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CÂMARA DOS DEPUTADOS DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO NÚCLEO DE REVISÃO DE COMISSÕES TEXTO COM REDAÇÃO FINAL COMISSÃO ESPECIAL - PLP 167/00 - ESTATUTO DA TERRA EVENTO: Audiência Pública N°: 001201/01 DATA: 24/10/01 INÍCIO: 15:04 TÉRMINO: 17:39 DURAÇÃO: 02:35 TEMPO DE GRAVAÇÃO: 02:31 PÁGINAS: 60 QUARTOS: 30 REVISÃO: AMANDA, LÍVIA COSTA, MÁRCIA, NEUSINHA CONCATENAÇÃO: LETÍCIA DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO JOSÉ ELI DA VEIGA - Secretário-Executivo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Sustentável — CNDRS. SEBASTIÃO AZEVEDO - Presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária — INCRA. GILSON ALCEU BITTENCOURT - Secretário do Programa Nacional de Agricultura Familiar — PRONAF. SUMÁRIO: Considerações sobre a matéria objeto de análise da Comissão Especial: Estatuto da Terra. OBSERVAÇÕES Há intervenção inaudível. Há oradores não identificados. A reunião foi suspensa e reaberta à página 31.

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CÂMARA DOS DEPUTADOS

DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO

NÚCLEO DE REVISÃO DE COMISSÕES

TEXTO COM REDAÇÃO FINAL

COMISSÃO ESPECIAL - PLP 167/00 - ESTATUTO DA TERRAEVENTO: Audiência Pública N°: 001201/01 DATA: 24/10/01INÍCIO: 15:04 TÉRMINO: 17:39 DURAÇÃO: 02:35TEMPO DE GRAVAÇÃO: 02:31 PÁGINAS: 60 QUARTOS: 30REVISÃO: AMANDA, LÍVIA COSTA, MÁRCIA, NEUSINHACONCATENAÇÃO: LETÍCIA

DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃOJOSÉ ELI DA VEIGA - Secretário-Executivo do Conselho Nacional de DesenvolvimentoSustentável — CNDRS.SEBASTIÃO AZEVEDO - Presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária —INCRA.GILSON ALCEU BITTENCOURT - Secretário do Programa Nacional de Agricultura Familiar —PRONAF.

SUMÁRIO: Considerações sobre a matéria objeto de análise da Comissão Especial: Estatutoda Terra.

OBSERVAÇÕESHá intervenção inaudível.Há oradores não identificados.A reunião foi suspensa e reaberta à página 31.

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - PLP 167/00 - Estatuto da TerraComissão Especial - PLP 167/00 - Estatuto da TerraNúmero: 001201/01 Data: 24/10/01

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O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) – Declaro abertos os

trabalhos da presente reunião da Comissão Especial do Estatuto da Terra.

Hoje, além de diversas Comissões estarem trabalhando, está havendo na

Casa um seminário sobre a ALCA e é também o dia que antecede o prazo para

apresentação de emendas de bancada e individual ao Orçamento da União.

Portanto, informo aos palestrantes que a ausência de Parlamentares neste plenário

não significa pouco interesse pelo assunto e muito menos por aqueles que vão

expor suas opiniões.

Tendo em vista a distribuição antecipada da ata da reunião anterior, consulto

os Srs. Deputados sobre a necessidade de sua leitura.

O SR. DEPUTADO XICO GRAZIANO – Sr. Presidente, peço dispensa da

leitura da ata.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) – Dispensada a leitura da ata,

coloco-a em discussão. (Pausa.)

Não havendo quem queira discuti-la, em votação.

Aqueles que a aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)

Aprovada.

Ordem do Dia.

Audiência pública com os Srs. José Eli da Veiga, Secretário-Executivo do

Conselho Nacional de Desenvolvimento Sustentável; Sebastião Azevedo, Presidente

do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, e Gilson Alceu Bittencourt,

Secretário do Programa Nacional de Agricultura Familiar.

Convido a tomar assento à mesa os Srs. José Eli da Veiga, Secretário-

Executivo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Sustentável; Sebastião

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Azevedo, Presidente do INCRA, e Gilson Alceu Bittencourt, Secretário do PRONAF.

(Pausa.)

O SR. DEPUTADO XICO GRAZIANO – Sr. Presidente, peço a palavra pela

ordem. Acabei de chegar da Confederação Nacional da Agricultura, onde houve uma

reunião com representantes do Conselho Nacional do Café, em que se discutiu e,

felizmente, se resolveu a situação do endividamento dos cafeicultores do País.

Estava também presente, e muito atuante, o Deputado Silas Brasileiro, Vice-

Presidente desta Comissão, sem dúvida, o nosso mais contumaz parceiro desses

trabalhos.

Portanto, o dia de hoje é muito corrido para todos nós, Parlamentares. Trata-

se do último dia para apresentação de emendas ao Orçamento, e os Deputados da

Frente da Agricultura estão reunidos, decidindo os recursos que serão destinados

aos Estados — inclusive, o Governador esteve aqui hoje. Nossos convidados são

ilustres, e gostaríamos que muitos Parlamentares de vários Estados estivessem

presentes, mas não é esta ausência que vai reduzir o brilho da exposições.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) – Informo aos convidados que

esta Comissão adotou como linha de atuação não a polêmica, mas o debate em que

os palestrantes efetivamente colaboram para a elaboração do novo Estatuto da

Terra. O que aqui for exposto será gravado, taquigrafado e registrado. A Relatoria,

juntamente com aqueles que vão compor a equipe de assessoria, com certeza,

aproveitará os depoimentos que ouviremos hoje.

Cada palestrante terá o tempo de vinte minutos para sua exposição.

Começaremos ouvindo o Dr. José Eli da Veiga, a quem concedo a palavra.

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O SR. JOSÉ ELI DA VEIGA – Sr. Presidente, Deputado Carlos Batata;

Deputado Xico Graziano, autor do projeto; demais Deputados; colegas do Ministério

do Desenvolvimento Agrário, inicio agradecendo a esta Comissão o convite. Deixo

bastante claro que esta me parece uma oportunidade muito importante para que se

debata a questão do desenvolvimento rural no Brasil. Elogio o Deputado Xico

Graziano, pela iniciativa de apresentar o projeto do novo Estatuto da Terra. Não

entro em nenhum tipo de comentário sobre o velho Estatuto da Terra, sobre o qual

— é consenso e talvez até unanimidade —, a opinião é a de que está obsoleto.

O Brasil, sem dúvida alguma, precisa de um estatuto à altura senão do século

XXI, porque seria muito imaginar que uma lei complementar pudesse durar um

século, mas de atender às necessidades de desenvolvimento do País nas primeiras

décadas deste século. Essa é a intenção.

Só tenho a dizer que a idéia foi excelente e, por isso, parabenizo o Deputado

por ter tomado a iniciativa. O Ministro Raul Jungmann, o primeiro a ser convidado

para falar nesta Comissão, já teceu uma série de considerações sobre o autor da

proposta, Deputado Xico Graziano, o que de certa forma me dispensa de fazer

novos elogios. Simplesmente registro que faço minhas as palavras do Ministro Raul

Jungmann, e passo diretamente à matéria a ser tratada.

Se de um lado a intenção do nobre Deputado Xico Graziano é excelente, não

digo o mesmo quanto ao resultado. Ao contrário, confesso — e começo por aí —

que o resultado me decepcionou muito. Entendo até que o projeto é um tiro pela

culatra. Vou tentar justificar começando pelas minha conclusões, inclusive sob pena

de, nos vinte minutos de que disponho, não ter tempo de apresentar todos os

argumentos. Por isso, prefiro adiantá-las.

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Um estatuto da terra que se dirija às necessidades do País para as próximas

décadas precisaria ter pelo menos quatro alicerces — precisaria de outros, claro,

mas vou destacar apenas quatro.

Em primeiro lugar, há que se levar em conta a experiência em

desenvolvimento rural acumulada pelos países desenvolvidos, os que normalmente

chamamos de Primeiro Mundo. Em segundo lugar, um estatuto da terra não pode

prescindir do conhecimento acumulado pela pesquisa científica brasileira que está,

por exemplo, registrada nos anais e na revista da SOBER (Sociedade Brasileira de

Economia e Sociologia Rural), da ANTEC (Associação Nacional dos Centros de Pós-

Graduação em Economia) e da ANPOCS (Associação Nacional dos Centros de Pós-

Graduação em Ciências Sociais).

Digo isso pelo seguinte: quando o Estatuto da Terra original foi elaborado,

essas pesquisas não existiam, e o conhecimento que se tinha sobre o Brasil rural,

na época, era absolutamente precário. Essas sociedades científicas sequer existiam.

Praticamente não havia cursos de pós-graduação. Talvez o principal documento que

permitiu algum tipo de embasamento para a elaboração do Estatuto da Terra foi a

obra de Caio Prado Júnior, baseada no Censo Agropecuário de 1950. Isso basta

para se saber qual era o conhecimento de que se dispunha. Se fôssemos fazer uma

avaliação do que se conseguiu com aquele Estatuto da Terra, poderíamos dizer que

de certa forma sua elaboração foi até um milagre, porque não existia conhecimento

a respeito. Na verdade, só existiam preconceitos a respeito do Brasil rural, o que

hoje não mais acontece. Existe uma vasta pesquisa científica publicada nas

melhores revistas, como a que me referi, e acredito imperdoável que não levemos

em conta os resultados dessas pesquisas.

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O terceiro alicerce para a elaboração de um novo estatuto da terra é o capital

político acumulado no processo de redemocratização. Destacaria especialmente os

dois Governos Fernando Henrique Cardoso e, particularmente, a experiência

posterior a Eldorado dos Carajás. Evidentemente, estou me referindo à gestão do

Ministro Raul Jungmann no Ministério do Desenvolvimento Agrário.

Finalmente, um quarto alicerce que, no caso, é imperdoável também que seja

esquecido: hoje existe no País o Estatuto da Cidade, promulgado depois de onze

anos de tramitação.

Pois bem. Lendo o projeto do novo Estatuto da Terra, com base nesses

quatro critérios, a minha avaliação é a de que ele está sistematicamente na

contramão. Ele não revela o conhecimento da experiência acumulada pelo Primeiro

Mundo, não incorpora o que a pesquisa científica, principalmente em economia e

sociologia rural, acumulou no período de vinte anos, não reflete o avanço político

dos dois Governos Fernando Henrique Cardoso e, no fundo, ignora a existência do

Estatuto da Cidade, sendo inclusive contraditório em relação a ele. Vou tentar

justificar isso tudo durante os meus vinte minutos, se possível.

Para que eu possa apresentar as evidências de que o projeto não está à

altura das nobres intenções do autor — e não me cabe aqui especular o motivo —

deve haver algum tipo de problema com assessoria, mas não cabe a mim discutir

isso —, vou me concentrar em três pontos.

O primeiro diz respeito a uma confusão, que me parece primária, entre a

definição do que é rural — e é um critério de espaço, um critério territorial —, e o

que é agrícola ou agropecuário, que se refere a um subsetor econômico do setor

primário. Essa confusão é muito comum. O senso comum faz essa confusão, mas é

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imperdoável que reproduzamos isso, principalmente quando se tem tanto

conhecimento científico como hoje. No entanto, é o que acontece em quase todo o

texto, e vou apontar os artigos em que isso é mais manifesto.

A segunda evidência que tenho a ressaltar é relativa ao fato d que se

desconsidera quais são os principais determinantes da renda das diversas

categorias da população rural, especialmente da própria população agrícola.

População rural é algo muito mais vasto que população agrícola, e a renda das

populações rurais e a das populações propriamente ditas agrícolas têm

determinantes hoje conhecidos, que não são levados em conta no estatuto.

Terceiro ponto: parece-me que há uma visão equivocada sobre a dinâmica da

inovação tecnológica, particularmente no que diz respeito à sua relação com os

mercados. Esse talvez seja um ponto que, considero, o autor vai levar mais a sério,

até porque ele faz questão de enfatizar que se trata de proposta para valorizar a

tecnologia. Nesse sentido é que digo que se trata de um tiro pela culatra.

Como não vou ter muito tempo para discorrer sobre essas graves conclusões

— e pediria ao Presidente que levasse isso em conta —, gostaria de que nos autos

desta Comissão fosse registrada a existência de um documento que se intitula “O

Brasil rural precisa de uma estratégia de desenvolvimento”, que está sendo debatido

não só no Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável, mas também

nos Conselhos Estaduais e Municipais. Aqui estão pessoas da Secretaria do

Conselho que poderão distribuir esse documento. Passo imediatamente um

exemplar ao Presidente. (Pausa.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) – O Presidente fará constar

dos Anais da Comissão.

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O SR. JOSÉ ELI DA VEIGA – Muito obrigado.

Passo à justificação das minha avaliações.

Primeiramente, falo da confusão que se faz entre rural e agrícola. Para

poupar tempo, não vou entrar na discussão acerca do motivo de ser o senso comum

sobre o que é e o que não é rural — o corte urbano/rural — tão distorcido no Brasil.

