Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2....

304
Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos jovens através do Desporto: Uma análise centrada na perspetiva dos especialistas Dissertação apresentada com vista à obtenção do grau de Doutor em Ciências do Desporto nos termos do Decreto Lei 74/2006 de 24 de Março Orientador: António Manuel Leal Ferreira Mendonça da Fonseca Coorientador: Thomas J. Martinek Maria Leonor Ventura Regueiras Porto, 2012

Transcript of Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2....

Page 1: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social

dos jovens através do Desporto:

Uma análise centrada na perspetiva dos especialistas

Dissertação apresentada com vista à obtenção

do grau de Doutor em Ciências do Desporto nos

termos do Decreto Lei 74/2006 de 24 de Março

Orientador: António Manuel Leal Ferreira Mendonça da Fonseca

Coorientador: Thomas J. Martinek

Maria Leonor Ventura Regueiras

Porto, 2012

Page 2: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

II

Regueiras, M. L. V. (2012). Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos

jovens através do Desporto: Uma análise centrada na perspetiva dos especialistas

Porto: M. L. V. Regueiras. Dissertação de Doutoramento em Ciências do Desporto apresentada

à Faculdade de Desporto da Universidade do Porto

Palavras-chave: Desenvolvimento Positivo da Juventude, Desporto, Desenvolvimento da

Responsabilidade Pessoal e Social, TPSR , Perfil de professor de Educação Física.

Page 3: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

III

Aos meus pais

Maria Antónia e João

Page 4: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

IV

Page 5: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

V

Agradecimentos

Ao concluir este trabalho, quero manifestar de forma muito particular um

reconhecido agradecimento ao Professor Doutor António Manuel Fonseca, que,

mais uma vez, aceitou ser meu orientador. Como verdadeiro mestre, ajudou-

me com disponibilidade, generosidade, amizade e sabedoria, fazendo sempre

as perguntas certas: aquelas que nos levam a querer encontrar as respostas.

Também ao Professor Doutor Thomas Martinek, agradeço a ajuda, a

motivação, o apoio e a amizade que fui recebendo, mesmo que de lá de longe.

Quero agradecer muito carinhosamente aos meus pais, a quem dedico esta

tese. O grande amor que sempre deram aos filhos fez com que crescêssemos

convencidos de que tudo nos seria possível e de que nada nos estava vedado,

a não ser por falta querer.

Agradeço aos meus irmãos, ao João, à Alda e ao Pedro, que durante toda a

minha vida me deram exemplo de trabalho, de tenacidade, de sensibilidade, de

humor diante da vida e, sobretudo, me deram amizade incondicional.

A tantos amigos que me foram motivando e mostrado que acreditavam que eu

era capaz, mesmo quando eu própria tinha muitas dúvidas. Pelo seu

entusiasmo, pelo seu interesse e curiosidade, pela sua disponibilidade e

colaboração, pela sua amizade e pelo seu carinho.

Aos meus colegas de trabalho, que engrossam o número dos amigos e que

tantas vezes, pacientemente, me ouviram falar de escolas, de estratégias, de

políticas, métodos e modelos em que acreditava. Que me substituíram e

apoiaram quando deles precisei. Sempre amigos.

Page 6: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

VI

Ao meu colégio e às pessoas que representa para mim, aos educadores que lá

conheci e que me motivaram a encarar a educação como a tarefa primeira de

todo homem e mulher.

Aos meus alunos, em quem o saber se torna sabedoria porque estão a crescer.

Também eles amigos para sempre.

Deixo aqui também um reconhecido agradecimento ao Nuno Corte-Real, à

Cláudia Dias e ao Rui Corredeira, aos professores e colegas da minha

faculdade FADEUP. Encontrei neles, sobretudo, amigos fieis.

Finalmente, agradeço ao Mário João e ao João Maria, pelas noites passadas

com a mãe “agarrada” ao computador, aceitando com naturalidade os meus

silenciosos mergulhos em papéis. Por muitos fins-de-semana por casa…

“porque a mãe tem que trabalhar”. Como toda a família, acreditaram e

ajudaram em tudo o que puderam, tapando as minhas “ausências” como se

todos estivéssemos a fazer um doutoramento.

A todos os que não nomeei mas que levo no coração.

Obrigada

Page 7: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

VII

ÍNDICE GERAL

ÍNDICE DE FIGURAS XI

ÍNDICE DE QUADROS XII

Resumo XIII

Abstract XV

I Introdução 1

II Revisão da Literatura 11

1. Desenvolvimento Positivo da Juventude 13

1.1. Origens de um conceito 13

1.2.Definições de Desenvolvimento Positivo da Juventude 21

1.3. Conceitos e vocabulário 23

1.4. Caraterísticas dos programas de Desenvolvimento

Positivo da Juventude 29

2. Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social

(Hellison) 39

2.1. Convicções 43

2.2. Níveis de responsabilidade 46

2.3. Estratégias 58

Estrutura da aula 58

Estratégias de ensino 64

2.4. Atmosfera do programa 66

2.5. Perfil do professor 68

2.6. Estado atual do Modelo de Responsabilidade 71

III Metodologia 77

1. Enquadramento metodológico 79

2. Material e métodos 82

3. Participantes 85

4. Procedimentos de análise 88

5. Confiabilidade 98

IV Apresentação dos Resultados 101

1. Desenvolvimento Positivo da Juventude 104

Page 8: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

VIII

2. Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social 119

2.1. Origem 120

2.2. Objetivos 123

2.3. Enquadramento institucional 124

2.4. População alvo 126

2.5. Estrutura das sessões 128

2.6. Meios e atividades 130

2.7. Estratégias pedagógicas 132

2.8. Fatores de sucesso 147

2.9. Relação professor / modelo 152

2.10. Disseminação do modelo 154

2.11. Avaliação da implementação 155

3. Perfil do Professor 157

3.1. Valores, atitudes e convicções 158

3.2. Gosto de trabalhar com adolescentes 161

3.3. Competências de relação do adulto 162

3.4. Relação personalizada com o adolescente 163

3.5. Compromisso na relação com o adolescente 164

3.6. Capacidade de adaptar o ensino ao adolescente 166

3.7. Conhecimento das necessidades do adolescente 168

3.8. Visão do adolescente 169

3.9. Formação profissional 177

3.10. Prática reflexiva 180

V Discussão 183

1. Desenvolvimento Positivo da Juventude 187

1.1. Origem do conceito 187

1.2. Definição do conceito 188

1.3. Objetivos 190

1.4. População alvo 192

1.5. Enquadramento institucional 193

1.6. Meios e atividades 194

1.7. Estratégias pedagógicas 196

Page 9: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

IX

1.8. Fatores de sucesso 198

1.9. Enquadramento teórico 200

2. Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social 205

2.1. Origem 205

2.2. Objetivos 207

2.3. Enquadramento institucional 207

2.4. População alvo 209

2.5. Estrutura das sessões 210

2.6. Meios e atividades 214

2.7. Estratégias pedagógicas 217

Estratégias específicas por Nível 217

Centrar no adolescente 226

Empowerment 227

Tomada de consciência 228

Ambiente seguro 229

Decisões e escolhas 231

Avaliação sistemática 231

Integração 233

Experiências de êxito 234

2.8. Fatores de sucesso 235

Tempo 235

Qualidade da relação com o adolescente 236

Rácio 238

Ambiente 239

Avaliação 239

Objetividade e realismo do adulto 240

Estrutura do modelo 241

Idade 241

2.9. Relação professor / modelo 243

2.10. Disseminação do modelo 244

2.11 Avaliação da implementação do modelo 244

3. Perfil do Professor 249

Page 10: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

X

3.1. Valores, atitudes e convicções 249

3.2. Gosto de trabalhar com adolescentes 251

3.3. Competências de relação do adulto 252

3.4. Relação personalizada com o adolescente 253

3.5 Compromisso na relação com o adolescente 255

3.6. Capacidade de adaptar o ensino ao adolescente 257

3.7. Conhecimento das necessidades do adolescente 257

3.8. Visão do adolescente 259

Expectativas do professor 259

Motivação dos alunos 261

Contexto social de proveniência do adolescente 262

Relação do adolescente com o adulto 263

Relação do adolescente com a Escola 264

3.9. Formação profissional 265

3.10. Prática reflexiva 266

VI Conclusões 271

VII Bibliografia 277

Page 11: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

XI

ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1 – Como é que o Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social promove o Desenvolvimento Positivo da Juventude?

8

Figura 2 – Bases históricas do Desenvolvimento Positivo da Juventude 20

Figura 3 – Relação de cada Nível em função do tipo de responsabilidade que desenvolve

46

Figura 4 – Imagem de uma versão inicial dos Níveis de Responsabilidade publicada por Hellison

48

Figura 5 – Níveis de Responsabilidade Pessoal e Social 50

Figura 6 – Relação entre os três Temas-eixo 91

Page 12: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

XII

ÍNDICE DE QUADROS

Quadro 1 – Vocabulário do Desenvolvimento Positivo da Juventude 28

Quadro 2 – Versões diferentes das componentes dos Níveis inicialmente propostas por Hellison

49

Quadro 3 – Componentes dos Níveis de Responsabilidade Pessoal e Social

52

Quadro 4 – Categorias definidas a priori e a posteriori 93

Quadro 5 – Distribuição da codificação pelas categorias do tema Desenvolvimento Positivo da Juventude

104

Quadro 6 – Distribuição da codificação pelas categorias e subcategorias do tema Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social

120

Quadro 7 – Frequência das referências para o tema do Perfil do Professor

157

Page 13: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

XIII

Resumo

Ao longo dos últimos anos têm vindo a ser propostos diversos programas para o

desenvolvimento positivo de crianças e jovens, de entre os quais se destaca o

Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social, criado e desenvolvido por

Donald Hellison. Todavia, e apesar do reconhecimento de que tem sido alvo em

diversos países, a informação sobre as principais razões pelas quais tal tem

acontecido continua a ser manifestamente escassa. Nessa medida, o propósito desta

tese foi o de aprofundar o conhecimento sobre o como e o porquê do êxito deste

modelo, com base no entendimento dos seus protagonistas, procurando assim

proceder à identificação dos seus principais pontos fortes, potencialmente

transponíveis e úteis para outras situações e realidades.

Para o efeito, após ter sido revista toda a informação disponível na literatura da

especialidade sobre este tema, foi desenvolvido um guião de entrevista semidiretiva e

estruturada, posteriormente aplicada a sete especialistas internacionais no domínio do

desenvolvimento juvenil através do desporto em geral e com um conhecimento

profundo deste modelo em particular. Igualmente com base na revisão da literatura foi

elaborada uma conceptualização inicial, posteriormente complementada pelos

resultados de uma análise inicial da informação recolhida nas entrevistas, que deu

origem à definição de um sistema de temas, categorias e subcategorias, tendo em

conta as suas propriedades e dimensões, com base no qual foram organizados,

analisados e interpretados os diversos contributos dos vários entrevistados. Através do

processo referido, foram identificados como principais temas-eixo o Desenvolvimento

Positivo da Juventude, o Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social e o

Perfil do Professor, tendo a análise dos dados sido efetuada através do recurso ao

NVIVO7 da QSR International Pty Ltd.

Em termos globais, da análise dos resultados emergiu que, para os entrevistados, as

caraterísticas do modelo de Hellison que mais impacto exercem no desenvolvimento

positivo das crianças e jovens aos quais é aplicado são: o tempo de duração do

programa; a qualidade da relação que o adulto estabelece com o adolescente; o

ambiente da aprendizagem; a avaliação constante de processo e produto; a

objetividade e o realismo do adulto responsável; e o rácio

professor/aluno. Adicionalmente, foi também possível verificar que, para os

entrevistados, as caraterísticas dos professores que mais determinam a qualidade dos

resultados obtidos são: a visão que o professor tem da criança, do adolescente ou do

jovem; os seus valores, atitudes e convicções; o seu compromisso a longo prazo com

os alunos; o estabelecimento de relações personalizadas com estes; a capacidade de

adaptar o ensino ao praticante; aprática reflexiva; as competências globais de relação;

o gosto por trabalhar com crianças e jovens; e o conhecimento das suas

necessidades.

PALAVRAS-CHAVE: DESENVOLVIMENTO POSITIVO DA JUVENTUDE, DESPORTO, TPSR, PERFIL DE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA

Page 14: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

XIV

Page 15: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

XV

Abstract

Over the last few years various programs have been offered for the positive

development of children and youths, among which stands out the Development of

Personal and Social Responsibility, created and developed by Donald Hellison.

However, despite the recognition it has attained in several countries, information

regarding the main reasons why this has been the case remains manifestly scarce. The

purpose of this thesis was to increase the knowledge of the manner and reasons

behind the success of this model, based on an understanding of its protagonists,

seeking to identify its core strengths in the belief that they are potentially transferable to

and useful for other situations and realities.

To this end, after having been reviewed all the available information in the literature on

this topic, a guide to a standardized open-ended interview was developed.

Subsequently, seven international experts in the area of youth development through

sports with in-depth knowledge of this particular model were interviewed. Moreover,

based on the literature review, an initial conceptualization was created and

subsequently complemented by the results of an initial analysis of the information

gathered in the interviews. This resulted in the definition of a system of themes,

categories and subcategories, which took into account its properties and dimensions,

and on which the various contributions of the various intervieweest were then

organized, analyzed and interpreted. Through the above process, Positive Youth

Development, the Development of Personal and Social Responsibility, and the Profile

of the Teacher were identified as major axis-themes and data analysis was performed

using the NVIVO7 of QSR International Pty Ltd.

Generally, it emerged from the analysis that for the respondents the characteristics of

the Hellison’s model that have the largest impact on the positive development of

children and youths to whom it is applied are as follows: the duration of the program;

the quality of the relationship that the adult establishes with the teenager; the learning

environment; the continuous assessment of process and product; the objectivity and

realism of the adult responsible; and the teacher / student ratio. Additionally, it was also

possible to verify that, for the respondents, the characteristics of the teachers which

most determine the quality of the results obtained are: the vision that the teacher has of

the child, adolescent or youth; his or her values, attitudes and beliefs; his or her long-

term commitment to students; the establishment of personal relationships with the

students; the ability to adapt teaching to the practitioner; his or her reflexive practice;

his or her overall relationship mangement skills; his or her fondness for working with

children and youths; and the knowledge of their needs.

KEYWORDS: POSITIVE YOUTH DEVELOPMENT, SPORTS TPSR, PROFILE OF PHYSICAL EDUCATION TEACHER

Page 16: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade
Page 17: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

XVII

Lista de abreviaturas e de símbolos

A. E. Amparo Escartí

AF Atividade Física

A. P. Albert Petitpas

Cinco Cs Competência, Confiança, Conexões, Caráter, Cuidado

D. H. Donald Hellison

DP Desenvolvimento Positivo

DPJ Desenvolvimento Positivo da Juventude

DRPS Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social

EF Educação Física

EUA Estados Unidos da América

FADEUP Faculdade de Desporto da Universidade do Porto

M. P. Melissa Parker

MR Modelo de Responsabilidade

NBA National Basketball Association

NCY National Collaboration for Youth Members

NRPS Níveis de Responsabilidade

PE Physical Education

P. W. Paul Wright

PYD Positive Youth Development

R. B. Robert Brustad

T. M Thomas Martinek

TPSR Taking Personal and Social Responsibility

US United States

Y-CAP Action Project

YMCA Young Men’s Christian Association

A utilização do género masculino como generalizador em uso da linguagem

escrita desta tese responde unicamente a critérios simplicidade e fluidez da sua

redação e leitura.

Page 18: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade
Page 19: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

I Introdução

Page 20: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Introdução

2

Page 21: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Introdução

3

Em todo o tempo e lugar houve quem educasse e quem aprendesse. Desde

que o Homem é Homem que a preocupação de uma geração pelo sucesso da

geração seguinte é uma constante. Com melhores ou piores resultados, cada

comunidade humana passou às suas crianças e jovens valores, crenças,

saberes, motivações e atitudes em relação à vida, ao mundo e aos outros.

Inicialmente, este labor da educação surge naturalmente nos grupos humanos,

com os mais novos imitarem os mais velhos e estes, por sua vez, a motivarem

e a estimularem os primeiros a crescerem nas suas competências para

chegarem a ser adultos capazes.

Esta situação de imitação/estimulação acompanhou sempre o desenvolvimento

das civilizações humanas e é, ainda hoje (mesmo que inconscientemente), a

forma de educar mais comum, mais natural e eficaz. É por este meio que todos

aprendemos as coisas mais básicas e vitais da nossa existência, como por

exemplo: a comunicação, nas suas mais variadas expressões; a locomoção e

as atividades do dia-a-dia que exigem destreza motora; as relações familiares e

sociais; os costumes e as crenças da nossa comunidade; as normas básicas

de comportamento social, os riscos e os limites tolerados. Poderíamos

continuar enumerando muitos mais exemplos, mas a experiência de vida de

cada um preencherá facilmente as faltas.

Todos os membros de qualquer grupo humano (seja aldeia, tribo, família,

país…) têm, por inerência natural, estatuto de educadores, quer tenham disso

consciência ou não. Isto é, independentemente do papel que cada um queira

desempenhar em determinada comunidade, o seu estatuto de “mais velho”,

mais sapiente, de pai, de avô, ou simplesmente de colega mais velho, torna-o

alvo do olhar curioso e imitador do mais novo ou menos experiente.

Outro fenómeno transversal à história das civilizações é o de, a dado momento,

aparecerem figuras que adquirem mais responsabilidade nessa tarefa de

preparar a nova geração. Para além dos “educadores naturais” – mãe, pai,

avós, restante família e comunidade –, vemos o papel da educação dos juvenis

ser atribuído a pessoas que, adquirindo nessa sociedade um estatuto

Page 22: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Introdução

4

específico, ficam, de certa maneira, credenciados para a tarefa. São os

feiticeiros, os mestres, os preceptores… os professores, os treinadores.

Teremos, portanto, um processo educativo informal (resultante da ação dos

pais e outros adultos) e um processo educativo formal, efetuado por pessoas

socialmente designadas para esse efeito (Savater, 2006).

A atribuição desta tarefa a determinados membros da comunidade, que esta

considera especialmente preparados para ela, não libertou, no entanto, os

outros da responsabilidade comunitária de educar os seus jovens,

particularmente em relação às aprendizagens vitais mais básicas

(anteriormente referidas), como sempre sucedeu.

Acontece, porém, que se assistiu, e assiste frequentemente, ao declinar dessa

responsabilidade por parte dos progenitores, dos familiares e de outros

membros basilares para o desenvolvimento das crianças e jovens, confiando

estes totalmente a educação da geração seguinte àquelas pessoas e

instituições que, por estatuto atribuído, têm a missão de educar – referimo-nos

aos professores e à Escola.

Por outro lado, adquirem peso fundamental na educação dos jovens de hoje

elementos novos, que exercem sobre estes uma grande atração – sendo, por

isso mesmo, o alvo de estudos no âmbito das ciências sociais - e que fogem do

controlo, pelo menos, daqueles que se consideram responsáveis pelo

desenvolvimento dos jovens em direção a um futuro de sucesso espectável.

Referimo-nos às novas tecnologias de informação e de comunicação, aos

meios multimédia, à informática, que oferecem aos jovens novos heróis, tanto

na televisão como no cinema ou nos jogos virtuais. Novos valores e

contravalores são veiculados por estes novos “educadores” (Urra, 2007).

Normalmente, estes meios estão fora do controlo dos “tradicionais

responsáveis” pela tarefa de educar e dos responsáveis pelas decisões

políticas relativas à educação limitando estes a sua ação à definição de

políticas escolares.

Assim, deixando de fora todo o novo mundo habitado pelas crianças e jovens,

potencialmente importante para o seu desenvolvimento, entregam o seu

controlo displicentemente à política criminal, à burocracia, a famílias muitas

Page 23: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Introdução

5

vezes disfuncionais e às comunidades, onde as artes da criminalidade são

mais atraentes e acessíveis que a própria Escola e as outras forças educativas.

Sendo a juventude um bem maior, indiscutivelmente parco, a sua educação e o

seu desenvolvimento feliz, em direção a uma adultez responsável e ao

sucesso, deveriam ser prioridades duma sociedade moderna. A estruturação

na sociedade civil de programas de atividades, dentro ou fora da Escola, que

permitam aos nossos jovens experiências enriquecedoras, que lhes ampliem

as suas próprias perspetivas da vida, facilitem a sua socialização e

desenvolvam as suas competências, tornou-se urgente. Esta preocupação

ocupa desde há algumas décadas psicólogos, pedagogos, políticos, pais e

muitos outros que se envolvem nas questões relativas à educação.

A partir do fim da Segunda Guerra Mundial, as preocupações dos psicólogos

incidiram sobretudo sobre o “tratamento” da doença mental. A, então chamada,

abordagem de “redução do défice” ocupou os estudos quer de teóricos quer de

práticos da Psicologia da Educação. Tendo tido por base a Psicologia vigente,

o estudo da adolescência estruturou-se quase exclusivamente numa perspetiva

do défice, em que se tinha como fundamental preocupação o evitar os

comportamentos de risco e a recuperação dos jovens problemáticos que não

tinham escapado ao consumo de drogas ou de álcool, ao envolvimento em

sexo desprotegido e à participação em comportamentos considerados

delinquências (Lerner, 2005).

Foi na oposição a esta visão do desenvolvimento dos jovens, em que a maior

preocupação era “tratar/resolver” os problemas apresentados pela juventude,

que observámos o aparecimento de um movimento dentro da Psicologia que se

denominou por Psicologia Positiva (Holt & Neely, 2011; Seligman &

Csikszentmihalyi, 2000). Esta conceção aparece em oposição à “conceção

curativa” e à “conceção preventiva” do desenvolvimento dos jovens. Ambas

concebem a adolescência e a juventude como etapas do desenvolvimento

problemáticas, cujos efeitos nefastos é preciso tratar (na “conceção curativa”)

ou prever para evitar (na “conceção preventiva”) (Catalano, Hawkins, Berglung,

Pollard, & Arthur, 2002).

Page 24: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Introdução

6

Paralelamente ao aparecimento da Psicologia Positiva, assiste-se à

implementação de vários modelos de intervenção pedagógica, utilizados em

diversos contextos, baseados na assunção de que todos os jovens tinham

potencialidades para se desenvolverem de forma positiva e, portanto, para

transitarem de forma bem-sucedida para a idade adulta. A esta nova visão do

desenvolvimento dos jovens chamou-se Desenvolvimento Positivo da

Juventude (DPJ)1 (Benson, 1990). Nesta perspetiva, o adolescente é visto

como pessoa com potencial para se desenvolver saudavelmente e com mais

recursos do que comportamentos disruptivos (Roth & Brooks-Gunn, 2003a).

Alguns dos programas de intervenção, que junto destes escalões etários foram

surgindo a partir dos anos 70, foram identificados com Desenvolvimento

Positivo da Juventude pois, embora alguns deles anteriores à própria

Psicologia Positiva, reuniam caraterísticas típicas desta nova visão positiva do

jovem.

Foi o caso do modelo de intervenção denominado de Desenvolvimento da

Responsabilidade Pessoal e Social (DRPS)2, cujo criador era um jovem

professor de Educação Física chamado Don Hellison. No seu programa com

rapazes delinquentes, em Chicago, em 1973, Hellison parte da convicção de

que os comportamentos de responsabilidade se poderiam ensinar através de

diferentes estratégias, a partir de diferentes envolvimentos ou meios, e que,

estes comportamentos e atitudes, ajudariam os adolescentes a adaptar-se com

sucesso às mudanças da vida e a desenvolver-se como adultos sãos e

competentes. Utilizando como meio privilegiado a atividade desportiva, dedica

vários anos a organizar um conjunto coerente de ideias e a escolher (através

da avaliação constante) as estratégias que melhor se adequavam ao fim que

perseguia (Hellison, 1978, 1985, 1990b, 1991, 1995, 2003; Hellison & Walsh,

2002; Martinek & Hellison, 2009). A estrutura base do Modelo de

Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social, ou Modelo de

Responsabilidade (MR), como também começou a ser conhecido, resultou

1 Manteremos ao longo deste trabalho as iniciais “DPJ” do Desenvolvimento Positivo da

Juventude embora a sua forma inglesa “PYD” (de Positive Youth Development) seja, sem dúvida, a abreviatura mais frequentemente utilizada na literatura sobre o tema. 2 Na língua original: Taking Personal and Social Responsibility (TPSR).

Page 25: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Introdução

7

desta tentativa de relação constante entre o que se passa dentro da sessão e a

transferência dos valores adquiridos para a vida do dia-a-dia dos alunos.

O Modelo de Responsabilidade tem como estratégia fundamental uma

estrutura de aula, organizada em vários momentos: Conversa individual,

conversa de consciencialização, atividade física (no original lesson), reunião de

grupo e tempo de reflexão. Este modelo é também caraterizado por utilizar um

conjunto de estratégias de ensino do qual fazem parte estratégias de

consciencialização, instrução direta, estratégias individuais, tomada de

decisões individuais, tomada de decisões em grupo (Hellison & Walsh, 2002).

O Modelo de Responsabilidade é atualmente aplicado em aulas de Educação

Física curricular ou em sessões para grupos específicos com necessidades

educativas variadas, em clubes desportivos, campos de férias, atividades de

prolongamento da escola etc. A sua não se circunscreve a determinado estrato

social ou minoria, estando até generalizada ao ensino em várias escolas de

ensino estatal ou privado. É já elevado o número de países onde o Modelo de

Responsabilidade tem sido aplicado, tais como: Estados Unidos da América,

Nova Zelândia (Gordon, 2010), Canadá (Saskatchewan, 1999), Espanha

(Escartí, Pascual, & Gutiérrez, 2005; Pardo, 2008), Brasil (Monteiro, K., &

Valentini, 2008), Itália (Pardo, 2008) e Portugal (Regueiras, 2006).

Tem sido evidente que o modelo de intervenção pedagógica Desenvolvimento

da Responsabilidade Pessoal e Social de Hellison promove, o

Desenvolvimento Positivo dos Jovens (Escartí, Buelga, Gutiérrez, & Pascual,

2009; Gutiérrez Sanmartím, Escartí, & Pascual, 2011; Hansen & Parker, 2009;

Holt, 2008; Martinek & Ruiz, 2005; Wright, Li, Ding, & Pickering, 2010). Neste

estudo pretendemos confirmar semelhante convicção e responder à pergunta:

Como é que se desenvolvem positivamente os jovens através do referido

modelo?

Para respondermos à questão posta empreendemos uma investigação onde se

buscou saber a opinião de sete investigadores que se têm notabilizado no

estudo do Desenvolvimento Positivo dos jovens através do modelo de

Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social de Hellison.

Page 26: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Introdução

8

Pretendeu-se perceber, como e porquê resulta o referido modelo, a partir da

reflexão sobre prática e da investigação dos peritos entrevistados (Figura 1).

Figura 1 – Como é que o Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social

promove o Desenvolvimento Positivo da Juventude?

Numa mesma linha outras questões foram sendo postas por nós no sentido de

melhor compreendermos as virtualidades do modelo de intervenção em estudo:

Que fatores presentes no programa DRPS seriam mais significativos, na

opinião dos investigadores, para fomentarem o Desenvolvimento Positivo nos

jovens? Que caraterísticas (que perfil) dos professores ou mentores

ressaltariam do discurso dos entrevistados como determinantes da qualidade

dos resultados educativos obtidos?

Estas questões surgiram do facto de, trabalhando e investigando este modelo

de intervenção pedagógica, nos interrogámos sobre a sua eficácia, o seu

funcionamento sobre as suas potencialidades. Buscámos entender o que era,

para estes líderes de terreno, relevante e que recomendações se poderiam

extrair do seu discurso.

Para o efeito começámos, pois, por clarificar alguns conceitos em torno dos

quais se desenvolveu o nosso trabalho através duma cuidada revisão de

literatura. A investigação assumiu a forma de um estudo de caso (o modelo

DRPS de Hellison) para o qual se fez uma busca circunstanciada de

informação através de uma entrevista. Da referida revisão de literatura e das

primeiras leituras feitas ao material recolhido surgiram três grandes eixos do

estudo: o Desenvolvimento Positivo da Juventude, o Desenvolvimento da

Page 27: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Introdução

9

Responsabilidade Pessoal e Social e o Perfil do Professor. Estes foram, pois,

os temas-eixo da nossa investigação.

Ao longo da presente tese registámos todos os detalhes dos processos

metodológicos de recolha e tratamento de informação, apresentámos uma

descrição extensa do material recolhido, agrupado pelas categorias e

subcategorias dos três temas-eixo do trabalho, e discutimos os resultados

encontrados.

As conclusões a que chegámos na nossa investigação, permitiram-nos avançar

com os resultados que nos parecerem mais pertinentes em relação às

perguntas que motivaram a presente investigação. Apresentámos pois,

asserções, que viemos a construir a partir da nossa perspetiva, sobre os

resultados que emergiram da investigação.

Page 28: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Introdução

10

Page 29: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

II Revisão da Literatura

Page 30: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

12

Page 31: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

13

1. Desenvolvimento Positivo da Juventude

1.1. Origens de um conceito.

Durante os últimos anos do séc. XX e os primeiros anos do séc. XXI,

desenvolveu-se uma nova visão e um novo vocabulário referentes ao

desenvolvimento juvenil3. A partir da colaboração de estudiosos, de

formuladores de políticas e de pessoas da prática que trabalhavam com jovens,

a maneira de ver a juventude mudou. Passou a ser vista, segundo estes, mais

como um recurso a ser desenvolvido do que uma etapa da vida tempestuosa,

stressante e perturbada (King, et al., 2005; Lerner, Taylor, & Eye, 2002). O

novo vocabulário põe ênfase nas potencialidades presentes em todos os

jovens, envolvendo conceitos tais como “recursos desenvolvimentais” (Scales,

Benson, Leffert, & Blyth, 2000), “desenvolvimento positivo da juventude”

(Benson, 1990), “desenvolvimento moral e propósito nobre” (Damon, Menon, &

Bronk, 2003), “participação cívica” (Flanagan & Faison, 2001)4 “bem-estar”

(Bornstein, 2003) e “prosperidade” (Scales, et al., 2000; Theokas, et al., 2005).

Todos estes conceitos têm implícita a ideia de que todos os jovens têm

capacidade para se desenvolverem positivamente.

Esta visão opõe-se à tradicional, em que a tónica da investigação era posta nos

problemas do desenvolvimento, como sejam os comportamentos de risco, os

problemas familiares, os efeitos da pobreza, as mudanças sociais rápidas, o

uso de substâncias aditivas, o abandono escolar, a gravidez na adolescência

entre outros. O desenvolvimento “normal” parecia não atrair os estudiosos

quando comparado com o desenvolvimento problemático ou de alguma forma

desajustado (Benson, et al., 2006).

Esta perspetiva era comum à Psicologia, cujo foco de atuação foi,

historicamente, mais remediativo que preventivo, centrado nas disfunções,

3 «”Desenvolvimento da juventude ", um termo amplamente utilizado para descrever coisas diferentes. Ele é usado para descrever a natureza do desenvolvimento da juventude no seu sentido mais amplo que ocorre naturalmente ao longo do tempo e em diferentes domínios (p. ex.: familiar, escolar e de grupo). Também é usado para conceptualizar áreas específicas de trabalho, nomeadamente, em relação a programas de atividades com jovens, com especial incidência em objetivos não-acadêmicos.» (Seymour, 2011). 4 Cit. por Lerner, (2006)

Page 32: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

14

incapacidades e patologias (Araújo, Cruz, & Almeida, 2007), nas dificuldades

de aprendizagem, nas desordens afetivas e na conduta antissocial (Damon,

2004; Sprintthall & Collins, 2008).

Segundo Richard Lerner, desde os primórdios do estudo científico do

desenvolvimento do adolescente, com Granville Stanley Hall (1904)5, a

estrutura conceptual dominante do estudo desta etapa de crescimento era “a

tormenta e o stress”, ou um tempo ontogénico de perturbação do

desenvolvimento, como defendia Freud (1969)6. Resumidamente, durante mais

ou menos os 85 anos seguintes, o estudo da adolescência estruturou-se

exclusivamente numa perspetiva do défice em que, para se considerar que um

jovem se estava a desenvolver bem, bastava que não fosse consumidor de

drogas ou de álcool, não se envolvesse em sexo desprotegido e não fosse

delinquente (Lerner, 2005).

Durante todo esse tempo, a Psicologia “investigava os desequilíbrios e

disfuncionamentos emocionais vividos pelas pessoas procurando desenvolver

processos científicos adequados ao seu tratamento clínico e à sua

recuperação” (Ferreira, 2007, p. 193).

Este modelo “curativo” da Psicologia corresponde, em parte, aos modelos

médico e criminal, privilegiando o “tratamento” e a “punição” em relação à

prevenção, ao desenvolvimento de capacidades e à atenção aos aspetos

positivos do desenvolvimento humano (Damon, 2004; Park, 2004).

A partir dos anos 70 (cf. Figura 2), aparecem alguns estudos que serão

preconizadores de uma nova posição de psicólogos e educadores em relação

ao desenvolvimento da juventude. Inspirados por estudos sobre a “excelência”,

como expressão do talento humano, alguns datando de 1869, outros, como os

de Galton, ou dos anos 20 do Séc. XX, como os de Terman, e como os de

Hollingworth, já na década de 40, desenvolvem-se na segunda metade do séc.

5 Granville Stanley Hall tornou-se conhecido pelos seus estudos sobre o desenvolvimento da

criança e com a psicologia educacional infantil nos Estados Unidos. Sua obra principal, Adolescence: Its Psychology and Its Relation to Physiology, Anthropology, Sociology, Sex, Crime, Religion, and Education ("Adolescência: sua psicologia e relação com a fisiologia, antropologia, sociologia, sexo, crime, religião e educação"), foi publicada em 1904, em dois volumes. 6 De Anna Freud no seu livro "Adolescence as a Development Disturbance" de 1969, cit. por

Lerner, (2005).

Page 33: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

15

XX, estudos multidimensionais sobre a inteligência que culminam com Simon e

Chase (1973), na primeira “teoria da Expertise”. Seguem-se Gardner (1983)

propondo a “Teoria das Inteligências Múltiplas” e Bloom (1985) com trabalhos

sobre indivíduos talentosos em várias áreas. Com Csikszentmihalyi (1989)

surge o conceito de flow (da Experiência Ótima) e Sternberg (1999) apresenta

o conceito de “Inteligência de Sucesso” (Araújo, et al., 2007; Csikszentmihalyi &

LeFevre, 1989; Gardner, 1983).

Está assim lançada uma base de estudos teóricos onde a perspetiva positiva

do desenvolvimento juvenil pode florescer. Durante a década de 90, Martin

Seligman apresenta a Psicologia Positiva, que traduz um compromisso entre a

ciência e aquilo que de mais positivo se pode aproveitar das potencialidades

das pessoas.

“O campo da Psicologia Positiva, a um nível subjetivo, consiste em valorizar experiências subjetivas: de bem-estar, contentamento, satisfação, esperança e otimismo e fluxo de felicidade. A nível individual tem a ver com traços positivos do próprio indivíduo: capacidade de amar e vocação, coragem, competência interpessoal, sensibilidade ascética, perseverança, capacidade de perdoar, originalidade, mentalidade aberta ao futuro, espiritualidade, talento e sabedoria. A nível de grupo tem a ver com as capacidades cívicas e com as instituições que levam os indivíduos a uma melhor cidadania, como seja: a responsabilidade, amparo, altruísmo, civilidade, moderação, tolerância e a ética no trabalho (profissional, nos estudos) ” (Seligman & Csikszentmihalyi, 2000, p. 5).

Paralelamente a este interesse teórico, surge o trabalho de práticos, críticos

dos modelos baseados no deficit, que estão interessados em algo melhor do

que apenas reduzir riscos, como é o caso dos projetos Effort com Martinek,

Lead com Cutforth, Coaching Club de Hellison, Programa Educativo para la

Integración Social de Durán Gonzalez, Moral Development de Bredemeier,

Project Connect com Brustad, Commmunity-based Project com Wright,

Programa Educação pelo Desporto do Instituto Ayrton de Senna e Deporte

para la Paz de Ennis entre outros. Poderemos encontrar referências a estes e a

outros programas em trabalhos de investigação onde se procurou a

caracterização do Desenvolvimento Positivo da Juventude a partir do

conhecimento empírico (Benson, 1997; Catalano, Berglung, Ryan, Lonczak, &

Hawkins, 2004; Eccles & Gootman, 2002; Roth, 2004; Roth & Brooks-Gunn,

2003a; Seymour, 2011; Shields & Bredemeier, 1995). Estas experiências

práticas caraterizaram-se pelo trabalho dos seus autores, com os jovens, tendo

como base as capacidades e as suas potencialidades destes (cf. Figura 2).

Page 34: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

16

Investigações a respeito da “resiliência” fazem balançar o pendulo da

curiosidade científica para o lado “positivo” da questão. Resiliência era o que

mostravam alguns jovens através de uma espantosa habilidade para serem

bem-sucedidos, apesar dos desafios difíceis que a vida lhes tinha posto, sob a

forma de desastres naturais, grandes perdas familiares, pobreza, negligência e

todo o tipo de dificuldades que teriam levado os seus pares, em situação

semelhante, a fazer escolhas desastrosas (Benson, et al., 2006). Esta

capacidade de tirar de si e do seu envolvimento o que há de positivo para

seguir em frente com sucesso, inspirou professores, treinadores e estudiosos

das ciências da educação.

Assim, o Desenvolvimento Positivo da Juventude emerge primeiramente como

uma abordagem entre os práticos da educação, que trabalhavam com jovens, à

medida que estes se foram apercebendo dos benefícios dos modelos

baseados nas competências das crianças, dos adolescentes e dos jovens. É

frequente acontecer que este tipo de experiências não seja de imediato

acompanhado pela atenção dos académicos e portanto esta relação

teoria/prática estabeleceu-se só muito recentemente (Benson, et al., 2006).

A história dos programas de intervenção junto da juventude, evolui a partir do

reconhecimento da infância e da adolescência como períodos especiais em

que os jovens precisam do suporte da comunidade e da família para o seu

desenvolvimento. Isto acontece nos países ocidentais da Europa e América do

Norte durante o séc. XX. Na segunda metade desse século, assiste-se a

mudanças na sociedade em geral, com particular reflexo na instituição familiar,

consistindo em vagas de migrações, aparecimento de novos nichos de

pobreza, alteração da composição da família nuclear, nascimentos fora do

casamento, mobilidade familiar e monoparentalidade. Ao mesmo tempo,

assiste-se a um aumento da criminalidade juvenil, particularmente urbana, à

democratização do acesso ao ensino e à implementação das atividades de

ocupação dos tempos livres dos jovens (Catalano, et al., 2004).

Aparecem neste ambiente os programas juvenis de intervenção. Primeiramente

com o objetivo de apoiar as famílias dando resposta às necessidades e crises

do momento (Catalano, et al., 2002), tentando, por exemplo, reduzir as

Page 35: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

17

consequências do consumo de drogas7, apoiar mães solteiras e fazer a

reinserção social de jovens delinquentes. Em Portugal temos várias iniciativas

de programas ação perante a crise, como, por exemplo, as Equipas de

Intervenção Direta da Segurança Social.

A abordagem preventiva (Catalano, et al., 2002), que consiste em intervir antes

que os problemas se manifestem, emerge entre as décadas de 70 e 80,

variando de país para país. Em Portugal, existem neste momento, dentro do

Programa Nacional de Saúde, a Prevenção do Consumo de Substâncias

Ilícitas, a Prevenção da Violência Escolar e do Bullying e o programa de Saúde

Sexual e Reprodutiva e Prevenção das DST, entre outros (M.S., 2006). Esta

intervenção incide normalmente sobre um tipo de problemas só, como seja a

toxicodependência. O objetivo destas intervenções é fundamentalmente

prevenir comportamentos problemáticos potencialmente de risco.

Muitas vezes, este tipo de programas utiliza o conhecimento dos fatores de

risco (Sapienza & Pedromônico, 2005) para tentar interromper os processos

que levam ao desenvolvimento dos problemas, como, por exemplo, dar

especial atenção aos grupos sociais dos jovens de forma a prevenir a influência

no uso de drogas ou noutros comportamentos disruptivos. Este é um ponto de

viragem em direção a programas mais holísticos, dado que os serviços

responsáveis pelos programas começaram a mostrar maior interesse na

aplicação de estudos sobre os preditores dos comportamentos problemáticos

dos jovens. Esta informação resultou de estudos longitudinais que permitiam

identificar importantes preditores de problemas de comportamento (Catalano,

et al., 2004). Assim, é possível, por exemplo, identificar preditores do uso de

drogas por adolescentes, tais como: os pares e a influência social, e as normas

sociais que condenam ou promovem tais comportamentos. Estes programas de

prevenção estão apoiados em teorias explicativas de como as pessoas tomam

decisões, tais como, a Teoria da Autoeficácia de Bandura (1986, 1999), Teoria

dos Comportamentos Planeados de Ajzen e Madden (1986), Modelo da Crença

de Saúde de Becker e Maiman (1975), entre outras.

7 Em Portugal é possível obter alguma informação sobre este tipo de programas, por exemplo,

em: http://www2.seg-social.pt/left.asp?03.06.07.01.01

Page 36: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

18

A partir da década de 80, os investigadores começaram a interessar-se mais

em adquirir conhecimento sobre os preditores ambientais que envolvem as

vivências dos jovens e sobre a interação entre os preditores ambientais e os

preditores individuais (Catalano, et al., 2002).

Mercê das investigações sobre o tema da resiliência, toma-se conhecimento de

que nas caraterísticas pessoais e do envolvimento, que tomam parte no

desenvolvimento das crianças e jovens, intervêm igualmente fatores de risco e

fatores de proteção (Werner, 1995) e que estes últimos influenciavam,

melhorando ou alterando, a resposta do indivíduo a certas dificuldades do meio

que predispõem para uma evolução negativa. Segundo Haggerty e cols.

(2000), foram, então, desenvolvidos modelos que incluíam os fatores de

proteção como redutores de possíveis disfunções ou desordens8.

Surge entretanto uma segunda geração de programas de prevenção que se

focam em preditores próximos (mais intimamente relacionados com o

problema) de determinados problemas específicos de comportamento (cf.

Figura 2). Por exemplo: estabeleceu-se uma relação significativa e em cadeia

entre os comportamentos problemáticos dos amigos (pares) e as normas, que

facilitam a entrada nesses comportamentos (p. ex: a atividade sexual precoce

ou o consumo de drogas). O objetivo destes programas é interromper/mudar a

cadeia de fatores antecedentes próximos que permitiam predizer um problema

de comportamento (Kirby, 1997)9.

Os programas de prevenção começaram a ser criticados por se centrarem

normalmente num único problema de desenvolvimento quando os estudos

mostravam que normalmente se assistia à ocorrência de mais do que um

comportamento problemático em cada criança; e por, , ignorarem assim, de

certa forma, a coexistência de fatores individuais e ambientais que interagem

na mudança dos comportamentos, centrando-se mais na resolução dos

problemas isolados do que na promoção de um desenvolvimento globalmente

saudável.

Começa então a desenvolver-se um consenso (entre práticos e académicos e a

que nos referimos no início do capítulo) (Benson, et al., 2006) de que uma

8 Cit. por Catalano, et al., (2002) e Sapienza & Pedromônico, (2005).

9 Cit. por Catalano, et al., (2002).

Page 37: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

19

transição bem-sucedida para a vida adulta exigia - mais do que evitar

consumos de drogas, violência, insucesso escolar ou gravidez precoce - a

promoção do desenvolvimento social, emocional, comportamental, cognitivo,

através de modelos de intervenção que implementassem o desenvolvimento

positivo dos jovens.

É assim que a partir dos anos 90 aparece uma mudança de visão na teoria e

na investigação psicológicas, com consequências notórias em várias áreas

incluindo a das políticas educativas e sociais (Damon, 2004).

Segundo Scales, Benson e Leffert (2000), um crescente número de estudos foi

demonstrando uma associação entre os recursos pessoais e processos

próprios (self-processes) dos adolescentes, a presença ou ausência de vários

suportes ecológicos e a redução de riscos e a constatação de resultados de

desenvolvimento positivo. Assim, adolescentes que reportavam um nível mais

elevado de recursos de desenvolvimento (pessoais ou ecológicos) estavam

menos sujeitos a entrar em comportamentos de risco e também mais

suscetíveis a alcançar resultados positivos. Estas relações foram

consistentemente comprovadas por vários estudos estudos (Connell, Spencer,

& Aber, 1994; Hawkins, Catalano, & Miller, 1992; Jessor, Van Den Bos,

Vanderryn, Costa, & Turbin, 1995).

Outros estudos mostravam que os indicadores de sucesso (como p. ex:

sucesso escolar, ajuda aos outros, manutenção da saúde física, retardamento

da gratificação, valorização da diversidade e superação das adversidades)

estavam geralmente relacionados com outros resultados positivos quer na

juventude quer a mais longo prazo em termos de adultez (Scales, et al., 2000).

Desenvolvimento Positivo da Juventude tem sido desde então usado para

representar essa emergente conceção de adolescente, como pessoa com

potencial para se desenvolver saudavelmente, com mais recursos do que

comportamentos disruptivos (Roth & Brooks-Gunn, 2003a). Os programas que

incorporaram esta visão do desenvolvimento, lutam por influenciar o

crescimento dos adolescentes através de resultados positivos, incrementando

a sua exposição a oportunidades de desenvolvimento e de suporte. Segundo

Pittman, Irby e Ferber (2000), os movimentos de desenvolvimento da juventude

Page 38: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

20

foram chamados a uma mudança de paradigma - da dissuasão para o

desenvolvimento - encerrada na frase “problem free is not fully prepared” que

levou a um aumento da aceitação da necessidade de preparação e

desenvolvimento da juventude, e não apenas da prevenção de problemas e de

dissuasão como metas desejáveis, exigindo ações estratégicas10.

Para finalizar, reforçamos a ideia de que embora tenha havido uma sequência

no aparecimento dos vários tipos de programas (curativos, preventivos ou de

desenvolvimento), eles coexistem no tempo e nas comunidades de acordo com

os seus objetivos. Por outro lado gostaríamos de salientar a importância dos

estudos empíricos (particularmente no âmbito das atividades desportivas), a

que fizemos já referência anteriormente, que beneficiaram do trabalho de

professores e de treinadores, que pelo menos desde a década de 80,

promoveram programas juvenis baseados nos recursos desenvolvimentais dos

jovens, os strength-based programs, seguindo a sua intuição, a sua capacidade

de introspeção e baseando-se no seu próprio autodidatismo. O contributo

destes foi fundamental para o consenso posterior em torno das caraterísticas

dos programas de Desenvolvimento Positivo da Juventude.

Figura 2 – Bases históricas do Desenvolvimento Positivo da Juventude

10

Cit. por Roth, (2004).

Page 39: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

21

1.2. Definições de Desenvolvimento Positivo da Juventude

A partir do início dos anos 90 até meio da primeira década do séc. XXI, surge

uma nova visão e um novo vocabulário na discussão sobre a juventude fruto do

estudo de teóricos e das experiências empíricas de muitos profissionais que

trabalhavam no campo da educação e da intervenção social (Lerner, 2005).

Estas inovações foram sendo enquadradas pelas teorias explicativas do

desenvolvimento e foram captando o interesse dos cientistas de variadas

áreas, como por exemplo: estudiosos do potencial de mudança durante a

infância e a juventude, profissionais da área de desenvolvimento da juventude

e decisores políticos preocupados com a melhoria das oportunidades de vida

dos jovens e das suas famílias (Baltes, et al., 2006; Benson, et al, 2006;

Damon, 2004; Cummings, 2003; Floyd & McKenna, 2003; Lerner, 2004; Little,

1993; Pittman, Irby, & Ferber, 2001; Wheeler, 2003; Gore, 2003)11.

Assim, ao longo dos últimos anos, foi possível encontrar na literatura referente

ao Desenvolvimento Positivo da Juventude várias definições desta nova forma

de abordar o desenvolvimento juvenil. Os termos em que são formuladas as

várias definições dependem, evidentemente, do campo de ação do(s) autor(es)

e do momento em que foram propostas.

O primeiro documento em que encontrámos a expressão “Positive Youth

Development” é “The Troubled Journey: A Portrait of 6th-12th Grade Youth” de

Peter Benson (1990), no qual, embora não surja uma definição explícita do

conceito, se pode ler: “Respec Teen é um esforço nacional que visa ajudar os

pais, adolescentes, escolas, instituições que atendem jovens, congregações e

comunidades a trabalharem juntos na promoção do desenvolvimento juvenil

positivo.” (Benson, 1990, p. 1).

O Desenvolvimento Positivo da Juventude é um macro conceito que se baseia

no desenvolvimento das capacidades dos jovens, fundamentalmente orientado

para programas e serviços disponíveis na comunidade, em vez de se basear

na classificação dos seus problemas e das situações de risco. Os programas e

atividades são de participação voluntária e providenciam oportunidades e

11

Cit. por R. M. Lerner,(2005).

Page 40: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

22

experiências formais e não formais que suportam uma transição de sucesso

para a idade adulta. O Desenvolvimento Positivo da Juventude difere

significativamente dos sistemas que dão prioridade e financiam a prevenção e

a intervenção em situação de crise (tratamento) (Robertson, 1997).

Segundo a definição da National Collaboration for Youth Members12 de Março

de 1998, trata-se de “um processo que prepara os jovens para enfrentarem os

desafios da adolescência e da adultez, através de uma série de atividades e

experiências, coordenadas e progressivas, que os ajudam a tornarem-se

social, moral, emocional e cognitivamente competentes”. Para esta entidade,

“O Desenvolvimento Positivo da Juventude dirige-se globalmente às

necessidades de desenvolvimento da juventude, ao contrário dos modelos de

abordagem focados nos deficits, e nos problemas juvenis” (Hall, Yohalem,

Tolman, & Wilson, 2003, p. 9).

Roth e Brooks-Gunn (2000) consideram que, de um modo geral, poder-se-á

dizer que o Desenvolvimento Positivo da Juventude enquadra todas as

esperanças e aspirações de que os adolescentes se desenvolvam saudáveis,

felizes e competentes, no seu caminho para uma idade adulta produtiva e

satisfatória.

A perspetiva do Desenvolvimento Positivo da Juventude enfatiza as

potencialidades manifestas mais do que as supostas incapacidades dos jovens,

mesmo no caso de se tratar de jovens provenientes de meios desfavorecidos

ou com histórias de vida muito acidentadas (Damon, 2004).

Também Hamilton et al. (2004) sugerem que um desenvolvimento juvenil ótimo

“habilita os indivíduos para fazerem a sua vida de jovens, e mais tarde de

adultos, de forma saudável, satisfatória e produtiva, uma vez que adquirem

competência para ganhar a vida, para se envolverem em atividades cívicas,

para tomarem conta de outros, para se relacionarem socialmente e para

participarem em atividades culturais”. No mesmo artigo, podemos ler

igualmente que Christopher Peterson (2004) destaca que, através desse

12

A National Collaboration for Youth Members (NCY), é uma associação com 40 anos, em colaboração com a National Assembly cujos membros se interessam pelo tema do desenvolvimento juvenil. Na NCY estão associadas mais de 50 organizações americanas de desenvolvimento juvenil, sem fins lucrativos. http://www.collab4youth.org/Default.aspx

Page 41: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

23

desenvolvimento ótimo, emerge a “boa juventude” (“good youth”) a qual é tida

como com correspondendo a mais experiências positivas do que negativas,

mais satisfeita com as suas vidas tal como são, reconhecendo o que fez bem e

usando as suas capacidades para atingir objetivos e para ser membro

contribuinte da sociedade13.

O Desenvolvimento Positivo da Juventude aparece portanto como uma visão

alternativa da passagem da infância para a vida adulta que, em vez de

antecipar, tentar resolver e prevenir problemas, se assume como um novo

paradigma que considera as potencialidades, competências e contribuições

que a juventude pode fazer de forma a alinhar essas forças com recursos e

suportes do seu envolvimento para maximizar o desenvolvimento saudável

(não em sentido restrito de saúde) para os indivíduos e para a sociedade

(Theokas, et al., 2005).

A teoria do Desenvolvimento Positivo da Juventude, que emergiu na literatura

sobre desenvolvimento dos adolescentes, especifica que, se os jovens tiverem

ao mesmo tempo uma boa relação com as outras pessoas e com as

instituições do seu mundo social, estarão no caminho certo para um futuro

promissor marcado por contributos positivos para si mesmos, para a família e

para a sociedade em geral. (Lerner, Lerner, Almerigi, & Theokas, 2005a)

1.3. Conceitos e vocabulário

Associado a esta nova visão da juventude, surge um novo vocabulário

referindo o desenvolvimento juvenil e incluindo termos, tais como: bem-estar

(well-being), florescer (flourishing), prosperar (triving), e os “Cinco Cs”14, para

descrever um desenvolvimento que se está a processar bem. Os problemas de

comportamento, as disrupções e os comportamentos de risco continuaram a

ser medidos e estudados, mas verificou-se que a atenção de muitos

investigadores se ocupa atualmente em nomear, definir e avaliar os

constituintes do desenvolvimento ótimo (Theokas, et al., 2005).

13

Citados por Fraser-Tomas, Côté, & Deakin, (2005, p. 3). 14

Nesta última expressão deter-nos-emos com detalhe mais tarde.

Page 42: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

24

A propósito das alterações de vocabulário e de conceitos, o Search Institute15

propôs e avaliou sete indicadores comportamentais de desenvolvimento que

incluem (a) sucesso escolar, (b) liderança, (c) ajuda aos outros, (d)

manutenção da saúde física, (e) adiamento da gratificação, (f) valorização da

diversidade, e (g) ultrapassagem da adversidade (Benson, 1997; Scales, et al.,

2000).

Numa posterior revisão de literatura, levada a cabo pelo mesmo instituto, em

2006, onde se referem 40 recursos de desenvolvimento, constatou-se que

estes indicadores de prosperidade geralmente estão relacionados com outros

resultados positivos, tanto em termos de resultados proximais durante o curso

da adolescência, como de resultados mais distais do início da idade adulta e

que refletem a aquisição de competências/habilidades necessárias ao

desenvolvimento.

A propósito da dificuldade que a proliferação de termos e conceitos

relacionados com o Desenvolvimento Positivo da Juventude veio trazer ao

discurso científico, Jodie Roth alertou para a situação criada pela multiplicidade

de expressões que facilmente assumem significados diferentes para diferentes

autores. Como exemplo citamos duas das expressões utilizadas nas várias

definições propostas: “adolescentes saudáveis, felizes e competentes”, ou

“idade adulta produtiva e satisfatória”. Na verdade enquanto a segunda

expressão pode corresponder, para uns, a autonomia económica, para outros

pode significar estabilidade psicológica e bem-estar. A mesma confusão

verifica-se em relação ao que deve constar de uma lista de fatores de

Desenvolvimento Positivo da Juventude, porquanto também aqui não se

encontrando consenso (Roth, 2004).

No ano 2000, Lerner, Fisher e Weinberg chamam a atenção para os resultados

importantes do desenvolvimento positivo das crianças, isto é, para as

caraterísticas de desenvolvimento da juventude saudável, dizendo que:

15

Há mais de 50 anos, Search Institute tem sido líder e parceiro de organizações de todo o mundo investigando as causas do sucesso no desenvolvimento juvenil. O conhecimento e os recursos desta instituição doa Estados Unidos da América têm ajudado na motivação e formação de adultos educadores e cuidadores em de escolas, comunidades e famílias onde os jovens se desenvolvem. Com base em pesquisas feitas, publicações e no trabalho realizado em escolas e com jovens, serviram já organizações em mais de 60 países.

Page 43: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

25

“(…) deveria ser assegurado que as famílias teriam capacidade para providenciar aos seus filhos envolvimento e expectativas, satisfação das suas necessidades físicas e de segurança, clima de carinho, inculcação da autoestima, encorajamento ao desenvolvimento, valores positivos e a possibilidade de estabelecerem ligações à comunidade” (…) “os programas e as políticas deviam assegurar que os recursos de que estas famílias necessitam para criarem e socializarem as suas crianças estão disponíveis” (…) “Se os programas estiverem, efetivamente, facultando estes recursos, vários seriam os resultados que deveriam florescer entre os jovens. Esses resultados poder-se-ão resumir em “5Cs”: Competência, Conexão, Confiança, Caracter e Compaixão

16” (Lerner, Fisher, & Weinberg, 2000, p. 16).

Esta abordagem nascente permitiu, a partir de meados da década de 9017,

categorizar os resultados do Desenvolvimento Positivo da Juventude em cinco

Cs que representam grupos (clusters) de atributos individuais: (1) Competência

académica, social e vocacional, habilidade intelectual e competências

comportamentais; (2) Confiança, identificação positiva de si mesmo, sentido de

auto eficácia e coragem; (3) Conexões (ligações) com instituições, com a

comunidade, com a família, e com os pares; (4) Caráter ou valores positivos,

humanos, integridade e compromisso moral, sentido de justiça; (5) Cuidado

(caring) e compaixão, respeito e empatia. Os autores sugeriram que quando

um jovem manifesta os 5Cs ao longo do seu desenvolvimento se pode concluir

que está num trajeto de desenvolvimento próspero (Lerner, et al., 2000).

Mais recentemente, um outro “C” – Contribution – foi acrescentado aos

atributos do Desenvolvimento Positivo da Juventude uma vez que se entendeu

que, a emergência dos cinco atributos anteriores no desenvolvimento de um

adolescente será indicadora da existência de um sexto: a “contribuição” desse

jovem para si mesmo, para a família, para a comunidade e, em última análise,

para a sociedade civil (Lerner, 2004; Lerner, et al., 2005b).

Um reforço deste modelo, dos 5 Cs, surge com os estudos de King e colegas

(2005), através dos quais vai crescendo o suporte empírico para o uso dos

cinco ou seis Cs como indicadores da presença de desenvolvimento positivo

nos jovens.

Ao mesmo tempo continuam a usar-se conceitos como thriving e Well-being

entre outros. Para além disso, permanecem na literatura termos associados a

16

A tradução das expressões – competence, confidence, connections, character e caring – foi feita usando a palavra mais próxima, em português, com o sentido da inglesa, mas respeitando a letra inicial “c”. 17

Primeiras referências a estes atributos aparecem, segundo Lerner et al. (2000), em: 1989 na Carnegie Concil on Adolescent Development; 1993, com R. R. Little, e em 1995, com o próprio R. M. Lerner

Page 44: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

26

outros modelos teóricos do desenvolvimento da juventude, inclusivamente, dos

modelos de defice, de tratamento e de prevenção. Segundo King e colegas,

coexistem termos identificados com o Desenvolvimento Positivo da Juventude

que diferem na sua dimensão conceptual genérica com termos usados na sua

dimensão operacional mais específica e por conseguinte talvez contrastem

quanto a referenciar resultados específicos ou indicadores de desenvolvimento

positivo. Por exemplo, termos como “bem-estar” ou “prosperidade” são mais

genéricos do que qualquer um dos termos relativos aos cinco Cs que, por sua

vez, são mais genéricos que conceitos como autoestima ou competência

académica ou competências sociais (King, et al., 2005).

Na tentativa de clarificar um pouco esta questão relativa aos conceitos e

vocabulário, surgiram vários estudos (Benson, et al., 2006; Damon, 2004;

Dotterweich, 2006; Fraser-Tomas, et al., 2005; Lerner, 2005; Lerner, et al.,

2000; Lerner, et al., 2006; Lerner, et al., 2002; Roth, 2004; Scales, et al., 2000;

Theokas, et al., 2005) mas a questão está longe de um consenso total. Numa

análise da literatura referente ao Desenvolvimento Positivo da Juventude, de

1991 a 2003, em que foram objeto de estudo 5.500 artigos, King e colegas

(2005) concluíram que não tinha ainda emergido uma rede pertinente de

conceitos em torno do Desenvolvimento Positivo da Juventude.

Segundo Benson e colegas (2006), a falta de consenso em relação à

terminologia reflete a relativa novidade deste campo de investigação e da sua

natureza profundamente interdisciplinar. Revendo numerosas definições

concernentes ao vocabulário do Desenvolvimento Positivo da Juventude, estes

autores concluem que estas se organizam em combinações de cinco

construtos centrais:

(a) Os contextos de desenvolvimento de que fazem parte o envolvimento,

as caraterísticas dos programas, os envolvimentos e as relações com a

comunidade que tenham potencial para gerarem suportes, oportunidades e

recursos; b) o aspeto pessoal da natureza da criança e, especialmente, a sua

inerente capacidade de se desenvolver, prosperar e de participar ativamente no

seu contexto de suporte; (c) outro aspeto individual, o das competências

desenvolvimentais do jovem, tais como atributos, incluindo habilidades,

Page 45: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

27

competências, valores, disposição para se comprometer ativamente com

mundo; (d) a redução dos comportamentos de risco (e) e a promoção do

êxito (thriving), sendo os dois últimos considerados como construtos

complementares do desenvolvimento de sucesso.

Vasto foi, segundo Benson (2006), o vocabulário utilizado vários por autores,

pensadores e práticos, relativo ao Desenvolvimento Positivo da Juventude. No

Quadro 1, este investigador ilustra a diversidade da referida terminologia,

exemplificando as expressões mais representativas desse vocabulário relativas

às forças ou competências pessoais e do contexto, aos recursos

desenvolvimentais e à natureza dinâmica da interação pessoa-envolvimento,

utilizadas por quatro reconhecidas instituições de investigação do

Desenvolvimento Positivo da Juventude.

Page 46: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

28

Quadro 1 – Vocabulário do Desenvolvimento Positivo da Juventude

Contexto Pessoa Sucesso do

Desenvolvimento

Search Institute

(Recursos

desenvolvimentais)a

Recursos Externos:

. Suporte

. Empowerment18

. Limites e expectativas

. Uso construtivo do

tempo

Recursos Internos:

. Compromisso com a

aprendizagem

. Valores positivos

. Competências sociais

. Identidade positiva

Indicadores de

Prosperidade:

. Ajuda os outros

. Supera a adversidade

. Exprime liderança

. Valoriza a diversidade

. Mantem boa saúde

. Adia a gratificação

. Tem sucesso escolar

. Resiste ao perigo

National Research

Councilb

Caraterísticas positivas

de programas (settings)

de desenvolvimento

Recursos pessoais e

sociais

America’s Promise –

The Alliance for

Youth

(As cinco Promessas)c

. Adultos cuidadores

. Oportunidades de

prestar serviço

. Lugares seguros

. Começo saudável

Habilidades

transacionáveis

Forum for Youth

Investment

(Os Cinco Cs)d

Conexões (ligações)

. Carater

. Competência

. Confiança

Cuidado/compaixão

a) Scales, P. C., & Leffert, N. (2004). Developmental assets: A synthesis of the scientific research (2nd ed.). Minneapolis: Search Institute; b) National Research Council and Institute of Medicine. (2002). Community programs to promote youth development.

Washington, DC: National Academy Press; c) Retrieved October 16, 2006, from www.americaspromise.org; d) Pittman, K., Irby, M., & Ferber, T. (2001). Unfinished business: Further reflections on a decade of promoting youth development. In P. L. Benson & K. J. Pittman (Eds.), Trends in youth development: Visions, realities and challenges (pp. 3–50). Boston: Kluwer Academic, p. 8.

18

Empowerment surge como um modelo teórico formulado por Julian Rappaport (1977) integrado na perspetiva do

Desenvolvimento Positivo, partindo do pressuposto de que o bem-estar das pessoas depende da sua capacidade para controlar o curso das suas vidas, tomar decisões e orientar as suas ações. A realização pessoal surge assim da perceção de competência que cada um tem para resolver os desafios que enfrenta (Escartí, et al., 2009).

É um processo de reconhecimento, criação e utilização de recursos e de instrumentos pelos indivíduos, grupos e comunidades, em si mesmos e no meio envolvente, que se traduz num acréscimo de poder - psicológico, sociocultural, político e económico - que permite a estes sujeitos aumentar a eficácia da sua cidadania (Pinto, 1998). Em português

pode ser traduzido por “empoderamento”, como com alguma frequência já aparece em artigos das ciências sociais, ou “conferir poder”, “capacitação”, “fortalecimento” e mesmo por “autonomia”. No entanto, a expressão inglesa é a mais comum na literatura especializada, pelo que a manteremos ao longo do presente trabalho.

Page 47: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

29

Embora com traços comuns, nas diferentes contribuições, que pretendem

alcançar definições mais universais e consensos mais abrangentes entre

estudiosos, ressaltam as diferenças terminológicas. Na verdade, apesar dessas

divergências, todos os investigadores buscam conhecer os contributos, os

componentes, ou recursos necessários para ajudar ao sucesso do

desenvolvimento do jovem no seu trajeto para a vida adulta. Daí que a lista

resultante inclua globalmente recursos humanos (pessoais e contextuais),

experiências e oportunidades nos vários contextos que podem influenciar o

desenvolvimento, ou seja, a família, a escola, os amigos, os vizinhos e o

contexto social mais alargado.

A este propósito lemos em Benson e colegas: “A atual falta de consenso numa

definição específica [de Desenvolvimento Positivo da Juventude], que reflete a

novidade deste campo de estudo assim como a sua natureza profundamente

interdisciplinar, oculta a quantidade de terreno comum que pode ser

encontrada.” (2006, p. 2)

Numa coisa estão de acordo a teoria, a investigação empírica e a prática: quer

os recursos pessoais, quer os recursos sociais, são fundamentais para o

desenvolvimento positivo. Os jovens precisam de acesso a lugares seguros, a

desafios, a experiências e à atenção dos outros para crescerem (Roth, 2004).

1.4. Caraterísticas dos programas de Desenvolvimento Positivo da

Juventude

Dizem-nos Pittman, (1991), Roth, Brooks-Gunn, Murray & Foster (1998)19 que

embora não exista consenso quanto aos elementos que constituem

exatamente um programa de desenvolvimento da juventude, a visão positiva

dos jovens, como potenciais bons cidadãos, com recursos a desenvolver, e não

como problemas a gerir, é um ponto de partida fundamental.

Peter Benson, no seu livro “All Kids Are Our Kids: What Communities Must Do

to Raise Caring and Responsible Children and Adolescents”, introduz uma nova

maneira de abordar o desenvolvimento de crianças e adolescentes que se

centra na construção de recursos desenvolvimentais nos jovens (Benson,

19

Cit. por Roth & Brooks-Gunn,(2000).

Page 48: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

30

1997). Estes recursos desenvolvimentais são constituídos por importantes

dinâmicas da comunidade – recursos externos – e por competências,

habilidades e autoconhecimento que gradualmente se desenvolvem nos jovens

– recursos internos.

Os recursos externos, em número de vinte, estão agrupados em: “Recursos de

suporte” (6)20, que representam as oportunidades de experiências de

afirmação, aprovação e aceitação; “Empowerment” (4), representando os

fatores de encorajamento, sensação de se ser útil e de segurança; “Limites e

expectativas” (6), naturais do ambiente familiar (ou outro) e consistentes nos

adultos com quem os jovens se relacionam; e “Uso construtivo do tempo” (4)

com atividades ricas e variadas que propiciem a ligação a adultos

compassivos.

Os recursos internos, também em número de vinte, estão agrupados em:

“Compromisso com a aprendizagem” (5), resultante de uma combinação entre

crenças pessoais, valores e competências de aprendizagem; “Valores

positivos” (6), consubstanciados em valores pró-sociais e valores de caráter;

“Competências sociais” (5), traduzidos em competências para enfrentar e lidar

com a complexidade social; e, “Identidade positiva” (4), que consiste numa

visão positiva de si mesmo relacionada com uma estável autoestima e com

sentido positivo de propósito e de competência (Benson, 1997; Benson, Leffert,

Scales, & Blyth, 1998).

Os recursos desenvolvimentais são de primordial importância para o

Desenvolvimento Positivo da Juventude. Compreendê-los, permite ao

profissional planear e desenvolver programas e atividades apropriadas ao DP

dos seus jovens (Carter & Kucharewski, 2005).

Catalano, Hawkins, Berglung, Pollard, e Arthur, (2002), num artigo subordinado

ao tema do Desenvolvimento Positivo da Juventude, recomendam que os

programas se foquem nos resultados positivos para os jovens, nas estratégias

baseadas no sucesso e no papel das famílias e das comunidades. De acordo

com estes autores as intervenções junto dos jovens, para serem eficazes

20

Entre parêntesis está o número de recursos que compõem o grupo.

Page 49: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

31

devem atender à pessoa como um todo devendo os programas de

Desenvolvimento Positivo da Juventude ter as seguintes caraterísticas:

Promoverem o desenvolvimento para atingir resultados positivos para os

jovens.

Dirigirem a atividade para criança como um todo.

Focarem-se em resultados específicos para estádios de

desenvolvimento e capacidades específicas.

Darem atenção às interações com a família, a escola, o bairro e os

contextos sociais e culturais.

Com base na literatura e nos resultados de pesquisa sobre programas

Desenvolvimento Positivo da Juventude, (Roth, 2004; Roth & Brooks-Gunn,

2003a) examinaram três das caraterísticas que emergem como definidoras

desses programas (i.e. os objetivos do programa, a atmosfera, e as atividades

eleitas), tendo verificado que os objetivos dos programas de Desenvolvimento

Positivo da Juventude incluem, mas não estão limitados, a prevenção de

problemas de comportamento e que a matriz das qualidades a desenvolver tem

paralelo nas listas apresentadas por estudiosos do tema. As autoras dão como

exemplo o facto de a gama de objetivos declarados pelos participantes no

estudo coincidir com os cinco Cs da lista de desenvolvimento positivo de Lerner

(2000), abrangendo ao mesmo tempo áreas típicas de desenvolvimento: físico,

intelectual, psicológico, emocional e social.

Em relação à atmosfera dos programas, Roth e Brooks-Gunn, adotaram como

definições operacionais as providenciadas por Catalano e outros (1999) e pelo

National Research Council (2002) para investigarem três dimensões da

atmosfera dos programas (o ambiente de suporte, de empowering e de

expectativas) tendo identificado uma grande consistência nos programas de

Desenvolvimento Positivo da Juventude relativamente à capacidade

demonstrada para promoverem o empowerment e uma atmosfera de

expectativas positivas, mais até do que quanto à capacidade para criar um

ambiente onde os jovens se sentissem apoiados e seguros. Num outro artigo,

Roth (2004) refere que os professores e pessoal responsável pelos programas

Page 50: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

32

devem criar nutrir um “ambiente de esperança”. A importância destas três

dimensões foi ainda reforçada noutros artigos em que se chama a atenção

para a exigência de uma correta planificação a este nível (Roth & Brooks-Gunn,

2003b) .

A terceira caraterística de um programa de Desenvolvimento Positivo da

Juventude será, segundo aquelas autoras, definida pelas atividades

desenvolvidas pelos participantes. Estas oferecem mais oportunidades de

desenvolvimento aos seus participantes que nos programas de prevenção,

assim como mais trabalho de desenvolvimento de competências, mais

oportunidades de experiências autênticas, e mais possibilidade de expansão

dos horizontes dos jovens. As atividades mais comuns são as desportivas e

recreativas. No geral, artes e ofícios, liderança comunitária, serviços ou

programas de trabalho atraem um menor número de participantes, segundo as

autoras. As componentes mais frequentes das referidas atividades são: as

competências de vida, competências sociais, treino de liderança e

competências relacionais.

Para além do tipo de atividades e das suas componentes, são muito

importantes, para as autoras, as oportunidades que os jovens têm de

desenvolver competências (p. ex.: académicas, sociais, vocacionais,

interpessoais e físicas), de participarem em atividades verdadeiramente

desafiantes (p. ex.: treino de atividades profissionais, serviço comunitário,

liderança exigindo tomada de decisões) e de alargar os seus horizontes (p. ex.:

atividades culturais, serviço à comunidade, recreação e tutorado de pares ou

adultos, de forma a que os participantes sejam expostos a pessoas diferentes,

novos espaços e situações).

Também em relação à extensão do programa, de acordo com a filosofia do

desenvolvimento juvenil, confirma-se neste estudo que um maior número de

horas de contacto oferece um ambiente de suporte mais sólido e maior

variedade de experiências (Roth & Brooks-Gunn, 2003a).

Catalano, Berglun, Ryan, Lonczak e Hawkins (2004) referem num artigo

intitulado “Positive Youth Development in the United States: Research Findings

Page 51: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

33

on Evaluations of Positive Youth Development Programs” que, com base numa

revisão da literatura feita, e na consulta a cientistas e pessoal responsável pela

avaliação de programas, foi possível criarem uma definição operacional de

Desenvolvimento Positivo da Juventude. Assim, para estes autores, os

programas Desenvolvimento Positivo da Juventude são abordagens que

buscam alcançar um ou mais dos seguintes objetivos, integrando os construtos

implícitos nos mesmos:

Promover ligações – as interações entre crianças e entre crianças e os

adultos que se ocupam delas, criam laços de relação que são a chave

do desenvolvimento da capacidade de motivação da criança. Estas

relações estabelecem a confiança do jovem em si mesmo e nos outros e

são cruciais para o desenvolvimento da capacidade da resposta

adaptativa às mudanças necessárias ao crescimento em direção à vida

adulta saudável.

Desenvolver a resiliência – a resiliência protege o jovem da adoção de

comportamentos problemáticos face a situações de risco, permitindo-lhe

dar respostas positivas aos desafios que se lhe vão deparando e usar as

suas competências de forma bem-sucedida.

Promover competências – o desenvolvimento positivo cobre áreas do

funcionamento juvenil que exigem competências sociais, emocionais,

cognitivas, comportamentais e morais promovendo: a capacidade de

integrar e compreender sentimentos, ideias e ações que permitem atingir

objetivos de relação interpessoal; a habilidade de identificar e responder

a sentimentos e a reações emocionais próprias e dos outros; o

desenvolvimento e a aplicação da capacidade de diálogo-interno, de ler

e interpretar sinais sociais, de resolver problemas e de tomar decisões,

de compreender a perspetiva dos outros e as normas de

comportamento, a atitude positiva perante a vida e a autoconsciência; a

habilidade para usar a lógica, o pensamento analítico e o raciocínio

abstrato; a habilidade para comunicar de forma verbal e não-verbal

aquilo que se sente e que se quer; a capacidade para avaliar e

responder à dimensão ética, afetiva e de justiça das situações.

Page 52: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

34

Promover a autodeterminação – desenvolvendo a capacidade de pensar

autonomamente e de atuar em conformidade com o seu próprio

pensamento.

