DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO …€¦ · Recebemos expediente do MDA —...
Transcript of DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO …€¦ · Recebemos expediente do MDA —...
CÂMARA DOS DEPUTADOS
DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO
NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES
TEXTO COM REDAÇÃO FINAL
Versão para registro histórico
Não passível de alteração
COMISSÃO ESPECIAL - PEC 215-A, DE 2000 - DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDIGENAS
EVENTO: Audiência Pública REUNIÃO Nº: 0877/14 DATA: 11/06/2014
LOCAL: Plenário 14 das Comissões
INÍCIO: 14h32min TÉRMINO: 16h42min PÁGINAS: 39
DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO
EUGÊNIO JOSÉ GUILHERME DE ARAGÃO - Subprocurador-Geral da República e Vice-Procurador-Geral Eleitoral. LUIZ DE LIMA STEFANINI - Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 3ª Região de São Paulo. PAULO ALEXANDRE MENDES - Fiscal Federal Agropecuário, Coordenador-Geral Adjunto de Sustentabilidade Ambiental, Assessor da Assessoria de Gestão Estratégica do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento — AGE/MAPA. ANTONIO LUIZ MACHADO DE MORAES - Coordenador-Geral de Análises Econômicas, do Departamento de Economia Agrícola (DEAGRI) da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento — SPA/MAPA. RUDY MAIA FERRAZ - Advogado, especialista em Direito Agrário e Consultor Jurídico da Frente Parlamentar Agropecuária - FPA.
SUMÁRIO
Debate sobre a matéria objeto da Comissão Especial.
OBSERVAÇÕES
Há falha na gravação.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
1
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Serraglio) - Boa tarde a todos!
Declaro abertos os trabalhos da 8ª Reunião da Comissão Especial destinada
a apreciar e proferir parecer à Proposta de Emenda à Constituição nº 215-A, de
2000, do Sr. Almir Sá e outros, que “acrescenta o inciso XVIII ao art. 49; modifica o §
4º e acrescenta o § 8º ambos no art. 231 da Constituição Federal” (inclui dentre as
competências exclusivas do Congresso Nacional a aprovação de demarcação das
terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e a ratificação das demarcações já
homologadas, estabelecendo que os critérios e procedimentos de demarcação serão
regulamentados por lei), e apensadas.
Tenho a honra de convidar para compor a Mesa os palestrantes: Dr. Paulo
Alexandre Mendes, Fiscal Federal Agropecuário, Coordenador-Geral Adjunto de
Sustentabilidade Ambiental e Assessor da Assessoria de Gestão Estratégica do
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento — AGE/MAPA; Dr. Antonio Luiz
Machado de Moraes, Coordenador-Geral de Análises Econômicas do Departamento
de Economia Agrícola, da Secretaria de Política Agrícola, do Ministério da
Agricultura — DEAGRI/SPA/MAPA, ambos representando o Ministro de Estado Neri
Geller, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Dr. Eugênio José Guilherme de
Aragão, Subprocurador-Geral da República e Vice-Procurador-Geral Eleitoral,
representando o Ministério Público Federal; Dr. Luiz de Lima Stefanini,
Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, de São Paulo; e
Dr. Rudy Maia Ferraz, Advogado Especialista em Direito Agrário e Consultor Jurídico
da Frente Parlamentar da Agropecuária.
Nós apreciaremos a ata na reunião seguinte.
Expediente.
Comunico aos Srs. Deputados e às Sras. Deputadas o recebimento do
seguinte expediente: Ofício nº 109, de 2014, do Sr. Deputado Onofre Santo Agostini,
Vice-Líder do PSD, justificando a ausência do Deputado Junji Abe na reunião desta
Comissão Especial por estar cumprindo obrigações político-partidárias.
Comunico também que nós recebemos expedientes do Ministério da Justiça,
através da Assessoria Parlamentar, Gabinete do Ministro, em que noticia a
dificuldade de o Ministro José Eduardo Cardozo comparecer hoje em virtude da
proximidade com a Copa do Mundo.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
2
Recebemos expediente do MDA — Ministério do Desenvolvimento Agrário,
através da Assessoria Parlamentar, justificando a impossibilidade de
comparecimento do Ministro Miguel Rossetto, e expediente do Ministro Luís Inácio
Lucena Adams, informando a impossibilidade de comparecimento por estar
participando hoje no Supremo Tribunal Federal do julgamento de diversas ADINs —
ele se reporta a uma que, por sinal, atinge o meu Estado, a que fixa o número de
Parlamentares.
Recebemos também expedientes do Dr. Ives Gandra, informando que, por
razões médicas, está impossibilitado de comparecer, e de S.Sa. o jurista Dalmo de
Abreu Dallari, informando que está em viagem fora do Brasil, em atividade na África
do Sul.
Antes de iniciarmos a ordem do dia, esclareço as seguintes normas
estabelecidas no Regimento Interno da Casa. O tempo que disporá o convidado
será de 20 minutos, não podendo ser aparteado. Cada Deputado inscrito terá o
prazo de 3 minutos para interpelar o expositor, e o tempo para a resposta será o
mesmo. A réplica e a tréplica são facultadas pelo mesmo prazo. Os Srs. Deputados
que desejarem participar dos debates deverão inscrever-se previamente junto à
Secretaria da Comissão.
Eu imagino que não seja preciso, mas esclareço aos que nos honram com a
presença que todo o material aqui hoje exposto oralmente será inserido
posteriormente nos autos da Comissão Especial.
Os nossos Parlamentares, a partir de ontem, praticamente foram
dispensados. Não houve possibilidade de finalização da sessão de ontem em virtude
da obstrução do Plenário, o que evidenciava que, se ontem não foi possível
proceder-se à votação, com muito mais razão hoje ela não seria possível.
Então, embora talvez não sejam procedentes as minhas escusas, eu quero
traduzi-las aos nossos convidados, que nos orgulharam, nos honraram e nos
honram com sua presença. Nós procuraremos multiplicar junto aos nossos colegas
Parlamentares aquilo com que certamente nos engrandecerão no conhecimento
com a sua participação hoje nesta Casa.
Eu inicio concedendo a palavra a um dos que nos prestigia num momento em
que — eu sei — está com uma sessão de julgamento também muito próxima, que
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
3
em tudo se desenha bastante assoberbada. Eu concedo, com muito prazer e muita
honra, a palavra a S.Exa. o Dr. Eugênio José Guilherme de Aragão, Subprocurador-
Geral da República e Vice-Procurador-Geral Eleitoral, que aqui representa o
Ministério Público Federal. Está V.Exa. com a palavra.
O SR. EUGÊNIO JOSÉ GUILHERME DE ARAGÃO - Exmo. Sr. Deputado
Osmar Serraglio, Relator da Comissão Especial, em nome de quem eu cumprimento
todos aqui presentes e agradeço, penhoradamente, a oportunidade de poder falar
com as senhoras e os senhores.
Essa emenda constitucional deve ser vista dentro de um contexto maior, de
um momento que o País vive de certo impasse na consecução de sua política
indígena, na própria implementação do mandamento constitucional no que diz
respeito aos direitos indígenas, e que deve nos levar a uma profunda reflexão sobre
as razões de manutenção do atual paradigma demarcatório das terras indígenas.
Para quem milita e militou durante muitos anos com os direitos indígenas, o
momento é de perplexidade e frustração. O modelo atual, a toda evidência, está
apresentando sinais claros de esgotamento. Por quê? Porque, mesmo quando o
Poder Executivo, depois de longuíssimas tramitações, consegue promover a
demarcação de uma área indígena, a reação imediata é a judicialização do
respectivo ato administrativo, o que leva a um impasse, e não se vai nem para frente
nem para trás. E isso basicamente se repete, é recorrente em todas as áreas do
País.
Quem sofre com isso é, em primeiro lugar, claro, a população indígena, com
suas expectativas de ter o seu território demarcado, mas também produtores,
Municípios, enfim, uma variedade de atores que estão no meio desse redemoinho
de uma política de impasse que nós estamos vivendo hoje. Então me parece que o
momento deve ser muito oportuno para essa reflexão e para a gente repensar esse
paradigma, o paradigma demarcatório.
Esse paradigma demarcatório entrou na Constituição em 1988, num momento
muito peculiar. O Brasil realmente tinha uma enorme dívida com a população
indígena e, àquela altura de democratização do País, se queria fazer face a essa
dívida a ferro e fogo, de qualquer jeito.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
4
O processo concebido na Constituição no art. 231 é um processo unilateral. É
um processo em que a administração pública, ex officio, identifica e demarca as
áreas olhando, sobretudo, apenas em uma direção, a direção do bem-estar do
indígena.
O problema é que, ao longo dos anos, foi se percebendo que essa visão
unilateral de só olhar para a população indígena, esquecendo as circunstâncias,
levaram, na verdade — eu posso dizer isso com a maior tranquilidade —, a uma
política genocida. Por quê? Porque, na medida em que a gente olha só para um lado
do problema, todos os outros que estão excluídos da atenção do poder público
produzem ressentimento, e o ressentimento acaba levando à estigmatização, e a
estigmatização, por sua vez, acaba levando ao genocídio.
Então, na verdade, o grande culpado, hoje, pela violência que se tem
produzido em relação à população indígena é, antes de mais nada, o poder público,
com sua política unilateral de olhar só para um lado do problema.
Nós podemos dizer que o modelo de 1988, além de apresentar certa fadiga,
deve também ser olhado criticamente sob a sua consistência jurídica, porque o art.
67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias dizia que essa demarcação
toda deveria ser concluída em 5 anos. É um prazo exauriente, ou seja, na
Constituição há um modelo demarcatório e há um prazo para que essa demarcação
seja feita.
O comando era de 5 anos, e é uma norma excepcional, porque passa por
cima de muitos direitos e garantias. É um processo diferenciado. Se em 5 anos não
se conseguiu fazer essa demarcação, cabe a indagação: esse modelo não perimiu,
não deixou de existir com uma perempção administrativa? Simplesmente deixou de
fazer sentido depois de 5 anos, que era o comando constitucional.
De fato, vamos dizer, esse processo político da demarcação das áreas
indígenas obedeceu a um movimento de afunilamento. Começou-se a demarcar as
áreas que eram mais tranquilas — principalmente em terras amazônicas, pouco
habitadas — e, à medida que se ia progredindo nessa demarcação de áreas, foi se
entrando em áreas mais problemáticas.
Pode-se dizer que, com 20 anos de atraso na demarcação das terras
indígenas, a União conseguiu demarcar em torno de 90%, 91% das áreas previstas
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
5
inicialmente. Então, falta demarcar 9% a 10%. Esses 9% a 10% que faltam ser
demarcados podem se definir como carne de pescoço. São as áreas que sobraram,
as mais difíceis. Por quê? Porque são áreas indígenas ou, pelo menos, regiões que
se pretende demarcar em territórios densamente povoados ou com grande valor
econômico, porque, enfim, áreas destinadas à produção agrícola industrializada ou à
produção agrícola tradicional. Portanto, demarcar terras indígenas nesses territórios,
além do custo econômico, tem também elevado custo social.
Nós não podemos, quando nos interessamos a resolver o problema dos
povos indígenas, deixar de olhar para o lado e ver qual é, vamos dizer, o contexto
em que essa possível demarcação se dá e quais as consequências gravosas que
ela pode criar para os outros atores desse processo. Está na hora de olhar para
eles.
