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CÂMARA DOS DEPUTADOS
DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO
NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES
TEXTO COM REDAÇÃO FINAL
AS MULHERES NA REFORMA DA PREVIDÊNCIAEVENTO: Seminário N°: 0656/03 DATA: 03/06/03INÍCIO: 09h48min TÉRMINO: 12h48min DURAÇÃO: 03h00minTEMPO DE GRAVAÇÃO: 03h00 PÁGINAS: 47 QUARTOS: 36REVISÃO: Maria Teresa, Odilon, Patrícia Maciel, Silvia, Víctor, Waldecíria, ZilfaSUPERVISÃO: Márcia, Maria Luíza, MirandaCONCATENAÇÃO: Maria Luíza
DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃOMANINHA - Deputada FederalMARIA LAURA SALES PINHEIRO - Secretária-Adjunta de Políticas para as MulheresLAURA PAUTASSI - Feminista argentina estudiosa do tema “previdência”LAURA TAVARES - Doutora em Política Social, professora e pesquisadora da Universidade doEstado do Rio de Janeiro — UERJGUACIRA CESAR DE OLIVEIRA - Representante do Centro Feminista de Estudos e Assessoria— CFEMEAJANDIRA FEGHALI - Deputada FederalSALETE MACALOZ - Juíza FederalMISABEL DERZI - Professora, advogada e ex-procuradora-geral do Estado de Minas Gerais
SUMÁRIO: Seminário “As Mulheres na Reforma da Previdência: O Desafio da Inclusão Social”.
OBSERVAÇÕESHá intervenção em espanhol.Houve exibição de imagens.
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A SRA. COORDENADORA (Guacira Cesar de Oliveira) - Declaro iniciados os
trabalhos do Seminário “As Mulheres na Reforma da Previdência: o Desafio da
Inclusão Social”.
Convido para a abertura dos trabalhos a Deputada Maninha, que representa a
bancada feminina no Congresso Nacional. (Palmas.)
Estávamos esperando o Deputado Roberto Brant, Presidente da Comissão
Especial de Reforma da Previdência, para abrir os trabalhos, mas S.Exa. teve
problemas e, por isso, se atrasou. Resolvemos dar início ao seminário, porque
dispomos de apenas um dia, e a pauta está bastante longa.
Represento aqui o CFEMEA, uma das entidades que promove este seminário,
juntamente com a bancada feminina no Congresso Nacional e a Comissão Especial
de Reforma da Previdência. Contamos com o apoio da Articulação de Mulheres
Negras, da Articulação de Mulheres Brasileiras, da Rede Nacional Feminista de
Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos e da Comissão Nacional sobre a
Mulher Trabalhadora, da CUT.
Saudamos cada um dos que vieram participar deste evento.
Estamos aqui para debater as possibilidades de inclusão das mulheres no
sistema previdenciário e de superação dos obstáculos que hoje enfrentamos nesse
sistema. Em grande parte, essas dificuldades são devidas às restrições impostas
pelo próprio mercado de trabalho. Desejamos que as mulheres sejam levadas em
consideração nessa reforma. Temos de pensar em como as restrições impostas pelo
mercado de trabalho afetam as mulheres. Além disso, é preciso considerar que hoje
a maioria das mulheres trabalham na informalidade e que elas constituem o maior
percentual de desempregados do País. Muitas vezes, arcamos sozinhas e de
maneira desigual com as tarefas domésticas, ou seja, enfrentamos dupla jornada de
trabalho. O peso da discriminação e da desigualdade no mercado de trabalho fazem
com que sejamos excluídas do sistema previdenciário. Nesse sentido, precisamos
pensar em como a reforma previdenciária pode enfrentar essa situação e superar os
obstáculos.
Iniciamos este seminário a partir da convicção de que a Previdência Social
está inserida no conceito de seguridade social firmado na Constituição de 1988.
Nesse sentido, acreditamos que a inclusão das mulheres é possível.
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Sabemos que, entre os anos de 1988 e 1999, houve uma redução do nível de
pobreza em 11,3%, graças à Previdência Social. Esse dado mostra que a
Previdência faz parte da política social e que tem grande capacidade de promover
inclusão social e de combater a pobreza. São 18,1 milhões de pessoas. Se a
reforma previdenciária for feita pelo Congresso Nacional com a perspectiva de
gênero, temos certeza de que a inclusão será capaz de abarcar grande número de
mulheres. E esse é o nosso objetivo.
Nessa perspectiva, damos por aberto o Seminário “As Mulheres na Reforma
da Previdência: o Desafio da Inclusão Social”.
Concedo a palavra à Deputada Maninha, que, em nome da bancada feminina,
dará as boas-vindas a todas as companheiras.
A SRA. DEPUTADA MANINHA - Companheiras e companheiros, colegas
Deputadas, em nome da bancada feminina no Congresso Nacional, saudamos a
todos os presentes no Seminário “As Mulheres na Reforma da Previdência Social: o
Desafio da Inclusão Social”.
A Sra. Guacira fez uma avaliação conjuntural bastante importante sobre o
momento político que ora vivemos, em que estamos discutindo as reformas do
Estado. Nesse sentido, parece-nos da maior importância que a bancada feminina e
os Parlamentares integrantes da Comissão Especial da Reforma da Previdência
debatam com organizações, fóruns e redes de movimentos de mulheres a reforma
previdenciária.
A agenda política da bancada feminina foi e continua sendo fortemente
marcada pela relação com os movimentos de mulheres. Por isso, estamos
promovendo conjuntamente este evento com o CFEMEA e a Comissão Especial de
Reforma Previdenciária. Contamos com o apoio da Articulação de Mulheres
Brasileiras, da Articulação Nacional de Mulheres Negras, da Rede Nacional
Feminista de Saúde e da Comissão Nacional sobre a Mulher Trabalhadora, da CUT.
Para a bancada feminina, independentemente de nossas posições partidárias,
é prioridade discutir e formular propostas que nos permitam encarar a desigualdade
de gênero e étnico-racial no âmbito da seguridade.
Compartilho com todos o desafio de transformar o Estado mediante processo
democrático e participativo, tornando-o capaz de assegurar recursos para provisão e
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ampliação do acesso aos direitos sociais, condição fundamental para o
enfrentamento da exclusão social. Comungo com os presentes a certeza de que é
preciso uma transformação radical do modelo socioeconômico, com vistas a uma
política de igualdade de oportunidades na distribuição da riqueza do País.
Esses desafios, consolidados na Plataforma Política Feminista, aprovada em
meados do ano passado, são completamente atuais. Queremos hoje, como na
Constituição de 1988, fazer prevalecer o direito da cidadania sobre os direitos do
contribuinte e possibilitar a inclusão de considerável número de pessoas no sistema
previdenciário. Os últimos anos, entretanto, foram marcados por políticas que
fizeram aumentar a exclusão e provocaram grave crise no mercado de trabalho, que
afetou, de maneira ainda mais intensa, as mulheres.
A Previdência é a política social mais importante do País. Sua reforma,
portanto, deve ter como meta a justiça social. E o principal problema a ser
enfrentado pela reforma da Previdência é a exclusão da maioria da população
brasileira. Precisamos dar efetiva cobertura previdenciária a 58% da população
economicamente ativa, que está descoberta e precisa ser incluída. Se, além dessas
mulheres, considerarmos seus dependentes, estaremos falando de 101 milhões de
brasileiros e brasileiras que se encontram fora do sistema previdenciário.
A reforma da Previdência tem de ser justa com os servidores públicos. Afinal,
eles são fundamentais para a construção de um Estado forte, com capacidade para
promover a justiça social e a igualdade. A reforma, porém, não pode se restringir ao
serviço público; há de promover a inclusão social, ou não haverá sistema de
seguridade para a grande maioria das mulheres, tampouco para aqueles que não
têm carteira de trabalho e para quem não tem proteção social alguma.
O fato é que a crise do emprego avança, selecionando vítimas. No Distrito
Federal, por exemplo, a discriminação sexista e racista operante no mercado de
trabalho faz com que o percentual de mulheres na informalidade atinja 42,6% das
mulheres negras trabalhadoras, enquanto entre os homens brancos e amarelos essa
porcentagem não ultrapassa a marca dos 19,6%, segundo dados do DIEESE do ano
passado.
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Na Região Metropolitana de Recife, o quadro é pior: 54,5 % das trabalhadoras
negras estão em situação de trabalho vulnerável, enquanto o percentual de homens
não-negros nessas mesmas condições é de 31,5%.
Esperamos que este dia de debates nos permita amadurecer propostas que
viabilizem a implantação de políticas específicas para as trabalhadoras e os
trabalhadores que estão na informalidade; que possamos pensar em como absorver
as trabalhadoras domésticas no sistema, afinal, elas constituem a maior parte da
força de trabalho feminina, composta, em sua grande maioria, por mulheres negras.
Precisamos ainda viabilizar estratégias para valorizar, dando-lhes visibilidade,
as atividades realizadas pelas mulheres no âmbito doméstico e no cuidado com os
enfermos e idosos, como trabalho necessário e socialmente produtivo. Sabemos
muito bem que a dupla jornada de trabalho da mulher, que não é exercida por
vocação, tem altíssimo custo: implica sua participação no mercado de trabalho em
condições absolutamente injustas e desiguais; provoca a interrupção da vida
profissional, induz à opção pela informalidade e, muitas vezes, até a exclui
definitivamente do mercado de trabalho.
Devemos superar as restrições e impedimentos ao acesso das mulheres aos
direitos previdenciários, notadamente à aposentadoria; 70% das aposentadorias
concedidas às mulheres são por idade, apenas 12% são por tempo de contribuição.
No caso dos homens, a situação se inverte: 43% se aposenta por tempo de
contribuição, e 35% por idade.
A reforma da Previdência Social que está sendo definida agora terá enormes
repercussões sobre a Nação. A busca da sustentabilidade do sistema, o combate às
fraudes e à sonegação e a eliminação de todas as distorções e privilégios são metas
importantes que há muito requerem soluções definitivas. Para sanar a enorme dívida
social que o Brasil acumula é preciso superar o individualismo. E, na reforma da
Previdência, em vez de se focar o princípio da equivalência — só recebe quem
contribui —, deve-se dar ênfase ao princípio da necessidade e do direito. Há de se
afirmar a solidariedade e fazer prevalecer a cidadania, para produzir justiça.
Compete a nós mostrar que isso é possível e sugerir como fazê-lo.
Com certeza, os senhores terão a bancada feminina como instrumento para
apresentação das emendas necessárias ao projeto da reforma da Previdência que,
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neste momento, entra na fase final, a fase de debates e de apresentação de
emendas, tanto na Comissão Especial quanto no Plenário desta Casa.
Portanto, podem contar com a bancada feminina para fazer com que a
reforma da Previdência também se debruce sobre a questão de gênero, pois
podemos afirmar com certeza: o mais explorado em todas as condições, em todos
os aspectos, é a mulher. Por isso de temos de estar aqui, discutindo e apresentando
nossas emendas.
Um bom trabalho para todas. Que possamos sair daqui municiadas com
instrumentos para essa guerra que começa a acontecer a partir desta semana.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. COORDENADORA (Guacira Cesar de Oliveira) - Obrigada, Deputada
Maninha.
Passamos a palavra à Sra. Maria Laura Sales Pinheiro, Secretária-Adjunta de
Políticas para as Mulheres, que aqui representa a Ministra Emília Fernandes e quer
nos dar as boas-vindas.
A SRA. MARIA LAURA SALES PINHEIRO - Bom dia a todos. É possível ver
que temos alguns companheiros presentes, o que nos alegra bastante, uma vez que
nossa luta precisa de muitos aliados nas batalhas que temos a enfrentar.
Cumprimento a Guacira, representante do CFEMEA, um dos promotores
deste momento de diálogo e de reflexão, e a Deputada Maninha, que muito honra os
que moramos no Distrito Federal.
Em nome da Ministra Emília Fernandes reafirmo o papel que o CFEMEA tem
desempenhado no Congresso Nacional por meio da articulação de discussão de
temas centrais e, muitas vezes, trazidos em primeira hora pela própria iniciativa da
sociedade.
Nunca é pouco dizer da importância do papel dos movimentos organizados
nas discussões do Congresso Nacional. Esta Casa precisa se afirmar como local de
diálogo, onde se considera o que se ouve e se procura concretizar o que se ouve na
forma de leis. Precisamos compreender que muitas vezes a sociedade está à frente
do Congresso Nacional. Precisamos lutar para que nossas reivindicações sejam
transformadas em propostas e, no momento seguinte, em leis.
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Dito isso, reafirmo a importância da discussão sobre a reforma da Previdência
e o desafio da inclusão social. Li a reportagem publicada no Correio Braziliense de
hoje sobre o tema e penso que, de fato, a ótica do debate que se trava aqui, por
meio desta iniciativa do CFEMEA, é da maior importância. Na realidade, trata-se do
entendimento da Previdência Social como política de inclusão social. Espero que
esse enfoque se some à compreensão de que o serviço público também é um
instrumento de inclusão, porque se ele abrir mão desse importantíssimo papel, a
sociedade terá parcelas ainda maiores de excluídos de qualquer benefício.
