DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · Além da realização desta audiência...
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CÂMARA DOS DEPUTADOS
DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO
NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES
TEXTO COM REDAÇÃO FINAL
COMISSÃO ESPECIAL - ANO DA MULHEREVENTO: Audiência Pública N°: 0393/04 DATA: 27/4/2004INÍCIO: 15h23min TÉRMINO: 17h30min DURAÇÃO: 02h07minTEMPO DE GRAVAÇÃO: 02h07min PÁGINAS: 42 QUARTOS: 26
DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO
SIMONE DINIZ - Médica com especialização em Medicina Preventiva.MARIA JOSÉ DE ARAÚJO - Coordenadora do Departamento de Saúde da Mulher do Ministérioda Saúde.PEDRO PABLO MAGALHÃES CHACEL - Representante do Conselho Federal de Medicina.
SUMÁRIO: Debate sobre instalação de casas de parto no País. Apreciação de requerimentos.
OBSERVAÇÕES
Há oradores não identificados.Há intervenções inaudíveis.Há expressão ininteligível.
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A SRA. PRESIDENTA (Deputada Jandira Feghali) - Dou início aos trabalhos
e cumprimento os Deputados e convidados presentes.
Tendo em vista a distribuição de cópias das atas da 4ª e 5ª reuniões a todos
os membros, indago da necessidade da leitura.
A SRA. DEPUTADA LUIZA ERUNDINA - Requeiro a dispensa da leitura das
atas, Sra. Presidenta.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Jandira Feghali) - Dispensada a leitura,
coloco-as em discussão.
Não havendo quem queira discuti-las, em votação.
Os Srs. Deputados que as aprovam permaneçam como se encontram.
(Pausa.)
Aprovadas.
A Ordem do Dia da sessão de hoje destina-se à realização de audiência
pública sobre as polêmicas casas de parto que surgem por todo o Brasil. Como foi
pedido um posicionamento desta Comissão sobre o assunto, resolvemos fazer este
debate.
Para compor a Mesa, convido nossa competente amiga e companheira Maria
José de Araújo, Coordenadora do Departamento de Saúde da Mulher, do Ministério
da Saúde, a Dra. Simone Diniz, médica com especialização em Medicina Preventiva,
e o Dr. Pedro Pablo Magalhães Chacel, representante do Conselho Federal de
Medicina. (Palmas.)
Além da realização desta audiência pública, deliberaremos hoje sobre vários
requerimentos que estão sobre a mesa.
Antes de iniciarmos o debate, farei alguns lembretes. Em primeiro lugar, a
Comissão está trabalhando com a TV Câmara, para a elaboração de vídeo sobre a
violência, do qual participarão atores e em que, no final, haverá 10 segundos com as
Parlamentares. Solicitamos a todos os gabinetes que mandassem as falas das
Deputadas, para que ordenássemos as gravações, mas dos 33 componentes da
Comissão apenas 18 enviaram mensagens. Em virtude disso, o prazo, que havia
terminado na sexta-feira, será estendido até amanhã. Assim, todas as Comissões
participarão da gravação, e os informes publicitários terão caráter suprapartidário.
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A SRA. DEPUTADA LUIZA ERUNDINA - Sra. Presidenta, não fui informada
sobre o assunto.
Como devemos proceder? Gravamos em vídeo?
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Jandira Feghali) - O vídeo será gravado
pela TV Câmara. Apenas queremos as frases das Deputadas dispostas a participar.
Se S.Exas. não mandarem as mensagens, os técnicos não terão como ordenar a
gravação.
Aproveito o ensejo para dizer que as mensagens que esta Comissão envia
estão sendo apagadas nos gabinetes antes de serem lidas. Não sei se isso
acontece pelo acúmulo de mensagens, mas esse fato faz com que as Deputadas
nem sequer saibam das informações que enviamos.
Amanhã, por exemplo, tiraremos uma foto de toda a bancada feminina no
plenário. Pela mesma razão, muitas Deputadas não estão sabendo dessa iniciativa,
assim como não se inteiraram que também amanhã haverá a abertura do
movimento Fique Sabendo, de coleta de sangue das mulheres para o exame de
AIDS. Nenhuma das Deputadas confirmou presença na hora da coleta, de forma a
estimular as mulheres a buscar os laboratórios.
Todos esses avisos estão sendo mandados reiteradamente. Quando o
pessoal da Comissão percebe que a mensagem foi apagada, eles ligam para o
gabinete e mandam a mensagem de novo, mas não necessariamente a Deputada
fica sabendo. Então, é importante que se diga às assessorias que esta Comissão
eficientemente está encaminhando as mensagens, telefonando, mas nenhuma delas
chega ao ouvido das Deputadas.
É bom alertar a assessoria dos gabinetes para que não façam isso. Se não,
daqui a pouco, vou entrar em crise existencial, porque todas as mensagens
assinadas por mim são apagadas. Vou achar que o problema é comigo.
(Não identificado) - Sra. Presidenta, telefonei para o meu gabinete, e lá não
receberam nada.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Jandira Feghali) - Não sei se é pelo
acúmulo, mas estão apagando mensagens antes de lê-las. Temos registrados o
horário em que a mensagem foi apagada e a pessoa que a recebeu. Se precisarem,
podemos disponibilizar as informações de quem recebeu, quem deletou, com quem
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se falou por telefone. É bom alertar os assessores para que isso não ocorra, porque
a Deputada fica sem saber o que ocorre e não comparece aos eventos.
Então, são 3 lembretes: o prazo até amanhã para envio da mensagem para o
informe publicitário; a foto, às 13h30min, amanhã, no plenário, para edição especial
do Jornal da Câmara pelo Ano Internacional da Mulher e pelo Dia Internacional da
Mulher; e a abertura do Fique Sabendo, às 10h30min. Peço às Deputadas que,
antes de ir para as Comissões, passem pelo Espaço Mário Covas, na entrada do
Anexo II, para prestigiar o evento.
Concedo a palavra por 20 minutos à Sra. Simone Diniz, que falará sobre as
casas de parto.
A SRA. SIMONE DINIZ - Agradeço à Deputada Jandira Feghali e aos demais
integrantes desta Comissão o convite. Para mim é uma honra muito grande falar
aqui.
Sou feminista, trabalho com o direito das mulheres, faço parte de uma ONG
de mulheres e pertenço a várias redes de saúde, como a Rede Feminista de Saúde
e a REHUNA, Rede Nacional pela Humanização do Parto e Nascimento. Além disso,
exerço outra militância: a Medicina baseada em evidências, em que participo do
painel de usuárias.
Falarei aqui sobre por que a casa de parto faz parte da luta tanto das
mulheres, quanto da Medicina baseada em evidência. Também mencionarei
pesquisa que estamos desenvolvendo, com o apoio da FAPESP e da Universidade
de Campinas, sobre o que as mulheres querem na assistência ao parto e o que é
seguro para mulheres e crianças.
Vou tentar nesse curto espaço de tempo falar sobre o que a ciência diz sobre
a assistência ao parto; por que a assistência ao parto no Brasil é tão inadequada; o
que precisamos mudar na assistência; o que é mais seguro para a mãe e para o
bebê de acordo com a influência científica; o que as mulheres querem; o lugar do
hospital e da casa de parto; o lugar dos médicos e das enfermeiras nessa rotina; e o
que não sabemos sobre o assunto, pergunta fundamental para a Medicina em
evidências.
O que diz a ciência a respeito da assistência ao parto? Primeiro, vou fazer
uma analogia médica. É importantíssimo valorizar as conquistas tecnológicas que
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tiveram grande impacto na qualidade da assistência. A cesárea é muito importante,
a UTI neonatal é muito importante, mas há uma distorção na distribuição. A
tecnologia é muito mal distribuída, ou seja, as pessoas que precisam não têm
acesso a ela. Dessa forma, distribuímos tecnologia desnecessária, arriscada e cara
para mulheres que não precisam.
O conceito de boa assistência ao parto mudou radicalmente nas últimas
décadas do século passado. Aprendemos que a boa assistência era fazer o parto de
acordo com a boa ciência, mas chegou-se à conclusão de que a boa assistência é
não atrapalhar o parto, ou seja, devemos assistir ao parto com o mínimo de
intervenção. A rigor, não há justificativa para intervenção em nenhuma etapa do
parto fisiológico.
Afinal, a Medicina é sempre baseada em evidência? Infelizmente, não. A
partir da década de 80, movimento internacional reconheceu que a Medicina não é
necessariamente baseada em evidência, e enorme rede de profissionais reuniu-se
para trabalhar por especialidade em cada uma dessas áreas. A área de gravidez e
parto foi uma das que mais se desenvolveram, e, na década de 80, houve grande
esforço para revisar 40 mil estudos sobre 240 práticas de assistência. No Brasil,
esses estudos foram publicados pelo Ministério da Saúde, numa síntese chamada
Assistência ao Parto Normal.
A Medicina baseada em evidência no Brasil é ainda mais importante para
fazer chegar os recursos tecnológicos a quem precisa. A distribuição de tecnologia é
questão de justiça social, sobretudo por conta dos custos envolvidos tanto no setor
público, quanto no privado. Assim, o Ministério tem desenvolvido várias iniciativas,
como as casas de parto e o prêmio Galba de Araújo.
A Medicina baseada em evidência considera que existem níveis de evidência.
Antigamente, a melhor ciência era a de quem tinha mais poder, como o chefe da
disciplina ou aquele que detinha maior poder econômico ou acadêmico. Hoje em dia,
temos níveis de evidência que aumentam a partir do que chamamos de estudo
controlado, que compara mulheres da mesma idade, com o mesmo número de
filhos, mesmo estilo de vida, e assim por diante. É isso que garante que o
pesquisador olhe para uma intervenção qualquer e possa dizer que o resultado se
deve à intervenção, e não ao acaso.
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Como pesquisadores, tendemos a ver no nosso estudo o que gostaríamos de
ver. Isso é uma tendência humana, e não uma questão de desonestidade. A
Medicina baseada em evidência, entretanto, utiliza níveis de evidência mais
rigorosos, randomizados e controlados, identificando o que é seguro e efetivo, os
procedimentos danosos a serem abolidos e que consomem grande quantidade de
recursos do sistema, aquilo que não sabemos e as prioridades de pesquisa. Além
disso, a Medicina baseada em evidência inova ao fixar como grande foco o direito
dos pacientes.
Essa é uma discussão profundamente irritante para nós, profissionais de
saúde, e vou sintetizar o que se encontrou na área de assistência ao parto. A
avaliação da assistência médica em geral e da área de perinatologia em particular,
mostra resultados alarmantes. Consta que apenas 15% das práticas de assistência
são baseadas em evidências científicas sólidas. Segundo estudo da OPAS do ano
passado, a situação é ainda mais séria na América Latina, onde parte significativa
da assistência às mulheres durante a gravidez, o parto e o puerpério é
cientificamente considerada ineficaz ou prejudicial à saúde.
Por que a assistência é tão inadequada? Porque a incorporação desse novo
paradigma tem sido lento e irregular. O aparelho formador, ou seja, as escolas de
Medicina e Enfermagem, tem sido muito lento em incorporar essa mudança. Além
disso, há a questão da cultura sexual e reprodutiva, as crenças relativas à dor do
parto, ao dano que o parto provoca na área genital.
A infra-estrutura do nosso sistema de saúde é toda baseada nesse paradigma
antigo, o que contribui para piorar o acesso das mulheres à tecnologia adequada.
São exemplos de práticas ineficazes no Brasil a iatrogenia, a lavagem intestinal e a
raspagem de rotina, a utilização do soro para acelerar o parto, o isolamento das
mulheres, principalmente no SUS, a proibição de acompanhantes, a restrição de
liberdade de movimentos, a episiotomia de rotina, o uso do fórceps em primípara e a
manobra de Kristeller, prática de subir na barriga da mulher, altamente perigosa,
mas de uso disseminado no Brasil.