Promover a espiritualidade – definida como a consciência da natureza

espiritual, da alma ou de Deus e da pertença a uma religião ou igreja.

Este construto também está associado ao juízo moral, ao compromisso,

à crença na ordem moral e aos valores pró-sociais.

Promover a esperança no futuro e o otimismo – desenvolver a

expectativa no futuro, interiorizando a esperança e o otimismo em

relação à possibilidade de vir a obter bons frutos.

Promover o reconhecimento do comportamento positivo – reforçando os

comportamentos positivos, preferindo o reforço à punição, estimulando o

jovem a repetir esses comportamentos no futuro.

Providenciar oportunidades de envolvimento pró-social – envolvendo os

jovens em variados ambientes sociais onde possam participar em

atividades de interação com outros jovens, desempenhando papéis de

contribuição para o grupo, ou para a família ou para a comunidade mais

alargada.

Desenvolvendo normas pró-sociais – encorajando a adoção de crenças

saudáveis e de padrões de comportamento positivo, através de

abordagens variadas que podem ir da informação ao compromisso com

esse tipo de comportamentos.

Adicionalmente, Catalano e colegas (2000) salientam neste estudo que:

(…) “apesar do grande leque de estratégias que produzem estes resultados

[promoção de comportamento positivo dos jovens e prevenção dos problemas de comportamento], os temas comuns ao sucesso envolvem fortalecimento social, emocional, comportamental, cognitivo e competências morais; promovem a autoeficácia; incorporam normas das famílias e comunidades acerca de claros padrões de comportamento; implementam ligações saudáveis com adultos, jovens da mesma idade e mais velhos; expandem oportunidades e identificação dos jovens; providenciam estrutura e consistência na aplicação do programa; e, intervêm junto dos jovens por períodos não inferiores a nove meses” (p. 117).

Ainda neste mesmo estudo de revisão, os seus autores resumem, como

caraterísticas a observar para se poder concluir da efetividade de um programa

de Desenvolvimento Positivo da Juventude, as seguintes:

Page 53: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

35

Conterem construtos constituintes do Desenvolvimento Positivo da

Juventude

Medirem resultados e avaliarem problemas da implementação

Terem currículo estruturado

Terem uma frequência e duração compatível com os objetivos (nove

meses ou um valor médio de 12 sessões por intervenção)

Manter fidelidade ao programa a implementar com manutenção da

qualidade do mesmo

Tipo de população abrangida (no artigo em apreço são referidos todos

os grupos sociais e etnias existentes nos Estados Unidos).

Para além de não ficar por aqui o trabalho dos investigadores sobre as

caraterísticas atribuídas aos programas de Desenvolvimento Positivo da

Juventude, há que realçar que nem sempre se verifica uma sobreposição exata

das conclusões.

Assim, Christopher Edginton e Steven Randall (2005),defendendo uma visão

crítica dos programas de Desenvolvimento Positivo da Juventude num artigo

sobre estratégias para programar serviços de apoio à juventude, em que

comparam os programas de prevenção com os de Desenvolvimento Positivo

da Juventude e com os programas relacionais de jovens (Relational Youth

Work) 21, caraterizam os programas de Desenvolvimento Positivo da Juventude

em relação a sete caraterísticas.

Visão do jovem: indivíduo incompleto, adquirindo competências para a

vida.

21

Perspetiva relacional emergente que enfatiza que “o desenvolvimento ocorre entre um jovem e um monitor (youth worker), à medida que estes estabelecem padrões de mútua interação e suporte (…). Esta visão do trabalho com jovens é contrária às perspetivas preventivas e desenvolvimentais, na medida em que promove a ideia de que o Self é constituído mais relacionalmente do que individualmente, e, sugere que jovens e monitores co-criam entendimentos partilhados mais do que procuram fazer aquisições de objetivos de desenvolvimento pré-determinados (…).” Segundo esta perspetiva, programas de prevenção e de DPJ põem o foco no indivíduo, nas mudanças individuais e nos comportamentos preferencialmente aos contextos relacionais através dos quais jovens e adultos interagem (Edginton & Randall, 2005).

Page 54: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

36

Visão da mudança pessoal: Visão desenvolvimental; os jovens estão a

adquirir as competências e as habilidades necessárias; procura-se

adquirir resultados de desenvolvimento pré-determinados.

Foco da intervenção: Aumento dos recursos e diminuição dos defices;

implementação da atividade autónoma.

Objetivos: em conformidade com determinados ideais, valores e

atitudes; promotores da autonomia.

Metodologias: comunicação e transmissão ativa; relação meios/fins.

Conteúdos: programas educativos e de enriquecimento; programas de

construção de recursos com base na comunidade; preocupações,

interesses e experiências individuais.

Organização: serviços de apoio à juventude, recursos comunitários,

escolas e famílias.

Responsáveis: Todos os membros da comunidade.

Em todo o caso, mesmo que não se tenha chegado a um total consenso em

relação à definição de Desenvolvimento Positivo da Juventude, há acordo nas

componentes-chave dos programas de intervenção que usam esta abordagem

(Dotterweich, 2006).

Num trabalho recente feito na Griffith University, na Austrália, tentando clarificar

como é que uma tão grande diversidade de programas tem potencial para obter

resultados similares em termos de desenvolvimento juvenil, Kathryn Seymour

(2011) refere que emergem, do seu estudo, seis caraterísticas-chave

estruturais e operacionais, a saber:

Organizações que fomentam programas de Desenvolvimento Positivo da

Juventude baseiam o seu trabalho em abordagens holísticas, assentes

nas potencialidades dos jovens e não nas suas dificuldades. Têm em

conta a generalidade das suas necessidades e não um problema único

ou um tema circunscrito.

Estas organizações estão focalizadas no trabalho com jovens (e não no

trabalho para jovens), construindo os seus programas de acordo com os

interesses destes, promovendo oportunidades para a tomada de

Page 55: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

37

decisões, reconhecendo-lhes o potencial e valorizando-os pelo que são

enquanto jovens e destacando o seu desenvolvimento e contributos.

Estes programas assentam na própria comunidade e têm uma natureza

universal em termos de população, contrariamente a programas dirigidos

a franjas muito “etiquetadas” da sociedade. Aspiram a estar disponíveis

para todos os jovens, normalmente entre os 12 e os 18 anos, sejam

rapazes ou raparigas e, portanto, a promoverem atividades

diversificadas e acessíveis a todos.

A duração do envolvimento dos jovens é também uma caraterística

importante dos programas Desenvolvimento Positivo da Juventude.

Embora não seja fácil determinar um tempo de envolvimento preciso, os

estudos apontam sempre para a preferência de programas de médio

prazo face aos de curto prazo.

As organizações que promovem o Desenvolvimento Positivo da

Juventude optam por programas estruturados, isto é, deliberada e

intencionalmente educativos, com uma organização programática

coerente com a idade e a fase de desenvolvimento dos participantes,

apoiada por pessoas experientes e competentes.

Finalmente, exige-se às organizações que fomentam programas de

Desenvolvimento Positivo da Juventude que providenciem, quer através

do próprio programa quer através do ambiente organizacional, a

maximização das oportunidades para que as potencialidades, recursos e

mais-valias pessoais dos jovens estejam em sintonia com as

potencialidades, recursos e mais-valias do seu envolvimento contextual.

Para tal, devem apoiar a formação da equipa de educadores para que

estes enriqueçam, desenhem e ponham à disposição da juventude,

programas de desenvolvimento bem-sucedidos; para que negociem,

desenvolvam e mantenham relações positivas com os jovens e os

conduzam ao sucesso através da definição clara dos limites, do apoio e

encorajamento e do monitoramento do comportamento (Seymour, 2011).

Page 56: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

38

Em suma, poderemos dizer que, dada a riqueza e a amplitude do campo de

investigação do Desenvolvimento Positivo da Juventude, quer ao nível do

vocabulário e conceitos, quer ao nível da diversidade de áreas de estudo e de

áreas profissionais em presença, não pareceu possível confinar a sua definição

a uma expressão simples. Ainda assim, com base na revisão apresentada e na

identificação de determinados traços comuns foi possível selecionar um

conjunto de referências orientadoras que nos permitiu avançar com o nosso

trabalho, no sentido de responder às questões que inicialmente nos tínhamos

proposto. Por outro lado, a dificuldade verificada no sentido da identificação de

uma definição relativamente comum sobre os principais conceitos neste

domínio, acabou por estar na origem da nossa decisão de a constituir como

uma das questões a explorar posteriormente junto dos nossos

especialistas/entrevistados em relação ao conceito de Desenvolvimento

Positivo da Juventude.

Page 57: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

39

2. Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social (Hellison)

O Modelo de Intervenção Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e

Social (DRPS)22, também referido na literatura como Modelo de

Responsabilidade (MR), foi desenhado por Don Hellison, no início dos anos 70,

para ajudar adolescentes e jovens, de bairros marginais da cidade de Chicago,

a adquirirem estratégias que lhes permitissem ser responsáveis por si mesmos

e pelos outros de forma a poderem exercer controlo sobre as próprias vidas.

“Eu compreendi que ajudar os meus alunos a assumirem a responsabilidade pelo seu bem-estar e ajudá-los a serem mais sensíveis e responsáveis pelo bem-estar dos outros, seria talvez o meu melhor contributo dados os problemas pessoais e sociais que os meus alunos tinham que enfrentar.” (Hellison, 1995)

Para Hellison, a premissa básica do DRPS é a de que os comportamentos de

responsabilidade se podem ensinar através de diferentes estratégias e que

estes comportamentos e atitudes ajudarão crianças e jovens a adaptarem-se

às mudanças da vida e a desenvolverem-se como adultos sãos e competentes

(Hellison, 2003). Com base neste pressuposto, Hellison escolhe como contexto

educativo a atividade física, seja ela realizada em contexto escolar,

extracurricular, em clubes, campos de férias ou outro. Nesse ambiente,

desenvolve a partir da sua prática e da reflexão pessoal um modelo de

intervenção pedagógica através do desporto.

Esclarecemos que, no contexto desta tese, a expressão “modelo”, embora por

vezes contestada por alguns investigadores, para os quais um modelo é um

termo que refere uma estrutura padrão, imitável, relativamente rígida, será por

nós utilizada como sendo “conjunto organizado de ideias”, uma vez que foi

declaradamente com este significado que Hellison a usou nos seus escritos.

Ele próprio evitou inicialmente usar a expressão “modelo”, por entender que

podia ser entendida como algo que deve ser implementado de forma rígida e

não como uma organização de ideias que propõe a cada um a reflexão sobre

as mesmas e a avaliação da sua relevância. Assim, cada um usando de

autorreflexão, pode adaptar aquilo que lhe pareça mais válido para a situação e

para os seus alunos (Hellison, 2003).

22

Na língua original Taking Personal and Social Responsibility (TPSR),

Page 58: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

40

Partindo da necessidade prática de dar resposta às atitudes, valores e

comportamentos de jovens negligenciados; armado, segundo as suas próprias

palavras, com algumas vagas noções sobre construção de carácter; Hellison

enceta um processo, que durará até à atualidade, de estudo dos seus

progressos e falhanços, refletindo sobre quais as estratégias específicas que

permitiam por em prática o seu objetivo de tornar mais responsáveis jovens

que viviam em condições sociais muito problemáticas (Hellison, 2003). No seu

primeiro livro, “Humanistic Physical Education”(1973), já era patente a

preocupação de Hellison sobre alternativas pedagógicas que potenciassem a

Educação Física (EF) como um meio de desenvolvimento de competências de

“bem-estar emocional e social”. Referindo frequentemente o contributo de

Muska Mosston, Hellison avançou para a adoção de um estilo de ensino que

favorecesse o desenvolvimento pessoal e social dos seus alunos (Hellison,

1973).

Esta necessidade pessoal de organizar um conjunto coerente de ideias e de

eleger as estratégias que melhor se adequavam ao fim que perseguia, levou

Hellison a relacionar aquilo que ia fazendo no ginásio com a aquisição

desejada da responsabilidade por parte dos jovens. A estrutura base do

Modelo de Responsabilidade resultou desta tentativa de relação constante

entre o que se passa dentro e fora do ginásio.

Levar os alunos a uma maior responsabilidade, obrigou Hellison a refletir sobre

“como se ensinam valores?” e a concluir que “os valores não devem ser

tratados como absolutos mas como qualidades a experienciar e sobre as quais

refletir”. A partir desta consciencialização, “os alunos são, em última análise,

responsáveis por adotar, modificar ou rejeitar esses valores na sua vida”.

(Hellison, 1995, p. 11)

Inicialmente criado para uma população de jovens socialmente desfavorecidos

em risco de exclusão social (Hellison, 1995) o Modelo de Responsabilidade em

poucos anos atraiu educadores que o implementaram com grupos de crianças

e jovens distintos dos iniciais e em contextos igualmente diferentes (Buchanan,

2001; Cutforth, 1997; Cutforth & Hellison, 1992; DeBusk & Hellison, 1989;

Escartí, et al., 2005; Martinek & Hellison, 1997; Masser, 2004; Parker, Kallusky,

Page 59: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

41

& Hellison, 1999; Ruiz Pérez, et al., 2006; Saskatchewan, 1999; Sparks III,

1993; Stiehl, 1993; Watson, Newton, & Kim, 2003; Wright, White, & Gaebler-

Spira, 2004).

O primeiro esboço do Modelo de Responsabilidade surge publicado em 1978

(Hellison, 1978). Hellison tem como pressuposto, como já referimos, o

desenvolvimento global da pessoa através da Educação Física. Sem dúvida

fundamentado numa visão humanista da educação, propõe ao aluno a

atualização das suas próprias potencialidades, utilizando a Educação Física

como um meio de desenvolvimento. Segundo o próprio autor, justificar-se-ia

por isso a denominação da disciplina de “Educação pelo Físico” em

substituição da atual “Educação Física”. Esta proposta será uma constante do

modelo nascente, ao longo de mais de 30 anos de existência do mesmo, tendo

sido confirmada por estudos que a identificaram posteriormente como conceito

de “empowerment” (Wright, et al., 2004).

Após os primeiros escritos, surgem numerosas publicações da autoria do

próprio Hellison e também de outros investigadores/professores que

encontraram no Modelo de Responsabilidade uma boa ferramenta pedagógica,

composta por um conjunto de objetivos, estratégias e orientações

metodológicas que permitia partir de uma base de trabalho estruturada para o

trabalho de desenvolvimento dos jovens através da atividade desportiva em

vários programas.

Ao longo dos anos, a conceção do Modelo de Responsabilidade mantém uma

estrutura básica no que diz respeito às convicções, objetivos e estratégias.

Essa estrutura básica é referida por Hellison e Walsh (2002) num artigo de

revisão “Responsibility-Based Youth Programs Investigating the Investigattions”

e é aquela pela qual optamos como esquema estruturante do presente

capítulo, onde referiremos também os temas da “atmosfera do programa” e da

formação dos professores, sem o qual não nos pareceria completa a revisão de

literatura sobre o Modelo de Responsabilidade.

Exploremos então um pouco mais cada um dos traços estruturantes do modelo

desenvolvido por Hellison.

Page 60: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

42

Page 61: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

43

2.1. Convicções

Hellison apresenta-nos quatro convicções pedagógicas básicas nas quais

alicerça a sua forma de intervir.

Integração - O ensino de competências para a vida e dos valores deve

estar integrado na atividade física da aula23 e não ser trabalhado

separadamente.

Transferência - As aprendizagens da aula no ginásio devem ser

programadas de forma a possibilitar ao aluno a transferência destas

para outros aspetos da sua vida.

Empowerment - A forma de dar instruções deve ter como base a

passagem gradual da responsabilidade do professor para o aluno.

Relação professor-aluno - Para o sucesso do modelo, é fundamental que

o responsável pela sua aplicação reconheça e respeite a individualidade,

as forças, as opiniões e a capacidade de decisão de cada um dos

participantes na atividade ou programa.

Em relação a este tema, Hellison chama a atenção para a “Integração”

traduzindo-a pela necessidade de o professor ser competente e considerar na

sua programação não só o ensino de determinada atividade ou competência

estritamente desportiva mas também como é que dentro desse conteúdo o

aluno vai experimentar a responsabilidade. Será pois necessário integrar os

dois tipos de objetivos sendo a atividade física o meio onde ambos se

desenvolverão (Hellison, 2003). Mesmo antes de utilizar o termo “integração” o

autor do modelo tem esta necessidade presente. No seu livro Goals and

Strategies for Teaching Physical Education (1985) refere o imperativo de se

infundirem as estratégias de desenvolvimento da responsabilidade no conteúdo

normal das aulas. Os próprios alunos devem percecionar a aprendizagem da

responsabilidade pessoal e social como parte integrante de cada lição e não

como um “acrescento” que se faz à mesma (Gordon, 2010).

23

Por simplificação de discurso, utilizaremos a expressão “aula” quer se trate de um período de aula escolar propriamente dito, quer de uma sessão de atividades, de treino ou outros. Da mesma forma, a expressão “aluno” pode referir-se simplesmente a um participante. Também a expressão professor pode referir o professor de educação física, um treinador ou monitor.

Page 62: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

44

A preocupação com a potencialidade da “Transferência” das aquisições em

termos de valores do ginásio para a vida do dia-a-dia, para as outras aulas

escolares, para casa ou para o bairro, é também constante na vida do Modelo

de Responsabilidade. A transferência diz respeito à aplicabilidade do que o

aluno aprende no ginásio para outros contextos. Esta oportunidade de

transferência deve ser planeada e proporcionada aos alunos. Deve mesmo ser

estimulada pelo professor fazendo perguntas ou motivando a reflexão sobre as

alterações do comportamento em casa ou na escola.

Como no caso da convicção anterior, não é de início que encontramos a

expressão transferência (transfer, na língua original); no entanto, já em 1985

Hellison refere a importância deste tema na eficácia do Modelo de

Responsabilidade, escrevendo “A transferência de valores é essencial para que

o modelo funcione porque os níveis (objetivos) representam valores que são

importantes para a vida.” (Hellison, 1985, p. 162). Promover a transferência é o

ponto fulcral (Wright & Burton, 2008) e é o maior desafio do Modelo de

Responsabilidade (Martinek, Schilling, & Johnson, 2001).

Frequente na literatura da Psicologia Social, o termo “empowerment” é o

conceito que melhor corporiza a terceira convicção de Hellison. Na prática do

Modelo de Responsabilidade, traduz a passagem da responsabilidade do

professor para o aluno, de forma a capacitá-lo de que tem potencialidades para

orientar a sua vida e de participar construtivamente na vida dos outros. Desde

os seus primeiros escritos que Hellison declara esta convicção de que em

contexto educativo a responsabilidade deve ir transitando do professor para o

aluno à medida do desenvolvimento deste (Hellison, 1973). Esta transferência

de responsabilidade implica dar ao estudante oportunidade para tomar

decisões e a experiência de viver as consequências das suas próprias

decisões (Gordon, 2010). Segundo Williamson e Hellison (1992), o jovem tem

necessidade de aguentar as pressões externas do seu envolvimento e de

converter o controlo externo sobre o seu destino em controlo pessoal do

próprio destino; daí o uso frequente de autocontrolo e de auto-motivação

Page 63: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

45

quando se fala de objetivos e de níveis de responsabilidade. O professor deve

encorajar nos seus alunos a perceção de independência e de controlo da

própria vida, através da participação ativa nas decisões a tomar no programa

Modelo de Responsabilidade (Martinek & Hellison, 1997).

O último tema ou convicção diz respeito à “relação professor-aluno”. Diz

Hellison que nada do resto interessa se não se consegue desenvolver uma

relação com os próprios alunos (2003). Cada aluno deve ser tratado como

pessoa individual, a quem o professor reconhece forças, opiniões, capacidade

para tomar decisões. “A primeira caraterística [do professor] é a sensibilidade

para as necessidades, competências, interesses e sentimentos juntamente

com a compreensão de que estes são únicos para cada indivíduo” (Hellison,

1973, p. 95).

O Modelo de Responsabilidade propõe que os alunos sejam tratados com

dignidade, que se promova um desenvolvimento holístico e de respeito pela

pessoa. Mais uma vez, o dar voz a cada um, dar a oportunidade de participar

nas escolhas e ser capaz de alterar a sua “programação” para acolher ideias

dos jovens, é uma das melhores maneiras de os fazer experimentarem ser

tratados dignamente como pessoas (Hellison, 2003).

Nesta relação, a honestidade é a primeira exigência. Hellison aconselha

veementemente que o adulto seja genuíno:

“Não tentes ser “fixe”. É crucial seres tu mesmo, seres genuíno. […] É difícil não tentar ser popular. Eu próprio já mencionei o meu medo de ser tido como um professor não “fixe”. Esse medo está sempre presente em segundo plano, mas eu tento não deixar que ele me controle. O melhor antídoto que eu descobri são as experiências de sucesso que tive com os meus alunos sendo eu mesmo” (Hellison, 1995, p. 60).

Os professores devem também tentar conhecer a cultura dos seus alunos

lutando contra qualquer tentação de preconceito ou de ideias preconcebidas a

respeito dos seus alunos mesmo que sejam de simpatia. O professor deve

estar preparado para aceitar diferenças e para escutar os alunos apreciando

mesmo as suas teorias e a sua perceção da vida, da escola e das atividades

físicas (Martinek & Hellison, 1997).

Page 64: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

46

2.2. Níveis de Responsabilidade

Desde o início da sua carreira, Hellison foi defensor de uma Educação Física

que, para além dos objetivos de aprendizagem do gesto desportivo, de fitness

e de rendimento desportivo, proporcionasse ao aluno o desenvolvimento de

valores pessoais e de relação. Assim, esquiça um primeiro modelo, um “goal

model”, dando especial atenção ao desenvolvimento de valores relacionados

com o desenvolvimento pessoal e com o desenvolvimento social dos jovens

(Hellison, 1978). A partir desta primeira tentativa de síntese, que resultou num

modelo relativamente complexo no que respeita a níveis e subníveis, Hellison

elege dois grandes objetivos relativos ao bem-estar pessoal – esforço e

autonomia – e dois relativos ao bem-estar social – o respeito pelos direitos e

sentimentos dos outros e a preocupação com os outros. O facto de optar por

dois eixos de valores teve o propósito de permitir que os alunos se lembrassem

facilmente, dentro e fora das aulas, dos objetivos do trabalho e, para isso,

tornava-se necessário que estes fossem simples e em pequeno número

(Hellison, 1995). Hellison propõe então quatro Níveis, através dos quais os

jovens aprendem a tomar a responsabilidade do seu bem-estar pessoal e do

bem-estar dos outros, juntando-lhes um quinto (Figura 3), que busca a

aplicação dos quatro Níveis anteriores ao contexto de vida do aluno, seja a

escola, a família ou o bairro (Hellison, 1995).

Figura 3 – Relação de cada Nível em função do tipo de responsabilidade que desenvolve

(Pardo, 2008)

Page 65: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

47

Eis assim encontrada a primeira versão dos Níveis de Responsabilidade

Pessoal e Social (NRPS) (Hellison, 2003). Como objetivos a atingir durante as

sessões pelos alunos são definidos, por Hellison, cinco Níveis de

Responsabilidade Pessoal e Social que nomeamos abaixo, juntamente com

exemplos de comportamentos a implementar em cada um:

Respeito pelos direitos e sentimentos dos outros

Autocontrolo do temperamento e da “boca”

Respeito pelo direito de todos a serem incluídos

Envolvimento na resolução pacífica e democrática dos conflitos

Esforço e trabalho em equipa

Auto motivação para explorar o seu próprio esforço, tentar tarefas

novas e persistir na tarefa

Cooperação

Auto direção

Trabalho individual

Estabelecimento de metas de progressão com coragem para

resistir à pressão dos pares

Ajuda e liderança

Sensibilidade e sentido de responsabilidade pelas necessidades e

interesses dos outros

Contribuição para o bem-estar, ao mesmo tempo, próprio e do

grupo

Fora do ginásio

Tentar aplicar estas ideias fora da atividade física do Modelo de

Responsabilidade

Ser um modelo

Na Figura 4, podemos ver uma representação desta versão dos Níveis de

Responsabilidade usada por Hellison nessa altura.

Page 66: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

48

Figura 4 – Imagem de uma versão inicial dos Níveis de Responsabilidade

(Hellison, 1995)

Esta organização dos objetivos permitiu-lhe iniciar um trabalho de procura de

estratégias específicas que veio a produzir resultados diversos nos últimos

quase 40 anos. Podem encontrar-se, ao longo deste tempo, diferentes versões

das componentes dos níveis inicialmente propostos. As diferenças

representam, não só uma evolução no sentido de aproveitar a experiência de

todos os que já tinham trabalhado com este modelo de intervenção, como

também a adaptação do mesmo ao ensino de grupos específicos de alunos

com Necessidades Educativas Especiais ou outras. No Quadro 2 encontram-se

as versões mais significativas disponíveis na literatura (Hellison, 1978, 1985;

Marín, 2007; Masser, 2004; Williamson & Hellison, 1992).

Page 67: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

49

Quadro 2 – Versões diferentes das componentes dos Níveis inicialmente propostas por Hellison

Como se pode verificar, há algumas diferenças em relação ao projeto inicial de

Hellison. No entanto, os trabalhos referem basicamente cinco Níveis de

Responsabilidade Pessoal e Social que abrangem os valores relativos ao

próprio, à sua relação com os outros e à transferência das competências

adquiridas para a vida fora do sítio onde se desenrolam as atividades do

Modelo de Responsabilidade. Estes níveis são propostos aos alunos ao longo

de sessões de Educação Física, treino desportivo ou de atividades de campos

de férias.

Nos primeiros trabalhos feitos em Portugal (Correia, 2007; Regueiras, 2006)

adotaram-se as seguintes denominações para os Níveis de Responsabilidade:

Respeito pelos direitos e sentimentos dos outros; Participação e esforço;

Autonomia; Liderança e ajuda aos outros; e Fora do ginásio.

Hellison, 1978

(Humanistic

Goal Model)

Hellison, 1985 Williamson e

Hellison, 1992

Martinek,

Schilling e

Johnson, 2001

Masser, 2004 Marín 2007

Nível 0 Irresponsabilidade

Nível I

Ausência de

consciência

2 subníveis

Autocontrolo

Autocontrolo e

respeito pelos

direitos e

sentimentos dos

outros

Autocontrolo e

respeito pelos

outros

Respeito/auto

controlo

Respeito pelos

direitos e

sentimentos dos

outros

Nível II Consciência de si

4 subníveis Empenhamento

Participação e

esforço

Participação e

esforço Participação

Participação e

esforço

Nível III

Consciência dos

outros

2 subníveis

Auto

responsabilidade Autonomia Autonomia

Autonomia / auto

responsabilidade

Autogestão/Autono

mia

Nível IV

Integração

dos três primeiros

níveis de

consciência

Atenção aos

outros

Atenção e ajuda

aos outros Ajuda aos outros

Atenção aos

outros

Empatia e conduta

pró social

Nível V

Aplicação dos

níveis fora do

ginásio

Aplicação fora da

Educação Física Transferência

Nível VI Projeção no

trabalho e no lazer

Page 68: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

50

Nos trabalhos publicados nos últimos anos, a expressão “fora do ginásio” tem

sido frequentemente substituída por “Transferência” (Corte-Real, 2011;

Nogueira, 2011). Adotámos, por isso, essa denominação do Nível V no

presente estudo.

Assim, representando esquematicamente os Níveis de Responsabilidade

Pessoal e Social obteremos a seguinte imagem:

Figura 5 – Níveis de Responsabilidade Pessoal e Social

Inicialmente, os Níveis de Responsabilidade Pessoal e Social representavam

uma progressão acumulativa de ensino, isto é, para se alcançar um nível

superior havia que se ter ultrapassado os níveis anteriores seguindo-se do

primeiro para o quinto nível. No entanto, cedo Hellison e outros autores

chamam a atenção para a não obrigatoriedade desta ascensão. Justificam-se

dizendo que os alunos nem sempre progridem de forma linear, podendo

inclusivamente avançar e estagnar ou recuar, em determinado nível, de acordo

com as suas caraterísticas pessoais (Escartí, et al., 2005; Hellison, 2003). Para

além disso, há, em relação ao Nível 5, todo o interesse em que este seja

trabalhado desde o primeiro dia pois isso facilita a transferência gradual das

Page 69: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

51

aquisições. Um outro argumento apresentado é o de que a progressão rígida

de níveis (em que só se propõe o seguinte quando o anterior está “adquirido”)

pode proporcionar a etiquetagem dos alunos a determinado nível (Pardo,

2008). De qualquer maneira, embora não de forma exclusiva, os Níveis de

Responsabilidade Pessoal e Social contêm em si uma progressão entre eles,

pois representam níveis de exigência diferentes no que refere às componentes

de responsabilidade pessoal e de responsabilidade social.

Dentro de cada Nível de Responsabilidade Pessoal e Social, os diferentes

autores foram trabalhando de forma variada as suas componentes. Deste facto

seguem alguns exemplos organizados no Quadro 3.

Page 70: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

52

Quadro 3 – Componentes dos Níveis de Responsabilidade Pessoal e Social

Em seguida damos conta de cada um dos Níveis de Responsabilidade Pessoal e

Social de forma um pouco mais detalhada.

Nível I – Respeito pelos direitos e sentimentos dos outros

Um comportamento respeitoso dos direitos e sentimentos dos outros facilita,

em primeiro lugar, a criação de um clima física e psicologicamente seguro. Este

ambiente permite que nenhum aluno se sinta intimidado nem ameaçado por

24

Cit. por Hellison, 2003b. 25

(Hellison, 1995) 26

(Marín, 2007) 27

(Wright & Craig, 2011)

Masser 199024

Hellison 199525

Marín 200726

Wright 201127

Nível I

Respeito pelos

direitos e

sentimentos

dos outros

Autocontrolo

Resolução pacífica de

conflitos

Direito de ser incluído

Autocontrolo

Resolução pacífica de

conflitos

Direito de ser incluído

Autorregulação

Empatia

Autocontrolo

temperamental

Resolução pacífica de

conflitos

Incluir os outros

Nível II Participação e

esforço

Auto motivação

Exploração do esforço

Persistência

Auto motivação

Exploração do esforço

Tentar coisas novas

Definição pessoal de

sucesso

Motivação intrínseca

Persistência nas tarefas

Demonstração de esforço

Motivação intrínseca

Nível III Autonomia

Trabalho autónomo

Proposta de progressão

nos nineis

Resistência à pressão dos

pares

Trabalho autónomo

Plano pessoal

Equilibrando as

necessidades atuais e

futuras

Lutando contra forças

exteriores

Autonomia

Estabelecimento de metas

Clima motivacional

Trabalho individual

Propor-se objetivos

pessoais

Tomar decisões acertadas

Nível IV

Liderança e

ajuda aos

outros

Atenção e compaixão

Sensibilidade e

compreensão

Força interior

Habilidades interpessoais

de pré-requisito

Compaixão

Sem recompensas

Membro contribuinte da

comunidade

Desenvolvimento moral

Orientar colegas

Desempenho do papel de

professor

Encorajar e ajudar os

outros

Nível V Transferência

Aplicação das anteriores

noutros envolvimentos

Ser um modelo

Transferência Transferência

Transferir os 4 primeiros

níveis e os

comportamentos

associados

Page 71: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

53

ninguém, podendo sentir-se livre de manifestar as suas emoções, opiniões e

medos. Favorecem-se comportamentos de respeito pelas opiniões dos outros e

pela sua maneira de ser e de atuar, o respeito pelas regras básicas de

convivência, e o autocontrolo.

Os comportamentos e atitudes incompatíveis com o Nível I são: Agredir física

ou oralmente os outros, interromper as tarefas e atividades dos colegas ou do

professor, intimidar, ameaçar os colegas ou ignorar algum deles.

Algumas das estratégias específicas para estimular as competências

necessárias referem o trabalho de autorregulação com os alunos, levando-os a

pensar sobre os seus comportamentos, a avaliar os mesmos comportamentos

em relação a metas propostas e canalizar as reações emotivas para

comportamentos construtivos e responsáveis. O fomento da empatia – levando

o aluno a entender a perspetiva do outro – é de tal maneira importante que se

dará como desejável nalguns grupos despender algumas sessões

especificamente para aquisição desta competência (Escartí, et al., 2005).

Nível II – Participação e esforço

Neste nível, o programa tem como objetivo principal a motivação intrínseca e,

para isso, devem propor-se aos participantes estratégias que os levem a

experimentar tarefas novas e a persistir no trabalho mesmo quando este se

torna mais difícil; sentirem-se orientados para a tarefa e não para a competição

buscando critérios pessoais de êxito.

O professor, visando o compromisso pessoal de todos os alunos, deve propor

atividades variadas de forma que todos possam envolver-se nelas mostrando

um comportamento responsável. É importante a proposta de atividades não

discriminatórias (onde a vontade de participar supere caraterísticas de sexo ou

de nível de habilidade) e motivantes (que encerrem novidade e desafio) a fim

de que os alunos demonstrem perseverança e se mantenham motivados ao

enfrentarem dificuldades e desafios. Por isso, é essencial que os jovens vão

sendo cada vez mais capazes de se focarem no seu próprio desempenho em

vez de se compararem sistematicamente aos outros.

Page 72: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

54

Nível III – Autonomia

A um passo do nível anterior, temos o Nível III cujo principal objetivo é fomentar

a autonomia nos alunos ensinando-lhes a serem independentes e a assumirem

(com mais exigência) responsabilidades. As propostas feitas neste nível

necessitam particularmente de ser ajustadas à idade e caraterísticas pessoais

dos participantes como veremos em seguida.

A estratégia do trabalho sem supervisão direta assume aqui um papel

educativo fundamental. O aluno redefine não só os seus critérios de êxito,

como no nível anterior, mas identifica as próprias necessidades e leva a cabo

(na medida das caraterísticas de cada um) o seu próprio projeto, tomando

decisões sobre objetivos e estratégias.

Esta tomada de decisões exige treino e realismo e, por esta razão, é muito

importante que em cada sessão do programa se proponham diferentes opções

aos alunos de forma que eles tenham que fazer escolhas. Segundo Hellison,

“quando um jovem escolhe, começa a compreender as suas necessidades

próprias e não apenas os seus interesses (…) para adquirir este tipo de

independência o aluno tem que ter coragem para olhar para dentro de si

mesmo” (Hellison, 2003, p. 32). Estratégias que privilegiem este trabalho de

sensibilidade, que reforcem a aceitação de si mesmo (virtudes e dificuldades),

e permitam que o aluno, de alguma forma, elabore o seu próprio plano (seja

para melhorar técnica, ganhar força, modelar o aspeto ou qualquer outro), o

execute e o avalie, serão fundamentais para que este se sinta bem consigo

mesmo e se sinta motivado pela autorresponsabilidade.

A perceção de autoeficácia é importante neste nível, dado que os alunos que

tenham desenvolvido um forte sentido de eficácia, em diferentes contextos de

ação, terão tendência a proporem-se metas mais arrojadas do que aqueles que

acumularam na sua história frequentes experiências de fracasso (Escartí, et al.,

2005, p. 39).

Nível IV – Liderança e ajuda aos outros

Este nível, centrando-se em aspetos da responsabilidade social, é

particularmente condicionado pelas aquisições anteriores dos participantes, em

Page 73: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

55

termos da capacidade de se porem no lugar dos outros e de compreenderem

os seus sentimentos e as suas necessidades. Os jovens são estimulados a

desenvolver o cuidado de considerar o bem-estar dos outros adquirindo

capacidade de compromisso moral. O trabalho neste nível amadurecerá no

jovem a sua competência de relação e as atitudes de resposta interessada e

compassiva, contribuindo para o grupo sem expectativas de recompensa

(Hellison, 2003).

A aprendizagem deste nível não é simples e, normalmente, está sujeita a

avanços e estagnações ao longo de muitas sessões, no entanto permite

aquisições muito ricas do ponto de vista das destrezas sociais. Trata-se de

experimentar, sem arrogância, ajudar os colegas que precisam ou que querem

ser ajudados. “Exige força interior – coragem para resistir à pressão e à agenda

encoberta de se fazer um líder egocêntrico” (Hellison, 2003, p. 34).

As estratégias usadas no Nível IV são, como já se referiu para o nível anterior,

muito condicionadas pela idade dos alunos. A título de exemplo, Hellison

sugere que se preste especial atenção àqueles que apresentam maiores

dificuldades, sendo estes os que são solicitados a ajudar o professor com os

alunos que necessitam (Pardo, 2008). Outra estratégia consiste em pedir a um

aluno para dar o aquecimento ou outra parte da sessão.

No fim desta etapa os alunos devem estar capazes de pensar mais em termos

de grupo e de comunidade do que em termos de individuais e egoístas.

Nível V - Transferência

“Aparentemente, a transferência (de valores) requer explanações específicas

por parte do professor ou do treinador relacionando o que se passa no terreno

(on the field) com o que se passa na vida (in life).” (Hellison, 1973, p. 27).

A referência acima (anterior à criação do Modelo de Responsabilidade) é uma

das primeiras que Hellison faz à transferência de valores do Desporto para o

envolvimento extradesportivo do aluno, seja na escola, em casa ou na

comunidade. É interessante que desde cedo subsista a convicção de que esta

etapa da educação de valores, através da atividade desportiva, não seja

Page 74: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

56

automática e de que necessite de uma atenção particular por parte do

professor.

Mais tarde, em 1978, Hellison diz, no contexto do Modelo Humanístico, que “o

Nível IV, nível de Integração, [correspondente ao Nível V do Modelo de

Responsabilidade], representa um sistema integrado de ser-no-mundo em que

interfere o autodesenvolvimento e senso de comunidade funcionando de forma

espontânea e interdependente” (1978, p. 22).

Trata-se do último nível, o nível provavelmente mais importante pois encerra

nos seus objetivos a finalidade da educação – proporcionar a sabedoria para a

vida. Exige-se do aluno a capacidade de aplicar os anteriores Níveis de

Responsabilidade Pessoal e Social fora do programa, quer dizer, na escola,

junto da família e na comunidade. Como refere Hellison, “Em última instância, o

Nível V, significa ser um modelo para os outros” (2003, p. 36). Os jovens que

ascendem a este nível de responsabilidade manifestam respeito, empenho,

autonomia, liderança e compaixão pelos outros, não só no seu clube mas

também em qualquer outro ambiente.

A transferência é influenciada por muitos fatores, alguns dos quais

relacionados com os próprios jovens, como por exemplo, a idade, a

diversificação de experiências, a capacidade de abstração, a capacidade de

atenção, a capacidade metacognitiva, a personalidade e a estabilidade das

aprendizagens, o uso eficiente da experiência passada, a motivação e outras

(Perkins & Salomon, 1992).

Como deu conta Hellison desde o início, a aquisição deste nível não é fácil nem

automática. Também Escartí e colegas comentam esta constatação:

“[a transferência] não se considera como uma consequência automática de qualquer tipo de aprendizagem, pelo que devem existir condições psicológicas para que se produza”. Assim, continua Escartí, “a questão é conhecer, tanto quanto possível, em que condições se produz a transferência e quais os aspetos que a favorecem em maior grau" (2005, p. 43).

Um desses aspetos é, segundo Perkins e Salomon (1992, p. 7), a relação

metafórica entre aquilo que se aprende e a nova situação onde se pretende

aplicar esse conhecimento. “Usando uma metáfora ou analogia: A transferência

é facilitada quando o novo material é estudado à luz do material previamente

aprendido que serve como uma analogia ou metáfora.”

Page 75: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

57

Um obstáculo evidente à transferência das aprendizagens é a diferença de

culturas entre os vários contextos onde se desenrola a vida do jovem. “Ao

longo das sessões, os níveis contribuem para a construção de um clima de

respeito, de esforço, de autonomia e de comunidade, mas essas qualidades,

com frequência, não são valorizadas na rua e, muitas vezes, nem mesmo em

casa ou na escola” (Hellison, 2003, p. 36). Também Martinek e colegas (2001)

chamam a atenção para este “choque cultural” que envolve a cultura familiar,

da escola, os valores da competição e a desconfiança existente por vezes

entre as comunidades e os programas implementados. Diz Martinek que

transferir o Modelo de Responsabilidade para a escola, o recreio, o bairro etc.

continua a ser o maior desafio para os implementadores do mesmo.

Várias são, por outro lado, as estratégias que favorecem a transferência.

Incentivar os alunos a que experimentem aplicar um dos objetivos conseguidos

em casa, com os irmãos, ou numa outra aula, é uma delas. Assim, os jovens

têm oportunidade de confirmar com a sua própria experiência como funcionam,

noutra situação, os padrões de comportamento, as regras e as habilidades

necessárias à aplicação de conduta adequada de determinado nível.

Paralelamente, durante a sessão, será positiva a existência de momentos em

que essas experiências possam ser partilhadas (normalmente na reflexão final,

ou em conversa individual), e em que professor possa fazer perguntas

orientadoras nesse sentido (Parker & Hellison, 2001).

Até ao início dos anos 90, alguns estudos começaram a evidenciar as

potencialidades do Modelo de Responsabilidade em relação à transferência de

valores para fora do ginásio (Hellison & Walsh, 2002). A partir daí, mercê de

muitas chamadas ao estudo do suporte empírico da transferência, tem havido

um bom contributo da comunidade científica no sentido desse estudo (Walsh,

Ozaeta, & Wright, 2010).

Em estudos recentes (Martinek, Hellison, & Walsh, 2004; Walsh, 2008a; Walsh,

et al., 2010) sublinhou-se o facto de haver dois fatores/estratégias que

favorecem os resultados positivos do V Nível do Modelo de Responsabilidade.

O primeiro deve-se ao facto de que, desde as sessões iniciais, os professores

conversarem com os alunos sobre a potencial transferência daquilo que vão

Page 76: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

58

aprendendo em cada um dos quatro primeiros níveis. Esta estratégia parece

facilitar a conexão gradual entre aquilo que se passa no ginásio e o

envolvimento. Os professores promovem a discussão à volta do tema, facilitam

exemplos, louvam os participantes que vão percebendo que a transferência é

possível e pedem o exemplo de cada um.

O segundo é integrar nas conversas uma projeção das aprendizagens nos

futuros possíveis dos jovens, ajudando-os assim a compreender o significado

futuro dos seus esforços atuais. A estratégia para o fazer é falar

(individualmente ou em grupo) sobre as expectativas que os jovens têm em

relação às suas ocupações futuras, aconselhando-os a empenharem-se mais

neste ou naquele objetivo que os ajudará a atingir os seus anseios. Outra

estratégia, mais exigente, consiste em ajudá-los a traçar as etapas detalhadas

necessárias para atingir os seus objetivos, incluir nesse trabalho a forma como

o programa pode ajudá-los experimentalmente, através das atividades práticas

como sejam o estabelecimento de metas dentro do próprio programa.

2.3. Estratégias

Hellison propõe, para que se atinjam os Níveis de Responsabilidade Pessoal e

Social, dois tipos de estratégias pedagógicas: um esquema estrutural da aula

formal que a organiza em vários momentos e um conjunto específico de

estratégias de ensino utilizadas dentro da estrutura.

Estrutura da aula formal: Conversa individual, conversa de

consciencialização, atividade física (no original lesson), reunião de grupo

e tempo de reflexão.

Estratégias de ensino: Estratégias de consciencialização, instrução

direta, estratégias individuais, tomada de decisões individuais, tomada

de decisões em grupo (Hellison & Walsh, 2002).

a) O esquema de aula proposto por Hellison resulta da sua própria experiência

pedagógica. Esta estrutura tem como objetivo que os alunos se acostumem a

determinada organização e normas de funcionamento de forma a saberem o

que é que se espera deles a cada momento.

Page 77: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

59

Trata-se de um formato de aula que obedece a uma rotina e que consiste em

cinco partes (Hellison, 1990b; Hellison, Martinek, & Cutforth, 1996; Hellison &

Walsh, 2002; Parker & Hellison, 2001; Regueiras, 2006; Wright, et al., 2004):

Conversa individual, antes ou depois da sessão, ou noutro momento no

decorrer desta.

Conversa de consciencialização no princípio da sessão que, nas

sessões iniciais, tem como principal objetivo fazer com que os alunos

compreendam os Níveis de Responsabilidade Pessoal e Social.

A atividade física em si, respeitando o objetivo do Desenvolvimento da

Responsabilidade Pessoal e Social na interação com os alunos.

Breve reunião de grupo perto do final, para que os alunos possam

exprimir as suas opiniões acerca de como correu a sessão e das

eventuais alterações a fazer para melhorar.

Tempo de reflexão para acabar, de forma a que os alunos possam

avaliar o nível de responsabilidade pessoal e social atingido naquela

aula.

A Conversa Individual, fundamental no contexto do Modelo de

Responsabilidade, pode acontecer em qualquer momento em que haja

oportunidade de o professor e o aluno estabelecerem uma comunicação mais

personalizada. Durante estes momentos, o professor pode saber como está o

aluno a viver o programa, como esteve nas suas atividades familiares, na

escola, no tempo livre. São também bons momentos para orientar o aluno nas

atividades que programou na sua autogestão, nos seus objetivos individuais,

conhecendo as suas dificuldades e a sua perceção de sucessos.

É durante este tempo relacional que o professor ajuda o participante a

compreender a relevância de se propor objetivos individuais, quer para sua

vida escolar, quer para os seus empreendimentos futuros (Walsh, et al., 2010).

Embora seja um desafio encontrar tempo para esta relação personalizada, esta

é fundamental, pois proporciona a implementação da confiança, a convicção do

aluno de que é único com capacidades próprias assim como com necessidades

Page 78: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

60

de trabalho próprias; o jovem pode entender então que aquilo que diz é

importante e tem interesse para o seu professor; através destas conversas

pode reforçar-se no aluno a capacidade de tomar decisões (Hellison, 2003).

É importante que, no sentido de acompanhar todos, o professor vá registando

com quem já falou individualmente para que todos tenham acesso a este

tempo de relação privilegiada e para que todos se sintam igualmente

acompanhados e respeitados.

Correndo os riscos inerentes, de não ser compreendido ou de ser acusado de

querer ser o “psicólogo” dos alunos, o professor tem obrigação (como qualquer

adulto bem formado) de participar do desenvolvimento moral dos seus alunos e

este é um momento apropriado para isso. De qualquer maneira, o professor

que quer ajudar tem que ser realista e honesto, percebendo qual é o seu papel

e quando deve encaminhar o jovem com problemas mais profundos para as

pessoas de competência especializada28.

A Conversa de Consciencialização corresponde ao início da aula formal. Nela,

com o grupo todo junto, dá-se início à sessão explicando-se aos jovens os

conteúdos dos Níveis de Responsabilidade Pessoal e Social (ou nível) que se

irão trabalhar naquela aula para que estes tomem consciência do que se

espera deles. Tem a função de re-focar os alunos nos objetivos (Gordon,

2010). É o momento de motivação inicial, deve ser simples e breve, mostrando

a atitude recetiva do professor (Escartí, et al., 2005).

Depois de terem compreendido bem os níveis, esta conversa é uma

oportunidade para entregar aos alunos as responsabilidades para aquele dia.

Pode, por exemplo, a partir de certa altura, pedir-se-lhes para conduzirem este

momento, explicando a todos por palavras suas o que pede o Modelo de

Responsabilidade em determinado nível (Hellison, 2003). O professor pode

também falar de algumas regras importantes para o funcionamento da aula,

pedindo sugestões aos alunos sobre o que deverá fazer-se em caso de

incumprimento. É fundamental que os alunos se habituem a pensar a respeito

28

Martinek, 1984, cit. por Hellison, 2003b

Page 79: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

61

dos assuntos e a contribuir com a sua maneira de ver as coisas (Regueiras,

2006).

A atividade física, “levels in action” ou “the lesson” para Hellison (1995, 2003) e

“la responsabilidad en acción” para Escartí (2005), foram as denominações

mais usadas para a atividade desportiva propriamente dita. É o conteúdo

desportivo da aula através do qual se atingem os objetivos de rendimento, de

aptidão física e de treino desportivo e em que as atividades, tarefas e

habilidades são o veículo para o ensino da responsabilidade.

Discute-se quais serão os desportos que melhor servem o fim do Modelo de

Responsabilidade. Das artes marciais (Wright, et al., 2004), ao basquetebol

(Hellison & Wright, 2003), da escalada e outras atividades radicais (Parker &

Stiehl, 2005), aos clubes multi-atividades (Regueiras, 2006), e aos conteúdos

variados das aulas de Educação Física, as propostas são diversas. Wright e

Burton (2008) repegam a discussão sobre o tema, pondo na mesa as valias de

cada tipo de atividade, referindo que Hellison já tinha exprimido várias vezes o

dilema da escolha entre atividades mais populares (por exemplo o basquetebol

nos Estados Unidos) ou mais desconhecidas para os alunos. A este respeito,

Hellison chama a atenção para a “cultura de rua” que é “arrastada” para o

programa e que pode dificultar o desenvolvimento de aspetos éticos no caso do

desporto muito popular, embora refira como potencialmente positiva a

motivação que normalmente os miúdos têm por este tipo de desportos. Por

outro lado, atividades alternativas, novas na comunidade, podem chamar

alunos para investir numa modalidade menos usual. Concluem Wright e Burton

que, seja qual for a escolha, ela trará necessariamente, para o Modelo de

Responsabilidade, vantagens e desvantagens.

Durante o tempo de atividade física, o mais importante é que a abordagem

pedagógica selecionada seja apropriada à aquisição dos objetivos propostos

pelo Modelo de Responsabilidade e portanto tenha significado de

aprendizagem para os alunos (Gordon, 2010). Daí que, na escolha das

estratégias específicas seja da maior importância o condicionamento dos jogos,

a introdução de regras que intensifiquem a participação de todos ou a

Page 80: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

62

concessão da possibilidade de cada equipa escolher o seu treinador. Estas

são estratégias frequentemente relatadas em intervenções com o Modelo de

Responsabilidade.

Uma Reunião de Grupo finaliza a atividade. Normalmente, os alunos sentam-se

em roda com o professor e é-lhes proposto que exprimam os seus pontos de

vista sobre o desenrolar da atividade, sobre o seu desempenho e o dos

colegas e até mesmo sobre o tipo de orientação feita pelo professor. Partilham-

se opiniões e sentimentos e cada um pode dar a sua ideia sobre como está a

correr o programa. Como estratégia para este momento, o professor pode

lançar uma pergunta aberta e genérica sobre como correu a atividade do dia.

É um momento rico de desenvolvimento de competências do primeiro nível,

que é sempre o nível básico de toda a relação interpessoal. Para tal, há que

fazer respeitar algumas regras (estratégias) orientadoras:

Respeitar todos durante a conversa, por exemplo, não fazendo pouco ou

culpando os outros.

Incluir todos na discussão.

Resolver pacificamente os diferendos.

Tomar as decisões finais em grupo.

Proporcionar a oportunidade para os alunos experimentarem as

consequências das decisões do grupo, mesmo que estas não pareçam

as melhores ao professor (Escartí, et al., 2005; Hellison, 2003; Pardo,

2008).

Esta aprendizagem contínua, crescente e nem sempre pacífica, pode levar os

alunos a procurarem a empatia com os outros e a considerarem pontos de vista

diversos dos seus.

O Tempo de Reflexão, para finalizar a sessão, é o momento em que os jovens

devem pensar acerca do seu comportamento durante a aula. Esta reflexão

pode ser feita de várias formas: Hellison (2003) propõe aos alunos uma

avaliação feita com a mão no ar, mostrando o polegar levantado, de lado, ou

virado para baixo, conforme acharem que o seu comportamento, face aos

Page 81: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

63

objetivos propostos, foi bom, necessita de melhorar alguma coisa, ou ainda

ficou muito aquém do desejado. Outros propõem o preenchimento duma ficha

simples onde o aluno marcará a figura, por exemplo um “smile”,

correspondente ao seu comportamento em relação aos níveis de

responsabilidade (Regueiras, 2006). Há professores preferem fazer algumas

perguntas que orientam a reflexão dos alunos. Esta estratégia é

particularmente eficaz na reflexão sobre o quinto Nível de Responsabilidade

Pessoal e Social (Hellison, 2003).

Há ainda quem proponha a utilização de checklists. Uma estratégia que pode

ajudar alunos e professores é o registo em diário (Cutforth & Parker, 1996).

Para alunos mais novos, Pete Hockett29 pintou os Níveis de Responsabilidade

Pessoal e Social verticalmente na parede do ginásio, ao lado da porta, de

forma a permitir que os miúdos tocassem no nível que se propunham

desenvolver quando entravam e tornavam a tocar na escala quando saíam,

desta feita representando o nível que conseguiram atingir. Muitos outros

exemplos se poderiam dar a este respeito.

Normalmente, o tempo de reflexão é feito no fim da sessão de forma a que se

possa avaliar o envolvimento de cada um com os níveis propostos; no entanto,

pode também ser feito, por vezes, noutro momento, se o professor achar que

algo que ocorreu em determinada ocasião merece uma reflexão. Por exemplo,

no caso de uma escolha menos bem feita ou refletida. Aí, o professor tem

oportunidade de confrontar os alunos com os seus atos e escolhas imediatas e

ajudá-los a pensar mais profundamente acerca das escolhas que fazem

(Hellison, 2003).

No sentido de ir validando a avaliação feita pelos alunos, o professor deve

também registar as suas próprias avaliações acerca da maneira como estes

vão estando. Durante todo o processo, o clima criado é fundamental para que o

aluno que sentiu que não teve êxito se sinta à vontade para dizer “ainda não foi

desta” (Regueiras, 2006).

29

Cit. por Hellison, 2003b.

Page 82: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

64

b) De tudo o que já foi dito se depreende que a estrutura da aula ou da sessão

é, em si mesma, uma estratégia para se atingir o desenvolvimento da

responsabilidade através dos cinco níveis descritos por Hellison e por todos

aqueles que lhe seguiram o modelo. Ao mesmo tempo, da experiência de cada

um, foram resultando especificações de estratégias para o desenvolvimento de

cada Nível de Responsabilidade Pessoal e Social. Disto fomos dando conta ao

longo dos parágrafos anteriores quando falávamos da estrutura da aula.

Parece-nos, no entanto, importante referir algumas estratégias de ensino que,

pelo facto de serem usadas pelos primeiros aplicadores do Modelo de

Responsabilidade, se tornam linhas estratégicas mestras do modelo. Elas

impregnam como que obrigatoriamente as decisões pedagógicas dos

professores que trabalham o modelo.

Logo nos primeiros tempos do Modelo de Hellison, encontrámos referência a

seis tipos de “estratégias de interação” (DeBusk & Hellison, 1989; Hellison,

1985), a saber:

I. Explicação verbal: estratégia simples que contém as ações em que o

professor explica e apresenta os Níveis de Responsabilidade Pessoal e

Social, e os refere durante a sessão;

II. Modelação (ser): refere a forma como o professor mostra em si mesmo

os NRPS através das suas atitudes e comportamentos;

III. Reforço: é qualquer ato em que o professor reforça uma atitude ou

comportamento de um jovem;

IV. Tempo de reflexão: refere o tempo que os alunos despendem pensando

nas suas atitudes e comportamentos em relação aos Níveis de

Responsabilidade Pessoal e Social;

V. Partilha com o aluno: acontece quando os alunos são chamados a dar a

sua opinião sobre qualquer aspeto do programa;

VI. Estratégias específicas por nível: refere-se àquelas atividades que

implementam a interação com determinado Nível de Responsabilidade

Pessoal e Social, por exemplo, os “contratos com os estudantes” no

Nível III, o ensino entre pares (seja dois a dois seja em equipas maiores)

Page 83: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

65

que pode ajudar os alunos a trabalharem dentro do Nível V (DeBusk &

Hellison, 1989, p. 106).

Hellison sublinha num artigo (Hellison, 1990b) a importância das estratégias. O

autor refere o facto de os vários projetos de ensino implementados com base

no Modelo de Responsabilidade assentarem num processo vivencial, de

conhecimento, experiência, tomada de decisões e de reflexão pessoal por

parte do aluno e que este processo exige estratégias próprias.

I. A primeira dessas estratégias é a tomada de consciência (awareness)

através da qual se pretende que os alunos conheçam os Níveis de

Responsabilidade Pessoal e Social.

II. A segunda consiste em proporcionar aos alunos experiências de êxito

nos diferentes Níveis de Responsabilidade Pessoal e Social,

convidando-os a respeitar e a apoiar os outros, a arriscar uma atitude

nova em relação a eles ou a perseguir objetivos próprios no treino.

Hellison diz despender muito do seu tempo de conversa com os alunos

incentivando-os a experimentarem a aplicação dos níveis fora do ginásio

(Nível V). Diz-lhes, “apenas para verem como se sentem”, que “tentem

durante uma semana e depois faremos ajustes se não correr bem”

(Hellison, 1990b, p. 59). Esta estratégia exige que o professor conheça

bem os seus alunos, pois é necessário acreditar que eles já têm as

competências de que necessitam para por em prática o que lhes propõe.

Outra coisa que ajuda a implementação desta estratégia é o ambiente

de confiança, de alegria e de prazer com a atividade das sessões. Aí, o

modelo do professor é fundamental.

III. Uma terceira estratégia envolve a tomada de decisões e a resolução de

problemas para que os alunos sejam confrontados com as suas próprias

opções e se sentam estimulados a enfrentar os problemas propostos em

cada Nível de Responsabilidade Pessoal e Social. Estas decisões e

resoluções de problemas devem estar perfeitamente integradas no

currículo do programa e não “inventadas” como situações imaginárias.

Esta estratégia aproveita as decisões tomadas em relação, por exemplo,

Page 84: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

66

ao comportamento de cada aluno (referente aos NRPS), ou as decisões

tomadas para resolver problemas da equipa ou outros do género.

Quando aparecem problemas de grupo, seja insultos durante um jogo ou

desmotivação de alguns elementos, uma partilha (por exemplo na

reunião de grupo) pode ser conduzida no sentido de se encontrar uma

tomada de decisão de grupo em relação ao assunto.

IV. A última estratégia sugerida por Hellison é a de reservar em todas as

sessões um pouco de tempo para introspeção para que os alunos

reflitam sobre os seus valores, intenções e comportamentos em relação

aos Níveis de Responsabilidade Pessoal e Social. Desta estratégia

falámos já quando nos referimos à estrutura da sessão, no Tempo de

Reflexão, no entanto ela não se esgota aí. A introspeção pode ser

estimulada pela própria reunião de grupo, ao fomentar no aluno uma

revisão das suas convicções, atitudes ou ações, ou pelo professor,

numa conversa individual ou ainda durante um período de paragem

durante a sessão. Os períodos de paragem são estratégias usadas por

muitos professores, consistindo basicamente na paragem da atividade

de um aluno (por sua iniciativa ou a pedido do professor) para lhe

possibilitar a reflexão sobre um acontecimento em que não esteve tão

bem, por exemplo. O chamado “banco-da-paz” usado com as crianças

do Primeiro Ciclo é um exemplo de aplicação das estratégias de

introspeção: os alunos envolvidos em bulhas, por exemplo, devem

sentar-se num sítio pré-determinado do espaço desportivo, o “banco-da-

paz”, para tratar de solucionar entre eles o problema mediante o diálogo.

Encontrada a solução comunicam-na ao professor e integram

novamente a atividade (Escartí, et al., 2005, p. 64).

2.4. Atmosfera do programa

“Providencie um ambiente psicologicamente seguro da mesma forma que providencia um ambiente fisicamente seguro. Uma coisa é garantir a liberdade de danos físicos, outra é detetar e controlar o abuso emocional e a ridicularização que são muitas vezes disfarçados de humor, gestos, ou insinuações.” (Martinek & Hellison, 1997, p. 43).

Entende-se por “atmosfera do programa” aquilo que é normalmente definido na

literatura sobre educação como “clima da aula”. Nesse tipo de literatura é

Page 85: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

67

comum indicar-se como clima ideal para a aprendizagem um ambiente

“caloroso”.

Num programa orientado para objetivos de desenvolvimento, como é o Modelo

de Responsabilidade, a atmosfera é relacional, os jovens têm voz ativa,

recebem uma atenção individualizada, fazem escolhas significativas e é-lhes

dada responsabilidade. Vive-se um ambiente onde se acredita mais que os

jovens têm recursos a desenvolver do que problemas a resolver. Em resumo,

trata-se de uma atmosfera de esperança e de empowerment (Hansen & Parker,

2009).

A atmosfera que se respira numa sessão do Modelo de Responsabilidade

implica um envolvimento relacional entre adultos e jovens que permita a

conversa informal numa tentativa de compreensão mútua. A atitude do

professor deve manifestar as “convicções” inerentes ao modelo de Hellison,

reconhecendo e respeitando a individualidade, as forças, as opiniões e a

capacidade de decisão de cada um dos participantes. O adulto deve criar as

condições para que um aluno fale ou execute uma habilidade motora sem

medo de errar ou de ser ridicularizado.

Ouvir as sugestões dos alunos, aceitar as suas escolhas, propondo-lhes

desafios individuais e passando-lhes gradualmente a responsabilidade ajuda-

os a respeitar, confiar e a acreditar nos outros. Este clima de confiança

desenvolve-se num ambiente de segurança não só física como também

psicológica.

Assumindo o seu papel de modelo no Modelo de Responsabilidade, o

professor tem que ser honesto consigo mesmo e com os alunos, conversando

os assuntos de forma descontraída (sem dramatismo ou superficialidade),

propondo objetivos sérios, respondendo sinceramente às perguntas dos

jovens, tentando entender a sua linguagem e não faltando à palavra ou aos

compromissos.

Segundo Wright e Li (2009, p. 248), os alunos que sentem um “clima afetivo

positivo” e que se sentem “tratados como capazes” são mais propensos a

gostar das sessões de treino e dos exercícios, a empenharem-se no trabalho e

Page 86: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

68

a valorizar a aptidão física. Ao sentirem o apoio do professor experimentam um

maior sentido de pertença ao grupo.

Segundo Pardo (2008), a intenção que Hellison transmite com o seu Modelo de

Responsabilidade é a de tentar desenvolver as capacidades emocionais,

sociais e cognitivas dos alunos e não só as suas habilidades motoras ou

competências desportivas. Em definitivo, continua Pardo, «trata-se de

desenvolver “boas pessoas” e não só bons desportistas» e isso depende do

ambiente vivido. Hellison (2003, p. 16) dá relevância a este assunto logo nas

primeiras páginas de um dos seus livros explicando que “os dois primeiros

Níveis de Responsabilidade Pessoal e Social, respeito e esforço, que podem

ser vistos como o primeiro estádio de desenvolvimento da responsabilidade

são essenciais no estabelecimento de um ambiente de aprendizagem positivo”.

2.5. Perfil de professor

“Na minha opinião, quem é o professor, faz mais diferença do que qualquer

outro fator por si só e, provavelmente, do que qualquer combinação de fatores,

quando se pretende implementar um modelo de intervenção por objetivos”

(Hellison, 1978, p. 24).

Para poder ensinar responsabilidade e ganhar a confiança dos jovens, o

professor deve ser competente, quer nos conteúdos estritamente desportivos

quer no ensino dos valores que propõe (Hansen & Parker, 2009).

Ao professor ou treinador pede-se que seja capaz de:

Tratar os alunos como pessoas, com necessidades e interesses

emocionais, sociais, físicos e intelectuais.

Reconhecer os alunos como indivíduos lutadores, fortes, com voz

própria e capacidade de decisão.

Criar um ambiente física e emocionalmente seguro para a aprendizagem

e para o desenvolvimento.

Estabelecer com os alunos ligações pessoais e pedagógicas de

qualidade.

Responsabilizar os alunos tanto quanto eles forem capazes de o ser.

Page 87: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

69

O Modelo de Responsabilidade é implementado através da integração dos

seus objetivos nas atividades físicas do desenvolvimento da condição física,

dos jogos, ou de outras atividades menos tradicionais e alternativas (Wright, et

al., 2004). É portanto pedido ao responsável pela implementação do programa,

seja qual for a atividade ou o contexto, um perfil exigente, quer do ponto de

vista das suas caraterísticas relacionais pessoais, quer do ponto de vista da

sua formação profissional (Hellison, et al., 2000).

O conhecimento profissional exigido a um professor é de “natureza

compósita”30 e para ele contribuem as caraterísticas pessoais do mesmo, a sua

formação científica (da área de conhecimento que ensina e das ciências da

pedagogia) e o processo de reflexão sobre a sua própria prática (Roldão,

2007).

Hellison diz no capítulo final do seu livro “Goals and Strategies for Teaching

Physical Education“ (1985, p. 163) que o Modelo de Responsabilidade tenta

implicar a humanidade de professores estudantes e treinadores. Aos

professores exige que tenham confiança suficiente nas suas capacidades para

estarem abertos a incorporar as componentes do modelo no programa e

sensibilidade para partilharem problemas com os alunos, para refletirem e

analisarem o seu próprio estilo (de ensino) e para se sentirem suficientemente

criativos para mudar o que tiver que ser mudado.

Mais tarde, Hellison faz suas as palavras de Bill Ayers (1989)31:

“Não existe uma linha muito definida que distinga a pessoa e o professor. Em vez disso parece haver uma ligação contínua entre ensinar e ser, entre ser professor e ser pessoa. Ensinar não é simplesmente o que uma pessoa faz é mais o que uma pessoa é.”

Referindo-se às qualidades e skills necessários para aplicar o seu modelo de

intervenção, Hellison (2003) começa pelo “sense of purpose”, sentido de

finalidade, isto é, acreditar verdadeiramente que se pode fazer alguma coisa

pelos jovens e ter a intenção moral de desenvolver um certo tipo de ser

humano. Esta caraterística exige, no contexto do Modelo de Responsabilidade,

30

“Compósita” e não composta. “Não se trata de conhecimento constituído de várias valências combinadas por lógicas aditivas, mas sim por lógicas conceptualmente incorporadoras (…) não basta que se adicionem os conhecimentos de várias naturezas mas que eles se transformem, passando a constituir-se como parte integrante uns dos outros” (Roldão, 2007, p. 100). 31

Cit. por Hellison, 2003b.

Page 88: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

70

que o professor tenha os Níveis de Responsabilidade Pessoal e Social

“incorporados”, feitos seus e que acredite nas suas potencialidades educativas

e os “acalente”.

Hellison continua dizendo na mesma obra que só o sentido da finalidade não é

suficiente. É obrigatório que se reconheça o jovem como digno de respeito

como ser único, com os seus valores próprios, as suas aspirações, os seus

medos e perceções, que merece ser ouvido, com quem se conversa, se

negocia e, em resumo, com quem o professor se preocupa e trata com

dignidade. Ser capaz de ouvir é uma forma fundamental de preocupação de

interesse.

Daí resulta outra qualidade do professor que deseja aplicar o Modelo de

Responsabilidade: ser capaz de ouvir e de se interessar. Ser interessado e ter

capacidade de escutar um aluno requer, por parte do professor, que seja

genuíno (Hellison, 1995, 2003). Isto exige que se expresse com humanidade e

compreensão de uma maneira apropriada, importando-se sinceramente com

eles. De outra forma o diálogo não servirá de nada.

O que foi dito, implica aceitar em si mesmo alguma vulnerabilidade.

Particularmente os alunos mais problemáticos, do ponto de vista disciplinar,

podem aproveitar-se da compreensão e da abertura ao diálogo por parte do

professor, mas isso é um risco que o professor tem que estar disposto a correr.

Há que ser capaz de recuar, procurar a estratégia melhor, conversar

individualmente, propor compromissos. Por outro lado, reforça Hellison (1995,

2003), a vulnerabilidade é para equilibrar com capacidade de confrontação isto

é, também é importante ser capaz de confrontar os alunos com os seus atos,

mostrar-lhes os abusos, a argumentação inválida, a falta de esforço, o seu

egocentrismo e outras falhas. A isso obriga também o ser genuíno.

Ao professor é necessária também a intuição e a autorreflexão. Ser capaz de

ler, quer o aluno quer as situações, a partir de poucas “pistas”, é nisto que

consiste a intuição. É uma caraterística que resulta muito da mobilização que o

professor faz das suas aprendizagens anteriores e da reflexão sobre os

acontecimentos. É uma bagagem que se vai acumulando. Ser capaz de avaliar

indivíduos e grupos, para determinar quanto serão capazes de aguentar e

Page 89: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

71

saber quando há que abandonar uma ideia, são questões de autorreflexão. A

reflexão diária sobre o que se vai passando ajuda a reconhecer os problemas,

a pensar em soluções e a avaliar essas soluções aplicadas.

Por fim, Hellison (1995, 2003) fala de uma última caraterística, a seu ver

importante, para implementar o Modelo de Responsabilidade. Ele refere que a

dureza da vida profissional de um professor, com grupos grandes de alunos e

com um horário cheio, só se leva avante com sentido de humor e com um

espírito brincalhão. Estas duas caraterísticas, defende, são a melhor proteção

contra o esgotamento (burnout), bem como sublinha que, dentro do sentido de

humor, o mais importante é a capacidade de se rir de si mesmo.

Martinek (2001) descreve também algumas qualidades como imprescindíveis a

um bom mentor que, mais tarde, Escartí e Marín (2005, cap. 3) subscrevem

num capítulo dedicado às qualidades e atitudes que deve exercitar o professor

responsável pelo Modelo de Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e

Social. Essas qualidades e atitude são as seguintes:

Apreciar a companhia dos alunos porque eles são sensíveis aos adultos que os

entendem e os respeitam; cultivar valores pessoais, pois estes são parte do

processo da influência que o professor vai exercer sobre os alunos; ser

paciente, compreender os erros dos jovens e dar-lhes oportunidades e formas

de os repararem; manter as promessas e cumpri-las de forma a construir a sua

credibilidade junto dos alunos; comunicar de forma eficaz, aprendendo as

componentes da comunicação humana para conseguir uma boa relação com

os seus alunos.

2.6. Estado atual do Modelo de Responsabilidade

Conforme se poderá extrair do que foi dito o Modelo de Responsabilidade é

citado com muita frequência na literatura relativamente ao ensino da

responsabilidade. Muito associado inicialmente à intervenção junto de crianças

e jovens em risco, este modelo tem, ao longo dos seus mais de trinta anos,

servido de base de trabalho a educadores empenhados potenciando a criação

e implementação de um envolvimento educativo que promove o

comportamento pro-social.

Page 90: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

72

Um dos primeiros trabalhos, após as primeiras experiências em Chicago, é um

estudo de caso, de autoria de Michael DeBusk e Don Hellison (DeBusk &

Hellison, 1989), no estado de Montana, que examinou o impacto do modelo em

10 rapazes do 4º Ano (Ensino Básico) durante 6 semanas (Martinek & Hellison,

2009).

Desde então, o DRPS tem suscitado o interesse e o estudo de dezenas de

investigadores que têm experimentado e avaliado diversas versões do modelo

em diferentes contextos (e.g.,Buchanan, 2001; Cecchini, Montero, & Peña,

2003; Cutforth, 1997; DeBusk & Hellison, 1989; Escartí, Gutiérrez, Marín,

Martínez, & Chacón, 2006; Gordon, 2010; Jiménez, 2006; Martinek & Hellison,

1997; Martinek, et al., 2001; Pardo, 2007; Parker & Stiehl, 2005; Regueiras,

2006; Watson, et al., 2003; Williamson & Hellison, 1992; Wright, et al., 2004)32.

Ao mesmo tempo, a investigação foi abrangendo temas mais específicos do

Modelo de Responsabilidade, como sejam a avaliação de resultados e a

formação de professores e de monitores (Cutforth & Hellison, 1992; Gordon,

2010; Marín, Escartí, Pascual, & Gutiérrez, 2005; Pardo, 2008; Parker & Stiehl,

2005; Walsh, 2008b; Williamson & Hellison, 1992; Wright & Burton, 2008). É

igualmente tema de conferências, formações e intercâmbios entre escolas e

universidades.

Por tudo isto, o DRPS de Hellison encontra-se atualmente disseminado por

vários países, dos Estados Unidos da América até à Nova Zelândia (Gordon,

2010), passando pelo Canadá (onde está consagrado nas orientações

programáticas do Ministério da Educação para as escolas) (Saskatchewan,

1999), em Valência, Oviedo, Toledo e Madrid em Espanha (Escartí, et al.,

2005; Pardo, 2008), Porto Alegre no Brasil (Monteiro, et al., 2008), em L’Aquila

na Itália (Pardo, 2008). Há também conhecimento de experiências de

introdução do modelo na Coreia através da investigadora Okseon Lee da Seul

Nacional University.

Nos Estados Unidos, onde apareceu, numerosas universidades desenvolveram

programas físico-desportivos baseados no Modelo de Responsabilidade, das

quais se destacam a University of Illinois em Chicago, a California State

32

Referem-se, a título exemplificativo, apenas alguns dos trabalhos presentes na literatura da especialidade.

Page 91: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

73

University em los Angeles, a University of Northern Colorado em Greely, a

University of North Carolina em Greensboro e a University of Denver. Mais

ainda, alguns professores destas seis universidades formaram uma associação

chamada Urban Youth Leader Partnership que promove programas baseados

no Modelo de Hellison.

Esta associação publicou um livro em 2000 intitulado Youth Development and

Physical Activity: Linking Universities and Communities que, sendo uma

referência importante para todos quanto se interessam por este tema, facilita a

organização dos programas existente de acordo com o perfil dos participantes,

duração do programa, conteúdos utilizados, cenários onde se desenrolaram,

metodologia de investigação utilizada e resultados obtidos (Hellison, et al.,

2000)

Em 2002, Hellison e Walsh, num artigo de revisão em que analisaram 26

estudos, fazem um ponto da situação avaliativo do Modelo de

Responsabilidade e do seu impacto desde o início (Hellison & Walsh, 2002).

Deste trabalho pôde concluir-se que a progressão do processo de ensino-

aprendizagem não é rígida e a aquisição de responsabilidade relacionada com

o autocontrolo e com o esforço evolui mais facilmente que a auto-direção e que

a ajuda aos outros. Os autores também concluíram que a transferência resulta

mais frequentemente em grupos pequenos e que este fator em programas

dilatados no tempo facilita o sentimento de pertença. O desenvolvimento

pessoal e social foi constatado por todos os estudos, quer nas suas

componentes de desenvolvimento pessoal quer nas suas componentes de

desenvolvimento social.

