Deleuze - Imagem e Pensamento

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Deleuze - Imagem e Pensamento Cinema(s) Mariana Vilela Universidade de Lisboa Resumo: O objetivo do nosso estudo é compreender a relação entre pensamento e imagem, ver e pensar. O que significa pensar com e através do cinema ? Pode a imagem pensar? Partindo da obra de Gilles Deleuze - Imagem-Movimento e Imagem-Tempo - propomos num primeiro momento explorar a imagem, onde Deleuze se encontra com Henri Berg- son (Matéria e Memória) - e num segundo momento compreender as transformações no pensamento que se articulam com a imagem cinematográfica: a emancipação do tempo, o poder do falso e por fim o noochoque, onde Deleuze se encontra com Antonin Artaud. Se pensar é criar, e a filosofia cria conceitos, é esse o objetivo de Deleuze no díptico, o que implica que o cinema seja matéria para pensar. Os cineastas são, assim como os filósofos, pensadores e criadores que, em vez de conceitos, pensam por e com imagens. Palavras-chave: imagem, movimento, Deleuze, cinema, tempo, pensamento. Abstract: The aim of our study is to understand the relation between thought and image, see and think. What does it mean to think with and through cinema? Can the image think? From Gilles Deleuze’s ouvre Mouvement-Image and Time-Image - we propose, firstly, to explore the image, where Deleuze meets Henri Bergson (Matter and Memory) - and sec- ondly, comprehend the changes in thought that go together with the cinematographic image: time out of joint, the powers of the false and lastly, the noochoque, where Deleuze meets Antonin Artaud. If to think is to create, and philosophy creates concepts, then that is Deleuze’s intent in this diptic, which means that cinema is a matter for thinking. Filmmakers are, such as philosophers, thinkers and creators that, instead of concepts, think by and with images. Keywords: image, movement, Deleuze, cinema, time, thought. 11, 127-163, Lisboa: CFUL.

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Deleuze - Imagem e PensamentoCinema(s)

Mariana VilelaUniversidade de Lisboa

Resumo:O objetivo do nosso estudo é compreender a relação entre pensamento e imagem, ver e pensar. O que significa pensar com e através do cinema ? Pode a imagem pensar? Partindo da obra de Gilles Deleuze - Imagem-Movimento e Imagem-Tempo - propomos num primeiro momento explorar a imagem, onde Deleuze se encontra com Henri Berg-son (Matéria e Memória) - e num segundo momento compreender as transformações no pensamento que se articulam com a imagem cinematográfica: a emancipação do tempo, o poder do falso e por fim o noochoque, onde Deleuze se encontra com Antonin Artaud. Se pensar é criar, e a filosofia cria conceitos, é esse o objetivo de Deleuze no díptico, o que implica que o cinema seja matéria para pensar. Os cineastas são, assim como os filósofos, pensadores e criadores que, em vez de conceitos, pensam por e com imagens.

Palavras-chave: imagem, movimento, Deleuze, cinema, tempo, pensamento.

Abstract: The aim of our study is to understand the relation between thought and image, see and think. What does it mean to think with and through cinema? Can the image think? From Gilles Deleuze’s ouvre Mouvement-Image and Time-Image - we propose, firstly, to explore the image, where Deleuze meets Henri Bergson (Matter and Memory) - and sec-ondly, comprehend the changes in thought that go together with the cinematographic image: time out of joint, the powers of the false and lastly, the noochoque, where Deleuze meets Antonin Artaud. If to think is to create, and philosophy creates concepts, then that is Deleuze’s intent in this diptic, which means that cinema is a matter for thinking. Filmmakers are, such as philosophers, thinkers and creators that, instead of concepts, think by and with images.

Keywords: image, movement, Deleuze, cinema, time, thought.

11, 127-163, Lisboa: CFUL.

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Introdução

1. Oquepodeumaimagem:pensar?Oquesignificapensarcom/através

docinema?Opresenteartigoprocurapensar, comGillesDeleuze,ocinemacomafilosofia.

2. A práticacinematográficadesdobra-seemteoriadesdeoseunascimento.

Oprimeiroscineastasviamnocinemaumarevoluçãoparaopensamento.Ocinemaéuma artemoderna enquanto tal 1.As suaspeculiaridades atraem (erepulsam),constituindo-secomoumdosprimeirospontosdediscórdiaoseuestatutocomoarte.

A teoria cinematográfica segue muitos caminhos. Slavoj Žižek, porexemplo,analisaasintrigasmedianteaideologiasubjacenteàsmesmas.SegundoŽižek,ocinemadáaveraestruturadonossouniversosimbólico.Ofilósofoesloveno faz do cinema um lugar para ver ideias filosóficas e aplicar teoriaspsicanalistas,interpretandoosmecanismospsicológicosdospersonagensere-fletindo,aummesmotempo,sobreocontextocultural,socialepolítico.

AndréBazin2foiumdosprimeirosgrandesteóricosefundadoresdosCahiers du cinéma,lugarondeserevolucionouacríticadocinemaeseestrearamosgrandesrealizadoresdanouvelle vague (Truffaut,Rohmer,Godard,entreoutros).OslivrosdeDeleuzedestacameaproximam-sedestalinha.Ateoriadocinematemvindoaproliferarmasparece-nosqueodípticodeleuzeanoéinédito:nãoapenasfazfilosofiacomocinema,comorevelaumaoutraformadeoteorizar.SegundoDeleuze,cabeàfilosofiainventarosconceitosqueocinemasuscita:nãosepodeaplicaraocinemaconceitosestáticosoupré-fabricados,nemfecharocinemasobresimesmo.

ChristianMetzéumautordestacadonasrelaçãoentrecinemaelingua-gem,queteorizouocinemacomosemiologia.Contudo,Deleuzecontestaestecaminho.Ocinemaéumamatériapré-linguística.Sehánarraçãoouhistória,elaédadapelaimagem,nãosedevendoporissosubstitui-laporumenunciadooupensá-lacomotal.

1. AlgunsteóricosassociadosàEscoladeFrankfurtdebruçaram-sesobreocinema(WalterBen-jamim,TheodorAdornoeSiegfriedKracauer)naperspetivadomesmoenquantoartemoderna,dasmassasereproduzível,abordandoaspectossociológicos,culturaisepolíticos(ofascismoemespecial).2. Qu’est-ce que le cinéma?, 1958.

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3. Diferentesconcepçõesdopensamento,diferentes imagens.Longede

serumameraatividadelúdica,ocinema,aimagemeoespectadorpensam,deformaseemtemposdiferentes.Procuraremosmostrarcomoocinemadámuitoquepensar,forçaapensarepensapornós.

Pensarimplicaumchoque.Naesteiradeumacríticadeumpensamentopuramenteracional,-umtribunaldarazão,elogiodaratio-Deleuzeprocuraumpensardaexperimentação,próximodosaber-sabor nietzschiano.Nãopensamosnaturaleespontaneamente,somosforçadosapensar.

Opensamentopressupõeumaimagemdopensamento,doquesignificapensar.Essa imagemnãosedeixa representar, éuma imagemquenão é uma imagem: “O plano de imanência não é um conceito pensado nem pensável,masaimagemdopensamento,aimagemporesteconstruídadoquesignificapensar,fazerusodopensamento,orientar-senopensamento…”3.Oplanodeimanênciaépovoadoporconceitos,masnãoseconfundecomosmesmos.Afilosofiacriaconceitosquepovoamoplanoporelainstaurado.Oplanoé,assim,pré-conceptual, pré-filosófico 4. Ele constitui-se como a reserva dos aconteci-mentos(conceitos),horizonteúltimo5.Secadafilósofoconstróioseuplanodeimanência,hátodavia,OPlanodeimanência,construídoportodososplanos.

Pensar é um ato perigoso: como instaurar o plano se ainda não épossível operar com conceitos? É necessário experimentar, um pouco deexcesso,embriaguez,vertigem.Contudo,oquepertenceaopensamentotemdeserseparadodosseusacidentes,oplanodeimanênciareivindicaapenasoquelhepertencepordireito:quid juris?Oquepertenceaopensamentoésomenteomovimentoinfinito6.Olharparaumaimagemdopensamentoéolharparaostraços,osmovimentosqueopensamentopercorreuenãopercorreu.Opensa-mentoémovimento,faz-seemvelocidade,traçosintensivos,linhasdefuga.

Afilosofiaé invençãodeconceitoseencontra-senomesmoplanodaarteedaciência-otrípticoquerecorta,afrontaocaos(“Ocaoscaotizaedesfazno infinitotodaaconsistência.”7) -,enquantoatividadecriadora 8,poiética.Aartecriablocosdesensação(compostodeperceptoseafetos),aciênciafunções,afilosofiaconceitos,conceitosqueprocuramdarconsistênciasemperdervelo-

3. “Leplan d’immanence n’est pas un concept pensé ni pensable,mais l’image de la pensée,l’imagequ’ellesedonnedecequesignifiepenser,faireusagedelapensée,s’orienterdanslapen-sée…”(DeleuzeeGuattari2005:39-40).4. Pré-filosóficosignificaquenãoexisteforadafilosofia,eleécomoasuacondiçãointerna.5. “Lesconceptssontdesévénements,maisleplanestl'horizondesévénements,leréservoiroularéservedesévénementspurementconceptuels:(…)maisl’horizonabsolu,indépendantdetoutobservateur,etquirendl’événementcommeconceptindépendantd'unétatdechosesvisibleoùils’effectuerait”(DeleuzeeGuattari2005:39).6. “Cequelapenséerevendiqueendroit,cequ’ellesélectionne,c’estlemouvementinfinioulemouvementdel’infini.C’estluiquiconstituel’imagedelapensée.”(Ibid:40).7. “Lechaoschaotise,etdéfaitdansl’infinitouteconsistance.”(Ibid:45).8. “Adirevrai,lessciences,lesarts,lesphilosophiessontégalementcréateurs(…)”(Ibid:11).

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cidade.Afilosofiaé,assim,estética,coincidência/concordânciaqueremeteparaduasvertentes:porumlado,umafilosofiaestéticacomoatividadepoiética,atocontínuodecriação,criativa;poroutrolado,recuperandooseusentidogrego,enquanto aisthèsis, sensível, que concerne os afetos, a intuição, patética (não adualidade sensibilidade/entendimento 9, antes um entendimento sensível, umpensarsensível.10).

4. Anossatesedivide-seemduaspartes.Naprimeiraprocuraremoscom-

preenderaimagem.Osprimeiroscapítulosdebruçam-sesobreaespecificidadedeumaideiacinematográficaeoqueéaimagem.AimagememDeleuze-Berg-sonnãopressupõeumarepresentação,o seuestatuto/realidade,nãosedeixareduziràclássicaoposiçãoser-aparecer,ser-parecer.Tudooquehásãoimagens,o universo como cinema em si 11,nãoumaimagemdomundomasummundoqueéimagem.

