DESAFIOS PARA A EXPANSÃO DA OLERICULTURA URBANA...
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DESAFIOS PARA A EXPANSÃO DA OLERICULTURA URBANA E PERIURBANA FRENTE À ESCASSEZ E À QUALIDADE
DA ÁGUA PARA IRRIGAÇÃO.
Dr. Sebastião Wilson Tivelli1
Desde que a população urbana mundial superou a população rural em 2000, agências
internacionais de fomento a pesquisa e organizações não governamentais (ONGs) passaram
a dar prioridade para pesquisas e projetos em hortas urbanas e periurbanas. Essa reação a
urbanização mundial é sustentada pela insegurança alimentar e nutricional, pelo impacto
econômico e social que essa transformação tem em populações de baixa renda. As hortas
urbanas e periurbanas são vistas também como uma ferramenta que pode contribuir para o
meio ambiente urbano.
O objetivo desse texto é tratar exatamente da contribuição dessa atividade no meio
ambiente urbano. Antes porém, vamos definir o que se entende por agricultura urbana e
periurbana visto que a olericultura é uma importante parte desse todo. Posteriormente, será
apresentado os diferentes tipos de hortas que há no meio urbano, suas principais
características e desafios para a expansão.
A agricultura urbana pode ser definada como o cultivo de plantas e a criação de
animais dentro do perímetro urbano das cidades. Por sua vez, a agricultura periurbana pode
ser definida como o cultivo de plantas e a criação de animais ao redor do perímetro urbano
ou ao redor das cidades.
O fato mais importante na agricultura periurbana que a diferencia da produção agrícola
rural é que a primeira está integrada com a economia urbana e o meio ambiente das cidades.
A agricultura urbana e periurbana estão encaixadas no ecossistema urbano e ativamente
interage com esse. Por exemplo, a agricultura urbana e periurbana emprega trabalhadores
que residem na área urbana das cidades, vende sua produção diretamente para o
consumidor final nas cidades, tendo um importante papel no sistema de abastecimento de
alimentos no meio urbano. Além disso, essa exploração agropecuária compete pela terra
com outras atividades urbanas. 1 Pesquisador Científico I, Instituto Agronômico, Campinas/SP. e-mail: [email protected]
A interação da agricultura urbana e periurbana com as cidades é tão integrada que
essas acabam sendo influenciadas pelas políticas públicas e pelo plano de desenvolvimento
urbano. Para exemplificar a interelação com as políticas públicas podemos apresentar o
Projeto Hortalimento da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do estado de São Paulo
(SAA).
O Hortalimento é um projeto desenvolvido em 2005 pela SAA e que disponibilizou 76
estufas no ano seguinte, de 357 m2 cada, através de convênios com as prefeituras muncipais
paulistas e entidades sem fins lucrativos. Esse projeto visa a inclusão social de pessoas que
formam um expressivo contingente urbano e estão sofrendo com a insegurança alimentar a
margem da nossa sociedade urbana. Em 2007, a meta é oferecer 400 unidades de
produção. Um outro exemplo é a isenção dada pelas prefeituras de alguns municípios no
Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) para aqueles proprietários que cultivem seu lote
ou permitam que alguém o faça. Em Piracicaba/SP, por exemplo, essa isenção no IPTU é de
50% em 2007.
No conceito da agricultura urbana e periurbana há uma importante pilastra com o meio
ambiente urbano porque os agricultores podem utilizar resíduos urbanos típicos como o lixo
orgânico e a água servida. No Brasil, o levantamento do índice global de reciclagem do lixo
urbano em 2005 apontou que 55% do lixo urbano brasileiro é composto de matéria orgânica.
Essa informação é divulgada periodicamente por uma instituição sem fins lucrativos
denominada Compromisso Empresarial Para Reciclagem – CEMPRE
(http://www.cempre.org.br). De acordo com a CEMPRE (Tabela 1), apenas aproximadamente
3% do lixo sólido orgânico urbano gerado no Brasil é reciclado (compostado), enquanto para
o lixo sólido seco urbano (lata de alumínio, papelão, pápeis, plásticos, etc.) esse índice é de
18%. Em Minas Gerais, onde o percentual de reciclagem é maior do que a média nacional
para o lixo sólido orgânico urbano, esse índice chega a 4%.