Se nós quisermos fazer hoje uma política indígena para proteger a população
indígena, nós temos que, definitivamente, adotar uma postura holística, nós temos
que olhar para todos os lados do problema, e não apenas para o lado unilateral do
índio, porque, olhando para o lado unilateral do índio, nós estamos estigmatizando
esse índio.
Uma postura holística demanda, sobretudo, que a gente olhe para os outros
vetores do problema. Quais são os outros atores da política indígena? Além da
população indígena, o produtor da terra, a população do respectivo Município e o
Governo Municipal. Todos eles, de uma forma ou de outra, são impactados por essa
política ou pela falta de política. Está na hora de olhar para todos eles.
Parece que o modelo de 1988 — e com isso também os atores que buscavam
defender a população indígena —, ao olhar de uma forma muito unilateral para esse
problema, acabou por optar por um atalho, pelo caminho mais barato. É o baratinho
que saiu caro. Ou seja, vamos demarcar as terras sem indenizá-las, podendo
apenas ser indenizadas as benfeitorias que o poder público unilateralmente
considerar de boa-fé. Coloca-se ali dentro a população indígena e lava-se a mão,
como Pôncio Pilatos nessa circunstância. De fato, com isso se deixa de investir no
Município, se deixa de criar alternativas econômicas para o produtor. Sai mais
barato para o poder público; agora, as consequências têm sido nefastas. Foi o
barato que saiu caro.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
6
Para nós fazermos uma política indígena consequente, é importante neste
momento que a sociedade brasileira tenha claramente em conta que fazer política
indígena custa dinheiro. Não há soluções baratas que não tragam consequências
nefastas. O barato sai muito caro. Se nós queremos uma solução que pacifique o
território rural em que a população indígena se encontra, nós precisamos investir. O
modelo demarcatório unilateral que não leve em consideração a indenização da
terra está fadado a criar ressentimento, conflito e genocídio. Isso nós temos que ter
claro em nossa mente.
Então, em primeiro lugar, o que seria necessário? Nós precisaríamos
encontrar uma brecha. Hoje, na Constituição, vamos dizer, na normativa
constitucional muito estreita que nós temos no art. 231... Nós teríamos que encontrar
uma brecha de permitir a compra de áreas indígenas. Eu estou falando “compra”,
não estou falando “desapropriação”, porque a desapropriação por interesse social
tem um viés autoritário também. O viés autoritário é qual? É o preço unilateralmente
estabelecido pela administração: deposita-se em juízo, e o outro que vá atrás se não
concordar com o preço. Não. Nós precisamos, nesse processo, que os outros atores
saiam com um sorriso de uma orelha para a outra, felizes da vida, dizendo que
fizeram um excelente negócio, e por isso mesmo abracem a causa indígena com...
(Falha na gravação.) É fundamental isso.
Nós precisamos de atores satisfeitos para acabar com o conflito. E, para isso,
o produtor deve ser instado, convidado a vender a sua terra pelo preço que o
mercado oferece. Imagino assim, você chega para o produtor: “Quanto é que o
senhor daria por sua terra?” “Ah, ela vale 23 milhões!” “Pois é, o INCRA diz que vale
15. Chegamos a 20?” E compra realmente a preço de mercado. Mas não é o
suficiente, porque nós sabemos hoje perfeitamente que não existe estoque de
terras. Não existe estoque de terras disponível na maioria dos Estados hoje
afetados. Eu falo principalmente de Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e
Rio Grande do Sul, que são as áreas hoje mais impactadas. Claro, existem também
áreas indígenas ainda disputadas em São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo,
algumas no Nordeste, mas as áreas mais complicadas hoje de intensa agricultura
são em Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina. Ali nós
sabemos que o estoque de terras é quase inexistente. Por exemplo, no caso do
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
7
xokleng, em Ibirama, no Estado de Santa Catarina, se nós ali tivermos que
desalojar, nos 10 mil hectares, as quase mil famílias que lá residem há muitos e
muitos anos praticando agricultura familiar, se nós formos retirar aqueles familiares
dali, não vai haver estoque de terras em Santa Catarina para realojá-los.
O Estado precisa, por isso, assumir a responsabilidade de reorientar essas
famílias economicamente. Não é simplesmente botar o dinheiro na mão e “Agora se
vire”. É dar o dinheiro e utilizar estruturas, como, por exemplo, o SEBRAE e o
SENAR, para reorientar economicamente essas famílias, para que elas possam
fazer um investimento que lhes dê sustentabilidade. Sai da agricultura, vai para o
entreposto, vai trabalhar, digamos, na CEASA, com entreposto de venda de
produtos agrícolas, fazer aquilo, enfim, que eles sempre souberam fazer. Não serão
necessariamente produtores. De alguma forma, tem que ser dada uma destinação.
Não se pode simplesmente virar as costas para essas pessoas e fingir que elas não
existem.
Por outro lado também, outra preocupação legítima diz respeito ao Município.
Nós sabemos perfeitamente que, na hora em que essas famílias deixarem as suas
terras, a arrecadação de ICMS no Município vai despencar, criando uma séria crise
de gestão. Hospitais, escolas, pavimentação de ruas, serviços públicos, tudo isso
deixa de ter condição de ser mantido no patamar que tinha antes, porque o
Município não arrecadará mais. O Município estará sendo impactado por força de
uma política federal. Então, é mais do que justo que se crie um fundo federal de
compensação para compensar o Município durante algum tempo — que seja 10
anos — pela ausência de arrecadação. É fundamental que isso seja feito para dar
sustentabilidade.
E, finalmente, em relação à população indígena, não é simplesmente assentá-
la. É necessário que lhe seja dada também uma sustentabilidade, para que não seja
jogada na mendicância. É importante que haja programas que transformem, pelo
menos, a economia indígena numa economia que dê sustentabilidade a essa
população, com grãos, com maquinário, cooperativização, de forma que, num
determinado prazo de tempo, o Município possa novamente contar com a riqueza
que é produzida ali dentro.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
8
Nós sabemos por experiências que existem, por exemplo, no Paraná, com a
Itaipu binacional, por exemplo, em Eldorado, que os investimentos feitos em
sustentabilidade econômica indígena que são interrompidos levam imediatamente
ao desfazimento de tudo o que foi feito. Os indígenas não têm uma cultura de
produção — essa cultura tem que ser permanentemente assessorada —, não que
eles não queiram, eles querem, mas não têm a tradição. Não basta querer dar o
material, o ensino agrícola, tem que haver um contínuo acompanhamento. Isso tem
custo, mas tem que ser feito.
Então, os senhores veem: a indenização adequada da terra, uma política de
sustentabilidade daqueles que são retirados das áreas indígenas, a compensação
da arrecadação e a sustentabilidade indígena, isso, sim, em conjunto, compõe um
programa coerente e consistente para pacificar as áreas rurais que sofrem o impacto
do indigenato. Se nós não fizermos isso, vamos ter conflitos para os próximos anos
e décadas e não vamos resolver o problema. A demarcação tem levado à
judicialização, e a judicialização tem levado ao conflito e ao ressentimento. Nós
precisamos dar um basta a esse ciclo vicioso; agora, isso tem custo.
Eu participei de uma comissão do Conselho Nacional de Justiça, que foi
coordenada pelo Desembargador Sérgio Fernandes Martins, para tratar das áreas
ocupadas pelos kaiowás no chamado Cone Sul, do Estado de Mato Grosso do Sul.
Ali a comissão analisou processo por processo das áreas que têm processo litigioso
de demarcação. Fizemos um levantamento de quais seriam as soluções possíveis. É
claro que todas elas passam pela aquisição onerosa da terra indígena. O custo,
somente em termos de compra de terra, superava bem 1 bilhão de reais. Mas,
quando conversamos com os parceiros que estavam também na comissão ali com
os outros membros, principalmente com a FAMASUL, viu-se claramente a
disposição construtiva dos produtores de adotar um sistema de leasing: arrendariam
as terras, através de um procedimento de capitalização das prestações, que no final
de um prazo determinado seria complementado pelo que falta. Ou seja, aquela taxa
de arrendamento seria, ao mesmo tempo, já uma forma de capitalização final, e se
imaginaria um prazo de 5 a 10 anos de arrendamento para a compra final. Até essa
boa vontade, deve-se dizer, houve por parte dos produtores. É um modelo criativo,
parece-me, que deve ser levado em consideração — a possibilidade de fazer o
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
9
leasing das terras —, para que elas possam ser adquiridas pela União por certo
prazo.
Se pegarmos, digamos, 1 bilhão de reais num prazo de 5 anos, são 200
milhões por ano, para pacificar uma área de Mato Grosso do Sul, não se pacifica por
completo, porque faltam os outros programas, claro, a articulação de outros
programas de sustentabilidade, mas, pelo menos, a parte realmente fundiária ficaria
resolvida. É um custo alto? É relativo. É um custo para a pacificação de um Estado
que hoje está sofrendo forte impacto da depreciação das suas terras, da
insegurança jurídica, que está diminuindo a produção. Mato Grosso do Sul hoje
produz menos que Mato Grosso. Na época em que participava do Estado maior,
Mato Grosso, Mato Grosso do Sul era o celeiro do Estado, a parte mais rica do
Estado. Hoje produz menos do que Mato Grosso, por quê? Por causa da
insegurança jurídica. As terras ali hoje não valem nada. As pessoas estão fugindo
dos investimentos ali dentro, porque não sabem como vai ser o dia de amanhã.
Esse é um outro problema. Se a gente for adotar um sistema de aquisição
onerosa das terras indígenas, é importante dar segurança jurídica e previsibilidade
ao produtor, para ele saber quando é que vai sair, porque ele tem o direito de, até a
data da sua saída, produzir, receber empréstimos do banco, poder pagar os
empréstimos, ter uma previsibilidade da sua vida econômica. Não se pode de um dia
para o outro dizer assim: “Amanhã você vai sair”.
Eu já vi situações no Superior Tribunal de Justiça, mais vinculadas à reforma
agrária do que propriamente à área indígena, mas que são situações extremamente
dramáticas. Um casal, por exemplo, aqui em Minas Gerais, aplicou o seu recurso do
PDV do Banco do Brasil para a compra de terra, começou a produzir, fez uma
fazenda modelo, e ela foi invadida pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. A
fazenda era produtiva, e ele estava devendo rios de dinheiro aos bancos pelos
investimentos que fez. Foi invadida, depois de 4 anos sem conseguir tirar o pessoal
de lá, finalmente propuseram para ele que aceitasse a desapropriação. Ele disse:
“Tudo bem”. “O senhor vai pelo menos receber um dinheiro pelas benfeitorias e
poder pagar o que o senhor investiu”. Ele já estava muito apertado, acabou
aceitando. Quando veio o laudo do INCRA, o laudo dizia que a terra era improdutiva
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
10
e que todas aquelas benfeitorias não existiam porque estavam destruídas. O que
ofereceram a ele foi muito menos do que ele devia ao banco.
Então, nós não podemos deixar esse tipo de situação acontecer. Isso gera
insegurança jurídica. Nós precisamos que o produtor saiba quando e quanto vai
receber e o que ele vai fazer com esse dinheiro, como vai se reorientar
economicamente. Isso é fundamental para o País; isso é fundamental para que,
vamos dizer, esse setor continue a poder produzir para a nossa economia.