Deleuzedistingueaimagem-movimentodaimagem-tempo,dividindoassimemregimesdistintosocinemaclássicoeocinemamoderno.Noterceiroequartocapítuloprocuraremoscompreenderasrespetivasdiferençaseoquemotivaatransiçãodeumparaoutro.Aimagem-tempoéocinemamodernoeencontraoseuapogeunaimagem-cristal.

Asegundaparteconcerneasrelaçõesdaimagemcomopensamento.OprimeiroconceitoaabordarédeEspinosa-oautómato-fulcralparatodaaconcepçãodecinema.

O tempo afeta a relação do sujeito com o pensamento e a noçãode verdade.Kantmarca ummomento essencial que se impõe explorar paracompreender o cinemamoderno.Dois passos são revolucionários: o tempocomosentido internoe a coisa em si.O temponãoestámais subordinadoaomovimentoe, aummesmo tempo,aconteceumarupturadohomemcomomundo.Anaturezaemsinuncapoderáserconhecidapelosujeitokantiano,nempodeserassumidaqualquerconformidade.Trata-sedeumlugarabsolutamenteinterditoparaoconhecimentohumanoqueestádoravantelimitadoaconhecerascoisascomolheaparecemenãocomosãoemsimesmas.Étraçadaumalinhaintransponívelentreconhecerepensar.Estesdoispassosmarcamumaimpo-tênciaqueatravessaopensamentoeconstituiomotedocinemamoderno.

9. Emboranote-sequeemKantasensibilidade(afeção)écomoomotordosconceitos.10.“Iln’yapasmoinsdepenséedanslecorpsquedechocetdeviolencedanslecerveau.Iln’yapasmoinsdesentimentdansl’unetdansl’autre.”(Deleuze1985:267).“Ocerebralnãoé bemointelectual.Ocerebralé umpoucodaordemdosensual.Assensaçõeseossentidossãodaordemdointelecto.Assensaçõestêmoseupensamento,têmideias.Evice--versa.Ocerebralé,digamos,adimensão sensíveldopensamento.OprimeiroEpsteinémuitoisto.”FernandoGuerreiro,entrevista :http://www.apaladewalsh.com/2018/02/fernando-guer-reiro-acho-que-os-classicos-sao-grandes-punks/ 11. “(…)c’estl’universcommecinémaensoi,unmétacinéma”(Deleuze1983:88).“Iln’yaaucunedifférenceentrelesimages,leschosesetlemouvement.”(Deleuze2005:62).

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Aimagem-cristal-quedáaveraforçadotempoemancipado-colocaemquestãoomodelodaverdade,aordemdarepresentaçãoedaverosimilhança.Énoreinodomúltiploedodevirqueseelevaopoderdofalso,podercriador.AcríticadeNietzscheaosvaloresimpostospelamoraldominanteencontra-secomanarraçãomoderna.EsteproclamouamortedeDeus(amortedosvaloresmetafísico-platónicos)masnãoumarenúnciaaoniilismo:aformacomoopoderdofalsoéumpodercriadorevitalistaseráabordadanopenúltimocapítulo.

Porfimprocuraremosexploraronoochoquenocapítuloqueconsidera-mosseromaisrelevanteparaanossatese.Aexperiênciacinematográficaéumaexperiênciadistintadasoutrasartes,aimagemédotadadeummovimentoauto-máticoeprovocanoespectadorumchoque,choquenoéticoqueforçaapensarefazdoespectadorumautómato.Seráqueoautómatomudaentreocinemaclássicoemoderno?Podeoautómatopensaresesim,oqueéquepensa?

5. A nossa investigação tem por base uma leitura completa dos dois

volumes(Imagem-Movimento e Imagem-Tempo),acompanhadaporbibliografiase-cundária.Odípticoéumaobrafilosóficaedeveserlidacomotal,constituindo--seavisualizaçãodosfilmescomocomplementar.Emapontamentomenciona-mosalgunsfilmesqueconsideramospertinentes.

Foinecessáriouma leituraparcialdeoutrasobrasdeDeleuze.Oseupensamentonãoéestáticosendopossível,todavia,assinalarumaviragemqueteminícionoAnti-Édipo (encontrocomFélixGuattari).Porconseguinte,nãonosdebruçámosporinteirosobreaprimeirafase-apenasnaslinhasgeraisdeDiferença e Repetição, a ligaçãocomArtaude a imagemdopensamento - enasegunda,somentesobreoqueconsideramosmaisrelevanteparaaquestãoemcausa,nomeadamenteolivrotardioO que é a filosofia?.

Arelaçãoentrecinemaefilosofiaencontra-se,anossover,aindaeminíciosdeexploraçãoericaempossibilidades.Optámosnestainvestigaçãopornosfocarmaisnocinemamodernovistoqueseconsideraseromaisrelevanteparaonossotema.Contudo,ocinemaclássicopoderia tersidoaprofundadonumaoutraperspetiva12.Aimagem-afeção(orosto)éabordadanãoapenasnoscinemas-especialfocoemBergman-comoemMil Planaltos(Rostidade),arela-çãodorostohumanocomumdevirnão-humano(“Sim,orostotemumgrandefuturo,comacondiçãodeserdestruído,desorganizado.”13), a formacomoograndeplanoéorosto,oseupoderdedesterritorializar.

12. Partindodoplanode imanênciabergsonianopoderíamos ter feitoumapontecomPlatão,entreasdiferentesconcepçõesdeimagemeasuarealidade,autonomia,representação/aparição.ArelaçãoentrePlatão(Alegoria da Caverna)eocinematemsidoobjetodemuitosevariadosestudos,peloqueaquioptámospornãomencionar.Nãoreferimosespecificamenteaclassificaçãodossig-nosqueDeleuzefazbaseando-senotrabalhodeCharlesPierceporqueconsideramossecundárionoqueconcerneoestudoemquestão.13. DeleuzeeGuattari2007: 224.

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I. Cinema-Filosofia

“L’universestnerveux.”14

1.O(s)cinema(s)eafilosofia.

“Godardaunebelleformule:pasuneimagejuste,justeuneimage.Lesphilosophesdevraientdireaussietarriveràlefaire:pasd’idéesjustes,justes

desidées.”15

Terumaideiaé a festa do pensar 16.Qualaespecificidadedaideiacine-matográficaedequeformasedistinguedeumaideiafilosófica?Oqueéumaideia?Ideiacomopotênciaengajadanummododeexpressão17.Afilosofiacriaconceitoseocinemablocosdemouvements-durée.

OtrabalhodeDeleuzeconsisteemextrairconceitoseclassificarasima-gens: semiótica18.Ocinemanãoéumalínguauniversal,ématériapré-linguística,inteligível,queécomoacondiçãonecessáriadeuma língua.Estamatéria (asimagens)consisteemmovimentos:processosdepensamento19.Seoscineastas

14. JeanEpstein,consultadoem:https://next.liberation.fr/cinema/2019/06/28/jean-epstein-a-plein-volumes_173682615. Deleuze2005:57.16. “Alorsparcequed’uneparttoutlemondesaitbienqu’avoiruneidée,c’estunévénementrare,çaarriverarement,avoiruneidéec’estuneespècedefête.”(Deleuze1987)“Trilharestecaminhoéaforça,epermanecerneleéafestadopensar(…).”“Contudo,acadapensanteestáatribuído,emcadacaso,apenasumcaminho,queéoseu,emcujosrastostemsem-predevoltareir,parafinalmenteoretercomoseu,massemquenuncalhepertença,eparadizeroquenessecaminhoéexperimentável.”,Heidegger,M.(2014).Caminhos de Floresta,CoordenaçãoCientíficadaEdiçãoeTraduçãoIreneBorges-Duarte,Lisboa:FundaçãoCalousteGulbenkian,p.9 e p. 245. O caminhoemHeideggereacartografiaemDeleuze.17. “(…)lesidéessesontdespotentiels,maisdespotentielsdéjàengagésdansteloutelmoded’expression.”(Deleuze:1987).18. Cf:“Aussidevons-nousdéfinir,nonpaslasémiologie,maisla «sémiotique»,commelesys-tèmedesimagesetdessignesindépendammentdulangageengénéral.Quandonrappellequelalinguistiquen'estqu'unepartiedelasémiotique,onneveutplusdire,commepourlasémiologie,qu'ilyadeslangagessanslangue,maisquelalanguen'existequedanssaréactionàunematière non-langagièrequ’elletransforme.”(Deleuze1985:44-45).19. “Lecineman’estpas langue,universelleouprimitive,nimême langage. Ilmet à jourunematièreintelligible,quiestcommeunprésupposé,unecondition,uncorrélatnécessaireàtraverslequel le langageconstruit sespropres«objets» (unitésetopérationssignifiantes). Maisce cor-rélat,mêmeinséparable,estspécifique:ilconsisteenmouvementsetprocès de pensée(imagesprélinguistiques),etenpointsdevueprissurcesmouvementsetprocès(signesprésignifiants).Ilconstituetouteune«psychomécanique»,l’automatespirituel,oul’énonçabled’unelangue,quipossèdesalogiquepropre.”(Ibid:342).

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pensamcomimagenseosfilósofoscomconceitos,concerneàfilosofiacriarosconceitosqueaimagemreclamamasqueaindanãoestãodados.

Nos comentários às teses de Bergson (Matéria e Memória) é possívelcompreenderaimagem,omovimento,otempoeassuasimplicaçõesnopen-samentodeDeleuze-Bergson.Umencontroentreaimagemdopensamentoeaimagemcinematográfica?

Épossívelindicartrêsmomentosquemarcamodesenvolvimentodocinema: os primórdios, onde a imagem está sujeita às amarras da percepçãonatural,aimagem-movimentoeaimagem-tempo.Foinecessáriaumaevoluçãotécnicaparaatingiraimagem-movimento,istoé,sairdaimagememmovimentoparaaimagem-movimentoeumacrisenaaçãoparasechegaràimagem-tempo.

2. O que é a imagem? “Allisflowandmovement,lightandshadow.”20

Aimagempensaesente;percepciona,éafetadaeage(astrêsgrandes

classificações da imagem-movimento: imagem-percepção, imagem-afeção, imagem--ação). Imagem-movimento=Matéria-Fluxo.Percepcionamos as coisas comoimagens.Estasimagensrelacionam-secomumaoutraimagem,o(nosso)corpo,queconstituiumaimagempeculiareprimeira,namedidaemqueéumcentrodeaçãoesepercepcionaafetivaeinteriormente21.