A reciclagem da água servida no meio urbano é um outro importante papel da
agricultura urbana e periurbana. Em Israel, por exemplo, a água servida dos Kibutzim é
utilizada para irrigação das lavouras que abastecem essas comunidades. Por meio de
sistemas de irrigação localizada e subterrânea, a água servida é controladamente
distribuídas pela plantação de fruteiras. E no Brasil, estamos preparados para isso?
Tabela 1. Levantamento do volume (em toneladas) e do índice global de reciclagem do lixo
urbano em 2005 por tipo de material reciclado (CEMPRE, 2007).
Tipo de Material Volume (ton) Índice de reciclagem
Papel de escritório (ofício branco) 882.400 49,5%
Papelão 2.237.000 77,4%
Plásticos (exceto PET) 290.000 20,0%
PET 174.000 47,0%
Alumínio (embalagens) 127.600 96,2%
Aço (embalagens) 160.000 29,0%
Vidro (embalagens) 390.000 46,0%
Longa Vida 40.000 23,0%
Pneus 127.000 58,0%
Orgânicos (compostagem) 843.150 3%
Fonte: Cempre Informa, n. 91, Janeiro/Fevereiro, 2007
Seguramente a resposta a essa pergunta é não. Com a inauguração da maior Estação
de Tratamento de Esgoto (ETE) do interior do estado de São Paulo em 02/02/2007, a ETE
Anhumas, Campinas passou a ter 65% da água servida (esgoto) gerada no meio urbano
tratada. Após seu tratamento, a água da ETE Anhumas retorna para o Córrego Anhumas,
afluente do rio Atibaia, que compoem a principal bacia hidrografia no abastecimento do
município.
Se não utilizamos o efluente das ETE’s, com que água estamos irrigando as
plantações urbanas e periurbanas? Em uma análise mais detalhada, encontramos na
agricultura urbana e periurbana culturas que conseguem se desenvolver apenas com a água
proveniente das chuvas, como é o caso do milho, feijão, quiabo, batata-doce e mandioca,
entre outras. A necessidade de água no cultivo da maioria das hortaliças não pode ficar
apenas por conta da chuva e por isso, é fundamental contar com uma outra fonte de água.
Assim sendo, a olericultura urbana e periurbana têm se abastecido de água proveniente de
cursos d'água, poços e da rede pública de água tratada.
Apesar do aumento que vem ocorrendo desde o ano 2000 no índice de tratamento do
esgoto urbano, a captação de água nos mananciais que passam por meio urbano precisa ser
feita com cuidado. Mesmo em regiões onde há o tratamento da água servida, não estamos
livre dos vazamentos acidentais causados por rompimento ou entupimento da rede de coleta
e afastamento do esgoto urbano. Portanto, a utilização da água desses cursos d’água
deveria ser evitada para a irrigação de hortaliças, especialmente as folhosas que são
consumidas “in natura”.
As hortas abastecidas por poços d’água de superfície também não estão livres dos
microorganismos presentes em águas servidas. Em muitas regiões do Brasil, o uso da fossa
negra é comum. Essa prática favorece a contaminação do lençol freático e essa
contaminação acaba chegando a água retirada dos poços. Resta a opção dos poços
artesianos, que são muito mais caros, pois buscam a água a centenas de metros de
profundidade. Além disso, estamos utilizando nessa opção uma água extremamente nobre
para esse fim. A água proveniente de poços artesianos nas regiões Sul e Sudeste do Brasil é
retirada do maior manancial de água doce subterrânea transfronteiriço do mundo – o
Aqüífero Guarani.
Seja pelo problema de contaminação dos mananciais e poços de superfície, ou pela
dificuldade de obter água de qualidade para a irrigação de hortas urbanas, um expressivo
número de hortas urbanas buscam a água que necessitam na rede pública dos municípios.