Entendo muito importante, principalmente quando estamos discutindo um projeto de

lei complementar, que nos perguntemos qual é a base legal da separação

urbano/rural no Brasil. O Estatuto da Cidade, por exemplo, não tem essa definição

— o Estatuto da Cidade fala o tempo todo das cidades e em nenhum momento

define o que é cidade. Se formos procurar na legislação brasileira essa definição,

vamos encontrar um decreto-lei de Getúlio Vargas, no ápice do fechamento político.

Foi o período mais autoritário que o País viveu, sem comparação com nenhum

outro, com certeza, quando inclusive todas as Câmaras Municipais foram fechadas.

Portanto, foi justamente em 1938, durante o Estado Novo, que Getúlio Vargas, então

ditador, baixou o Decreto-lei nº 311, que, por incrível que pareça, continua em vigor

e, delimita, em princípio, o que seria urbano e o que seria rural no Brasil.

Somo levados a situações simplesmente surrealistas. Por exemplo, o que se

considera grau de urbanização no Brasil é a relação entre o que seria população

rural e população urbana. Como a população urbana é definida como sendo aquela

que vive na sede do Município ou na sede do Distrito — e esse é o caráter do

decreto-lei —, todas as sedes de Municípios ou Distritos foram estabelecidas, por

decreto-lei como sendo urbanas, independentemente de qualquer função geográfica,

ecológica etc. e não importando o caráter do Município. Isso faz com que, por

exemplo, quando o IBGE calcula o grau de urbanização, o Pantanal apareça como

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sendo a região mais urbanizada do País. Não sei se os senhores são capazes de

perceber a gravidade dessa definição: no Brasil, a região que o grau de urbanização

mais alto é o Pantanal.

Precisaria de muito mais tempo para explicar qual seria a alternativa a isso,

mas simplesmente digo que essa maneira de separar o urbano e o rural que há no

Brasil só acontece em quatro outros países do mundo: Equador, República

Dominicana, Guatemala e El Salvador. Nenhum outro País do mundo tem esse tipo

de separação. Essa situação faz com que, ao olharmos para os países que se

desenvolveram mais, percebamos que os que adotaram critérios desse tipo tiveram

de revisá-los.

Utilizando o método da OCDE, cito um exemplo de como a questão mudaria.

Peguei como exemplo o Estado do Tocantins, porque a Relatora desta Comissão,

Deputada Kátia Abreu, é daquele Estado. Segundo dados oficiais, 75% da

população do Estado do Tocantins seria urbana, e apenas 25% seria rural. No

entanto, fazendo-se as contas pelo método que a OCDE utiliza hoje em dia, haveria

uma inversão completa, ou seja, quase 73% da população do Estado do Tocantins

seria rural. Como exemplo extremo, cito o Município de Cristalândia, que tem quatro

habitantes por quilômetro quadrado, lembrando que, no período Neolítico, a

densidade média que a agricultura permitia era de trinta habitantes por quilômetro

quadrado. Cristalândia tem quatro habitantes por quilômetro quadrado. A sua

população caiu de 7.000 para 6.000 pessoas na década de 90. Esse Município é

classificado como tendo 92% de população urbana. Ou seja, ele é mais urbano que

o Município de São Paulo. Esse é o sistema utilizado no Brasil para separar o

urbano do rural.

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Infelizmente, não posso me estender muito nessa exemplificação, mas

gostaria de chamar a atenção dos Deputados desta Comissão, principalmente da

Relatora , para o fato de que, se tivermos uma visão correta do que é rural e do que

é urbano, a primeira coisa que salta aos olhos é que o rural tem três setores

econômicos, e não apenas um, como normalmente se faz questão de dizer. Na área

rural existe também a indústria. Há países em que a população ocupada na indústria

é mais rural do que urbana. No Brasil, em grande parte isso é verdade. Cito Estados

que inclusive visitei recentemente: Rio Grande do Sul, com sua indústria de calçados

e de confecções; Santa Catarina, com sua indústria de confecções; São Paulo, com

sua indústria de brinquedos, no Município de Laranjal Paulista, que certamente o

Deputado conhece; Minas Gerais, com a indústria de cerâmica e de fogos de

artifícios. São inúmeros os exemplos que podem ser citados, e eles mostram

claramente que é um absurdo tratar agricultura e território rural como se fossem

sinônimos.

Isso tem grane importância para o que estamos tratando aqui pelo fato de

que, nessas regiões, há pluratividade dos agricultores, principalmente dos familiares

— a família normalmente tem uma ocupação principal e uma ou mais ocupação

secundária. E isso é muito mais importante no Brasil hoje do que se imagina. Nem

se pensava a respeito do assunto no tempo do Estatuto da Terra, mas hoje é

imperdoável que se ignore a pluratividade dos agricultores familiares. E eu ainda

nem disse que todos esses Municípios têm um comércio importante e que o setor de

transporte rural é importantíssimo e subestimado.

Portanto, ao concluir este primeiro tópico sobre confusão entre território rural,

espaço rural e setor agrícola, afirmo que tratar pura e simplesmente da política

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agrícola, somada à política fundiária, como ocorre na nova proposta do Estatuto,

nem de longe significa tratar do desenvolvimento rural. O desenvolvimento rural

teria, no mínimo, um terceiro componente, que se refere fundamentalmente à

diversificação das economia locais — e ela se inicia com a própria diversificação dos

sistemas agropecuários.

Eu havia esquecido de registrar que essa confusão entre o rural e o agrícola

aparece em inúmeros artigos do projeto, mas principalmente no art. 15, que tenta

definir o que seja desenvolvimento rural. Ele define no máximo o que seja

crescimento agrícola. Isso também aparece com muita clareza nos arts. 37, 38 e 44.

O segundo tópico diz respeito a determinantes da renda.

Informo que não estou levando em conta outra separação: a do rural e o

urbano. As pesquisas são praticamente obrigadas, pelo IBGE, a considerar absurda

essa separação que acabei de denunciar.

Considerando a maneira como o Brasil hoje separa o urbano e o rural, já há

evidências científicas para mostrar que um terço das famílias rurais nada tem a ver

com agropecuária. Insisto em que, mantendo a separação que já mostrei aqui e que

é absurda, um terço das famílias rurais nada tem a ver com agricultura. Se

tivéssemos uma nova maneira de classificar o que é rural, a proporção das famílias

rurais que nada têm a ver com agricultura seria ainda maior.

Quanto às fontes de renda, 34% da renda das famílias "conta própria" vêm de

outras fontes que não a agricultura. No caso das famílias empregadoras, 40% de

suas rendas vêm de fora da agricultura. No caso das famílias de empregados do

meio rural, 56% da renda vêm de fora da agricultura.

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Sem querer aborrecê-los com a citação de vários dados, chamo a atenção

para as tabelas que aparecem nas págs. 54 e 55 do documento que acabei de

solicitar seja juntado aos autos — "O Brasil rural precisa de uma estratégia de

desenvolvimento". As tabelas que estão nessas páginas contêm todos esses dados.

Destaco a situação dos "conta própria", maioria esmagadora dos chamados

agricultores familiares.

No que se refere aos "conta própria", as atividades se separam assim: 52%

podem ser simplesmente agrícolas; 31% são famílias pluriativas, e 17% são outras

coisas que nem têm a ver com agricultura.

Entre os agricultores que são puramente agrícolas — essa massa de cerca de

4 milhões de agricultores —, 71% têm renda proveniente da atividade agrícola; 25%,

de aposentadorias e pensões, e 4%, de outras. Entre os pluriativos essa proporção é

de 50%; 12%, de aposentadorias, e 36%, de outras. No caso da terceira categoria,

apenas 2% vêm da agricultura; 89% vêm de outras.

Conclusão: mesmo considerando o critério de separação de urbano e rural

utilizado no Brasil, que na minha opinião é absurdo, fica muito claro que não

podemos enxergar o setor agrícola como algo que dependa da renda agrícola. Uma

parte pequena dos agricultores depende exclusivamente da renda agrícola. Mas, se

reconsiderarmos a separação do urbano e do rural, chegaremos à conclusão de que

a renda da agricultura, hoje, representa apenas 30%, um terço da renda das famílias

rurais. Significa dizer que a estimativa é a de que a agricultura represente 30%, um

terço do PIB da economia rural como um todo.

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Os artigos que não levam em conta esses dados, essas evidências da

pesquisa científica são principalmente o art. 18, que trata da renda mínima, e os

arts. 45, 46 e 47.

No caso do art. 18 — é simplesmente um comentário ad hoc —, de acordo

com meu ponto de vista, a discussão sobre a renda mínima não deveria separar o

rural do urbano. E, se houver algum dia no Brasil um projeto de renda mínima, deve

basear-se principalmente nos critérios que a FGV tem mostrado sobre a linha de

pobreza, independentemente de ser rural ou urbano. E não deveria ser um critério

do setor ou do subsetor agrícola ou agropecuário.

Para eu demonstrar que o ponto n° 3, que trata da inovação tecnológica, é

contraproducente, que as medidas que aparecem no projeto do Estatuto da Terra

são contraproducentes do ponto de vista da inovação tecnológica, contrariamente à

principal intenção do autor, eu me basearia em dois aspectos.

O primeiro é o do seguro-renda. Primeiro, não se trata de seguro. Na verdade,

o que está sendo proposto aí é um subsídio; significaria a diferença entre os preços

médios de mercado constatados e um preço mínimo prefixado. Nós conhecemos

essa maneira de agir, que é muito comum nos países desenvolvidos, as suas

origens e o seu resultado.

Não vou entrar em dois aspectos sobre essa questão. Está-se propondo a

criação de um subsídio que levaria todos os agricultores a terem direito a uma

remuneração que corresponderia à diferença entre o preço médio de mercado e o

preço mínimo fixado anteriormente.

Não vou entrar na questão da responsabilidade fiscal, que me parece óbvia.

Tenho certeza de que, se um artigo como esse fosse aprovado, seja nesse projeto,

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seja em qualquer outro projeto de lei, seria vetado com base na idéia da

responsabilidade fiscal hoje em dia. Também não vou fazer referência a aspecto que

me parece da maior importância: o da política comercial e da nossa política externa.

Gostaria que fosse registrado também artigo publicado hoje no Estado de S.

Paulo, que mostra justamente que estamos chegando no fim daquele período em

que não dá para contestar a legalidade desse tipo de subsídio nos países

desenvolvidos. O Brasil montou toda a sua estratégia comercial para ir contra esse

tipo de subsídio no mundo desenvolvido. Até agora, nunca pudemos contestar isso

na OMC. Esse artigo chama a atenção para o fato de que a partir de 2004 vai ser

possível contestar a legalidade desse tipo de subsídio.

Seria grande incoerência se o Ministério da Agricultura, Pecuária e

Abastecimento estivesse montando toda a sua estratégia comercial externa para

combater esse tipo de subsídio, e, ao mesmo tempo, o Brasil o estivesse criando.

Mas, conforme disse, isso não faz parte da minha argumentação central. O ponto

principal da minha exposição é a inovação tecnológica.

O que ficou constatado em todas as experiências que tiveram esse tipo de

prática, que está sendo chamada aqui de seguro-renda, mas que, na verdade, não é

um seguro, e está formulada principalmente no art. 46, é que a questão central da

inovação tecnológica, que é a decisão de plantio, fica congelada por um mecanismo

como esse. Por que eu vou sair de uma cultura cujas perspectivas são negativas, se

sei de antemão que vou ter garantida a diferença entre o preço mínimo e o preço de

mercado?

Inovação tecnológica na agricultura é fundamentalmente a capacidade de o

agricultor de escolher bem as culturas que vai praticar e de, muitas vezes, modificar

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o seu sistema de produção. E, modificar o sistema de produção, muitas vezes,

significa convertê-lo.

Uma das conseqüências negativas de se estabelecer esse tipo de política é

que os agricultores vão ter muito mais tendência — aí, sim, a palavra "seguro"

aparece — a apostar no que é seguro, porque há subsídio para aquele tipo de

cultura, do que, por exemplo, a estar atento à necessidade de se fazer conversão do

seu sistema produtivo e migrar para outras culturas com maior futuro.

Vou dar um exemplo muito chocante: o semi-árido brasileiro, principalmente

na área em que os agricultores continuam com práticas dependentes de chuva —

não estou me referindo às áreas irrigadas. Ali nunca deveriam ter sido plantados

grãos, como acontece com o feijão, o arroz, o milho, principalmente.

Se fosse estabelecido um seguro-renda para essas culturas, esses

agricultores continuariam praticando tudo aquilo que a pesquisa científica,

principalmente a EMBRAPA...Todas as pesquisas mostram que eles teriam de estar

saindo dessas culturas e praticando outras que a EMBRAPA já mostrou que são

viáveis e que permitem um sistema de produção completamente diferente, baseado

na caprino-ovinocultura. Mas essa conversão, que é de difícil realização, ficaria

praticamente inviabilizada se fosse estabelecido um subsídio que garantisse, por

exemplo, o preço mínimo do milho, do feijão e do arroz para produtores de áreas

dependentes de chuva.