Também noutros países, vários estudos, acompanharam a disseminação do

programa. Assim, em Espanha realizaram-se já alguns estudos baseados no

Modelo de Responsabilidade. Por exemplo, Escartí e a sua equipa na

Universidade de Valência iniciam em 2000 um trabalho de investigação de

forma ininterrupta até à atualidade (Escartí, et al., 2009; Escartí, Gutiérrez, &

Marín, 2010b; Escartí, et al., 2006; Escartí, Gutiérrez, & Pascual, 2011; Escartí,

et al., 2005; Marín, 2007; Marín, et al., 2005). Ao mesmo tempo, em 2000,

Pedro Jiménez da Universidade de Madrid desenvolvia uma tese de

Page 92: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

74

doutoramento sobre a educação de valores através do modelo de Hellison,

tendo posteriormente publicado outros documentos, juntamente com Durán

Gonzalez, orientador da sua tese, sobre o mesmo tema (Jiménez, 2006; Pardo,

2008). Outras teses de doutoramento e mestrado foram sendo apresentadas

tendo como tema o Modelo de Responsabilidade, como sejam a de Maria

Teresa Bizkarra (2003) da Universidade do País Basco em Bizkaia ou a de

Diana Marín da Universidade de Valência (2007) Foram também apresentados

vários outros estudos de entre os quais poderemos referir os realizados por

Cecchini, Montero Alonso, Izquierdo, Contreras e Peña da Universidade de

Oviedo (Cecchini, Montero, Alonso, Izquierdo, & Contreras, 2007; Cecchini, et

al., 2003) e o realizado por Luiz Miguel Ruiz da Universidad de Castilla

La.Mancha em Toledo, dando a conhecer a investigação de Tom Martinek, com

o Project Effort (Ruiz, Graupera, Gutiérrez, & Nishida, 2004; Ruiz, et al., 2006).

Em Portugal, no Porto, os primeiros trabalhos aparecem no início da década de

2002, na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, na sequência de

visitas feitas ao Projeto Effort, na Universidade de North Carolina em

Greensboro, pelos professores António Fonseca, Nuno Corte-Real e Cláudia

Dias. A primeira intervenção consistiu, num conjunto de sessões que se

desenvolveram sob a forma de Clube de Desporto Escolar junto de

adolescentes em risco de exclusão escolar (Regueiras, 2006). O segundo

(Correia, 2007) foi também resultado de uma intervenção pedagógica junto de

crianças em risco de insucesso escolar, numa escola de ensino Básico e

Secundário. Mais recentemente, registaram-se outras intervenções das quais

poderemos destacar uma desenvolvida em Aveiro, com jovens do sexo

masculino do Centro de Acolhimento para Jovens em Risco (Nogueira, 2011); e

em Gondomar, integrada nas aulas de Educação Física curricular (Corte-Real,

2011). A Faculdade de Desporto da Universidade do Porto tem desenvolvido

linhas de investigação no âmbito deste modelo de intervenção, integradas no

amplo campo do Desenvolvimento Positivo da Juventude.

Page 93: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

75

Page 94: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Revisão da Literatura

76

Page 95: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

III Metodologia

Page 96: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Metodologia

78

Page 97: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Metodologia

79

1. Enquadramento metodológico

Segundo Strauss e Corbin (2008), o termo “pesquisa qualitativa” refere

“qualquer tipo de pesquisa que produza resultados não alcançados através de

procedimentos estatísticos ou de outros meios de quantificação”. Os mesmos

autores consideram que este tipo de investigação se pode “referir à pesquisa

sobre a vida de pessoas, experiências vividas, comportamentos, emoções e

sentimentos, e também à pesquisa sobre funcionamento organizacional,

movimentos sociais, fenómenos culturais e interações entre nações.”.

Para Bogdan e Biklen (1994), a investigação qualitativa possui cinco

caraterísticas: o investigador é o instrumento principal de recolha de

informação; a investigação é descritiva; o investigador interessa-se mais pelo

processo do que apenas pelos resultados; os dados tendem a ser analisados

de forma indutiva; e o significado dos dados para o participante é de

importância vital

A escolha deste método pareceu-nos pertinente no presente estudo pois os

procedimentos e orientações da abordagem qualitativa correspondiam ao tema

do trabalho – educação – ao material de investigação utilizado e aos nossos

objetivos.

Usando o método qualitativo, procurámos uma aproximação ao complexo tema

da educação de valores. Desta feita, através do estudo de um modelo de

intervenção pedagógica que se desenvolve tendo como meio a atividade

desportiva, o modelo de Desenvolvimento da responsabilidade Pessoal e

Social de Hellison (DRPS ou MR).

A perspetiva qualitativa na investigação em educação, tem vindo a ganhar

maturidade ao longo das últimas décadas. Segundo Bogdan e Biklen (1994), a

partir dos anos sessenta e, mais significativamente, da década de setenta, a

investigação qualitativa ganha o seu espaço como método não “marginal” e

começa a ter apoio de instituições que estimulam a investigação, adquirindo

definitivamente o reconhecimento como método avaliativo (Bogdan & Biklen,

1994).

Page 98: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Metodologia

80

Os dados recolhidos numa investigação qualitativa têm algumas caraterísticas

específicas. São normalmente em forma de palavras, ou imagens, ou sons não

totalmente redutíveis a números. Uma vez que os resultados escritos têm

obrigatoriamente referência a este tipo de dados para ilustrar ou substanciar a

apresentação, não pode haver grande redução de páginas contendo essas

narrativas ou essas imagens

O facto de alguns dados poderem ser estatisticamente estudados, como é o

caso da frequência com que determinada categoria é referida pelos

entrevistados, não invalida a classificação do método como qualitativo.

Acontece que se trata, verdadeiramente, de informação, que podendo ser

quantificável, o seu interesse para a investigação não resulta

fundamentalmente da sua validade estatística mas da sua relevância no

contexto do estudo.

Considerámos que a forma de investigação que se adaptava melhor à presente

tese seria o estudo de caso, pois este é pertinente quando se pretende fazer

um estudo de uma realidade humana socialmente complexa. Este tipo de

estudo apresenta uma grande tradição nas ciências sociais e humanas, muito

particularmente em estudos sobre educação. O estudo de caso permitiria, no

presente trabalho, a reunião de informação e a sua interpretação de forma a

possibilitar chegar a conclusões e tomar decisões a respeito dos tópicos em

apreço.

Segundo Stake (2009, p. 18), “um caso é uma coisa específica, uma coisa

complexa e em funcionamento.”; isto é, se ao objeto de estudo falta

especificidade, ele deixa de ter a particularidade para se poder considerar um

estudo de caso. Acreditámos, desde início, que a natureza peculiar do modelo

em causa justificaria, ao longo deste estudo, a nossa opção.

O objetivo do nosso estudo - compreender de que forma determinado modelo

de intervenção pedagógica promove o desenvolvimento positivo dos jovens –

caracteriza-o como um estudo de caso instrumental, pelo facto de, para além

de ter uma intenção explicativa, visar a aquisição de um conhecimento mais

profundo das variáveis envolvidas que nos permitirá posteriormente,

inclusivamente, orientar outros estudos ou pesquisas.

Page 99: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Metodologia

81

Não podemos esconder que, apesar não aspirarmos fazer generalizações

sobre modelos de intervenção pedagógica, pretendemos no entanto

ultrapassar a compreensão do caso em si, abrindo portas para o conhecimento

mais claro sobre a intervenção através do desporto, as suas potencialidades de

desenvolvimento, os seus atores, fatores condicionantes e resultados.

Particularizar, de forma a conhecer melhor o que fazem e pensam os

especialistas entrevistados foi, por isso, uma meta nossa investigação.

A escolha deste caso deveu-se ao facto de se ter tornado possível o acesso

privilegiado a um grupo de especialistas de relevância científica, o que nos

permitiria maximizar a nossa aprendizagem sobre este modelo através de

entrevistas presenciais.

A riqueza e a vastidão dos fatores e relações que se adivinhavam levaram-nos

a tentar estabelecer perguntas de investigação que, de alguma forma, nos

ajudassem a definir fronteiras em relação ao que seria estudado, não cobrindo

evidentemente todas as potencialidades do material a recolher mas ajudando-

nos a reduzir a área de investigação para um tamanho viável.

Ao estabelecer determinadas questões de pesquisa tentámos, por outro lado,

manter uma certa flexibilidade e liberdade que nos permitisse evoluir com a

própria investigação para nos mantermos disponíveis para a descoberta

proporcionada pelos dados em si.

A este respeito, Strauss e Corbin (2008, p. 51) referem “… na base desta

técnica para pesquisa qualitativa está a suposição de que nem todos os

conceitos (e relações) pertencentes a um determinado fenómeno foram ainda

identificados, pelo menos não nesta população ou neste local.” Por isso se

justifica que se mantenha, durante o estudo, abertura a novas perguntas e/ou a

aceitação de que outras inicialmente formuladas venham a permanecer sem

resposta. Esta flexibilidade é uma caraterística do planeamento da investigação

através do estudo de caso.

Este posicionamento, a que chamaríamos expectante, coexiste, a bem da

qualidade da investigação, com um esforço de objetividade num equilíbrio

constante entre a nossa interferência como pesquisadores e o ato da pesquisa.

Page 100: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Metodologia

82

Surgem-nos assim algumas questões iniciais de pesquisa a respeito do

entendimento que têm os protagonistas deste processo em sobre temas em

estudo:

- O que caracteriza o Desenvolvimento Positivo da Juventude?

- O que caracteriza o modelo de intervenção de Desenvolvimento da

Responsabilidade Pessoal e Social de Hellison?

- A que aspetos das atitudes e crenças dos professores é dada mais

importância?

- Quais são as principais caraterísticas definidoras do perfil do

professor/monitor que trabalha DRPS?

- Que visão dos jovens é adotada por parte dos gestores dos processos?

- Que caraterísticas do modelo de Hellison concorrem para a promoção do

Desenvolvimento Positivo da Juventude?

2. Material e métodos

Neste capítulo descreveremos a forma como se fez a recolha de informação, a

análise, a organização da mesma em categorias, contribuindo assim para o

enquadramento metodológico de todo o trabalho desenvolvido.

Pretendemos que da análise feita sejam identificados, a partir dos dados

obtidos, os fatores a valorizar no modelo de Desenvolvimento da

Responsabilidade Pessoal e Social de Hellison (DRPS), que justifiquem uma

atenção pedagógica especial de forma a desenvolvê-los, a cultivá-los nas

aulas, ou noutras intervenções educativas, e na formação dos novos

professores ou monitores.

Tal como referimos anteriormente, a presente investigação teve um carácter

exploratório e descritivo em que o desenho foi emergindo da própria

informação que foi sendo recolhida e organizada.

A recolha de dados foi feita com conhecimento e acordo dos participantes em

ambiente natural, calmo e com tempo suficiente para o efeito. Aproveitaram-se,

para tal, dois momentos em que os entrevistados participavam em conferências

e em que estavam disponíveis para conversarem connosco. As entrevistas

Page 101: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Metodologia

83

desenrolaram-se de forma interativa facilitando o diálogo entre o investigador e

os entrevistados, permitindo que os últimos enfatizassem os assuntos mais

importantes para eles mesmos.

Daqui resultou um conjunto de informações multifacetadas do fenómeno de

aplicação do modelo (DRPS), salientando-se para cada personalidade as suas

particularidades, experiências e perspetivas.

A entrevista, definida como uma ferramenta que se utiliza com o objetivo de

inferir algo através das palavras do(s) entrevistado(s), a propósito de

determinado tema ou realidade representativa de uma população ou de um

grupo de indivíduos (Bardin, 2008), pareceu-nos ser adequada aos nossos

objetivos de investigação.

Optámos por uma entrevista semidiretiva, estruturada em torno de perguntas

base. Assim, a partir da abrangência das respostas dos entrevistados, poder-

se-ia fazer outras perguntas, que nos iriam dando informações mais concretas

sobre áreas que nos pareceu importante abordar.

Sendo os entrevistados estrangeiros - cuja disponibilidade em momentos

posteriores poderia ser difícil e, portanto, cujo contacto direto e pessoal no

momento em que estávamos a fazer a entrevista seria um privilégio a

aproveitar ao máximo - deixámos muitas vezes que explanassem as suas

ideias com muita liberdade de tempo e de tema. Resultou, por isso, que o

próprio entrevistador não interferisse como regulador no seguimento na

entrevista, guardando a escolha entre a matéria fundamental e acessória, ou

mesmo dispensável, para outra fase, posterior, do estudo.

O conteúdo das entrevistas foi orientado tendo como base o esquema

seguinte:

1 - O que significa, para si, Desenvolvimento Positivo da Juventude?

Definição

Origem

Objetivos

Page 102: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Metodologia

84

População alvo

Meios/atividades/estratégias

2 - De que fatores depende o sucesso nos programas de Desenvolvimento

Positivo da Juventude?

3 - Fale-me do seu conhecimento do modelo de intervenção de Hellison.

Origem

Objetivos

População alvo

Estrutura

Meios/atividades/estratégias

4 - De que fatores depende o sucesso no modelo de Desenvolvimento da

Responsabilidade Pessoal e Social de Hellison?

A recolha dos dados foi feita através de duplo registo em suporte de vídeo e de

gravação de áudio. Esta forma redundante garantiu-nos a segurança dos

documentos caso houvesse qualquer falha técnica e, para além disso, uma vez

que se tratava de entrevistas feitas em inglês, assegurávamo-nos também de

duas fontes que se poderiam clarificar reciprocamente em caso de dúvida do

conteúdo.

Após a recolha, as entrevistas foram transcritas na íntegra e traduzidas. Foram

feitas pequenas correções de lapsos resultantes da passagem da linguagem

oral para escrita, correções essas que estão assinaladas no texto final.

Procurou-se sempre respeitar o carácter espontâneo das falas.

Após uma primeira análise temática, de que resultou uma primeira definição

das categorias e subcategorias, passou-se ao tratamento dos dados, feito com

suporte informático, utilizando-se o programa de análise de conteúdo NVIVO7

da QSR International Pty Ltd.

Page 103: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Metodologia

85

3. Participantes

Para incluir neste capítulo alguns tópicos biográficos dos especialistas

entrevistados, servimo-nos das páginas pessoais dos mesmos publicadas na

internet e nas informações que acompanham os seus livros e publicações.

Os entrevistados participantes neste estudo foram:

- Albert Petitpas é professor catedrático no Departamento de Psicologia da

Universidade de Springfield (EUA), onde dirige a Fundação Nacional de

Futebol (NFF) Centro de Desenvolvimento da Juventude através do Desporto.

É doutorado em Aconselhamento Psicológico pela Universidade de Boston.

Tem prestado serviços de consultoria para uma ampla gama de organizações

Desportivas como, por exemplo, a National Basketball Association (NBA) e a

Young Men’s Christian Association (YMCA). A sua pesquisa e trabalho aplicado

incidem sobre o uso do Desporto como veículo para promover o

desenvolvimento positivo ao longo da vida, mais especificamente sobre as

transições de competências da atividade desportiva para a vida e as

estratégias de aconselhamento.

Foi entrevistado em Julho de 2008, em Valência, em Espanha.

- Amparo Escartí, doutorada em Psicologia. Atualmente é professora titular de

Psicologia Social na Faculdade de Psicologia da Universidade de Valência e

diretora do projeto “Ensinando Responsabilidade Pessoal e Social em

Adolescentes de Risco”, financiado pelo Ministério de Ciências e Tecnologia de

Espanha.

É especialista no estudo dos aspetos psicológicos e sociais da prática do

Desporto nas crianças e adolescentes. Foi professora convidada em várias

universidades como a Universidade de Illinois em Chicago, a Universidade de

Illinois em Urbana-Champaign, a Universidade de Northern Colorado e a

Universidade de Virgínia.

Conta com diferentes publicações, tanto de livros como de artigos científicos

nacionais e internacionais. É editora da área de Psicologia Social do Desporto

Page 104: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Metodologia

86

na revista “Psicologia Social Aplicada” e membro do comité editorial da revista

“Psicología del deporte”.

Foi entrevistada em Junho de 2007, no Colorado nos EUA.

- Donald Hellison, doutorou-se em Educação Física em 1969, na Universidade

Estatal de Ohio. A partir de 1970, Hellison dedicou-se ao trabalho com

programas ocupação de tempos livres dos jovens provenientes das escolas de

bairros com problemas sociais. Nesse âmbito, estabeleceu parcerias com

organizações dessas comunidades, em escolas de ensino não regular, em

residências de acolhimento e em centros de detenção. A sua atividade

desenrola-se fundamentalmente em torno de programas alternativos de

Educação Física que implementem a educação de valores.

É professor no College of Education e co-director no Responsible Youth Sport

Program na Universidade de Illinois Chicago e na Universidade de Northern

Colorado entre outras.

As ideias e os estudos de Hellison estão publicados em várias revistas e livros.

Para além disso tem sido conselheiro de várias instituições tais como:

Curriculum and Instruction Academy Scholar Award, American Alliance for

Health, Physical Education Recreation and Dance (AAHPERD), National

Association of Physical Education (NASPE), National Association of Physical

Education in Higher Education (NAPEHE) Scholar Award e International

Olympic Committee President’s Prize.

É uma personalidade de notoriedade especial na presente tese uma vez que foi

o criador do modelo de intervenção pedagógica sobre o qual nos debruçámos:

o Modelo de Responsabilidade.

Foi entrevistado em Junho de 2007, no Colorado, nos EUA.

- Melissa Parker, é professora catedrática na School of Sport and Exercise

Science na Universidade de Northern Colorado. As suas áreas de interesse

incluem o desenvolvimento positivo das crianças através da prática da

atividade física, a educação na escola elementar, a formação de professores e

a educação através de atividades extraescola. Antes de dar aulas no ensino

Page 105: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Metodologia

87

universitário foi professora de Educação Física no ensino básico trabalhando

com crianças negligenciadas.

Parker doutorou-se na Universidade Estatal de Ohio em 1984 e adquiriu pós

graduações posteriores na Universidade da Carolina do Norte em Greensboro.

Foi autora de variadas publicações e recebeu a Honor Awards, a nível estatal e

nacional pela sua dedicação aos estudantes e às causas do ensino.

Foi entrevistada em Junho de 2007, no Colorado, nos EUA.

- Paul Wright, doutorado em 2001 pela Universidade de Illinois em Chicago, é

professor associado do Departamento de Saúde e Ciências do Desporto na

Universidade de Memphis e é investigador na Faculdade do Centro de

Pesquisa em Política Educacional e no Instituto Benjamin L.. A sua principal

linha de pesquisa diz respeito ao desenvolvimento, implementação e avaliação

de programas de Atividade Física para o Desenvolvimento Positivo dos Jovens

através do modelo de intervenção pedagógica Modelo de Responsabilidade.

Vários são os seus estudos nesta área. Os seus livros e artigos de pesquisa

têm sido publicados em revistas científicas e apresentados em congressos

nacionais e internacionais. Trabalha com jovens implementando o Modelo de

Responsabilidade através do desporto e das artes marciais. Nos últimos anos,

dedicou-se também à aplicação do modelo em atividades de voluntariado na

Community Action Project (Y-CAP), trabalho pelo qual foi premiado a nível nos

EUA como Voluntário do Ano 2011.

Foi entrevistado em Julho de 2008, em Valência, em Espanha.

- Robert J. Brustad, doutorado em 1986, na Universidade de Oregon, é

especialista nas áreas de Psicologia do Desporto. As suas áres de interesse

relacionam-se com Desenvolvimento Positivo da Juventude. É professor

convidado de várias universidades (Universidade do Porto em Portugal,

Universidade Diego Portales de Santiago do Chile e Universidade de Valência

em Espanha). Foi professor da Universidade de Portland no Oregon EU e é

atualmente professor catedrático de Desporto e de Ciências do Exercício Físico

na Universidade de Northem Colorado - Greeley também nos EUA.

Page 106: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Metodologia

88

Presentemente, investiga temas da Psicologia Social do Desporto e da

Atividade Física. Dentro desta área, manifesta um forte interesse pela

compreensão da relação entre Desporto e a Atividade Física no

comportamento de crianças e adolescentes, dedicando especial atenção à

compreensão do papel dos pais, colegas, treinadores, e irmãos.

Foi entrevistado em Julho de 2008, em Valência, em Espanha.

- Thomas Martinek doutorou-se na Universidade de Boston e é professor

catedrático no Departamento de Exercício e Ciência do Desporto da

Universidade de North Caroline em Greensboro nos Estados Unidos.

A sua investigação tem incidido no estudo das dinâmicas sociais e psicológicas

do ensino e do treino desportivo e os seus trabalhos têm sido publicados em

revistas destas especialidades. É também autor e coautor de vários livros sobre

o Modelo de Responsabilidade.

Tem dedicado os últimos anos dirigindo e ensinando em programas de

Desenvolvimento Positivo da Juventude, quer em comunidades, quer em várias

universidades, colaborando na formação de professores. Nestas atividades tem

tido como base de trabalho a sua investigação sobre a influência das

expectativas e da desilusão sobre resiliência das crianças e dos jovens. Dedica

muito do seu tempo à formação de jovens preparando-os para serem líderes

através do desporto.

Foi entrevistado em Abril de 2007, na Faculdade de Desporto da Universidade

do Porto em Portugal.

4. Procedimentos de análise

Segundo Strauss e Corbin (2008), há, na pesquisa qualitativa, três

“componentes fundamentais”: os dados recolhidos que podem provir de várias

fontes; os procedimentos utilizados para interpretar e organizar os dados; e os

relatórios que podem ser apresentados de forma escrita ou verbal e que

Page 107: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Metodologia

89

correspondem ao produto final do projeto de investigação. Neste subcapítulo

ocupar-nos-emos da segunda componente da pesquisa, a codificação.

A codificação corresponde às tarefas de “conceptualizar e reduzir os dados,

elaborar categorias em termos das suas propriedades e dimensões e relacioná-

los por meio de uma série de declarações preposicionais” (Strauss & Curbin,

2008) .

Estas tarefas foram, no caso da presente tese, muito longas no tempo,

absorvendo muita da nossa atenção e esforço uma vez que, verdadeiramente,

nunca sentimos que estivesse acabada.

Há uma intensa inter-relação entre o autor e os dados, inter-relação essa que

vai resultando num trabalho de vaivém, de revisão constante. Conceptualiza-se

em relação a determinado conjunto de informações, categorizam-se e

referenciam-se as suas dimensões. Desta primeira “arrumação” resulta, muitas

vezes, uma nova visão do material de pesquisa que exige, por isso, nova

análise. O contacto com os dados parte de leituras inicialmente “flutuantes”,

pouco profundas, para leituras mais organizadas e precisas que resultam duma

maior empatia do investigador com o assunto e da emergência de hipóteses

sobre o material em apresso. Ao longo deste ler e reler do material torna-se, na

opinião de Laurence Bardin (2008), necessário que o investigador intercale

uma atitude de abertura aos dados e às suas interpretações com uma

“desconfiança da evidência” perguntando constantemente se não existirá uma

evidência contrária.

Malcom Parlet e David Hamilton (1976)33 referem uma “focalização

progressiva” que resulta da evolução do plano e das questões iniciais, ou da re-

hierarquização das mesmas, à medida que se aprofundam as leituras do

material. Este aprofundamento do conhecimento do material foi-nos permitindo

organizar e categorizar os conceitos com que fomos lidando.

Podemos ler em Jorge Vala e Pinto (1999):

“… a categorização é uma tarefa que realizamos quotidianamente com vista a reduzir a complexidade do meio ambiente, a estabilizá-lo, a identificá-lo, ordená-lo ou atribuir-lhe sentido. A prática da análise de conteúdo baseia-se nesta elementar operação do nosso quotidiano e, tal como ela, visa simplificar para potenciar a apreensão e se possível a explicação” p. 110.

33

Cit. por Stake, (2009)

Page 108: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Metodologia

90

A dificuldade, no caso de um estudo, surge do facto de o pensamento que cada

um manifesta através da linguagem ser muito complexo e envolver aspetos que

não são apenas racionais e conscientes mas também simbólicos e imersos em

convenções. Estas cambiantes da expressão e do pensamento humano

resultam em complexidade e exigem não só saberes mas, sobretudo,

sensibilidade para a investigação.

A análise de dados foi construída de forma indutiva, desenvolvendo-se

categorias e subcategorias sobre uma base inicial de traços largos que se

foram preenchendo e complexificando com base na informação que ia sendo

obtida.

Este processo integrou a análise categorial que, segundo Bardin (1977)34, trata

do “desmembramento do discurso em categorias, em que os critérios de

escolha e de delimitação orientam-se pela dimensão da investigação dos

temas relacionados ao objeto de pesquisa, identificados nos discursos dos

sujeitos pesquisados.”

As unidades de registo (ou de informação) utilizadas correspondem a recortes

de nível semântico (Bardin, 2008; Vala, et al., 1999), que vão desde a

expressão traduzida por uma única palavra a frases ou períodos significantes.

Esta unidade de registo será o segmento de conteúdo que constituirá um item

agrupável numa categoria ou subcategoria.

Segundo Morin (1969)35, as referidas unidades são recortadas “en esprit et non

à lettre”, ou seja, independentemente do seu modo de inserção léxico-

sintático”.

As unidades de registo ou itens constituíram, neste trabalho, as unidades de

enumeração em função das quais foi feita, sempre que oportuna para o estudo,

alguma quantificação.

A primeira organização temática surgiu fundamentalmente de uma preparação

prévia à recolha de dados, que consistiu no estudo teórico dos tópicos

envolvidos e que se encontra registada no capítulo “Revisão de Literatura”.

Contribuiu também para este primeiro passo a intervenção pedagógica,

34

Cit. por Valentim (2008, p. 4) 35

Cit. por Vala e col. (1999)

Page 109: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Metodologia

91

realizada pela autora desta tese num Clube Desportivo Escolar, utilizando o

modelo de intervenção em estudo.

Esta organização ressaltou da primeira leitura feita, através da qual se

confirmaram dois grandes temas-eixo (Bardin, 2008): Desenvolvimento Positivo

da Juventude, Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social.

Posteriormente, durante as primeiras tentativas de organização, a categoria

Perfil do Professor ganhou importância tornando-se num 3º tema-eixo

autónomo.

A estas macro categorias nos referimos, na presente tese como “temas-eixo”

para facilitar a relação destas com as categorias e subcategorias

subsequentes. Os temas-eixo foram os tópicos em volta dos quais se

agruparam as opiniões dos entrevistados (Figura 6).

Figura 6 – Relação entre os três Temas-eixo

A construção do sistema de categorias resultou da combinação de categorias a

priori e a posteriori. Podem ver-se na grelha de codificação, no Quadro 4, as

Page 110: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Metodologia

92

categorias e subcategorias a priori (representadas a sombreado) e as

categorias e subcategorias a posteriori (representadas sem sombreado).

Page 111: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Metodologia

93

Quadro 4 – Categorias definidas a priori e a posteriori

Temas-eixo Categorias Subcategorias

Desenvolvimento Positivo

da Juventude

Origem

Definição

Enquadramento teórico

Objetivos

População alvo

Enquadramento institucional

Meios e atividades

Estratégias Pedagógicas

Fatores de sucesso

Desenvolvimento da

Responsabilidade Pessoal

e Social

Origem

Objetivos

Enquadramento institucional

População alvo

Estrutura das sessões

Meios e atividades

Estratégias pedagógicas

Ambiente seguro

Avaliação sistemática

Centro no adolescente

Empowerment – capacitar

Experiências de êxito

Integração

Tomada de consciência

Tomada de decisões e escolhas

Estratégias específicas p/ Nível

1º Nível

2º Nível

3º Nível

4º Nível

5º Nível

Fatores de sucesso

Ambiente

Avaliação

Estrutura do modelo

Idade

Objetividade e realismo do adulto

Qualidade de relação adulto/adolescente

Rácio

Tempo

Relação professor/Modelo

Disseminação do Modelo

Avaliação da implementação

Perfil do Professor

Valores, atitudes e convicções

Gosto por trabalhar com o adolescente

Competência de relação do adulto

Relação personalizada com o adolescente

Compromisso na relação com o adolescente

Capacidade de adaptar o ensino ao adolesc.

Conhecimento das necessidades dos adolesc.

Visão do Adolescente

Atenção ao contexto social de proveniência

Motivação

Relação com o adulto

Expectativas

Relação do adolescente com a escola

Formação Profissional Formação académica inicial

Formação em exercício

Prática reflexiva

Page 112: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Metodologia

94

Como já referimos, os temas-eixo e as categorias à priori resultaram sobretudo

da revisão de literatura feita previamente. Durante as leituras flutuantes

seguintes foi feito um levantamento de indicadores que hipoteticamente

comporiam determinada categoria descrevendo o campo semântico de um

conceito. Este trabalho, numa fase ainda manual, foi tão extenso como útil. A

título de exemplo refira-se que para a categoria “visão da criança” foram

localizados trinta e três itens e que para a categoria “formação profissional”

foram encontradas, numa primeira classificação, cinquenta e cinco referências.

A partir desta primeira análise empírica foi possível identificar, organizar e

definir as categorias de forma a nos aproximarmos, tanto quanto possível, do

pensamento dos entrevistados.

As categorias assim definidas não são mutuamente exclusivas pois, como

verificaremos nas transcrições feitas, por vezes uma mesma referência contém

informação que diz respeito a diferentes categorias e subcategorias. Neste

caso, foram contabilizadas tantas vezes quantas as categorias em que foram

integradas.

Em todas as categorias e subcategorias foi procurada a exaustividade

colocando nelas todas as unidades de registo correspondentes.

A informação ao nível do tema-eixo “Desenvolvimento Positivo da Juventude”

foi organizada em nove categorias. No tema-eixo “Desenvolvimento da

Responsabilidade Pessoal e Social” incorporamos a informação relativa ao

modelo de intervenção pedagógica de Hellison organizada em sete categorias.

No tema-eixo “Perfil do Professor” reuniu-se a informação sobre as

caraterísticas pessoais e profissionais positivas do professor/monitor que

emergiram do discurso dos entrevistados. Neste último foram consideradas dez

categorias.

Faremos em seguida a descrição das categorias e subcategorias, relativas a

cada tema-eixo, de forma a clarificar o seu conteúdo. Antes, porém,

gostaríamos de salientar que o trabalho de definição das várias categorias e

subcategorias acompanhou o processo de aprofundamento da intimidade do

investigador com o material estudado e, tal como aconteceu na génese das

Page 113: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Metodologia

95

categorias, foi evoluindo no sentido da precisão e da sua capacidade

definidora. Assim, na lista que se segue damos a conhecer o nome da

categoria, ou subcategoria, seguido da definição das unidades de registo que

integra.

1. Desenvolvimento Positivo da Juventude (DPJ).

a. Origem – Primeiros contactos dos entrevistados com o DPJ36

b. Definição – Caraterísticas atribuídas aos programas de DPJ

c. Enquadramento teórico - Teorias em que se baseiam os fenómenos estudados

d. Objetivos - Objetivos do trabalho com adolescentes37

no contexto do DPJ

e. População alvo - Grupos a que se dirigem as intervenções

f. Enquadramento institucional - Tipo de instituição em que se desenrola a

atividade

g. Meios e atividades - Conteúdos, materiais e opções de organização da sessão,

aula ou treino

h. Estratégias pedagógicas - Ações aplicadas com o intuito de alcançar os

objetivos de aprendizagem

i. Fatores de sucesso - Fatores a que os entrevistados atribuem o sucesso na

aprendizagem

2. Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social (DRPS)

a. Origem – Primeiros contactos dos entrevistados com o MR

b. Objetivos - Objetivos do trabalho com adolescentes de acordo com o MR

c. Enquadramento institucional - Tipo de instituição em que se desenrola a

atividade

d. População alvo – Grupos de adolescentes a quem se dirigem as intervenções

e. Estrutura das sessões – Momentos ou etapas fundamentais da sessão, aula ou

treino

f. Meios e atividades – Conteúdos, materiais e opções de organização da sessão,

aula ou treino

36

Deve ler-se, por exemplo: a categoria denominada “origem” integra as unidades de registo que fazem referência aos “primeiros contactos dos entrevistados com o DPJ”. As alíneas seguintes apresentam uma estrutura semelhante. 37

Para responder à necessidade de simplificar e tornar fluida a redação e leitura da presente tese, utilizámos na denominação e definição das categorias a expressão “adolescente” com o significado de criança, adolescente e jovem. Fizemos esta opção uma vez que a adolescência ocupa uma grande parte do período de desenvolvimento que precede a idade adulta (segundo a OMS, a adolescência estende-se dos 10 aos 19 anos (OMS, 2012)) e representa, embora não exclusivamente, a população alvo da maior parte dos estudos que investigámos.

Page 114: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Metodologia

96

g. Estratégias pedagógicas – Ações aplicadas com o intuito de alcançar os

objetivos de aprendizagem

i. Ambiente seguro - Criação de ambiente de aprendizagem física e

psicologicamente seguro como estratégia de desenvolvimento do MR

ii. Avaliação sistemática - Avaliação usada como estratégia de

desenvolvimento do MR

iii. Centrar no adolescente – Aparecimento do adolescente como centro

da ação educativa

iv. Empowerment – Uso de estratégias de "empowerment", "dar voz", "dar

poder", "transmitir responsabilidade"

v. Experiências de êxito – Proporcionar aos alunos experiências de êxito

(escolher tarefas desafiantes mas possíveis de concretizar)

vi. Integração - Integrar dos objetivos de responsabilidade na atividade

desportiva

vii. Tomada de consciência – Promover a reflexão pessoal dos alunos

sobre os seus comportamentos, as opções, sobre os acontecimentos,

intenções, valores e sobre que se espera deles

viii. Tomada de decisões e escolhas – Estimular os alunos a que tomem

decisões e a que façam escolhas em relação a assuntos da

aula/sessão, e providenciar para que as escolhas feitas pelos alunos

sejam consequentes

ix. Estratégias específicas por nível – utilizar estratégias específicas para

cada um dos NRPS

h. Fatores de sucesso - Fatores a que os entrevistados atribuem o sucesso do

MR

i. Ambiente - Envolvimento físico e psicológico das sessões como fator

de sucesso

ii. Avaliação - Avaliação dos processos e resultados como fator de

sucesso

iii. Estrutura do modelo - Estrutura do modelo como fator de sucesso

iv. Idade - Idade dos alunos como fator de sucesso

v. Objetividade e realismo do adulto - Objetividade e o realismo do adulto

como fator de sucesso

vi. Qualidade da relação do adulto com o adolescente - Qualidade da

relação do adulto com a criança ou jovem como fatores de sucesso

vii. Rácio - Rácio adulto/adolescente como fator de sucesso

viii. Tempo - O tempo de aplicação do modelo como fator de sucesso

i. Relação professor/modelo - Relação entre o professor e o MR

j. Disseminação do MR – Relatos de como foi feita a disseminação do MR

Page 115: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Metodologia

97

k. Avaliação da implementação - Materiais e modos de avaliar a implementação

do MR

3. Perfil do Professor

a. Valores, atitudes e convicções - Valores, atitudes e convicções do adulto

b. Gosto por trabalhar com adolescentes - Gosto manifestado pelo adulto em

trabalhar com adolescentes

c. Competências de relação do adulto - Caraterísticas relacionais do adulto

d. Relação personalizada com adolescentes - Estabelecimento de relações

individualizadas e personalizadas com os adolescentes

e. Compromisso na relação com os adolescentes - Compromisso do adulto na

relação com os adolescentes

f. Capacidade de adaptar o ensino aos adolescentes - Adaptação do ensino ao

grupo de adolescentes

g. Conhecimento das necessidades dos adolescentes - Conhecimento por parte

dos professores das necessidades dos adolescentes

h. Visão do adolescente - Forma como o adulto vê o adolescente e as suas

potencialidades

i. Atenção ao contexto social de proveniência - Importância da

proveniência social, cultural e familiar do adolescente

ii. Motivação - Visão que o professor tem das motivações do adolescente

iii. Relação com o adulto - Importância dada ao tipo de relação que o

adolescente estabelece com o adulto.

iv. Expectativas - Expectativas do adulto em relação ao adolescente

v. Relação do adolescente com a escola - Forma como o adulto vê a

relação do adolescente com a escola

i. Formação Profissional - Tipos de formação académica ou em exercício do

professor ou monitor

i. Formação académica inicial - Formação académica inicial do professor

ou monitor

ii. Formação em exercício - Formação em ambiente de trabalho com

adolescentes

j. Prática reflexiva - Capacidade do professor ou monitor para pensar, refletir, e

se autoavaliar

Page 116: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Metodologia

98

5. Confiabilidade

Segundo Stake (2009), o investigador que conduz uma investigação

qualitativa não se limita à interpretação e identificação de variáveis, à recolha,

análise e interpretação de dados. Ele é um intérprete colocado no campo de

recolha, que ao mesmo tempo que recolhe dados examina o seu significado e

redireciona a investigação. Há evidências que se alteram, planos que são

modificados ao longo da observação e tratamento dos dados. Daí que, defende

o mesmo autor, a ênfase do trabalho do investigador qualitativo é recolher e

trabalhar os dados de tal maneira que lhe permitam manifestamente sustentar

uma interpretação vigorosa. Por isso mesmo, ele tem que ter clara consciência

do seu envolvimento na investigação nas suas várias fases. De acordo com o

tipo de trabalho que se propôs fazer, o investigador tem que calcular a

“quantidade correta de participação” sob pena de se transformar num

“indígena” (imergindo-se no material em estudo) (Bogdan & Biklen, 1994).

A busca da objetividade neste caso significa ouvir e dar voz a outras

informações, a outras fontes e a outros autores de forma a estabelecer

estratégias que transmitam confiança ao leitor (Strauss & Curbin, 2008).

Neste estudo, estabelecemos como estratégia de confiabilidade a triangulação.

Apresentámos, por isso, múltiplas fontes de dados e múltiplas perspetivas que

permitiram proporcionar uma visão compreensiva dos temas em estudo.

Na tentativa de evitar o viés resultante do facto de que as declarações dos

indivíduos entrevistados podem ser afetadas pela consciência da participação

no estudo, sentindo os próprios, em consequência disso, algum

constrangimento ou responsabilidade resultante do papel de entrevistado,

procurámos uma triangulação, usando declarações dos mesmos em

material não produzido com o fim de servir especificamente esta

investigação. Para esse efeito utilizámos artigos, textos de livros, de

conferências e outro material escrito. Esta estratégia permitiu-nos verificar se

os dados recolhidos apresentavam estabilidade no tempo e se tinham

consistência interna (Stake, 2009).

Page 117: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Metodologia

99

Para além disso, o próprio facto de termos recolhido depoimentos de sete

especialistas assegurou-nos, de certa forma, validação dos dados uma vez

que a triangulação das fontes entre si permitiu o acesso a diferentes

interpretações dos mesmos fenómenos, partindo-se de pessoas, e, portanto,

de circunstâncias diferentes na observação do nosso caso.

Outra técnica utilizada neste trabalho foi a triangulação do investigador. Em

primeiro lugar, referiremos que a recolha das entrevistas foi sempre feita por

uma equipa de dois entrevistadores que participou também da revisão da

versão final em português. Este aspeto da triangulação do investigador

mostrou-se útil também posteriormente, quando se estudava o material

recolhido, pois permitiu que fossem debatidas interpretações alternativas dos

fenómenos emergentes (Stake, 2009).

Outro protocolo utilizado foi o da análise da metodologia de categorização

utilizada. Comparando as codificações feitas pelo autor com as feitas por um

júri, pretendeu assegurar-se a validade do processo. O índice de fidelidade

encontrado foi de 0,87 o que corresponde a um nível de acordo inter-

codificadores de 87% que é considerado bastante satisfatório segundo Miles e

Huberman (1984, p. 63)38.

As reuniões de discussão e avaliação entre pares, assim como conversas

pontuais com investigadores da área, foram também frutíferas no sentido de

manterem a fidelidade do estudo aos seus objetivos e aos princípios da

honestidade intelectual.

Segundo Robert Stake (2009), para além das técnicas relatadas, uma

“descrição densa” do material recolhido pode facilitar ao leitor do relatório

final um conhecimento dos dados que lhe permitirá aferir da qualidade das

aceções a que os autores chegam. Para tal, poderá contribuir também toda a

informação veiculada na revisão de literatura da presente tese e na lista de

fontes bibliográficas do mesmo. Este acesso à informação técnica específica

pode considerar-se uma outra forma de triangulação.

38

Cit. por Lima e Pacheco (2006)

Page 118: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Metodologia

100

Page 119: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

IV Apresentação dos Resultados

Page 120: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

102

Page 121: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

103

“ A investigação de estudos de caso partilha o fardo de clarificar as suas

descrições e de sofisticar as interpretações. Seguir uma perspetiva

construtivista do conhecimento, incentiva o investigador a fornecer aos

leitores bom material em bruto para que eles criem as suas próprias

generalizações.”(Stake, 2009, p. 117)

Este capítulo divide-se em três subcapítulos que dizem respeito aos grandes

temas abordados nas sete entrevistas que servem de fonte ao presente estudo,

a saber: (a) Desenvolvimento Positivo da Juventude (DPJ), (b) modelo de

intervenção Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social de

Hellison (MR), e (c) o Perfil do Professor.

Em relação a cada tema apresentaremos primeiramente um quadro de

distribuição da codificação relativamente às subcategorias em que se

decompõe e ao número de referências encontradas.

Na apresentação de resultados relativos ao primeiro tema-eixo (subcapítulo 1),

fizemos uma história descritiva, longitudinal (ao contrário da dos temas

seguintes), que nos permitiu conhecer o entendimento de cada entrevistado em

relação à definição do conceito Desenvolvimento Positivo da Juventude.

Fizemos o “retrato” do construto em apreço visto pelo prisma de cada um dos

especialistas. Esta abordagem foi, por isso, importante para entendermos como

conceptualizavam os vários especialistas entrevistados o Desenvolvimento

Positivo da Juventude e assim compreendermos as relações posteriormente

estabelecidas com o modelo de intervenção estudado.

Nos subcapítulos seguintes (2 e 3) apresentámos as respostas dos

entrevistados através de uma abordagem transversal. Centrada numa

categoria de cada vez, a análise dos dados permitiu-nos compreender melhor a

que elementos da aplicação do modelo e do perfil do professor foi dada maior

relevância pelos entrevistados.

Page 122: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

104

1. Desenvolvimento Positivo da Juventude

Começámos por perguntar aos nossos entrevistados “O que entende por

Desenvolvimento Positivo da Juventude?”, pois a perceção destes em relação

ao conceito central é fundamental para compreendermos a relação entre o

modelo de intervenção pedagógica que estudamos e o Desenvolvimento

Positivo (DP). A distribuição das referências feitas pelos especialistas pelas

várias categorias está esquematizada no Quadro 5.

Quadro 5 – Distribuição da codificação pelas categorias do tema Desenvolvimento

Positivo da Juventude

Tema-eixo Categorias Fonte Nº ref % ref

Desenvolvimento Positivo da Juventude

Origem 5 7 4.76

Definição 7 24 16.33

Enquadramento teórico 2 8 5.44

Objetivos 6 20 13.61

População alvo 4 8 5.44

Enquadramento institucional 3 14 9.52

Meios e atividades 7 16 10.88

Estratégias Pedagógicas 4 30 20.41

Fatores de sucesso 5 20 13.61

TOTAL 147 100

As primeiras respostas que apresentamos são de Albert Petitpas que começa

por nos dar conta de que Desenvolvimento Positivo da Juventude (DPJ) não é

um tema recente.

O meu primeiro contacto [com o DPJ] foi provavelmente em 198039

. Um bom amigo tinha um programa chamado “ao encontro do objetivo”… (A. P.)

40

Depois, procurando “definir DPJ em poucas palavras” Petitpas diz:

É uma questão difícil. Deixe-me ver: “dar poder”; esta é a expressão que usam aí na investigação: “treino de apoio de autonomia”; eu gosto do termo: “liderança ao serviço”. (A. P.)

Petitpas continua referindo o objetivo desse primeiro programa com que

contactou.

39

Optámos por salientar a negrito as palavras ou expressões de maior relevância para a categorização das unidades de registo numa determinada categoria. 40

As iniciais entre parêntesis “A. P.” representam o nome do entrevistado Albert Petitpas.

Page 123: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

105

[…] e ele estava a utilizar o desporto para ensinar a traçar objetivos e técnicas da vida a miúdos e eu ajudei-o durante quatro ou cinco anos e depois, para mim, começavam a desenvolver-se outros programas. (P.A.)

Embora saliente que no nome do programa ainda não se fizesse referência ao desenvolvimento positivo, claramente nos situa nessa nova visão da educação.

Chamava-se “a intervenção no desenvolvimento da vida”, […] mas isso continha um ciclo de vida, […] começariam com jovens e continuariam até serem adultos, mas o foco era a juventude, nessa altura. Mas, então, chamava-se “intervenções no desenvolvimento da vida” e era uma abordagem educacional, de desenvolvimento muito semelhante à do modelo do Hellison e outros. (A. P.)

Petitpas refere em seguida que o DP tem como novidade o centrar-se nas

potencialidades das pessoas, aproximando-se da corrente da Psicologia

emergente – Psicologia Positiva. É neste contexto que sublinha a necessidade

de se treinarem mentores para trabalharem de acordo com essa perspetiva.

Bem, quero dizer, o que é novo é, penso eu, que se foca em qualidades e desenvolvimento, e isso são as boas notícias. Eu penso que o que é novo para mim é que se foca em treinar mentores. Foi… penso eu… muita gente acredita que quem tem boas intenções pode simplesmente falar com alguém e as coisas boas acontecem. Mas eu penso que agora temos algumas evidências de que se podem treinar pessoas para serem eficazes e que o treino e a supervisão são importantes quando se começam a expandir os programas mais e mais. (A. P.)

A população alvo do DPJ foi, desde início, a dos jovens, Petitpas refere-os

frequentemente nas suas respostas:

[…] fazer com que os jovens vejam que se estão realmente a fazer coisas para os tentarmos ajudar. […] Então é mais um começar com eles devagar... […] às vezes os jovens acham que é tudo divertimento e jogos, […] é só fazê-lo onde os jovens querem estar. (A. P.)

Falando das atividades através das quais se faz o DPJ, Petitpas dá relevância

às atividades desportivas:

[…] por exemplo, o desporto é muito importante e, quando se fazem estudos, os jovens preferem ser o melhor atleta no lugar de outra qualquer posição na escola. Por isso, preferem ser o melhor atleta em lugar de ser o mais inteligente, o melhor artista ou o melhor músico. Por isso, é muito importante.

Se é aí que os jovens querem estar, penso que é um bom lugar para começar. Comecemos aqui, onde eles querem praticar desporto. Deixemo-los praticar desporto e veremos o que eles aprenderam.” […] Eu acredito que, particularmente até aos doze, treze, catorze, os jovens devem ser o mais possível expostos a desportos múltiplos. (A. P.)

As estratégias pedagógicas que, no entender do entrevistado, promovem DPJ

são estratégias que envolvem muito a atividade desportiva e em que se busca,

Page 124: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

106

de forma intencional, a transferência das aquisições feitas nesse contexto para

outros ambientes. O serviço à comunidade é um outro exemplo de estratégia

que promove essa transferência.

Deixemo-los praticar desporto e veremos o que eles aprenderam. E então deixemo-los pegar no que aprenderam aí e transferir isso para a sala de aulas.

[…] Sim, porque os miúdos não sabem que técnicas aprenderam e não sabem como podem usá-las noutros lugares na sua vida. Eles não estão seguros de que podem fazer isso [transferir aquisições de um ambiente para outro]. Por isso, alguém que nunca se sentiria intimidado a praticar um desporto, poderia ter receio de erguer a mão na sala de aula, porque não quereria parecer estúpido ou burro, mas no desporto nunca teria medo de o fazer.

Portanto, o que achamos ser a melhor forma de conseguir a transferência, é ter gente a fazer serviço comunitário ou a envolver-se nas suas comunidades, ajudando outras pessoas e isso dá-lhes a oportunidade de praticar essas técnicas e aí, as pessoas que estão a trabalhar com eles ajudarem-nos a identificar que técnicas são essas. Assim, eles podem não saber que estão (por exemplo) a usar técnicas de organização mas se alguém lhes mostra isso, então de repente eles podem ver como funciona. Muita gente, jovem, nunca viveu estas experiências de estar em campos, em escolas ou de estar noutra comunidade ou ajudando as pessoas. Portanto, quantas mais são as experiências desse tipo mais as oportunidades de utilizar essas técnicas. (A. P.)

Em relação ao valor educativo das atividades comunitárias, chama a

atenção para a importância de se garantir que estas se desenrolem em

condições de segurança no sentido de que as experiências sejam

encorajadoras.

Sim, desde que se providencie alguma segurança, algumas salvaguardas, quer físicas quer psicológicas, sim. Porque às vezes as pessoas ficam com tanto receio e depois vão lá para fora e sentem que tiveram uma má experiência. Por isso temos que ter a certeza de que eles têm suportes à volta para os ajudar e encorajar a continuarem a tentar.

[…] o nosso trabalho é criar lugares que sejam física e psicologicamente seguros, onde eles queiram experimentar coisas e ajudar pessoas, ser expostos a experiências diferentes de uma forma segura. (A. P.)

Ainda falando de estratégias, Petitpas diz que se podem transferir

aprendizagens em sentido inverso, associando a determinados conteúdos,

porventura mais desinteressantes para os “alunos atletas”, competências que

serão necessárias em contexto desportivo (mais agradáveis). Reconhecendo a

“utilidade” destes saberes (e saber-fazer) para a vida desportiva, os jovens

podem adotar uma atitude mais recetiva.

[…] pode-se ter gente a praticar técnicas noutros cenários que depois podem ser usados para a escola. Por exemplo, se temos um número significativo de estudantes concentrados num grupo podemos dizer-lhes: durante um minuto vocês têm de se

Page 125: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

107

concentrar no que o professor diz; depois relaxam; depois por um minuto concentram-se e focam-se realmente. – Portanto, o que estamos a fazer é a ajudá-los a ganharem técnicas de concentração que podem utilizar no desporto mas que também estão a utilizar na sala de aulas e aí eles começam a ouvir melhor os professores e começam a ser melhores nas aulas.

[…] Mas eu penso que se podem ensinar currículos académicos de uma forma que possa ser mais interessante para estudantes atletas. Se conseguirmos mostrar-lhes como a Matemática ou o Inglês, ou o que quer que seja, os pode ajudar a serem melhores atletas. Quer seja dando-lhes coisas para lerem que sejam relacionadas com o seu desporto ou quer seja mostrando-lhes, usando a Matemática, por exemplo […] pode-se ensinar Matemática relacionada com o seu desporto e eles ficam mais interessados e – percebem? – Isso é só uma outra forma de o fazer. (A. P.)

Perguntamos por fim: “De que fatores depende o sucesso nos programas de

Desenvolvimento Positivo?”. Petitpas atribui importância à criação de ambiente

física e psicologicamente seguro (como já verificámos em citações anteriores),

à relação significativa com o adulto, ao apoio exterior (da comunidade, por

exemplo, para a transferência das aprendizagens) e à perceção de contribuição

proporcionada ao jovem. Na opinião deste pedagogo, o adolescente mantem-

se num programa de desenvolvimento positivo:

Se ele achar que o mentor realmente se importa com ele ou ela. Portanto, se eles (…) se estiverem a divertir e acharem que esta pessoa [o treinador] realmente se importa com eles, eles ficarão. Agora, o divertimento resultar da mestria no desporto mas também pode surgir de eles acharem que têm um papel especial na equipa. Talvez não sejam o melhor jogador mas talvez sejam encorajadores do melhor jogador, ou talvez eles forneçam qualquer outro aspeto positivo à equipa que lhes permita sentirem-se como que a dar uma contribuição que é importante. Por isso, eles não têm de ser o melhor jogador. (A. P.)

A segunda entrevistada, Amparo Escartí, à pergunta “O que entende por

Desenvolvimento Positivo da Juventude?” responde pondo ênfase no favorecer

o desenvolvimento de potencialidades a que se refere como “capacidades”,

“habilidades” e “competências”. Distingue o conceito de “desenvolvimento

positivo” do de “prevenção” e usa para o efeito a metáfora da prevenção no

âmbito da saúde.

Na literatura este conceito aparece nos anos 90. Pode entender-se um pouco o desenvolvimento positivo se entendermos o que é a diferença entre a prevenção, intervenção e desenvolvimento positivo. A prevenção é quando tratas de que uma série de comportamentos não surja. Por uma metáfora médica: se eu vou ao médico todos os anos para não vir a ter um cancro de mama, isso é prevenir; quando eu já tenho uma doença e o médico me faz quimioterapia ou medicamentos está intervindo; agora quando uma pessoa em princípio está sã e lhe damos habilidades e capacidades para que se desenvolva mais [é desenvolvimento positivo]. Voltando ao exemplo do médico: quando alguém faz exercício, alimentação saudável, se cultiva intelectualmente e tem amigos isso corresponde ao desenvolvimento positivo. Desenvolvimento positivo é dar a alguém capacidades e habilidade necessária para que, se em algum momento enfrentar problemas, seja capaz de enfrentá-los

Page 126: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

108

porque tem competências para isso. É um conceito complicado pois às vezes confunde-se com prevenção. Desenvolvimento positivo é mais do que prevenção. […] (A. E.)

41

Escartí refere, na sua resposta, alguns objetivos do Desenvolvimento Positivo

da Juventude.

[…] descobriu-se que há uma série de habilidades chave que uma criança tem que ter para ser capaz de enfrentar as dificuldades da vida, dificuldades essas com que se vai seguramente encontrar. Nisso consiste o DP, enfrentar as situações que a vida em si põe.

[…] nos trabalhos sobre desenvolvimento positivo concluiu-se que os fatores que predizem os problemas dos comportamentos de risco são os mesmos que predizem o desenvolvimento positivo mas no inverso. Assim, trabalhando o DP estamos a assegurar que os miúdos não venham a ter comportamentos de risco […].

Que faz a Psicologia do Desenvolvimento positivo? Potencia a autonomia, potencia a responsabilidade, potencia a empatia. […] (A. E.)

A população alvo do Desenvolvimento Positivo é, para esta investigadora, a

infância e a adolescência, aqui referidas pelas expressões “miúdos” e “alunos

da educação elementar”. Nas suas declarações fica claro o aspeto de não

haver um grupo de caraterísticas pré-definidas, isto é, o DP tem como

população alvo todas as crianças, adolescentes e jovens e não

especificamente as ou os que têm qualquer tipo de problemas.

Pensamos então em aplicar o mesmo modelo a toda a escola, promovendo o desenvolvimento positivo e com a ideia de que os miúdos não cheguem a ter as dificuldades (referidas do grupo de risco). No segundo ano foi isso que fizemos, aplicamo-lo aos alunos da educação elementar […].

Assim trabalhando o DP estamos a assegurar que os miúdos não venham a ter comportamentos de risco, não só os problemáticos mas todos. (A. E.)

As atividades que servem de meio à implementação de programas de

desenvolvimento positivo são, também para Escartí, atividades desportivas.

Quer dizer, que sobre as unidades didáticas, os temas e os conteúdos que se vão desenvolver nas outras unidades didáticas, p.ex., na patinagem, no basebol, esse momento inicial serve para fazer a avaliação diagnóstico e para elaborar as normas. Para isso selecionam-se atividades que podem dar alguma informação sobre o que podem aprender depois na unidade didática, p.ex. no basebol, selecionam-se atividades de lançamento e a receção para ver como estão os alunos em relação a essas habilidades e ao mesmo tempo nos dão informação sobre o nível inicial destes em relação às atividades propostas.

41

As iniciais entre parêntesis “A. E.” representam o nome da entrevistada Amparo Escartí.

Page 127: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

109

Estas atividades dão informações e servem também de metáfora para ver os problemas que vão surgindo em cada uma delas, p. ex., os comportamentos problemáticos, as agressões, as faltas de respeito […] (A. E.)

Escartí, ao falar dos programas de desenvolvimento positivo, salienta a

importância do tempo de aplicação do programa como fator de sucesso do

mesmo.

Eu creio que um programa de dois meses, ou dois meses e meio, para objetivos tão valiosos e que na realidade vamos adquirindo ao longo de toda a vida – pois o respeito é algo de muito importante e durante toda a vida se aprendem coisas relativas ao respeito – portanto os programas muito curtos não dão tempo…

O que acontece é que quando se fazem programas de dois ou três meses para observar comportamentos são geralmente programas que têm objetivos muito específicos, p. ex., melhorar as competências de comunicação dos alunos, ou melhorar a empatia o compreender o outro, isso sim pode ser feito num programa curto e pode ser que se encontrem mudanças pois está muito focalizado. (A. E.)

Acrescenta ainda que podemos “predizer” o desenvolvimento positivo dos

jovens a partir do conhecimento de determinados fatores do envolvimento e

pessoais.

Quais são os fatores que predizem o comportamento disruptivo ou do DP? São fatores do envolvimento e fatores pessoais. Nos primeiros estão alguns tipos de ambiente escolar, algum tipo de ambiente familiar e envolvimento que diz respeito as pessoas significativas. Em relação aos fatores pessoais é o mesmo. A Psicologia do Desenvolvimento defende “escolas educativas”, pais que protejam e que ajudem os seus filhos, grupos de pares que sejam solidários e é isso que, de alguma forma trabalha. Que faz a Psicologia do Desenvolvimento Positivo? Potencia a autonomia, potencia a responsabilidade, potencia a empatia. […]. Há escolas que favorecem o DP, estamos seguros disso, e há também famílias que (independentemente de conhecerem um programa) favorecem o DP.

Apresentamos, em seguida, as respostas dadas por Robert Brustad à questão

“O que entende por Desenvolvimento Positivo da Juventude?”:

É um pouco difícil de dizer, porque eu sempre trabalhei nessa área antes de existir o desenvolvimento positivo da juventude. O que chamamos DPJ já existia na época, mas não existia a terminologia. Eu diria que sempre, desde 1975, trabalhei com jovens (…), mas a maior parte do meu trabalho foi nos últimos dez anos, na… eu trabalho em desporto para crianças mas foi mais centrado em resultados no desporto, melhorando os programas de desporto, e neste momento eu não tenho tanto interesse em trabalhar com programas de desporto, tento melhorá-los um pouco (…), mas eu preferia aplicar a minha energia em trabalhar com crianças e aumentando talvez a sua… ajudando-os através do desporto, ajudando-os através da atividade física […]. (R. B.)

42

Brustad continua enquadrando a perspetiva do Desenvolvimento Positivo da

Juventude em várias bases teóricas.

42

As iniciais entre parêntesis “R. B.” representam o nome do entrevistado Robert Brustad.

Page 128: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

110

Eu penso que o mais importante aqui, com as crianças, é perceber as suas necessidades de desenvolvimento. Eu penso que muitos dos programas para crianças são baseados em Psicologia do Desenvolvimento, por isso, percebem realmente como é diferente um adolescente, aquilo de que precisam eles, que é diferente daquilo que precisa uma criança de nove anos. Como é diferente um de nove anos de um de doze. Como mudamos as coisas para que um de doze anos beneficie deste programa e um de nove beneficie daquele programa. […]

Porque a melhor coisa acerca deste campo é que, eu acho-o muito estimulante, porque normalmente Psicologia do Desporto é Psicologia do Desporto! (…) No DPJ, não. No DPJ, como no desporto e na atividade física, a base deve vir da Psicologia de Desenvolvimento, Psicologia da Comunidade, da Psicologia Cultural, da Sociologia, da justiça criminal, e de uma série de diferentes áreas […]

[…] eu penso que uma das mais úteis é a teoria da autodeterminação. Eu penso que essa é muito, muito útil. Mas também algumas das outras teorias de desenvolvimento social e teorias sociais como a de Roth e Breda, aqui o modelo ecológico e outro, no sentido de teoria comunitária eu estava a falar dos outros… esses são muito importantes, penso eu. (R. B.)

Brustad não refere muito especificamente os objetivos do Desenvolvimento

Positivo da Juventude; no entanto, aqui e ali, pode depreender-se das suas

palavras a importância que dá à aprendizagem da autonomia, da liderança e da

relação positiva entre estas e a motivação.

E eu penso que o período de autodeterminação, autonomia, é essencial. Trabalhamos com miúdos, e, a maior parte dos miúdos, na maior parte das situações, não tem muita autonomia e penso que, como adultos, nos esquecemos disso. […] Mas eu penso que a autonomia é realmente a chave, é particularmente importante com adolescentes. Os adolescentes sem autonomia são, geralmente, desmotivados. Portanto, a menos que providenciemos alguma autonomia e os deixemos tomar algumas das suas próprias decisões, não vamos ter a motivação que queremos ver. […]

Bem, eu diria: “O que António precisa de aprender é liderança. O que ele precisa de aprender nesta idade é a tomar decisões. O que ele precisa de aprender é a dar-se com os outros.” Então eu diria: “Ok.” Planeamos futebol. Vou modificar os jogos de meneira que ele tenha de fazer isso. E vou dizer: “Ok. Vais ser… eu vou estar encarregado dos treinos, tu vais estar encarregado do condicionamento, vais estar encarregado disto, vais ser responsável por alcançar os objetivos do grupo e de…” - porque não me interessa se a equipa do António ganha. Interessa-me que o António desenvolva autonomia, aprenda autonomia. (R. B.)

A população alvo do seu trabalho é constituída por “miúdos” de famílias pobres,

pouco acompanhados, crianças que facilmente contactam a delinquência.

Desenvolve a sua atividade em horário pós-escolar.

Crianças que eram de, poderíamos dizer migrantes, famílias camponesas migrantes. As famílias que vivem da agricultura, por isso muito, muito pobres, todos mexicanos. Eu tinha a meu cargo as atividades pós-escolares […]

[…] eu gosto de trabalhar em estabelecimentos pós-escolares e isso funciona muito bem porque há uma grande necessidade [de atividades], pelo menos nos Estados Unidos, para os miúdos, em horário pós-escolar. É quando a maior parte de todos os problemas de crime, de uso de drogas e de comportamento acontecem. Miúdos que não eram supervisionados na altura… O que sabemos nos Estados Unidos é que o

Page 129: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

111

que os miúdos fazem fora de horas, horas escolares, são os maiores indicadores simples da delinquência ou da não delinquência. É necessário providenciar o ambiente de qualidade. […]

Em relação ao enquadramento institucional Brustad trabalha, como já vimos,

preferencialmente em tempo pós-escolar, reconhecendo, no entanto, que é

possível, embora difícil, fazer Desenvolvimento Positivo no contexto da

Educação Física Escolar.

Aparentemente, o programa de desporto em que eu estou envolvido, fomos nós que o criamos, nós estabelecemos as regras. Portanto, ninguém nos vem dizer – têm de acrescentar isto, têm de fazer aquilo – Essa é a diferença. […] (R. B.)

É um programa pós-escolar?43

Sim. (R. B.)

E imagina, pensa que isso seria possível nas aulas de EF?44

É possível… é difícil… porque gosto mais de trabalhar com desporto do que com Educação Física. Em primeiro lugar está o tempo. Eu preferia, para mim, sinto-me mais eficiente trabalhando com vinte miúdos sete horas por semana todo o ano. Eu sei que isso tem um efeito positivo. Mas se eu trabalhar com trezentos miúdos nas aulas de Educação Física, uma hora por semana… […] uma das coisas que sabemos do DPJ, a pesquisa diz que, quanto mais as pessoas estão absortas, mais elas estão empenhadas na atividade, mais significado tem e mais podem elas beneficiar.

[…] Não podemos controlar isso em Educação Física, obviamente, mas no desporto, no desporto podemos […] (R. B.)

Mas também se pode trabalhar de uma forma intensiva, por exemplo num campo…45

Sim! Claro!

[…] Eu acho que uma das grandes contribuições para o DPJ, no nosso campo é, com disse antes, em programas pós-escolares, não em desportos estruturados e não em EF. Quero dizer, há benefícios no desporto e há benefícios na EF mas, na minha opinião, há muito mais potencial quando se sai dos estabelecimentos tradicionais porque aí pode-se dizer “ok”, como um programa de arte, fazemos os nossos… é o nosso programa, ninguém nos diz o que fazer. (R. B.)

Nas atividades que implementa, Brustad reconhece a importância do Desporto

como meio embora não o considere o único conteúdo capaz de promover o

desenvolvimento positivo.

O desporto é só um meio, nada mais. […] (R. B.)

43

Entrevistador 44

Idem 45

Com a expressão “num campo” a entrevistadora quis referir os acampamentos de férias que as crianças, adolescentes e jovens podem frequentar durante o Verão.

Page 130: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

112

Pensa que, de alguma forma, o desporto é mágico? Como posso dizer? O desporto é melhor do que o teatro ou a música? Ou que o desporto é melhor do que os outros?

46

Não, não é, não! Eu acho que, voltando aos aspetos do desenvolvimento, para adolescentes é realmente importante ser-se bom a essa, qualquer coisa. Para crianças, é importante mas nada que se pareça. Os adolescentes têm identidades: “Sou ator. Sou músico. Sou jogador de futebol. Sou jogador de basquetebol”, e para eles, para a sua própria definição, ser competente em qualquer coisa é muito, muito importante e aí, a maior parte das vezes, o seu grupo social está envolvido nessa competência, quer seja música ou dança. Por isso, não importa o que é, mas o desporto é naturalmente bom porque é como a música, é como arte, teatro e isso oferece aos miúdos tempo infinito que eles podem investir, se quiserem, se quiserem. E, o único benefício extra é só a atividade física uma vez que as outras atividades não são tão exigentes fisicamente, mas, mesmo assim, não, não há nada melhor no desporto. (R. B.)

Em relação às atividades desenvolvidas com as crianças no âmbito do

desenvolvimento positivo, Brustad declara usar o desporto, adaptando-

o às idades e aos objetivos, ao mesmo tempo que usa outras

atividades como sejam a leitura ou a visualização de DVD.

[…] alteramos o desporto para que ele beneficie o máximo. Nós não dizemos: “É assim que se faz. É assim que se joga futebol. É assim que se joga basquetebol.” Por isso, quando começamos com ele, primeiro e dizemos: Bem, se ele tem quatro anos de idade, vamos jogar três contra três, sem guarda-redes. Porquê? Porque isso vai desenvolver mais habilidade, mais poder de decisão, mais motivação intrínseca. Ele vai ter de gostar do trabalho à medida que vai tendo mais treino. […]

Não é só no campo de basquetebol mas nós temos um programa de leitura. [Perguntamos] “Quanto leste esta semana? Quanto treinaste sozinho? Só praticas basquetebol aqui no ginásio ou praticas nos fins-de-semana? “ Nós temos DVDs para os ajudarmos com as suas habilidades. “ Vais para casa e vês estes DVDs. Diz-me o que aprendeste “ ou teremos projetos “Fala-me acerca dos jogadores da NBA, de quantos países diferentes são eles?” e eles têm de ir para os computadores para obterem esta informação. Todas estas coisas são indicadores. (R. B.)

Como estratégias pedagógicas, Brustad lança mão da transmissão de poder

para o adolescente, deixando-o tomar decisões, implementando a autonomia

de forma progressiva, alterando os conteúdos desportivos, premiando o

compromisso, reunindo com os jovens e questionando-os sobre as estratégias

a adotar com vista à melhoria do programa, motivando-os a participar

assiduamente nas atividades e estimulando a autoavaliação e o registo em

diários desses e doutros aspetos. Para além destas estratégias, Brustad, refere

a importância de manter os grupos pequenos, de assegurar um atendimento

individualizado dos participantes e um ambiente positivo num programa de

desenvolvimento positivo.

46

Entrevistador

Page 131: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

113

Então, dar poder é importante para si?47

Sim, absolutamente. E eu penso que o período de autodeterminação, autonomia, é essencial. […]

Mas eu penso que a autonomia é realmente a chave, é particularmente importante com adolescentes. Os adolescentes sem autonomia são, geralmente, desmotivados. Portanto, a menos que providenciemos alguma autonomia e os deixemos tomar algumas das suas próprias decisões, não vamos ter a motivação que queremos ver. […]

Eu penso que o que se tem de fazer é: tem de se criar um ambiente onde os miúdos percebam que têm o poder de tomar as decisões que vão afetar as suas vidas. Se não acreditarem nisso, então não é suficientemente bom. Por outras palavras, eu posso-lhes dar a autonomia para tomar decisões, mas se eles não acreditarem que têm autonomia, realmente, não vale de nada. Por isso, temos mesmo que demonstrar que os miúdos participam nas decisões sobre como o programa vai ser trabalhado, nem todas as decisões, claro… […]

E não se lhes dá toda a autonomia no primeiro dia, porque eles não aguentam. É apenas um passo orientado. Quanto mais mostra que aguenta a autonomia, mais autonomia lhe dão. […]

[…] se nos interessamos pelo António que é o nosso adulto ou a nossa criança, alteramos o desporto para que ele beneficie o máximo. […]

[…] os miúdos que querem representar a escola têm de ser os que estiverem no mais alto nível de compromisso. E muito disto veio de reuniões que tivemos com os participantes deste ano. Nós perguntamos: O que fariam vocês para melhorar o programa? E eles dizem: Bem, se quer representar a nossa escola, fale com os professores todas as semanas acerca do desempenho dos seus alunos na escola, nas suas disciplinas e se eles não estiverem mesmo a tentar o suficiente, não estiverem bem na escola, então não podem jogar.

[…] certifique-se de que todos os miúdos que estão a participar nos jogos vêm a todos os treinos e tentam o seu melhor. […]

Tu és mais dedicado, tu és mais responsável, tu és mais o que quer que seja. […] eles podem-se auto pontuar e podem dizer porquê - Esta semana pontua-me o teu nível de responsabilidade. Tu pontuas o teu nível e eu vou pontuar o teu nível. Explicas-me porquê e eu explico-te porquê […]

Sim. Como diários? Tentamos manter diários.[…] (R. B.)

Diários! E vê os diários/relatórios deles e eles também veem os seus?48

Eles escrevem-nos principalmente acerca deles próprios e depois discutimo-los. Mas nesta idade eles são muito abertos, podemos dizer. Bem, também penso que são bastante perspicazes. […]

[…] Nós temos cerca de vinte a vinte e dois [alunos]. (e) Normalmente temos cerca de quatro a seis adultos [em cada turma].

[…] Nós fazemo-lo de diferentes maneiras. Normalmente eu dirijo o treino, organizo-os. E então, muitos dos outros adultos trabalham com um miúdo em particular que está a ter problemas ou talvez com um par de miúdos que realmente necessitam de atenção e eu tento organizar toda a coisa. Mas, sim, é realmente isso que fazemos para trabalhar e fazemo-los escreverem os seus diários no final do treino, quase todos os dias, ou tentamos fazê-lo todos os dias, depois do treino. […]

47

Entrevistador 48

Idem

Page 132: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

114

[…] quando vinham para a escola, a escola começa às 8h00, eles vêm às 7h15 e vão até ao ginásio e todo o ginásio fica cheio de miúdos a jogarem basquetebol. Há um ano não havia miúdos a jogarem basquetebol. Para mim, isso captou o seu interesse para encontrarem alguma coisa em que estivessem interessados, mas podia ser qualquer desporto, aconteceu de ser o basquetebol, mas neste caso, mais é melhor. […]

[…] para os miúdos isso é muito, muito importante, para que eles fiquem: o ambiente positivo em que eles estão, … social positivo… não estão a lutar, não fogem à disciplina… eles necessitam sentir… que eles têm algum controlo sobre o ambiente, […] (R. B.)

Seguidamente Brustad refere os fatores que, no seu entender, são fatores de

sucesso. São eles: o ambiente seguro, o tempo vs racio adulto adolescente e a

possibilidade da relação significativa entre pares e com adultos.

Para mim isso é o mais importante, é perceber os aspetos de desenvolvimento das crianças e isso faz parte dos meus antecedentes educacionais, por isso sinto-me mais confortável a esse respeito. Mas, pessoalmente, penso que é isso que faz um programa de sucesso.

Eu penso que o que se tem de fazer é: tem de se criar um ambiente […]

[…] gosto mais de trabalhar com desporto do que com Educação Física, em primeiro lugar está o tempo. Eu preferia, para mim, sinto-me mais eficiente trabalhando com vinte miúdos sete horas por semana todo o ano. Eu sei que isso tem um efeito positivo […].

[…] tem muito mais a ver com estes relacionamentos positivos com adultos, com outros miúdos, com estar num ambiente seguro e agradável.

O que sabemos nos Estados Unidos é que o que os miúdos fazem fora de horas, horas escolares, são os maiores indicadores simples da delinquência ou da não delinquência. É só providenciar o ambiente de qualidade.

Melissa Parker, a quarta entrevistada, respondeu à pergunta “O que entende

por Desenvolvimento Positivo da Juventude?” referindo a perspetiva positiva de

abordagem:

Eu chamaria programas de desenvolvimento juvenil positivo, a programas de desenvolvimento em que se pudessem ver as crianças... e pessoas... numa luz positiva que todos temos coisas para dar e só necessitamos de perceber como ajudar as pessoas a aperceberem-se disso. […]

Então eles têm tido o desenvolvimento nos objetivos mas eu vejo alguns desses programas a trabalharam pelo que eu chamo um modelo de défice. Quero dizer que... Tu tens problemas? Eu tenho de te ajudar a resolvê-los. Há uma criança em apuros e eu preciso de a ajudar a sair deles, olhando para isso numa perspetiva negativa. […]

[…] é muito subtil, essa diferença entre “positivo” e “de défice”, mas se eu o vejo [o aluno] como para tentar consertá-lo... é muito diferente de vê-lo tentando dar-lhe poderes numa tentativa de capacitar essa pessoa a encontrar o sucesso no mundo de uma forma adequada e com esforço pessoal. Assim, eu olho para isso de um modo positivo. […]

Page 133: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

115

É uma questão difícil49

. No outro dia ouviu o Don falar sobre como tinha feito desenvolvimento juvenil antes de ser desenvolvimento juvenil, e a minha história é de algum modo a mesma. […] comecei a fazer desenvolvimento juvenil desde que comecei a ensinar na escola elementar. (M. P.)

50

Referindo os objetivos do Desenvolvimento Positivo, Parker diz:

Por isso penso que é trabalhar com os mesmos objetivos, pelo menos para mim, eu tenho os mesmos objetivos, as estratégias que uso para chegar a esses objetivos são provavelmente diferentes para diferentes populações – os objetivos mantêm-se os mesmos. […]

Para mim, eu penso... têm de haver múltiplos objetivos para o DPJ, múltiplos, múltiplos objetivos, mas para mim... os meus objetivos tendem a juntar-se ou a agruparem-se à volta de áreas de responsabilidade pessoal e social. […]

[…] os meus primeiros objetivos foram quando eu comecei a ensinar. Pretendia que os estudantes se tornassem responsáveis pelo seu próprio comportamento, se tornassem aprendizes autodirigidos e visualizassem a aprendizagem como um longo processo da vida. Isso foi quando eu tinha 21 anos, esses eram os meus objetivos para ensinar e nunca mudaram. Mantiveram-se na universidade. Mantêm-se os mesmos se eu estiver a trabalhar com crianças, portanto esses são os meus objetivos para o meu trabalho. (M. P.)

