DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · Os Estados Unidos, sozinhos, na condição...

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CÂMARA DOS DEPUTADOS DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES TEXTO COM REDAÇÃO FINAL COMISSÃO ESPECIAL - ALCA EVENTO: Audiência Pública N°: 0396/04 DATA: 27/4/2004 INÍCIO: 15h07min TÉRMINO: 17h36min DURAÇÃO: 02h29min TEMPO DE GRAVAÇÃO: 02h48min PÁGINAS: 53 QUARTOS: 30 DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO MARCOS DOMAKOSKI - Presidente da Associação Comercial do Estado do Paraná. MARCOS SAWAYA JANK - Presidente do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais — ICONE. SUMÁRIO: Debate sobre os impactos no Brasil da implementação da ALCA. OBSERVAÇÕES Houve exibição de imagens. Há intervenções fora do microfone. Inaudíveis. Há oradores não identificados.

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CÂMARA DOS DEPUTADOS

DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO

NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES

TEXTO COM REDAÇÃO FINAL

COMISSÃO ESPECIAL - ALCAEVENTO: Audiência Pública N°: 0396/04 DATA: 27/4/2004INÍCIO: 15h07min TÉRMINO: 17h36min DURAÇÃO: 02h29minTEMPO DE GRAVAÇÃO: 02h48min PÁGINAS: 53 QUARTOS: 30

DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO

MARCOS DOMAKOSKI - Presidente da Associação Comercial do Estado do Paraná.MARCOS SAWAYA JANK - Presidente do Instituto de Estudos do Comércio e NegociaçõesInternacionais — ICONE.

SUMÁRIO: Debate sobre os impactos no Brasil da implementação da ALCA.

OBSERVAÇÕES

Houve exibição de imagens.Há intervenções fora do microfone. Inaudíveis.Há oradores não identificados.

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004

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O SR. PRESIDENTE (Deputado Edson Ezequiel) - Havendo número

regimental, declaro abertos os trabalhos da 9ª reunião da Comissão Especial

destinada ao acompanhamento das negociações da ALCA, a Área de Livre

Comércio das Américas.

Encontram-se sobre as bancadas cópias da ata da 8ª reunião.

O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE - Sr. Presidente, solicito a dispensa da

leitura da ata da reunião anterior.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Edson Ezequiel) - A solicitação de V.Exa.

será atendida, nobre Deputado, desde que não haja objeção. (Pausa.)

Em discussão a ata. (Pausa.)

Não havendo quem queira discutir, em votação.

Os Deputados que a aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)

Aprovada.

Peço a atenção dos presentes para as normas regimentais estabelecidas

para as reuniões de audiência pública.

O tempo concedido a cada palestrante será de 20 minutos, durante os quais

não poderá ser aparteado. Naturalmente, seremos generosos no cômputo desses 20

minutos. Como todos queremos absorver as informações dos convidados,

obviamente uma certa condescendência será considerada. Os 20 minutos a que me

refiro são o prazo regimental.

Os Deputados interessados em interpelar os convidados poderão se inscrever

junto à Secretaria da Comissão. S.Exas. têm direito a réplica e a tréplica, no mesmo

prazo da resposta dada pelo convidado.

Observo que ausência do Deputado José Thomaz Nonô, Presidente desta

Comissão, se dá por causa de seu deslocamento para uma missão fora desta Casa.

Por sua vez, a Deputada Maninha, nossa Relatora, recebe neste momento uma

delegação de Parlamentares do Canadá.

Dito isso, concedo a palavra ao Sr. Marcos Domakoski, Presidente da

Associação Comercial do Estado do Paraná.

O SR. MARCOS DOMAKOSKI - Boa-tarde, Exmo. Sr. Presidente, Deputado

Edson Ezequiel, e demais componentes desta Comissão Especial presentes neste

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recinto. Ao saudar a Deputada Dra. Clair, representante do meu Estado neste

plenário, cumprimento todos os Deputados que aqui se encontram.

Agradeço, Sr. Presidente, o privilégio de ser convidado para participar de um

debate genuíno que, ao incluir a sociedade civil, expressa a sensibilidade dos

Parlamentares acerca do ideal democrático de que o Governo não tem mandato

para realizar acordos internacionais que firam a nossa soberania. É muito claro para

nós que o Governo Lula resgatou a idéia de soberania, e a política externa por ele

implementada é reflexo expressivo disso.

No que diz respeito à globalização, o nosso País está entrando pela porta da

frente, quando incomoda os americanos ao conseguir desenvolver tecnologia

própria para o enriquecimento do urânio e não abre mão dos seus segredos

estratégicos; quando, na concorrência para a compra de caças supersônicos para a

FAB, busca fortalecer a indústria nacional, como a EMBRAER, e rejeita

equipamentos que não garantem transferência tecnológica; quando se posiciona

contrariamente à guerra do Iraque; quando, na área espacial, aproxima-se dos

russos e dos ucranianos nos lançamentos da Base de Alcântara e para a construção

de foguetes. Também incomodamos os americanos quando propomos uma ALCA

menos abrangente do que a proposta por Washington.

(Segue-se exibição de imagens.)

Mas o que é a ALCA? Para defini-la, vou me apropriar das palavras de

Ricupero: “Nada é mais difícil do que falar sobre um projeto que poderá nunca sair

do papel”. É diferente quando se analisam entidades já existentes, como a NAFTA

ou o MERCOSUL.

No caso da ALCA, o que temos diante de nós é proposta que originou um

processo de negociação ainda não concluído, de futuro incerto. A proposta de

incentivar o livre comércio entre as nações é tentadora. Porém, falar em livre

comércio no momento em que os Estados Unidos reforçam a sua política

protecionista soa da seguinte maneira: “faça o que eu digo, mas não faça o que eu

faço”.

É importante, pois, deixar de lado qualquer tipo de romantismo ingênuo e

entender que a ALCA poderá representar um marco jurídico que dará legalidade à

liberdade de ação para as 500 maiores empresas americanas, ou seja, pode

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representar a ampliação do domínio do capital, contrariando os interesses da nossa

economia.

Vários estudos, ao afirmarem que é impossível existir comércio justo entre

países com diferenças tão gritantes, fundamentam estas palavras de Osvaldo

Martínez, Diretor do Centro de Investigações da Economia Mundial: “Numa primeira

aproximação, a ALCA é um projeto de integração entre o tubarão e as sardinhas”.

Os Estados Unidos, sozinhos, na condição de potência hegemônica mundial,

controlam 80% do PIB do continente, enquanto o Brasil detém cerca de 5%. Diante

de tamanha assimetria, a tendência natural é a de que os Estados Unidos engulam a

economia latino-americana, causando falências de empresas, demissões em massa

e aumento da miséria, o que, no nosso entendimento, agravaria os já alarmantes

índices divulgados pelo IBGE acerca de capacidade ociosa, em termos de falência, e

principalmente em relação à miséria.

Entendo que a ALCA cristaliza vários pesadelos, mas acho que não adianta

apenas ficarmos afirmando que o nosso concorrente é perigoso. Considero urgente

construirmos gaiolas apropriadas para pegar tubarões. Penso que a melhor

abordagem do problema seria através da tentativa de diagnóstico.

Pois bem. Vamos à realidade: a ALCA colocaria em confronto direto, ainda

que gradualmente, as megaempresas multinacionais americanas e as empresas

brasileiras, dentro das seguintes condições. (Pausa.)

Peço escusas aos presentes, pois eu gostaria de mostrar uma lâmina que

sintetiza os principais pontos que abordarei neste diagnóstico, o que não será

possível. Tentarei improvisar, lendo o texto e depois discorrendo sobre cada um dos

6 pontos que mencionarei no diagnóstico.

O primeiro deles é uma constatação: o Brasil exibe alto grau de

vulnerabilidade externa, possui estrangulante dívida e sente o recrudescimento de

tensões populares.

Com base nessa afirmação, tecerei alguns comentários. Por exemplo: quanto

ao superávit primário de 4,25%, ainda nesta semana foi anunciado um novo recorde.

Na verdade, tal superávit não permite que o Governo faça investimentos em infra-

estrutura, tão necessários para dar competitividade ao nosso País. Não permite

também eficientes políticas setoriais, industriais e tecnológicas.

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O montante de juros da dívida pago em 2003 é de 145 bilhões de reais, o que

equivale a aproximadamente 275 mil reais de juros por minuto.

Os investimentos em setores de infra-estrutura e indústria de base caíram

significativamente no ano passado: foram 50% menores.

A nossa balança comercial, estruturalmente superavitária, na verdade

depende muito mais do crescimento da China do que propriamente do êxito de

políticas adotadas internamente.

E ainda o próprio FMI revela que a taxa de crescimento do Brasil será menor

do que a média mundial nos próximos anos. Para 2004, a instituição projeta para o

País crescimento de 3,5%. No mesmo período, os Estados Unidos devem crescer

4,6%. E nós ficaremos ainda atrás da Argentina, que deverá crescer 5,5%, e da

África, com crescimento de 4,2%.

Talvez valha a pena tentarmos justificar o relatório da ONU, segundo o qual a

grande maioria dos povos sul-americanos prefeririam a ditadura com direitos

assegurados à democracia.

Para entender tal afirmativa, devemos observar que a democracia é

composta, entre outros pilares, pelos direitos civis e sociais, e que um grande

percentual da nossa população não tem assegurados os seus direitos sociais: não

tem trabalho, educação, salário justo. Como esse percentual é muito grande, tal

situação começa a pôr em risco os direitos civis, como o direito à propriedade, o

direito de ir e vir etc. Portanto, à luz da inexistência de direitos civis e sociais, quem

sabe o povo se sinta fracassado com a democracia e tenha saudades dos regimes

de força, desde que tenha assegurados os seus direitos?

Eu acho uma lástima e uma temeridade tal situação, mas é o que pode

ocorrer.

O segundo ponto, dentro do nosso diagnóstico, seria a diferença de níveis de

competitividade entre as empresas brasileiras e as americanas, os quais são hoje,

em média, de 2 a 3 vezes inferiores para as empresas brasileiras. E a

competitividade entre elas é desestimulada para as empresas brasileiras

basicamente pelos entraves sistêmicos que nós conhecemos. O principal deles

certamente é a carga tributária. O Brasil está em quarto lugar no ranking mundial,

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com 36,11% do PIB. E há estudos do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário

que revelam que neste ano tal índice deve aumentar 1,2%.

Além da carga tributária, há a burocracia e a corrupção, altamente

entrelaçadas e que também nos garantem vergonhosos lugares nos rankings

mundiais. Representam o Custo Brasil oculto, que, por sua própria natureza, ainda

não pôde ser medido. Lembro a V.Exas. que um estudo da Transparência Brasil

mostra que a diminuição de 10% nos índices de corrupção no Brasil poderia elevar a

renda per capita em até 3 mil dólares num horizonte de 20 anos. Nos Estados

Unidos, o Governo respondeu ao escândalo da Enron com rigorosa legislação.

O terceiro ponto do diagnóstico é a ausência de proposta de tratamento

diferenciado entre Brasil e Estados Unidos, cujo PIB é 10 vezes superior ao nosso.

Vamos reviver o que ocorreu na União Européia com a entrada da Grécia, da

Espanha e de Portugal.

O quarto item, nessa seqüência, é a impossibilidade de movimentação de

mão-de-obra no hemisfério.

O quinto item é a não-subscrição dos Estados Unidos ao Protocolo de Kyoto.

O sexto ponto diz respeito ao fato de o Congresso americano não negociar a

legislação sobre produtos agrícolas, para que as empresas brasileiras tenham real

acesso ao mercado americano. Ao contrário disso, mantém fortemente os subsídios

e a legislação antidumping.

Após mencionar esses 6 pontos do diagnóstico, voltarei agora ao tema inicial

da minha exposição.

A ALCA colocaria em confronto direto, ainda que gradualmente, as

megaempresas americanas e as empresas brasileiras. Mesmo que algumas

empresas brasileiras conseguissem sobreviver à competição e até aumentar as suas

exportações, no conjunto, as megaempresas americanas levariam vantagem nos

Estados Unidos, no Brasil e na América do Sul, o que ampliaria a desindustrialização

e aumentaria o nosso déficit.

Inicialmente eu disse a V.Exas. que a ALCA pode representar a interação

entre tubarão e sardinhas. Isso é verdade, mas não adianta apenas criticar o nosso

concorrente; é necessário construir gaiolas para apanhar o tubarão.

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Na condição de Presidente da Associação Comercial do Paraná, entidade de

114 anos que congrega mais de 7 mil empresas, e aqui representando também a

Confederação das Associações Comerciais do Brasil — CACB, cujo Presidente é o

nosso amigo alagoano Luiz Otavio Gomes, eu aproveito a privilegiada ocasião para

defender a proteção das compras governamentais como condição de sobrevivência

no mar em que existe tubarão.

As compras públicas movimentam mercado que representa 10% do PIB e

envolvem especialmente pequenas e microempresas, intensivas em mão-de-obra.

No Brasil há quem diga não saber por que o Itamaraty insiste tanto em proteger

compras governamentais. Nos Estados Unidos, por outro lado, o mercado de

compras públicas representa 20% do PIB, sendo que as compras realizadas entre

2.500 e 100 mil dólares devem ser necessariamente realizadas junto aos pequenos

negócios. Por isso, no mercado americano os pequenos negócios representam um

quarto do total das compras do Governo.

Além disso, um conjunto de 3 programas, especialmente a Lei da Pequena

Empresa americana, determina restrições a compras públicas feitas fora do território

americano. No caso de produtos manufaturados, devem as empresas observar o

conteúdo nacional mínimo de 50% dos componentes envolvidos. Nas licitações de

maior valor, as empresas devem apresentar um programa de subcontratação junto a

pequenas empresas.

No nosso entendimento, é urgente a adoção, pelo nosso Governo, de

mecanismos que incentivem a pequena empresa. Tais mecanismos vão desde o

estímulo à formação de redes de cooperação e do apoio ao trabalho do SEBRAE à

preparação da Lei Geral da Microempresa e à adoção de agenda microeconômica

que se imponha principalmente sobre a resistência burocrática.

A simplificação e a redução da carga tributária das pequenas e

microempresas resultaram, no meu Estado, no aumento da arrecadação e no

incremento do PIB estadual. Ao passo que o PIB brasileiro caiu 0,2% em 2003, o do

Paraná cresceu 3,4%, graças à desoneração de pequenas e médias empresas e à

isenção do Cadastro Estadual para praticamente 140 mil empresas de um universo

de 180 mil existentes no Estado.

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Concluirei a minha exposição afirmando que, no meu entendimento, qualquer

discussão sobre os efeitos da ALCA tem como pressupostos a resolução de

entraves sistêmicos, tais como o regressivo e cumulativo sistema tributário e

principalmente a retomada do crescimento da economia, não apenas por meio da

mera redução de juros, mas também pela adoção de medidas específicas e sólidas

de apoio à produção e ao investimento, as quais devem, evidentemente, ser

conjugadas com políticas de geração de empregos e renda e de inclusão social.

