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CÂMARA DOS DEPUTADOS DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES TEXTO COM REDAÇÃO FINAL Versão para registro histórico Não passível de alteração COMISSÃO ESPECIAL - PEC 215-A, DE 2000 - DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDIGENAS EVENTO: Audiência Pública REUNIÃO Nº: 0877/14 DATA: 11/06/2014 LOCAL: Plenário 14 das Comissões INÍCIO: 14h32min TÉRMINO: 16h42min PÁGINAS: 39 DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO EUGÊNIO JOSÉ GUILHERME DE ARAGÃO - Subprocurador-Geral da República e Vice- Procurador-Geral Eleitoral. LUIZ DE LIMA STEFANINI - Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 3ª Região de São Paulo. PAULO ALEXANDRE MENDES - Fiscal Federal Agropecuário, Coordenador-Geral Adjunto de Sustentabilidade Ambiental, Assessor da Assessoria de Gestão Estratégica do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento AGE/MAPA. ANTONIO LUIZ MACHADO DE MORAES - Coordenador-Geral de Análises Econômicas, do Departamento de Economia Agrícola (DEAGRI) da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento SPA/MAPA. RUDY MAIA FERRAZ - Advogado, especialista em Direito Agrário e Consultor Jurídico da Frente Parlamentar Agropecuária - FPA. SUMÁRIO Debate sobre a matéria objeto da Comissão Especial. OBSERVAÇÕES Há falha na gravação.

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CÂMARA DOS DEPUTADOS

DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO

NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES

TEXTO COM REDAÇÃO FINAL

Versão para registro histórico

Não passível de alteração

COMISSÃO ESPECIAL - PEC 215-A, DE 2000 - DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDIGENAS

EVENTO: Audiência Pública REUNIÃO Nº: 0877/14 DATA: 11/06/2014

LOCAL: Plenário 14 das Comissões

INÍCIO: 14h32min TÉRMINO: 16h42min PÁGINAS: 39

DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO

EUGÊNIO JOSÉ GUILHERME DE ARAGÃO - Subprocurador-Geral da República e Vice-Procurador-Geral Eleitoral. LUIZ DE LIMA STEFANINI - Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 3ª Região de São Paulo. PAULO ALEXANDRE MENDES - Fiscal Federal Agropecuário, Coordenador-Geral Adjunto de Sustentabilidade Ambiental, Assessor da Assessoria de Gestão Estratégica do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento — AGE/MAPA. ANTONIO LUIZ MACHADO DE MORAES - Coordenador-Geral de Análises Econômicas, do Departamento de Economia Agrícola (DEAGRI) da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento — SPA/MAPA. RUDY MAIA FERRAZ - Advogado, especialista em Direito Agrário e Consultor Jurídico da Frente Parlamentar Agropecuária - FPA.

SUMÁRIO

Debate sobre a matéria objeto da Comissão Especial.

OBSERVAÇÕES

Há falha na gravação.

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Especial - PEC 215-A, de 2000 - Demarcação de Terras Indigenas Número: 0877/14 11/06/2014

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O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Serraglio) - Boa tarde a todos!

Declaro abertos os trabalhos da 8ª Reunião da Comissão Especial destinada

a apreciar e proferir parecer à Proposta de Emenda à Constituição nº 215-A, de

2000, do Sr. Almir Sá e outros, que “acrescenta o inciso XVIII ao art. 49; modifica o §

4º e acrescenta o § 8º ambos no art. 231 da Constituição Federal” (inclui dentre as

competências exclusivas do Congresso Nacional a aprovação de demarcação das

terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e a ratificação das demarcações já

homologadas, estabelecendo que os critérios e procedimentos de demarcação serão

regulamentados por lei), e apensadas.

Tenho a honra de convidar para compor a Mesa os palestrantes: Dr. Paulo

Alexandre Mendes, Fiscal Federal Agropecuário, Coordenador-Geral Adjunto de

Sustentabilidade Ambiental e Assessor da Assessoria de Gestão Estratégica do

Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento — AGE/MAPA; Dr. Antonio Luiz

Machado de Moraes, Coordenador-Geral de Análises Econômicas do Departamento

de Economia Agrícola, da Secretaria de Política Agrícola, do Ministério da

Agricultura — DEAGRI/SPA/MAPA, ambos representando o Ministro de Estado Neri

Geller, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Dr. Eugênio José Guilherme de

Aragão, Subprocurador-Geral da República e Vice-Procurador-Geral Eleitoral,

representando o Ministério Público Federal; Dr. Luiz de Lima Stefanini,

Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, de São Paulo; e

Dr. Rudy Maia Ferraz, Advogado Especialista em Direito Agrário e Consultor Jurídico

da Frente Parlamentar da Agropecuária.

Nós apreciaremos a ata na reunião seguinte.

Expediente.

Comunico aos Srs. Deputados e às Sras. Deputadas o recebimento do

seguinte expediente: Ofício nº 109, de 2014, do Sr. Deputado Onofre Santo Agostini,

Vice-Líder do PSD, justificando a ausência do Deputado Junji Abe na reunião desta

Comissão Especial por estar cumprindo obrigações político-partidárias.

Comunico também que nós recebemos expedientes do Ministério da Justiça,

através da Assessoria Parlamentar, Gabinete do Ministro, em que noticia a

dificuldade de o Ministro José Eduardo Cardozo comparecer hoje em virtude da

proximidade com a Copa do Mundo.

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Recebemos expediente do MDA — Ministério do Desenvolvimento Agrário,

através da Assessoria Parlamentar, justificando a impossibilidade de

comparecimento do Ministro Miguel Rossetto, e expediente do Ministro Luís Inácio

Lucena Adams, informando a impossibilidade de comparecimento por estar

participando hoje no Supremo Tribunal Federal do julgamento de diversas ADINs —

ele se reporta a uma que, por sinal, atinge o meu Estado, a que fixa o número de

Parlamentares.

Recebemos também expedientes do Dr. Ives Gandra, informando que, por

razões médicas, está impossibilitado de comparecer, e de S.Sa. o jurista Dalmo de

Abreu Dallari, informando que está em viagem fora do Brasil, em atividade na África

do Sul.

Antes de iniciarmos a ordem do dia, esclareço as seguintes normas

estabelecidas no Regimento Interno da Casa. O tempo que disporá o convidado

será de 20 minutos, não podendo ser aparteado. Cada Deputado inscrito terá o

prazo de 3 minutos para interpelar o expositor, e o tempo para a resposta será o

mesmo. A réplica e a tréplica são facultadas pelo mesmo prazo. Os Srs. Deputados

que desejarem participar dos debates deverão inscrever-se previamente junto à

Secretaria da Comissão.

Eu imagino que não seja preciso, mas esclareço aos que nos honram com a

presença que todo o material aqui hoje exposto oralmente será inserido

posteriormente nos autos da Comissão Especial.

Os nossos Parlamentares, a partir de ontem, praticamente foram

dispensados. Não houve possibilidade de finalização da sessão de ontem em virtude

da obstrução do Plenário, o que evidenciava que, se ontem não foi possível

proceder-se à votação, com muito mais razão hoje ela não seria possível.

Então, embora talvez não sejam procedentes as minhas escusas, eu quero

traduzi-las aos nossos convidados, que nos orgulharam, nos honraram e nos

honram com sua presença. Nós procuraremos multiplicar junto aos nossos colegas

Parlamentares aquilo com que certamente nos engrandecerão no conhecimento

com a sua participação hoje nesta Casa.

Eu inicio concedendo a palavra a um dos que nos prestigia num momento em

que — eu sei — está com uma sessão de julgamento também muito próxima, que

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em tudo se desenha bastante assoberbada. Eu concedo, com muito prazer e muita

honra, a palavra a S.Exa. o Dr. Eugênio José Guilherme de Aragão, Subprocurador-

Geral da República e Vice-Procurador-Geral Eleitoral, que aqui representa o

Ministério Público Federal. Está V.Exa. com a palavra.

O SR. EUGÊNIO JOSÉ GUILHERME DE ARAGÃO - Exmo. Sr. Deputado

Osmar Serraglio, Relator da Comissão Especial, em nome de quem eu cumprimento

todos aqui presentes e agradeço, penhoradamente, a oportunidade de poder falar

com as senhoras e os senhores.

Essa emenda constitucional deve ser vista dentro de um contexto maior, de

um momento que o País vive de certo impasse na consecução de sua política

indígena, na própria implementação do mandamento constitucional no que diz

respeito aos direitos indígenas, e que deve nos levar a uma profunda reflexão sobre

as razões de manutenção do atual paradigma demarcatório das terras indígenas.

Para quem milita e militou durante muitos anos com os direitos indígenas, o

momento é de perplexidade e frustração. O modelo atual, a toda evidência, está

apresentando sinais claros de esgotamento. Por quê? Porque, mesmo quando o

Poder Executivo, depois de longuíssimas tramitações, consegue promover a

demarcação de uma área indígena, a reação imediata é a judicialização do

respectivo ato administrativo, o que leva a um impasse, e não se vai nem para frente

nem para trás. E isso basicamente se repete, é recorrente em todas as áreas do

País.

Quem sofre com isso é, em primeiro lugar, claro, a população indígena, com

suas expectativas de ter o seu território demarcado, mas também produtores,

Municípios, enfim, uma variedade de atores que estão no meio desse redemoinho

de uma política de impasse que nós estamos vivendo hoje. Então me parece que o

momento deve ser muito oportuno para essa reflexão e para a gente repensar esse

paradigma, o paradigma demarcatório.

Esse paradigma demarcatório entrou na Constituição em 1988, num momento

muito peculiar. O Brasil realmente tinha uma enorme dívida com a população

indígena e, àquela altura de democratização do País, se queria fazer face a essa

dívida a ferro e fogo, de qualquer jeito.

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O processo concebido na Constituição no art. 231 é um processo unilateral. É

um processo em que a administração pública, ex officio, identifica e demarca as

áreas olhando, sobretudo, apenas em uma direção, a direção do bem-estar do

indígena.

O problema é que, ao longo dos anos, foi se percebendo que essa visão

unilateral de só olhar para a população indígena, esquecendo as circunstâncias,

levaram, na verdade — eu posso dizer isso com a maior tranquilidade —, a uma

política genocida. Por quê? Porque, na medida em que a gente olha só para um lado

do problema, todos os outros que estão excluídos da atenção do poder público

produzem ressentimento, e o ressentimento acaba levando à estigmatização, e a

estigmatização, por sua vez, acaba levando ao genocídio.

Então, na verdade, o grande culpado, hoje, pela violência que se tem

produzido em relação à população indígena é, antes de mais nada, o poder público,

com sua política unilateral de olhar só para um lado do problema.

Nós podemos dizer que o modelo de 1988, além de apresentar certa fadiga,

deve também ser olhado criticamente sob a sua consistência jurídica, porque o art.

67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias dizia que essa demarcação

toda deveria ser concluída em 5 anos. É um prazo exauriente, ou seja, na

Constituição há um modelo demarcatório e há um prazo para que essa demarcação

seja feita.

O comando era de 5 anos, e é uma norma excepcional, porque passa por

cima de muitos direitos e garantias. É um processo diferenciado. Se em 5 anos não

se conseguiu fazer essa demarcação, cabe a indagação: esse modelo não perimiu,

não deixou de existir com uma perempção administrativa? Simplesmente deixou de

fazer sentido depois de 5 anos, que era o comando constitucional.