Essa solução seria interessante se os horticultores urbanos soubessem que essa água
precisa ficar de um dia para outro em um reservatório para eliminar o excesso de cloro. O
cloro presente na água tratada da rede pública pode ser prejudicial as plantas. Essa solução
seria interessante se não tivessemos os surtos de dengue, cujo mosquito pode usar o
reservatório de água das hortas urbanas para procriação. Essa solução seria interessante se
não estivéssemos usando uma água tão nobre para irrigação. A água doce utilizada da rede
pública de abastecimento urbano foi captada, tratada e distribuída, as vezes por dezenas de
quilometros, antes de chegar a horta urbana.
Ao utilizar a água encanada para irrigar hortas urbanas, estamos competido pela
mesma fonte de água que abastece de água potável a população urbana. Esse precioso
liquido é vital para a sobrevivência humana e está ficando cada dia mais escasso. Será que é
socialmente justo e sustentável a horta urbana ser irrigada com a água tratada da rede
pública?
A população brasileira vivendo em centros urbanos era de 82% do total ao final de
2005. Portanto, a situação brasileira é mais crítica do que a mundial no quesito urbanização.
Nas hortas urbanas e periurbanas predomina o uso da mão-de-obra familiar composta em
sua maioria por pessoas excluídas do processo social urbano, seja pela idade ou pelo grau
de escolaridade. Portanto, a produção de hortaliças no meio urbano cumpre seu papel social
e econômico oferecendo uma oportunidade de serviço e renda para essa imensa população
marginalizada no processo de urbanização. Contudo, até quando poderemos sustentar essa
política social no Brasil usando a água tratada da rede pública.
É verdade também que a horta urbana e periurbana constitue uma importante
ferramenta para diminuir a insegurança alimentar e nutricional das populações urbanas mais
carentes. Esse aspecto foi muito bem captado no projeto Horta Urbana de Santo Antônio do
Descoberto em Goías. Melo et al. (2005) constataram que as famílias envolvidas no projeto
do município de Santo Antônio do Descoberto incorporaram à dieta o consumo diário de
duas ou três diferentes hortaliças. Além dessa importante mudança alimentar, o interesse
pelo consumo ou venda das hortaliças que no início do projeto era de seis hortaliças, saltou
para 20 hortaliças após um ano de acompanhamento.
No meio urbano, a produção de hortaliças pode ser organizada de diferentes
maneiras. As hortas comunitárias e institucionais fazem parte das hortas urbanas, assim
como as hortas escolares, domésticas e pequenas hortas comerciais localizadas no
perímetro urbano dos municípios. Para cada uma delas há um enfoque importante e uma
solução inteligente para o problema da água com qualidade para irrigação.
A horta doméstica é geralmente a menor horta urbana entre todas existentes.
Geralmente, essa horta é cuidada por um membro da família e enriquece o cardápio familiar
atendendo 3 a 5 pessoas. Essa horta não visa lucro e em muitos casos funciona como um
hobby. Na Figura 1 apresentamos um exemplo de horta doméstica instalada na floreira de
um prédio em Piracicaba/SP. Essa horta geralmente ocupa pequenos espaços, podendo ser
instalada na floreira do apartamento, como exemplificado, ou em qualquer espaço do quintal
ou jardim. Mesmo quem não tem um centímetro quadrado de terra em sua casa ou
apartamento, pode ter uma horta doméstica. Para isso basta plantar em vasos, caixotes ou
qualquer outro recipiente.
FIGURA 1. Horta doméstica instalada na floreira do Edifício Paço de Sevilha em
Piracicaba/SP, com cenoura, alface e rabanete. (Foto: Tivelli, S. W., 1994)
A horta doméstica pode contribuir para o meio ambiente urbano de diferentes formas.
Primeiro, pode-se reutilizar embalagens de plástico e madeira que seriam jogadas fora para
servirem de “vaso” para essa horta. Essa opção é importante para quem têm pouco ou
nenhum espaço em casa para instalar uma horta. A segunda contribuição seria através da
reciclagem total ou parcial do lixo orgânico gerado pela família. O lixo denominado de úmido
ou orgânico, exceto o proveniente do banheiro (papel higiênico, fraldas, e etc), pode ser
compostado e passar a ser uma importante fonte de nutrientes para as plantas dessa horta
doméstica. Finalmente, a horta doméstica pode contribuir para reciclar a água servida da
residência. Por exemplo, pode-se usar a água utilizada para lavar as embalagens destinas à
reciclagem para esse fim.