Isso não precisa necessariamente ser feito nem em hospital, nem em casa de
parto. A casa de parto, aliás, tem uma vantagem, porque já começa com esse novo
paradigma, enquanto os hospitais precisam mudar suas práticas. Tem havido
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predomínio da perspectiva dos profissionais das instituições, e é importante
equilibrá-lo, com a perspectiva das usuárias também.
Vou dar exemplo de algumas mudanças a que a casa de parto e os hospitais
deveriam proceder. Por exemplo, aprendemos que o acompanhante atrapalha e
deve ser mantido longe, é o conveniente para o profissional.
Quais são as vantagens? A mulher tem menos dor, menor risco de cesárea,
os bebês nascem melhor, ela avalia o parto como experiência mais positiva e
satisfatória, tem menos trauma perineal, menos risco de desmame, há diminuição do
risco de infecção, custos etc. Tudo isso foi mostrado nessas pesquisas. Todos esses
direitos estão sendo negado nos hospitais. As casas de parto já começam com essa
perspectiva, mas os hospitais precisam incorporar esses direitos.
Também aprendemos que a mulher tem de ficar deitada, porque hospital é
para doente que fica deitado, ou seja, o hospital não é programado para ter
ambulação. Durante o período expulsivo, a mulher fica naquela posição conhecida
como de “frango assado”, altamente danosa para ela, desconfortável, conveniente
apenas para o profissional.
Hoje em dia, já se sabe que a mulher precisa movimentar-se durante o parto,
porque na medida em que ela se movimenta, o parto torna-se mais curto e
confortável, a dilatação e a descida do bebê são mais fáceis. Quando a mulher se
move, facilita a descida do bebê pela parte óssea. Ela só tem vantagens, mas, no
Brasil, as mulheres ainda são obrigadas a dar à luz na posição imobilizada, porque
os hospitais não conseguiram mudar.
As casas de parto já mudaram a atitude em relação à episiotomia, aquele
corte da vulva e da vagina. Aprendemos que se tinha de fazer episiotomia em todas
as mulheres. Do contrário ficariam frouxas.
Na verdade, sabemos hoje em dia que a episiotomia é altamente
desaconselhada, porque causa muito mais danos do que benefícios. A evidência é
clara. Há 20 anos, sabíamos que se deveria abolir a episiotomia de rotina, que
implica muitos danos e riscos, aumenta as dilacerações graves, não previne danos
sexuais, não protege o bebê, piora a relação mãe/bebê, a amamentação, aumenta o
risco de infecção e de incontinência urinária. É descrita pelas mulheres como a pior
parte do parto aquela sutura da episiotomia, que leva a deformidades vulvares. É
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também questão de classe e de raça. No Brasil, a ricas cortam por cima, e as pobres
cortam por baixo. As mulheres negras, dadas as características de cicatrização, têm
maior tendência a deformidades vulvares.
A deformidade vulvar, chamada jocosamente pelos profissionais como
derrame de vulva, porque a vulva fica torta, assimétrica, é uma das principais
demandas de cirurgia plástica genital no Brasil. Esse é um problema de classe
social, porque quem tem acesso a cirurgia plástica não são as mulheres mais
pobres. Isso tem a ver também com uma revisão radical da anatomia, porque
somente agora se viu que essa área cortada da vulva é muito nobre. Sabemos que
toda essa área é do sistema clitoridiano. São 18 estruturas anatômicas diferentes, e
quando se corta se provoca danos: substitui vaso, terminação nervosa, tecido erétil,
que é análogo ao do pênis, sendo substituído por cicatriz.
Hoje em dia, já se tem o conceito de que a vulva, como o colo, precisa de
tempo adequado para a dilatação, mas apreendemos que para fazer o parto
tínhamos de cortar um buraco para o bebê sair. Esse conceito ficou no século
passado, mas a prática no Brasil não mudou. Nas casas de partos, já há esse
conceito, mas ele precisa chegar também ao hospital.
Existe campanha pela abolição da episiotomia de rotina, da qual a SOGESP,
a ABENFO, a própria FEBRASGO já fazem parte. Ela foi lançada no ano passado, e
calculamos que mais de 1 milhão de mulheres têm a vulva e a vagina cortadas por
ano, sem nenhuma indicação médica.
Há muitas outras intervenções. Uma delas é o uso do fórceps de rotina em
primípara, procedimento que aumenta em 11 vezes o risco de lesão perineal nessa
área. As casas de parto não utilizam o fórceps, e sim os médicos. Essa prática
também tem de mudar nos hospitais. Em termos de saúde sexual, muitas mudanças
terão de acontecer nas casas de parto e nos hospitais.
O que é considerado mais seguro para a mãe e para o bebê? Mais uma vez,
falarei sobre a Medicina baseada em evidência.
A evidência do nível 1, que são as revisões sistemáticas, é clara: não existe
nenhuma evidência concreta de que o parto no hospital seja mais seguro do que o
parto em casa de parto. Inclusive, os estudos comparam local de parto, ou seja, o
parto domiciliar com o parto em casa de parto e com o parto em hospital. Isso
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acontece freqüentemente, porque as intervenções hospitalares também estão
sujeitas a riscos. Quem quiser ler essa revisão bastante complexa deve acessar o
site da Cochrane.
Há poucos dias, a revista da FEBRASCO publicou várias informações dessas
mesmas revisões e outras com números errados. Eu até me disponho a ajudar a
corrigi-los. Acredito que eles foram copiados com erro. Eu não vou ler o resultado
desses estudos, porque eles estão na apresentação entregue a todos os senhores.
Estatisticamente, não houve diferença significativa de mortalidade perinatal entre os
2 grupos. Não houve nenhuma morte materna. Houve uma série de vantagens para
os partos não hospitalares.
No Brasil, há vários riscos adicionais, pelas altas taxas de cesárea. Estudo
recente mostra que os defensores da cesárea dizem que a mortalidade materna é
de apenas 2,88%. A mãe corre risco 3 vezes mais de morrer nesse parto do que no
parto vaginal. Como no Brasil há uma quantidade muito grande de cesáreas, o risco
atribuível à mortalidade materna é muito alto. O Ministério tem de dar prioridade a
esse estudo.
Na cesárea, correm-se graves riscos de curto prazo. São eles: hemorragia;
necessidade de reoperação; infecção pélvica; infecções em geral, além de
complicações menores; o dobro de risco de reospitalização; maior risco de
problemas de debilidade; pós-parto mais doloroso. Os estudos de dor que
comparam parto vaginal com cesárea, principalmente nos partos de baixa
intervenção, mostram que a cesárea implica mais dor. Esse é um ponto importante
para as mulheres. Há ainda riscos de longo prazo: cistos associados à aderência
cirúrgica; queda da fertilidade; descolamento prematuro da placenta; placenta
prévia; acretismo. Esses problemas aparecerão em gravidez subseqüente e terão
peso muito grande na mortalidade materna tanto no Brasil, quanto em outros países.
Em relação à segurança do bebê, os estudos são muito claros. No Brasil, há
uma inversão de tendência. Até a década de 80, as mulheres mais pobres tinham
filho de peso mais baixo, por causa da desnutrição. Do final da década de 80 em
diante, houve uma inversão dessa curva: quanto maior a renda dos pais, menor o
peso do bebê. Segundo esse estudo, citado em várias revistas importantes, isso se
deve à prematuridade iatrogênica: o costume de interromper a gravidez com 37, 38
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semanas. Quanto mais rica a mulher, maior o risco de a criança ter baixo peso.
Inclusive é tendência internacional a criança ir para a UTI neonatal, ter complicações
respiratórias etc.
Aprendemos que o parto era um processo horroroso para o bebê. Hoje
sabemos que é um processo final de amadurecimento respiratório, imunológico,
circulatório etc.
O que as mulheres querem? Segurança, evitar a sua morte e a do bebê;
saúde, evitar a morbidade, adoecimento; e bem-estar, conforto, satisfação na
experiência do parto. Enfim, segurança e humanização, ou seja, é a tecnologia
submetida às necessidades humanas.
Há uma moda de que as mulheres no Brasil querem cesarianas. Vários
estudos demonstram que essa é a perspectiva dos profissionais, e não das
mulheres, embora esse seja o parto típico no setor privado.
No setor privado, o parto típico é a cesárea, com grande impacto na
disponibilidade de leitos, inclusive de UTIs neonatais, principalmente porque um
parto vaginal não complicado pode proporcionar alta em 12 horas, enquanto numa
cesárea simples não se tem alta em menos de 72 horas.
Quero ainda lembrar que há um crescente movimento de mulheres pela
mudança na assistência ao parto no Brasil. Há vários sites: Amigas do Parto, com 20
mil entradas mensais; XôEpisio!, especificamente contra a episiotomia de rotina;
Casas de Parto no Mundo; Parto humanizado etc.
Temos aqui algumas fotos de recentes manifestações de mulheres que
expressam sua vontade. O site Casas de Parto no Mundo mostra algumas fotos da
Casa de Maria, liberdade de movimento, acompanhante, o ambiente não cirúrgico
etc.
Qual é o lugar do hospital na assistência? Ele vai continuar sendo
fundamental na assistência ao parto. A idéia é de que ele seja uma escolha, e não
uma falta de alternativa, uma vez que não há diferença em termos de segurança. É
importante que o hospital funcione muito bem, como referência para as casas de
parto, e que haja colaboração, e não rivalidade. É fundamental que o hospital
assuma o compromisso de mudança nas práticas de humanização, que respeite os
direitos e evidências científicas e já. Estamos muito atrasados nesse processo.
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Qual é o lugar das casas de parto na assistência ao parto? Ampliar o acesso,
reduzir a peregrinação e os riscos associados. Por exemplo, todos sabem que mais
da metade das mortes em São Paulo aconteceram durante a peregrinação. É muito
importante buscar leitos, reduzir a morbidade associada à assistência inadequada,
aumentar a satisfação, impulsionar mudança, ou seja, chamar a atenção para a
mudança dessa prática, enfim, contar com a colaboração dos hospitais. Fiz uma lista
de várias casas de parto existentes no Brasil. Os senhores podem fazer uma visita
virtual, através do site Casas de Parto no Mundo.
Há uma portaria do Ministério que regulamenta a existência de casas de
parto, inclusive cita o seu papel no sistema. Temos aqui alguns dados estatísticos da
Casa de Maria. No Brasil, mulheres com diagnóstico de parto de baixo risco que
utilizam os serviços do hospital privado têm 90% de chance de passar por uma
cesárea. Na Casa de Maria, a taxa de transferência é de menos de 1%. Vemos aqui
cenas da Casa de Maria, os maridos presentes, irmãos, parto com leito, liberdade de
posição, alternativa de posição. Tudo isso administrado pelo SUS. É lindo!
E mais: qual é o papel do médico e da enfermeira na assistência ao parto?
Uma das questões que a Medicina baseada em evidência tem levantado é saber o
resultado de ter cirurgiões cuidando de um evento fisiológico — o caso brasileiro é
muito ilustrativo. O médico precisa estar no parto de baixo risco com referência
estruturada? De acordo com o site Cochrane, não. Nós, médicos, conseguimos estar
presentes e não intervir no parto fisiológico? Entrevistei uma pessoa, que sabe que
não é preciso fazer a episiotomia de rotina, mas quando vê aquela cabeça coroando,
sua mão vai sozinha, ela não consegue controlar-se. Ou seja, a mudança não é
automática, é difícil.
A mesma situação ocorre na neonatologia: o pediatra não aspirar todas as
crianças que nascem vigorosas. Ele aprendeu que era para agir dessa forma, mas,
hoje em dia, não há justificativa para tanto. Esse procedimento atrapalha a saúde do
bebê, o vínculo materno etc. Então, o desafio para nós é saber estar presente e não
intervir quando não for preciso, é abolir os procedimentos de rotina que temos
usados e que não se justificam.