Bergsonpensaumplanodeimanênciaqueésomenteluz22,umaespé-ciedesopa pré-biótica,estadogasoso(quente)ondeimagemcoincidecommatéria ematériacoincidecomluz.Esteplanoseriacomo“umestadodecoisasquenãocessariademudar,umamatéria-fluxoondenenhumpontodeancoragemnemcentrodereferênciaseriamassinaláveis.”23.Seomovimentonãopodeserdis-tintodoobjetoquesemove,temosnãoimagensemmovimento,antes,imagens--movimento,namedidaemque,constituindo-seasqualidadescomovibraçõesquemudamaomesmotempoquesemovemosobjetos24,amatériaévibração,

Deleuze apoia-se aqui emGustave Guillaume e Louis Hjelmslev. Para ummaior aprofunda-mentoveja-se:Deleuze,Sur lecinéma : l’image-pensée,CoursVincennes -StDenisCoursdu26/03/1985. 20.Miller,H.(2015).Nexus,UK:PinguimClassics,p.258.21. “Etchacundenous,l’imagespécialeoulecentreéventuel,nousnesommesriend’autrequ’unagencementdestroisimages,unconsolidéd’images-perception,d’images-action,d’imagesaffec-tion.”(Deleuze1983:97).“Noentantoháumaqueprevalecesobreasdemaisnamedidaemqueaconheçonãoapenasdefora,medianteproporções,mastambémdedentro,medianteafeções:éomeucorpo.”(Bergson1990:10)22. “(…)lepland’immanenceesttoutentierLumière.”(Deleuze1983:88)23. “Lemodèleseraitplutôtunétatdechosesquinecesseraitpasdechanger,unematièreécoule-mentoùaucunpointd’ancragenicentrederéférenceneseraientassignables.”(Ibid:85).24. “Notretortestdecroirequecequisemeut,cesontdesélémentsquelconquesextérieurs aux qualités.Maislesqualitésmêmessontdepuresvibrationsquichangentenmêmetempsquelesprétendusélémentssemeuvent.”(Ibid:18-19).

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nuncaestáimóvel.Afirmarquehácorposimplicarextrairoobjetoaomovimento-classificar -nãohá corpos móveis,háuma imagemquecoincidecomomovi-mento25e,comotudovibra26,sóexistemimagens.Tudoseconfundecomoseumovimento,nãoháeixosnemdireções:“Todasascoisas,ousejatodasasimagens,seconfundemcomassuasaçõesereações : éauniversalvariação” 27.

Omovimentoexprimeumamudançaqualitativana duração.Adurée 28 éotodo,oAberto,oqueestásempreamudar,duraçãodouniverso.Enquan-toexistircriação,otodo29nãopodeestardado/fechado.Coexistemmúltiplasdurações que alteram, sempre, a duração.O problema das concepções 30 do movimento consiste em restituirem-no apartir deposiçõesno espaço (corteimóvel)efalharemotempo,concebendootodocomofechado/dado.Omovi-mentoé umcortemóvelnaduração.

O cinema trabalha com fotogramas (instantes). Contudo, na sua re-produção, o espectador vê uma imagemmédia: imagem-movimento. O que

25. “L’identitédel'imageetdumouvementapourraisonl'identitédelamatièreetdelalumière. L’imageestmouvementcommelamatièreestlumière.”(Deleuze1983:88).26. “Thevibrationalwholeof theuniverse,then,isatoncemindandmatter—if bothtermsaretakeninaveryspecialsense—andinthisregardBergsonisamonist.ButasDeleuzepointsout,Bergson’smonismmustalsobeseenasagenerativedualismorevenpluralism,forthevibrationalwholethatconstantlyunfoldsdoessoinformsthatnaturallyinvitethedistinctionbetweentheorganicandtheinorganic,betweenmindandmatter,andinanirreduciblemultiplicityof rhythms(i.e.,intherhythmsof thevariousqualitativelydistinctcontractionsof durée commonsenseidenti-fiesasthebodiesthatmakeuptheuniverse).”(Bogue2003:20)“Sãotudoimagens,massãoimagensporquesãovibração,movimentoincessante.Amatériaévi-bração,movimentoincessante.Porconseguinte,asimagenssãomovimento-a matéria é movimento.”(Cordeiro2004:49).27. “Toutesleschoses,c’est-à-diretouteslesimages,seconfondentavecleursactionsetréactions:c’estl’universellevariation.”(Deleuze1983:86).28. Durée(duração)é umconceitochavenafilosofiabergsoniana.Inicialmenteaduraçãoeraidên-ticaàconsciência(vidadeconsciência,fluxosempreemtransformação),contudo,comoDeleuzesalienta,nummomentoposteriorBergsonélevadoàconclusãoqueaconsciênciasóexistiaaoabrir-separaumtodo,todoesseaberto,duraçãosempreamudar.“(…)siletoutn’estpasdonnable,c’estparcequ’ilestl’Ouvert,etqu’illuiappartientdechangersanscesseoudefairesurgirquelquechosedenouveau,bref,dedurer.”(Deleuze1983:20).“Durée isinthisregardfundamentallyindeterminate, thefuturetrulyopenandunforeseeable.TheLaplaceancosmosof universalcause-and-effectrelations,inwhichthefuturemaybepredictedgivenatotalknowledgeof allbodiesandtheirpresentrelations,isessentiallytimeless,forinthesuccessionof necessarycauses-and-effectstimemakesnorealdifference.(…)Durée, bycontrast,istimethatmakesadifference,eachmomentbringingforthsomethingqualitativelynew.”(Bogue2003:14)29. “Maisletoutestd’uneautrenature,ilestdel’ordredutemps:iltraversetouslesensembles,etc’estluiprécisémentquilesempêchederéaliserjusqu’auboutleurpropretendance,c’estàdiredesefermercomplètement.Bergsonnecesserapasdedire:leTemps,c’estl’Ouvert,c’estcequichangeetnecessedechangerdenatureàchaqueinstant.C’estletout,quin’estpasunensemble,mais lepassageperpétueld’unensembleàunautre, la transformationd’unensembledansunautre.”(Deleuze2005:80).30.Duasformasdereconstituiromovimentoapartirdeinstantes,antigaemoderna.Aantigaéapartirdeinstantesprivilegiados,poses;amodernaapartirdeuminstantequalquer.NãoapenasfalhamoTodocomooespaçopercorridoépassadoeoatodepercorrer(movimento)épresente.

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distingue a percepção natural da percepção cinematográfica é o sujeito. Napercepçãonaturaléestequeimprimemovimento(econstitui-secomocentro),nocinemaaimagem-movimentoédadaindependentementedosujeito.

Oplanoéaimagem-movimento31,cortemóvelnaduração.Estetemduas faces.Enquantoconjuntofechadoomovimentopassaentreosobjetosden-trodoplano (movimento relativo).No entanto, reenvia semprepara o todo,nuncaestandoverdadeiramentefechadoháumfioqueoligaaoqueestáfora-de--campoereenvia,também,paraosoutrosplanos32.Oplanoconstitui-secomoomediadorqueestátantoviradoparaoenquadramento(partes)comoparaamontagem(todo).Oplanoéaconsciênciadocinema33.Estaconsciêncianãoéapersonagemnemoespectador,nemmesmoorealizador.Éumaconsciênciacinematográfica,cine-olho.

Se o plano de imanência é todo ele luz como distinguir, revelar asimagens? Pensando um arrefecimento que permite a formação de placas(negras)queabsorvemaluz(econsequentementeomovimento).Estasplacassãointervalos,ouseja,centrosdeindeterminação,imagensvivas:oquefaltavaaoplanoétempo.Océrebro,imagem34entreasdemais,nadamaisédoqueumgrandeecrãnegro-intervalo-queabsorvealuz,tãograndequetornaimprevi-sívelaaçãoquedevolve(daaçãoquerecebedasimagens).Forma-seumcentrodeindeterminaçãoquereenviaparaimagensàsuavolta,imagensquetêmporreferênciaessecentro,organizando-seassimoesquemadaimagem-movimento35.

31. “Leplan,c’estl’image-mouvement.Entantqu’ilrapportelemouvementàuntoutquichange,c’estlacoupemobiled’unedurée.”(Deleuze1983:36)“Oplanoé,paradoxalmente,oconceitofílmicomaisutilizadoeimportante,mastambémomaispolémicoeambíguo.”(Grilo2017:12).32. “(…)movimento relativo-quemodificaasposiçõesrespectivas-entreaspartesdeumde-terminadoconjunto;umsegundoconceito,demovimento absoluto,emqueaimagemseassumecomoocortemóveldeumatotalidadeemmudançaquenãopodedeixardenelesemanifestar(…)”.(Grilo2017:31).33. “Leplan,c’est-à-direlaconscience(…)”(Deleuze1983:34)“Oplanoé,então,a consciência do cinema,namedidaqueéatravésdoplanoenoplanoqueasideiascinematográficassemani-festameconcretizam.”(Grilo2017:32).34. “Etlecerveaun’estriend’autre,intervalle,écartentreuneactionetuneréaction.Lecerveaun’estcertespasuncentred’imagesd’oùonpourraitpartir,maisilconstituelui-mêmeuneimagespécialeparmilesautres,ilconstituedansl’universacentrédesimagesuncentred’indétermina-tion.”(Deleuze1983:92).35. Umexemploparacompreenderaclassificaçãodaimagem-movimentoéFilm (escritoporSa-muelBeckett,protagonizadoporBusterKeaton,1965),queilustraaproblemáticadapercepção.Opersonagemprocuranãoservisto,furtar-seaoolho,emúltimainstânciaaoolhodacâmara.OcaminhodeBeckettéoinversododeleuzeano:partedasvariedadesdaimagem-movimentoparaomundoanterioraohomem,omundodapercepçãopura,paraoplanodeluzreferenteàvariaçãouniversal.Oproblemaúltimoconsisteemeliminarapercepçãodesiporsi-aafeção-éoobstáculofinaldopersonagem,queculminanamorte,ocessardomovimento.A imagem-percepçãoconstituia imagemqueserelacionacoma imagemviva,queacircunda.Ao constituir-se como intervalo - entre ação e reação - a imagemviva dispõe de tempoparaagir.Areação indeterminada,medianteo intervalo,dá-sepelonomedeação(diferenciando-seda reação).Évisandoaação (futura/possível)queoecrãpercepciona.Oduplonecessárioda

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Apartirdosintervalosépossívelpensaraclassificaçãodaimagem-mo-vimento.Hátodaviadoissistemasdereferência:percepçãodedireito(percep-çãopura)epercepçãodefacto.Napercepçãodedireito,acoisacoincidecomapercepçãodacoisa,éapercepçãototal,movimentoilimitado.Contudo,apartirdeumintervalo,apercepçãodaimagemfaz-seemreferênciaaumaoutraima-gem,aumaimagemviva,quetemopoderdeescolher(mantém-seaimanênciadoplano,elenãoreenviaanadasenãoelemesmo36,aúnicadistinçãoentreasimagenséumadiferençadepotência).Éapercepçãodefacto,queenquadra,sub-trai:“primeiromomentomaterialdasubjetividade:elaésubtrativa,elasubtraidacoisaoquenãolheinteressa”37.