A segunda parte da argumentação sobre a questão tecnológica diz respeito à

reversão, que considero retrocesso mesmo em relação ao conceito do módulo rural.

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Quero chamar a atenção principalmente do autor para esse ponto. Li todas as

notas taquigráficas das sessões anteriores, a introdução desse texto que apresenta

o novo Estatuto da Terra, entrevistas. A questão do módulo está interessando muito.

Não vou aqui fazer a defesa do módulo da maneira como ele está no Estatuto

da Terra. Por quê? Porque no Estatuto da Terra ele é visto como módulo municipal.

Há experiências avançadas em outros países sobre isso. Ele tem algo muito

importante, que foi um tremendo avanço: relaciona a área com o sistema produtivo e

com a base tecnológica, com o padrão tecnológico. Por isso é que não estabelece

área, como agora está sendo reintroduzido aqui. É coisa do século XIX imaginar que

se pode separar pequena propriedade, média propriedade e grande propriedade por

critérios de área. Toda pesquisa científica mostrou o contrário.

Se havia algo interessante no módulo, mesmo que ele tivesse de ser

modificado, era o fato de fazer a relação da área com o sistema de produção e a

tecnologia padrão daquele momento. E o módulo avisava que ele devia ser revisto.

Abrir mão disso para fixar novamente o critério de área é um absurdo. Por exemplo,

chamar de pequena propriedade 30 hectares, ou mais, em outras regiões.

No mesmo Município, numa área irrigada, 6 hectares podem ser demais para

uma família; um metro depois, numa área em que a irrigação não chega, o sistema

de caprino-ovinocultura exige, num padrão tradicional, 500 hectares. Se forem

adotadas as práticas mais modernas que a EMBRAPA e outros organismos da área

desenvolveram, pode-se reduzir isso a 100 hectares ou até a 50 hectares, onde, por

milagre, uma família poderia viver, mas com padrão tecnológico praticamente

desconhecido no País. Ninguém o adotou ainda.

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Portanto, essa relação tem de ser feita. E pelo fato de essa questão do

tamanho na agricultura sempre haver preocupado os economistas, inúmeros

trabalhos foram realizados, procurando investigar em todos os países quais seriam

os tamanhos correspondentes e sobretudo como é que se mede tamanho. Não é

mais por terra. Área de terra como medida de tamanho no sistema produtivo na

agricultura é coisa do século XIX. Poderia ser medido, por exemplo, pelo capital.

Na verdade, todos os estudos — e aí eu cito principalmente os estudos feitos

na Inglaterra — concluíram que as economias de tamanho estão ligadas ao fator

mão-de-obra, fundamentalmente. Chegou-se à conclusão, por exemplo, de que na

maioria dos países desenvolvidos o padrão ideal de uma unidade agrícola é o

daquela que envolve três unidades homem/ano. O máximo que eles conseguem

chegar, com trabalhador permanente, seria a uma equipe de seis unidades

homem/ano. E, mesmo assim, quando passa disso, necessariamente, tem de haver

a terceirização. As propriedades que funcionam assim nos Estados Unidos, na

Europa etc. são fundamentalmente baseadas na terceirização. Infelizmente nós

usamos outros nomes, mas é um fenômeno que ocorre com bastante freqüência nas

áreas mais modernas da agricultura brasileira.

Portanto, se considerarmos a mão-de-obra permanente e a transformarmos

em unidades homem/ano, vamos chegar à conclusão de que, no fundo, aquilo que

dá o tamanho mais eficaz na agricultura é muito semelhante ao que fundamenta a

idéia da agricultura familiar.

Fiquei particularmente surpreso com o fato de que, tendo sido o PRONAF,

talvez, um dos principais programas inovadores dos dois Governos Fernando

Henrique Cardoso, é praticamente esquecido no projeto, embora haja uma definição

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de agricultura familiar no Capítulo I. Depois, para efeito de política agrícola, o que

aparece é apenas a idéia de pequeno, médio e grande, o que é uma coisa anterior.

Mais uma vez se constata, portanto, tremendo retrocesso nesse aspecto,

principalmente ao se esquecer de que a agricultura familiar, inclusive, é a que

melhor exprime a questão das economias de tamanho na agricultura.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) – Dr. Eli, a palestra de V.Sa. é

bastante intrigante e interessante, e o Deputado Xico Graziano tem muitas coisas a

dizer. Infelizmente, como já estamos no início da Ordem do Dia no plenário, devo

solicitar a V.Sa. que encerre o seu pronunciamento. O que faltar, V.Sa. poderá nos

encaminhar por escrito, que a Comissão vai receber com o maior prazer.

O SR. JOSÉ ELI DA VEIGA – Já encerro, Sr. Presidente.

Esse terceiro ponto, como eu disse, está encerrado. Quero apenas fazer uma

síntese, em um minuto, de tudo o que falei.

Em primeiro, na minha opinião, tal como se apresenta, o projeto do novo

Estatuto da Terra está muito longe de poder revogar o anterior, sobretudo as leis

agrícolas de 1991 e a Lei Agrária, de 1993.

Para que possamos ter um Estatuto da Terra que corresponda às

necessidades do País para a primeira década do século XXI, ele precisa ser

inteiramente reformulado, a fim de incorporar as quatro dimensões sobre as quais

chamei a atenção de V.Exas.. É fundamental que ele leve em conta a experiência

dos países mais desenvolvidos; que não ignore a pesquisa brasileira, principalmente

em economia e sociologia rural; que incorpore os avanços institucionais da

redemocratização, principalmente dos dois Governos Fernando Henrique; e que

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contribua para que haja uma definição mais clara do que seja urbano e o que seja

rural, já que o Estatuto da Cidade, que poderia, em princípio, ter feito isso, não o fez.

Desculpe se ultrapassei o tempo, Sr. Presidente, e muito obrigado pela sua

paciência.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) – Com a palavra o Sr.

Sebastião Azevedo, Presidente do INCRA.

O SR. SEBASTIÃO AZEVEDO – Quero cumprimentar os integrantes da

Mesa, na pessoa do Deputado Carlos Batata, e os Srs. Parlamentares, na pessoa

do ilustre Deputado Xico Graziano, além das pessoas presentes neste plenário.

Primeiramente, quero agradecer-lhes o convite para debater tema de tanta

relevância para a sociedade brasileira. Ao mesmo tempo, congratulo-me com o

Deputado Xico Graziano pela ousadia de trazer para o debate público com a

sociedade assunto dessa importância.

Faço minhas as palavras do Ministro Raul Jungmann, quando esteve aqui

debatendo sobre o mesmo tema, e do Dr. José Eli da Veiga. Deixo também

registrada a minha admiração pelo Deputado Xico Graziano.

É evidente que, em matéria de tanta relevância, devem permear situações

embaraçosas, de alta complexidade. E não poderia uma proposta como essa,

apresentada pelo Deputado Xico Graziano, ser considerada perfeita, acabada,

completa. Tendo em vista o esforço de editar o novo Estatuto com fundamento na

Constituição e nas legislações então vigentes, deve-se considerar esse trabalho da

maior importância, fazendo-se contudo as observações necessárias a respeito do

tema, dentro do princípio de que estamos trazendo a esta Comissão a nossa

contribuição pela experiência adquirida ao longo dos anos nessa atividade.

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Tendo em vista o acordo feito entre nós, painelistas, vou restringir-me aos

aspectos técnicos e jurídicos agrários. Nesse sentido, com todo o respeito que tenho

pelo Deputado Xico Graziano, começo dizendo que o projeto apresentado se

equilibra entre a fragilidade e o retrocesso.

O que me leva a tecer essas considerações — e é evidente que não temos,

em vinte minutos, condições de fazer um debate mais amplo sobre o assunto — tem

fundamento em alguns aspectos.

O primeiro deles diz respeito à evolução do Direito Agrário brasileiro. Como os

senhores sabem, o Estatuto da Terra se constitui, na verdade, na legislação básica

do Direito Agrário brasileiro. É sobre ela que repousa todos os demais atos

normativos. Embora possamos encontrar diversos atos extravagantes, a questão

central gira em torno do Estatuto da Terra.

O Estatuto da Terra foi elaborado como norma do Direito Agrário em face da

Emenda Constitucional nº 10, de 1964. Essa emenda é de abril, em seguida, em

novembro, o Estatuto foi editado com todo esse manancial de normas que

conhecemos. A partir daí, sucederam-se diversas outras legislações multifárias.

Essas legislações estavam estagnadas e não eram editadas desde 1850 (Lei nº 601,

de 1850).

Qual é a primeira preocupação no que se refere ao Direito Agrário, em face

do Estatuto da Terra? O Direito Agrário possui institutos próprios. Até para que se

afirme como ciência do Direito, ele precisa ter institutos e princípios próprios, que

evoluem ao longo do tempo. O legislador que pretende editar uma norma da

envergadura do Estatuto da Terra precisa ter os cuidados necessários e considerar

esses aspectos de institutos que têm de firmar-se ou modificar-se. Não pode deixar

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de acompanhar também os aspectos relacionados à doutrina e à jurisprudência

predominante ao longo do tempo. Nesse sentido não se verifica avanço, por tudo o

que aconteceu a partir de 1964.

Outra preocupação que se tem, e que é presente, é quanto aos aspectos

constitucionais. Na verdade, o autor pretendeu regulamentar o capítulo da reforma

agrária, da política agrícola e fundiária.

Tenho questionado a respeito da conveniência de se estar editando ou

revendo normas frente ao dispositivo constitucional vigente. Os Constituintes

presentes e a sociedade que debateu o assunto devem se recordar de que no

capítulo pertinente à reforma agrária e à política fundiária verificou-se um dos

maiores retrocessos, quando se discutiu acerca do assunto nesta Casa,

diferentemente do que aconteceu com a política ambiental, consubstanciada no art.

225, e com a política relacionada aos índios — art. 231.

A primeira abordagem que faço em relação ao assunto é se não seria

oportuno, antes mesmo de se cuidar das leis ordinárias, aperfeiçoando-as ou

consolidando-as, voltar a discutir política agrária e fundiária, sobretudo porque vários

assuntos ficaram pendentes e não foram suficientemente debatidos nesta Casa.

Outro ponto diz respeito à competência legislativa para editar o Direito

Agrário, que seria do Poder Federal. Esse é um aspecto que está em debate.

Parece-me que essa questão relacionada à competência — sobretudo à

competência privativa, às competências concorrentes e às competências comuns ou

materiais —, nos dias atuais, precisa ser rediscutida, em face dos avanços que a

sociedade moderna alcançou.

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Ainda sobre esse aspecto, apresento questão de ordem procedimental, que

diz respeito ao processo legislativo. Há aqui uma proposta de lei complementar. Na

verdade, afigura-me desnecessário editar norma complementar, em face da

Constituição vigente. A Constituição vigente, a rigor, não exige que essa norma de

Direito Agrário que se quer editar seja conduzida por processo legislativo em forma

de lei complementar. Aliás, o próprio Estatuto da Terra, hoje, é uma lei ordinária,

como ordinárias são as demais leis que o sucederam. Exceção feita — porque

constitucionalmente protegido — à lei do rito sumário. Essa é uma questão a ser

vista, porque submete a critério rígido uma norma que, a rigor, poderia ser

conduzida por um processo de quorum menos exigente.

Outro aspecto que de alguma forma foi abordado pelo Sr. José Eli, que me

antecedeu, está relacionado exatamente aos avanços do Governo desde 1964,

embora possamos considerar que os maiores avanços ocorreram a partir de 1985,

sobretudo a partir da vigência da Constituição de 1988. O Estatuto como norma

básica não só não acompanhou os avanços, como deixou de contemplar no seu

texto disposições pertinentes, por exemplo, à questão fundiária, sobretudo a

discriminação de terras públicas, sobre a questão da faixa de fronteira. Embora

exista lei autônoma, seria a oportunidade de trazer para o bojo — já que se está

tentando dar uma idéia de consolidação dessa matéria — dispositivos pertinentes ao

ordenamento da estrutura fundiária e, sobretudo, o combate a fraudes e

falsificações, inclusive decorrentes da nova Lei nº 10.267, recentemente aprovada

nesta Casa, aspectos relacionados a cadastros rurais e à aquisição de imóveis

rurais por pessoas estrangeiras.

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Se houvesse tempo, eu trataria do estudo comparativo realizado por uma

equipe do INCRA a nós recomendado sobre a proposta apresentada e a legislação

vigente. Cabe-me destacar pelo menos alguns pontos com relação a algumas

questões fundamentais. A primeira delas está relacionada ao art. 20. Em face do

dispositivo constitucional vigente, a partir do art. 184 e porque a Constituição não

enfrentou esse problema, o dispositivo proposto apresenta o retrocesso ainda maior

do que o previsto na Lei nº 8.629, que, a meu ver, é complementar ao Estatuto da

Terra. E por mais que não se constitua um avanço com relação a esse aspecto da

função social da propriedade, a Lei nº 8.629 procurou pelo menos conceituar bem os

diversos aspectos relacionados a esse assunto.