Para as enfermeiras, as questões seguintes são postas. Como, de fato, seguir
o modelo humanizado e baseado em evidências, em vez de repetir modelo
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ultrapassado? Como promover a colaboração com os médicos? Como melhor
estruturar referência e contra-referência? Como estruturar os novos desafios e
indicadores? Por exemplo, ter o períneo íntegro como indicador. Vamos abandonar
a episiotomia de rotina? Algumas casas de parto já conseguem manter de 70% a
80% de períneo íntegro. Esse tipo de indicador tem que entrar no hospital.
E as questões seguintes são postas para todos. Há grande e crescente
mercado de trabalho, privado e público, de atendimento humanizado. Esse mercado
não está sendo ocupado, pois cresce em ritmo muito maior do que o número de
profissionais preparados. Os serviços públicos não têm onde contratar médicos que
façam Medicina baseada em evidência, porque não há no mercado, e eles precisam
ser treinados. A tendência é cada vez maior de a paciente do sistema privado,
esclarecida, que pesquisa os sites procurar esse profissional. O atendimento
humanizado é um grande diferencial no mercado médico saturado. Em São Paulo,
as pessoas disputam esses médicos a tapa.
É uma preciosa oportunidade de cooperação profissional entre enfermeiras e
médicos tanto no setor público, quanto no privado. Os pacientes só têm a ganhar.
O que seria uma agenda de pesquisa? O que não sabemos? Precisamos
produzir evidência local, brasileira, ou seja, estudar e comparar morbidade e
maternidade materna e fetal, satisfação e custo/benefício dos diferentes modelos.
Há um desenho de estudo que é fundamental, o randomizado pragmático
colaborativo entre vários centros.
Aproveito para perguntar se o Ministério da Saúde não tem interesse em fazer
parceria, porque há muitos pretendentes. Seria uma maneira racional de utilizar os
escassos recursos para promover mais saúde, mais satisfação e mais direitos.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Jandira Feghali) - Agradecemos à Dra.
Simone Diniz a participação.
O Ministério da Saúde editou portaria sobre os Centros de Parto Normal, e
seria importante que a Dra. Maria José Araújo apresentasse a posição do órgão.
Posteriormente, pela combinação feita, falará o representante do Conselho Federal
de Medicina.
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Concedo a palavra à Dra. Maria José de Araújo, que disporá de até 20
minutos.
A SRA. MARIA JOSÉ DE ARAÚJO - Boa-tarde a todos.
Deputada Jandira Feghali, felicito a Comissão pela iniciativa de realização de
audiência pública para discutir o que o Ministério da Saúde chama de Centros de
Parto Normal. O tema é extremamente polêmico, e nossa proposta é exatamente
tentar resolver a controvérsia de forma benéfica para mulheres e crianças, sem
tomar nenhuma atitude, nem dos prós nem dos contras. A intenção é tentar ver o
que é importante e o que os Centros de Parto Normal podem contribuir para
melhorar o modelo de assistência obstétrica no Brasil.
O Ministério adota o nome Centros de Parto Normal, instituídos pela Portaria
nº 985, de 1999. Os Centros de Parto Normal fazem parte da Política Nacional de
Saúde da Mulher, sendo uma das estratégias adotadas pelo Ministério para
contribuir para a mudança do modelo de atenção de assistência obstétrica e permitir
que as mulheres tenham outra opção no momento do pré-natal, do parto e do
puerpério, de serem atendidas de forma diferente do que muitas vezes o são nos
hospitais.
É importante dizer que o Ministério normatizou, por meio de portaria, o
funcionamento dos Centros de Parto Normal. A portaria é pública. Quem tiver
interesse pode se dirigir ao Ministério, ou ao seu site.
A portaria chama de Centro de Parto Normal a unidade de saúde que presta
atendimento humanizado e de qualidade exclusivamente ao parto normal sem
problemas. Diz ainda que o Centro de Parto Normal deve estar inserido no sistema
de saúde local, no sistema público, no caso o Sistema Único de Saúde, atuando de
maneira complementar às unidades de saúde existentes, aos hospitais e aos centros
de saúde, organizando-se no sentido de promover a ampliação do acesso, do
vínculo e do atendimento humanizado, a atenção ao parto e ao puerpério.
Segundo a portaria, o Centro de Parto Normal poderá atuar física e
funcionalmente integrado a um estabelecimento assistencial de saúde, uma unidade
intra-hospitalar, ou como estabelecimento autônomo, isolado, desde que disponha
de recursos materiais e humanos compatíveis para prestar a assistência. E
determina a equipe mínima que deve ter um Centro de Parto Normal, constituída por
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1 enfermeiro com especialidade em obstetrícia, 1 auxiliar de enfermagem, 1 auxiliar
de serviços gerais e 1 motorista. Diz também que o Centro de Parto Normal poderá
contar com equipe complementar composta por 1 médico pediatra, ou
neonatologista, e 1 médico obstetra. Quer dizer, a portaria do Ministério da Saúde
absolutamente não exclui, nem fecha as portas do Centro de Parto Normal para
nenhum tipo de profissional. É interessante que isso fique claro.
A grande discussão envolve a equipe do Centro de Parto Normal. Muitas
vezes, a polêmica é centrada em questões a que a portaria não se refere, em
questões que ela não determina. Por isso, é importante as pessoas entenderem
melhor a portaria. Durante o tempo todo, ela diz, por exemplo, que nenhum Centro
de Parto Normal pode funcionar sem estar devidamente licenciado pela autoridade
sanitária competente. Ele tem que estar integrado a todo o sistema de saúde,
possuir referências claras, unidade de transporte. A portaria explicita claramente
todos os pontos.
Desde o ano passado, estamos fazendo um processo de avaliação, que
estamos terminando, dos 30 projetos de Centros de Partos aprovados pelo
Ministério da Saúde. Na verdade, são 16 convênios, que contêm 33 Centros de
Parto Normal apoiados pelo Ministério da Saúde em vários Estados brasileiros.
Fizemos levantamento de como estão os financiamentos desses Centros no Fundo
Nacional de Saúde. E, neste momento, a área técnica da saúde da mulher está indo
aos Centros de Partos Normal, fazendo uma avaliação in loco, com indicadores
precisos, cientificamente comprovados, elaborados pelo Ministério da Saúde, para
discutir e avaliar como os Centros de Parto Normal estão funcionando.
Há decisão do Ministério de, após essa avaliação, ver se a portaria tem que
ser ou não redirecionada, o que poderá ser modificado, caso necessário. Esse
processo está acontecendo, e, no momento, desses 33 projetos, há 14 Centros de
Parto Normal funcionando; 6 deles estão na fase de conclusão de obras; 13 têm
problemas na execução do plano de trabalho, tais como na liberação do terreno, que
a Prefeitura não conseguiu, ou na licitação dos materiais, uma série de problemas
que compete ao Fundo Nacional de Saúde resolver com os Secretários Municipais
de Saúde. E o Fundo Nacional de Saúde está fazendo isso.
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Essa é a atual situação dos Centros de Parto Normal. A decisão do Ministério
é de que todos os que funcionem adequadamente, conforme a portaria que editou,
ou seja, que cumpram todos os critérios e requisitos, continuarão sendo apoiados.
Nossa avaliação inicial, do ponto de vista qualitativo dos dados, mostra que
essas casas, por mais conflitantes que sejam, têm contribuído de alguma maneira
para a mudança do modelo de atenção obstétrica no Brasil. Evidentemente, o
número de partos realizados não é comparável ao número de partos realizados em
todo o Sistema Único de Saúde. As Casas de Parto não pretendem atender a uma
grande quantidade de partos, nem prestar atendimento às mulheres de qualquer
maneira. As mulheres são devidamente avaliadas, para que se saiba se podem
permanecer ou não na Casa de Parto.
Outra discussão interessante é que o Brasil ainda possui elevado coeficiente
de mortalidade materna. A morte de mulheres no período gravídico-puerperal pode
ser no pré-natal, por aborto, no parto ou no puerpério. Sessenta e dois por cento das
mortes maternas no País ocorrem do primeiro ao sétimo dia após o parto. Se
considerarmos que mais de 90% dos partos são feitos nos hospitais, podemos dizer
que a prática da assistência obstétrica também deve ser questionada. O Brasil ainda
possui, na assistência obstétrica, práticas indevidas.
O Centro de Parto Normal não exclui nenhum profissional, também pode
contar com obstetra e neonatologista. Entretanto, não se propõe a mudar um modelo
em que as práticas não funcionam, assim consideradas pela Organização Mundial
de Saúde. A Dra. Simone, uma especialista, e a própria Organização Mundial de
Saúde provaram que muitas dessas práticas não funcionam.
Na verdade, precisamos trabalhar coletivamente, sem competição, para
mudar o atual modelo de prática obstétrica no Brasil. Não por acaso, a taxa de
mortalidade materna é considerada alta para este País, onde mais de 90% dos
partos são realizados nos hospitais, e algumas regiões contam com tecnologia
avançada, à qual as mulheres podem recorrer.
A Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo está avaliando
o Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento e encontrou Municípios
nos quais as mulheres não têm nenhuma consulta pré-natal registrada, mas têm 4
exames de ultra-som realizados.
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Temos de somar forças, todos nós, profissionais de saúde. Não estamos
colocando os Centros de Parto Normal como o único modelo de atenção obstétrica
no Brasil, mas sim como o modelo possível, levando em consideração o que diz a
portaria do Ministério da Saúde. Nenhum Centro de Parto Normal pode funcionar
isoladamente do sistema, tem de haver referências claras e profissionais e ser
devidamente capacitados. Muitas vezes, somos contra as casas de parto existentes
em algumas regiões mais distantes deste País. Nesses lugares, a assistência
obstétrica é difícil. Em alguns lugares da Amazônia ou do Acre, uma mulher ainda
percorre de 3 a 4 dias de barco para encontrar assistência. Nessas casas de parto,
encontramos as parteiras tradicionais que estão desligadas do sistema, que não
foram capacitadas para aquele trabalho. Onde não existe o profissional capacitado,
essas parteiras ajudam as mulheres em trabalho de parto, mas a falta de
capacitação, de apoio e de integração ao sistema, muitas vezes, em vez de ajudar
as parturientes, pode vir a prejudicá-las no momento do parto.
O Ministério da Saúde não é a favor de que as mulheres façam os partos de
maneira insegura. Pelo contrário. O Ministério da Saúde lançou recentemente, no
dia 8 de março, o Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal.
Trata-se de algo compactuado com a Comissão Intergestora Tripartite e será
pactuado agora com todos os Estados.
Existe verba extra para esses projetos. O Ministério da Saúde está investindo
pesadamente nessa área, a fim de que possamos, realmente, modificar as
maternidades públicas do País e contribuir para o fim da violação dos direitos
humanos das mulheres e das crianças. Não é mais possível que um país com o grau
de desenvolvimento do nosso também tenha, na maioria de suas regiões,
coeficiente de morte materna de 74 por 100 mil crianças nascidas vivas. Quer dizer,
de cada 100 mil crianças que nascem, morrem 74 mulheres. Não podemos permitir
que isso continue. O Ministério da Saúde está investindo nessa área, e estamos indo
agora a todos os Estados, para consolidar esse pacto técnica e financeiramente.
Além do apoio dado pelo Ministério da Saúde, acreditamos que não podemos
discutir a questão com radicalismo. Queremos unir forças com pessoas
interessadas, como os médicos, as enfermeiras, as auxiliares, as Deputadas. Vejo
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aqui Deputadas altamente comprometidas com a questão das mulheres e que têm
uma história de luta. Todos nós, juntos, poderemos avançar nessa questão.