Napercepçãototalacoisacoincidenaidentidadeentresereaparecer,elamesma“umapercepçãocompleta,imediata,difusa.Acoisaéaimageme,aessetítulo,percepciona-seasimesmaepercepcionatodasasoutrascoisasnamedidaemqueelalhessofreaaçãoereageaestaemtodasassasfacesetodasassuaspartes.”38.Quantomenorointervalo,maispróximodapercepçãototal:“Umátomo,porexemplo,percepcionainfinitamentemaisquenósmesmos,enolimitepercepcionaouniversointeiro”39.Éapercepçãototalqueseconfundecomacoisaemsi,micro-intervalo,a-subjetivo; toda a consciência é qualquer coisa.

3.Ruptura. Hitchcock introduza imagem-mentalque levaa imagem-açãoaoseu

imagem-percepção é, assim, a imagem-ação.Par inseparável, a percepção acontece em funçãodeumaação,mesmoqueaaçãoconsistaemnãoagir.Aimagem-açãoconstituiumadasfacesdocentrodeindeterminação,éareaçãodocentroaoseuconjunto.Estaimagemiráinspirarumcinemadecomportamento.Nãoobstanteassuasvariações,aimagem-açãoexigeumfortelaçosensorio-motoreseráprecisamenteapartirdaquebradestelaçoqueaimagem-açãoentraemcriseepoderásurgiroquejáestavaporgerminar:aimagem-tempo.Emboranãoexclusivamente,aoplanodeconjuntocorrespondeaimagem-percepção,aoplanomédioaimagem-açãoeaograndeplanocorrespondeaimagem-afeção(rosto).Ograndeplanotemopoderderostizar:orelógioéumrostoeacafeteiraéumrosto;placanervosaimobilizadaqueabsorveomovimentoereflete-oenquantoexpressão.Aimagem-afeçãoocupa(sempreenchertotalmente)ointervaloentreumaaçãoeasuareação.Oafetoéaformadesentirinteriormenteumestímulo;entreafacepercep-tivaeafaceativadointervalo,aafeçãoconsistenoentre-dois,trata-sedacoincidênciadesujeitoeobjeto,osujeitodevémobjetoparasi,sente-se.Constituindoapercepçãoamedidadopoderreflexivodointervalo,aafeçãoconstituioseupoderabsorvente.Omovimentonorosto,placaimobilizadatransforma-se,assim,emmovimentoexpressivo,afetivo.36. “C’estquandl’immanencen’estplusimmanenteàautrechosequesoiqu’onpeutparlerd’unpland’immanence”(DeleuzeeGuattari2005:49).37. “(…)premiermomentmatérieldelasubjectivité:elleestsoustractive,ellesoustraitdelachosecequinel’intéressepas.”(Deleuze1983:93).38. “uneperceptioncomplète,immédiate,diffuse.Lachoseestimageet,àcetitre,seperçoitelle-même,etperçoittouteslesautreschosespourautantqu’elleensubitl’actionetyréagitsurtoutessesfacesetdanstoutessesparties.(Ibid:94).39. “Unatome,parexemple,perçoitinfinimentplusquenous-mêmes,etàlalimiteperçoitl’uni-versentier”.(Ibid.).

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limite, fechadoassimum(o)movimento 40.Orealizador inglês introduzdoiselementosque serão aspalavras deordemdo cinemamoderno: pensamentoeimpotência.Seéverdadequeaimagem-movimentoentravaemrelaçãocomopensamento41,oquediferenciaaimagem-mentaléqueestatemporúnicoobjetoarelação:emHitchcockaquestãoacolocarnãoéquemcometeuocri-me,masqualoconjuntoderelaçõesquesetecem?Acâmaraincorporaedáaverarelação(queéexterioraospersonagens,aosseustermos).Oespectadorédoravanteumelementointegrantedofilmeedaíaimportânciadosuspense.Opersonagemécondenadoaumaimpotência,vertigo.

Aimagem-mentalconduzarepensaraconfiguraçãodasoutrasimagens,mashátambémoutrosfactoresquecontribuemparaaemergênciadeumnovoregime.Sendopossívelenumerarnumprimeiromomentocondiçõesnegativas42-expressãodatransição/crise-hánoentantoumaexigênciaquesefazouvir:ocinemareclamamaispensamento43.

Nascempersonagensperturbadas,neuróticas,nervosas,doentes,erran-tes;nocinemadadeambulaçãoasligações sensorio-motorastornam-secadavezmaisfracasatéàfalhacompleta.SeemHitchcockoespectadorjáseintroduzianofilmee,pelasuaimpotência,ospersonagenseramtambémespectadores44,agoraospersonagensserãoosespectadores.

Ocinemadaimagem-temposubstituiocinemadaação-dosesquemassensorio-motores - por situações puramente óticas e sonoras que emergemdevidoàrupturadolaçosensorio-motor.Estasituaçãonãoseprolonganumaaçãoneméintroduzidaporuma,entra-seantesemcircuitocomumaimagemvirtual. No esquema da imagem-movimento a imagem-viva percepciona emfunçãodeumaação,comotal,éumapercepçãocondicionada,subtrai.Seolaçosensorio-motorseparte,aimagemjánãopercepcionaemfunçãodeuminte-

40.Aimagem-movimentonãodesaparece,apenasétransformada,sendoquesemantémcomoprimeiradimensãodaimagem.Enãoterminaarealizaçãodefilmesqueseenquadranoprimeiroregime.41. “Etl’image-actionl’impliquaitaussi,danslebutdel’action(conception),danslechoixdesmoyens(jugement),dansl’ensembledesimplications(raisonnement).(…)Maisc’esttoutàfaitdifférentdefairedumentall’objetpropred’uneimage,uneimagespécifique,explicite,avecsespropresfigures.”(Deleuze1983:268).“Cesrelationsnesontpasdesactions,maisdesactessymboliquesquin’ontd’existencequemen-tale(…)”(Deleuze2005:79).42. Deleuzesalientapontosquedenunciamacriseeseaproximamdanovaimagemporvir:“Tels sont les cinq caractères apparents de la nouvelle image : la situation dispersive, les liai-sonsdélibérémentfaibles,laforme-balade,laprisedeconsciencedesclichés,ladénonciationducomplot.”(Deleuze1983:283)“Mais,d’autrepart,cettecrisenevaudraitpasparelle-même,elleneseraitquelaconditionnégativepour lesurgissementdelanouvelle image pensante,mêmes’ilfallaitlachercherau-delàdumouvement.”(Ibid:290)(itáliconosso).43. “L’âmeducinémaexigedeplusenplusdepensée,mêmesilapenséecommencepardéfairelesystèmedesactions,desperceptionsetaffections,dont lecinémas’étaitnourri jusqu’alors.”(Ibid:278).44. Comoporexemplo:Rear Window(1954)eVertigo(1958).

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resse.Semamáscaradocliché45,enfrenta-seointolerável, algoqueospersona-gensnãoconseguemcompreenderouassimilar.Anovaimagemvaiconfrontaropersonagemcomumavisãoinsuportável,inteira.Impotentefaceàsituação,opersonagemécondenadoamovimentosaberrantes(subordinaçãodomovi-mentoaotempo),nadalherestasenãoerrarpelacidadeoupermanecerimóvel:“qualquercoisasetornoudemasiadofortenaimagem”46

Na imagem-movimento o tempo é dado indiretamente atravésdamontagem.Esta é considerada o atomais importante do cinema pois dáconsistênciaaotodo,constróiumfluxotemporal.Otempoestáaindasubordi-nadoaomovimentoeapresentadonasuaformaempírica.

Para o tempo estar subordinado aomovimento este tem de aconte-cerdeformanormal47.Nãoobstanteomovimentocinematográfico(múltiplospontosdevista,rallenti,zoom)sernaturalmenteaberrante,oregimedaimagem--movimento é esquemático, organizado por um intervalo que desempenha opapeldecentro.Noregimecristalinoesteesquema “parte-sepordentro” 48.

Umaapresentaçãodiretadotempoimplicaummovimentoanormal49 -aaberraçãovaledoravanteporsimesma-,revelaotempoanterioràregulaçãodaação(motricidadehumana),tempo anterior ao homem 50.Seopresenteéinsepa-ráveldeumpassadoedeumfuturo,aimagem-tempodiretaprocuraapresentaroanteseodepois:dofilme,dopersonagem,daação“atingirumanteseumde-poistalcomocoexistemcomaimagem,talcomosãoinseparáveisdaimagem” 51

4.Oregimecristalino.

L’image-tempsdirecteest le fantômequia toujourshanté lecinéma,

45. A imagem sensório-motoraé clichéticaeperguntapelaimagemseguinte,agorapergunta-seoqueháparavernaimagem.Numprimeiromomento(detransição)acríticapassaporparodiarocliché.Contudo,aimagemtemumatendênciaparaocliché,sendonecessárioporissoqueentreemrelaçãocomoutrasforças:“(…)ilfallaitqu’elleentreenrapportavecd’autresforcesencore,pouréchapperelle-mêmeaumondedesclichés.”(Deleuze1985:35).46. “quelquechoseestdevenutropfortdansl’image.”(Ibid:29).47. “Encore faut-ilque lemouvementsoitnormal:c’estseulements’il remplitdesconditionsdenormalitéquelemouvementpeutsesubordonnerletemps”(Ibid:52).Éomovimentocomcentrosderevolução,osintervalos.48. “estbrisé du dedans”(Ibid:58).49. Eomovimentoaberranteimplicaumaemancipaçãodotempo.Duasfacesdamesmamoeda.“Orlemouvementaberrantremetenquestionlestatutdutempscommereprésentationindirecteounombredumouvement,puisqu’iléchappeauxrapportsdenombre.(…)Inversement,donc,une présentationdirectedutempsn’impliquepasl’arrêtdumouvement,maisplutôtlapromotiondumouvementaberrant.”(Deleuze1985:53).50.Cf:Ibid.51. “atteindreàunavantetunaprèstelsqu’ilscoexistentavecl’image,telsqu’ilssontinséparablesdel’image.”(Deleuze1985:55).

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maisilfallaitlecinémamodernepourdonneruncorpsàcefantôme52. Apenas os maus filmes estão no presente 53.Amatériaprimadanovaimagem

éotempo54.Novosentidodasubjetividade:temporaleespiritual. Oconfrontocomaimagemliteral55implicaumesforçodopensamen-

to,exercícioextremodasfaculdades,queporsuavezinvocaumaoutraimagemcomaqualentraemcircuito.Oolharabandonaasuafunçãoprática,-social,cultural,ideológica-ecessadeverascoisasporordemehierarquia,dandolugaraumavisãointeira;opersonagemcomovidente.