De fato, vamos dizer, esse processo político da demarcação das áreas

indígenas obedeceu a um movimento de afunilamento. Começou-se a demarcar as

áreas que eram mais tranquilas — principalmente em terras amazônicas, pouco

habitadas — e, à medida que se ia progredindo nessa demarcação de áreas, foi se

entrando em áreas mais problemáticas.

Pode-se dizer que, com 20 anos de atraso na demarcação das terras

indígenas, a União conseguiu demarcar em torno de 90%, 91% das áreas previstas

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inicialmente. Então, falta demarcar 9% a 10%. Esses 9% a 10% que faltam ser

demarcados podem se definir como carne de pescoço. São as áreas que sobraram,

as mais difíceis. Por quê? Porque são áreas indígenas ou, pelo menos, regiões que

se pretende demarcar em territórios densamente povoados ou com grande valor

econômico, porque, enfim, áreas destinadas à produção agrícola industrializada ou à

produção agrícola tradicional. Portanto, demarcar terras indígenas nesses territórios,

além do custo econômico, tem também elevado custo social.

Nós não podemos, quando nos interessamos a resolver o problema dos

povos indígenas, deixar de olhar para o lado e ver qual é, vamos dizer, o contexto

em que essa possível demarcação se dá e quais as consequências gravosas que

ela pode criar para os outros atores desse processo. Está na hora de olhar para

eles.

Se nós quisermos fazer hoje uma política indígena para proteger a população

indígena, nós temos que, definitivamente, adotar uma postura holística, nós temos

que olhar para todos os lados do problema, e não apenas para o lado unilateral do

índio, porque, olhando para o lado unilateral do índio, nós estamos estigmatizando

esse índio.

Uma postura holística demanda, sobretudo, que a gente olhe para os outros

vetores do problema. Quais são os outros atores da política indígena? Além da

população indígena, o produtor da terra, a população do respectivo Município e o

Governo Municipal. Todos eles, de uma forma ou de outra, são impactados por essa

política ou pela falta de política. Está na hora de olhar para todos eles.

Parece que o modelo de 1988 — e com isso também os atores que buscavam

defender a população indígena —, ao olhar de uma forma muito unilateral para esse

problema, acabou por optar por um atalho, pelo caminho mais barato. É o baratinho

que saiu caro. Ou seja, vamos demarcar as terras sem indenizá-las, podendo

apenas ser indenizadas as benfeitorias que o poder público unilateralmente

considerar de boa-fé. Coloca-se ali dentro a população indígena e lava-se a mão,

como Pôncio Pilatos nessa circunstância. De fato, com isso se deixa de investir no

Município, se deixa de criar alternativas econômicas para o produtor. Sai mais

barato para o poder público; agora, as consequências têm sido nefastas. Foi o

barato que saiu caro.

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Para nós fazermos uma política indígena consequente, é importante neste

momento que a sociedade brasileira tenha claramente em conta que fazer política

indígena custa dinheiro. Não há soluções baratas que não tragam consequências

nefastas. O barato sai muito caro. Se nós queremos uma solução que pacifique o

território rural em que a população indígena se encontra, nós precisamos investir. O

modelo demarcatório unilateral que não leve em consideração a indenização da

terra está fadado a criar ressentimento, conflito e genocídio. Isso nós temos que ter

claro em nossa mente.

Então, em primeiro lugar, o que seria necessário? Nós precisaríamos

encontrar uma brecha. Hoje, na Constituição, vamos dizer, na normativa

constitucional muito estreita que nós temos no art. 231... Nós teríamos que encontrar

uma brecha de permitir a compra de áreas indígenas. Eu estou falando “compra”,

não estou falando “desapropriação”, porque a desapropriação por interesse social

tem um viés autoritário também. O viés autoritário é qual? É o preço unilateralmente

estabelecido pela administração: deposita-se em juízo, e o outro que vá atrás se não

concordar com o preço. Não. Nós precisamos, nesse processo, que os outros atores

saiam com um sorriso de uma orelha para a outra, felizes da vida, dizendo que

fizeram um excelente negócio, e por isso mesmo abracem a causa indígena com...

(Falha na gravação.) É fundamental isso.

Nós precisamos de atores satisfeitos para acabar com o conflito. E, para isso,

o produtor deve ser instado, convidado a vender a sua terra pelo preço que o

mercado oferece. Imagino assim, você chega para o produtor: “Quanto é que o

senhor daria por sua terra?” “Ah, ela vale 23 milhões!” “Pois é, o INCRA diz que vale

15. Chegamos a 20?” E compra realmente a preço de mercado. Mas não é o

suficiente, porque nós sabemos hoje perfeitamente que não existe estoque de

terras. Não existe estoque de terras disponível na maioria dos Estados hoje

afetados. Eu falo principalmente de Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e

Rio Grande do Sul, que são as áreas hoje mais impactadas. Claro, existem também

áreas indígenas ainda disputadas em São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo,

algumas no Nordeste, mas as áreas mais complicadas hoje de intensa agricultura

são em Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina. Ali nós

sabemos que o estoque de terras é quase inexistente. Por exemplo, no caso do

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xokleng, em Ibirama, no Estado de Santa Catarina, se nós ali tivermos que

desalojar, nos 10 mil hectares, as quase mil famílias que lá residem há muitos e

muitos anos praticando agricultura familiar, se nós formos retirar aqueles familiares

dali, não vai haver estoque de terras em Santa Catarina para realojá-los.

O Estado precisa, por isso, assumir a responsabilidade de reorientar essas

famílias economicamente. Não é simplesmente botar o dinheiro na mão e “Agora se

vire”. É dar o dinheiro e utilizar estruturas, como, por exemplo, o SEBRAE e o

SENAR, para reorientar economicamente essas famílias, para que elas possam

fazer um investimento que lhes dê sustentabilidade. Sai da agricultura, vai para o

entreposto, vai trabalhar, digamos, na CEASA, com entreposto de venda de

produtos agrícolas, fazer aquilo, enfim, que eles sempre souberam fazer. Não serão

necessariamente produtores. De alguma forma, tem que ser dada uma destinação.

Não se pode simplesmente virar as costas para essas pessoas e fingir que elas não

existem.

Por outro lado também, outra preocupação legítima diz respeito ao Município.

Nós sabemos perfeitamente que, na hora em que essas famílias deixarem as suas

terras, a arrecadação de ICMS no Município vai despencar, criando uma séria crise

de gestão. Hospitais, escolas, pavimentação de ruas, serviços públicos, tudo isso

deixa de ter condição de ser mantido no patamar que tinha antes, porque o

Município não arrecadará mais. O Município estará sendo impactado por força de

uma política federal. Então, é mais do que justo que se crie um fundo federal de

compensação para compensar o Município durante algum tempo — que seja 10

anos — pela ausência de arrecadação. É fundamental que isso seja feito para dar

sustentabilidade.

E, finalmente, em relação à população indígena, não é simplesmente assentá-

la. É necessário que lhe seja dada também uma sustentabilidade, para que não seja

jogada na mendicância. É importante que haja programas que transformem, pelo

menos, a economia indígena numa economia que dê sustentabilidade a essa

população, com grãos, com maquinário, cooperativização, de forma que, num

determinado prazo de tempo, o Município possa novamente contar com a riqueza

que é produzida ali dentro.

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Nós sabemos por experiências que existem, por exemplo, no Paraná, com a

Itaipu binacional, por exemplo, em Eldorado, que os investimentos feitos em

sustentabilidade econômica indígena que são interrompidos levam imediatamente

ao desfazimento de tudo o que foi feito. Os indígenas não têm uma cultura de

produção — essa cultura tem que ser permanentemente assessorada —, não que

eles não queiram, eles querem, mas não têm a tradição. Não basta querer dar o

material, o ensino agrícola, tem que haver um contínuo acompanhamento. Isso tem

custo, mas tem que ser feito.

Então, os senhores veem: a indenização adequada da terra, uma política de

sustentabilidade daqueles que são retirados das áreas indígenas, a compensação

da arrecadação e a sustentabilidade indígena, isso, sim, em conjunto, compõe um

programa coerente e consistente para pacificar as áreas rurais que sofrem o impacto

do indigenato. Se nós não fizermos isso, vamos ter conflitos para os próximos anos

e décadas e não vamos resolver o problema. A demarcação tem levado à

judicialização, e a judicialização tem levado ao conflito e ao ressentimento. Nós

precisamos dar um basta a esse ciclo vicioso; agora, isso tem custo.

Eu participei de uma comissão do Conselho Nacional de Justiça, que foi

coordenada pelo Desembargador Sérgio Fernandes Martins, para tratar das áreas

ocupadas pelos kaiowás no chamado Cone Sul, do Estado de Mato Grosso do Sul.

Ali a comissão analisou processo por processo das áreas que têm processo litigioso

de demarcação. Fizemos um levantamento de quais seriam as soluções possíveis. É

claro que todas elas passam pela aquisição onerosa da terra indígena. O custo,

somente em termos de compra de terra, superava bem 1 bilhão de reais. Mas,

quando conversamos com os parceiros que estavam também na comissão ali com

os outros membros, principalmente com a FAMASUL, viu-se claramente a

disposição construtiva dos produtores de adotar um sistema de leasing: arrendariam

as terras, através de um procedimento de capitalização das prestações, que no final

de um prazo determinado seria complementado pelo que falta. Ou seja, aquela taxa

de arrendamento seria, ao mesmo tempo, já uma forma de capitalização final, e se

imaginaria um prazo de 5 a 10 anos de arrendamento para a compra final. Até essa

boa vontade, deve-se dizer, houve por parte dos produtores. É um modelo criativo,

parece-me, que deve ser levado em consideração — a possibilidade de fazer o

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leasing das terras —, para que elas possam ser adquiridas pela União por certo

prazo.

Se pegarmos, digamos, 1 bilhão de reais num prazo de 5 anos, são 200

milhões por ano, para pacificar uma área de Mato Grosso do Sul, não se pacifica por

completo, porque faltam os outros programas, claro, a articulação de outros

programas de sustentabilidade, mas, pelo menos, a parte realmente fundiária ficaria

resolvida. É um custo alto? É relativo. É um custo para a pacificação de um Estado

que hoje está sofrendo forte impacto da depreciação das suas terras, da

insegurança jurídica, que está diminuindo a produção. Mato Grosso do Sul hoje

produz menos que Mato Grosso. Na época em que participava do Estado maior,

Mato Grosso, Mato Grosso do Sul era o celeiro do Estado, a parte mais rica do

Estado. Hoje produz menos do que Mato Grosso, por quê? Por causa da

insegurança jurídica. As terras ali hoje não valem nada. As pessoas estão fugindo

dos investimentos ali dentro, porque não sabem como vai ser o dia de amanhã.

Esse é um outro problema. Se a gente for adotar um sistema de aquisição

onerosa das terras indígenas, é importante dar segurança jurídica e previsibilidade

ao produtor, para ele saber quando é que vai sair, porque ele tem o direito de, até a

data da sua saída, produzir, receber empréstimos do banco, poder pagar os

empréstimos, ter uma previsibilidade da sua vida econômica. Não se pode de um dia

para o outro dizer assim: “Amanhã você vai sair”.