Como se depreende das afirmações anteriores, Parker tem experiência de

educação com populações diversas:

[…] ensinei numa reserva índia no sul do Utah e durante seis ou sete meses estive novamente trabalhando com crianças. Tinha que voltar a ensinar crianças. Depois de ter feito isso, quando voltei à universidade decidi que terei sempre que ensinar crianças e terei sempre que ensinar alunos de universidade. Por isso, dou aulas a crianças desde os últimos …estamos em 2007, desde há 13 anos que ensino crianças ou antes da escola ou depois da escola, ou no verão, enquanto na universidade faço DPJ com os meus alunos universitários. […]

Não acredito que alguma criança realmente se queira meter em sarilhos, ou que queira mesmo ser mal sucedida na escola, por isso penso que trabalhar com crianças em risco ou com outras não é muito diferente. […] (M. P.)

Parker refere vários enquadramentos institucionais em que teve oportunidade

de fazer o seu trabalho de Desenvolvimento Positivo.

Era uma escola privada, na catedral de uma paróquia – estamos a falar de muito dinheiro e esses miúdos tinham o mesmo tipo de problemas.

Mas eu comecei por o fazer ensinando crianças na disciplina de Educação Física […]

[…] desde há 13 anos que ensino crianças ou antes da escola ou depois da escola, ou no verão, enquanto que na universidade faço DPJ com os meus alunos universitários. […]

Então agora “positive youth development “ faz parte do meu programa para as minha turmas na universidade […] (M. P.)

49

M.P. refere-se aos primeiros contactos que teve com Desenvolvimento Positivo Juvenil. 50

As iniciais entre parêntesis “M. P.” representam o nome da entrevistada Melissa Parker.

Page 134: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

116

Em relação às estratégias utilizadas, no âmbito de atividades que têm como

objetivo o Desenvolvimento Positivo, Parker fala de proporcionar aos jovens a

oportunidade de fazerem escolhas, tomarem decisões, criarem as próprias

atividades (jogos) e de aplicarem fora do contexto das sessões as

aprendizagens que se vão fazendo.

[…] dava-lhes escolhas, podiam ser escolhas simples como: “Com que colega queres trabalhar “, ou ”que bola queres usar”, esse tipo de coisas, até escolhas e decisões mais importantes como: ”o que queres aprender?”. Procurava que concebessem os seus próprios jogos em vez de eu lhes ensinar um jogo, eles criavam os jogos e trabalhavam uns com os outros, tinham que registar as regras em termos de instrução e conteúdo. Eles tinham muitas escolhas […]

Demos a oportunidade de o praticar, levando-o para fora do ginásio e eu penso que temos de o fazer. Trazer para fora do ginásio e ter de o praticar de qualquer forma. O ano passado, na minha escola, no fim do ano, os estudantes quiseram fazer uma caça ao ovo da Páscoa... sabem o que é a caça ao ovo da Páscoa?... ok... nós pensamos... sim, é o que vocês querem... será o nosso final de ano. […] Vieram as mães e roubaram, levaram, todos os nossos ovos de Páscoa antes dos alunos terem a oportunidade de sair para a caça. […] e as crianças olharam para mim e disseram: “Elas não sabem para mais. Temos de as ensinar”. Eu é que estava zangada e os meus alunos de 10 anos estavam a dizer-me “temos de lhes ensinar o que deveriam fazer”. (M. P.)

O nosso quinto entrevistado foi Thomas Martinek. Quando questionado sobre

“O que entende por Desenvolvimento Positivo da Juventude?” respondeu:

Há vários princípios (valores) subjacentes ao programa desenvolvimento positivo da juventude (DPJ): O empowerment, a programação com base nas potencialidades, a liderança persistente e carinhosa, a construção de futuros possíveis, e o respeito pela individualidade das crianças são apenas alguns dos princípios que servem como diretrizes para o planeamento e implementação. […] Empowering jovens, dar-lhes capacidade de decisão, centrar-se nas suas forças e capacidades e não nas suas fragilidades é o que interessa.[…] (T. M.)

51

Referiu que, na sua opinião, os objetivos de um programa de DPJ seriam os

seguintes:

[…] ensino de habilidades importantes para a vida, […] ajudar as crianças a tornarem-se líderes carinhosos e compassivos. Na melhor das hipóteses, […] promover um clima de equidade, justiça e apoio para aqueles que precisam de um pouco mais de ajuda. Eu concentro-me no desenvolvimento líderes dentro dos nossos programas de juventude com um objetivo específico de transferência para outras configurações. […]

Para tal, as estratégias pedagógicas apropriadas seriam:

[…] dando “vozes e escolhas”, permitindo-lhes falhar sem serem ridicularizados, oferecendo experiências de aprendizagem que permitem que os miúdos "vivam" os valores […] a oportunidade de interagir com as crianças individualmente o maior número possível é dada antes ainda de começar qualquer parte organizada.[…]

51

As iniciais entre parêntesis “T. M.” representam o nome do entrevistado Thomas Martinek.

Page 135: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

117

Martinek sublinha enfaticamente a necessidade de dedicar tempo ao trabalho com crianças como um fator importante de sucesso. Refere também a importância da atividade física como um meio a explorar.

Finalmente, quero voltar a sublinhar a necessidade de haver muito tempo relacional com crianças (eu soo como um disco quebrado ou não?).

[…] a atividade física desempenha um papel enorme no ensino de importantes habilidades para a vida […] (T. M.)

Paul Wright, o sexto especialista, a quem também pusemos a questão “O que

entende por Desenvolvimento Positivo da Juventude?”, dá-nos a definição e

identifica os primeiros contactos que teve com DPJ com os primeiros contactos

que teve com Hellison.

[DPJ é] uma alternativa para programas de intervenção tradicionais, que são baseados em deficit, isto é, que se centram em tratar ou prevenir problemas nos jovens como a violência ou abuso de drogas. […] Em vez disso, os programas de PYD fomentam o desenvolvimento integral dos jovens e concentram-se seus pontos fortes individuais e potenciais.

[…] os bons programas de PYD envolvem os jovens a vários níveis.

[…] Os programas são atraentes, agradáveis, e criam sentido de pertença.

[…] o Don estava a fazer o seu trabalho e o seu modelo estava a desenvolver-se claramente, bem antes do termo “desenvolvimento juvenil” começar a ser usado. (P. W.)

52

Wright considera várias estratégias, mesmo fora da atividade desportiva, como

meios próprios para Desenvolvimento Positivo da Juventude.

Então, esta mesma linha de pensamento vai além da atividade física, e se alguém tem realmente paixão pelo teatro e sabe como agarrar os miúdos e ajudá-los a expressarem-se, então, pode fazer as mesmas coisas […]

Sabem, nos Estado Unidos temos 30-35 miúdos numa sala de aulas. Eles têm um programa muito rígido, a pressão dos testes. Portanto, por causa da estrutura, é realmente difícil fazer isto, mas eu acredito que um bom professor de matemática, um bom professor de línguas poderia fazer o mesmo com o programa escolar. Não é acerca de atividade física, para mim. Isso é o veículo. […]

[…] há uma história realmente boa, e é baseada numa verdadeira história, acerca de um senhor que se chamava Jaime Escalante, e ele era, penso, latino de certeza, talvez Mexicano Americano, professor de matemática num qualquer bairro muito pobre da Califórnia, com uma vizinhança desesperada, e, fizeram um filme acerca da sua história, e eu penso que se chama “Stand by me”, mas isto é só um exemplo de... sabem?... ele fez exatamente o que nós estamos a tentar fazer e, quero dizer, ele ligou-se aos seus miúdos, criou relações, desafiou-os, deu-lhes poder, cativou-os, fê-los pensar acerca do seu papel na vida, de quem eram e para onde iam, usando a matemática como um conteúdo, mas no final, não foi a matemática (o fator de mudança), foi ele. […] (P. W.)

52

As iniciais entre parêntesis “P. W.” representam o nome do entrevistado Paul Wright.

Page 136: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

118

Por fim, daremos conta das respostas do nosso último entrevistado, Hellison. À

pergunta, “O que entende por Desenvolvimento Positivo da Juventude?”,

Hellison responde:

Penso que o DPJ se centra na criança como um todo, não é só o físico, é desenvolvimento, não é só jogar, é melhorar várias componentes do desenvolvimento conjugando o psicológico o social… etc. […]

Infelizmente, do meu ponto de vista, a maior parte dos programas com Desporto são aquilo a que chamo programas com acrescentos (anexos). Por exemplo, temos um Torneio de Futebol em que depois do treino temos um momento em que falamos de relações pais filhos ou outra coisa qualquer. O que fazem é falar com eles coisas da vida mas isso não tem nada a ver com o desporto, tudo o que diz respeito ao desporto fica na mesma, o que têm que fazer enquanto equipa e enquanto jogam é a mesma coisa só lhes é acrescentado algo. Eu sinto mais consistência quando estas coisas são integradas (não acrescentadas): eles aprendem o que têm a aprender com a atividade física […] (D. H.)

53

Qual é distinção entre DPJ e educação?54

Nalguns contextos educação quer dizer saber ler escrever e contar, é literacia e números. É algo de que nenhuma criança deve escapar embora muitas crianças fiquem aquém. Não tem muito a ver com a vida das crianças. (D. H.)

Em relação aos conteúdos utilizados para se atingirem os objetivos do

Desenvolvimento Positivo, Hellison refere a importância de que mesmo no

contexto das atividades desportivas, se deva ter preocupação de atingir

objetivos de desenvolvimento que ultrapassem as competências motoras.

As competências motoras podem trabalhar-se, nós fazemos isso, mas no contexto do DPJ não poderia dizer que está a fazer alguma coisa se não tem relação com a vida, se não tem a ver com ajudar o miúdo a ser melhorar-se a ele mesmo na vida. Para mim isso é o positivo, porque eu sei que se podem fazer vários tipos de trabalho em que todas estas as coisas encaixam todas têm o seu lugar. Temos muitos programas, todos válidos porque todos tentam mais do que simplesmente atividade física. (D. H.)

Sublinhamos que na mesma referência (supra citada) Hellison refere “a relação

com a vida” como fator definidor do sucesso numa atividade de

Desenvolvimento Positivo

[…] mas no contexto do DPJ não poderia dizer que está a fazer alguma coisa se não tem relação com a vida, se não tem a ver com ajudar o miúdo a ser melhorar-se a ele mesmo na vida. (D. H.)

53

As iniciais entre parêntesis “D. H.” representam o nome do entrevistado Donald Hellison. 54

Entrevistador.

Page 137: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

119

2. Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social (DRPS)

A apresentação de resultados neste subcapítulo foi ordenada de forma a

corresponder à importância atribuída a cada um dos temas, pelos próprios

entrevistados. As questões feitas nas entrevistas foram as seguintes: “Fale-me

do seu conhecimento do modelo de intervenção de Hellison” e “De que fatores

depende o sucesso no modelo de Desenvolvimento da Responsabilidade

Pessoal e Social de Hellison?”.

Como no subcapítulo anterior, iniciámos a presentação de resultados com um

quadro, o Quadro 6, onde é possível observar a frequência das referências

para cada uma das categorias e subcategorias relativas ao tema.

Page 138: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

120

Quadro 6 – Distribuição da codificação pelas categorias e subcategorias do tema

Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social

Tema-eixo Categorias Subcategorias Fontes Nº de Ref % de Ref

Desenvolvimento da Responsabilidade

Pessoal e Social

Origem 5 18 5,25

Objetivos 5 17 4,96

Enquadramento institucional 5 18 5,25

População alvo 5 25 7,29

Estrutura das sessões 6 21 6,12

Meios e atividades 5 17 4,96

Estratégias pedagógicas Nº de Ref = 123 % de Ref = 35,86

Ambiente seguro 4 9 2,62

Avaliação sistemática 5 7 2,04

Centrar no adolescente 5 19 5,54

Empowerment – capacitar 6 17 4,96

Experiências de êxito 3 4 1,17

Integração 5 5 1,46

Tomada de consciência 4 11 3,21

Tomada de decisões e escolhas 2 7 2,04

Estratégias específicas p/ Nível Nº de Ref= 46 % de Ref = 13,41

1º Nível 4 5 1,46

2º Nível 3 5 1,46

3º Nível 6 9 2,62

4º Nível 1 2 0,58

5º Nível 6 25 7,29

Fatores de sucesso Nº de Ref = 46 % de Ref = 13,41

Ambiente 3 7 2,04

Avaliação 3 7 2,04

Estrutura do modelo 2 4 1,17

Idade 1 1 0,29

Objetividade realismo do adulto 1 5 1,46

Qualidade de relação adulto/ad. 4 9 2,62

Rácio 3 5 1,46

Tempo 4 11 3,21

Relação professor/modelo 6 22 6,41

Disseminação do MR 3 7 2,04

Avaliação da implementação 5 24 7,00

Total 343 100

2. 1. Origem

Nas palavras dos entrevistados, o modelo de intervenção pedagógica de

Hellison tem origem na experiência, reflexão e avaliação que o próprio autor foi

fazendo sobre o seu trabalho. Estes especialistas conheceram o Modelo de

Responsabilidade no contacto direto com Hellison. Apresentamos, de seguida,

as referências relativas a esses primeiros contactos.

“O contexto em que tudo começou foi diferente do que temos hoje embora

algumas coisas estejam ainda presentes. (…)”. Hellison refere este facto nas

passagens seguintes.

Page 139: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

121

Por essa altura, era costume, nos bairros de periferia, os juízes darem a escolher aos jovens marginais ou irem para a cadeia ou irem para a marinha. Fiquei encarregado de trabalhar com esses jovens e adorei. O trabalho era muito físico, tudo era feito através da atividade física e eu entendi que era aquilo que eu queria fazer: quero trabalhar com estes jovens através da atividade física. Aí eu tinha vinte e quatro ou vinte e cinco anos, […]

Fiz tudo isto pensando no trabalho com jovens marginais e pensava que a EF me ensinaria a lidar com eles mas em EF não se sabia também como trabalhar com este tipo de alunos, não havia ainda interesse nesse tipo de trabalho. Todos queriam ser treinadores e ninguém estava verdadeiramente interessado em ajudar miúdos vindos daqueles meios.

Nos EUA os professores não têm muita autoridade e aquilo era muito difícil. Todas as estratégias que eu propunha eram aborrecidas para eles. Eu era simpático com eles, propunha coisas que achava que lhes agradavam: boxe, pesos e halteres, nada funcionava. […]

Comecei a pensar em como ensinar-lhes como se governarem a si mesmos, como se responsabilizarem por eles mesmos de maneira a progredirem. […] Então dediquei-me. Não era professor de EF, nem de sociologia nem de desporto por isso dediquei-me a este trabalho de responsabilidade […]

Eles também não tinham boa relação uns com os outros e por isso pensei também em ajudá-los serem responsáveis pela maneira como lidavam com as outras pessoas. E foi por aí que comecei. (D. H.)

A partir das necessidades dos próprios jovens, Hellison inicia o seu trabalho

tentando encontrar uma estrutura que respondesse aos objetivos que tinha.

Partia da própria prática e da reflexão pessoal sobre os processos e os

resultados.

A primeira vez que tentei organizar os níveis de responsabilidade eram tantos que nem me conseguia lembrar de todos. Lembro-me que uma vez um aluno meu estava a tentar ensinar a outro os níveis de responsabilidade e o outro disse: Isso não faz nenhum sentido! O primeiro respondeu: eu sei mas é isto que ele (apontou para mim) quer! Percebi que não era aquele o melhor caminho. […]

Todo trabalho foi montado assim: com avanços e recuos. E nem sequer estou a contar todos os detalhes, houve mesmo momentos difíceis. Finalmente, após três anos, tudo começou a funcionar melhor. (…) Tratou-se de uma experiência muito forte do que fiz diariamente com aqueles miúdos e eu avaliava-a todos os dias, sem saber muito bem como o fazer, fazia entrevista, testes físicos … mas o mais importante é que me avaliei a mim mesmo […]

[…] estávamos em 1975 e eu tinha começado este trabalho em 1970 demorei muito a chegar ali. Foi uma tarefa verdadeiramente dura, pelo menos para mim, para alguém mais forte seria provavelmente mais fácil, mas para mim foram tempos difíceis e foi muito duro manter-me com eles e continuar mesmo sabendo que seria muito difícil. […]

Se lerem o que fui escrevendo sobre responsabilidade, verão o meu próprio desenvolvimento vê-se que aquilo que vou mostrando nessas publicações vai evoluindo. As coisas não se alteram completamente mas mudam porque eu mudo à medida que vou estando com estes miúdos. (D. H.)

Page 140: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

122

Martinek refere da seguinte maneira a origem do modelo de intervenção de

Hellison:

Don sentiu necessidade de parar e de pensar sobre a origem daquelas crianças. Acaba por decidir trabalhar um modelo centrado em duas dimensões - de responsabilidade pessoal e social - desenvolvendo uma série de estratégias que permitissem trabalhar no ginásio para que os miúdos vivenciassem diversos tipos de valores. Refletindo sobre estas experiências apercebeu-se de que resultavam. Resultavam, em primeiro lugar, porque os miúdos foram capazes de ir mais além do que lhes pedia para fazerem. Conseguiam aprender a fazer por eles mesmos e responsabilizarem-se pelo trabalho. Para além disso Don sentiu que esta maneira de ensinar fazia parte da sua maneira de ser e daquilo em que acreditava e isso foi provavelmente o mais importante.

Foi assim que tudo começou. (T. M.)

Para Parker, os primeiros contactos com o modelo de Desenvolvimento da

Responsabilidade de Hellison foram da seguinte forma:

Quando acabei o meu bacharelato na universidade, dei aulas numa escola elementar, uma escola primária na Geórgia, do primeiro ao oitavo ano, e nessa altura, desde o começo, comecei a dar nas minhas aulas “Responsabilidade Pessoal e Social”.

[…] os meus objetivos tendem a juntar-se ou a agruparem-se à volta de áreas de responsabilidade pessoal e social. Foi onde comecei. Eu comecei antes ainda de conhecer o Don Hellison, mas como eu disse, os meus primeiros objetivos foram quando eu comecei a ensinar. Onde os estudantes se tornam responsáveis pelo seu próprio comportamento, se tornam aprendizes autodirigidos e visualizam a aprendizagem como um longo processo da vida. (M. P.)

Vinda de Espanha para os EUA, Escartí toma contacto com o trabalho de

Hellison.

Em 1999 tive uma bolsa do governo espanhol para professores que me permitiu visitar outros países e então estive dois meses aqui no Colorado e outros dois em Chicago. […]

Eu tinha interesse que em tantos anos de estudo […] o meu trabalho deveria ter alguma utilidade. Nesse sentido comecei a falar com Gloria e com Bob e começaram a falar-me do programa de Don Hellison. Como tinha muito tempo aqui para estudar, trabalhar, estar na biblioteca comecei a ver o programa [de Hellison] e a estudar também outros programas mas o que mais me convenceu foi o de Hellison porque me pareceu fácil, aplicável e simples. (E. A)

Para Wright, as origens do seu trabalho com MR partiram também do contacto

direto com Hellison.

[…] arranjei informação sobre os programas, verifiquei em diferentes departamentos. Cinesiologia na Universidade de Chicago pareceu-me uma boa possibilidade […] disseram-me: Bem, fale com o Don Hellison, parece-me que o que faz lhe poderá interessar a ele. Então, tive algumas reuniões com ele e inteirei-me sobre o trabalho e acontece que ele tinha um programa de artes marciais no centro juvenil da cidade e eu disse: Perfeito, posso ensinar crianças, incluindo artes marciais e fazer investigação. É o que eu estou à procura. (P. W.)

Page 141: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

123

2. 2. Objetivos

As referências seguintes traduzem os objetivos do trabalho com adolescentes e

jovens de acordo com o modelo que abordamos.

Hellison iniciou o seu trabalho tentando encontrar os objetivos ajustados

partindo das necessidades do próprio grupo.

Perguntava-me: o que é que posso dar a estes miúdos? Dinheiro? Não posso dar-lhes. Eles precisavam de orientação e não tinham quem lha desse, por isso, se necessitavam de ajuda e não a iam obter nem em casa nem da polícia, que só aparecia se houvesse problemas. […]

[…] pensei também em ajudá-los a serem responsáveis pela maneira como lidavam com as outras pessoas. E foi por aí que comecei. […]

Acredito que se eu fizer isto com eles durante um ano ou dois que eles viverão melhor as suas vidas, refletindo sobre si mesmos. Eles saberão como olhar para si mesmos e fazer a sua autocrítica. […]

[…] eu já sabia que queria humanizar a Educação Física, eu queria que fosse o humano o centro do meu trabalho e não o Desporto ou a condição física ou outra coisa do género. […]. (D. H.)

Nas referências dos outros entrevistados encontrámos também os objetivos do

modelo. Para Escartí, por exemplo, os objetivos dirigidos à autonomia como

caminho para a responsabilidade serão, entre outros, importantes.

[…] neste programa trata-se de dar autonomia aos miúdos – empowerment - para que possam ir gerindo a sua vida e, uma das premissas da Psicologia, que todos conhecemos, é que para se ser autónomo tem que ter participado e escolhido as próprias metas. Daí que a partir do momento em que os alunos conseguem fazer as suas próprias normas e se comprometem a cumpri-las estão a ganhar autonomia, está-lhes a ser dada autogestão que é uma coisa básica para a responsabilidade. […] (A. E.)

Para Parker, também o desenvolvimento da responsabilidade aparece como

referência fundamental do seu trabalho.

[…] gostaria de ser capaz de ajudar crianças e estudantes universitários a serem a melhor pessoa que pudessem ser e eles poderiam ser pessoas responsáveis e produtivas, e felizes, bem sucedidas neste mundo. Então, é como... para mim, isso tem a ver com relações, tem a ver com desenvolver estratégias para ajudar crianças ou pessoas a serem mais responsáveis. […]os meus objetivos tendem a juntar-se ou a agruparem-se à volta de áreas de responsabilidade pessoal e social. Foi onde comecei. (P. M.)

Para Wright, os objetivos do modelo de Hellison estão claros na própria

definição dos níveis.

Isso é... exatamente, e eu penso que o grande valor dos níveis é que dão alguns objetivos claros e consistentes para o programa, mas uma vez mais, aí, providencia um enquadramento que, para se tornar vivo têm de trabalhar com ele...

Page 142: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

124

sabem?... não basta recitarem estas cinco definições para as meterem nas suas cabeças. […]

[…] se for bem feito, não é realmente centrado na competição mas sim no melhoramento pessoal e onde os valores são falados explicitamente assim como o e comportamento e outras coisas, como seja a aplicação à vida. (P. W.)

Martinek fala das duas dimensões globalizantes dos objetivos do modelo, o

desenvolvimento da responsabilidade pessoal e o desenvolvimento da

responsabilidade social.

Acaba por decidir trabalhar um modelo centrado em duas dimensões - de responsabilidade pessoal e social […]

Não se trata de ensinar matemática ou lançamento em suspensão, trata-se de ensinar crianças a serem cidadãos responsáveis, quem sabe mesmo lideres e, para isso, tem que se acreditar mesmo que isso é verdadeiramente importante. […]

Muitas pessoas pensam que este modelo de trabalho com desporto é próprio para crianças que se portam mal, mas isto não é um modelo de ensino de disciplina este é um modelo de ensino de valores para todas as crianças. […]

A EF e o desporto são coisas de que as crianças gostam muito e são um meio ótimo para desenvolver valores […]

Nas aulas de EF não há grande possibilidade de ensinar verdadeiramente grandes skills desportivos porque a carga horária é baixa mas se se optar por lhes dar competências de vida, desde que entram na aula até que saem, isso resultará melhor. Voltamos sempre ao mesmo: o que é importante que os alunos aprendam? (T. M.)

2. 3. Enquadramento institucional

Falando sobre o tipo de instituição e de atividade (dentro ou fora do tempo

escolar) em que se desenrola a aplicação do modelo, recolhemos as seguintes

referências.

No caso de Hellison, verificamos que o entrevistado equaciona

enquadramentos vários para aplicação do modelo.

Ao falarem nestas conferências algumas pessoas fazem assunções acerca do que vocês fazem ou daquilo que eu faço que, por vezes, não estão corretas porque os contextos são diferentes, as escolas são diferentes. Nós temos programas desportivos em escolas e há países que trabalham com clubes e isso muda tudo. […]

[…] a experiência mais valiosa que tive com miúdos foi uma experiência acidental quando tinha entre cinquenta e sessenta anos e trabalhava com escolas secundárias. Um sujeito contactou-me - tinha uma escola especial/alternativa, uma escola secundária para alunos problemáticos que tinham sido expulsos de outras escolas ou saído da cadeia – e disse-me: “Tenho conhecimento do seu trabalho, do desenvolvimento da responsabilidade e queria faze-lo. Você ajuda-me?” “Claro”, disse eu.

Eu quero pegar nestes miúdos e colocá-los num envolvimento, (e a atividade física serve muito bem para isso, tanto faz se é em contexto de Desporto ou de Educação Física) eu busco a forma mais ágil de aplicar o programa a estes miúdos de maneira que adquiram algo. (D. H.)

Page 143: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

125

Escartí refere também a enquadramentos da intervenção variáveis.

[…] eram miúdos que estavam na escola secundária [+- 3º ciclo] mas que estavam num programa para crianças para quem é muito difícil fazer o currículo escolar normal. Nas escolas secundárias (3ºCiclo) há um programa que se chama PAC onde estão crianças que não são capazes de seguir o ritmo normal das aulas. […]

Agora, p. ex., que vamos iniciar uma fase bastante ambiciosa, porque vamos aplicar o programa a um município [a todas as escolas)] […] (A. E.)

Seguem-se as referências de Parker, tal como os entrevistados anteriores,

relata enquadramentos diferentes na aplicação do modelo.

Sim, eu comecei por fazer “Desenvolvimento Juvenil” ou “Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social”, esses eram os meus objetivos. Mas eu comecei por o fazer ensinando crianças na disciplina de Educação Física. […]

[…] desde há 13 anos que ensino crianças ou antes da escola ou depois da escola, ou no verão […]

[…] tenho trabalhado com crianças após a escola e nos últimos dois anos numa escola elementar com miúdos de 9 e 10 anos; […]

[…] nos sete anos anteriores a esse com crianças de ensino elementar e básico, numa escola de ensino especial. […] (P. M.)

Já Wright refere alguma limitação de aplicação do programa se o envolvimento

institucional implica uma participação com carácter de obrigatoriedade, como é

o caso das aulas de EF.

[…] se é um programa voluntário, que só tem dez miúdos, que estão lá por opção, então pode fazer muito... mas, se está em EF nas escolas, tem três vezes mais miúdos e muitos deles não teriam escolhido estar lá, se não foi uma escolha deles... Mais uma vez, o que se poderá fazer é diferente. […] (P. W.)

Martinek vem a referir o mesmo condicionamento que Wright em relação às

aulas de EF, achando, no entanto, que este não é em absoluto determinante no

alcançar dos objetivos do modelo.

As escolas com que trabalhamos são todas escolas públicas (com crianças que normalmente seguiriam para a universidade) com programas pós-escolares (extraescolares) mas estamos preparados para que os nossos alunos passem para a universidade continuando nós a trabalhar com eles. […] Uma outra área do nosso trabalho é, para além desta ideia de como ajudá-los voltar para a escola, a criação de um programa de “Mentor”/conselheiro. Este programa funciona com alunos dos primeiros anos da Universidade de North Carolina em Greensboro da seguinte maneira: um universitário responsabiliza-se por um dos miúdos do clube e trabalha reunindo com ele uma vez por semana na escola. […]

O nosso trabalho principal continua a ser através do desporto na […] universidade, mas pode ser feito noutro sítio qualquer. Já o fizemos com raparigas e rapazes de outras escolas, doutras cidades. […]

Page 144: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

126

A EF e o desporto são coisas de que as crianças gostam muito e são um meio ótimo para desenvolver valores se os professores optarem por ensinar valores. Se acreditarem nisso, é bom que o usem na escola, nas aulas. […] Nas aulas de EF não há grande possibilidade de ensinar verdadeiramente grandes skills desportivos porque a carga horária é baixa, mas se se optar por lhes dar competências de vida desde que entram na aula até que saem isso resultará melhor. […]

[…] quando implementas um programa desportivo é que crias uma cultura, uma cultura baseada no desenvolvimento (empowerment) dos alunos, dás-lhes capacidade de decisão, torna-os responsáveis pelas suas decisões sejam boas ou más. […] crias uma cultura diferente da cultura escolar e, para os miúdos, lidar com isto não é fácil. […]

Todos os países precisam de investir em programas alternativos e, por isso, decidi desenvolver esta área de formação para estudantes que queiram vir a trabalhar com jovens, não obrigatoriamente na escola mas também em programas alternativos extraescolares para rapazes e raparigas. Podem ser programas das igrejas. Há igrejas que estão afazer isso agora como programas paroquiais. (T. M.)

2. 4. População alvo

Outra categoria muito importante relativamente ao tema Desenvolvimento da

Responsabilidade Pessoal e Social é o tipo de população a que foi sendo

aplicado. Recolhemos, das entrevistas feitas, as referências que se seguem.

Iniciamos com Hellison.

Um sujeito contactou-me - tinha uma escola especial/alternativa, uma escola secundária para alunos problemáticos que tinham sido expulsos de outras escolas ou saído da cadeia […]

Com que tipo de alunos trabalha, alunos com problemas?55

- Sim, inclusivamente com alunos a cumprir penas. É este tipo de trabalho que me interessa, com situações muitas vezes desesperadas, principalmente com miúdos mais velhos que chegam com dezasseis, dezassete ou dezoito anos… é complicado. […]

A essência do meu trabalho é com jovens negligenciados, […]

[…] mas quando se trabalha na city não se tem nada disso… é uma situação muito precisa, trabalha-se sob tensão… e é disto que eu gosto, é o que eu sei fazer, é a minha paixão (e a do Tom também). […] (D. H.)

A população com que tem trabalhado Escartí tem também variado ao longo do

tempo.

Nós começamos a trabalhar com estudantes de risco – o modelo era feito para miúdos com muitos problemas na cidade de Chicago. […]

São miúdos que têm o perfil de adolescentes de risco: têm problemas escolares, problemas de relação com os colegas, alguns têm problemas com drogas e álcool,

55

Entrevistador

Page 145: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

127

absentismo escolar… como são crianças muito complicadas são colocadas nesse grupo PAC. […]

56

Pensamos então em aplicar o mesmo modelo a toda a escola […] No segundo ano foi isso que fizemos, aplicamo-lo aos alunos da educação elementar […].

[…] vamos aplicar o programa a um município (a todas as escolas) […] (A. E.)

Parker trabalhou com populações com caraterísticas variadas e estendeu a sua

experiência de aplicação do Modelo de Responsabilidade a escolas de alunos

de um estrato social mais alto.

Quando acabei o meu bacharelato na universidade, dei aulas numa escola elementar, uma escola primária na Geórgia, do primeiro ao oitavo ano, e nessa altura, desde o início, comecei a dar nas minhas aulas “Responsabilidade Pessoal e Social”. […]

Ensinei com Don Hellison no sul de Chicago e depois fui ensinar numa reserva de índios […] ensinei numa reserva índia no sul do Utah e, durante seis ou sete meses, estive novamente trabalhando com crianças. Tinha que voltar a ensinar crianças. […]

[…] nos últimos dois anos numa escola elementar com miúdos de 9 e 10 anos; nos sete anos anteriores a esses com crianças de ensino elementar e básico, numa escola de ensino especial. […]

Quando eu ensinei na Geórgia, quando estava a ensinar pela primeira vez, estava numa escola católica, muito muito rica. Era uma escola privada, na catedral de uma paróquia – estamos a falar de muito dinheiro – e esses miúdos tinham o mesmo tipo de problemas. […] (P. M.)

Wright refere também a aplicação do modelo de Hellison a crianças e jovens de

grupos específicos variados.

[…] em Chicago, nos três programas com o Don, a que ele me ligou, foi primeiramente, trabalhar com estudantes Afro-americanos do bairros pobres, para miúdos da “Big House”

57 e para projetos em Chicago, portanto, ao nível da pobreza,

dos bairros com altos índices de criminalidade e atividades de gangs […]

E também, embora por minha conta e risco, em Chicago, eu estudei e comecei a usar o modelo de responsabilidade com crianças com deficiências. Ora, estas crianças não eram necessariamente de... algumas viviam nos subúrbios, portanto, não eram desfavorecidas economicamente. […] mas a maior parte eram crianças brancas de classe média, dos subúrbios, mas tinham problemas de défice de atenção, eram hiperativos, seropositivos, tinham síndrome de Down, autismo. Então, eu usei uma terapia de artes marciais, desenvolvi uma terapia de artes marciais para eles, mas usando o Modelo de Responsabilidade. […]

[…] desde que vim para Memphis, […] continuei a trabalhar com jovens de bairros pobres, porque são muito do mesmo perfil, Afro-americanos pobres que vivem em escolas e ambientes muito duros. (P. W.)

56 “PAC” são as iniciais de um programa, em Espanha, de currículo especial, adaptado e prático, que tem como objetivo a atribuição do certificado do ensino obrigatório a alunos que demonstram dificuldade em obtê-lo de outra forma. 57

“Big House” de Chicago é organização de jogo e apostas que suporta gangues e crime organizado.

Page 146: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

128

Martinek fala-nos sobretudo de trabalho com grupos com dificuldades

escolares e de integração social.

Acho que se pode dizer que trabalhei sempre com grupos difíceis. A maneira como começámos um grupo no meu clube do 1º ciclo foi através da informação do professor da primária, ou o diretor de turma, ou o conselheiro que os referenciou. […] são tipicamente miúdos que têm problemas nas aulas, que apresentam mau comportamento, que são chamados ao DT muitas vezes, que têm maus resultados e chegam a ser suspensos.[…]

Começamos com os miúdos cedo com miúdos do 3ª, 4ª e 5ª anos […] Temos um clube dos 2º e 3º ciclos que apanha os miúdos que completaram o ciclo e tenta mantê-los o que é difícil, pois é quando começam a dispersar-se por outras escolas. Depois deste temos um clube com programa para o secundário. É nesta que começa o “Youth Leaders Corps Programe” com esses jovens que ficam connosco vários anos. Aí em vez de serem “membros” do clube passam a ser “lideres” do clube mudando do papel de participantes para o de lideres. […] desta forma os alunos de secundário aplicam o programa Responsabilidade e ensinam a outros miúdos competências de vida.

Mas, basicamente, os jovens com que trabalhamos são alunos problemáticos e que, para ser honesto, continuarão provavelmente a ser. A verdade é que eles conseguem lidar com situações difíceis […]

E também não é só para crianças pobres, as ricas apresentam os mesmos problemas. Este tema atravessa todos os estratos económicos. […]

Eu estou a trabalhar com crianças de escolas públicas, não necessariamente violentas, […] (T. M.)

2. 5. Estrutura das sessões

Nesta categoria agrupamos as referências feitas pelos entrevistados à forma

de organizar as sessões numa intervenção de Modelo de Responsabilidade.

Registaram-se sobretudo as etapas e momentos fundamentais.

Hellison refere os momentos em que se divide a sessão e as estratégias que

utiliza para tornar os alunos conscientes do seu próprio progresso.

Mas quando estamos no “tempo de reflexão” e eu pergunto: como foi que te portaste hoje? Como esteve o teu temperamento? E as bocas, controlaste as bocas? E eles vão dizendo: sim… mais ou menos… ainda não… […] Depois vou perguntando se algum atingiu algum objetivo (pessoal ou desportivo) que se tenha proposto de início. E, em frente a todos, eles dizem se sim. […] Aí pergunto: desde a última vez que nos vimos querem dar algum exemplo de algo que tenham aprendido aqui e que tenham feito lá fora, em qualquer lado? […]

No meu caso (e no caso de atividades de paróquia ou em treinos) em que trabalhamos nos tempos livres, eu posso sempre falar com eles em tempo de aconselhamento e perguntar-lhes: como está a ir a escola? Pergunto-lhes como estão na equipa do bairro… […]

[…] eles aprendem o que têm a aprender com a atividade física e depois tem que se tratar da transferência, tem que se conseguir isso. (D. H.)

Escartí refere também a estrutura das sessões nas suas aplicações do Modelo

de Responsabilidade.

Page 147: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

129

Isso fazemo-lo constantemente, não se espera que se acabe o nível quatro para começar o nível cinco vamos trabalhando nele desde o princípio do programa […]

No final de cada dia, na reflexão final, faz-se um apanhado “vamos ver, que problemas surgiram hoje?”. […]… nessa avaliação ao fim do dia faz-se esse resumo, registamos os problemas de que eles deram conta e então a partir daí, fazendo assim todos os dias, faz-se uma lista dos problemas, organizados por ordem de gravidade e prioridade para propor as normas em função dos problemas que realmente surgiram. Assim a norma surge de uma necessidade, de algo que ocorreu. Não é uma norma que o professor estabelece mas sim algo que no grupo é preciso resolver. (A. E.)

Parker refere a forma como Hellison integra as estratégias de aprendizagem na

atividade física da sessão.

Ele desenvolveu atividades que funcionaram para ele em termos de levar os estudantes a praticarem... mas o que não se vê, do que o Don faz... ele fala sobre conversa de consciência, grupo de reflexão, tempo de aconselhamento, e estas outras coisas. O grosso do que ele faz, que ainda está enterrado algures, ele não fala muito acerca disso... é durante esse jogo de equipa, esse tempo de atividade, o que quer que ele lhe chame. Quando as crianças estão fisicamente ativas, ele faz milhares de coisas, isso pode ser mais importante do que o tempo de reflexão e a conversa de consciência. (P. M.)

Wright salienta também a integração dos objetivos na prática da sessão

“Integração”,[…] fala, nessa “integração sem costuras”. Então, como exemplo aqui, é a pessoa que só põe o póster na parede. As ideias são anunciadas mas isso não altera nada do que acontece no jogo, isso não está integrado, mas se falarmos de liderança e dermos aos miúdos a oportunidade de liderar coisas, aí está-se a integrar. Falamos de fazer escolhas e deixamos os miúdos tomarem decisões na atividade, aí está integrado. […] (P. W.)

E continua recomendando que quem intervém pedagogicamente usando o

modelo de Hellison se centre naquilo que é essencial e não na estrutura como

fórmula rígida.

Pode-se ou não falar de qualquer dos níveis especificamente; podem ou não usar o formato da aula, mas se estão a abordar esses temas

58, aí a essência do modelo

está e podem-se mudar as coisas. […]

Por exemplo, com os níveis algumas pessoas leem isso e pensam que os níveis são como degraus: 1º têm de fazer este; ainda não podemos falar de liderança; não podemos dar liderança porque ainda estamos a fazer este e agora vamos fazer este e agora... É um a um. Mas o facto é que quando estamos a trabalhar com um grupo de miúdos, frequentemente temos miúdos que entram e são líderes natos, são naturalmente cuidadosos e protetores e ajudam. Então, por que carga de água diriam: “Não vamos poder abordar isto ou aquilo. Não vos fiz passar por estes passos” […] Não é uma sequência mas, infelizmente, eu penso que algumas pessoas ficam confusas com isso. Eu mesmo, não me refiro a eles como níveis, tantas vezes. Eu refiro-me a eles como: estes são os objetivos do programa; se podemos atingir todos os cinco e abordá-los a todos ao mesmo tempo, comecem com todos eles desde o início. Eu costumava mais ou menos seguir isso passo a passo e esperava até à terceira ou quarta semana para integrar algum material com a forma de liderança e então tentei fazê-lo um pouco mais cedo, e um pouco mais cedo, e descobri “estes

58

Paul Wright refere-se no mesmo texto a que há coisas mais importantes que a própria estrutura dos níveis, como seja por exemplo, criar na aula “relações positivas com os miúdos”.

Page 148: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

130

miúdos têm idade suficiente e são suficientemente bons. Logo que eu os deixe tomar a liderança, eles são capazes. Por que é que os estou a fazer esperar ao longo de dez aulas para chegarem lá?” […]

[…] e pode-se trabalhar o resto dos níveis ao mesmo tempo?59

- Sim. Correto. E os níveis são só, novamente, penso eu, são uma espécie de indicadores. […] mas não têm de trabalhar em cada um deles em todas as aulas, sempre. Por isso, não deviam estar amarrados por eles. São um óptimo enquadramento e um bom conjunto de objetivos e algumas pessoas poderão, num programa, dizer “eu quero acrescentar outro” ou “eu quero fazer menos disto e mais daquilo” para preencher as necessidades do grupo com que estão a trabalhar. […] com um grupo de bons miúdos, o comportamento não será um problema, não vão gastar muito tempo com o nível um, porque, como que, está lá, ou talvez o possam trabalhar a um mais alto nível, (P. W.)

A flexibilidade da estrutura do modelo é também referida por Martinek. Ele

prefere dizer que “há uma ideia de desenvolvimento implícita no modelo” mas

que esse desenvolvimento é fluído.

Depende de quem são os miúdos. São apenas pontos de referência para o trabalho. Numa sessão penso que vou trabalhar o primeiro nível e na seguinte se correr bem tento avançar um pouco. […]

O modelo em si mesmo apresenta um desenvolvimento com o seu nível um, nível dois, nível três (eu chamo-lhes metas, nem sequer lhe chamo níveis), de qualquer maneira há uma ideia de desenvolvimento implícita no modelo mas muito fluida, pode-se andar para trás e para a frente. Depende de quem são os miúdos. […]

Há duas semanas tivemos uma sessão que foi terrível, com miúdos que tivemos todo o ano e tivemos que recuar e voltar para o primeiro nível, trabalhando a ideia do auto controlo e do respeito pelos outros. É assim que se passa, é uma dinâmica muito fluida mas o modelo é basicamente apenas um guia. Para mim é uma maneira de ver onde estão estes miúdos e até onde é que posso ir com eles. […] Mas o modelo, por si só, é, como eu digo para mim, apenas um guia de percurso. Eu penso que Don diria a mesma coisa. (T. M.)

Na referência que se segue Martinek deixa um pouco implícito que há, apesar

da flexibilidade estrutural, alguma ideia de pré-requisito entre níveis.

Se não consegues que os miúdos apreendam o 1º nível (auto controlo e respeito pelos sentimentos dos outros) nada do resto funciona. É exatamente como dizes. Comigo o que se passa é que quando entro (para o ginásio) eu não digo “hoje vou atingir este e aquele objetivos”, eu tenho que sentir como estão os miúdos, onde estão eles e, por vezes, opto por simplesmente treinar uns lançamentos. Às vezes deixamos apenas que se conheçam, que ganhem um pouco de confiança uns nos outros. (T. M.)

2. 6. Meios e atividades

Neste tópico ficaram agrupadas as referências que dão a conhecer a variedade

de atividades que os autores aplicam às suas sessões do Modelo de

Responsabilidade.

59

Entrevistador

Page 149: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

131

Para Hellison, claramente, a atividade física é o meio educativo por excelência.

Penso que neste trabalho tem que se estar em sintonia com os miúdos mas temos que ter algo para fazer com eles. Eles são muito rebeldes: eles jogam Basquetebol, saltam num trampolim e é isso que querem fazer, eles não querem conversa! […] eles aprendem o que têm a aprender com a atividade física […] (D. H.)

Também Escartí refere as atividades físicas desportivas como os conteúdos

fundamentais das sessões.

Eu diria que a primeira unidade didática, que é a da elaboração de normas, é uma unidade em que se obtém uma avaliação inicial. Quer dizer que sobre as unidades didáticas, os temas e os conteúdos que se vão desenvolver nas outras unidades didáticas, p.ex., na patinagem, no basebol, esse momento inicial serve para fazer a avaliação diagnostico e para elaborar as normas. Para isso, selecionam-se atividades que podem dar alguma informação sobre o que podem aprender depois na unidade didática. P.ex., no basebol selecionam-se atividades de lançamento e de receção para ver como estão os alunos em relação a essas habilidades e ao mesmo tempo nos dão informação sobre o nível inicial destes em relação às atividades propostas. (A. E.)

A atividade física, sob a forma de jogos e de trabalhos em equipa, é o

conteúdo/meio mais utilizado nas aulas de Missy Parker. Esta propõe aos seus

alunos a criação dos próprios jogos e respetivas regras.

Procurava que concebessem os seus próprios jogos em vez de eu lhes ensinar um jogo. Eles criavam os jogos e trabalhavam uns com os outros, tinham que registar as regras em termos de instrução e conteúdo. […]

[…] por isso iria estar a praticar pingue-pongue. Outro grupo podia estar a praticar ginástica, outro podia estar a praticar basquetebol, e então toda a gente na turma iria estar a fazer coisas diferentes, de acordo com os contratos […] (P. M.)

Wright tem uma visão mais ampla sobre o tipo de atividades que se podem

usar, embora na sua própria prática se refira quase sempre às artes marciais

como meio ou conteúdo educativo.

Então, eu usei uma terapia de artes marciais, desenvolvi uma terapia de artes marciais para eles mas usando o modelo de responsabilidade. […]

[…] eu vejo-a, a atividade, como um veículo. É a forma como é usada. Certo? Então, sim. Poderia ser desporto ou qualquer atividade física, mas a ideia é usar isso como um ponto de interesse, o seu foco para chamar os miúdos. Mas eu penso que outras pessoas fazem tão bem, um trabalho muito similar, com teatro, com performance, com arte.(…)

[…] eu posso fazer um programa de sucesso em Tai Chi […]

As ideias são anunciadas mas isso não altera nada do que acontece no jogo, isso não está integrado, mas se falarmos de liderança e dermos aos miúdos a oportunidade de liderar coisas, aí está-se a integrar. Falamos de fazer escolhas e deixamos os miúdos tomarem decisões na atividade, aí está integrado. (W.P.)

Page 150: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

132

Trabalhando com escalões etários mais elevados, Martinek refere que, para

além da atividade física, utiliza a “tutoria” feita pelos mais velhos em relação

aos mais novos como atividade educativa no contexto do modelo de Hellison.

[…] um universitário responsabiliza-se por um dos miúdos do clube e trabalha com ele reunindo com ele uma vez por semana na escola. São os mesmos princípios dos desportos aplicados ao aconselhamento. […]

O nosso trabalho principal continua a ser através do desporto, […] (T. M.)

2. 7. Estratégias pedagógicas

A que estratégias dão os entrevistados importância? Perguntámo-nos ao

analisar os dados. Para podermos responder começámos por transcrever as

referências em que os entrevistados falam das estratégias pedagógicas usadas

nas suas intervenções. Subdividimos esta categoria em subcategorias de forma

a facilitar a análise das estratégias referidas.

a) Ambiente seguro

A criação de um ambiente onde os alunos se sintam bem, seguros e

respeitados, é determinante para a sua permanência na atividade. A garantia

deste ambiente, onde há segurança psicológica e física, é um tópico que se

repete nas preocupações dos especialistas. Começamos por ver o que diz

Hellison.

A minha convicção é que o que eles fazem no ginásio poderiam fazer cá fora mas, eles próprios dizem, é muito difícil, porque não têm apoio, não há clima nem envolvimento. […] ao fim de algum tempo, quando entram do ginásio, eles próprios têm expectativas ou de não serem agredidos, ou de terem a oportunidade de serem mais responsáveis… eles vão adquirindo estas expectativas que depois não veem nas salas de aula, ou no parque de jogos nem mesmo em casa. Eles sabem que é diferente. […]

[…] claro, dizem eles, nas aulas é mais difícil, aqui é mais divertido, lá há muita gente a deitar-nos abaixo. (D. H.)

Parker faz também referências à importância de um ambiente seguro onde são

dadas oportunidades mesmo de errar.

Se cometo um erro em termos de comportamento ou responsabilidade ou autocontrole, então sou posto fora da aula, qualquer coisa como expulso da escola.” Então não damos às crianças uma oportunidade de praticarem, num ambiente seguro, com situações reais. […] Mas é a pessoa criando uma atmosfera que permita às crianças a oportunidade de praticar as habilidades de que necessitarão

Page 151: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

133

para serem responsáveis ou autodirigidos e isso é muito...penso eu... muito difícil para nós. (P. M.)

Wright fala-nos também a respeito do ambiente estrategicamente criado pelos

responsáveis pela atividade.

Alguns miúdos ligam-se realmente a isso, porque acham que é um lugar onde se sentem realmente confortáveis […]. [os responsáveis] providenciam um ambiente estruturado e seguro onde são apropriadamente desafiados que, se for bem feito, não é realmente centrado na competição mas sim no melhoramento pessoal e onde os valores são falados explicitamente assim como o e comportamento e outras coisas, como seja a aplicação à vida. (P. W.)

A criação de um ambiente positivo e seguro, em que os adultos não mudam

constantemente e onde o jovem sente que há controlo sobre o que se passa, é

importante para Brustad.

Não se pode ter pessoas diferentes o tempo todo, e então para os miúdos isso é muito, muito importante, para que eles fiquem: o ambiente positivo em que eles estão, … social positivo… não estão a lutar, não fogem à disciplina… eles necessitam sentir… que eles têm algum controlo sobre o ambiente, então, eles querem ficar […] tem muito mais a ver com estes relacionamentos positivos com adultos, com outros miúdos, estar num ambiente seguro e agradável. (R. B.)

b) Avaliação sistemática

A avaliação sistemática é referida por cinco dos entrevistados como uma

estratégia habitual aos aplicadores do Modelo de Responsabilidade.

Começamos por Hellison que nos dá conta da sua experiência nesta prática.

[…] tratou-se de uma experiência muito forte do que fiz diariamente com aqueles miúdos e eu avaliava-a todos os dias, sem saber muito bem como o fazer, fazia entrevista, testes físicos … mas o mais importante é que me avaliei a mim mesmo […]

Por isso, para mim, o importante é começar por nos questionarmos sobre o que é que se está a fazer em cada dia, em cada aula. Saber o que é que estão a fazer. Sentar-se e escrever, e pensar o que é que vão fazer amanhã e no seguinte e verificar a consistência do trabalho. O importante é ver que resultados obtemos das aulas, que resultados do processo. (D. H.)

Escartí dá conta duma avaliação diária como estratégia importante.

[…] nessa avaliação ao fim do dia faz-se esse resumo, registamos os problemas de que eles deram conta e então a partir daí, fazendo assim todos os dias, faz-se uma lista dos problemas surgidos, organizados por ordem de gravidade e prioridade para propor as normas em função dos problemas que realmente surgiram. (A. E.)

Page 152: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

134

Na mesma linha que Escartí, Wright dedicou mesmo uma parte do seu trabalho

ao desenvolvimento de instrumentos de registo e de avaliação do processo

pedagógico.

Há produtos específicos diferentes. Os instrumentos que eu desenvolvi focam particularmente o modelo de responsabilidade. (P. W.)

Das palavras de Martinek adivinhamos algumas das formas que a avaliação

constante assume na sua atividade.

Podemos considerar aquilo que observamos informal e formalmente. Informalmente, a minha avaliação centra-se naquilo que os miúdos fazem no clube sob a forma de pequenas vitórias e olho para isso duma maneira informal. Os miúdos têm os seus pequenos diários. Às vezes redijo algumas notas ou registos diários. […]

Alguns não conseguem manter este contacto mudam-se etc. mas tentamos manter o grupo através dos lideres e segui-los através de entrevistas procurando saber do que é que se lembram do clube, como é que isso os ajudou. (T. M.)

c) Centrar no adolescente

Outra caraterística estratégica do trabalho dos entrevistados é o centrar

sistemático de todo o trabalho pedagógico nas crianças, adolescentes e jovens

e nas suas necessidades. Começamos uma vez mais com Hellison:

Então dediquei-me. Não era professor de EF, nem de sociologia nem de desporto por isso dediquei-me a este trabalho de responsabilidade. Perguntava-me: o que é que posso dar a estes miúdos? Dinheiro? Não posso dar-lhes. Eles precisavam de orientação e não tinham quem lha desse, por isso, se necessitavam de ajuda e não a iam obter nem em casa nem da polícia, que só aparecia se houvesse problemas. Eles também não tinham boa relação uns com os outros e por isso pensei também em ajudá-los serem responsáveis pela maneira como lidavam com as outras pessoas. E foi por aí que comecei. […]

Penso que neste trabalho tem que se estar em sintonia com os miúdos mas temos que ter algo para fazer com eles. […] (D. H.)

Reforçando a ideia de que o professor/monitor trabalha para a criança e de que

só quem tem capacidade para esse tipo de entrega é que deve meter-se no

papel de professor, Hellison continua.

[…] se não conseguem entusiasmar-se verdadeiramente por este trabalho procurem outra coisa, e, eu não estou a falar sobre o método eu estou a falar sobre trabalhar com crianças, se não se comprometem com o ajudar crianças é necessário que procurem outra pessoa […] Precisamos apenas dos que são bons, dos que têm muita qualidade que se comprometem e que se preocupam com os miúdos. […]

Eu continuo a tentar construir algo, a trabalhar com os miúdos, a trabalhar com os estudantes, a orientar e a tentar pôr a funcionar caminhos novos. […] (D. H.)

Page 153: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

135

Não o referindo diretamente, é claro do discurso de Parker a importância que a

criança ocupa no centro do processo de aprendizagem.

Fazia muitas vezes atividades com os miúdos em que lhes dava escolhas.

Deixa-me voltar atrás. Para os meus objetivos era importante que os alunos pudessem tomar decisões sobre a sua própria aprendizagem […]

[…] os meus primeiros objetivos foram quando eu comecei a ensinar. Pretendia que os estudantes se tornassem responsáveis pelo seu próprio comportamento, se tornassem aprendizes autodirigidos e visualizassem a aprendizagem como um longo processo da vida. (P. M.)

Também Wright menciona que no seu trabalho as necessidades dos jovens

estavam no centro das suas decisões pedagógicas.

[…] alguém poderia seguir as orientações e programar as suas aulas desta forma, mas se não criasse relações positivas com os miúdos e, eu quero dizer, o plano da sua aula poderia parecer certo mas poderia não ter a essência do modelo, […]

Wright diz ainda que esta atenção tem que ser individualizada uma vez que os

“miúdos” apresentam caraterísticas e necessidades individuais que

condicionam a escolha de estratégias diversificadas.

[…] eu trabalhei com miúdos que representam, causam problemas, metem-se em brigas, isto e aquilo, mas quando se põem encarregues de um miúdo mais novo, são maravilhosos, porque em casa, tomam conta dos seus irmãos mais pequenos. Portanto, em certas atividades ou estratégias têm problemas de autocontrolo ao nível mais básico, mas ao mesmo tempo podem ser o vosso melhor líder absoluto. […]

[…] algumas pessoas poderão, num programa, dizer “eu quero acrescentar outro” ou “eu quero fazer menos disto e mais daquilo” para preencher as necessidades do grupo com que estão a trabalhar. (P. W.)

Martinek expõe inequivocamente que as necessidades das crianças,

adolescentes e jovens têm que estar no centro da sua ação educativa.

[…] centrar-se nas suas [do aluno] forças e capacidades e não nas suas fragilidades é o que interessa.

Eu não digo “vou ensinar auto controlo e respeito!” Depende de quem são os miúdos. […]

É claro que o importante é quem são os miúdos. […] Depende de quem são os miúdos. […]

Cada criança é um indivíduo diferente doutra e responde de forma diferente às atividades. Há coisas que funcionam com umas e não com outras. […]

A única maneira de ensinar aos miúdos é com esforço, prestando-lhes atenção. […]

Page 154: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

136

Temos que pensar em quem são as crianças com quem trabalhamos e temos que pensar naquilo que é importante e temos que defender isso. […] se te começas a preocupar com as classificações verás que isso não tem a ver contigo nem é o que te interessa. (T. M.)

d) Empowerment

Referido como um objetivo educativo prioritário, o “empowerment” surge

também no discurso de muitos como uma estratégia para restituir à pessoa a

capacidade de se responsabilizar pelo seu próprio futuro.

Hellison reforça essa ideia no seu discurso referindo-se quer à

responsabilidade pessoal quer à responsabilidade social.

Comecei a pensar em como ensinar-lhes a se governarem a si mesmos, como se responsabilizarem por eles mesmos de maneira a progredirem. […]

[…] pensei também em ajudá-los a serem responsáveis pela maneira como lidavam com as outras pessoas. […]

Se trabalharmos com eles durante seis meses já podemos ver algumas diferenças mas quanto mais tempo tivermos mais hipóteses se tem que adquirir uma posição de liderança e de confiança junto deles e de os fortalecer (empower them). (D. H.)

Da mesma forma, Escartí refere a importância da estratégia pedagógica de

“empowerment” aplicada nas sessões.

[…] neste programa trata-se de dar autonomia aos miúdos – empowerment - para que possam ir gerindo a sua vida e uma das premissas da Psicologia que todos conhecemos é que para se ser autónomo tem que ter participado e escolhido as próprias metas. Daí que a partir do momento em que os alunos conseguem fazer as suas próprias normas e se comprometem a cumpri-las estão a ganhar autonomia, está-lhes a ser dada autogestão que é uma coisa básica para a responsabilidade. […]

Para nós o que o modelo de Hellison tem de especial é que é um modelo integrador: cria um ambiente, o clima da aula, propício ao DP porque favorece todos os elementos que os estudos sobre DP demonstraram serem importantes, como é o respeito, o empowermnt, a autonomia, a empatia. (A. E.)

Seguindo a mesma ideia, Parker propõe estratégias em que se exercita a

responsabilidade.

[…] têm de haver estratégias preparadas para ensinar responsabilidade às crianças e deixá-las desafiar-nos fazendo-o, […] Cada criança sabe ser boa. Mas nunca praticaram ou foram colocados numa situação em que pudessem praticar estas ideias de tomar responsabilidade. […]

Parker refere-se especificamente a estratégias que observou no trabalho de

Hellison como orientador dos treinadores.

Page 155: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

137

Ele dá feed-back aos treinadores sobre como dar feed-back aos jogadores. Então ele está a dar poder às crianças através de peças estruturais, muito, muito pequenas, que eu penso serem muito, muito críticas... para fazer trabalho de desenvolvimento juvenil. Então... sim... é a pessoa?... Muito... Mas é a pessoa criando uma atmosfera que permita às crianças a oportunidade de praticar as habilidades de que necessitarão para serem responsáveis ou autodirigidos e isso é muito...penso eu... muito difícil para nós. (P. M.)

Wright fala-nos de como é central, para a consecução dos objetivos do Modelo

de Responsabilidade, a capacidade de o adulto promover a assunção do poder

por parte do jovem e de fazer com que se responsabilize por si próprio.

[…] aí a sua essência do modelo está e pode-se mudar as coisas. Então, esses temas, essa essência, eu penso que o Don articulou realmente bem isso, um é “dar poder”. Se puder ficar e ver uma pessoa a ensinar durante uma hora, assistir à sua aula, e não a vir passar responsabilidade aos miúdos ou dar-lhes poder, então o modelo não está a acontecer, ou o que está a acontecer não alinha com o modelo. […] algumas pessoas podem fazê-lo de diferente forma, talvez algumas pessoas nem o façam em grupo, talvez tenham uma abordagem diferente, mas, de qualquer forma, se neste programa não for abordada a “transferência” ou o “conferir poder” […]

Eu pego em várias estratégias muito específicas que se poderiam observar. Eu olho para elas como indicadores. Coisas como dar escolhas e vozes, dando aos miúdos a voz no programa... (P. W.)

Martinek define e centra “empowerment” no desenvolvimento de

potencialidades dos alunos.

Empowering jovens, dar-lhes capacidade de decisão, centrar-se nas suas forças e capacidades e não nas suas fragilidades é o que interessa. […]

[…] quando implementas um programa desportivo é que crias uma cultura, uma cultura baseada no desenvolvimento (empowerment) dos alunos, dás-lhes capacidade de decisão, torna-os responsáveis pelas suas decisões sejam boas ou más. (T. M.)

e) Experiências de êxito

Proporcionar experiências de êxito é, para estes especialistas, uma aposta

clara numa pedagogia do sucesso. Para eles a motivação dos jovens assenta,

definitivamente, em estratégias em que o desafio é apropriado e em que a

sensação de competência é atingida pelo aluno.

Parker diz-nos como conduz os seus alunos através deste tipo de experiências.

[…] eles tinham que perceber por eles mesmos, tinham que determinar as coisas por eles próprios, tinham que experimentar e verificar o que funcionava melhor. eu não estava ali para lhes dar as respostas do género ” é assim que se atira, agora faz!” Perguntavam ”É melhor se se anda para a frente com o pé oposto ou, se se anda para a frente com o mesmo pé?”. Eu tentava fazê-los pensar sobre o que estavam a aprender ao mesmo tempo que experimentavam. (P. M.)

Page 156: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

138

Wright põe a tónica nas estratégias que proporcionam experiências de êxito,

em que o “desafio é apropriado” aos jovens.

[…] providenciam um ambiente estruturado e seguro onde são apropriadamente desafiados que, se for bem feito, não é realmente centrado na competição mas sim no melhoramento pessoal […]

É interessante que Wright nos remete para as suas próprias memórias de

aprendizagens de sucesso.

Quando eu fui à minha primeira aula de karaté eu só disse: “Oh pá! Eu adoro estar aqui! Sinto-me bem comigo próprio. Sinto-me com sucesso. Sou capaz de fazer todas estas coisas porreiras e gosto das pessoas... eu quero ser como estas pessoas”, […] (P. W.)

Por fim, Martinek chama também a atenção para a importância das “boas

experiências”.

Temos boas experiências centradas em que os miúdos sejam o melhor possível enquanto estão connosco e na esperança de que levem algo disto lá para fora, para alguns resultará para outros não. (T. M.)

f) Integração

A forma como a transmissão de valores, muito particularmente da

responsabilidade pessoal e social, é feita durante as sessões é caracterizada

pelos entrevistados como “integrada” na atividade física.

A explicação de Hellison esclarece esse conceito.

Temos muitos programas realmente, eu falava nas minhas aulas, quando estava na faculdade, de programas para a juventude negligenciada e tratava-se de programas de desenvolvimento físico mas todos apresentavam objetivos não apenas desportivos. Infelizmente, do meu ponto de vista, a maior parte dos programas com Desporto são aquilo a que chamo programas com acrescentos (anexos). Por exemplo, temos um Torneio de Futebol em que depois do treino temos um momento em que falamos de relações pais filhos ou outra coisa qualquer. O que fazem é falar com eles sobre coisas da vida mas isso não tem nada a ver com o desporto, tudo o que diz respeito ao desporto fica na mesma, o que têm que fazer enquanto equipa e enquanto jogam é a mesma coisa só lhes é acrescentado algo. Eu sinto mais consistência quando estas coisas são integradas (não acrescentadas): eles aprendem o que têm a aprender com a atividade física e depois tem que se tratar da transferência, tem que se conseguir isso. Eu penso que é possível e alguns programas fazem-no. […] e é isso que eu penso que faz a diferença. […] (D. H.)

Escartí expressa a mesma opinião.

Para nós o que o modelo de Hellison tem de especial é que é um modelo integrador: cria um ambiente, o clima da aula, propício ao DP porque favorece todos os elementos que os estudos sobre DP demonstraram serem importantes, como é o respeito, o empowermnt [devolver o poder aos alunos], a autonomia, a empatia. Penso que é integrador nesse sentido. É um programa de DP porque trabalha todos os aspetos que o DP demonstrou que funcionam. (A. E.)

Page 157: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

139

Por outras palavras, Parker refere a necessidade de que a aprendizagem da

responsabilidade surja naturalmente do ambiente da sessão.

[…] esta aprendizagem de responsabilidade pessoal e social tem de ser em contactos tão significativos e cheios para eles, isso não pode ser imaginado, não pode ser inventado mas tem de ser num ambiente natural que o torne real para eles. Então temos de perceber como manipular esse ambiente... ter os objetivos até aqui [gesto] no seu decorrer. Quase que temos de entrar, eu diria, pela porta traseira para que eles não pensem que estamos a trabalhar desenvolvimento juvenil positivo, eles pensam que estamos a jogar futebol e só vai ser diferente e isso é uma daquelas coisas... e eu penso que isto é crítico... ter miúdos capazes de acompanhar o nosso trabalho. (P. M.)

Wright fala em “integração sem costuras” para explicar a necessidade de que a

atividade física seja o contexto em que se exercitam os valores.

“Integração”, que eu oiço, como a Pat... fala, nessa “integração sem costuras”. Então, como exemplo aqui, é a pessoa que só põe o póster na parede. As ideias são anunciadas mas isso não altera nada do que acontece no jogo, isso não está integrado, mas se falarmos de liderança e dermos aos miúdos a oportunidade de liderar coisas, aí está-se a integrar. Falamos de fazer escolhas e deixamos os miúdos tomarem decisões na atividade, aí está integrado. (P. W.)

g) Tomada de consciência

A necessidade de que os jovens observem, reflitam e avaliem o próprio

processo de aprendizagem é também referida como uma estratégia

necessária.

Hellison declara na sua entrevista o seguinte.

Acredito que se eu fizer isto com eles durante um ano ou dois que eles viverão melhor as suas vidas, refletindo sobre si mesmos. Eles saberão como olhar para si mesmos e fazer a sua autocrítica. […]

Mas quando estamos no “tempo de reflexão” e eu pergunto: como foi que te portaste hoje? Como esteve o teu temperamento? E as bocas, controlaste as bocas? E eles vão dizendo: sim… mais ou menos… ainda não… (D. H.)

Parker refere o mesmo apelo à tomada de consciência por parte dos alunos,

referindo que a utiliza como estratégia específica mesmo com crianças

pequenas.

Trabalhei muito a reflexão: já nessa altura os meus alunos mais novos, provavelmente da terceira classe - 8 anos de idade - mantinham diários sobre o que acontecia na aula […] Registavam as suas reações, como se sentiam, como trabalhavam com outras pessoas nas aulas […] tinham oportunidade de fazer escolhas pois refletiam sobre os assuntos. […] Eu tentava fazê-los pensar sobre o que estavam a aprender ao mesmo tempo que experimentavam […]

Eles eram responsáveis por o cumprir e tinham que refletir sobre isso todos os dias. Perguntávamos-lhes: ”onde trabalhaste? “;”quanto fizeste?”; “o que precisas amanhã?”- (P. M.)

Page 158: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

140

Martinek usa as memórias dos alunos para os fazer consciencializar o seu

próprio processo de aprendizagem.

Disse-lhes: pensem em três pessoas ou factos que foram verdadeiramente significantes para vocês e pensem como foi que chegaram a ser universitários, ou professores ou o que são hoje. Eles conversaram a respeito disto, partilharam e trocaram ideias uns com os outros a propósito (T. M.)

A tomada de consciência é também uma estratégia utilizada por Brustad com

os seus alunos.

Tu és mais dedicado, tu és mais responsável, tu és mais o que quer que seja e assim é fácil e também ajuda porque eles podem-se auto pontuar e podem dizer porquê - Esta semana pontua-me o teu nível de responsabilidade. Tu pontuas o teu nível e eu vou pontuar o teu nível. Explicas-me porquê e eu explico-te porquê e se ambos estivermos de acordo, muito bem. […]

Eles escrevem-nos principalmente acerca deles próprios e depois discutimo-los. Mas nesta idade eles são muito abertos, podemos dizer. Bem, também penso que são bastante perspicazes. […]

Mas, sim, é realmente isso que fazemos para trabalhar e fazemo-los escreverem os seus diários no final do treino, quase todos os dias, ou tentamos fazê-lo todos os dias, depois do treino. (R. B.)

h) Tomada de decisões e escolhas

Permitir que o aluno tome decisões a respeito de normas, ou do conteúdo das

sessões, ou dos parceiros de trabalho, ou outras, e que depois leve

responsavelmente as suas escolhas até ao fim, é uma estratégia referida por

dois dos entrevistados.

Escartí refere especificamente a criação de normas.

[…] a norma surge de uma necessidade de algo que ocorreu. Não é uma norma que o professor estabelece mas sim de algo que no grupo é preciso resolver. Aqui não se trata apenas de estabelecer a norma mas também do que acontece em caso de incumprimento da mesma que consequências derivariam daí […] (A. E.)

Parker motivava os jovens a fazer escolhas sobre a sua própria aprendizagem,

sobre os colegas com quem trabalhar e sobre os materiais a usar.

Fazia muitas vezes atividades com os miúdos em que lhes dava escolhas […]

Para os meus objetivos era importante que os alunos pudessem tomar decisões sobre a sua própria aprendizagem […] mesmo com crianças pequenas, dava-lhes escolhas, podiam ser escolhas simples como: “Com que colega queres trabalhar “, ou ”que bola queres usar”, esse tipo de coisas, até escolhas e decisões mais importantes como: ”o que queres aprender?”.

Eles tinham muitas escolhas.

Page 159: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

141

Isto é o que se espera que eu faça; é com estes colegas que devo estar a trabalhar e é assim que eu vou ser avaliada/o pelo professor.

Eles eram responsáveis por o cumprir e tinham que refletir sobre isso todos os dias. Perguntávamos-lhes: ”onde trabalhaste? “;”quanto fizeste?”; “o que precisas amanhã?”- por isso, estavam bastante auto-direcionados na sua própria aprendizagem. (P. M.)

i) Estratégias específicas para cada nível

Para atingir cada um dos níveis os entrevistados referem algumas estratégias

mais específicas. Martinek reforça a importância dessas estratégias.

As estratégias são outra coisa muito importante. Em cada um dos níveis há um conjunto de estratégias que vão permitir aos miúdos experimentar e precisamos delas para os fazer avançar no auto controlo (p. ex.) e aceder ao nível seguinte. (T. M.)

1º Nível

No primeiro nível pretende-se que os jovens se sintam bem no espaço em que

se desenrola a atividade, que respeitem os outros e que se sintam respeitados.

Hellison, por exemplo, usa as perguntas diretas ao aluno, feitas no período de

reflexão, sobre a forma como respeitou os direitos e os sentimentos dos outros.

Mas quando estamos no “tempo de reflexão” e eu pergunto: como foi que te portaste hoje? Como esteve o teu temperamento? E as bocas, controlaste as bocas? E eles vão dizendo: sim… mais ou menos… ainda não… (D. H.)

Parker dá conta da importância das situações reais de jogo para fazer os

jovens experimentarem o respeito de forma segura.

Então, se estiver a jogar Basquetebol e decidir entrar numa luta, isso é muito real. Como é que eu o ajudo a lidar com isso, nessa situação? Como é que o ajudo a... refletir no seu comportamento? Então, isto tem de acontecer, para mim, num ambiente natural. É sob este ambiente natural, eu não inventei (a situação)... “não finjas que lutas!” e eles resolverão. Mas eles necessitam de oportunidades para praticar e há muitas oportunidades que são seguras. (P. M.)

Martinek reforça a importância deste nível como condição de desenvolvimento

dos seguintes.

Se não consegues que os miúdos apreendam o 1º nível (auto controlo e respeito pelos sentimentos dos outros) nada do resto funciona. (T. M.)

Brustad recompensa os jovens que demonstram responsabilidade social.

Mostra mais capacidade em estar preocupado com os outros e eu dou-lhe mais oportunidades. Ok? Mostra mais motivação e eu dou-te mais oportunidade. (R. B.)

Page 160: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

142

2º Nível

No segundo nível fomenta-se nos alunos a participação nas atividades e o

esforço pessoal para o êxito. Parker e Martinek exemplificam da forma

seguinte.

Outro grupo podia estar a praticar ginástica, outro podia estar a praticar basquetebol, e então toda a gente na turma iria estar a fazer coisas diferentes, de acordo com os contractos onde liam: Isto é o que se espera que eu faça; é com estes colegas que devo estar a trabalhar e é assim que eu vou ser avaliada/o pelo professor. Eles eram responsáveis por o cumprir e tinham que refletir sobre isso todos os dias. Perguntávamos-lhes: ”onde trabalhaste? “;”quanto fizeste?”; “o que precisas amanhã?”- por isso, estavam bastante auto-direcionados na sua própria aprendizagem. (P. M.)

[…] o aluno deve primeiro ser capaz de respeitar os direitos e sentimentos dos outros, colaborar e mostrar esforço, […] (T. M.)

Brustad refere a motivação que faz aos seus alunos no sentido de fomentar o

compromisso pessoal.

[…] os miúdos que querem representar a escola têm de ser os que estiverem no mais alto nível de compromisso. […]

[…] Ou certifique-se de que todos os miúdos que estão no treino estão a trabalhar com os seus treinadores, o miúdo treinador dessa equipa, e assim eles pontuam-se a si próprios ao nível do compromisso e se não estiverem no nove ou dez, não podem jogar nessa saída. Podem jogar, podem continuar a jogar basquetebol, vêm a todos os treinos e jogam nas competições internas da escola. (R. B.)

3º Nível

Fomenta-se a autonomia no terceiro nível através do treino individual e da

assunção da responsabilidade pessoal. Hellison relata a forma como questiona

os jovens sobre este aspeto.

E vamos avançando assim até que eles cheguem a ter uma certa autonomia. Depois vou perguntando se algum atingiu algum objetivo (pessoal ou desportivo) que se tenha proposto de início. E, em frente a todos, eles dizem se sim. Muito bem, vamos avançar para a liderança… (D. H.)

Escartí dá o exemplo da utilização da construção das normas para o exercício

da autonomia.

Page 161: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

143

[…] a partir do momento em que os alunos conseguem fazer as suas próprias normas e se comprometem a cumpri-las estão a ganhar autonomia, está-lhes a ser dada autogestão que é uma coisa básica para a responsabilidade. (A. E.)

Parker faz várias referências às estratégias usadas para promover o terceiro

nível e à sua importância. Mais uma vez refere que este trabalho é possível

mesmo com “crianças pequenas”.

Para os meus objetivos era importante que os alunos pudessem tomar decisões sobre a sua própria aprendizagem e, por isso, desde o começo, mesmo com crianças pequenas, dava-lhes escolhas, podiam ser escolhas simples como: “Com que colega queres trabalhar “, ou ”que bola queres usar”, esse tipo de coisas, até escolhas e decisões mais importantes como: ”o que queres aprender?”. […] Procurava que concebessem os seus próprios jogos em vez de eu lhes ensinar um jogo, eles criavam os jogos e trabalhavam uns com os outros, tinham que registar as regras em termos de instrução e conteúdo. Eles tinham muitas escolhas. […]

[…] o aluno podia entrar e dizer ”Missy eu quero aprender pingue-pongue, eu e os meus amigos ouvimos falar disso e eles também querem aprender comigo”. Então eu apresentava-lhe uma folha de papel com um formulário onde escreveria o que queria aprender, com quem ia estar a trabalhar, o que ia fazer para aprender e como é que no final iriam saber o que tinham aprendido […] nessa semana entrava em EF todos os dias, juntava-se ao seu grupo amigos e trabalhava no seu contrato, por isso iria estar a praticar pingue-pongue. (P. M.)