Essas são, sem dúvida, tarefas árduas, mas, felizmente, nos dias de hoje

parece haver, por parte do Governo, dos empresários, dos trabalhadores e da classe

política em geral, a percepção de que uma nova rodada de liberalização não é

aventura inevitável e intrinsecamente benéfica e, sim, um risco que deve ser

enfrentado não com o simples isolamento internacional, mas com o planejamento e

a execução compartilhada de políticas de desenvolvimento econômico, pressuposto

básico da paz de uma verdadeira democracia.

Eram essas as considerações que tinha a fazer, Sr. Presidente.

Agradeço a oportunidade.

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - A Presidência

agradece ao Dr. Marcos Domakoski a sua participação.

O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE - Sr. Presidente, considerando que o

nosso convidado trouxe por escrito os textos que apresentou e as lâminas, peço a

V.Exa. que providencie a distribuição do material aos Deputados.

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Pois não, Deputado.

A Presidência determina à Secretaria que tire cópias do material e as distribua

aos Deputados.

Concedo a palavra ao Deputado Francisco Turra.

O SR. DEPUTADO FRANCISCO TURRA - (Intervenção fora do microfone.

Inaudível.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Muito obrigado. V.Exa.

é generoso.

Concedo a palavra ao Deputado Feu Rosa. (Pausa.)

O SR. DEPUTADO FEU ROSA - (Intervenção fora do microfone. Inaudível.)

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O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Não. V.Exa. sabe que

o espírito generoso do Deputado Ivan Valente não quer para si o monopólio da

sabedoria.

Concedo a palavra ao segundo palestrante de hoje, o Dr. Marcos Sawaya

Jank, Presidente do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais

— ICONE.

O tempo regulamentar de que dispõe V.Sa. é de 20 minutos, mas pode ser

estendido, a critério da Mesa. Fique à vontade. Nós estamos honrados em poder

ouvi-lo.

O SR. MARCOS SAWAYA JANK - Muito obrigado.

É uma satisfação enorme estar nesta tarde com V.Exas. Esta é a segunda

vez que venho ao Congresso. Na primeira falei sobre agronegócio para a Comissão

de Agricultura e hoje venho aqui para falar sobre ALCA.

Eu tenho longa experiência no acompanhamento dessas negociações, tarefa

a que me dedico desde 1996, quando, morando na Europa, tive a oportunidade de

acompanhar a Rodada do Uruguai. Depois, já de volta ao Brasil, fiz vários estudos

sobre o tema.

Sou Professor da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo e fiz

vários estudos sobre a integração do MERCOSUL. De 1995 em diante passei a

acompanhar o fantástico movimento que aconteceu com o agronegócio brasileiro e

que resultou hoje numa das agriculturas mais competitivas do mundo. Aliás, há que

se ressaltar que justamente hoje temos uma notícia muito boa a dar: a de que o

Brasil conseguiu avançar os seus pleitos no caso do algodão contra os subsídios

americanos. Acho que se trata de extraordinária notícia — talvez a mais importante

deste ano — na área da política comercial agrícola.

Tenho bastante experiência nisso, pois, na condição de funcionário do Banco

Interamericano de Desenvolvimento, estive por 3 anos nos Estados Unidos

acompanhando as negociações acerca da ALCA. Acompanhei a linha de frente de

tais tratativas e vi todos os problemas que tem a ALCA. Desde o ano passado estou

presidindo esse novo instituto, hoje mantido por entidades exportadoras brasileiras

da indústria e da agricultura.

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Procurarei trazer para V.Exas. a experiência de quem viveu esse processo de

negociações, de quem vive isso há cerca de 15 anos.

(Segue-se exibição de imagens.)

Em primeiro lugar, vou, obviamente, concentrar minha exposição na ALCA;

não vou me concentrar em agricultura apenas. Sempre se lança mão do argumento

de que a agricultura ganha. Todo o mundo está cansado de saber disso. Mas e

quanto ao que ocorre com o resto da economia? Por isso, procurarei falar da

margem que o Brasil tem para fazer as negociações andarem — falo de todas elas,

porque todas se baseiam nos mesmos temas. Na verdade, o que os Estados Unidos

demandam do Brasil é muito parecido com o que a Europa quer de nós e com o que

outros países desenvolvidos virão nos demandar, se nós viermos a negociar com

eles.

Vou apresentar alguns pontos de introdução.

O primeiro deles é algo que está relacionado com o nosso País. Existe uma

obsessão nacional com ALCA — na mídia, entre os empresários, no próprio

Congresso Nacional. Por exemplo, por que existe uma Comissão para tratar da

ALCA e não existe uma para tratar da OMC, já que estamos no meio de uma rodada

da maior importância, com grandes conseqüências sobre o nosso futuro? Por que

não existe uma discussão sobre o MERCOSUL? Por que não existe uma Comissão

sobre o MERCOSUL, que está enfrentando...

(Não identificado) - Existe.

O SR. MARCOS SAWAYA JANK - Ah, existe? Bom, pelo menos essa!

Por que alguns temas demandam mais atenção do que outros? E não é só

aqui na Câmara e no Congresso que isso ocorre. Na imprensa e no meio

empresarial, por exemplo, se fizermos uma palestra sobre a ALCA, contaremos com

a participação de 100 empresários; se o tema for a Europa, talvez tenhamos muito

menos ouvintes.

Isso ocorre porque existem grandes preocupações com relação à ALCA, as

quais talvez tenham a ver até com razões que extrapolam o que está sendo

negociado e digam respeito a percepções sobre a política americana etc.

Em segundo lugar, há que se considerar a existência de uma sensação de

que, se aderirmos à ALCA ou a qualquer outro processo integrativo, nós estaremos

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concedendo soberania, espaço para as empresas internacionais. Isso é, em grande

parte, falso, porque a legislação brasileira já garante às empresas estrangeiras uma

série de privilégios, inclusive em compras governamentais etc. Muitos benefícios já

estão na legislação, embora não os tenhamos concedido em mesa de negociação.

Há acordos assinados no passado, como o Acordo da Rodada do Uruguai,

que já fazem concessões. A abertura comercial trouxe modificações importantes.

Portanto, muita coisa já está em vigor hoje e garante espaço para concessão.

Quando se diz que não há espaço para desenvolver políticas industriais, por

exemplo, não é verdade, uma vez que a legislação já garante esse espaço hoje. E

eu vou explicar por que isso acontece.

O terceiro ponto é muito relevante: o Brasil comercializa pouco; está atrasado

na corrida de processos integrativos. Nós representamos apenas 1% do comércio

internacional. Exportações e importações juntas somam menos de 20% do nosso

PIB. Esse é um número muito baixo, se comparado com o de outros países. E 1%

do comércio não condiz com a nossa participação, por exemplo, em termos de PIB

mundial: nós somos 3% do PIB mundial; temos 3,5% da população mundial; temos

5,5% das áreas agricultáveis; temos 15,5% da água doce do mundo. Apesar disso,

repito, temos apenas 1% do comércio.

Portanto, estamos muito aquém no que diz respeito a outros índices

importantes. Estamos atrasados na corrida. Até hoje nós só criamos o MERCOSUL.

A ALADI está aí, enfrentando grandes problemas e até mesmo o risco de

desaparecer devido aos acordos bilaterais que estão sendo realizados. Portanto,

nós temos que apressar o nosso processo de integração ao mundo. Temos que

buscar esse caminho.

A China está, neste momento, negociando acordos com 10 países asiáticos; a

Europa já negociou mais de 40; os americanos, nos últimos anos, fizeram diversos.

Há mais de 250 acordos registrados hoje na OMC. E nós participamos de muito

pouco disso tudo. Muito pouco.

O próximo ponto: infelizmente, nós exportamos poucos produtos, os quais são

altamente protegidos no mundo afora, o que nos torna reféns de negociação. A

nossa eficiência em açúcar, laranja, carnes, siderurgia, calçados e têxteis nos torna

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reféns de negociações porque é nesses setores que estão as maiores proteções lá

fora.

Este é um ponto muito relevante. Não existe negociação isolada. Se a

negociação da ALCA desandar, a Europa não vai nos oferecer tanto quanto poderia,

porque a negociação com a União Européia foi muito reativa à realizada com a

ALCA. Ela aconteceu porque num dado momento as empresas européias se

sentiram ameaçadas pela ALCA e propuseram um acordo birregional, entre

MERCOSUL e União Européia. Se uma negociação fracassar, isso pode impactar as

outras.

Por isso, precisamos analisar as negociações no seu conjunto. São várias as

frentes existentes e cabe ao Governo Lula resolver aquilo que eu poderia chamar de

“o maior conjunto de negociações comerciais da história do Brasil”. Nunca houve, na

história brasileira, uma coincidência de negociações da magnitude que são a OMC,

a ALCA e o acordo com a União Européia.

Portanto, hoje estão sendo feitas, simultaneamente, negociações conectadas,

cujo resultado conjunto tem que ser considerado.

Próximo ponto: o impacto da liberalização. Há, no Brasil, um grande temor de

que a liberalização da ALCA afete profundamente a nossa economia. Na realidade,

a maior parte da liberalização já aconteceu durante os anos 90, quando a tarifa de

importação brasileira caiu de 60% para os atuais 12%.

O que existe hoje para ser negociado é muito menos do que o acordado no

passado. Refiro-me a qualquer frente em que estejamos, e não apenas à ALCA. Em

qualquer frente, a liberalização vai ser muito menos importante do que já foi.

Outro ponto muito relevante a ser considerado é que a integração e a

liberalização induzem à correção de políticas públicas. Muita gente diz que nós não

podemos negociar porque temos problemas, tais como o Custo Brasil, impostos

altos etc. Esses problemas existem há muito tempo. A integração é uma forma de

pressionar a sociedade para resolver os seus problemas, a fim de estar apta a

competir com mais eficiência.

As negociações envolvem barganhas. Sempre há barganhas. Sempre

existem trocas. E a política comercial, que é todo esse jogo das negociações, é um

jogo de tipo mercantilista. Os americanos, quando nos impõem a abertura na área

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de serviços ou de investimentos e se fecham no que diz respeito à agricultura, estão

seguindo a mesma regra que nós, pois se trata de regra única, que diz o seguinte:

os países são liberais naquilo em que são eficientes e protecionistas naquilo em que

não o são. Nós pedimos exatamente o contrário: não queremos abrir o setor de

serviços, mas queremos abrir o setor agrícola. E essa é a regra do jogo

mercantilista, conforme a qual se dá a negociação.

Não há como fugir disso. Mas é melhor fazer isso do que simplesmente não

fazer nada, porque, se nós não fizermos nada, outros países farão. Ao fazerem,

poderemos deslocar emprego, investimento e riqueza para outras regiões. Hoje

somos dependentes de negociação porque todo mundo está negociando com todo

mundo, e ficar fora do jogo pode custar mais caro do que participar dele.

Quais são as demandas? Não vou entrar muito na parte técnica, mas

basicamente somos hoje demandados na coluna que está lá. Somos demandados

em abertura dos bens industriais, serviços, investimentos, compras governamentais,

propriedade intelectual. Poderemos ser demandados cada vez mais em questões

trabalhistas e ambientais.

Essa é a nossa agenda em que os outros nos pedem coisas. Tanto faz se são

os Estados Unidos, se é a Europa, se é o Japão. Qualquer país que negociar

conosco no geral vai nos pedir aqui.

O que pedimos aos outros? Essencialmente temos uma agenda composta por

acesso a mercados, principalmente nos produtos que têm tarifas altíssimas, grande

parte deles agrícolas, mas não apenas, também têxteis e outros. Somos

demandantes na área de restrições sanitárias, que nos impedem a exportação; na

área de restrições técnicas; na área de defesa comercial, por causa do famoso

antidumping, que acabamos de sofrer na área de camarões — já sofremos inúmeras

vezes, por exemplo, em aço e outros produtos; e na área de subsídios agrícolas,

onde queremos que os países venham a eliminar suas barreiras.

Vamos analisar agora por que a ALCA e a Europa são tão relevantes. Se

observarmos as exportações totais, em azul mais escuro temos a importância dos

Estados Unidos; em seguida, o MERCOSUL; depois, os outros da América Latina e

das Américas, incluindo o próprio Canadá. Portanto, os 3 azuis juntos somam a

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importância da ALCA nas nossas exportações totais. Depois vem em vermelho a

União Européia; por fim, o resto do mundo.

Se olharmos em termos percentuais, temos hoje mais de 70 bilhões de

dólares em exportação. Veremos ainda que a ALCA representa 50% das

exportações totais do Brasil e a Europa, em torno de 25%. Portanto, se nós não

fizermos a ALCA e ela for implementada em outro formato, sem o Brasil, correremos

um risco não apenas pela questão Brasil/Estados Unidos, mas em virtude de vários

mercados latino-americanos que hoje são compradores de produtos brasileiros. São

mercados importantes, como o MERCOSUL e outros países latino-americanos.

A próxima transparência mostra a importância da ALCA nos produtos

industriais. Aí ela é ainda maior. Quando pegamos nossa pauta de produtos

industriais, a ALCA representa 60% das exportações brasileiras, e os americanos

são nossos grandes compradores de produtos industriais. A Europa é mais um

comprador de produtos agrícolas.

Vejamos a importância da ALCA nos investimentos que entram no Brasil. No

ano 2000, recebemos 30 bilhões de dólares em investimentos diretos estrangeiros.

Isso caiu hoje para algo inferior a 12 bilhões de dólares. Vejamos a importância

relativa das regiões. A ALCA representa 30% desses investimentos; a Europa já

representou uma parcela equivalente a 50%, 60%, e caiu nos últimos anos. A

Europa foi muito importante, principalmente no momento das privatizações, quando

empresas européias, sobretudo espanholas, entraram no Brasil em grande

quantidade.

Se observarmos estes 2 blocos — ALCA e União Européia —, estamos

falando de 70% das exportações industriais brasileiras e pelo menos 50% dos

investimentos que entram no Brasil. Portanto, são regiões de grande importância

para fins de negociação.

O resto do mundo chama a atenção ali. Por que esse valor cresceu? Eu não

quis entrar nesse detalhe, mas aqui chamam a atenção países como Bahamas e

vários outros paraísos fiscais. No fundo, trata-se também de capital americano e

europeu, mas que entra essencialmente por meio de paraísos fiscais. Na realidade,

não há muita coisa no resto do mundo. O que existe são algumas ilhas e coisas

assim, por onde esse investimento flui com mais facilidade.

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004

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Vamos observar agora o perfil das ofertas feitas até aqui. Vou fazer uma

palestra muito ligada à negociação, o que acho que interessa a todos. As ofertas

estão muito concentradas hoje no seguinte procedimento. O que chamamos de lista

A tem os produtos a que os países nos oferecem acesso imediato. Na lista B, em

azul claro, acesso até 6 anos. Na lista C, até 10 anos. Na lista D, acima de 10 anos.