E, claro, aqui ninguém está dizendo que nós devemos deixar a economia se
sobrepor ao interesse indígena. Não! A população indígena é, vamos dizer, nesse
contexto todo, a primeira preocupação, mas é que não se pode querer resolver o
problema dela de forma unilateral, não pensando no resto. Isso tem custo, e o custo
vai ter que ser pago por alguém. A sociedade tem que se conscientizar disso, saber
que isso tem custo. É verdade que provavelmente para demarcar todas as áreas dos
quatro Estados vão alguns bilhões, é possível, mas é o custo da pacificação do
campo. Nós queremos ou não queremos entrar no círculo das nações civilizadas,
produtivas, respeitadas mundo afora? Nós precisamos pagar esse custo. Não dá
para a gente achar que dá para fazer atalho e deixar um grupo pagar pelo resto,
como acontece hoje.
Só para concluir, eu estive examinando a emenda constitucional, acho que é
fundamental — não sei como é que foi a tramitação posterior — que haja algum tipo
de dispositivo no ADCT que, pelo menos, conserve as demarcações já feitas. Isso aí
é fundamental até para a segurança jurídica também, porque depois, modificando o
paradigma da demarcação, não se venha a questionar tudo o que já foi feito, o que
me parece que ia gerar um conflito muito maior. Esse eu acho que é um aspecto
importante.
Mas há dois outros aspectos que me parece que foram deixados de fora e
que eu acho que seriam muito importantes. Um seria abrir a porta para a aquisição
para a compra de terras, o que nós não temos aqui. Eu acho que essa porta deve
ser aberta, e essa porta deve ser generosa. Se a porta da demarcação deve ser
restritiva, porque o modelo está esgotado, a porta da compra deve ser generosa, ou
seja, deve-se autorizar o poder público amplamente a poder comprar a terra.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
11
E hoje nós sabemos que, pelo marco atual do art. 231, a União é proibida de
indenizar a terra nua. Então, isso tem que desaparecer. E nós temos que, pelo
contrário, estimular a compra, temos que abrir essa porta dentro do normativo
constitucional. Parece-me que aí será quase uma escolha natural. No momento em
que se fecha a porta da demarcação, mas se abre a porta da compra, a tendência é
ir tudo pela compra, o que não é ruim, porque realmente acaba convidando a se
assumir um novo paradigma.
Agora, outro aspecto que me parece ser fundamental aqui é que de alguma
forma se ancore nessa proposta também a obrigação da compensação, primeiro de
uma política de sustentabilidade em relação àqueles que foram, vamos dizer,
removidos das suas áreas e também de compensação dos Municípios. Isso é
responsabilidade da União. Parece-me que isso deve fazer parte do capítulo da
política indígena. Somente se a gente olhar todos esses aspectos é que teremos
uma tranquilidade maior, uma pacificação e uma segurança jurídica. Parece-me que
são aspectos fundamentais hoje para a gente resolver esse problema.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Serraglio) - Nós é que agradecemos
a V.Sa. o privilégio que tivemos de uma abordagem construtiva, que é muito
importante. Nós temos encontrado dificuldade exatamente porque estamos
assumindo a obrigação legal que temos de oferecer à sociedade uma resposta a
esses conflitos. Mortes acontecem, se repetem, e praticamente nós testemunhamos
uma anomia, uma ausência, uma fuga à responsabilidade daqueles que deveriam de
alguma maneira proceder como V.Sa. vem aqui sugerindo, que nós possamos
implementar essa emenda constitucional, inteligentemente como abordou, criando
uma expectativa efetiva de que possamos finalizar essa permanente tendência ao
conflito, que hoje é provocado até por órgão público.
É bom que se diga — e eu lamento dizer isso — que a FUNAI praticamente
tem boicotado as nossas reuniões. E nós as estamos fazendo pelo Brasil todo, nos
diversos Estados, e não vemos o comparecimento para trazer uma construção
plausível, ainda que tenhamos as nossas divergências, pelo menos para que
possamos dirimi-las, discuti-las.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
12
Com os movimentos indígenas, já fizemos uma audiência pública, Dr. Aragão,
em que estávamos dispostos a ouvir todas as correntes que de alguma forma atuam
na proteção do indígena. O que nós recebemos foi um comunicado que, como a
PEC é visceralmente viciada, é inconstitucional, eles não compareceriam para
discuti-la. Então, isso traduz uma antecipação de contestação àquilo que nem
conhecem. Se nós estamos recolhendo propostas, é porque pretendemos construir
alguma coisa que se mantenha juridicamente. É evidente que nós temos um senso
de responsabilidade que não vai nos permitir apresentar e, eventualmente, aprovar
algo que no dia seguinte o Supremo qualifique como inconstitucional.
Eu fui Relator, na Comissão de Constituição e Justiça, do aspecto da
admissibilidade da PEC 215, de forma que me aprofundei — e bastante — no
sentido de expungi-la de eventual vício, tanto é que aquilo que V.Sa. aborda em
relação à conservação das homologações procedidas, na CCJ, nós já excluímos no
juízo de admissibilidade qualquer possibilidade aqui de enfrentar uma construção
que leve à revisão das terras das reservas já definitivamente consolidadas no nosso
regime jurídico.
Mais uma vez, quero dizer que é uma alegria, um privilégio e até gostaria de
provocá-lo, não no sentido de que tenhamos alguma divergência, mas para
aproveitarmos o quanto nós sabemos que V.Sa., dentro do Ministério Público, tem
além do prestígio, uma profundidade no tema que aqui está sendo abordado. Isso
também não nos privará certamente de futuros encontros, ainda que lá na própria
Procuradoria.
De maneira que, como V.Sa. tem dificuldade de horário, eu me cinjo ao que
me manifestei, pedindo vênia para que efetivamente nós possamos, lá na frente,
quando tivermos um esboço da proposta, ter uma visão do Ministério Público, tal
qual esta que V.Sa. aqui exterioriza, sem sectarismo, sem ideologia, sem
preconceitos, que levam a que nós prossigamos com uma indefinição, com as
consequências da insegurança jurídica bem evidenciada aqui por V.Sa., em relação
à produção de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Indago ao ilustre Deputado Valdir Colatto se gostaria de se manifestar.
(Pausa.) É um privilégio para nós ouvir V.Exa., que foi Presidente da Frente
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
13
Parlamentar da Agricultura e é um dos Deputados que mais trabalham em prol dos
produtores brasileiros. V.Exa. está com a palavra.
O SR. DEPUTADO VALDIR COLATTO - Obrigado, Presidente Osmar
Serraglio. Quero cumprimentar a Mesa, na pessoa do Dr. Eugênio Aragão. Nós já
conhecíamos a posição do nosso Subprocurador, quando trouxe a questão indígena.
E, com certeza, trouxe mais luzes para um problema que nós temos pela frente para
resolver, o que é um compromisso do Brasil. A questão indígena não é só dos
produtores rurais, mas do Brasil. Se o Brasil tem uma dívida com a agricultura, com
a questão indígena, é uma dívida do Brasil e não dos produtores rurais.
Então esse é um marco da democracia, o direito de propriedade, que nós
precisamos preservar. Não é possível mais que, com um ato administrativo, se tire
os direitos centenários de produtores que estão aí. E pior: são desalojados e, como
V.Sa. colocou, abandonados à sua própria sorte.
Hoje mesmo, eu recebi um exemplar de um jornal lá de Santa Catarina, com
matéria sobre um produtor que há 15 anos perambula pelas ruas de Chapecó. Era
do Rio Grande do Sul, teve sua terra desapropriada e não foi reassentado. Hoje, tem
uma família destruída, como tantas outras, e está protestando num banco de praça
lá em Chapecó. É o retrato do abandono dessa pessoa, um pequeno produtor que
teve seus 3 hectares de terra desapropriados.
Eu acho que esse é um grande esforço do Deputado Osmar Serraglio, como
Relator. É uma pena que os nossos Deputados não estejam aqui, para tratar deste
assunto tão importante para o Brasil, mas eu tenho certeza de que todo esse
material vai chegar às mãos deles.
Eu já ouvi muitas vezes do Dr. Aragão, mas, como agrônomo, não ouso entrar
muito nessa questão jurídica. Realmente eu, como leigo do mundo jurídico, não
entendo porque as pessoas não conseguem interpretar o art. 231 da Constituição,
que dispõe que são terras indígenas as tradicionalmente ocupadas pelos índios, no
dia 5 de outubro de 1988, que é o marco temporal desse processo. Também lá, um
dos parágrafos diz o que são terras tradicionalmente ocupadas. São aquelas que
tradicionalmente foram ocupadas initerruptamente nesse período todo. Então a
gente não consegue entender por que essa interpretação não acontece, mesmo em
cima do art. 67, que o Deputado Osmar Serraglio sempre levanta, que estabelece
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
14
que o prazo para demarcação seria de 5 anos, e isso não foi feito. Portanto, como
V.Sa. se manifestou, já foi o prazo que poderia ter sido feito.
Mas eu coloco a questão, Dr. Aragão, dentro da sua proposta de indenização:
pela avaliação que temos de País e pela dificuldade que temos, eu ouso dizer que
nós não teríamos dinheiro para pagar essas terras todas que estão sendo
reivindicadas. V.Sa. falou em 90% de terras já demarcadas, mas o quadro que a
FUNAI coloca não é esse. O quadro da FUNAI é que nós temos 13%, e a proposta
da FUNAI é chegar a 25% do território brasileiro. Para 25% do território brasileiro,
são mais ou menos 180 milhões de hectares. Não há dinheiro para pagar isso.
O que nós precisamos é colocar definitivamente um marco temporal do que é
terra indígena e do que não é terra indígena. Para mim, terra indígena é o que a
Constituição disse em 1988: são aquelas que estavam tradicionalmente ocupadas,
naquela data de 5 de outubro de 1988. Eu acho que esse é o fato que nós temos
que buscar para dar, como os Constituintes fizeram, um prazo definitivo, para dizer
até quando nós vamos ficar buscando terras indígenas no Brasil, conforme também
o Supremo já colocou e definiu a Reserva Raposa Serra do Sol, com o marco
temporal de 5 de outubro de 1988, e que não se pode ampliar as terras indígenas.
Eu acho que essa proposta que o Deputado Osmar persegue de nós
trazermos essas condicionantes do Supremo para serem definidas dentro da
Constituição é boa, porque eu acho que lei ordinária e lei complementar não vão
resolver isso. Vamos colocar na Constituição o que é o marco temporal e dizer quais
são os direitos e deveres da questão indígena. E colocar lá na Constituição também
uma definição exatamente de qual é a proposta, qual é o programa de governo para
as questões indígenas.
Eu vou mais além, o senhor falou que ele possa arrendar a terra; sendo
definitivo, pode arrendar. Eu acho que é importante, é renda para os indígenas, mas
para os indígenas, não para os malandros que hoje usam os indígenas e ficam com
os recursos dos arrendamentos. Podemos avançar mais na questão da concessão
de águas, das barragens, dos royalties das barragens, da exploração de minérios,
até da exploração de madeiras dentro desse processo que o Governo faz de vender
projetos de florestas, como faz o Instituto Chico Mendes. Acho que é todo um
processo para nós levarmos renda para esse produtor.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
15
E eles querem isso lá em Santa Catarina. O Osmar Serraglio esteve lá, e os
indígenas mesmos dizem: “Olha, nós não queremos ficar tutelados à FUNAI. Nós
queremos liberdade. Nós queremos sair desse processo e queremos trabalhar como
agricultores que nós somos. Nós não queremos ser pessoas que vão voltar a caçar
e pescar, voltar a essa atividade, conforme os outros acham.” Há diferença entre os
indígenas: há o indígena integrado, que é o nosso do Sul, o semi-integrado, que é
aqui de Goiás, do Centro-Oeste, e o não integrado, da Amazônia. Eles são
totalmente diferentes. E nós temos que tratar com diferenças essas pessoas, porque
o índio lá de Santa Catarina é um empregado da indústria, ele está lá na rua, ele
está na atividade econômica, ele está na faculdade. Nós tivemos lá um advogado
indígena dando depoimento, um agrônomo dando depoimento.
