas em relação a estes
tópicos que se definem as normas para o grupo201.
Wright mostra ter-se dedicado muito a esta questão da avaliação criando e
estudando instrumentos que avaliam variáveis específicas do Modelo de
Responsabilidade 202.
Por fim, Martinek relata-nos a sua experiência de avaliar através de diários e
também de uma avaliação mais informal, onde se dá conta das “pequenas
vitórias” que vai conquistando com os miúdos. Esta intuição observadora de
Martinek, prolonga-se mesmo para além da permanência dos jovens no clube,
mantendo contacto com eles, entrevistando-os e procurando saber qual o
reflexo do programa nas suas vidas203.
Hellison escreve, com o seu colega Templin, sobre a avaliação sistemática em
1991, salientando o papel da avaliação pois esta habilita, segundo a sua
experiência, o professor para ter acesso nas aprendizagens dos seus alunos e
na eficácia dos meios que vai utilizando. Ele sugere alternativas à
avaliação/testagem tradicional, tais como, a observação do contributo de cada
um durante o jogo, filmando, variando de avaliação qualitativa e quantitativa,
usando auto e hétero avaliação, diariamente com metas curtas, com fichas de
controlo etc. Sobretudo, Hellison acha importante que o professor avalie o seu
199
Cf. p. 133 200
Cf. p. 133 201
Cf. p. 133 202
Cf. p. 134 203
Cf. p. 134
Discussão
233
ensino, as suas aulas e as repercussões do seu programa (Hellison & Templin,
1991)
h) Quando abordámos a questão da estrutura das sessões falámos na
“integração” da aprendizagem na atividade física. Sendo um aspeto importante
da estrutura do Modelo de Responsabilidade é, por si só, uma estratégia
pedagógica reconhecida pelas palavras dos nossos entrevistados. Como tal, é
categorizada reunindo as referências feitas à potencialidade pedagógica da
atividade física como estratégia integradora de todas as outras estratégias.
Induzimos do discurso dos nossos entrevistados que, para eles, toda a
aprendizagem passa pela atividade física como meio vivencial de valores,
atitudes e comportamentos. Wright utiliza a expressão “integração sem
costuras” para transmitir a ideia de que a oportunidade de “aprender fazendo” é
uma estratégia base do modelo204. No mesmo sentido, Hellison recomenda que
não se façam “acrescentos” aos programas de desenvolvimento da
responsabilidade, atraindo os miúdos com a atividade física para depois lhes
tentar passar ensinamentos sobre temas da vida. Estes “acrescentos” não são
necessários, na visão de Hellison, pois toda a aprendizagem pode passar pela
atividade desportiva e depois ir sendo transferida para os vários aspetos da
vida205.
Escartí reconhece no modelo de Hellison esta forte componente estratégica
integradora, pois o clima de aula criado através da atividade física propicia toda
a aprendizagem, seja ela de competências motoras, pessoais ou sociais206.
Para Parker, a aprendizagem de responsabilidade pessoal e social deve ser
envolvida por um clima de relações significativas e integrada num ambiente
real. É esse ambiente integrador que cabe ao professor manipular
estrategicamente de forma a criar as situações de aprendizagem207.
204
Cf. p. 140 205
Cf. p. 139 206
Cf. p. 139 207
Cf. p. 140
Discussão
234
Dizia Hellison (1991, p. 92) que “A abordagem “integrada” pode envolver
simplesmente o ensino de conceitos no decurso de qualquer que seja o
conteúdo da aula” ou ir mais longe, apoiando o desenvolvimento de cada nível,
estádio ou objetivo através da própria atividade física. Mais tarde, o mesmo
autor escreve que um ensino focado apenas na aquisição de competências de
Basquetebol, ou apenas com o objetivo da recreação, não visa
obrigatoriamente a pessoa como um todo. Para tal, diz, deve ser capaz de
integrar a “fisicalidade” da atividade com os objetivos e estratégias de
desenvolvimento pessoal e social (Hellison, et al., 1996).
Pode encontrar-se esta ideia de que as habilidades físicas são o veículo do
ensino nos escritos dos outros entrevistados também (Escartí, et al., 2010a;
Escartí, et al., 2005; Parker & Hellison, 2001; Ruiz Pérez, et al., 2006; Wright,
et al., 2004)
i) A última estratégia global a que se referem os dados recolhidos das
entrevistas é a das “experiências de êxito”.
Partindo do princípio de que o ambiente ótimo para a aprendizagem é aquele
em que os jovens se sentem apropriadamente desafiados, Wright, chama a
atenção para a importância deste desafio proporcionar ao mesmo tempo
experiências de êxito que transmitam sensação de competência e de bem-
estar208.
É também através deste experimentar controlado que Parker conduz a
aprendizagem dos seus alunos. Ela refere claramente o facto de não estar na
aula para dar resposta aos seus alunos, mas sim para os fazer pensar no que
seria a melhor resposta a cada exercício ou desafio209.
As boas experiências, centradas nos participantes, são o maior garante de uma
boa transferência das aprendizagens para a vida fora do ginásio. Martinek diz-
se convencido de que, para pelo menos alguns deles, esta será a estratégia
certa 210.
208
Cf. p. 139 209
Cf. p. 138 210
Cf. p. 139
Discussão
235
Num artigo sobre o tema da transferência, Martinek salienta a importância de
se proporem aos jovens objetivos com significado para eles (para os quais se
manifestem motivados, p. ex.) e “pequenos”, isto é, atingíveis, passíveis de
êxito. Martinek justifica a sua recomendação dizendo que, “se um objetivo foi
desafiante e os benefícios de realização foram atingidos, os seus esforços (dos
praticantes) foram reforçados pela experiência” e portanto a motivação para
repetir saiu também reforçada (Martinek, et al., 2001, p. 33).
Estudos de outros autores são consistentes com a utilização deste conjunto de
estratégias pedagógicas referidas pelos entrevistados como caraterísticas do
Modelo de Responsabilidade de Hellison (Buchanan, 2001; Gordon, 2010;
Jiménez Martín, 2006; Masser, 2004; Newton, Watson, Kim, & Beacham, 2006;
Sparks III, 1993; Walsh, 2007; Williamson & Hellison, 1992; Wuest, 1999)
2.8. Fatores de sucesso
Nas questões iniciais da presente tese foi sublinhada a importância de
perceber quais eram os fatores de sucesso do Modelo de Responsabilidade,
para os nossos entrevistados.
a) Ao nomearem esses fatores, referiram em primeiro lugar o “Tempo”. Parker
declara que o tempo de interação com o jovem é um tempo de relação e, por
isso, é exigente211. Para Hellison, o desenvolvimento de uma relação é
demorado e ele justifica a ideia dizendo que, para que o adulto ganhe uma
posição de confiança e de liderança junto do jovem é preciso tempo, e, só a
partir dessa posição, é possível passar a liderança, a responsabilidade
(empower them) ao jovem212.
Escartí é da mesma opinião dizendo que a saída muito precoce dos alunos do
programa (ao fim de um ano, por exemplo) nem sequer permite uma boa
avaliação do trabalho feito213. Martinek faz referência à mesma preocupação e
211
Cf. p. 153 212
Cf. p. 152 213
Cf. p. 152
Discussão
236
explica que o ideal é manter os alunos em contacto com o modelo durante a
escola básica e a secundária214.
Hellison deixa no ar a questão de qual será o tempo ótimo para estar com eles,
adiantando a ideia de que o tempo certo é relativo, pois em cada dia se pode ir
mais longe.
Nos documentos que escreveram, Hellison e os outros especialistas
aprofundam esta ideia. Os programas curtos, por exemplo, de Verão têm algum
efeito imediato, escreve Parker, mas não provocam normalmente mudanças
definitivas uma vez que, ao ser novamente absorvido pelo seu ambiente de
origem (muitas vezes disfuncional), o jovem volta também aos antigos
comportamentos e atitudes (Hellison, et al., 2000). No seu trabalho, no âmbito
da atividade física adaptada, Wright e colegas (2004) referem como pouco
tempo de intervenção uma vez por semana durante 13 semanas e reconhecem
esta escassez como uma das limitações ao impacto do programa. A mesma
opinião expõe Amparo Escartí, declarando insuficientes quatro meses de
intervenção em contexto de Educação Física escolar para que se manifestem
mudanças significativas de comportamento (Escartí, et al., 2006).
Cutforth (1997), um dos professores que trabalha no Modelo de
Responsabilidade há mais anos, lembra que demora o seu tempo para que nos
apercebamos e compreendamos as necessidades dos alunos, especialmente
porque tratando-se de tempo de mudança social e cultural o compromisso
duradouro é fundamental para tal o êxito do trabalho pedagógico.
b) Em termos de frequência das referência registadas, a “Qualidade da relação
com o adolescente” é o fator de sucesso que vem imediatamente a seguir à
quantidade de “Tempo”. Poderemos pois retirar a ilação que o tempo de
relação, de contacto com o jovem, é fundamental mas a qualidade dessa
relação potencia o seu sucesso. Esta afirmação está patente nas palavras dos
entrevistados quando referem que não chega olhar para os jovens, é preciso
214
Cf. p. 153
Discussão
237
“vê-los como gente” diz Hellison215. Parker chama a atenção para a
necessidade de conhecer a pessoa para além do aluno no seu dia-a-dia para
que ele saiba que o professor se interessa por ele216. Paul Wright diz mesmo
que o estabelecimento de relações positivas com os alunos é mais importante
que qualquer plano de aula217. Martinek sublinha também, com termos
veementes, a importância desta relação, ao dizer que o impacto que um
professor pode ter num aluno pode ser muito importante para a sua vida, e que
este impacto se pode produzir não apenas em momentos muito importantes,
mas mesmo nas pequenas coisas [p. ex.: pequenos progressos]218.