Há três tipos de imagens que são desencadeadas por algo dado nopresente: imagem-recordação, imagem-sonho e imagem-mundo. Contudo,estassãocondicionadas(podemresultardafalênciadamemória,umqualquerdistúrbio,falhatemporárianoreconhecimento).Trata-se,ainda,deumaimagemimpurano sentidoemquecolhea suavirtualidadedeumpassado, entraemcircuitocomumaimagemvirtualmasrespondeaumanecessidadeexterior56. Paraencontraroelementogenéticodestasimagensénecessárioirnãoaocircui-tomaior57masantesaomaispequeno(circuitoondeaimagematualcorreatrásdavirtual)-levaraolimiteestatendência-eencontraropontodeindiscernibi-lidadedoatualedovirtual.

Aimagem-cristaldistingue-sedasimagens-recordação,sonhoemundo,eladáaveropassadopuro.Estaimagem58temumaduplanatureza:atualevir-

52. Ibid: 59.53. CitaçãodeGodard.“L’imagemême,c’estunensemblederapportsdetempsdontleprésentnefatquedécouler(…)L’idéedel’imageauprésentnequalifiequelesouvresmédiocresoucom-merciales.”(Deleuze1986:32).54. “L’imagen’apluspourcaractèrespremiersl’espaceetlemouvement,maislatopologieetletemps.”(Deleuze1985:164).55. “Mais,sinosschèmessensori-moteurss’enrayentousecassent,alorspeutapparaîtreunautretyped’image:uneimageoptique-sonorepure,l’imageentièreetsansmétaphore,quifaitsurgirlachoseenelle-même,littéralement,danssonexcèsd’horreuroudebeauté,danssoncaractère radicalouinjustifiable,carellen’aplusàêtre«justifiée»,enbienouenmal…”(Ibid:32).56. “(…)des images souvenir, rêveou rêverie, avec lesquelles on risquede la confondre.Eneffet, celles-ci sont bien des images virtuelles,mais actualisées ou en voie d’actualisationdansdesconsciencesoudesétatspsychologiques.”(Ibid:106)Comoexemplo,ofilmeTabudeMiguelGomes(2012):asegundaparte(Paraíso)consistenanarraçãodesencadeadaporumacontecimentonopresentequeacontecenaprimeiraparte(Paraíso Perdido).Éaimagem-recordação,um passeio pela memory lane. “C’estunehistoirequinepeutêtreracontéequ’aupassé.”(Ibid:70).57. Queéocircuitoda imagem-mundo:“Lemondeprendsursoi lemouvementque lesujetnepeutplusounepeutpasfaire.C’estunmouvementvirtuel,maisquis’actualiseauprixd’uneexpansiondel’espacetoutentieretd’unétirementdutemps.C’estdonclalimiteduplusgrandcircuit.”(Ibid:81).58. “Maiscepointd’indiscernabilité,c’estprécisément:lepluspetitcerclequileconstitue,c’est-à-direlacoalescencedel’imageactuelleetdel’imagevirtuelle,l’imagebiface,actuelleetvirtuelleàlafois.”(Ibid:93).“L’image-cristalestbienlepointd’indiscernabilitédesdeuximagesdistinctes,l’actuelleetlavir-tuelle,tandisquecequ’onvoitdanslecristalestletempsenpersonne,unpeudetempsàl’étatpur,ladistinctionmêmeentrelesdeuximagesquin’enfinitpasdesereconstituer.”(Ibid:109-110)

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tual.Osdoisestãoemconstantetroca:oravemosafacevirtualoravemosafaceatual.Contudo,nãoobstanteindiscerníveis,sãodistintas.Éumaimagembiface.Aomesmotempoquetemosaimagematualtemososeuespelhovirtualqueseformasimultaneamente,semnecessidadedeseatualizar59.

Bergson pensa um tempo não cronológico. Vivemos no interior dotempo.Opresenteestásempreapassareaprojetar-separaofuturo.Opassadopuronãopodeseropassadodopresente-opresentequepassou-talseriaopresente-passado.Opassadopurotemdeseconstituircomoumpassadoquenuncafoipresente,umpassadocontemporâneodopresente.Passadodedireito,armazémdeimagens,conserva-seemsi,memória-Ser onde nos movemos 60.Assim,arecordaçãoestájádada,elaconstitui-seenquantoacontece.Naimagem-cristalvemosaimagemvirtualdopassadoeaimagematualdopresente.

Oquevemosnocristaléaoperaçãofundamentaldotempo(aforçado tempo),asuadiferenciaçãoemdois jorros:ospresentesquepassameospassadoque se conserva.Medianteestes jorros épossível concebero tempocomoumúnicopassado61ecomoumúnicopresente.Aimagem-tempopodeserfundadanopassado(camadasdepassado)ounopresente(pontasdepresen-te).

Opresenteaserconsideradocomooconjuntodotempotemdeserseparadodasuaatualidade,um presente agostiniano.Opresentecomooaconteci-mento62ondeestãoimplicadosumpresente-passado,presente-presenteepre-sente-futuro.Opresentepassaquandoésubstituídoporoutracoisa:concebê-locomosucessãoépassar ao ladodoacontecimento.Quandonosinstalamosdentrodoacontecimentotemosacessoaumavisãopuramenteótica,emprofundidade

Paraumexemploparadigmáticodaimagem-cristalveja-seacenadagaleriadeespelhosem:The Lady from Shanghai,OrsonWelles,1947.59. “Elleestl’imagevirtuellequicorrespondàtelleimageactuelle,aulieudes’actualiser,d’avoiràs’actualiserdansuneautreimageactuelle.C’estuncircuitsurplaceactuel-virtuel,etnonpasuneactualisationduvirtuelenfonctiond’unactuelendéplacement.C’estuneimage-cristal,etnonpasune image organique.”(Ibid:107).60. “Lamémoiren'estpasennous,c'estnousquinousmouvonsdansunemémoire-Etre,dansune mémoire-monde.”(Ibid:129-130).61. Sendoopresenteopassadocontraídoeofuturoumpassadoadistender-se.“Decepointdevue,leprésentlui-mêmen’existequecommeunpasséinfinimentcontractéquiseconstitueàl’extrêmepointedudéjà-là.”(Ibid:130).62. DeleuzetemporreferênciaumtextodeBernhardGroethuysenparaaconcepçãodepresentecomoacontecimento.Opresenteenquanto intuitive nunc éopresentecomo lugardavisãoporonde passam objetos. Presente vivido como experiência unificada, não-reflexiva nomomentoemqueacontece:opresentecomoumaúnicacenadramática.“C’est lapossibilitédetraiter lemonde,lavie,ousimplementunevie,unépisode,commeunseuletmêmeévénement,quifondel'implicationdesprésents.”(Deleuze1985:132).“(…)whereastheunchangingvisionrevealsanintuitivenunc, which“remainsinawayoutsidetheorderof succession”(Groethuysen168).Theintuitivenunc islikeadramaticscene;itisan“event,”delimitedbyabeginningandanending,butexistingasanindivisiblewhole.(…)Butfromwithin,theeventof theintuitivenunc isasinglepresent,inwhichthereisnodistinctionbetweensubjectandobject,butsimplyaunifiedlivedexperience.(…)”(Bogue2003:137-138).

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(enãolongitudinal)63. Verésemprenopresente.Opresenteé,assim,concebidocomooacontecimentoque tem lugarentre tempos mortos 64.Avidacomouminstante,avidacomoumacontecimento.

II. Imagem-Pensamento.

“Sil’onconsidèrel’histoiredelapensée,onconstatequeletempsatou-joursétélamiseencrisedelanotiondevérité.”65

5.Autómato. “C’est n’est pas moi, le roi, c’est l’autonome.”66

O autómatoconstitui-secomoumconceitofulcralparacompreenderas

relaçõesentrecinemaepensamento.OautómatoespiritualsurgecomEspino-sa 67edesignaoautómatoquededuzospensamentosapartirdeumaordemformal.SegundoEspinosapensaréobedeceraleis,poderdeseguirummétodo,umaordemdeideias.Seasideiasestãoligadasnumarededecausalidade-auto--movimentodospensamentos68-nenhumaideiaépessoal,trata-seantesdeumagenciamento maquínico.Oautómatoespiritualé,assim,auto-poiéticonamedidaemqueumaideiatemorigem(causa)nopensamento:opensamentolevaamaispensamento69.

63. “Iln’envaplusdutoutdemêmesil’ons’installeàl’intérieurd'unseuletmêmeévénement,sil'ons'enfoncedansl'événementquiseprépare,arriveets'efface,sil'onsubstitueàlavueprag-matiquelongitudinaleunevisionpurementoptique,verticaleouplutôtenprofondeur.”(Deleuze1985:131).64. “Reminiscence takesplacewhenwedisengageourselves from thepresent,whenwe“de-actualize” l’actualité (theFrenchwordfor thepresent-day,everydayworldof currentevents,oractualités).”(Bogue2003:138).65. Deleuze1985:170.66. Miller,H.(2015).Nexus,UK:PinguimClassics,p.258.67. “(…)cesplendideconceptd’automatespirituel,apparaîtchezSpinoza.(…)Laformelaplushautedelapenséeentantqu’elleenchaîne,idéeavecidée,indépendammentdetouteréférenceàl’objet,c’estcelal’automatespirituel.L’automatespirituelfûtréalisédansl’ordredémonstratif desthéorèmes,puisdansl’ordredeladéduction,delalogistique,puisdansl’ordredel’axiomatiqueetdudéveloppementaxiomatique.”Deleuze,Surlecinéma:l’image-pensée. CoursVincennes-StDenisCoursdu30/10/1984.Este conceito aparecenaobrapóstumaTratado sobre a Reforma do Entendimento e é (também) arespostadeEspinosaaDescartesqueconcebeosanimaiscomomecânicos,quandopelocontráriooshomenstêmanima(alma).68. “SelonSpinoza,noussommesfabriquésentantqu’automatesspirituels.Entantqu’automatesspirituels,ilyatoutletempsdesidéesquisesuccèdentennous,etsuivantcettesuccessiond’idées,notrepuissanced’agirounotreforced’existerestaugmentéeouestdiminuéed’une manièreconti-nue,surunelignecontinue,etc’estcelaquenousappelonsaffectus,c’estçaquenousappelonsexister.”(DELEUZE/SPINOZACoursVincennes-24/01/1978-Consultadoem:https://www.webdeleuze.com/textes/11).69. Aocontráriodasconcepçõesposteriores,oautómatodesignaumpensamentosupra consciente

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Diferentesconcepçõesdeautomatismosurgembaseadasemmecanismosdiversos. No surrealismo tem uma importância central no desenvolvimentoda escrita automática (“um controlo superior que une o pensamento críticoe consciente ao inconscientedopensamento” 70).Nadireçãooposta surgeomonólogo interior/corrente de consciência, que partilha a ambição da escri-taautomática:“apreenderosmecanismosinconscientesousubconscientesdopensamentoesubmetê-losaumcontrololiterário”71.Tantoaescritaautomáticacomoacorrentedeconsciênciasãoapropriadaspelocinemaqueseconsideraomelhormeioparaasexpressar.