Wright faz referência à estratégia que Hellison propõe desde sempre para o

desenvolvimento da autonomia o “empowerment”.

[…] eu penso que o Don articulou realmente bem isso, um é “dar poder”. Se puder ficar e ver uma pessoa a ensinar durante uma hora, assistir à sua aula, e não a vir passar responsabilidade aos miúdos ou dar-lhes poder, então o modelo não está a acontecer, ou o que está a acontecer não alinha com o modelo. (P. W.)

4º Nível

No quarto nível fomenta-se o comportamento solidário, a entreajuda. Os alunos

ajudam-se uns aos outros e, no exemplo presente das palavras de Parker, o

próprio professor estimula a ajuda entre os “alunos-treinadores” e os outros

alunos.

Por exemplo, ele60

deixa crianças treinarem crianças mas ele fala com os treinadores e estes vão e falam com a equipa. Eles têm de fazer sozinhos os seus aquecimentos... […] Ele

61 dá feedback aos treinadores sobre como dar feedback aos

jogadores. […] Então ele62

está a dar poder às crianças através de peças estruturais, muito, muito pequenas, que eu penso serem muito, muito críticas... para fazer trabalho de desenvolvimento juvenil. (P. M.)

60

Missy Parker refere-se com o pronome “ele” a Don Hellison 61

Idem nota anterior 62

Ibidem nota anterior

Page 162: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

144

5º Nível

O quinto nível é aquele que culmina toda a ação educativa. Pretende-se que o

aluno transfira para a sua vida as competências adquiridas no ambiente

educativo restrito do seu clube ou aula de EF. Talvez por esse motivo é o nível

que tem o maior número de referências a estratégias específicas.

Registamos as referências feitas por Hellison que começa por chamar a

atenção para a dificuldade de encontrar estratégias específicas para este nível.

De tudo isso é o mais difícil [o 5º Nível]. Porque não se pode passar todo o tempo a falar disso e verdadeiramente não é coisa que posamos ser nós a fazer. Tom tem algumas ideias a respeito disto, estudou e avaliou como faze-lo na aula. (…) A minha convicção é que o que eles fazem no ginásio poderiam fazer cá fora mas, eles próprios dizem, é muito difícil, porque não têm apoio, não há clima nem envolvimento. É um problema que tem a ver com as relações com as suas amizades etc. (…) De qualquer maneira, eu penso que ao fim de algum tempo, quando entram do ginásio, eles próprios têm expectativas ou de não serem agredidos, ou de terem a oportunidade de serem mais responsáveis… eles vão adquirindo estas expectativas que depois não veem nas salas de aula, ou no parque de jogos nem mesmo em casa. Eles sabem que é diferente. […]

Finalmente chega à parte que diz respeito ao que se passa fora do ginásio. Aí pergunto: desde a última vez que nos vimos querem dar algum exemplo de algo que tenham aprendido aqui e que tenham feito lá fora, em qualquer lado? Às vezes eles não conseguem dizer porque isto é difícil para eles e então eu começo de uma forma mais simples: como foi o teu autocontrolo nas aulas desde que eu te vi a última vez? E eles lá vão dizendo. […] Eu estou sempre a tentar que eles vejam a ligação, isso é o mais importante. […]

Quando falamos de transferência uma das coisas que dizem é que não veem onde está a ligação, o que é que uma coisa tem a ver com a outra. Isto acontece-nos muito quando falamos de desporto, de como aprendem muitas coisas, por exemplo a moralidade que depois fica só no campo. Passa-se o mesmo em relações a coisas menos boas como por exemplo: fazer batota. O facto de fazerem batota no desporto não quer dizer que obrigatoriamente o vão fazer lá fora e isso é bom. […] Mas quando aprendem qualquer coisa verdadeiramente boa – cooperação em equipa - nós queremos que o transfiram e que o usem na vida, para isso descobrimos maneiras simples. No meu caso (e no caso de atividades de paróquia ou em treinos) em que trabalhamos nos tempos livres eu posso sempre falar com eles, em tempo de aconselhamento, e perguntar-lhes, como está a ir a escola? Pergunto-lhes como estão na equipa do bairro… (D. H.)

Escartí defende a “transferência” como uma habilidade que se aprende. Refere

ainda a sua importância e a sua transversalidade em todo o programa que

aplique o modelo de Hellison.

A transferência é uma habilidade que se aprende, não se dá espontaneamente. Consideramos que verdadeiramente não é apenas o nível cinco, consideramos que se dá ao longo do programa, que é transversal ao programa. Há que falar-lhes ao longo do tempo que as coisas que aprendem no programa ao longo das sessões têm

Page 163: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

145

que as aplicar em casa, nas outras aulas ou no recreio. Esta é um pouco a nossa ideia: os níveis são algo de progressivo que se vai superando em escada, os níveis vão-se trabalhando cumulativamente e o nível cinco aparece como transversal, isto é, durante todo o tempo está-se trabalhando o nível cinco. […]

A transferência é uma capacidade intelectual que os miúdos aprendem, temos que ir falando com eles, explicando-lhes que o que aprenderam hoje é para aplicar em casa ou nas aulas e que o que acabam de aprender lhes servirá para outras coisas. Disso é o professor que tem que os fazer conscientes, conscientes do que aprenderam e de que isso lhes pode ser útil para outras situações. […]

Isso faz-se através das perguntas, através do diálogo com os alunos. Na primeira parte da sessão é quando perguntamos: então algum conseguiu aplicar o que aprendemos ontem em casa, com a família, ou na rua, ou no recreio? (A. E.)

Parker fala-nos também da dificuldade em encontrar estratégias específicas

para o nível cinco. Apesar disso refere algumas das que utiliza na sua

intervenção pedagógica.

E como faz para fazê-los transferir essas coisas? (entrevistador)

É difícil, é muito difícil. Temos que os ajudar a aprender como se faz. Não se pode dizer:” Faz “ e esperar que aconteça. O melhor é ficar com os alunos o tempo suficiente para haver um relacionamento. Que haja um relacionamento, que eles saibam que podem confiar em nós e mantê-lo durante os tempos difíceis. […]

Isso permite que os ajudemos com estratégias muito concretas sobre o que fazer depois da escola, como os apoiar. Programar coisas para eles fazerem depois da escola, e depois pedir que relatem como correu, ou sair com eles e ajudá-los a transferir coisas. […]

Os estudantes falavam inglês e espanhol, então estas crianças de 9 e 10 anos ensinaram, aos idosos, atividade física. E com o que fizeram parecia que se tinham tornado amuletos para caminhadas, com os velhinhos. E só vieram e falaram com eles, então começaram a ver como é que o podiam fazer, como o podiam aplicar cá fora, mas nós providenciámos a primeira situação. Demos a oportunidade de o praticarem levando-os para fora do ginásio e eu penso que temos de o fazer. Trazer para fora do ginásio e ter de o praticar de qualquer forma. […]

O ano passado, na minha escola, no fim do ano, os estudantes quiseram fazer uma caça ao ovo da Páscoa... sabem o que é a caça ao ovo da Páscoa?... ok... nós pensamos... sim, é o que vocês querem... será o nosso final de ano. Então, escondemos ovos por todo o pátio da escola e era o final das aulas. Vieram as mães e roubaram, levaram, todos os nossos ovos de Páscoa antes dos alunos terem a oportunidade de sair para a caça. Eu estava muito zangada, eu estava muito zangada... e as crianças olharam para mim e disseram: “Elas não sabem para mais. Temos de as ensinar”. Eu é que estava zangada e os meus alunos de 10 anos estavam a dizer-me “temos de lhes ensinar o que deveriam fazer”. Então, está a ajudar, penso que está a ajudá-los aprender como levar lá para fora o que aprenderam, com exemplos reais, experiências reais, não apenas dizer “faz isto quando fores”. (P. M.)

O parágrafo seguinte Wright diz que se estes objetivos (transferência e outros)

não forem perseguidos então “o programa não está a acontecer”.

A outra coisa é “transferência”. Se a ideia de aplicar à vida fora do programa não é abordada, de alguma forma... algumas pessoas podem fazê-lo de diferente forma, talvez algumas pessoas nem o façam em grupo, talvez tenham uma abordagem

Page 164: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

146

diferente, mas, de qualquer forma, se neste programa não for abordada a “transferência” ou o “conferir poder” ... (P. W.)

Para Martinek o 5º nível é também muito difícil de implementar. Na sua opinião

o maior problema reside na diferença cultural entre o programa e o

envolvimento fora deste.

[…] o último nível é realmente crítico. Especialmente na escola o que acontece quando implementas um programa desportivo é que crias uma cultura, uma cultura baseada no desenvolvimento (empowerment) dos alunos, dás-lhes capacidade de decisão, torna-os responsáveis pelas suas decisões sejam boas ou más. […] Criada esta cultura nos miúdos eles voltam para a cultura da sua escola e, a maior parte das escolas é exigente com os alunos no cumprimento das matérias escolares propriamente ditas com grande ênfase nas classificações, […] crias uma cultura diferente da cultura escolar e, para os miúdos, lidar com isto não é fácil. […]

[…] é difícil trabalhar o quinto nível…63

Claro e olhando mais adiante, mesmo na vizinhança (na sua comunidade) eles têm que ser “duros” e nós andamos a falar de respeito… nós podemos falar de respeito no nosso clube, de se respeitarem uns aos outros, os sentimentos dos outros, as suas individualidades e diferenças, mas quando se fala de respeito nos bairros destes miúdos estamos a falar de uma coisa diferente. Lá, “respeito”, quer dizer ser duro, não recuar, aguentar-se sozinho, e eles aprendem isto no seu bairro, com a sua família, com os seus pais. Por isso é uma contracultura (o teu trabalho). […]

O melhor que há a fazer com os professores das outras aulas é em relação ao nível de transferência (nível 5), com esses há que informá-los do que estás a fazer, em que estás a trabalhar, o que fazes com os miúdos e os benefícios desse trabalho. Isso ajudou-me pois nós encontramo-nos com os outros professores e estas ideias ficam-lhes na mente, que tentamos levar estes miúdos a estar de uma forma melhor na escola, […] pelo menos há que informá-los sobre o trabalho que estamos interessados em fazer. […]

A ideia do conselheiro é basicamente possibilitar uma ponte entre os objetivos do clube e a sua aplicação na escola e assim ajudar estes miúdos a estarem mais centrados nos objetivos. (T. M.)

63

Entrevistador

Page 165: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

147

2. 8. Fatores de sucesso

As subcategorias que analisámos em seguida integram os registos vários dos

fatores de sucesso que, na opinião dos entrevistados, são mais importantes no

modelo de Hellison. São eles: o ambiente em que se desenvolve a atividade

educativa, o tipo de avaliação que é feita quer ao produto quer ao processo de

ensino, as estratégias, a estrutura do modelo, a idade dos alunos, a

capacidade do adulto ser objetivo e realista, a qualidade da relação do adulto

com a criança, o adolescente ou o jovem, o rácio professor aluno e o tempo em

que o adulto se mantém envolvido no projeto com determinado grupo.

Para facilidade de leitura encontram-se agrupados em alíneas que compõem

as subcategorias respetivas.

a) Ambiente

Segundo Parker, o ambiente de ensino deve corresponder a uma atmosfera

“natural” onde o jovem tem direito à experiência e ao erro.

Se cometo um erro em termos de comportamento ou responsabilidade ou autocontrole, então sou posto fora da aula, qualquer coisa como expulso da escola.” Então não damos às crianças uma oportunidade de praticarem, num ambiente seguro, com situações reais. […]

Então, isto tem de acontecer, para mim, num ambiente natural. É sob este ambiente natural, eu não inventei (a situação)... “não finjas que lutas!” e eles resolverão. Mas eles necessitam de oportunidades para praticar e há muitas oportunidades que são seguras. […]

Mas é a pessoa criando uma atmosfera que permita às crianças a oportunidade de praticar as habilidades de que necessitarão para serem responsáveis ou autodirigidos e isso é muito...penso eu... muito difícil para nós. (P. M.)

Wright fala de um ambiente “confortável”, estruturado e seguro, onde existe

êxito e desafio.

Alguns miúdos ligam-se realmente a isso, porque acham que é um lugar onde se sentem realmente confortáveis e eu penso que esta é a razão porque muitas pessoas gravitam o desporto. […] providenciam um ambiente estruturado e seguro onde são apropriadamente desafiados […]

Adorava o conteúdo, as figuras, a atividade física, mas foi o clima e a cultura do programa que me agradaram. (P. W.)

b) Avaliação

Page 166: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

148

A avaliação sistemática do produto do trabalho pedagógico e do próprio

processo de ensino é, na opinião dos entrevistados uma estratégia importante

para o êxito dos programas.

Nos textos seguintes, Hellison diz que utiliza quer a recolha de opinião dos

próprios alunos quer de outros intervenientes na sua educação. Sejam outros

professores ou os diretores de turma. Os resultados da sua própria observação

também são importantes.

Trata-se de intuição, é uma outra maneira. […] Eu procuro os alunos e também os professores, principalmente nos programas após a escola, eu pergunto aos diretores de turma, por ex.: “como é que vai este miúdo? tem faltado?” e o mesmo aos alunos. Um deles uma vez disse-me: “tenho tido menos suspensões!” e isto foi dito com ar de triunfo! Por isso, há uma série de maneiras de medir e avaliar mas a primeira coisa que me interessa descobrir é como trabalhar, como levar isto avante. […]

O importante é ver que resultados obtemos das aulas, que resultados do processo? Por ex.: se eu tenho miúdos que refletem e lhes proponho que se avaliem a eles mesmos, “o que fizeste hoje? Correu bem para ti? Achas que estás a trabalhar nisso?” para mim é suficiente, eu vi o que eles fizeram, não há necessidade de me virem dizer que foi maravilhoso! (D. H.)

Escartí usa alguns meios técnicos de registo, como seja vídeo, e registo e

discussão em grupo de observações.

Também utilizamos gravação de vídeo, fazemos registos das categorias que queremos observar em relação com os níveis de responsabilidade e verificamos se os comportamentos dos miúdos, ao longo do seu percurso escolar melhoram ou não. […]

[…] temos o grupo de discussão com os professores e assim encontramos resultados que têm a ver com os miúdos mas que também têm a ver com os professores: verificamos não só que os alunos melhoraram mas também os professores tiveram benefícios com a participação no programa. (A. E.)

Martinek fala-nos da observação direta que faz dos seus alunos, de entrevistas

e estudos e de parâmetros de observação que considera significativos, tais

como, a permanência no clube, a diminuição de problemas disciplinares na

escola – “afastados do gabinete do diretor de turma” – e o tipo de ocupação de

tempo livre.

Aquilo que procuro é ver se estão mais reflexivos na maneira como se relacionam com os outros, as suas relações com os colegas, a sua capacidade de lidar com a responsabilidade… […]

Duma perspetiva formal observa-se o “compromisso”. (É uma das coisas que Tammy Shiling refere como importante num artigo saído da sua dissertação) “porque é que as crianças continuam a frequentar o clube” onde faz entrevistas centradas no

Page 167: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

149

grupo, feitas aos miúdos e aos pais, onde procura saber o que é que mantém as crianças fiéis ao clube e comprometidas com o clube.

E eu digo: se conseguir que os miúdos se mantenham orientados, afastados do gabinete do diretor de Turma, se se inscrevem num clube… isso é o que me interessa! (T. M.)

c) Estrutura do modelo

Escartí refere o facto de a estrutura do modelo permitir a sua fragmentação o

que, segundo ela, possibilitará verificar alterações nos alunos após

relativamente pouco tempo.

[…] o programa que aplicamos está bastante fragmentado e aí sim há aspetos que, mesmo em pouco tempo, é possível ver algumas mudanças (p. ex., na autonomia...) (A. E.)

d) Idade

Hellison refere também que a idade (mais baixa) permite uma maior

progressão dentro dos objetivos do programa.

Quando trabalhamos nas classes mais avançadas muito raramente se tem resultados como com os miúdos. Nós começamos por baixo com jovens que fazem connosco um certo percurso, puxamos por eles e eles podem progredir mais neste âmbito, até à liderança juvenil e por aí fora. (D. H.)

e) Objetividade e realismo do adulto

Por sua vez, Martinek salienta a importância, para o sucesso do modelo, da

objetividade e do realismo do adulto que o aplica. Fala da capacidade de ter

paciência em relação ao aparecimento dos resultados e para valorizar as

“pequenas vitórias”.

A razão pela qual acredito nisto é porque reforça aquilo que é importante para as crianças, aquilo de que precisam para sobreviver nas suas vidas e isso é o que me interessa. Reforça o que é importante para os miúdos […]

Há que ser realista! Não podes mudar completamente um miúdo. Talvez, uma vez por outra consigas que um outro professor te diga “que é que tens feito com este miúdo, ele está diferente” mas muito raramente. O que vais obter, normalmente, são pequenas coisas. […] é como se plantássemos sementes e esperássemos que uma pequena parte delas deem árvores, são as pequenas vitórias. Essas pequenas vitórias aparecem quando, por exemplo, um miúdo tem um confronto com outro e nesse dia resolve virar as costas não entrar na bulha, é isso, […]

É por isso que é tão difícil avaliar o impacto deste programa, eles têm muitos altos e baixos e há que buscar essas pequenas vitórias. […]

Page 168: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

150

[…] sê realista no que fazes – não podes fazer tudo – tenta fazer pequenas mudanças nesses miúdos […] (T. M.)

f) Qualidade da relação do adulto com o adolescente

É muito simples a maneira como Hellison descreve o tipo de relação com os

jovens.

Consegui construir relações de amizade com eles, eu via-os como gente. (D. H.)

Parker dá-nos mais detalhes. Salienta a relação em que existe confiança e em

que o aluno é considerado para além do seu papel de “aluno”.

Que haja um relacionamento, que eles saibam que podem confiar em nós e mantê-lo durante os tempos difíceis.

Também me parece importante que se veja o aluno ‘lá fora’ (no exterior). Tem que se ver os alunos como pessoas reais, que têm uma vida muito mais ampla e mais rica do que o tempo em que os vemos, durante ou depois da escola. […] se eles fazem desporto, então eles precisam de saber que eu me importo o suficiente para aparecer e vê-los jogar. (P.M.)

Wright chama a atenção para a importância do estabelecimento de relações

positivas com o aluno.

[…] alguém poderia seguir as orientações e programar as suas aulas desta forma, mas se não criasse relações positivas com os miúdos e, quero dizer, o plano da sua aula poderia parecer certo mas poderia não ter a essência do modelo, (W.P.)

No mesmo sentido vão as referências de Martinek, salientando o impacto que a

relação professor/aluno pode ter na vida deste.

…e pode nunca se saber quando se teve verdadeiramente impacto (influência) num jovem. […]

[…] tu nunca sabes quando fazes memória! E eu digo: tu saberás quando terás impacto numa criança. Por isso as pequenas coisas são muito importantes. Falamos muito de avaliação e de outras coisas mas realmente as coisas pequenas (pequenos progressos) são as mais importantes. […]

[…] seguimos os alunos para além do clube. Nós ficamos em contacto com eles, não os perdemos: ora eles nos telefonam ora nós lhes telefonamos a eles. Mantemos tanto quanto nos é possível uma relação de amizade com todos. (T. M.)

g) Rácio

A relação do número de alunos por professor ou monitor é muito importante

para os entrevistados. Hellison refere esse fator.

Page 169: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

151

Apareci então lá na escola. Era uma escola pequena de trinta e cinco alunos, com quatro ou cinco professores, turmas de mais ou menos de doze de quinze alunos. […]

Aí eu vi como os alunos evoluíam verdadeiramente em responsabilidade por um motivo – a turma era mais pequena! (D. H.)

A referência de Wright reforça a convicção de Hellison.

Se estou a trabalhar com dez ou doze miúdos, e é assim que o Don, normalmente, trabalha, pode-se ir muito mais longe na construção de uma relação, e individualizando e chegando mais fundo. Se é um professor de EF no mundo real, com 30 ou 35 miúdos, por causa dos números, a sua capacidade de ir tão fundo é (menor)... abrange mais miúdos, mas não consegue ir tão fundo. (P. W.)

Martinek é também perentório neste assunto.

“mantém o grupo pequeno”. Não tentes pegar em trinta ou quarenta crianças para trabalhar este tipo de coisas (é uma coisa boa que têm os programas pós-escolares) não se pode trabalhar com 50 crianças, vinte é o máximo! Se se aceitar mais do que isto não se pode fazer um bom trabalho. Tem que se manter o grupo pequeno, tem que se manter o equilíbrio. […]

Mantêm o grupo pequeno e sê realista no que fazes – não podes fazer tudo – tenta fazer pequenas mudanças nesses miúdos e mantém-te com eles. (T. M.)

h) Tempo

Todos os entrevistados que trabalham normalmente com o Modelo de

Responsabilidade fazem referência à importância do tempo que se despende

em contacto com os alunos. O êxito na aplicação dos programas depende em

muito da duração dessa aplicação, isto é, do número de sessões, dos meses,

dos anos. Começamos com as referências feitas por Hellison.

Eles têm que experimentar, exercitar e quanto mais melhor. Se estiver com eles tempo suficiente acontece uma coisa interessante: eles começam a defender o programa da forma como o fazemos. Se, por exemplo nos esquecemos da avaliação – levantando os polegares – eles próprios lembram e querem fazer direito e dizem que não é assim que se faz. […]

Se trabalharmos com eles durante seis meses já podemos ver algumas diferenças mas quanto mais tempo tivermos mais hipóteses se tem que adquirir uma posição de liderança e de confiança junto deles e de os fortalecer (empower them).

Por outro lado, acho que não devemos estar com eles tempo demais. Pergunto a mim mesmo até onde posso ir com eles? Sei o que é o meu ideal mais alto e sei qual é a realidade, o ponto onde comecei, – e há dias em que olho e digo – será que poderei avançar até ali ou não posso ir mais longe hoje – ou – talvez não hoje! – ou – este é um bom momento para ir mais além! (D. H.)

Da mesma forma, Escartí sublinha a importância do tempo de contacto com o

modelo.

Page 170: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

152

O problema é que estes miúdos estão connosco apenas um ano, no ano seguinte vão embora e não os podes seguir para saber quais são os efeitos do programa. È verdade que durante esse ano melhoram, mas é um efeito a curto prazo. […]

A mim parece-me que pelo menos um ano escolar no mínimo é necessário. […]

Já quando trabalhamos responsabilidade num plano mais abrangente é necessário pelo menos um ano. (A. E.)

Parker justifica o tempo pela qualidade de relação que envolve o

desenvolvimento juvenil.

Então, eu penso que é a mesma coisa com os programas de desenvolvimento juvenil, mais ainda se falarmos de desenvolvimento de relações. Os relacionamentos demoram tempo. (P. M.)

Martinek fala do período de escolaridade básica e secundária.

Frequentemente eles não ficam connosco muito tempo: e o que é um semestre, mesmo que seja um ano? Depois vão e voltam… é por isso que é tão importante conseguir estar com eles muito tempo, não só durante a escola básica mas também na secundária. (T. M.)

2. 9. Relação professor/modelo

A importância atribuída pelos entrevistados ao professor (monitor) e ao modelo,

neste caso o Modelo de Responsabilidade, encontra-se registada em muitas

referências. Salientaremos algumas dando exemplo da forma como se referiu à

relação professor/modelo cada um dos entrevistados.

Hellison exprime a sua opinião da seguinte maneira.

Há pessoas que usam o método como fórmula rígida, e quando ensinamos (professores) alguns querem fazer disto uma receita, como que apoderar-se da fórmula, se possível em metade do tempo, e o resto não interessa. […]

O que é que acha mais importante a pessoa ou o modelo? (Entrevistador) - Sempre a pessoa! Agora se temos a pessoa certa talvez a metodologia ajude. Especialmente se temos determinado objetivos. (D. H.)

Escartí estabelece uma relação entre os dois fatores as caraterísticas do

professor e as virtualidades do modelo.

Não é possível um sem outro […]

[…] se o professor que aplica o modelo não tem qualidades, não interiorizou o modelo ou não o entendeu bem e não é um bom modelo em si mesmo para os meninos, não serve. Nós, como aplicamos o programa durante dois anos observamos diferenças significativas, importantes, entre os grupos em função do professor. O professor que nós verificávamos, através das observações e dos diários, que trabalhava bem com os miúdos, que seguia a filosofia do modelo, esse professor obtinha resultados. Sem dúvida que os professores que não seguiam a filosofia do

Page 171: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

153

programa e cujos comportamentos fossem contrários ao espírito do modelo e do programa, os seus alunos, não obtinham os mesmos resultados de aprendizagem da responsabilidade. […]

Essa dicotomia professor/programa, eu não a entendo. Vejamos, o programa é uma maneira de entender a educação e de ensinar, portanto não tem que ser um espartilho em que o professor deixa de ser ele mesmo para fazer o programa, tem que se esperar que os professores sejam eles mesmos com alguma flexibilidade. O que eles têm que fazer é interiorizar os valores, as normas, os objetivos que se perseguem e que depois sejam eles mesmos, pois se se lhes põe o tal espartilho não funcionam, pois no mínimo não se sentem bem com o que estão a fazer. A nossa experiência diz-nos que, o mais importante é que aprendam as estratégias a aplicar com os miúdos e que os alunos, de alguma forma, obtenham benefícios com elas. (A. E.)

Para Parker o professor é sem dúvida o mais importante, no entanto, ressalva

a importância de estratégias apropriadas às crianças com quem se trabalha.

O professor é a coisa mais importante. Mas, eu digo que o professor é a coisa mais importante, contudo, se estiverem a trabalhar com crianças ou com alguém tentando fazer isto, tem de haver estratégias, não necessariamente as do Don, mas têm de haver estratégias preparadas para ensinar responsabilidade às crianças e deixá-las desafiar-nos fazendo-o, […]

[…] a pessoa é importante, mas a pessoa tem de ser capaz de ensinar essas competências de desenvolvimento juvenil positivo... (P. M.)

Seguem-se as referências feitas por Wright ao mesmo tema.

Então, para alguma coisa funcionar, não é só um fator, é como várias coisas se juntam. Pensando assim, eu diria, o que quero dizer é que o professor é uma grande parte disso, mas se não tiver estes valores ou esta orientação ou esta entrega, nada poderá surgir. […]

[…] alguém poderia seguir as orientações e programar as suas aulas desta forma, mas se não criasse relações positivas com os miúdos e, quero dizer, o plano da sua aula poderia parecer certo mas poderia não ter a essência do modelo […]

Então, é por causa das minhas experiências como esta que eu não digo: “Oh! Tem de se colar a esta fórmula, porque se não o faz, não está a fazer o modelo”. Eu penso que isso é muito restrito. […] (P. W.)

A opinião de Martinek é concordante com a dos entrevistados anteriores.

Portanto eu adapto e trabalho à minha maneira, como seguramente tu trabalhas à tua e isso é que é importante. […]

É assim que se passa, é uma dinâmica muito fluida mas o modelo é basicamente apenas um guia. Para mim é uma maneira de ver onde estão estes miúdos e até onde é que posso ir com eles. […] Mas o modelo, por si só, é, como eu digo para mim, apenas um guia de percurso. Eu penso que Don diria a mesma coisa. […]

O modelo que usas tem que estar ajustado (tem que servir) aos teus valores e àquilo em que acreditas. Tens que ser tu mesma, não se pode forçá-lo. Não se pode dizer “tu vais trabalhar em empowerment” se isso não te interessa / se não tem nada a ver contigo. Eu digo às pessoas a quem dou cursos ou aos meus alunos “isto pode não ser para ti se isto não tem a ver contigo, se não é este o teu sistema de valores”. (T. M.)

Page 172: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

154

Embora não seja um aplicador regular do modelo de Hellison, Al Petitpas deu-

nos também a sua opinião sobre o tema.

Eu penso que o modelo pode dar um enquadramento mas o modelo não pode ser tão rígido que não se possa… é necessário ser flexível e para ser flexível temos de nos conhecer a nós mesmos muito bem e temos de ser confiantes em nós mesmos, porque se tentarmos fazer coisas muito rigidamente, exatamente como o modelo sugere, às vezes isso também não é muito bom. Portanto, o modelo pode fornecer-nos com um sentido de direção mas ainda teremos de determinar a melhor forma de chegar lá, baseados na nossa personalidade. (A. P.)

2. 10. Disseminação do modelo

Esta categoria engloba o registo de referências em que se relata, nas palavras

dos entrevistados, como e onde foi sendo feita a disseminação do modelo de

intervenção DRPS.

Hellison refere-se a algumas intenções que considera menos positivas.

[…] alguns querem fazer disto uma receita, como que apoderar-se da fórmula, se possível em metade do tempo, e o resto não interessa. (D. H.)

Escartí fala da sua experiência quando implementou o modelo em Espanha.

Nós começamos a trabalhar com estudantes de risco64

– o modelo era feito para miúdos com muitos problemas na cidade de Chicago. No primeiro ano foi assim que fizemos e tivemos resultados muito bons. Trabalhamos com um grupo de adolescentes de risco e os resultados foram muito bons. (A. E.)

Wright dá-nos conta da sua preocupação acerca da falta de informação que há

a respeito do modelo de Hellison.

Eu penso que, alguns dos problemas que advêm dos níveis, da forma que as pessoas os interpretam, sabe, muito disto é acerca de interpretação. À medida que este modelo é disseminado e as pessoas são expostas a ele, se tudo o que têm é esta pequena explicação, um parágrafo num artigo, diferentes pessoas podem interpretá-lo de diferentes formas. Como usá-lo? quão importante é? o que é um meio para um fim e o que é um fim por si só (não sei se isto se consegue traduzir bem)?... […]

Eu penso que algo interessante, realmente interessante acerca deste modelo, é a ideia de fidelidade. Interessa-me a ideia de fidelidade e disseminação, porque são coisas diferentes, […]

[…] só há algumas pessoas como eu e o Dave que aprenderam diretamente com o Don, a maior parte das pessoas só teve oportunidade de o conhecer aqui e acolá, ou visitar um programa, um dia ou dois e ler coisas. Há tantas pessoas por aí empenhadas em usarem este modelo, que estão sempre a perguntar: Estou a fazer bem isto? Isto está bem? Isto não está bem? […]

64

A primeira intervenção em Espanha, a que se refere o texto da entrevista foi em 2000 (Escartí, et al., 2005)

Page 173: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

155

Então, isso é qualquer coisa que se espalhou pelos Estados Unidos e através de países tão diferentes... tornou-se então tão grande que necessitamos de abordar algumas dessas saídas mais importantes. […]

Eu acredito que isso ajuda os praticantes, mais programas poderiam ser ajustados com a alteração destas ideias. Se foram bem-sucedidas e mais miúdos poderiam ser abrangidos. Isso não é domínio do mundo, isso é disseminação de algo muito positivo mas presentemente não temos as cabeças para aí viradas, não temos pontos ou estratégias para como facilitar isso e eu penso que isso faz parte do futuro do modelo, (…) (P. W.)

2. 11. Avaliação da implementação do modelo

Em seguida registamos as referências dos entrevistados aos materiais e

modos de avaliar a implementação do modelo nos vários sítios onde foi sendo

experimentado. Hellison diz-nos como acha importante ir avaliando o que se

faz.

[…] sobre ter uma visão de conjunto… estou de acordo. Precisamos de ter uma ideia sobre para onde estamos a ir. Alguém, que não eu, utilizou a expressão “aproximações de sucesso”, isto é, começa-se num ponto e tenta-se ir mais além. […]

O que acontece frequentemente é que, falamos muito de educação da personalidade e não o fazemos. Tem que haver alguma evidência de que o que estamos a fazer está a resultar. (D. H.)

Uma vez que se encontra envolvida em projetos de investigação que têm como

objetivo o aperfeiçoamento da aplicação do modelo, Escartí põe grande

importância em todos os processos de avaliação implementação do mesmo.

Uma vez que este trabalho foi proposto como sendo uma investigação tem registos de observação. Temos um observador da nossa equipa que assiste às aulas e faz um diário de observação. Também utilizamos gravação de vídeo, fazemos registos das categorias que queremos observar em relação com os níveis de responsabilidade e verificamos se os comportamentos dos miúdos, ao longo do seu percurso escolar melhoram ou não. […]

Utilizamos um desenho quási-experimental. Isso que dizer que temos um grupo de controlo GC e um grupo de intervenção GI. […]

Depende dos objetivos que tenhas. Se pretendes apenas intervir, pegar num programa e aplicá-lo sem nenhum interesse em saber se o programa funciona ou não, seguindo apenas a tua intuição porque aches que sim… o que estás a fazer é o que fazem todos os professores e para isso não é preciso avaliar o programa. (…) Agora se queres saber se funciona ou não o programa pelos seus resultados então tens que avaliá-lo. E, se para além disso queres que outras pessoas o apliquem pois tens que faze-lo de uma maneira sistemática para que outros possam replicar aquilo que fizeste e ver se funciona ou não. E, em terceiro lugar se quiseres examinar os teus resultados de forma a dá-los a conhecer à comunidade científica para que aproveite esse esforço para melhorar e ampliar o conhecimento, então tens que fazê-lo. […]

Escolhemos esses porque no início nos pareceu que seriam os que mediriam as variáveis que estávamos a trabalhar. Agora, p. ex., que vamos iniciar uma fase

Page 174: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

156

bastante ambiciosa, porque vamos aplicar todo o programa a um município (a todas as escolas) e estamos a aprender com os nossos próprios erros, vamos aplicar um ou outro instrumento diferente e fazer outras alterações. (A. E.)

Da mesma forma que Escartí, Wright investiga cientificamente a intervenção

através do modelo de Hellison, dedica-se fundamentalmente à avaliação dos

seus resultados.

Há muitas questões que podemos colocar. Mas eu penso que esta comunidade, esta comunidade TPSR, precisa de ter mais estratégias e melhor capacidade para fazer investigação. Portanto, eu não estou a tentar dizer: Oh! Precisamos de arranjar mais instrumentos quantitativos porque isso é melhor. Eu estou a dizer: Neste momento, não temos nenhum e precisamos de alguns. Por isso, estou a trabalhar para preencher essa falha, neste momento, mas vou continuar a fazer estudos de qualidade, de caso e coisas participativas. […]

Eu quero aumentar a nossa capacidade de fazer um ramo de investigação, para nós como comunidade, porque, mais uma vez, eu penso que isso é... eu tenho essa orientação e essa paixão e penso que isso irá realmente beneficiar este corpo de trabalho. Nos meus programas, isso ajuda-me a perceber o que estou a fazer melhor. Por isso, vou fazê-lo por mim e ver se posso contribuir qualquer coisa para os outros também. Porque eu penso que muita gente que usa este modelo está à procura de alguma orientação e (pergunta-se) “Como estudo isto?” […]

Bem, o facto é que o modelo agora, tem uma espécie de vida própria e por isso, há outros aspetos deste modelo, se realmente olharmos para trás, que eu penso merecem ser melhor estudados e percebidos. Por isso, eu penso que o que vocês estão a fazer aqui é muito importante, é tentarem perceber como as pessoas interpretam este modelo, de diferentes formas. Como o usam em diferentes formas? Como abordam isso? Como é partilhado com as pessoas? […]

O Don, pessoalmente, não tem interesse nisso. Ele não está interessado em dominar o mundo, de todo, nem eu, mas o que me interessa é, eu vejo isto a acontecer e digo: Se estas coisas são dignas de serem feitas e estas pessoas estão tão empenhadas nisso, pensemos um pouco em como isto está a funcionar e, se o compreendermos melhor, como poderemos dar um melhor apoio para que isto se expanda e vá para a frente. Porque então, há mais pessoas, como praticantes, que podem beneficiar disso, se isso lhes servir. (P. W.)

Martinek volta ao problema inicial levantado por Hellison: o modelo como

“receita” para todas as situações.

Um dos problemas que as pessoas têm com estes modelos é que pensam que pegam numa receita (e muitos professores agem assim querendo saber o que é que dá resultado) mas não há um modelo puro, “limpo”. Ele representa o trabalho que venho a fazer: podemos falar dos níveis, dos miúdos, mas não se pode impô-los como remédio para algumas coisas porque as estratégias podem não funcionar. […] (T. M.)

Page 175: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

157

3. Perfil de Professor

Como referimos anteriormente, pretendemos com o estudo deste tema

compreender quais elementos do perfil do professor mais importantes para os

peritos. Lembramos, por isso, as questões de investigação: a que aspetos das

atitudes e crenças dos professores dão mais importância os entrevistados? e,

quais são, nas opiniões dos mesmos, as principais caraterísticas definidoras do

perfil do professor/monitor que trabalha com o modelo de Desenvolvimento da

Responsabilidade Pessoal e Social? A grelha resultante da nossa análise de

conteúdo das entrevistas é a que se segue no Quadro 7.

Quadro 7 – Frequência das referências para o tema do Perfil do Professor

Tema-eixo Categorias Subcategorias Fontes Nº de Ref % de Ref

Perfil do

Professor

Valores, atitudes e convicções 7 55 17,74

Gosto por trabalhar com o adolescente 5 10 3,23

Competência de relação do adulto 5 12 3,87

Relação personalizada com o adolescente 6 25 8,06 Compromisso na relação com o adolescente

7 42 13,55

Capacidade de adaptar o ensino ao adolescente

6 20 6,45

Conhecimento das necessidades do adolescente

4 12 3,87

Visão do adolescente Nº de Ref = 96 % de Ref =30,97

Atenção ao contexto social proveniência 6 17 5,48

Motivação do adolescente 5 20 6,45

Relação com o adulto 5 9 2,90

Expectativas do adulto 6 40 12,90

Relação o adolescente com a escola 3 10 3,23

Formação Profissional Nº de Ref = 25 % de Ref = 8,06

Formação académica inicial 3 6 1,94

Formação em exercício 6 19 6,13

Prática reflexiva 4 18 5,81

Total 310 100

Como podemos verificar, nesta subdivisão temática, são referenciadas

unidades donde ressaltam as convicções e valores do educador; as suas

caraterísticas relacionais; a sua visão do que é a criança, o adolescente e o

jovem; e, a sua formação inicial e diretamente relacionada com o exercício

profissional.

Assim este 3º subcapítulo resulta, não só, do interesse do assunto abordado

revelado na revisão de literatura feita, como também da importância atribuída

pelos entrevistados ao referido assunto - perfil do professor/monitor.

Page 176: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

158

Estas referências apresentam-se quer na primeira quer na terceira pessoa,

revelando, não só, as convicções dos próprios entrevistados em relação a si

mesmos, como também as convicções destes em relação às pessoas que

lideram intervenções junto das crianças e jovens.

3.1. Valores, atitudes e convicções

Nesta categoria agrupámos as referências em que os nossos entrevistados

mencionaram algumas das caraterísticas, a que genericamente chamámos

“valores, atitudes e convicções”65, relativamente ao adulto monitor ou professor.

A esse respeito tomamos as palavras de Petitpas que salienta a valorização da

satisfação consigo mesmo, da confiança, e aliança entre a espontaneidade e a

experiência dada pela idade

Portanto, se o Don Hellison é bom, é porque ele é o Don Hellison. Percebem? E o Tom Martinek é bom porque ele é o Tom Martinek. Mas às vezes as pessoas tentam ser (como) eles mas não estão a ser elas próprias, por isso não são eficazes. […]

[…] é necessário ser flexível e para ser flexível temos de nos conhecer a nós mesmos muito bem e temos de ser confiantes em nós mesmos, […]

Bem, como eu disse hoje, têm de se conhecer e estar bem consigo mesmos; eu penso que isso é o mais importante. […]

[…] à medida que se torna um treinador mais experiente, torna-se muito mais flexível, diz menos, instrui menos mas é capaz de ser mais espontâneo e é capaz de reagir ao indivíduo nesse momento e eu acho que é quando a experiência vem para o jogo. […] (A. P.)

Hellison refere várias vezes a importância dos valores do educador.

Se lerem o que fui escrevendo sobre responsabilidade verão o meu próprio desenvolvimento vê-se que aquilo que vou mostrando nessas publicações vai evoluindo. As coisas não se alteram completamente mas mudam porque eu mudo à medida que vou estando com estes miúdos. […]

Na minha opinião esta abordagem, para além de toda a ciência, de todos os dados, de todas as evidências, assenta em valores, as pessoas tem que avaliar os ideais. […]

65 Os valores podem conceber-se como critérios que permitem ajuizar a realidade e que não são

observáveis ou avaliáveis, ocupando um nível superior às atitudes e às normas. Os valores traduzem-se nas atitudes correspondentes e estas, por sua vez, nas correspondentes normas.

Um valor é um princípio normativo que preside e regula o comportamento das pessoas em qualquer

situação e momento

Uma atitude é uma tendência a comportar-se de uma forma consistente e persistente diante de

determinadas situações, objetos, factos ou pessoas.

Uma norma é uma regra de conduta que têm de respeitar as pessoas em determinadas situações.

Hábitos são comportamentos automatizados orientados para proporcionar segurança e eficácia (Carranza

& Mora, 2003).

Convicções são crenças e opiniões arreigadas (Costa & Melo, 1987).

Page 177: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

159

[…] quando se procura alguém para trabalhar neste modelo o problema é que se trabalha com pessoas. Como é que se fala de como é que elas são? de como pensam? de como fazem as coisas… quando se trata de uma metodologia podemos olhar e dizer: agrada-me, ou, não me agrada. Mas quando olhamos para nós mesmos e dizemos: não gosto do que estou a fazer... […] Os que têm muita conversa não aprendem porque arranjam sempre desculpas para tudo: “ a culpa foi dele” ou “foi do miúdo” vão dizer e, por isso, não olham para eles mesmos. […]

Hellison reconhece que há convicções que o acompanham desde o início da

atividade docente.

[…] eu já sabia que queria humanizar a Educação Física, eu queria que fosse o humano o centro do meu trabalho e não o Desporto ou a condição física ou outra coisa do género. […]

Estas convicções e valores, manifesta-as também ao nível das orientações que

dá aos professores em formação.

Eu digo-lhes que se tentem manter íntegros e que não se vendam ao sistema a não ser que isso faça mais sentido do que o motivo que os trouxe até mim. […] Vão para a universidade, estudem desporto, psicologia, ou para serem professores, ou outra coisa qualquer mas, quando chegam aqui começam sempre por construir o seu próprio programa e isto exige coragem, é preciso inventar um curso… […] (D. H.)

A mesma ideia é repegada no discurso de Escartí. Também ela se preocupa

com a interiorização de valores ao nível da formação de professores.

O que eles têm que fazer é interiorizar os valores, as normas, os objetivos que se perseguem e que depois sejam eles mesmos, […] (A. E.)

Brustad vê com desconfiança algumas das crenças dos professores e dá como

exemplo a tendência generalizada dos professores para manterem sob sua

autoridade todas as opções das sessões.

[…] eu penso que há uma tendência dos professores e treinadores para dizerem: “Sabem, nós é que tomamos todas as decisões” […]

E não se lhes dá toda a autonomia no primeiro dia, porque eles não aguentam (mas) Quanto mais mostra que aguenta a autonomia, mais autonomia lhe dão. […] Essa é a maior quebra. Os adultos controlam tudo. […]

Ao nível das convicções em Parker sentimos segurança em relação ao papel

determinante das decisões do professor no espaço de aula.

[…] eu penso de facto que não podemos mudar a casa mas podemos determinar o que acontece na nossa sala de aulas ou no ginásio ou no campo de jogos. Isso, para mim, isso é o que podemos fazer. Eu posso determinar o que acontece nessa área e posso ajudar a ensinar lá. (P. M.)

Page 178: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

160

De Wright ressaltam duas ideias base: a primeira, de que a competência nos

conteúdos de ensino é importante, e a segunda, de que os valores do professor

são prévios às opções pedagógicas.

Eu não sou bom na maioria dos desportos porque não tenho esses antecedentes. Portanto, quando eu vou dar um programa, não tento fazer essas coisas. Trabalho com o que sei, o que eu tenho para trazer para o programa, a minha habilidade, e tenho paixão por ela. […]

Eu fui ter com o Don e achei “Uau! Isto faz sentido para mim. Eu acredito nestas coisas. Gostava de fazer isto” mas eu não tinha estratégias, por isso não era muito bom a dar o programa. […] o modelo não mudou quem eu era, eu fui atraído pelo modelo pelos meus valores e filosofia […] (P. W.)

É clara a semelhança entre o pensamento de Martinek e do próprio Hellison

registada nas referências seguintes:

Don sentiu que esta maneira de ensinar fazia parte da sua maneira de ser e daquilo em que acreditava e isso foi provavelmente o mais importante. […]

A razão pela qual acredito nisto é porque reforça aquilo que é importante para as crianças, aquilo de que precisam para sobreviver nas suas vidas e isso é o que me interessa. Reforça o que é importante para os miúdos e penso que isso coincide com os valores do Don, e o seu modelo parece resultar muito bem. […]

O modelo que usas tem que estar ajustado (tem que servir) aos teus valores e àquilo em que acreditas. Tens que ser tu mesma, não se pode forçá-lo. Não se pode dizer “tu vais trabalhar em empowerment” se isso não te interessa / se não tem nada a ver contigo. Eu digo às pessoas a quem dou cursos ou aos meus alunos “isto pode não ser para ti se isto não tem a ver contigo, se não é este o teu sistema de valores”. […]

[…] o que estamos a fazer é a desenvolver competências muito importantes para os miúdos. Não se trata de ensinar matemática ou lançamento em suspensão, trata-se de ensinar crianças a serem cidadãos responsáveis, quem sabe mesmo lideres e, para isso, tem que se acreditar mesmo que isso é verdadeiramente importante. Se perdes isso o resto deixa de ser importante. Sê verdadeiro com os teus valores, não os percas, isso mantém-te orientado. […]

Sê verdadeiro com os teus valores. Acredita que assim fazes a diferença, em coisas pequenas. […]

Martinek apela à honestidade pessoal do professor consigo mesmo, com as

suas expectativas, com os seus valores.

A primeira coisa é ser realista consigo mesmo. Não vamos conseguir fazer tudo. Não vamos conseguir ser o “lançador mágico” destes miúdos, tem que se ter consciência disto. […]

E terceira coisa mais importante é ser verdadeiro com os seus valores, […]

[…] o que está em causa somos nós mesmos e aquilo em que acreditamos […] agarra-te aos teus valores dá um passo atrás e pensa no que é que estás a tentar fazer? E isso não é sempre claro. […]

Page 179: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

161

[…] é importante o que disse em relação a manteres os teus valores, porque se te começas a preocupar com as classificações verás que isso não tem a ver contigo nem é o que te interessa. (T. M.)

3. 2. Gosto de trabalhar com adolescentes

Nas entrevistas que fizemos é referido com frequência o gosto de trabalhar

com crianças, com adolescentes e com jovens, como uma caraterística que

observam positivamente quer em si mesmos quer nos jovens monitores ou

professores que formam. Hellison é expressivo nesta constatação, refere este

facto, de gostar de trabalhar com adolescentes com frequência e com

veemência.

Felizmente a universidade permitiu-me ter alunos […] Por essa altura era costume, nos bairros de periferia, os juízes darem a escolher aos jovens marginais irem para a cadeia ou irem para a marinha. Fiquei encarregado de trabalhar com esses jovens e adorei. […] eu entendi que era aquilo que eu queria fazer: quero trabalhar com estes jovens através da atividade física. […]

Fiz tudo isto pensando no trabalho com jovens marginais e pensava que a EF me ensinaria a lidar com eles […]

Sim, inclusivamente com alunos a cumprir penas. É este tipo de trabalho que me interessa com situações muitas vezes desesperadas, principalmente com miúdos mais velhos que chegam com dezasseis, dezassete ou dezoito anos… é complicado (D. H.)

Escartí constata nos seus trabalhos, com professores em formação, a

importância do mesmo sentimento. Quando diz “trabalhar bem” interpretámos

que se refere a trabalhar com gosto, a estar bem, e não restritamente à

competência técnica do professor.

O professor que nós verificávamos, através das observações e dos diários, que trabalhava bem com os miúdos, que seguia a filosofia do modelo, esse professor obtinha resultados. (A. E.)

Para Brustad, trabalhar com crianças foi uma escolha.

[…] preferia aplicar a minha energia em trabalhar com crianças e aumentando talvez a sua… ajudando-os através do desporto, ajudando-os através da atividade física (R. B.)

Parker relata como sentiu a falta do trabalho direto com crianças num período

em que esteve afastada dele.

[…] durante alguns anos afastei-me do meu trabalho inicial. Sentia que algo não estava certo, não batia certo comigo, e por isso talvez dez anos após ter terminado a minha licenciatura, desisti do cargo de diretora de departamento, ou o que lhe queira chamar, tirei sabática e voltei ao ensino de crianças.

Page 180: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

162

Tinha que voltar a ensinar crianças. Depois de ter feito isso, quando voltei à universidade decidi: Terei sempre que ensinar crianças e terei sempre que ensinar alunos de universidade. (M. P.)

Também em Martinek a forma como nos dá conta da sua escolha pelo trabalho

com crianças revela o seu gosto.

Bom, este é o ponto da situação, é aqui que me encontro agora, envolvido em programas de “depois da escola” com jovens inicialmente na escola primária, depois no 2/3 ciclo e também no secundário […] Isso é aquilo em que me empenho agora e provavelmente aquilo em que vou manter-me durante o resto da minha vida profissional. (M. T)

3. 3. Competências de relação do adulto

Outra caraterística que parece importante para os entrevistados em relação

aos professores e monitores são as suas competências relacionais. Vejamos

as referências feitas pelos entrevistados a esse respeito.

Em Hellison a importância desta caraterística é clara.

Penso que neste trabalho tem que se estar em sintonia com os miúdos mas temos que ter algo para fazer com eles. Eles são muito rebeldes: eles jogam Basquetebol, saltam num trampolim e é isso que querem fazer, eles não querem conversa! […] Consegui construir relações de amizade com eles, eu via-os como gente. […]

[…] se não temos ninguém que se relacione bem com os atletas ou com os estudantes (ou sejam quem forem) tudo será mais difícil. […]

Nesse mesmo livro66

tem um capítulo que apresento uma série de competências de relação com os miúdos e explico cada uma delas e, quando trabalho com estudantes universitários (ou professores), eu proponho que se avaliem a partir desses parâmetros. (D. H.)

Escartí refere (pela negativa) o efeito da qualidade da relação do professor.

Há professores que, embora entendam o programa e tenham aprendido as estratégias, em momentos em que estão tensos, de conflito, de maior tensão, ou porque os miúdos se portam muito mal, a reação destes afasta-se muito do programa. Se, p. ex., gritam aos miúdos perdem a coerência com o programa. (A. E.)

Brustad nota esta preocupação, desde logo, a partir dos próprios professores

em formação.

Eles não estão preocupados com a parte de ensinar, estão preocupados se serão capazes de comunicar e entender-se com os miúdos. Eles dizem: “Não sei como entender-me com miúdos.” É trabalhando com miúdos que… não é ensinar basquetebol. (B. B)

Em duas referências Martinek fala do interesse que tem para si mesmo o

relacionar-se também com outros adultos que atuam na mesma área.

66

(Hellison, 2003) pg.124

Page 181: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

163

Continuamos a trabalhar juntos, eu e Don, e trocamos ainda ideias e é por isso que é importante o contactar gente que trabalha valores com crianças. […]

Também pode ajudar conversarmos com alguém (T. M.)

3. 4. Relação personalizada com o adolescente

Uma subcategoria que é rica de referências é a que diz respeito à necessidade

de se estabelecerem relações personalizadas e individuais com as crianças.

Hellison dá-nos conta disso ao referir a sua experiência numa escola em que

teve oportunidade de estabelecer esse tipo de relação dado o número pequeno

de alunos por grupo.

Aí eu vi como os alunos evoluíam verdadeiramente em responsabilidade por um motivo – a turma era mais pequena! Estes alunos eram muito complicados mas sabiam que aquela era a sua última oportunidade. Consegui construir relações de amizade com eles, eu via-os como gente. (D. H.)

A mesma ideia é corroborada por Brustad que dá importância a esta relação na

figura do “mentor”.

[…] muitos dos outros adultos trabalham com um miúdo em particular, que está a ter problemas ou talvez com um par de miúdos que realmente necessitam de atenção e eu tento organizar toda a coisa.

Mentores são pessoas que só trabalham com um miúdo. […] eu acho que preferia trabalhar com menos miúdos e muito mais tempo. Eu não… Eu não… Eu não acredito muito que um pouco de tempo para muitos miúdos, faça necessariamente muito bem a todos. (R. B.)

Parker refere a importância da relação que permite conhecer o aluno para além

da escola.

Também me parece importante que se veja o aluno ‘lá fora’ (no exterior).Tem que se ver os alunos como pessoas reais, que têm uma vida muito mais ampla e mais rica do que o tempo em que os vemos, durante ou depois da escola. Eles têm mais 12 a 16 horas no seu dia em que não os vemos, e temos que os conhecer nessa vida (M. P.)

No conjunto das referências feitas por Wright compreende-se a importância da

construção de uma relação individualizada.

[…] alguém poderia seguir as orientações e programar as suas aulas desta forma, mas se não criasse relações positivas com os miúdos e, quero dizer, o plano da sua aula poderia parecer certo mas poderia não ter a essência do modelo, […] O terceiro desses temas é a “relação professor e aluno”. Podem-se fazer tecnicamente bem todos esses temas mas se se for distante ou frio, não vai funcionar. […]

Se estou a trabalhar com dez ou doze miúdos, e é assim que o Don, normalmente, trabalha, pode-se ir muito mais longe na construção de uma relação, e individualizando e chegando mais fundo. Se é um professor de EF no mundo real,

Page 182: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

164

com 30 ou 35 miúdos, por causa dos números, a sua capacidade de ir tão fundo é (menor)... abrange mais miúdos, mas não consegue ir tão fundo. (P. W.)

Martinek é profícuo em referências a esta categoria pelo que apresentaremos

apenas as mais ilustrativas.

A única maneira de ensinar aos miúdos é com esforço, prestando-lhes atenção. […]

…e pode nunca se saber quando se teve verdadeiramente impacto (influência) num jovem. […] O que se passa é que cada pessoa teve alguém que teve impacto em si, e pode ter sido através de qualquer coisa muito simples, pode mesmo nunca se ter visto essa pessoa antes. […] tu nunca sabes quando fazes memória! E eu digo: tu saberás quando terás impacto numa criança. Por isso as pequenas coisas são muito importantes. Falamos muito de avaliação e de outras coisas mas realmente as coisas pequenas (pequenos progressos) são as mais importantes.

[…] um universitário responsabiliza-se por um dos miúdos do clube e trabalha reunindo com ele uma vez por semana na escola. São os mesmos princípios dos desportos aplicados ao aconselhamento. […]

Mantêm o grupo pequeno (T. M.)

3. 5. Compromisso na relação com o adolescente

Dentro das referências à qualidade da relação estabelecida entre

adulto/professor e o adolescente houve uma abundante chamada de atenção,

por parte dos entrevistados, para relação de compromisso. Como em relação a

subcategorias anteriores, apresentamos apenas as mais representativas, a

nosso entender, do pensamento do entrevistado. Começamos com Hellison

que nos mostra como é exigente para ele esse aspeto da relação pedagógica.

Foi uma tarefa verdadeiramente dura, pelo menos para mim, para alguém mais forte seria provavelmente mais fácil, mas para mim foram tempos difíceis e foi muito duro manter-me com eles e continuar mesmo sabendo que seria muito difícil. […]

Se trabalharmos com eles durante seis meses já podemos ver algumas diferenças mas quanto mais tempo tivermos mais hipóteses se tem que adquirir uma posição de liderança e de confiança junto deles e de os fortalecer (empower them). […]

Apesar de apelar para uma relação de compromisso que, nas suas próprias

palavras, exige tempo, Hellison levanta o problema de qual será o tempo certo.

Por outro lado, acho que não devemos estar com eles tempo demais. Pergunto a mim mesmo até onde posso ir com eles? […]

É interessante que em relação a um deles [parâmetros de avaliação de professores] os estudantes universitários não vão longe, é o sentido compromisso, eles não lhe dão valor, vão pela vida fora sem lidarem com isso! […] se não conseguem entusiasmar-se verdadeiramente por este trabalho procurem outra coisa, e, eu não estou a falar sobre o método eu estou a falar sobre trabalhar com crianças, se não se comprometem com o ajudar crianças é necessário que procurem outra pessoa. […] Precisamos apenas dos que são bons, dos que têm muita qualidade que se comprometem e que se preocupam com os miúdos. (D. H.)

Page 183: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

165

Para Escartí a capacidade de se comprometer parece ser mesmo um critério

de recrutamento de professores.

Pensamos escolher gente que nos parecia particularmente implicada.

A mim parece-me que pelo menos um ano escolar no mínimo é necessário. […] Eu creio que um programa de dois meses, ou dois meses e meio, para objetivos tão valiosos e que na realidade vamos adquirindo ao longo de toda a vida – pois o respeito é algo de muito importante e durante toda a vida se aprendem coisas relativas ao respeito – portanto os programas muito curtos não dão tempo…[…] Já quando trabalhamos responsabilidade num plano mais abrangente é necessário pelo menos um ano. (A. E.)

É clara a convicção de Brustad de que é o compromisso do adulto que mantém

os jovens nas atividades educativas.

[…] quanto mais as pessoas estão absortas, mais elas estão empenhadas na atividade, mais significado tem e mais podem elas beneficiar.

Eu acho que eles se mantêm no programa, bem depende do programa, mas eu penso que eles ficam, em primeiro lugar se realmente virem compromisso por parte dos adultos, se perceberem que os adultos estão seriamente empenhados nisso, se virem que os adultos estão lá porque querem ajudar os miúdos, esta é a única razão maior. Portanto precisamos de adultos constantes. Não se pode ter pessoas diferentes o tempo todo, e então para os miúdos isso é muito, muito importante, para que eles fiquem […]

eu só quero lá gente que vai ser boa, portanto tem que haver um nível de compromisso, têm que se comprometer a estar lá um certo número de horas. E se puderem fazer isso, então poderão ser envolvidos. […] muitos, começam a vir todo o tempo, sempre que podem, porque gostam, não é preocupante. […]

[…] o que os miúdos querem, principalmente é um contacto de um para um.

Eu acho que quanto mais importante se torna, mais sentido tem e quanto mais tempo se investir, melhores eles serão. (R. B.)

Parker diz-nos que é importante que os alunos creiam na capacidade de

compromisso do adulto.

O melhor é ficar com os alunos o tempo suficiente para haver um relacionamento […] eles precisam de saber que existe alguém ali, a longo prazo, que se vai manter com eles, durante tempos difíceis e ajudá-los. Eles não são apenas um “fair weathered friend” , e não sei se existe uma palavra ou frase em Português mas “fair weather” quer dizer “oh eu serei sempre teu amigo se as coisas correrem bem, em bom tempo, mas se estiver a chover já não sou teu amigo”, isto é o que eu acho que não pode acontecer ao longo do tempo. […] eles precisam de saber que eu me importo o suficiente para aparecer e vê-los jogar. (…) Ou que podem falar comigo como pessoa, portanto eu acho que o envolvimento precisa de ser maior do que o tempo da escola. (…)

Quanto mais tempo estiverem com as crianças melhor. […]

Os meus melhores programas foram os que duraram 5 ou 6 anos. […] Os relacionamentos raramente são desenvolvidos num curto espaço de tempo... pelo

Page 184: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

166

menos os que duram muito tempo, que fazem a diferença na vossa vida, […] eu vi os meus alunos 5 dias por semana durante 8 anos. (M. P.)

Para Martinek esta capacidade de o adulto se comprometer numa relação é

fundamental. O programa em que trabalha estende a sua ação ao longo da

escolaridade de forma a proporcionar aos alunos o maior contacto possível

com uma situação de “compromisso duradouro”.

[…] é tão importante conseguir estar com eles muito tempo, não só durante a escola básica mas também na secundária. […]

Começamos com os miúdos cedo com miúdos do 3ª, 4ª e 5ª anos e quando conseguimos que eles permaneçam um ano (p. ex.:), apesar de lhes dizermos que a frequência é livre, conversamos e dizemos-lhes “isto é o que fazemos, gostaria de saber se estás interessado em ficar no clube” e é assim que tudo começa. Temos um clube do 2/3 ciclo que apanha os miúdos que completaram o ciclo e tenta mantê-los o que é difícil, pois é quando começam a dispersar-se por outras escolas. Depois deste temos um clube com programa para o secundário. É neste que começa o “Youth Leaders Corps Programe” com esses jovens que ficam connosco vários anos. Aí em vez de serem “membros” do clube passam a ser “líderes” do clube mudando do papel de participantes para o de lideres […]

Nós ficamos em contacto com eles, não os perdemos: ora eles nos telefonam ora nós lhes telefonamos a eles. […] Mantemos tanto quanto nos é possível uma relação de amizade com todos. […] Tentamos manter o contacto mesmo depois de saírem do clube – é um compromisso duradouro. (M.T.)

3. 6. Capacidade de adaptar o ensino ao adolescente

Outra caraterística, muito referenciada sobre o perfil do adulto – professor ou

monitor – que trabalha adolescentes numa perspetiva positiva e de

desenvolvimento da responsabilidade, é a sua capacidade de flexibilizar as

estratégias de forma a adaptar o ensino aos alunos que tem à sua frente.

Hellison é claro embora parco nas palavras a este respeito.

[…] eu busco a forma mais ágil de aplicar o programa a estes miúdos de maneira que adquiram algo. (D. H.)

Brustad oferece exemplos da capacidade de adaptação do ensino em várias

referências.

Como é diferente um de nove anos de um de doze. Como mudamos as coisas para que um de doze anos beneficie deste programa e um de nove beneficie daquele programa. […] para mim o centro deveria ser sempre no principiante, na criança, não na tecnologia, não no conteúdo, não no que eu faço. Comecemos primeiro – Quem é a criança? – e então orientamos tudo para quem aquela criança é, de acordo com o seu nível de desenvolvimento, de acordo com as suas experiências, de acordo com a sua cultura.

Page 185: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

167

Sim. Quero dizer, é mais possível se levarem em conta, considerações de desenvolvimento do que se não o fizerem. Mesmo que quisesse fazer um grande campeão olímpico seria na mesma importante conhecer o nível de desenvolvimento. Não o trataria como um adulto… […] Eu ia utilizar o modelo adulto porque quero fazer um campeão? Não! Não vai funcionar. […]

[…] se nos interessamos pelo António que é o nosso adulto ou a nossa criança, alteramos o desporto para que ele beneficie o máximo […] Por isso, quando começamos com ele, primeiro e dizemos: - Bem, se ele tem quatro anos de idade, vamos jogar três contra três, sem guarda-redes. Porquê? Porque isso vai desenvolver mais habilidade, mais poder de decisão, mais motivação intrínseca. […] O que ele precisa de aprender é a dar-se com os outros.” Então eu diria: “Ok.” Planeamos futebol. Vou modificar os jogos em que ele tem de fazer isso. (R. B.)

Parker faz também uma referência ao assunto.

[…] as estratégias que uso para chegar a esses objetivos são provavelmente diferentes para diferentes populações – os objetivos mantêm-se os mesmos.(M. P.)

Wright dá-nos vários exemplos concretos de como se buscam alternativas para

adaptação do modelo à população específica com que se trabalha.

Claro! Por isso eu tive de adaptar o modelo. […] Então, criei uma história, como uma história infantil, que envolvia movimentos e a história como que nos ensina as ideias de responsabilidade […]. Assim é mais divertido, mais apropriado em termos de desenvolvimento.

[…] algumas pessoas poderão, num programa, dizer “eu quero acrescentar outro” ou “eu quero fazer menos disto e mais daquilo” para preencher as necessidades do grupo com que estão a trabalhar. Se alguém está a trabalhar numa escola secundária suburbana, com um grupo de bons miúdos, o comportamento não será um problema, não vão gastar muito tempo com o nível um, porque, como que, está lá, ou talvez o possam trabalhar a um mais alto nível, sabe, estou a falar de ideias mais sofisticadas de inclusão e falo acerca de diversidade na inclusão. (P. W.)

Petitpas relaciona a capacidade de adaptar o ensino com a experiência do

professor.

[…] à medida que se torna um treinador mais experiente, torna-se muito mais flexível, diz menos, instrui menos mas é capaz de ser mais espontâneo e é capaz de reagir ao indivíduo nesse momento e eu acho que é quando a experiência vem para o jogo. (A. P.)

Martinek fala da possibilidade de flexibilizar o modelo de forma a servir os

alunos.

Depende de quem são os miúdos. […]

[…] há uma ideia de desenvolvimento implícita no modelo mas muito fluida, pode-se andar para trás e para a frente. Depende de quem são os miúdos. (T. M.)

Page 186: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

168

3. 7. Conhecimento das necessidades do adolescente

Muito relacionada com a categoria anterior surge a presente “o conhecimento

das necessidades da criança, do adolescente e do jovem por parte dos

professores” que é referida por alguns entrevistados.

Brustad sublinha, nas referências que faz, a importância que atribui a esta

capacidade do professor.

Eu penso que o mais importante aqui, com as crianças, é perceber as suas necessidades de desenvolvimento. Eu penso que muitos dos programas para crianças são baseado em Psicologia do Desenvolvimento, por isso, percebem realmente como é diferente um adolescente. […] Para mim isso é o mais importante, é perceber os aspetos de desenvolvimento das crianças e isso faz parte dos meus antecedentes educacionais,

Eu acho que, voltando aos aspetos do desenvolvimento, para adolescentes é realmente importante ser-se bom a essa, qualquer coisa. Para crianças, é importante mas nada que se pareça. Os adolescentes têm identidades: “Sou ator. Sou músico. Sou jogador de futebol. Sou jogador de basquetebol”, e para eles, para as suas próprias definições, ser competente em qualquer coisa é muito, muito importante e aí, a maior parte das vezes, o seu grupo social está envolvido nessa competência, quer seja música ou dança. (B.B.)

Wright faz também algumas referências a este aspeto salientando o facto do

conhecimento das necessidades do adolescente ser condicionador da ação

pedagógica.

Eu costumava mais ou menos seguir isso passo a passo e esperava até à terceira ou quarta semana para integrar algum material com a forma de liderança e então tentei fazê-lo um pouco mais cedo, e um pouco mais cedo, e descobri “estes miúdos têm idade suficiente e são suficientemente bons. Logo que eu os deixe tomar a liderança, eles são capazes. Por que é que os estou a fazer esperar ao longo de dez aulas para chegarem lá?”

[…] algumas pessoas poderão, num programa, dizer “eu quero acrescentar outro” ou “eu quero fazer menos disto e mais daquilo” para preencher as necessidades do grupo com que estão a trabalhar.

Se alguém está a trabalhar numa escola secundária suburbana, com um grupo de bons miúdos, o comportamento não será um problema, (P. W.)

Petitpas relaciona algumas opções metodológicas com as necessidades dos

adolescentes em determinadas idades.

Eu acredito que, particularmente até aos doze, treze, catorze, os jovens devem ser o mais expostos (possível) a desportos múltiplos. Eu acho que especializarem-se num desporto muito novos é um grande problema e penso que quando os jovens se começam a especializar, queimam-se realmente, desistem do desporto e não acho que eles cheguem, que atinjam o seu potencial. Não jogam tão bem como podiam. (A. P.)

Martinek refere a importância de tal conhecimento desde a formação

inicial dos professores.

Page 187: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

169

Todos os mentores têm uma preparação/aulas, que sou eu que dou, onde aprendem sobre os adolescentes, os problemas da pobreza e os seus efeitos nos miúdos e nas famílias, sobre a afro-cultura, sobre a cultura dos outros países, uma vez que trabalham com crianças de países diferentes com orientações culturais diferentes, aprendem sobre o trabalho por objetivos, sobre competências de comunicação e outras coisas assim. (M. T,)

3. 8. Visão do adolescente

A cada forma de estar em educação corresponde uma visão específica da

criança, do adolescente e do jovem. Reunimos neste subcapítulo a visão que

os nossos entrevistados expõem ao longo das suas respostas. Buscámos

compreender qual é a importância que atribuem à forma como “olha” o

educador para o adolescente, para o seu contexto social, para as suas

motivações, para a maneira como ele estabelece relação com o adulto e com a

escola? Que expectativas tem o adulto a respeito deste adolescente?

a) Atenção ao contexto social de proveniência da criança.

Começaremos por uma breve referência de Hellison que vê o “mundo” de onde

provem o jovem como determinante nas respostas sociais que dá.

Isto é difícil porque o que eles sabem é criticar os outros, é a sua autodefesa uma vez que vêm de um mundo muito duro. (D. H.)

Para Escartí, os fatores do envolvimento assumem também importância na

predição do comportamento.

Quais são os fatores que predizem o comportamento disruptivo ou do DP? São fatores do envolvimento e fatores pessoais. Nos primeiros estão alguns tipos de ambiente escolar, algum tipo de ambiente familiar e envolvimento que diz respeito as pessoas significativas. (A. E.)

Parker refere a influência que tem o ambiente comunitário das crianças, no que

elas são e na própria escola.

Penso que o que é realmente diferente é o que as crianças ou alunos trazem com elas para esse ambiente, oportunidades que têm ou não fora da escola. Os miúdos com quem trabalhei, os miúdos de risco, vinham de famílias muito pobres, muitas vezes o Inglês era a sua segunda língua não era falado em casa – por isso tinham mais problemas com que lidar, o seu ambiente era mais difícil do que o dos miúdos ricos, mas esses tinham exatamente o problema oposto: - sempre lhes fora dado tudo, e eles esperavam que tudo lhes fosse dado. […]

[…] essas competências que nós assumimos ou aprendemos em casa, pelo menos neste país, já não são aprendidas em casa. (M. P.)

Page 188: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

170

Wright faz o mesmo tipo de referência sublinhando a importância que o

conhecimento do contexto de proveniência do adolescente tem para o seu

trabalho com ele.

Há muitos fatores que considero... (por exemplo), o contexto sociocultural. Miúdos brancos, nos subúrbios com incapacidades, temos aqui uma situação diferente da dos Afro-americanos do interior da cidade que vivem na pobreza, lutando com armas de fogo. […] eu considerei isso, o contexto social dos miúdos e os seus níveis de capacidade, e as suas idades, e o número de miúdos. (P. W.)

O ambiente originário da criança tem sido, nas palavras de Martinek, motivo de

reflexão para as pessoas que aplicam o modelo de DRPS. Martinek refere a

importância que é dada a esse tema na própria formação dos monitores ou

professores.

Don (Hellison) (ele trabalha nisto há 30 anos) e trabalhava com grupos de miúdos e jovens com problemas escolares e percebeu que o que estava a fazer com eles não tinha resultados. O seu trabalho tinha uma abordagem tradicional da E.F. Don sentiu necessidade de parar e de pensar sobre a origem daquelas crianças.

Claro e olhando mais adiante, mesmo na vizinhança (na sua comunidade) eles têm que ser “duros” e nós andamos a falar de respeito… nós podemos falar de respeito no nosso clube, de se respeitarem uns aos outros, os sentimentos dos outros, as suas individualidades e diferenças, mas quando se fala de respeito nos bairros destes miúdos estamos a falar de uma coisa diferente. Lá, “respeito”, quer dizer ser duro, não recuar, aguentar-se sozinho, e eles aprendem isto no seu bairro, com a sua família, com os seus pais. Por isso é uma contracultura (o teu trabalho).

Alguns dos meus melhores alunos no secundário saíram e entraram numa vida do pior, “tocaram mesmo no fundo”. Um deles era um ótimo monitor no programa, sempre com os miúdos à porta, eles gostavam muito dele. Mas, uma vez em que voltou às ruas, à sua casa, correu tudo mal, apanhou três anos de cadeia. É com este tipo de coisas que temos que lidar e procurar as coisas pequenas (as pequenas vitórias). Esse monitor está agora de volta ao programa, está a trabalhar.

Todos os mentores têm uma preparação/aulas, que sou eu que dou, onde aprendem sobre os adolescentes, os problemas da pobreza e os seus efeitos nos miúdos e nas famílias, sobre a afro-cultura, sobre a cultura dos outros países, uma vez que trabalham com crianças de países diferentes com orientações culturais diferentes, aprendem sobre o trabalho por objetivos, sobre competências de comunicação e outras coisas assim. (T. M.)

b) Motivações da criança ou jovem

A visão que o professor tem das motivações da criança e do jovem e, a

maneira como as interpreta e tira partido delas, parecem ser determinantes

para a atividade educativa.

É Brustad quem nos refere com maior riqueza a importância das motivações do

aluno para a sua aprendizagem, relacionando-a com a perceção de autonomia

e de competência, particularmente no adolescente. No seu discurso, fala da

Page 189: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

171

motivação intrínseca como a única que pode levar o jovem longe. Segundo

Brustad, o educador tem que acreditar na capacidade da criança para fazer as

suas próprias opções. Ele refere também que a perceção de autonomia do

adolescente se relaciona com as suas motivações.

[…] isto é particularmente verdade na aprendizagem, acerca da aprendizagem do desporto, qualquer coisa que envolva motivação… sem motivação intrínseca [o adolescente] pode chegar a evoluir muito mas nunca vai chegar muito longe. Nunca vai ser um grande artista, nunca vai ser um grande músico, nunca vai ser um grande atleta, nunca vai ser um grande, qualquer coisa. Mas a chave da motivação intrínseca é compreender alguns desses princípios […] a ideia especificamente, tem de vir de fontes internas, e para fazer isso, têm de acreditar nas escolhas da criança. […]

[…] eu penso que há uma tendência dos professores e treinadores para dizerem: “Sabem, nós é que tomamos todas as decisões” – por isso não é de admirar que o João, não é de admirar que a Ana, não é de admirar que o Charlie, não estejam motivados, porque nós tomamos todas as decisões por eles. Mas eu penso que a autonomia é realmente a chave, é particularmente importante com adolescentes. Os adolescentes sem autonomia são, geralmente, desmotivados. Portanto, a menos que providenciemos alguma autonomia e os deixemos tomar algumas das suas próprias decisões, não vamos ter a motivação que queremos ver. […]

[…] Porque isso vai desenvolver mais habilidade, mais poder de decisão, mais motivação intrínseca. Ele vai ter de gostar do trabalho à medida que vai tendo mais treino. (…) (R. B.)