Eu já vi situações no Superior Tribunal de Justiça, mais vinculadas à reforma

agrária do que propriamente à área indígena, mas que são situações extremamente

dramáticas. Um casal, por exemplo, aqui em Minas Gerais, aplicou o seu recurso do

PDV do Banco do Brasil para a compra de terra, começou a produzir, fez uma

fazenda modelo, e ela foi invadida pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. A

fazenda era produtiva, e ele estava devendo rios de dinheiro aos bancos pelos

investimentos que fez. Foi invadida, depois de 4 anos sem conseguir tirar o pessoal

de lá, finalmente propuseram para ele que aceitasse a desapropriação. Ele disse:

“Tudo bem”. “O senhor vai pelo menos receber um dinheiro pelas benfeitorias e

poder pagar o que o senhor investiu”. Ele já estava muito apertado, acabou

aceitando. Quando veio o laudo do INCRA, o laudo dizia que a terra era improdutiva

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e que todas aquelas benfeitorias não existiam porque estavam destruídas. O que

ofereceram a ele foi muito menos do que ele devia ao banco.

Então, nós não podemos deixar esse tipo de situação acontecer. Isso gera

insegurança jurídica. Nós precisamos que o produtor saiba quando e quanto vai

receber e o que ele vai fazer com esse dinheiro, como vai se reorientar

economicamente. Isso é fundamental para o País; isso é fundamental para que,

vamos dizer, esse setor continue a poder produzir para a nossa economia.

E, claro, aqui ninguém está dizendo que nós devemos deixar a economia se

sobrepor ao interesse indígena. Não! A população indígena é, vamos dizer, nesse

contexto todo, a primeira preocupação, mas é que não se pode querer resolver o

problema dela de forma unilateral, não pensando no resto. Isso tem custo, e o custo

vai ter que ser pago por alguém. A sociedade tem que se conscientizar disso, saber

que isso tem custo. É verdade que provavelmente para demarcar todas as áreas dos

quatro Estados vão alguns bilhões, é possível, mas é o custo da pacificação do

campo. Nós queremos ou não queremos entrar no círculo das nações civilizadas,

produtivas, respeitadas mundo afora? Nós precisamos pagar esse custo. Não dá

para a gente achar que dá para fazer atalho e deixar um grupo pagar pelo resto,

como acontece hoje.

Só para concluir, eu estive examinando a emenda constitucional, acho que é

fundamental — não sei como é que foi a tramitação posterior — que haja algum tipo

de dispositivo no ADCT que, pelo menos, conserve as demarcações já feitas. Isso aí

é fundamental até para a segurança jurídica também, porque depois, modificando o

paradigma da demarcação, não se venha a questionar tudo o que já foi feito, o que

me parece que ia gerar um conflito muito maior. Esse eu acho que é um aspecto

importante.

Mas há dois outros aspectos que me parece que foram deixados de fora e

que eu acho que seriam muito importantes. Um seria abrir a porta para a aquisição

para a compra de terras, o que nós não temos aqui. Eu acho que essa porta deve

ser aberta, e essa porta deve ser generosa. Se a porta da demarcação deve ser

restritiva, porque o modelo está esgotado, a porta da compra deve ser generosa, ou

seja, deve-se autorizar o poder público amplamente a poder comprar a terra.

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E hoje nós sabemos que, pelo marco atual do art. 231, a União é proibida de

indenizar a terra nua. Então, isso tem que desaparecer. E nós temos que, pelo

contrário, estimular a compra, temos que abrir essa porta dentro do normativo

constitucional. Parece-me que aí será quase uma escolha natural. No momento em

que se fecha a porta da demarcação, mas se abre a porta da compra, a tendência é

ir tudo pela compra, o que não é ruim, porque realmente acaba convidando a se

assumir um novo paradigma.

Agora, outro aspecto que me parece ser fundamental aqui é que de alguma

forma se ancore nessa proposta também a obrigação da compensação, primeiro de

uma política de sustentabilidade em relação àqueles que foram, vamos dizer,

removidos das suas áreas e também de compensação dos Municípios. Isso é

responsabilidade da União. Parece-me que isso deve fazer parte do capítulo da

política indígena. Somente se a gente olhar todos esses aspectos é que teremos

uma tranquilidade maior, uma pacificação e uma segurança jurídica. Parece-me que

são aspectos fundamentais hoje para a gente resolver esse problema.

Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Serraglio) - Nós é que agradecemos

a V.Sa. o privilégio que tivemos de uma abordagem construtiva, que é muito

importante. Nós temos encontrado dificuldade exatamente porque estamos

assumindo a obrigação legal que temos de oferecer à sociedade uma resposta a

esses conflitos. Mortes acontecem, se repetem, e praticamente nós testemunhamos

uma anomia, uma ausência, uma fuga à responsabilidade daqueles que deveriam de

alguma maneira proceder como V.Sa. vem aqui sugerindo, que nós possamos

implementar essa emenda constitucional, inteligentemente como abordou, criando

uma expectativa efetiva de que possamos finalizar essa permanente tendência ao

conflito, que hoje é provocado até por órgão público.

É bom que se diga — e eu lamento dizer isso — que a FUNAI praticamente

tem boicotado as nossas reuniões. E nós as estamos fazendo pelo Brasil todo, nos

diversos Estados, e não vemos o comparecimento para trazer uma construção

plausível, ainda que tenhamos as nossas divergências, pelo menos para que

possamos dirimi-las, discuti-las.

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Com os movimentos indígenas, já fizemos uma audiência pública, Dr. Aragão,

em que estávamos dispostos a ouvir todas as correntes que de alguma forma atuam

na proteção do indígena. O que nós recebemos foi um comunicado que, como a

PEC é visceralmente viciada, é inconstitucional, eles não compareceriam para

discuti-la. Então, isso traduz uma antecipação de contestação àquilo que nem

conhecem. Se nós estamos recolhendo propostas, é porque pretendemos construir

alguma coisa que se mantenha juridicamente. É evidente que nós temos um senso

de responsabilidade que não vai nos permitir apresentar e, eventualmente, aprovar

algo que no dia seguinte o Supremo qualifique como inconstitucional.

Eu fui Relator, na Comissão de Constituição e Justiça, do aspecto da

admissibilidade da PEC 215, de forma que me aprofundei — e bastante — no

sentido de expungi-la de eventual vício, tanto é que aquilo que V.Sa. aborda em

relação à conservação das homologações procedidas, na CCJ, nós já excluímos no

juízo de admissibilidade qualquer possibilidade aqui de enfrentar uma construção

que leve à revisão das terras das reservas já definitivamente consolidadas no nosso

regime jurídico.

Mais uma vez, quero dizer que é uma alegria, um privilégio e até gostaria de

provocá-lo, não no sentido de que tenhamos alguma divergência, mas para

aproveitarmos o quanto nós sabemos que V.Sa., dentro do Ministério Público, tem

além do prestígio, uma profundidade no tema que aqui está sendo abordado. Isso

também não nos privará certamente de futuros encontros, ainda que lá na própria

Procuradoria.

De maneira que, como V.Sa. tem dificuldade de horário, eu me cinjo ao que

me manifestei, pedindo vênia para que efetivamente nós possamos, lá na frente,

quando tivermos um esboço da proposta, ter uma visão do Ministério Público, tal

qual esta que V.Sa. aqui exterioriza, sem sectarismo, sem ideologia, sem

preconceitos, que levam a que nós prossigamos com uma indefinição, com as

consequências da insegurança jurídica bem evidenciada aqui por V.Sa., em relação

à produção de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

Indago ao ilustre Deputado Valdir Colatto se gostaria de se manifestar.

(Pausa.) É um privilégio para nós ouvir V.Exa., que foi Presidente da Frente

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Parlamentar da Agricultura e é um dos Deputados que mais trabalham em prol dos

produtores brasileiros. V.Exa. está com a palavra.

O SR. DEPUTADO VALDIR COLATTO - Obrigado, Presidente Osmar

Serraglio. Quero cumprimentar a Mesa, na pessoa do Dr. Eugênio Aragão. Nós já

conhecíamos a posição do nosso Subprocurador, quando trouxe a questão indígena.

E, com certeza, trouxe mais luzes para um problema que nós temos pela frente para

resolver, o que é um compromisso do Brasil. A questão indígena não é só dos

produtores rurais, mas do Brasil. Se o Brasil tem uma dívida com a agricultura, com

a questão indígena, é uma dívida do Brasil e não dos produtores rurais.

Então esse é um marco da democracia, o direito de propriedade, que nós

precisamos preservar. Não é possível mais que, com um ato administrativo, se tire

os direitos centenários de produtores que estão aí. E pior: são desalojados e, como

V.Sa. colocou, abandonados à sua própria sorte.

Hoje mesmo, eu recebi um exemplar de um jornal lá de Santa Catarina, com

matéria sobre um produtor que há 15 anos perambula pelas ruas de Chapecó. Era

do Rio Grande do Sul, teve sua terra desapropriada e não foi reassentado. Hoje, tem

uma família destruída, como tantas outras, e está protestando num banco de praça

lá em Chapecó. É o retrato do abandono dessa pessoa, um pequeno produtor que

teve seus 3 hectares de terra desapropriados.

Eu acho que esse é um grande esforço do Deputado Osmar Serraglio, como

Relator. É uma pena que os nossos Deputados não estejam aqui, para tratar deste

assunto tão importante para o Brasil, mas eu tenho certeza de que todo esse

material vai chegar às mãos deles.

Eu já ouvi muitas vezes do Dr. Aragão, mas, como agrônomo, não ouso entrar

muito nessa questão jurídica. Realmente eu, como leigo do mundo jurídico, não

entendo porque as pessoas não conseguem interpretar o art. 231 da Constituição,

que dispõe que são terras indígenas as tradicionalmente ocupadas pelos índios, no

dia 5 de outubro de 1988, que é o marco temporal desse processo. Também lá, um

dos parágrafos diz o que são terras tradicionalmente ocupadas. São aquelas que

tradicionalmente foram ocupadas initerruptamente nesse período todo. Então a

gente não consegue entender por que essa interpretação não acontece, mesmo em

cima do art. 67, que o Deputado Osmar Serraglio sempre levanta, que estabelece

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que o prazo para demarcação seria de 5 anos, e isso não foi feito. Portanto, como

V.Sa. se manifestou, já foi o prazo que poderia ter sido feito.

Mas eu coloco a questão, Dr. Aragão, dentro da sua proposta de indenização:

pela avaliação que temos de País e pela dificuldade que temos, eu ouso dizer que

nós não teríamos dinheiro para pagar essas terras todas que estão sendo

reivindicadas. V.Sa. falou em 90% de terras já demarcadas, mas o quadro que a

FUNAI coloca não é esse. O quadro da FUNAI é que nós temos 13%, e a proposta

da FUNAI é chegar a 25% do território brasileiro. Para 25% do território brasileiro,

são mais ou menos 180 milhões de hectares. Não há dinheiro para pagar isso.

O que nós precisamos é colocar definitivamente um marco temporal do que é

terra indígena e do que não é terra indígena. Para mim, terra indígena é o que a

Constituição disse em 1988: são aquelas que estavam tradicionalmente ocupadas,

naquela data de 5 de outubro de 1988. Eu acho que esse é o fato que nós temos

que buscar para dar, como os Constituintes fizeram, um prazo definitivo, para dizer

até quando nós vamos ficar buscando terras indígenas no Brasil, conforme também

o Supremo já colocou e definiu a Reserva Raposa Serra do Sol, com o marco

temporal de 5 de outubro de 1988, e que não se pode ampliar as terras indígenas.

Eu acho que essa proposta que o Deputado Osmar persegue de nós

trazermos essas condicionantes do Supremo para serem definidas dentro da

Constituição é boa, porque eu acho que lei ordinária e lei complementar não vão

resolver isso. Vamos colocar na Constituição o que é o marco temporal e dizer quais

são os direitos e deveres da questão indígena. E colocar lá na Constituição também

uma definição exatamente de qual é a proposta, qual é o programa de governo para

as questões indígenas.