Parabenizo a todos pela presença neste debate e os convido, em nome da
Ministra Emília Fernandes, para a discussão que a Secretaria de Política para
Mulheres promoverá amanhã, no auditório do Ministério da Educação, sobre a
Previdência Social e o recorte de gênero, que também contará com a presença do
Ministro da Previdência Social. Todos desejamos que as políticas públicas de fato
atendam as diferenças existentes e, portanto, estejam atentas aos desdobramentos
e às conseqüências que terão sobre homens e mulheres. São diferentes esses
desdobramentos, e isso precisa ser considerado na elaboração das propostas.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. COORDENADORA (Guacira Cesar de Oliveira) - Obrigada,
Secretária Maria Laura e Deputada Maninha.
Antes de encerrar esta abertura, registro a presença das Deputadas Celcita
Pinheiro e Luci Choinacki.
Convido, para integrar a Mesa de discussões, a Dra. Laura Tavares e a Dra.
Laura Pautassi.
Este evento está sendo realizado também com o apoio do ILDES — Instituto
Latino-Americano de Desenvolvimento Econômico e Social da Fundação Friedrich
Ebert, sem o que não seria possível termos a oportunidade de tão fecundo debate.
A Dra. Laura Pautassi tratará da questão da reforma da Previdência Social na
América Latina e sua perspectiva de gênero. Argentina, feminista e estudiosa do
assunto, a Dra. Laura tem diversos trabalhos publicados sobre o assunto.
Para nós é motivo de grande satisfação poder contar com sua presença neste
debate. Queremos ter a possibilidade de aprender com os erros e acertos de outros
países de nosso Continente, que guardam tantas similaridades com o Brasil.
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Precisamos pensar uma reforma que aproveite a experiência internacional, evitando
o que foi ruim e aproveitando o que é bom, para produzir igualdade entre nós.
Estamos aguardando a chegada da Senadora Serys Slhessarenko, que
coordenará a Mesa.
Antes de passar a palavra à Dra. Laura Pautassi, registramos a presença da
Deputada Fátima Bezerra, do Rio Grande do Norte.
Com a palavra a Sra. Laura Pautassi.
A SRA. LAURA PAUTASSI - (Intervenção em espanhol.) (Palmas.)
A SRA. COORDENADORA (Senadora Serys Slhessaenko) - Agradecemos à
Sra. Laura Pautassi.
Antes de passar a palavra à Sra. Laura Tavares, doutora em Política Social,
professora e pesquisadora do laboratório de políticas públicas da UERJ, registro a
presença da Deputada Iara Bernardi, do PT de São Paulo; da Deputada Elcione
Barbalho, do PMDB do Pará, e da Deputada Neyde Aparecida, do PT de Goiás.
Peço desculpas pelo meu atraso. Estava em audiência com o Ministro e
participo de duas Comissões ao mesmo tempo. Aproveito o ensejo para me
apresentar. Sou Serys Slhessaenko, Senadora eleita pelo Estado de Mato Grosso.
Agradeço a todos os Parlamentares e aos representantes das entidades a
presença. Também em nome da Juíza Salete Macaloz, palestrante da tarde, saúdo
os demais convidados presentes.
Saliento ainda que, ao término das exposições, não será aberto o debate. Ele
acontecerá após o encerramento da Mesa subseqüente, que será coordenada pela
Deputada Jandira Feghali.
Com a palavra a Dra. Laura Tavares.
A SRA. LAURA TAVARES - Bom dia a todas, queridas companheiras. É para
mim enorme prazer participar deste debate sobre a Previdência com as mulheres.
Aliás, em toda essa peregrinação que tenho feito por conta da reforma da
Previdência desde o final do ano passado, os debates mais qualificados de que
tenho participado foram justamente os conduzidos pelas mulheres.
Isso me faz lembrar da reforma implementada pelo Presidente Fernando
Henrique Cardoso, em 1998. Este País já teve uma reforma neoliberal da
Previdência, embora não tenham tido a coragem de transformá-la num modelo de
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capitalização tipo latino-americana, como disse minha xará, a Dra. Laura Pautassi. O
ex-Presidente Fernando Henrique fez, na ocasião, uma reforma que prejudicou
enormemente as mulheres, sobretudo as que trabalham na iniciativa privada. E uma
das coisas que, no meu entender, não está na pauta dessa reforma é a reversão das
injustiças cometidas na Emenda nº 20 contra as mulheres e os trabalhadores de
baixa renda.
Pediram-me para falar também sobre as reformas na América Latina. A minha
apresentação, acredito, complementará a da Dra. Laura Pautassi. Na verdade, o
histórico desse debate é antigo e não começou na América Latina. Ele teve seu
início nos países centrais com a crise do bem-estar social, relacionada à crise
econômica — o que deve soar familiar para todos.
Estamos no olho do furacão e devemos verificar se essa reforma resolve o
problema econômico, quais são os seus efeitos benéficos, sua relação com a
questão econômica, o ataque ideológico ao Estado e a supremacia do mercado ou
do setor privado sobre o público.
(Segue-se exibição de imagens.)
O contexto das reformas, portanto, como disse minha antecessora, não foi
neutro. Essas reformas se deram num cenário de ajuste neoliberal, e na América
Latina o caráter ortodoxo desse ajuste foi muitíssimo mais intenso. Ou seja, para nós
são sempre as receitas daquilo que sequer eles fazem, porque nenhum país central
com sistema de proteção teve a coragem de fazer o que os países latino-americanos
fizeram com o seus sistemas de seguridade social.
Tivemos um duplo impacto, sobretudo antes, com relação à situação social.
Quer dizer, não só não resolveram os antigos problemas estruturais de miséria e
pobreza, como se agravaram as situações de desigualdade, havendo novas
situações de exclusão.
Estamos estudando o impacto desse ajuste na América Latina desde 1990,
há 13 anos, portanto, e verificamos o impacto que esse processo de ajuste tem
causado sobre as mulheres.
Houve perversa sinergia desse impacto sobre a situação social com o
desmonte das políticas sociais, no momento em que mais se precisou do aparato de
proteção social latino-americano, que já não era bom. Este Continente nunca esteve
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em estado de bem-estar social, mas certamente, sobretudo no caso do Brasil, que é
pioneiro e possui o sistema de seguridade social mais avançado da América Latina,
essa sinergia perversa constituiu retrocesso.
O grau de destruição havido é importante porque nos leva a revisar e discutir
o caso brasileiro. Lição aprendida pela América Latina — e nos referimos a isso
desde 1995, quando o Governo Fernando Henrique ainda estava no início — é a
que se refere à destruição do aparelho do Estado. Essas reformas fazem parte do
contexto de desmonte do aparelho do Estado.
Quando discutimos a questão do servidor público não estamos querendo
apenas defender categorias, mas defender um Estado forte. E esse é um tema para
a próxima Mesa.
Há também a questão que trata da natureza do impacto, que não vou abordar
porque o tempo é curto.
Existiam diferentes níveis de configuração. O Chile, como já disse a Dra.
Laura, foi o pioneiro. Houve várias gerações de reformas, sendo que, a partir dos
anos 90, o documento do Banco Mundial foi implementado em quase todos os
países da América Latina.
Outra questão central é a de que essa reforma fez e faz parte de todas as
chamadas condicionalidades nas cartas de acordo com o FMI. Está lá na Argentina.
Lembro-me de que uma das condições ainda não cumpridas suficientemente — e
esse é outro ponto importante, uma outra lição para trazer ao nosso debate — é a
de que o FMI nunca está satisfeito. Por mais que façamos, vai sempre haver um
momento seguinte em que eles vão exigir mais. Aliás, foi publicada matéria sobre o
assunto, que afirma não ser essa reforma suficiente. O caráter imprescindível para
esse clássico, para essa lamentável seqüência, é o de que, primeiro, temos de
ajustar, estabilizar, para depois crescer e, depois, quiçá, redistribuir.
As condicionalidades são conhecidas de todos. O déficit fiscal atribuído ao
gasto público, a reforma do Estado e o aumento da competitividade são os pontos
centrais da reforma. Quero demonstrar aos senhores a falácia da idéia de que as
reformas da previdência no mundo inteiro, não só na América Latina, aumentaram a
competitividade e o emprego. Não há nenhuma evidência de que nos países que
sofreram reforma na previdência houve aumento de emprego. Quer dizer, as
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empresas diminuíram os seus custos, mas a oferta de emprego não aumentou. E
muito menos há evidências de crescimento e de crescimento distributivo.
Sobre o impacto das reformas, é só pegar o último panorama da CEPAL, da
década de 90, para vermos a tragédia social na América Latina do ponto de vista do
crescimento econômico: ou foi ausente ou foi medíocre. Houve aprofundamento da
vulnerabilidade financeira e generalização da precarização do trabalho, não só no
que se refere ao aumento da oferta de emprego, mas também se generalizou a
precarização. Tivemos taxas de desemprego inéditas no Continente — e estamos
nos referindo a países cujas reformas da previdência realizadas foram até muito
mais radicais do que a nossa. Tivemos o desmonte das instituições públicas e a
diminuição do acesso aos serviços públicos.
A CEPAL aponta como grave o empobrecimento da chamada classe média
latino-americana e sugere que provavelmente ela esteja em processo de extinção,
retrocedendo em 30 anos, ao pós-guerra. O que vemos é a eliminação da
universalidade, a focalização e o aumento da exclusão e o aumento generalizado da
pobreza, além do empobrecimento da classe média.
Temos alguns indicadores fantásticos. O mais importante é este: de 65% a
95% da população da América Latina hoje está sem contrato de trabalho, e de 65%
a 80% sem proteção social nem saúde. A cada 10 novos empregos criados na
década de 90, 9 foram em serviços informais. Além disso, o desemprego cresceu
violentamente no Continente e, de forma desproporcional, nas regiões urbanas e
periurbanas e nas classes de mais baixa renda.
Esse é o modelo do Banco Mundial, o famoso pilar obrigatório que, no fundo,
é a idéia assistencial — aliás, estava lendo ontem o relatório do G-8. A idéia é a de
que ao Estado cabe apenas a assistência aos pobres. Aqueles que têm alguma
capacidade contributiva que se virem no sistema privado de capitalização ou, se
desejarem, no sistema alternativo complementar voluntário. Os dois pilares são
sempre baseados em contribuições individuais. Somente o sistema fiscal, a
chamada aposentadoria básica, é que seria um coletivo, ou ainda seria mantido
algum sistema de repartição.
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Cabe notar que o resultado disso, na verdade, foi a manutenção de uma
previdência básica em patamares mínimos, o que chamo de previdência pobre para
pobres.
Temos aqui alguns resultados. As hipóteses não foram confirmadas, e a
concorrência não reduziu os custos. Em relação à hipótese de que se existirem
várias agências e seguradoras a concorrência iria diminuir os custos da previdência
não se evidenciou em nenhum país, muito menos tornou o sistema eficiente.
Os custos foram elevadíssimos sobre o total da contribuição, que é do
trabalhador: quase 20% no México e 24% na Argentina das contribuições somente
para o custo de administração dos fundos de pensão. Para fazer uma comparação,
o INSS, no Brasil, acusado de tantas coisas, custou 6,2% da arrecadação total,
mostrando evidentemente que tem abrangência e universalização muitíssimo
maiores do que os fundos de pensão.
Um dos aspectos centrais da crise da Argentina foi o déficit fiscal.
Aumentou-se brutalmente o déficit previdenciário, subindo de 900 milhões de
dólares para 6,7 bilhões de dólares. Contrariando a suposição também que se
transferiria regularmente a contribuição e que a filiação individual superaria ou
aumentaria a oferta, a cobertura foi exatamente o contrário: não houve redução da
evasão, e os informais continuam não se filiando ao sistema.
A composição da carteira é um dos mitos que gostaria de mostrar — e foi um
dos mitos mais debatidos que apresentei no seminário do PT. Na verdade, para
onde vai a composição das carteiras, a famosa geração da poupança privada?
Quase 60% são destinados ao pagamento da dívida governamental, ou seja,
continuamos com títulos, com dinheiro circulando na chamada ciranda financeira,
para cobrir a dívida. Essa é a média da América Latina, e esses são dados da
CEPAL. Para onde foi o dinheiro da chamada poupança? Apenas 7% dele foram
para o famoso mercado de ações — que todo mundo quer desenvolver e, com isso,
alavancar o desenvolvimento do total de recursos.
Todas as seguradoras se concentraram e se oligopolizaram, o que derruba a
tese da competição. Quais são os problemas? A taxa de reposição é absolutamente
incerta, não há nenhuma garantia daquilo que podemos receber no futuro, temos
altíssimo custo de transição e manutenção e nenhum poder redistributivo.