Parker faz, num artigo em que se refere à capacidade de se ir “abrindo mão do
controlo”, uma referência à importância desta relação dizendo que a tradicional
recomendação de “não sorrir antes do Natal” tem o perigo de deixar pouco
espaço ao educador para ser ele mesmo. Por isso, continua, pode ser
importante manifestar alguma familiaridade, aprendendo a geri-la em aula a
favor duma relação mais educativa com os alunos (Parker & Stiehl, 2005).
Noutra ocasião, Parker e Martinek sugerem, entre outras estratégias para ser
um bom mentor, a partilha com os alunos de algumas coisas acerca de si
mesmo como sejam: hobbies, fotografias, situação casado/solteiro etc. pois, na
opinião dos autores, isso facilitará a relação de partilha, também por parte do
jovem, o que pode ser muito importante para o conhecimento desejável que o
adulto venha a ter do seu aluno (Hellison, et al., 2000).
Hellison recomenda que o professor seja honesto e genuíno na relação que
estabeleça com os adolescentes, no entanto, chama a atenção para um
tentação que frequentemente assalta adultos que querem estabelecer uma
relação pedagógica de qualidade dizendo, “Don’t Try to be cool”, isto é, não
tente ser “fixe”. Usar linguagem dos grupos de jovens (de rua) e os seus gestos
pode não ser o melhor. Na opinião de Hellison, mostrar respeito pela cultura de
215
Cf. p. 151 216
Cf. p. 151 217
Cf. p. 151 218
Cf. p. 151
Discussão
238
cada um assim como transmitir uma preocupação sincera pelo seu
desenvolvimento é mais importante (Hellison, 2003)
c) Um fator que mereceu menos referências que os anteriores mas que pela
relação estabelecida pela literatura nos pareceu igualmente importante é o
“Rácio” professor/aluno.
Hellison é perentório ao atribuir uma relação causal entre o número reduzido de
alunos por turma (no exemplo: doze a quinze alunos) e o progresso destes nas
aquisições de responsabilidade219. O número reduzido de alunos por grupo (p.
ex.: dez, doze) permite ir mais longe na “construção da relação pessoal”,
declara Wright220. Martinek reforça esta ideia apontando como número máximo
de praticantes os vinte e recomendando o trabalho perseverante com o grupo.
Na sua entrevista podemos ver esta recomendação nas repetidas vezes que
diz “Mantém o grupo pequeno!” 221.
Escartí e colegas (2007) relatam uma intervenção experimental em escolas
públicas em que trabalharam com grupos de vinte crianças para cada
professor. Já Wright, no seu trabalho com crianças com paralisia cerebral,
constituiu grupos de cinco a sete crianças obtendo resultados positivos
nomeadamente ao nível da integração social e dos níveis de responsabilidade
(Wright, et al., 2004). Num outro trabalho, o mesmo autor transmite a convicção
de que limitar o número de participantes num grupo enfatiza os vínculos e os
sentimentos de pertença (Wright & Kallusky, 2010). Martinek refere também,
num artigo sobre o projeto “Effort”, que a par de outras estratégias o número
pequeno de alunos por professor é recomendado pelos especialistas em
educação particularmente em setores sociais desfavorecidos em que a pobreza
e a falta de acompanhamento familiar e o envolvimento violento são mais
habituais (Ruiz Pérez, et al., 2006). Num estudo sobre a avaliação da
implementação de programas baseados no Modelo de Responsabilidade,
Hellison chama a atenção para a grande dificuldade sentida pelos professores
219
Cf. p. 152 220
Cf. p. 152 221
Cf. p. 152
Discussão
239
ao tentarem, no 5º Nível, fazer a transferência de aprendizagens em grupos
grandes. Nesse mesmo artigo, Hellison e Walsh apontam como sendo o
número de quinze alunos por classe o tamanho teoricamente ideal (Hellison &
Walsh, 2002).
d) Outro fator que parece importante para o sucesso do modelo, nas palavras
dos entrevistados, é o “Ambiente”. Já tínhamos dado conta desse facto, uma
vez que foi também referido como uma estratégia global típica do Modelo de
Responsabilidade222.
Referiremos aqui, uma vez mais, a opinião de Wright quando fala de um
ambiente “confortável”, estruturado, que transmita segurança e onde os
desafios sejam apropriados e permitam o êxito223.Parker partilha a necessidade
de criar um ambiente física e psicologicamente seguro, em que as situações de
aprendizagem surjam naturalmente com a prática (desportiva) da sessão e não
simuladas ou fingidas. Parker refere este ambiente chamando-lhe “natural”,
mencionando que nas sessões as situações de aprendizagem surgem sem
haver necessidade de as provocar artificialmente224.
Este fator de sucesso do Modelo de Responsabilidade é suportado pela
literatura referente às caraterísticas de um Programa de Desenvolvimento
Positivo que se podem encontrar na revisão de literatura da presente tese de
onde salientamos de maneira especial o trabalho de Roth e Brooks-Gunn 225 a
esse respeito.
e) A “avaliação” de todo o processo e do produto (as evidências de
responsabilidade) do modelo é fundamental e as fontes e instrumentos dessa
avaliação vão dos mais simples aos mais elaborados. Por exemplo, Hellison
fala do papel da intuição do professor, fala da importância de se escutar o
conteúdo das respostas dadas pelos alunos às intervenções do professor
222
Neste mesmo capítulo p. 229 223
Cf. p. 148 224
Cf. p. 148 225
Capítulo de Revisão de Literatura p. 31
Discussão
240
durante o momento de reflexão e àquilo que vão dizendo durante o processo
(alunos e outros professores) 226. Martinek segue as ideias de Hellison a este
respeito. Observa os alunos perscruta-lhes as expressões, observa a
capacidade de refletir e de lidar com a responsabilidade, observa e de regista
os comportamentos que indiciam “compromisso” da parte dos destes227.
Escartí já dá conta de instrumentos mais sofisticados e elaborados: grava em
vídeo, prepara registos objetivos de categorias de comportamentos
observáveis e ouve os professores nos seus grupos de discussão avaliando
dessa forma, não só, o impacto do modelo nos jovens, mas também, nos
adultos que os acompanham228.
Como referimos, a propósito das estratégias usadas pelos entrevistados na
aplicação do Modelo de Responsabilidade 229, todos os entrevistados referem a
importância da avaliação para o êxito do referido modelo, sendo muito
frequente a referência a esta categoria nos documentos produzidos por estes
(Escartí, et al., 2006; Hellison, et al., 1996; Martinek, et al., 2006; Parker &
Stiehl, 2005; Wright, et al., 2004).
f) A “objetividade e o realismo do adulto” são salientados por Martinek como
qualidades necessárias ao êxito neste trabalho. Nesse sentido, recomenda aos
professores o desenvolvimento da capacidade de esperar pelos resultados,
que não são imediatos, e, a valorização das pequenas vitórias. A falta de
realismo, diz, pode não deixar que o adulto avalie convenientemente o impacto
que o programa de desenvolvimento da responsabilidade venha a ter no
jovem230.
No livro “Youth Leadership in Sport and Physical Education” Martinek e Hellison
(2009, p. 166) escrevem: “o nosso melhor conselho é que comece com
pequenos investimentos e não tente mudar o mundo todo de uma vez” e mais
226
Cf. p. 149 227
Cf. p. 149 228
Cf. p. 149 229
Neste mesmo capítulo p. 232 230
Cf. p. 150
Discussão
241
adiante, “o conceito «menos é mais» deve guiar os seus planos no começo da
implementação do seu programa”. Num outro artigo com Wright, torna a ser
chamada a atenção para a importância do realismo e das pequenas vitórias
como se tratasse, na tarefa pedagógica, de “plantar sementes” e esperar pelos
frutos que podem demorar anos (Hellison & Wright, 2003).
g) Outro fator a que os entrevistados atribuem influência, no sucesso do
modelo, é a própria “Estrutura do modelo” considerando-a como importante na
determinação do êxito do mesmo. A referência à estrutura do modelo chega-
nos de Escartí, alegando que a possibilidade de fragmentar o trabalho em
objetivos/etapas mais pequenas, permite a execução de avaliações formativas
que, por sua vez, possibilitam tirar amiúde informação acerca da forma como
os alunos estão a progredir231.
Esta flexibilidade da estrutura do modelo, que já foi por nós referida no contexto
do presente trabalho, permite que, para além da possibilidade de se poder
subdividir no tempo, outras adaptações e modificações sejam possíveis sempre
que aconselháveis.
Hellison escreve, por exemplo, a respeito das alterações que se podem operar
nos Níveis de Responsabilidade Pessoal e Social (núcleo importante do
Modelo de Responsabilidade), o seguinte: “os níveis podem ser suprimidos,
rearranjados, trabalhados separadamente ou até complementados” e dá vários
exemplos de intervenções onde tal foi feito (Hellison, 2003, p. 36). Olhando a
implementação do programa em tão variados contextos, como já focámos, esta
flexibilidade parece constituir um aspeto crucial do êxito do mesmo.
h) Por último, salientamos a “Idade” dos praticantes. A referência à idade dos
jovens é feita por Hellison que nota maior evolução nos grupos de idades mais
baixas em relação à observada com jovens mais velhos232.
231
Cf. p. 150 232
Cf. p. 150
Discussão
242
No seu livro “Teaching Responsibility Trough Physical Education” (2003),
Hellison também refere a importância da idade como fator a considerar no êxito
do Modelo salientando, no entanto, que este varia com o Nível de
responsabilidade em apreço e dá como exemplo que o Nível IV pode ser de
mais difícil aquisição para crianças mais jovens. Mais adiante refere, por outro
lado, que as crianças podem dar-nos mais do que esperamos, nomeadamente
no Nível III em relação à autonomia, trata-se, muitas vezes, de uma questão de
confiança nas suas potencialidades e da escolha as estratégias adequadas.