Brustad continua chamando a atenção para a motivação através da perceção

de competência. Na sua maneira de ver, a perceção de competência é

particularmente importante para os adolescentes.

Eu acho que, voltando aos aspetos do desenvolvimento, para adolescentes é realmente importante ser-se bom a essa, qualquer coisa. Para crianças, é importante mas nada que se pareça. Os adolescentes têm identidades: “Sou ator. Sou músico. Sou jogador de futebol. Sou jogador de basquetebol”, e para eles, para as suas próprias definições, ser competente em qualquer coisa é muito, muito importante e aí, a maior parte das vezes, o seu grupo social está envolvido nessa competência, quer seja música ou dança. (R. B.)

A adesão livre é, na visão apresentada por Wright sobre a motivação, um dos

fatores a considerar. O entrevistado referencia-o como o menos positivo, no

caso da aplicação do modelo à EF escolar, pois, a adesão obrigatória, não

favorece a motivação intrínseca. Vejamos:

[…] (se o programa) é um programa voluntário onde só tem dez miúdos que estão lá por opção? Então, pode fazer muito... mas se está em EF nas escolas, tem três vezes mais miúdos, e muitos deles não teriam escolhido estar lá, não foi uma escolha. Mais uma vez, o que poderá fazer é diferente. (P. W.)

Em seguida, dá-nos o seu próprio exemplo acerca de um conjunto de fatores,

de onde ressaltam, uma vez mais, a autonomia, a possibilidade de escolher e a

Page 190: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

172

perceção de competência. Wright, reforça, com o seu caso, a ideia de que,

para a criança, a motivação é o motor da aprendizagem.

Quando eu fui à minha primeira aula de karaté eu só disse: “Oh pá! Eu adoro estar aqui! Sinto-me bem comigo próprio. Sinto-me com sucesso. Sou capaz de fazer todas estas coisas porreiras e gosto das pessoas... eu quero ser como estas pessoas”, [...] E eu penso que isto acontece quando a adesão é voluntária, percebem? Isto é o que acontece com muitos destes miúdos que se mantêm “colados” por muito tempo, eles apenas acham “Uau! Isto encaixa-me perfeitamente. Acho que gosto de quem sou quando estou aqui!” (P. W.)

Petitpas vai na direção dos especialistas anteriores dando uma visão da

criança que necessita de se motivar para aderir às atividades. Para ele, essa

motivação pode resultar da perceção de competência, do divertimento

proporcionado pelo Desporto e da opinião dos pares.

Nos Estados Unidos, por exemplo, o desporto é muito importante e quando se fazem estudos, os jovens preferem ser o melhor atleta no lugar de outra qualquer posição na escola. Por isso, preferem ser o melhor atleta no lugar de ser o mais inteligente, o melhor artista ou o melhor músico. Por isso, é muito importante […]

[…] Agora, o divertimento pode ser domínio do desporto mas também pode ser, se eles acharem que têm um papel especial na equipa. Talvez não sejam o melhor jogador mas talvez encorajem o melhor jogador ou talvez seja porque, eles estejam a fornecer outro qualquer elemento através da equipa que lhes permita sentirem como que estejam a dar uma contribuição que é importante. Por isso, eles não têm de ser o melhor jogador. […]

[…] é só fazê-lo onde os jovens querem estar. Portanto, se eles já estão interessados num desporto como o futebol ou o basquetebol e é o que eles querem fazer, assim o desporto faz sentido. Se eles não têm realmente nenhum interesse em nada mas se podemos criar jogos que os deixem interessados em desportos diferentes e eles só se divertem tanto que os deixa curiosos, e aí eles querem continuar a ir. […] às vezes os jovens acham que é tudo divertimento e jogos, mas nalgum ponto, se eles ficarem, se eles ficarem muito interessados nisso e se quisermos dar-lhes um lugar onde possam melhorar, porque uma vez que estejam presos, viciados, então, acho que estão prontos para um outro nível de desenvolvimento. […] depois dos dez ou doze é o grupo de pares, portanto eles não querem ficar mal em frente aos seus amigos, os seus pares, e tomam decisões diferentes por causa disso. (A. P.)

Martinek, apenas num período, diz da motivação generalizada que as crianças

têm pelo desporto e pela EF.

A EF e o desporto são coisas de que as crianças gostam muito e são um meio ótimo para desenvolver valores se os professores optarem por ensinar valores, se acreditarem nisso, é bom que o usem na escola, nas aulas. (T. M.)

c) Relação com o adulto

Nesta alínea, referimos a visão que os nossos entrevistados têm sobre o tipo

de relação que se estabelece entre o adolescente e o adulto e a importância

Page 191: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

173

atribuída a essa relação. Começamos com uma frase de Hellison que põe a

tónica da relação na amizade entre adulto e adolescentes.

Aqueles alunos eram do secundário e tinham atitudes de mais velhos e eramos amigos. (D. H.)

Brustad realça a atitude aberta dos jovens para com os adultos e a sua

necessidade de relações individualizadas.

Eles escrevem-nos principalmente acerca deles próprios e depois discutimo-los. Mas nesta idade eles são muito abertos, podemos dizer. Bem, também penso que são bastante perspicazes […]

Eu penso que isso depende da situação, mas funciona, quero dizer, o que os miúdos querem, principalmente é um contacto de um para um. (R. B.)

Parker fala-nos da confiança e das relações significativas como sendo as

verdadeiramente importantes para as crianças e jovens.

Que haja um relacionamento, que eles saibam que podem confiar em nós e mantê-lo durante os tempos difíceis. […]

[…] esta aprendizagem de responsabilidade pessoal e social tem de ser em contactos tão significativos e cheios para eles, […] tem de ser num ambiente natural que o torne real para eles e então temos de perceber como manipular esse ambiente... (P. M)

Petitpas refere a importância da comunicação não-verbal na relação entre

jovens e adultos, mais uma vez se chama a atenção para a perspicácia dos

alunos.

A forma como olha para a juventude é importante? (R. L.)

- Sim. Se não pensar que os jovens são boas pessoas e vão fazê-lo sozinhos, então, provavelmente está a enviar as mensagens erradas, não verbalmente. E eu acho que o que se diz, o que se comunica não verbalmente, os jovens apanham imediatamente.

Martinek volta ao tema da importância das relações significativas para crianças,

adolescentes e jovens. Também este entrevistado conta a sua própria

experiência.

[…] …e pode nunca se saber quando se teve verdadeiramente impacto (influência) num jovem. (…) O que se passa é que cada pessoa teve alguém que teve impacto em si, e pode ter sido através de qualquer coisa muito simples, pode mesmo nunca se ter visto essa pessoa antes. Alguém me tocou em relação ao desporto quando eu tinha oito anos, nunca mais tornei a ver essa pessoa. Ele captou-me para o desporto, eu tinha acabado de ser excluído da equipa de basebol e num acampamento ele chamou-me e disse-me “podes jogar aqui connosco” e fê-lo com boa intenção e resultou. Nunca mais o tornei a ver, poderia ter sido diferente mas foi assim. […]

Page 192: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

174

[…] tu nunca sabes quando fazes memória! E eu digo: tu saberás quando terás impacto numa criança. Por isso as pequenas coisas são muito importantes. (T. M.)

d) Expectativas

Transcrevemos, em seguida, as referências feitas pelos entrevistados que

transmitem a importância, para visão que o adulto tem do adolescente, das

expectativas do primeiro em relação ao segundo. Por exemplo, Hellison,

manifesta expectativas positivas em relação a jovens que à partida se sentem

“perdidos para o sistema”.

Eles sentem que já estão perdidos para o sistema desde muito cedo! […] Estes alunos eram muito complicados mas sabiam que aquela era a sua última oportunidade. Consegui construir relações de amizade com eles, eu via-os como gente. […]

De qualquer maneira, eu penso que ao fim de algum tempo, quando entram do ginásio, eles próprios têm expectativas ou de não serem agredidos, ou de terem a oportunidade de serem mais responsáveis… eles vão adquirindo estas expectativas que depois não vêem nas salas de aula, ou no parque de jogos nem mesmo em casa. Eles sabem que é diferente. […] E, eles avaliam-se sempre mais baixo em relação às outras aulas que dentro do ginásio: claro dizem eles, nas aulas é mais difícil, aqui é mais divertido, lá há muita gente a deitar-nos abaixo. Eu estou sempre a tentar que eles vejam a ligação, isso é o mais importante. (D. H.)

Escartí manifesta as suas expectativas em relação à capacidade de

aprendizagem e de transferência da aprendizagem nas crianças e jovens.

A transferência é uma capacidade intelectual que os miúdos aprendem, temos que ir falando com eles explicando-lhes que o que aprenderam hoje é para aplicar em casa ou nas aulas e que o que acabam de aprender lhes servirá para outras coisas. […]

[…] neste programa trata-se de dar autonomia aos miúdos – empowerment - para que possam ir gerindo a sua vida e uma das premissas da Psicologia que todos conhecemos é que para se ser autónomo tem que ter participado e escolhido as próprias metas. Daí que a partir do momento em que os alunos conseguem fazer as suas próprias normas e se comprometem a cumpri-las estão a ganhar autonomia, está-lhes a ser dada autogestão que é uma coisa básica para a responsabilidade. […] (A. E.)

Segundo Brustad, as expectativas de um professor ou monitor a respeito das

crianças, adolescentes e jovens passam por se acreditar que eles são capazes

de assumir responsabilidades, de avaliarem as suas ações e de se

comprometerem. Se o aluno não perceciona essa crença por parte do

professor, se não sente esta confiança, não há motivação para ficar aprender

(ou para ficar no programa).

Eu penso que o que se tem de fazer é: tem de se criar um ambiente onde os miúdos percebam que têm o poder de tomar as decisões que vão afetar as suas vidas. Se

Page 193: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

175

não acreditarem nisso, então não é suficientemente bom. Por outras palavras, eu posso-lhes dar a autonomia para tomar decisões, mas se eles não acreditarem que têm autonomia, realmente, não vale de nada. […] E digo: “… eu vou estar encarregado dos treinos, tu vais estar encarregado do condicionamento, vais estar encarregado disto, vais ser responsável por alcançar os objetivos do grupo e de…” - porque não me interessa se a equipa do António ganha. Interessa-me que o António desenvolva autonomia, aprenda autonomia. […]

[…] os miúdos conseguem perceber os níveis, por isso é muito útil como enquadramento para avaliarem o seu próprio comportamento […]

[…] eu penso que eles ficam, em primeiro lugar se realmente virem compromisso por parte dos adultos, se perceberem que os adultos estão seriamente empenhados nisso, se virem que os adultos estão lá porque querem ajudar os miúdos, esta é a única razão maior. (R. B.)

Parker apresenta uma visão muito positiva daquilo que se pode esperar de um

adolescente. Os seus objetivos dão disso conta.

Nenhuma criança vem a este mundo má, ou a planear ser má, ou a pensar que é dessa maneira que quer reger a sua vida. Não acredito que alguma criança realmente queira estar em sarilhos, ou que queira mesmo ser mal sucedida na escola, […]

Eu gostaria de ser capaz de ajudar crianças e estudantes universitários a serem a melhor pessoa que pudessem ser e eles poderiam ser pessoas responsáveis e produtivas, e felizes, bem-sucedidas neste mundo […] desenvolver estratégias para ajudar crianças ou pessoas a serem mais responsáveis. (M. P.)

Petitpas sublinha também o papel das expectativas positivas no perfil do

educador.

Têm de querer confiar na crença de que os jovens têm capacidades dentro deles […]

E para fazer isso como um adulto tem de se ter muita confiança na criança. […]

Se não pensar que os jovens são boas pessoas e vão fazê-lo sozinhos, então, provavelmente está a enviar as mensagens erradas, não verbalmente. (A. P.)

Finalmente, Martinek, chama a atenção para uma visão realista das

capacidades da juventude.

Conseguiam aprender a fazer por eles mesmos e responsabilizarem-se pelo trabalho. […]

Há que ser realista! Não podes mudar completamente um miúdo. […] O que vais obter, normalmente, são pequenas coisas. Don Hellison disse uma vez que é como se plantássemos sementes e esperássemos que uma pequena parte delas deem árvores, são as pequenas vitórias. […]

Temos boas experiências centradas em que os miúdos sejam o melhor possível enquanto estão connosco e na esperança de que levem algo disto lá para fora, para alguns resultará para outros não. […]

A verdade é que eles conseguem lidar com situações difíceis […]

Page 194: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

176

[…] e lidar com o facto de que há miúdos que nunca chegarão lá, há miúdos que vais perder. (T. M.)

e) Relação do adolescente com a escola

Que convicções manifestam os entrevistados sobre o estilo de relação que os

adolescentes estabelecem com a escola? Ressalta sobretudo uma diferença

grande entre a relação do jovem com a escola, com o “ginásio”67 e com a sua

comunidade, surgindo frequentemente referências comparativas às diferentes

culturas presentes em cada um dos ambientes.

São as seguintes as convicções de Hellison sobre o tópico.

A minha convicção é que o que eles fazem no ginásio poderiam fazer cá fora (outras aulas) mas, eles próprios dizem, é muito difícil, porque não têm apoio, não há clima nem envolvimento. É um problema que tem a ver com as relações com as suas amizades etc. […]

De qualquer maneira, eu penso que ao fim de algum tempo, quando entram do ginásio, eles próprios têm expectativas ou de não serem agredidos, ou de terem a oportunidade de serem mais responsáveis… eles vão adquirindo estas expectativas que depois não vêem nas salas de aula, ou no parque de jogos nem mesmo em casa. Eles sabem que é diferente. […] E, eles avaliam-se sempre mais baixo em relação às outras aulas que dentro do ginásio: claro dizem eles, nas aulas é mais difícil, aqui é mais divertido, lá há muita gente a deitar-nos abaixo. Eu estou sempre a tentar que eles vejam a ligação, isso é o mais importante. […]

Martinek referencia a criação de “contracultura” quando se faz uma abordagem

pedagógica diferente da da escola.

Especialmente na escola o que acontece quando implementas um programa desportivo é que crias uma cultura, uma cultura baseada no desenvolvimento (empowerment) dos alunos, dás-lhes capacidade de decisão, torna-os responsáveis pelas suas decisões sejam boas ou más. […] Criada esta cultura nos miúdos eles voltam para a cultura da sua escola e, a maior parte das escolas é exigente com os alunos no cumprimento das matérias escolares propriamente ditas com grande ênfase nas classificações, […] crias uma cultura diferente da cultura escolar e, para os miúdos, lidar com isto não é fácil. […]

Claro, e olhando mais adiante, mesmo na vizinhança (na sua comunidade) eles têm que ser “duros” e nós andamos a falar de respeito… nós podemos falar de respeito no nosso clube, de se respeitarem uns aos outros, os sentimentos dos outros, as suas individualidades e diferenças, mas quando se fala de respeito nos bairros destes miúdos estamos a falar de uma coisa diferente. Lá, “respeito”, quer dizer ser duro, não recuar, aguentar-se sozinho, e eles aprendem isto no seu bairro, com a sua família, com os seus pais. […]

Hawkson Lee, uma aluna minha, fez a sua dissertação à volta tema dos problemas culturais dos alunos que estão no clube da escola do primeiro ciclo, sobre como os alunos estavam a lidar com as barreiras culturais na escola e como estas barreiras os impediam de aplicar objetivos do clube na escola. Ela entrevistou alunos e professores e algumas conclusões confirmam o que já sabíamos: é dada grande

67

Entende-se por “ginásio” o espaço onde as atividades desportivas se desenrolam implementando-se o modelo de desenvolvimento da responsabilidade de Hellison.

Page 195: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

177

importância aos testes, os alunos sentem-se sob uma grande pressão porque estão constantemente a ser testados em relação à sua cultura.

3. 9. Formação profissional

No sentido de caracterizar com mais detalhe o perfil do educador que trabalha

com o Modelo de Responsabilidade, recolhemos as referências que fazem os

entrevistados em relação ao percurso e tipo de formação preconizados.

Referimos a formação académica inicial e a formação em exercício no modelo

de Hellison.

a) Em relação à formação académica inicial, temos uma referência de

Martinek sobre a importância dada aos conhecimentos relativos à

educação de valores e a programas alternativos.

Isto é um trabalho importante em termos da preparação profissional dos professores que hão-de trabalhar nos programas lá fora, nas escolas. Qual a importância dada a este tipo de trabalho – educação de valores – na formação inicial dos professores, na sua preparação profissional em relação aos modelos e programas de desenvolvimento de valores? […]

É que eu tenho a impressão de que cá68

o ensino é muito focalizado na preparação técnica. É uma questão a pensar esta da preparação dos professores […]. Eu coordeno uma disciplina de formação inicial de professores de EF há 4 ou 5 anos “Comunity Youth Sport Development”. Eu trabalhei sempre na formação de professores de EF mas desde que comecei com os programas pós-escolares e que os alunos começaram a vir ajudar-me e a ficar interessados nos programas alternativos para crianças, pensei, “vamos desenvolver um trajeto profissional nesta área”

Para isso são necessários profissionais que promovam o desenvolvimento dos jovens, baseado no desenvolvimento de valores. Temos nesta opção uns trinta estudantes, não são muitos mas isto também não é para qualquer estudante. (T. M.)

Parker fala também do desenvolvimento positivo como conteúdo do seu

programa de formação inicial de professores.

Então agora “positive youth development “ faz parte do meu programa para as minha turmas na universidade. (M. P.)

Brustad expõe que para si mesmo, tem sido muito importante a aquisição de

conhecimentos no âmbito da Psicologia Social e da Psicologia do

Desenvolvimento. Este especialista refere também que a formação não pode

ficar apenas pelos conhecimentos do âmbito das ciências do desporto.

68

Martinek refere-se à formação de professores em Portugal.

Page 196: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

178

Mas eu penso, igualmente, eu penso que algumas das coisas mais interessantes são: Psicologia da Comunidade e eu nunca li muito sobre Psicologia da Comunidade, isso é fascinante; e Psicologia Cultural e muitas coisas como até com imigrantes, lidar com crianças imigrantes, e ver como, tal como aqui na Europa, nos Estados Unidos, eles têm vindo a usar arte, música para a integração social […]

Mas algumas teorias acerca, teorias correntes, quero dizer, obviamente, eu penso que uma das mais úteis é a teoria da autodeterminação. Eu penso que essa é muito, muito útil. Mas também algumas das outras teorias de desenvolvimento social e teorias sociais como a de Roth e Breda, aqui o modelo ecológico e outro, no sentido de teoria comunitária eu estava a falar dos outro… esses são muito importantes, penso eu. E por isso, eu penso que corremos o risco se não, se só lermos literatura de desporto, ficamos… poderíamos realmente ficar cegos a fazer essas coisas. (R. B.)

b) Os nossos entrevistados fazem referência à formação profissional em

exercício, específica, sobre o Modelo de Responsabilidade. Hellison dá

conta do acompanhamento prático que oferece sempre que alguém

inicia o trabalho no referido modelo.

Trabalhamos com professores e com treinadores, da mesma forma, fazemos um trabalho de acompanhamento. Se alguém quer trabalhar assim digo-lhe: tudo bem mas quando eu venho trabalhar com os professores se o fizer uma só vez não vai resultar. Alguns ficarão com uma ideia, não mais do que isso e com os miúdos passa-se o mesmo. Eles têm que experimentar, exercitar e quanto mais melhor. […]

Quando vou a uma instituição começo por fazer uma pequena introdução. Depois gosto de saber quem se interessou e trabalho com essas pessoas. Finalmente pergunto-lhes: querem trabalhar assim? Muito bem então eu volto e apoio-os, converso com eles tentando entender o que está a funcionar bem e o que está mal de maneira a corrigirem. Isso é o que eu penso que podemos fazer na formação dos professores. […]

Vieram ter comigo porque queriam trabalhar com miúdos, queriam fazer este trabalho então tiveram que ir com as pessoas que aqui trabalhavam e trabalharem como eles, na mesma situação. Vão para a universidade, estudem desporto, psicologia, ou para serem professores, ou outra coisa qualquer mas, quando chegam aqui começam sempre por construir o nosso próprio programa e isto exige coragem, é preciso inventar um curso… (D. H.)

Escartí dá-nos alguns exemplos práticos de como funciona a formação de

professores.

Fizemos então um curso de trinta horas de treino, onde lhes explicámos como funcionava o modelo e tudo o que era necessário e assim começamos. […]

A primeira coisa que fazemos é explicar-lhes o modelo, vamo-lo introduzindo de forma participativa, p. ex., em relação ao respeito pelos outros: nas aulas tentamos ver quais são as condutas que podem ser representativas de respeito e quais são as que não são. Depois fazemos listas e trabalhamos em dinâmica de grupo. Também fazíamos role playing, p. ex., com dois fazendo de alunos e um de professor onde aparecia um conflito e perguntávamos como o resolveriam e como o resolveria uma criança. Desta maneira eles iam incorporando o sentido que tinham os níveis de responsabilidade. […]

«O que eles têm que fazer é interiorizar os valores, as normas, os objetivos que se perseguem e que depois sejam eles mesmos, pois se se lhes põe o tal espartilho não

Page 197: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

179

funcionam, pois no mínimo não se sentem bem com o que estão a fazer. A nossa experiência diz-nos que o mais importante é que aprendam as estratégias a aplicar com os miúdos e que os alunos, de alguma forma, obtenham benefícios com elas. […]

Temos também as entrevistas em profundidade aos alunos e aos professores que fizeram o programa e também temos o grupo de discussão com os professores e assim encontramos resultados que têm a ver com os miúdos mas que também têm a ver com os professores. (A. E.)

Brustad fala na preocupação dos próprios estudantes, que querem futuramente

trabalhar com as crianças e jovens, em terem oportunidade de fazerem alguma

formação em exercício.

São principalmente estudantes que vêm ter comigo e que querem estar envolvidos porque querem experimentar trabalhar com crianças. Isso surpreendeu-me - porque eu, como sempre trabalhei com miúdos, não tinha pensado nisso – mas muitos estudantes querem ser professores de Educação Física, portanto querem ser professores. Eles não estão preocupados com a parte de ensinar, estão preocupados se serão capazes de comunicar e entender-se com os miúdos. Eles dizem: “Não sei como entender-me com miúdos.” É trabalhando com miúdos que… não é ensinar basquetebol. Não é ensinar isto. Muitos vêm para terem a experiência e só precisam da experiência com miúdos pequenos. (R. B.)

Parker fala-nos da “perícia para ajudar” normalmente ausente das

preocupações dos formadores.

Quando eu os vejo, nós nunca demos aos pais ou nunca demos aos professores a perícia para ajudar... nós damos aos professores perícia para ensinar a ler ou, damos aos professores perícia para ensinar atividade física, mas não damos aos professores perícia para desenvolver artes do desenvolvimento juvenil positivo... (P. M.)

Em relação aos jovens professores que iniciam o trabalho de “mentores”

(específico do Modelo de Responsabilidade), Martinek refere o apoio teórico à

sua atividade docente.

Todos os mentores têm uma preparação/aulas, que sou eu que dou, onde aprendem sobre os adolescentes, os problemas da pobreza e os seus efeitos nos miúdos e nas famílias, sobre a afro-cultura, sobre a cultura dos outros países, uma vez que trabalham com crianças de países diferentes com orientações culturais diferentes, aprendem sobre o trabalho por objetivos, sobre competências de comunicação e outras coisas assim. (T. M.)

Page 198: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

180

3. 10. Prática reflexiva

Outra categoria introduzida a posteriori foi a capacidade do professor fazer a

sua própria introspeção, de se autoavaliar e de avaliar as suas práticas como

educador.

Começamos com Hellison que fala no seu trajeto pessoal em relação à

aquisição de hábitos de prática reflexiva.

[…] mas o mais importante é que me avaliei a mim mesmo e não me atribui mais do que um C+ durante todo o primeiro período: Setembro, Outubro, Novembro e metade de Dezembro. […]

Pergunto a mim mesmo até onde posso ir com eles? Sei o que é o meu ideal mais alto e sei qual é a realidade, o ponto onde comecei, – e há dias em que olho e digo – será que poderei avançar até ali ou não posso ir mais longe hoje – ou – talvez não hoje! – ou – este é um bom momento para ir mais além! É um processo mais de tentativa e erro para mim. […]

Mas quando olhamos para nós mesmos e dizemos: não gosto do que estou a fazer... […]

Diz às pessoas (professores com quem trabalha) que se avaliem a elas mesmas? (entrevistador)

– Digo. No livro (…) há uma lista de verificação com perguntas que faço para saber se estão abertos a este tipo de abordagem e quando lhes peço para responderem digo-lhes que não é obrigatório, que não são classificados por isso, serve apenas para lhes dizer se o tipo de trabalho que fazemos se lhe adapta ou não. (…)

As coisas que partilhei com as outras pessoas foram o resultado minha reflexão ao longo da minha carreira, as histórias que fui contando foram sobre o que tinha sucesso e sobre o que não tinha para ajudar os outros a iniciarem o seu trabalho com os jovens e a perceberem como é que eles agem… muitas das histórias que conto são as dos meus falhanços. […]

[…] o importante é começar por nos questionarmos sobre o que é que se está a fazer em cada dia, em cada aula. Saber o que é que estão a fazer. Sentar-se e escrever, e pensar o que é que vão fazer amanhã e no seguinte e verificar a consistência do trabalho. O importante é ver que resultados obtemos das aulas, que resultados do processo? (D. H.)

Em Wright esta preocupação introspetiva também está presente.

É olhar para os fatores desta forma e parar, e pensar: Então, o que é que eu preciso ajustar para isso, de forma a resolver esse problema, ou ultrapassar essa questão, como posso moldar isto de forma diferente?

Isto é o que me apetece – pensei como um miúdo na minha própria experiência, eu pensei – Esta é a minha oportunidade para esse tipo de vida. Este é o tipo de pessoa que eu quero ser. (P. W.)

Martinek fala da sua própria experiência de reflexão e também na experiência a

que foi assistindo noutros professores, como por exemplo, em Hellison.

Page 199: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação de Resultados

181

Refletindo sobre estas experiências apercebeu-se69

de que resultavam. […] Don sentiu que esta maneira de ensinar fazia parte da sua maneira de ser e daquilo em que acreditava e isso foi provavelmente o mais importante. […]

Tem que se encontrar tempo para nós mesmos, para nos afastarmos do trabalho, para sermos capazes de refletir. Este refletir pode ser simplesmente olhar um pouco para a janela, escrever o que correu bem o que não correu… é preciso tempo para nos afastarmos do que fazemos. Don (Hellison) refere esta necessidade muitas vezes. Como universitário eu posso trabalhar com as crianças e depois voltar para a universidade e entretanto ter esse tempo para refletir. Isto é fundamental. Se se está “ao serviço” continuamente não se aguenta! Tem que se cuidar de si mesmo. […]

Para mim duvidar de mim mesmo não é mais do que ser capaz de olhar para trás e pensar que é nisto que trabalho, é com isto que trabalho. Esta dúvida também nos mantém “no trilho” (com objetividade). Também pode ajudar conversarmos com alguém. […] agarra-te aos teus valores dá um passo atrás e pensa no que é que estás a tentar fazer? E isso não é sempre claro. (T. M.)

69

Martinek refere-se à experiência de Hellison nos primeiros tempos do DRPS.

Page 200: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Apresentação dos Resultados

182

Page 201: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

V Discussão

Page 202: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

184

Page 203: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

185

O propósito desta tese foi aprofundar o conhecimento sobre o como e o porquê

do sucesso do Modelo Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social

(MR) de Hellison no Desenvolvimento Positivo da Juventude (DPJ). Para tal,

estudamos o assunto com base no entendimento dos seus protagonistas,

procurando identificar os seus principais pontos fortes, potencialmente

transponíveis e úteis para outras situações e realidades.

Perguntámo-nos: Quais os fatores presentes no Modelo de Responsabilidade

são significativos, na opinião dos investigadores, para fomentarem o

Desenvolvimento Positivo nos jovens? O que é, para eles, relevante e que

orientações extraímos do seu discurso? Que caraterísticas dos professores ou

mentores (que perfil) ressaltam do discurso destes especialistas como

determinantes da qualidade dos resultados educativos obtidos? Para podermos dar cumprimento a estes propósitos iniciais, estruturou-se o

presente estudo qualitativo à volta de três grandes temas: o Desenvolvimento

Positivo da Juventude, o Modelo de Responsabilidade Pessoal e Social e o

Perfil do Professor. Como referimos já, no capítulo da metodologia, tentámos

evitar o viés resultante da possibilidade de que as declarações dos indivíduos

entrevistados pudessem ser afetadas pela consciência da participação em

estudo, provocando algum constrangimento ou responsabilidade resultante do

papel de entrevistado. Para tal, introduziremos a cada passo da análise dos

resultados uma triangulação com declarações dos mesmos em material não

produzido com o fim de servir especificamente esta investigação. Usamos, por

isso, artigos, textos de livros, de conferências e outro material escrito,

conferindo aos dados recolhidos estabilidade no tempo e consistência interna

(Stake, 2009). Para além disso, evocamos nesta dissertação referências de

outros autores, que se tenham dedicado ao estudo dos temas em apreço, de

forma a concretizar uma argumentação tão sólida quanto possível.

Por questões de clareza de exposição subdividimos o texto da discussão

seguinte em três subcapítulos, onde procurámos refletir e retirar asserções

sobre os assuntos que nos propusemos abordar.

Page 204: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

186

Page 205: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

187

1. Desenvolvimento Positivo da Juventude

O primeiro tema buscou, junto dos entrevistados, a definição de

Desenvolvimento Positivo da Juventude.

Atentando na frequência de determinadas ocorrências - referências a

conteúdos ou categorias – no discurso dos entrevistados, verificámos que

algumas se impõem (cf. Quadro 5). Esta frequência pode revelar-nos a

“atenção que o sujeito do discurso confere aos diferentes conteúdos

inventariados (…) ” (Vala, et al., 1999, p. 120), pois, embora a análise

quantitativa não tenha definido, por si só, a importância de determinada

categoria, permitiu, por vezes, uma triangulação que confirmasse o interesse

de determinado conjunto de dados.

1.1 . Origem do Conceito

Os participantes falaram de uma nova maneira de abordar o desenvolvimento

dos jovens de que foram tomando conhecimento a partir de meados dos anos

70, muito embora a denominação Desenvolvimento Positivo da Juventude só

tenha aparecido mais tarde.

É interessante a referência que fazem Petitpas, Brustad, Parker, Wright e

Hellison70 (referido nas entrevistas por Wright e Parker) ao facto de que, no seu

trabalho com jovens, promoveram Desenvolvimento Positivo da Juventude

muito antes de este aparecer como conceito teórico71.

Este facto é compatível com as afirmações de outros autores, de que falámos

na Revisão de Literatura, ao referirem que a experiência pedagógica não foi de

imediato acompanhada pela atenção dos académicos. Daí resultou que a

relação teoria/prática se estabelecesse mais recentemente (Benson, et al.,

2006), como ficou patente no capítulo da Revisão da Literatura.

70

Para facilitar a busca dos excertos dos textos das entrevistas, em todo o capítulo “Discussão” referenciaremos, em nota de rodapé, as páginas respetivas, quando se trate de uma referência interna, isto é, de uma referência a textos transcritos no capítulo “Apresentação de resultados”. As citações feitas com base nos dados ilustram e substanciam a discussão. 71

Cf. p. 115

Page 206: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

188

1.2. Definição do conceito

Os especialistas que entrevistámos utilizaram na definição do conceito

expressões tais como: “Dar poder”, “treinar a autonomia”, “ensinar a traçar

objetivos”, “ensinar técnicas de vida”, “ver as pessoas numa luz positiva”,

“tentando dar poder à pessoa”, “ajudar a que encontre o sucesso de uma forma

apropriada”, “centrar na criança como um todo”, “desenvolvimento integral” e

“em relação com a vida da criança” “construção de futuros possíveis”. Nas

expressões utilizadas por Petitpas, para definir Desenvolvimento Positivo da

Juventude em poucas palavras, surge uma expressão a que deu relevo,

servant leadership72 73.

A esta expressão é também dada importância num capítulo de um livro em que

colaboram, como autores, três dos nossos entrevistados: Parker, Martinek e

Hellison. No referido livro, de título “Youth Development and Physical Activity:

Linking Universities and Communities”, é defendida a ideia de que a liderança é

antes de mais uma atitude de serviço e que um educador, que se oriente por

esta teoria, adapta a configuração do seu trabalho em função daqueles a quem

presta o serviço de educar (Hellison, et al., 2000, p. 201). Também nas

referências de Martinek, esta ligação do Desenvolvimento Positivo à criação de

oportunidades de liderança responsável é clara. Diz ele: “Eu acredito que todos

os adolescentes têm potencial de liderança, quando dada a oportunidade e

orientação”.

As expressões utilizadas reportam claramente o conceito de Desenvolvimento

Positivo da Juventude para uma conceção de jovem como pessoa com

potencial a quem se “devolve” o poder para se desenvolver e que deve ser o

centro da preocupação educativa (Roth & Brooks-Gunn, 2003). A ideia central

do Desenvolvimento Positivo da Juventude é, segundo estudos de revisão

72

Este conceito é introduzido na gestão e contexto organizacional empresarial por Robert Greenleaf, por volta de 1997. O modelo servant leader é baseado no trabalho em equipa e na comunidade, procurando envolver os outros na tomada de decisão. Fortemente assente no comportamento ético e atencioso, tenta melhorar o crescimento pessoal dos subordinados, através do cuidado e da qualidade das relações nas instituições. Desde cedo investigadores estudiosos da liderança no desporto aplicaram teorias das áreas de negócios e da indústria ao fenómeno desportivo, pois este possui muitas das caraterísticas do ambiente empresarial. Este tem sido também o caso do modelo servant leader (Rieke, Hammermeister, & Chase, 2008). 73

Cf. p. 104

Page 207: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

189

muito recentes, a perspetiva de que o jovem tem, em virtude da sua

plasticidade, um grande potencial de mudança do curso do seu

desenvolvimento (Glaspie, 2011).

Os nossos entrevistados enfatizaram, com o seu discurso, essa perspetiva.

Sublinharam a visão positiva que o Desenvolvimento Positivo exige por parte

dos educadores, levando-os a focarem a sua atividade nas qualidades em

desenvolvimento nos jovens, promovendo as capacidades e habilidades

necessárias para enfrentarem a vida com competência. Distinguiram esta

abordagem da “prevenção de problemas” juvenis, salientando as diferenças

entre os modelos de abordagem dos défices (negativos)74 e os modelos que

visam a promoção das potencialidades (positivas) dos jovens75 76. Para além

disto referem o facto de os programas de Desenvolvimento Positivo da

Juventude abordarem o seu objeto de trabalho, a criança e o jovem, de forma a

promover o seu desenvolvimento holístico77.

Em material publicado anteriormente pelos entrevistados, encontrámos

referências que corroboram os resultados do presente estudo. Hellison refere

exatamente a necessidade de se adotar este tipo de abordagem, positiva,

dizendo que os serviços de apoio à juventude devem enfatizar a necessidade

que há de se construir sobre as “forças” do adolescente e de se desenvolver

todo o seu potencial. Continua Hellison dizendo que, mais do que focarmo-nos

nos seus problemas e mais do que afastá-los simplesmente da rua, interessa

querermos ajudá-los a serem aquela pessoa que são capazes de ser (Hellison,

et al., 2000).

Também Brustad e Parker (2005), num artigo referiram que programas de

Desenvolvimento Positivo da Juventude são promovidos para desenvolver

potencialidades existentes nos jovens e não para suprir défices, por isso

mesmo é suposto beneficiarem toda a juventude e não só alguma com

74

Cf. p. 117 75

Cf. p. 107 76

Cf. p. 114 77

Cf. p. 117

Page 208: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

190

problemas específicos. Mais tarde, Parker (2009) chama a atenção para esta

“abordagem positiva” não “remediativa”, sublinhando que evitar apenas os

problemas não assegura um desenvolvimento de todas as competências

necessárias para que os jovens venham a ter uma vida produtiva. Também

Wright refere a mesma preocupação de ir mais além do que simplesmente

evitar problemas. Diz ele que Desenvolvimento Positivo da Juventude é um

campo interdisciplinar ainda relativamente recente, que se carateriza por um

compromisso em ajudar os jovens a alcançar o seu potencial como pessoas

(Wright, 2009).

Petitpas, na sua definição, distingue “Programas de Intervenção”, cujo desígnio

é parar ou reduzir o comportamento negativo, de “Programas de Prevenção”

que procuram atrair o participante para atividades procurando mantê-lo longe

da possibilidade de fazer experiências negativas e, Programas de

Desenvolvimento da Juventude cujo objetivo está na aquisição e

desenvolvimento de competências (Petitpas, Cornelius, Raalte, & Jones, 2005).

Uma perspetiva positiva é dada por vários artigos de Escartí, em que o

Desenvolvimento Positivo da Juventude é definido como um crescimento da

pessoa de acordo com as inter-relações contínuas e dinâmicas que se

produzem entre esta e os seus contextos sociais, resultando no sucesso de

certas condutas funcionais que vão sendo valoradas ao longo do

desenvolvimento (Escartí, et al., 2009; Escartí, Gutiérrez, & llopis, 2010a;

Escartí, et al., 2011).

1.3. Objetivos

Em relação aos objetivos do Desenvolvimento Positivo da Juventude, nas

entrevistas evidenciam-se algumas expressões de forma repetida e explícita.

Tal é o caso da “autonomia”, da “autodeterminação”, do “empowerment”, da

capacidade para “tomar decisões”, da “responsabilidade” e da “liderança”78. Em

relação a esta última, o desenvolvimento da capacidade de liderar, Martinek

refere de uma maneira muito perentória a sua convicção dizendo “Eu

78

Cf. p. 104, 108, 110, 115, 116

Page 209: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

191

concentro-me no desenvolvimento de líderes dentro dos nossos programas de

juventude.”

Brustad refere enfaticamente na entrevista que a busca da “autonomia é a

chave” do trabalho com crianças e jovens, dizendo que há uma relação positiva

entre a autonomia e a motivação para aprender. Para além disso, Brustad

reforça a sua convicção sobre a necessidade de que os jovens aprendam

liderança.

Para Escartí, reforçar fatores de proteção assegura de forma mais sólida o

evitar dos comportamentos de risco, por isso, o Desenvolvimento Positivo da

Juventude tem como objetivo o fazer desabrochar uma série de habilidades-

chave que permitirão a crianças, adolescentes e jovens enfrentarem com

sucesso as dificuldades que encontrarão na vida. Para esta psicóloga, o

Desenvolvimento Positivo da Juventude trata da aquisição e potenciação das

cinco competências descritas pelo grupo de investigação de Lerner,

conhecidas pelos 5Cs, que permitem aos jovens adaptar-se eficazmente aos

diversos desafios da vida. Ela faz uma referência frequente aos objetivos da

Psicologia Positiva, como sejam, potenciar a autonomia, a responsabilidade e a

empatia (entre outros), transpondo-os para o Desenvolvimento Positivo.79

Verificando a produção escrita dos entrevistados, podemos encontrar as

mesmas convicções. Brustad refere nos seus artigos e nas conferências que

faz sobre o tema que a autonomia é um resultado esperado dos programas de

Desenvolvimento Positivo da Juventude (Brustad, 2008).

A busca das competências de liderança, como forma de devolver aos jovens a

sua capacidade de orientar a própria vida, está patente na literatura produzida

pelos entrevistados enquanto autores sobretudo no caso de Martinek, Hellison

e Parker (Hellison, et al., 1996; Martinek, Schilling, & Hellison, 2006). No livro

“Youth Leadership in Sport and Physical Education” (2009) pode ler-se de Tom

Martinek e de Don Hellison: “Para nós, ver as crianças a liderar e a ajudar os

outros eleva a resiliência para outro nível. A importância de tudo isto é

reconhecer que o desenvolvimento de liderança juvenil promove a aquisição de

79

Cf. p. 108

Page 210: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

192

comportamentos positivos saudáveis e reduz os comportamentos de risco”

(p.XIII). No mesmo livro, num outro capítulo, Melissa Parker reforça a ideia de

que os programas de desenvolvimento estão focados no empowerment e não

no controlo (sobre o aluno) e que no ensino há coisas mais importantes que os

conteúdos tais como o “empowerment, a responsabilidade e a capacidade de

liderança”.

Para Escartí, a relação entre objetivos da Psicologia Positiva e os dos

programas de Desenvolvimento Positivo está também patente nos seus

escritos: “Trabalhar com crianças para fortalecer habilidades adaptativas para

enfrentar o futuro tornou-se um tema relevante em Psicologia hoje, e ligado ao

conceito de desenvolvimento juvenil positivo” (Escartí, et al., 2010a, p. 388).

1.4. População alvo

Há acordo entre os nossos entrevistados em relação à abrangência da

população alvo nos programas de Desenvolvimento Positivo da Juventude. Por

exemplo, referem-na de acordo com as experiências profissionais de cada um,

estendendo-a desde a infância80 aos jovens adultos81, passando por todas as

etapas de desenvolvimento, abrangendo jovens dos dois sexos.

Para além disso, como já referimos, as atividades de Desenvolvimento Positivo

da Juventude desenvolvem-se com todas as crianças e jovens e não apenas

com aqueles que se apresentam em situação de risco ou com necessidades

especiais em alguma área de desenvolvimento82. Podem encontrar-se em

contexto escolar ou pós escolar, da escola elementar às universidades.

Apesar de se destinarem a toda a população, há, no entanto, programas que

se estabelecem em comunidades mais carentes ou problemáticas83 com o

objetivo de dar uma oportunidade de desenvolvimento à juventude dessas

comunidades. Um exemplo disso é-nos dado por Brustad através da sua

experiência pessoal de trabalho com famílias camponesas migrantes, pobres

80

Cf. p. 109 81

Cf. p. 115 82

Cf. p. 109 83

Cf. p. 107, 112

Page 211: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

193

que viviam da agricultura, outro exemplo é o de Melissa Parker com crianças

de uma reserva índia.

1.5. Enquadramento institucional

O enquadramento institucional dos programas de Desenvolvimento Positivo da

Juventude, segundo os entrevistados, pode ser muito variado. Desde logo, o

contexto pode ser escolar, dentro ou fora do currículo, ou como atividade extra

curricular. Outras experiências são enquadradas pelo desporto juvenil em

clubes ou em instituições localizadas na comunidade originária dos jovens.

Escartí que, como nos fomos já apercebendo, trabalha sobretudo no contexto

da Educação Física escolar, defende que o Desenvolvimento Positivo também

é possível neste enquadramento com algumas vantagens. Refere a esse

respeito que outros tipos de programa tendem a ser curtos no tempo e,

portanto, não permitem o atingir de alguns objetivos de desenvolvimento84

importantes.

Parker refere já ter trabalhado Desenvolvimento Positivo em contexto escolar,

quer nas aulas de Educação Física quer fora delas, antes e depois das

mesmas. O Desenvolvimento Positivo faz atualmente parte integrante dos

programas que desenvolve na universidade com os próprios alunos85 inscritos

num programa para formação de professores de Educação Física.

De uma outra opinião é Brustad86, argumentando que o número de alunos de

uma turma e o reduzido número de aulas semanais não permite que,

verdadeiramente, se construa um programa de Desenvolvimento Positivo da

Juventude. Este especialista manifesta, por isso, a sua preferência por um

enquadramento de atividade pós escolar ou mesmo de campo de férias e não

pela Educação Física curricular. Para justificar a sua posição, Brustad alega a

falta de tempo de empenhamento na atividade no caso das aulas de Educação

Física. Nos programas de Desporto (mais ligados ao rendimento) encontra o

tempo necessário ao desenvolvimento de programas de Desenvolvimento

84

Cf. p. 109 85

Cf. p. 115 86

Cf. p. 109

Page 212: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

194

Positivo, no entanto, é nos programas pós-escolares que vê o maior potencial

devido à liberdade de programação existente87.

Nos estudos escritos produzidos pelos entrevistados, podemos acompanhar o

trabalho desenvolvido por cada um em enquadramentos variados. Os extended

day programs, a que se refere Hellison no seu livro “Youth Development and

Physical Activity” (2000), consistem em programas cujo enquadramento é dado

pela comunidade no contexto da política de programas juvenis e que se

desenvolvem antes ou depois da escola, aos fins-de-semana, ou nas férias.

Esta oferta tem, segundo Hellison, a vantagem de poder ser aproveitada por

um leque maior de praticantes. Melissa Parker tem também artigos onde

claramente nos aparecem modelos de atuação conforme o Desenvolvimento

Positivo na Educação Física escolar (Hansen & Parker, 2009; Parker &

Hellison, 2001; Parker, et al., 1999) e noutro tipo de enquadramentos (Parker,

2008).

Salientamos também aqui os documentos produzidos a respeito do trabalho em

contexto escolar desenvolvidos por Amparo Escartí na comunidade Valenciana

a partir do final dos anos 90. Começando com adolescentes de risco de

algumas escolas, está hoje empenhada em projetos de Desenvolvimento

Positivo da Juventude que envolvem todas as escolas de uma comunidade,

desde a primária à secundária, no contexto da Educação Física curricular

(Escartí; Escartí, et al., 2009; Escartí, et al., 2006).

1.6. Meios e atividades

Apesar de salientarem que o Desenvolvimento Positivo da Juventude pode

servir-se de diferentes meios e atividades para promover o desenvolvimento

juvenil, tais como o teatro, a música, a dança, outras formas de arte, ou áreas

de interesse88, os nossos entrevistados chamam a atenção para a mais-valia

representada pelo Desporto (e pelas Atividades Físicas) como meio privilegiado

de Desenvolvimento Positivo.

87

Cf. p. 111 88

Cf. p. 112, 117

Page 213: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

195

A grande relação de alguns deles com o desporto poderia por si só justificar

esta preferência, no entanto, nas entrevistas falam de motivos intrínsecos à

própria natureza das atividades desportivas.

Petitpas diz-nos que o desporto é o “meio” onde os jovens se encontram, é

onde querem estar, e que, por isso, é por onde se pode começar89. Para além

disso, Brustad fala-nos do papel desempenhado pelo desporto nas

necessidades de desenvolvimento da criança, particularmente na necessidade

desta construir a sua identificação como alguém de êxito (o adolescente tem

necessidade de se sentir alguém que é bom na música, no teatro ou noutra

coisa qualquer). O desporto proporciona, segundo os entrevistados, uma

oportunidade de sucesso para muitos jovens 90.

A esta vantagem junta-se o facto de a atividade desportiva ser adaptável à

idade e às necessidades das crianças e jovens91 e de poder desempenhar um

papel muito importante no ensino de habilidades para a vida92, o que, segundo

Hellison, tem sentido no contexto do Desenvolvimento Positivo da Juventude 93.

Esta potencialidade do desporto resulta do facto de este ser verdadeiramente

uma “metáfora da vida”. Aí, deparando com situações, acontecimentos e

problemas que suscitam comportamentos, sentimentos e atitudes, os jovens

exercitam competências e consolidam valores de que necessitarão durante a

vida e que, em contexto desportivo, permitem uma intervenção educativa por

parte do adulto94.

Brustad e Parker (2005) defendem que a atividade física e o desporto são uma

excelente área através da qual se facilita o desenvolvimento positivo dos

jovens, uma vez que os jovens têm, na generalidade, uma forte atração natural

por estas atividades que, ao mesmo tempo, providenciam numerosas

oportunidades de interação estimulantes à mudança positiva.

89

Cf. p. 105 90

Cf. p. 105, 112, 116 91

Cf. p. 112 92

Cf. p. 117 93

Cf. p. 118 94

Cf. p. 109

Page 214: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

196

Apesar destas posições, os nossos entrevistados não atribuem ao desporto um

papel “automaticamente” importante no Desenvolvimento Positivo, não

reconhecem que o desporto seja educativo por si só. Hellison, por exemplo,

defende num artigo que nem o desporto nem a atividade física inculcam, por si

sós, valores como seus “produtos naturais” (Hellison, 1990b). A mesma opinião

é veiculada por Escartí quando diz, em documentos escritos, que a prática do

desporto não produz, por si mesma, desenvolvimento positivo mas que, para

isso ser possível, os programas desportivos devem ensinar, mais do que

competências desportivas, competências de vida (Escartí, et al., 2011; Escartí,

et al., 2005).

1.7. Estratégias pedagógicas

A atividade desportiva necessita, para se enquadrar na visão do

Desenvolvimento Positivo da Juventude, de estratégias apropriadas. Neste

contexto, os vários desportos e atividades são escolhidos de forma a servirem

os objetivos do Desenvolvimento Positivo. Como referimos no início deste

capítulo, esses objetivos do Desenvolvimento Positivo da Juventude vão no

sentido do empowerment, do desenvolvimento da autonomia, da capacidade

para a tomada de decisões, da responsabilidade e da liderança. Os

entrevistados referiram algumas estratégias pedagógicas promotoras de tais

desenvolvimentos.

Hellison, por exemplo, chama a atenção para que se aproveite a atividade

física como a estratégia base, através da qual os ensinamentos são feitos e

onde se exercitam os valores a transmitir95. Com esta recomendação, ele

desincentiva programas que utilizam o desporto como “chamariz” dos miúdos

para depois lhes fornecer teoricamente informações sobre temas que

consideram importantes. Para este especialista o valor da atividade física está

em, através dela, os alunos poderem descobrir o que é importante para o seu

próprio desenvolvimento, fazendo-o de uma forma integrada96.

Para promover a autonomia é considerado essencial que os jovens participem

ativamente nas tomadas de decisões. Para tal, é fundamental que se transfira

95

Cf. p. 116 96

Cf. p. 118

Page 215: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

197

poder do adulto para o praticante97 dando-lhe voz, permitindo-lhe fazer

escolhas durante a atividade, concedendo direito ao erro e desencorajando

atitudes que ridicularizam os outros98. Parker exemplifica este tipo de estratégia

sublinhando a importância de dar aos alunos a oportunidade de exercitar a

capacidade de escolher, desde as escolhas mais simples, como seja o colega

com quem se vai trabalhar, às mais complexas, como p. ex., o que é que o

aluno quer aprender99, ou até a conceção dos próprios jogos.

Ao mesmo tempo, e com o objetivo de desenvolver competências de liderança,

alguns entrevistados defendem que se promovam entre os praticantes

atividades de apoio aos mais novos e à própria comunidade100.

Estas estratégias permitem atingir o objetivo último do ensino que consiste no

desenvolvimento, no jovem, da capacidade de transferir para a vida aquilo que

aprende na escola, ou no clube, ou noutra estrutura educativa.

Ainda em “Youth Development and Physical Activity: Linking Universities and

Communities” (2000), Martinek afirma que, para levar jovens a terem uma

perspetiva positiva das suas vidas e da sociedade, se pode começar por

promover programas em que lhes deem poder e os valorizem. Também Paul

Wright, num artigo na Physical Education and Sport Pedagogy, escreve que,

para representarem um real contributo para o Desenvolvimento Positivo, os

programas devem refletir o compromisso de dar poder e voz aos jovens

(Wright, 2009).

Tom Martinek e Luiz Miguel Ruiz (2005) enumeram com detalhe algumas das

estratégias que promovem o desenvolvimento da capacidade de liderar, tais

como: reforçar as expectativas dos jovens como lideres, dar-lhes voz (direito de

opinião, de dizer o que sentem…), estimular a reflexão e reconhecer os seus

progressos e esforços em contexto de apoio aos mais jovens ou à comunidade.

Por seu lado, Hellison sublinha em vários artigos e livros a importância da

97

Cf. p. 113 98

Cf. p. 116 99

Cf. p. 116 100

Cf. p. 106, 110, 116,

Page 216: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

198

integração das estratégias referidas no contexto da atividade desportiva

(Hellison, 2003; Hellison, et al., 1996)

1.8. Fatores de sucesso

Para além das atividades e das estratégias escolhidas, há outros fatores a

condicionarem o sucesso de um programa de Desenvolvimento Positivo da

Juventude.

Para começar, a relação que o adulto (professor, treinador, mentor…)

estabelece com o jovem. Petitpas sublinha a importância dos “mentores” desde

a sua formação inicial, passando pelo treino e pela supervisão101. Mais adiante,

refere a qualidade da relação com a criança como fundamental, fazendo

depender o sucesso desta da capacidade do adulto em transmitir aos jovens o

seu interesse por eles. A partir desta perceção é possível que os jovens se

deem conta do seu próprio papel no grupo e na equipa, pois o adulto fá-los

sentir a importância da sua contribuição para o sucesso comum 102.

Toda esta dinâmica de relação está dependente do conhecimento que o

professor tenha das potencialidades e necessidades das crianças e jovens com

quem trabalha. Brustad diz estar convencido de que a Psicologia do

Desenvolvimento constitui a base teórica dos programas de Desenvolvimento

Positivo da Juventude e por isso o seu estudo e conhecimento é estrutural na

formação do professor 103.

É evidente, nas respostas recolhidas, a importância dada ao tempo de

interação adulto/jovem, não só pelo que este revela de dedicação e de

importância atribuída aos praticantes, por parte do adulto, como também pela

natureza dos objetivos dos programas de Desenvolvimento Positivo. Diz, por

exemplo, Escartí que a aprendizagem de competências para a vida é exigente

em termos de tempo, pois há que dar tempo às mudanças104. As respostas de

Brustad vão no mesmo sentido, uma vez que ele defende que é difícil atingir os

objetivos de Desenvolvimento Positivo quando se está condicionado pelo

101

Cf. p.105 102

Cf. p. 107 103

Cf. p. 110 104

Cf. p. 109

Page 217: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

199

tempo e por uma programação que ultrapassa a do próprio professor ou

treinador. Efetivamente, como já referimos, esta é uma das dificuldades que

Brustad apresenta para a aplicação de programas de Desenvolvimento Positivo

em aulas de Educação Física ou em treino desportivo em contexto de clube.

Também Martinek é perentório na sua convicção de que o tempo é

fundamental, uma vez que se trata de ensinar competências de vida que estão

absolutamente dependentes, na sua opinião, do tempo relacional partilhado

entre adulto e jovem 105.

Ainda assim, não deixa de ser interessante, verificarmos, que Escartí

desenvolve o seu trabalho em contexto de aula de Educação Física, sendo

numerosas as publicações onde dá conta de resultados positivos obtidos

mesmo com constrangimentos de tempo (Escartí, et al., 2009; Escartí, et al.,

2010a; Escartí, et al., 2011).

Para além da questão do tempo, é também relevante, para os entrevistados, o

rácio adolescente/adulto 106. Um número baixo de adolescentes sob a

orientação de cada adulto, para além de representar atenção individualizada,

representa também um tempo de empenhamento na tarefa mais significativo e

implementador do desenvolvimento dos jovens envolvidos 107.

Poderemos dizer, a partir das respostas que obtivemos, que só com um

número de jovens limitado e um tempo de interação considerável é possível

estabelecer relações significativas entre professor e aluno, ficando, no entanto,

a ideia de que o rácio e o tempo ótimos podem ser diferentes para diferentes

professores, realidades e enquadramentos do programa.

Outro fator de sucesso realçado nas palavras dos entrevistados é a

necessidade de providenciar um ambiente de qualidade. Referido por todos,

este ambiente resulta de várias coisas. Desde logo, a garantia do clima de

segurança física e psicológica é fundamental e depende de uma atmosfera

105

Cf. p. 117 106

Cf. p. 113 107

Cf. p. 114

Page 218: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

200

composta por uma série de fatores mais e menos objetivos. A segurança será

dada pelo ambiente agradável e divertido, pela certeza de que não se será

agredido física ou verbalmente, de que não se será ridicularizado, de que

aquilo que cada um diz interessa e de que as opções feitas serão cumpridas. O

clima de segurança está também muito dependente das convicções dos jovens

acerca da fidelidade do professor, das relações positivas (significativas)

estabelecidas entre pares e com os adultos, e do suporte exterior ao programa,

por exemplo, no caso de se proporem atividades comunitárias108. As palavras

de Petitpas resumem a tarefa do professor na criação deste ambiente de

qualidade quando diz “[…] o nosso trabalho é criar lugares que sejam física e

psicologicamente seguros, onde eles [crianças e jovens] queiram experimentar

coisas e ajudar pessoas, ser expostos a experiências diferentes de forma

segura”109.

Para além destes fatores, Hellison chama a atenção para a importância do

trabalho das competências motoras e desportivas que, também este, só

alcança verdadeiro significado no contexto do Desenvolvimento Positivo se

está em relação com a vida. Esclarece ele em linguagem coloquial “[…] não se

poderia dizer que se está a fazer alguma coisa se não tem relação com a vida,

se não tem a ver com ajudar o miúdo a melhorar-se a ele mesmo na vida. Para

mim isso é o positivo, […]”110.

1.9. Enquadramento teórico

A subcategoria “Enquadramento teórico” é realmente uma das três menos

referidas pelos nossos entrevistados. Este facto deve-se, talvez, ao tom prático

e experiencial de todas as entrevistas. Apesar da baixa frequência obtida, não

deixaremos de nomear alguns tópicos que foram aparecendo. São Escartí e

Brustad que se lhe referem, de forma expressa, no seu discurso, revelando

vários envolvimentos teóricos possíveis, tais como: Psicologia Positiva,

Psicologia do Desenvolvimento, Psicologia do Desporto, Psicologia

108

Cf. p. 106, 111, 114, 114 109

Cf. p.106 110

Cf. p. 118

Page 219: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

201

Comunitária, Psicologia Cultural, Sociologia, Justiça Criminal, Teorias do

Desenvolvimento Social e Teorias Sociais 111.

Em termos conclusivos, poderemos dizer que o Desenvolvimento Positivo da

Juventude é entendido pelos entrevistados de uma forma semelhante e

suportada pela literatura existente sobre o assunto. Também entre eles, como

acontece entre outros estudiosos, os termos usados na definição variam mas

não os conceitos base da definição. Claramente, o Desenvolvimento Positivo

da Juventude aparece como uma visão do desenvolvimento de todos os

jovens, atuando a montante da prevenção e da intervenção em situações de

risco ou remediativas, aproveitando e desenvolvendo potencialidades com

base nos recursos existentes nestes e no envolvimento.

Como objetivos fundamentais, os entrevistados apontam o desenvolvimento da

autonomia e da autodeterminação através de estratégias de empoderamento

(empowerment), da tomada de decisões, da responsabilidade e da liderança.

Também as capacidades relacionais e a empatia aparecem referidas como

objetivos desejáveis do Desenvolvimento Positivo da Juventude.

A população a que se destinam os programas assentes no Desenvolvimento

Positivo estende-se da infância aos jovens adultos, para indivíduos dos dois

sexos, em contextos institucionais variados que vão dos escolares aos de

ocupação de tempos livres. Integrando modelos de intervenção para a

população jovem em geral, referem-se intervenções para populações

problemáticas com diversos tipos de carências culturais e sociais, com

populações de integração escolar difícil seja por necessidades educativas

especiais seja por dificuldades de ordem comportamental.

As atividades que podem servir de veículo ao Desenvolvimento Positivo da

Juventude, segundo os entrevistados, são várias (formas de arte como a

música e o teatro e outras áreas de interesse dos jovens). A atividade

desportiva foi a que mais frequentemente apareceu nas referências

categorizadas.

111

Cf. p. 108, 110

Page 220: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

202

A riqueza deste tipo de atividade é justificada pela motivação dos jovens para a

atividade e pela potencialidade do desporto como metáfora da vida. Nele é

possível treinar uma multiplicidade de competências necessárias à mesma e é

exequível propor desafios motivantes, controlados, onde a experiência pessoal

e coletiva de êxito é viável.

A atividade física e desportiva, no contexto do Desenvolvimento Positivo da

Juventude, necessita de se valer de estratégias apropriadas e, neste ponto, as

referências atingiram grande frequência. Na opinião dos entrevistados, esta

permite que todas as componentes do desenvolvimento a integrem. Nesta

abrangência, a tomada de decisões, o exercício do direito a ter voz nas

decisões, a possibilidade de escolher e de responsabilizar-se, o estímulo à

reflexão e as estratégias de sensibilidade ao outro são as mais referidas. Todas

estas estratégias dependem, para o atingir dos objetivos dos programas, de

uma última, mas não menos importante: a transferência das aprendizagens

para a vida.

Outro tópico importante das respostas que estudámos foi o dos fatores que

condicionam o sucesso dos programas de Desenvolvimento Positivo.

As qualidades de relação do adulto, fundamentalmente com a criança

aparecem como determinantes para o sucesso. O tempo de duração da

intervenção é também de grande importância, não só pela natureza de

objetivos a atingir (de desenvolvimento) como pelo que este representa de

importância e confiança dedicada aos praticantes. Relacionado com este fator,

encontra-se o rácio adulto/jovem que, na opinião dos entrevistados, deve ser

baixo de forma a permitir estabelecer relações pessoais significativas.

O ambiente (ou clima) da intervenção é outro aspeto a considerar no sucesso

destes programas. Todas as recomendações orientam para a implementação

de um clima de segurança física e psicológica onde o aluno encontre

divertimento, onde saiba que terá direito a errar sem ser ridicularizado, onde as

decisões sejam cumpridas, onde o risco seja um desafio controlado.

Fomos, de certa forma, surpreendidos com a falta de referências ao

enquadramento teórico do Desenvolvimento Positivo da Juventude. Esta baixa

frequência pode decorrer do facto do Desenvolvimento Positivo não se situar

Page 221: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

203

claramente em nenhum domínio de conhecimento específico, mas sim

beneficiar do contributo de vários, tais como: Psicologia, Serviço Social,

Desporto e outros.

Outra constatação interessante foi a de que, no que se refere à matéria,

definição das caraterísticas do Desenvolvimento Positivo da Juventude,

psicólogos do desporto, professores de Educação Física em contexto escolar e

educadores em programas de extensão escolar ou extraescolar, apresentam

respostas compatíveis com uma visão do desenvolvimento juvenil de contornos

e conteúdos idênticos e bem definidos.

Page 222: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

204

Page 223: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

205

2. Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social

O segundo tema-eixo permitiu-nos caracterizar o modelo de intervenção de

Hellison (MR), através das respostas dos entrevistados relativamente ao tema.

Nesta parte da discussão, referente ao modelo de Hellison, contaremos

sobretudo (embora não exclusivamente) com a recolha feita junto dos

entrevistados que trabalham diretamente com o modelo, são eles, Hellison,

Escartí, Parker, Wright e Martinek.

2.1. Origem

Durante este processo verificámos que o Modelo de Responsabilidade de

Hellison teve origem na busca iniciada pelo autor no sentido de dar resposta às

necessidades educativas112 dum grupo de alunos, jovens marginais, por quem

ficou responsável, como professor de Educação Física. Partindo das suas

dúvidas, convicções e dos seus valores, Hellison inicia o seu trabalho

perseverando na prática pedagógica, no estudo, na reflexão e na permanente

introspeção e autoavaliação, chegando a uma forma diferente de abordar a

educação pelo desporto 113. Salientando, no seu discurso, o facto de ir

chegando à estrutura do modelo através de avanços e recuos é o próprio

Hellison que lembra a dificuldade sentida nas primeiras tentativas de

estruturação do Modelo de Responsabilidade 114. Também do ponto de vista

prático, as dificuldades eram grandes e iam do desinteresse muitas vezes

mostrado pelos alunos até à necessidade de encontrar um novo papel do

professor de Educação Física.

É no contacto com Hellison que alguns dos entrevistados - Martinek, Parker,

Escartí e Wright - tomam conhecimento desta nova abordagem da Educação

Física e do desporto de formação 115.

112

Cf. p. 121 113

Cf. p. 121 114

Cf. p. 121 115

Cf. p. 122

Page 224: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

206

A revisão de literatura (Buchanan, 2001; Cecchini, et al., 2003; Cutforth, 1997;

Hellison, 1978, 1985; Saskatchewan, 1999; Stiehl, 1993; Wuest, 1999) confirma

as declarações dos entrevistados em relação à paternidade do modelo.

Hellison partiu da sua inquietude profissional e de algumas convicções que se

lhe adivinham desde os seus primeiros escritos. Sem dúvida que buscava um

modelo de ensino humanista 116. Num documento de resumo de um debate

entre Hellison e Siendentop (1974, p. 24) em que o primeiro se estriba nos

conceitos do “humanismo” e o segundo defende o “behaviorismo” pode ler-se

deste último:

“eu gosto de debater e interagir com Don117; acho isso estimulante. Apesar de estar basicamente em desacordo com a sua visão (…) tenho que reconhecer que ele tenta melhorar a qualidade da formação profissional; ele tenta encontrar uma maneira de melhorar a experiência que os alunos têm da Educação Física escolar; ele é contra o uso de métodos punitivos e busca maneiras de conduzir a Educação Física de tal maneira que os alunos a valorizem mais.”

Num dos seus primeiros livros, “Humanistic Physical Education” (1973),

Hellison dá conta das suas dúvidas a respeito do papel da Educação Física no

desenvolvimento dos jovens, tal como era concebida no seu país. Algumas

crenças começavam a ser postas em causa por estudos onde se procurava

avaliar com objetividade os resultados obtidos com programas existentes. Pode

ler-se no referido livro:

“Mais, parece que os programas atléticos não “constroem o caráter”,[…] nem a transferência de valores do desporto para a sociedade está garantida, segundo a investigação disponível. Os estudos também tendem a desvalorizar afirmações comuns, tais como, todas as formas de atividade física diminuem a agressividade, a tensão e a ansiedade. […]. Para além disso, está mesmo instalada a dúvida sobre a convicção de que a maioria dos programas atuais de Educação Física promova o desenvolvimento da aptidão física [importante na ascensão social, referida como consequência natural no mesmo livro], comprometendo assim, pelo menos, uma parte do argumento de que o desenvolvimento social é um valor automático decorrente dos programas atuais. […] ainda precisam conceber-se programas que satisfaçam este objetivo e, em seguida, avaliar as aprendizagens resultantes” (p. 33).

Como dizíamos, o Modelo de Responsabilidade tem origem nas convicções e

valores de Hellison na sua prática pedagógica, e na permanente introspeção e

autoavaliação.

116

Cf. p. 123 117

Referência a Hellison.

Page 225: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

207

2.2. Objetivos

Após os primeiros anos, Hellison chega à definição dos objetivos agrupando-os

em duas dimensões: o desenvolvimento da responsabilidade pessoal e o

desenvolvimento da responsabilidade social118.

Das respostas dos nossos entrevistados é possível encontrar objetivos de

desenvolvimento juvenil que levarão à prossecução das duas áreas definidas

por Hellison. Referem, sistematicamente, a busca da autonomia e, com ela, a

autogestão das próprias vidas; pretendem trabalhar com os jovens o

empowerment, a reflexão sobre si mesmos e sobre o que os rodeia,

conferindo-lhes o poder de chegarem à vida adulta felizes, bem-sucedidos com

potencialidade produtiva; empenham-se no seu melhoramento pessoal, na

interiorização de valores transferíveis para a vida; pretendem, nos seus

programas, ensinar crianças a serem líderes, carinhosos, responsáveis e com

espírito de serviço e de contribuição positiva em relação à sua comunidade119.

Veem no modelo de DRPS de Hellison uma estrutura cujas peças se articulam

de forma a atingir as dimensões globalizantes da educação para a

responsabilidade, uma estrutura que proporciona o desabrochar de

competências de vida. Martinek chega mesmo a referir que, apesar de no caso

da Educação Física escolar os limites de tempo e de rácio podem ser

constrangedores da aprendizagem de skils desportivos, é possível desenvolver

as competências de vida, donde, conclui, estas são aquilo em que

verdadeiramente vale a pena apostar120.

2.3. Enquadramento institucional

Para além da Educação Física na escola, outras instituições são referidas

como enquadramentos possíveis do modelo de Hellison. Ele próprio nos dá

conta da necessidade de ir adaptando o modelo a cada situação diferente, seja

numa escola específica, num programa desportivo, num outro país, numa

paróquia, num prolongamento de aulas, num clube, numa escola alternativa,

118

Cf. p. 122 119

Cf. p. 123 120

Cf. p. 124

Page 226: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

208

num colégio de elite ou outra, numa escola primária ou numa universidade em

ensino público ou privado 121.

No contexto escolar ou noutro, é possível trabalhar o Modelo de

Responsabilidade, sendo que cada situação apresenta vantagens e

desvantagens. Desde logo, programas onde os praticantes estão de livre

vontade têm vantagem em termos de motivação122. Nos enquadramentos

escolares há sempre a possibilidade de um acompanhamento distendido no

tempo, por exemplo, de iniciar um programa na primária e seguir até à

universidade, se assim se entender. Foi neste contexto que surgiram trabalhos

de liderança juvenil (cujos “monitores” são estudantes universitários)

funcionando em colaboração com escolas básicas e secundárias e

faculdades123. Por outro lado, é interessante que os entrevistados que aplicam

na sua atividade o Modelo de Responsabilidade, embora reconheçam que o

contexto da Educação Física curricular tem alguns constrangimentos

(programas, obrigatoriedade de frequência e número de alunos, por exemplo),

não entendam que esses sejam limitadores para o sucesso do trabalho124.

Fazem sim referência à necessidade de fazer adaptações, buscando “a forma

mais ágil” de aplicar o programa atingindo os objetivos125. Uma das chamadas

de atenção neste sentido é-nos feita por Martinek, lembrando que, quando

intervimos junto de determinados grupos, criamos uma cultura que é diferente

da cultura escolar e mesmo da comunidade, criamos contracultura, e que isso

exige da parte dos miúdos adaptações nem sempre fáceis126. Esta dificuldade

verifica-se sobretudo quando se pretende passar das aprendizagens

contextualizadas na sessão do Modelo de Responsabilidade para a sua

aplicação na vida do dia-a-dia.

Em documento escrito, Hellison e outros colegas defendem também vantagens

dos programas que, apesar de funcionarem no espaço da escola ou não, são

121

Cf. p.124, 125 122

Cf. p. 125 123

Cf. p. 125 124

Cf. p. 126 125

Cf. p. 124 126

Cf. p. 126

Page 227: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

209

independentes do contexto da Educação Física, pois permitem uma maior

variação de conteúdos, mais flexibilidade de tempo, de composição de grupos,

de objetivos e globalmente de tomada de decisões pelos responsáveis

(Hellison, et al., 2000). Há, no entanto, outros estudos que suportam a

possibilidade de trabalhar o Modelo de Responsabilidade no contexto da aula

de Educação Física apesar de alguns constrangimentos provocados pelo

número de alunos e pelos programas das escolas. Este facto é evidenciado, a

título de exemplo, num estudo onde se conclui que o modelo oferece, nas aulas

de Educação Física, um instrumento útil para o desenvolvimento moral através

do desporto e da atividade física (Cecchini, et al., 2003).

No Canadá, na província de Saskatchewan, o Modelo de Responsabilidade foi

adotado pelo Ministério da Educação como orientação programática da

Educação Física do 1º ao 5º ano de escolaridade (Saskatchewan, 1999).

2.4. População

Escartí, Parker, Wright e Martinek, mercê de experiências de trabalho em

países e programas diferentes, apresentam nos seus discursos grande

variedade na população em que aplicaram o Modelo de Responsabilidade: as

idades, sexo, condição social e nível de ensino.

Tendo o Modelo de Hellison nascido num contexto de reabilitação para jovens

delinquentes, portanto para uma população com necessidades especiais, hoje

encontra-se ao serviço de todos os tipos de população desde a infância aos

jovens adultos.

Amparo Escartí, tendo-se dedicado nos últimos anos ao trabalho em escolas

públicas básicas e secundárias de ensino regular, em Espanha, iniciou os seus

estudos em DRPS, em Chicago, com alunos com perfil de risco127. Parker

trabalhou com um grupo pertencente a uma minoria étnica (numa reserva índia

no Utah) e dedica-se nos últimos anos a crianças da primária e alunos

universitários128. Wright tem-se dedicado também ao trabalho multicultural e a

crianças com NEE (necessidades educativas especiais), nomeadamente no

127

Cf. p. 126 128

Cf. p. 127

Page 228: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

210

âmbito da paralisia cerebral129. Martinek e Hellison trabalham com grupos de

adolescentes e jovens negligenciados, delinquentes e com dificuldades de

integração escolar e social. Ambos se têm entregado ao trabalho de formação

de líderes em clubes e em contexto de ensino universitário130.

A produção literária dos nossos entrevistados dá-nos conta muito detalhada

das suas intervenções educativas utilizando o modelo de DRPS de Hellison

(DeBusk & Hellison, 1989; Escartí, et al., 2010a; Escartí, et al., 2010b; Escartí,

et al., 2005; Hellison, 1985, 1990a, 1990b; Hellison, et al., 2000; Hellison, et al.,

1996; Hellison & Wright, 2003; Martinek & Hellison, 2009; Martinek, et al., 2006;

Martinek, et al., 2001; Parker & Hellison, 2001; Parker & Stiehl, 2005; Walsh, et

al., 2010; Wright, et al., 2010; Wright, et al., 2004).

Em numerosos outros documentos poderemos ter acesso a diferentes

intervenções pedagógicas realizadas por outros investigadores, utilizando o

modelo de DRPS, em populações e enquadramentos distintos (Balderson &

Martin, 2011; Cecchini, et al., 2007; Gordon, 2010; Gutiérrez, Escartí, &

Pascual, 2011; Hammond-Diedrich & Walsh, 2006; Hellison & Walsh, 2002;

Jiménez, 2006; Marín, 2007; Martinek & Hellison, 2009; Pardo, 2007;

Regueiras, 2006; Saskatchewan, 1999; Stiehl & Galvan, 2005; Walsh, 2007).

Num dos mais recentes livros escritos por Martinek e Hellison pode ler-se que o

Modelo de Responsabilidade “não é uma teoria sonhada numa torre de marfim.

Ele foi adotado e adaptado por muitos professores de Educação Física e por

outros tantos treinadores e responsáveis de trabalho com jovens, quer nos

Estados Unidos quer em vários outros países.” (Martinek & Hellison, 2009, p.

114).

2.5. Estrutura das sessões

Apesar da aplicação a populações diferentes, a estrutura das sessões131 (que

constitui em si mesma uma estratégia base) mantém aspetos comuns quer se

129

Cf. p. 127 130

Cf. p. 126, 128 131

Descrita no Capítulo de Revisão de Literatura p. 58

Page 229: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

211

trate de treinos, de aulas de Educação Física ou de ocupação de tempos livres.

Há um seguimento de tempos/momentos com funções determinadas, que

desempenham um papel importante no atingir dos objetivos, embora seja

reiterado pelos entrevistados que esta estrutura não é rígida e que pode e deve

ser adaptada de acordo com as necessidades dos diferentes cenários

pedagógicos.