Eu vou mais além, o senhor falou que ele possa arrendar a terra; sendo

definitivo, pode arrendar. Eu acho que é importante, é renda para os indígenas, mas

para os indígenas, não para os malandros que hoje usam os indígenas e ficam com

os recursos dos arrendamentos. Podemos avançar mais na questão da concessão

de águas, das barragens, dos royalties das barragens, da exploração de minérios,

até da exploração de madeiras dentro desse processo que o Governo faz de vender

projetos de florestas, como faz o Instituto Chico Mendes. Acho que é todo um

processo para nós levarmos renda para esse produtor.

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E eles querem isso lá em Santa Catarina. O Osmar Serraglio esteve lá, e os

indígenas mesmos dizem: “Olha, nós não queremos ficar tutelados à FUNAI. Nós

queremos liberdade. Nós queremos sair desse processo e queremos trabalhar como

agricultores que nós somos. Nós não queremos ser pessoas que vão voltar a caçar

e pescar, voltar a essa atividade, conforme os outros acham.” Há diferença entre os

indígenas: há o indígena integrado, que é o nosso do Sul, o semi-integrado, que é

aqui de Goiás, do Centro-Oeste, e o não integrado, da Amazônia. Eles são

totalmente diferentes. E nós temos que tratar com diferenças essas pessoas, porque

o índio lá de Santa Catarina é um empregado da indústria, ele está lá na rua, ele

está na atividade econômica, ele está na faculdade. Nós tivemos lá um advogado

indígena dando depoimento, um agrônomo dando depoimento.

Então eu acho que nós tínhamos que buscar as coisas mais fortes. Fazer,

sim, um marco temporal para se resolver o problema da terra e trazer uma política

indigenista de integração, de sustentabilidade, para que ele possa sobreviver, ter

renda, mandar seu filho para a escola. Eu acho que é isso que ele quer.

E, na busca de recursos para indenização, sinceramente, eu não vejo de

onde nós vamos tirar do Brasil esse recurso para poder fazer esse projeto, que é a

sua proposta, de indenizar os agricultores. Até porque o decreto é bem claro, ele diz

que o pequeno produtor que sair dali tem que ser reassentado, ter prioridade de

reassentamento. E o Governo não está cumprindo nem isto: reassentar os pequenos

proprietários. Está no Decreto nº 1.785, se bem me lembro.

Então esse é um processo que está aí, um desafio para nós, mas eu tenho

certeza de que na competência do nosso grande jurista, Osmar Serraglio, nós

vamos buscar uma saída. E gostaríamos que os senhores que estão na Mesa, Dr.

Eugênio, nosso Procurador, nos ajudassem a buscar essa saída jurídica para

resolver essa questão. Eu não vejo assim, porque a coisa virou para o lado

ideológico. O conflito entre produtores e indigenistas chegou a um ponto que não

tem mais como conversar e negociar, é um conflito direto, um confronto direto. Então

nós precisamos que a lei, que esta Casa diga exatamente o que é e o que não é

terra indígena e qual é o tempo. E precisamos dizer para o indígena: “Bom, nós não

estamos te prejudicando, nós queremos te ajudar. Você está lá no meio de tanta

terra...” Hoje chega a 300 hectares para cada indígena. São 800 mil hectares, 0,4%

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da população dá em torno de 300 hectares para cada um. O problema não é terra, o

problema é sustentabilidade e cidadania que nós temos que dar para o indígena,

sem interesses outros, de ONGs, de FUNAI e de outros tantos, que não seja

realmente dar uma vida digna para o indígena e respeitar o direito de propriedade e

a segurança jurídica que nós temos que levar para o nosso agricultor. Do contrário,

teremos muitas dificuldades, muitos conflitos ainda se estendendo.

Obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Serraglio) - Agradeço ao Deputado

Valdir Colatto e indago ao Dr. Eugênio se deseja complementar ou fazer alguma

consideração ainda.

O SR. EUGÊNIO JOSE GUILHERME DE ARAGÃO - Só rapidamente em

relação ao custo: o custo realmente é alto, mas pode se protrair no tempo, não é

uma coisa de se fazer um investimento imediato. Agora, realmente, precisa haver

prioridade. Parece-me que, para quem trabalha com questão indígena, fica patente

que até hoje a questão indígena não foi prioridade no Estado brasileiro. É uma

questão marginal. A FUNAI é um órgão indigente, que não tem recurso para

absolutamente nada, o que mostra realmente um desprestigio dessa questão na

estatalidade brasileira. Essa é uma questão de Estado, não é uma questão de

governo. Então me parece que é uma questão se conscientizar desse custo. O custo

existe, e nós vamos ter que, em algum momento, arcar com ele.

Na questão de reassentamento, a que eu já me referi aqui rapidamente, o

grande problema é a ausência de estoque de terras para o reassentamento, na

grande maioria dos Estados. Então isso daí já é, por si só, um óbice. E nós temos

que sair desse círculo vicioso. Esse é, parece-me, o maior esforço.

A questão de marco temporal, essas questões todas, isso me parece que dá

para discutir num segundo momento. O importante é a gente encontrar um modelo

que venha suceder ao modelo demarcatório clássico que está superado. E me

parece que essa deve ser a nossa preocupação maior e que esse modelo venha

definitivamente conferir segurança jurídica para todos os atores, principalmente

evitar as chamadas redemarcações, e redemarcações, e redemarcações, que nós

sabemos que têm afetado, vamos dizer, vários territórios impactados. Parece-me

que é isso.

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O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Serraglio) - Agradeço a sua presença

e a contribuição e, atendendo seu apelo, nós concordamos com muito prazer com a

sua integração ao Tribunal Superior Eleitoral, naquilo que lhe cabe.

Aproveitando para comentar rapidamente essa última manifestação do Dr.

Eugênio, quando fala nas repetidas remarcações de terras, essa é uma das

decepções que nós temos com o sistema. Nós temos insistido aqui, e sei que eu falo

mais para os formadores de opiniões que são as pessoas que estão aqui e vão

traduzir lá fora. Nós temos insistido em coisas tão óbvias.

Aquilo que o Supremo definiu como condicionantes não é uma criação

cerebrina do Supremo. O Supremo não produz lei, não legisla; ele interpreta. O

Supremo interpretou a Constituição Federal e de lá extraiu as condicionantes.

Portanto, são disposições vigentes, mas que, inexplicavelmente, ou talvez muito

explicavelmente, a administração pública federal não aceita. O que o Supremo diz

que está escrito na Constituição é como se nós não tivéssemos um Supremo

Tribunal Federal e não tivéssemos uma Constituição. E aí vem aquilo para que

S.Exa., o Deputado Valdir Colatto, chamou a atenção: o grande sonho nosso aqui é

colocar na Constituição aquilo que o Supremo diz que está na Constituição. E daí,

talvez, não haveria aquilo a que o Doutor fez referência, as repetidas demarcações

de terra. O Supremo disse que a definição, a identificação de uma terra é um fato —

um fato — e, portanto, acontece no mundo fenomênico: está definido, definiu. Não

existe a possibilidade de se redefinir, a menos que se anulasse a definição, o que

não é o caso. Nas ampliações das reservas indígenas, nunca houve declaração de

nulidade da demarcação anterior. Portanto, a rigor, são procedimentos, segundo

essa ótica do Supremo, equivocados, irregulares, viciados e a que nós todos

assistimos incapazes de poder reagir. Essa é a tristeza que se acrescenta, até,

como eu disse, com os óbices todos que nos são antepostos por aqueles que

deveriam estar aqui ajudando a construir uma solução.

E uma coisa que nunca me privo, em toda a reunião, de esclarecer: eu falo

com pessoas, às vezes, as mais abalizadas no Direito, e elas desconhecem uma

coisa assim, neste contexto, elementar — não nos ambientes onde eles atuam. Até

porque parece impossível que uma sociedade coloque na sua Constituição uma

regra que diz o seguinte: o poder público pode simplesmente chegar a uma

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propriedade particular e dizer: “Essa propriedade aqui agora passa a ser uma

reserva indígena; e você não tem direito a um centavo”. Essa é uma sociedade que

se diz civilizada?

Aqueles que nos ouvem coloquem-se no lugar de um cidadão que tem 1

alqueire, 2 alqueires, 5 alqueires de terra, que sobrevive com aquela pequena área

e, de repente, não é mais dono dela, simplesmente porque alguém chegou lá e

disse: “Não, é porque aqui antigamente tinha indígenas”. “Ah, mas a Constituição diz

que é 1988...” “Não, mas para nós é imemorial”. Não dá! Eu ainda sou daquela

norma, se não me engano, de Capistrano de Abreu, que disse que este País só

precisa de uma norma com dois artigos: “Todo brasileiro tem que ter vergonha na

cara. Revoguem-se as disposições em contrário”. É isso. Não é possível, com a

nossa consciência, eu diria, cristã — cristã! —, achar que nós podemos afirmar que

o poder público pode sacrificar um cidadão porque a sociedade cometeu ilicitudes,

sacrificou os indígenas. Ninguém aplaude isso. Ninguém aplaude o que se fez com

os indígenas. Agora, somos suficientemente racionais para entender que nós não

podemos produzir novas injustiças. É só isso. Parece que não é difícil fazer isso.

Mas não é difícil neste ambiente, onde nós falamos isso. Aqueles que não querem

ouvir isso não comparecem aqui. Eles não podem ouvir isso. Eles precisam

continuar lutando e brigando para dizer que, se amanhã a FUNAI disser que a terra

de Brasília há 50 ou 100 anos, que o Planalto Central era dos indígenas, nenhum de

nós será mais dono de propriedade nenhuma em Brasília. Eu exagero no raciocínio

para se perceber o absurdo que se sustenta sem que haja uma reação. Acho que o

brasileiro precisa ser provocado a dizer: “Escuta, você quer ser um cidadão injusto?”

É isso que nós vamos colocar na Constituição.

Eu já abusei do tempo, mas preciso, às vezes, desabafar, porque vejo tantas

coisas tão claras, e elas não subsistem, elas não são respeitadas. É como se nós

não tivéssemos regras. E aí assusta. Daqui a pouco, nós colocamos na

Constituição, aí vem o Ministro e começa dizendo que essa PEC é inconstitucional,

vai para as mãos de um Ministro do Supremo, ele dá uma liminar e rasga toda a

produção legislativa — uma liminar de um cidadão. Esse é o nosso sistema jurídico,

esse é o nosso ordenamento, mas nós precisamos acreditar, e eu acredito. É por

isso que vou ter o prazer agora de ouvir mais um cidadão que tem até obras

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publicadas sobre esta matéria e que nos privilegia nesta tarde com sua presença e

com seus esclarecimentos.

Eu concedo a palavra ao Desembargador Federal Luiz de Lima Stefanini, do

Tribunal Regional Federal da 3ª Região de São Paulo.

O SR. LUIZ DE LIMA STEFANINI - Eu cumprimento o ilustre Deputado

Osmar Serraglio, os demais membros desta Mesa, todos os integrantes desta nossa

reunião. Pela terceira vez, compareço a estas nossas discussões porque tenho

interesse muito grande, como membro do Poder Judiciário, na participação das

soluções que estão a nos desafiar.

Primeiro, eu quero deixar bem demonstrado, exposto, escancarado é que as

soluções que estão em debate, que estão na mesa, surpreendem-me positivamente,

como esta do Subprocurador-Geral da República, o nosso colega Eugênio Aragão,

que, sem dúvida nenhuma, deu uma lucidez e praticidade a toda prova. Por quê?