Então eu acho que nós tínhamos que buscar as coisas mais fortes. Fazer,
sim, um marco temporal para se resolver o problema da terra e trazer uma política
indigenista de integração, de sustentabilidade, para que ele possa sobreviver, ter
renda, mandar seu filho para a escola. Eu acho que é isso que ele quer.
E, na busca de recursos para indenização, sinceramente, eu não vejo de
onde nós vamos tirar do Brasil esse recurso para poder fazer esse projeto, que é a
sua proposta, de indenizar os agricultores. Até porque o decreto é bem claro, ele diz
que o pequeno produtor que sair dali tem que ser reassentado, ter prioridade de
reassentamento. E o Governo não está cumprindo nem isto: reassentar os pequenos
proprietários. Está no Decreto nº 1.785, se bem me lembro.
Então esse é um processo que está aí, um desafio para nós, mas eu tenho
certeza de que na competência do nosso grande jurista, Osmar Serraglio, nós
vamos buscar uma saída. E gostaríamos que os senhores que estão na Mesa, Dr.
Eugênio, nosso Procurador, nos ajudassem a buscar essa saída jurídica para
resolver essa questão. Eu não vejo assim, porque a coisa virou para o lado
ideológico. O conflito entre produtores e indigenistas chegou a um ponto que não
tem mais como conversar e negociar, é um conflito direto, um confronto direto. Então
nós precisamos que a lei, que esta Casa diga exatamente o que é e o que não é
terra indígena e qual é o tempo. E precisamos dizer para o indígena: “Bom, nós não
estamos te prejudicando, nós queremos te ajudar. Você está lá no meio de tanta
terra...” Hoje chega a 300 hectares para cada indígena. São 800 mil hectares, 0,4%
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
16
da população dá em torno de 300 hectares para cada um. O problema não é terra, o
problema é sustentabilidade e cidadania que nós temos que dar para o indígena,
sem interesses outros, de ONGs, de FUNAI e de outros tantos, que não seja
realmente dar uma vida digna para o indígena e respeitar o direito de propriedade e
a segurança jurídica que nós temos que levar para o nosso agricultor. Do contrário,
teremos muitas dificuldades, muitos conflitos ainda se estendendo.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Serraglio) - Agradeço ao Deputado
Valdir Colatto e indago ao Dr. Eugênio se deseja complementar ou fazer alguma
consideração ainda.
O SR. EUGÊNIO JOSE GUILHERME DE ARAGÃO - Só rapidamente em
relação ao custo: o custo realmente é alto, mas pode se protrair no tempo, não é
uma coisa de se fazer um investimento imediato. Agora, realmente, precisa haver
prioridade. Parece-me que, para quem trabalha com questão indígena, fica patente
que até hoje a questão indígena não foi prioridade no Estado brasileiro. É uma
questão marginal. A FUNAI é um órgão indigente, que não tem recurso para
absolutamente nada, o que mostra realmente um desprestigio dessa questão na
estatalidade brasileira. Essa é uma questão de Estado, não é uma questão de
governo. Então me parece que é uma questão se conscientizar desse custo. O custo
existe, e nós vamos ter que, em algum momento, arcar com ele.
Na questão de reassentamento, a que eu já me referi aqui rapidamente, o
grande problema é a ausência de estoque de terras para o reassentamento, na
grande maioria dos Estados. Então isso daí já é, por si só, um óbice. E nós temos
que sair desse círculo vicioso. Esse é, parece-me, o maior esforço.
A questão de marco temporal, essas questões todas, isso me parece que dá
para discutir num segundo momento. O importante é a gente encontrar um modelo
que venha suceder ao modelo demarcatório clássico que está superado. E me
parece que essa deve ser a nossa preocupação maior e que esse modelo venha
definitivamente conferir segurança jurídica para todos os atores, principalmente
evitar as chamadas redemarcações, e redemarcações, e redemarcações, que nós
sabemos que têm afetado, vamos dizer, vários territórios impactados. Parece-me
que é isso.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
17
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Serraglio) - Agradeço a sua presença
e a contribuição e, atendendo seu apelo, nós concordamos com muito prazer com a
sua integração ao Tribunal Superior Eleitoral, naquilo que lhe cabe.
Aproveitando para comentar rapidamente essa última manifestação do Dr.
Eugênio, quando fala nas repetidas remarcações de terras, essa é uma das
decepções que nós temos com o sistema. Nós temos insistido aqui, e sei que eu falo
mais para os formadores de opiniões que são as pessoas que estão aqui e vão
traduzir lá fora. Nós temos insistido em coisas tão óbvias.
Aquilo que o Supremo definiu como condicionantes não é uma criação
cerebrina do Supremo. O Supremo não produz lei, não legisla; ele interpreta. O
Supremo interpretou a Constituição Federal e de lá extraiu as condicionantes.
Portanto, são disposições vigentes, mas que, inexplicavelmente, ou talvez muito
explicavelmente, a administração pública federal não aceita. O que o Supremo diz
que está escrito na Constituição é como se nós não tivéssemos um Supremo
Tribunal Federal e não tivéssemos uma Constituição. E aí vem aquilo para que
S.Exa., o Deputado Valdir Colatto, chamou a atenção: o grande sonho nosso aqui é
colocar na Constituição aquilo que o Supremo diz que está na Constituição. E daí,
talvez, não haveria aquilo a que o Doutor fez referência, as repetidas demarcações
de terra. O Supremo disse que a definição, a identificação de uma terra é um fato —
um fato — e, portanto, acontece no mundo fenomênico: está definido, definiu. Não
existe a possibilidade de se redefinir, a menos que se anulasse a definição, o que
não é o caso. Nas ampliações das reservas indígenas, nunca houve declaração de
nulidade da demarcação anterior. Portanto, a rigor, são procedimentos, segundo
essa ótica do Supremo, equivocados, irregulares, viciados e a que nós todos
assistimos incapazes de poder reagir. Essa é a tristeza que se acrescenta, até,
como eu disse, com os óbices todos que nos são antepostos por aqueles que
deveriam estar aqui ajudando a construir uma solução.
E uma coisa que nunca me privo, em toda a reunião, de esclarecer: eu falo
com pessoas, às vezes, as mais abalizadas no Direito, e elas desconhecem uma
coisa assim, neste contexto, elementar — não nos ambientes onde eles atuam. Até
porque parece impossível que uma sociedade coloque na sua Constituição uma
regra que diz o seguinte: o poder público pode simplesmente chegar a uma
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
18
propriedade particular e dizer: “Essa propriedade aqui agora passa a ser uma
reserva indígena; e você não tem direito a um centavo”. Essa é uma sociedade que
se diz civilizada?
Aqueles que nos ouvem coloquem-se no lugar de um cidadão que tem 1
alqueire, 2 alqueires, 5 alqueires de terra, que sobrevive com aquela pequena área
e, de repente, não é mais dono dela, simplesmente porque alguém chegou lá e
disse: “Não, é porque aqui antigamente tinha indígenas”. “Ah, mas a Constituição diz
que é 1988...” “Não, mas para nós é imemorial”. Não dá! Eu ainda sou daquela
norma, se não me engano, de Capistrano de Abreu, que disse que este País só
precisa de uma norma com dois artigos: “Todo brasileiro tem que ter vergonha na
cara. Revoguem-se as disposições em contrário”. É isso. Não é possível, com a
nossa consciência, eu diria, cristã — cristã! —, achar que nós podemos afirmar que
o poder público pode sacrificar um cidadão porque a sociedade cometeu ilicitudes,
sacrificou os indígenas. Ninguém aplaude isso. Ninguém aplaude o que se fez com
os indígenas. Agora, somos suficientemente racionais para entender que nós não
podemos produzir novas injustiças. É só isso. Parece que não é difícil fazer isso.
Mas não é difícil neste ambiente, onde nós falamos isso. Aqueles que não querem
ouvir isso não comparecem aqui. Eles não podem ouvir isso. Eles precisam
continuar lutando e brigando para dizer que, se amanhã a FUNAI disser que a terra
de Brasília há 50 ou 100 anos, que o Planalto Central era dos indígenas, nenhum de
nós será mais dono de propriedade nenhuma em Brasília. Eu exagero no raciocínio
para se perceber o absurdo que se sustenta sem que haja uma reação. Acho que o
brasileiro precisa ser provocado a dizer: “Escuta, você quer ser um cidadão injusto?”
É isso que nós vamos colocar na Constituição.
Eu já abusei do tempo, mas preciso, às vezes, desabafar, porque vejo tantas
coisas tão claras, e elas não subsistem, elas não são respeitadas. É como se nós
não tivéssemos regras. E aí assusta. Daqui a pouco, nós colocamos na
Constituição, aí vem o Ministro e começa dizendo que essa PEC é inconstitucional,
vai para as mãos de um Ministro do Supremo, ele dá uma liminar e rasga toda a
produção legislativa — uma liminar de um cidadão. Esse é o nosso sistema jurídico,
esse é o nosso ordenamento, mas nós precisamos acreditar, e eu acredito. É por
isso que vou ter o prazer agora de ouvir mais um cidadão que tem até obras
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
19
publicadas sobre esta matéria e que nos privilegia nesta tarde com sua presença e
com seus esclarecimentos.
Eu concedo a palavra ao Desembargador Federal Luiz de Lima Stefanini, do
Tribunal Regional Federal da 3ª Região de São Paulo.
O SR. LUIZ DE LIMA STEFANINI - Eu cumprimento o ilustre Deputado
Osmar Serraglio, os demais membros desta Mesa, todos os integrantes desta nossa
reunião. Pela terceira vez, compareço a estas nossas discussões porque tenho
interesse muito grande, como membro do Poder Judiciário, na participação das
soluções que estão a nos desafiar.
Primeiro, eu quero deixar bem demonstrado, exposto, escancarado é que as
soluções que estão em debate, que estão na mesa, surpreendem-me positivamente,
como esta do Subprocurador-Geral da República, o nosso colega Eugênio Aragão,
que, sem dúvida nenhuma, deu uma lucidez e praticidade a toda prova. Por quê?
Porque a solução que traz S.Exa. para as questões onerosas das fazendas
contíguas para a ocupação por indígenas é extremamente prática, extremamente
objetiva, clara, não sei se factível, mas ela realmente nos seduz.
Todavia, eu tenho, já desde muito tempo, manifestado uma certa
preocupação quanto a isso. Por quê? Exatamente esta complexidade, o habitat da
questão indígena tem um fundo que está alimentando, diuturnamente, estes
impasses, estas contendas e estes desafios, sendo perenes.