Também há retrocesso com relação à competência da União para

desapropriar por interesse social ou para fins de reforma agrária o imóvel que não

cumpre a função social, com relação ao conceito de imóvel rural e mais

precisamente com relação à utilização, por exemplo, de títulos da dívida agrária.

A Lei nº 8.629, com a alteração introduzida pela medida provisória recém-

reeditada, avançou significativamente em relação à moderna proposta apresentada

em face do Projeto de Lei Complementar nº 167.

Mais adiante, vamos também verificar outro aspecto que, comparativamente à

legislação vigente, lamentavelmente não ousou avançar. Esse ponto se relaciona

sobretudo ao conceito de prévia e justa indenização, delineado no art. 12 da Lei nº

8.629, que tem como fundamento não só os critérios já conhecidos anteriormente,

também aspectos doutrinários e jurisprudenciais que estão hoje predominantes,

como no sentido de acatar aqueles que são considerados mais favoráveis às teses

defendidas, para evitar que se dê interpretações que possam elevar o preço da terra

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na execução do programa de reforma agrária. Nesse passo, vejo ainda a questão da

destinação ou da redistribuição fundiária através de assentamentos. Há também que

se louvar a iniciativa no sentido de tentar disciplinar. Estudo comparativo da mais

recente atualização dos arts. 17 e 18 da Lei nº 4.504, da medida provisória citada

anteriormente, demonstra que se conseguiu evoluir além do proposto.

Enfim, gostaríamos de nos deter em vários pontos cujos trabalhos

comparativos realizamos. É de se lamentar. Entendo que esta é a forma de se fazer

a discussão no primeiro momento, visto que não há tempo para se fazer abordagem

ampla.

Como foi dito pelo ilustre Presidente Carlos Batata, acredito que este é o

início de um debate que pode prolongar-se com o propósito de se aperfeiçoar o

projeto apresentado pelo Deputado Xico Graziano. Nesse sentido já havíamos nos

posicionado anteriormente, mas, vamos repetir, continuamos no INCRA e no

Ministério do Desenvolvimento Agrário à disposição do ilustre Deputado para que

encaminhemos, em conjunto, proposta que possa resultar em substitutivo que

atenda aos anseios da sociedade brasileira.

(Não identificado) - Sr. Presidente, peço a palavra pela ordem.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) - Tem V.Exa. a palavra.

(Não identificado) - Sr. Presidente, eu queria anunciar aos Srs. Deputados e

a V.Exa. que está entre nós o Prof. Benedito Ferreira Marques, da Universidade

Federal de Goiás, acompanhado de doze professores mestrandos de Direito Agrário.

A Universidade Federal de Goiás realizou o Seminário Estadual de Direito

Agrário. O debate central desse seminário foi exatamente a alteração do Estatuto da

Terra. Portanto, em nome da Universidade Federal de Goiás, do Prof. Benedito,

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trago à Comissão os anais do 1º Seminário Estadual de Direito Agrário, como

subsídio relevante, já que ela vem discutindo essa questão de forma sistemática.

O SR. DEPUTADO JOÃO GRANDÃO - Sr. Presidente, aproveito este

momento para solicitar um exemplar, não apenas para esta Comissão, mas também

para o Deputado Padre Roque, que, como eu, faz parte da Comissão de Agricultura,

onde queremos debater este tema.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) - A Presidência, após o

pronunciamento do Dr. Sebastião Azevedo, agradece enfaticamente a dedicação ao

Prof. Benedito.

O Estado de Goiás tem dado sua contribuição pela forma que trata a questão

agrícola e agrária neste País. Com certeza a nossa Relatora, Deputada Kátia Abreu,

o Deputado Xico Graziano e esta Presidência vão usar este trabalho feito na

Universidade de Goiás, assim como tudo aquilo que é trazido a esta Comissão.

Agradecemos aos professores da Universidade Federal de Goiás e ao nobre

Deputado pela oportuna observação.

Gostaria de pedir ao Prof. Benedito que, se possível, enviasse cópia desse

trabalho a outros membros da Comissão Especial do Estatuto da Terra.

Para encerrar, concedo a palavra ao último palestrante da tarde, o

representante do Programa Nacional de Agricultura Familiar, programa do Governo

Fernando Henrique Cardoso, que de fato veio para ficar e muda consideravelmente

a forma de trabalho do pequeno agricultor do Brasil inteiro. Com a palavra o Sr.

Gilson Alceu Bittencourt.

O SR. GILSON ALCEU BITTENCOURT - Exmo. Sr. Carlos Batata,

Presidente desta Comissão, Exmo. Sr. Deputado Xico Graziano, autor do projeto em

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questão, demais Deputados e participantes desta sessão, a minha exposição segue

a mesma ótica do Sr. Sebastião Azevedo. É uma seqüência das posições do

Ministério do Desenvolvimento Agrário, iniciadas aqui com a primeira apresentação

e abertura desta Comissão com a intervenção do Ministro Raul Jungmann, em

seguida pelo Sr. José Eli da Veiga, Sr. Sebastião Azevedo e eu, tentando enfocar

especialmente a questão de política agrícola no projeto em questão.

Para iniciar, acho importante reforçar um pouco a questão do PRONAF e, em

função disso, discutir concretamente o vínculo do PRONAF com a proposta em

discussão.

O PRONAF foi criado em 1995 e representou uma significativa mudança,

principalmente no foco do Governo em relação ao entendimento da agricultura

familiar e à perspectiva de desenvolvimento rural. Foi um programa criado através

de uma negociação e articulação muito intensa com os movimentos sociais,

especialmente a CONTAG, e nesses últimos cinco anos, desde a sua criação, vem

sendo aperfeiçoado anualmente, sofrendo significativas mudanças sempre para

melhor e visando o desenvolvimento do espaço rural.

O PRONAF conseguiu quebrar uma série de tabus, especialmente em relação

à perspectiva de desenvolvimento rural, como iniciado aqui pelo colega José Eli da

Veiga, não só sob o aspecto da agricultura. Tanto que entre as suas linhas de ação

tem cada vez mais avançado no financiamento, na capacitação de agricultores no

sentido de atividades não agrícolas que podem potencializar e complementar a

renda dos moradores do espaço rural, quando não forem a principal renda desses

agricultores.

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O PRONAF também conseguiu avançar significativamente na ótica de

classificação do que antes era considerado mini, pequeno, médio e grande produtor,

evoluindo para o conceito de agricultura familiar. Neste conceito, incorporou tanto a

questão da mão-de-obra, quanto a direção do estabelecimento, área-limite e renda,

para, a partir daí, definir um público-alvo da ação do Governo nas suas principais

áreas, que eram o crédito, a capacitação e os recursos para infra-estrutura nos

Municípios, sempre tentando avançar e garantir uma estrutura e serviços para a

agricultura familiar.

Além disso, avançou como política governamental, no conceito de agricultura

familiar, mudando o conceito anterior que ora era miniprodutor, ora era pequeno,

dependendo do ano, não se sabendo exatamente quais eram os públicos centrais da

atuação das políticas públicas. Avançou no sentido de fazer uma diferenciação

interna dentro da agricultura familiar, que também foi fruto do processo de discussão

e negociação com os movimentos sociais, criando dentro do próprio PRONAF

propostas ou políticas específicas para agricultores de acordo com a sua renda ou o

tamanho da sua propriedade. Lógico que muito ainda precisa ser feito no PRONAF,

especialmente em relação à assistência técnica e ao avanço da capacitação.

Não se pode negar que é um programa que em cinco anos conseguiu chegar

a mais de 900 mil contratos de crédito de custeio e investimento com agricultores

familiares. Nessa próxima safra, deve passar um milhão de contratos, muito aquém

ainda do seu público-alvo, o que significa um avanço.

Conseguimos viabilizar recursos de infra-estrutura para tentar avançar no

debate de desenvolvimento territorial. Num primeiro momento, através de recursos

para Municípios, a tendência, a partir de agora, é começarmos a desenvolver ações

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muito mais no sentido microrregional, articulando os Municípios em relação a

políticas de desenvolvimento. Da mesma forma em relação à capacitação, através

de conselhos municipais, a fim de dar-lhes maiores condições para que possam

intervir nos Municípios, não só no aspecto da agricultura como no aspecto da

garantia da cidadania para toda a população rural.

Esse programa foi evoluindo nos últimos anos. Quando partimos para uma

avaliação específica do projeto do Deputado Xico Graziano, basicamente todo os

avanços do PRONAF são desconsiderados, como já dissemos anteriormente. A

agricultura familiar aparece em dois momentos em relação ao projeto: um, onde a

define simplesmente pela questão da execução da mão-de-obra que tem de ser

majoritariamente familiar, do chefe da família e dos seus membros; e depois

juntando com os pequenos agricultores. Aí começa uma contradição.

O projeto define que pequena propriedade é todo imóvel com menos de 30

hectares, podendo chegar a 100 hectares em algumas regiões. À frente começa a

referir-se a pequeno agricultor, sendo que este não é sinônimo de pequena

propriedade, porque esta vincula-se ao imóvel — e cita a palavra “imóvel” — e

depois define o pequeno produtor, que pode ser arrendatário, parceiro e uma série

de outras condições que não batem com a definição. Além disso, fica muito longe da

definição de agricultura familiar que vem sendo desenvolvida nesses últimos anos.

Quando o projeto define pequena propriedade, depois mudando para

pequeno agricultor, simplesmente o fixa com a questão da área. E aí, para todos os

que têm pequena propriedade, diferente da agricultura familiar apresentada, dá

incentivos e isenções. Posso ter uma propriedade patronal, com diversos

empregados, ou uma propriedade totalmente irrigada, altamente capitalizada e, pelo

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - PLP 167/00 - Estatuto da TerraComissão Especial - PLP 167/00 - Estatuto da TerraNúmero: 001201/01 Data: 24/10/01

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simples fato de ter menos 30 hectares, está fora tanto da isenção do ITR, quanto

dos benefícios de incentivos principalmente em relação ao crédito. Então, não se

vincula agricultura familiar a pequena propriedade ou muito menos a pequena

agricultura. Seria preciso definir melhor esses três conceitos e principalmente, no

nosso entender, avançar para a questão da agricultura familiar, incorporando alguns

outros aspectos a essa definição. Posso, por exemplo, ter um profissional liberal

com uma propriedade e ela ser isenta de ITR pela forma apresentada, bastando ter

menos de 30 ou 100 hectares, dependendo da região em que se situa. No nosso

entendimento, o tamanho da propriedade simplesmente não é um definidor de

agricultura familiar ou merecedor de incentivos e sim o agricultor familiar. Isso

vincula-se a uma série de momentos, em que se refere a pequenos agricultores no

projeto.

Na prática, o projeto está propondo quatro grandes seguros e alguns ainda

não muito definidos. O primeiro é a garantia da renda rural mínima para pequenos

agricultores. Novamente vem a discussão: o que estamos querendo atingir? Uma

renda mínima para toda a população rural, para toda a população nacional ou

somente para os agricultores? Mesmo assim, falta uma definição mais forte em

relação ao que seria essa renda rural mínima para pequenos agricultores. E aí

novamente o conceito de pequeno agricultor acaba não se enquadrando nessa

lógica, além de restringir. Se, por exemplo, tivermos trabalhadores que não sejam

agricultores no meio rural, sejam bóias-frias, sejam assalariados com uma renda

muito baixa, estariam excluídos diante de uma ótica de renda mínima ou de garantia

de renda mínima.

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Depois, avança para o seguro de renda, que visa, como foi levantado

especialmente pelo Sr. José Eli, garantia proporcional à área cultivada. Podemos ter

no País, hoje, um excedente significativo de milho. Termos grandes produtores que

conseguiram, devido a um determinado nível tecnológico, produzir milho a um custo

muito baixo, e uma ação do Estado, independente da área e do período, subsidiando

uma produção que para o País pode ser altamente ineficiente ao longo do tempo.

Ineficiente no sentido de estar sobrando ou não ser prioritária frente a uma

determinada realidade. E como garanto uma renda, tenho de garantir esse

diferencial independente do porte e do período.

Um terceiro seguro é proposto no projeto: Seguro Rural, pensando a questão

climática. E um quarto, o PROAGRO, garantia do banco. O projeto viabiliza uma

série de seguros, numa definição muito genérica, e provavelmente vamos cair na

questão da responsabilidade fiscal em qualquer uma dessas formas, se não for

melhor trabalhado.

Na prática, agricultura dessa forma seria uma atividade de muito pouco

planejamento, porque estaria garantida em todos os seus aspectos talvez muito

mais do que a indústria. No nosso entendimento, a agricultura precisa ter garantias e

é fundamental avançarmos no seguro. Agora, se amarrarmos de todas as formas,

será uma situação muito difícil garantir o gerenciamento, principalmente conseguir

recursos e alcançar o objetivo a que se propõe esse projeto, apresentando-se como

de modernização para o meio rural.