Referem o tempo de aconselhamento (ou conversa individual)132 como tempo

importante para o conhecimento do aluno, da sua maneira de ser, dos seus

hábitos, das suas expectativas. Compreendemos aqui algumas das limitações

referidas pelos entrevistados (quando falamos do trabalho feito em contexto de

aula de Educação Física, ou no clube, ou noutro envolvimento) em relação ao

tempo de contacto e ao rácio adulto/jovem, pois estas variáveis de

enquadramento e de população condicionam o tempo que se pode dedicar a

cada um e daí a qualidade da relação individual.

Em relação à conversa de consciencialização, em que se pretende que os

miúdos tomem parte no desenvolvimento de Níveis de Responsabilidade

Pessoal e Social que se espera naquela sessão, ressalta-nos a ideia de que,

na opinião dos entrevistados, não é tão importante que sejam nomeados e

definidos mas sim que sejam realmente perseguidos. Wright di-lo claramente133

e esta ideia é abordada por outros que, no seu trabalho, preferem referir-se a

metas ou a outro tipo de desafios134. Importante parece ser que os níveis

estejam verdadeiramente nas intenções do educador. Não é determinante que

se proponham aos alunos em cada aula (ou sequência de aulas) determinados

Níveis de Responsabilidade Pessoal e Social, mas os praticantes têm que ser

desafiados a exercitar cada um deles seja qual for a denominação que se lhes

dê. O trabalho dos Níveis de Responsabilidade Pessoal e Social tem que ser

sistemático pois, tratando-se da aquisição de valores, exige tempo e os

progressos têm acelerações positivas e negativas135. Os níveis do modelo de

Hellison serão melhor representados por uma estrutura de sequência fluida do

132

Cf. p. 128 133

Cf. p. 129 134

Cf. p. 130 135

Cf. p. 130

Page 230: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

212

que por degraus rígidos136. Nessa estrutura há avanços e recuos sendo que

uns Níveis servem de pré-requisitos aos seguintes de uma forma mais

determinante. Martinek ilustra esta convicção dizendo que o não dominar

comportamentos básicos de 1º nível, que exige respeito pelos sentimentos dos

outros, criará grandes dificuldades aos níveis seguintes137, como será fácil de

entender se pensarmos, por exemplo, no 4º nível. Respeitando as diferenças

entre os vários jovens com quem trabalham os entrevistados referem que

frequentemente se estão a trabalhar níveis diferentes na mesma aula e que o

trabalho de um nível nunca se considera completamente acabado (para se

poder começar outro)138.

Por tudo isto, do que nos dizem os nossos entrevistados a respeito da

“conversa de consciencialização”, concluímos que é, para eles, uma parte

importante nas sessões que preparam para os seus alunos, sendo constituída

por uma conversa entre todos os intervenientes em que se propõem objetivos

normalmente envolvendo os Níveis de Responsabilidade Pessoal e Social.

Respeitando embora os estádios de desenvolvimento e as necessidades de

cada participante, este momento responsabiliza cada um pelas suas tarefas e

funções139. Mais adiante se falará mais especificamente dos Níveis de

Responsabilidade Pessoal e Social quando abordarmos as estratégias

pedagógicas do modelo.

Na reunião final de grupo avalia-se com os jovens a sessão em si140, no que

respeita a atividades e estratégias utilizadas, e faz-se a passagem para o

tempo de reflexão.

Particularmente nas palavras de Hellison, observámos a importância dada a

este momento em que o aluno é orientado para a autoavaliação do seu próprio

comportamento, para as metas atingidas e para as dificuldades encontradas.

Ele utiliza perguntas de reflexão141 ou o sistema de levantar o polegar ou outro

meio para levar os alunos à introspeção.

136

Cf. p. 129 137

Cf. p. 130 138

Cf. p. 129, 129, 129 139

Cf. p.130 140

Cf. p.129 141

Cf. p. 128

Page 231: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

213

Ainda referindo a estrutura da sessão, uma peça fundamental globalizante de

toda a ação educativa é a atividade física. No contexto do Modelo de

Responsabilidade, foi o meio privilegiado para que os objetivos de

desenvolvimento (seja físico, social, emocional ou cognitivo) fossem atingidos.

Esta é uma das primeiras convicções 142 de Hellison e ele deixa-o claro na sua

entrevista143 e nos seus escritos. Ele chama a atenção para a necessidade de

“integrar” na atividade os conceitos, as atitudes ou os comportamentos a

promover, pois este tipo de programas deve considerar a pessoa como um

todo. Os valores devem ser construídos no modelo, de forma a ter a força das

mensagens exteriores ao programa (do grupo ou “da rua”). Esta atitude

pedagógica é comum a outros entrevistados144 que referem que é durante o

tempo em que estão fisicamente ativos que os alunos aprendem. Parker, no

entanto, vai mais longe dando mais importância ao tempo de atividade física

que aos outros momentos da sessão145.

Os aspetos que sublinhámos em relação à estrutura da sessão são

corroborados pelas palavras escritas dos seus autores e de outros estudiosos

do tema. No seu artigo Beyond Violence Prevention in Inner-City Physical

Activity Programs, Hellison escreve:

“O tempo de reflexão, no fim de cada sessão, dá aos participantes a oportunidade de avaliarem em si mesmos até onde foram responsáveis (respeitosos, automotivados, etc.) nessa sessão. Autoavaliando as próprias atitudes e comportamentos, verbalmente ou por escrito, eles podem tirar conclusões não só sobre o que estão a fazer mas também até que ponto tais responsabilidades são importantes para eles mesmos” (Hellison, et al., 1996, p. 325).

Em toda a literatura produzida sobre o tema do Modelo de Responsabilidade a

consciencialização do próprio comportamento, a reflexão e a auto avaliação

são referidos como momentos de capital importância para o desenvolvimento

dos alunos (Escartí, et al., 2005; Hansen & Parker, 2009; Hellison, 1985;

Martinek & Hellison, 2009; Pardo, 2008; Walsh, et al., 2010). A título de

exemplo, citamos Rodrigo Pardo que, nas conclusões da sua tese doutoral,

sublinha a importância do tempo de reflexão dizendo:

142

Descrita no Capítulo de Revisão de Literatura p. 43 143

Cf. p. 128 144

Cf. p. 129, 129 145

Cf. p. 129

Page 232: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

214

“É preciso um tempo de reflexão na aula de EF. No final da sessão acontece um “retorno à calma”, momento muito apropriado para aprofundar as atitudes e comportamento que se foram tendo. Esta reflexão não deve ser dirigida só aos alunos mas também ao professor para que, desta forma, melhore o seu trabalho docente” (Pardo, 2008, p. 391).

A esta ideia voltaremos quando nos debruçarmos sobre o perfil do professor.

Escartí, no seu livro “Responsabilidad Personal y Social a través de la

Educación Física y del Deporte” (2005, p. 44), chama à atividade física no

contexto do Modelo de Responsabilidade “a responsabilidade em ação” e

explica que é durante as atividades desportivas ou habilidades físicas que os

estudantes aprendem a comportar-se com responsabilidade de acordo com os

objetivos propostos para esse dia. No mesmo parágrafo, diz que qualquer

atividade pode ser útil para ensinar responsabilidade, desde que seja

motivadora para os estudantes. Esta afirmação leva-nos ao ponto seguinte da

nossa discussão.

Diremos, apenas, para finalizar a questão da estrutura das sessões que,

comparando as respostas dos entrevistados com as suas declarações escritas

noutros documentos e mesmo com trabalhos de outros autores, confirmámos

que a estrutura das sessões é uma estratégia original de Hellison que se

mantem, ao longo dos mais de 30 anos de aplicação do Modelo de

Responsabilidade, sem grandes alterações no seu esqueleto base, o que nos

pode fazer pensar que é uma das caraterísticas do modelo com

responsabilidade no seu êxito.

2.6. Meios e atividades

Debruçando-nos mais profundamente na subcategoria dos meios e atividades

através dos quais se atingem os objetivos do Desenvolvimento da

Responsabilidade Pessoal e Social, concluímos que todos os entrevistados que

trabalham o modelo utilizam globalmente as atividades físicas e desportivas

como fomos verificando ao falarmos da preocupação em integrar a aquisição

de valores no conteúdo prático da aula/sessão.

Page 233: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

215

É muito expressiva a declaração de Hellison, que recolhemos da entrevista,

onde diz que: o que os alunos querem é atividade, querem jogar, saltar, fazer

coisas146.

Também da recolha de referências das entrevistas concluímos que Escartí e a

sua equipa utilizam os desportos formais para todas as fases das unidades

didáticas desde o diagnóstico, à avaliação, passando pela criação de normas e

escolha de conteúdos147. Estes também são utilizados por Parker que, no

entanto, propõe atividades e jogos criados pelos próprios alunos de forma a

que possam trabalhar em grupos de atividades diferentes. Para além disso,

Parker responsabiliza os alunos pelo trabalho em autonomia através de

“contratos de compromisso” escritos148. Também Martinek procura desenvolver

a responsabilidade dos alunos através do desporto, mas desafiando-os a

apoiarem crianças mais novas integrando programas de tutoria149.

Deste grupo de entrevistas chega-nos também o registo do exemplo de Wright

que usa artes marciais – Tai Chi – para aplicar o modelo de Hellison.

Verifica-se, portanto, que, muito embora usando uma série de meios variados,

que vão dos contratos de compromisso ao trabalho criativo por parte dos

participantes, os entrevistados utilizam como meio e contexto educativo

primordial as atividades físicas e desportivas.

Confirma as nossas conclusões a produção escrita dos entrevistados e de

outros autores. Nos seus primeiros escritos sobre a importância da atividade

física e do desporto, Hellison defende que a atividade física é um excelente

meio de ensino, pois tem um grande potencial por conter variadíssimos fatores

emocionais, ser muito interativa e muito atraente (fator motivação) para os

praticantes (Hellison, 2003; Lee, 2009).

As virtudes desta opção pela atividade física e desportiva têm vindo a ser

suportadas por vários estudos. Zarrett, Lerner, Carrano, Fay, Peltz e Li,

(2008)150, num estudo em que verificavam a relação do compromisso dos

146

Cf. p. 131 147

Cf. p. 131 148

Cf. p. 131 149

Cf. p. 132 150

Cit. por (Holt, 2008), cap. 1

Page 234: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

216

adolescentes em atividades desportivas ou noutras (p. ex.: artísticas, religiosas,

ocupações remuneradas e atividades escolares) com desenvolvimento positivo

desses jovens, concluíram que a relação é positiva e maior no caso das

atividades desportivas embora existam diferenças de acordo com as variações

de participação.

No livro “Youth Development and Physical Activity: Linking Universities and

Communities”, na parte III, relatam-se programas (de DRPS) de tipo e

enquadramento muito diferentes, tais como: atividades de ar livre, educação

aventura, atividades de prolongamento escolar, clubes de tutores/monitores,

clubes inter idades e clubes desportivos pós ensino básico, entre outros.

Nestes clubes e centros praticam-se atividades físicas e desportivas que vão

dos desportos escolares mais tradicionais, como o Basquetebol, o Voleibol, o

Futebol ou o Atletismo, aos radicais, como a escalada, a canoagem, passando

pelas referidas artes marciais, pelos jogos de “campo” (nos acampamentos),

pelo fitness (treino da condição física) ou outros (Hellison, et al., 2000). A

existência deste tipo de programas corrobora a evidência de que, podendo

utilizar outros meios como auxiliares da ação educativa, o Modelo de

Responsabilidade é fundamentalmente um modelo de intervenção educativa

através do desporto e da atividade física.

Apesar da reconhecida riqueza do desporto como meio de desenvolvimento de

várias competências, na opinião de Parker e Stiehl (2005), também não é

completamente indiferente qual a atividade que se escolhe. Por exemplo:

muitos alunos sentem-se excluídos da atividade por não terem “jeito” para

determinado jogo, no entanto, aceitar e ser aceite é uma das competências

prévias à responsabilidade. Daí que seja preferível, nestes casos, não escolher

desportos que serão fatalmente eliminatórios para alguns e, em alternativa,

escolher ou criar atividades em que se assegure a participação de todos em pé

de relativa igualdade. Por outro lado, parece haver uma certa tendência para

importar para o programa aspetos antiéticos dos desportos mais populares, tais

como, determinado tipo de linguagem menos respeitosa e excessos

competitivos, embora alguns alunos se possam sentir inicialmente mais

motivados por este tipo de desportos (Hellison, 2003; Wright & Burton, 2008).

Page 235: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

217

No sentido de os jovens se sentirem integrados, mesmo jogando jogos mais

tradicionais (o que pode acontecer, por exemplo, no caso de um desporto

tradicionalmente masculino), Hellison propõe que se alterem as regras destes

provocando situações de participação e sucesso para todos. No caso do

Basquetebol, p. ex., pode impor-se a regra de “passa-por-todos”, que obriga a

que todos os jogadores de uma equipa tenham que tocar na bola antes de

lançar ao cesto. No caso do Voleibol também é possível usar os “três-toques-

obrigatórios” com o mesmo objetivo. O mesmo tipo de estratégias pode ser

utilizado habilitando muitos desportos para a sua prática dentro dos objetivos

do Modelo de Responsabilidade (Hellison, 1995).

2.7. Estratégias pedagógicas

Na categoria “estratégias pedagógicas” recolhemos informação sobre quais as

formas de atuar do ponto de vista pedagógico que os entrevistados usam e

consideram importantes.

a) As “estratégias pedagógicas específicas” no Modelo de Responsabilidade

foram as que reuniram maior frequência de referenciação (cf. quadro 6). Estas

estratégias resultaram diretamente do trabalho por níveis de responsabilidade

pessoal e social, tal como foi proposto por Hellison, e são o campo

experimental que permite aos praticantes aceder a níveis cada vez mais

exigentes de responsabilidade151.

Para o 1º Nível são propostos aos jovens comportamentos que geram atitudes

de “respeito pelos direitos e sentimentos dos outros”, permitindo que todos se

sintam bem no espaço da atividade e que se desenvolvam a partir daqui os

outros níveis.

A vivência de oportunidades reais de situações onde os alunos são chamados

a controlar e refletir no seu comportamento constitui a estratégia base. Não se

fala, ou constroem situações simuladas de falta de respeito pelos outros, mas

151

Cf. p. 142

Page 236: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

218

usam-se as que acontecem no ambiente natural da atividade152. A

consciencialização destas situações e do comportamento de cada um no

momento faz-se, por exemplo, através de perguntas diretas no momento ou no

tempo de reflexão. Hellison exemplifica algumas dessas perguntas: “como

esteve o teu temperamento?”, “Controlaste as «bocas»?”. Parker e Martinek

dão também conta da ajuda que é preciso dar aos jovens, criando

oportunidades de reflexão e de exercício deste nível de responsabilidade, para

que atinjam o autocontrolo necessário153.

Em artigos escritos, são referidas estas e outras estratégias, tais como: não

aceitar o uso de linguagem agressiva ou de “palavrões” (Martinek); estar atento

a qualquer forma de intimidação (bullying); dar orientações para o bom

tratamento do material e do espaço; treinar a resolução pacífica de conflitos

(Martinek & Hellison, 2009); fomentar a empatia fazendo exercícios de

observação dos colegas, dos seus comportamentos, do tom de voz, das

reações (Marín, 2007); providenciar listas de comportamentos expectáveis e

dar consistente feedback relativamente ao comportamento dos alunos (Wright,

et al., 2010); avaliar formativamente através de listas de verificação (checklist)

(Cutforth & Parker, 1996; Parker & Stiehl, 2005), incentivar o pedido do

“desconto de tempo” (time out) para se acalmar, para pensar, para avaliar e

canalizar reações (Escartí, et al., 2005); ouvir e não interromper quem fala

(Hansen & Parker, 2009; Parker & Hellison, 2001). Escartí e colegas (2009, p.

49) salientam ainda uma importante estratégia “O professor comunica-se de

maneira respeitosa dando exemplo”.

No 2º Nível os alunos são desafiados a participar nas atividades com esforço

pessoal. Através das declarações de Parker, de Martinek e de Brustad 154,

ficamos com alguma ideia das estratégias utilizadas. No entanto, a literatura

produzida pelos entrevistados e por outros autores é abundante nesta matéria.

152

Cf. p. 142 153

Cf. p. 142 154

Cf. p. 143

Page 237: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

219

Assim, em relação às estratégias específicas do 2º Nível, os artigos e livros

escritos pelos entrevistados, e por outros autores, confirmam o testemunho oral

dos mesmos. Hellison fala de se fornecer aos alunos uma variedade de

definições de sucesso pessoal de forma que eles possam, eventualmente,

desenvolver normas internas que sejam válidas para eles mesmos, por

exemplo, valorizarem o esforço pessoal mais do que o facto de ser melhor que

os outros (Hellison, 2003). Por isso, sugere-se que o clima da sessão seja

orientado para a tarefa, buscando a melhoria pessoal, utilizando variedade de

atividades e estabelecendo metas pessoais realistas e de curto prazo. A

escolha de atividades desportivas não tradicionais poderá ajudar à participação

evitando discriminações de sexo ou atitudinais (Jiménez, 2006).

Desafiam-se os participantes a desenvolver técnicas de autogestão e

reconhece-se-lhes o esforço e o progresso. As metas propostas, tendo em

consideração as necessidades e caraterísticas de cada um, podem ser

extremamente simples (o que não quer dizer fáceis), como por exemplo, trazer

roupa adequada para a atividade em questão (Escartí, et al., 2009; Escartí, et

al., 2005), cumprir um contrato pessoal, mesmo que custe e praticar fora do

tempo de aula (Parker & Hellison, 2001; Wright & Craig, 2011). O sistema de

louvor ou recompensa centra-se no reconhecimento do esforço, do progresso e

na melhoria pessoal (Marín, 2007).

“Participação e esforço” também inclui propor aos alunos fazerem tarefas ou

atividades que não lhes sejam familiares e ajudá-los a persistir no esforço de

as levarem até ao fim. O objetivo central deste nível é ajudar cada jovem a ver

a relação existente entre esforço e resultados e a desenvolver a motivação

intrínseca (Hellison, 1995; Hellison & Templin, 1991; Martinek & Hellison, 2009;

Wuest, 1999). Escartí, num estudo publicado em 2011, observa esta relação

dando conta de resultados que apoiam a hipótese de que a motivação

intrínseca para a atividade física se relaciona positiva e significativamente com

o trabalho da responsabilidade pessoal e social em contexto desportivo.

Em relação ao 3º Nível, em que se pretende estimular a autonomia dos alunos

promovendo a sua responsabilidade pessoal, os entrevistados referem várias

Page 238: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

220

situações em que, estrategicamente, é dada oportunidade aos alunos de

escolherem o que fazer e como fazer. Esta prática resulta da convicção dos

mesmo de que, como para a aquisição de competências desportivas, também

na questão dos valores, só é possível adquirir aquilo que se exercita. São

várias as referências ao longo do discurso de Parker que atestam esta

convicção 155. Wright diz a propósito de Hellison que ele acredita que só

“passando poder” aos jovens eles poderão ganhar autonomia156. O próprio

Hellison, por sua vez, refere que vai acompanhando o evoluir dos alunos

fazendo-lhes perguntas sobre as suas conquistas pessoais nesta competência

157. Escartí fala da construção das normas pelos alunos e a sua aplicação ao

comportamento próprio como uma estratégia que funciona 158.

A importância de “dar poder” (empowerment) aos jovens constitui uma das

grandes convicções de Hellison que referimos já na revisão de literatura159.

Esta encontra-se, portanto, sobejamente abordada em toda a bibliografia

relativa ao Modelo de Responsabilidade, nomeadamente no que diz respeito às

estratégias de desenvolvimento do 3º Nível.

Incluem-se nas estratégias promotoras de autonomia, o dar aos alunos tempo

livre para trabalharem habilidades desportivas, ou desenvolverem a sua

aptidão física, ou optarem em relação aos seus objetivos individuais em termos

de plano de fitness (Hellison, 1985; Parker & Hellison, 2001), ou ainda deixar

que escolham o seu próprio percurso, em determinada atividade (Hansen &

Parker, 2009). Este nível de responsabilidade envolve a tomada de decisões e

de escolhas. Para isso, é necessário que esta oportunidade seja explicitamente

criada (Wright, et al., 2010), “a autonomia começa com o aprender a trabalhar

sem supervisão direta” (Martinek & Hellison, 2009). Como estratégia para o

desenvolvimento deste 3º nível é muito importante a autoavaliação sistemática.

A aquisição de coerência nesta atividade trará ao aluno o realismo necessário

155

Cf. p. 144 156

Cf. p. 144 157

Cf. p. 143 158

Cf. p. 144 159

Cf. Capítulo de Revisão de Literatura p. 44

Page 239: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

221

para desempenhar tarefas importantes, tais como propor-se metas a curto e a

longo prazo (Escartí, et al., 2009).

O 4º Nível representa, em termos de desenvolvimento de responsabilidade

social, o nível mais alto e envolve o apoiar ou ajudar, liderar, orientar (treinar) e

ensinar os outros, demonstrando empatia e/ou preocupação, sem esperar

qualquer recompensa externa. Os alunos deverão aprender a pôr-se no lugar

dos outros. Para atingir tais objetivos, as estratégias, uma vez mais, exigem a

passagem de poder para os alunos. Parker relata na sua entrevista situações a

que assistiu em intervenções feitas por Hellison. Refere ela que, em vez de

intervir diretamente no trabalho das equipas, Hellison é apoiado por

“treinadores/alunos” e é a estes que dá as orientações. Dá-lhes feedback sobre

a forma como estão a orientar os outros e promove a sensibilidade e a empatia

160.

Também na produção escrita é chamada a atenção para esta estratégia. A

oportunidade de ensinar outros é usada para dar competência a cada um para

que este se sinta responsável pela aprendizagem e pelo bem-estar dos outros

(Martinek & Ruiz, 2005). Para chegarem a este nível de liderança é pedido aos

alunos que elogiem os seus pares dizendo, por exemplo, “boa!”, ou ajudem a

resolver pacificamente uma discussão ou ensinem o colega a fazer um

“lançamento na passada” (Martinek & Hellison, 2009; Martinek & Ruiz, 2005).

Outra estratégia consiste em pedir a um par que observe o outro a trabalhar e

que anote num “cartão de orientações” se estão a seguir os passos corretos.

Em seguida, trocam de posições os observados e os observadores e por fim

trocam feedback entre si e propõem uns aos outros formas de melhorar

(Parker, et al., 1999; Parker & Stiehl, 2005).

Na ajuda aos outros, é importante que os alunos aprendam a fazê-lo sem

arrogância e sem dogmatismo, ajudando apenas aqueles que querem e que

precisam de ajuda (Escartí, et al., 2005) evitando comportamentos

egocêntricos (Marín, 2007).

160

Cf. p. 144

Page 240: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

222

O 5º Nível é aquele que os entrevistados mais referem nas entrevistas. Em 46

categorizações feitas sobre estratégias específicas para desenvolvimento dos

Níveis de Responsabilidade Pessoal e Social, 25 referem-se a estratégias de

transferência, das aprendizagens feitas na sessão para o envolvimento exterior

(seja para outras aulas e atividades, seja para casa ou para a comunidade).

Este facto pode ficar a dever-se, por um lado, à importância decorrente deste

nível, uma vez que concretiza uma finalidade de toda a tarefa educativa –

generalizar a aprendizagem à vida da pessoa – e, por outro lado, à grande

dificuldade que todos encontram para promover tal finalidade161.

Os adolescentes têm dificuldade em fazer esta transferência de competências,

justificando-se este obstáculo, segundo Hellison, pelo facto de os adolescentes

não terem apoio nem clima de envolvimento fora do ambiente das sessões162.

Hellison diz mais: que a transferência de aquisições feitas nas sessões do

Modelo de Responsabilidade ou noutro ambiente desportivo não são

automáticas163. Escartí, Parker e Wright refletem a mesma convicção e

fundamentam que esta competência não se verifica de forma espontânea e que

carece de aprendizagem164.

Na mesma linha, Martinek aponta como grande dificuldade à transferência a

circunstância de as aprendizagens feitas em contexto do Modelo de

Responsabilidade constituírem, geralmente, uma contracultura em relação ao

resto da escola e à comunidade de origem do praticante. Esclarece, dizendo

que: uma cultura baseada na passagem de poder (empowerment) para o

aluno165 não encontra apoio, nem em toda a atividade escolar, nem em todas

as famílias e que, portanto, se criam dificuldades de transferência aos alunos

que, naturalmente, optam pela distinção de atitudes e comportamentos de

acordo com o meio em que estão a atuar166. Assiste-se, assim, a uma espécie

161

Cf. p. 145, 146, 147, 147 162

Cf. p. 145 163

Cf. p.145 164

Cf. p. 145, 146, 146 165

Cf. p. 147 166

Cf. p. 147

Page 241: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

223

de “esquizofrenia cultural” com os jovens a comportarem-se em cada ambiente

de acordo com a cultura imperante no mesmo.

Como estratégias que facilitam a transferência, são referidas as conversas com

os alunos, particularmente no momento de reflexão final da sessão, em que se

põem questões dirigidas, por exemplo, à aplicação que algum aluno tenha feito,

fora do ginásio, de alguma coisa que aprendeu durante a última aula ou

sessão167. Outra estratégia utilizada por Escartí, Wright e Martinek é de se ir

dando pistas durante as sessões da forma como podem aplicar em casa ou no

bairro aquilo que aprenderam. Isto faz-se conversando, explicando,

antecipando como é que se faz 168.

Parker refere a importância de conversar frequentemente com os alunos sobre

o que podem fazer depois da escola, chegando a planear com todo o grupo, a

promoção e participação em atividades comunitárias que facilitem a

transferência169.

Martinek avança com duas estratégias que podem ajudar o próprio profissional:

partilhar o trabalho que se vai fazendo com os outros professores170 e, em

programas onde isso seja possível, utilizar o “conselheiro” ou “tutor” (aluno

mais velho que acompanha individualmente os participantes no programa)

como pessoa que faz a ponte entre o que se faz no clube e a sua aplicação na

escola, ajudando o participante a centrar-se nos objetivos propostos mesmo

fora do contexto das sessões171.

Como já tinha ficado claro na revisão de literatura 172, a transferência da

aprendizagem deve ser uma preocupação educativa permanente. Martinek e

colegas, no artigo “Transferring Personal and Social Responsibility of

Underserved Youth to the Classroom”, fazem uma avaliação da transferência

feita por alunos de um programa de mentores, salientando que este é um

processo evolutivo lento e que conta com a existência de barreiras, tais como a

167

Cf. p. 145, 146 168

Cf. p. 145, 146, 147 169

Cf. p. 146 170

Cf. P. 147 171

Cf. p. 147 172

Capítulo de Revisão de Literatura p.44

Page 242: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

224

cultura escolar, os valores da competição desportiva, os valores das famílias e

a falta de confiança que os alunos têm fora do ambiente das sessões. Dizem

ainda: “ Descobrimos que a aplicação dos objetivos do Modelo de

Responsabilidade às aulas da escola, ao recreio, à vizinhança e a casa dos

participantes é o nosso mais formidável desafio” (Martinek, et al., 2001, p. 43).

Escartí encontra a mesma dificuldade quando aplica o Modelo de

Responsabilidade a uma classe de Educação Física do 1º ciclo, propondo

como estratégia para futuros estudos que o modelo seja integrado no resto do

currículo com o objetivo de que toda a comunidade educativa promova valores

e comportamentos similares (Escartí, et al., 2010a).

Para além da dificuldade de transferir atitudes e comportamentos adquiridos

pelos alunos em sessões de desenvolvimento da responsabilidade, Wright e

colegas referem no artigo “Transference of Responsibility Model Goals to the

School Environment: Exploring the Impact of a Coaching Club Program”, que é

muito difícil avaliar estas ocorrências quando se toma em consideração o

impacto social nas comunidades desfavorecidas, da pobreza, do racismo ou da

violência, para dar alguns exemplos (Walsh, et al., 2010).

Noutros textos produzidos pelos nossos entrevistados para livros e revistas da

especialidade, essa preocupação com a transferência das aprendizagens é

patente e corrobora as declarações feitas por eles para a presente

investigação. Hellison propõe uma conceção do ginásio como uma micro

sociedade onde os jovens são encorajados a experimentar novos valores e a

integrar essa experiência nas suas vidas do dia-a-dia (Hellison, 1990b).

Em 1985, Hellison refere a transferência pela primeira vez, num capítulo breve

com o título de “Going beyond the levels”, (Indo para além dos níveis) e, a partir

dessa referência, a preocupação de transferência está sempre presente nos

seus escritos, dando muitas vezes conta da dificuldade de a implementar e de

a avaliar (Hellison, 1985; Hellison & Walsh, 2002).

Wright (Walsh, et al., 2010) refere que são estratégias fundamentais de

transferência: focar a expectativa dos alunos em “futuros possíveis”, pois,

mesmo não sendo uma estratégia específica do Modelo de Responsabilidade,

claramente apresenta resultados positivos; discutir a transferência com os

Page 243: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

225

participantes no programa desde o primeiro dia pedindo-lhes para falarem das

suas futuras ocupações e, em seguida, propor sugestões para ajudá-los a

alcançar seus objetivos. Uma estratégia mais avançada seria ajudá-los a

planear etapas detalhadas necessárias para atingir seus objetivos, onde se

valorizariam opções e comportamentos consentâneos com os valores do

Modelo de Responsabilidade.

Também Parker refere nos seus artigos a estratégia de se irem dando pistas

em cada sessão sob a forma de aplicar as aquisições feitas nas sessões para

outros ambientes. Dá o exemplo do quadro referido por Masser (1990)173, onde

os alunos podem ver sugestões de situações em que se manifesta respeito nas

aulas, em casa e no tempo livre. Para além deste exemplo, reforça a

importância de aproveitar o tempo de reflexão como oportunidade de promover

a transferência (Hansen & Parker, 2009; Parker & Hellison, 2001).

Escartí, como referiu na entrevista, utiliza também preferencialmente a reflexão

feita com os alunos nos momentos de reflexão. Aí chama-lhes a atenção para

as consequências dos seus atos, quando agiram (ou não) responsavelmente,

de acordo com as aprendizagens feitas no programa do Modelo de

Responsabilidade (Escartí, et al., 2009).

Esta dificuldade, levantada à transferência de aprendizagens de um contexto

para outro, é realçada por outros autores e parece ser maior no caso das

competências sociais.

Por exemplo, João A. Lopes e colegas (2006, p. 95), apoiando-se nas “regras

cardinais” para o treino das competências sociais de WalKer, Ramsey e

Gresham (2003)174, dizem o seguinte: “As competências sociais são fortemente

contextuais e relativistas” e “O ensino das competências sociais é mais eficaz

em contextos e situações naturais”. Daí concluem, mais adiante, que “não é de

esperar que um tipo específico de comportamento, quando ensinado numa

“aula” se generalize linearmente às outras aulas”. No entender destes autores a

principal explicação para este fenómeno reside no facto de as competências

sociais se regerem pelo princípio da reciprocidade social, o que justifica que os

173

Cit. por Masser (2004) 174

Cit. por Lopes, Rutherford, Cruz, Mathur & Quinn, 2006.

Page 244: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

226

alunos possam apresentar em determinada situação um comportamento

perfeitamente adequado e noutra não, dependendo tal do comportamento dos

que o rodeiam175.

Outros autores corroboram as convicções dos entrevistados no que respeita ao

impacto da variedade de experiências proporcionadas. Perkins e Salomon

(1992) defendem que: a transferência pode depender da prática extensiva do

desempenho em questão em contextos variados para que se produza um

conjunto relativamente flexível de habilidades, facilmente evocadas em

situações novas. Os mesmos autores referem também as estratégias de

reflexão sobre o próprio comportamento como um processo que parece

promover a transferência de competências. As convicções destes autores

corroboram as afirmações dos entrevistados a respeito da complexidade da

competência de transferência das aprendizagens.

b) Continuando a discussão ao nível da categoria “estratégicas pedagógicas”,

onde se agrupam as estratégias globais do Modelo de Responsabilidade (que

se materializam em estratégias de aula mais simples), considerámos em

seguida a preocupação manifestada em “centrar o trabalho pedagógico no

adolescente”. Esta foi a estratégia global que maior número de referências

obteve, depois das estratégias específicas por nível.

As necessidades dos jovens com que primeiro contactou, ditaram, para

Hellison, a sua forma de trabalhar ao longo da sua vida profissional176. Estar

em sintonia com eles, sentindo quais as suas necessidades, foi a estratégia

base de Hellison, como professor, e condicionou a sua necessidade de

formação177. Para Hellison, o trabalho do professor é “para a criança” e ele é

veemente na forma como verbaliza esta sua convicção178. A mesma

preocupação, de centrar as estratégias de ensino na criança, é patente no

discurso de Parker179 e de Wright180, no entanto, este chama a atenção para o

175

Entende-se por reciprocidade social a tendência em responder a uma ação positiva com outra ação positiva, e responder uma ação negativa com outra negativa. 176

Cf. p. 134 177

Cf. p. 134 178

Cf. p. 135 179

Cf. p. 135

Page 245: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

227

facto de o conhecimento das necessidades das crianças obrigar à

individualização das estratégias (mesmo das específicas do Modelo de

Responsabilidade)181. Martinek está em consonância com os outros

entrevistados, referindo a necessidade de o professor se centrar sobretudo nas

forças e capacidades dos praticantes e reforçando também a necessidade da

atenção à individualidade de cada um182.

Em artigo publicado, Martinek sublinha a necessidade de se conhecer e

estudar as caraterísticas das crianças e dos jovens para que se possa centrar

neles toda ação educativa. Esta preocupação preside a formação dos

monitores dos programas (Martinek, et al., 2001). Também Escartí dedica a

primeira parte do seu livro às caraterísticas psicológicas e sociais das crianças

e jovens em que se devem centrar as decisões pedagógicas de professores e

de pais (Escartí, et al., 2005). Para Parker, esta preocupação de que o

programa seja centrado no jovem é clara no capítulo “Focus on Youth” do livro

“Youth Development and Physical Activity (Hellison, et al., 2000) e noutros

artigos e livros (Parker & Stiehl, 2005).

Outro autor, Sparks III (1993), refere esta caraterística do modelo de Hellison

dizendo que, mais do que se focar num tema subjetivo ou em conhecimentos, o

modelo dá importância à preservação da dignidade do indivíduo.

c) A estratégia “Empowerment” mereceu também um grande número de

referências por parte dos entrevistados, logo a seguir à atenção centrada no

adolescente. Na entrevista, Hellison, salienta esta estratégia como uma forma

de ensinar aos alunos o governo da própria vida e a maneira responsável de

lidarem com os outros183.

Escartí e Parker põem a tónica na necessidade de usar sistematicamente a

“passagem de poder”, de forma vivencial, nas sessões pois, defendem, só se

apreende a autonomia que se exercita184. Quando abordámos as estratégias

180

Cf. p. 135 181

Cf. p. 135 182

Cf. p. 135 183

Cf. p. 137 184

Cf. p. 211

Page 246: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

228

específicas do 3º Nível, verificámos que o empowerment surge como a

principal estratégia/objetivo e que se serve de outras para se concretizar. São

elas a escolha das própria metas, a participação em decisões, ter direito à

“voz”, ao erro, a responsabilizar-se por tarefas de treino etc. Fica claro no

discurso de todos que é uma tarefa primordial do professor, que exige a sua

intencionalidade e atos concretos de “dar poder” 185.

Uma vez mais, Martinek lembra que dar poder aos jovens é dar-lhes

capacidade de decisão (daí que empowerment é um objetivo do programa e ao

mesmo tempo uma estratégia para atingir o controlo da própria vida) e que

para isso é necessário confiar nas suas capacidades e responsabilizá-los pelas

suas opções sejam ela boas ou más186.

Na leitura de artigos e livros confirmámos, também, que o empowerment

constitui uma das convicções pedagógicas de Hellison presente nos seus

escritos desde 1973187. Este é, por isso, um dos objetivos do programa

sobretudo quando se trata de uma população negligenciada (Hellison, 1995;

Hellison & Templin, 1991; Hellison & Wright, 2003; Williamson & Hellison,

1992).

d) Uma outra estratégia referida por todos os entrevistados que aplicam o

Modelo de Responsabilidade, e mesmo por Brustad que o utiliza menos

intensivamente, foi da ”tomada de consciência”. Já referida também a propósito

das estratégias específicas por nível, nomeadamente quando abordámos a

transferência de aprendizagens188, a capacidade de “olhar sobre si mesmo e

refletir sobre a própria vida” é outra constante das atividades propostas por

Hellison e que ele mesmo facilita fazendo perguntas aos miúdos sobre o que

pensam do próprio comportamento ou das suas atitudes189. A mesma

estratégia de fazer perguntas que levem à autorreflexão, foi referida por

185

Cf. p. 138 186

Cf. p. 138 187

Capítulo de Revisão de Literatura p.44 188

Neste mesmo capítulo p. 226 189

Cf. p. 140

Page 247: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

229

Paker190, enquanto Martinek propõe exercícios de evocação da memória

seguidos de partilha e troca de ideias191. Brustad refere nas suas respostas a

utilização de diários, escritos pelos alunos e a auto classificação da

responsabilidade discutindo-a entre aluno e professor192.

Hellison escreve que referir e lembrar aos alunos os níveis para que tomem

consciência deles, não tem nenhum objetivo de “doutrinação”, mas apenas

fornecer-lhe ferramentas para que facilmente se reportem aos objetivos do

programa verificando as suas próprias conquistas (Hellison & Templin, 1991):

esta é a finalidade da consciencialização. Para além da consciencialização do

conteúdo comportamental de cada nível, a tomada de consciência do

comportamento próprio e do dos outros exige e exercita a capacidade de

autorreflexão que é uma habilidade necessária ao desenvolvimento da

responsabilidade (Marín, 2007).

e) A estratégia global de que falamos em seguida consiste na criação

“ambiente seguro”. Segundo Hellison, a falta de um ambiente que proporcione

a sensação de segurança física e psicológica aos jovens, condiciona toda a

aprendizagem e, mesmo que essa tenha acontecido dentro do ginásio, impede

a sua transferência para a vida do dia-a-dia. Refere que os alunos não

encontram noutras espaços (seja a escola, a casa ou o bairro) nem o apoio,

nem o clima, nem o envolvimento que encontram nas sessões de

desenvolvimento da responsabilidade, eles sabem que nestas poderão vir a

desenvolver competências e que não necessitam temer serem agredidos ou

mal tratados. Conta-nos a esse respeito que os seus alunos referem que nas

outras aulas é mais difícil, pois correm o risco de serem vexados. Para além

disso, dizem, não é tão divertido como nas sessões193.

O discurso de Parker vem ao encontro da mesma ideia. Ela sublinha o direito

ao erro nas suas aulas e a manutenção da liberdade de experimentar e de

190

Cf. p. 140 191

Cf. p. 141 192

Cf. p. 141 193

Cf. p. 132

Page 248: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

230

praticar para promover a responsabilidade e a autonomia194, sem medo de ser

expulso ou posto fora.

Wright defende a criação, por parte dos adultos, de um ambiente onde as

crianças se possam sentir realmente confortáveis. Nesse ambiente, estas são

motivadas a buscar a melhoria pessoal, quer no comportamento quer nos

outros objetivos, sem que se sintam pressionados no sentido negativo (em

relação ao ego) da competição. Segundo este professor, os alunos devem ser

“apropriadamente desafiados”, isto é, devem sentir-se desafiados pelas

atividades ao mesmo tempo que têm perspetivas de êxito realistas195.

Esta responsabilização do adulto, na criação do ambiente seguro, é também

referida por Brustad quando diz que é fundamental que os adultos, que lidam

diretamente com as crianças e jovens, não estejam constantemente a mudar,

pois isso não facilita a criação de relacionamentos positivos tão necessários

para que os mais novos tenham alguma perceção de controlo do ambiente196.

Wright, num artigo conjunto com outros autores, salienta a efetividade da

criação de um ambiente positivo e afetivo nos programas de DRPS que fideliza

os participantes (Wright, et al., 2010). Esta afirmação de Wright é confirmada

por estudos, quer de Hellison e Walsh (2002), quer de outros autores (Kahne,

et al., 2001). Hellison explicita esta ideia escrevendo que o ambiente do ginásio

deve ser de maneira a servir de suporte à aprendizagem, com interações

personalizadas, feedbacks positivos, dando pistas de sucesso e orientações

(verbais e não verbais) para controlo do comportamento. Aumentando as

probabilidades de sucesso o professor reduz a ansiedade e a insegurança do

praticante (Hellison & Templin, 1991).

Para a construção de um ambiente física e psicologicamente seguro, as

interações respeitosas entre pares são fundamentais no sentido de construir

confiança entre jovens e permitir-lhes disfrutar da sua participação desportiva

(Holt, 2008)

194

Cf. p. 132 195

Cf. p. 133 196

Cf. p. 133

Page 249: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

231

f) Respeitando o princípio do livre arbítrio, não há verdadeira responsabilidade

sem “tomada de decisões e escolhas”, daí decorre que esta vivência, a da

escolha, da opção, é fundamental para o desenvolvimento da responsabilidade

pessoal e social. Segundo as palavras de Escartí e de Parker, são várias as

situações em que se podem propor escolhas aos alunos. Por exemplo, na

composição das normas de funcionamento do grupo, os jovens propõem regras

e consequências de acordo com as situações que vão surgindo na prática197; e

em relação à própria aprendizagem podem escolher o grupo de trabalho, os

materiais ou mesmo o conteúdo. Por outro lado, dizem, o aluno vai ganhando

consciência de que há expectativas a respeito dele e das escolhas que vai

fazendo, dando conta das mesmas ao grupo. Desta forma, os jovens adquirem,

na opinião de Parker, capacidade de se auto direcionarem no ambiente de

aprendizagem198.

Podemos encontrar em Missy Parker outro exemplo da promoção da

responsabilidade. No livro “Personal and Social Resposibility” (Parker & Stiehl,

2005) declara que dar opções de escolha aos alunos favorece a tomada de

posições, a orientação da necessidade de controlo da própria vida, a

prevenção do comportamento disruptivo, o aumento do sentimento de

pertença, o reforço dos compromissos consigo e com os outros, e, o

fortalecimento do conhecimento das suas próprias necessidades sem magoar,

perturbar, ou prejudicar alguém.

Escartí também salienta que o Modelo de Responsabilidade fortalece a

juventude ao proporcionar-lhe segurança e relações positivas com adultos

significativos (Escartí, et al., 2010a).

g) Muito relacionada com as estratégias anteriores está a “avaliação

sistemática”. Todos os cinco entrevistados que trabalham com o Modelo de

Responsabilidade a referem.

197

Cf. p. 141 198

Cf. p. 141

Page 250: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

232

Um dos pontos comuns das respostas dos entrevistados é o facto de

considerarem que a avaliação deve ser diária199. Nas palavras de Hellison

nota-se uma preocupação muito ampla, abrangendo não só os alunos como a

ele mesmo e utilizando vários meios, tais como o auto questionamento, a

escrita e leitura dos apontamentos diários, a introspeção sistemática e a

avaliação dos resultados de tudo isto200.

Escartí dá o exemplo de listas de tópicos cujo levantamento é feito ao longo

das sessões, que depois são analisados e hierarquizados para serem tratados

por todos posteriormente. É a partir das decisões tomadas em relação a estes

tópicos que se definem as normas para o grupo201.

Wright mostra ter-se dedicado muito a esta questão da avaliação criando e

estudando instrumentos que avaliam variáveis específicas do Modelo de

Responsabilidade 202.

Por fim, Martinek relata-nos a sua experiência de avaliar através de diários e

também de uma avaliação mais informal, onde se dá conta das “pequenas

vitórias” que vai conquistando com os miúdos. Esta intuição observadora de

Martinek, prolonga-se mesmo para além da permanência dos jovens no clube,

mantendo contacto com eles, entrevistando-os e procurando saber qual o

reflexo do programa nas suas vidas203.

Hellison escreve, com o seu colega Templin, sobre a avaliação sistemática em

1991, salientando o papel da avaliação pois esta habilita, segundo a sua

experiência, o professor para ter acesso nas aprendizagens dos seus alunos e

na eficácia dos meios que vai utilizando. Ele sugere alternativas à

avaliação/testagem tradicional, tais como, a observação do contributo de cada

um durante o jogo, filmando, variando de avaliação qualitativa e quantitativa,

usando auto e hétero avaliação, diariamente com metas curtas, com fichas de

controlo etc. Sobretudo, Hellison acha importante que o professor avalie o seu

199

Cf. p. 133 200

Cf. p. 133 201

Cf. p. 133 202

Cf. p. 134 203

Cf. p. 134

Page 251: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

233

ensino, as suas aulas e as repercussões do seu programa (Hellison & Templin,

1991)

h) Quando abordámos a questão da estrutura das sessões falámos na

“integração” da aprendizagem na atividade física. Sendo um aspeto importante

da estrutura do Modelo de Responsabilidade é, por si só, uma estratégia

pedagógica reconhecida pelas palavras dos nossos entrevistados. Como tal, é

categorizada reunindo as referências feitas à potencialidade pedagógica da

atividade física como estratégia integradora de todas as outras estratégias.

Induzimos do discurso dos nossos entrevistados que, para eles, toda a

aprendizagem passa pela atividade física como meio vivencial de valores,

atitudes e comportamentos. Wright utiliza a expressão “integração sem

costuras” para transmitir a ideia de que a oportunidade de “aprender fazendo” é

uma estratégia base do modelo204. No mesmo sentido, Hellison recomenda que

não se façam “acrescentos” aos programas de desenvolvimento da

responsabilidade, atraindo os miúdos com a atividade física para depois lhes

tentar passar ensinamentos sobre temas da vida. Estes “acrescentos” não são

necessários, na visão de Hellison, pois toda a aprendizagem pode passar pela

atividade desportiva e depois ir sendo transferida para os vários aspetos da

vida205.

Escartí reconhece no modelo de Hellison esta forte componente estratégica

integradora, pois o clima de aula criado através da atividade física propicia toda

a aprendizagem, seja ela de competências motoras, pessoais ou sociais206.

Para Parker, a aprendizagem de responsabilidade pessoal e social deve ser

envolvida por um clima de relações significativas e integrada num ambiente

real. É esse ambiente integrador que cabe ao professor manipular

estrategicamente de forma a criar as situações de aprendizagem207.

204

Cf. p. 140 205

Cf. p. 139 206

Cf. p. 139 207

Cf. p. 140

Page 252: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

234

Dizia Hellison (1991, p. 92) que “A abordagem “integrada” pode envolver

simplesmente o ensino de conceitos no decurso de qualquer que seja o

conteúdo da aula” ou ir mais longe, apoiando o desenvolvimento de cada nível,

estádio ou objetivo através da própria atividade física. Mais tarde, o mesmo

autor escreve que um ensino focado apenas na aquisição de competências de

Basquetebol, ou apenas com o objetivo da recreação, não visa

obrigatoriamente a pessoa como um todo. Para tal, diz, deve ser capaz de

integrar a “fisicalidade” da atividade com os objetivos e estratégias de

desenvolvimento pessoal e social (Hellison, et al., 1996).

Pode encontrar-se esta ideia de que as habilidades físicas são o veículo do

ensino nos escritos dos outros entrevistados também (Escartí, et al., 2010a;

Escartí, et al., 2005; Parker & Hellison, 2001; Ruiz Pérez, et al., 2006; Wright,

et al., 2004)

i) A última estratégia global a que se referem os dados recolhidos das

entrevistas é a das “experiências de êxito”.

Partindo do princípio de que o ambiente ótimo para a aprendizagem é aquele

em que os jovens se sentem apropriadamente desafiados, Wright, chama a

atenção para a importância deste desafio proporcionar ao mesmo tempo

experiências de êxito que transmitam sensação de competência e de bem-

estar208.

É também através deste experimentar controlado que Parker conduz a

aprendizagem dos seus alunos. Ela refere claramente o facto de não estar na

aula para dar resposta aos seus alunos, mas sim para os fazer pensar no que

seria a melhor resposta a cada exercício ou desafio209.

As boas experiências, centradas nos participantes, são o maior garante de uma

boa transferência das aprendizagens para a vida fora do ginásio. Martinek diz-

se convencido de que, para pelo menos alguns deles, esta será a estratégia

certa 210.

208

Cf. p. 139 209

Cf. p. 138 210

Cf. p. 139

Page 253: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

235

Num artigo sobre o tema da transferência, Martinek salienta a importância de

se proporem aos jovens objetivos com significado para eles (para os quais se

manifestem motivados, p. ex.) e “pequenos”, isto é, atingíveis, passíveis de

êxito. Martinek justifica a sua recomendação dizendo que, “se um objetivo foi

desafiante e os benefícios de realização foram atingidos, os seus esforços (dos

praticantes) foram reforçados pela experiência” e portanto a motivação para

repetir saiu também reforçada (Martinek, et al., 2001, p. 33).

Estudos de outros autores são consistentes com a utilização deste conjunto de

estratégias pedagógicas referidas pelos entrevistados como caraterísticas do

Modelo de Responsabilidade de Hellison (Buchanan, 2001; Gordon, 2010;

Jiménez Martín, 2006; Masser, 2004; Newton, Watson, Kim, & Beacham, 2006;

Sparks III, 1993; Walsh, 2007; Williamson & Hellison, 1992; Wuest, 1999)

2.8. Fatores de sucesso

Nas questões iniciais da presente tese foi sublinhada a importância de

perceber quais eram os fatores de sucesso do Modelo de Responsabilidade,

para os nossos entrevistados.

a) Ao nomearem esses fatores, referiram em primeiro lugar o “Tempo”. Parker

declara que o tempo de interação com o jovem é um tempo de relação e, por

isso, é exigente211. Para Hellison, o desenvolvimento de uma relação é

demorado e ele justifica a ideia dizendo que, para que o adulto ganhe uma

posição de confiança e de liderança junto do jovem é preciso tempo, e, só a

partir dessa posição, é possível passar a liderança, a responsabilidade

(empower them) ao jovem212.

Escartí é da mesma opinião dizendo que a saída muito precoce dos alunos do

programa (ao fim de um ano, por exemplo) nem sequer permite uma boa

avaliação do trabalho feito213. Martinek faz referência à mesma preocupação e

211

Cf. p. 153 212

Cf. p. 152 213

Cf. p. 152

Page 254: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

236

explica que o ideal é manter os alunos em contacto com o modelo durante a

escola básica e a secundária214.

Hellison deixa no ar a questão de qual será o tempo ótimo para estar com eles,

adiantando a ideia de que o tempo certo é relativo, pois em cada dia se pode ir

mais longe.

Nos documentos que escreveram, Hellison e os outros especialistas

aprofundam esta ideia. Os programas curtos, por exemplo, de Verão têm algum

efeito imediato, escreve Parker, mas não provocam normalmente mudanças

definitivas uma vez que, ao ser novamente absorvido pelo seu ambiente de

origem (muitas vezes disfuncional), o jovem volta também aos antigos

comportamentos e atitudes (Hellison, et al., 2000). No seu trabalho, no âmbito

da atividade física adaptada, Wright e colegas (2004) referem como pouco

tempo de intervenção uma vez por semana durante 13 semanas e reconhecem

esta escassez como uma das limitações ao impacto do programa. A mesma

opinião expõe Amparo Escartí, declarando insuficientes quatro meses de

intervenção em contexto de Educação Física escolar para que se manifestem

mudanças significativas de comportamento (Escartí, et al., 2006).

Cutforth (1997), um dos professores que trabalha no Modelo de

Responsabilidade há mais anos, lembra que demora o seu tempo para que nos

apercebamos e compreendamos as necessidades dos alunos, especialmente

porque tratando-se de tempo de mudança social e cultural o compromisso

duradouro é fundamental para tal o êxito do trabalho pedagógico.

b) Em termos de frequência das referência registadas, a “Qualidade da relação

com o adolescente” é o fator de sucesso que vem imediatamente a seguir à

quantidade de “Tempo”. Poderemos pois retirar a ilação que o tempo de

relação, de contacto com o jovem, é fundamental mas a qualidade dessa

relação potencia o seu sucesso. Esta afirmação está patente nas palavras dos

entrevistados quando referem que não chega olhar para os jovens, é preciso

214

Cf. p. 153

Page 255: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

237

“vê-los como gente” diz Hellison215. Parker chama a atenção para a

necessidade de conhecer a pessoa para além do aluno no seu dia-a-dia para

que ele saiba que o professor se interessa por ele216. Paul Wright diz mesmo

que o estabelecimento de relações positivas com os alunos é mais importante

que qualquer plano de aula217. Martinek sublinha também, com termos

veementes, a importância desta relação, ao dizer que o impacto que um

professor pode ter num aluno pode ser muito importante para a sua vida, e que

este impacto se pode produzir não apenas em momentos muito importantes,

mas mesmo nas pequenas coisas [p. ex.: pequenos progressos]218.

Parker faz, num artigo em que se refere à capacidade de se ir “abrindo mão do

controlo”, uma referência à importância desta relação dizendo que a tradicional

recomendação de “não sorrir antes do Natal” tem o perigo de deixar pouco

espaço ao educador para ser ele mesmo. Por isso, continua, pode ser

importante manifestar alguma familiaridade, aprendendo a geri-la em aula a

favor duma relação mais educativa com os alunos (Parker & Stiehl, 2005).

Noutra ocasião, Parker e Martinek sugerem, entre outras estratégias para ser

um bom mentor, a partilha com os alunos de algumas coisas acerca de si

mesmo como sejam: hobbies, fotografias, situação casado/solteiro etc. pois, na

opinião dos autores, isso facilitará a relação de partilha, também por parte do

jovem, o que pode ser muito importante para o conhecimento desejável que o

adulto venha a ter do seu aluno (Hellison, et al., 2000).

Hellison recomenda que o professor seja honesto e genuíno na relação que

estabeleça com os adolescentes, no entanto, chama a atenção para um

tentação que frequentemente assalta adultos que querem estabelecer uma

relação pedagógica de qualidade dizendo, “Don’t Try to be cool”, isto é, não

tente ser “fixe”. Usar linguagem dos grupos de jovens (de rua) e os seus gestos

pode não ser o melhor. Na opinião de Hellison, mostrar respeito pela cultura de

215

Cf. p. 151 216

Cf. p. 151 217

Cf. p. 151 218

Cf. p. 151

Page 256: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

238

cada um assim como transmitir uma preocupação sincera pelo seu

desenvolvimento é mais importante (Hellison, 2003)

c) Um fator que mereceu menos referências que os anteriores mas que pela

relação estabelecida pela literatura nos pareceu igualmente importante é o

“Rácio” professor/aluno.

Hellison é perentório ao atribuir uma relação causal entre o número reduzido de

alunos por turma (no exemplo: doze a quinze alunos) e o progresso destes nas

aquisições de responsabilidade219. O número reduzido de alunos por grupo (p.

ex.: dez, doze) permite ir mais longe na “construção da relação pessoal”,

declara Wright220. Martinek reforça esta ideia apontando como número máximo

de praticantes os vinte e recomendando o trabalho perseverante com o grupo.

Na sua entrevista podemos ver esta recomendação nas repetidas vezes que

diz “Mantém o grupo pequeno!” 221.

Escartí e colegas (2007) relatam uma intervenção experimental em escolas

públicas em que trabalharam com grupos de vinte crianças para cada

professor. Já Wright, no seu trabalho com crianças com paralisia cerebral,

constituiu grupos de cinco a sete crianças obtendo resultados positivos

nomeadamente ao nível da integração social e dos níveis de responsabilidade

(Wright, et al., 2004). Num outro trabalho, o mesmo autor transmite a convicção

de que limitar o número de participantes num grupo enfatiza os vínculos e os

sentimentos de pertença (Wright & Kallusky, 2010). Martinek refere também,

num artigo sobre o projeto “Effort”, que a par de outras estratégias o número

pequeno de alunos por professor é recomendado pelos especialistas em

educação particularmente em setores sociais desfavorecidos em que a pobreza

e a falta de acompanhamento familiar e o envolvimento violento são mais

habituais (Ruiz Pérez, et al., 2006). Num estudo sobre a avaliação da

implementação de programas baseados no Modelo de Responsabilidade,

Hellison chama a atenção para a grande dificuldade sentida pelos professores

219

Cf. p. 152 220

Cf. p. 152 221

Cf. p. 152

Page 257: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

239

ao tentarem, no 5º Nível, fazer a transferência de aprendizagens em grupos

grandes. Nesse mesmo artigo, Hellison e Walsh apontam como sendo o

número de quinze alunos por classe o tamanho teoricamente ideal (Hellison &

Walsh, 2002).

d) Outro fator que parece importante para o sucesso do modelo, nas palavras

dos entrevistados, é o “Ambiente”. Já tínhamos dado conta desse facto, uma

vez que foi também referido como uma estratégia global típica do Modelo de

Responsabilidade222.

Referiremos aqui, uma vez mais, a opinião de Wright quando fala de um

ambiente “confortável”, estruturado, que transmita segurança e onde os

desafios sejam apropriados e permitam o êxito223.Parker partilha a necessidade

de criar um ambiente física e psicologicamente seguro, em que as situações de

aprendizagem surjam naturalmente com a prática (desportiva) da sessão e não

simuladas ou fingidas. Parker refere este ambiente chamando-lhe “natural”,

mencionando que nas sessões as situações de aprendizagem surgem sem

haver necessidade de as provocar artificialmente224.

Este fator de sucesso do Modelo de Responsabilidade é suportado pela

literatura referente às caraterísticas de um Programa de Desenvolvimento

Positivo que se podem encontrar na revisão de literatura da presente tese de

onde salientamos de maneira especial o trabalho de Roth e Brooks-Gunn 225 a

esse respeito.

e) A “avaliação” de todo o processo e do produto (as evidências de

responsabilidade) do modelo é fundamental e as fontes e instrumentos dessa

avaliação vão dos mais simples aos mais elaborados. Por exemplo, Hellison

fala do papel da intuição do professor, fala da importância de se escutar o

conteúdo das respostas dadas pelos alunos às intervenções do professor

222

Neste mesmo capítulo p. 229 223

Cf. p. 148 224

Cf. p. 148 225

Capítulo de Revisão de Literatura p. 31

Page 258: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

240

durante o momento de reflexão e àquilo que vão dizendo durante o processo

(alunos e outros professores) 226. Martinek segue as ideias de Hellison a este

respeito. Observa os alunos perscruta-lhes as expressões, observa a

capacidade de refletir e de lidar com a responsabilidade, observa e de regista

os comportamentos que indiciam “compromisso” da parte dos destes227.

Escartí já dá conta de instrumentos mais sofisticados e elaborados: grava em

vídeo, prepara registos objetivos de categorias de comportamentos

observáveis e ouve os professores nos seus grupos de discussão avaliando

dessa forma, não só, o impacto do modelo nos jovens, mas também, nos

adultos que os acompanham228.

Como referimos, a propósito das estratégias usadas pelos entrevistados na

aplicação do Modelo de Responsabilidade 229, todos os entrevistados referem a

importância da avaliação para o êxito do referido modelo, sendo muito

frequente a referência a esta categoria nos documentos produzidos por estes

(Escartí, et al., 2006; Hellison, et al., 1996; Martinek, et al., 2006; Parker &

Stiehl, 2005; Wright, et al., 2004).

f) A “objetividade e o realismo do adulto” são salientados por Martinek como

qualidades necessárias ao êxito neste trabalho. Nesse sentido, recomenda aos

professores o desenvolvimento da capacidade de esperar pelos resultados,

que não são imediatos, e, a valorização das pequenas vitórias. A falta de

realismo, diz, pode não deixar que o adulto avalie convenientemente o impacto

que o programa de desenvolvimento da responsabilidade venha a ter no

jovem230.

No livro “Youth Leadership in Sport and Physical Education” Martinek e Hellison

(2009, p. 166) escrevem: “o nosso melhor conselho é que comece com

pequenos investimentos e não tente mudar o mundo todo de uma vez” e mais

226

Cf. p. 149 227

Cf. p. 149 228

Cf. p. 149 229

Neste mesmo capítulo p. 232 230

Cf. p. 150

Page 259: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

241

adiante, “o conceito «menos é mais» deve guiar os seus planos no começo da

implementação do seu programa”. Num outro artigo com Wright, torna a ser

chamada a atenção para a importância do realismo e das pequenas vitórias

como se tratasse, na tarefa pedagógica, de “plantar sementes” e esperar pelos

frutos que podem demorar anos (Hellison & Wright, 2003).

g) Outro fator a que os entrevistados atribuem influência, no sucesso do

modelo, é a própria “Estrutura do modelo” considerando-a como importante na

determinação do êxito do mesmo. A referência à estrutura do modelo chega-

nos de Escartí, alegando que a possibilidade de fragmentar o trabalho em

objetivos/etapas mais pequenas, permite a execução de avaliações formativas

que, por sua vez, possibilitam tirar amiúde informação acerca da forma como

os alunos estão a progredir231.

Esta flexibilidade da estrutura do modelo, que já foi por nós referida no contexto

do presente trabalho, permite que, para além da possibilidade de se poder

subdividir no tempo, outras adaptações e modificações sejam possíveis sempre

que aconselháveis.

Hellison escreve, por exemplo, a respeito das alterações que se podem operar

nos Níveis de Responsabilidade Pessoal e Social (núcleo importante do

Modelo de Responsabilidade), o seguinte: “os níveis podem ser suprimidos,

rearranjados, trabalhados separadamente ou até complementados” e dá vários

exemplos de intervenções onde tal foi feito (Hellison, 2003, p. 36). Olhando a

implementação do programa em tão variados contextos, como já focámos, esta

flexibilidade parece constituir um aspeto crucial do êxito do mesmo.

h) Por último, salientamos a “Idade” dos praticantes. A referência à idade dos

jovens é feita por Hellison que nota maior evolução nos grupos de idades mais

baixas em relação à observada com jovens mais velhos232.

231

Cf. p. 150 232

Cf. p. 150

Page 260: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

242

No seu livro “Teaching Responsibility Trough Physical Education” (2003),

Hellison também refere a importância da idade como fator a considerar no êxito

do Modelo salientando, no entanto, que este varia com o Nível de

responsabilidade em apreço e dá como exemplo que o Nível IV pode ser de

mais difícil aquisição para crianças mais jovens. Mais adiante refere, por outro

lado, que as crianças podem dar-nos mais do que esperamos, nomeadamente

no Nível III em relação à autonomia, trata-se, muitas vezes, de uma questão de

confiança nas suas potencialidades e da escolha as estratégias adequadas.

Os fatores de êxito atribuídos pelos entrevistados ao Modelo de

Responsabilidade são consistentes com os encontrados em trabalhos de

outros autores (Balderson & Martin, 2011; Cecchini, et al., 2007; Cecchini, et

al., 2003; Correia, 2007; Gordon, 2010; Marín, 2007; Walsh, 2008b)

Page 261: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

243

2.9. Relação professor/modelo

Continuando a caraterizar o Modelo de Responsabilidade, podemos dizer que a

categoria “Relação professor/modelo” reúne grandes consensos entre os

entrevistados.

Nas palavras do próprio Hellison, o Modelo de Responsabilidade não é uma

fórmula rígida de fazer educação e por isso não há propriamente uma maneira

de alguém se apropriar dele como de uma receita para todos, pronta a usar233.

A qualidade da tarefa pedagógica resulta sem dúvida mais diretamente da

pessoa do professor do que do modelo por si só234. Esta evidência está patente

na opinião dos entrevistados que trabalham com o Modelo de

Responsabilidade. Escartí, que realizou já vários estudos a respeito deste

assunto, dá conta de que se verificam diferenças significativas entre os grupos

de alunos, sujeitos a programas de Desenvolvimento da Responsabilidade

Pessoal e Social, em função da apropriação que cada professor faz do modelo.

Esta investigadora referencia a necessidade do profissional interiorizar e

apropriar-se do programa fazendo-o seu, sendo fundamental que se sinta bem

aplicando-o e não constrangido235.

Martinek, Parker e Wright seguem a mesma convicção: o modelo tem que estar

ajustado aos valores do professor e às suas crenças a respeito da educação.

Sendo um “guia fluido”, o Modelo de Hellison orienta a intervenção,

disponibilizando estratégias, no entanto, pressupõe capacidade de entrega e

capacidade de criar relações positivas com os alunos236.

Não trabalhando diretamente com o Modelo de Responsabilidade, Petitpas

sublinha que só partindo da do conhecimento que cada educador tenha de si

mesmo é que se pode tirar partido da flexibilidade estrutural do modelo.

A pessoa que educa e a pessoa educada são o ponto de partida e de chegada

de todo o processo educativo237.

233

Cf. p. 153 234

Cf. p. 153 235

Cf. p. 153 236

Cf. p. 154, 154, 154 237

Cf. p. 155

Page 262: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

244

2.10. Disseminação do modelo

Outro conjunto de referências dos nossos entrevistados diz respeito à categoria

“Disseminação do modelo”.

Não há grande informação, nas entrevistas, sobre por onde se espalhou a

influência deste modelo, embora a triangulação desta variável a partir da

revisão de literatura nos permita conhecer a extensão da disseminação238.

Fica-nos apenas a referência de Escartí à forma como iniciaram a

implementação em Espanha239.

Não se detendo no “onde” se disseminou o seu modelo de intervenção,

Hellison refere o “como” dizendo que o Modelo de Responsabilidade pode ser

inapropriadamente utilizado por aqueles que procuram apenas uma fórmula de

trabalho fácil e rápida240. Corroborando a perceção de Hellison, Wright introduz

a ideia de fidelidade ao Modelo de Responsabilidade 241, defendendo esta com

o interesse legítimo de muitas pessoas, pelo mundo fora, em aplicarem o

modelo mas que não tiveram, no entanto, possibilidade de o “aprender”

diretamente com um dos especialistas primeiros. Para tal, entende Wright,

justificam-se estudos científicos que abordem as caraterísticas mais

importantes do Modelo de Responsabilidade 242.

2.11. Avaliação da implementação do modelo

Deter-nos-emos ainda sobre as referências que os entrevistados fazem sobre a

forma como vai sendo feita a “Avaliação da implementação do modelo”.

Escartí considera muito importante ir-se avaliando o que se faz à medida que

se implementa o Modelo de Responsabilidade em contextos diferentes243. No

seu trabalho, essa preocupação é constante, assim como no de Wright, e eles

atribuem grande importância à consistência científica do processo, quer através

da criação e adaptação de instrumentos apropriados, quer através da

238

Cf. Capítulo da Revisão da literatura p. 71 239

Cf. p. 155 240

Cf. p. 155 241

Cf. p. 155 242

Cf. p. 156 243

Cf. p. 156

Page 263: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

245

publicação e partilha, dos saberes que se vão adquirindo, pela comunidade

científica244.

Não diretamente pelas suas palavras durante as entrevistas, mas por todo o

material escrito produzido a esse respeito, podemos concluir que: para todos

os entrevistados a preocupação pela investigação em torno do Modelo de

Responsabilidade e da sua implementação no mundo está muito presente

(Escartí, et al., 2009; Escartí, et al., 2005; Hellison, et al., 2000; Hellison, et al.,

1996; Hellison & Walsh, 2002; Hellison & Wright, 2003; Martinek & Hellison,

2009; Parker & Stiehl, 2005; Wright & Craig, 2011).

Outros autores se dedicaram também às questões da avaliação da

implementação do Modelo de Responsabilidade com todas as suas variáveis

de enquadramento e de população, criando instrumentos e escrevendo

numerosos artigos sobre o tema (Marín, 2007; Masser, 2004; Monteiro, et al.,

2008; Pardo, 2008; Regueiras, 2006; Saskatchewan, 1999; Walsh, 2008a;

Watson & Newton, 2001; Watson, et al., 2003).

Em conclusão, poderemos dizer que neste capítulo, relativo ao tema-eixo

Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social, as duas categorias

em que encontrámos mais referências nos dados recolhidos foram sem dúvida

as estratégias pedagógicas utilizadas na implementação do Modelo de

Responsabilidade por parte dos entrevistados e os fatores a que estes

atribuíam o sucesso do mesmo.

Confirmámos a convicção de que o Modelo de Hellison teve uma origem

anterior à definição de programas/modelos de Desenvolvimento Positivo da

Juventude. Este terá sido gerado para responder a necessidades práticas de

educação de jovens marginais, a partir do trabalho prático de Hellison, assente

nas suas convicções humanistas acerca da educação e fruto de trabalho de

campo e de muita prática reflexiva constante.

244

Cf. p. 157

Page 264: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

246

Não se opondo ao intelectualismo, o caráter pragmático de Hellison ressalta

das suas palavras pondo clara uma busca constante por um modelo de

intervenção que servisse, em primeiro lugar, as necessidades dos seus alunos.

Centram-se, os objetivos do Modelo de Responsabilidade, em duas grandes

linhas de valores: o desenvolvimento da responsabilidade pessoal e

desenvolvimento da responsabilidade social dos jovens. Para que se atinjam

tais objetivos os entrevistados preconizam a procura do empoderamento

(empowerment), a conquista da autonomia e da autodeterminação e o

desenvolvimento de hábitos de reflexão dos alunos sobre si mesmos e sobre o

que os rodeia.

Tomámos, através das referências feitas, conhecimento de que são muito

variadas as instituições e contextos em que o Modelo de Responsabilidade é

aplicado como programa. Vemo-lo a funcionar em meio escolar, dentro e fora

das aulas de educação física, em campos de férias, em clubes desportivos e

em escalões etários que vão do ensino primário ao universitário. Também em

relação à população alvo, constatamos a aplicação a ambos os sexos e em

condições sociais diversas. As populações especiais assim com as “ditas

normais” são igualmente alvo de programas baseados no modelo de Hellison.

Apesar do baixo número de referências recolhidas das entrevistas, a atestar

esta diversidade de implantação do Modelo de Responsabilidade em vários

países, o material escrito, recolhido para a triangulação dos dados, dá

testemunho sólido dessa disseminação.

A avaliação das muitas intervenções que já estão no terreno é, para os

intervenientes, uma necessidade para o estabelecimento da consistência

científica do Modelo de Responsabilidade. Para tal são importantes a criação e

adaptação de instrumentos apropriados e a partilha através da publicação de

estudos.

Todos os entrevistados deram testemunho da utilização da atividade física e

desportiva como meio privilegiado de integração de todas as aprendizagens, e

justificam esta opção pela sua potencialidade motivadora decorrente de fatores

emocionais, sociais e lúdicos. Dentro das atividades possíveis, as variações

Page 265: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

247

são bastantes indo desde as artes marciais, aos jogos de campos de férias,

aos deportos clássicos e outros.

Para os entrevistados, não é indiferente o uso do desporto ou de outra

atividade e esta eleição obedece a critérios que têm a ver com os objetivos das

sessões, com a idade, com os aspetos éticos associados ao desporto e com o

carater inclusivo da atividade em apreço.

A importância da relação que o professor estabelece com o Modelo de

Responsabilidade reúne consenso entre os entrevistados. A estes parece

necessário que o Modelo de Responsabilidade esteja ajustado aos valores do

professor e à sua visão da educação. O modelo deve ser interiorizado pelo

profissional de forma a que este se aproprie dele como sendo sua maneira de

estar.

A estrutura das sessões constitui uma macro estratégia, original de Hellison,

que se mantém com pequenas adaptações. Esta constância permite-nos a

asserção de que a estrutura seja uma das componentes importantes para o

êxito do Modelo de Responsabilidade.

Outras estratégias são referenciadas como caraterística do trabalho dos

entrevistados na aplicação do Modelo de Hellison, e suportadas pelos

depoimentos escritos destes e de outros autores. São elas: o centrar a

atividade pedagógica no adolescente e nas suas caraterísticas e necessidades;

a busca do empoderamento (empowerment) dos praticantes; a tomada de

consciência, como capacidade auto reflexiva sobre si mesmo e sobre os

outros; decorrentes da anterior, a responsabilização pela tomada de decisões e

escolhas e a prática da avaliação sistemática. Para além destas estratégias, os

responsáveis promovem ainda outras, como é o caso da criação de ambiente

física e psicologicamente seguro, a proposta de experiências de êxito e,

abrangendo todas as referidas, a integração de todas as estratégias de

aprendizagem na atividade física da sessão.

Decorre das caraterísticas do Modelo de Responsabilidade a utilização de um

conjunto de cinco níveis de responsabilidade pessoal e social, também

chamados pelos entrevistados metas ou objetivos, que todos eles referem e

que acabam por constituir estratégias específicas do modelo de Hellison. Tal

Page 266: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

248

como a estrutura das sessões, mantêm-se, estes níveis, sem grandes

alterações ao longo do tempo, no entanto, uma das caraterísticas que ressalta

das palavras dos peritos entrevistados, é que os Níveis propostos por Hellison

são flexíveis e adaptáveis a cada contexto de ensino, como ficou claro dos

dados recolhidos.

O 5º Nível, que tem como objetivo fundamental a transferência das

aprendizagens para a vida do dia-a-dia dos praticantes, é aquele que mais

referências suscitou por parte dos entrevistados, e aquele em que afirmaram

encontrar maior dificuldade. Para tal, são apresentados os seguintes motivos: a

transferência é uma competência que necessita de aprendizagem por parte dos

alunos e não é automática; o clima de apoio e o envolvimento humano das

sessões não se encontra facilmente noutros ambientes dificultando ao

praticante a aplicação das aprendizagens; as aprendizagens feitas em contexto

de DRPS constituem frequentemente uma contracultura em relação ao resto da

comunidade escolar, à comunidade familiar e a outros envolvimentos dos

jovens. Para obviar a natureza contextual e relativista das aprendizagens, os

professores podem lançar mão de algumas estratégias facilitadoras que são

sugeridas pelos entrevistados.

Os fatores a que os entrevistados atribuem o êxito do modelo são: o tempo de

implementação do programa, quanto maior mais probabilidade de êxito; a

qualidade da relação do educador com as crianças ou jovens; o valor baixo do

rácio professor/aluno; o ambiente seguro de aula ou sessão, com níveis de

desafio e de êxito controlados; a avaliação do processo educativo e dos seus

resultados; a objetividade e o realismo do adulto em relação aos resultados e

ao impacto do programa nos adolescentes; a pouca idade dos alunos, apenas

referida por Hellison; e a estrutura do modelo referida por Escartí.

Page 267: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

249

“Ninguém muda ninguém mas a minha mudança pode facilitar as mudanças

que estão a acontecer no outro”

Autor desconhecido

3. Perfil do professor

O terceiro tema, como referimos anteriormente, ganhou autonomia de tema-

eixo permitindo-nos caracterizar o Perfil do Professor típico do Modelo de

Responsabilidade de Hellison, através das respostas dos entrevistados.