6.ImagensdoPensamento.

“Alorsseproduitunrenversementoùlemouvementcessedeseréclamerduvrai,etoùletempscessedesesubordonneraumouvement:lesdeuxàla

fois.”72

EmDiferença e Repetição Deleuzereclamaumpensamento sem imagem. Con-tudo,refere-seaimagemenquantoimagemdogmáticadopensamento73,ima-gemdeumadoxaessencial(todos sabem o que é pensar),imagemcliché.Umpen-samentosemimageméumpensamentoquedesafiaumaimagemdaorientaçãonaturalparaoverdadeiro,queseinsurgecontraaordemdarepresentação,domodelo.

EmO que é a filosofia?Deleuze-Guattariilustracomoahistóriadafiloso-fiaépovoadapordiferentesimagensdopensamento.Aimagemgregarelaciona--secomaloucura74.Descartes,porsuavez,jánãoéameaçadopelaloucuramasnamedidaemqueéaconsciênciaquedependedoencadeamentoprópriodospensamentos.“Où il lance l’automate spirituel comme donc étant une pensée supra consciente. C’est laconsciencequidépenddelamanièredontlapenséeenchaîneles...,ilyaunrenversementpensée/conscience.C’estpluslapenséequidépenddelaconscience,c’estlaconsciencequidécouledelapensée.Laconscienceseraunrésultatdel’enchaînementformeldesidéeslesunesparlesautrespar lapensée, indépendammentdetouteréférenceà l’objet.Cegrandrenversementspinozisteanimel’automatespirituel.”Deleuze,Surlecinéma:l’image-pensée. CoursVincennes-StDenis-Coursdu30/10/1984.70. “uncontrôlesupérieurunissantlapenséecritiqueetconscienteàl’inconscientdelapensée”(Deleuze1985:215).71. “saisirdesmécanismesinconscientsousubconscientsdelapenséetoutenlessoumettantàuncontrôlelittéraire”Deleuze,Surlecinéma:l’image-pensée.CoursVincennes-StDenisCoursdu30/10/1984. 72. Deleuze1985: 186.73. “Finally,inthisbookitseemedtomethatthepowersof differenceandrepetitioncouldbereachedonlybyputtingintoquestionthetraditionalimageof thought.BythisImeannotonlythatwethinkaccordingtoagivenmethod,butalsothatthereisamoreorlessimplicit,tacitorpresupposedimageof thoughtwhichdeterminesourgoalswhenwetrytothink.”(Deleuze1994:xvi)(Prefáciodoautoràtraduçãoinglesa).74. Relaçãocomaloucuraambígua:“Osmaioresbensvêm-nosporintermédiodaloucura,queé semdúvidaumdomdivino”PLATÃO,Fedro,244b.

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peloerro75.Aimagemclássicaorienta-separaoverdadeiro,nãoaluz(natural)dacrença,masdoIluminismo.Kant,porsuavez,marcaumpontoderuptura.Operigoéimanenteàrazão,estatemumainclinaçãoparaailusão,paraousoilegítimo:umarazãoquecainassuasprópriasarmadilhas,sendoestastodavianecessáriaseúteisnacondiçãodesereconheceremcomotais.

Oquecaracterizaentãoaimagemmodernadopensamento?Searelação do pensamento com o verdadeiro nunca foi simples,naimagemmodernaháumaradicali-zação:renúnciadeumaorientaçãoparaaverdade76.Estarupturaliga-seaKanteàemancipaçãodotempo.

Aconcepçãoantigadomovimentoprocurarestitui-loapartirdeposes,instantesprivilegiados:éametafísicaplatónicadasFormaseternaseimutáveis.ArazãopelaqualPlatãocondenaareproduçãodeimagens(pintoresepoetas77)prende-secomasuahierarquiaontológica:asideiasimutáveissãooúnicomo-deloaimitar.Omundosensíveléjulgadoemfunçãodeummundointeligível,otemposubordinadoaomovimento.

Aemancipaçãodotempocolocaemjogoaconcepçãodeverdadee,porconseguinte,darepresentaçãoeaordemdomundointeligível.Deleuze-leitordeKant-considera-aagranderevoluçãokantiana78: The time is out of joint! 79;umcinemakantiano?

75. FoucaultmostracomoaformadeDescartesafastaraloucura-naesteiradasinterrogaçõesentreosonho/vigília,erro-é tornaraloucuracomocondiçãodeimpossibilidadedopensamento,deslocando-separaumaregiãodepuraexclusão.Amaneiradeeliminarapossibilidadedeestarloucodistancia-seradicalmentedaformacomoeliminaahipótesedosonhoedoerro.Ohomempodeserlouco,masnãoenquantoestivernapossedassuascapacidadesintelectuais,exercendoassimumpoderilimitadosobreodesrazoado.Jánãoéoconteúdodopensamentoquedeterminaseosujeitopensanteestánapossedasuarazão,éaprópriacaracterísticadosujeitoserpensantequeoafastadaloucura.Olouconão pode pensar, logo não existe. “Cen’estpas lapermanenced’unevéritéquigarantit lapenséecontre la folie, commeelle luipermettaitdesedéprendred'uneerreuroud'émergerd'unsonge;c'estuneimpossibilitéd'êtrefou,essentiellenonàl’objetdelapensée,maisausujetquipense.”Foucault,M.(1997).Histoire de la folie à l’âge classique, France:ÉditionsGallimard,p.57.“(…)maisparceque moiquipense,jenepeuxpasêtrefou.”Descartescitadoem:Ibid.76. “Jamaislerapportdelapenséeaveclevrain’aétéuneaffairesimple,encoremoinsconstante,danslesambiguïtésdumouvementinfini.C'estpourquoiilestvaind'invoqueruntelrapportpourdéfinirlaphilosophie. Lepremiercaractèredel’imagemodernedelapenséeestpeut-êtredere-noncercomplètementàcerapport,pourconsidérerquelavérité,c'estseulementcequelapenséecrée(…)”.(DeleuzeeGuattari2005:55).77. Emboranemtodosospoetas.78. RevoluçãodeCopérnico:o modo como olhamos determina o dado.Istoé,reconhecerqueosobjetossãocondicionadospelasestruturasdosujeitotranscendental.“Kant,however,seemedequippedtooverturntheImageof thought.Fortheconceptof error,hesubstitutedthatof illusion:in-ternalillusions,interiortoreason,insteadof errorsfromwithoutwhichweremerelytheeffectsof bodilycauses.Forthesubstantialself,hesubstitutedaself profoundlyfracturedbyalineof time;whileinthesamemovementGodandtheself encounteredakindof speculativedeath.”(Deleuze1994:136).79. “Letempsout of joint,laportehorsdesesgonds,signifielepremiergrandrenversementkan-tien:c’estlemouvementquisesubordonneautemps.(Deleuze1993:41)(Hamlet,The time is out of joint!).

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Otempoemancipadoé osentido interno, forma imutávele inalterá-vel,formaa prioriaquetodososobjetosdaexperiênciapossíveltêmdeestarsubmetidos80.Nãoháorientaçãoparaumaqualquerverdadeaídada,umaade-quação/verificaçãoentrearepresentaçãodosujeitoeoobjetoemsi,antes,éosujeitoqueconstróioobjetoapartirdosseusconceitos(objetocomoaparição),aobjetividadeeocritériodeverdadecaemdentrododomíniodosujeitotrans-cendental.Doravanteaquestãoé:quid juris.Ocontrapontodestaarenúnciaéa limitaçãodopensamento,opensamentocomopossibilidade 81:oseu limiteimanenteéotempo(“comoé escassoopoderdopensamento”82).

O tempo cinde o sujeito em dois.Na dedução transcendental 83 é expos-ta a unidade sintética originária da apercepção, ou seja, como o diverso dasintuiçõestemdeserligadonumaconsciência.Todasasrepresentaçõestêmdeseracompanhadaspelarepresentaçãoúltima84(eu penso)queconsistenaligaçãoefetuadapelosujeito,sendoestaacondiçãoúltimadoconhecimentonamedidaemqueécondiçãodepossibilidadedoentendimento. “O eu penso tem de poder acompanhar todas as minhas representações” 85,contudo,esteeu 86 nada mais é do que umafuncionalidadesintéticavazia,factoprimitivodaexistênciadadona(auto-)consciência,oeuenquantoatoquepossibilitaeefetuaasíntesedotempo87.Noentanto,háumoutro(moi)eu:osujeito,passivo,receptivo,sensível88 que é afeta-dopelotempo,estánotempo,sujeitoquenãosepodepercebersenãoenquantomediadopelotempo(afeção de si por si 89).

Osujeitokantianoé,assim,sujeitopensanteepensado,separadopelo80.“Ilestlaformedetoutcequichangeetsemeut,maisc’estuneformeimmuableetquinechangepas.”(Deleuze1993:42).81. “Ohomempodepensaràmedidaquetemapossibilidadeparatal.”(Heidegger2008:111).82. Nietzschecitadoem:Nietzsche como Pensador da Política,deViriatoSoromenho-Marques,p.251,artigoconsultadoem:https://www.jstor.org/stable/pdf/40337625.pdf?refreqid=excelsior%3A39af042b46a437c8ee25582b38f5356883. Daqualdependetodooedifíciocrítico: quid juris:comquedireitoseutilizaosconceitosdoentendimento?84. “PourKant,aucontraire,leJen’estpasunconcept,maislareprésentationquiaccompagnetoutconcept;etleMoin’estpasunobjet,maisceàquoitouslesobjetsserapportentcommeàlavariationcontinuedesespropresétatssuccessifs,etàlamodulationinfiniedesesdegrésdansl’instant.”(Deleuze1993:44).85. KrV,B132.86. Enquantounidadesintéticaorigináriadaaperceção.87. “Oquedeterminaosentidointernoéoentendimentoeasuacapacidadeorigináriadeligarodiversodaintuição,istoé,deosubmeteraumaapercepção(comoàquilosobreoqualassentaasuaprópriapossibilidade).”KrV,B153.88. “(…)aconsciênciaempíricadeumdiversodadodeumaintuiçãoestásubmetidaaumaauto-consciênciapuraa priori(…)KrV,B144.89. O tempo como a forma do eu se afetar a simesmo. “Le temps pourra donc être définicommel’Affectdesoiparsoi,oudumoinscommelapossibilitéformelled’êtreaffectéparsoi--même.”(Deleuze1993:44).“(…)tambémtemosdeadmitir,quantoaosentidointerno,queporelenosintuímosapenastalcomointeriormentesomosafectadospornós mesmos(…)”KrV,B156.