Porque a solução que traz S.Exa. para as questões onerosas das fazendas

contíguas para a ocupação por indígenas é extremamente prática, extremamente

objetiva, clara, não sei se factível, mas ela realmente nos seduz.

Todavia, eu tenho, já desde muito tempo, manifestado uma certa

preocupação quanto a isso. Por quê? Exatamente esta complexidade, o habitat da

questão indígena tem um fundo que está alimentando, diuturnamente, estes

impasses, estas contendas e estes desafios, sendo perenes.

Eu não quero, desde logo, entrar nesta questão, mas, em princípio, é preciso

separar hermeticamente as situações que eu — não harmonizado com o nosso

querido Deputado, na separação feita — penso, nos tempos de 17 anos, em Mato

Grosso do Sul, nos 7 anos, em Belém, em Amazonas, conhecendo toda a Região

Amazônica, em contato com esta realidade dos autóctones, é possível, sim, separar

duas existências bem distintas. Quais são? As realidades indígenas desconhecidas,

ou seja, aqueles habitantes das nossas selvas, os aborígenes, que nós não

sabemos onde estão, em que situação estão e onde estão localizados. Sim, esta é

uma realidade! E a outra é a realidade que nós já conhecemos, que são as

realidades dos Estados do Sudeste, do Sul e também do Centro-Oeste. Esta, pode-

se dizer, é uma realidade que é plasmada, com uma certa identidade. Então, deveria

ser dividida praticamente em duas.

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Então, quando nós tratamos de abordar estas questões, estamos tratando

desta segunda realidade, daquelas populações indígenas conhecidas, sabidas, onde

estão localizadas.

Eu não quero reeditar questões que já fiz em anteriores exposições. Eu quero

somente entrar na questão já em debate, qual seja, o que alimenta as nossas

realidades extremamente compulsivas, doloridas. É esse húmus, essa semente,

esse musgo, essas mudas que nascem por trás, escondidas na selva desta

contingência extremamente pungente para a nossa civilidade brasileira.

Então, é preciso, sim, a par dessa brilhante solução pragmática, que não se

perca de vista, jamais, esta realidade que está encoberta na vida nacional, na

civilidade, na população do Brasil.

Quem são os brasileiros índios? A primeira ideia que tem que ser conhecida,

que tem que ser perscrutada, tirada uma noção, é quem são os “brasilíndios”, os

índios brasileiros nacionais. Nós temos, lá em Mato Grosso do Sul, várias pessoas

que se dizem indígenas que vieram do Chaco paraguaio e entraram pelo nosso

território, pois o nosso território é aberto, pelo menos ali, naquela região — não

existe fronteira obstrutiva. E mais, lá na região de Porto Murtinho — alguém daqui

pode ter eventualmente este conhecimento —, grandes populações do Paraguai

adentram o Brasil para se beneficiar da assistência e das benesses do nosso

amparo previdenciário e das cestas assistenciais que o Governo promove.

Então, a maioria dessas índias vem para o Brasil e aqui nascem os seus

filhos e que aqui se tornam brasileiras e retornam para o Paraguai e ali moram

definitivamente, só retornando aos nossos postos de saúde para receber a

previdência, os benefícios e as cestas de assistência.

Então, é preciso saber quem são os índios brasileiros, quem somos nós,

indígenas. E chegamos a uma triste realidade: nossos cidadãos indígenas

brasileiros são párias de gentilidade sem a inteireza da personalidade jurídica e

humana porque ainda hoje são reconhecidos como menos cidadãos, são

subpessoas, têm apenas pequenos pedaços da personalidade, ocupam suas

reservas como naturais, não desfrutam da propriedade destas mesmas terras.

É importante que se comece a delinear o perfil daquilo que chamamos

realidade dos índios nacionais. Se nós não resolvermos este impasse de identificar

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verdadeiramente qual é o objeto dos nossos estudos jurídicos, nós não vamos

chegar a nenhuma outra satisfatória solução. Por quê? Porque, evidentemente, nós

não estamos sabendo de que estamos tratando como objeto do benefício do direito

indígena.

Nesse sentido, Deputado, quem vende e quem compra? A questão já começa

sendo ambígua na sua origem. Quem está vendendo? Quem está vendendo é o

produtor rural, é o proprietário rural. É certeza que ele está vendendo. Agora, quem

está comprando? É o Governo brasileiro? É o Estado brasileiro? É a sociedade

brasileira? É a comunidade indígena? São aqueles que têm a sua condição de

extravagante daquela reserva? Surge, então, uma outra dificuldade extrema, que é

exatamente isto que estou colocando agora.

Nós precisamos dar plenitude de capacidade aos nossos brasileiros índios. É

a primeira questão sobre a qual nós vamos ter que nos ajoelhar e dar esta condição

de pessoa, para, como pessoa, ser titular de direito e ter a sua própria parcela de

terra na comunidade indígena. Quem compra não é o Estado, porque o Estado

somos nós também, e nós não podemos comprar e vender ao mesmo tempo. É

preciso que o destinatário dessas aquisições seja a comunidade indígena ou a

sociedade indígena ou as pessoas indígenas que compõem aquela sociedade,

aquela entidade.

Bem, desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que é de 10 de

dezembro de 1948 — a própria OIT fala disso —, as entidades indígenas têm direito

à propriedade e à sua terra. Está lá, o tratado foi ratificado pelo Governo brasileiro.

Diz o seu art. 17: ”Toda pessoa tem direito à propriedade, só ou em sociedade”.

Essa declaração é de 1947. Em relação ao nosso “brasilíndio”, está inaplicável, está

solta, deve estar voando em outro lugar, que não na soberania nacional.

Eu faço mais uma pergunta decorrente desta aqui: por que ainda os índios

não têm o direito fundamental à propriedade de suas terras demarcadas? Por quê?

Este é um direito constitucional fundamental a todos os brasileiros. Os índios, antes

de serem índios, são brasileiros. A resposta é elementar, nasce fluida como o vento:

Porque não se reconhece aos indígenas brasileiros a capacidade de gerir e desfrutar

suas vidas em igualdade de direito com os demais brasileiros, não obstante a

realidade objetiva e material do Brasil contrarie totalmente este preconceito, esta

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presunção, esta gestão absurda em relação ao indígena. A Constituição

indiretamente lhes nega este direito aferrado, como se encontra na concepção de

que o índio deve ser custodiado e tutelado conforme, posto que é incapaz de evoluir,

de progredir, de administrar o seu quinhão, de tornar-se um agente dos bens

próprios e sociais, de lograr e chegar à condição de produtivo e rico, ombreando

com os demais direitos dos brasileiros. Em verdade, esta é uma capitis diminutio

inaceitável já nesta quase segunda etapa do séc. XXI.

Eu já disse anteriormente em outra palestra que nos Estados Unidos, já no

século XIX, os índios kadiwéus, que são os mesmos kadiwéus lá da barranca do Rio

Paraguai, nossos índios, no Estado de Oklahoma, nos Estados Unidos, foram

deslocados de suas áreas, e também a Mate Laranjeira fez o deslocamento de

muitos índios. Inclusive o Governo Vargas os deslocou de suas áreas e os colocou

em outras já demarcadas, e lá foram estabelecidas essas populações indígenas.

Lá nos Estados Unidos, portanto, esses índios kadiwéus foram levados para

reservas previamente demarcadas, e nessas reservas foram amparados,

financiados e tiveram todo o supedâneo para produzirem e chegarem ao ponto de

enriquecerem e comprarem do próprio Estado de Oklahoma as terras que

anteriormente detinham, das quais foram remanejados, que eram as antigas terras

das pradarias dos bisões. Vejam como é um governo ciente, lúcido, que traz

soluções efetivas!

Então, nós somos empedernidos de instituições jurídicas que encarceram,

prendem os indígenas e os mantêm em grilhões, em terra primitiva, inadmitindo as

suas capacidades intelectuais e presumindo uma escravatura institucional. Essa é

uma grande tristeza que nós, ainda hoje, neste nosso 2014, temos e acolhemos e

aceitamos.

A FUNAI mantém o monopólio da lavra progressiva do preconceito, aliando a

invenção das terras indígenas, a despeito do estabelecido pelo excelso pretório.

Pela jurisprudência consolidada no Supremo Tribunal Federal, as terras que até

1988 estavam ocupadas pelos índios, conforme se repetiu a mil, eram terras

indígenas a partir de então, à exceção daquelas que sofreram o esbulho

processório. Não são mais terras indígenas. Estas condições têm levado a grandes

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e solitários sofrimentos, torturas e mortes, de um lado e de outro. Muitos produtores

rurais faleceram e muitos índios também faleceram.

O que diz o art. 231 da Constituição Federal sobre a demarcação das terras

indígenas? Diz que compete à União demarcar as terras tradicionalmente ocupadas

pelos índios. Pois bem, no universo jurídico — observem com cuidado —, é certo

que, em relação à União, remanesce um conceito publicístico, político-jurídico,

representativo da ideia de um poder centralizado e soberano. Esse poder é unívoco,

ou seja, alcança a todos nós brasileiros, e de onde emergem os raios de comando a

toda a nação, ele abarca o poder, que se cinde em três outras atividades-poder,

quais sejam: o poder da União relativo à atividade de gerar o direito, executar o

direito e interpretar o direito. Isso tudo é poder da União, é poder central da União.

E, portanto, a União legisla, executa, administra, julga e interpreta a lei e manda

cumprir. Lamentavelmente, há alguma situação capenga neste dispositivo sobre

esta competência da União, posto que o único que desenvolve algo semelhante a

isso seja o Poder Executivo, e não os demais.

Por conseguinte, numa interpretação científica, por este dispositivo que

compete à União — e a União também é legislação, é Legislativo; a União também é

execução, é Executivo; e a União é Judiciário —, está embutido, está implícito este

poder de demarcar as terras.

Muito bem, por outro lado, o Poder Executivo, na prática de identificação, tem

exercido a função de demarcação, e não a função identificatória. Agora os senhores

vão me perguntar: mas como o Poder Executivo demarca sem identificar?

Lamentavelmente, sim. O que se quer dizer com estas duas expressões, que

parecem semelhantes ou idênticas, é que onde a União pretende demarcar não

existe terra indígena. É preciso, primeiro, encontrar a terra indígena e, depois,

demarcar. Primeiro, você tem que encontrar, identificar, localizar.

Ora, o que faz a FUNAI? Ela, à martelada, diz o seguinte: “Aqui é uma

presunção de terra indígena; então, vamos achar a forma antropológica”, porque só

pode ser antropológica, já que não tem posse ou ocupação. Então, tem que ser

antropológica. Vão procurar lá no passado vestígio de que ali foi, imemorialmente,

uma terra indígena. Assim, é preciso pensar isso com o fórceps. Criaram uma

realidade que não existe. Então, eles estão demarcando áreas não identificadas,

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isso exatamente porque o nosso Tribunal Supremo já colocou esse parâmetro. É

possível que haja ocupação, senão será ocupado no céu ou lá no inferno.

Bem, perdoem-me, às vezes, as expressões menos elegantes.

Mas, meus amigos, avanço um pouco mais nesta consideração para chegar

ao objeto do que eu quero dizer. Aliás, eu faço aqui uma observação de que a

própria Advocacia-Geral da União — AGU chegou a elaborar, quanto àquelas

diretrizes estabelecidas pelo Supremo Tribunal, um ato normativo, incorporando

todos aqueles requisitos e condicionantes estipulados pelo Supremo Tribunal numa

norma, pacificando a questão. Mas foi suspensa pelo choque da contradita

ideológica do mesmo Governo.