Em resumo, a horta doméstica pode contribuir para diminuir o lixo gerado pela família,
aumentando a vida útil dos aterros sanitários municipais, e reciclar a água servida para que
essa não volte a contaminar os cursos d’águas. A reutilização de embalagens e a
compostagem do lixo orgânico favorecem o meio ambiente urbano, assim como a
reutilização da água servida. Portanto, o uso de água tratada da rede pública exclusivamente
para irrigação em hortas doméstica pode ser em muito reduzido.
As hortas escolares possuem um papel total diferente da horta doméstica. As hortas
escolares têm um papel fundamentalmente didático. O objetivo dessas hortas é expor as
crianças conceitos de biologia e matemática através de um método prático. Não resta dúvida
que uma criança terá maior interesse em comer aquilo que ela cuidou por algumas semanas.
Com isso, estamos auxiliando essas crianças a diversificar o seu cardápio numa época
importantíssima na formação do hábito alimentar. Finalmente, o produto colhido na horta
escolar pode enriquecer e diversificar a merenda escolar.
Independentemente do tamanho ou do capricho de uma horta escolar, essa sempre
cumpriu o seu papel didático. Falta ainda em muitos casos, aproveitar a horta escolar para
ensinar as crianças conceitos de reciclagem e preservação do meio ambiente. Na horta
escolar pode e deve ser trabalhado o conceito de reciclagem do lixo orgânico e da
reciclagem da água. No caso específico da reciclagem da água, pode-se trabalhar com a
reciclagem da água da chuva ao invés de trabalhar com a água servida da escola. Isso visa
minimizar os riscos que estaremos expondo essas crianças quando manusearem a água. Na
escola, a água da chuva pode ser armazenada em cisternas, devidamente protegidas para
ninguém cair dentro. Em algumas regiões brasileiras, a necessidade de usar a água tratada
da rede pública de abastecimento para irrigação pode ser eliminada com essa prática.
As Figuras 2 e 3 trazem exemplos de hortas escolares onde a preocupação com o
meio ambiente urbano poderia ser estimulada. Dependendo da escolaridade das crianças, a
compostagem pode ser utilizada para exemplificar conceitos biológicos (como o ciclo do C e
N) e o final do ciclo das plantas pode ser usado de uma maneira lúdica para ensinar as
crianças sobre a morte. Há tantas possibilidades que poderíamos escrever um texto só sobre
isso. Por exemplo, imagine relacionar os problemas de enchentes no meio urbano com a
estocagem e utilização da água das chuvas para irrigar a horta doméstica.
FIGURA 2. Horta escolar em escola municipal do município paulista de Taquarituba. (Foto:
Tivelli, S. W., 1997)
FIGURA 3. Horta escolar no CEMEI Christiano Osório de Oliveira, em Barão Geraldo,
Campinas/SP. (Foto: Tivelli, S. W., 2005)
Em suma, a horta escolar têm um importante papel didático para as crianças e pode
ser ferramenta importante na formação do hábito alimentar desses consumidores. As hortas
escolares podem ser utilizadas para melhorar o meio ambiente urbano através da reciclagem
do lixo orgânico gerado pela escola e do reaproveitamento da água das chuvas. Finalmente,
as hortas escolares podem agregar valor na formação dessas crianças através da educação
ambiental.
Hortas institucionais fazem parte do meio urbano e periurbano das cidades brasileiras.
As hortas institucionais são aquelas mantidas por entidades com a Associação de Pais e
Amigos dos Excepcionais (APAE) e Associação dos Alcoólatras Anônimos (AAA), abrigos
para crianças protegidas pelo Estatuto da Criança e Adolescente, hospitais e clínicas de
recuperação de pacientes em tratamento psicológico e de drogados. Enfim, hortas
institucionais atendem um variado grupo de cidadãos, de diferente idades e classes sociais.