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fiodotempo90.Eu≠Eu(Moi≠Je).O jequeefetuaasíntesedotempo,afetaedeterminaaummesmotempoomoi,vistoqueomoi sósedánotempoeoestedependedoje.“OEu(Moi)estánotempoenãopárademudar:éumeupassivo,ouantes,receptivo(…)OEu (Je)éumato(eupenso)quedeterminaativamenteaminhaexistência(eusou),masnãopodedeterminarsenãonotem-po(…)”91

Imagemdopensamentomoderna:o pensamento como possibilidade 92. Ao colocarotempoforadoseixos,Kantcolocaaimpotêncianocoraçãodopensa-mento.Otempocomolimiteimanente(ao/)dopensamento,aformadosujeitopensar(-se).Encontramos emKant uma renúncia a uma verdade aí dada oupré-estabelecida93,umsujeitofracturadopelotempoeumautómato,umsujeitopassivonamedidaemqueoqueditaaordemdopensamentoé,nãoumaleiqueditaofuncionamentodasideiasimanenteàsmesmas,antesotempocomosen-tidointerno.

7.Pensaroimpensável:poderdofalso.

“AllthestoriesIwroteweretruebecauseIbelievedinwhatIsaw.”94

Aemancipaçãodotempolevaaoabandonodeumalógicadeoposição

90. Porumlado,oconhecimentodesimediadopelotempoe,poroutrolado,oeucomocons-cientede si (apenas consciência que sou, KrV,B157)naunidade sintéticaorigináriada apercepção(§25),consciência(“Aconsciênciaprópriaestá,pois,aindabemlongedeserumconhecimentode si próprio(…)”KrV,B158)quenãoéconhecimentomassomentepensamento.Épossíveldistinguirassimdoistiposdeconsciência:aconsciênciavazia,ato,unidadesintéticaoriginária da apercepção,condiçãoorigináriaetranscendentaleaconsciênciaempírica(“Aconsciênciadesimesmo,segundoasdeterminaçõesdonossoestadodepercepçãointerna,émeramenteempírica,sempremutável,nãopodedar-senenhumeufixooupermanentenesteriodefenómenosinternoseéchamadahabitualmentesentido interno ou apercepção empírica.”KrV,A107.).“A unidade transcendentaldaapercepçãoéaquelapelaqualtodoodiversodadonumaintuiçãoéreunidonumconceitodeobjecto.Diz-se,porisso,queéobjectivaetemdeserdistinguidadaunidade subjectivadaconsciência,queéumadeterminação do sentido interno,pelaqualédadoempiricamenteodiversodaintuiçãoparaserassimligado.”KrV,B139.“Mascomopoderáoeu,oeupenso,distinguir-sedoeuqueseintuiasipróprio(…)etodaviaseridênticoaesteúltimo,comoomesmosujeito?Como,portanto,podereidizerqueeu,enquantointeligênciaesujeitopensante,meconheçoamimprópriocomoobjeto pensado(…)?”KrV,B156.91. “LeMoi estdansletempsetnecessedechanger:c’estunmoipassif ouplutôtréceptif (…)LeJeestunacte(jepense)quidétermineactivementmonexistence(jesuis),maisnepeutdéterminerquedansletemps(…)”(Deleuze1993:43).92. “(…)c’estquelapenséeconstitueunesimple«possibilité»depenser,sansdéfinirencoreunpenseurquienserait«capable»etpourraitdireJe:(…).”(DeleuzeeGuattari2005:55).93. OquenãoquerdizerdeformaalgumaqueKantdefendaumrelativismo.94. JackKerouac:Visions of Cody,emPoetry for the Beat Generation.

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estática entre real e imaginário, atual e virtual, verdadeiro e falso 95. Trata-seagoradeumjogo,trocacristalinaentreopossíveleoimpossível96:umúnicomundode incompossíveis -Deleuze (comBorges) levaLeibnizmais longe-,erguidopelopoderdofalso.O labirinto do tempo.

UmatorçãodaPoéticaaristotélica:segundoAristóteles97atragédiadeveapresentarumenredosubordinadonãoaofactual98masàordemdopossível,danecessidadeedaverosimilhança,quenumaúltimainstânciaestãoprimeiramentesubordinadosaumalógicadasemoções(catarsecomotelos).Porsuavez,nomythosmodernoencontramosumalógicadecriação deverdade,-oquepoderiateracontecidoenãoacontecidosimultaneamente- lógicaquecontradizqual-querverosimilhança.

O tempo emancipado abandona as coordenadas do movimento, daconformidadeaomodelodaverdade 99.Anarraçãofaz-se falsificante. O poder dofalsoéopoderdomúltiplo.Ofalsonãoseconfundecomoerronemcomailusão,éantesoqueestásempreamudar,podercriador.Nãoummerojogodesombras,masumjogodeforças.Abolirosistemadejulgamentoemnomedaverdade100parareclamarvaloresunicamenteimanentes,julgar a vida por si,enãoemnomedeumaqualqueroutra instância superior.Umanti-platonismo(omúltiplocontraouno)queproclamaopoderdatransformaçãododevir101: “NãoháoutraverdadequenãoacriaçãodoNovo” 102.Oposiçãoentreregime

95. “Laformationducristal,laforcedutempsetlapuissancedufauxsontstrictementcomplé-mentaires,etnecessentdes’impliquercommelesnouvellescoordonnéesdel’image.”(Deleuze1985:172).96. “Cequiestenjeu,cen’estplusleréeletl’imaginaire,maislevraietlefaux.(…)l’impossibleprocèdedupossible,etlepassén’estpasnécessairementvrai(…)”(Ibid:359).Semantemosaoposiçãoentrefalsoeverdadeiroéapenasnamedidaemqueofalsosemantémcomofontedeinspiração.97. Cf:Poética, 1449b.98. Nestesentidoapoesia é maiselevadadoqueahistórianamedidaemquedáaveroquepo-deriateracontecido(universal)enãooqueaconteceu(particular)Cf:Poética, 1451b.Nestepontoa narração falsificanteencontra-secomAristótelesvistoquenãoconcedeprivilégioàHistória(queseopõeaodevir,aHistóriacomoinstrumentodepoder).“(…)ilssontexpertsenmétamorphosesdelavie,ilsopposentledeveniràl’Histoire.Incommensurablesàtoutjugement,ilsontl’innocencedudevenir.”(Deleuze1985:185).99. “Lapuissancedufaux,c’estletempsenpersonne,nonparecequelescontenusdutempssontvariables,maisparecequelaformedutempscommedevenirmetenquestiontoutmodèleformeldevérité.”(Deleuze2005:93-94).100. “Asverdadessãoilusõesqueforamesquecidasenquantotais,metáforasqueforamgastaseesvaziadasnoseusentido,moedasqueperderamoseucunhoequeagorasãoconsideradas,nãojácomomoedas,mascomometal.”(Nietzsche1997:221).101. “Par-delàlevraietlefaux,ledevenircommepuissancedufaux.”(Deleuze1985:360)“Seull’artistecréateurportelapuissancedufauxàun degréquis'effectue,nonplusdanslaforme,maisdanslatransformation.”(Ibid:191).102. Iln’yapasd’autrevérité quelacréationdeNouveau” (Ibid).

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orgânico103einorgânico104. Nãosepodeconfundiropoderdofalsocomoniilismoouelevaçãodo

mau.Oniilismoéanegaçãodavida,opoderdofalsoéumaafirmaçãodeforçasvitaiscomoqualidades,potências.Oartistacomocriadordeverdade(ouavidacomoobradearte105),brotarincessantedepossibilidades(seDeusestámortoentãotudoépossível 106).Oúnicojuízopermitidoéodoafeto:“Oafetocomoavaliaçãoimanente,nolugardojulgamentocomovalortranscendente:«gostooudetesto»nolugarde«julgo».”107.

103.Oregimecristalino/inorgânicoopõe-seaoregimeorgânicoepodem-sedistinguiremtrêspontos:descrição, real e narração.Adescrição orgânica(imagem-movimento)faz-seapartirdoreal.Oreconhecimentohabitualéprogressivo/automático,move-senomesmoplanomasporváriosobjetos,encadeadose,enquantohabitual,emborafazendousodamemória,nãonecessitadeseencandearcomumaimagemvirtualdemodoautilizarexplicitamenteamemória,emboratalpossaacontecer,mascomooposição.Asituaçãodesenrola-senaturalmente.Contudo,é precisamentepor assimacontecerque,porforçadehábito,nãosereparanascoisasporinteiro(primeiromomentodasubjetividade).Adescrição orgânicadependedaexistênciadeumobjeto,ondeorealseopõeaimaginárioeumanarraçãoqueobedeceaumalógicadeverdade,numtempocronológico.“C’estunenarrationvéridique,encesensqu’elleprétendauvrai,mêmedanslafiction.”(Deleuze1985: 167).“Lanarrationvéridiquesedéveloppeorganiquement,suivantdesconnexionslégalesdansl’espaceetdesrapportschronologiquesdansletemps.”(Ibid:174).104.Adescriçãoinorgânica(queseligadiretamenteaonouveau roman,AlainRobbe-Grillet)emvezdeseencadearnoutrosobjetos,mantém-senummesmorecomeçandoapartirdediferentesplanos.Trata-sedoreconhecimentoatentoqueoperaumadescriçãomaisricaeinesgotável(criaeapagaoobjeto,nãocarecedasuaexistência),adescriçãoéoseupróprioobjeto,eoreconhecimen-toserátantomelhorquantomaisfalhar.Oreconhecimentoencadeia-secomimagensvirtuais-é oregimedaimagem-cristal-ondenãoé possíveldistinguirorealdoimaginárioeanarraçãonãorespondeanenhumalógicadeverdade,háantesrepetiçãoevariação. A narração acontece em espaços não localizáveis, que não se deixam explicar espacialmente,espaçospercorridospormovimentosaberrantes,anormais,movimentosemfalso.Jánãohátantoumaaçãoquesedesenrolamasmaispersonagensestáticas(avisãosubstituiaação).105.AvidacomoumaobradeartequeFoucaultrecuperounassuasúltimasobras.“Par[“les arts de l’existence”] il fautentendredespratiques réfléchiesetvolontairespar lesquelles leshommes,nonseulementsefixentdesrèglesdeconduite,maischerchentàsetransformereux-mêmes,àsemodifierdansleurêtresingulier,etàfairedeleurvieuneoeuvrequiportecertainesvaleursesthé-tiquesetrépondeàcertainscritèresdestyle.”Foucault,M.(1984).Histoire de la sexualité II. L’usage des plasirs,Tel,Gallimard,p.18.106.“«SeDeusnãoexistisse,tudoseriapermitido»”citaçãodeDostoevskyem:Sartre,J.-Paul.(1962).O existencialismo é um humanismo Tradução,prefácioenotasdeVergílioFerreira,Porto:Edi-torialPresença,DivulgaçãoeEnsaio,Fevereiro,p.193.107.L’affectcommeévaluationimmanente,aulieudujugementcommevaleurtranscendante:«j’aimeoujedéteste»aulieude«jejuge».”(Deleuze1985:185).“Os Cahiers du cinémadosanos1950e1960tinhamaquelaregra:“quemgostarmaisdofilme,deveescrever”.Euachomuitobem!Nãoquerdizerquenãohajaumainteligêncianoódio.Deveser:“o quegostamaiseoquedetestamais”.”FernandoGuerreiroentrevista:http://www.apaladewalsh.com/2018/02/fernando-guerreiro-acho-que-os-classicos-sao-grandes-punks/

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8.(Noo)Choque.