Percebemos claramente que nos bens industriais, até aqui, na ALCA, a nossa

foi a pior oferta. A oferta que o MERCOSUL fez conta com mais produtos em lista D,

acima de 10 anos. Isso era esperado, porque de certa forma temos hoje as tarifas

industriais mais altas da ALCA e queremos preservar isso para uma integração o

mais tardiamente possível.

Integração agrícola. O que acontece? Também fizemos até aqui a pior oferta

para a ALCA. Curiosamente, é exatamente isso o que acontece. Por que o Brasil fez

a pior oferta agrícola à ALCA até aqui? Porque foi usado um procedimento em que,

se a Argentina disse que açúcar é sensível, esse produto vai para a última lista. Se o

Paraguai disse que suíno é sensível, esse produto vai para a última lista. Se o

Uruguai disse que etanol ou carne bovina é sensível, o produto também vai para a

última lista. Portanto, a nossa é, até aqui, a pior oferta agrícola feita dentro da ALCA.

Estamos pedindo para liberalizar a agricultura, e até aqui estamos fazendo a pior

oferta exatamente na área da agricultura.

Curiosamente, as melhores oferta de todas, se analisarmos até aqui o que foi

feito, são justamente as do Chile, dos Estados Unidos e do Canadá, que é bastante

abrangente, mas tem poucos produtos excluídos. O Canadá deixou alguns produtos

de fora, basicamente ligados aos setores de leite e de carne de frango. Mas a oferta

agrícola norte-americana até aqui é melhor do que a feita pelo MERCOSUL, por

causa da política que adotamos, de tentar compor com os países do MERCOSUL.

Vamos comparar um pouco nossas tarifas. Qual é o nosso problema quando

negociamos com os Estados Unidos e a União Européia? Nossa média tarifária é um

pouco mais baixa do que a dos Estados Unidos e da União Européia na área

agrícola, mas o grande problema está nesse conjunto de tarifas altíssimas que os

americanos e europeus praticam. Os americanos têm 102 tarifas acima de 30%.

Nossa maior tarifa negociada pelo MERCOSUL está na faixa de 20%. Eles têm 102

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tarifas protegendo pontualmente itens como açúcar, laticínios, fumo, suco de laranja

etc. E os europeus têm 633 tarifas que poderíamos chamar de megatarifas.

Quando negociamos acesso com os Estados Unidos ou a União Européia,

estamos de olho nessas tarifas mais altas. E o que recebemos até aqui dos

americanos? Eles ofereceram um acesso um pouco mais avantajado para os países

caribenhos, e para os demais países um acesso bastante similar. Tanto os países da

América Central, como os andinos e os do MERCOSUL têm acesso muito parecido,

não há diferenciação efetiva. Os produtos que os americanos chamaram de

sensíveis para o MERCOSUL também foram assim chamados para as demais

regiões.

Volto a dizer que a oferta norte-americana é melhor do que a do MERCOSUL

até agora para os produtos que mais nos interessam. Portanto, o acordo da ALCA

nasceu com ofertas bem melhores do que o firmado com a União Européia. A

Europa ainda não nos ofereceu acesso em agricultura, em produtos sensíveis. Os

americanos nos ofereceram esse acesso, e mais do que o Brasil tinha feito.

Basicamente, em bens industriais, a nossa é a pior oferta até o momento. Em

agricultura, também temos a pior oferta, a despeito de dizermos diariamente, pelos

jornais, que queremos acesso aos produtos americanos e aos mercados.

“Investimentos” é um tema de grande sensibilidade. É claro que o Brasil tem

grande interesse em atrair investimentos diretos. Não há evidências de que a

assinatura de um acordo de investimentos por si só influencie o potencial do país de

atrair investimentos. O país atrai investimentos quando ele está bem

macroeconomicamente, quando está com suas políticas em ordem, mais do que o

fato de ele assinar ou não acordos. Portanto, se não precisarmos assinar acordos

será melhor. O problema é que qualquer país rico com o qual venhamos a negociar

vai nos forçar a fazer isso.

Digo aos senhores o seguinte: essencialmente, o que temos de fazer é

conseguir separar aquilo que pode ser concedido daquilo que não pode. E muito

pode ser concedido. Por exemplo, a legislação brasileira concede tratamento não

discriminatório a capital estrangeiro desde 1962, algo que muitos países não fazem.

Portanto, já temos uma legislação que trata o investimento estrangeiro da mesma

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004

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maneira que o nacional. E esse é um dos itens caros em acordos de investimentos.

Temos poucas exceções a isso.

Temos para cada uma das áreas mais sensíveis alguns riscos, mas sempre

temos margens para concessões. E não são pequenas essas margens. Por

exemplo: podemos plenamente oferecer acesso a investimento estrangeiro direto,

mas mexer com mercado de capitais é muito mais complicado. Há certas restrições

hoje que já assinamos em acordos anteriores, como o da OMC, o qual podemos

perfeitamente assumir nesse acordo da ALCA. Há alguns temas mais polêmicos.

Cito como exemplo o da chamada Cláusula Investidor/Estado, que seria aquela idéia

de que haveria um tribunal internacional que julgasse pendências entre uma

empresa estrangeira que sofreu prejuízo por conta da legislação brasileira. O

México, por exemplo, aceitou isso no Capítulo XI do NAFTA. É algo que no Brasil

dificilmente seria aceito. Contudo, podemos tirar essa cláusula. Não há nenhum

problema maior em se buscar isso. É curioso porque os americanos propuseram

essa cláusula no acordo NAFTA imaginando que isso daria mais agilidade às

empresas americanas para que pudessem, por exemplo, eventualmente reaver os

bens perdidos no México. Hoje há empresas mexicanas e canadenses entrando

nesse mesmo tribunal contra os Estados Unidos, coisa que eles não pensavam que

iria acontecer. Hoje existe um grande grupo de lobbies que não considera isso bom,

que não vale a pena porque o feitiço pode se virar contra o feiticeiro.

A questão é balancear o que pode ser concedido e quais os riscos que

existem em cada área.

Conclusão sobre investimentos.

É plenamente possível assinarmos um acordo de investimentos, tentando

restringir, obviamente, a definição a investimento estrangeiro direto, o que mais nos

interessa, utilizando listas positivas, portanto, que nos permitam definir o que vai ser

colocado como investimento, e ir mantendo salvaguardas contra balança de

pagamentos. É o típico acordo que, dentro de certas condições, pode-se plenamente

assinar.

Serviços.

Em relação aos serviços há uma curiosidade. Hoje já somos muito mais

abertos do que o que consolidamos na OMC. Nossa abertura na área de serviço já é

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efetiva. Consolidamos na OMC um País muito mais fechado do que é atualmente.

Portanto, existe espaço para concessão. Há um dilema de política nessa questão.

Obviamente, há setores de serviços que podem sofrer com a integração. Interessa,

porém, a integração para que os serviços ganhem mais eficiência. Um serviço pouco

eficiente custa muito para a indústria e para a agricultura. A agricultura hoje está

pagando preço alto pela ineficiência da infra-estrutura brasileira.

Interessa que se abra ou não? Interessa dentro de certos limites.

O Brasil inclusive tem potencial ofensivo em serviços. As exportações de

nossos serviços saltaram de 3,7 bilhões em 1990 para 8,7 bilhões hoje. Já é uma

rubrica relativamente alta: são 8,7 bilhões de exportação e serviços. O Brasil tem

potencial para exportar em várias áreas: engenharia, construção civil, indústria

televisiva, novelas etc., que já fazem hoje 300 milhões, softwares e vários outros.

Não é uma área puramente defensiva. Ela pode ter interesses ofensivos, mas dentro

de certos limites é possível fazer concessões.

Não vou falar dos aspectos mais técnicos. A conclusão é que temos ampla

margem para concessão na área de serviços. E essa é uma área que tem muito

potencial como moeda de troca. Podemos plenamente fazer a integração nessa área

dentro de listas positivas, ou seja, escolhemos os setores que vão ser ofertados um

a um e dizemos quais não o serão. O Brasil já ofereceu, por exemplo, serviços à

União Européia. Há notícias de que já oferecemos para a União Européia

telecomunicações, serviços financeiros. Portanto, não se devem tratar os Estados

Unidos e a Europa de modo diferente. O que for oferecido para a Europa também

pode ser oferecido para os Estados Unidos.

Propriedade intelectual.

Trata-se de área com legislação antiga e abrangente, mas plenamente

adaptada à OMC. Há muitas críticas se isso deve ou não ser incluído em acordos

regionais. Eu, particularmente, acho que devemos evitar o máximo. Investimento é

algo que podemos aceitar; quanto a serviços, há enorme margem — e a propriedade

intelectual talvez seja a área mais complicada e confusa. Nossa maior preocupação

é o combate à pirataria. Creio que todos sabem disso.

Vamos às conclusões.

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004

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Basicamente, temos nessa área margem para concessão e alguns tópicos. O

ideal seria remeter isso lá para a OMC. O Brasil tem alguma margem. Somos

demandantes na área da proteção aos recursos da biodiversidade. O Brasil detém

22% das espécies do mundo e teria interesse em proteger, principalmente, as da

Amazônia. Portanto, não se trata somente de interesses essencialmente defensivos,

pois somos hoje demandantes em proteção a recursos de biodiversidade. Existe

toda uma questão ligada à convenção da biodiversidade. Entretanto, atualmente não

teríamos por que conceder nessa área.

Área de compras governamentais.

Trata-se de área tradicional de autonomia dos Governos.

Temos aqui um dilema de política pública. Por quê? Por razões fiscais seria

interessante que os Governos abrissem esse mercado. Dessa forma, poder-se-ia

comprar mais barato, comprar globalmente. Dessa forma se consegue mais

concorrência, preços mais baixos e melhor qualidade. Interessa também aos

Governos preservar empregos, o que pode justificar a compra restrita a empresas

nacionais.

A Lei de Licitações veda a discriminação entre empresas brasileira e

estrangeira. Apenas em alguns casos se pode fazer a diferenciação. Aliás, em

poucos. Atualmente, a lei brasileira é muito mais abrangente do que a norte-

americana. A lei dos Estados Unidos é muito mais limitante nessa área de compras

governamentais. Portanto, temos margem para concessão. Esse é o ponto

relevante. Conseguimos, dentro da lei atual, negociar varias concessões porque ela

é muito mais abrangente, muito mais aberta do que a norte-americana. Temos

interesses eventualmente em vender produtos em outros mercados latino-

americanos, para outros governos latino-americanos e para os próprios americanos.

O mercado de compras do Brasil é da ordem de 7 bilhões de dólares; dos Estados

Unidos, de 200 bilhões de dólares. Portanto, não podemos apenas olhar sob a ótica

de apenas proteger o nosso mercado. Temos interesse em vender produtos para

outros Governos. Devemos olhar as coisas também por essa ótica.

Vou pular essa parte e passar logo às conclusões para dizer que podemos

restringir plenamente as compras governamentais. No âmbito federal, se utilizamos

listas positivas, podemos dizer que setores devem fazer parte, tudo isso com base

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004

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em reciprocidade. Portanto, abrir um setor qualquer, por exemplo, para compras,

desde que os americanos ou os mexicanos façam o mesmo. Para mim, isso é

totalmente factível.

Podemos também garantir patamares, outro ponto bastante importante.

Podemos dizer, por exemplo, que só vamos abrir compras governamentais para

valores acima de 10 milhões de reais. Tal medida preserva as compras das

pequenas empresas e facilita a concorrência entre grandes empresas, como, por

exemplo, a venda de linhas elétricas para transmissão. Esse tipo de compra pode

ser feito em termos globais — faz sentido, para se comprar mais barato; para

pequenas compras, apenas empresas nacionais.

Portanto, há muita margem de manobra em compras governamentais. E,

muitas vezes, quando a imprensa publica certas matérias, tem-se a impressão de

que não podemos fazer nada em compras, nada em serviços, nada em

investimentos, o que não é verdade. A legislação brasileira, os acordos já assinados

e os nossos interesses, se observados de maneira mais detalhada, mostram que há

muito espaço de atuação em todas essas áreas; temos espaço para concessões.

Hoje, podemos conceder subsídios a pequenas empresas. Tal medida não

fere qualquer acordo assinado pelo Brasil. O que pode vir a ferir acordos

internacionais, ou eventualmente a ALCA e a OMC, é a concessão de subsídios

localizados para determinadas indústrias, para determinadas empresas grandes,

aquelas classificadas como grandes empresas e que tenham relação com

exportação. Agora, em se tratando de pequenas empresas, temos hoje exceções

garantidas.

Portanto, não vejo nenhum sentido em o País não negociar porque tem de

preservar o subsídio para uma grande empresa qualquer. Se já existem mecanismos

de preservação para pequenas empresas e a possibilidade de realizar compras

governamentais respeitando certos critérios, por que não negociar?

Mais ainda, a lei brasileira vigente é muito mais aberta a compras

governamentais do que a norte-americana. A legislação norte-americana impõe

restrições de várias ordens. Portanto, eles têm menos espaço para concessões, se

compararmos as duas legislações.

Os impasses na ALCA.

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Aqui, vou resumir um pouco. Durante 10 anos houve — vamos chamar assim

— uma ALCA plena, mais abrangente e que envolvia 9 temas em negociação. Isso

ocorreu durante anos, com muitos conflitos, mas o fato é que num determinado

momento fracassou essa ALCA. Brasil e Estados Unidos se acertaram e, em

conjunto, resolveram propor outro formato, mais leve, para a ALCA — e, claro, por

motivos diferentes. Os norte-americanos dão hoje prioridade a acordos bilaterais. É

muito mais fácil para os Estados Unidos empurrarem sua agenda de negócios pela

via bilateral do que em qualquer outra. Além disso, como há forte pressão

protecionista no Congresso norte-americano, eles escolheram essa via e estão

conseguindo fazer muitos acordos. Na verdade, há uma fila de espera composta de

países da América Central, da América do Sul (Peru e Colômbia); da África

(Marrocos e África do Sul); da Oceania (Austrália). Muitos já assinaram acordos e

outros estão a caminho. Quem sabe até países do MERCOSUL, mais cedo ou mais

tarde, assinarão também acordos com os Estados Unidos.

No Brasil, enfrentamos dificuldades, principalmente porque existe essa

obsessão com a ALCA, o que, a meu ver, é ilógico. Para mim, a União Européia é

tão ou mais perigosa em negociação do que os Estados Unidos. Os pedidos dos

europeus são complicadíssimos. Para eles, a agricultura é setor dos mais sensíveis,

mais do que os norte-americanos. Por outro lado, há mais facilidade para se tratar

com a União Européia do que com os Estados Unidos. O fato é que nós mesmos

esvaziamos o processo ALCA. Assim, a ALCA se tornou mais light, uma ALCA com

menos temas para negociação.