Eu não quero, desde logo, entrar nesta questão, mas, em princípio, é preciso
separar hermeticamente as situações que eu — não harmonizado com o nosso
querido Deputado, na separação feita — penso, nos tempos de 17 anos, em Mato
Grosso do Sul, nos 7 anos, em Belém, em Amazonas, conhecendo toda a Região
Amazônica, em contato com esta realidade dos autóctones, é possível, sim, separar
duas existências bem distintas. Quais são? As realidades indígenas desconhecidas,
ou seja, aqueles habitantes das nossas selvas, os aborígenes, que nós não
sabemos onde estão, em que situação estão e onde estão localizados. Sim, esta é
uma realidade! E a outra é a realidade que nós já conhecemos, que são as
realidades dos Estados do Sudeste, do Sul e também do Centro-Oeste. Esta, pode-
se dizer, é uma realidade que é plasmada, com uma certa identidade. Então, deveria
ser dividida praticamente em duas.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
20
Então, quando nós tratamos de abordar estas questões, estamos tratando
desta segunda realidade, daquelas populações indígenas conhecidas, sabidas, onde
estão localizadas.
Eu não quero reeditar questões que já fiz em anteriores exposições. Eu quero
somente entrar na questão já em debate, qual seja, o que alimenta as nossas
realidades extremamente compulsivas, doloridas. É esse húmus, essa semente,
esse musgo, essas mudas que nascem por trás, escondidas na selva desta
contingência extremamente pungente para a nossa civilidade brasileira.
Então, é preciso, sim, a par dessa brilhante solução pragmática, que não se
perca de vista, jamais, esta realidade que está encoberta na vida nacional, na
civilidade, na população do Brasil.
Quem são os brasileiros índios? A primeira ideia que tem que ser conhecida,
que tem que ser perscrutada, tirada uma noção, é quem são os “brasilíndios”, os
índios brasileiros nacionais. Nós temos, lá em Mato Grosso do Sul, várias pessoas
que se dizem indígenas que vieram do Chaco paraguaio e entraram pelo nosso
território, pois o nosso território é aberto, pelo menos ali, naquela região — não
existe fronteira obstrutiva. E mais, lá na região de Porto Murtinho — alguém daqui
pode ter eventualmente este conhecimento —, grandes populações do Paraguai
adentram o Brasil para se beneficiar da assistência e das benesses do nosso
amparo previdenciário e das cestas assistenciais que o Governo promove.
Então, a maioria dessas índias vem para o Brasil e aqui nascem os seus
filhos e que aqui se tornam brasileiras e retornam para o Paraguai e ali moram
definitivamente, só retornando aos nossos postos de saúde para receber a
previdência, os benefícios e as cestas de assistência.
Então, é preciso saber quem são os índios brasileiros, quem somos nós,
indígenas. E chegamos a uma triste realidade: nossos cidadãos indígenas
brasileiros são párias de gentilidade sem a inteireza da personalidade jurídica e
humana porque ainda hoje são reconhecidos como menos cidadãos, são
subpessoas, têm apenas pequenos pedaços da personalidade, ocupam suas
reservas como naturais, não desfrutam da propriedade destas mesmas terras.
É importante que se comece a delinear o perfil daquilo que chamamos
realidade dos índios nacionais. Se nós não resolvermos este impasse de identificar
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
21
verdadeiramente qual é o objeto dos nossos estudos jurídicos, nós não vamos
chegar a nenhuma outra satisfatória solução. Por quê? Porque, evidentemente, nós
não estamos sabendo de que estamos tratando como objeto do benefício do direito
indígena.
Nesse sentido, Deputado, quem vende e quem compra? A questão já começa
sendo ambígua na sua origem. Quem está vendendo? Quem está vendendo é o
produtor rural, é o proprietário rural. É certeza que ele está vendendo. Agora, quem
está comprando? É o Governo brasileiro? É o Estado brasileiro? É a sociedade
brasileira? É a comunidade indígena? São aqueles que têm a sua condição de
extravagante daquela reserva? Surge, então, uma outra dificuldade extrema, que é
exatamente isto que estou colocando agora.
Nós precisamos dar plenitude de capacidade aos nossos brasileiros índios. É
a primeira questão sobre a qual nós vamos ter que nos ajoelhar e dar esta condição
de pessoa, para, como pessoa, ser titular de direito e ter a sua própria parcela de
terra na comunidade indígena. Quem compra não é o Estado, porque o Estado
somos nós também, e nós não podemos comprar e vender ao mesmo tempo. É
preciso que o destinatário dessas aquisições seja a comunidade indígena ou a
sociedade indígena ou as pessoas indígenas que compõem aquela sociedade,
aquela entidade.
Bem, desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que é de 10 de
dezembro de 1948 — a própria OIT fala disso —, as entidades indígenas têm direito
à propriedade e à sua terra. Está lá, o tratado foi ratificado pelo Governo brasileiro.
Diz o seu art. 17: ”Toda pessoa tem direito à propriedade, só ou em sociedade”.
Essa declaração é de 1947. Em relação ao nosso “brasilíndio”, está inaplicável, está
solta, deve estar voando em outro lugar, que não na soberania nacional.
Eu faço mais uma pergunta decorrente desta aqui: por que ainda os índios
não têm o direito fundamental à propriedade de suas terras demarcadas? Por quê?
Este é um direito constitucional fundamental a todos os brasileiros. Os índios, antes
de serem índios, são brasileiros. A resposta é elementar, nasce fluida como o vento:
Porque não se reconhece aos indígenas brasileiros a capacidade de gerir e desfrutar
suas vidas em igualdade de direito com os demais brasileiros, não obstante a
realidade objetiva e material do Brasil contrarie totalmente este preconceito, esta
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
22
presunção, esta gestão absurda em relação ao indígena. A Constituição
indiretamente lhes nega este direito aferrado, como se encontra na concepção de
que o índio deve ser custodiado e tutelado conforme, posto que é incapaz de evoluir,
de progredir, de administrar o seu quinhão, de tornar-se um agente dos bens
próprios e sociais, de lograr e chegar à condição de produtivo e rico, ombreando
com os demais direitos dos brasileiros. Em verdade, esta é uma capitis diminutio
inaceitável já nesta quase segunda etapa do séc. XXI.
Eu já disse anteriormente em outra palestra que nos Estados Unidos, já no
século XIX, os índios kadiwéus, que são os mesmos kadiwéus lá da barranca do Rio
Paraguai, nossos índios, no Estado de Oklahoma, nos Estados Unidos, foram
deslocados de suas áreas, e também a Mate Laranjeira fez o deslocamento de
muitos índios. Inclusive o Governo Vargas os deslocou de suas áreas e os colocou
em outras já demarcadas, e lá foram estabelecidas essas populações indígenas.
Lá nos Estados Unidos, portanto, esses índios kadiwéus foram levados para
reservas previamente demarcadas, e nessas reservas foram amparados,
financiados e tiveram todo o supedâneo para produzirem e chegarem ao ponto de
enriquecerem e comprarem do próprio Estado de Oklahoma as terras que
anteriormente detinham, das quais foram remanejados, que eram as antigas terras
das pradarias dos bisões. Vejam como é um governo ciente, lúcido, que traz
soluções efetivas!
Então, nós somos empedernidos de instituições jurídicas que encarceram,
prendem os indígenas e os mantêm em grilhões, em terra primitiva, inadmitindo as
suas capacidades intelectuais e presumindo uma escravatura institucional. Essa é
uma grande tristeza que nós, ainda hoje, neste nosso 2014, temos e acolhemos e
aceitamos.
A FUNAI mantém o monopólio da lavra progressiva do preconceito, aliando a
invenção das terras indígenas, a despeito do estabelecido pelo excelso pretório.
Pela jurisprudência consolidada no Supremo Tribunal Federal, as terras que até
1988 estavam ocupadas pelos índios, conforme se repetiu a mil, eram terras
indígenas a partir de então, à exceção daquelas que sofreram o esbulho
processório. Não são mais terras indígenas. Estas condições têm levado a grandes
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
23
e solitários sofrimentos, torturas e mortes, de um lado e de outro. Muitos produtores
rurais faleceram e muitos índios também faleceram.
O que diz o art. 231 da Constituição Federal sobre a demarcação das terras
indígenas? Diz que compete à União demarcar as terras tradicionalmente ocupadas
pelos índios. Pois bem, no universo jurídico — observem com cuidado —, é certo
que, em relação à União, remanesce um conceito publicístico, político-jurídico,
representativo da ideia de um poder centralizado e soberano. Esse poder é unívoco,
ou seja, alcança a todos nós brasileiros, e de onde emergem os raios de comando a
toda a nação, ele abarca o poder, que se cinde em três outras atividades-poder,
quais sejam: o poder da União relativo à atividade de gerar o direito, executar o
direito e interpretar o direito. Isso tudo é poder da União, é poder central da União.
E, portanto, a União legisla, executa, administra, julga e interpreta a lei e manda
cumprir. Lamentavelmente, há alguma situação capenga neste dispositivo sobre
esta competência da União, posto que o único que desenvolve algo semelhante a
isso seja o Poder Executivo, e não os demais.
Por conseguinte, numa interpretação científica, por este dispositivo que
compete à União — e a União também é legislação, é Legislativo; a União também é
execução, é Executivo; e a União é Judiciário —, está embutido, está implícito este
poder de demarcar as terras.
Muito bem, por outro lado, o Poder Executivo, na prática de identificação, tem
exercido a função de demarcação, e não a função identificatória. Agora os senhores
vão me perguntar: mas como o Poder Executivo demarca sem identificar?
Lamentavelmente, sim. O que se quer dizer com estas duas expressões, que
parecem semelhantes ou idênticas, é que onde a União pretende demarcar não
existe terra indígena. É preciso, primeiro, encontrar a terra indígena e, depois,
demarcar. Primeiro, você tem que encontrar, identificar, localizar.
Ora, o que faz a FUNAI? Ela, à martelada, diz o seguinte: “Aqui é uma
presunção de terra indígena; então, vamos achar a forma antropológica”, porque só
pode ser antropológica, já que não tem posse ou ocupação. Então, tem que ser
antropológica. Vão procurar lá no passado vestígio de que ali foi, imemorialmente,
uma terra indígena. Assim, é preciso pensar isso com o fórceps. Criaram uma
realidade que não existe. Então, eles estão demarcando áreas não identificadas,
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
24
isso exatamente porque o nosso Tribunal Supremo já colocou esse parâmetro. É
possível que haja ocupação, senão será ocupado no céu ou lá no inferno.
Bem, perdoem-me, às vezes, as expressões menos elegantes.
Mas, meus amigos, avanço um pouco mais nesta consideração para chegar
ao objeto do que eu quero dizer. Aliás, eu faço aqui uma observação de que a
própria Advocacia-Geral da União — AGU chegou a elaborar, quanto àquelas
diretrizes estabelecidas pelo Supremo Tribunal, um ato normativo, incorporando
todos aqueles requisitos e condicionantes estipulados pelo Supremo Tribunal numa
norma, pacificando a questão. Mas foi suspensa pelo choque da contradita
ideológica do mesmo Governo.
Bem, nós dizemos o que diz a Constituição. Agora, o que diz a PEC 215? A
Seção II do Título IV trata da Organização Dos Poderes, no seu art. 48, em seu
inciso V, e dispõe, entre aspas, que “Cabe ao Congresso Nacional a fixação dos
limites dos bens da União”. Essa é uma aquisição que já a lucidez do nosso Relator
reprisou a contento. Estou, portanto, embarcando já na noção que vem da Relatoria.