É fundamental avançarmos na discussão da assistência técnica e sua

garantia no Brasil. Mas na medida em que se vincula o crédito à assistência técnica,

só se liberando o crédito se o agricultor tiver assistência técnica, também se amarra

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e não necessariamente se vai garantir assistência técnica. Conseqüentemente, não

se garante o crédito. Em muitos casos não há necessidade de assistência técnica,

até pelo domínio que os produtores podem ter. E vai-se amarrando as coisas que

dificilmente darão condição de gerenciar o processo ou de garantir essas questões.

O crédito é focado somente para a produção agropecuária. Inclusive o art. 51

deixa muito claro isso: “O crédito rural é instrumento básico de financiamento da

produção agropecuária”. Eu falava antes do PRONAF, do modo de pensar o

desenvolvimento rural e as atividades não-agrícolas no meio rural como uma forma

de geração de renda, como o próprio projeto apresenta a perspectiva de habitação

para fixar o homem no campo. Como muito bem levantado pelo Sr. José Eli, para

garantia da fixação é fundamental extrapolar o conceito de rural, tentando atingir

esse conjunto de áreas.

Quando se refere à assistência técnica, quero fazer duas ou três observações

para concluir. O art. 60 diz: “Assistência técnica e extensão rural são de

responsabilidade dos Estados, Distrito Federal e Municípios, cabendo ao Governo

Federal a coordenação de suas atividades, oferecendo apoio aos órgãos

descentralizados de auxílio aos agricultores”.

É fundamental que o Estado atue na assistência técnica, principalmente para

a agricultura familiar. Mas hoje já não temos uma assistência técnica exclusivamente

do Estado. Tem-se uma assistência técnica privada e uma série de produtores,

inclusive, que poderão ter acesso a ela. Tanto que o próximo artigo diz: “O principal

da assistência técnica e da extensão deverá ser para pequenas e médias

propriedades”, se não me engano. O projeto está desconsiderando que existe outra

assistência técnica que não necessariamente para esses dois setores.

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Por fim, no art. 63, no seu inciso II, está confuso. É fundamental ter o controle

de sanidade, mas a leitura do artigo não dá uma compreensão. Não sei se por falta

de redação ou de impressão. É um artigo que está bastante confuso no seu

entendimento.

Esses são os pontos centrais que eu gostaria de apresentar. Agora estamos

abertos ao debate.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) - A Presidência agradece ao

Sr. Gilson Bittencourt.

Antes de abrir a inscrição para outros Parlamentares que desejam falar,

passo a palavra ao autor do projeto, Deputado Xico Graziano. S.Exa. terá o tempo

necessário para fazer as suas indagações. Cada expositor disporá de cinco minutos

para as suas respostas, tendo direito, o Parlamentar, à réplica.

Com a palavra o Deputado Xico Graziano.

O SR. DEPUTADO XICO GRAZIANO - Sr. Presidente, está havendo votação

nominal no Plenário. Talvez devêssemos suspender os trabalhos por dois minutos.

Exerceremos o direito de voto e voltaremos, para não ficarmos nessa angústia. Não

sei se isso é regimentalmente permitido.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) - A Mesa concorda? (Pausa.)

Está suspensa a reunião.

(A reunião é suspensa.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) - Está reiniciada a sessão.

Convido os palestrantes e os Srs. Parlamentares a tomarem os seus lugares, para

que possamos agora, efetivamente, passar ao debate.

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Uma vez recomposta a Mesa, pela ordem, o autor do projeto, Deputado Xico

Graziano, está com a palavra.

O SR. DEPUTADO XICO GRAZIANO - Sr. Presidente, quero manifestar

inicialmente minha satisfação de ter recebido dos três convidados as críticas feitas.

A maior parte delas reconheço que as esperava de forma talvez não tão peremptória

como foram feitas. O nosso objetivo nesta Comissão é exatamente receber essas

críticas, desde que sejam evidentemente no sentido de uma contribuição a fim de

termos um projeto de lei adequado para ser votado nesta Casa. Imagino que a única

coisa que o Poder Legislativo não pode aceitar é que o desmereça.

Embora o projeto de lei que apresentei tenha recebido o privilégio de uma

Comissão Especial, presidida por V.Exa. e com a constituição de todos os

Parlamentares desta Casa, e tenha sido categorizado como um tiro pela culatra,

frágil, ou que apresenta retrocessos, está sendo discutido no País todo. Prova disso

é que o Deputado de Goiás traz aqui um seminário realizado em Goiânia em que

apresenta uma série de discussões. O simples fato de que eu tenha tido, como disse

o Dr. Sebastião, a ousadia de apresentar um projeto de lei desta ordem e provocado

essa discussão, modestamente, como Parlamentar que a vida toda estudou esse

assunto, faz-me satisfeito. E aqui ninguém melhor do que o Prof. José Eli sabe do

quanto tenho dedicado-me, nos últimos 25 anos, a estudar as questões agrárias e

agrícolas do País.

Eu estava ao lado do Presidente da República quando foi criado o PRONAF.

O primeiro artigo que S.Exa. publicou foi sobre agricultura familiar, e eu tive o

privilégio de ajudá-lo a desenvolver esse programa, secretariado hoje pelo Dr. Gilson

e que tem o Prof. José Eli no Conselho Nacional.

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De tal forma que estamos imbuídos de um espírito que é exatamente o de

aperfeiçoarmos os nossos arcabouços legais. A Comissão e eu próprio temos

recebido, em geral, daqueles que são considerados ou que se autoconsideram

advogados agraristas, uma batelada de críticas sobre o meu projeto. Eu, como

engenheiro agrônomo, e a maior especialização que tenho é um doutorado em

administração pública pela Fundação Getúlio Vargas, fico tranqüilo, porque não

entendo tanto de algumas questões. Mas confesso que sinto um ranço conservador

nessas propostas. Enfim, não vou polemizar com agraristas que às vezes me

escrevem de cada canto do País dizendo: “Imaginem que vão se mudar algumas

coisas...” O que eu quero é mudar as coisas mesmo. É exatamente isso. E mudar

para melhor.

A contribuição que trazem aqui os nossos convidados é muito interessante,

juntamente com as demais contribuições que a Comissão tem recebido, no sentido

de que podemos discutir um relatório a ser apresentado. Esperamos que este reflita

pelo menos a média daquilo que pensamos. É assim que se fazem as leis, e estou

aqui aprendendo esse processo.

Gostaria de dizer ao Prof. José Eli da Veiga que na última Conferência

Nacional de Ciência e Tecnologia citei dados e, principalmente, argumentos com

base nas suas últimas publicações sobre a questão agrícola e rural. Portanto,

conheço as informações apresentadas por S.Sa. hoje e já li o documento que pede

seja transcrito, ao fim do qual apresenta sugestões para projeto de lei, procurando

incorporar a dimensão não-agrícola à temática do desenvolvimento rural do País.

Julgo essa linha de raciocínio muito interessante. Já a havíamos discutido com o Sr.

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Pimenta, que lhe cedeu o lugar no Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural

Sustentável para cumprir outras tarefas no Governo Federal.

De forma que reconheço que precisamos evoluir no setor rural, dando-lhe

dimensão maior. Ao mesmo tempo, Prof. José Eli, com a ousadia de quem já

conhecia seus argumentos, peço que tome cuidado com as estatísticas.

Foi publicado ontem, no jornal O Estado de S.Paulo, artigo de minha autoria

intitulado “Latifúndios fantasmas”. Há onze anos, em 1990, quando apresentei a

minha tese de doutorado, eu dizia que as estatísticas agrárias e os cadastros de

terras do Brasil, elaborados pelo órgão que depois tive a honra de presidir, o INCRA,

no qual conheci mais de perto o seu atual Presidente, o Dr. Sebastião Azevedo,

poderiam ser jogados fora. Provei isso numa tese de doutorado, mas a academia

não gostou. Achava que eu estava errado. Dizia-se que, mesmo se fosse essa fosse

verdade, não deveria ser dita.

O INCRA cancelou o registro de 93 milhões de hectares de terras griladas da

Amazônia. Por conta disso, o índice de Gine do País — e todos sabem disso —

diminui de 0,848% para 0,80%. Na Amazônia, onde foi registrado o mais alto índice

do País, baixou de 0,86% para 0,71%, ficando quase no mesmo nível de Santa

Catarina. Isso aconteceu, simplesmente, devido à limpeza dos cadastros do INCRA,

o que tive a honra de propor quando o presidi, em 1995.

As estatísticas no Brasil precisam, então, ser analisadas com certo cuidado.

Alguns dados apresentados pelo Prof. José Eli da Veiga são um pouco exagerados,

mas tenho absoluta certeza de que S.Sa. está correto na linha de argumentação.

Não tenho dúvida disso. Às vezes, os números chocam mesmo, mas esta não é a

hora de discuti-los.

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Se eu quisesse dar à exposição dos nobres convidados a pecha político-

ideológica que me fosse conveniente, diria que ambos foram hoje os maiores

defensores do neoliberalismo, o que me espanta muito, especialmente em relação

ao Dr. José Eli, cujas tradições reformistas conheço e sei que são diferentes das

minhas convicções sociais-democratas.

Se defendêssemos somente as inovações tecnológicas e o conhecimento que

está à disposição dos agricultores, deixando que se virem para produzir, tenho

absoluta certeza de que a população rural brasileira seria reduzida drasticamente.

Estou propondo a criação de seguro qualquer que mantenha no campo os

produtores, mesmo sabendo das inovações tecnológicas existentes. Não acredito, a

exemplo do que acontece nos Estados Unidos, na França e na Alemanha, que

devamos deixar os agricultores à mercê das inovações tecnológicas e do mercado,

porque eles desaparecerão.

Eu proponho, modestamente, a criação do seguro-renda. Conheço os riscos

da proposta. Embora os Estados Unidos e a Europa façam isso, eu confesso que

achei exagerada a defesa de deixar os agricultores por conta própria. Não sei o que

pensará disso o PT, que, pelo menos nesta Casa, mais critica quando nos chama de

neoliberais. Pois estou, ousadamente, propondo a criação do seguro-renda para

agricultores. A academia já disse que não funciona, que é melhor deixar os

produtores atuarem, por si sós, no mercado, usando a tecnologia existente; quem

quiser mudar de atividade, tem à disposição tecnologia para fazer isso.

Francamente falando, acho pouco forte demais, mas entendo a crítica. A

mesma foi feita pelo Dr. Benedito Rosa, Secretário Nacional de Política Agrícola,

segundo o qual, dessa forma, tiraríamos a eficiência e a racionalidade do mercado,

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ou seja, protegeríamos os produtores ineficientes, o que gostam de dizer os

neoclássicos. Eu estudei isso.

Se o melhor não é o seguro-renda, o que fazer para que os produtores não

desapareçam? Certamente, não divergiremos nesse ponto.

Apresento outra questão para debate: como são definidas as propriedades

familiares, pequenas, médias e grandes? Eu tenho recebido muitas críticas. As

últimas eu ouvi em Campo Grande. Disseram que meu objetivo, com esse projeto de

lei, é ampliar a reforma agrária no Brasil e desapropriar todas as propriedades com

maior número de hectares. Fiquei impressionado. Recebi críticas inversas das que

tenho recebido da chamada esquerda. Eu não quero aumentar nem diminuir as

desapropriações, mas melhorar a legislação sobre o assunto. Cada Governo decide

o que vai fazer. Isso é democracia.

Preocupei-me com as questões conceituais. Se não incluí a agricultura

familiar e o PRONAF foi porque já são objeto de programa de Governo. Mudando a

administração, que se invente outro ou se mantenha o que já está implantado.

O que é agricultura familiar? Como definir pequenas, médias e grandes

propriedades? Esse é o ponto mais importante. Não creio que seja este o momento

de contraditar opiniões, mas certamente precisaremos trabalhar mais o assunto. Em

algum momento — não sei se entendi errado —, o Dr. Gilson Bittencourt disse que

confundiram agricultura familiar com agricultura empresarial. Eu quero transformar a

agricultura familiar em agricultura empresarial! E penso que quem não quer isso

continua defendendo só o pobre. E aprendi isso com quem conhece o assunto e

trabalha com o Dr. José Eli na USP: o Prof. Ricardo Abramovay. E a definição de

agricultura familiar inserida no meu projeto de lei foi discutida com S.Sa. Não quero

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dizer que, por ter sido feita junto com o professor da USP, está certa, mas o fato é

que procurei fazê-lo sem considerar área e renda.

Se eu propuser isenção para a agricultura familiar, do ponto de vista teórico,

estarei defendendo que os grandes agricultores norte-americanos, todos familiares,

devem ter direito às mesmas isenções. Familiar, realmente, nada tem a ver com

tamanho da propriedade ou com a renda do proprietário. Repito: do ponto de vista

teórico.

O que queremos, afinal? Elaborar programa para determinada categoria é

atribuição do Governo e não definição conceitual, na minha concepção. Ademais, fui

impelido a incluir no projeto de lei a definição de pequena e média propriedades

porque é exigência da Constituição brasileira. Desculpem-me, se acham que trinta

hectares significa pouco ou muito. Não tenho posição firmada sobre isso. No

entanto, a Constituição diz que pequenas e médias propriedades não podem ser

desapropriadas e que a lei regula a matéria. Não fosse a exigência da Constituição,

confesso, isso não teria o menor sentido. Eu não sinto necessidade de dizer o que é

pequena propriedade.