Não é possível adotarmos um único modelo, puramente hospitalar, por todas
essas práticas. É claro que ele salva também. A cesárea também salva, mas usada
indevidamente pode causar problemas. Todos sabemos a quantidade de cesáreas
indevidas realizadas no Brasil e que podem causar problemas também para os
bebês. Isso não quer dizer que a cesárea seja ruim. Muito pelo contrário.
Devidamente utilizada, é instrumento fundamental para salvar a vida das mulheres e
das crianças.
Devemos promover essa união entre as boas práticas e as boas intenções, e
o papel do Ministério é normatizar e apoiar a mudança dessa situação em nosso
País.
Parabéns, mais uma vez, à Deputada Jandira Feghali.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Jandira Feghali) - Agradecemos à Dra.
Maria José.
Reitero a informação de que, na quinta-feira, às 10h, haverá sessão solene
em homenagem ao 15º aniversário do CFEMEA, no Plenário Ulysses Guimarães.
Novamente, diante de maior número de Deputadas, reitero que as
assessorias, não sei por que razão, estão apagando as mensagens da Comissão
antes de serem lidas. Uma série de informações importantes não chegam às
Parlamentares porque a assessoria as deleta antes. A mensagem não é lida, e a
informação não é transmitida. Temos prazo até amanhã para ser feita a mensagem
para o vídeo sobre violência, com o tempo de 10 segundos para cada Deputada.
Prorroguei o prazo até amanhã. Eu o ampliei para dar tempo de informar. Serão 10
segundos de fala em vídeo sobre violência, com a interpretação de artistas. A TV
Câmara finalizará em cada inserção publicitária.
Amanhã, será feita uma foto da bancada feminina no plenário, às 15h30min,
para a edição especial do Jornal da Câmara.
Também amanhã, às 10h, antes de ir para as Comissões, teremos a abertura
do Fique Sabendo, que trata dos testes do HIV/AIDS, com a presença do Presidente
João Paulo Cunha, que abrirá o evento.
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Muitas Deputadas não sabem o que está ocorrendo. Temos todos os
relatórios dos apagamentos das mensagens, da pessoa que apagou, do horário e de
com quem falamos pelo telefone. É importante alertar as assessorias para não
fazerem isso, porque a Comissão está tentando comunicar-se com a bancada
feminina e não está conseguindo. As mensagens são para alertar S.Exas. e
inseri-las na programação que está sendo preparada. As Deputadas que se
dispuserem poderão escrever suas mensagens de 10 segundos sobre a violência.
Queriam começar a gravar hoje, mas pedi prazo até amanhã, porque, das 33
Deputadas, só 18 mandaram as mensagens. S.Exa. diz que não sabia, mas a
mensagem está lá desde quinta-feira passada. Solicito que liguem, que suas
assessorias telefonem. Não é possível. Ninguém viajou para o exterior. Vai haver
gravação até amanhã. As Deputadas que se dispuserem deverão mandar as
mensagens, e a TV Câmara vai ligar para marcar as gravações, se possível, já a
partir de amanhã.
Concedo a palavra ao representante do Conselho Federal de Medicina, Sr.
Pedro Pablo Magalhães Chacel.
O SR. PEDRO PABLO MAGALHÃES CHACEL - Sra. Presidenta, em nome
do Conselho Federal de Medicina, agradeço a V.Exa. esta oportunidade para trazer
a posição do Conselho a respeito de tema tão atual e tão importante e que mexe
com a estrutura das pessoas, da família e com a cidadania de cada um de nós.
Estamos aprendendo, porque passamos por situações muito difíceis, e a
cidadania é um aprendizado constante. Aprendemos a cidadania quando
começamos a pensar, não digo se certo ou errado, naquilo que queremos. Todos
nós temos a obrigação de pensar naquilo que queremos. Se, mais adiante,
descobrirmos que aquilo que pensávamos foi mudado, mudamos de pensar, mas
durante muito tempo o pensar não fez parte da vida do brasileiro, porque havia um
claro recado: cada um fique na sua que não acontece nada. E ninguém se metia
com coisa nenhuma, e ninguém tinha algo a ver com coisa nenhuma, a não ser
cuidar da sua individualidade. Por incrível que pareça, isso não é uma coisa muito
antiga. Vivemos um momento neste País muito rico, e espero que se prolongue por
muito tempo.
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Com relação ao tema em si, quero dizer que, na espécie humana, um parto é
um processo em que um motor chamado útero impulsiona um objeto chamado feto,
que tem forma ovóide, mas tem flexibilidade desigual, através de um trajeto curvo e
acotovelado.
Normalmente, todo esse processo ocorre naturalmente e é biológico. Como
tal, quase sempre é perfeito e não precisa de ninguém. Não precisa de médico, de
enfermeira, não precisa de ninguém. Em outras espécies animais, é mais simples.
Na espécie humana, é um trajeto curvo e acotovelado, por onde passa um objeto
que tem flexibilidade desigual e é impulsionado por um motor. Qualquer um desses
3 elementos, o motor útero, as rotações e flexões que o feto tem de fazer e a
passagem através de um trajeto curvo e acotovelado, pode trazer alguma obstrução.
No caso da obstrução de feto que não faz rotação ou flexão adequadamente,
ou de um trajeto que é menor do que o feto, nesse caso há obstrução mecânica.
Posso ter uma obstrução, porque quando o motor contrai o útero, o oxigênio que
existe na placenta fica ali, não entra nem sai nada, porque a pressão do músculo é
maior que a pressão arterial, e o feto vai consumir o oxigênio que estiver na placenta
naquele momento. Se ele tiver contração prolongada demais, ou alguma doença
qualquer na capacidade de armazenamento de oxigênio no sangue que está na
placenta, o feto pode ficar sem o oxigênio necessário, e se dará o que se chama de
sofrimento fetal, que é a perturbação das trocas materno-fetais. E esse processo
biológico, que poderia até não precisar de ninguém, às vezes precisa.
Houve aumento de conhecimento fisiológico, principalmente com Caudeiro
Barcia, que a senhora citou — aliás, tive a honra de ser aluno dele. Esse processo
sofre obstruções. E tenho conhecimentos capazes de dizer o que está ocorrendo e
fazer ou tentar fazer alguma correção necessária. Para isso, preciso de
conhecimento e, talvez, de tecnologia.
Hoje em dia, existe interferência maior, sem dúvida alguma. Existe também,
apesar dos índices altos, diminuição da mobimortalidade materna e perinatal. Não
vamos chegar e dizer que isso tudo está errado, que tudo tem de ser natural. Não é
assim. É natural, pode ser natural, a maioria será natural, mas nem todos são
naturais. Por isso, tenho de estar preparado para, no meu atendimento, usar dos
recursos, sair de determinada conduta para procurar outra que surgiu de
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emergência, porque a distocia em obstetrícia surge na emergência. Há previsão que
está perfeitamente verificada nas salas de parto.
Estive em hospital em Minas Gerais em que houve 1.600 partos, com
pouquíssimas cesarianas, em torno de 0,5%.
Também estive naquela casa de parto mais famosa de São Paulo. Numa
época, eles realizaram 816 partos, tinham transferido 16 pacientes e feito 8
cesarianas — é uma baixíssima incidência de cesariana. Mas se no mínimo 4% dos
partos têm sofrimento fetal ou têm distocias de trajeto desproporção feto-pélvica,
isso não me dará 8%, obrigatoriamente, de cesariana, vai me dar um número menor,
porque muitas vezes o sofrimento fetal surge em decorrência da desproporção. Mas
tem-se 1% ou 0,5%? Essa seleção é extremamente rigorosa. Só vão para casa de
parto pessoas que não correm praticamente nenhum risco. E ainda assim pode
acontecer, mas é muito pouco.
Nessa casa de parto que visitei em São Paulo — por sinal, bastante
interessante —, achei as pessoas muito engajadas. Elas acreditavam no que faziam.
Mas vamos ser francos também. O hospital de referência fica a 16 ou 18 quilômetros
de distância. Em São Paulo, 16 ou 18 quilômetros de distância pode ser uma
eternidade de tempo. Então, existe risco, sim.
O que se faz nas chamadas casas de parto? A orientação é no sentido de que
prevaleça a atitude mais naturalista. Mas por que essa atitude mais naturalista não
pode ser aplicada no hospital? Porque tem de ser separado. Por que o médico e a
enfermagem não trabalham mais juntos? Não é da nossa parte que não queremos.
Existe legislação específica sobre enfermagem, que aceitamos plenamente,
mas ela tem de trabalhar junto com o médico. Porque, na verdade, de certo
momento em diante, ela pode não estar mais autorizada a fazer o procedimento. E
aí precisamos de uma pessoa que esteja mais ou menos por dentro do que está
acontecendo. Porque de repente me cai nas mãos uma paciente que eu não sei o
que tem, de onde vem nem para onde vai. Então, isso é complicado.
Sou favorável ao parto normal e acho que, considerando o que foi exposto, há
coisas muito válidas. Algumas não são muito importantes, não. Tenho muito tempo
de atividade e posso afirmar que, na Medicina, as verdades são absolutas e
transitórias. Se hoje é uma verdade absoluta, amanhã não é mais. Isso é muito
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comum. Aliás, acho que na vida tudo é assim. Enfim, na Medicina, especificamente,
funciona dessa forma.
A episiotomia não deve ser feita de rotina. Aliás, nada deve ser feito de rotina.
As coisas absolutas são sempre erradas. Tudo na vida é relativo. Mas a episiotomia
tem vantagens, sim. O que ela faz é cortar a musculatura que não está distendida,
evitando que se sobredistendam as miofibrilas. Por exemplo, se pegarmos um
elástico e o distendermos demais, ele não volta ao normal. Essa era a idéia de David
a respeito. Essa idéia é absoluta? Acho que não. Mas também não posso dizer que
seja absurdo fazer episiotomia. Não é um absurdo.
Pode haver banheira de hidromassagem? Por que não? Por que o marido não
pode estar junto no hospital, meu Deus? Pode. Não somos contra isso. Hoje em dia,
praticamente só atendo a alguns casos privados — já me aposentei pelo serviço
público —, e o marido está sempre junto da paciente. Essa separação ocorre
quando se compara a medicina para pobre e a medicina para rico. Essa é que é a
verdade.
A mortalidade materna é muito maior nas cesarianas. A assistência prestada
é um péssimo índice de medida de mortalidade materna — esta não serve para
medir aquela.
Em um país centro-africano, a mortalidade materna — não vou citar o nome
— é a seguinte: de cada 20 mulheres, 1 morre no parto, e lá a cesariana não é
realizada.
Quando as pessoas saem do Acre e levam 3 dias para chegar a algum lugar
para fazer cesariana e morrem, isso ocorre devido à cesariana ou à demora porque
levaram 3 dias para chegar a algum lugar que lhes daria assistência? Existem
situações que levam a pessoa a fazer uma cesariana num momento de risco.
Portanto, dizer simplesmente que a cesariana é a maior causa da mortalidade
materna em números absolutos é verdade, mas podem existir justificativas para isso.
A morte materna é um excelente índice de injustiça social. Isso que ela é. Não
podemos esquecer que índice de mortalidade materna alto é uma afronta à
dignidade humana e indica que um país não zela pelas suas pessoas.
Ocasionalmente, existem erros médicos. Repito: ocasionalmente, existem. Mas a
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mortalidade materna não é uma medida adequada para caracterizar assistência
prestada ao parto.
Se houver discussão, vamos fazê-la. Não há por que não trabalhar em
equipe; não há por que a equipe não ser completa. O médico, o profissional liberal
não é aquele que cobra diretamente. Segundo o Dicionário Aurélio é o único
responsável por seus atos, tem autonomia, é responsável do início ao fim, atende,
faz parto normal, curetagem, episiotomia ou não, opera, faz o que quiser e, se não
puder concluir seus trabalhos por algum motivo, ocasionalmente, deve estar ligado a
um serviço no qual haja outro que possa terminar o trabalho.