Apesar da diversidade do público atingido pelas hortas institucionais, o seu objetivo é
muito bem definido. Uma horta institucional não visa lucro econômico. O principal objetivo
das hortas institucionais é servir de terapia ocupacional e de ressocialização para os autores
de cada grupo. Nas Figuras 4 a 6 são apresentadas algumas hortas institucionais, as quais
atendem a um distinto público.
A horta institucional pode perfeitamente trabalhar com a reciclagem de lixo orgânico,
reutilização de embalagens, reciclagem da água das chuvas e dependendo do grupo
atendido e do estágio de tratamento, até reutilizar água servida dos refeitório. Portanto, as
hortas institucionais podem também colaborar para melhorar o meio ambiente urbano.
A horta institucional da APAE mostrada na Figura 4 está localizada na ETE Vó Pureza
de Campinas/SP. A área foi sedida para essa Associação pela empresa Sociedade de
Abastecimento de Água e Saneamento S. A. (SANASA) para que os alunos da APAE fossem
atendidos. Esses alunos mantem uma horta e um viveiro de produção de mudas de
hortaliças e árvores nativas. As mudas de hortaliças são usadas para abastecer outras
hortas institucionais e comunitárias de Campinas/SP, como a horta do Centro de Sáude do
Jardim Conceição (Figura 5). As mudas de árvores nativas ajudam no reflorestamento da
mata ciliar dos córregos do município. Portanto, nesse exemplo específico, a horta
FIGURA 4. Horta institucional da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE)
localizada em terreno anexo à Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Vó Pureza no Jardim
Santa Mônica, em Campinas/SP. (Foto: Tivelli, S. W., 2005)
FIGURA 5. Horta institucional do Centro de Saúde do Jardim Conceição em Campinas/SP
mantida pela Associação dos Alcoólatras Anônimos (AAA). (Foto: Tivelli, S. W., 2005)
FIGURA 6. Horta institucional do Centro de Horticultura do Instituto Agronômico, de
Campinas/SP, recebendo a visita de alunos da APAE de Paulínia. (Foto: Tivelli, S. W., 2006)
institucional da APAE contribui de várias maneiras para melhorar o meio ambiente urbano de
Campinas/SP.
Em resumo, hortas institucionais atendem a variados grupos de pessoas que vivem no
meio urbano, mas não tem a finalidade de reduzir a insegurança alimentar dessas pessoas.
O seu principal objetivo é servir de terapia ocupacional. Hortas institucionais podem
auxiliarem o meio ambiente urbano com a reciclagem do lixo orgânico, a reutilização de
embalagens e a reciclagem da água das chuvas, sendo esse último seu maior desafio.
Um outro tipo de horta que pode ser encontrada na área urbana e periurbana dos
municípios brasileiro é a horta comunitária. A horta comunitária é cuidada por um grupo de
pessoas que geralmente estão ligados entre si por serem parentes, amigos ou vizinhos. Esse
grupo de pessoas cuidam da horta em multirão, onde cada ator tem uma função pré-
estabelecida. Exemplos de hortas comunitária são mostradas nas Figuras 7 e 8.
As hortas comunitárias estão localizadas próximas do local de moradia das pessoas
que nela trabalham. Essas hortas podem ocupar áreas públicas cedidas pela prefeitura
municipal ou pelas concessionárias de energia, quando instaladas abaixo das redes de
transmissão.
FIGURA 7. Horta comunitária no município de Amparo/SP. (Foto: Tivelli, S. W., 2006)
FIGURA 8. Horta comunitária no município de Coronel Sapucaia/MS, (Foto:
www.prefeituracoronelsapucaia.com/horta)
A finalidade da horta comunitária é gerar trabalho, renda e minimizar a insegurança
alimentar das famílias que nela trabalham. Os tratos culturais que qualquer horta requer
serve para dar ocupação à pessoas do grupo que estejam temporariamente desempregadas.
As hortaliças produzidas na horta comunitária podem enriquecer e variar o cardápio das
famílias envolvidas. A geração de renda nessa atividade é proporcionada pela venda dos
excedentes da produção.