Os fatores de êxito atribuídos pelos entrevistados ao Modelo de
Responsabilidade são consistentes com os encontrados em trabalhos de
outros autores (Balderson & Martin, 2011; Cecchini, et al., 2007; Cecchini, et
al., 2003; Correia, 2007; Gordon, 2010; Marín, 2007; Walsh, 2008b)
Discussão
243
2.9. Relação professor/modelo
Continuando a caraterizar o Modelo de Responsabilidade, podemos dizer que a
categoria “Relação professor/modelo” reúne grandes consensos entre os
entrevistados.
Nas palavras do próprio Hellison, o Modelo de Responsabilidade não é uma
fórmula rígida de fazer educação e por isso não há propriamente uma maneira
de alguém se apropriar dele como de uma receita para todos, pronta a usar233.
A qualidade da tarefa pedagógica resulta sem dúvida mais diretamente da
pessoa do professor do que do modelo por si só234. Esta evidência está patente
na opinião dos entrevistados que trabalham com o Modelo de
Responsabilidade. Escartí, que realizou já vários estudos a respeito deste
assunto, dá conta de que se verificam diferenças significativas entre os grupos
de alunos, sujeitos a programas de Desenvolvimento da Responsabilidade
Pessoal e Social, em função da apropriação que cada professor faz do modelo.
Esta investigadora referencia a necessidade do profissional interiorizar e
apropriar-se do programa fazendo-o seu, sendo fundamental que se sinta bem
aplicando-o e não constrangido235.
Martinek, Parker e Wright seguem a mesma convicção: o modelo tem que estar
ajustado aos valores do professor e às suas crenças a respeito da educação.
Sendo um “guia fluido”, o Modelo de Hellison orienta a intervenção,
disponibilizando estratégias, no entanto, pressupõe capacidade de entrega e
capacidade de criar relações positivas com os alunos236.
Não trabalhando diretamente com o Modelo de Responsabilidade, Petitpas
sublinha que só partindo da do conhecimento que cada educador tenha de si
mesmo é que se pode tirar partido da flexibilidade estrutural do modelo.
A pessoa que educa e a pessoa educada são o ponto de partida e de chegada
de todo o processo educativo237.
233
Cf. p. 153 234
Cf. p. 153 235
Cf. p. 153 236
Cf. p. 154, 154, 154 237
Cf. p. 155
Discussão
244
2.10. Disseminação do modelo
Outro conjunto de referências dos nossos entrevistados diz respeito à categoria
“Disseminação do modelo”.
Não há grande informação, nas entrevistas, sobre por onde se espalhou a
influência deste modelo, embora a triangulação desta variável a partir da
revisão de literatura nos permita conhecer a extensão da disseminação238.
Fica-nos apenas a referência de Escartí à forma como iniciaram a
implementação em Espanha239.
Não se detendo no “onde” se disseminou o seu modelo de intervenção,
Hellison refere o “como” dizendo que o Modelo de Responsabilidade pode ser
inapropriadamente utilizado por aqueles que procuram apenas uma fórmula de
trabalho fácil e rápida240. Corroborando a perceção de Hellison, Wright introduz
a ideia de fidelidade ao Modelo de Responsabilidade 241, defendendo esta com
o interesse legítimo de muitas pessoas, pelo mundo fora, em aplicarem o
modelo mas que não tiveram, no entanto, possibilidade de o “aprender”
diretamente com um dos especialistas primeiros. Para tal, entende Wright,
justificam-se estudos científicos que abordem as caraterísticas mais
importantes do Modelo de Responsabilidade 242.
2.11. Avaliação da implementação do modelo
Deter-nos-emos ainda sobre as referências que os entrevistados fazem sobre a
forma como vai sendo feita a “Avaliação da implementação do modelo”.
Escartí considera muito importante ir-se avaliando o que se faz à medida que
se implementa o Modelo de Responsabilidade em contextos diferentes243. No
seu trabalho, essa preocupação é constante, assim como no de Wright, e eles
atribuem grande importância à consistência científica do processo, quer através
da criação e adaptação de instrumentos apropriados, quer através da
238
Cf. Capítulo da Revisão da literatura p. 71 239
Cf. p. 155 240
Cf. p. 155 241
Cf. p. 155 242
Cf. p. 156 243
Cf. p. 156
Discussão
245
publicação e partilha, dos saberes que se vão adquirindo, pela comunidade
científica244.
Não diretamente pelas suas palavras durante as entrevistas, mas por todo o
material escrito produzido a esse respeito, podemos concluir que: para todos
os entrevistados a preocupação pela investigação em torno do Modelo de
Responsabilidade e da sua implementação no mundo está muito presente
(Escartí, et al., 2009; Escartí, et al., 2005; Hellison, et al., 2000; Hellison, et al.,
1996; Hellison & Walsh, 2002; Hellison & Wright, 2003; Martinek & Hellison,
2009; Parker & Stiehl, 2005; Wright & Craig, 2011).
Outros autores se dedicaram também às questões da avaliação da
implementação do Modelo de Responsabilidade com todas as suas variáveis
de enquadramento e de população, criando instrumentos e escrevendo
numerosos artigos sobre o tema (Marín, 2007; Masser, 2004; Monteiro, et al.,
2008; Pardo, 2008; Regueiras, 2006; Saskatchewan, 1999; Walsh, 2008a;
Watson & Newton, 2001; Watson, et al., 2003).
Em conclusão, poderemos dizer que neste capítulo, relativo ao tema-eixo
Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social, as duas categorias
em que encontrámos mais referências nos dados recolhidos foram sem dúvida
as estratégias pedagógicas utilizadas na implementação do Modelo de
Responsabilidade por parte dos entrevistados e os fatores a que estes
atribuíam o sucesso do mesmo.
Confirmámos a convicção de que o Modelo de Hellison teve uma origem
anterior à definição de programas/modelos de Desenvolvimento Positivo da
Juventude. Este terá sido gerado para responder a necessidades práticas de
educação de jovens marginais, a partir do trabalho prático de Hellison, assente
nas suas convicções humanistas acerca da educação e fruto de trabalho de
campo e de muita prática reflexiva constante.
244
Cf. p. 157
Discussão
246
Não se opondo ao intelectualismo, o caráter pragmático de Hellison ressalta
das suas palavras pondo clara uma busca constante por um modelo de
intervenção que servisse, em primeiro lugar, as necessidades dos seus alunos.
Centram-se, os objetivos do Modelo de Responsabilidade, em duas grandes
linhas de valores: o desenvolvimento da responsabilidade pessoal e
desenvolvimento da responsabilidade social dos jovens. Para que se atinjam
tais objetivos os entrevistados preconizam a procura do empoderamento
(empowerment), a conquista da autonomia e da autodeterminação e o
desenvolvimento de hábitos de reflexão dos alunos sobre si mesmos e sobre o
que os rodeia.
Tomámos, através das referências feitas, conhecimento de que são muito
variadas as instituições e contextos em que o Modelo de Responsabilidade é
aplicado como programa. Vemo-lo a funcionar em meio escolar, dentro e fora
das aulas de educação física, em campos de férias, em clubes desportivos e
em escalões etários que vão do ensino primário ao universitário. Também em
relação à população alvo, constatamos a aplicação a ambos os sexos e em
condições sociais diversas. As populações especiais assim com as “ditas
normais” são igualmente alvo de programas baseados no modelo de Hellison.
Apesar do baixo número de referências recolhidas das entrevistas, a atestar
esta diversidade de implantação do Modelo de Responsabilidade em vários
países, o material escrito, recolhido para a triangulação dos dados, dá
testemunho sólido dessa disseminação.
A avaliação das muitas intervenções que já estão no terreno é, para os
intervenientes, uma necessidade para o estabelecimento da consistência
científica do Modelo de Responsabilidade. Para tal são importantes a criação e
adaptação de instrumentos apropriados e a partilha através da publicação de
estudos.
Todos os entrevistados deram testemunho da utilização da atividade física e
desportiva como meio privilegiado de integração de todas as aprendizagens, e
justificam esta opção pela sua potencialidade motivadora decorrente de fatores
emocionais, sociais e lúdicos. Dentro das atividades possíveis, as variações
Discussão
247
são bastantes indo desde as artes marciais, aos jogos de campos de férias,
aos deportos clássicos e outros.
Para os entrevistados, não é indiferente o uso do desporto ou de outra
atividade e esta eleição obedece a critérios que têm a ver com os objetivos das
sessões, com a idade, com os aspetos éticos associados ao desporto e com o
carater inclusivo da atividade em apreço.
A importância da relação que o professor estabelece com o Modelo de
Responsabilidade reúne consenso entre os entrevistados. A estes parece
necessário que o Modelo de Responsabilidade esteja ajustado aos valores do
professor e à sua visão da educação. O modelo deve ser interiorizado pelo
profissional de forma a que este se aproprie dele como sendo sua maneira de
estar.
A estrutura das sessões constitui uma macro estratégia, original de Hellison,
que se mantém com pequenas adaptações. Esta constância permite-nos a
asserção de que a estrutura seja uma das componentes importantes para o
êxito do Modelo de Responsabilidade.
Outras estratégias são referenciadas como caraterística do trabalho dos
entrevistados na aplicação do Modelo de Hellison, e suportadas pelos
depoimentos escritos destes e de outros autores. São elas: o centrar a
atividade pedagógica no adolescente e nas suas caraterísticas e necessidades;
a busca do empoderamento (empowerment) dos praticantes; a tomada de
consciência, como capacidade auto reflexiva sobre si mesmo e sobre os
outros; decorrentes da anterior, a responsabilização pela tomada de decisões e
escolhas e a prática da avaliação sistemática. Para além destas estratégias, os
responsáveis promovem ainda outras, como é o caso da criação de ambiente
física e psicologicamente seguro, a proposta de experiências de êxito e,
abrangendo todas as referidas, a integração de todas as estratégias de
aprendizagem na atividade física da sessão.