Bem, nós dizemos o que diz a Constituição. Agora, o que diz a PEC 215? A

Seção II do Título IV trata da Organização Dos Poderes, no seu art. 48, em seu

inciso V, e dispõe, entre aspas, que “Cabe ao Congresso Nacional a fixação dos

limites dos bens da União”. Essa é uma aquisição que já a lucidez do nosso Relator

reprisou a contento. Estou, portanto, embarcando já na noção que vem da Relatoria.

Ora, as terras ocupadas pelos indígenas outras não são senão os bens da

União, sob a expressão de terras públicas. Pelo dispositivo do art. 44, já se

depreende que o Congresso Nacional detém esta capacidade ou competência para

demarcar terras indígenas, que são as terras públicas da União, são bens da União.

Já está, portanto, estabelecida a competência ou o fato dos poderes da União,

através do Congresso Nacional, de demarcar os bens da União, pelo art. 48, inciso

V. E mais: esse ponto ainda é ratificado, confirmado, restabelecido, com bastante

profundidade, no mesmo art. 49, em seu inciso XVI, que igualmente estabelece que

ao Congresso Nacional cabe “autorizar, em terras indígenas, a exploração e o

aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais”.

Ora, as terras ocupadas pelos integrantes indígenas que, em gênero, são

terras públicas federais e, em espécie, são as terras ocupadas por afetação é que

são submetidas à autorização do Congresso Nacional e em tudo no que diz respeito

a estes fatos, relação intrínseca entre o índio e seus bens, como é o caso da terra

que ocupa.

E vou mais além — agora, minha contribuição ao eminente Relator. Dispõe

ainda o art. 48 da Constituição, que trata das atribuições do Congresso Nacional, em

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seu inciso VI, que, entre aspas, “Cabe ao Congresso Nacional” — bem claro como

cristalina água — “dispor sobre incorporação, subdivisão ou desmembramento de

áreas de Territórios ou Estados, ouvidas as respectivas Assembleias Legislativas”

dos Estados-membros.

Ora, pergunto: a identificação e demarcação de terras ocupadas pelos

indígenas não levam a extrair do Estado federado uma área particular que integrava

seu patrimônio político, administrativo, fiscal, incorporando esta área à União

Federal? É o que ocorre, não há dúvida. Penso que não pode haver um desfalque

tão evidente e mais típico do que uma área particular do território de um ente

federado ser sacada indevidamente pela União Federal através da afetação pela

imposição de uma invasão ou ocupação — melhor, politicamente correto, ocupação

— indígena.

Também por este inciso VI, a competência, nesses casos, é indubitavelmente

do Congresso Nacional. Portanto, trata-se de declaração de terras indígenas nos

Estados, sem dúvida nenhuma. E a PEC 215, meus amigos, meus colegas, meus

estudiosos e interessados, a mim, é de suma importância. Ela estabelece um

imperativo sistemático da Constituição vigente que agora visa estabelecer a

organização de competências positivas, fazendo inserir no art. 48 um inciso de

necessária progênie, ou seja, aquele que diz caber ao Congresso aprovar as

demarcações das terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas e ratificar as

demarcações já homologadas, evidentemente renumerando os incisos. Isso é da

sistemática da nossa Constituição. É preciso organizar o que, por cochilo do

legislador, ficou fora desta ordem sistemática.

E mais: propõe ainda a nossa PEC 215, de 2000, por imperativo de logicidade

jurídica, que, somente após a respectiva, aspas, “demarcação aprovada ou...” — aí

eu faço uma observação: em vez de “ou”, deveria ser o integrativo “e” — “...

ratificada pelo Congresso Nacional”, de acordo com a inserção trazida. Esta

demarcação traz a logicidade no sentido de que consolida os direitos subsumidos na

condição de terras públicas, senão nem isso se poderia alegar. Poderia até provocar

uma discussão de inconstitucionalidade. Aí é possível haver alguma dubiedade na

validade da logicidade jurídica e até da constitucionalidade do que hoje está.

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Por derradeiro, na identificação das terras indígenas, pelo texto da PEC 215,

observar-se-ão as conquistas humanas e científicas do Estado Democrático de

Direito, em que todos são iguais perante a lei — art. 5º —, onde é garantido a todos

os brasileiros — aí se incluem os índios, que estão excluídos — o direito à ampla

defesa da sua própria ocupação. E mais: às pessoas dos rurícolas e dos indígenas,

que são iguais, não são diferentes. Ambos, rurícolas e indígenas, produzem para si

e para o País e precisam de segurança jurídica. Ambos devem ter as mesmas

liberdades públicas e privadas. Ambos devem ter direito e acesso aos bens sociais e

às conquistas do mundo, a todos os bens da vida.

Assim, é preciso que a apartação das terras ocupadas pelos indígenas seja

feita dentro do sistema regido nos princípios constitucionais, ou seja, o devido

processo legal, a prerrogativa da publicidade plena, da defesa e do contraditório. No

mais, na casa dos direitos fundamentais, os direitos políticos, os sociais e,

sobretudo, os humanísticos.

Senhoras e senhores, a PEC tira da escuridão, o que sempre foi negado, a

comunidade indígena.

Por fim, cabe ao Ministério Público, como curador desses brasileiros, não

poder continuar a agir sem nunca perguntar quais são as aspirações e os interesses

dos tutelados, dos curatelados. É preciso que desperte para esta caótica realidade

de imposição, goela abaixo, das prerrogativas do Ministério Público, entender assim

ou entender de outra forma. É preciso que seja perguntado a eles qual é a sua

aspiração, os seus desejos, a sua visão de mundo. Urge acreditarmos na

capacidade de progresso humano da gente indígena como classe importante no

progresso do Brasil, e não alijá-los de seus mais essenciais direitos.

É o que tenho a dizer. Obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Serraglio) - Quero agradecer a V.Exa.

a contribuição e dizer que, de fato, provoca-nos a refletir sobre um sistema que não

admite ser modificado. Como V.Exa. bem expressou, trata-se de uma escravatura

institucional! Nosso sistema jurídico mantém aquele conceito de escravatura que nós

eliminamos em relação aos afros, mantendo-o em relação aos indígenas. São

subpessoas. São pessoas que precisam ser tuteladas, que não podem sonhar, que

não podem imaginar que possam...

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O SR. LUIZ DE LIMA STEFANINI - Constituir família, ter filho, fazer dívida,

obter crédito...

O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Serraglio) - Exatamente. Eu tenho

dado o seguinte exemplo. Imaginem que eu dê a alguém aqui um Boeing. O que

vocês vão fazer com um Boeing? Nós não temos dinheiro para o combustível! É o

que nós queremos dar para os indígenas, em vez de nós pensarmos na sua

dignidade, naquilo que eles precisam para efetivamente se igualarem a nós. Nós

estamos dando algo de que eles não podem fruir. Não podem fruir porque o

indígena não pode comprar um trator. Ele não é dono de nada. O que ele vai dar em

garantia, para comprar um trator? Ele não pode desenvolver a agricultura. Conforme

o Deputado Valdir Colatto fez referência, nós o estamos tratando como se fosse

sobreviver de caça e pesca, porque, afora isso, nós não damos ao indígena

nenhuma condição, nenhuma condição! E ainda nos orgulhamos do sistema que

está posto! Não admitimos, não comparecemos para construir conjuntamente, com a

inteligência, com todos aqueles que trabalham com o setor indigenista, uma

proposta que elimine esse tipo de subpessoa, de escravatura no séc. XXI.

Lamentavelmente, é uma condição desumana, mas necessária para os interesses

de muita gente — os quais prefiro não identificar, mas a sociedade sabe.

Agradeço o privilégio, Desembargador Stefanini, de mais uma vez receber

contribuição tão importante de V.Exa.

Tal qual fizemos em relação ao Dr. Aragão — nós sabemos que V.Exa. não

mora aqui —, afirmamos que, enquanto V.Exa. permanecer, será um orgulho para

nós, um privilégio, mas desde já receba os nossos agradecimentos e os nossos

cumprimentos, se eventualmente precisar retirar-se.

Convido agora como palestrante o Dr. Paulo Alexandre Mendes, Fiscal

Federal Agropecuário, Coordenador-Geral Adjunto de Sustentabilidade Ambiental e

Assessor da Assessoria de Gestão Estratégica do Ministério da Agricultura, Pecuária

e Abastecimento. S.Sa. está com a palavra.

O SR. PAULO ALEXANDRE MENDES - Boa tarde, Exmo. Sr. Deputado,

colegas de Mesa e demais presentes.

Primeiramente, expresso a honra em termos sido convidados — e ter sido

esta honra cumprida — porque é um assunto de interesse não só do produtor rural,

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mas da sociedade brasileira. E não podia ser diferente a nossa participação hoje

aqui.

Nós não vamos entrar no mérito da competência legal da PEC. Acho que este

é um assunto para a turma do jurídico continuar analisando, mas o mínimo que nós

conseguimos depreender é que a PEC trouxe oportunidade de refletir sobre o

assunto. Se a coisa anda do jeito que está e no nível que está, no mínimo, ela tem

de ser repensada, revista e, se necessário, que também seja feito algum tipo de

ajuste.

Eu me senti muito representado na fala do Dr. Eugênio e do Sr.

Desembargador que acabou de sair, mas acho que o Dr. Eugênio me deu um

sentimento muito de complacência realmente com o que penso e no caminho que

precisamos reformular.

Dentro das oportunidades de revisão, não é surpresa nenhuma o Congresso

querer trazer para si — eu novamente não estou entrando no mérito da questão

jurídica — a legislatura de determinada matéria. Isso é comum no nosso Estado e,

salvo dispositivo logicamente expresso contrário, poderia caber a outro Poder. Mas,

a princípio, também não vemos nenhuma incongruência jurídica para que não seja

dessa forma.

E o mais louvável que enxergamos é que, ao tentar levar competência para si,

primeiro, a União não perderia seu papel dentro do cenário. Pelo contrário, acho que

ela manteria e expandiria sua função e outros tantos atores seriam envolvidos

também. Isso porque, quando se fala de política de demarcação de terra indígena, a

política não pode ser unilateral. E existe aquele jargão que todos já conhecem de

que não se pode criar solução para um, criando problema para o outro, ou tapar o pé

e descobrir o tronco. Nesse tipo de coisa, a política tem de ser para todos. E quanto

mais agentes e atores interessados e, de fato, envolvidos estiverem representados,

mais fidedigna e assertiva será a demarcação e as consequências disso.

Muito do que ouvimos aqui não conhecíamos em termos de processo,

Sabemos o que acontece na prática, e, mesmo assim, logicamente o canal é restrito,

quando não é a mídia. Mas esse tipo de participação traz um conhecimento da

sustentação dos nossos achismos.

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E a gente costuma fazer um comparativo de Relatório de Impacto Ambiental.

Quem é da área ambiental já ouviu falar de Estudo de Impacto Ambiental, de

Relatório de Impacto Ambiental. Qualquer empreendimento precisa ser licenciado e,

quando você se aventura a colocá-lo em prática no campo, precisa de autorização.

Para ter essa autorização, você terá de identificar todos os problemas e submeter as

soluções e condicionantes para que o órgão ambiental realmente conceda a

operação daquilo.

A gente faz essa mesma analogia com a área demarcada. Para se demarcar

uma área, não se pode ignorar tudo o que nela já está estabelecido. E a gente não

está falando novamente de produtor rural apenas, a gente está falando de interesses

de unidades de Municípios, de Estados, enfim, de Entes da Federação que não

podem ser deixados de lado, tanto por suas competências, quanto por seu

desenvolvimento próprio, suas virtudes, seus quereres. Então, novamente, quando

falamos em política não podemos pensar apenas em resolver o problema do índio.