Nossa posição é essa. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Jandira Feghali) - A Deputada Mariângela
Duarte está inscrita para falar, e não sei se mais alguém deseja fazer
questionamentos.
A Deputada Rose de Freitas saiu. Seria importante chamá-la, porque S.Exa.,
na qualidade de Relatora, pode ter observações a fazer.
Quero levantar algumas dúvidas, para entender melhor o posicionamento de
V.Exas. Hoje se esgota o prazo para entrega dos sub-relatórios. Esta Comissão tem
de dar exemplo de disciplina e eficiência. Dos 13 sub-relatórios distribuídos, só
voltaram 6 prontos. Isso é muito ruim, porque acaba levando à desmoralização, ao
descumprimento dos prazos que assumimos.
Pedi à Deputada Rose de Freitas que se reúna com as Sub-Relatoras na
próxima semana, para me entregar a sistematização dos sub-relatórios. Senão,
teremos de declinar dos sub-relatórios existentes e sofrer as conseqüências. Eles
visam estabelecer prioridade da Subcomissão nas pautas legislativa e de políticas
publicas. Se não forem elaborados, haverá temas que não entrarão nas prioridades,
na discussão com o Presidente da Câmara. É importante compreendemos que meta
é para ser cumprida, e é muito ruim que esta Comissão não a cumpra e desmoralize
os acordos firmados nesta Casa.
Dos 13 sub-relatórios, voltaram 6. Espero que ainda hoje sejam
encaminhados os que estão prontos.
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Vamos imediatamente passar à sistematização do sub-relatório. Já conversei
com a Relatora, Deputada Rose de Freitas, para, na próxima reunião, elaborarmos
uma estratégia de ação em relação aos sub-relatórios.
Vou levantar algumas preocupações para que a Mesa se posicione. Primeiro,
além de feminista, sou também profissional de saúde. Minha formação obstétrica
não se deu na universidade, mas fora, porque o currículo do 5º ano de Medicina era
terrível, era um mês em cada especialidade. Quando se começa a aprender, tem-se
de mudar de especialidade. Um mês de neurocirurgia, um mês de obstetrícia, um
mês disso, um mês daquilo.
Aprendi obstetrícia na Maternidade Clara Basbaum. Fiz um concurso no Rio
de Janeiro, no 4º ano de Medicina, para ver grávidas. Não foi nada bom. Era uma
rotina terrível, porque, além de tudo isso, ainda tinha a extração manual de placenta.
Tínhamos de introduzir a mão no útero da paciente para tirar a placenta e não deixar
restos. Imaginam o risco de infecção e hemorragia! Essa era a rotina na
maternidade.
Nesse processo todo, estudando política de saúde, nela militando e como
defensora intransigente do Sistema Único de Saúde, diria que em qualquer debate,
em qualquer lugar, serei defensora do SUS. Mas preciso reconhecer que sua
implementação ainda é limitada. As referências e contra-referências no SUS não
têm funcionado para quase nada. As emergências estão abarrotadas de pacientes
idosos e crônicos. Há uma tensão primária que funciona mal.
A cidade do Rio de Janeiro, onde moro, por exemplo, ainda não tem uma
central de regulação de internação. As vagas das maternidades são tratadas por fax
ou telefone. Muitas vezes as mulheres morrem no trajeto, atrás de uma vaga.
São fatos assim que me fazem questionar. A única Casa de Parto que entrou
em funcionamento no dia 8 de março na cidade do Rio de Janeiro fica em Santa
Cruz, Zona Oeste, região bem popular da cidade — não é a Barra da Tijuca. Em
caso de emergência, leva-se o paciente para onde? A distância de Santa Cruz ao
centro do Rio de Janeiro é de 40 km, e um trânsito insuportável. O único hospital
próximo é o Dom Pedro II, que está sempre abarrotado e sem vaga. Como é mesmo
que funciona no Sistema Único de Saúde em caso de risco? Leva-se para onde? E
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risco em obstetrícia às vezes é questão de segundos, minutos, seja para a mãe, seja
para o bebê.
Eu, profissional de saúde, médica, fiz parto de cócoras dentro d’água,
absolutamente natural, sem episiotomia, sem aspirar o nenê, sem coisa nenhuma.
Quando me perguntaram se eu queria ter o bebê em casa, disse que não — era o
primeiro filho —, porque se houvesse complicação, o que iria fazer naquele trânsito
do Rio de Janeiro? Mesmo com uma ambulância na porta de casa, não aceitei fazer
em casa. Queria fazer o meu parto natural, mas o centro cirúrgico estava na minha
cabeça e que em uma emergência eu poderia chegar lá, com uma gravidez
absolutamente tranqüila. Pode ser mito, cultura, o que for, mas é um sentimento de
proteção que a gente tem na hora de ter um filho. E sou médica! Sei exatamente
como as coisas funcionam, os mitos e os erros de procedimentos que existem.
Minha primeira preocupação é: no SUS, que funciona desse jeito, como
poderemos garantir a existência da referência da maternidade com vaga na hora do
risco, no trânsito de uma metrópole como o Rio de Janeiro ou São Paulo? Como é o
critério de instalação? A Maria José me informava que a Casa de Parto Casa Maria
está a 3 minutos de uma maternidade. Pode ser que aí tenha solução. Mas será que
esse é o critério que está sendo estabelecido nos outros lugares, que eu estou a 3
minutos de um hospital que me garante vaga na hora da emergência, com um centro
cirúrgico funcionando?
Essa é uma questão que apresento porque é importante que seja respondida
dentro do sistema de saúde que ainda funciona assim.
Em segundo lugar, pergunto o seguinte: dentro do Rio de Janeiro, e pela
listagem que vi aqui do Ministério da Saúde, a grande maioria das casas de parto
estão em área popular ou em Municípios que não sejam capital. Pelo menos, é o
que vi na lista. Pergunto: há um critério econômico para o estabelecimento da casa
de parto, ou seja, casa de parto é direcionada ao público-alvo pobre que não tem
acesso a outro tipo de sistema de saúde? Esse é um critério ou é simplesmente o de
estabelecê-las em locais em que o índice de mortalidade é maior? Qual o critério
que estabelece que a casa de parto está sempre implantada em Município que não
é capital e em área popular?
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Estou questionando até para poder afirmar e defender a casa de parto, se é a
medicina de pobre para pobre, assistência de pobre para pobre, limitada e sem
acesso ao resto ou se é um critério de aumentar a assistência para aqueles setores
em que o sistema de saúde tem um acesso menor. Essa é uma questão que
gostaria que fosse respondida.
A terceira questão é a seguinte: qual a responsabilidade legal da
enfermagem, por exemplo, se morre uma criança ou uma mãe na mão da enfermeira
obstétrica? Até onde a lei vai na responsabilidade penal desse profissional?
E, por último, a seguinte questão: qual o problema em termos o médico e o
centro cirúrgico básico na casa de parto, para o atendimento de risco? E mesmo um
neonatologista, porque um recém-nato que nasça com gravíssimos problemas
precisa de atendimento neonatal. Qual o problema disso? Algumas pessoas que
defendem a casa de parto acham que não tem problema nenhum. Outros acham
que não pode ter de jeito nenhum, porque a descaracteriza. Já ouvi isso dentro do
movimento feminista, radicalmente afirmando que não podia ter de jeito nenhum,
porque descaracterizava. Essa é a questão que apresento até para que possamos
fazer o debate.
Por último, na minha opinião, parto é fisiológico mesmo, as parteiras fazem e
o fazem há anos. Índios não fazem com ninguém, fazem sozinhos, sentam lá de
cócoras e têm o neném. A enfermagem pode fazer parto, não tenho nenhuma
dificuldade com isso, nenhuma. Pode triar no pré-natal, pode fazer parto. A casa de
parto pode ser uma grande idéia de ampliação desse acesso primário das mulheres.
Acho que tem de ter na Zona Sul do Rio de Janeiro também, não só na zona
popular. Tem de direcionar isso de outro jeito, tudo bem.
O que questiono é se dentro do SUS, que funciona hoje, que não tem
referência ou contra-referência para nada, qual a garantia que temos de que num
momento de risco essa mulher vai ser atendida em 1 minuto, como ela precisa ser
realmente atendida?
E, segundo, qual a dificuldade de pôr um plantonista, um centro cirúrgico
básico e um neonatologista para atendimento na emergência? Não quero tornar
inviável a proposta. O que quero é que consigamos equilibrar a polêmica para que
isso possa fluir com tranqüilidade, sem que radicalizemos nem para o lado do contra
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— “porque sou médico e não quero” —, nem para o outro lado: “sou enfermeira e
não quero médico”. De jeito nenhum. A casa de parto tem de funcionar, sim.
Até mesmo na portaria do Ministério coloca-se um profissional para atender à
neonatologia. Não diz se o pediatra ou o neonatologista. Depois diz: “Pode ter uma
equipe complementar, que pode ter um médico etc. e tal.
Queria que balizássemos isso um pouco melhor para que não
inviabilizássemos uma proposta humanizadora e de acesso primário por uma
questão que pode ser resolvida com tranqüilidade e com mediação dentro da
multiprofissionalidade, que é a assistência à saúde.
A saúde para mim é multiprofissional, não é só o médico. Mas também não
precisamos excluir o médico de tudo, até porque o médico pode ser humanizado.
Por que ele não pode fazer um atendimento humanizado, só a enfermeira pode? É
uma construção cultural mais difícil porque o poder médico existe. Sei disso, sou
médica e conheço muito bem a categoria. Existem resistências culturais de
comando, hierarquia, etc. e tal. Não sei nem se ele aceita que a enfermeira faça o
parto e ele fique aguardando a possibilidade de ser chamado.
Essa é uma questão que pode ser apresentada. A própria dificuldade de às
vezes o médico ser comandado por enfermeira, por diretora de hospital e secretária
de saúde. Isso existe, eu sei disso, ainda mais se for mulher, porque a maioria de
enfermagem é mulher, mas acho que é preciso tentar trabalhar esse conjunto de
coisas. Se estamos em um processo de enfrentamento cultural de profissionais de
saúde, ele deve ser enfrentado no todo.
Exponho essas questões mesmo sabendo que o pré-natal bem feito diminui a
possibilidade do risco. Então, normalmente irá para a Casa de Parto aquelas que
têm risco menor e podem fisiologicamente ter seus filhos. Mas o risco existe por um
problema psicológico, por um bloqueio na hora, não dilata, não contrai, sofre o feto,
ou seja, sabemos que — até quando o Dr. Chacel fala objeto fica meio chocante, o
útero que empurra um objeto! Fica meio chocante na fala, sei disso. Mas há
aspectos psicológicos e outros envolvidos nesse processo, e sabemos que mesmo
um parto que aparentemente não vai ter problema nenhum pode ter.
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Esta é uma questão que me vem pela minha condição de mulher, de
profissional de saúde e de feminista: que consigamos mediar esse debate para
viabilizar a proposta da forma mais adequada.
São questões que enfatizo para o nosso debate.
Não sei se vocês já falam para facilitar ou se abrimos em bloco. O que vocês
preferem, que eles já esclareçam isso? Ou então fazemos em bloco, porque vocês
anotaram essas coisas.
A lista de inscrição está aqui, não há mais inscritos. Se alguém mais quiser
fazer perguntas.... Peço à Fátima que passe a lista de novo.
Concedo a palavra à Deputada Mariângela Duarte.
A SRA. DEPUTADA MARIÂNGELA DUARTE - Deputada Jandira Feghali,
quero apenas dizer que não pude estar presente desde o início porque meu avião
atrasou e eu estava em uma outra reunião com a Iara, para receber as
Parlamentares. Assim, não me julgo à altura para formular nenhuma questão, mas
quero fazer um elogio e apresentar uma preocupação.