Por fim, acabamos aprovando na última reunião, realizada em Miami, nem

mesmo uma ALCA light, mas, como muitos chamam — e acho que é o nome correto

—, uma ALCA à la carte. Porque numa ALCA light todos estariam de acordo com a

supressão de 5 temas daqueles 9 que faziam parte da agenda inicial. Ou seja,

vamos tratar apenas de 4 temas, bens, serviços e investimentos entre eles. Isto, sim,

seria uma ALCA light. Contudo, a proposta aprovada em Miami foi muito mais

esfacelante: cada um faz o acordo que quiser e com quem quiser, para, depois,

tentar definir um mínimo denominador comum chamado ALCA. Portanto, é uma

ALCA tipo supermercado: cada um pega o que quiser. Vá lá com seu carrinho...

Para fazer um acordo de investimento me junto com esses quatro e pronto.

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Qual a conseqüência disso? Houve um desinteresse quase generalizado pela

ALCA. Por isso, a ALCA hoje está nesse impasse. Não se consegue chegar àquele

mínimo denominador comum, porque vários países vêm priorizando outros tipos de

negociação. É o caso de quase toda a América Central e dos países andinos. A que

vamos assistir após esse impasse? O mundo não vai parar, não. Vamos assistir,

sim, a uma explosão de bilateralidade pelas Américas. Hoje, existem 59 acordos

registrados nas Américas. Não duvido que daqui a 10 anos sejam mais de cem. É

esse o nosso objetivo? Queremos que as Américas se transformem num prato de

spaghetti?

É do que trata a próxima transparência: uma junção de países, dois a dois,

três a três, em todas as direções. Não é isso? Imaginem o coitado de um funcionário

de fronteira que tem de lidar com produtos vindos de 10 países diferentes, cada um

com uma regra de origem, cada um com uma desgravação tarifária, cada um com

uma lista de exceção — quer dizer, um inferno burocrático é o que vamos criar.

Infelizmente, isso não acontece apenas aqui; a Ásia segue o mesmo caminho e a

Europa já fez muito disso.

Vale lembrar que sempre fomos multilateristas, mas hoje temos aceitado o

bilateralismo como opção, que, para mim, é desfavorável. Se continuarmos a

caminhar para uma ALCA esfacelada, como temos feito, correremos o risco de ter

de negociar com 10 países e, no final, não conseguirmos alcançar nossos objetivos.

Ficará muito mais difícil negociar. Por quê? Quando formos negociar com países

pequenos, como foi anunciado há pouco, com países da América Central, o que eles

vão nos pedir? Somente a exceção. Eles vão justificar assim: os norte-americanos

nos dão hoje acesso preferencial nisso, nisso e nisso; queremos que o Brasil faça o

mesmo. Os países andinos já fizeram isso, e nós aceitamos. Quer dizer, com os

andinos, na agricultura a integração já não será total. Até no MERCOSUL já se diz

que o Brasil tem de tratar diferencialmente os países menores.

Todos querem fazer acordo com países mais abertos: “Vocês podem entrar

aqui e nós não vamos te pedir nada”. Isso é fácil de fazer. O problema está em

elaborar um acordo mais abrangente, está em fazer a OMC funcionar, bem como a

ALCA, que tinha um projeto ambicioso, o de juntar um PIB de 10 trilhões de dólares

e 300 milhões de consumidores. Esse era o grande objetivo. Acordo pequeno é fácil

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004

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de fazer; difícil é fazer acordo abrangente, que cria comércio, que cria investimento,

que cria emprego. Infelizmente, temos caminhado nessa direção. É a ALCA hoje,

com os seus 59 acordos. Se continuar assim, não conseguiremos nem desenhar o

que serão as Américas daqui a 10 anos, com essa explosão de acordos bilaterais.

Então, concluiria com a seguinte indagação: a ALCA tem futuro? A nosso ver,

em primeiro lugar, na reunião de Miami, contribuímos para adiar o processo de

implantação da ALCA. Não vou dizer que a ALCA não vá acontecer. Existe, sim, a

possibilidade de ela ainda acontecer, não mais este ano, porque teremos eleições

nos Estados Unidos e outros problemas que vão dificultar a negociação. Mas, lá na

frente, ela pode vir a acontecer. Hoje, porém, há grande possibilidade de que a

ALCA não se complete, fato que causará grande impacto sobre as outras

negociações.

Que perguntas chave deveríamos fazer sobre a ALCA? Primeiro, queremos

ou não a ALCA? Aparentemente, vejo que, no Brasil, há uma rejeição em relação à

ALCA. Se não a queremos — segunda pergunta —, qual seria a nossa melhor

alternativa? O que devemos fazer? Porque se a ALCA não acontecer naquele

formato que negociamos durante 10 anos, com mais de quinhentas reuniões e a

participação de 34 países, não será zero a zero, mas bilateral.

Já se formou também o G-14. São 14 países latino-americanos que estão do

lado dos norte-americanos. E eles aceitam assinar os acordos propostos pelos

Estados Unidos. Isso sim poderá gerar desvios no comércio, nos investimentos e

nos empregos em outras regiões. Por isso temos de ter um plano B. O drama do

isolacionismo é não ter um plano B. É jogar fora a ALCA, de repente ver os

investimentos serem destinados para a América Central, ou para o comércio

preferencial criado pela ALADI e que hoje nos garante exportação para Peru,

Colômbia e Argentina, e desaparecerem em função de acordos que esses países

venham a fazer.

Portanto, ao perder comércio, investimento e emprego, qual a alternativa que

restará ao Brasil? Qual será o nosso plano B? O MERCOSUL? O que está sendo

feito para que o MERCOSUL se complete? O MERCOSUL ainda tem diversos

problemas. Não tem tarifa externa comum. O que está sendo feito na América do

Sul? Conseguiremos acompanhar a velocidade dos norte-americanos na

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004

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composição de acordos com nossos vizinhos? Conseguiremos concessões

semelhantes ou não? O que há de concreto sobre outros países, como China e

Índia? A China vai nos abrir o seu mercado agrícola? Acho difícil, ainda mais se

levarmos em conta que 600 milhões de chineses vivem em um ou dois hectares.

Acho muito difícil a China abrir o seu mercado agrícola. Será tão difícil quanto tem

sido com a União Européia. Já abriu bastante, mas pontualmente; não abriu para

tudo. A Índia também é muito fechada. Não sei se vai nos abrir o seu mercado

agrícola.

Portanto, qual o nosso plano B hoje? Daí vem o risco do isolacionismo. Jogar

fora um processo de negociação de 10 anos por motivos muitas vezes emocionais!?

Ainda há espaço para negociação e concessão. Sou um técnico em ALCA e posso

dizer: não sei, mas hoje a ALCA que está aí, ou o que está sendo apresentado, não

é do nosso interesse. Mas temos de continuar negociando para saber, no final, se

vai valer a pena; se jogarmos fora, vamos perder. Temos de manter a negociação

até para conseguir entrar nos mercados de outras regiões. Temos de insistir para

que a ALCA nos abra mercados agrícolas, para que, de fato, a ALCA faça acordos

balanceados etc. O que não podemos é jogar isso fora e apostar em algo mais

incerto, como, por exemplo, uma América do Sul mais integrada e do nosso lado. Os

norte-americanos, não há dúvida, já estão indo nessa direção. Será que nós

conseguiremos atrair esses países e fazer acordos balanceados? Não sei.

Só para concluir, devemos manter as negociações em marcha, ir até o último

dia, insistir naquilo que queremos: acesso em açúcar, em álcool, em calçados, em

têxteis, em qualquer outra coisa. Ou seja, colocar os norte-americanos contra a

parede, porque, hoje, quem está com cara de isolacionista somos nós. Precisamos

inverter esse processo e buscar integrações ambiciosas, sem maniqueísmo, sem

achar que existe o bem e o mal; estamos lidando com o comércio e com um país

que sempre vai defender o seu interesse com aquela velha justificativa: “sou liberal

naquilo que sou eficiente, sou protecionista naquilo que não sou”.

Portanto, vamos ser pragmáticos. Vamos conversar com os Estados Unidos,

com a União Européia, com a China, com a Índia, tentar conversar com todo mundo

ao mesmo tempo, em várias frentes; não simplesmente descartar uma frente tão

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004

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importante como foi a ALCA nesses últimos anos. Esse ainda é o nosso grande

objetivo.

Fico muito contente que o Congresso esteja participando ativamente desse

processo. Vi isso acontecer, e muito, nos Estados Unidos. O Congresso norte-

americano tem presença enorme e muito positiva na política externa daquele país;

claro que sempre há problemas, pois tem de lidar com o lobby agrícola, mas o fato é

que há essa participação. No Brasil, está nas mãos do Executivo e do Congresso

hoje o maior conjunto de negociações da história deste País, a oportunidade de o

Brasil se integrar, seja com a ALCA, seja com a União Européia, seja com outras

frentes. O que não podemos é ficar parados. Não podemos descartar um processo

que vem acontecendo há 10 anos e por motivos, às vezes, não muito claros,

alegando que não há margem para concessões, quando, na verdade, ela existe, e

trocar isso tudo por algo incerto. Não trocaria integrações ambiciosas com países

grandes por integrações não recíprocas e desequilibradas com países pequenos.

Isso não faz sentido. A permanecer dessa forma, não iremos dar o salto dos 70

bilhões de dólares para os 150 bilhões de dólares de exportações como nós

queremos.

Precisamos nos integrar a grandes mercados. É o que fazem a China, o

Japão, que acabou de fazer acordo com o México, os países da Europa e a Índia,

que hoje está hiperativa na área comercial e inclusive na de serviços. Nós hoje

somos defensivos; a Índia está se tornando ofensiva. A Coréia, 10 anos atrás, era

defensiva em investimentos; hoje é ofensiva. Há empresas coreanas hoje pelo

mundo afora querendo proteger seus interesses. Temos de ir nessa mesma direção.

Seria muito ruim se caminhássemos rumo ao isolacionismo.

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - A Presidência

agradece aos Srs. Marcos Domakoski e Marcos Sawaya Jank os valorosos

depoimentos.

Foram subscritores dos pedidos de oitiva dos ilustres palestrantes de hoje o

Deputado Max Rosenmann, que se encontra licenciado, e o Deputado Francisco

Turra.

Antes de conceder a palavra ao Deputado Francisco Turra, nos termos

regimentais, desejo fazer uma ponderação. Nossas reuniões são profundamente

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004

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bilaterais. Interessa-nos que a sociedade também saiba o que faz a Câmara dos

Deputados.

Respondendo especificamente à indagação inicial do Dr. Marcos Jank,

gostaria de lembrar que vivemos num país presidencialista. A iniciativa das tratativas

é do Poder Executivo. O Poder Legislativo tem, durante as tratativas, papel

secundário, mas o Congresso Nacional brasileiro — a Câmara dos Deputados,

especificamente — é o único entre os 34 países que discute a ALCA, tem

acompanhado as negociações, o que demonstra, de forma bem clara, sua

preocupação com essas tratativas. Agora, neste momento, a Deputada Maninha

está presidindo uma audiência pública em que explica a posição da missão brasileira

ao Embaixador José Alfredo Graça Lima, chefe da nossa missão junto à

Comunidade Européia. O Congresso brasileiro tem muita clareza da importância

dessas discussões. Aqui, de uma forma plural — somos Deputados de governo e de

oposição —, todos entendemos claramente que no mundo globalizado não há lugar

para o isolacionismo. Aquele que se isolar mais cedo ou mais tarde sucumbirá,

fatalmente.

Portanto, na medida dos poderes que lhe foram constitucionalmente

deferidos, o Congresso tem feito o possível para acompanhar, de forma eficiente,

essas discussões.

A Comissão do MERCOSUL é uma Comissão Permanente da Casa, porque o

MERCOSUL é uma realidade. A ALCA, por ora, é uma expectativa. Mesmo assim,

estamos fazendo o possível e o impossível para prevenir a sociedade, por meio de

um trabalho paralelo do Congresso Nacional — paralelo e prévio —, daquilo que

poderá resultar ou não na Área de Livre Comércio das Américas.

Concedo a palavra ao Deputado Francisco Turra, em seguida ao Deputado

Mendes Thame, primeiro inscrito.

O SR. DEPUTADO FEU ROSA - Sr. Presidente, antes de o Deputado Turra

iniciar gostaria de saber se há possibilidade de termos uma cópia do que foi dito pelo

Sr. Jank.

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - A Presidência

determina à Secretaria que tire cópias.

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O SR. DEPUTADO FRANCISCO TURRA - Meu caro Presidente, ilustres

conferencistas, hoje foi dia de os Marcos fazerem com que efetivamente esta

reunião tivesse muito brilho. Mas quero dirigir-me em particular a Marcos Jank, que

me deixou muito feliz por atender ao nosso pedido para estar aqui conosco. Louvo a

presença de Marcos Jank permanentemente em todas as rodadas, como consultor

independente, apoiando o Ministério da Agricultura, em especial, e o Brasil. Jovem

talentoso, tem despontado como líder inconteste do agronegócio brasileiro. Tive o

prazer de receber uma negativa sua a convite que lhe fiz para ser Secretário de

Política Agrícola do Brasil.

Dito isso, desejo fazer algumas considerações e indagações.

Acredito que vamos chegar a um final feliz. Hoje estamos atrapalhados,

iludidos às vezes, sem definições. Mas graças à luz dos que hoje estão envolvidos

nesse processo acho que vamos chegar a algum lugar.

No dia 1º de maio, próximo sábado, teremos a União Européia engrossada

com a presença de mais 10 países que negociam conosco hoje sem o jugo da União

Européia, muito embora tenham entrado na OTAN há mais tempo.

A União Européia, a partir do movimento de aproximação com a ALCA, não

nos tem oferecido uma abertura maior ou, pelo menos, dado margem a que

possamos nos aproximar, como aconteceu com o Chile, por exemplo. O Chile tem

um acordo. Praticamente é membro da União Européia.

A entrada desses 10 países abre expectativas maiores para o agronegócio

brasileiro ou cria maiores dificuldades? Essa é a questão que gostaria de ver

respondida por S.Sa..

Gostaria também de um depoimento pessoal sobre como S.Sa. vê a postura

do Itamaraty em relação às negociações brasileiras com a ALCA, especialmente as

voltadas para o agronegócio. Peço sua visão como consultor independente.

Estamos em território livre e, portanto, podemos falar disso.

Estamos temerosos da excessiva cautela que há em todos os campos.

Quando se fala em biotecnologia, fala-se em cautela. Precaução, para mim, talvez

por eu não interpretar bem a semântica, às vezes significa atraso.

São as duas perguntas que faço, de maneira sintética, para que todos tenham

oportunidade de ouvi-lo responder.

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O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Com a palavra o Dr.

Marcos.

O SR. MARCOS SAWAYA JANK - Deputado, eu fico muito contente com

essas duas perguntas, embora elas não sejam muito fáceis de responder.