O meio ambiente dos municípios é favorecido pelas hortas comunitárias. Ao ocupar os
vazios urbanos, as hortas comunitárias protegem essas áreas evitando o crescimento do
mato. A horta comunitária evita que terrenos e áreas urbanas acabem servindo de depósito
de lixo, e conseqüentemente, sirva de criatório para ratos, baratas e o mosquito da dengue.
O meio ambiente urbano é visualmente favorecido.
Hortas comunitárias podem auxiliar o meio ambiente urbano na reciclagem de
resíduos orgânicos gerados pelo município. A compostagem de lixo orgânico no Brasil é
incipiente, como apresentado anteriormente. Nas hortas comunitárias tem crescido a
compostagem feita com resíduos gerados pelas prefeituras ao cuidar da limpeza e
manutenção de parques e jardins. Os restos vegetais gerados pelo corte de grama e poda de
árvores serve de matéria prima para a compostagem. Porém, a prefeitura precisa levar até
os locais onde estão as hortas para que esses resíduos sejam aproveitados.
O apoio a formação de hortas comunitários é de interesse das prefeituras, pois pode
atender diferentes programas de governo. Geralmente, a prefeitura municipal aciona diversas
secretarias nessa ação para a criação, desenvolvimento e manutenção das hortas
comunitárias. Uma quantia razoável de recursos humanos e financeiros são investidos nessa
área todos os anos. Porém, esse assistencialismo social tem se mostrado um desastre, pois
poucas são as hortas comunitárias que sobrevivem após a retirada do aporte financeiro que
as prefeituras fazem.
O insucesso nessas ações das prefeituras estão relacionados basicamente com uma
característica muito peculiar das atividades dos horticultores. Qualquer pessoa podem ser
ensinada a fazer e cuidar de uma horta, mas se essa pessoa não tiver amor pelo o que está
fazendo, não terá sucesso nessa área. Portanto, para ser horticultor é fundamental que a
pessoa goste do que está fazendo. Nesse aspecto, o programa de horta comunitária de
muitas prefeitura é falho, e portanto, a seleção de pessoas para participar dessas ações de
governo consititui-se em um importante desafio.
As hortas comunitárias geralmente não colaboram com o meio ambiente urbano em
relação a reciclagem da água das chuvas ou a reutilização de águas servidas, sendo esses
importantes desafios para a expansão dessa atvidade. Em razão do local em que as hortas
comunitárias são instaladas e de seu tamanho, a coleta e armazenamento de água das
chuvas é inviável. Assim sendo, a água para a irrigação necessita vir dos córregos e poços
urbanos, ou da rede pública de água tratada. Já comentamos o risco de contaminação por
microorganismos das águas de córregos e poços urbanos. Até quando será socialmente
justo utilizar a nobre água tratada da rede pública para a irrigação dessas hortas.
Em suma, hortas comunitárias desenvolve um importante papel social no meio urbano
ao gerar trabalho, renda e afastar a insegurança alimentar dos grupos beneficiados por
essas hortas. A horta comunitária colabora com o meio ambiente urbano resgatando vazios
urbanos que podem virar depósito de lixo e entulho, mantendo-os limpos e sem mato. A
horta comunitária poderá ser um importante destino do lixo orgânico, quando a compostagem
desses resíduos aumentar no Brasil. Com relação a origem da água utilizada para irrigação,
há a necessidade de se avaliar a sustentabilidade das hortas comunitárias. Seus maiores
desafios para a expansão estão na escolha das pessoas e na fonte de água para irrigação.
Por sua vez, a pequena horta comercial é uma horta que ocupa os vazios urbanos
(terrenos), muitas vezes contando com o apoio da prefeitura municipal através da isenção
parcial ou total no IPTU do lote, da assistência técnica oficial e com tarifas sociais para o
consumo da água tratada da rede pública. Esse tipo de horta visa basicamente o lucro e por
isso, cresceu bastante na década de 80 do século passado quando o descontrole
inflacionário brasileiro obrigou muitos aposentados a continuar trabalho. Sem encontrar uma
nova oportunidade no mercado de trabalho, surgiu nesse período um grande número de
pequenas hortas comerciais urbanas cultivadas por aposentados. Nas Figuras de 9 a 11 são
apresentadas imagens de diferentes hortas comerciais em vários municípios paulistas.