Decorre das caraterísticas do Modelo de Responsabilidade a utilização de um
conjunto de cinco níveis de responsabilidade pessoal e social, também
chamados pelos entrevistados metas ou objetivos, que todos eles referem e
que acabam por constituir estratégias específicas do modelo de Hellison. Tal
Discussão
248
como a estrutura das sessões, mantêm-se, estes níveis, sem grandes
alterações ao longo do tempo, no entanto, uma das caraterísticas que ressalta
das palavras dos peritos entrevistados, é que os Níveis propostos por Hellison
são flexíveis e adaptáveis a cada contexto de ensino, como ficou claro dos
dados recolhidos.
O 5º Nível, que tem como objetivo fundamental a transferência das
aprendizagens para a vida do dia-a-dia dos praticantes, é aquele que mais
referências suscitou por parte dos entrevistados, e aquele em que afirmaram
encontrar maior dificuldade. Para tal, são apresentados os seguintes motivos: a
transferência é uma competência que necessita de aprendizagem por parte dos
alunos e não é automática; o clima de apoio e o envolvimento humano das
sessões não se encontra facilmente noutros ambientes dificultando ao
praticante a aplicação das aprendizagens; as aprendizagens feitas em contexto
de DRPS constituem frequentemente uma contracultura em relação ao resto da
comunidade escolar, à comunidade familiar e a outros envolvimentos dos
jovens. Para obviar a natureza contextual e relativista das aprendizagens, os
professores podem lançar mão de algumas estratégias facilitadoras que são
sugeridas pelos entrevistados.
Os fatores a que os entrevistados atribuem o êxito do modelo são: o tempo de
implementação do programa, quanto maior mais probabilidade de êxito; a
qualidade da relação do educador com as crianças ou jovens; o valor baixo do
rácio professor/aluno; o ambiente seguro de aula ou sessão, com níveis de
desafio e de êxito controlados; a avaliação do processo educativo e dos seus
resultados; a objetividade e o realismo do adulto em relação aos resultados e
ao impacto do programa nos adolescentes; a pouca idade dos alunos, apenas
referida por Hellison; e a estrutura do modelo referida por Escartí.
Discussão
249
“Ninguém muda ninguém mas a minha mudança pode facilitar as mudanças
que estão a acontecer no outro”
Autor desconhecido
3. Perfil do professor
O terceiro tema, como referimos anteriormente, ganhou autonomia de tema-
eixo permitindo-nos caracterizar o Perfil do Professor típico do Modelo de
Responsabilidade de Hellison, através das respostas dos entrevistados.
Também nesta parte da discussão, referente ao Perfil do Professor,
contaremos sobretudo com as fontes relativas aos entrevistados que trabalham
diretamente com o modelo, são eles, Don Hellison, Amparo Escartí, Missy
Parker, Paul Wright e Tom Martinek. Referiremos também, por vezes, Petitpas
e Brustad, quando se mencionam qualquer um dos outros entrevistados, ou o
trabalho destes com o Modelo de Responsabilidade, ou quando nos transmitem
a perspetiva do Desenvolvimento Positivo da Juventude sobre o perfil do
professor fornecendo uma triangulação mais imediata.
Relembramos que ao falarmos genericamente de professores estamos também
a referir os treinadores, os monitores e todos aqueles que estão encarregados
de gerir uma intervenção educativa com crianças e/ou jovens.
Do Quadro 7, três categorias ressaltam em termos de frequência, a saber: a
visão que o professor tem do adolescente; os seus valores, atitudes e
convicções, como pessoa e como professor; e o compromisso que o
profissional estabelece com o adolescente.
3.1. Valores, atitudes e convicções
Começámos por dar conta de quais ideias manifestadas pelos peritos
entrevistados a respeito da importância dos “Valores, atitudes e convicções” do
professor.
No discurso destes, ressalta a importância que dão aos valores pessoais dos
professores como caraterística condicional do seu perfil. Há a consciência de
que os valores e a sua hierarquia são muito estáveis e que acompanham o
Discussão
250
professor desde o início do seu próprio desenvolvimento como pessoa245. Por
esse motivo, chamam a atenção para o papel fundamental da formação
(profissional) dos novos professores e da necessidade de se interiorizarem
valores e de os reordenar com vista a uma vocação para educar246.
Quer Hellison, quer Wright, deixam um testemunho interessante acerca dos
próprios valores, referindo que eram prévios ao início do trabalho com crianças
e que, portanto, de certa forma, não foram eles (professores) que serviram para
trabalhar com o Modelo de Responsabilidade mas este que serviu os seus
valores e às suas convicções247.
Apesar desta estabilidade dos valores, Hellison também reconhece que há
coisas que vão mudando no professor pelo contacto com as crianças,
adolescentes e jovens248, provavelmente mais ao nível das convicções e das
atitudes. Vimos também o exemplo dado por Brustad sobre convicções que os
professores podem ter quer em relação à autoridade, quer sobre aquilo que
são os alunos e as suas famílias, quer sobre o que é que se pode mudar ou
não através do ensino e sobre até onde se pode chegar249.
Do discurso destes especialistas salientaremos uma recomendação que
mereceu várias referências. O professor, ou candidato a professor, terá que se
manter íntegro e honesto em relação aos seus valores. Não há porque se
vender a este ou àquele sistema, porque a educação exige do professor
competência científica mas (como veremos mais adiante) também exige que dê
dele mesmo250. O modelo em que se trabalha tem que “servir” bem e, se não
serve os valores em que o professor acredita, provavelmente haverá outro mais
ajustado e coerente251.
Martinek pede outra coisa ainda aos professores, é realismo. Os resultados
mágicos não acontecerão, segundo ele, e não se salvarão os miúdos todos, o
melhor é ter-se consciência disso252, sublinha.
245
Cf. p. 159, 160, 246
Cf. p. 160 247
Cf. p. 161, 161 248
Cf. p. 159 249
Cf. p. 160, 160 250
Cf. p. 161 251
Cf. p. 160, 161 252
Cf. p. 161
Discussão
251
A respeito deste tema dos valores, atitudes e convicções, Petitpas tem uma
resposta em que salientou outra caraterística muito importante do professor, a
flexibilidade, na qual se progride com a idade e com a experiência. O professor
torna-se menos normativo, mais espontâneo nas reações e, segundo Petitpas,
isso acontece porque, com a maturidade, o professor se torna mais confiante
em si mesmo253. Estas afirmações fá-las Petitpas a propósito de Hellison e de
Martinek de quem diz:
[…] se o Don Hellison é bom, é porque ele é o Don Hellison. Percebem? E o Tom Martinek é bom porque ele é o Tom Martinek. Mas às vezes as pessoas tentam ser (como) eles mas não estão a ser elas próprias, por isso não são eficazes.
Num artigo de Parker, Kallusky e Hellison (1999, p. 28) podemos ler: “É nossa
convicção que muito do que ensinamos bem é aquilo que tendemos a valorizar.
Isto sugere que os professores devem iniciar o processo de ensino da
responsabilidade clarificando os seus próprios valores a esse respeito”.
A opinião de Parker em artigos escritos sustenta o que já foi dito. Ela chamou a
atenção para o facto de os valores do professor, sendo fruto das suas próprias
experiências vitais, serem parte importante do processo de influência deste
sobre os seus alunos (Escartí, et al., 2005).
3.2. Gosto por trabalhar com adolescentes
São várias também as referências à subcategoria “Gosto por trabalhar com
adolescentes”. Os entrevistados partem da experiência própria, tal é o caso de
Hellison, de Brustad, de Parker e de Martinek254, ou das suas observações,
como refere Escartí255.
As expressões utilizadas por Hellison dão a dimensão ao seu “gosto” por
trabalhar com os jovens. Ele refere a felicidade de lhe permitirem ter alunos, ou
o que teve que estudar a pensar no trabalho que faria com eles,
“inclusivamente com alunos a cumprir penas…”, pois era esse o tipo de
trabalho que lhe interessava256.
253
Cf. p. 159 254
Cf. p. 162 255
Cf. p. 162 256
Cf. p. 162
Discussão
252
No seu livro “Responsabilidad Personal y Social a través de la Educación
Física y del Deporte” (2005), Escartí nomeia a primeira qualidade de um
professor para aplicar o Modelo de Responsabilidade dizendo que este deve
exercitar o gosto, o disfrute, da companhia dos alunos. Isso permite-lhe detetar
os seus problemas, preocupações, os medos e os seus pontos de vista em
relação às coisas, entendendo-os e respeitando-os.
É muito interessante o facto de todos os entrevistados referirem a importância
do “gosto” pelo trabalho com crianças. Sabemos, da teoria da
autodeterminação (Ryan & Deci, 2000), que o prazer inerente a uma tarefa (ou
conjunto complexo de tarefas) constitui uma motivação forte, consistente no
tempo e que produz um trabalho de qualidade e criativo. Como fomos
verificando ao longo desta discussão, este é o tipo de trabalho referenciado
pelos especialistas entrevistados como necessário à implementação do Modelo
de Responsabilidade.
Escreve Sparks III (1993) que, para criar uma ambiente positivo, o professor
deve acreditar nele mesmo como professor e como modelo para os seus
alunos. Para tal, tem que gostar muito de ensinar e levar muito a sério o seu
papel de mentor.
3.3. Competências de relação do adulto
O adulto (ou jovem, no caso dos mentores) que quer trabalhar no Modelo de
Responsabilidade com crianças, tem que desenvolver “Competências de
relação” uma vez que a atividade educativa/docente é fundamentalmente uma
atividade de relação humana. Escartí e Brustad colocam esta competência
antes mesmo da compreensão do programa e das suas estratégias pois,
comunicar com os miúdos, é uma tarefa exigente257.