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Quando se transfere isso para uma relação individual dos fundos, não se
abandona o poder redistributivo. Essa é uma questão séria que tenho abordado no
debate da previdência complementar, quer dizer, o tamanho dessa previdência. E, a
partir daí, cada um que se vire. Quem tiver poder para montar um fundo de pensão
mais forte, mesmo que público, que o faça. Vou deixar esse debate para a outra
mesa, mas, do meu ponto de vista, ainda não está bem esclarecida a questão da
natureza do fundo. Temos ainda altíssimo grau de exclusão e brutal transferência da
poupança pública para a privada, ou seja, não há aumento da poupança nacional. O
fato de fazer uma previdência complementar mantém o mesmo patamar de
poupança. Há simplesmente uma transferência dos recursos que estavam na
poupança pública para a privada, e o não retorno dessa poupança em crescimento e
empregos.
Em relação aos 10 mitos, vou citar um economista que denuncia os mitos do
chamado documento do Banco Mundial. Ele ganhou o Prêmio Nobel de Economia
— não me lembro o ano, mas creio que foi no final da década de 90 — e foi
economista-chefe do Banco Mundial. Portanto, é uma fonte insuspeita, não é
nenhum esquerdista, radical ou xiita. Os mitos macroeconômicos denunciados por
Stiglitz com relação à proposta do Banco Mundial são os seguintes:
- As contas aumentam a poupança nacional. Não aumentam.
- As taxas de retorno são superiores ao sistema de repartição. Não são.
- As taxas de rendimento do sistema de repartição refletem problemas do
sistema. Esse é outro mito do Banco Mundial.
- Os investimentos dos fundos públicos em ações não têm efeitos
macroeconômicos. Ele se refere aos fundos públicos. E têm.
- Os incentivos no mercado de trabalho são melhores num sistema de contas
individuais. Não são.
- Os planos privados de contribuição definida necessariamente outorgam mais
incentivos para a aposentadoria antecipada. Não outorgam. A Dra. Salete está
sinalizando que não outorgam.
- A competição assegura baixos custos administrativos. Já vimos que não.
No que diz respeito aos mitos de economia política, essa parte é genial,
porque o Banco Mundial argumenta que um dos problemas da reforma é a
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corrupção dos governos latino-americanos e que o sistema público é passível de
corrupção. Ao se transformar numa relação individual, supostamente suprimiria o
componente corrupção. Ele argumenta que as contas individuais são mais eficientes
e menos sujeitas à corrupção. Acabei de ler no Valor Econômico matéria sobre a
questão da regulação dos fundos, a regulação estatal, e sobre como isso também é
permeado não de pequena corrupção, mas daquela que interessa, para onde vai o
grosso do dinheiro. As decisões de investimento não são públicas nem têm,
evidentemente, controle social, sequer têm controle por parte dos governos e do
Estado.
Há um outro mito no sentido de que as políticas de ajuda estatal são piores
nos sistemas públicos de benefício definido e que o investimento dos fundos
públicos sempre se realiza sem o devido cuidado, com gestão deficiente etc.
Esse documento, que considero importante referência, critica muito esses
mitos e desmonta todos os argumentos do Banco Mundial. Vou deixá-lo à disposição
de todos. Serei breve, porque vou para a parte final, que trata da questão das
mulheres.
O debate sobre gestão pública ou privada é central. O banco sempre apoiou a
gestão privada. Há deficiência de informação para a seleção no sentido da opção
prudente. O próprio banco reconhece que o acesso à informação para os filiados
aos fundos de pensão não será suficiente para o controle. Outro dia li um documento
da Central dos Trabalhadores do Uruguai, de quando foi instituído o fundo de
pensão. Todo trabalhador daquele país tem de andar com uma máquina calculadora
na mão para fazer as continhas, a fim de saber sobre a aplicação. Imaginem! Não
dou conta nem da minha conta bancária, que dirá se o fundo de pensão capitalizou.
Quer dizer, é uma piada achar que as pessoas individualmente vão controlar suas
contas e acompanhar a poupança. As opções são complicadíssimas, o resultado
dos investimentos passados não constitui guia seguro para o futuro, sem falar nas
oscilações: a Bolsa desce, a Bolsa sobe.
A descentralização foi tema central que debatemos no seminário do PT. Qual
a lição que tiramos daqui? A privatização elimina as economias de escala quando se
pulveriza em muitos fundos de pensão? Correremos esse risco se fizermos a
pulverização em fundos públicos. Imaginem se houvesse neste País um fundo para
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cada Município. A pulverização e a descentralização seriam muito complicadas. Nos
países onde isso aconteceu, houve enormes problemas.
É necessária brutal regulamentação. O mais fantástico — e os autores
ironizam — é que o Banco Mundial diz que o Governo é corrupto para gerir seu
fundo público. E, como sempre, os resultados desse tipo de alternativa prejudicam
os trabalhadores de baixa renda. A experiência do Chile mostra isso.
A dupla carga imposta à geração de transição possui um passivo. Esse é
outro ponto não esclarecido. Como ficará o passivo na transição relacionada aos
servidores públicos? Será feita a transferência do valor acima do teto para um fundo
complementar? Quem vai bancar esse passivo?
Faço questão de citar Keynes, um economista antigo, que na Teoria Geral do
Emprego, do Juro e do Dinheiro, já fazia referência aos mercados de valores. Tratou
ele nada mais nada menos do que de Nova Iorque, onde há a maior Bolsa de
Valores do mundo.
Faço questão de ler um pequeno trecho:
“À medida que melhora a organização dos
mercados de investimento, o risco de que predomine a
especulação aumenta. Em um dos mercados de
investimentos maiores do mundo, Nova Iorque, a
influência da especulação e a atividade de prognosticar a
psicologia do mercado são enormes.
É possível que os especuladores não causem dano
algum, como bolhas na tranqüila corrente da vida
empresarial. Mas a situação é grave quando a própria
empresa se converte em bolha no redemoinho de
especulação.
Quando o desenvolvimento dos capitais de um país
passa a ser um subproduto das atividades de um cassino,
a tarefa tende a realizar-se mal.”
E o economista Keynes, ressalto não é um xiita, mas um clássico liberal.
“Seria realista esperar, portanto, de um sistema de
benefícios que não apenas garanta a segurança da
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aposentadoria, mas que também dê conta de todos os
problemas econômicos, subinvestimento e crescimento.”
Trouxe os documentos da OIT relativos à seguridade. Nos chamados novos
consensos a respeito da seguridade, a OIT está reinserindo o assunto no início
deste século. Na conferência da Organização, foi debatida a seguridade social.
Todos sabem que ela é tripartite. Aliás, ainda ontem o Presidente Lula elogiou a
entidade, porque é uma das organizações das Nações Unidas de que participam
trabalhadores, patrões e Governo. Nesse documento, há os consensos e os
dissensos. Há alguns pontos em os trabalhadores não concordavam com os
empregadores. Entre as discordâncias estavam a igualdade de direitos e as
prerrogativas entre homens e mulheres, adequada proteção econômica e social no
desemprego, na doença, na maternidade, no cuidado das crianças, em situação de
chefia familiar e na velhice.
As responsabilidades familiares constam da representação dos trabalhadores
na OIT, em documento de 2002.
O cuidado com as crianças, idosos e doentes, substituindo o Estado, ainda
não foi abordado em nenhum convênio que trata de seguridade social no mundo. A
seguridade social não inclui a atividade familiar da mulher.
A igualdade de gênero, na seguridade social, foi considerada pelos
trabalhadores como questão muito séria, na medida em que muitos sistemas são
muito menos favoráveis para as mulheres e para os homens. Antes das reformas, a
situação já não era boa, com as mudanças, ficou pior.
Os fatores de desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho
são conhecidos por todos e, por isso, não precisamos falar mais sobre o assunto.
Na conferência, ficou claro que as melhorias não serão conquistadas com
forças de mercado. Não acreditam que a privatização constitua o melhor meio de
financiar a seguridade social.
Fiquei muito orgulhosa de ver que as universitárias presentes à conferência
— nem sabia que existia uma Federação Internacional de Mulheres Universitárias —
foram as únicas a declararem as questões de fundo e gerais em relação às
mulheres. Para elas, os direitos das mulheres só podem ser plenamente atingidos à
medida que o direito à seguridade social for conquistado por todos, a proteção social
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for universal e integral, baseada no princípio da solidariedade, e a cobertura integral
for direito dos povos e obrigação dos Estados. Isso está na nossa Constituição, mas
parece que anda meio esquecido.
Baseei-me no documento intitulado Gênero e Aposentadorias, da OIT, de
2003.
É necessário não apenas trato igualitário para homens e mulheres, condições
iguais para ambos, mas também medidas para garantir a igualdade de fato. Deve
existir o acesso ao emprego, em condições de igualdade salarial, tendo em vista a
insatisfação com o antigo regime.
A equivalência contributiva implica o sistema previdenciário continuar
reproduzindo a desigualdade no mercado de trabalho. Portanto, é fundamental
pensarmos na seguridade social. Tratarei disso mais adiante.
A não-neutralidade das reformas sobre os gêneros, como já vimos, é
necessária. O impacto sobre direitos adquiridos é fundamental. Insisto em que, na
reforma de 1998, as mulheres perderam direitos adquiridos.
Há os aspectos paramédicos da reforma, como aumento da idade, que
afetam proporcionalmente as mulheres, sobretudo as de baixa renda, que ingressam
mais cedo no mercado de trabalho. O cálculo é feito baseado na expectativa de vida
média de ambos os sexos. As mulheres perdem com isso. O fator previdenciário é
um exemplo. Está aqui a Deputada Jandira Feghali, brilhante Relatora, que não me
deixa mentir. Aprendi tudo sobre a reforma de 1998 com S.Exa. As mulheres de
baixa renda são as mais prejudicadas, porque há perda da compensação nos
regimes de capitalização individual. Esse é outro problema. Se a pessoa optar pela
previdência complementar, ao fazer o cálculo, perceberá que, quanto mais idade
tiver como fator previdenciário, quanto mais tempo permanecer no mercado de
trabalho, maior será a aposentadoria.
Ocorrem a diminuição da cobertura dos sistemas reformados e o impacto
diferenciado sobre as mulheres. Observem a diferença da cobertura para o gênero.
No Chile, entre os homens, há 71% de cobertura do novo sistema de seguridade
social, e entre as mulheres, apenas 37%. O impacto é absolutamente diferenciado e
mostra o aumento da perversidade.
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As reformas não modificaram a estrutura de emprego. As desigualdades do
mercado de trabalho foram mantidas. Mais do que isso, aumentaram as
desigualdades e a precarização, piorando as condições de acesso aos benefícios da
seguridade social.
Em nome da diminuição dos encargos sociais das empresas, houve perda e
diminuição de todos os direitos vinculados à maternidade. Houve piora generalizada
nos benefícios em relação a isso. Esse ponto não está no documento, mas o inseri
na apresentação, porque devemos refletir sobre ele.
Quanto à diminuição do emprego público, comecei um estudo sobre o
assunto no Brasil. A queda do emprego público, sobretudo na área social —
educação e saúde —, prejudicou muito mais as mulheres. A precarização do
trabalho no setor público está afetando a vida das mulheres. As trabalhadoras das
áreas de saúde e educação estão sendo prejudicadas. Essas profissionais serão
afetadas, se as regras de transição continuarem tal como estão. O problema não
está nos altos salários e sim no fato de as mulheres terem de trabalhar em hospitais,
em escolas, até completarem 57 anos, e os seus benefícios serem calculados pela
média. A diminuição de emprego e a precarização do trabalho afetaram
desproporcionalmente as mulheres.
Faço uma crítica ao documento da OIT. A idéia de adequar a seguridade
social ao mercado de trabalho moderno para compensar os impactos negativos não
é consistente, porque depende do que chamamos de adequar. Se adequarmos o
mercado de trabalho, com as suas desigualdades, a seguridade social não
acompanhará esse mercado no sentido de compensar o trabalhador. Ela tem de
equilibrar suas deficiências.
A manutenção do caráter extremamente distributivo amplia as diferenças
entre homens e mulheres no mercado de trabalho. Portanto, as mulheres têm de
receber algum tipo de compensação. As menores taxas de participação, os mais
baixos níveis de renda e os piores benefícios continuam sendo destinados às
mulheres.
Substituir o caráter contributivo individual pelo sistema público coletivo
financiado é nada mais nada menos do que a nossa idéia da seguridade social
inserida na Constituição Federal de 1988.
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No documento, consta que falta adequar a seguridade social às novas
estruturas familiares. Portanto, refere-se ao tópico da seguridade social, à proteção
às mulheres chefes de família. Temos de discutir, além da reforma da Previdência, a
recuperação e a reconstrução do desmonte no aparato de proteção social. Esse
desmonte afetou as mulheres e aumentou a carga doméstica, que já era grande, sob
o argumento ideológico de que estamos diante de novas alternativas no âmbito
social.