O acordo com a Europa já nasceu light — já falamos muito em ALCA light. A

ALCA nasceu plena, abrangente, ambiciosa; e o acordo com a Europa nasceu light,

por um motivo muito simples: os americanos, quando propuseram a ALCA, e nós

acatamos essa idéia, como todos os demais — foram criados 9 subgrupos —,

disseram coisas do tipo: “vamos criar métodos e modalidades de negociação”;

“vamos adotar o chamado princípio single undertaking”, quer dizer, só vamos

resolver quando estiver tudo negociado; “vamos incluir todo o universo tarifário”.

A oferta agrícola americana é melhor do que a brasileira e, portanto, os

americanos estavam indo na direção de uma ALCA abrangente —todos os produtos

incluídos. É claro que, ao final, eles poderiam dizer que o açúcar não entraria, e nós

já esperávamos isso. Estávamos mesmo pensando em propor que o álcool entrasse

se o açúcar ficasse de fora. Eles iriam precisar do álcool. Do açúcar talvez não,

porque eles não queriam abrir e também porque os países centro-americanos não

queriam que entrássemos no mercado americano, onde eles têm cotas.

O fato é que a ALCA nasceu abrangente e o acordo com a Europa nasceu

light. Isso porque, desde o começo, a Europa afirmou que não nos concederia a

agricultura. A Europa desde o primeiro dia disse que haveria exceção, mas hoje

sinaliza com a possibilidade de nos dar algumas cotas. Portanto, trata-se de um

acordo que vai ter muito pouca criação de comércio e agricultura.

Conhecemos muito bem a história das cotas. O Brasil hoje tem uma cota na

União Européia de 5 mil toneladas de carne de alta qualidade, a chamada hilton

beef. Produzimos hoje 7 milhões de toneladas; exportamos 1,1 milhão; e temos 5

milhões de toneladas de cota. Da mesma forma, produzimos 7 milhões de toneladas

de frango e exportamos quase 2 milhões de toneladas de frango, quase nada.

Temos uma cota de 50 milhões toneladas de açúcar; produzimos 25 milhões; e

exportamos 13 milhões de toneladas.

Que cota resolverá o problema brasileiro? Uma cota de 100 mil toneladas de

carne bovina? Não. Inclusive porque terá de ser dividida pelos 4 países do

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004

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MERCOSUL, e não abriremos mão de tentar pegar o máximo possível da cota de

carne.

Cotas tendem a ser pequenas e são muito complicadas, sob a ótica da

administração. Há uma briga para decidir quem a administrará. O sistema da OMC

dá a cota para o importador, e este compra a carne fazendo barganha. Vende

licença. Hoje, por exemplo, para exportarmos carne para a União Européia pela

chamada cota GATT temos de pagar uma licença de 2 mil euros por tonelada, o que

equivale a aproximadamente 70% do preço da carne. É muito complicado esse

esquema de cotas. E, depois, se acertarmos a cota com a União Européia

poderemos afetar nossa negociação em Genebra, onde estamos brigando contra as

cotas, através do G-20, grande construção brasileira feita no ano passado para

brigar contra Estados Unidos e Europa. Aceitar a cota é abrir mão de uma das

nossas reivindicações junto à OMC: derrubar tarifas e não aceitar a cota.

O esquema de cotas é complicado. Pode ser que venha um número

fantástico, pode ser que não. Os jornais falam em números mais relevantes no caso

do álcool, mas eu não acredito. Mercado para o álcool nem existe ainda na Europa.

Não há mandato, não há subsídio para o álcool. É fácil oferecer cota de álcool num

mercado ainda inexistente. A cota de carnes não deve ser grande coisa.

Não vai ser mais difícil negociar agricultura com a Europa do que com os

Estados Unidos. Os subsídios europeus são mais altos.

Sobre o papel do Itamaraty na negociação da ALCA, acho que o ele é um dos

melhores corpos negociadores do mundo. É uma diplomacia reconhecida como

extremamente competente. Eu presenciei esse fato lá fora inúmeras vezes. Graças

ao Itamaraty, o Brasil consegue ter participação em negociações maiores do que seu

peso específico no comércio — temos 1% apenas do comércio mundial e uma

presença bastante grande nas negociações.

De fato, costumamos ter uma posição essencialmente defensiva em

negociação. Nossa tradição é sermos defensivos. O Brasil durante 50 anos não quis

negociar, porque queria preservar seu modelo de substituição de importações. A

primeira vez que estamos enfrentando uma situação mais ofensiva está sendo

agora, e essa situação está sendo puxada pela agricultura e outros setores

exportadores que pretendem conseguir esse acesso. A agricultura hoje está

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verbalizando isso, e tem legitimidade para tanto, porque representa 44% das

exportações e 30% do PIB. Sabemos que a agricultura vai trazer desenvolvimento e

interiorização.

No caso específico da ALCA, o Brasil tende a querer preservar, a não

avançar, a ter contra essa negociação uma série de precauções pouco racionais, se

comparadas ao que acontece com outras frentes, inclusive com a União Européia.

Acho que temos espaço para ir além no caso da ALCA, e nisso a agricultura tem

dado grandes motivos de felicidade ao Itamaraty. Foi graças à sua organização que

o Brasil montou o G-20 e levou à mesa de negociação o parecer que redundou na

proposta dos países em desenvolvimento contra um documento produzido por

Estados Unidos e Europa. Foi a agricultura que trouxe isso, e hoje ela traz

oportunidades no caso do algodão. O açúcar está vindo aí.

O setor da agricultura é que tem projetado a diplomacia brasileira e hoje pede

que a negociação vá além de uma posição essencialmente defensiva. A agricultura

acredita que existe margem para isso, principalmente na negociação com a ALCA.

Nos outros casos o Brasil já conhece essas margens.

No caso da ALCA, o Brasil tem sido essencialmente defensivo.

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Concedo a palavra ao

Deputado Antonio Carlos Mendes Thame.

O SR. DEPUTADO ANTONIO CARLOS MENDES THAME - Sr. Presidente,

Deputado José Thomaz Nonô, Sras. e Srs. Deputados, senhores palestrantes, há 2

dias todo o País assistiu a uma publicidade do PT, no programa do horário eleitoral

gratuito na televisão, em que se faz comparação expressa entre o Governo anterior

e o atual. É a primeira vez que o Governo Lula vai à televisão e quer ser diferente,

porque, até então, quis ser igual, escondendo as marcantes diferenças existentes

em tudo o que faz hoje em relação ao Governo anterior. Defendia-se dizendo: “Não,

estamos fazendo a mesma coisa, por que vocês estão criticando?” Agora, não. Vem

e diz que está sendo diferente. Não vou dizer que se trata de propaganda enganosa,

porque ele não diz que o que está ocorrendo é graças ao PT. Uma das diferenças

apresentadas é que em 2003 as exportações brasileiras cresceram explosivamente,

muito mais do que no Governo anterior. Hoje, lemos no jornal os primeiros

comentários — e tenho certeza de que amanhã ou depois serão recebidos com

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regozijo — da vitória do Brasil no caso do algodão, no painel contra os Estados

Unidos.

Pois bem, nesses 16 meses, gostaria de saber se é possível identificar algo

que tenha sido feito pelo PT para abrir mercados, baixar tarifas, facilitar as

exportações? Tirou algum papel a fim de desburocratizar as exportações? No que

melhorou para conseguir esse resultado, ou o resultado extraordinário das

exportações crescentes advém do desempenho do setor privado e de uma política

agrícola feita no Governo anterior? Essa é a primeira pergunta. No que o atual

Governo ajudou?

No caso do algodão, não vou perguntar nada, porque seria chover no

molhado. Trata-se de um painel montado no Governo anterior e simplesmente o

resultado saiu agora. Portanto, não há mérito deste Governo que, aliás, em alguns

momentos, tentou enterrar os dois casos, para não agredir os outros países do

Terceiro Mundo: do algodão e do açúcar. Tentou, mas o Ministério da Agricultura

segurou.

Faço uma pergunta final aos palestrantes de hoje, Dr. Marcos e Dr. Jank.

Na OMC, vimos essa movimentação, que todos nós aplaudimos, de tentar

formar um bloco, o G-20, para se contrapor aos dois paquidermes: União Européia e

Estados Unidos. Até agora, não deu qualquer resultado positivo, mas, pelo menos,

serviu para aumentar nosso orgulho nacional nas reuniões da OMC; saímos todos

muito satisfeitos. E escuto Parlamentares do PT e do bloco dizerem: “Tomara que

não saia nada, porque assim nosso discurso é contra os Estados Unidos e contra a

ALCA. Tomara que não saia nada.”

A União Européia tem 633 produtos agrícolas com tarifa superior a 30%. É o

bloco que mais protege sua agricultura. Lá cada agricultor é como tratado como se

fosse um animal de estimação que tem de ser protegido. Uma vaca tem uma renda

per capita de 5 mil dólares, mais do que a renda per capita de um brasileiro, um

subsídio extraordinário. Temos a ilusão de que o acordo MERCOSUL e União

Européia vai proporcionar a abertura de algum mercado? E disse o Dr. Jank que já

nasceu pífia essa negociação com a União Européia.

Pergunto: se na OMC há um impasse, na ALCA, o próprio Governo não quer

que saia nada, com a União Européia já nasceu pequenininha, qual o nosso

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caminho? Vamos ter de continuar com 1% do comércio internacional e patinando no

comércio externo? Como faremos para crescer? Vamos esperar que haja profunda

crise de água na China e na Índia, para exportarmos nossos produtos, atropelando

todas essas restrições, ou vamos continuar passivamente esperando, sem fazer

nada?

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Concedo a palavra ao

Deputado Luiz Carlos Hauly.

O SR. DEPUTADO LUIZ CARLOS HAULY - Sr. Presidente,

lamentavelmente, não pude participar da apresentação dos dois ilustres convidados,

mas devo dizer que já conheço a posição do Dr. Marcos Damakoski, do Paraná.

Farei pequena intervenção apenas para dizer que o Brasil é um País

interessante, mantém acordos bilaterais com quase todos os países do mundo,

acordo multilateral com Uruguai, Paraguai e Argentina, está negociando com os

demais países da América e União Européia. Há outros colóquios regionais em

estudo, mas nosso País não possui uma associação de livre comércio entre os

Estados. Um produto que sai do Paraná para São Paulo vai a 12% de alíquota, e o

retorno de São Paulo vai a 12%. Para o Nordeste é 7% e volta com 12%.

Então, há enorme contradição. Por exemplo, no MERCOSUL, a maioria das

alíquotas é zero. Se eu fosse Governador do Paraná, compraria apenas produtos

em locais onde a alíquota fosse zero. Eu quebraria esse sistema tributário brasileiro

no qual se cobra 12% de alíquota interestadual. Essa observação nos leva a

raciocinar que enquanto o Brasil não proceder à harmonização do seu sistema

tributário com os demais países desenvolvidos do mundo não poderá entrar em

nenhum bloco econômico maior do que o MERCOSUL. Enquanto o País está

brincando de mercado comum no Cone Sul, tudo bem. Tem seus altos e baixos, mas

tem agüentado. Mas no momento em que negociar com blocos maiores que

envolvem economias fortes e sólidas e com sistema tributário completamente

diferente do nosso... Nosso sistema tributário enseja a maior carga tributária e os

piores tributos do mundo. Costumo dizer que, se há vida lá fora, com certeza, o

Brasil será o país com o pior sistema tributário nas galáxias.

(Não identificado) - Passou da Terra.

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O SR. DEPUTADO LUIZ CARLOS HAULY - Isso, passou da Terra. É para

deixar claro e evidente o malefício do sistema tributário brasileiro. E não estou nem

citando as taxas de juros, as mais altas do mundo.

O ingrediente básico de uma negociação é a regra. Se a minha regra e a tua

são iguais, posso negociar com você. Aí, vai depender da minha capacidade,

eficiência, produtividade, qualidade do produto. Já entro nesse jogo perdendo, pela

ineficiência do sistema tributário, da taxa de juros e do Custo Brasil geral: estradas,

portos, aeroportos. Tudo é mais caro, tudo é mais difícil.

Li um artigo do Delfim Netto: Por que o Brasil não cresce? Não concordo com

o ponto de vista de S.Exa., porque ele não pegou o foco do problema. O Brasil não

cresce, não prospera enquanto não resolver o problema do sistema tributário.

Depois de harmonizado com os 10, 15 países que estão a nossa frente, aí, sim,

haverá economia de mercado, o que nos proporcionará competitividade, crescimento

e transferência da renda para os trabalhadores.

O sistema mais injusto do planeta é o do Brasil: boa parte da renda — embora

não tenha crescido no ano passado — é transferida para os mais ricos. É também o

País mais injusto do planeta. Injustiça que perpetua a pobreza e a miséria. A grande

massa dos consumidores não tem poder de compra. E grande parte desse poder de

compra, Deputada Luiza Erundina, foi perdido por causa do sistema tributário.

Apresentarei um dado final e encerrarei minha fala.

De 1988 a 2002, a economia brasileira cresceu 32%, média de 2.1%, 2.2% ao

ano. No mesmo período, a arrecadação cresceu 60%. Do total do crescimento da

economia, 55% foi engolido pelos novos tributos, pelo crescimento da receita. Então,

a presença do Estado, que chega a 36% do PIB — e ainda se gasta mais do que se

arrecada —, é tão brutal na vida do cidadão que é a causa do empobrecimento e da

miséria do povo. Falo isso como suporte ao nosso acordo. Feita a reforma tributária,

estabelecidas as novas regras, harmonizado o sistema, podemos entrar em qualquer

competição, porque a maioria das nossas empresas são internacionais, as que

competem internacionalmente.

Sr. Presidente, encerro minha intervenção parabenizando V.Exa. pela

realização de mais este evento.

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O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Concedo a palavra ao

Dr. Marcos Domakoski.

O SR. MARCOS DOMAKOSKI - Agradeço à Comissão a oportunidade.

Ao responder a primeira pergunta feita pelo Deputado, quero dizer que, no

nosso entendimento, a boa performance das commodities agrícolas e industriais não

é resultado de uma política industrial voltada a tornar a balança comercial

estruturalmente superavitária. Está, sim, sustentando-se nas conquistas estruturais

de outros países, como a China, por exemplo.

O nosso caminho passa pelas reformas sistêmicas que precisam ser feitas,

porque elas geram enorme impasse no que diz respeito à competitividade.

E aproveito o gancho dado pelo Deputado Luiz Carlos Hauly, que esteve

presente num encontro da Comissão de Reforma Tributária, junto com o Deputado

Mussa Demes, na Associação Comercial do Paraná, e expressou sua insatisfação

com o projeto de reforma tributária que tramitava na Casa e apresentou proposta

alternativa que lamentamos muito não ter prosperado.

Realmente, nobre Deputado, durante nossa apresentação, quando falamos

em competitividade entre Brasil e Estados Unidos, dissemos que a competitividade

do nosso País é duas ou três vezes pior do que a dos Estados Unidos, em função do

sistema tributário, hoje em trinta e seis ponto qualquer coisa, e está previsto

aumento de 1.2% para este ano, o que nos coloca em quarto lugar dentre os países

que mais tributam em relação ao PIB mundial. No nosso entendimento, esse é um

dos grandes obstáculos.