Para mim, agrônomo que sou, essas definições devem ser objeto de projetos

agropecuários, de desapropriações, por exemplo. Eu tenho absoluta certeza de que

nas desapropriações, com projeto agropecuário bem feito, poderiam ser dados dois,

três ou cinco hectares aos agricultores, em vez do chamado módulo rural. Os

assentamentos estariam muito melhores hoje, com tecnologia evoluída. Dar módulo

rural e, depois, crédito rural no valor de 7 mil e 500 reais ao agricultores não os

impulsiona para frente.

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Então, essa discussão sobre módulos rurais, sobre propriedades pequenas e

familiares me parece muito rica. E aproveitarei as considerações dos convidados,

não importa se foram muito ou pouco críticas, para discutir o projeto da melhor

maneira.

Seja em relação aos pontos abordados hoje, seja em relação a outros, se

nós aceitarmos a idéia do Dr. Sebastião Azevedo, Presidente do INCRA, de que o

projeto tem muito a ser aperfeiçoado, devemos elaborar substitutivo adequado. A

Comissão Especial foi instalada para isso, desde que se entenda que o processo

legislativo envolve conjunto de atores — Parlamentares e seus grupos de apoio

político —, que expõem suas opiniões, nem sempre as mesmas. O resultado final,

no entanto, acaba sendo a ponderação sobre vários assuntos. Em alguns casos,

nada se pondera, partindo-se para a definição do voto.

Eu imagino que não tenhamos de chegar a esse ponto, mesmo recebendo

críticas que não foram elementares, mas vigorosas ao projeto de lei. Se não são

desqualificadas as sugestões, e imaginam os convidados ser possível aperfeiçoar o

projeto, conseguiremos elaborar legislação adequada aos novos tempos para

agricultura que não é mais de subsistência, para o mundo rural que hoje não

incorpora somente atividades agrícolas, mas também os famosos pesque e pague, o

turismo rural etc., o que não cansa de repetir o meu predileto parente José Francisco

Graziano da Silva, professor da UNICAMP.

O meu projeto de lei foi o pontapé inicial do processo. O fato de estarmos

discutindo-o é muito positivo. Evidentemente, algumas críticas precisam ser

transformadas em sugestões concretas. O Dr. Sebastião Rosa disse que há

retrocesso no projeto. Eu confesso que não entendi absolutamente nada. Por que

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houve retrocesso? Certamente, alterei lei anterior, mas do meu ponto de vista não

retrocedi em nada e, sim, avancei.

São discussões dessa natureza que precisamos promover. Não é porque

revogou algo que o projeto de lei retrocedeu. Se alguma característica pauta a

minha vida intelectual e política, é o gosto de olhar para frente. Não gosto de ser

alcunhado de retrocedente. Eu gostaria muito de saber onde há retrocesso no

projeto, pelo amor de Deus! O que não quero é retrocesso! Eu quero olhar para a

agricultura lá na frente, para o País lá na frente. Não é possível fazer isso sem

debate produtivo, o que estamos fazendo aqui.

Pergunto, especialmente, ao Prof. José Eli da Veiga, talvez o mais incisivo

nas críticas, se vê a possibilidade de emendar, alterar, incluir novos artigos, enfim,

fazer sugestões práticas e objetivas no sentido de criarmos o estatuto do novo

mundo rural.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) – Com a palavra o Prof. José

Eli da Veiga.

(Intervenção inaudível.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) – Submeto ao Plenário a

proposta.

O SR. DEPUTADO PADRE ROQUE – Sr. Presidente, fiz a proposta porque

há poucos Deputados no plenário.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) – Então, com a palavra o

Deputado Padre Roque.

O SR. DEPUTADO PADRE ROQUE – Sr. Presidente, Sras. e Srs.

Deputados, senhores palestrantes, serei muito breve.

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Parabenizo o Deputado Xico Graziano pela coragem de apresentar o tema

para discussão. Eu sempre encontro mérito no projeto, ainda que discorde dele.

Penso que tem uma série de virtudes. Ele tenta provocar o debate sobre o atual

agronegócio nacional. Esse é, ao mesmo tempo, o seu grande vício. Eu acredito que

o projeto consolida um modo de pensar que o nobre colega já percebeu e deixou

muito claro na resposta às argüições iniciais. Encontram-se defrontados dois tipos

de pensamento. Repito: o projeto consagra um modelo de pensamento. É claro,

perpassa de ponta a ponta, desde o conceito até as subjacentes elaborações

políticas.

Chamo a atenção dos Srs. Deputados para dois ou três aspectos,

rapidamente. Por exemplo: já discutimos na Comissão de Agricultura desta Casa o

art. 3º, §§ 1º e 2º, que revelam claramente o modo de pensar ao qual nos opomos.

No § 6º há, de fato, questão conceitual que parece de menor importância: não têm o

mesmo significado as expressões “pesqueira” e “aqüicultura”. Para mim, pelo

menos, não têm. Eu tenho impressão de que estamos diante de duas realidades

diferentes: a atividade pesqueira e a aqüicultura, esta muito mais ampla.

Meu caro companheiro, não vou passar o pente fino no projeto. Eu divirjo de

quase todo o capítulo sobre reforma agrária, política e fundiária. Tenho “n”

observações a fazer, mas reconheço a virtude do autor do projeto por ter trazido o

assunto ao debate. Seria bom se pudéssemos elaborar projeto para o futuro,

pensando na agricultura dos anos 2010, 2020 ou 2050. Normalmente, os estatutos

vigoram por muito tempo. Quando já estivermos no ocaso há muito tempo, nossos

projetos continuarão atrapalhando ou ajudando. Oxalá este ajude as gerações

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futuras, criando condições para que os modelos agrário e agrícola deste País,

problema que deve ser solucionado, sejam concretizados.

Concordo com V.Exa., Deputado Xico Graziano: devemos transformar o

pequeno agricultor em empreendedor, em empresário. E sou um dos que mais

insistem com o Ministério de Desenvolvimento Agrário para que aplique recursos na

agroindustrialização de dimensão familiar. Sou partidário da tese desde que cheguei

a esta Casa, até porque já tinha participado de experiências positivas e conhecia

políticas semelhantes que obtiveram sucesso em outros países.

Essas seriam as minhas considerações, não me esquecendo de parabenizar

o Deputado Xico Graziano e de me posicionar contrariamente à quase totalidade do

seu projeto, que quero debater com a fraternidade e a seriedade com que

normalmente nos enfrentamos na Comissão de Agricultura e Política Rural e em

outras Comissões que tratam desses assuntos.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) – Já que o Plenário decidiu

pela manifestação dos Srs. Deputados, eu também gostaria de tecer alguns

comentários sobre o assunto, mesmo na Presidência da Comissão.

Já foi dito e repetido que o colega Xico Graziano teve a ousadia de submeter

ao debate tema que, pelo que estamos vendo, é e será polêmico. Há 36 anos, se

não me engano, seria preciso pensar. Com certeza, o autor do projeto e aqueles que

participam do debate querem avançar e olhar para frente, de forma a termos novo

estatuto da terra condizente com nossa realidade.

O Dr. Eli falou da questão do Primeiro Mundo. Ontem me perguntaram qual

era a maior dificuldade do pequeno agricultor nordestino, que não tem acesso à

tecnologia e a mercado mais promissor. Respondi que era exatamente inseri-lo

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neste momento no contexto do Primeiro Mundo, na economia globalizada. Tem de

haver um plebiscito sobre a ALCA. O povo tem de nos dizer se quer a economia

globalizada. Ele não foi consultado.

Diante dessa indagação, nada mais justo do que enquadrar o pequeno

agricultor de renda mínima nessa economia globalizada. Ora, custa menos — pelo

menos dez vezes menos — mantê-lo no campo do que trabalhando em indústrias na

cidade. A vida urbana é sete, oito vezes mais cara. Ele tem de bancar habitação,

transporte, saneamento etc.

Deputado Xico Graziano, o projeto de renda mínima de V.Exa. não visa —

pelo que entendo — dar ao agricultor um complemento de cera. Não é isso. Temos

de dar-lhe subsídio para ele continuar produzindo até o dia em que puder ter acesso

à tecnologia, à produtividade e ao comércio e, conseqüentemente, inserir-se na

economia globalizada. Tem de haver um programa de Governo para atender às

camadas consideradas miseráveis da população. Renda mínima rural, na minha

opinião, é possibilitar às milhares de famílias carentes crédito, tecnologia e,

sobretudo, mercado mais fácil. Com relação à nomenclatura, como vai ser ou não o

seguro-renda, até concordo em parte com o Dr. Eli. Não sei se o nome deveria ser

ou não seguro-renda. Vou sugerir aos Líderes da Casa fazermos audiências

públicas em outros Estados, para sentirmos o que a base, o povo, a associação, o

sindicato e a comunidade almejam.

Ninguém pode plantar a saca de feijão a 100 reais e vendê-la a 20 reais. Não

há agricultor que consiga fazê-lo. A produção leiteira, graças a trabalho feito por

vários Estados, como Goiás, Alagoas e Pernambuco, meu Estado, aumentou em

50%. O leite do Brasil é talvez o mais barato do mundo. Ele chega a ser vendido a

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21 centavos, ou seja, 5, 6, 7 dólares. Temos de criar mecanismos para estabelecer

um preço. O grande produtor, que tem capital, programa-se, sabe como e quando

vender o seu produto e sabe buscar o recurso. O pequeno, não.

Um produtor de feijão em Águas Belas, em Pernambuco, tira quinze sacas

por hectare, vê o filho com fome, quer vender o feijão, comprar comida, um par de

sapatos. Entra em um mercado para vender o feijão mas não sabe que preço cobrar.

Alguém tem de orientá-lo. Tem de haver um regulador. O homem do campo tem de

ser financiado pelo Tesouro. O mercado não pode continuar descontrolado.

O debate de hoje foi muito produtivo. Não diria que foram as mais duras

críticas ao projeto do Deputado Xico Graziano, mas talvez as melhores

ponderações. Inclusive as ponderações do Dr. Eli da Veiga sobre a renda rural

deixaram-me muito satisfeito. Não nos devemos ater efetivamente à renda agrícola

ou pecuária. Temos de criar alternativas de renda no campo e na zona rural.

Peço então aos Srs. José Eli, Sebastião Azevedo e Gilson Bittencourt que

mandem a documentação para a Comissão, a fim de que a Deputada Kátia Abreu,

nossa Relatora, possa aproveitá-la ao máximo no seu relatório.

Com a palavra o Dr. José Eli da Veiga.

O SR. JOSÉ ELI DA VEIGA – Tendo em vista a ausência do autor, vou

começar pelas considerações de V.Exa., Sr. Presidente.

O debate da renda mínima não pode ser segmentado. Tramita nesta Casa, há

bastante tempo, projeto que visa adotar ou não a renda mínima no Brasil. No dia em

que for à votação, vai ter de haver renda mínima para aqueles que estiverem abaixo

de determinada linha de pobreza. No meu ponto de vista, absolutamente não faz

sentido criarmos renda mínima por categorias e tentarmos fazer isso a partir dos

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mais variados projetos de leis, no caso esse que se pretendia para o rural, mas que,

na verdade, o texto é apenas agrícola.

Enquanto o Congresso não delibera sobre a questão da renda mínima,

observo que o Governo avançou muito nessa direção por intermédio do Programa

Bolsa-Escola e assemelhados. Como essas experiências têm tido bom resultado,

principalmente por vincularem inclusive esse complemento de renda à

obrigatoriedade de as crianças freqüentarem a escola, tenho a impressão de que o

Brasil tem evoluído nessa direção. Isso tem acontecido muito com esses tão falados

agricultores.

Srs. Deputados, chamo a atenção de V.Exas. para aspecto importante que,

temendo ultrapassar o tempo, deixei de enfatizar. Poucos se dão conta de que

grande parte dos agricultores são urbanos. Podemos classificar urbano e rural pelo

critério de residência. Hoje, é impressionante o número de agricultores que moram

nas sedes do Municípios e não nos respectivos sítios. Metade dos agricultores de

Goiás têm residências urbanas — e não apenas os muitos ricos. Aqueles que

dependem mais da renda agrícola moram nas áreas tradicionalmente consideradas

rurais, mas têm residências urbanas. A família desses agricultores, muitas vezes,

não é pura e simplesmente agrícola.

Então, um programa de renda mínima via Bolsa-Escola, ou nos moldes

propostos pelo Senador Eduardo Suplicy, deve ser universal, não deve ser tratado

por categoria, como se pudéssemos considerar o que deve ser a renda mínima de

um agricultor no Brasil.