Ora, as terras ocupadas pelos indígenas outras não são senão os bens da
União, sob a expressão de terras públicas. Pelo dispositivo do art. 44, já se
depreende que o Congresso Nacional detém esta capacidade ou competência para
demarcar terras indígenas, que são as terras públicas da União, são bens da União.
Já está, portanto, estabelecida a competência ou o fato dos poderes da União,
através do Congresso Nacional, de demarcar os bens da União, pelo art. 48, inciso
V. E mais: esse ponto ainda é ratificado, confirmado, restabelecido, com bastante
profundidade, no mesmo art. 49, em seu inciso XVI, que igualmente estabelece que
ao Congresso Nacional cabe “autorizar, em terras indígenas, a exploração e o
aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais”.
Ora, as terras ocupadas pelos integrantes indígenas que, em gênero, são
terras públicas federais e, em espécie, são as terras ocupadas por afetação é que
são submetidas à autorização do Congresso Nacional e em tudo no que diz respeito
a estes fatos, relação intrínseca entre o índio e seus bens, como é o caso da terra
que ocupa.
E vou mais além — agora, minha contribuição ao eminente Relator. Dispõe
ainda o art. 48 da Constituição, que trata das atribuições do Congresso Nacional, em
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
25
seu inciso VI, que, entre aspas, “Cabe ao Congresso Nacional” — bem claro como
cristalina água — “dispor sobre incorporação, subdivisão ou desmembramento de
áreas de Territórios ou Estados, ouvidas as respectivas Assembleias Legislativas”
dos Estados-membros.
Ora, pergunto: a identificação e demarcação de terras ocupadas pelos
indígenas não levam a extrair do Estado federado uma área particular que integrava
seu patrimônio político, administrativo, fiscal, incorporando esta área à União
Federal? É o que ocorre, não há dúvida. Penso que não pode haver um desfalque
tão evidente e mais típico do que uma área particular do território de um ente
federado ser sacada indevidamente pela União Federal através da afetação pela
imposição de uma invasão ou ocupação — melhor, politicamente correto, ocupação
— indígena.
Também por este inciso VI, a competência, nesses casos, é indubitavelmente
do Congresso Nacional. Portanto, trata-se de declaração de terras indígenas nos
Estados, sem dúvida nenhuma. E a PEC 215, meus amigos, meus colegas, meus
estudiosos e interessados, a mim, é de suma importância. Ela estabelece um
imperativo sistemático da Constituição vigente que agora visa estabelecer a
organização de competências positivas, fazendo inserir no art. 48 um inciso de
necessária progênie, ou seja, aquele que diz caber ao Congresso aprovar as
demarcações das terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas e ratificar as
demarcações já homologadas, evidentemente renumerando os incisos. Isso é da
sistemática da nossa Constituição. É preciso organizar o que, por cochilo do
legislador, ficou fora desta ordem sistemática.
E mais: propõe ainda a nossa PEC 215, de 2000, por imperativo de logicidade
jurídica, que, somente após a respectiva, aspas, “demarcação aprovada ou...” — aí
eu faço uma observação: em vez de “ou”, deveria ser o integrativo “e” — “...
ratificada pelo Congresso Nacional”, de acordo com a inserção trazida. Esta
demarcação traz a logicidade no sentido de que consolida os direitos subsumidos na
condição de terras públicas, senão nem isso se poderia alegar. Poderia até provocar
uma discussão de inconstitucionalidade. Aí é possível haver alguma dubiedade na
validade da logicidade jurídica e até da constitucionalidade do que hoje está.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
26
Por derradeiro, na identificação das terras indígenas, pelo texto da PEC 215,
observar-se-ão as conquistas humanas e científicas do Estado Democrático de
Direito, em que todos são iguais perante a lei — art. 5º —, onde é garantido a todos
os brasileiros — aí se incluem os índios, que estão excluídos — o direito à ampla
defesa da sua própria ocupação. E mais: às pessoas dos rurícolas e dos indígenas,
que são iguais, não são diferentes. Ambos, rurícolas e indígenas, produzem para si
e para o País e precisam de segurança jurídica. Ambos devem ter as mesmas
liberdades públicas e privadas. Ambos devem ter direito e acesso aos bens sociais e
às conquistas do mundo, a todos os bens da vida.
Assim, é preciso que a apartação das terras ocupadas pelos indígenas seja
feita dentro do sistema regido nos princípios constitucionais, ou seja, o devido
processo legal, a prerrogativa da publicidade plena, da defesa e do contraditório. No
mais, na casa dos direitos fundamentais, os direitos políticos, os sociais e,
sobretudo, os humanísticos.
Senhoras e senhores, a PEC tira da escuridão, o que sempre foi negado, a
comunidade indígena.
Por fim, cabe ao Ministério Público, como curador desses brasileiros, não
poder continuar a agir sem nunca perguntar quais são as aspirações e os interesses
dos tutelados, dos curatelados. É preciso que desperte para esta caótica realidade
de imposição, goela abaixo, das prerrogativas do Ministério Público, entender assim
ou entender de outra forma. É preciso que seja perguntado a eles qual é a sua
aspiração, os seus desejos, a sua visão de mundo. Urge acreditarmos na
capacidade de progresso humano da gente indígena como classe importante no
progresso do Brasil, e não alijá-los de seus mais essenciais direitos.
É o que tenho a dizer. Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Serraglio) - Quero agradecer a V.Exa.
a contribuição e dizer que, de fato, provoca-nos a refletir sobre um sistema que não
admite ser modificado. Como V.Exa. bem expressou, trata-se de uma escravatura
institucional! Nosso sistema jurídico mantém aquele conceito de escravatura que nós
eliminamos em relação aos afros, mantendo-o em relação aos indígenas. São
subpessoas. São pessoas que precisam ser tuteladas, que não podem sonhar, que
não podem imaginar que possam...
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
27
O SR. LUIZ DE LIMA STEFANINI - Constituir família, ter filho, fazer dívida,
obter crédito...
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Serraglio) - Exatamente. Eu tenho
dado o seguinte exemplo. Imaginem que eu dê a alguém aqui um Boeing. O que
vocês vão fazer com um Boeing? Nós não temos dinheiro para o combustível! É o
que nós queremos dar para os indígenas, em vez de nós pensarmos na sua
dignidade, naquilo que eles precisam para efetivamente se igualarem a nós. Nós
estamos dando algo de que eles não podem fruir. Não podem fruir porque o
indígena não pode comprar um trator. Ele não é dono de nada. O que ele vai dar em
garantia, para comprar um trator? Ele não pode desenvolver a agricultura. Conforme
o Deputado Valdir Colatto fez referência, nós o estamos tratando como se fosse
sobreviver de caça e pesca, porque, afora isso, nós não damos ao indígena
nenhuma condição, nenhuma condição! E ainda nos orgulhamos do sistema que
está posto! Não admitimos, não comparecemos para construir conjuntamente, com a
inteligência, com todos aqueles que trabalham com o setor indigenista, uma
proposta que elimine esse tipo de subpessoa, de escravatura no séc. XXI.
Lamentavelmente, é uma condição desumana, mas necessária para os interesses
de muita gente — os quais prefiro não identificar, mas a sociedade sabe.
Agradeço o privilégio, Desembargador Stefanini, de mais uma vez receber
contribuição tão importante de V.Exa.
Tal qual fizemos em relação ao Dr. Aragão — nós sabemos que V.Exa. não
mora aqui —, afirmamos que, enquanto V.Exa. permanecer, será um orgulho para
nós, um privilégio, mas desde já receba os nossos agradecimentos e os nossos
cumprimentos, se eventualmente precisar retirar-se.
Convido agora como palestrante o Dr. Paulo Alexandre Mendes, Fiscal
Federal Agropecuário, Coordenador-Geral Adjunto de Sustentabilidade Ambiental e
Assessor da Assessoria de Gestão Estratégica do Ministério da Agricultura, Pecuária
e Abastecimento. S.Sa. está com a palavra.
O SR. PAULO ALEXANDRE MENDES - Boa tarde, Exmo. Sr. Deputado,
colegas de Mesa e demais presentes.
Primeiramente, expresso a honra em termos sido convidados — e ter sido
esta honra cumprida — porque é um assunto de interesse não só do produtor rural,
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
28
mas da sociedade brasileira. E não podia ser diferente a nossa participação hoje
aqui.
Nós não vamos entrar no mérito da competência legal da PEC. Acho que este
é um assunto para a turma do jurídico continuar analisando, mas o mínimo que nós
conseguimos depreender é que a PEC trouxe oportunidade de refletir sobre o
assunto. Se a coisa anda do jeito que está e no nível que está, no mínimo, ela tem
de ser repensada, revista e, se necessário, que também seja feito algum tipo de
ajuste.
Eu me senti muito representado na fala do Dr. Eugênio e do Sr.
Desembargador que acabou de sair, mas acho que o Dr. Eugênio me deu um
sentimento muito de complacência realmente com o que penso e no caminho que
precisamos reformular.
Dentro das oportunidades de revisão, não é surpresa nenhuma o Congresso
querer trazer para si — eu novamente não estou entrando no mérito da questão
jurídica — a legislatura de determinada matéria. Isso é comum no nosso Estado e,
salvo dispositivo logicamente expresso contrário, poderia caber a outro Poder. Mas,
a princípio, também não vemos nenhuma incongruência jurídica para que não seja
dessa forma.
E o mais louvável que enxergamos é que, ao tentar levar competência para si,
primeiro, a União não perderia seu papel dentro do cenário. Pelo contrário, acho que
ela manteria e expandiria sua função e outros tantos atores seriam envolvidos
também. Isso porque, quando se fala de política de demarcação de terra indígena, a
política não pode ser unilateral. E existe aquele jargão que todos já conhecem de
que não se pode criar solução para um, criando problema para o outro, ou tapar o pé
e descobrir o tronco. Nesse tipo de coisa, a política tem de ser para todos. E quanto
mais agentes e atores interessados e, de fato, envolvidos estiverem representados,
mais fidedigna e assertiva será a demarcação e as consequências disso.
Muito do que ouvimos aqui não conhecíamos em termos de processo,
Sabemos o que acontece na prática, e, mesmo assim, logicamente o canal é restrito,
quando não é a mídia. Mas esse tipo de participação traz um conhecimento da
sustentação dos nossos achismos.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
29
E a gente costuma fazer um comparativo de Relatório de Impacto Ambiental.
Quem é da área ambiental já ouviu falar de Estudo de Impacto Ambiental, de
Relatório de Impacto Ambiental. Qualquer empreendimento precisa ser licenciado e,
quando você se aventura a colocá-lo em prática no campo, precisa de autorização.
Para ter essa autorização, você terá de identificar todos os problemas e submeter as
soluções e condicionantes para que o órgão ambiental realmente conceda a
operação daquilo.
A gente faz essa mesma analogia com a área demarcada. Para se demarcar
uma área, não se pode ignorar tudo o que nela já está estabelecido. E a gente não
está falando novamente de produtor rural apenas, a gente está falando de interesses
de unidades de Municípios, de Estados, enfim, de Entes da Federação que não
podem ser deixados de lado, tanto por suas competências, quanto por seu
desenvolvimento próprio, suas virtudes, seus quereres. Então, novamente, quando
falamos em política não podemos pensar apenas em resolver o problema do índio.
Temos de buscar solucionar o problema do índio e de todos os outros agentes. E,
para que nós conheçamos esses problemas, precisamos ouvi-los.