A livre concorrência entre os Estados é assunto da maior relevância.

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Concedo a palavra ao

Dr. Marcos Sawaya Jank.

O SR. MARCOS SAWAYA JANK - Em relação à estratégia do G-20,

realmente acho que foi uma grande estratégia no passado. A agricultura trouxe essa

bandeira de o Brasil ocupar o seu lugar natural, enquanto líder nas exportações

agrícolas, na competitividade e etc.

De fato, conseguimos reverter um processo de acomodação que estava em

andamento na OMC, no qual, se o documento dos Estados Unidos e da Europa

fosse aprovado, preservaria a quase totalidade das políticas usadas por eles, de

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modo que aconteceria novamente o que ocorreu na Rodada do Uruguai com relação

ao acordo agrícola, em que, na verdade, avançamos muito pouco.

Esse talvez tenha sido o principal evento de política comercial do Governo

Lula: a construção do G-20. É o que há de mais sólido até agora. Não sei se vai

durar, mas é muito sólido. E isso foi possibilitado pela organização que a agricultura

tem hoje com relação a essa questão.

Em outras áreas eu acho que nós andamos de maneira muito tímida. A ALCA

— eu já disse isso — e o acordo com a Europa também serão essencialmente

tímidos; trarão muito poucos ganhos. E isso realmente não é muito fácil de se

explicar, porque, de certa forma, conforme eu já mostrei hoje, há espaço para

concessões. A legislação brasileira, os acordos que assinamos no passado, nos

permitem fazer várias concessões e, ainda assim, preservar a política industrial que

está sendo proposta, bem como as políticas tecnológicas existentes. Mas

infelizmente nós estamos andando em velocidade muito lenta.

O Deputado disse que o Brasil tem um problema fiscal, de excesso tributário,

de desequilíbrio de contas públicas. Eu acrescento que nós temos também

problemas relacionados à legislação trabalhista, além de vários outros. Mas o fato é

que, se esperarmos a resolução de todos os problemas para depois iniciarmos um

processo de negociação, demoraremos muito tempo. Acabamos de fazer uma

reforma que não agradou ninguém. Se formos esperar a próxima reforma tributária

para depois começar a negociar, quanto tempo vamos perder? O mundo não vai

ficar parado esperando nós votarmos uma nova reforma tributária. Os nossos

vizinhos já estão fechando acordos. Hoje 70% do comércio do Brasil vai para as

Américas, e as vendas se dão, em grande parte, de produtos industriais, os quais

têm preferências que nós negociamos no passado, na época da ALADI, por causa

do MERCOSUL.

E se isso tudo for engolido por uma ALCA sem o Brasil? Nós vamos continuar

conseguindo exportar automóveis e outros produtos para a Bolívia, o Peru e outros

países? Hoje nós temos preferência nesses mercados, e amanhã poderemos não ter

mais — e amanhã não é daqui a 10 anos, quando for finalmente aprovada a nossa

reforma tributária; é no ano que vem, é daqui a 2 ou 3 anos.

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Portanto, nós temos que ser mais pragmáticos. Eu concordo que hoje o Brasil

tem problemas estruturais de competitividade em algumas áreas. Em outras, no

entanto, nós somos líderes mundiais. Hoje nós somos os melhores ou estamos entre

os três melhores do mundo em agricultura. E isso não é pouco, porque, conforme foi

dito aqui, algo maravilhoso que aconteceu nos últimos anos foi a mudança do

pensamento generalizado de que a agricultura é um setor decadente, pois exporta

apenas commodities; que o Brasil só faz produtos básicos.

Hoje está mais do que provado que esse é um dos setores mais dinâmicos da

economia mundial. Por quê? Porque a China resolveu comer direito. Antes ela

consumia 7 quilos de carne por habitante, por ano, e agora vai consumir 8 quilos por

habitante, por ano. Um quilo a mais por chinês, por ano equivale à atual exportação

brasileira de carne. E o Brasil consome quase 40 quilos de carne por habitante, por

ano. Vejam V.Exas. o que representa um quilo a mais por chinês! Equivale a um

Brasil, atualmente o maior exportador mundial de carne bovina!

Portanto, existe espaço hoje para o Brasil crescer exportando comida. E isso

depende de negociação, de uma postura pragmática. O que nós não podemos fazer

é achar que temos que esperar a aprovação da reforma tributária, porque, com ela,

nós vamos competir. Não. Nós temos que usar a negociação, que nos impor a um

longo período de adaptação, como vetor para fazer a reforma ser aprovada mais

rapidamente. E isso é possível. Na minha opinião, é totalmente possível que a

negociação caminhe e seja realmente um elemento para fazer as reformas andarem.

Elas são necessárias; absolutamente necessárias.

O SR. DEPUTADO LUIZ CARLOS HAULY - Desejo fazer apenas uma

ponderação.

A reforma tributária não tem como objetivo tratar de vendas, mas de compras.

Ela cria mecanismos contra o produto que chega ao Brasil. É por isso que eu falo em

harmonização tributária. Eu não tenho medo da exportação, porque o produto que é

vendido sai zerado, mas o problema é a competitividade interna, que nós não temos,

devido ao excesso de incentivos fiscais, de evasão, de elisão.

Há que se considerar que, além dos 36% do PIB arrecadados, há mais 16%

que não o são, devido à evasão, que está dividida um pouco em incentivos, um

pouco em elisão, um pouco em sonegação e outro tanto em corrupção.

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A preocupação, portanto, é com o mercado interno brasileiro. É claro que nós

temos unidades industriais que podem vender para qualquer país do mundo.

O SR. MARCOS SAWAYA JANK - Eu só queria fazer uma observação.

É verdade o que disse V.Exa., Deputado, mas nós temos que lembrar que,

quando fazemos uma negociação como a ALCA ou qualquer outra, damos às

importações o mesmo tratamento fiscal que dispensado aos produtos feitos no

Brasil. Certo? Portanto, se o nosso produtor paga ICMS, COFINS etc., teoricamente,

nós temos todo o espaço para impor ao produto importado o mesmo conjunto de

taxações a que o nosso produtor está sujeito. A diferença que existe é apenas algo

chamado tarifa de importação, a qual hoje já é muito baixa no Brasil.

Ou seja, conforme eu disse no começo da minha intervenção, o grande

impacto da abertura brasileira já ocorreu nos anos 90, quando nós derrubamos a

tarifa de 60% para 12%. E isso foi muito cruel, porque foi feito numa época em que o

câmbio estava subvalorizado e taxas de juros, altíssimas. Portanto, a grande

estruturação da economia já aconteceu. Um processo de adaptação à ALCA hoje

será muito mais lento e suave do que o que já aconteceu àquela época.

Por isso, eu continuo achando que a adesão à ALCA pode ser um elemento

indutor para completar essas reformas, mais do que nós ficarmos parados

esperando uma reforma durante talvez 5 ou 10 anos, para que saia alguma coisa —

e talvez nem saia —, e vendo à nossa volta uma explosão de acordos que poderão

deslocar investimentos e comércio daqui para outros países.

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - São 16h50min e, por

isso, a Presidência encarece aos Srs. Deputados que sejam objetivos nas suas

proposições.

Evidentemente nós nos sentimos honrados com as exposições dos nossos

convidados, mas também a eles pedimos que procurem precisar melhor o debate,

para que todos tenham oportunidade de dele participar.

Concedo a palavra ao Deputado Ivan Valente.

O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE - Sr. Presidente, senhores debatedores,

tentarei ser o mais objetivo possível, embora o assunto seja de grande alcance.

Começo dizendo ao debatedor Dr. Marcos Jank que o unilateralismo e o

multilateralismo podem ser adotados de diversas formas. Os Estados Unidos, por

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exemplo, são multilateralistas quando lhes interessa. O Fundo Monetário

Internacional e o Banco Mundial são organizações multilaterais — que eles

controlam, porque são sócios majoritários. Quando necessitaram invadir o Iraque, no

entanto, foram unilateralistas e mandaram a ONU às favas.

A China e a Índia, que não dependem do Fundo Monetário Internacional,

apresentam os maiores índices de crescimento econômico da década, conforme

V.Sa. sabe. Cresceram entre 8% e 10% ao ano no período.

Então, veja que isso é uma questão relativa.

A segunda questão que quero abordar — e sobre a qual gostaria de ouvir o

comentário dos nossos debatedores — é o fato de que a decisão de participar da

ALCA não é uma questão técnica. Embora seja necessário o suporte técnico para

tomar a decisão, ela é uma questão política. E é por isso que o Parlamento vai

apreciar a matéria, aprovando ou não o acordo que cria a área de livre comércio.

Não se trata, portanto, de decisão executiva, mas política, que vai levar em conta

todo um conjunto de outras decisões.

Tratarei, agora, de provocar um pouco os dois debatedores.

O Dr. Marcos, da Associação Comercial do Paraná, levantou uma questão de

que o outro debatedor, Dr. Marcos Jank, não tratou: a necessidade de criarmos

gaiolas para apanhar tubarões, uma vez que a luta da ALCA é de tubarões contra

sardinhas. Eu gostaria que V.Sas. debatessem um pouco sobre isso.

Eu acho que se trata de discutir que assimetrias existem entre países com

níveis de desenvolvimento díspares, como os Estados Unidos e outros países da

América Latina, mais particularmente outros países mais atrasados do que o Brasil.

A diferença está aí. Então, por exemplo, eu gostaria que comentassem se qualquer

país que vai negociar com outro — ou outros — não deve levar em conta essas

assimetrias. Aí entra, é óbvio, o problema da proteção e dos tratamentos

diferenciados. Assim não há acordo, mas desvantagem geral sobre as questões. É

claro que num acordo se fazem concessões, mas há as assimetrias que devem ser

levadas em consideração.

Quanto ao quarto ponto que quero abordar, farei uma pergunta. Eu ouvi do

Dr. Marcos Jank, durante a sua exposição, que a ALCA é responsável por 50% do

comércio do Brasil. Mas qual ALCA? A ALCA não existe ainda!

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E eu pergunto o seguinte: se o Brasil é responsável por 5% do PIB latino-

americano e o Estados Unidos são responsáveis, sozinhos, por 80% dele, o NAFTA

é responsável por quanto, se somarmos mais o Canadá e o México?

Para mim não há ALCA sem o Brasil. Desculpe-me, mas não há. O

bilateralismo existe porque a capacidade de atração e de imposição do império

americano é tão grande que não resta outra solução a países do Caribe que não

fazer acordo bilateral. Eles não têm outra solução. Por isso, vendem para os Estados

Unidos banana etc. Mas o Brasil tem formas — e neste ponto eu concordo com

V.Sa. — de viver sem esses acordos. Concordo com V.Sa. que o G-20 talvez tenha

sido um dos maiores avanços conquistados pelo atual Governo.

O sentido de resistência à ALCA que o Governo brasileiro está dando é

correto, absolutamente correto, porque não é tão simples dizer que nós abriremos

nossas compras governamentais, nossos serviços, a propriedade intelectual e eles

farão o mesmo. Eles não farão isso! Com isso eu não quero dizer que a União

Européia fará.

Vejam, a OMC também é um órgão multilateral, mundial, no qual hoje o Brasil

obteve, teoricamente, uma vitória sobre a questão do algodão. E lá também os

grandes se somam naquilo em que não têm divergências. Estados Unidos e União

Européia se somam nos pontos sobre os quais não divergem para fazer pressões

sobre os países que têm menos força, porque isso tudo é um jogo de pressões

políticas e de capacidade comercial.

Então, como o Brasil deve agir? Procurando as janelas, as contradições, a

negociação multilateral, a abertura para países do tipo da China, da Índia e da África

do Sul e também negociando com a União Européia.

A impressão que passam alguns estudiosos do tema é a de que, se a ALCA

não der certo, nós não comerciaremos mais com a América nem com os Estados

Unidos, o que não é verdade. É claro que o comércio continuará!

O que nós não podemos aceitar, me parece, é uma imposição. Eu queria que

comentassem isso. Há ALCA sem Brasil? Há, de verdade? Porque no MERCOSUL,

por mais que haja cisões — como a causada pelo Uruguai, país pequeno, que vacila

—, até agora há unidade entre Brasil e Argentina, e tal unidade diz respeito à

discussão sobre o MERCOSUL e a ALCA. E, se somarmos a Venezuela, que

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também tem posição contrária à criação da ALCA, é evidente será preciso os

Estados Unidos negociarem em outro patamar. Então, não há integração.

Integração é outra coisa — eu volto à discussão. Onde está a liberdade de

circulação das pessoas? Onde está a discussão sobre a unificação — que não

existe nem do MERCOSUL — das questões salariais e do salário mínimo etc.? Isso

não se discute!

O livre comércio e a livre circulação de capitais são algo muito bom, mas para

alguns. Eu quero saber qual é o impacto disso na vida do povo, na nossa

capacidade de competição. Não é só aumentando as exportações que se melhora a

vida do povo. Temos que ver se isso realmente virá em benefício da distribuição de

renda, do crescimento sustentável etc. São esses aspectos que, na minha opinião,

qualificam nosso debate no Parlamento

Infelizmente, não tenho mais tempo, embora tivesse outras perguntas a fazer.

Agradeço a tolerância do Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Muito obrigado,

Deputado Ivan Valente.

Concedo a palavra à Deputada Dra. Clair.

A SRA. DEPUTADA DRA. CLAIR - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados,

inicialmente, manifesto minha satisfação por ter na Mesa um paranaense, o Dr.

Marcos Domakoski, Presidente da Associação Comercial do Paraná.

Muito me orgulha ver na Mesa V.Sa., que sempre pauta o trabalho da

Associação Comercial por inúmeros debates acerca da economia, bem como de

vários outros temas relacionados com o setor de comércio, com a ALCA, além de

outros assuntos de interesse não só do comércio, mas de toda a nossa Nação.

Pergunto a V.Sa.: que reflexos poderá ter sobre o comércio do nosso País

uma liberalização comercial nos moldes propostos pela ALCA?

Quero, ainda, fazer ao Sr. Marcos Jank uma pergunta a respeito do

desequilíbrio existente entre os diversos países. V.Exa. disse que o PIB dos Estados

Unidos é o equivalente a 80% do de todos os outros países e que o do Brasil

representa 5%. Nos outros países, a representação em termos do comércio mundial

é menor do que a do Brasil. Eu pergunto, portanto, a V.Sa. como nós poderíamos

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possibilitar o equilíbrio entre esses 34 países com a liberalização total das tarifas

entre eles.

Considerando-se que os Estados Unidos têm maior PIB, melhor tecnologia,

produtividade mais acentuada, incentivo à pesquisa, se houver a total liberalização

das tarifas, nos moldes propostos pela ALCA — geral, genérica, abrangente, como

se diz —, ela não prejudicará os outros países, exatamente por causa desse

desequilíbrio?