Dizer que as alternativas têm de ser comunitárias e autogestionárias é lindo,
mas acaba incidindo sobre as mulheres. Nunca me esqueci do depoimento de uma
mulher da Baixada Fluminense: “Profa. Laura, não agüento mais esse negócio de
que tenho de participar. Resultado: tenho de trabalhar, cuidar dos filhos, fiscalizar o
funcionamento do posto, observar se a professora está dando aula, se o policial está
no posto”.
Nós, da classe média, quando necessitamos de algo, usamos o telefone, e os
problemas são resolvidos, mas as mulheres pobres têm de fazer mutirão, participar e
responsabilizar-se pelos serviços a que têm direito. Esse é um discurso perigoso, de
duas pontas, que tem justificado muitos desmontes das políticas sociais.
O acesso não-previdenciário, a recuperação e o fortalecimento da
universalidade da saúde só serão possíveis por meio da manutenção. Esse é um
debate central não só no movimento feminista, como no movimento negro. Aliás, ele
foi realizado no dia 13 de maio, no Senado Federal. Se a discussão sobre a
focalização e a discriminação positiva não estiver baseada no sistema de proteção
universal, vai deixar boa parte das mulheres de fora.
É necessário ampliar os benefícios da LOAS, que hoje se encontram em
patamares irrisórios — ninguém fala sobre isso na reforma —, e a universalização da
aposentadoria aos informais urbanos. O movimento de mulheres e nós defendemos
isso no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.
A luta contra as reformas, portanto, é não só pela perda de direitos e pela
não-inclusão, mas também pelo desmonte da seguridade social e o impacto
negativo sobre as mulheres. Falei sobre o assunto no Senado Federal, no dia 13.
Espero que o Partido dos Trabalhadores não termine de rasgar o Capítulo Da
Seguridade Social, da Constituição Federal de 1988. (Palmas.)
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Precisamos do reforço, da ampliação dos direitos das mulheres, do debate da
universalização como cidadania e da focalização como estratégia da pobreza contra
a seqüência estabilizar, crescer e distribuir. O aspecto social tem de ter prioridade
real. No documento, os Deputados pediram desenvolvimento já! Eu peço: política
social já!
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTA (Senadora Serys Slhessarenko) – Agradecemos à
Dra. Laura Tavares. Registramos a presença do Deputado Arlindo Chinaglia, das
Deputadas Jandira Feghali e Sandra Rosado e da Dra. Aparecida Francis, Delegada
do INSS do Espírito Santo.
Farei breve pronunciamento, porque muito já foi dito.
Sras. e Srs. Deputados, Sra. Senadora, o momento do voto vai chegar!
Precisamos, realmente, fazer debate amplo e profundo e disseminá-lo na
sociedade. No Congresso Nacional, ele tem extrema relevância, porque nos
auxiliará no momento da votação. Fora do Congresso Nacional, em nossos Estados,
já estão discutindo a questão. No Estado de Mato Grosso, por exemplo, vários
debates foram programados. Da forma como foi apresentada, a proposta não pode
ser aprovada. Conseguiremos mudá-la, desde que haja força do povo brasileiro. É
necessário debater o que foi proposto e o que poderá ser feito de diferente. Isso é
importante e extremamente relevante.
Os regimes de previdência social na América Latina passaram recentemente
por mudanças significativas, permanecendo tais mudanças, ainda hoje, na agenda
política de alguns países, como é o caso do Brasil.
Pelo menos 10 países latino-americanos realizaram reformas estruturais, ou
seja, as que substituíram o sistema público de previdência por um sistema
administrado no todo ou em parte por entidades financeiras privadas, tendo por
mecanismo básico as contas individualizadas de capitalização.
O Chile foi o primeiro país do continente a realizar reforma da previdência
nesses moldes, de clara inspiração neoliberal, ainda no início da década de 80.
Seguiram-no, ao longo dos anos 90, países da importância de Bolívia, México, Peru,
Colômbia, Argentina e Uruguai.
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Relativa distância em face da implementação dos novos sistemas permite
avaliar que, do ponto de vista do atendimento à sua função social, o qual já se
mostrava precário, houve marcada regressão. Os segmentos da população de maior
fragilidade econômica sofreram perdas significativas, considerando-se o valor dos
proventos a receber ou a segurança de virem a ser, de fato, protegidos por uma
aposentadoria. As referidas mudanças do sistema de seguridade coincidem com um
período em que a informalidade e a precariedade do emprego, juntamente com o
desemprego, vêm-se elevando de modo marcado em todos esses países que estão
tão próximos de nós.
Ao enfocarmos a questão do gênero, a incontornável conclusão a que
chegamos é que as mulheres receberão, mais do que os homens, o impacto
negativo das modificações, uma vez que sua situação no mercado de trabalho
latino-americano é desvantajosa sob vários aspectos. Além de ser menor o número
de mulheres que integram a população economicamente ativa, os empregos das
mulheres são caracterizados por maior precariedade, maior informalidade e menores
salários.
Segundo reportagem da revista Veja, somos responsáveis pelo déficit público
da Previdência. Acho que todos acompanharam aquele disparate, num dos maiores
meios de comunicação do País.
No Chile, estudos prevêem que um alto índice de integrantes do regime de
capitalização individual não será capaz de obter a pensão mínima com o seu capital
acumulado. A estimativa — dependendo da fonte, os dados são diferentes — é que
isso ocorra com 40% dos homens e 60% das mulheres associadas às
administradoras de fundos de pensão, que não conseguirão ter o seu mínimo
assegurado. Mesmo que o Estado tenha de pagar a diferença para completar a
pensão mínima, nos casos em que os associados contribuírem por pelo menos 20
anos, a projeção mostra nitidamente a disfunção social desse modelo de previdência
e o modo como ele prejudica, particularmente, a parcela feminina da população
trabalhadora.
Constatamos que, em nosso Brasil, a reforma da Previdência realizada em
1995, bem como a que está sendo atualmente proposta não alcançam o mesmo
grau de profundidade das reformas realizadas em grande parte dos países da
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América Latina. A reforma passada e a atual, tanto no que se refere ao regime geral
como ao regime especial dos servidores públicos, têm buscado dar maior
sustentabilidade financeira ao sistema público, considerando como fator significativo
a tendência ao envelhecimento da população.
Isso não quer dizer que quaisquer propostas de modificações não-estruturais
se justifiquem, mas que parece importante tomar medidas que visem ao equilíbrio
financeiro do sistema de previdência pública de repartição, especialmente que
busquem torná-lo mais justo, incluindo maior percentual da população e tratando-a
de forma mais eqüitativa.
A exigência de maior justiça impõe-se, portanto, no caso das mulheres
trabalhadores, por razões já conhecidas. As companheiras Laura Pautassi e Laura
Tavares já expuseram muito bem essa questão. Mesmo tendo, em média, número
maior de anos de estudo, o que se constata é que as mulheres brasileiras têm seus
empregos concentrados em atividades de baixa remuneração. Vejam, companheiras
e companheiros: passam-se os tempos e nós, mulheres, mesmo nos capacitando
mais, através dos anos, continuamos sendo pior remuneradas que os homens no
mercado de trabalho.
As atividades das mulheres assalariadas são, também, marcadas pela
informalidade. A vida laboral das mulheres se caracteriza em maior grau por
interrupções, causadas pelo desemprego mais elevado ou pela dedicação aos filhos.
Além de tudo, elas recebem menores salários pelo desempenho de funções
assemelhadas.
Todas essas dificuldades no mercado de trabalho têm reflexos diretos na
situação das mulheres idosas. A reforma promovida pela Emenda Constitucional nº
20, de 1998, possibilitou que a Lei nº 9.876, do ano seguinte, instituísse o fator
previdenciário, que modifica o valor dos proventos de aposentadoria do Regime
Geral da Previdência, em função da idade, da expectativa de vida e do tempo de
contribuição.
Tal como está proposto no projeto de lei enviado ao Congresso Nacional, o
fator previdenciário resultaria em enormes perdas para as aposentadas mulheres,
tendo em conta seu direito de se aposentar com 5 anos a menos que os homens,
tanto em idade quanto em tempo de contribuição. A revista Veja disse que estamos
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vivendo demais e aposentando-nos antes. Que prejuízo! Em vez de buscar a
melhoria da qualidade de vida para toda a população de homens e mulheres,
combatem os direitos da mulher.
É importante frisar que essa diferença de 5 anos não é um favor, mas um
direito obtido pelas mulheres brasileiras, em face da necessidade de discriminação
positiva, ou de ação afirmativa, que venha a compensar as desigualdades
constatáveis e persistentes em nossa realidade social, incluindo sua maior
dedicação à criação dos filhos e ao lar, o que resulta na chamada dupla jornada de
trabalho.
O Legislativo, de modo a manter coerência imprescindível com a
discriminação positiva às mulheres, estabeleceu uma bonificação de 5 anos de
contribuição na apuração do fator previdenciário das trabalhadoras, evitando efeito
desastroso sobre o valor das suas aposentadorias.
As modificações do sistema de previdência constantes da Proposta de
Emenda Constitucional nº 40, de 2003 — atualmente se encontra em debate na
Câmara dos Deputados —, mudanças que se concentram no regime especial dos
servidores públicos, devem ter seus efeitos cuidadosamente analisados. Mudanças
que estabelecem maior vinculação do valor dos proventos ao tempo de contribuição
poderão resultar em maior efeito negativo junto às servidoras mulheres.
Algumas idéias têm sido sugeridas para melhorar a situação das mulheres na
Previdência Social. Mesmo que em sentido contrário à tendência predominante de
restringir direitos e benefícios, elas se mostram necessárias para assegurar maior
justiça ao sistema.
Entre essas, uma proposta a se considerar é a viabilidade de se reduzir, na
contribuição previdenciária das trabalhadoras domésticas, a parte que é devida pela
própria trabalhadora, aumentando na mesma proporção o percentual do
empregador. É um absurdo a previdência para as nossas trabalhadoras domésticas!
A questão da crescente informalidade no trabalho assalariado requer,
igualmente, a atenção dos legisladores para que seja possível garantir os direitos
previdenciários dessas trabalhadoras e trabalhadores e, assim, nos aproximarmos
da cobertura universal, que é o horizonte não necessariamente utópico com o qual
devemos trabalhar.
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A busca de maior equilíbrio financeiro do sistema público de previdência é,
sem dúvida, um objetivo válido. Mas não podemos, com certeza, Sras. e Srs.
Deputados e Sra. Senadora, companheiras e companheiros, esquecer a imensa
importância de se procurar ampliar a cobertura da Previdência Social no Brasil,
integrando os excluídos, tampouco a necessidade de se criarem redes de proteção
social abrangentes e eficazes, voltadas principalmente para os setores mais
fragilizados e discriminados da população.
Não nos podemos esquecer de que, como está fixado na Constituição de
1988, a previdência é parte integrante do sistema de seguridade social do nosso
País, orientado pelos objetivos da universalidade, da cobertura e do atendimento.
Como disse a Laura, há poucos instantes, não podemos rasgar os direitos
assegurados na Constituição de 1988.
Conforme já disse, a previdência é parte integrante do sistema de seguridade
social do nosso País, orientado pelos objetivos da universalidade da cobertura e do
atendimento, da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às
populações urbanas e rurais, da seletividade e distributividade na prestação de
benefícios e serviços, da irredutibilidade do valor dos benefícios, da eqüidade na
forma de participação e no custeio, da diversidade das bases de financiamento e do
caráter democrático e descentralizado da sua administração.
Entendemos que, do ponto de vista dos objetivos do bem-estar e da justiça
social que orientam nossa ordem social, o principal problema a ser enfrentado pela
reforma da Previdência é a exclusão da maioria da população brasileira da cobertura
previdenciária. Pelos dados de que dispomos, o índice de inclusão previdenciária
atinge em torno de 40% a 45% da população ocupada; ou seja, praticamente 50%
estão fora de qualquer tipo de proteção social. Logo, o que nos deve orientar nesse
debate, hoje e permanentemente, é que o Estado brasileiro não deve continuar
falhando no atendimento aos setores até aqui subalternizados e esquecidos da
população.
Não podemos permitir que em um momento como este, tão vital para a
redefinição dos parâmetros que orientam as atividades da Previdência Social no
Brasil, mais uma vez os interesses da maioria trabalhadora, particularmente das
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mulheres, sejam atropelados pela capacidade de articulação de quem só trabalha
para manter privilégios e favorecimentos.
Espero que parta daqui o nosso alerta a todos os Parlamentares da Câmara e
do Senado, aos Ministros de Estado e ao nosso Presidente Luiz Inácio Lula da Silva
para que esta reforma que estamos discutindo e encaminhando promova inclusão e
não exclusão social. E que defina mecanismos que possibilitem a implementação de
políticas específicas de incorporação de famílias que trabalham no mercado
informal, com índices mais baixos de contribuição. Que adote índices mais baixos de
contribuição para a filiação de trabalhadores autônomos e empregados domésticos.