Então, a grande virtude que a gente entende, Sr. Deputado, na lógica
inclusive do seu raciocínio aqui colocado, das instituições que foram convidadas e,
enfim, que não puderam comparecer também, paciência... Mas, se está havendo
algum tipo de boicote, é lamentável, porque é a chance de tratarmos da matéria.
Nós vamos discutir e vamos buscar melhorar. Se nós não damos a chance para que
isso aconteça, enfim, é muita superficialidade da nossa parte como cidadão, como
representante público ou como, enfim...
No mais, no que o Ministério da Agricultura puder ajudar, estará sempre
presente, sempre participativo. Estamos à disposição.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Serraglio) - Quero agradecer ao Dr.
Paulo Alexandre Mendes a participação.
Indago ao Dr. Antonio se pretende se manifestar desde logo.
O SR. ANTONIO LUIZ MACHADO DE MORAES - O.k.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Serraglio) - Pois não. Está com a
palavra o Dr. Antonio Luiz Machado de Moraes, Coordenador-Geral de Análises
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
30
Econômicas do Departamento de Economia Agrícola, da Secretaria de Política
Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento — MAPA.
V.Sa. está com a palavra.
O SR. ANTONIO LUIZ MACHADO DE MORAES - Obrigado, Deputado
Osmar Serraglio.
Eu gostaria de fazer alguns comentários de ordem geral na linha do que foi
aqui dito em termos de se ter, no trato dessas questões em apreço, uma abordagem
mais ampla e com uma visão de futuro.
A par dos aspectos jurídicos — e eu não vou entrar em consideração — das
questões de justiça ou equidade, eu queria levantar o aspecto econômico dessa
matéria. No que se refere aos critérios de demarcação das terras indígenas, nós
entendemos que é importante que se leve em consideração, por um lado, o
potencial de ocupação racional produtiva dessas áreas. Se hoje não é uma
realidade, certamente o será no futuro. É isso o que se deseja, e há de se empenhar
nesse sentido. E outro aspecto que gostaria de destacar são os impactos presentes
e futuros no que se refere à atividade produtiva agropecuária, e, como já foi aqui
anteriormente mencionado, incorporando medidas compensatórias aos demais
envolvidos nessa questão além dos índios.
Eu quero destacar a coerência no trato dessa questão com o esforço
empreendido pelo Governo em outras áreas, em particular na formulação de
políticas públicas. E eu, em particular, destaco a política agrícola voltada para o
agronegócio, pois essas políticas têm contribuído significativamente para o
desempenho do setor, para que o setor pudesse alcançar a pujança que é de todos
conhecida.
Há de se levar em consideração também não só a realidade do setor do
agronegócio, mas, em especial, já caminhando para a conclusão, as potencialidades
do setor agropecuário e o cenário futuro que se desenha, em particular no que se
refere à ocupação de áreas produtivas, que obviamente se tornam cada vez mais
escassas, e, inexoravelmente, vamos ocupar toda a fronteira agrícola.
No que se refere às próprias terras indígenas, em termos de futuro, é
fundamental — não só pela dignidade do indígena, mas, do ponto de vista do
interesse econômico da ocupação dessas terras, do uso desse capital, que é um
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
31
capital do País — a sua incorporação ao processo produtivo, comandado pelos
índios que ocupam essas terras, mas com todo apoio do setor público e em parceria
com os demais segmentos produtivos do agronegócio.
Se me permitem, até colocaria aqui uma figura. Assim como nós temos, por
exemplo, a agricultura familiar, uma política voltada para a agricultura familiar, por
que não pensar também idealmente em termos de um programa de agricultura
indígena, quer dizer, um programa desenhado especificamente para essa
comunidade, incorporando as realidades próprias dessa comunidade? Porque o que
está na base desse raciocínio é o interesse, em todo o trato dessa questão, de não
comprometer, de forma alguma, não digo comprometer, mas interferir na boa
evolução das atividades produtivas dos produtores rurais. E, mais do que isso,
gradualmente, ir incorporando o indígena na atividade produtiva, somando, assim, o
esforço de todos no sentido de aproveitar plenamente as potencialidades do
agronegócio brasileiro, com destaque para o aproveitamento desse recurso precioso
que é a terra.
Com essas observações, enfim, eu agradeço pela oportunidade desses
comentários.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Serraglio) - Quero agradecer ao Dr.
Antonio, assim como ao Dr. Paulo. Em seus nomes, quero agradecer ao Ministério
da Agricultura, que, ainda que a matéria jurídica não lhes seja tão afeta, não se
furtaram a comparecer e sugerir, como esta última, muito importante, possibilidade
de nós instituirmos uma política agrícola indígena ou indigenista.
Na verdade, é isso que nós estamos procurando evidenciar para a sociedade
brasileira. Há um mecanismo que pode ser um equívoco na interpretação minha e
de muita gente, no sentido de que, quanto mais reservas indígenas nós instituirmos,
tanto mais garroteamos a produção nacional.
Ainda hoje, eu assisti, na Organização das Cooperativas do Brasil, a uma
demonstração de que, nos próximos 20 anos, o Brasil deverá contribuir com, pelo
menos, mais 40% da alimentação do mundo. Evidentemente, quanto mais nós
produzirmos, mais nós incomodamos aqueles que também produzem. Como nós
produzimos com custo menor comparativamente aos que dispõem de muito mais
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
32
recursos, eles precisam nos dificultar. E nós estamos pensando nisso. Eu traduzo
publicamente mais uma concepção que é mais ou menos na linha do que aqui já se
afirmou. Nós estamos pensando em viabilizar aos indígenas a possibilidade efetiva
de explorarem as suas terras, porque, para aqueles que imaginam que o Brasil vai
deixar de produzir porque criamos reservas indígenas, nós vamos dar a resposta: o
indígena vai produzir, o indígena vai se igualar aqui, segundo o princípio da
igualdade, que foi pelo Desembargador Stefanini, sabiamente aqui aventado. Que
igualdade é essa que nós queremos em que não damos oportunidade de
absolutamente nada ao indígena?
Vejam que é tão certo que nós estamos incomodando muita gente que há
dois dados que são facilmente perceptíveis: o Brasil, hoje, tem 370, 380 bilhões de
dólares nas reservas cambiais; se vocês olharem os balanços, vão observar que
quem está colocando essas reservas é o setor do agronegócio. Então, o Brasil
ultrapassa as dificuldades econômicas, pelo menos até agora, que o mundo
enfrentou, porque está cacifado por quem? Pelo setor industrial? Não. Pelo setor de
serviços? Não. Pelo setor da agricultura.
O Brasil, hoje, é o maior exportador do mundo de carne bovina, o maior
exportador do mundo de frango, o maior exportador do mundo de açúcar, o maior
exportador do mundo de suco de laranja — 80% do suco de laranja exportado no
mundo é do Brasil. Nós estamos agora chegando aos maiores exportadores de soja.
Nós incomodamos muita gente. Uma política inteligente de nos frear é não permitir
aquilo a que o Dr. Antonio fez referência, que é a ampliação da nossa perspectiva
expansionista. Ninguém aqui está pregando expansionismo no sentido de derrubada
de floresta, de nenhuma árvore. O que nós queremos é aproveitar o potencial que
nós temos, ampliar a nossa produção, enriquecer o Brasil, porque, com isso, vamos,
com certeza, dar melhores condições de vida, que é só o que nós queremos. Parece
que é difícil a gente incutir isso na cabeça das pessoas.
Mobilizam os indígenas, gastam um horror para nos dificultar, quando tudo
que nós queremos é exatamente o contrário. Nós queremos ajudar o indígena, e
ajudar o indígena é a prática de uma política de proteção que não significa só terra.
Não é possível que este País não acorde, observando que não é terra a solução do
indígena. E ninguém está dizendo que não quer dar terra, mas tenhamos uma visão
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
33
mais aberta, mais de largada. Não é só terra. Cadê a saúde dos indígenas? Cadê a
sobrevivência alimentícia, a sobrevivência do índio, subalimentado? E nós não
admitimos que ele possa fruir, até porque, está muito claro aqui na Constituição, a
terra não é dele, a terra é da União. Como não é dono de nada, ele é um
sobrevivente na terra dos outros. Nós queremos mudar esse perfil.
Com muito prazer, eu passo a palavra ao nosso companheiro Dr. Rudy Maia
Ferraz, que é advogado especialista em Direito Agrário e consultor jurídico da Frente
Parlamentar Agropecuária, para que nos privilegie e nos enriqueça com os seus
conhecimentos.
O SR. RUDY MAIA FERRAZ - Primeiramente, gostaria de agradecer aqui ao
Dr. Osmar Serraglio pelo convite para fazer esta exposição. Em nome dele, quero
cumprimentar os demais presentes.
Acho que o primeiro ponto a abordar... Não há muita coisa a ser abordada
depois de o Desembargador Luiz Stefanini e o Subprocurador-Geral Eugênio Aragão
ter mencionado. Eles, simplesmente, abordaram todas as problemáticas que nós
temos hoje sobre demarcação de terra indígena. Então, gostaria só de fazer um
esclarecimento no tocante a como é o processo atualmente. O processo é arbitrário,
eu sempre venho mencionando, é um processo inquisitivo, no qual a participação de
até mesmo ente federado, como Estados e Municípios, é completamente esquecida
dentro do processo atual de demarcação.
Hoje, a primeira arbitragem começa na nomeação do antropólogo. A
nomeação do antropólogo não se passa por ninguém. Livremente, a FUNAI nomeia
um antropólogo para fazer um estudo de identificação, sem ninguém ficar sabendo.
A partir desse procedimento no qual o antropólogo identifica uma etnia, basicamente
já se tem caracterizada a terra indígena, porque são meros procedimentos a serem
cumpridos, como a portaria de estudos complementares, que prevê justamente a
delimitação, porque a identificação já ocorreu lá atrás, através de um ato, sem
nenhuma publicidade — isso vale dizer —, na qual o antropólogo é nomeado pela
FUNAI e identifica a área. Posteriormente, cria-se o grupo técnico, o qual faz o
trabalho de estudos complementares, visando, justamente, delimitar a área. É o
primeiro passo que eu acho que inviabiliza hoje a defesa, muitas vezes, dos
produtores rurais, e acabam sendo judicializadas as demarcações por esse ponto.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
34
Então, a nomeação do antropólogo sem nenhuma análise de parcialidade, de
vinculação dele com a terra ou de conhecimento mesmo sobre o processo de
demarcação não é feito.
Hoje, nós temos um caso lá na Bahia, a famosa terra Tupinambá de Olivença,
na qual a antropóloga nomeada pela FUNAI escreveu um livro afirmando claramente
que nunca esteve índio na região, nunca existiu a etnia Tupinambá de Olivença na
região, sempre a etnia Tupiniquim. Posteriormente, ela, contratada pela FUNAI, fez
um relatório técnico de identificação e delimitação reconhecendo a etnia Tupinambá
de Olivença. Ora, onde está a segurança jurídica de um procedimento desse, se ela
faz um laudo, um livro, inicialmente, uma tese de Doutorado reconhecendo que
nunca houve índio e posteriormente faz um relatório antropológico para a FUNAI, no
qual estava recebendo por isso, e identifica a terra como indígena? A gente vê que a
parcialidade já começa por aí, pela nomeação do antropólogo. Realmente, o estudo
antropológico deve ser utilizado para o procedimento, mas não deve ser o único
instrumento. Tem que haver outros instrumentos para poder também demarcar uma
determinada área. Então, esse é o ponto basilar do processo administrativo, em que
a gente vê os vícios originários nesse processo.