Para além desta aplicação direta das competências de comunicação à relação
com o aluno, Martinek referencia a necessidade que um professor tem de ser
capaz de trocar ideias e partilhar a sua experiência com outros professores ou
257
Cf. p. 163
Discussão
253
treinadores258. Esta chamada de atenção também é feita por Petitpas que
resume: o perfil do professor que sabe comunicar é o de uma pessoa que está
bem consigo própria e que, por isso, está disponível para ouvir. Hellison,
seguindo a mesma ideia, fala de “estar em sintonia com os miúdos” e diz que
isso não passa sempre por “falar” mas muitas vezes por “ter algo para fazer
com eles”259.
Escartí (2005, p. 53) tem uma forma interessante que sublinhar esta
disponibilidade para ouvir e para criar sintonia com os alunos. Escreve assim:
“Sente-te bem (a gusto) com o silêncio depois de fazeres uma pergunta, não
esperes que te respondam imediatamente” […] “ a primeira regra de ouro é
ouvir as emoções que os alunos transmitem para além do que dizem”.
Esta sensibilidade na relação com o adolescente ressalta num artigo escrito por
Martinek, Hellison e Walsh (2004, p. 402), onde pode ler-se: “Ao longo dos
nossos 65 anos somados do nosso trabalho com jovens e com professores,
descobrimos uma constante determinante do sucesso ou do falhanço: o poder
das relações. […] Descobrimos que os miúdos lembrar-se-ão de algo que lhes
dissemos alguma vez e lembrar-se-ão de algo que lhe fizemos algumas vezes
mas, mais importante que isso, é que se lembrarão para sempre de como os
fizemos sentir”.
3.4. Relação personalizada com o adolescente
Mais especificamente, define o perfil de um professor, em matéria de
comunicação, a capacidade de estabelecer uma “Relação personalizada com o
adolescente”.
É fundamental, diz Petitpas, que o aluno sinta que o professor realmente se
importa com ele260. A relação individual referida (lembramos que constitui uma
estratégia específica do Modelo de Responsabilidade), condiciona a
aprendizagem de tal maneira que Hellison e Wright fazem depender esta última
258
Cf. p. 164 259
Cf. p. 163 260
Cf. p. 165
Discussão
254
das relações de “amizade” que estabelecem com os seus alunos261. Para além
de outras, esta necessidade de estabelecimento de relações personalizadas,
preenche grande parte do papel do “mentor”. Disto nos faz referência Brustad e
Martinek262. Este último põe grande empenho neste aspeto da formação dos
seus alunos universitários263.
Para além do contacto mais “institucional” na escola ou no clube, Parker dá
importância ao conhecimento que se possa ter do aluno fora desse ambiente.
Para ela, uma relação personalizada passa por se acompanhar, de vez em
quando, os alunos em atividades que não dizem respeito ao programa de
DRPS264.
Esta importância, dada pelos entrevistados à qualidade de relação entre
adultos e jovens, aparece suportada pela literatura, nomeadamente em estudos
sobre resiliência. Por exemplo, escrevendo a esse respeito, Martinek e Hellison
(1997, p. 43) recomendam que num programa de desenvolvimento com
crianças ou jovens se ”Providenciem contactos significativos com um adulto
que se interesse e represente um apoio [para o adolescente]. Isto é, talvez,
uma das conclusões mais importantes da literatura sobre resiliência”.
Também Wright salienta num artigo que uma das estratégias fundamentais
para a promoção dos objetivos do DRPS é que os líderes (monitores)
promovam com as crianças uma comunicação respeitosa, onde se explicitem
expectativas positivas de comportamento e onde sejam dados feedbacks
consistentes com esse mesmo comportamento (Wright, et al., 2010).
Outros autores corroboram a importância atribuída à qualidade da relação do
adulto com o adolescente, sublinhando que, sendo significativa para o
segundo, representa um fator de suporte insubstituível no seu desenvolvimento
na medida em que encoraja e cria expectativas mais elevadas para ele
(Cooper, Estes, & Allen, 2004).
261
Cf. p. 164, 164 262
Cf. p. 164 263
Cf. p. 165 264
Cf. p. 164
Discussão
255
Num estudo realizado em Espanha com jovens entre os 13 e os 16 anos,
concluiu-se que o “professor ideal” para adolescentes dos dois sexos era “o
professor, ou professora, simpático, de caráter agradável, fisicamente atraente,
competente no seu trabalho, com capacidade de compreender os alunos com
dificuldades (…)”(Gutiérrez, Pílsa Doménech, & Torres Benet, 2007, p. 49).
Repare-se que a maioria dos atributos é de caráter relacional.
Num outro estudo, realizado com a aplicação simultânea do Modelo de
Responsabilidade em Getafe (Espanha), L’ Aquila (Itália) e Los Angeles
(Estados Unidos), concluiu-se que os professores que trabalhavam com o
modelo de Hellison, em qualquer uma das três situações, estabeleciam
relações de maior proximidade com os alunos e demonstravam mais interesse
e preocupação por eles (Pardo, 2008).
3.5. Compromisso de relação com o adolescente
Em termos de frequência, o “Compromisso de relação com o adolescente” é a
terceira subcategoria mais referenciada nas respostas sobre o perfil do
professor. Relacionar-se com os alunos parece não ser apenas uma questão
de qualidade (como vimos anteriormente) mas, também, de quantidade, isto é,
de extensão do compromisso no tempo.
Mesmo sem saber qual é o tempo certo, Hellison declara importante manter um
compromisso fiel com os seus alunos durante bastante tempo, pois isso
aumenta as hipóteses de se adquirir junto deles uma posição de confiança e de
liderança265. Já em capítulos anteriores referimos este aspeto, o da duração
dos projetos, mas agora adquire uma nova importância ao carregarmos sobre
ele a relação de compromisso. Esta é uma das dificuldades que Hellison
aponta no trabalho com os universitários que se preparam para serem
treinadores ou professores: eles não estão disponíveis para compromissos a
longo prazo266.
Parker insiste na questão da confiança, referindo que os seus alunos
necessitam de saber que há alguém disponível para eles, mesmo nos tempos
difíceis, e se se trata de alguém que não vai desistir. Na sua experiência os
265
Cf. p. 165 266
Cf. p. 165
Discussão
256
programas estenderam-se de cinco a oito anos267. Para Brustad, a evidência é
a mesma. As crianças e os jovens ficam no programa por vários motivos mas a
confiança nos adultos que permanecem é fundamental para essa fidelidade
dos miúdos268.
Para Escartí esta questão é tão importante que a capacidade de se
comprometer é um dos critérios de recrutamento de professores. Ela aponta
para um compromisso mínimo de um ano269.
É uma questão de construção da confiança do jovem, defende Petitpas, e é um
fator muito importante de sucesso dos programas. Um período inferior a nove
meses de contacto estável, não é suficiente para um mentor trabalhar com uma
criança de forma a ganhar-lhe verdadeira confiança270.
Martinek é de todos os entrevistados o que mantem relação com os alunos
durante o período de tempo mais longo. Começam com eles ainda no primeiro
ciclo e vão até ao fim do secundário. Mantêm contacto com os que vão saindo
e convidam os que ficam a iniciarem a sua participação como líderes
(mentores) dos mais novos. É um compromisso a longo prazo, diz271.
De entre as constantes mais importantes para que um programa funcione,
Martinek salienta o compromisso pessoal que se estende para além do
“trabalho árduo diário” até ao trabalho de longo prazo com “custos emocionais”.
Diz ele que “Programas e pessoal (staff) que se envolvem em períodos de
tempo curtos, com uma perspetiva de investigação estreita e assentes em
fundamentos de base restritos, terão muita dificuldade em ter algum impacto
nas vidas dos jovens.” (Hellison, et al., 2000, p. 246).
Num outro artigo pode ler-se que para criar sentimentos de pertença é
necessário que, para além de trabalhar com grupos pequenos, o professor
encoraje a relação pessoal próxima e distendida vários anos no tempo
(Martinek & Hellison, 1997) o que, evidentemente, implica o seu próprio
compromisso.
267
Cf. p. 166 268
Cf. p. 166 269
Cf. p. 166 270
Cf. p. 167 271
Cf. p. 167
Discussão
257
3.6. Capacidade de adaptar o ensino ao adolescente
A par do gosto de trabalhar com as crianças, da capacidade de se relacionar
com elas e de se comprometer nessa relação encontrámos referências à
“Capacidade de adaptar o ensino ao adolescente” como um dos traços
importantes do perfil de um educador no Modelo de Responsabilidade.
Ao falar de “uma forma ágil de aplicar o programa a estas crianças” 272 Hellison
reverte-nos para as competências específicas da profissão do professor ou do
treinador, ou seja, a competência científica nos campos do desporto e a
competência nas ciências da pedagogia.
A necessidade de conhecer a criança é prévia à ação pedagógica. É essencial
que se parta, para a intervenção pedagógica, do conhecimento de quem é a
criança, quais as suas experiências anteriores, qual a sua cultura e em que
nível de desenvolvimento se encontra. Depois vem a pergunta: como se adapta
o conteúdo para que cada um dos participantes tire proveito da sessão? Os
objetivos do programa serão atingidos tanto quanto mais o conteúdo e as suas
estratégias sirvam aquele grupo de crianças concreto. Isto é o que podemos
concluir das palavras de Brustad, Parker e Wright273. Voltámos à ideia de
Martinek, de que o Modelo de Responsabilidade se carateriza por ter uma
estrutura bem definida, mas, tem implícita uma ideia de fluidez que o torna
adaptável às necessidades e à realidade do grupo a que se aplica274.
Segundo as palavras de Petitpas, que já referimos anteriormente, esta
capacidade de adaptação apura-se no perfil do professor à medida que ele
ganha experiência275.
3.7. Conhecimento das necessidades do adolescente
A categoria seguinte reúne o conjunto de referências feitas pelos entrevistados
à necessidade de ter “Conhecimento das necessidades do adolescente”.