FIGURA 9. Horta comercial urbana cultivada em lote urbano do Bairro São Dimas em
Piracicaba/SP. (Foto: Tivelli, S. W., 1992)
FIGURA 10. Horta comercial urbana da família Mendonça no bairro Recanto da Fortuna, em
Campinas/SP. (Foto: Trani, P. E., 2005)
FIGURA 11. Horta comercial orgânica na Unidade de Produção e Desenvolvimento – UPD
da SAA, em São Roque/SP. (Foto: Tivelli, S. W., 2006)
A pequena horta comercial foi e é incentivada pela administração pública municipal
porque ela resolve vários problemas. Primeiro, a horta comercial evita que terrenos urbanos,
cujos proprietários aguardam a valorização do lote para vender ou uma oportunidade de
construir, virem depósitos de lixo doméstico e entulho. Por incrível que possa parecer, esse
cenário é criado pelos próprios vizinhos do lote, que auxiliados pelas chuvas de verão,
transformam os vazios urbanos em área fértil para a criação de ratos, baratas e a procriação
do mosquito da dengue.
Em segundo lugar, a horta comercial urbana oferece uma oportunidade de trabalho e
renda para pessoas marginalizadas pelo desenvolvimento social, como os aposentados e
munícipes com menor grau de instrução. Terceiro, a horta comercial urbana garante o
abastecimento da população com legumes e verduras frescas, reduzindo a necessidade de
importação desses alimentos de outros municípios. Finalmente, a horta comercial urbana
pode minimiza a insegurança alimentar.
Por todas essas excelentes razões, as sucessivas administrações municipais preferem
abrir mão de parte de sua arrecadação com o IPTU para fomentar o desenvolvimento dessa
atividade. Contudo, a água utilizada para irrigação, via de regra, é obtida na rede pública em
razão das características dessa exploração.
No estado de São Paulo, a Lei Estadual de número 12.183 de 29 de dezembro de
2005 determinou que os consumidores urbanos da água tratada distribuida pela rede pública
passasse a pagar pelo uso dessa água, enquanto os produtores rurais passarão a pagar pelo
uso apenas em 1o de janeiro de 2010. Vale lembrar que até então, os consumidores de água
urbana pagavam apenas pelo tratamento da água e afastamento do esgoto.
Diante dessa nova realidade que começa a ser implantada no estado de São Paulo e
da escassez de água que várias regiões metropolitanas vem enfrentando nos últimos anos,
não podemos nos furtar de perguntar: até quando essa exploração será socialmente justa?
Até quando poderemos usar essa água nobre para fazer irrigação? Essa questão será cada
dia mais recorrente a medida que começar a faltar água para a população urbana e as tarifas
de água passarem a refletir o custo do uso da água pública tratada.
Em suma, a pequena horta comercial urbana foi nas últimas três décadas uma
importante ferramenta social para as sucessivas adminstrações municipais. A horta urbana
auxilia o meio ambiente urbano conservando os vazios urbanos e em alguns casos,
reciclando os resíduos orgânicos gerados no município. Além disso, essa exploração permite
a inclusão social e reduz a insegurança alimentar oferecendo diariamente produtos frescos
para a população local.
Além do desafio com a escassez de água com qualidade para irrigação, hortas
urbanas e periurbanas por todo Brasil sofrem com o furto e a invasão de animais. Na região
metropolitana de Campinas na década de 90 do século passado, produtores de alface
chegaram a estabelecer parceria com os ladrões. Ou seja, o produtor combinava com seus
vizinhos urbanos que esses podiam colher numa faixa de cerca de 2 metros na borda do
terreno, desde que não fosse mexido no resto. Com o agravamento das diferenças sociais
brasileiras nos últimos anos, esse acordo de cavalheiros não mais vem sendo respeitado. Há
situações em que o furto já não é apenas para o próprio sustento. Os ladrões estão furtando
para vender a produção alheia.