Quanto ao seguro, há um problema de nomenclatura. A idéia de seguro

implica — tenho impressão de que inclusive os setores ligados ao seguro serão os

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primeiros a protestar contra ele — que seja necessariamente feito algum tipo de

pagamento, prevendo a possibilidade de risco. E, em função disso, tenho um

determinado seguro que contratei.

O que está sendo proposto aqui nada tem a ver com isso. Propõe-se algo

criado pela primeira vez, em termos de política agrícola, em 1933, nos Estados

Unidos, pelo New Deal. Depois acabou sendo copiado em vários países europeus,

nos anos 50, no Japão, em 1961, e em alguns outros países. O Brasil não vai mais

nessa direção. Estamos em 2001. Não estamos mais nessa época. Apesar de isso

ter resolvido uma série de problemas. Estamos contraditando a idéia de que se deve

instituir um chamado seguro vinculado a preço, justamente porque o balanço dessas

experiências mostra que não se deve criar essa ajuda.

Diz o autor do projeto que estaríamos aqui desenvolvendo um raciocínio

neoliberal — o que para mim é um xingo, mas vamos deixar isso de lado. Estudei a

fundo as políticas agrícolas do Estados Unidos. Minha tese de livre docência — sabe

o nobre Deputado — foi sobre a história da política agrícola americana, publicada no

livro “Metamorfose da Política Agrícola nos Estados Unidos”. E sou contra a idéia de

que o simples funcionamento dos mercados poderia resolver tudo.

Agora, se a sociedade considera que os agricultores cumprem um papel que

vai muito além das funções específicas que exercem como simples empreendedores

— que correm risco muito maior do que os outros empreendedores — pode

perfeitamente decidir que deve ser dado tratamento privilegiado para essa categoria.

É o inverso do que pensa um neoliberal. Mas de todos os casos que estudei —

porque estudei casos de vários países europeus, Japão, Tawain e Coréia —, percebi

que, em geral, foram momentos em que a sociedade se deu conta de que devia

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fazer isso, inclusive porque os agricultores que contribuem para o desenvolvimento

vão muito além do problema da produção de certo produto agropecuário por

determinado preço e concorrer no mercado. Nesse caso não há motivo algum — é

esse o pano de fundo — para vincular essa decisão da sociedade de fazer essa

retribuição pelo papel que os agricultores desempenham a preço e a mercado.

Há crítica e até autocrítica em todo o mundo europeu que discute a política

agrícola comum. Nos Estados Unidos estão tentando resolver o problema, e todas

as vezes em que há lei agrícola nesse país grande parte dos Deputados tenta alterar

esse modelo. Lá ninguém fala em abandonar os agricultores à própria sorte. Mas

deve-se evoluir no sentido de que nesse tipo de complemento de renda a ajuda não

deve estar vinculada à idéia de sustentação de preço. Eles, contudo, criaram um

grande pepino. Na medida em que criaram mecanismos, que inclusive foram

aumentando, geraram tremendo excedente agrícola. O problema acabou ficando

para os Estados resolverem. E nós estamos pagando o preço.

O Deputado Xico Graziano sabe que uma das nossas maiores dificuldades de

exportação do agronegócio vem desse sistema extremamente resistente. Sábado

passado publiquei artigo no jornal O Estadão sobre isso. Nele chamei a atenção

para ingenuidade com que essa questão tem sido discutida no Brasil.

Longe de mim dizer que os agricultores têm de ser abandonados à própria

sorte. Ao contrário. Justamente por reconhecer as funções que desempenham, que

vão muito além dessas meramente econômicas, eles têm papel relevante na

questão ambiental e na gestão do território. É muito provável que um dia nossa

sociedade também reconheça essa importância. Ainda não estamos fazendo isso no

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Brasil porque, devido à brutal urbanização das última décadas, em nosso País

predomina uma visão anti-rural e antiagrícola.

Portanto, defendo abertamente subsídios — coisa que ninguém tem coragem

de dizer — aos agricultores. No entanto, a base tem de ser a consciência de que é

uma retribuição da sociedade pelo papel que eles cumpriram a seu favor, e não

apenas porque produziram alimentos baratos. Para isso, não é preciso distorcer

mercado com sustentação de preço.

Esses países estão fazendo de tudo para saírem desses pagamentos

vinculados a preços e fazerem pagamento direto. O México, sendo um país ainda

parecido com o nosso, com grau de subdesenvolvimento semelhante — e o Gilson

vai poder falar disso, porque esteve lá recentemente —, possui mecanismos de

retribuição pelo papel que os agricultores desempenham, que não necessariamente

amarraram a preço e a distorção de mercado.

O SR. DEPUTADO XICO GRAZIANO – Permite-me um aparte, professor?

O SR. JOSÉ ELI DA VEIGA – Pois não.

O SR. DEPUTADO XICO GRAZIANO – Evidentemente, estou entendendo

suas explicações. Mas vou fazer algumas ponderações.

Todos os Deputados desta Casa interessados no assunto são pressionados,

nos seus Estados, pelos agricultores, para que os protejam contra a queda de preço

dos seus produtos. O Deputado Carlos Batata já fez seu depoimento nesse sentido.

Poderiam ser os de qualquer partido.

Como políticos, vamos fazer alguma defesa não via seguro de renda. Os

senhores, que são os especialistas — apenas para argumentar — devem nos dar a

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receita. Não será via esse crédito rural, que está matando o agricultor, nem o

PRONAF.

Disse-nos, em audiência pública, um líder sindical, que o Banco do Brasil

apenas importa-se com garantias. Por exemplo, se um pessoa tiver projeto para

montar uma fábrica de desentortar bananas e fazê-las retas, mas der ao banco

garantias, ele empresta o dinheiro. Pouco importa se o projeto vai ou não dar certo.

Deu garantia, o banco empresta. O sistema financeiro, hoje, quer saber se há

garantia, não quer saber o que a pessoa vai fazer com o dinheiro. Isso leva-me a

induzir que temos de vincular mais a assistência técnica ao crédito rural.

Como fazer isso? Posso dizer, em nome de todos, que podemos até

reconhecer que nós, Deputados Federais, não sabemos direito como, mas vamos

fazê-lo. E que os senhores, da academia, do Governo, nos ajudem. Qual é a

fórmula? Os Estados Unidos estão fazendo. Eles defendem que não se faça, mas

eles bancam seus produtores com essa fórmula que, portanto, não pode ser

chamada de atrasada, talvez de equivocada.

O que nós — sabendo dessas questões e tendo a mesma vontade de não

deixar que os agricultores fiquem no mercado — fazemos com eles? Porque se

ficarmos apenas discutindo eles não vão agüentar. O endividamento está aí. Os

créditos a serem cotizados serão todos prorrogados novamente. As dívidas do

PRONAF, da cafeicultura, foram incorporadas pelo FUNCAFÉ, na reunião do

Conselho Monetário de hoje. E assim por diante.

O café que custava R$ 180,00 está sendo vendido a R$ 70,00. Os

agricultores não têm nada a ver com isso. Eles fizeram tudo certinho, usaram

tecnologia da EMBRAPA. Mas estão quebrados.

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Alguma coisa precisa ser feita. Do contrário, não chegaremos a lugar algum.

Perdoe-me, Sr. Presidente.

O SR. JOSÉ ELI DA VEIGA — Isso inclusive permite-me melhor esclarecer o

pensamento.

Em primeiro lugar, quando os Estados Unidos decidiram fazer isso em 1933,

há dez anos os agricultores estavam nessa situação que o Deputado acabou de

descrever. Por quê? Porque o aparelho produtivo da agricultura americana, no início

do século, foi tão possante que ela passou a alimentar grande parte dos países,

inclusive europeus.

Quando eclodiu a 1ª Guerra Mundial, os Estados Unidos ficaram fora e

literalmente sustentaram a Europa. Isso levou a um brutal aumento de produção. Ao

final da 2ª Guerra Mundial veio o armistício e em dois anos apenas a Europa tinha

refeito sua agricultura. Os americanos ficaram com brutal excedente, sem

possibilidade de exportação. A queda dos preços agrícolas foi gigantesca. Os

agricultores foram para o vinagre. Foi nessa situação que surgiram diversos

projetos.

O artigo de V.Exa. é uma simplificação atroz disso. Discuto no meu livro qual

era o projeto dos agricultores, que foi vetado sistematicamente pelos Republicanos.

Ele chegou a ser aprovado no Congresso diversas vezes e vetado por presidentes

republicanos. E qual foi o acordo entre esse projeto e o da indústria e do comércio

americano, que acabou sendo selado depois da vitória Roosvelt, o primeiro

presidente democrata, depois de longo período republicano, que justamente pegou o

pepino da crise pós 1929? Então, simplesmente importar mecanismo, criado em

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1933 nos Estados Unidos, e trazê-lo para a situação brasileira de hoje, parece-me

disparate. Esse é um ponto.

Referiu-se V.Exa. a que os Parlamentares, como representantes do povo,

foram pressionados pelos agricultores para encontrarem mecanismo contra a queda

dos preço e que nós, especialistas, devíamos dar-lhes a solução. Se não é essa,

qual é? A tendência à queda dos preços agrícolas resulta do aumento da

produtividade do trabalho. Portanto, apenas podemos ir contra isso se formos contra

o aumento da produtividade do trabalho. Não está certo esse raciocínio. Os preços

agrícolas só não caem dessa forma porque a produtividade do trabalho está sempre

aumentando. Não cai dessa forma quando, por algum motivo, se cria uma

disparidade entre oferta e procura, que faz com que eles momentaneamente se

segurem.

Vou insistir. A fórmula encontrada de sustentação de preços pode ter tido

resultados. Ela poderá eventualmente vir a ser adotada no Brasil. Contudo, devemos

ter consciência de que isso é absolutamente contraditório e que nós, ao contrário,

queremos combatê-la. O Brasil, como política externa, soma-se a todos os que nos

Estados Unidos e Europa combatem esse sistema da política.

E muito se engana o nobre Deputado Xico Graziano, porque a esquerda na

Europa e nos Estados Unidos não defende a manutenção dos subsídios dessa

forma. Inclusive a extrema-esquerda, representada pelo Sr. Bovet, que esteve

recentemente no Brasil, é contra a PAC. Estamos aqui simplesmente alertando para

o fato de que podemos ser criativos e encontrar a forma de garantir a estabilidade

de renda dos agricultores que não esteja necessariamente vinculada à sustentação

de preços. Posso citar os projetos mais avançados que já apareceram nos Estados

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Unidos. Colegas meus na faculdade desenvolveram propostas nesse sentido,

principalmente o Prof. Fernando Homem de Melo. Segundo eles, a idéia de

estabilização da renda dos agricultores não passa necessariamente pela

sustentação de preços. Esse é o ponto fundamental sobre o qual gostaria de insistir.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) – Permite-me V.Sa um

aparte?

O SR. JOSÉ ELI DA VEIGA – Pois não.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) – V.Sa. concorda que o

aumento da produtividade é o que efetivamente gera aumento da produção e a

baixa do preço. O produtor, estimulado a produzir leite, aumentou sua produção. O

leite, que era 37, 38 baixou para 20, 21. Efetivamente, naquele ano, ele perdeu

renda de 50%. Ele faz o que naquele ano? Ele não consegue pagar seus

financiamentos nem pagar seus empregados. É um fato real que acontece. Ou seja,

não existe uma política de planejamento, ou ele não está inserido no contexto

comercial para analisar uma safra nacional que aumentou.

Enfim, o que fazer com esse produtor? No fundo, o Governo vai ter de

subsidiá-lo. Ou subsidia na hora, e evita causar-lhe transtorno emocional, ou na

ponta, quando ele for renegociar o financiamento, acaba vindo o subsídio. De certa

forma há um subsídio.

São perguntas que nos fazem os produtores. Estamos vendo isso in loco. O

que fazer com eles? De que forma fazer?

O SR. DEPUTADO EUJÁCIO SIMÕES – Sr. Presidente, permita-me fazer

duas perguntas.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) – Pois não.

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O SR. DEPUTADO EUJÁCIO SIMÕES – Gostaria de interrogar o Dr. Gilson

Alceu Bittencourt. A primeira pergunta é sobre o PRONAF. Até 1998, Dr. Gilson,

V.Sa. tem idéia de quanto era aplicado no PRONAF? Quanto o Governo Federal

dispunha anualmente para o PRONAF?

O SR. GILSON ALCEU BITTENCOURT – Posso responder agora, ou

depois?

O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) – Pode responder. Seria bom.

(Não identificado) – Seria pela ordem. Fiz a mesma pergunta ao Dr. Eli

também. Perguntei-lhe o que fazer com o produtor. Então concedemos o aparte,

pela ordem. O Dr. Gilson responderia e S.Sa. em seguida.

O SR. GILSON ALCEU BITTENCOURT – Em relação a crédito, o programa

vem aumentando ano a ano. Não tenho o valor de 1998. Não me lembro. Mas deve

ser algo em torno de 2 bilhões e pouco reais.

O SR. DEPUTADO EUJÁCIO SIMÕES – Mas vem aumentando ano a ano.