Nós não teríamos que, como se fez na União Européia, verificar os países

que têm maiores dificuldades em relação aos que têm maior poder e estabelecer

algumas compensações, antes de propormos a criação de uma ALCA tão

abrangente e a implementação dessas tarifas liberalizantes?

Enfim, como nós vamos promover o equilíbrio entre esses diversos países?

Quero acrescentar, ainda, respondendo inclusive ao Deputado Magalhães,

que o Governo Lula, quando assumiu o poder, herdou vários problemas, entre os

quais uma dívida muito pesada e um Risco Brasil muito acentuado. Infelizmente,

está, hoje, tendo que administrar essa herança.

Mas quero também ressaltar que neste ano aumentou sensivelmente o

volume de colocação dos nossos produtos no comércio mundial, ponto bastante

positivo alcançado pelo Governo Lula, apesar da herança maldita que recebeu. Tal

volume passou de 1% para 1,04% ou não sei exatamente quanto — sei que houve

significativo aumento —, apesar das dificuldades que encontramos, a maioria

relacionada ao Governo anterior.

Muito obrigada.

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Presumo que a

Deputada Dra. Clair tenha pretendido fazer referência às observações do Deputado

Antonio Carlos Mendes Thame. Digo isso apenas para que o registro taquigráfico

consigne adequadamente, uma vez que não há nenhum Deputado Magalhães

presente.

O Dr. Marcos Domakoski, quando veio colaborar conosco, avisou-nos que

tem um compromisso inadiável, um vôo. Por isso, indago aos 2 Deputados inscritos

se têm alguma pergunta específica para S.Sa., pois, em caso afirmativo, ele as

responderá e em seguida se retirará da reunião.

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Concedo a palavra ao Deputado Feu Rosa.

O SR. DEPUTADO FEU ROSA - Eu tenho, Sr. Presidente.

Eu gostaria de tratar de 2 assuntos.

É claro que eu teria comentários a fazer sobre a questão de nossos tributos,

as reformas, o MERCOSUL, o Paraná, São Paulo, Espírito Santo e Minas Gerais,

mas, considerando a premência do tempo, falarei especificamente sobre um ponto.

Em primeiro lugar, agradeço a V.Sa., Dr. Marcos, por ter vindo aqui e feito a

brilhante palestra com que nos brindou. Na sua exposição foram abordados pontos

muito interessantes. Em muitas áreas, ela abriu um pouco mais a minha mente e

enriqueceu sobremaneira a Câmara dos Deputados e esta Comissão.

Dr. Marcos, quando V.Sa. disse que as compras governamentais no Brasil

somam cerca de 7 bilhões de dólares e as compras governamentais nos Estados

Unidos somam 200 bilhões de dólares, V.Sa. se referiu às compras da União, dos

Estados e dos Municípios ou só às da União?

O SR. MARCOS DOMAKOSKI - Na verdade, é V.Exa. que está

quantificando. O que eu disse é que 10% do PIB brasileiro é destinado às compras

do Governo Federal e que 20% do PIB americano é o que corresponde às compras

federais americanas. Então, os números V.Exa. está obtendo com base nos

percentuais do PIB. Mas foi isso que eu disse.

O SR. DEPUTADO FEU ROSA - Mas eles se referem apenas às compras do

Governo Federal? Não se refere às de Estados e Municípios também?

O SR. MARCOS DOMAKOSKI - Não, os 10% se referem apenas ao Governo

Federal.

O SR. DEPUTADO FEU ROSA - Então, de fato, o número é muito maior do

que esse.

Desejo tratar de outro ponto. Na época em que o Sr. Requião era Presidente

da Comissão do MERCOSUL e eu era Secretário Geral do colegiado, nós fomos ao

México, onde tivemos oportunidade de saber muitas coisas a respeito do NAFTA etc.

Na ocasião, soubemos de algo muito interessante: grande parte das médias,

pequenas e microempresas do México — na época parece que se falava em 30 mil

—, consorciadas ou mesmo sozinhas, levaram seus funcionários todos e saíram do

México rumo ao Estado do Texas, onde mais de 50% da população fala espanhol.

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De lá vendiam para o Governo do Texas e para o Governo dos Estados Unidos,

quando podiam, na condição de empresas americanas. Ganhavam as

concorrências, obtinham seu lucro e o remetiam para o México.

Por isso, eu pergunto: existiria algum mecanismo brasileiro — em especial

algum que ligasse o Rio Grande do Sul, o Paraná, Santa Catarina, possivelmente

São Paulo e uma parte de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, Estados em que, pelo

que eu conheço, as associações de médias, pequenas e microempresas são mais

organizadas, mais ativas, mais conflitantes e conseguem maiores benefícios para os

seus associados e são bem mais informadas sobre o assunto — que permitisse que

as empresas brasileiras fizessem o mesmo? Existiria na ALCA algum impedimento

relacionado ao Small Business Act, dos Estados Unidos, a tal iniciativa? Existe a lei

americana que determina que compras de 2.500 a 100 mil dólares só podem ser

feitas pelo Governo de pequenas empresas, o que é uma quantidade imensa de

vendas.

Como nós temos competitividade, em muitas áreas temos mão-de-obra mais

barata e agora dispomos do recurso da Internet, essas associações de

microempresas e de pequenas empresas não poderiam se localizar em algum

Estado americano — mesmo que fosse virtualmente, com pequenos investimentos

—, conhecer a lógica empresarial de pequena empresa nos Estados Unidos e, lá

dentro, fazer parte das empresas que vendem para Governo Federal, o dos Estados

e o dos Municípios americanos?

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - São suas indagações,

nobre Deputado?

Deputado Zarattini, a Mesa já sabe que as questões de V.Exa. são dirigidas

ao Dr. Marcos Jank e, portanto, podemos deixar a intervenção de V.Exa. para o

momento adequado.

Eu quero aproveitar este momento para que todos os Deputados formulem as

perguntas dirigidas ao Dr. Marcos Domakoski, uma vez que S.Sa. vai se retirar da

reunião. (Pausa.)

Concedo a palavra ao Dr. Marcos Domakoski.

O SR. MARCOS DOMAKOSKI - Começarei me dirigindo ao nobre Deputado

Ivan Valente.

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Eu concordo com V.Exa. Acho que a questão da criação da ALCA é política.

Demanda embasamento técnico, mas é política. E por isso ressalto a sensibilidade

de V.Exas., Parlamentares, e desta Comissão com relação ao ideal democrático de

que o Governo não tem mandato para realizar sozinho os acordos internacionais

que possam comprometer a nossa soberania.

Acho, portanto, que se trata de questão política, sim.

Quanto à assimetria, acho que pode ser combatida com negociação eficiente

e com a criação de gaiolas, como, por exemplo, a reserva das compras públicas.

V.Exa. se referiu ao Canadá e ao México. O Canadá tem 5% desse montante

todo e o México, 3%. Então, de fato, eu acho que nós, como sardinhas, temos que

criar essas gaiolas e usar a competência do Itamaraty — que, como bem disse o

meu companheiro de Mesa e palestrante, Dr. Marcos Jank, é um dos quadros mais

talentosos do mundo — a nosso favor para criarmos condições que nós dêem ganho

de competitividade. E aí acho que o famoso BRIC , composto por Brasil, Rússia,

Índia e China, pode ser um elemento importante para ser conduzido paralelamente,

até para reforçar o nosso poder de negociação com a União Européia e os Estados

Unidos.

A negociação é política? É política, sim. E eu acho que nós acreditamos

nessa política do Itamaraty para tirar vantagens dessa situação e compensar as

assimetrias.

Com relação à pergunta da nossa amiga Deputada Dra. Clair sobre a

liberalização e os seus reflexos — como as minhas transparências não puderam ser

exibidas, eu vou me valer da transparência do Dr. Marcos Jank —, devo dizer que,

se a proposta original fosse aceita, acho que seria realmente um desastre para o

nosso País, não só em termos de desindustrialização, como de perda de postos de

trabalho. Apenas alguns setores específicos, nos quais o Brasil é altamente

competitivo, sobreviveriam. Não me refiro apenas à agricultura, mas ao setor do

papel e da celulose, por exemplo, que compete em qualquer situação, na medida em

que o eucalipto aqui cresce na metade do tempo necessário no Hemisfério Norte.

Então, segmentos isoladamente teriam condições de competitividade. Mas, se fosse

assumida aquela ALCA geral e irrestrita, eu acho que sacrificaria muito o nosso

desenvolvimento econômico.

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Finalmente, nobre Deputado, quanto à possibilidade de as empresas

brasileiras se agruparem e poderem competir no mercado americano, eu não sei se

nós estaríamos preparados para isso, até porque hoje a pequena e a média

empresas brasileiras, principalmente, estão lutando muito para sobreviver. Não

obtiveram lucro nos últimos 3 anos, têm tido seu capital reduzido, não estão

conseguindo gerar crescimento e novos postos de trabalho. Portanto, neste

momento de fragilidade, acho pouco provável uma aventura, digamos, em novos

espaços, em novos mundos etc. Não digo que isso não possa ocorrer. Sim, nós já

fizemos isso em outras partes do mundo. Mas não veria isso como a regra e, talvez,

como a exceção.

Sr. Presidente, eu gostaria, por fim, de agradecer muito a oportunidade de ter

trazido aqui algumas reflexões, na condição de engenheiro que luta com seu

negócio para sobreviver. Para mim e para a entidade que presido foi um privilégio

poder ter participado desta exposição, deste debate, que por certo enriqueceu muito

minha pessoa e minha entidade.

Agradeço, portanto, o privilégio de ter podido participar desta reunião.

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Dr. Marcos

Domakoski, tenho certeza de que a Associação Comercial do Estado do Paraná está

honrada com o Presidente que tem. A Comissão de Acompanhamento das

Negociações da Área de Livre Comércio das Américas também se sentiu honrada

pela positiva e rica contribuição dada por V.Sa. na reunião de hoje.

Em caráter excepcional, inclusive como deferência ao valoroso Estado do

Paraná, nós permitimos esse fracionamento do depoimento, até para mostrar que a

Casa é muito mais flexível do que alguns negociadores da ALCA.

A reunião é profundamente gratificante. Lamento que V.Sa. tenha que se

retirar, mas desejo que leve da Casa o agradecimento por sua ponderável

contribuição na tarde de hoje.

Concedo a palavra ao Dr. Marcos Jank.

O SR. MARCOS SAWAYA JANK - Obviamente, vou discordar dessa idéia de

que a liberalização destruiria a empresa brasileira, até porque temos uma

experiência de liberalização unilateral, feita nos anos 90, muito maior do a que está

se falando hoje, e percebemos que a indústria continua presente. As empresas

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desaparecem muito mais por causa de erros de política pública, erros cambiais

crassos, do que efetivamente da liberalização. Para deixar bem claro, estamos

falando de uma tarifa que hoje está em 12% e poderá cair a zero em 20 anos. Tenho

a impressão de que uma economia que não sobreviva a uma queda de tarifa de

importação de 12% em 20 anos, realmente tem de perecer, porque esses ganhos de

produtividade têm de existir. Aliás, na realidade, nossa tarifa efetiva é muito menor

do que 12%. Doze por cento é a tarifa de nação mais favorecida. A tarifa real

brasileira é de 7%. Muitos países hoje gozam de tarifa zero no Brasil, caso dos

países do MERCOSUL. Portanto, não consigo enxergar essa tarifa como um efetivo

meio de garantir competitividade. Talvez fosse há 10 anos. Talvez naquela época se

pudesse dizer que a indústria iria perecer. Hoje, o que pode fazer a indústria perecer

não é a tarifa, e, sim, erros de política pública. Agora, alguém vai sempre dizer que

temos de engolir outras negociações, compras governamentais, investimentos,

serviços, etc., e não apenas tarifa. Claro, é verdade. Mas temos enorme espaço na

legislação brasileira para fazer concessões, e, cedo ou tarde, faremos essas

concessões a alguém. Se não queremos negociar com os americanos, pelas razões

mais diversas, inclusive de cunho ideológico, os europeus vão pedir a mesma coisa.

Se não forem eles, serão os japoneses ou os chineses. Digo que esses temas

voltarão à mesa em qualquer frente de negociação. Só quem não vai pedir isso são

os países pequenos. Mas eles vão pedir compensações. Da mesma maneira como

queremos ser compensados na ALCA, talvez pelos Estados Unidos, tenha certeza

de que se abrirmos a porta da compensação, mais de 20 países da ALCA vão pedir

compensações para o Brasil, porque, perto deles, consideram o País rico.

Aliás, está acontecendo um escalonamento perigoso hoje, uma tentativa de

dividir o Terceiro Mundo em dois grupos, o dos superpobres e dos meio pobres. O

grupo dos superpobres quer que os meio pobres, onde está encaixado o Brasil,

pague uma parte da conta das benesses que têm. Portanto, não é tão simples

assim. A maior parte da África está cooptada com os países ricos contra as

economias mais competitivas. Por que não conseguimos abrir a agricultura? Apenas

porque existe lobby nos Estados Unidos e na União Européia? Essa é uma visão

simplista. É porque mais de 100 países no mundo hoje têm quotinhas, esquemas

preferenciais, subsídios dos países ricos. Existe uma aliança entre os mais pobres e

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004

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os mais ricos contra os mais competitivos na agricultura. Quem não viu isso é

porque realmente nunca analisou a fundo a situação. Temos de tomar cuidado com

essa história de compensação. Claro que seria ótimo se a ALCA fosse uma união

americana como é a União Européia. Também preferiria que caminhássemos nessa

direção. Mas até agora isso não foi oferecido. E nem a Europa fará isso conosco.

Está ocorrendo uma zona de livre comércio, que pode ter um formato hemisférico ou

de 100 acordos bilaterais. Isso é o que vai acontecer. Claro que a ALCA, no seu

sentido inicial, não existe sem o Brasil. Mas, sem o Brasil, existirão 100 acordos de

comércio que poderão desviar nosso interesse.

Volto a dizer: há anos discutimos se queremos ou não a ALCA. Claro que se

trata de problema político. Agora, além de político, o problema é técnico.

Tecnicamente há espaço para o Brasil fazer concessões na ALCA, as mesmas que

terá de fazer para a União Européia ou para qualquer outro bloco. Interessa que o

Brasil não se isole. Se não queremos a ALCA, temos de ter um plano b muito bem

construído. Essa idéia de tubarão versus sardinha não casa. Se fosse assim, por

que o Uruguai faria acordo com o MERCOSUL? Qual o interesse do Uruguai em se

aproximar do Brasil. Quer dizer que foi um péssimo negócio para o Uruguai? Para

Portugal, para a Grécia e, agora, para a República Tcheca e para esses pequenos

países é um péssimo negócio se integrar à Alemanha ou à Inglaterra? Será que é

um péssimo negócio para a América Central se integrar aos Estados Unidos? Então,

por que é que eles querem a integração? Será que estão todos eles equivocados?