Melo et al. (2005) ressaltam com propriedade o problema de furto no projeto horta
urbana de Santo Antônio do Descoberto/GO. Segundo esses autores, o maior prejuízo não é
a perda material das hortaliças, mas sim, o sentimento de violação da horta e o desânimo
gerado pela impossibilidade de colher o que foi plantado e cuidado por algum tempo. No
Conjunto Palmeira em Fortaleza/CE, Segundo (2002) relata que um dos obstáculos para a
produção é a invasão de animais na área dos projetos financiados pelo Banco Palmas da
Associação de moradores. Nesse projeto, assim como em outras áreas pelo Brasil com horta
urbana, poucos são os quintais ou terrenos que possuem muros.
A horta urbana e periurbana proporciona uma estratégia complementar para a redução
da probreza e da insegurança alimentar, além de poder melhorar o meio ambiente urbano. A
contribuição da horta urbana e periurbana para a segurança alimentar e nutricional da
população urbana mais carente é importante, pois esses cidadãos gastam uma substancial
parte de sua renda com comida (50 a 70%).
Instrumento importante para reduzir a exclusão social e melhorar os padrões
alimentares de populações carentes, as hortas urbanas e periurbanas preocupam pela alta
demanda de água e pelos riscos da contaminação por esgotos domésticos e industriais. A
expansão dessa atividade agrícola urbana precisa solucionar esse problema de origem e
qualidade da água, constituindo-se esse o maior desafio para a expansão da olericultura
urbana e periurbano no Brasil para os próximos anos.
Com relação ao uso racional da água, o Centro de Horticultura do Instituto
Agronômico, de Campinas, prevê que as regiões metropolitanas brasileiras enfrentarão
vários problemas com o abastecimento de água potável a sua população. Nesse sentido,
entendemos que as hortas urbanas não podem competir com o abastecimento de água
tratada fornecido a população urbana, assim como as hortas periurbanas não devem usar
água de mananciais contaminados.
Por um outro lado, a agricultura urbana e periurbana faz parte do meio ambiente
urbano e pode ser um importante aliado no gerenciamento do meio ambiente. Para isso, a
agricultura urbana terá que reciclar cada vez mais os resíduos orgânicos e a água servida
geradas no meio urbano. Para muitas cidades, o recolhimento do lixo gerado pelos seus
habitantes tem se tornado um sério problema. A agricultura urbana e periurbana pode muito
bem ajudar a resolver esses problema tornando os resíudos urbanos em recursos produtivos.
A olericultura urbana e periubana brasileira terá que se adaptar nos próximos anos
para aproveitar melhor esse importante recurso produtivo que é o composto do lixo orgânico
gerado pelos munícipes. O composto orgânico permite inclusive que os horticultores urbanos
utilizem menos fertilizante químico. Talvez seja essa a compensação ambiental que os
horticultores urbanos possam oferecer para a sociedade por estarem usando uma água
nobre para a irrigação.
A agricultura urbana pode e deve usar a água servida gerada pela população. No
mundo, há vários exemplos dessa utilização. No Brasil, o aumento do número de ETE pode
auxiliar nesse processo. Porém, o uso da água servida pode levar a problemas de saúde e
ambientais sem a orientação adequada. Os agricultores urbanos precisam ser treinados a se
protegerem durante o manuseio da água servida, na seleção de culturas que podem serem
irrigadas com esse recurso e nos métodos de irrigação adequados.
Pela nossa experiência com horta nessa área, entendemos que a olericultura urbana
não deva participar desse reaproveitamento da água servida, exceto quando feito em escala
doméstica. Por suas características, a horta urbana e periurbana produz alimentos que são
consumidos em sua grande parte na forma “in natura” e por isso, os riscos em reutilizar água
servida pode ser potencializado.
A olericultura urbana e periurbana pode auxiliar na economia de água para produção
de alimentos no meio urbano empregando tecnologia. A produção hidropônica e a irrigação
por gotejo substancialmente reduz a necessidade de água na exploração agrícola e deveria
ser fomentada pelo poder público.
Referência bibliográfica
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