272
Cf. p. 167 273
Cf. p. 167 274
Cf. p. 168 275
Cf. p. 168
Discussão
258
Este tema é muito extenso, englobando as necessidades biológicas,
psicológicas, sociais e culturais dos participantes. Martinek, com o
conhecimento que lhe vem do ensino de jovens professores e treinadores,
sublinha a importância deste conhecimento logo a partir da formação inicial dos
mesmos 276.
Brustad e Wright falam da forma como o conhecimento das necessidades dos
jovens, dos aspetos específicos do seu desenvolvimento e dos seus
antecedentes educacionais condiciona a ação pedagógica277. As caraterísticas
do jovem adolescente merecem uma atenção muito especial por parte do
professor, na opinião de Brustad278.
Como saber se a ação pedagógica do professor está a dar resposta às
necessidades do adolescente se ele desconhece que necessidades são estas?
Como saber se a Educação Física está a responder apenas à dimensão
percetivo motora da educação ou se está também a responder a outras
necessidades resultantes de carências materiais, culturais, da falta de atenção
familiar, da ausência de motivação ou mesmo da falta de sentido das
atividades escolares das crianças e dos jovens? Estas questões são postas por
Martinek e Ruiz (2005), referindo a necessidade de o professor conhecer as
necessidades dos próprios alunos de forma a poder ajudá-los. No mesmo
artigo podemos ler que o Modelo de Responsabilidade teria sido criado por
Hellison exatamente com o propósito de ajudar a preencher as necessidades
dos jovens, principalmente dos mais desfavorecidos. Os objetivos do modelo
de Hellison exigem que o adulto responsável pela sua aplicação tenha
conhecimentos teóricos e práticos sobre as necessidades dos adolescentes
com que se propõe trabalhar.
Para além disso, a empatia (a capacidade de se aperceber dos interesses, dos
desejos, das necessidades e das vulnerabilidades dos alunos), parece estar
intimamente ligada ao compromisso. Ilustramos a ideia com Jiménez (2006, p.
44), “Tudo o que ensinamos […] carece de sentido se não somos capazes de
276
Cf. p. 169 277
Cf. p. 169, 169, 169 278
Cf. p. 169
Discussão
259
estabelecermos relações com os nossos alunos e a melhor maneira de o fazer
é conhecendo-os”.
3.8. Visão do adolescente
É nossa convicção de seja qual for a forma de estar em educação (os valores,
conceções, conhecimentos e atitudes etc. que transportamos connosco)
corresponde uma imagem de Homem e portanto de adolescente e de aluno.
Através das palavras dos estudiosos que entrevistamos, é-nos dado mais um
traço do perfil do educador que aplica o Modelo de Hellison do qual dependem,
em grande medida, os resultados da atividade pedagógica. Trata-se da
categoria “Visão do adolescente” que, em termos do nosso trabalho, assumiu
vários aspetos, sendo uma das situações que nos levou à criação de
subcategorias à posteriori.
a) Em primeiro lugar, por força do número de referências registado,
abordaremos a subcategoria “expectativas do professor”.
Para Hellison, o facto de o professor ver os jovens, mesmo aqueles que já se
consideram “perdidos para o sistema”, como “gente”, tem implicação na
imagem que o aluno tem de si mesmo, faz com que este comece também a
arriscar alguma expectativa positiva sobre si, pelo menos, dentro do contexto
da sessão279.
Encontra-se na mesma linha de convicções Escartí que reforça a ideia de que
é fundamental que se dê o passo seguinte nas expectativas em relação aos
alunos. É necessário que o professor acredite – e que faça com que o aluno
acredite - que é possível aplicar noutras áreas da sua vida aquilo que
conquistou no ginásio. Trata-se da passagem de expectavas do professor para
o aluno, trata-se de empowerment280. Para Brustad, só o professor que acredita
que os seus alunos podem ser responsáveis é que lhes “passa poder” para tal.
Se o aluno não tem perceção dessa convicção no seu professor não sente
279
Cf. p. 175 280
Cf. p. 175
Discussão
260
confiança para arriscar, não sente motivação para melhorar nem mesmo para
permanecer no programa281
Parker transmite, através das suas palavras, uma visão muito positiva dos seus
alunos pois são claras as suas expectativas sobre aquilo que se pode esperar
de uma criança ou de um jovem282. A mesma visão positiva transparece nas
referências feitas por Martinek. Este recomenda a busca (que já referimos
anteriormente) do realismo do professor e das experiências de sucesso do
aluno para a consolidação de expectativas positivas num e noutro283.
O professor envia mensagens negativas ao aluno sobre as potencialidades
deste, sempre que não o vê como “boa pessoa” e capaz de cumprir
determinada tarefa. Mesmo que não o diga, a sua falta de confiança será
transmitida através de toda a outra comunicação (não verbal) e será captada
pelo jovem. Esta é a convicção de Petitpas284.
A esperança, a crença nas potencialidades do aluno para vencer o desafio de
crescer com êxito, depende também, como fica claro nas palavras dos
entrevistados, da esperança e do otimismo do próprio professor a respeito do
aluno. Num artigo escrito por Martinek e Hellison (1997), chama-se a atenção
para o facto de o otimismo e a esperança permitirem ao jovem definir objetivos,
ser persistente e acreditar num futuro promissor. Os autores relacionam a falta
de esperança e de otimismo com o conceito de “desesperança aprendida” ou
“impotência aprendida” (learned helplessness), referindo-se a crianças que se
sentem com pouco ou nenhum controlo sobre aquilo que lhes acontece, seja
do ponto de vista académico, seja do ponto de vista social. Por isso, desistem
facilmente de qualquer coisa exigente, de qualquer desafio, ou face a um revés
momentâneo. Mais adiante, no mesmo artigo, dizem que a maior fonte deste
comportamento é a atitude dos pais ou dos outros educadores. O sentimento
de impotência ou de desesperança “aprende-se” de pais para filhos e de
professores para alunos.
281
Cf. p. 175 282
Cf, p. 176 283
Cf. p. 176 284
Cf. p. 176
Discussão
261
Parker (2000) valoriza da seguinte forma a visão que o professor tem do jovem
para o êxito do programa: “ Os programas que obtiveram maior êxito com os
jovens são aqueles em que não se lhe deitam as culpas e que, em vez de
verem as suas patologias, buscam o seu potencial” (Hellison, et al., 2000). Num
outro artigo diz também que: ”tudo o que um jovem deve fazer e pode fazer,
mas que nós fazemos por ele, implica perda de uma oportunidade para
aprender a ser responsável” (Parker & Stiehl, 2005).
Na mesma linha pode ler-se de Wright e colegas (2004) que a confiança dos
professores nas potencialidades dos alunos pressupõe a passagem/cedência
de poder, e que esta simples, mas crítica, transação pode constituir um
obstáculo ao sucesso da implementação do Modelo de Responsabilidade se
não fizer parte das convicções do professor.
b) A perceção que o professor tem das “motivações dos alunos” e a maneira
como as usa a favor da aprendizagem é um traço muito importante para as
suas caraterísticas como educador. Brustad, por exemplo, dá muita importância
à motivação intrínseca para que o aluno se desenvolva plenamente. Sem este
tipo de motivação, acredita, o aluno ficará aquém das suas potencialidades.
Brustad relaciona a motivação com a autonomia referindo que dificilmente
existirá a primeira sem a segunda. O aluno gostará daquilo que for capaz de
fazer bem por si só. A motivação está muito relacionada com esta perceção de
competência crescente285.
Na visão apresentada por Wright, a motivação (também para este entrevistado
particularmente a intrínseca) condiciona a adesão do praticante ao programa e
esta, por sua vez, é uma referência importante para as opções do educador,
em termos de exigência e de ações pedagógicas a implementar. É fácil
entender, por isso, a diferença que Wright aponta entre o trabalho no contexto
do clube e na Educação Física escolar que é uma disciplina obrigatória286.
Para Petitpas, o divertimento, a perceção de competência e a opinião dos
pares são grandes fatores de motivação para o jovem. Sendo o Desporto um
domínio onde os referidos fatores podem abundar, o professor competente tira
285
Cf. p. 172 286
Cf. p. 172
Discussão
262
partido disso, criando situações de êxito e de interesse para os seus alunos.
Para um professor que lida com a atividade física e desportiva a tarefa está
facilitada “…é só fazê-lo onde os jovens querem estar… no desporto”287. A este
respeito reproduzimos exatamente as palavras de Martinek, “A Educação
Física e o Desporto são coisas de que as crianças gostam muito e são um
meio ótimo para desenvolver valores se os professores optarem por ensinar
valores, se acreditarem nisso, é bom que o usem na escola, nas aulas.”288
O fator divertimento, referido pelos entrevistados, como fator de motivação para
a atividade é suportado por outros autores (Gould, Feltz e Weiss, 1985; Weiss
e Petlichkoff, 1989; Scanlan e Lewthwaite, 1986)289 que defendem que este é,
verdadeiramente, a razão primeira que motiva os jovens à participação
desportiva (Watson, et al., 2003). Também Brustad (1993) escreve que as
crianças são atraídas pelas atividades físicas (desportivas ou não desportivas),
em parte, devido ao seu interesse pelo jogo, pelo lúdico.