Além disso, Sras. e Srs. Deputados, senhoras e senhores presentes,
companheiras e companheiros, devemos nos esforçar ao máximo para que a
reforma previdenciária estenda aos idosos urbanos desassistidos — e são muitos os
critérios de adesão desvinculados da comprovação de contribuição individual
equivalentes aos que existem para os idosos rurais.
Temos certeza de que, caminhando nessa direção, estaremos respondendo
ao clamor da cidadania, que elegeu Luiz Inácio Lula da Silva e deu hegemonia
política à Esquerda brasileira, na expectativa de ver imperar no Brasil a justiça
social, extinguindo toda exploração, toda miséria. No mais, que o debate contribua
para nossa maior clareza em torno do tema.
Se existe no Parlamento um debate sobre a reforma da Previdência no Brasil,
precisamos enfrentá-lo com espíritos desarmados e prontos a fazer prevalecer o
interesse da maioria da nossa população. Espero que tenhamos discernimento e
humildade para atingir esse imperioso objetivo. Como está a proposta não poderá
ser aprovada. (Palmas.) Ela realmente restringe direitos e não nos leva àquilo que
desejamos, em termos de justiça social. Tenho convicção de que seremos fortes,
determinados e buscaremos as condições possíveis para alterar a proposta, porque
esta é a vontade do povo, que nos colocou nesta Casa e levou Lula à Presidência
da República. Com essa vontade, com essa determinação, certamente faremos
modificações que contemplarão os interesses, as necessidades e as aspirações da
maioria da população brasileira.
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É com essa vontade e com essa determinação que estou no Senado da
República. Quando essas reformas lá chegarem, será assim, com certeza, que
iremos nos posicionar.
Muito obrigada. Um abraço carinhoso a todas. (Palmas.)
Encerrada esta Mesa, daremos início a próxima, que terá como
Coordenadora a Deputada Janete Capiberibe e contará com a participação da
Deputada Jandira Feghali.
A SRA. GUACIRA CESAR DE OLIVEIRA - A Deputada Janete Capiberibe,
do PSB do Amapá, está neste momento fazendo um pronunciamento na sessão
solene que se realiza no plenário. Enquanto ela não chega, vou coordenar o debate.
Estamos atrasadas. Se encerrarmos a próxima Mesa às 13 horas, não haverá
tempo para o debate. A idéia é empurrarmos a discussão, mais uma vez, para a
Mesa seguinte.
Convido para compor a Mesa a Deputada Jandira Feghali, do PCdoB do Rio
de Janeiro — S.Exa., mais do que Deputada, é uma companheira de todas nós
nesta Casa, integra a coordenação da bancada feminina no Congresso Nacional e é
membro titular da Comissão Especial da Reforma da Previdência (palmas); a Dra.
Salete Macaloz, Doutora em Direito, Comunicação e Cultura, juíza federal, titular da
7ª Vara do Rio de Janeiro e professora de Direito do Trabalho e Previdenciário da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (palmas); e a Dra. Mizabel Derzi,
professora coordenadora do mestrado e doutorado da Faculdade de Direito da
UFMG, membro do conselho de pesquisa da mulher da UFMG, advogada, ex-
procuradora-geral do Estado de Minas Gerais (palmas).
As exposições serão feitas na seqüência da chamada. Portanto, passo a
palavra à Deputada Jandira Feghali, que disporá de 15 minutos para proferir sua
palestra.
A SRA. DEPUTADA JANDIRA FEGHALI - Em primeiro lugar, cumprimento
as companheiras da Mesa.
Salete, lamento que você não esteja ocupando uma cadeira do Supremo
Tribunal Federal (palmas), mas vamos continuar na luta para termos uma
representante na Suprema Corte. Cumprimento a companheira da UFMG e todas
que aqui estão, principalmente porque este evento é uma iniciativa da bancada
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feminina, da Comissão de Seguridade Social e Família e do CFEMEA. Acho que
isso só contribui para o enriquecimento do debate.
Antes de iniciar minha exposição, quero fazer uma declaração política. Nossa
posição está ficando cada vez mais delicada. O PCdoB faz parte da base de
sustentação do Governo. Cada vez mais, o Governo pressiona o Congresso
Nacional para que aprove as reformas como elas estão. É claro que os partidos vão
elaborando suas emendas e buscando alterar as propostas.
Não formamos convicções para falar à imprensa, mas para falar aqui dentro.
Faço parte da Comissão de Seguridade Social e Família há 13 anos. Tive ainda um
mandato estadual e toda uma vida de trabalho vinculado à saúde e à seguridade
social. Não acho que podemos abandonar convicções de uma hora para outra,
porque temos de votar com o Governo, temos de seguir à risca tudo o que o
Governo quer, desprezando as convicções construídas pelos partidos aliados e pela
nossa luta concreta durante todos esses anos. (Palmas.) Portanto, nossa posição
não é simples, não é tranqüila. A situação é absolutamente conflituosa neste
momento.
É inadmissível que alguns, num comportamento, no mínimo, aético, tentem
nos pressionar com falsas notinhas e brincadeirinhas na imprensa, com o intuito de
desqualificar os discursos dos que divergem do projeto como aqui chegou. Não
vamos aceitar esse tipo de ação. Isso não é brincadeira. Não estamos lidando com
um tema menor. Este é um tema maior, que envolve o interesse de toda a sociedade
brasileira. Estamos lidando com uma concepção de Estado, com o direito dos
trabalhadores, debatendo a universalidade das políticas sociais, em contraposição à
visão de focalização, construída por regimes macroeconômicos vinculados à idéia
de que política social tem de ser focal e compensatória, dirigida a um público alvo
absolutamente miserável, e que o resto o mercado regula.
Discutimos essa questão há dez anos. De Collor a Fernando Henrique, esse
foi um debate sempre presente. Ele é antigo. Quem dera fosse recente! Pode
remeter ao século retrasado, para não dizer ao período que se seguiu à Segunda
Guerra, ou ao período recente, quando se discutiu sobre a implantação do
neoliberalismo. Este é o debate que está posto. Quando discuto a reforma da
Previdência, quero sair da armadilha do debate corporativo, privilegiado, das castas.
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Não estou aqui defendendo nenhum tipo de servidor e nenhum tipo de categoria.
Quero defender o Estado nacional brasileiro, mesmo sabendo que ele é capitalista.
Não tenhamos a ilusão de que este Estado nacional desenvolvimentista de que
estamos tratando não é um Estado nos marcos de um mundo hegemonicamente
capitalista, inclusive o Brasil. Defendo o socialismo, e não perdi essa convicção, mas
sei do que se trata e qual é a correlação de forças, qual é o caráter de classe do
Estado brasileiro. Nem por isso abrimos mão de ter um projeto nacional
desenvolvimentista, que eleve o desafio do nosso Presidente, que não foi eleito para
fazer o socialismo — nem era esse o seu programa de campanha.
O Presidente foi eleito para reconstruir uma nova concepção de Estado —
não estou falando do caráter de classe do Estado, mas de sua concepção; foi eleito
para restabelecer o marco econômico social, distinto e diferente do que foi o
aprofundamento desses últimos dez anos no Brasil, claramente de acumulação do
capital financeiro; foi eleito para universalizar e fazer do Estado indutor de projetos
estratégicos da economia e da proteção social. Senão, para mudar o quadro
anterior, não estaríamos discutindo o Governo eleito, mas o governo de Serra ou de
qualquer outro.
Parto desse tipo de visão para V.Exas. compreenderem que a perna
constitucional dessa disputa é curta, limitada. A perna social, hoje, tem de ser mais
forte do que a perna institucional. Aliás, os marcos da história do Brasil sempre
foram esses. Ou as reformas de base tiveram uma decisão iluminada, sustentada
pelo Congresso?
Qual foi a marca da luta das chamadas reformas de base, que inclusive
tinham um conteúdo mais progressista do que estamos vendo aqui hoje? No período
de Getúlio, qual foi a luta social no pós-Revolução de 1930?
O ator social tem uma força enorme e precisa se fortalecer para que a perna
institucional responda à perna social. Repito: a discussão, para mim, não é
corporativa, o debate está desviado da sua essência. Lamento profundamente que,
depois de lutar contra a hegemonia do mercado sobre o Estado, tenhamos agora, no
Governo Lula, de discutir como se retira de novo o discurso de desmoralização do
Estado diante da sociedade. É o que vai sendo feito. E quando as mulheres
brasileiras atentarem para isso pode ser tarde.
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Nós temos a responsabilidade, como mulheres conscientes e formadoras de
opinião, de responder a essas questões. Quando discutimos o setor público, falamos
de uma política universal. Não acredito que nenhuma mulher possa dar saúde a seu
filho, principalmente se fizer parte da grande maioria da população brasileira, pelo
plano privado de saúde. Os pesquisadoras de medicamentos da multinacional vão
pensar nas vacinas dos filhos de quem ganha salário mínimo ou nos medicamentos
que assegurem acesso gratuito à sociedade brasileira?
Também não imagino — não quero imaginar — que a escola pública ou a
universidade pública não seja a saída para a maioria da população. Será que é a
escola privada ou a universidade privada? Será que a Defensoria Pública é alvo de
um governo que quer proteger um servidor que ganha mais de 2.400 reais? Será
que o Ministério Público não é um parceiro da sociedade neste momento? E esses
servem de exemplo em todos os slides do Ministério da Previdência como os
inimigos do saneamento, da habitação e da saúde, porque gastam muito do
Orçamento Fiscal. Será que, hoje, é o Judiciário, com todos os seus limites e
dificuldades, o inimigo da sociedade brasileira? Será que são os fiscais do meio
ambiente do IBAMA? Ou será que a polícia — claro que saneada, esperamos nós —
é o inimigo da grande maioria da população brasileira?
É esse o discurso que vamos fazer para a sociedade? Será que a saída da
sociedade brasileira está fora do Poder Público, está fora da intervenção do Estado
na sua proteção? Essa é a pergunta que temos de fazer, esse é o debate que
deveríamos estar realizando, antes de discutir quais reformas seriam necessárias.
Considero uma piada o que foi dito pelo Secretário de Previdência do
Ministério, no seminário que houve aqui na Ouvidoria: que o servidor público tem de
bater a mão no seu coração e dar a sua quota de sacrifício para haver saneamento,
habitação e saúde no Brasil,. E ele não estava se dirigindo a débeis mentais, até
porque não é o dinheiro que se gasta com aposentadoria do servidor público. Aliás,
a situação não vai mudar, porque os aposentados aí estão. Esse gasto vai continuar
sendo feito, porque já é de responsabilidade da União, dos Estados ou dos
Municípios.
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Não dá para imaginar a transição para fundo de pensão para fazer poupança
interna num país de renda declinante. Poupar o que, se não há renda? O Brasil é um
país de renda e de massa salarial declinantes.
Estou discutindo uma saída ilusória, já testada em outros países do mundo,
que mostram que está desmoralizada a tese. Então, vamos criar fundos de pensão,
cortar gastos de aposentadoria para saneamento, habitação?
É esse o contraponto que o Governo da mudança apresenta para o
saneamento, a habitação e o investimento em infra-estrutura no Brasil? Será que se
eu rediscutisse a pirâmide tributária brasileira, mostrando que quem tem de pagar
são os que detêm renda e patrimônio, alguém estaria discutindo a aposentadoria do
servidor? Quem banca o servidor e a sua aposentadoria é a sociedade brasileira, é
verdade. O problema é que, em boa parte da sociedade brasileira, quem mais tem
renda e patrimônio não banca o Estado. São os que menos contribuem, aliás, os
que mais sonegam.
O debate sobre quem financia o Estado deveria ser anterior a esse processo.
Infelizmente, a reforma tributária, apesar de alguns aspectos positivos e outros
bastante negativos, não trata dessa questão, não inverte a pirâmide tributária
brasileira. A pressão é de quem? De quem não quer que as coisas mudem.
Sinceramente, já sugeri ao Governo que fosse para a televisão e, em vez de
atacar o Estado brasileiro e o serviço público, usasse o dinheiro que gastou pedindo
apoio à sociedade para pressionar o Congresso a votar a reforma da Previdência,
para pressionar os seus reformistas de agora, a atual oposição a votar para taxar
banco, para fazer uma reforma tributária de fato, a não dar perdão aos grandes
empresários com caixa da previdência.
Para isso a televisão poderia ter sido usada. Por que não foi? Será que já há
decisão de confrontar esses interesses da atualidade? Por que fazer uma reforma
da Previdência cuja transição para fundos de pensão vai custar mais? As transições
são caras. O Governo vai ter de gastar muito para fazer essa transição.
Se estou com um caixa desequilibrado e preciso cortar gastos para investir
em saneamento, por que vou apresentar uma proposta que custa mais, que vai tirar
dinheiro dos cofres públicos para bancar, como empregador e patrocinador, um
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fundo de pensão? Por que vou fazer isso, se essa não for a essência da proposta? E
é.