Temos de buscar solucionar o problema do índio e de todos os outros agentes. E,

para que nós conheçamos esses problemas, precisamos ouvi-los.

Então, a grande virtude que a gente entende, Sr. Deputado, na lógica

inclusive do seu raciocínio aqui colocado, das instituições que foram convidadas e,

enfim, que não puderam comparecer também, paciência... Mas, se está havendo

algum tipo de boicote, é lamentável, porque é a chance de tratarmos da matéria.

Nós vamos discutir e vamos buscar melhorar. Se nós não damos a chance para que

isso aconteça, enfim, é muita superficialidade da nossa parte como cidadão, como

representante público ou como, enfim...

No mais, no que o Ministério da Agricultura puder ajudar, estará sempre

presente, sempre participativo. Estamos à disposição.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Serraglio) - Quero agradecer ao Dr.

Paulo Alexandre Mendes a participação.

Indago ao Dr. Antonio se pretende se manifestar desde logo.

O SR. ANTONIO LUIZ MACHADO DE MORAES - O.k.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Serraglio) - Pois não. Está com a

palavra o Dr. Antonio Luiz Machado de Moraes, Coordenador-Geral de Análises

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Econômicas do Departamento de Economia Agrícola, da Secretaria de Política

Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento — MAPA.

V.Sa. está com a palavra.

O SR. ANTONIO LUIZ MACHADO DE MORAES - Obrigado, Deputado

Osmar Serraglio.

Eu gostaria de fazer alguns comentários de ordem geral na linha do que foi

aqui dito em termos de se ter, no trato dessas questões em apreço, uma abordagem

mais ampla e com uma visão de futuro.

A par dos aspectos jurídicos — e eu não vou entrar em consideração — das

questões de justiça ou equidade, eu queria levantar o aspecto econômico dessa

matéria. No que se refere aos critérios de demarcação das terras indígenas, nós

entendemos que é importante que se leve em consideração, por um lado, o

potencial de ocupação racional produtiva dessas áreas. Se hoje não é uma

realidade, certamente o será no futuro. É isso o que se deseja, e há de se empenhar

nesse sentido. E outro aspecto que gostaria de destacar são os impactos presentes

e futuros no que se refere à atividade produtiva agropecuária, e, como já foi aqui

anteriormente mencionado, incorporando medidas compensatórias aos demais

envolvidos nessa questão além dos índios.

Eu quero destacar a coerência no trato dessa questão com o esforço

empreendido pelo Governo em outras áreas, em particular na formulação de

políticas públicas. E eu, em particular, destaco a política agrícola voltada para o

agronegócio, pois essas políticas têm contribuído significativamente para o

desempenho do setor, para que o setor pudesse alcançar a pujança que é de todos

conhecida.

Há de se levar em consideração também não só a realidade do setor do

agronegócio, mas, em especial, já caminhando para a conclusão, as potencialidades

do setor agropecuário e o cenário futuro que se desenha, em particular no que se

refere à ocupação de áreas produtivas, que obviamente se tornam cada vez mais

escassas, e, inexoravelmente, vamos ocupar toda a fronteira agrícola.

No que se refere às próprias terras indígenas, em termos de futuro, é

fundamental — não só pela dignidade do indígena, mas, do ponto de vista do

interesse econômico da ocupação dessas terras, do uso desse capital, que é um

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capital do País — a sua incorporação ao processo produtivo, comandado pelos

índios que ocupam essas terras, mas com todo apoio do setor público e em parceria

com os demais segmentos produtivos do agronegócio.

Se me permitem, até colocaria aqui uma figura. Assim como nós temos, por

exemplo, a agricultura familiar, uma política voltada para a agricultura familiar, por

que não pensar também idealmente em termos de um programa de agricultura

indígena, quer dizer, um programa desenhado especificamente para essa

comunidade, incorporando as realidades próprias dessa comunidade? Porque o que

está na base desse raciocínio é o interesse, em todo o trato dessa questão, de não

comprometer, de forma alguma, não digo comprometer, mas interferir na boa

evolução das atividades produtivas dos produtores rurais. E, mais do que isso,

gradualmente, ir incorporando o indígena na atividade produtiva, somando, assim, o

esforço de todos no sentido de aproveitar plenamente as potencialidades do

agronegócio brasileiro, com destaque para o aproveitamento desse recurso precioso

que é a terra.

Com essas observações, enfim, eu agradeço pela oportunidade desses

comentários.

Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Serraglio) - Quero agradecer ao Dr.

Antonio, assim como ao Dr. Paulo. Em seus nomes, quero agradecer ao Ministério

da Agricultura, que, ainda que a matéria jurídica não lhes seja tão afeta, não se

furtaram a comparecer e sugerir, como esta última, muito importante, possibilidade

de nós instituirmos uma política agrícola indígena ou indigenista.

Na verdade, é isso que nós estamos procurando evidenciar para a sociedade

brasileira. Há um mecanismo que pode ser um equívoco na interpretação minha e

de muita gente, no sentido de que, quanto mais reservas indígenas nós instituirmos,

tanto mais garroteamos a produção nacional.

Ainda hoje, eu assisti, na Organização das Cooperativas do Brasil, a uma

demonstração de que, nos próximos 20 anos, o Brasil deverá contribuir com, pelo

menos, mais 40% da alimentação do mundo. Evidentemente, quanto mais nós

produzirmos, mais nós incomodamos aqueles que também produzem. Como nós

produzimos com custo menor comparativamente aos que dispõem de muito mais

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recursos, eles precisam nos dificultar. E nós estamos pensando nisso. Eu traduzo

publicamente mais uma concepção que é mais ou menos na linha do que aqui já se

afirmou. Nós estamos pensando em viabilizar aos indígenas a possibilidade efetiva

de explorarem as suas terras, porque, para aqueles que imaginam que o Brasil vai

deixar de produzir porque criamos reservas indígenas, nós vamos dar a resposta: o

indígena vai produzir, o indígena vai se igualar aqui, segundo o princípio da

igualdade, que foi pelo Desembargador Stefanini, sabiamente aqui aventado. Que

igualdade é essa que nós queremos em que não damos oportunidade de

absolutamente nada ao indígena?

Vejam que é tão certo que nós estamos incomodando muita gente que há

dois dados que são facilmente perceptíveis: o Brasil, hoje, tem 370, 380 bilhões de

dólares nas reservas cambiais; se vocês olharem os balanços, vão observar que

quem está colocando essas reservas é o setor do agronegócio. Então, o Brasil

ultrapassa as dificuldades econômicas, pelo menos até agora, que o mundo

enfrentou, porque está cacifado por quem? Pelo setor industrial? Não. Pelo setor de

serviços? Não. Pelo setor da agricultura.

O Brasil, hoje, é o maior exportador do mundo de carne bovina, o maior

exportador do mundo de frango, o maior exportador do mundo de açúcar, o maior

exportador do mundo de suco de laranja — 80% do suco de laranja exportado no

mundo é do Brasil. Nós estamos agora chegando aos maiores exportadores de soja.

Nós incomodamos muita gente. Uma política inteligente de nos frear é não permitir

aquilo a que o Dr. Antonio fez referência, que é a ampliação da nossa perspectiva

expansionista. Ninguém aqui está pregando expansionismo no sentido de derrubada

de floresta, de nenhuma árvore. O que nós queremos é aproveitar o potencial que

nós temos, ampliar a nossa produção, enriquecer o Brasil, porque, com isso, vamos,

com certeza, dar melhores condições de vida, que é só o que nós queremos. Parece

que é difícil a gente incutir isso na cabeça das pessoas.

Mobilizam os indígenas, gastam um horror para nos dificultar, quando tudo

que nós queremos é exatamente o contrário. Nós queremos ajudar o indígena, e

ajudar o indígena é a prática de uma política de proteção que não significa só terra.

Não é possível que este País não acorde, observando que não é terra a solução do

indígena. E ninguém está dizendo que não quer dar terra, mas tenhamos uma visão

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mais aberta, mais de largada. Não é só terra. Cadê a saúde dos indígenas? Cadê a

sobrevivência alimentícia, a sobrevivência do índio, subalimentado? E nós não

admitimos que ele possa fruir, até porque, está muito claro aqui na Constituição, a

terra não é dele, a terra é da União. Como não é dono de nada, ele é um

sobrevivente na terra dos outros. Nós queremos mudar esse perfil.

Com muito prazer, eu passo a palavra ao nosso companheiro Dr. Rudy Maia

Ferraz, que é advogado especialista em Direito Agrário e consultor jurídico da Frente

Parlamentar Agropecuária, para que nos privilegie e nos enriqueça com os seus

conhecimentos.

O SR. RUDY MAIA FERRAZ - Primeiramente, gostaria de agradecer aqui ao

Dr. Osmar Serraglio pelo convite para fazer esta exposição. Em nome dele, quero

cumprimentar os demais presentes.

Acho que o primeiro ponto a abordar... Não há muita coisa a ser abordada

depois de o Desembargador Luiz Stefanini e o Subprocurador-Geral Eugênio Aragão

ter mencionado. Eles, simplesmente, abordaram todas as problemáticas que nós

temos hoje sobre demarcação de terra indígena. Então, gostaria só de fazer um

esclarecimento no tocante a como é o processo atualmente. O processo é arbitrário,

eu sempre venho mencionando, é um processo inquisitivo, no qual a participação de

até mesmo ente federado, como Estados e Municípios, é completamente esquecida

dentro do processo atual de demarcação.

Hoje, a primeira arbitragem começa na nomeação do antropólogo. A

nomeação do antropólogo não se passa por ninguém. Livremente, a FUNAI nomeia

um antropólogo para fazer um estudo de identificação, sem ninguém ficar sabendo.

A partir desse procedimento no qual o antropólogo identifica uma etnia, basicamente

já se tem caracterizada a terra indígena, porque são meros procedimentos a serem

cumpridos, como a portaria de estudos complementares, que prevê justamente a

delimitação, porque a identificação já ocorreu lá atrás, através de um ato, sem

nenhuma publicidade — isso vale dizer —, na qual o antropólogo é nomeado pela

FUNAI e identifica a área. Posteriormente, cria-se o grupo técnico, o qual faz o

trabalho de estudos complementares, visando, justamente, delimitar a área. É o

primeiro passo que eu acho que inviabiliza hoje a defesa, muitas vezes, dos

produtores rurais, e acabam sendo judicializadas as demarcações por esse ponto.

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Então, a nomeação do antropólogo sem nenhuma análise de parcialidade, de

vinculação dele com a terra ou de conhecimento mesmo sobre o processo de

demarcação não é feito.

Hoje, nós temos um caso lá na Bahia, a famosa terra Tupinambá de Olivença,

na qual a antropóloga nomeada pela FUNAI escreveu um livro afirmando claramente

que nunca esteve índio na região, nunca existiu a etnia Tupinambá de Olivença na

região, sempre a etnia Tupiniquim. Posteriormente, ela, contratada pela FUNAI, fez

um relatório técnico de identificação e delimitação reconhecendo a etnia Tupinambá

de Olivença. Ora, onde está a segurança jurídica de um procedimento desse, se ela

faz um laudo, um livro, inicialmente, uma tese de Doutorado reconhecendo que

nunca houve índio e posteriormente faz um relatório antropológico para a FUNAI, no

qual estava recebendo por isso, e identifica a terra como indígena? A gente vê que a

parcialidade já começa por aí, pela nomeação do antropólogo. Realmente, o estudo

antropológico deve ser utilizado para o procedimento, mas não deve ser o único

instrumento. Tem que haver outros instrumentos para poder também demarcar uma

determinada área. Então, esse é o ponto basilar do processo administrativo, em que

a gente vê os vícios originários nesse processo.