A perceção da motivação dos alunos, do nível e orientação, é uma caraterística
fundamental do perfil do professor, pois permite-lhe incrementar estratégias
que aumentem a motivação autodeterminada (Moreno Murcia & González-
Cutre Coll, 2006; Ryan & Deci, 2000).
c) Outra categoria do perfil do educador que os entrevistados referem com
alguma frequência é a atenção que este dá ao “contexto social de proveniência
do adolescente”. Conhecer o “mundo” do aluno, permite observar alguns
preditores, por exemplo, do seu comportamento uma vez que este depende
não só de fatores pessoais, mas também de fatores ambientais, tais como: o
ambiente escolar e familiar, todo o contexto sociocultural, a existência de
pessoas significativas, etc. Disto dão vários exemplos Hellison, Escartí, Parker
e Wright290. Podemos perceber também, das palavras de Martinek, a
importância que ele atribui ao facto de o aplicador do Modelo de
287
Cf. p. 173 288
Cf. p. 173 289
Cit. por Watson, et al, 2003. 290
Cf. p. 170
Discussão
263
Responsabilidade refletir sobre o ambiente de que são originários os jovens
participantes dos programas. Este professor sublinha o peso que este tema
tem na própria formação profissional dos seus alunos, futuros professores291.
Ao refletir sobre o ambiente de origem dos praticantes, depara-se
forçosamente com o fenómeno do encontro de culturas diferentes que por
vezes para cada um dos miúdos constituem verdadeiras contraculturas292.
Num artigo escrito por Martinek, Schilling e Johnson (2001) os autores
explicam que os jovens, membros do seu Clube, desenvolveram um repertório
único de estratégias de sobrevivência e que este envolve um sistema de
valores muito diferente do maioritário na sociedade americana. Este sistema
permite-lhes atravessar os problemas sociais e económicos criados pela
pobreza.
Qualquer alteração no sistema de valores implica trabalho persistente. O
conhecimento deste facto é fundamental para que os próprios professores
compreendam até onde vai o compromisso com o trabalho nestas
comunidades.
A capacidade de “navegar” entre culturas constitui, segundo Wright, um
elemento fundamental das competências do professor (monitor) que trabalha
num programa de Modelo de Responsabilidade.
Num artigo publicado Wright e Burton dizem o seguinte a esse respeito,
“Problemas decorrentes das diferenças culturais não irão desaparecer ou
melhorar quando ignorados. Promovendo-se o conhecimento sobre essas
diferenças e criando-se um diálogo aberto sobre o pensamento estereotipado,
os praticantes poderão enquadrar estas questões como culturais, em vez de
pessoais” (2008, p. 151).
d) As convicções do professor em relação à “forma como os adolescentes
estabelecem relação com os adultos” são referidas pelos entrevistados.
291
Cf. p. 171 292
Cf. Capítulo Discussão p. 222
Discussão
264
Hellison e Brustad veem os jovens como capazes de estabelecer relações de
verdadeira amizade com os adultos, revelando abertura e perspicácia nessa
relação, dando por isso um contributo positivo para as discussões293.
Quer Parker, quer Martinek, voltam ao tema das relações significativas que o
jovem é capaz de estabelecer com o adulto. O professor deve, na opinião de
ambos, ter muita consciência da importância desta relação, uma vez que ela
pode ser determinante para a mudança no miúdo e pode ter neste um impacto
que se reflita para toda a vida294.
A maneira como o adulto perceciona a relação que os jovens estabelecem com
ele, pode fazer com que o primeiro não se sinta bem e até, por vezes, se sinta
rejeitado. Escartí e Diana Marín (2005) escrevem que o professor responsável
pelo programa deve ser um adulto maduro, que tem por missão ajudar os seus
estudantes, sem esperar que eles reforcem a sua autoestima. E continuam,
dizendo que o professor deve ser paciente, compreendendo os erros dos
alunos e criando oportunidades para que os reparem.
e) Os entrevistados dão-nos conta das suas convicções em relação à
importância da maneira como o adolescente se relaciona com as instituições
educativas nomeadamente “com a escola”.
Deste tópico salientaremos as referências feitas por Hellison e por Martinek,
onde nos dizem que as crianças associam culturas diferentes às diferentes
instituições assumindo papeis diversos e comportando-se de maneiras distintas
em distintos ambientes. A cultura escolar é diferente da cultura do clube e, por
sua vez, ambas são diferentes da cultura da família e do grupo. Já referimos a
este propósito, a dificuldade que a diferença cultural representa para a
transferência de competências adquiridas 295. Uma visão holística da criança
não está completa sem a consciência deste fenómeno e das suas implicações
no desenvolvimento pessoal e social da criança e do jovem296.
293
Cf. p. 174 294
Cf. p. 174 295
Cf. Capítulo Discussão p. 222 296
Cf. p. 177
Discussão
265
Os autores que estudam as implicações da relação dos adolescentes com a
Escola corroboram a opinião dos entrevistados dizendo que, quando os valores
da escola são compatíveis com os da família, os alunos mostram uma boa
capacidade de adaptação à primeira. Segundo Erikson (1993)297, não são tanto
as diferenças culturais que causam problemas na relação das crianças com a
escola, mas a perceção que a criança tem dessas diferenças, daí o interesse
de que o professor conheça a ligação desta com a escola. Assim, a
transferência de aprendizagens feitas num ambiente de que a criança gosta e
onde se sente segura, pode ser facilitada se os adultos (pais, professores,
treinadores) tiverem uma atitude colaborante, facilitando uns aos outros
ligações entre os dois ambientes (Lee, 2009).
3.9. Formação profissional
Outro tema de grande importância na definição do perfil do educador diz
respeito à sua “formação profissional”.
Embora sejam referidos os conhecimentos necessários no âmbito das ciências
do Desporto, Martinek, Parker e Brustad dão muita importância à introdução
dos conhecimentos sólidos relativos à educação de valores, aos conteúdos do
Desenvolvimento Positivo da Juventude e aos programas que os promovem298.
Para além destas áreas de estudo, referem ainda a necessidade de que os
futuros educadores tenham acesso, durante a formação inicial, ao
conhecimento de várias especialidades da Psicologia, nomeadamente da
Psicologia da Comunidade, e de teorias e modelos de desenvolvimento
social299.
Já em relação à formação em exercício com intervenção pedagógica junto de
crianças e jovens, Hellison parece dar muita importância à supervisão
pedagógica, nomeadamente quando se trata de implementar o modelo de
DRPS300. Escartí, Parker e Martinek, todos formadores de professores e de
297
Cit. por Lee, 2009. 298
Cf. p. 178 299
Cf. p. 179 300
Cf. p. 179
Discussão
266
treinadores, corroboram a opinião de Hellison referindo exemplos práticos do
tipo de trabalho que fazem em acompanhamento de supervisão dos seus
próprios alunos universitários301.
Wright escreve num artigo que os programas de formação de professores de
Educação Física deveriam considerar integrar nos seus currículos o estudo dos
princípios do desenvolvimento da juventude e as suas estratégias,
nomeadamente através do treino de alguns modelos de intervenção, como, por
exemplo, o modelo de Hellison (Wright, 2009).
Uma formação de teor vivencial e prático dos professores é, atualmente,
defendida por muitos estudiosos de modelos de formação. Por exemplo, Elbas
(1983), diz-nos:
“o conhecimento dos professores é de natureza dinâmica, contextual e tácita. Não se restringe unicamente a saber fazer coisas, é o conhecimento de alguma coisa e tem substância. Mesmo o conhecimento do professor sobre o conteúdo que ensina, tanto como o de outras áreas, se bem que informado pela teoria, é um conhecimento
prático, formado para e por situações práticas.”302
.
3.10. Prática reflexiva
O hábito e a necessidade de se autoavaliar e de avaliar as suas práticas numa
atitude vivencial de introspeção, constitui uma competência fundamental
estruturante da pessoa do professor (educador em sentido lato). A este atributo
do perfil do professor chamámos “Prática reflexiva”.
Hellison referencia esta necessidade como algo que o acompanha desde
sempre na sua atividade com adolescentes. Nela justifica o tipo de relação que
foi estabelecendo com os seus alunos, o entendimento que foi tendo do que
havia a fazer e do que “valia a pena fazer” para verdadeiramente ajudar os
jovens303. Este tipo de atitude dá seriedade à tarefa educativa, uma vez que
esta passa a contar, para além do contributo dos saberes adquiridos ao longo
da formação, com o saber construído do próprio educador. Também Wright e
Martinek nos dão referências a esta experiência introspetiva de
autoconhecimento e de análise do próprio trabalho com jovens. Nos seus
301
Cf. p. 179 302
Cit. por Guimarães (p. 4) 303
Cf. p. 181
Discussão
267
discursos podemos encontrar menções a estratégias práticas várias para
promover esta atitude no dia-a-dia304.
Encontramos alusão a este traço noutros documentos produzidos pelos
entrevistados. Num artigo escrito em 1992 por Hellison e Cuttforth, podemos
ler: “O ensino reflexivo representa a potenciação (empowering) dos professores
para tomarem as suas próprias decisões.” Mais adiante continuam, citando
Martinek (1984),
“… o verdadeiro professor não é necessariamente aquele que foi programado para pesquizar baseado em prescrições para resolver problemas de ensino diversos. O professor efetivo pode ser definido como o que é capaz de conceber seu ensino com propósitos definidos, de analisar um problema específico de ensino, de escolher uma abordagem que pareça adequada para o problema, que tente essa abordagem, que avalie os resultados em relação à finalidade original, e, finalmente, que seja capaz de reconsiderar quer a sua abordagem do ensino, quer o seu propósito original”.
Todas as expressões que, segundo estes autores, caraterizam a forma de
atuar do “verdadeiro professor”, como, por exemplo: conceber propósitos,
analisar, escolher, tentar, avaliar e reconsiderar, dizem respeito à capacidade
de reflexão sobre a prática.
Martinek e Hellison (2009, p. 47), escrevendo sobre os seus monitores em
formação, afirmam que a capacidade de refletir sobre si mesmo é um caminho
para que estes mergulhem mais fundo nas suas experiências de liderança e,
assim, desenvolvam níveis mais elevados de pensamento.