Outro ponto é o contraditório. O contraditório é feito em 90 dias após a
publicação no Diário Oficial das poligonais da área, não necessariamente da
demarcação, só das poligonais. Então, o produtor rural vai ter que acompanhar
diariamente o Diário Oficial para verificar se as poligonais da sua propriedade
incidem ou não na terra indígena. E, depois, sim, começar a correr o prazo para ele
contratar advogado, contratar antropólogo e contestar o laudo. E esse laudo vai ser
examinado pela própria FUNAI, que dá um parecer técnico, que é remetido ao
Ministro, para dar tomar a decisão.
Ora, isso é totalmente contrário hoje ao processo administrativo junto à
Administração Federal, que é a Lei nº 9.784. A Lei nº 9.784 garante a participação
de qualquer interessado desde o início; garante a ele toda e qualquer cópia de
processo administrativo e a participação em todos os atos no processo
administrativo; garante a ele o poder de contestar e recorrer do processo para uma
pessoa hierarquicamente superior ao seu anterior, o que não ocorre hoje no
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
35
processo de demarcação. É o único caso, hoje, na legislação brasileira em que há a
perda de um bem sem o devido processo legal.
Hoje, na demarcação de terra para quilombola, nós vemos que há um
processo, uma desapropriação que ocorre judicialmente. No procedimento de
reforma agrária, também há um processo anteriormente; agora, nesse caso, não há,
é administrativo. Por isso, sempre falo que se parece muito com o inquérito policial,
no qual o Delegado é que julga o processo de demarcação, contrariando, inclusive,
o texto constitucional, no art. 5º, inciso LIV, que fala: “ninguém será privado da
liberdade ou de seus bens, sem o devido processo legal.”
As palavras do Dr. Eugênio foram muito felizes aqui ao falar que o modelo
está ultrapassado. O modelo atual de demarcação é um modelo totalmente
ultrapassado, que não corresponde à política atual, à necessidade hoje da
sociedade. Então, esse procedimento tem que ser revisto.
Não foi por isso que o Supremo decidiu daquela forma quanto à Raposa Serra
do Sol, que adotou aquelas balizas, aquelas condicionantes, e para que determinada
terra indígena seja demarcada tem que obedecer àquelas balizas. Não é por acaso
que o Advogado-Geral da União reeditou aquela Portaria nº 303, que está
plenamente em vigor, mesmo com o Supremo não dando efeito vinculante, porque,
se ele tivesse dado, não precisaria da Portaria nº 303, para obedecer. Então, é
importante trazer aquelas observações para o texto constitucional.
Só no tocante à ampliação, vou dar um exemplo: essa remarcação, reestudo,
revisão das demarcações de terras indígenas. Antigamente, a FUNAI demarcava
uma área sempre ampliando, ampliando, ampliando determinada região,
determinada terra indígena. O Decreto nº 22, de 1991, previa a possibilidade de
revisão, tanto que o Supremo Tribunal Federal se manifestou falando da
inconstitucionalidade daquele decreto. Posteriormente, veio o Decreto nº 1.775, que
vetou. Ele não menciona, em nenhum momento, a possibilidade de revisão do ato
de demarcação, isso, justamente, já contemplando, inclusive, a Lei nº 9.784, que
também veda a possibilidade de a Administração rever os seus próprios atos que
geraram direitos a terceiros. Então, o que o Supremo colocou foi basicamente o que
a Constituição está prevendo. É importante trazer aquelas balizas, principalmente a
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
36
questão do marco temporal, apesar de não ser uma condicionante, mas foi um
entendimento claro do Supremo Tribunal Federal.
A FUNAI sempre utiliza o argumento de que em um passado remoto os índios
foram expulsos, foram esbulhados, para, justamente, desqualificar o marco
temporal. Por isso, é importante deixar de forma clara e absoluta que a FUNAI
aplique... Eu sempre falo que seria conveniente até uma DPF, uma arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental, justamente porque a FUNAI descumpre
o texto constitucional, que é o marco temporal. Isso deixando de forma clara, no
texto constitucional, seria inquestionável — inclusive a própria FUNAI — perante o
Ministério Público Federal.
Outro ponto que me preocupa também é a questão da expressão “direitos
originários” no texto constitucional. Esta expressão relativiza tudo e qualquer direito.
Muitas vezes, alguns julgadores estão adotando essa expressão para, inclusive,
derrubar as reintegrações de posse que estão tramitando hoje. O índio
eventualmente invade uma determinada área, e o julgador, realmente, fala: “como
eles estão retomando a propriedade — eles sempre usam aquela expressão de
retomada —, como eles estão reocupando, como o direito deles é originário, não
pode ser concedida uma reintegração de posse para eles”. Dois julgados — e, a
meu ver, eu critico veementemente —, duas suspensões de liminares no Supremo
Tribunal Federal, que estão sendo espalhadas por todos os processos judiciais,
reconheceram esse direito originário, bastando a alegação do direito do índio, que é
a teoria hoje utilizada por eles, a Teoria do Indigenato. E o Supremo Tribunal
Federal inclusive, no julgamento da Raposa Serra do Sol, disse assim: “Não existe
esse direito imemorial, existe o direito do índio, desde que se observem algumas
condições”. Que condições são essas? É a ocupação em 1988, que não vem sendo
cumprida.
No tocante à PEC 215, a gente vê que muitos alegam a sua
inconstitucionalidade, mas de inconstitucionalidade não vejo nada, eu vejo só
constitucionalidade nela. Primeiro, que terra indígena é um bem público da União. A
quem cabe legislar? Ao Congresso Nacional. Segundo, o texto do art. 231 diz que
compete à União demarcar as terras indígenas. A União quem é? É o Executivo, o
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
37
Legislativo e o Judiciário. E o art. 225, que trata da questão ambiental, diz que cabe
ao poder público demarcar as Unidades de Conservação.
Então, quando a Constituição quer dizer Executivo, ela menciona poder
público; quando quer dizer União, ela fala União, inclusive cabe ao Legislativo.
A meu ver, essa questão da inconstitucionalidade está plenamente superada.
Acredito que há realmente um receio do Supremo Tribunal Federal de conceder
eventualmente, num ato totalmente isolado, uma decisão que suspenda, mas,
adotando essa posição que o próprio Dr. Eugênio mencionou aqui da alienação
onerosa, na qual ambos irão negociar, tanto a FUNAI quanto o produtor rural ou o
afetado, acredito que aí você acaba com qualquer questão sobre eventual
inconstitucionalidade, cerceamento do direito de acesso à terra dos índios.
Outro ponto que o Desembargador falou aqui muito interessante é a questão
do direito de propriedade das terras indígenas para os índios. Os índios sempre
tiveram direito de propriedade até a Constituição de 1967. Lá, foi o primeiro
dispositivo que mencionou que as terras indígenas serão bens da União. Então, eu
acho que o direito de propriedade do índio deve existir, com cláusula, claro, de
incomunicabilidade e de inalienabilidade, justamente para evitar a venda das terras
indígenas.
E outro ponto que eu gostaria de mencionar é que o único dispositivo que
menciona que as terras indígenas serão homologadas hoje pela União é o art. 19 da
Lei 6.001, de 1973. A legislação, a Constituição da época, a Emenda Constitucional
nº 69 dizia que competia ao Poder Executivo legislar sobre terras indígenas, só que
o dispositivo não foi recepcionado pelo atual texto constitucional. Então, aquele
dispositivo que é utilizado pela Presidente da República para editar o decreto
homologatório não foi recepcionado pelo texto constitucional, porque foi feito em
observância àquela Constituição vigente.
Então, basicamente ratifico o que foi mencionado aqui pelo Subprocurador
Eugênio Aragão e pelo Luiz Stefanini, justamente para dar segurança jurídica e
balizas claras ao processo hoje de demarcação de terras indígenas, o que não está
ocorrendo. Então, eu acho que é importante a aprovação dessa PEC no sentido de
colocar balizas, de forma absoluta, inquestionáveis, tanto pelo Ministério Público
Federal, que hoje vem atuando de forma muito questionável, interpondo ações civis
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
38
públicas em face da União e da FUNAI – Fundação Nacional do Índio, justamente
para legitimar as demarcações de terra indígena, quanto por parte da própria FUNAI,
que hoje concede a um antropólogo.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Serraglio) - Desnecessariamente.
O SR. RUDY MAIA FERRAZ - Ele muitas vezes utiliza aquele § 1º, do art.
231, com a alegação de que, numa determinada área, não há peixe para ampliar
aquela área, aqueles quatro fatores, quatro círculos concêntricos, como o Supremo
Tribunal Federal mencionou, mas bastando o eventual descumprimento de alguns
deles para poder ampliar novas terras indígenas.
Por isso, é importante tirar esse protagonismo da FUNAI justamente para
acabar com a privatização do problema, porque hoje a gente vê que o problema está
sendo privatizado, está sendo levado para o produtor rural, ao invés de a União,
como diz o art. 37, responder por sua omissão de não ter demarcado no momento
oportuno e querer demarcar 25 anos depois.
Bom, Sr. Presidente, eram essas as breves considerações sobre o tema.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Serraglio) - Quero agradecer também
ao Dr. Rudy, que, como sempre, traz reflexões necessárias, que estão sendo
registradas e que nós iremos repassá-las aos nossos companheiros que se viram
impossibilitados de hoje aqui comparecerem. Aliás, nós tínhamos uma audiência
pública marcada, mas, pelo que nós estamos sabendo, o calendário de junho
praticamente inexistirá na Câmara. Então, na nossa próxima audiência, nós iremos...
Evidentemente que eu estou me reportando ao Deputado Florêncio, porque
ele é o Presidente, mas eu me esqueci de avisar que ele só não está aqui, e S.Exa.
está na Casa, porque está lá na CPMI da PETROBRAS para a qual foi convocado,
até porque, salvo engano, está lá a Presidente da PETROBRAS.
Quero comunicar que eu recebi, até em caráter de urgência, a justificativa da
Presidente da FUNAI, Dra. Maria Augusta Boulitreau Assirati — aliás, quem a enviou
foi a Chefe de Gabinete da Presidência da FUNAI —, que eu acolho com prazer, que
diz estar acompanhando o Ministro da Justiça exatamente em razão de questão
fundiária lá no Mato Grosso do Sul. Eu não só agradeço o seu comunicado, como
torço para que sejam muito proveitosas as presenças e as intermediações dela e do
Ministro da Justiça lá no Mato Grosso do Sul. E com certeza, mais à frente, nós
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014
39
teremos a oportunidade tanto de ouvir o Ministro da Justiça quanto a Presidente da
FUNAI.
Nós queremos uma construção, e tenho insistido nisso, de muitas mãos. O
Brasil espera que nós cumpramos a nossa missão, e ela passa pela pacificação da
zona rural, mas não só da zona rural, porque a gente fala muito só na rural. Hoje, os
maiores desencontros estão acontecendo nas zonas urbanas, onde muitos não
índios estão sendo desalojados.
Agradeço, mais uma vez, a participação de todos que aqui compareceram.
Agradeço especialmente o Ministro Neri Geller, que enviou aqui os seus
representantes, e aqueles que nos assistiram no decorrer desta audiência, que
declaro encerrada.
Boa tarde a todos!