Em primeiro lugar, fiquei encantada. Graças a Deus! Até que enfim o nosso
Governo teve a sensibilidade de não aceitar a indecência da mortalidade da mulher
na hora em que ela dá a vida. É escabroso o índice de 70 mortes por cada mil
nascidos vivos.
Do ponto de vista governamental, isso é tão sério que passei 8 anos na
Assembléia de São Paulo com um projeto que exigia apenas que fosse acolhido
pelo aparelho de saúde do Estado o que a Organização Mundial de Saúde
recomendava para evitar mortes maternas: 6 consultas pré-natais. E simplesmente o
projeto foi negado a todo momento e virou uma polêmica.
Fiquei 8 anos na Assembléia lutando, porque o Governo tucano do Estado de
São Paulo não aceitava. Aí, virou a maior polêmica, porque não podíamos aprovar
as determinações da Organização Mundial de Saúde para a mulher no pré, no pós
etc.
Parabéns ao nosso Governo por esse fato, que não canso de elogiar, porque
me surpreendeu.
Como não tive tempo para ler o projeto, a minha questão vai nesse sentido.
Temos censo com o qual se lançou o pacto e é fundamental atualizá-lo.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - Ano da MulherComissão Especial - Ano da MulherNúmero: 0393/04 Data: 27/4/2004
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Segundo, é de notificação compulsória. Já temos instrumento institucional
para fazer notificação compulsória quando a mulher morre por problemas no parto.
Se não acontecer isso, não dá para entender.
Por que sou tão enfronhada nessa questão? Porque fico tão desesperada?
Represento uma região no Estado de São Paulo onde pesquisa já mostrou que a
incidência de câncer de útero e de mama é 3 vezes superior à média do resto do
Estado, talvez por causa da poluição de Cubatão.
Fico desesperada ao ver a vida de mulheres se esvaindo por causa da sua
condição feminina, quer dizer, ou por câncer de mama, ou por câncer de útero ou
porque vai dar à luz.
Em segundo lugar, se vamos ter censo atualizado, em que periodicidade? Se
não for periódico, não adianta o pacto.
Terceiro, se é de notificação compulsória, já temos instrumento institucional?
Se o que estou perguntando é bobagem, não fico nem com medo, porque às
vezes pode estar até no texto, mas não o li e acho essencial.
Muito obrigada e parabéns por este debate e pela participação dos
convidados.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Jandira Feghali) - Concedo a palavra à
Deputada Almerinda de Carvalho.
A SRA. DEPUTADA ALMERINDA DE CARVALHO - Sra. Presidenta, entrego
meu relatório sobre Mulher, Previdência e Terceira Idade.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Jandira Feghali) - Quantos relatórios
chegaram no total? (Pausa.)
Não há finalização, porque alguns consultores entregaram diretamente aos
Parlamentares e ainda não chegaram aqui. Havia 6 até o momento em que falei. A
Deputada Alice Portugal também entregou um sobre Mulher e Saúde.
Deputada Alice Portugal, V.Exa. quer apresentar alguma questão de ordem?
A SRA. DEPUTADA ALICE PORTUGAL - Sra. Presidenta, gostaria de me
inscrever, porque a lista ficou de ser repassada, e cheguei tarde.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Jandira Feghali) - Vão usar da palavra as
Deputadas Iriny Lopes e Alice Portugal. Há mais alguma Parlamentar que deseja
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dirigir a palavra à Mesa e aos debatedores? (Pausa.) Estão inscritas as 2
Deputadas.
Devolveremos a palavra à Mesa. A Relatora depois poderá fazer algum
questionamento.
Peço aos Parlamentares que não saiam, porque votaremos alguns
requerimentos e daremos informações importantes para a Comissão.
Concedo a palavra à Deputada Iriny Lopes.
A SRA. DEPUTADA IRINY LOPES - Sra. Presidenta, senhores membros da
Mesa, boa tarde.
Farei pergunta que me foi passada por uma pessoa que trabalha na Casa. É
muito interessante a curiosidade dela, visto que teve a experiência do parto natural.
A pergunta é: é questão de cultura ou necessidade dar o tapa na criança para
fortalecer ou abrir os pulmões?
Ela relatou que teve 2 filhos e que não precisou fazer nada disso. Fica-nos a
idéia de que essa é a primeira agressão que a criança sofre, uma vez que está
saindo de um lugar acolhedor, onde não há barulho, nem luz que a incomode.
Gostei da questão apresentada e a estou repassando à Mesa.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Jandira Feghali) - Concedo a palavra à
Deputada Alice Portugal.
A SRA. DEPUTADA ALICE PORTUGAL - Sra. Presidenta, primeiro,
cumprimento todos os convidados desta Comissão. Infelizmente, por compromissos
assumidos em Salvador, só pude chegar agora à tarde.
Debruçamo-nos, nas 2 últimas semanas, sobre a temática da saúde. Não vou
poder comentar a fala dos senhores e das senhoras por não tê-la acompanhado. O
que pude observar na Casa é que há uma enormidade de projetos que tratam da
saúde. Muitas vezes eles se põem de maneira diametralmente oposta em relação a
determinados interesses. Apresentei destaque em torno de quase uma centena
desses projetos. Objetivamente, separei por temas. Gostaria de citá-los, porque
estamos com especialistas na área e seria interessante uma rápida visão sobre os
temas abordados com maior incidência pelos Deputados brasileiros no tocante à
saúde.
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O aborto, de forma muito contraditória, é tratado pelo conjunto dos
Deputados. Destaquei alguns projetos, especialmente o do ex-Deputado Eduardo
Jorge, que suprimem o art. 124 do Código Penal Brasileiro, além de projeto de sua
lavra, o PL nº 20, de 1991, e o da Deputada Sandra Starling, com uma série de
outros projetos apensados, que dispõem sobre a obrigatoriedade de atendimento em
casos de aborto, previsto no Código Penal.
Mesmo o Código Penal é extremamente contestado por um conjunto de
Deputados, mas destaco esses como projetos importantes, para que as Deputadas
tratem de maneira específica, foquem a questão do aborto e tenham uma conclusão
sobre o assunto ao final da experiência desta Comissão.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Jandira Feghali) - Sra. Deputada, o tema
da audiência pública é casa de parto. Pergunto, até para ajudar os debatedores da
Mesa, se existem projetos com esse conteúdo ou ligados a isso, para que, inclusive,
eles saibam a quantidade de projetos sobre esse tema e se existe esse das
parteiras, da Deputada Janete Capiberibe. Mas é necessário saber se nesse
levantamento existem projetos direcionados ao parto, à mortalidade materna, ou
casa de parto ou coisa que se refira a essa temática.
A SRA. DEPUTADA ALICE PORTUGAL - Temos alguns projetos da
Deputada Ana Corso em relação à mortalidade materna, que dispõem sobre a
criação dos comitês de estudo, prevenção da mortalidade materna; do Deputado
Ivan Paixão, sobre a notificação compulsória das mortes maternas, porque há
subnotificação. Portanto, a questão da subnotificação é tratada por um Deputado.
Há também projeto do Deputado Geraldo Resende sobre a notificação compulsória
e a mortalidade materna.
Esses projetos estão muito relacionados à subnotificação. Agora, não há —
transformo isso em indicação, ou mesmo, em projeto de lei, cuja possibilidade ainda
estamos discutindo — a casa de passagem para a mãe de alto risco. Não vi nenhum
projeto sobre essa questão, mas já há algumas experiências no País em relação a
isso.
A casa de passagem é, na verdade, uma casa que pode ser alugada pela
instituição. Em geral, isso pode ser traduzido de maneira mais efetiva em
maternidades-escolas. A partir daí, a gestante de alto risco passa a ter abrigo antes
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do internamento hospitalar. Não é um internamento, mas, sim, uma casa de
passagem, onde ela tem a possibilidade da assistência próxima em caso de
urgência ou emergência. Isso nós não temos.
Com relação ainda à gestante, temos um projeto do Deputado Serafim
Venzon que faculta à gestante acesso a ônibus, cinemas e outros locais sem a
utilização de catracas.
Projeto da Deputada Luiza Erundina dispõe sobre o direito da gestante ao
conhecimento e à vinculação à maternidade onde receberá assistência no âmbito do
SUS. Essa vinculação prévia já existe em alguns Municípios.
Projeto da Deputada Maria do Rosário dispõe sobre a presença de
acompanhante no processo de parto nos estabelecimentos do SUS.
Em relação às presidiárias, também de forma muito geral, há um projeto
sobre o tema da assistência à saúde.
Enfim, é somente isso. Temos que constituir, além dos comitês, essas casas
de passagens para gestantes.
Há também um outro projeto a que estou dando entrada, o Mãe Canguru.
Estes também nós não temos: o casa de passagem e o mãe canguru. Portanto,
companheiros, informo que estou dando entrada a esses 2 projetos.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Jandira Feghali) - Ainda bem, porque esse
projeto da mãe canguru é uma coisa fantástica, com resultados também fantásticos.
A SRA. DEPUTADA ALICE PORTUGAL - O Mãe Canguru terá resultados
enormes, mas a Câmara dos Deputados ainda não o transformou em regra.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Jandira Feghali) - Existe iniciativa, mas não
há legislação.
A SRA. DEPUTADA ALICE PORTUGAL - Não existe legislação. Tenho
exemplos espetaculares, em que a incubadeira é substituída pelo corpo da mulher,
com resultados enormes e importantes para a redução da taxa de mortalidade.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Jandira Feghali) - Vou devolver a palavra à
Mesa, na mesma ordem da fala inicial.
A SRA. DEPUTADA ALICE PORTUGAL - Registrando o relatório entregue.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Jandira Feghali) - Certo, Deputada Alice
Portugal.
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Com a palavra a Dra. Simone Diniz.
A SRA. SIMONE DINIZ - Vou responder a algumas questões, como o tapa na
criança, que é remanescência do tempo em que se drogavam de rotina as mães. As
nossas crianças nasciam tão chumbadas que tinham de ser bastante espancadas
para respirarem. Usava-se opiáceo etc. Esse e vários outros mecanismos eram
utilizados. Há ilustrações de médicos jogando as crianças assim para elas
acordarem. O tapa é uma versão mais recente e não há necessidade de se fazer
isso, porque hoje em dia as crianças nascem em condições muito melhores.
Fiquei muito feliz em ouvir a Deputada Alice Portugal falar de tantos projetos
interessantes. Esses projetos podem ter, especialmente esse que lida com as
gestantes, grande alcance com relação inclusive à questão da morbidade e da
mortalidade materna, como é o caso de se fazer essas casas para acompanhantes,
a vinculação prévia, a presença de acompanhante, de que falou o Dr. Pedro Chacel.
É algo que em muitos lugares são privilégios de quem paga, e o SUS tenta introduzir
isso com uma relativa dificuldade. Se existisse legislação específica, contribuiria
muito para essa mudança.
A Deputada Jandira Feghali levantou algumas questões essenciais para o
debate. Uma delas é quanto à segurança, principalmente com relação à distância.
Ou seja, como uma mulher que está sendo atendida em uma casa de parto, que não
tem recurso como um centro cirúrgico, pode chegar a um hospital para receber
atendimento em tempo hábil para salvar a vida dela e a da criança? Como é que
isso aconteceria, principalmente nas grandes cidades, onde temos o problema do
trânsito etc.?
Infelizmente, temos tido grande quantidade de mortes maternas dentro dos
hospitais, justamente por problema de acesso. Essa questão não pode ser resolvida
de alguma forma? É um problema que ainda teremos de resolver e ver como isso
acontece na prática, considerando, também, que em um parto hospitalar existe
aquilo que chamamos de cascata de intervenções. À medida que vamos intervindo,
vamos aumentando o risco. À medida que deixamos de intervir, diminui-se o risco de
necessidade de intervenção. Como é que isso acontece? Na prática teremos de
experimentar e ver como.