Não adianta. Vai mudar uma série de coisas no Congresso, na periferia do
problema. Quero saber se vamos ter coragem e determinação de mudar a proposta
na essência, que é colocar dentro da administração pública e do Estado brasileiro os
chamados fundos de pensão privados. Essa é a essência da proposta, e lamento
profundamente que assim o seja. Essa era a essência da Emenda nº 20, que aliás já
está na Constituição.
O seminário internacional realizado na semana passada, no Rio de Janeiro,
foi bancado pelos fundos de pensão brasileiros — PREVI, PETRUS e FUNCEF —,
chamando fundos de pensão de outros países. Para que público? Entidades
sindicais e lideranças sindicais. Estava lotado. Contou com a presença de quem? Do
Presidente da República.
Sinceramente, não entra na minha cabeça a atitude do Presidente da
República de ir a um seminário defender com os sindicatos os fundos de pensão.
Isso mostra que a essência da reforma é fazer fundos de pensão dentro da
administração pública, com a convicção — na minha opinião, equivocada — de que
essa é a saída da macroeconomia. Aliás, isso está no Plano Plurianual. Espero que
os senhores leiam o texto do Plano Plurianual, que apresenta como saída de
financiamentos de longo prazo fundos de pensão com reforma da Previdência. Há
uma convicção, no meu modo de ver, absurda e equivocada.
Estamos entre o Palocci e o Mantega, propondo fundos de pensão como
saída para o Brasil. Não cabe a mim retirar as coisas positivas que o BNDES está
fazendo, a postura externa do Presidente da República. Estamos valorizando e
defendendo isso em tudo que é fórum. Estou enfrentando pessoas que acham que o
Governo já foi para lá. Estou defendendo o Governo. Não dá para, em período de
transição, apresentar uma reforma estrutural e querer que nós, que temos convicção
formada pelo menos há 20 anos, acompanhemos a situação sem gritar, sem tentar
mudar e sem tentar construir uma outra perspectiva.
Quero dizer-lhes que, se a perna social não se movimenta, a perna
institucional não dá conta de agir sozinha, no quadro de hoje. O PSB e o PFL não
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têm grandes contradições em relação a essa proposta. Então, não há oposição a
ela. É bom ficarmos de antena ligada para o que está acontecendo.
O tempo que me deram para falar é muito pouco: 5 minutos. Gostaria ainda
de abordar muitas questões, mas não é possível.
Temos duas premissas: uma, a defesa do Estado nacional, que independe
dos governos, do ponto de vista dos seus regulamentos. O Governo passa e o
Estado fica, e esses servidores também ficam. Eles têm de estar protegidos dos
arbítrios de qualquer governo, o que não quer dizer que não haja necessidade de
ajustes, que podem e devem ser feitos. Até porque quero valorizar o trabalho e não
a manobra — aumentar o período de carência, mexer em relações de trabalho.
Se olharmos a proposta que chegou, veremos que ela tem como essência o
fundo de pensão. Como vou gastar mais para fazer a essência, vou cortar em
direitos para poder equilibrar o caixa. Essa fórmula não é aceitável, pelo menos para
mim. Portanto, como tenho de gastar mais para fazer fundo de pensão, vou cortar a
aposentadoria integral dos atuais e dos futuros aposentados, vou taxar inativo e
pensionista, vou tentar economizar. Que poupança é essa? Para quem?
A Laura Tavares, que também é meu guru, mostrou muito bem que, quando
não se muda o contexto macroeconômico, e onde o mercado de capitais e o capital
financeiro comandam, qualquer dinheiro que entra é para pagar juros e encargo
financeiro. Essa é a realidade mundial, em particular dos nossos amigos e vizinhos,
com os quais temos prioridade de nos articular.
Temos depoimentos de alguns economistas progressistas de todo o mundo,
desmoralizando a tese do fundo de pensão e da poupança interna. Não vou lê-los,
porque demanda muito tempo. Esse outro quadro mostra a queda do faturamento
dos fundos no mundo inteiro, exceto onde há monopólio, como na Bolívia. Aliás,
esse slide eu tirei de uma apresentação da Laura.
Vou dar algumas explicações para aqueles que não conseguiram ver de perto
a proposta. Nela, o fim da regra de transição somada ao cálculo de benefício, que,
na minha opinião, é inexeqüível, porque é um cálculo da média, muito pior do que o
fator previdenciário... O fator previdenciário é mais leve e mais generoso.
Então, o que acontece? Quando você faz a média dos últimos 35 anos de
serviço... Primeiro, porque é inexeqüível, porque o Governo não tem os dados.
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Quanto à CLT, não há dados anteriores a 1994; e no setor público, para se
conseguir alguma coisa desde 1976, só com muita boa vontade. Ou seja, não há
como conseguir muitas informações. Além do mais, a média vai apenar quem
começou a trabalhar mais cedo. Essa pessoa trabalhará mais tempo e, obviamente,
terá sua média puxada para baixo.
Então eu posso perder 50% em alguns benefícios. Nós, mulheres, sofreremos
com a redução nas pensões. Estou fazendo essa abordagem geral, porque a
maioria dos pensionistas é mulher. Na média de cálculo, as pensões podem sofrer
uma perda entre 60% e 70%. Esse cálculo já existe concretamente.
O corte linear das pensões pune quem? Exatamente quem ganha menos. Se
eu reduzo 70% do salário de quem ganha 15 mil, essa pessoa ainda sobrevive nesta
realidade louca. Mas 70% de 300 ou 400 reais é muito. Então, o corte linear pune
quem ganha menos. Além da redução média de 70%, quem ganha mais de mil reais
ainda terá sobre esse valor 11% de taxação, tanto de um como do outro. Quero
saber o que vai sobrar do salário.
O fator previdenciário exclui as 20 piores remunerações, calcula 80% das
melhores remunerações de 1994 para cá. Esse aqui vai para 35 anos. Faz-se a
média, os cortes e taxa-se em cima. Realmente estamos muito bem com essa
proposta.
Na verdade, está havendo quebra de paridade, o que é uma insegurança,
porque você dá carta branca e não sabe exatamente como vai ser. A paridade, hoje,
é negativa, porque os servidores estão com seus salários congelados. Mas, como
critério, tem-se de avaliar se é correto quebrá-la.
Tenho uma série de análises e estudos a respeito dos fundos de pensão.
Aliás, tenho estudado o assunto como nunca. Acho uma desmoralização que essa
seja a saída. Já que é assim, por que não usar os 340 fundos fechados existentes?
Eles já existem. Por que vou quebrar o Estado público para usar fundo de pensão,
se já temos 340 fundos fechados no Brasil?
O maior fundo de pensão do Brasil, a PREVI, vai fazer 100 anos no ano que
vem e acumulou, nos últimos dois anos, um déficit de 5 bilhões. Sabem por quê?
Porque foi usado para as privatizações, aplicou em renda variável, muito mais
sujeita à variação do dólar e ao mercado de capitas, e perdeu. Ganhou na
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EMBRAER, perdeu nas teles; ou seja, pode dar certo ou não, e na grande maioria já
não deu. Já temos o exemplo concreto disso.
Pego um servidor, que tem pouquíssimos estímulos para se manter na
carreira pública, e o mando para o fundo de pensão. Além de ficar com o passivo,
que é o mesmo gasto, retiro quem ganha mais do sistema, ou seja, quebro a
solidariedade da contribuição do atual ativo para o atual inativo, mando-o para o
fundo de pensão; quer dizer, reduzo a receita, gasto mais e compenso cortando
direitos. Sinceramente, não dá para conversar.
No caso específico das mulheres, temos grandes problemas. A Salete faz
uma explanação histórica desse processo. O grande problema da previdência, que
não está sendo atacado, e deveria ser o foco da reforma, da ampliação da
cobertura, é a feminilização da pobreza, que vimos discutindo há anos nas
conferências. A feminilização da pobreza é um fato. Com a não-ampliação da
cobertura e a quebra das políticas sociais, as principais vítimas são a mulher e sua
família, em particular os filhos e os idosos.
Aí começa o problema, porque quem não tem cobertura vai continuar não
tendo, e a quebra de um Estado público arrebenta com a universalidade e vai pegar
é aqui, porque as mulheres estão na parte cada vez maior da população pobre do
mundo e do Brasil também.
O fator previdenciário, que nem sequer passa por perto para distinguir, é
desastroso para a mulheres. Quebrou todas as diferenças que temos, do ponto de
vista do tempo de contribuição, da idade etc.
Em relação ao salário do servidor público, não há muita mudança, mas para
manter a contribuição, sim, pois, se as mulheres estão na parcela mais pobre, numa
boa parte desses fundos de pensão, os trabalhadores saíram porque não
conseguiram manter a contribuição. Para bancar uma capitalização que
corresponda, a contribuição é cada vez maior, e as pessoas foram saindo. Quem
ganha menos não vai contribuir e vai sair E nós, mulheres, seremos de novo as
grandes excluídas numa previdência complementar de caráter direto. O que é isso?
É fundo fechado e privado, e mesmo sendo público, cá para nós, vai estar sujeito a
toda a sanha do mercado de capitais — corretagem, administração etc. É uma
confusão. Essa não é a saída.
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Do ponto de vista do perfil que vivemos, cada vez mais os idosos são
provedores das famílias, porque o desemprego na idade produtiva é menor. O
desemprego em São Paulo está chegando a 20%, ou seja, 2 milhões de pessoas. E
as pessoas na terceira idade, os provedores, cada vez mais são mulheres.
Precisamos colocar a mão na cabeça. Toda reforma tem de ser para ampliar,
para universalizar. Não cabe uma reforma de restrição, que corte, que tire o Estado,
que encurte direitos. Isso não cabe no momento em que se quebra um modelo para
construir outro. Só cabem propostas ampliativas, universalizantes, de ampliação de
proteção e de coletivização de direitos, bancados pela sociedade, de quem tem
mais, para poder segurar quem tem menos. Isso só é possível com a intervenção do
Estado.
Não vou manter o Estado como indutor, quebrando o serviço público pelas
pernas. O serviço público é feito por pessoas, que precisam ser valorizadas,
qualificadas. É preciso manter o estímulo por optar pela carreira pública. A carreira
pública não é só ideologia. Tem de haver estímulos de fato. Não fosse assim, o
Governo não faria o tal abono de permanência. Então, a evasão do serviço público
será imensa e nós faremos com que a aposentadoria do trabalho, em vez de ser
retribuição ao trabalho, seja transformada em capital de risco, colocando as
mulheres para fora de qualquer sistema.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. COORDENADORA (Guacira Cesar de Oliveira) - Muito obrigada,
Deputada Jandira Feghali.
Vamos passar imediatamente a palavra à Dra. Salete.
A SRA. SALETE MACALOZ - Sra. Guacira, Deputada Jandira Feghali, Dra.
Mizabel Derzi, demais integrantes da Mesa, minhas amigas, meus amigos, todos
nós já participamos de várias situações em que se examina, no contexto
sociopolítico, qual o papel da mulher, qual a sua condição de cidadã de segunda
grandeza. Mas eu gostaria de começar hoje com uma situação um pouco diferente.
Considerando a referência que a Senadora Serys Slhessarenko fez à revista Veja,
quero também me associar à indignação da Deputada Jandira Feghali em relação
ao papel da imprensa nessas situações.
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Passo a ler um texto de José Saramago, um tanto quanto literário, para cuidar
da essência do nosso debate. A palavra “justiça” foi inúmeras vezes pronunciada
aqui.
Como o texto é grande, vou pular algumas partes, como faço em sala de aula,
e pegar apenas a essência:
"Numa aldeia nos arredores de Florença, há mais
de 400 anos, estavam os habitantes entregues cada um
aos seus afazeres, quando de súbito se ouviu soar o sino
da igreja. Naqueles piedosos tempos, os sinos tocavam
várias vezes ao longo do dia, e por esse lado não deveria
haver motivo nenhum de estranheza. Porém, aquele sino
dobrava melancolicamente a finados. O sino ainda tocou
por alguns minutos, mas finalmente calou-se. Instantes
depois, a porta abria-se e um camponês aparecia no
limiar. Ora, não sendo esse o homem encarregado de
tocar habitualmente o sino, compreende-se que os
vizinhos lhe tenham perguntado onde se encontrava o
sineiro e quem era o morto. ‘O sineiro não está aqui. Eu é
que toquei o sino.’ Foi a resposta do camponês. ‘Mas,
então, não morreu ninguém?’, tornaram os vizinhos. E o
camponês respondeu: ‘Ninguém que tivesse nome e
figura de gente. Toquei a finados pela justiça, porque a
justiça está morta’. O que acontecera? Acontecera que o
ganancioso senhor do lugar… Aí, o lesado camponês
tinha começado por protestar e reclamar. Depois,
implorou compaixão e, finalmente, resolveu queixar-se às
autoridades e acolher-se à proteção da justiça. Tudo sem
resultado. A espoliação continuou.