O SR. GILSON ALCEU BITTENCOURT – Vem aumentando. Nos últimos

dois anos estabilizou-se o valor aplicado, embora tenha se ampliado o valor

disponibilizado, um dos principais motivos, mas tanto a questão da assistência

técnica quanto alguns elementos levantados em relação à garantia, e assim por

diante.

O SR. DEPUTADO EUJÁCIO SIMÕES – Qual sua opinião em relação à

assistência técnica? Deve ou não haver assistência técnica para o PRONAF? Eu

entendi que não deveria haver.

O SR. GILSON ALCEU BITTENCOURT– Não, não.

O SR. DEPUTADO EUJÁCIO SIMÕES – Minha dúvida é a seguinte...

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O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) – Responda agora, porque já

fugiu um pouquinho a ordem. Vamos tentar organizar.

O SR. DEPUTADO EUJÁCIO SIMÕES – Sr. Presidente, com perguntas e

respostas fica mais objetivo, podem esclarecer-nos melhor. Muitas vezes pensamos

em fazer uma pergunta e até o final de uma explanação perdemos o raciocínio.

O SR. GILSON ALCEU BITTENCOURT – Essa é uma das questões que iria

levantar. É fundamental a assistência técnica, principalmente para a agricultura

familiar. Acho que um dos principais problemas hoje do PRONAF é a falta de

recursos e a garantia de assistência técnica — não é o único.

Com relação à questão anterior, nós precisamos vincular os recursos da terra

ao crédito, mas não o inverso. O que eu apresento no projeto é a não-vinculação do

crédito à terra. Defendemos isso como ponto fundamental. Estamos discutindo na

Secretaria algum tipo de alternativa para que se possa também agregar recurso

público para assistência técnica, na medida em que se definam a quantidade de

recursos e, embutido neles, o subsídio, que poderá ser concedido por meio de taxas

de juros ou rebate. Estou, então, vinculando ao crédito a assistência técnica. É o que

defendemos. Mas, se ficar decidido que só vai ter crédito quem tiver assistência

técnica, outro problema estará sendo criado, e não se conseguirá garantir.

O SR. DEPUTADO EUJÁCIO SIMÕES - Eu entendo que só deve haver

crédito se houver assistência técnica, para evitar casos como o que o Presidente

Carlos Batata mencionou. Muitas vezes, a pessoa ouve falar, por exemplo, que em

determinado ano vai ser bom plantar milho e, por modismo, resolve plantar milho. Aí

há uma superprodução, e o preço despenca. Quando há assistência técnica, muitas

vezes se pode evitar isso.

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Sou de uma região onde o PRONAF sempre foi o esteio da agricultura. Muitas

vezes, eu vi empresas de assistência técnica chamarem atenção do produtor e

aconselhá-lo a plantar o que era mais adequado para ele. Portanto, considero

fundamental a assistência técnica, mesmo achando que, para o pequeno produtor

especialmente, devemos quebrar todas as amarras possíveis, para que ele tenha

acesso ao crédito.

O SR. GILSON ALCEU BITTENCOURT - Eu concordo com que a assistência

técnica é fundamental, mas eu não sei se ela poderá resolver o problema de

mercado.

O SR. DEPUTADO EUJÁCIO SIMÕES - Ajuda a resolver. Posso garantir que

ajuda a resolver.

O SR. GILSON ALCEU BITTENCOURT - Tanto que grande parte dos

excedentes de produção normalmente existem também nas grandes propriedades,

que têm assistência técnica. Mas nem sempre conseguem se direcionar exatamente

para a produção mais adequada, de acordo com o preço.

O SR. DEPUTADO EUJÁCIO SIMÕES - Mas o pequeno, por desinformação,

não tem a mesma informação que o grande. Ele está mais sujeito ao modismo, ao

“ouvi dizer que é bom” e plantar.

O SR PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) – Concedo a palavra ao Dr.

José Eli da Veiga. Infelizmente, vamos ter de encerrar o debate, porque haverá

votação nominal.

O SR. JOSÉ ELI DA VEIGA – Sr. Presidente, rápida e pontualmente, quero

fazer três observações. Não quero deixar sem comentar dois pontos mencionados

no início pelo autor do projeto. Respondendo agora especificamente à pergunta do

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Presidente Carlos Batata, sobre os produtores de leite, na medida em que a

sociedade os estimula a adotar tecnologias novas, faz também com que eles criem

uma superprodução. Os consumidores então se beneficiam com brutal queda do

preço, o que é benéfico para todos. A sociedade deve considerar que devemos

compensar o agricultor que fez o esforço, inclusive porque nós o estimulamos a

fazê-lo. Nesse caso, existem milhões de mecanismos de retribuição de renda, que

não necessariamente passam por preço e não têm nome de seguro.

(Não identificado) - Mas seria um subsídio de qualquer forma.

O SR. JOSÉ ELI DA VEIGA – É claro. Mas ninguém aqui falou contra

subsídio. Pelo contrário, sou o maior defensor de subsídio.

Eu só não quero deixar de analisar duas questões, e é uma pena que eu não

possa responder a todas as perguntas. Anotei todos os tópicos de seu

pronunciamento, Deputado Xico Graziano, gostaria muito de ter abordado todos eles

e não poderia deixar passar o seguinte.

Em primeiro lugar, em relação às questões das estatísticas, é bem diferente

quando alguém lida com estatísticas cadastrais, declaratórias, que têm implicação

fiscal muito grande, e, portanto, sabe-se que têm distorções. Há ainda a questão de

grilagem, como V.Exa. abordou. É completamente diferente quando lidamos com o

censo agropecuário ou com as PNADs. Então, não vamos falar de estatísticas em

geral e dizer que elas têm caqueiras. De fato, nas estatísticas com as quais eu lido,

há clara subestimação da renda. Todo mundo declara menos renda do que tem na

verdade. Mas em nenhum momento eu lidei com números absolutos. Só chamei

atenção para proporções. Proporções de renda, cuja fonte é a agricultura, e

proporção em relação às outras, sem saber se os números absolutos refletem ou

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não de fato a realidade. Tenho certeza de que há muita subestimação em todas as

estatísticas de renda de que dispomos. Em todas.

Há outro ponto que eu gostaria de realçar. Acho que o nobre Deputado tem

toda a razão em dizer que quem faz críticas, como fizemos aqui, tem de oferecer

sugestões. S.Exa. usou a expressão “sugestões concretas”. Pois eu ofereci. Não

creio que o que está proposto seja a última palavra. Muito pelo contrário. A nossa

idéia é de que os Conselhos de Desenvolvimento Rural possam, durante o ano de

2002, realizar um debate sistemático — para acelerar, montaremos uma rede virtual.

As críticas feitas à essa proposta e o projeto serão objeto do debate. Uma coisa é

certa. Não vamos chegar a nenhum consenso em prazo menor do que o que temos.

Outras pessoas farão outras críticas, e todas que recebermos serão publicadas da

mesma forma. Os Conselhos elaborarão algum documento que será visto de fato

como nova lei de desenvolvimento rural no Brasil. Isso é fundamental. Vejam bem: já

temos o Estatuto da Cidade e o Estatuto da Terra, que só cuida da agricultura. Fica

um enorme buraco jurídico e legal no meio, o que é um absurdo.

Quero insistir em que não fiz verbalmente todas as sugestões concretas que

estão escritas, porque a paciência dos senhores tem limites.

Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) – Para as considerações

finais, concedo a palavra ao Sr. Gilson Alceu Bittencourt.

O SR. GILSON ALCEU BITTENCOURT – Sendo bem rápido, faço minhas as

palavras do Prof. José Eli em relação aos subsídios e a sua importância para a

agricultura e o espaço rural neste País.

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Em segundo lugar, em relação ao PRONAF, em momento algum eu quis que

o programa fizesse parte do projeto de lei, mas, sim, as experiências e os conceitos

trabalhados com relação a ele e que avançaram. Temos até a pretensão de

transformar o PRONAF em lei específica de apoio à agricultura familiar. Ainda não é,

principalmente no que concerne aos conceitos, muito mais do que a qualquer outro

aspecto. Eu não falei nada sobre diferença entre familiar e empresarial. Referi-me à

diferença entre familiar e patronal, até por entender que a familiar pode contribuir

muito mais para o meio ambiente, o uso do espaço, principalmente quanto à

distribuição de renda e de envolvimento local que pode potencializar, notadamente

nos pequenos Municípios deste País. Acho que, quanto mais renda conseguirmos

garantir para a agricultura familiar, mais estaremos desenvolvendo, embora

tenhamos de considerar que há 4 milhões de estabelecimentos rurais, muitos dos

quais não têm a agricultura como atividade principal. E muitos deles se encontram

também em grau de subsistência. Portanto, temos de pensar em políticas que

atendam desde o que está em nível tecnológico mais avançado, até os que

precisam garantir a alimentação básica. De modo geral, se for no sentido de gestão

empresarial, quanto mais renda melhor, independentemente de ser ou não familiar.

O que importa é que os agricultores se desenvolvam.

É fundamental termos um seguro agrícola que abranja problemas climáticos,

mas isso não é simples, tanto que há anos o tema vem sendo debatido seja por

empresas seguradoras, seja por governos. Temos sucesso em alguns Estados, mas

ainda não está bem definido. Na própria Secretaria de Agricultura Familiar, temos

um grupo aprofundando-se nesse estudo, principalmente para a agricultura familiar.

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Quando à garantia de preços, outro ponto levantado pelo Sr. José Eli, acredito

que possamos até ter algum tipo de política para garantia de preços em

determinados momentos e determinadas realidades, mas não como política

permanente ou central, senão não conseguiremos avançar na perspectiva de

desenvolvimento tecnológico. A partir de qualquer política permanente, teria de

haver outra forma, por exemplo, de pagamentos diretos.

Há uma experiência muito interessante nesse sentido desenvolvida no México

há pouco mais de um mês, que foge de toda e qualquer ação mais vinculada

especificamente aos preços. Não que isso não possa existir, mas que seja

esporádico, que ocorra em determinado momento, por determinado motivo, por

motivo externo, mas não por ação específica do produtor. Isso não pode ser política

de garantia de renda, mas deve ser visto pela ótica de um seguro climático, com

validade para certos momentos e pontos específicos, com algum tipo de

contrapartida quando os preços estiverem mais altos. Mas, volto a dizer, não como

política de garantia geral de renda.

A questão da renda mínima já foi levantada.

Volto a reforçar que a assistência técnica é fundamental, e é da maior

importância que se incluam mais recursos para ela no PRONAF. Entretanto, não

basta assistência técnica para que o PRONAF evolua. Temos de avançar nesse

programa, para passarmos dos atuais 900 ou 1 milhão, seja com cooperativas de

crédito, seja com sistemas alternativos ao sistema bancário. Caso contrário, pode

até haver assistência técnica, mas a lógica do financiamento vai continuar sendo a

mesma. E é isso que estamos tentando buscar — não é fácil — no sentido de

ampliar as potencialidades da agricultura familiar.

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Repetindo, assistência técnica é fundamental, é preciso recursos para ela,

mas não se deve vinculá-la, como sugeriu o Deputado, pois pode ser muito

complicado. Para comprar um boi, é preciso assistência técnica. Se o boi morrer,

para comprar outro se precisará novamente de assistência técnica. Sabemos que

uma série de atividades precisam da assistência e muitas outras não. Ou seja, seria

um custo desnecessário, que não precisa existir. Volto a dizer que se deve vincular a

assistência técnica, mas isso não significa que qualquer crédito precise ser

antecedido dela. Isso tem de ser mais analisado.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, nós nos colocamos à disposição de V.Exas.

para prestar qualquer contribuição que julgarem necessária, na perspectiva de que

com o debate só avançaremos. Entendemos fundamentais o desenvolvimento e o

fortalecimento da agricultura e do espaço rural. Para isso, o apoio do PRONAF é

importantíssimo. E com subsídio, sim.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) - Esta Presidência agradece.

Quero apenas salientar ao Sr. Bittencourt que o PRONAF pode tornar-se lei a

partir do projeto do Deputado Rubens Bueno, com substitutivo do qual sou Relator.

Com relação a isso, brevemente teremos na Casa audiência pública para ouvirmos

representante do PRONAF, sobre alguns subsídios. Este programa deveria

preocupar-se com a capacitação do cliente — já disse isso ao próprio Ministro em

reunião em Pernambuco —, para que o homem do campo possa gerenciar sua

propriedade. Além de aprender a tecnologia, ele deve ser capacitado para

administrar sua propriedade. Eu sempre defendo recursos do PRONAF para

capacitar o homem do campo.

Concedo a palavra, para encerrar, ao Deputado Xico Graziano.

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O SR. DEPUTADO XICO GRAZIANO - Sr. Presidente, sinto-me muito

satisfeito de haver propiciado com o meu trabalho essas discussões. Certamente,

elas terão desdobramentos, e, em algum momento, chegaremos a um acordo,

principalmente porque temos na Comissão Deputados do porte de Silas Brasileiro,

que acaba de chegar.

Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) - Nada mais havendo a tratar,

vou encerrar os trabalhos.

Está encerrada a reunião.