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Repetindo, a evidência internacional é que não há diferença de risco entre
esses locais de parto. Qual a realidade brasileira? Ainda não temos evidência local.
Por isso é tão importante que estudemos.
Quero referir-me a algo que a Maria José de Araújo disse, que é o parto sem
distocia, que está relacionada à evolução do parto. O conceito mais amplo seria o
baixo risco sem distocia, talvez. Pode ser um parto sem distocia e de alto risco, até
para efeito propriamente de uma questão técnica. Por que isso? Porque quanto
melhor você tria quem vai para a casa de parto, melhor você previne que a mulher
tenha de ser encaminhada para outro serviço.
Essa questão ainda está em aberto. A evidência internacional é que não tem
diferença com relação à segurança, mas no caso brasileiro temos de ver como
funciona, considerando tudo isso que a nobre Deputada Jandira Feghali disse,
porque temos grandes dificuldades de referência, de central de vaga, tudo isso na
estrutura hospitalar. Como vai funcionar na casa de parto? Isso vai dificultar ou
ajudar? Ainda é uma pergunta que teremos de responder.
Por exemplo, muitas mulheres que têm evolução de parto normal
simplesmente não chegam a leito nenhum. Outro exemplo: se elas chegassem a
uma casa de parto isso facilitaria a vida delas? É uma das questões apresentadas.
As preocupações abordadas são muito legítimas e não podemos deixar de tratá-las.
Devemos abordá-las da maneira mais séria possível, porque a preocupação
principal das mulheres e dos bebês é a segurança.
As casas de parto estão localizadas principalmente nas áreas populares onde
existem maiores déficits de leito. A concentração de leito por área, do ponto de vista
financeiro, em São Paulo, é gritante. Temos uma pletora, uma saturação enorme de
leitos nas áreas mais ricas. Há uma área na Zona Leste de São Paulo, de quase 3
milhões de pessoas, que não tinha um único leito de obstetrícia.
(Intervenção inaudível.)
A SRA. SIMONE DINIZ - É, pode ser também. E temos um paradoxo muito
interessante. A medicina baseada em evidência e desincorporação de tecnologia
danosa reduz custos. Esse ponto tem de estar presente nesses estudos que
teremos de fazer daqui para a frente.
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Sobre a responsabilidade legal em relação à morte da paciente, no caso da
Casa de Maria eles têm seguido a legislação que o Ministério tem feito. O diretor,
que é médico, disse: “Olha, há responsabilidade”. Aí fico tranqüila, porque a
enfermeira tem responsabilidade legal, pelo menos, mas acho que há várias
questões em aberto ainda por definir.
Por isso, remeto essa questão para a Sra. Maria José de Araújo, que,
certamente, tem melhores condições que eu para respondê-la.
A nobre Deputada Jandira Feghali fez uma pergunta muito importante: qual o
problema de ter um médico e um centro cirúrgico na casa de parto? Essa é outra
questão muito importante. Temos de distinguir o que são as questões de mercado
profissional e quais são as necessidades das mulheres.
(Intervenção inaudível.)
A SRA. SIMONE DINIZ - Também vou falar sobre isso, porque sei que sua
preocupação é muito voltada para esse ponto. Para as mulheres, tanto faz quem faz
e onde faz. Elas estão preocupadas com o que é feito e por que é feito. Ou seja, o
procedimento tem indicação.
É muito mais, como tentei expor, uma questão de modelo de assistência do
que qualquer coisa. Não há incompatibilidade em ter esses profissionais e até
mesmo centro cirúrgico disponível em várias situações. A Casa de Maria, por
exemplo, é muito feliz. Se as casas de parto ficarem, talvez, como anexo dos
hospitais, mas se nelas as enfermeiras tiverem autonomia e estiverem do lado,
talvez seja um modelo muito bom. Mas, ao mesmo tempo, não temos elementos
para afirmar que a casa de parto que esteja a 18 quilômetros do hospital implique
mais risco, porque não temos elementos para isso ainda. Por isso, é muito
importante levantar essa questão.
De qualquer forma, o modelo da casa de parto no quintal é o que temos para
implementar agora, sem dúvida alguma. Também fundamental neste debate, e
desejo insistir nisto, é que o hospital tem de mudar. Concordo com o Dr. Pedro
Paulo quando diz que a mudança no modelo tem de passar pelo hospital, não pode
ser um monopólio da casa de parto. A casa de parto está funcionando como uma
vanguarda baseada em evidência. Também concordo quando ele pergunta por que
o atendimento humanizado tem de ser prerrogativa da casa de parto. O médico deve
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aprender a receber o acompanhante, a lidar com ele, tem de entender que existem
indicações de episiotomia — pelos estudos, a principal é períneo rígido por
episiotomia anterior. Ou seja, se fazemos menos episiotomia agora, no futuro vamos
precisar menos ainda. Quem defende a episiotomia considera que ela deve ser feita
apenas em 10% a 15% dos casos.
Ou seja, como médicos, temos de aprender a não intervir
desnecessariamente. Como neonatologistas, temos de aprender a não seqüestrar
os bebês, como aprendemos a fazer como se fosse correto. Ao se seqüestrar o
bebê, impede-se o contato precoce com a mãe. Como nós, profissionais,
aprendemos a desaprender? Aprendemos a intervir com base no juízo clínico, caso
a caso, e não como rotina. Esse é um grande desafio para nós todos. Por isso as
casas de parto, como modelo diferente, são uma provocação aos hospitais e à
mudança. O hospital também deve ter equipe interdisciplinar, inclusive com
enfermeiras obstétricas, com autonomia, menos intervenção, menos aceleração de
parto. Não há motivo de colocar soro em todas as mulheres, muito menos de elas
ficarem confinadas ao leito; elas devem ter liberdade de movimento. Então, a casa
de parto deve funcionar também como motor de mudança do hospital.
Nesse sentido, não vejo contradição em ser médico na casa de parto. Ao
mesmo tempo, não podemos afirmar que a casa de parto sem médico é mais ou
menos segura. Isso é algo que teremos de experimentar.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Jandira Feghali) - Peço licença para
aparteá-la. Por exemplo, foi citado alguém que está no Acre há não sei quantos dias
em um hospital. Nesse caso, em particular, do ponto de vista do critério, se a casa
de parto não tiver um médico no centro cirúrgico, como se faz?
A SRA. SIMONE DINIZ - Nesse caso?
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Jandira Feghali) - Estou dando um exemplo
concreto. A realidade brasileira é plural.
A SRA. SIMONE DINIZ - Sem dúvida. Nesse caso, temos de pensar em
termos de hierarquia. Aí deveria realmente haver até um hospital de referência para
aquela população que incluísse várias modalidades, até uma casa de parto no
quintal. Inclusive associado com a idéia da casa de passagem, que é especialmente
indicada nesses casos. Por exemplo, uma mulher com 8 meses de gravidez, que
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está com hipertensão ou risco de parto prematuro, em vez de ser internada e fazer
uma cesária desnecessária, fica lá esperando o trabalho de parto. É muito mais
saudável para ela, para a criança, enfim, até para o sistema, porque fica mais
barato. Precisamos estudar como isso fica do ponto de vista de custos.
São realidades diferentes e desafios novos com os quais temos de aprender,
considerando a realidade brasileira e o compromisso da implementação do SUS.
Temos exemplos de outros países que mostram que não há diferença de segurança.
Como isso funciona na realidade brasileira? Tenho tendência em pensar que seria
mais seguro ainda por causa do nível de intervenção desnecessária no caso
brasileiro. Então, compensatoriamente, valeria a pena. Mas é isso que acontece na
prática?
Por isso os estudos operacionais e colaborativos de vários centros são
fundamentais para podermos conciliar hospital e casa de parto. Por exemplo, casa
de parto no quintal do hospital e fora do hospital, morbidade e mortalidade é a única
maneira de responder nossas perguntas. Devemos estudar como isso acontece na
prática. Sabemos que em outros países não há diferença de segurança. E no caso
brasileiro? Eis a questão.
(Intervenção inaudível.)
A SRA. SIMONE DINIZ - Eu não sei lhe responder.
Mais uma vez, agradeço muitíssimo o convite. Infelizmente tenho de sair
daqui a pouco, por causa do meu vôo, mas digo a todos que me senti muito honrada
em estar nesta audiência pública.
Muito obrigada.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Jandira Feghali) - Dra. Simone, agradeço a
V.Sa. a presença e a colaboração fundamentais para a audiência pública desta
Comissão.
É bastante importante ouvi-la. Nossa reunião está sendo taquigrafada e será
transcrita. Vamos ver como trabalhar esta audiência pública para envolver a Casa e
todos de fora também.
A SRA. SIMONE DINIZ - Aproveito a oportunidade para convidar todos a
participar do II Congresso Internacional de Ecologia do Parto e Nascimento, no Rio
de Janeiro, nos dias 27 a 30 de maio. Será um maravilhoso encontro para discutir a
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experiência de humanização do parto, inclusive o Centro de Partos Normais. Os
interessados podem consultar o site www.partoecologico.com.br, para melhor
informação.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Jandira Feghali) - Concedo a palavra à Dra.
Maria José de Araújo.
A SRA. MARIA JOSÉ DE ARAÚJO - Inicialmente, vou dar algumas
informações. No dia 28 de maio do ano passado, o Ministro lançou portaria que
transformou em compulsória a notificação da mortalidade materna.
(Não identificado) - Qual o número da portaria?
A SRA. MARIA JOSÉ DE ARAÚJO - Não sei de cabeça o número da
portaria, porque são muitas, mas se me informar seu telefone posso lhe dizer. Há
instrumento junto à Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde.
Essa portaria foi extremamente importante, porque obriga o Sistema Único de
Saúde a trabalhar nesse sentido. Toda morte materna tem de ser obrigatoriamente
notificada. Consideramos isso um avanço. Já estamos trabalhando na definição do
instrumento com os Comitês de Mortalidade Materna dos Estados, Municípios e
regiões.
Em relação às casas de gestantes, há vários nomes, mas a que conheço
profundamente é a Maternidade Vila Nova Cachoeirinha, em São Paulo, Capital,
onde há uma casa em que ficam gestantes de risco. Como muitas gestantes não
têm dinheiro para voltar para casa nem para pagar um táxi até o hospital, elas ficam
internadas numa casa perto do hospital. Lá elas têm uma série de atividades, como
consulta médica. Cotidianamente são observadas até que possam voltar para casa.
Esse projeto é bastante interessante e está incluído na proposta do Pacto de
Redução da Mortalidade Materna. Essa a maternidade que melhor conheço, porque
fui gestora municipal, e tive experiência extremamente positiva.
Quanto à questão de se ter um profissional médico no Centro de Parto
Normal, a portaria do Ministério da Saúde deixa a escolha para a casa de parto, que
é o gestor municipal, o Secretário Municipal de saúde, seus assessores e
coordenadores. Porém, temos de ter cuidado para o profissional médico não mudar
o modelo da casa de parto. Deve haver essa garantia, que está clara na portaria do
Ministério. Aquele Centro de Parto Normal não pode funcionar se não tiver, por
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - Ano da MulherComissão Especial - Ano da MulherNúmero: 0393/04 Data: 27/4/2004
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exemplo, uma equipe mínima, ou seja, uma enfermeira obstétrica treinada,
capacitada, diplomada. Mas o Centro de Parto Normal está aberto para um desses
médicos. Creio que depende de uma decisão local. Temos de garantir que esse
modelo não seja modificado, que não entrem todas as episiotomias, as lavagens, a
falta do acompanhante e todos os outros procedimentos que costumamos encontrar
nos hospitais.