Outro ponto é o contraditório. O contraditório é feito em 90 dias após a

publicação no Diário Oficial das poligonais da área, não necessariamente da

demarcação, só das poligonais. Então, o produtor rural vai ter que acompanhar

diariamente o Diário Oficial para verificar se as poligonais da sua propriedade

incidem ou não na terra indígena. E, depois, sim, começar a correr o prazo para ele

contratar advogado, contratar antropólogo e contestar o laudo. E esse laudo vai ser

examinado pela própria FUNAI, que dá um parecer técnico, que é remetido ao

Ministro, para dar tomar a decisão.

Ora, isso é totalmente contrário hoje ao processo administrativo junto à

Administração Federal, que é a Lei nº 9.784. A Lei nº 9.784 garante a participação

de qualquer interessado desde o início; garante a ele toda e qualquer cópia de

processo administrativo e a participação em todos os atos no processo

administrativo; garante a ele o poder de contestar e recorrer do processo para uma

pessoa hierarquicamente superior ao seu anterior, o que não ocorre hoje no

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processo de demarcação. É o único caso, hoje, na legislação brasileira em que há a

perda de um bem sem o devido processo legal.

Hoje, na demarcação de terra para quilombola, nós vemos que há um

processo, uma desapropriação que ocorre judicialmente. No procedimento de

reforma agrária, também há um processo anteriormente; agora, nesse caso, não há,

é administrativo. Por isso, sempre falo que se parece muito com o inquérito policial,

no qual o Delegado é que julga o processo de demarcação, contrariando, inclusive,

o texto constitucional, no art. 5º, inciso LIV, que fala: “ninguém será privado da

liberdade ou de seus bens, sem o devido processo legal.”

As palavras do Dr. Eugênio foram muito felizes aqui ao falar que o modelo

está ultrapassado. O modelo atual de demarcação é um modelo totalmente

ultrapassado, que não corresponde à política atual, à necessidade hoje da

sociedade. Então, esse procedimento tem que ser revisto.

Não foi por isso que o Supremo decidiu daquela forma quanto à Raposa Serra

do Sol, que adotou aquelas balizas, aquelas condicionantes, e para que determinada

terra indígena seja demarcada tem que obedecer àquelas balizas. Não é por acaso

que o Advogado-Geral da União reeditou aquela Portaria nº 303, que está

plenamente em vigor, mesmo com o Supremo não dando efeito vinculante, porque,

se ele tivesse dado, não precisaria da Portaria nº 303, para obedecer. Então, é

importante trazer aquelas observações para o texto constitucional.

Só no tocante à ampliação, vou dar um exemplo: essa remarcação, reestudo,

revisão das demarcações de terras indígenas. Antigamente, a FUNAI demarcava

uma área sempre ampliando, ampliando, ampliando determinada região,

determinada terra indígena. O Decreto nº 22, de 1991, previa a possibilidade de

revisão, tanto que o Supremo Tribunal Federal se manifestou falando da

inconstitucionalidade daquele decreto. Posteriormente, veio o Decreto nº 1.775, que

vetou. Ele não menciona, em nenhum momento, a possibilidade de revisão do ato

de demarcação, isso, justamente, já contemplando, inclusive, a Lei nº 9.784, que

também veda a possibilidade de a Administração rever os seus próprios atos que

geraram direitos a terceiros. Então, o que o Supremo colocou foi basicamente o que

a Constituição está prevendo. É importante trazer aquelas balizas, principalmente a

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questão do marco temporal, apesar de não ser uma condicionante, mas foi um

entendimento claro do Supremo Tribunal Federal.

A FUNAI sempre utiliza o argumento de que em um passado remoto os índios

foram expulsos, foram esbulhados, para, justamente, desqualificar o marco

temporal. Por isso, é importante deixar de forma clara e absoluta que a FUNAI

aplique... Eu sempre falo que seria conveniente até uma DPF, uma arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental, justamente porque a FUNAI descumpre

o texto constitucional, que é o marco temporal. Isso deixando de forma clara, no

texto constitucional, seria inquestionável — inclusive a própria FUNAI — perante o

Ministério Público Federal.

Outro ponto que me preocupa também é a questão da expressão “direitos

originários” no texto constitucional. Esta expressão relativiza tudo e qualquer direito.

Muitas vezes, alguns julgadores estão adotando essa expressão para, inclusive,

derrubar as reintegrações de posse que estão tramitando hoje. O índio

eventualmente invade uma determinada área, e o julgador, realmente, fala: “como

eles estão retomando a propriedade — eles sempre usam aquela expressão de

retomada —, como eles estão reocupando, como o direito deles é originário, não

pode ser concedida uma reintegração de posse para eles”. Dois julgados — e, a

meu ver, eu critico veementemente —, duas suspensões de liminares no Supremo

Tribunal Federal, que estão sendo espalhadas por todos os processos judiciais,

reconheceram esse direito originário, bastando a alegação do direito do índio, que é

a teoria hoje utilizada por eles, a Teoria do Indigenato. E o Supremo Tribunal

Federal inclusive, no julgamento da Raposa Serra do Sol, disse assim: “Não existe

esse direito imemorial, existe o direito do índio, desde que se observem algumas

condições”. Que condições são essas? É a ocupação em 1988, que não vem sendo

cumprida.

No tocante à PEC 215, a gente vê que muitos alegam a sua

inconstitucionalidade, mas de inconstitucionalidade não vejo nada, eu vejo só

constitucionalidade nela. Primeiro, que terra indígena é um bem público da União. A

quem cabe legislar? Ao Congresso Nacional. Segundo, o texto do art. 231 diz que

compete à União demarcar as terras indígenas. A União quem é? É o Executivo, o

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Legislativo e o Judiciário. E o art. 225, que trata da questão ambiental, diz que cabe

ao poder público demarcar as Unidades de Conservação.

Então, quando a Constituição quer dizer Executivo, ela menciona poder

público; quando quer dizer União, ela fala União, inclusive cabe ao Legislativo.

A meu ver, essa questão da inconstitucionalidade está plenamente superada.

Acredito que há realmente um receio do Supremo Tribunal Federal de conceder

eventualmente, num ato totalmente isolado, uma decisão que suspenda, mas,

adotando essa posição que o próprio Dr. Eugênio mencionou aqui da alienação

onerosa, na qual ambos irão negociar, tanto a FUNAI quanto o produtor rural ou o

afetado, acredito que aí você acaba com qualquer questão sobre eventual

inconstitucionalidade, cerceamento do direito de acesso à terra dos índios.

Outro ponto que o Desembargador falou aqui muito interessante é a questão

do direito de propriedade das terras indígenas para os índios. Os índios sempre

tiveram direito de propriedade até a Constituição de 1967. Lá, foi o primeiro

dispositivo que mencionou que as terras indígenas serão bens da União. Então, eu

acho que o direito de propriedade do índio deve existir, com cláusula, claro, de

incomunicabilidade e de inalienabilidade, justamente para evitar a venda das terras

indígenas.

E outro ponto que eu gostaria de mencionar é que o único dispositivo que

menciona que as terras indígenas serão homologadas hoje pela União é o art. 19 da

Lei 6.001, de 1973. A legislação, a Constituição da época, a Emenda Constitucional

nº 69 dizia que competia ao Poder Executivo legislar sobre terras indígenas, só que

o dispositivo não foi recepcionado pelo atual texto constitucional. Então, aquele

dispositivo que é utilizado pela Presidente da República para editar o decreto

homologatório não foi recepcionado pelo texto constitucional, porque foi feito em

observância àquela Constituição vigente.

Então, basicamente ratifico o que foi mencionado aqui pelo Subprocurador

Eugênio Aragão e pelo Luiz Stefanini, justamente para dar segurança jurídica e

balizas claras ao processo hoje de demarcação de terras indígenas, o que não está

ocorrendo. Então, eu acho que é importante a aprovação dessa PEC no sentido de

colocar balizas, de forma absoluta, inquestionáveis, tanto pelo Ministério Público

Federal, que hoje vem atuando de forma muito questionável, interpondo ações civis

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públicas em face da União e da FUNAI – Fundação Nacional do Índio, justamente

para legitimar as demarcações de terra indígena, quanto por parte da própria FUNAI,

que hoje concede a um antropólogo.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Serraglio) - Desnecessariamente.

O SR. RUDY MAIA FERRAZ - Ele muitas vezes utiliza aquele § 1º, do art.

231, com a alegação de que, numa determinada área, não há peixe para ampliar

aquela área, aqueles quatro fatores, quatro círculos concêntricos, como o Supremo

Tribunal Federal mencionou, mas bastando o eventual descumprimento de alguns

deles para poder ampliar novas terras indígenas.

Por isso, é importante tirar esse protagonismo da FUNAI justamente para

acabar com a privatização do problema, porque hoje a gente vê que o problema está

sendo privatizado, está sendo levado para o produtor rural, ao invés de a União,

como diz o art. 37, responder por sua omissão de não ter demarcado no momento

oportuno e querer demarcar 25 anos depois.

Bom, Sr. Presidente, eram essas as breves considerações sobre o tema.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Serraglio) - Quero agradecer também

ao Dr. Rudy, que, como sempre, traz reflexões necessárias, que estão sendo

registradas e que nós iremos repassá-las aos nossos companheiros que se viram

impossibilitados de hoje aqui comparecerem. Aliás, nós tínhamos uma audiência

pública marcada, mas, pelo que nós estamos sabendo, o calendário de junho

praticamente inexistirá na Câmara. Então, na nossa próxima audiência, nós iremos...

Evidentemente que eu estou me reportando ao Deputado Florêncio, porque

ele é o Presidente, mas eu me esqueci de avisar que ele só não está aqui, e S.Exa.

está na Casa, porque está lá na CPMI da PETROBRAS para a qual foi convocado,

até porque, salvo engano, está lá a Presidente da PETROBRAS.

Quero comunicar que eu recebi, até em caráter de urgência, a justificativa da

Presidente da FUNAI, Dra. Maria Augusta Boulitreau Assirati — aliás, quem a enviou

foi a Chefe de Gabinete da Presidência da FUNAI —, que eu acolho com prazer, que

diz estar acompanhando o Ministro da Justiça exatamente em razão de questão

fundiária lá no Mato Grosso do Sul. Eu não só agradeço o seu comunicado, como

torço para que sejam muito proveitosas as presenças e as intermediações dela e do

Ministro da Justiça lá no Mato Grosso do Sul. E com certeza, mais à frente, nós

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teremos a oportunidade tanto de ouvir o Ministro da Justiça quanto a Presidente da

FUNAI.

Nós queremos uma construção, e tenho insistido nisso, de muitas mãos. O

Brasil espera que nós cumpramos a nossa missão, e ela passa pela pacificação da

zona rural, mas não só da zona rural, porque a gente fala muito só na rural. Hoje, os

maiores desencontros estão acontecendo nas zonas urbanas, onde muitos não

índios estão sendo desalojados.

Agradeço, mais uma vez, a participação de todos que aqui compareceram.

Agradeço especialmente o Ministro Neri Geller, que enviou aqui os seus

representantes, e aqueles que nos assistiram no decorrer desta audiência, que

declaro encerrada.

Boa tarde a todos!