Será que quando assinaram acordos com os Estados Unidos estavam tendo um

surto de loucura? Não, eles estão apenas seguindo uma lógica, e essa lógica passa

por esquemas preferenciais com os Estados Unidos. Eles darão essa preferência. A

Colômbia deu porque quer apoio para combate à droga e outras razões mais. O

México também, e o México tem o nosso tamanho. Alguém pode alegar que o

México está ali do lado, tem fronteira. Ora, o Chile e a Austrália também deram, a

Tailândia e a África do Sul darão, e a China também, em algum momento. Não

tenham dúvida disso. Está todo mundo negociando com todo mundo. Acho que não

devemos pensar se somos grandes ou pequenos. A pergunta é outra: conseguimos

ou não conseguimos fazer um acordo balanceado?

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004

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As pessoas acham que eu sou um defensor da ALCA. Não, não sou. Ainda

nem há ALCA hoje para ser julgada. Por isso fui contra o plebiscito que se quis

fazer. Plebiscito sobre o quê? Não havia nada, como hoje ainda não há. Sou sim a

favor da negociação. Acho que a negociação tem de ser feita, com pragmatismo e

também com viés político, é claro. Eventualmente, buscar-se-á este ou aquele

caminho.

Eu entendo que este Governo tem maior dificuldade com a ALCA do que o

Governo anterior, mas precisamos ser pragmáticos. A ALCA seria um caminho até

para conseguirmos um melhor acordo com a Europa. E, se não fizermos acordo com

a Europa, o que vai nos sobrar? China? Índia?

Muito bem. Estou louco para ver o dia em que nos sentaremos com a China e

pediremos a eles pleno acesso ao mercado agrícola. Quero ver o que eles nos dirão.

Tenho absoluta certeza de que eles serão muito mais reticentes do que os

americanos, e por uma razão muito simples: 50%, 60%, se não 70% da população

chinesa está em zona rural, migrando para as cidades em busca de melhores

empregos. Se eles abrirem totalmente seus mercados agrícolas, haverá uma

enchente de pessoas indo para as cidades. Por isso eles querem investir no Brasil.

Eles não vão abrir seus mercados agrícolas com a facilidade que alguns imaginam.

Temos, portanto, de agir com pragmatismo. Há espaço para melhorar nossa

oferta sem ferir o interesse nacional, sem ferir a tal política industrial que queremos

preservar, sem ferir a política tecnológica.

Compras governamentais é um mercado perigoso? Sim, então vamos fazer

um acordo balanceado. Vamos preservar o que o Estado compra das pequenas

empresas, mas vamos abrir a concorrência para grandes empresas. Por que não?

Até o Estado poderá comprar mais barato. E vamos pedir a reciprocidade. Talvez a

gente perca numa concorrência das compras que a PETROBRAS fará de, sei lá,

eventuais plataformas. Mas, por outro lado, pode ser que consigamos vender

produtos para o Governo americano ou outros Governos latino-americanos.

Precisamos tratar esse comércio com pragmatismo. Podemos conseguir

acordos balanceados, em vez de simplesmente rejeitar determinadas frentes de

negociação em troca de algo que até hoje não está claro.

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004

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O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Tem a palavra o

Deputado Feu Rosa. Em seguida falará o Deputado Zarattini.

O SR. DEPUTADO FEU ROSA - Dr. Marcos, eu gostaria de elogiar esse seu

posicionamento. Na campanha passada eu era do PSDB. Hoje estou na base

governista, por inúmeras razões. Estou muito preocupado com a ALCA porque,

desde que resolvemos no Brasil promover a substituição de importações para

ampliar nosso desenvolvimento, não vi nada semelhante à ALCA como a

possibilidade de entrarmos num sistema real de comércio global, de comércio

internacional.

O que o senhor disse nesta palestra, que eu julgo extremamente lúcida,

brilhante até, tenho repetido nesta Comissão, na Comissão do MERCOSUL, no

plenário da Câmara dos Deputados. Acho mesmo que não existe hoje, em razão de

uma série de fatores econômicos e financeiros, saída para o Governo Lula que não

seja via ALCA, e uma ALCA bem amplificada.

O Dr. Marcos disse que não sabe qual é o destino da pequena e da média

empresa no Brasil. Pois esse destino depende da abertura do nosso mercado.

Vamos analisar um item apenas: contas governamentais. Para brasileiros ter

essas contas é uma dificuldade enorme. Quando afundou a P-36 nós lutamos muito,

até o Presidente Lula teve de interferir para que, por causa de 6%, a nova

plataforma não fosse produzida em Cingapura. E Rio de Janeiro sofrendo um

tremendo desemprego. A realidade brasileira é essa.

Eu diria que não há saída para o Governo Lula que não seja a ALCA. Só

assim o Brasil se posicionará com tranqüilidade no comércio mundial.

É ridículo, mas hoje em dia o Brasil tem 1% do mercado mundial. Um país

como o Brasil contribuir com 1% para o mercado mundial!? É preciso ter o espírito

muito medíocre para achar que isso tem alguma importância.

Agora vamos passar para o reverso da medalha. Será possível para nós

exportar 300 bilhões de dólares por ano e importar 250 bilhões de dólares por ano?

É claro que não. Então, temos de criar condições de sustentabilidade para a

exportação e a importação possíveis. Imaginem se fôssemos exportar hoje 300

bilhões de dólares! Pararia o Brasil todo, todos os nossos portos. Não temos infra-

estrutura para isso, nem para exportar nem para importar.

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004

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Em burocracia nem se fale. Sr. Presidente, para colocar qualquer mercadoria

num caminhão no Espírito Santo e despachá-la para Minas Gerais a papelada é

enorme. E, se esse mesmo caminhão vai voltar para o Espírito Santo, é outra

papelada.

Tarifa externa comum? Que tarifa externa comum do MERCOSUL é essa, se

não há tarifa interna comum?

O Dr. Marcos disse uma coisa brilhante. Vamos esperar a reforma tributária

para o Brasil se desenvolver? Isso é uma piada. E o modelo está aí. ALCA e União

Européia é muito mais complicado. Nós até já discutimos isso na Comissão

anteriormente, Sr. Presidente.

Eu queria fazer uma pergunta.

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Deputado Feu Rosa,

desculpe-me interrompê-lo, mas está tendo início a Ordem do Dia. Eu peço a V.Exa.

que conclua, para que possamos encerrar nossos trabalhos.

O SR. DEPUTADO FEU ROSA - Concluirei.

Dr. Marcos, eu acho que existem pessoas do próprio Governo Lula sabotando

o Governo, no Itamaraty, na classe política etc. Quem está tentando impedir o

acordo? Eu fui muito menos votado porque era a favor da ALCA. Eu via minha

fotografia em tudo quanto é igreja com a indicação de que eu era a favor da ALCA.

Em tudo quanto é lugar vi esse tipo de coisa. Acho que o Deputado José Thomaz

Nonô também passou por isso. E ninguém sequer sabia o que era ALCA. Era uma

coisa louca, ideológica, e, no fundo, muito promíscua.

Mas sobrevivemos. Minha pergunta é esta: que interesses estão por trás

desses sabotadores? No meu entender, sabotadores sim, porque não há outra saída

para o Governo Lula. O Governo tem poucos meses para dar a arrancada final para

sua sucessão, e haverá eleições este ano. Quais são os interesses por trás dessa

verdadeira barreira contra a entrada do Brasil no mercado real global? O que é que

está se passando neste País? Será que esse povo está louco, completamente

cego? Estamos com 1% do mercado.

Há 20 anos tínhamos o dobro das exportações da China, hoje não temos nem

a metade. Nossas reservas não chegam a 25 bilhões de dólares, como o senhor

bem sabe, enquanto as da China são de 260 bilhões. Eles armaram uma tecnologia

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para exportar para os Estados Unidos e até para a Europa. Nós temos essa

tecnologia? Estamos exportando por causa do agribusiness, nisso a gente dá show

de bola. Mas as pequenas e médias empresas estão aí, conforme descreveu o Dr.

Marcos, pagando 40% de carga tributária. O que é que está por trás desses que eu

julgo verdadeiros sabotadores do novo modelo de desenvolvimento do Brasil? A

abertura do nosso mercado é que trará investimento direto e indireto para o País,

entrada de divisas, de investimentos e não de créditos, de bancos emprestando para

o Brasil, contra o Governo Lula, que nesse caso agora é contra o Brasil. O que está

impedindo esse Governo de dar essa alavancagem e alcançar 2 a 5% do comércio

mundial? Gostaria que V.Exa., que é um estudioso mais profundo da matéria — e

nós vimos o seu real conhecimento sobre o assunto — respondesse a essa

pergunta.

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Dr. Marcos, o

Regimento da Casa obriga que, tendo início a Ordem do Dia, as reuniões sejam

encerradas. Mas, como se trata do último Deputado a inquiri-lo — Deputado Feu

Rosa —, peço a V.Sa. que não apenas responda as indagações, na medida do

possível, mas aduza as suas considerações finais, com os agradecimentos da

Presidência.

O SR. MARCOS SAWAYA JANK - As forças, conhecemos quais são. Há

forças anticomércio, antiintegração. E aqui mesmo, nessa Mesa, nós vimos o

Presidente de uma associação comercial anticomércio. Quer dizer, pelo que entendi

de suas posições, foram essencialmente anticomércio internacional, preservação do

mercado interno. Obviamente, a idéia seria — ou pelo menos eu penso assim — de

que uma associação comercial buscasse incrementar o comércio. Mas não é isso

que acaba acontecendo. Existem setores que entendem que o fechamento, que uma

economia fechada e tal seja uma solução mais adequada. Eu entendo que não.

Por exemplo, se pegarmos as estatísticas, quais são os países que mais

tiveram crescimento de comércio? São países que fizeram integrações ambiciosas,

como o caso do México, do Chile, que tiveram um grande crescimento nos volumes

totais de comércio. As importações e exportações, no México, cresceram nas duas

direções, e a relação entre comércio total e PIB do México aumentou enormemente.

Sempre se poderá dizer: Ah, mas o Norte se beneficiou, o Sul se prejudicou. Isso é

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de se esperar que venha a ocorrer. É claro que o ganho não é para todo mundo;

sempre há ganhadores e perdedores. Mas o fato é que o México conseguiu

incrementar violentamente seu comércio e hoje é muito mais importante do que o

Brasil. Hoje, o México faz, na ida e volta, mais de 300 milhões de dólares. Quais os

outros países que fizeram isso? Países que tiveram ganhos de competitividade,

como a China, ao oferecer produtos baratos, ou tiveram crescimento de renda per

capita, como a China tem tido, e está muito abaixo ainda da renda brasileira.

São esses os grandes exemplos nos quais temos de nos mirar. O Brasil tem

de ganhar competitividade para poder exportar — e para isso tem toda essa história

de Custo Brasil, impostos, infra-estrutura. O que está matando a agricultura hoje?

Não é mais a política agrícola, é o transporte. Hoje o que está matando a agricultura

não é mais um problema agrícola, é um problema de serviços, justamente uma das

negociações que não queremos abrir. Nós não queremos negociar serviços. Mas o

que está matando a agricultura é o setor de serviços — portos, estradas, energia,

comunicações etc. Precisamos atrair investimentos para conseguirmos melhorar a

rede ferroviária e hidroviária, porque estamos transportando mais 40 milhões de

toneladas numa rede mais deteriorada do que estava na época do Ministro

Francisco Turra. Portanto, teríamos de ter uma visão mais pragmática.

A ALCA é uma negociação necessária. Eu não sei se ela será um acordo

atraente para o Brasil, porque até hoje ainda não se chegou a esse acordo. Estamos

ainda muito longe disso. Esta Casa é que avaliará o acordo, mas a negociação tem

de continuar. Quando se pára uma negociação dessa magnitude, as outras

negociações são todas contaminadas. A negociação com a Europa já desandou,

porque a ALCA desandou. E eu não vejo outras opções se concretizando. Falou-se

que a América do Sul iria ser a nossa grande opção. O que há de concreto na

América do Sul? Vamos ser mais diretos: o que há de concreto hoje no

MERCOSUL? O que se está fazendo para resolver os problemas que o MERCOSUL

tem há anos? Eu acho que nós ainda estamos aqui, há muita coisa para ser feita.

Portanto, só para finalizar, eu não vim aqui para defender a ALCA, porque eu

não sei o que ela é. Eu vim aqui para defender que o Brasil seja extremamente pró-

ativo em negociação e, ao fazer isso, que o faça com países grandes, que busque

blocos ambiciosos e não que dê prioridade a países muito pequenos, com os quais

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até a relação política faz todo o sentido, mas que não vão nos trazer grandes

correntes comerciais e de investimentos.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Dr. Marcos, foi um

prazer contar com V.Sa.

Nós temos acompanhado as reuniões, inclusive as do CNC, a última e

inconclusa reunião de Puebla, que ainda ecoa em Buenos Aires e foi, sem dúvida

alguma, um desalento muito grande, porque, se países não conseguem se entender

sequer no elenco dos 9 pontos das tratativas e na discussão de acesso a mercados,

parou aí. Não conseguimos sequer avançar nos outros pontos — propriedade

intelectual, serviços, nada disso —, e evidentemente é uma discussão difícil.

Todos que acompanham de perto a matéria — e V.Sa. é um especialista

nela — sabem que há economias de assimetrias monumentais, com divergências

naturais, democráticas, divisão dentro dos próprios países nacionais, brutal diferença

entre sistemas tributários, sistemas legais de uma maneira geral entre essas

mesmas economias, e o acesso evidentemente preferencial da grande economia

dos Estados Unidos da América, sobretudo na área do CARECON, e outras

economias, sem nenhuma dimensão a ser confrontada com a do mercado norte-

americano. O processo é difícil, mas é válido fazê-lo.

A Presidência manifesta sua aquiescência e júbilo na visão dialética de que a

ALCA, por ora, é um processo. É importante participar do processo. O processo se

vincula, evidentemente, a outros temas e nós só podemos nos sentir enriquecidos

quando ouvimos um especialista como V.Sa. Ouvimos o Governo, Ministros,

autoridades do setor público. É fundamental que entidades autônomas, a exemplo

das associações comerciais, também venham aqui para dar sua visão.

As nossas diferenças de ótica evidentemente são uma decorrência imediata

da visão plural da sociedade brasileira. Mas nós temos esperança, como também

demonstrou V.Sa., que todo esse debate resultará numa posição, no fundo, pró-

Brasil, porque essa é a posição dos empresários, dos estudiosos, dos acadêmicos e,

claro, da sociedade brasileira aqui representada neste Parlamento.

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004

53

Antes de encerrar a presente reunião, convoco os Srs. Deputados para a

próxima a realizar-se no dia 4 de maio, às 14h30min, em plenário oportunamente a

ser designado.

Agradeço aos senhores convidados, aos Srs. Parlamentares e aos demais

pela presença.

Declaro encerrada a reunião.