Uma aldeia tem o exato tamanho do mundo para
quem sempre nela viveu.
Então, desesperado, decidiu anunciar urbi et orbi a
morte da justiça. Talvez pensasse que seu gesto de
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exaltada indignação lograria comover e pôr a tocar todos
os sinos do universo, sem diferença de raças, credos e
costumes, que todos eles, sem exceção, o
acompanhariam no dobre a finados pela morte da justiça
e não se calariam até que ela fosse ressuscitada. Um
clamor tal, voando de casa em casa, de aldeia em aldeia,
de cidade em cidade, saltando por cima das fronteiras,
lançando pontes sonoras sobre os rios e os mares por
força haveria de acordar o mundo adormecido.
Não sei o que sucedeu, pois. Não sei se o braço
popular foi ajudar o camponês a repor os marcos aos
seus sítios ou se os vizinhos, uma vez que a justiça havia
sido declarada defunta, regressaram resignados, de
cabeça baixa e alma sucumbida, à triste vida de todos os
dias.
É bem certo que a história nunca nos conta tudo.
Suponho ter sido essa a única vez que, em qualquer parte
do mundo, um sino, uma campânula de bronze inerte,
depois de tanto haver dobrado pela morte dos seres
humanos, chorou a morte da justiça. Nunca mais tornou a
ouvir-se aquele fúnebre dobre da aldeia de Florença, mas
a justiça continuou e continua a morrer todos os dias.
Agora mesmo, neste instante em que vos falo,
longe ou aqui ao lado, à porta da nossa casa, alguém a
está matando. De cada vez que morre, é como se, afinal,
nunca tivesse existido para aqueles que nela tinham
confiado, para aqueles que dela esperavam o que da
justiça todos temos o direito de esperar: justiça,
simplesmente justiça."
O que a imprensa fez, especificamente com algumas nobres Parlamentares
desta Casa, não deixa de ser, como diz o texto, a cada dobre dessa campânula,
mais um pouco da justiça que continua morrendo.
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Para não falar de todo esse contexto, tenho a satisfação de ter ao meu lado
uma grande especialista em Direito tributário, que detalhará aspectos relativos às
finanças e às situações do projeto.
Quero dizer-lhes que, no projeto da reforma da Previdência, todas as
questões da realidade econômica e social da mulher, da necessidade de sua
inclusão não foram contempladas. Nele não há nada especificamente para a mulher.
Ao contrário, as mulheres do serviço público, como já foi dito pela Deputada Jandira
Feghali, em sua maioria, como pensionistas, vão ter redução salarial. A palavra é só
esta: redução. Isso significa seqüestro de 30% e outras coisas mais.
Então, o que é preciso ser feito neste instante em que esse sino está tocando
como alerta, por mais esse pedaço de justiça que vai solenemente para o cemitério?
Tramita na Casa proposta de emenda à Constituição, de iniciativa da
Deputada Luci Choinacki, que tem antecedência técnica e cria aposentadoria
assistencial para as donas de casa, na similitude, na simplicidade, sem nenhum
disfarce, em relação àquilo que o movimento de mulheres buscou nos trabalhos pré-
constituintes de 1988.
Todos sabemos que a aposentadoria do trabalhador rural é assistencial, não
contributiva. Deve existir, como fonte de receita, o Orçamento da União e não a
previdência contributiva do regime geral do servidor público. Uma aposentadoria
dessa natureza é de decisão iminentemente política. Trata-se de decisão política.
Decide-se. Vai se conceder. Depois, deslocam-se recursos de “a” ou “b”, ou se
provêem os recursos.
Ela foi designada para o trabalhador rural. E havia um detalhe: a trabalhadora
rural, quando casada, estava contemplada naquela aposentadoria. Foi o movimento
de mulheres que, a partir da Constituição de 1988, estendeu para a trabalhadora
rural solteira, viúva ou casada o mesmo direito a essa aposentadoria assistencial. O
argumento político da ocasião, inclusive, tem um braço, uma perna, um elo com uma
manifestação que foi apresentada. E a Sra. Laura Pautassi vai ser minha
testemunha na CEPAL, no dia 10 de março.
Nos idos dos anos 60, quando se formulava, se embasava a aposentadoria
assistencial do trabalhador rural, dizia-se que ele contribui diretamente para o
crescimento e o desenvolvimento econômico do País. Como ele está perdido nessa
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longevidade, nessa grandeza de País, não tem condições de recolher a sua
contribuição, não tem ciência de que precisa contribuir. Mas, como o seu trabalho é
uma contribuição direta para a economia, porque ele produz o grão, o alimento que
sustenta e mantém vivo o trabalhador urbano, nada mais justo do que ter direito a
essa aposentadoria.
Ora, essa imagem é absolutamente adequada para a fundamentação de
todas as outras aposentadorias assistenciais, cuja decisão deve ser política. Vejam
que no mesmo anonimato estão principalmente as mulheres, dentro de diferentes
lugares, fazendo um trabalho que é a sustentação dessa economia. E não é de
forma indireta, porque, quem cozinha, lava para aquele homem que vai para a rua e
cuida dele, não está trabalhando diretamente na economia. O próprio Direito tem o
cinismo de admitir isso de forma direta. Quando essa mulher, que fica em casa, não
é casada com esse cidadão que vai à luta, na separação, o Direito admite uma
solução da sociedade de fato, e ela tem direito a 50% do patrimônio. Ora, o Direito
admite isso na separação de um casal, mas quando chega na economia, na inclusão
dessa mulher em planos de benefícios, que estamos reclamando agora, ou
reivindicando como assistenciais, não. Passa-se por idiossincrasias que, na boneca
de 1986... Boneca é aquele projeto de Constituição escrito pelos 30 notáveis,
chamados pelo então Presidente da República José Sarney. Lá, tiveram a coragem
de incluir nos Direitos Sociais e Econômicos que a atividade doméstica era
economicamente atípica. Quer dizer, àquela época já se preparava a exclusão
absoluta da mulher nos tempos que viriam. Como brigamos a tempo, e a
Constituinte pelo menos foi muito mais ordenada, esse aspecto não passou.
Mas, falando objetivamente, por causa do curto espaço de tempo — até
gostaria de fazer uma análise do projeto, do ponto de vista técnico legiferante —,
abordo diretamente as questões, nessa chamada de inclusão. A bancada de
mulheres tem de levantar questão de ordem, no momento do exame desse projeto,
pela antecedência de registro, votar primeiro a PEC das donas de casa. Depois, se
ela for aprovada, obviamente, o projeto vai ter de ser refeito, readaptado em relação
a esse aspecto.
O que aconteceu na proposta desse projeto? Estava no Chile, naquele estudo
de impacto de gênero da reforma da Previdência, e lá compareceu um secretário de
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previdência, representando o Governo brasileiro. Ele estava apresentando a reforma
e disse para a comunidade latino-americana: “Quando estávamos apresentando a
reforma ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, explicávamos que a aposentadoria
do trabalhador rural é deficitária, porque ela é não-contributiva, é assistencial”. Ele
reproduziu a expressão do Presidente: “Mas esse é o déficit que queremos ter”. O
Presidente disse, diante da equipe que apresentou a reforma da Previdência, a
análise do contexto previdenciário, que, quando se trata de aposentadoria
assistencial, esse é o déficit que a sociedade quer ter.
A palavra “déficit” aqui está absolutamente mal localizada, porque não se trata
de déficit, mas de decisão política em que você vai tirar recursos do Orçamento
Público, porque as verbas afetadas, todas as contribuições com destinação
específica têm de ir para o regime geral. Se na Constituição essas parcelas de
tributação também são para as aposentadorias assistenciais, essa é uma decisão de
quem determina que o gasto daquelas receitas vai ser também com essa parcela da
população. Não há fundamento jurídico que diga que você tem de fazer isso. Por
isso resumimos na simplicidade, na força, na importância de haver decisão política.
É esta a Casa, é este o forno, é este o lugar, é este o berço, é esta a fonte que vai
determinar essa inclusão.
Desculpem-me os economistas, os cientistas políticos, os jurídicos, mas não
adianta tecnicidade alguma agora. O que interessa, conforme foi dito pela Deputada
Jandira Feghali, é vontade — vontade mesmo, comprimida pela força popular e que
aqui ecoa e responde ao anseio por essa inclusão. Esse é o primeiro aspecto.
Depois, podem ser usados alguns elementos de tecnicidade previdenciária.
Uma aposentadoria assistencial normalmente repousa em patamares
objetivos. Um deles é a idade; o outro pode até ser a questão da renda familiar. Não
precisa, necessariamente, ser só um salário mínimo. Essa oscilação de uma ou
outra situação pode cair na questão da renda familiar. Esse seria um aspecto de
inclusão. Podemos até explicar para as pessoas o que é fator previdenciário. Mas
acho que a proposta também tem de ser preliminar no exame desse projeto.
O fator previdenciário tem de acabar. Repristinamos a lei. O que quer dizer
repristinar? Na hora em que se tira o fator previdenciário, nós voltamos. Não se
coloca nada no lugar, o que significa voltar à lei anterior, que diz que, no caso de
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mulher com 30 anos de serviço e de contribuição, pega-se a média das últimas
contribuições — 36 meses, 5 anos — corrigida, e essa vai ser a sua remuneração no
regime geral. Tira-se o fator previdenciário. Vai favorecer os homens também. Mas,
nesse caso, vai ser um pouco mais de regeneração, de ressuscitamento da justiça
em relação às mulheres.
Esses dois aspectos diretos do projeto... Gostaria de dar ênfase ao discurso
da Senadora Serys Slhessarenko — deixo o meu abraço à Iara, que chamou a
turma — e ao debate de todas nós aqui, na questão das mulheres. Esse projeto —
não do ponto de vista do conteúdo, que reduz a pensão, cria contribuição, mas do
ponto de vista técnico de elaboração da lei — tem alguns aspectos extremamente
graves. Não quero chamar essas coisas de burras, de idiotas. No requinte da
linguagem jurídica, chamo de visível erro material. Quando leio o projeto, eu me
pergunto: por que deixaram passar isso? Por que fizeram isso? Qual foi a intenção
de quem escreveu e de quem leu e deixou passar essa melancia, essa abóbora,
essa maracutaia, que é uma palavra inventada — aliás, sabemos quem a inventou
— para dentro da PEC?
Temos o hábito de dar nomes às leis: Emenda Dante de Oliveira, Lei Fleury,
Lei Paulo Brossard, Lei Eloy Chaves, criadora da previdência. Se esse projeto
passar no Congresso como está redigido, vão massacrar o Judiciário, e nós
seremos obrigados a dizer que isso é de uma impropriedade absoluta. Gostaria pelo
menos de escrever o nome do redator original, para colocar mil sics, mil pontos de
exclamação.
Vou apontar para os senhores, para não ficar no imaginário, alguns aspectos.
Seria interessante que tivéssemos um mínimo de lembrança do que diz a
Constituição no art. 40, § 7º. Aliás, isso tem muito a ver com o Rio de Janeiro,
Deputada Jandira Feghali.
Diz ele:
Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos
da União ( ...)
§ 7º Lei disporá sobre a concessão do benefício da
pensão por morte, que será igual ao valor dos proventos
do servidor falecido ou ao valor dos proventos a que teria
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direito o servidor em atividade na data de seu falecimento,
observado o disposto no § 3º.
A PEC do Governo, no caput do art. 40, diz a mesma coisa.
Art. 40...............................................................
§ 7º Lei disporá sobre os critérios de concessão do
benefício de pensão por morte, que será de até 70% do
valor dos proventos do servidor falecido, observado o
disposto nos §§ 2º e 3º.
Mais adiante, o art. 42 da Constituição diz o seguinte:
Art. 42. Os membros das Polícias Militares (agora a
coisa vai afinando) e Corpos de Bombeiros Militares,
instituições organizadas com base na hierarquia e
disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e
dos Territórios.
§ 2º Aos militares dos Estados, do Distrito Federal
e dos Territórios e a seus pensionistas, aplica-se o
disposto no art. 40, §§ 7º e 8º.
Só que os §§ 7º e 8º, hoje, falam de pensões integrais. Aí, modificaram esse §
2º. O § 7º do art. 40 da PEC do Governo diz que lá tudo se reduz a 70%. Não
sabendo escrever, eles repetem: “Aos militares dos Estados, do Distrito Federal e
dos Territórios e a seus pensionistas aplique-se o disposto no art. 40, § 7º”.
Então, do jeito como está redigido, no caso dos militares dos Estados, no dia
em que se aposentam, a sua aposentadoria é reduzida em 30%, num país onde o
problema mais sério no momento é a segurança. Toda e qualquer pessoa que faz
alguma recomendação para melhorar a segurança diz que é preciso reequipar,
treinar e pagar melhor a polícia.