Também nesta parte da discussão, referente ao Perfil do Professor,

contaremos sobretudo com as fontes relativas aos entrevistados que trabalham

diretamente com o modelo, são eles, Don Hellison, Amparo Escartí, Missy

Parker, Paul Wright e Tom Martinek. Referiremos também, por vezes, Petitpas

e Brustad, quando se mencionam qualquer um dos outros entrevistados, ou o

trabalho destes com o Modelo de Responsabilidade, ou quando nos transmitem

a perspetiva do Desenvolvimento Positivo da Juventude sobre o perfil do

professor fornecendo uma triangulação mais imediata.

Relembramos que ao falarmos genericamente de professores estamos também

a referir os treinadores, os monitores e todos aqueles que estão encarregados

de gerir uma intervenção educativa com crianças e/ou jovens.

Do Quadro 7, três categorias ressaltam em termos de frequência, a saber: a

visão que o professor tem do adolescente; os seus valores, atitudes e

convicções, como pessoa e como professor; e o compromisso que o

profissional estabelece com o adolescente.

3.1. Valores, atitudes e convicções

Começámos por dar conta de quais ideias manifestadas pelos peritos

entrevistados a respeito da importância dos “Valores, atitudes e convicções” do

professor.

No discurso destes, ressalta a importância que dão aos valores pessoais dos

professores como caraterística condicional do seu perfil. Há a consciência de

que os valores e a sua hierarquia são muito estáveis e que acompanham o

Page 268: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

250

professor desde o início do seu próprio desenvolvimento como pessoa245. Por

esse motivo, chamam a atenção para o papel fundamental da formação

(profissional) dos novos professores e da necessidade de se interiorizarem

valores e de os reordenar com vista a uma vocação para educar246.

Quer Hellison, quer Wright, deixam um testemunho interessante acerca dos

próprios valores, referindo que eram prévios ao início do trabalho com crianças

e que, portanto, de certa forma, não foram eles (professores) que serviram para

trabalhar com o Modelo de Responsabilidade mas este que serviu os seus

valores e às suas convicções247.

Apesar desta estabilidade dos valores, Hellison também reconhece que há

coisas que vão mudando no professor pelo contacto com as crianças,

adolescentes e jovens248, provavelmente mais ao nível das convicções e das

atitudes. Vimos também o exemplo dado por Brustad sobre convicções que os

professores podem ter quer em relação à autoridade, quer sobre aquilo que

são os alunos e as suas famílias, quer sobre o que é que se pode mudar ou

não através do ensino e sobre até onde se pode chegar249.

Do discurso destes especialistas salientaremos uma recomendação que

mereceu várias referências. O professor, ou candidato a professor, terá que se

manter íntegro e honesto em relação aos seus valores. Não há porque se

vender a este ou àquele sistema, porque a educação exige do professor

competência científica mas (como veremos mais adiante) também exige que dê

dele mesmo250. O modelo em que se trabalha tem que “servir” bem e, se não

serve os valores em que o professor acredita, provavelmente haverá outro mais

ajustado e coerente251.

Martinek pede outra coisa ainda aos professores, é realismo. Os resultados

mágicos não acontecerão, segundo ele, e não se salvarão os miúdos todos, o

melhor é ter-se consciência disso252, sublinha.

245

Cf. p. 159, 160, 246

Cf. p. 160 247

Cf. p. 161, 161 248

Cf. p. 159 249

Cf. p. 160, 160 250

Cf. p. 161 251

Cf. p. 160, 161 252

Cf. p. 161

Page 269: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

251

A respeito deste tema dos valores, atitudes e convicções, Petitpas tem uma

resposta em que salientou outra caraterística muito importante do professor, a

flexibilidade, na qual se progride com a idade e com a experiência. O professor

torna-se menos normativo, mais espontâneo nas reações e, segundo Petitpas,

isso acontece porque, com a maturidade, o professor se torna mais confiante

em si mesmo253. Estas afirmações fá-las Petitpas a propósito de Hellison e de

Martinek de quem diz:

[…] se o Don Hellison é bom, é porque ele é o Don Hellison. Percebem? E o Tom Martinek é bom porque ele é o Tom Martinek. Mas às vezes as pessoas tentam ser (como) eles mas não estão a ser elas próprias, por isso não são eficazes.

Num artigo de Parker, Kallusky e Hellison (1999, p. 28) podemos ler: “É nossa

convicção que muito do que ensinamos bem é aquilo que tendemos a valorizar.

Isto sugere que os professores devem iniciar o processo de ensino da

responsabilidade clarificando os seus próprios valores a esse respeito”.

A opinião de Parker em artigos escritos sustenta o que já foi dito. Ela chamou a

atenção para o facto de os valores do professor, sendo fruto das suas próprias

experiências vitais, serem parte importante do processo de influência deste

sobre os seus alunos (Escartí, et al., 2005).

3.2. Gosto por trabalhar com adolescentes

São várias também as referências à subcategoria “Gosto por trabalhar com

adolescentes”. Os entrevistados partem da experiência própria, tal é o caso de

Hellison, de Brustad, de Parker e de Martinek254, ou das suas observações,

como refere Escartí255.

As expressões utilizadas por Hellison dão a dimensão ao seu “gosto” por

trabalhar com os jovens. Ele refere a felicidade de lhe permitirem ter alunos, ou

o que teve que estudar a pensar no trabalho que faria com eles,

“inclusivamente com alunos a cumprir penas…”, pois era esse o tipo de

trabalho que lhe interessava256.

253

Cf. p. 159 254

Cf. p. 162 255

Cf. p. 162 256

Cf. p. 162

Page 270: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

252

No seu livro “Responsabilidad Personal y Social a través de la Educación

Física y del Deporte” (2005), Escartí nomeia a primeira qualidade de um

professor para aplicar o Modelo de Responsabilidade dizendo que este deve

exercitar o gosto, o disfrute, da companhia dos alunos. Isso permite-lhe detetar

os seus problemas, preocupações, os medos e os seus pontos de vista em

relação às coisas, entendendo-os e respeitando-os.

É muito interessante o facto de todos os entrevistados referirem a importância

do “gosto” pelo trabalho com crianças. Sabemos, da teoria da

autodeterminação (Ryan & Deci, 2000), que o prazer inerente a uma tarefa (ou

conjunto complexo de tarefas) constitui uma motivação forte, consistente no

tempo e que produz um trabalho de qualidade e criativo. Como fomos

verificando ao longo desta discussão, este é o tipo de trabalho referenciado

pelos especialistas entrevistados como necessário à implementação do Modelo

de Responsabilidade.

Escreve Sparks III (1993) que, para criar uma ambiente positivo, o professor

deve acreditar nele mesmo como professor e como modelo para os seus

alunos. Para tal, tem que gostar muito de ensinar e levar muito a sério o seu

papel de mentor.

3.3. Competências de relação do adulto

O adulto (ou jovem, no caso dos mentores) que quer trabalhar no Modelo de

Responsabilidade com crianças, tem que desenvolver “Competências de

relação” uma vez que a atividade educativa/docente é fundamentalmente uma

atividade de relação humana. Escartí e Brustad colocam esta competência

antes mesmo da compreensão do programa e das suas estratégias pois,

comunicar com os miúdos, é uma tarefa exigente257.

Para além desta aplicação direta das competências de comunicação à relação

com o aluno, Martinek referencia a necessidade que um professor tem de ser

capaz de trocar ideias e partilhar a sua experiência com outros professores ou

257

Cf. p. 163

Page 271: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

253

treinadores258. Esta chamada de atenção também é feita por Petitpas que

resume: o perfil do professor que sabe comunicar é o de uma pessoa que está

bem consigo própria e que, por isso, está disponível para ouvir. Hellison,

seguindo a mesma ideia, fala de “estar em sintonia com os miúdos” e diz que

isso não passa sempre por “falar” mas muitas vezes por “ter algo para fazer

com eles”259.

Escartí (2005, p. 53) tem uma forma interessante que sublinhar esta

disponibilidade para ouvir e para criar sintonia com os alunos. Escreve assim:

“Sente-te bem (a gusto) com o silêncio depois de fazeres uma pergunta, não

esperes que te respondam imediatamente” […] “ a primeira regra de ouro é

ouvir as emoções que os alunos transmitem para além do que dizem”.

Esta sensibilidade na relação com o adolescente ressalta num artigo escrito por

Martinek, Hellison e Walsh (2004, p. 402), onde pode ler-se: “Ao longo dos

nossos 65 anos somados do nosso trabalho com jovens e com professores,

descobrimos uma constante determinante do sucesso ou do falhanço: o poder

das relações. […] Descobrimos que os miúdos lembrar-se-ão de algo que lhes

dissemos alguma vez e lembrar-se-ão de algo que lhe fizemos algumas vezes

mas, mais importante que isso, é que se lembrarão para sempre de como os

fizemos sentir”.

3.4. Relação personalizada com o adolescente

Mais especificamente, define o perfil de um professor, em matéria de

comunicação, a capacidade de estabelecer uma “Relação personalizada com o

adolescente”.

É fundamental, diz Petitpas, que o aluno sinta que o professor realmente se

importa com ele260. A relação individual referida (lembramos que constitui uma

estratégia específica do Modelo de Responsabilidade), condiciona a

aprendizagem de tal maneira que Hellison e Wright fazem depender esta última

258

Cf. p. 164 259

Cf. p. 163 260

Cf. p. 165

Page 272: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

254

das relações de “amizade” que estabelecem com os seus alunos261. Para além

de outras, esta necessidade de estabelecimento de relações personalizadas,

preenche grande parte do papel do “mentor”. Disto nos faz referência Brustad e

Martinek262. Este último põe grande empenho neste aspeto da formação dos

seus alunos universitários263.

Para além do contacto mais “institucional” na escola ou no clube, Parker dá

importância ao conhecimento que se possa ter do aluno fora desse ambiente.

Para ela, uma relação personalizada passa por se acompanhar, de vez em

quando, os alunos em atividades que não dizem respeito ao programa de

DRPS264.

Esta importância, dada pelos entrevistados à qualidade de relação entre

adultos e jovens, aparece suportada pela literatura, nomeadamente em estudos

sobre resiliência. Por exemplo, escrevendo a esse respeito, Martinek e Hellison

(1997, p. 43) recomendam que num programa de desenvolvimento com

crianças ou jovens se ”Providenciem contactos significativos com um adulto

que se interesse e represente um apoio [para o adolescente]. Isto é, talvez,

uma das conclusões mais importantes da literatura sobre resiliência”.

Também Wright salienta num artigo que uma das estratégias fundamentais

para a promoção dos objetivos do DRPS é que os líderes (monitores)

promovam com as crianças uma comunicação respeitosa, onde se explicitem

expectativas positivas de comportamento e onde sejam dados feedbacks

consistentes com esse mesmo comportamento (Wright, et al., 2010).

Outros autores corroboram a importância atribuída à qualidade da relação do

adulto com o adolescente, sublinhando que, sendo significativa para o

segundo, representa um fator de suporte insubstituível no seu desenvolvimento

na medida em que encoraja e cria expectativas mais elevadas para ele

(Cooper, Estes, & Allen, 2004).

261

Cf. p. 164, 164 262

Cf. p. 164 263

Cf. p. 165 264

Cf. p. 164

Page 273: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

255

Num estudo realizado em Espanha com jovens entre os 13 e os 16 anos,

concluiu-se que o “professor ideal” para adolescentes dos dois sexos era “o

professor, ou professora, simpático, de caráter agradável, fisicamente atraente,

competente no seu trabalho, com capacidade de compreender os alunos com

dificuldades (…)”(Gutiérrez, Pílsa Doménech, & Torres Benet, 2007, p. 49).

Repare-se que a maioria dos atributos é de caráter relacional.

Num outro estudo, realizado com a aplicação simultânea do Modelo de

Responsabilidade em Getafe (Espanha), L’ Aquila (Itália) e Los Angeles

(Estados Unidos), concluiu-se que os professores que trabalhavam com o

modelo de Hellison, em qualquer uma das três situações, estabeleciam

relações de maior proximidade com os alunos e demonstravam mais interesse

e preocupação por eles (Pardo, 2008).

3.5. Compromisso de relação com o adolescente

Em termos de frequência, o “Compromisso de relação com o adolescente” é a

terceira subcategoria mais referenciada nas respostas sobre o perfil do

professor. Relacionar-se com os alunos parece não ser apenas uma questão

de qualidade (como vimos anteriormente) mas, também, de quantidade, isto é,

de extensão do compromisso no tempo.

Mesmo sem saber qual é o tempo certo, Hellison declara importante manter um

compromisso fiel com os seus alunos durante bastante tempo, pois isso

aumenta as hipóteses de se adquirir junto deles uma posição de confiança e de

liderança265. Já em capítulos anteriores referimos este aspeto, o da duração

dos projetos, mas agora adquire uma nova importância ao carregarmos sobre

ele a relação de compromisso. Esta é uma das dificuldades que Hellison

aponta no trabalho com os universitários que se preparam para serem

treinadores ou professores: eles não estão disponíveis para compromissos a

longo prazo266.

Parker insiste na questão da confiança, referindo que os seus alunos

necessitam de saber que há alguém disponível para eles, mesmo nos tempos

difíceis, e se se trata de alguém que não vai desistir. Na sua experiência os

265

Cf. p. 165 266

Cf. p. 165

Page 274: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

256

programas estenderam-se de cinco a oito anos267. Para Brustad, a evidência é

a mesma. As crianças e os jovens ficam no programa por vários motivos mas a

confiança nos adultos que permanecem é fundamental para essa fidelidade

dos miúdos268.

Para Escartí esta questão é tão importante que a capacidade de se

comprometer é um dos critérios de recrutamento de professores. Ela aponta

para um compromisso mínimo de um ano269.

É uma questão de construção da confiança do jovem, defende Petitpas, e é um

fator muito importante de sucesso dos programas. Um período inferior a nove

meses de contacto estável, não é suficiente para um mentor trabalhar com uma

criança de forma a ganhar-lhe verdadeira confiança270.

Martinek é de todos os entrevistados o que mantem relação com os alunos

durante o período de tempo mais longo. Começam com eles ainda no primeiro

ciclo e vão até ao fim do secundário. Mantêm contacto com os que vão saindo

e convidam os que ficam a iniciarem a sua participação como líderes

(mentores) dos mais novos. É um compromisso a longo prazo, diz271.

De entre as constantes mais importantes para que um programa funcione,

Martinek salienta o compromisso pessoal que se estende para além do

“trabalho árduo diário” até ao trabalho de longo prazo com “custos emocionais”.

Diz ele que “Programas e pessoal (staff) que se envolvem em períodos de

tempo curtos, com uma perspetiva de investigação estreita e assentes em

fundamentos de base restritos, terão muita dificuldade em ter algum impacto

nas vidas dos jovens.” (Hellison, et al., 2000, p. 246).

Num outro artigo pode ler-se que para criar sentimentos de pertença é

necessário que, para além de trabalhar com grupos pequenos, o professor

encoraje a relação pessoal próxima e distendida vários anos no tempo

(Martinek & Hellison, 1997) o que, evidentemente, implica o seu próprio

compromisso.

267

Cf. p. 166 268

Cf. p. 166 269

Cf. p. 166 270

Cf. p. 167 271

Cf. p. 167

Page 275: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

257

3.6. Capacidade de adaptar o ensino ao adolescente

A par do gosto de trabalhar com as crianças, da capacidade de se relacionar

com elas e de se comprometer nessa relação encontrámos referências à

“Capacidade de adaptar o ensino ao adolescente” como um dos traços

importantes do perfil de um educador no Modelo de Responsabilidade.

Ao falar de “uma forma ágil de aplicar o programa a estas crianças” 272 Hellison

reverte-nos para as competências específicas da profissão do professor ou do

treinador, ou seja, a competência científica nos campos do desporto e a

competência nas ciências da pedagogia.

A necessidade de conhecer a criança é prévia à ação pedagógica. É essencial

que se parta, para a intervenção pedagógica, do conhecimento de quem é a

criança, quais as suas experiências anteriores, qual a sua cultura e em que

nível de desenvolvimento se encontra. Depois vem a pergunta: como se adapta

o conteúdo para que cada um dos participantes tire proveito da sessão? Os

objetivos do programa serão atingidos tanto quanto mais o conteúdo e as suas

estratégias sirvam aquele grupo de crianças concreto. Isto é o que podemos

concluir das palavras de Brustad, Parker e Wright273. Voltámos à ideia de

Martinek, de que o Modelo de Responsabilidade se carateriza por ter uma

estrutura bem definida, mas, tem implícita uma ideia de fluidez que o torna

adaptável às necessidades e à realidade do grupo a que se aplica274.

Segundo as palavras de Petitpas, que já referimos anteriormente, esta

capacidade de adaptação apura-se no perfil do professor à medida que ele

ganha experiência275.

3.7. Conhecimento das necessidades do adolescente

A categoria seguinte reúne o conjunto de referências feitas pelos entrevistados

à necessidade de ter “Conhecimento das necessidades do adolescente”.

272

Cf. p. 167 273

Cf. p. 167 274

Cf. p. 168 275

Cf. p. 168

Page 276: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

258

Este tema é muito extenso, englobando as necessidades biológicas,

psicológicas, sociais e culturais dos participantes. Martinek, com o

conhecimento que lhe vem do ensino de jovens professores e treinadores,

sublinha a importância deste conhecimento logo a partir da formação inicial dos

mesmos 276.

Brustad e Wright falam da forma como o conhecimento das necessidades dos

jovens, dos aspetos específicos do seu desenvolvimento e dos seus

antecedentes educacionais condiciona a ação pedagógica277. As caraterísticas

do jovem adolescente merecem uma atenção muito especial por parte do

professor, na opinião de Brustad278.

Como saber se a ação pedagógica do professor está a dar resposta às

necessidades do adolescente se ele desconhece que necessidades são estas?

Como saber se a Educação Física está a responder apenas à dimensão

percetivo motora da educação ou se está também a responder a outras

necessidades resultantes de carências materiais, culturais, da falta de atenção

familiar, da ausência de motivação ou mesmo da falta de sentido das

atividades escolares das crianças e dos jovens? Estas questões são postas por

Martinek e Ruiz (2005), referindo a necessidade de o professor conhecer as

necessidades dos próprios alunos de forma a poder ajudá-los. No mesmo

artigo podemos ler que o Modelo de Responsabilidade teria sido criado por

Hellison exatamente com o propósito de ajudar a preencher as necessidades

dos jovens, principalmente dos mais desfavorecidos. Os objetivos do modelo

de Hellison exigem que o adulto responsável pela sua aplicação tenha

conhecimentos teóricos e práticos sobre as necessidades dos adolescentes

com que se propõe trabalhar.

Para além disso, a empatia (a capacidade de se aperceber dos interesses, dos

desejos, das necessidades e das vulnerabilidades dos alunos), parece estar

intimamente ligada ao compromisso. Ilustramos a ideia com Jiménez (2006, p.

44), “Tudo o que ensinamos […] carece de sentido se não somos capazes de

276

Cf. p. 169 277

Cf. p. 169, 169, 169 278

Cf. p. 169

Page 277: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

259

estabelecermos relações com os nossos alunos e a melhor maneira de o fazer

é conhecendo-os”.

3.8. Visão do adolescente

É nossa convicção de seja qual for a forma de estar em educação (os valores,

conceções, conhecimentos e atitudes etc. que transportamos connosco)

corresponde uma imagem de Homem e portanto de adolescente e de aluno.

Através das palavras dos estudiosos que entrevistamos, é-nos dado mais um

traço do perfil do educador que aplica o Modelo de Hellison do qual dependem,

em grande medida, os resultados da atividade pedagógica. Trata-se da

categoria “Visão do adolescente” que, em termos do nosso trabalho, assumiu

vários aspetos, sendo uma das situações que nos levou à criação de

subcategorias à posteriori.

a) Em primeiro lugar, por força do número de referências registado,

abordaremos a subcategoria “expectativas do professor”.

Para Hellison, o facto de o professor ver os jovens, mesmo aqueles que já se

consideram “perdidos para o sistema”, como “gente”, tem implicação na

imagem que o aluno tem de si mesmo, faz com que este comece também a

arriscar alguma expectativa positiva sobre si, pelo menos, dentro do contexto

da sessão279.

Encontra-se na mesma linha de convicções Escartí que reforça a ideia de que

é fundamental que se dê o passo seguinte nas expectativas em relação aos

alunos. É necessário que o professor acredite – e que faça com que o aluno

acredite - que é possível aplicar noutras áreas da sua vida aquilo que

conquistou no ginásio. Trata-se da passagem de expectavas do professor para

o aluno, trata-se de empowerment280. Para Brustad, só o professor que acredita

que os seus alunos podem ser responsáveis é que lhes “passa poder” para tal.

Se o aluno não tem perceção dessa convicção no seu professor não sente

279

Cf. p. 175 280

Cf. p. 175

Page 278: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

260

confiança para arriscar, não sente motivação para melhorar nem mesmo para

permanecer no programa281

Parker transmite, através das suas palavras, uma visão muito positiva dos seus

alunos pois são claras as suas expectativas sobre aquilo que se pode esperar

de uma criança ou de um jovem282. A mesma visão positiva transparece nas

referências feitas por Martinek. Este recomenda a busca (que já referimos

anteriormente) do realismo do professor e das experiências de sucesso do

aluno para a consolidação de expectativas positivas num e noutro283.

O professor envia mensagens negativas ao aluno sobre as potencialidades

deste, sempre que não o vê como “boa pessoa” e capaz de cumprir

determinada tarefa. Mesmo que não o diga, a sua falta de confiança será

transmitida através de toda a outra comunicação (não verbal) e será captada

pelo jovem. Esta é a convicção de Petitpas284.

A esperança, a crença nas potencialidades do aluno para vencer o desafio de

crescer com êxito, depende também, como fica claro nas palavras dos

entrevistados, da esperança e do otimismo do próprio professor a respeito do

aluno. Num artigo escrito por Martinek e Hellison (1997), chama-se a atenção

para o facto de o otimismo e a esperança permitirem ao jovem definir objetivos,

ser persistente e acreditar num futuro promissor. Os autores relacionam a falta

de esperança e de otimismo com o conceito de “desesperança aprendida” ou

“impotência aprendida” (learned helplessness), referindo-se a crianças que se

sentem com pouco ou nenhum controlo sobre aquilo que lhes acontece, seja

do ponto de vista académico, seja do ponto de vista social. Por isso, desistem

facilmente de qualquer coisa exigente, de qualquer desafio, ou face a um revés

momentâneo. Mais adiante, no mesmo artigo, dizem que a maior fonte deste

comportamento é a atitude dos pais ou dos outros educadores. O sentimento

de impotência ou de desesperança “aprende-se” de pais para filhos e de

professores para alunos.

281

Cf. p. 175 282

Cf, p. 176 283

Cf. p. 176 284

Cf. p. 176

Page 279: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

261

Parker (2000) valoriza da seguinte forma a visão que o professor tem do jovem

para o êxito do programa: “ Os programas que obtiveram maior êxito com os

jovens são aqueles em que não se lhe deitam as culpas e que, em vez de

verem as suas patologias, buscam o seu potencial” (Hellison, et al., 2000). Num

outro artigo diz também que: ”tudo o que um jovem deve fazer e pode fazer,

mas que nós fazemos por ele, implica perda de uma oportunidade para

aprender a ser responsável” (Parker & Stiehl, 2005).

Na mesma linha pode ler-se de Wright e colegas (2004) que a confiança dos

professores nas potencialidades dos alunos pressupõe a passagem/cedência

de poder, e que esta simples, mas crítica, transação pode constituir um

obstáculo ao sucesso da implementação do Modelo de Responsabilidade se

não fizer parte das convicções do professor.

b) A perceção que o professor tem das “motivações dos alunos” e a maneira

como as usa a favor da aprendizagem é um traço muito importante para as

suas caraterísticas como educador. Brustad, por exemplo, dá muita importância

à motivação intrínseca para que o aluno se desenvolva plenamente. Sem este

tipo de motivação, acredita, o aluno ficará aquém das suas potencialidades.

Brustad relaciona a motivação com a autonomia referindo que dificilmente

existirá a primeira sem a segunda. O aluno gostará daquilo que for capaz de

fazer bem por si só. A motivação está muito relacionada com esta perceção de

competência crescente285.

Na visão apresentada por Wright, a motivação (também para este entrevistado

particularmente a intrínseca) condiciona a adesão do praticante ao programa e

esta, por sua vez, é uma referência importante para as opções do educador,

em termos de exigência e de ações pedagógicas a implementar. É fácil

entender, por isso, a diferença que Wright aponta entre o trabalho no contexto

do clube e na Educação Física escolar que é uma disciplina obrigatória286.

Para Petitpas, o divertimento, a perceção de competência e a opinião dos

pares são grandes fatores de motivação para o jovem. Sendo o Desporto um

domínio onde os referidos fatores podem abundar, o professor competente tira

285

Cf. p. 172 286

Cf. p. 172

Page 280: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

262

partido disso, criando situações de êxito e de interesse para os seus alunos.

Para um professor que lida com a atividade física e desportiva a tarefa está

facilitada “…é só fazê-lo onde os jovens querem estar… no desporto”287. A este

respeito reproduzimos exatamente as palavras de Martinek, “A Educação

Física e o Desporto são coisas de que as crianças gostam muito e são um

meio ótimo para desenvolver valores se os professores optarem por ensinar

valores, se acreditarem nisso, é bom que o usem na escola, nas aulas.”288

O fator divertimento, referido pelos entrevistados, como fator de motivação para

a atividade é suportado por outros autores (Gould, Feltz e Weiss, 1985; Weiss

e Petlichkoff, 1989; Scanlan e Lewthwaite, 1986)289 que defendem que este é,

verdadeiramente, a razão primeira que motiva os jovens à participação

desportiva (Watson, et al., 2003). Também Brustad (1993) escreve que as

crianças são atraídas pelas atividades físicas (desportivas ou não desportivas),

em parte, devido ao seu interesse pelo jogo, pelo lúdico.

A perceção da motivação dos alunos, do nível e orientação, é uma caraterística

fundamental do perfil do professor, pois permite-lhe incrementar estratégias

que aumentem a motivação autodeterminada (Moreno Murcia & González-

Cutre Coll, 2006; Ryan & Deci, 2000).

c) Outra categoria do perfil do educador que os entrevistados referem com

alguma frequência é a atenção que este dá ao “contexto social de proveniência

do adolescente”. Conhecer o “mundo” do aluno, permite observar alguns

preditores, por exemplo, do seu comportamento uma vez que este depende

não só de fatores pessoais, mas também de fatores ambientais, tais como: o

ambiente escolar e familiar, todo o contexto sociocultural, a existência de

pessoas significativas, etc. Disto dão vários exemplos Hellison, Escartí, Parker

e Wright290. Podemos perceber também, das palavras de Martinek, a

importância que ele atribui ao facto de o aplicador do Modelo de

287

Cf. p. 173 288

Cf. p. 173 289

Cit. por Watson, et al, 2003. 290

Cf. p. 170

Page 281: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

263

Responsabilidade refletir sobre o ambiente de que são originários os jovens

participantes dos programas. Este professor sublinha o peso que este tema

tem na própria formação profissional dos seus alunos, futuros professores291.

Ao refletir sobre o ambiente de origem dos praticantes, depara-se

forçosamente com o fenómeno do encontro de culturas diferentes que por

vezes para cada um dos miúdos constituem verdadeiras contraculturas292.

Num artigo escrito por Martinek, Schilling e Johnson (2001) os autores

explicam que os jovens, membros do seu Clube, desenvolveram um repertório

único de estratégias de sobrevivência e que este envolve um sistema de

valores muito diferente do maioritário na sociedade americana. Este sistema

permite-lhes atravessar os problemas sociais e económicos criados pela

pobreza.

Qualquer alteração no sistema de valores implica trabalho persistente. O

conhecimento deste facto é fundamental para que os próprios professores

compreendam até onde vai o compromisso com o trabalho nestas

comunidades.

A capacidade de “navegar” entre culturas constitui, segundo Wright, um

elemento fundamental das competências do professor (monitor) que trabalha

num programa de Modelo de Responsabilidade.

Num artigo publicado Wright e Burton dizem o seguinte a esse respeito,

“Problemas decorrentes das diferenças culturais não irão desaparecer ou

melhorar quando ignorados. Promovendo-se o conhecimento sobre essas

diferenças e criando-se um diálogo aberto sobre o pensamento estereotipado,

os praticantes poderão enquadrar estas questões como culturais, em vez de

pessoais” (2008, p. 151).

d) As convicções do professor em relação à “forma como os adolescentes

estabelecem relação com os adultos” são referidas pelos entrevistados.

291

Cf. p. 171 292

Cf. Capítulo Discussão p. 222

Page 282: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

264

Hellison e Brustad veem os jovens como capazes de estabelecer relações de

verdadeira amizade com os adultos, revelando abertura e perspicácia nessa

relação, dando por isso um contributo positivo para as discussões293.

Quer Parker, quer Martinek, voltam ao tema das relações significativas que o

jovem é capaz de estabelecer com o adulto. O professor deve, na opinião de

ambos, ter muita consciência da importância desta relação, uma vez que ela

pode ser determinante para a mudança no miúdo e pode ter neste um impacto

que se reflita para toda a vida294.

A maneira como o adulto perceciona a relação que os jovens estabelecem com

ele, pode fazer com que o primeiro não se sinta bem e até, por vezes, se sinta

rejeitado. Escartí e Diana Marín (2005) escrevem que o professor responsável

pelo programa deve ser um adulto maduro, que tem por missão ajudar os seus

estudantes, sem esperar que eles reforcem a sua autoestima. E continuam,

dizendo que o professor deve ser paciente, compreendendo os erros dos

alunos e criando oportunidades para que os reparem.

e) Os entrevistados dão-nos conta das suas convicções em relação à

importância da maneira como o adolescente se relaciona com as instituições

educativas nomeadamente “com a escola”.

Deste tópico salientaremos as referências feitas por Hellison e por Martinek,

onde nos dizem que as crianças associam culturas diferentes às diferentes

instituições assumindo papeis diversos e comportando-se de maneiras distintas

em distintos ambientes. A cultura escolar é diferente da cultura do clube e, por

sua vez, ambas são diferentes da cultura da família e do grupo. Já referimos a

este propósito, a dificuldade que a diferença cultural representa para a

transferência de competências adquiridas 295. Uma visão holística da criança

não está completa sem a consciência deste fenómeno e das suas implicações

no desenvolvimento pessoal e social da criança e do jovem296.

293

Cf. p. 174 294

Cf. p. 174 295

Cf. Capítulo Discussão p. 222 296

Cf. p. 177

Page 283: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

265

Os autores que estudam as implicações da relação dos adolescentes com a

Escola corroboram a opinião dos entrevistados dizendo que, quando os valores

da escola são compatíveis com os da família, os alunos mostram uma boa

capacidade de adaptação à primeira. Segundo Erikson (1993)297, não são tanto

as diferenças culturais que causam problemas na relação das crianças com a

escola, mas a perceção que a criança tem dessas diferenças, daí o interesse

de que o professor conheça a ligação desta com a escola. Assim, a

transferência de aprendizagens feitas num ambiente de que a criança gosta e

onde se sente segura, pode ser facilitada se os adultos (pais, professores,

treinadores) tiverem uma atitude colaborante, facilitando uns aos outros

ligações entre os dois ambientes (Lee, 2009).

3.9. Formação profissional

Outro tema de grande importância na definição do perfil do educador diz

respeito à sua “formação profissional”.

Embora sejam referidos os conhecimentos necessários no âmbito das ciências

do Desporto, Martinek, Parker e Brustad dão muita importância à introdução

dos conhecimentos sólidos relativos à educação de valores, aos conteúdos do

Desenvolvimento Positivo da Juventude e aos programas que os promovem298.

Para além destas áreas de estudo, referem ainda a necessidade de que os

futuros educadores tenham acesso, durante a formação inicial, ao

conhecimento de várias especialidades da Psicologia, nomeadamente da

Psicologia da Comunidade, e de teorias e modelos de desenvolvimento

social299.

Já em relação à formação em exercício com intervenção pedagógica junto de

crianças e jovens, Hellison parece dar muita importância à supervisão

pedagógica, nomeadamente quando se trata de implementar o modelo de

DRPS300. Escartí, Parker e Martinek, todos formadores de professores e de

297

Cit. por Lee, 2009. 298

Cf. p. 178 299

Cf. p. 179 300

Cf. p. 179

Page 284: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

266

treinadores, corroboram a opinião de Hellison referindo exemplos práticos do

tipo de trabalho que fazem em acompanhamento de supervisão dos seus

próprios alunos universitários301.

Wright escreve num artigo que os programas de formação de professores de

Educação Física deveriam considerar integrar nos seus currículos o estudo dos

princípios do desenvolvimento da juventude e as suas estratégias,

nomeadamente através do treino de alguns modelos de intervenção, como, por

exemplo, o modelo de Hellison (Wright, 2009).

Uma formação de teor vivencial e prático dos professores é, atualmente,

defendida por muitos estudiosos de modelos de formação. Por exemplo, Elbas

(1983), diz-nos:

“o conhecimento dos professores é de natureza dinâmica, contextual e tácita. Não se restringe unicamente a saber fazer coisas, é o conhecimento de alguma coisa e tem substância. Mesmo o conhecimento do professor sobre o conteúdo que ensina, tanto como o de outras áreas, se bem que informado pela teoria, é um conhecimento

prático, formado para e por situações práticas.”302

.

3.10. Prática reflexiva

O hábito e a necessidade de se autoavaliar e de avaliar as suas práticas numa

atitude vivencial de introspeção, constitui uma competência fundamental

estruturante da pessoa do professor (educador em sentido lato). A este atributo

do perfil do professor chamámos “Prática reflexiva”.

Hellison referencia esta necessidade como algo que o acompanha desde

sempre na sua atividade com adolescentes. Nela justifica o tipo de relação que

foi estabelecendo com os seus alunos, o entendimento que foi tendo do que

havia a fazer e do que “valia a pena fazer” para verdadeiramente ajudar os

jovens303. Este tipo de atitude dá seriedade à tarefa educativa, uma vez que

esta passa a contar, para além do contributo dos saberes adquiridos ao longo

da formação, com o saber construído do próprio educador. Também Wright e

Martinek nos dão referências a esta experiência introspetiva de

autoconhecimento e de análise do próprio trabalho com jovens. Nos seus

301

Cf. p. 179 302

Cit. por Guimarães (p. 4) 303

Cf. p. 181

Page 285: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

267

discursos podemos encontrar menções a estratégias práticas várias para

promover esta atitude no dia-a-dia304.

Encontramos alusão a este traço noutros documentos produzidos pelos

entrevistados. Num artigo escrito em 1992 por Hellison e Cuttforth, podemos

ler: “O ensino reflexivo representa a potenciação (empowering) dos professores

para tomarem as suas próprias decisões.” Mais adiante continuam, citando

Martinek (1984),

“… o verdadeiro professor não é necessariamente aquele que foi programado para pesquizar baseado em prescrições para resolver problemas de ensino diversos. O professor efetivo pode ser definido como o que é capaz de conceber seu ensino com propósitos definidos, de analisar um problema específico de ensino, de escolher uma abordagem que pareça adequada para o problema, que tente essa abordagem, que avalie os resultados em relação à finalidade original, e, finalmente, que seja capaz de reconsiderar quer a sua abordagem do ensino, quer o seu propósito original”.

Todas as expressões que, segundo estes autores, caraterizam a forma de

atuar do “verdadeiro professor”, como, por exemplo: conceber propósitos,

analisar, escolher, tentar, avaliar e reconsiderar, dizem respeito à capacidade

de reflexão sobre a prática.

Martinek e Hellison (2009, p. 47), escrevendo sobre os seus monitores em

formação, afirmam que a capacidade de refletir sobre si mesmo é um caminho

para que estes mergulhem mais fundo nas suas experiências de liderança e,

assim, desenvolvam níveis mais elevados de pensamento.

Todas as caraterísticas do perfil do professor sobre as quais fomos discorrendo

são suportadas pelos documentos escritos por Hellison ao longo da sua

carreira como professor/treinador e como formador de professores e de

mentores. Perguntava ele no seu livro “Teaching Responsibility Trough

Physical Activity” (1995, p. 100), “Que tipo de professor pode ensinar

responsabilidade pessoal e social e que tipo de relação deve estabelecer com

os seus estudantes?” e continuava dizendo, “a resposta é simples, o professor

tem que viver os Níveis de Responsabilidade Pessoal e Social, tem que os

“incorporar” […].”

304

Cf. p. 181

Page 286: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

268

Como síntese do que ficou registado em relação ao perfil do professor diremos

o seguinte: não nos restam dúvidas de que as caraterísticas mais marcantes do

educador no modelo de Hellison dizem respeito, segundo as declarações dos

nossos entrevistados, à visão que este tem do adolescente pois esta vai

condicionar toda a relação educativa. Desta visão da criança, destacaram-se

no estudo presente algumas caraterísticas que passaremos a citar:

As expectativas positivas do professor em relação ao aluno, que fazem com

que o aluno acredite também nele mesmo, assumindo as aprendizagens que

vai fazendo e o poder que lhe vai sendo passado facilitando o empoderamento

(empowerment); a esperança e o otimismo, que, contrariando a impotência

aprendida, são estimulantes do potencial do aluno; a perceção que o professor

tem das motivações dos jovens e o aproveitamento que faz dessa perceção, é

outra caraterística referida nos dados recolhidos; tirar partido da atividade física

para tornar o ambiente divertido, para transmitir ao aluno perceção de

competência e para melhorar o seu relacionamento com os pares é apostar na

motivação e na autodeterminação dos jovens; o conhecimento do contexto

social de proveniência dos praticantes, da forma como estes se relacionam

com os adultos e com as instituições educativas, nomeadamente com a escola,

são mais-valias enriquecedoras da visão que o adulto tem dos seus

educandos.

No perfil do professor que trabalha com o Modelo de Responsabilidade

destacou-se ainda, nas respostas recolhidas nas entrevistas, a importância dos

valores, atitudes e convicções do mesmo. Os especialistas entrevistados

recomendam que o professor se mantenha íntegro e honesto em relação aos

seus valores e que avalie até que ponto o Modelo de Hellison lhe está ajustado.

O gosto por trabalhar com adolescentes e as competências de relação com os

mesmos, são os traços de perfil também sublinhados.

Sem dúvida que a capacidade do educador manter compromisso de tempo e

de interesse por cada um dos seus alunos é das referências a que os

entrevistados dão mais importância quer no seu trabalho, quer nas

caraterísticas daqueles que pretendem vir trabalhar o Modelo de

Responsabilidade de Hellison. Este aspeto do perfil do professor é,

Page 287: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

269

inclusivamente, usado por Escartí como critério de recrutamento de novos

intervenientes.

Finalmente, é referida, também com bastante frequência, a capacidade do

educador adaptar o ensino à criança com que trabalha. Esta capacidade

decorre de uma outra, o conhecimento das necessidades da criança, que, no

entender dos entrevistados, exige conhecimentos teóricos e práticos

específicos e, para além disso, impõe o desenvolvimento de relações

empáticas.

Este exigente perfil pressupõe uma formação profissional inicial e contínua em

que o educador adquira saberes sólidos em relação à educação de valores, ao

desenvolvimento juvenil e ao modelo de intervenção que utiliza. Não se trata de

formação académica restrita, apenas, mas também de formação

supervisionada em exercício.

Como corolário das caraterísticas do perfil do professor do Modelo de

Responsabilidade, é-nos sugerido o hábito da prática reflexiva. Os

entrevistados falam dela como prática pessoal de introspeção e de auto

avaliação que permite adequar e conceber, de maneira pessoal, toda a

atividade pedagógica.

A importância de “quem é o professor” é sem dúvida nenhuma uma das

asserções mais ricas que retiramos deste estudo. Quem é o professor e que

capacidade tem ele para levar os níveis de responsabilidade à prática, são, no

entender de Hellison, condicionalismos importantes à aplicação do Modelo de

Responsabilidade. Vimos esta convicção clara no discurso dos entrevistados

com referências muito incisivas no caso de Petitpas e de Parker.

Page 288: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Discussão

270

Page 289: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

V Conclusões

Page 290: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Conclusões

272

Page 291: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Conclusões

273

Na introdução desta tese, propusemo-nos compreender como é que o modelo

de intervenção pedagógica Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e

Social de Hellison (MR) promove o Desenvolvimento Positivo dos Jovens

(DPJ)?

Procurámos, por isso, nas palavras dos especialistas entrevistados, as suas

convicções sobre que fatores presentes no programa Modelo de

Responsabilidade eram significativos para fomentarem o Desenvolvimento

Positivo nos Jovens. Para além destes, buscámos as caraterísticas dos

professores ou mentores (que perfil) que ressaltavam, do discurso dos

entrevistados, como determinantes da qualidade dos resultados educativos

obtidos.

Das entrevistas aos especialistas sobre os temas em apreço, da triangulação

das fontes a que tivemos acesso, dos documentos que foram produzindo ao

longo das suas carreiras e da literatura atual referente aos grandes temas do

presente estudo, tirámos algumas conclusões.

A primeira asserção que pudemos fazer, baseada no presente estudo, foi a

confirmação de que o Modelo de Desenvolvimento da Responsabilidade

Pessoal e Social de Hellison promove o Desenvolvimento Positivo dos Jovens,

utilizando a atividade física e desportiva como meio privilegiado. O modelo de

Hellison apresenta uma visão positiva do adolescente acreditando nas suas

forças e potencialidades para o seu próprio desenvolvimento. Verificámos uma

grande coincidência, ao nível dos objetivos e das estratégias utilizadas, na

implementação do modelo de Hellison e aquelas que os nossos entrevistados e

outros autores consideram caraterísticas dos programas de Desenvolvimento

Positivo da Juventude. O empowerment, a conquista da autonomia e a

sensibilidade para os outros são exemplos desses objetivos. Das estratégias

comuns salientaram-se as de transferência das aprendizagens para a vida do

dia-a-dia dos alunos, a participação do aluno no seu próprio desenvolvimento

tendo direito à opinião, à voz ativa, a responsabilidade e ao erro.

Page 292: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Conclusões

274

Outra caraterística que faz do Modelo de Responsabilidade um modelo de

Desenvolvimento Positivo é destinar-se a toda a população,

independentemente do sexo, do escalão etário, do meio sociocultural de

proveniência, de ser uma população de risco ou com necessidades educativas

especiais.

Através da investigação que levámos a cabo, pudemos chegar à asserção de

que os fatores que explicam o sucesso do Modelo de Responsabilidade no

Desenvolvimento Positivo da Juventude são os seguintes: o tempo de duração

do programa, a qualidade da relação que o adulto estabelece com o

adolescente, o ambiente em que se desenrola a aprendizagem, a avaliação

constante do processo e do produto da mesma aprendizagem, a objetividade e

o realismo do adulto responsável e o rácio professor/aluno.

Os entrevistados, que aplicaram na sua prática pedagógica o Modelo de

Responsabilidade, manifestaram uma grande coerência na utilização da

estrutura da sessão, de acordo com a original, e na busca dos objetivos,

através da evolução dos alunos nos Níveis de Responsabilidade. Todos foram

unânimes em deixar claro que: o professor é mais importante para o êxito do

modelo de Hellison do que o respeito pela aplicação inflexível do modelo. Este

facto, que tem destaque muito especial quer na literatura revista quer nas

declarações dos entrevistados, confirma-se no capítulo respeitante ao perfil do

professor.

As conclusões a que chegámos reafirmam a importância que atribuímos ao

perfil do professor dando-lhe categoria de tema-eixo. De facto, concluímos que

é do maior interesse, para o sucesso do Modelo de Responsabilidade no

desenvolvimento dos alunos, a visão que o professor tenha do adolescente, os

seus valores atitudes e convicções, o compromisso a longo prazo com os

alunos, o estabelecimento de relações personalizadas com os adolescentes, a

capacidade de adaptar o ensino ao praticante, a sua prática reflexiva, as suas

competências globais de relação, o gosto em trabalhar com a juventude e o

conhecimento das necessidades desta. Por último, mas referido como muito

Page 293: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Conclusões

275

importante pelos entrevistados, destacamos a qualidade da formação do

professor, particularmente no que diz respeito à prática pedagógica

supervisionada.

Em conclusão, poderemos dizer que todos os entrevistados estão de acordo

em que, sendo o Modelo de Responsabilidade um programa que promove o

Desenvolvimento Positivo da Juventude, este se constrói sobre as

potencialidades dos jovens, sobre o estabelecimento de relações significativas

e duradoiras e sobre um conjunto de valores claros e coincidentes entre todos

os intervenientes.

Pelo valor emergente do Modelo de Responsabilidade na educação da

juventude, que para nós ficou patente no trabalho que desenvolvemos, parece-

nos importante que no plano da investigação se implementem estudos a

respeito do referido modelo e da sua aplicabilidade à população portuguesa.

Mais nos parece justificada a extensão da presente investigação e o seu

aprofundamento em várias áreas de conhecimento. Por exemplo: o estudo do

perfil do professor de Educação Física e do Treinador no contexto do Modelo

de Responsabilidade afigura-se-nos como uma linha de investigação

necessária, possível e interessante.

Em termos mais operacionais, sugerimos também que se implementem

oportunidades de intervenção no campo de estudo do Desenvolvimento

Positivo da Juventude e do Modelo de Responsabilidade de Hellison,

mobilizando para tal as comunidades envolventes, os clubes e as escolas de

ensino básico e secundário, buscando atuar ao nível da Educação Física

curricular e das atividades extracurriculares. Esta ligação entre a Universidade,

através da sua comunidade científica, e o seu envolvimento parece-nos uma

mais-valia importante do ponto de vista da educação e do progresso para

ambas as partes.

…porque essa gente miúda que anda por aí não obedece… imita!

Alberto Brito SJ

Page 294: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Conclusões

276

Page 295: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

VII Bibliografia

Page 296: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Bibliografia

278

Page 297: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Bibliografia

279

BIBLIOGRAFIA

Araújo, L. S., Cruz, J. F. A., & Almeida, L. S. (2007). Excelência Humana: Teorias Explicativas e Papel Determinante do Professor. In C. I. d. Carvalhos (Ed.), Psicologia Educação e Cultura (Vol. XI, pp. 197-221). Carvalhos.

Balderson, D. W., & Martin, M. (2011). The Efficacy of the Personal and Social Responsibility Model in a Physical Education Setting. PHEnex Journal/Revue phénEPS, 3(3), 15.

Bardin, L. (2008). Análise de Conteúdo (L. A. Reto & A. Pinheiro, Trans. 4º ed.). Coimbra: Edições 70, Lda.

Benson, P. L. (1990). The Troubled Journey: a Portrait of 6th - 12th Grade Youth. [Relatório]. Search Institute, 92.

Benson, P. L. (1997). All Kids Are Our Kids: What Communities Must Do to Raise Caring and Responsible Children and Adolescents. San Francisco: Jossey-

Bass. Benson, P. L., Leffert, N., Scales, P. C., & Blyth, D. A. (1998). Beyond the 'Village'

Rhetoric: Creating Healthy Communities for Children and Adolescents. Applied Development Science, 2(3), 138-159.

Benson, P. L., Scales, P. C., Hamilton, S. f., Sesma Jr, A., Hong, k. L., & Roehlkepartain, E. C. (2006). Positive Youth Development So Far. Insights & Evidence, 3(1), 13.

Bogdan, R. C., & Biklen, S. K. (1994). Investigação Qualitativa em Investigação (Vol. 12). Porto: Porto Editora.

Brustad, R. J. (2008). Desenvolvimento Positivo dos Jovens através da Actividade Física e Desportiva [Powerpoint]. Porto.

Brustad, R. J., & Parker, M. (2005). Enhancing Positive Youth Development throught Sport and Physical Activity. Revista Psychologica, 39, 1-31.

Buchanan, a. M. (2001). Contextual Challenges to Teaching Responsibility ia a Sports Champ. Journal of Teaching Physical Education(20), 155-171.

Carranza, M., & Mora, J. M. (2003). Educación Física y Valores: Educando en un Mundo Complejo (1 ed.). Barcelona: Editorial GRAÓ.

Carter, M. J., & Kucharewski, R. (2005). Youth Challenges in Today's Society: Introduction. JOPERD, 76(nº9), 17-18.

Catalano, R. F., Berglung, M. L., Ryan, J. A. M., Lonczak, H., & Hawkins, J. D. (2004). Positive Youth Develpment in the United States: Research Findings on Evaluations of Positive Youth Development Programs. [Revisão]. ANNALS, AAPSS, 591, 98- 115.

Catalano, R. F., Hawkins, J. D., Berglung, M. L., Pollard, J. A., & Arthur, M. W. (2002). Prevention Science and Positive Youth Development: Competitive or Cooperative Frameworks? Journal of Adolescent Health, 31, 230-239.

Cecchini, J. A., Montero, J., Alonso, A., Izquierdo, M., & Contreras, O. (2007). Effects of Personal and Social Responsibility on Fair Play in Sports and Self-control in School-aged Youths. European Journal of Sport Science, 7(4), 203-211.

Cecchini, J. A., Montero, J., & Peña, J. V. (2003). Repercusiones del Programa de Intervención para Desarrollar la Responsabilidad Personal y Social de Hellison Sobre los Comportamientos de Fair-Play y el Auto-control. Psicothema, 15(4), 631-637.

Page 298: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Bibliografia

280

Connell, J. P., Spencer, M. B., & Aber, J. L. (1994). Educational Risk and Resilience in African-American Youth: Context, Self, Action, and Outcomes in School. Child Development, 65(2), 493- 506.

Cooper, N., Estes, C. A., & Allen, L. (2004). Bouncing Back: Haw to Develop Resiliency Through Outcome-Based Recreation Programs. Parks & Recreation, 28-35.

Correia, S. M. A. (2007). Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social, em Crianças e Jovens em Risco de Insucesso Escolar, Atravéz de um Programa Desportivo. Universidade do Porto, Porto.

Corte-Real, A. (2011). Escola, Inclusão e Responsabilidade Pessoal e Social... que Papel Para o Desporto. Unpublished Dissertação de Mestrado, Universidade do Porto, Porto.

Costa, J. A., & Melo, A. S. (1987). Dicionário da Língua Portuguesa. In P. Editora (Ed.) (6ª ed.).

Csikszentmihalyi, M., & LeFevre, J. (1989). Optimal Experience in Work and Leisure. Journal of Personality ans Social Psychology, 56(5), 815-822.

Cutforth, N. J. (1997). What's Worth Doing: Reflections on a After-School Program in a Denver Elementary School. Quest, 49, 130-139.

Cutforth, N. J., & Hellison, D. R. (1992). Reflections on Reflective Teaching in a Physical Education Teacher Education Methods Course. Physical Educator, 49(3).

Cutforth, N. J., & Parker, M. (1996). Promoting Affective Development in Physical Education: The Value of Journal Writing. JOPERD, 67(7), 19-23.

Damon, W. (2004). What is Positive Youth Development. ANNALS, AAPSS, 591, 13-

24. Damon, W., Menon, J., & Bronk, K. C. (2003). The Development of Purpose During

Adolescence. Applied Development Science, 7(3), 119-128.

DeBusk, M., & Hellison, D. R. (1989). Implementing a Physical Education Self-Responsibility Model for Delenquency-Prone Youth. Journal of Teaching in Physical Education(8), 104.112.

Dotterweich, J. (2006). Positive Youth Development Resource Manual: ACT Upstate Center of Excelence.

Eccles, J. S., & Gootman, J. A. (2002). Community Programs to Promote Youth Development: Nacilnal Academy of Sciences.

Edginton, C. R., & Randall, S. W. (2005). Youth Services: Strategies for Programing. JOPERD, 76(9), 19-24.

Edwards, O. W., Mumford, v. E., & Serra-Roldan, R. (2007). A Positive Youth Development Model for Students Considered At-Risk. School Psychology International, 28(1), 29-45.

Escartí, A. Applying the Personal and Social Responsibility Model in Varied Contexts. In A. A. Conference (Ed.). Valencia Espanha.

Escartí, A., Buelga, S., Gutiérrez, M., & Pascual, C. (2009). El Deserrollo Positivo a Través de la Actividad Física y el Deporte: el Programa de Responsabilidad Personal y Social. Revista de Psicologia Geral y Aplicada, 62(1-2), 45-52.

Escartí, A., Gutiérrez, M., & llopis, R. (2010a). Implementation of the Personal and Social Responsibility Model to Improve Self-Efficacy during Physical Education Classes for Primary School Children. Journal of Psychology and Psychological Therapy, 10(3), 387-402.

Escartí, A., Gutiérrez, M., & Marín, D. (2010b). Application of Hellison's Teaching Personal and Social Responsibility Model in Physical Education to Improve Self-Efficacy for Adolescentes at Risk of Dropping-out of School. The Spanish Jornal of Psychology, 13(2), 667-676.

Page 299: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Bibliografia

281

Escartí, A., Gutiérrez, M., Marín, D., Martínez, C., & Chacón, Y. (2006). Enseñando Responsabilidad Personal y Social a un Grupo de Adolescentes de Riesgo: Un Estudo "observacional". Revista de Educação, 341, 373-396.

Escartí, A., Gutiérrez, M., & Pascual, C. (2011). Propriedades Psicométricas de la Versíon Española del Cuestionario de Responsabilidad Personal y Social en Contextos de Educatión Física. Resvista de Psicologís del Deporte, 20(1), 119-

130. Escartí, A., Pascual, C., & Gutiérrez, M. (2005). Responsabilidad Personal y Social a

través de la Educación Física y del Deporte (1ª ed.). Barcelona: Editorial

GRAÓ, de IRIF, S.L. Ferreira, J. d. F. (2007). Editorial. [Editorial]. Psicologia Educação e Cultura - Colégio

Internato dos Carvalhos, XI(2), 193-195.

Fraser-Tomas, J. L., Côté, J., & Deakin, J. (2005). Youth Sport Programs: an Avenue to Foster Positive Youth Development. Physical Education and Sport Pedagogy, 10(1), 19-40.

Gardner, H. (1983). Frames of Mind: The Theory of Multiple Intelligences. New York:

Basic Books. Glaspie, A. (2011). The 4-H Study of Positive Youth Development: Past, Present and

Future. Retrieved 10-10-2011: http://www.s-r-a.org Gordon, B. (2010). An Examination of the Responsibility Model in a New Zealand

Secondary School Physical Education Program. Journal of Teaching in Physical Education, 29, 21-37.

Guimarães, M. d. F., 21. Retrieved from http://www.spce.org.pt/sem/96Fatima.pdf Gutiérrez, M., Escartí, A., & Pascual, C. (2011). Relaciones Entre Empatía, Conducta

Prosocial, Agressividad, Autoeficacia y Responsabilidad Personal y Social de los Escolares. Psicothema, 23(1), 13-19.

Gutiérrez, M., Pílsa Doménech, C., & Torres Benet, E. (2007). Perfil de Educación Física y sus Profesores desde el Punto de Vista de los Alumnos. Revista Internacional de Ciencias del Deporte, 3(8), 39-52.

Gutiérrez Sanmartím, M., Escartí, A., & Pascual, C. (2011). Relaciones Entre Empatía, Conducta Prosocial, Agressividad, Autoeficacia y Responsabilidad Personal y Social de los Escolares. Psicothema, 23(1), 13-19.

Hall, G., Yohalem, N., Tolman, J., & Wilson, A. (2003). How Afterschool Programs Can Most Effectively Promote Positive Youth Development as a Support to Academic Achievement. Boston: National Institute on Out-of-School Time.

Hammond-Diedrich, K., & Walsh, D. (2006). Empowering Youth Trough a Responsibility-Based Cross-Age Teacher Program. [Artigo]. Physical Educator, 63(3), 134-142.

Hansen, K., & Parker, M. (2009). Rock Climbing: An Experience With Responsibility. JOPERD, 80(2), 17-23.

Hawkins, J. D., Catalano, R. F., & Miller, J. Y. (1992). Risk and Protective Factors for Alcohol and Other Drug Problems in Adolescence and Early Adulthood: Implications for Substance Abuse Prevention. Psychological Bulletin, 112(1),

64-105. Hellison, D. R. (1973). Humanistic Physical Education: a Behavioral Perspective:

Prentice-Hall. Hellison, D. R. (1978). Beyond Balls and Bats. Washington: AAPER Pubications. Hellison, D. R. (1985). Goals and Strategies for Teaching Physical Education. USA:

Human Kinetics Publishers, Inc. Hellison, D. R. (1990a). Physical Education for Disadvantaged Youth. JOPERD, 37. Hellison, D. R. (1990b). Teaching PE to At-Risk Youth in Chicago - A Model. JOPERD,

38 - 39.

Page 300: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Bibliografia

282

Hellison, D. R. (1991). The Whole Person in Physical Education Scholarship. Quest(43), 307-318.

Hellison, D. R. (1995). Teaching Responsibility Trough Physical Activity (1ª ed.). USA: Human Kinetics.

Hellison, D. R. (2003). Teaching Responsibility Through Physical Activity (2ª ed.). USA:

Human Kinetics. Hellison, D. R., Cutforth, N. J., Kallusky, J., Martinek, T. J., Parker, M., & Stiehl, J.

(2000). Youth Development and Physical Activity: Linking Universities and Communities. U.S.: Human Kinetics.

Hellison, D. R., Martinek, T. J., & Cutforth, N. J. (1996). Beyond Violence Prevention in Inner-City Physical Activity Programs. Peace and Conflict: Journal of Peace Psychology, 2(4), 321-337.

Hellison, D. R., & Siedentop, D. (1974). Humanism and Behaviorism in Physical Education: A Dialogue. Paper presented at the Annual Meeting of American Alliance for Health.

Hellison, D. R., & Templin, T. J. (1991). A Reflective Approach to Teaching Physical Education: Human Kinetics Books.

Hellison, D. R., & Walsh, D. (2002). Responsibility-Based Youth Program Evaluation: Investigating the Investigations. Quest, 2002, 54, 292-307.

Hellison, D. R., & Wright, P. M. (2003). Retention in an Urban Extended Day Program: A Process-Based Assessment. Journal of Teaching in Physical Education, 22(4), 369-382.

Holt, N. L. (2008). Positive Youth Development Through Sport. Oxon: Routledge.

Holt, N. L., & Neely, K. (2011). Positive Youth Development Through Sport: a Review. Revista Iberoamericana de Educación, 6(2), 299-316.

Jessor, R., Van Den Bos, J., Vanderryn, J., Costa, F. M., & Turbin, M. S. (1995). Protective Factors in Adolescent Problem Behavior: Moderator Effects and Developmental Change. Developmental Psychology, 31, 923-933.

Jiménez Martín, P. J. (2006). Propuesta de Intervención con Jóvenes Socialmente Desfavorecidos a Través de la Actividad Física y del Deporte. Conexões, 4(1), 34-51.

Jiménez, P. J. (2006). Propuesta de Intervención con Jóvenes Socialmente Desfavorecidos a Través de la Actividad Física y del Deporte. Conexões, 4(1),

34-51. Kahne, J., Nagaoka, J., Brown, A., O'Brien, J., Quinn, T., & Thiede, K. (2001).

Assessing After-School Programs as Contexts for youth Development. Youth & Society, 32(4), 421-446.

King, P. E., Schultz, W., Mueller, R. A., Dowling, E. M., Osborn, P., Dickerson, E., et al. (2005). Positive Youth Development: Is There a Nomological Network of Concepts Used in the Adolescent Developmental Literature? Applied Developmental Science, 9(4), 216-228.

Lee, O. (2009). Navigating Two Cultures: An Investigation of Cultures of Responsibility-Based Physical Activity Program and School. Research Quarterly for Exercise and Sport, 80(2), 230-240.

Lerner, R. M. (2004). Liberty: Thrivingand Civic Engagement Among America's Youth.

Thousand Oaks, California: Sge Publications. Lerner, R. M. (2005). Promoting Positive Youth Development: Theoretical and

Empirical Bases, Tufts University.

Lerner, R. M., Fisher, C. B., & Weinberg, R. A. (2000). Toward a Science for and of the People: Promoting Civil Society through the Application of Developmental Science. Child Development, 71(1), 11-20.

Lerner, R. M., Lerner, J. V., Almerigi, J., & Theokas, C. (2005a). Positive Youth Development: A View of Issues. Journal of Early Adolescence, 25(1), 10-16.

Page 301: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Bibliografia

283

Lerner, R. M., Lerner, J. V., Almerigi, J., Theokas, C., Phelps, E., Gestsdottir, S., et al. (2005b). Positive Youth Development, Participation in Community Youth Development Programs, and Community Contributions of Fifth-Grade Adolescents. Journal of Early Adolescence, 25(1), 1771.

Lerner, R. M., Lerner, J. V., Almerigi, J., Theokas, C., Phelps, E., Nadeau, S., et al. (2006). Towards a New Vision and Vocabulary About Adolescence: Theoretical, Empirical, and Applied Bases of a "Positive Youth Development" Perspective. In P. Press (Ed.), Child Psichology: A Handbook of Contemporary Issues. New

York. Lerner, R. M., Taylor, C. S., & Eye, A. v. (2002). New Directions for Youth

Development. San Francisco: Wiley Periodicals, Inc. Lima, J. Á., & Pacheco, J. A. (2006). Fazer Investigação. Porto: Porto Editora.

Lopes, J. A., Rutherford, R. B., Cruz, M. d. C., Mathur, S. R., & Quinn, M. M. (2006). Competências Sociais: Aspectos Comportamentais, Emocionais e de Aprendizagem. Braga: Psiquilíbrios Edições.

Programa Nacional de Saúde Escolar, Despacho n.º 12.045/2006 (2.ª série) Publicado no Diário da República n.º 110 de 7 de Junho C.F.R. (2006). Marín, D. (2007). Promoviendo el Desarrollo Positivo a través de la Educación Física:

el Programa de Responsabilidad Personal y Social. Universidad de Valencia,

Valencia. Marín, D., Escartí, A., Pascual, C., & Gutiérrez, M. (2005). Mejorando la Satisfacción

Personal Y Laboral de un Grupo de Docentes de Educación Física a Través del Programa de Responsabilidad Personal y Social. Paper presented at the I

Congreso del Deporte en Edad Escolar. Martinek, T. J. Enhancing Positive Development Through Sport. FORUM ΦΥΣΙΚΗ

ΑΓΩΓΗ: ΕΠΑΝΑΠΡΟΣΔΙΟΡΙΣΜΟΣ ΤΟΥ ΡΟΛΟΥ ΤΗΣ, 2007

Martinek, T. J., & Hellison, D. R. (1997). Fostering Resiliency in Underserved Youth Through Physical Activity. Quest, 49, 34-49.

Martinek, T. J., & Hellison, D. R. (2009). Youth Leadership in Sport and Physical Education. Nova York: palgrave Macmillan.

Martinek, T. J., Hellison, D. R., & Walsh, D. (2004). Service-Bonded Inquiry Revisited: A Research Model for the Community-Engaged Professor. Quest(56), 397-412.

Martinek, T. J., & Ruiz, L. M. (2005). Promoting Positive Youth Development Through a Values-Based Sport Program. Revista Internacional de Ciencias del Deporte, 1, 1-13.

Martinek, T. J., Schilling, T., & Hellison, D. R. (2006). The Developement of Compassionate and Caring Leadership Among Adolescents. Physical Education and Sport Pedagogy, 11(2), 141-157.

Martinek, T. J., Schilling, T., & Johnson, D. (2001). Transferring Personal and Social Responsibility of Underserved Youth to the Classroom. Urban Review, 33(1),

29-45. Masser, L. (2004). Personal and Social Responsibility; Cultural Awareness. Retrieved

17-02-2004, 2004, from http://www.sasked.gov.sk.ca/docs/physed1-5/ep_perspective3.html

Monteiro, T. R., K., P. r., & Valentini, N. C. (2008). Responsabilidade Social e Pessoal de Crianças Participantes de um Programa de Intervenção Motora. Temas Sobre Desenvolvimento, 16(94), 14.

Moreno Murcia, J. A., & González-Cutre Coll, D. (2006). A Permanência de Praticantes em Programas Aquáticos Baseada na Teoria da Autodeterminaçao. Fitness & Performance Journal, 5(1), 5-9.

Newton, M., Watson, D. L., Kim, M.-S., & Beacham, A. O. (2006). Understanding Motivation of Underserved Youth in Physical Activity Settings. Youth & Society, 37(3), 348-371.

Page 302: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Bibliografia

284

Nogueira, H. O. (2011). O Modelo de Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social em Lares Especializados de Infância e Juventude. . Unpublished

Dissertação de Mestrado, Universidade do Porto. OMS. (2012). Adolescent health. Retrieved 2012, from World Health Organization:

http://www.who.int/topics/adolescent_health/en/ Pardo, R. (2007, Jun 2007). Positive Youth Development Throught a Physycal Activity

Program Based on Responsibility Model: Multiple Case Study. Paper presented at the I Conference on PYD Colorado US.

Pardo, R. (2008). La Transmisión de Valores a Jóvenes Socialmente Desfavorecidos a Través de la Actividad Física y el Deporte. Unpublished Doctoral Europeia, Universidad Politécnica de Madrid, Madrid.

Park, N. (2004). The Role of Subjective Well-Being in Positive Youth Development. ANNALS, AAPSS, 591, 25-39.

Parker, M. (2008). Program Development [Powerpoint]. Porto. Parker, M., & Hellison, D. R. (2001). Teaching Responsibility in Physical Education:

Standards, Outcomes, and Beyond. JOPERD, 72(9), 25-27.

Parker, M., Kallusky, J., & Hellison, D. R. (1999). High Impact, Low Risk: Ten Strategies to Teach Responsibility. JOPERD, 70(2), 26-28.

Parker, M., & Stiehl, J. (2005). Personal and Social Responsibility Standards-Based Physical Education Curriculum Development (pp. 131-153): Jones and Bartlett Publishers.

Perkins, D., & Salomon, G. (1992). Transfer of Lerning International Encyclopedia of Education (pp. 13). Oxford - England: Pergamon Press.

Petitpas, A. J., Cornelius, A. E., Raalte, V., & Jones, T. (2005). A Framework for Planning Youth Sport Programs that Foster Psychosocial Development. The Sport Psychologist, 19, 63-80.

Pinto, C. (1998). "Empowerment" uma Prática de Serviço Social. Política Social - ISCSP, 247-264.

Regueiras, M. L. (2006). Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social de Jovens em Risco, através do Desporto: Será possível? , Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, Porto.

Rieke, M., Hammermeister, J., & Chase, M. (2008). Servant Leadership in Sport: a New Paradigm for Effective Coach Bahavior. International Journal of Sports & Coaching, 3(2), 227-239.

Robertson, R. M. (1997). Walking the Talk: Organizational Modeling and Commitment to Youth and Staff Development. Child Welfare League of America, Vol. LXXVI(5), 579-589.

Roldão, M. d. C. (2007). Função Docente: Natureza e Construção do Conhecimento Profissional. Revista Brasileira de Educação, 12(34).

Roth, J. L. (2004). Youth Development Programs. The Prevention Researcher, 11(2),

3-7. Roth, J. L., & Brooks-Gunn, J. (2000). What Do Adolescents Need for Healthy

Development? Implications for Youth Policy. Society for Research in Child Development, XIV(1), 20.

Roth, J. L., & Brooks-Gunn, J. (2003a). What Exactly is a Youth Development Program? Answers From Research and Practice. Applied Development Science, 7(2), 94-111.

Roth, J. L., & Brooks-Gunn, J. (2003b). Youth Development Programs: Risk, Prevention and Policy. Journal of Adolescent Health, 32, 170-182.

Ruiz, L. M., Graupera, J. L., Gutiérrez, M., & Nishida, T. (2004). El Test AMPET de Motivación de Logro para el Aprendizaje en Educación Física: Deserrollo y Análisis Factorial de la Versión Espanhola. Revista de Educación, 335, 195-

211.

Page 303: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Bibliografia

285

Ruiz, L. M., Rodríguez, P., Martinek, T. J., Schilling, T., Durán, L. J., & Jiménez, P. J. (2006). El Proyecto Esfuerzo: Un Modelo para el Desarrollo de la Responsabilidad Personal y Social a Través del Deporte. Revista de Educación, 933-958.

Ruiz Pérez, L. M., Rodríguez, P., Martinek, T. J., Schilling, T., Durán, L. J., & Jiménez Martín, P. J. (2006). El Proyecto Esfuerzo: Un Modelo para el Desarrollo de la Responsabilidad Personal y Social a Través del Deporte. Revista de Educación, 933-958.

Ryan, R. M., & Deci, E. L. (2000). Intrinsic and Extrinsic Motivations: Classic Definitions and New Directions. Contemporary Educational Psychology, 25, 54–67.

Sapienza, G., & Pedromônico, M. R. M. (2005). Risco, Proteção e Resiliência no Desenvolvimento da Criança e do Adolescente. Psicologia em Estudo, 10(2),

209-216. Saskatchewan, M. d. L. E. d. l. (1999). TPSR Perspective Personnelle, Sociale et

Culturelle. 2007, from http://www.sasked.gov.sk.ca/docs/francais/edphysique/elem/pdf/edphy1-5.pdf

Savater, F. (2006). O Valor de Educar (2ª ed.). Lisboa: Publicações Dom Quixote. Scales, P. C., Benson, P. L., Leffert, N., & Blyth, D. A. (2000). Contribution Of

Developmental Assets to the Prediction of Thriving Among Adolescents. Applied Developmental Science, 4(1), 27-46.

Seligman, M. E. P., & Csikszentmihalyi, M. (2000). Positive Psychology: An Introduction. American Psychologist, 55(1), 4-14.

Seymour, K. (2011). Good Practice Principles for Youth Development Organisations.

Queensland - Australia: Key Centre for Ethics, Law, Justice and Governance, Griffith University.

Shields, D. L. L., & Bredemeier, B. J. L. (1995). Character Devolopment and Physical Activity. USA: Human Kinetics.

Sparks III, W. G. (1993). Promoting Self-Responsibility and Decision Making with At-Risk Students. JOPERD, 74-78.

Sprintthall, N., & Collins, W. A. (2008). Psicologia do Adolescente: uma Abordagem Desenvolvimentista (4ª ed.). Lisboa: Fundação Caloust Gulbenkian.

Stake, R. E. (2009). A Arte da Investigação com Estudos de Caso (A. M. Chaves,

Trans. 2ª ed.): Fundação Calouste Gulbenkian. Stiehl, J. (1993). Becoming Responsible - Theoretical and Practical Considerations.

JOPERD, 38-60. Stiehl, J., & Galvan, C. (2005). School-based Physical Activity Programs. JOPERD,

76(9), 25-31. Strauss, A., & Curbin, J. (2008). Pesquisa Qualitativa: Técnicas e Procedimentos para

o Desenvolvimento de Teoria Fundamentada (L. d. O. Rocha, Trans. 2ª ed.).

Porto Alegre: Armed/Bookman. Theokas, C., Almerigi, J., Lerner, R. M., Dowling, E. M., Benson, P. L., Scales, P. C., et

al. (2005). Conceptualizing and Modeling Individual and Ecological Asset Components of Thriving in Early Adolescence. The Journal of Early Adolescence, 25(1), 113-143.

Urra, J. (2007). O Pequeno Ditador (1ª ed.). Lisboa: A Esfera dos Livros. Vala, J., Pinto, J. M., & Silva, A. S. (1999). A Análise de Conteúdo Metodologia das

Ciências Sociais (pp. 101-128): Edições Afrontamento. Valentim, M. (Producer). (2008, Mar, 2010) Métodos de Pesquisa: Análise de

Conteúdo. Powerpoint Walsh, D. (2007). Supporting Youth Development Outcomes: An Evaluation of a

Responsibility Model-Based Program. Physical Educator, 64(1), 48-56.

Page 304: Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social dos ... · Enquadramento metodológico 79 2. Material e métodos 82 3. Participantes 85 4. Procedimentos de análise 88 5. Confiabilidade

Bibliografia

286

Walsh, D. (2008a). Helping Youth in Unserved Communities Envision Possible Futures: An Extension of the Teaching Personal and Social Responsibility Model. Research Quarterly for Exercise and Sport, 79(2), 209-221.

Walsh, D. (2008b). Strangers in a Strange Land: Using an Activity Cours to Teach an Alternative Curriculum Model. JOPERD, 79(2), 40-44.

Walsh, D., Ozaeta, J., & Wright, P. M. (2010). Transference of Responsibility Model Goals to the School Environment: Exploring the Impact of a Coaching Club Program. Physical Education and Sport Pedagogy, 15(1), 15-28.

Watson, D. L., & Newton, M. (2001). Contextual Self Responsibility Questionnaire

(Questionário). Watson, D. L., Newton, M., & Kim, M.-s. (2003). Recognition of Values-Based

Constructs in a Summer Physical Activity Program. Urban Review, 35(3), 217-

232. Werner, E. E. (1995). Resilience in Development. Current Directions in Psychological

Science, 4(3), 81-85.

Williamson, K. M., & Hellison, D. R. (1992). Preservice Teacher Education for the Inner-City: Ideas and Applications. Clearing House, 65(5), 285-289.

Wright, P. M. (2009). Exploring the Relevance of Positive Youth Development in Urban Physical Education. Physical Education and Sport Pedagogy, 14(3), 241-251.

Wright, P. M., & Burton, S. (2008). Implementation and Outcomes of a Responsibility-Based Physical Activity Program Integrated Into an Intact Hight School Physical Education Class. Jornal of Teaching in Physical Education, 27, 138-154.

Wright, P. M., & Craig, M. W. (2011). Tool for Assessing Responsibility-Based Education (TARE): Instrument Devolopment, Content Validity, and Inter-Rater Reliability. Routledge, 15(3), 204-219.

Wright, P. M., & Kallusky, J. (2010). Intervenciones con Jóvenes en Situación de Riesgo. Retrieved from http://www.tpsr-alliance.org/documents/wright_&_kallusk2010.pdf

Wright, P. M., Li, W., Ding, S., & Pickering, M. (2010). Integrating a Personal and Social Responsibility Programe into a Wellness Course for Urban High School Sudents: Assessing Implementation and Educational Outcomes. Sport, Education and Society, 15(3), 277-298.

Wright, P. M., White, K., & Gaebler-Spira, D. (2004). Exploring the Relevance of the Personal and Social Responsibility Model in Adapted physical Activity: A Collective Case Study. Journal of Teaching in Physical Education, 23, 71-87.

Wuest, D. (1999). Disciplining Students by Promoting Responsibility. PE Central. Retrieved 10-05-2004, 2004, from http://www.pecentral.org