Todas as caraterísticas do perfil do professor sobre as quais fomos discorrendo
são suportadas pelos documentos escritos por Hellison ao longo da sua
carreira como professor/treinador e como formador de professores e de
mentores. Perguntava ele no seu livro “Teaching Responsibility Trough
Physical Activity” (1995, p. 100), “Que tipo de professor pode ensinar
responsabilidade pessoal e social e que tipo de relação deve estabelecer com
os seus estudantes?” e continuava dizendo, “a resposta é simples, o professor
tem que viver os Níveis de Responsabilidade Pessoal e Social, tem que os
“incorporar” […].”
304
Cf. p. 181
Discussão
268
Como síntese do que ficou registado em relação ao perfil do professor diremos
o seguinte: não nos restam dúvidas de que as caraterísticas mais marcantes do
educador no modelo de Hellison dizem respeito, segundo as declarações dos
nossos entrevistados, à visão que este tem do adolescente pois esta vai
condicionar toda a relação educativa. Desta visão da criança, destacaram-se
no estudo presente algumas caraterísticas que passaremos a citar:
As expectativas positivas do professor em relação ao aluno, que fazem com
que o aluno acredite também nele mesmo, assumindo as aprendizagens que
vai fazendo e o poder que lhe vai sendo passado facilitando o empoderamento
(empowerment); a esperança e o otimismo, que, contrariando a impotência
aprendida, são estimulantes do potencial do aluno; a perceção que o professor
tem das motivações dos jovens e o aproveitamento que faz dessa perceção, é
outra caraterística referida nos dados recolhidos; tirar partido da atividade física
para tornar o ambiente divertido, para transmitir ao aluno perceção de
competência e para melhorar o seu relacionamento com os pares é apostar na
motivação e na autodeterminação dos jovens; o conhecimento do contexto
social de proveniência dos praticantes, da forma como estes se relacionam
com os adultos e com as instituições educativas, nomeadamente com a escola,
são mais-valias enriquecedoras da visão que o adulto tem dos seus
educandos.
No perfil do professor que trabalha com o Modelo de Responsabilidade
destacou-se ainda, nas respostas recolhidas nas entrevistas, a importância dos
valores, atitudes e convicções do mesmo. Os especialistas entrevistados
recomendam que o professor se mantenha íntegro e honesto em relação aos
seus valores e que avalie até que ponto o Modelo de Hellison lhe está ajustado.
O gosto por trabalhar com adolescentes e as competências de relação com os
mesmos, são os traços de perfil também sublinhados.
Sem dúvida que a capacidade do educador manter compromisso de tempo e
de interesse por cada um dos seus alunos é das referências a que os
entrevistados dão mais importância quer no seu trabalho, quer nas
caraterísticas daqueles que pretendem vir trabalhar o Modelo de
Responsabilidade de Hellison. Este aspeto do perfil do professor é,
Discussão
269
inclusivamente, usado por Escartí como critério de recrutamento de novos
intervenientes.
Finalmente, é referida, também com bastante frequência, a capacidade do
educador adaptar o ensino à criança com que trabalha. Esta capacidade
decorre de uma outra, o conhecimento das necessidades da criança, que, no
entender dos entrevistados, exige conhecimentos teóricos e práticos
específicos e, para além disso, impõe o desenvolvimento de relações
empáticas.
Este exigente perfil pressupõe uma formação profissional inicial e contínua em
que o educador adquira saberes sólidos em relação à educação de valores, ao
desenvolvimento juvenil e ao modelo de intervenção que utiliza. Não se trata de
formação académica restrita, apenas, mas também de formação
supervisionada em exercício.
Como corolário das caraterísticas do perfil do professor do Modelo de
Responsabilidade, é-nos sugerido o hábito da prática reflexiva. Os
entrevistados falam dela como prática pessoal de introspeção e de auto
avaliação que permite adequar e conceber, de maneira pessoal, toda a
atividade pedagógica.
A importância de “quem é o professor” é sem dúvida nenhuma uma das
asserções mais ricas que retiramos deste estudo. Quem é o professor e que
capacidade tem ele para levar os níveis de responsabilidade à prática, são, no
entender de Hellison, condicionalismos importantes à aplicação do Modelo de
Responsabilidade. Vimos esta convicção clara no discurso dos entrevistados
com referências muito incisivas no caso de Petitpas e de Parker.
Discussão
270
V Conclusões
Conclusões
272
Conclusões
273
Na introdução desta tese, propusemo-nos compreender como é que o modelo
de intervenção pedagógica Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e
Social de Hellison (MR) promove o Desenvolvimento Positivo dos Jovens
(DPJ)?
Procurámos, por isso, nas palavras dos especialistas entrevistados, as suas
convicções sobre que fatores presentes no programa Modelo de
Responsabilidade eram significativos para fomentarem o Desenvolvimento
Positivo nos Jovens. Para além destes, buscámos as caraterísticas dos
professores ou mentores (que perfil) que ressaltavam, do discurso dos
entrevistados, como determinantes da qualidade dos resultados educativos
obtidos.
Das entrevistas aos especialistas sobre os temas em apreço, da triangulação
das fontes a que tivemos acesso, dos documentos que foram produzindo ao
longo das suas carreiras e da literatura atual referente aos grandes temas do
presente estudo, tirámos algumas conclusões.
A primeira asserção que pudemos fazer, baseada no presente estudo, foi a
confirmação de que o Modelo de Desenvolvimento da Responsabilidade
Pessoal e Social de Hellison promove o Desenvolvimento Positivo dos Jovens,
utilizando a atividade física e desportiva como meio privilegiado. O modelo de
Hellison apresenta uma visão positiva do adolescente acreditando nas suas
forças e potencialidades para o seu próprio desenvolvimento. Verificámos uma
grande coincidência, ao nível dos objetivos e das estratégias utilizadas, na
implementação do modelo de Hellison e aquelas que os nossos entrevistados e
outros autores consideram caraterísticas dos programas de Desenvolvimento
Positivo da Juventude. O empowerment, a conquista da autonomia e a
sensibilidade para os outros são exemplos desses objetivos. Das estratégias
comuns salientaram-se as de transferência das aprendizagens para a vida do
dia-a-dia dos alunos, a participação do aluno no seu próprio desenvolvimento
tendo direito à opinião, à voz ativa, a responsabilidade e ao erro.
Conclusões
274
Outra caraterística que faz do Modelo de Responsabilidade um modelo de
Desenvolvimento Positivo é destinar-se a toda a população,
independentemente do sexo, do escalão etário, do meio sociocultural de
proveniência, de ser uma população de risco ou com necessidades educativas
especiais.
Através da investigação que levámos a cabo, pudemos chegar à asserção de
que os fatores que explicam o sucesso do Modelo de Responsabilidade no
Desenvolvimento Positivo da Juventude são os seguintes: o tempo de duração
do programa, a qualidade da relação que o adulto estabelece com o
adolescente, o ambiente em que se desenrola a aprendizagem, a avaliação
constante do processo e do produto da mesma aprendizagem, a objetividade e
o realismo do adulto responsável e o rácio professor/aluno.
Os entrevistados, que aplicaram na sua prática pedagógica o Modelo de
Responsabilidade, manifestaram uma grande coerência na utilização da
estrutura da sessão, de acordo com a original, e na busca dos objetivos,
através da evolução dos alunos nos Níveis de Responsabilidade. Todos foram
unânimes em deixar claro que: o professor é mais importante para o êxito do
modelo de Hellison do que o respeito pela aplicação inflexível do modelo. Este
facto, que tem destaque muito especial quer na literatura revista quer nas
declarações dos entrevistados, confirma-se no capítulo respeitante ao perfil do
professor.
As conclusões a que chegámos reafirmam a importância que atribuímos ao
perfil do professor dando-lhe categoria de tema-eixo. De facto, concluímos que
é do maior interesse, para o sucesso do Modelo de Responsabilidade no
desenvolvimento dos alunos, a visão que o professor tenha do adolescente, os
seus valores atitudes e convicções, o compromisso a longo prazo com os
alunos, o estabelecimento de relações personalizadas com os adolescentes, a
capacidade de adaptar o ensino ao praticante, a sua prática reflexiva, as suas
competências globais de relação, o gosto em trabalhar com a juventude e o
conhecimento das necessidades desta. Por último, mas referido como muito
Conclusões
275
importante pelos entrevistados, destacamos a qualidade da formação do
professor, particularmente no que diz respeito à prática pedagógica
supervisionada.
Em conclusão, poderemos dizer que todos os entrevistados estão de acordo
em que, sendo o Modelo de Responsabilidade um programa que promove o
Desenvolvimento Positivo da Juventude, este se constrói sobre as
potencialidades dos jovens, sobre o estabelecimento de relações significativas
e duradoiras e sobre um conjunto de valores claros e coincidentes entre todos
os intervenientes.
Pelo valor emergente do Modelo de Responsabilidade na educação da
juventude, que para nós ficou patente no trabalho que desenvolvemos, parece-
nos importante que no plano da investigação se implementem estudos a
respeito do referido modelo e da sua aplicabilidade à população portuguesa.
Mais nos parece justificada a extensão da presente investigação e o seu
aprofundamento em várias áreas de conhecimento. Por exemplo: o estudo do
perfil do professor de Educação Física e do Treinador no contexto do Modelo
de Responsabilidade afigura-se-nos como uma linha de investigação
necessária, possível e interessante.
Em termos mais operacionais, sugerimos também que se implementem
oportunidades de intervenção no campo de estudo do Desenvolvimento
Positivo da Juventude e do Modelo de Responsabilidade de Hellison,
mobilizando para tal as comunidades envolventes, os clubes e as escolas de
ensino básico e secundário, buscando atuar ao nível da Educação Física
curricular e das atividades extracurriculares. Esta ligação entre a Universidade,
através da sua comunidade científica, e o seu envolvimento parece-nos uma
mais-valia importante do ponto de vista da educação e do progresso para
ambas as partes.
…porque essa gente miúda que anda por aí não obedece… imita!
Alberto Brito SJ
Conclusões
276
VII Bibliografia
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