Minhas companheiras, imaginem como, hoje, o policial segura o revólver,
sabendo que a sua aposentadoria, que se pode dar no final da noite ou amanhã,
será reduzida em 30%? Claro que não foi essa a intenção, mas quem escreveu isso
não sabe nada de lei e não sabe escrever. Estou fazendo este alerta ao Congresso,
porque é certo que fora dessas 4 paredes pode haver alguém que não entenda de
previdência, muito menos de técnica legiferante. Mas os Deputados e os Senadores
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desta Casa entendem. E isso, como está, não pode ser aprovado. Não é nem
questão de reforma previdenciária. Trata-se de uma aberração, que não dá para
votar. Vamos esquecer o conteúdo. Trata-se de visível erro. Como é que se vota
fechado em um erro redacional? Imaginem, por esse exemplo... Vocês vão dizer:
ela apresentou o maior, o mais grave, o mais visível, o mais explícito erro. Se o
tempo me permitisse, poderia apresentar, sem entrar no mérito do conteúdo,
pequenas coisas que não podem passar. É o velho ditado popular: “Diga-me com
quem andas, que te direi quem és”. O Brasil inteiro vai achar que quem cometeu
esse gravíssimo erro, de absoluta ignorância de previdência, de técnica legiferante,
de contexto brasileiro foi o Congresso. Alguém tem de descobrir uma fissura no
Planalto para dizer a eles que deixem o Congresso cumprir o seu papel, que é o de
fazer uma depuração nesse texto, em homenagem à língua brasileira. Há ainda o
aspecto da técnica legiferante. Temos de mostrar que as pessoas aqui são vigilantes
em alguns aspectos. E todos os demais pontos, principalmente a inclusão da
mulher, passam necessariamente por uma grande articulação e pela retomada de
projetos que existem na Casa, cujos fundamentos podem ser buscados, não
precisam ser inventados. Pelo que já vivenciamos até hoje, tudo isso é possível.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. COORDENADORA (Guacira Cesar de Oliveira) - A Deputada Janete
Capiberibe já chegou. Assim sendo, vou passar a coordenação dos trabalhos a
S.Exa., que concederá a palavra à Dra. Mizabel Derzi.
A SRA. COORDENADORA (Deputada Janete Capiberibe) - Na seqüência,
passamos a palavra à Dra. Mizabel Derzi.
A SRA. MIZABEL DERZI - Quero saudar todos os presentes e manifestar
minha alegria em participar deste seminário, pela sua qualidade.
Surpreendi-me com todas as palestrantes que me antecederam. As senhoras
e os senhores presentes podem ver que todos os pontos são confluentes. Os mais
relevantes são pontos de contato, com conclusões e pressupostos comuns. Para
que eu não repita nada daquilo que lhes foi dito — não é do nosso interesse e o
tempo é muito curto —, gostaria apenas de responder às perguntas que nos foram
formuladas e que considero geniais. As Lauras nos colocaram a seguinte pergunta,
no seguinte contexto: diante de uma previdência social eminentemente masculina,
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feita pelos homens, não deveríamos considerar também, ao lado do trabalho
produtivo, o trabalho reprodutivo? Ou seja, qual é o papel das mulheres? Como seria
uma previdência social mais feminina? Que propostas podemos fazer nesse
sentido? É isso que nos importa agora. Sobre os pressupostos e os rumos da
previdência, acho que todos estamos de acordo. Vimos que a previdência social
sem teto — esse seria o nosso sonho, como dizem os alemães —, especialmente
garantida pelo Estado e de repartição assentada no princípio da solidariedade, não
no princípio mercantil, negocial, de equivalência, de seguro privado, seria a nossa
trilha. E esse é o nosso caminho. Isso nos foi dito e repetido pela Senadora Serys. E
também foi dito, com voz forte, pela Deputada Jandira Feghali. E mais, a
preocupação da feminilização da previdência nos vem, ao final, sem dúvida alguma,
nas brilhantes palavras da Dra. Salete, que lembra projeto sobre as donas de casa
que tramita na Casa.
As mesmas perguntas, as mesmas perplexidades. Quais seriam as soluções?
Não cabe a mim dar solução alguma, mas, pelo menos, enumerar as soluções que
os países centrais — não os periféricos — trouxeram a essa pergunta. Eles já se
posicionaram, já formularam soluções e já as devolveram. Se são boas o suficiente
para nós, veremos. Devem ser adaptadas à nossa realidade, sem dúvida. Mas não
podemos omitir nem a pergunta nem a resposta. Isso é fundamental para todas nós.
Sabemos, já foi dito, que a família passa por mudanças estruturais. Antes,
tínhamos uma família sem divórcio, praticamente perpétua. Os problemas daquele
cônjuge que não era o provedor, que não tinha uma atividade na aquisição de bens,
no momento da velhice, da invalidez, da doença, eram solucionados, ou seja, ele
tinha suas necessidades supridas internamente, pela família, pela iniciativa privada.
O trabalho da mulher era o de administrar o lar, de dona de casa, de cuidar dos
filhos ou dos doentes da família. Quantas vezes os doentes da família são entregues
às tias mais velhas ou às mães que já criaram seus filhos? São os chamados
cuidadores, que substituem o Estado. E o Estado, injustamente, não provê meios
necessários para enfrentar esses futuros males, que acometerão todos nós,
qualquer pessoa humana.
Hoje, a família se desmancha, no que tange aos cônjuges, pelo divórcio ou
pela separação nas uniões estáveis. E o número é cada vez mais crescente. Esse
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cônjuge que teve vida social descontínua, profissionalmente interrompida por uma
fase em que não trabalhou fora, porque estava cuidando do lar, ou trabalhava meio
período — e mesmo quando trabalha, cá entre nós, você sabe mais do que eu,
ganha menos do que o cônjuge varão, num contexto em que os benefícios
previdenciários dependem do valor da contribuição e do tempo da contribuição —,
no momento do divórcio ou da separação, sofre perdas irreparáveis, porque o tempo
é irreversível. Esse cônjuge economicamente mais fraco, que é a mulher, jamais
recuperará o tempo em que não contribuiu ou o fez de forma insuficiente. Isso é
absolutamente injusto.
A mulher, especialmente, tem biografia profissional descontínua. Por isso, a
pobreza é feminina e mais negra do que branca. Todas nós sabemos disso. Por
isso, os países não periféricos, centrais, preocuparam-se em reparar essa injustiça e
disseram que quem forma a mão-de-obra trabalhadora que sustenta a Previdência é
a mulher. Ela não pode ser esquecida. Mas não remeteram um projeto assistencial
para a dona de casa. Simplesmente feminilizaram os benefícios da Previdência
Social, meio a meio. Se a mulher é uma dona de casa, esposa de um Ministro do
Supremo Tribunal Federal ou do Presidente da República, durante o tempo de
casamento cumula o mesmo período de aposentadoria, no mesmo valor do marido,
com metade daquilo que ele contribui. Se não houver divórcio ou separação, se
foram 20 anos de casamento, essa mulher tem 20 anos de aposentadoria, por direito
próprio. Temos isso na Alemanha, em Estados dos Estados Unidos da América do
Norte, no Canadá e na Suíça. Há modificações nas normas da Espanha, da França
e da Holanda. Os três últimos ainda não aderiram ao modelo perfeito dos países que
acabei de citar, porque não inseriram o órgão previdenciário. Trouxeram essas
reivindicações para o seio do valor das pensões. Quando os casais se separam, as
pensões devem incorporar os direitos da futura aposentadoria, da qual um dos
cônjuges é privado, por motivo de divórcio. Mas isso é restringir uma questão muito
séria, de forma privada, entre marido e mulher. Esse pagamento dependerá da
situação econômica do cônjuge economicamente forte.
Por isso, outros países rejeitaram essa solução e buscaram a intervenção da
Previdência Social diretamente nesse momento e na família. Chegaram à conclusão
de que essa questão não poderia ser resolvida no campo privado, trata-se de uma
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questão da família, do campo privado, mas de tão alta relevância para o Estado que
chega à esfera da Previdência Social.
Portanto, lá, a mulher adquire direito próprio à aposentadoria. Ela não fica
implorando pensão, que é transitória, para um momento curto de necessidade.
Na minha opinião, essas considerações deveriam ser feitas, nesta
oportunidade, por um partido como o PT ou por partido que dá sustentação ao
Governo, por partidos que têm no trabalho fator de dignidade humana e que não
estabelecem essa diferença, que se faz há anos, de que o trabalho de educar os
filhos e do lar é inferior a outro trabalho. Para eles, não interessa. É a mesma
dignidade absoluta. Se é esposa de Ministro, para eles, aposenta-se como Ministro.
Eles não querem nem saber, pois isso é proteção da família, das gerações e da
dignidade da mulher.
E lhes digo mais. Como professora de Direito Tributário, luto para que isso se
reflita no Imposto de Renda. Peço o auxílio de Parlamentares tão inteligentes como
a Senadora Serys Slhessarenko e a Deputada Jandira Feghali, que demonstram
muita sensibilidade social, para que façamos a mudança no Imposto de Renda. Em
países como os Estados Unidos, a França, a Alemanha e Portugal, a renda feminina
é somada, para efeito de cálculo de imposto. Pode-se fazer declaração em conjunto
ou separadamente. Se se quiser fazer em conjunto, soma-se a renda do homem à
renda da mulher. Se a mulher é simples dona de casa, educadora dos filhos, ela vai
somar zero. Ao dividir a renda por dois, há vantagem, pois aplicam-se alíquotas
menores. O que a mulher faz, para eles, tem valor econômico, e o Estado participa
disso. É aquilo que se chama de valorização do trabalho reprodutivo, não só do
trabalho produtivo.
Sei que os senhores e senhoras que estão a frente de movimentos de
mulheres têm muito mais experiência do que eu. As legisladoras aqui presentes
podem trabalhar essas idéias. Estou aqui para trazer-lhes sugestões nesse campo.
Vou sugerir o mesmo que a Dra. Salete sugeriu, o imediato reconhecimento do
gênero. O trabalho não é só produtivo, é também reprodutivo.
Mas não adianta pedir desculpas a nós que também temos um trabalho
profissional fora de casa. Quantas vezes ouvimos dizer que as donas de casa
também têm um trabalho digno. Que também têm um trabalho digno! Vamos dar às
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palavras os efeitos que elas merecerem. Vamos buscar na Previdência Social
conseqüências financeiras, pecuniárias e de dignidade humana.
Esses projetos não são sonho, imaginação, perigosos. Em muitos países, são
leis há quase 30 anos. Mas isso não lhes é dito. Por quê? Porque esses países
estão baseados no princípio da solidariedade. Neles existe até a aposentadoria de
cuidados. Ou seja, o período em que alguém ficar restrito a afazeres domésticos
para tratar de um doente na família, embora não haja contribuição, é computado
para aposentadoria, como se contribuição tivesse havido. Devemos trazer esses
exemplos e chamar a sociedade brasileira à discussão.
Por sorte, a reforma da Previdência, como disse Laura Pautassi, atrasou.
Graças a Deus, nós a atrasamos e vamos resistir. Agora, está na hora.
Quanto a essa reforma da dona de casa e da feminilização, ou pelo menos
da neutralidade do modelo previdencial, adivinhem qual é o seu custo para a
Previdência? Se quiserem, as mulheres brasileiras farão a custo zero.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. COORDENADORA (Deputada Janete Capiberibe) - Peço desculpas
às companheiras Parlamentares e às representantes de organizações
não-governamentais pelo atraso. Fiz-me representar pela minha assessoria, que tem
compromisso com uma previdência pública que inclua a maioria das mulheres
brasileiras. Participaremos dos debates que serão realizados no período da tarde.
Tive oportunidade de ouvir parte dos comentários das Dras. Salete e Mizabel
Derzi sobre a fala da companheira Jandira Feghali e da Senadora Serys
Slhessarenko. Achei muito importante o enfoque da Dra. Salete de que a reforma da
previdência é, sobretudo, decisão política.
Pessoalmente, considero a reforma política, partidária, a mãe das reformas.
Nós, a bancada feminina, Deputadas e Senadoras, fazemos a diferença nesta Casa
na decisão política de que precisamos avançar, como avançamos na Constituinte.
Neste momento, também precisamos avançar. Na reforma política, ocupamos 30%
das vagas. Mesmo que agora estejamos falando da reforma da Previdência com
enfoque de gênero, a reforma da Previdência vai ser votada por nós. Estamos
ocupando espaço no Poder. É importante que na reforma política nos preocupemos
com os 30% de companheiras, não para nos somarmos e elegermos os homens dos
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partidos, mas para nos elegermos também para as Câmaras Municipais, para as
Assembléias Legislativas e para participarmos, finalmente, da decisão que será a
melhor para nós.
Encerraremos agora os trabalhos, para o almoço. Iniciaremos os debates às
14h30min, com as lideranças feministas dos movimentos de mulheres. Às 16h, o
Deputado José Pimentel, Relator da reforma da Previdência, participará dos
debates.
Muito obrigada. (Palmas.)