Em relação à referência e contra-referência, a Deputada aborda um ponto
fundamental. Realmente o Centro de Parto Normal tem de ter essa questões bem
claras, porque nós, do Ministério, estamos lançando o Pacto de Redução da
Mortalidade Materna. Esse é nosso importante compromisso. É preciso dinheiro, é
preciso seguir critérios definidos, haver acompanhante no hospital para as mulheres,
número “x” ou “y” de mortalidade, além de boas práticas. Para isso, o Ministério
capacitará, a partir de julho, a principal maternidade de todas as capitais brasileiras,
nas práticas da boa medicina baseada em evidência. Então, o Ministério está
investindo pesado nessa questão, além do que ele já paga pelos procedimentos. O
Ministério não tem nenhuma intenção de colocar as mulheres em situação de
vulnerabilidade. Vamos ter de chegar a um consenso, o que é melhor do ponto de
vista científico para elas.
Em relação à questão da contra-referência do transporte, nos Municípios
acima de 100 mil habitantes, o Ministério tem o chamado Projeto SAMU — Serviços
de Atendimento Móvel de Urgência, sistema de urgência e emergência bastante
caro, que custa 800 mil reais ao Ministério da Saúde, e foi implementado em 20
capitais brasileiras. Na Portaria do SAMU, as urgências e emergências obstétricas,
ginecológicas e pediátricas são inovadoras. Então, o Ministério está repassando
dinheiro, controlando e observando se os Municípios cumprem a portaria. Quanto ao
Município do Rio de Janeiro, não tenho muita certeza, mas li ontem que ele também
está incluído. Consta nesse sistema de regulação a atenção obstétrica de urgência e
emergência. Pela primeira vez isso foi editado numa portaria. Por isso passamos
essas informações para o Legislativo cobrar esses atendimentos do Secretário de
Saúde.
Para finalizar, não há critério econômico na implementação dos Centros de
Parto. O critério é do gestor local. Existe Centros de Parto Normal em São Paulo,
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Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Juiz de Fora, Vitória da Conquista, Recife e
Fortaleza.
Em relação à afirmação de que a mortalidade materna não ser critério de
avaliação da assistência, discordo do Dr. Pablo. Não sou eu que digo isto. A
OMS/OPS há muito tem um projeto de maternidade segura, que inclui a redução da
mortalidade materna. É o Cuidado Obstétrico Essencial — COE, que inclui
procedimentos experimentados pela OMS por meio de pesquisas da OPS, e que
está lançando na América Latina os cuidados obstétricos baseados em evidência na
Medicina. Sou estudiosa desse tema e creio que o índice de morte materna é o
tradutor da assistência obstétrica. Tenho certeza do que estou dizendo, até porque
isso está mais do que provado. E concordo com o Dr. Pablo quando disse que isso
mede, na verdade, o status das mulheres. A mortalidade materna neste País só
atinge mulheres que recebem até 2 salários mínimos. Não tenho dúvida alguma de
que essa é uma injustiça social. Dessa forma, o Ministério da Saúde está agindo.
Por isso é que ele está investindo tão pesado nessa questão. (Palmas.)
Era o que tinha a dizer.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Jandira Feghali) - Agradeço à Dra. Maria
José a colaboração.
Registro a presença do Deputado Rafael Guerra, Presidente da Frente
Parlamentar de Saúde, que convido, de público, para comparecer à abertura do
Fique Sabendo, a ser realizado amanhã, sobre o Teste AIDS, no Espaço Mário
Covas, na entrada do Anexo II. Importante questão que serve de estímulo ao
diagnóstico da AIDS, principalmente em mulheres.
Concedo a palavra ao Dr. Pedro Pablo Magalhães Chacel.
O SR. PEDRO PABLO MAGALHÃES CHACEL - Todas as casas de parto
criadas nas grandes cidades brasileiras estão localizadas nas regiões mais pobres.
Não há como negar que elas não têm médico. A meu ver, deveriam ter. Nós,
Conselho Federal de Medicina, não concordamos com essas casas de parto, sem
médico, muitas vezes em locais distantes de um hospital de referência.
Concordamos, sim, com muitas das atitudes da casa de parto. Uma coisa é
casa de parto, outra é a atitude com que se trabalha nela.
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A SRA. PRESIDENTA (Deputada Jandira Feghali) - Sr. Pedro Pablo Chacel,
desculpe-me interrompê-lo. Seria importante saber se há posição oficial do Conselho
Federal de Medicina sobre a casa de parto ou se é uma discussão ainda em
processo, sobre qual é e como ela deve ser. Há posição formal, contrária ou a favor?
O SR. PEDRO PABLO MAGALHÃES CHACEL - Há posição que não admite
equipes de saúde sem médico. Especificamente em relação ao tema casa de parto,
não, mas já fica englobado.
Algumas coisas são válidas. Não há por que não levar para dentro dos
hospitais. Todo processo de aprendizado e de mudança é lento, mas tem de ser
feito e pode ser feito.
Muitas idéias da casa de parto podem ser levadas para o sistema obstétrico
tradicional. Não tenho nada contra isso.
Existe relação entre a mortalidade materna e a assistência. Existe, sim,
doutora, com a assistência não dada, porque o Estado não dá assistência. Então,
chama-se ausência de Estado, falta de assistência, sinal de injustiça social. É um
sinal de que nem tudo está à disposição de todos. Essa é uma verdade.
Com relação aos Comitês de Mortalidade Materna, é obrigatória a notificação.
Vou falar da minha experiência. Esta cidade tinha um Comitê de Mortalidade
Materna, cujo Presidente era o representante do Conselho Regional de Medicina. Eu
era o representante e, por conseguinte, o Presidente do Comitê. Fizemos importante
pesquisa e íamos a todos os hospitais onde morriam mulheres de 15 a 49 anos,
para tentar identificar se se tratava de mortalidade materna ou não. E houve muito
pouca ajuda dos diretores desses hospitais, porque havia 30 mortos por ano em
toda a cidade. Então, quantitativamente, isso não chamava a atenção dos diretores
dos hospitais, diante, por exemplo, das mortes por acidente de trânsito.
Qualitativamente, era algo trágico, mas não tivemos ajuda.
Por que há muita subnotificação? Por exemplo, o que é morte materna? É
aquela que ocorre durante a gestação, o parto e o puerpério ou pós-parto. Muitas
eram conseqüência de aborto. As mulheres iam para casa, depois iam parar no
hospital e morriam por infecção. E não se concluía que aquilo tinha sido uma morte
materna. A subnotificação existe, e é muito difícil se chegar a ela. Muitas vezes, a
paciente vai para terapia intensiva com quadro de choque séptico, e o médico trata
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aquilo como choque séptico e não como mortalidade materna. Então, muitas vezes
isso se perde.
Com relação à história de dar palmada no menino que nasce — não tem nada
a ver com assunto de que estamos tratando —, a verdade é a seguinte:
tradicionalmente, vemos a criança segura pelo pé, de cabeça para baixo. Isso é um
absurdo! É uma manobra (ininteligível), que há mais de 50 anos não se faz mais.
Isso causava luxação coxofemoral congênita. É algo absolutamente condenável.
Mas é o exemplo típico de como um médico segura o bebê recém-nascido. E aquele
tapa também não tem o menor sentido. Na realidade, num parto normal, quando a
cabeça sai, o médico puxa a criança. Basta ele não puxar a criança, porque a
criança vai saindo devagarzinho, vai comprimindo o tórax, e ela vai cuspir tudo o que
tiver de cuspir, sem ter de mexer nela. É muito simples. Mas são coisas tradicionais,
difíceis de se reverter.
Em linhas gerais, apresentei nossa posição. Somos favoráveis a muitas das
atitudes tomadas nas casas de parto, mas entendemos que a assistência médica é
um avanço que trouxe diminuição de mortalidade e de morbidade, e, quando se fala
em humanização, é preciso ter na cabeça que também se humaniza dando os
recursos às pessoas que precisam e não só às que os têm.
Era o que tinha a dizer.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Jandira Feghali) - Obrigada, Dr. Pedro
Pablo Magalhães Chacel. A meu ver, todas as perguntas foram respondidas.
Vamos informar os gabinetes, por meio de e-mail — espero que não apaguem
as mensagens de novo, pois já estou repetindo o comunicado pela quarta vez —,
que realizaremos reunião na quinta-feira, às 9h, com a Relatora, Deputada Rose de
Freitas, e as sub-relatorias.
(Não identificado) - Não poderíamos chegar a um acordo sobre o horário?
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Jandira Feghali) - Podemos até chegar a
um acordo sobre o horário, mas, em tese, vamos nos reunir na quinta-feira pela
manhã, para, na próxima reunião da Comissão, apresentar sistematizadamente a
indicação da relatoria para as prioridades encontradas nos projetos, tanto para
aprovar quanto para rejeitar, pelo conteúdo, pela formulação, além de sugestões de
políticas públicas que possam surgir.
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(Não identificado) - Seria uma reunião preliminar?
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Jandira Feghali) - Sim. Reunião preliminar,
que pode se completar antes da sessão de terça-feira à tarde, quando haverá
audiência pública com o Ministro da Saúde sobre o pacto de redução da mortalidade
materna.
(Intervenção inaudível.)
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Jandira Feghali) - Desculpem-me, é quarta-
feira. Então, os senhores ainda têm a terça-feira para completar a reunião da Sub-
Relatoria. Podemos nos reunir na quinta-feira e concluir na terça-feira.
Peço que não saiam, porque vou rapidamente aprovar alguns requerimentos.
Agradeço à Dra. Maria José de Araújo e ao Dr. Chacel as presenças e as
contribuições. Certamente faremos bom uso político do resultado desta audiência
pública.
Sobre a mesa 3 requerimentos.
Requerimento de autoria desta Deputada, que requer a realização de um
seminário internacional sobre o tema Mulher e Poder, a ser realizado na Câmara dos
Deputados, no dia 15 de junho, tendo em vista o ano eleitoral e o corte de gênero
nesse debate.
Está em discussão.
Não havendo oradores inscritos, declaro encerrada a discussão.
Em votação.
Aqueles que o aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovado.
Requerimento das Deputadas Perpétua Almeida e Vanessa Grazziotin, que
requer da Comissão, ouvido o Plenário, obviamente, sejam convidadas as
representantes da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia
Brasileira, Sra. Rosimeire Maria Vieira Teles; da União das Nações Indígenas, Sra.
Miralda da Silva Lopes Apurinã; do Grupo de Trabalhadoras da Amazônia, Sra.
Maria Araújo de Aquino; da Rede Acreana de Homens e Mulheres, Sra. Amine
Carvalho Santana; e da Secretaria Estadual de Planejamento do Estado do Amapá,
Sra. Ely da Silva Almeida, para audiência pública nesta Comissão.
Em discussão.
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Não havendo oradores inscritos, declaro encerrada a discussão.
Em votação.
Aqueles que o aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovado.
Requerimento que acrescenta convidada para o Seminário Feminização da
Pobreza — Emprego e Renda, a ser realizado no dia 18 de maio: a Dra. Ana Lúcia
Sabóia, da Coordenação de População e Indicadores Sociais da Diretoria de
Pesquisa do IBGE, que acaba de publicar um grande censo sobre a questão da
mulher e trabalho.
Em discussão.
Não havendo oradores inscritos, declaro encerrada a discussão.
Em votação.
Aqueles que o aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovado.
Agradeço a todos a presença, lembrando que amanhã haverá a abertura do
Fique Sabendo, às 10 horas, antes do início dos trabalhos das Comissões. Também
amanhã, às 13h30min, faremos a foto da bancada feminina no plenário.
Quem ainda não gravou a mensagem sobre a violência, o prazo é amanhã
para entregar à Fátima, Secretária da Comissão, a fim de que a TV Câmara comece
a fazer as inserções publicitárias de 10 segundos por Parlamentar.
Amanhã teremos atividade na Comissão e, na próxima semana, audiência
pública com o Ministro da Saúde, Humberto Costa, sobre a redução do impacto da
mortalidade materna.
Nada mais havendo a tratar, declaro encerrados os trabalhos da presente
reunião.
Está encerrada a reunião.