“Animageandasoundtogethermustbelikethefirstthingsintheworld.It’sjustthatsimple:theymustbelikeanexplosion.”108

Queviolênciatemdeseexercernopensamentoparaqueestesejacapazdepensar?“Umaviolênciaoriginalinfligidanopensamento;asgarrasdeumaestranhezaouhostilidadequesozinhasacordariamopensamentodoseutorpornaturaloupossibilidade eterna.”109

Asimagenscinematográficastêmacapacidadedeprovocarumnoocho-que: “um choque no pensamento, comunicar ao córtex vibrações, tocar diretamente no sistema nervoso e cerebral”110.Aparticularidadedomovimentodaimagemcinematográficaconsisteemsermovimentoautomáticoquenãocarecedeumespíritoparaoconcretizar:ocinemaextraiomovimentodoscorposmóveis,aimageméima-gem-movimento, auto-movimento: “Omovimento automático faz erguer emnósum autómato espiritual,queporsuavezlhereage.”111

Dopensamentocomopossibilidadeaopensamentocomopoder,pen-samentoinvoluntárioeforçado.Ochoqueprovocadopelasimagensfaznascernoespectadorumautómatoqueéforçadoaresponder,areagir:estabelece-seumcircuito.Ocinemafazdoespectadorumautómatocujospensamentosres-pondemàimagemquelheperfuraaretina:aomovimentoautomáticocorres-pondeumasubjetividadeautomática.

Éoautómatodosprimeiroscineastaseteóricos,docinemaintelectualdeEisenstein:peranteochoquedas imagensentre si (enaprópria imagem),oespectadoréforçadoapensaroTodo(conceito),quesópodeserpensadoporquenão é dadona imagemdiretamente, antes indiretamentepelamonta-gem (regime imagem-movimento) 112.O pensamento como amontagem e amontagemcomoopensamento113,ambosregidospelasleisdaassociaçãoedoencadeamentopróprias.Aoserforçadoapensarotodo,oautómatoesforçaopensamentoapensar-se,oesforço da imaginação imposto pela razão(sublime),o poder da imaginação patética(Eisenstein)114.

108.PedroCosta,consultadoem:http://www.rouge.com.au/10/costa_seminar.html109.“Anoriginalviolenceinflicteduponthought;theclawsof astrangenessoranenmitywhichalonewouldawakenthoughtfromitsnaturalstuporor eternal possibility”(Deleuze1994:139)(itáli-conosso).110. “un choc sur la pensée, communiquer au cortex des vibrations, toucher directement le système nerveux et cérébral” (Deleuze1985:203).111. “Le mouvement automatique fait lever ennousun automate spirituel, qui réagit à son tour surlui.”(Ibid).112. “(…)lechocauneffetsurl’esprit,illeforceàpenser,etàpenserleTout.Letoutprécisé-mentnepeutêtrequepensé,parcequ’ilestlareprésentationindirectedutempsquidécouledumouvement.”(Deleuze1985:205).113. “Lemontageestdanslapensée «leprocessusintellectuel»lui-même,oucequi,souslechoc,penselechoc.”(Ibid:206).114. “L’imagecinématographiquedoitavoiruneffetdechocsurlapensée,etforcerlapensée

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Contudo,seaimagem-movimentoforçaapensar,porquerazãonãohámaispensadores(apossibilidadedocinemaenquantoartedasmassas,educaçãouniversal)?Aimagem-movimentorevelaumatendência(talvezinerente115)parasercolocadasobojugodapropaganda,dasgrandes encenações políticas (oautómatodevémfascista).Aconteceumaproliferaçãodocinemacujaviolênciajánãoédasvibraçõesmasdorepresentado,omundo imbecil das imagens e,maisdoqueemqualqueroutrodomínioartístico,nocinematime is money,peloqueseencontrasemprenoriscodeserdemolidoporvontadescomerciais116.

Não obstante, o cinema força a pensar, mas para o novo regime(imagem-tempo)impõe-seumoutroautómatoqueacompanheasmutaçõesdaimagemdopensamento:DeleuzeencontraArtaud.Ocinema,atravésdasvibra-çõesneurofisiológicasqueimpõe,produznoespectadorumchoquequeforçaapensar.OcinemafazdespertaroautómatoespiritualqueArtaudpensapróximodaescritaautomática117.

OqueseparaArtauddeEisensteinnamedidaemquesãoconcordantesnochoqueeavibraçãoqueforçamopensamento?Ocinemanãoforçaapensar

àsepenserelle-mêmecommeàpenserletout.C’estladéfinitionmêmedusublime.”(Ibid:206)AteoriadeEisensteinémuitocomplexa(Hegelnocinema).Paranósoimportanteaquiéaques-tãodeforçaraverotodo(oesforçodopensamentoforçado).Procuraremosapresentardeumaformasumáriaosdiferentesmomentosdarelaçãoimagem-pensamentoemEisenstein:Oprimeiromomentovaidaimagemparaopensamento.Peranteochoquedasimagensoespec-tadoréforçadoapensarotodo(representaçãoindiretadotempoatravésdomovimento).Otodoéatotalidadeorgânica(oconceitoqueseconstróisegundoasleisdadialética,resultandootododasuperaçãodaoposição)Osegundomomentoédopensamentoparaaimagem(doconceitoparaoafeto),otodoéproduzidopelaspartesmasoinversotambém.Seopensamentodotodorequeriaomaiselevadodaconsciência,osegundomomentorequerosubconsciente,queafetaasimagensquesevê.Éofilmeinteiro(asimagens)comomonólogointerior(depoisde1935).Noprimeiromomentovai-sedaimagem-choqueparaoconceitoformal,nosegundomomentovai-sedoconceitoinconscienteparaaimagem-matéria.Oterceiromomentoconstituiaidentidadedoconceitoedaimagem,unidadehomem-natureza,natureza não indiferente. Cf:“Eisenstein’sphilosophyof cinemaexemplifiesthreeassumptionsconcerningtherelationshipbetweencinemaand thoughtproduced throughout thehistoryof themovement-image:First,theautomatonproducesarelationshipwiththewholethatthrowsthoughtintoahigheraware-ness;second,thepsychomechanicsof themovement-imageshapesthoughtinthesubconsciousunfoldingof imagesasaprelinguisticinnerspeech;thirdtheorganicunfoldingof movementcre-atesasensorimotorunitybetweenworldand“man,”natureandthought.”(Rodowick1997:181)Sãoastrêsrelaçõesdopensamentocomaimagem-movimento:“le rapport avec un tout qui ne peut être que pensé dans une prise de conscience supérieure, le rapport avec une pensée qui ne peut être que figurée dans le déroulement subconscient des images, le rapport sensori-moteur entre le monde et l'homme, la Nature et la pensée. Penséecritique,penséehypnotique,pensée-action.”(Deleuze1985:212).115. Tese apresentada por Paul Virilio. Cf: Deleuze, Sur le cinéma : l’image-pensée. Cours Vincennes-StDenisCoursdu30/10/1984.116. “(…)ellen‘estpaspirequ’ailleurs,bienqu’elleaitdesconséquenceséconomiquesetindus-triellesincomparables.(…)L’histoireducinémaestunlongmartyrologe.”(Deleuze1983:8).117. “(…)nottothinkbeforetheblankpage.C’est n’est pas moi, le roi, c’est l’autonome(…)Manhasneverlackedforwords.Thedifficultyaroseonlywhenmanforcedthewordstodohisbiding.Be still, and wait for the coming of the Lord!Eraseallthought,observethestillmovementof theheavens!”Miller,H.(2015).Nexus,UK:PinguimClassics,p.258.

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otodo,eledáaverafenda - realidade íntima do cérebro 118.Aoforçaropensamento,pensamentoquenãosedebruçasobreoutracoisasenãoelemesmo,ocinemalevaopensamentoaencontrar-secomafissura,onada,nãovêotodoporquenãohá um tododado, nempodehaver, pensamentoque se esforçapor (se)pensar,porqueainda não pensamos: “seéverdadequeopensamentodependedeumchoquequeofaznascer(onervo,amedula),elenãopodepensarsenãoumaúnicacoisa, o facto que nós ainda não pensamos,aimpotênciaempensarotodocomoempensar-seasimesmo,pensamentosemprepetrificado,descolado,colapsa-do.”119

Intermezzo: As imagens do pensamentomudam.A imagem cinematográfica e o

pensardocinemasofremetamorfoses.Diferentesautómatos,diferentesimagens.O cinemamoderno liga-se à imagem do pensamentomoderna, é o cinemakantiano,jánãodosublime(imagem-movimento),massimdaemancipaçãodotempo.Seesta imagemsecaracterizaporumarenúnciaàverdade,épossívelapresentarquatrotransformaçõesoutras120.

Primeiroponto:do saber à crença.DePascal 121 aHume,Kant 122 e Nietzsche, afastar o saber para dar lugar à crença.Não se tratar de negar oconhecimento,antesarrancaracrençaàfé123,transformaracrençapassivaemativa.Existirá ação sem crença?Acreditar nonovo, acreditar nas possibilida-desdestemundo,acreditarnavida.Umavidasemcrençaéumavidamortae

118. “Ils’agitbien,commeditArtaud,de «rejoindrelecinémaaveclaréalitéintimeducerveau», maiscetteréalitéintimen'estpasleTout,c'estaucontraireunefissure,unefêlure.”(Deleuze1985:218).119. “s’ilestvraiquelapensée dépendd'unchocquilafaitnaître(lenerf,lamoelle),ellenepeutpenserqu’uneseulechose,le fait que nous ne pensons pas encore,l’impuissanceàpenserletoutcommeàsepensersoi-même,penséetoujourspétrifiée,disloquée,effondrée.”(Ibid).120.Segue-seaquialinhadepensamentodeDeleuzeapresentadanãoapenasnodípticodocine-mamastambémnosseuscursos.121. ÉprecisamenteestaareviravoltaentrePascaleSantoAnselmo.Odenominadorcomuméatentativadelevarodescrenteàcrençaapartirdeumexercíciodepensamentodemonstrativo.Contudo, SantoAnselmopermaneceno campodo saber; estepretendeprovarqueopróprio conceitodeDeusimplicaasuaexistência.Éoargumentoontológico,posteriormentedenomi-nadoassimporKant,vistoquetemporbaseaontologiaanselmiana.PascalporsuavezprocurademonstrarnãoaexistênciadeDeus,masantescomoperanteaimpossibilidadedeconhecimento,épreferível,maisprudente,acreditar.OdilemadePascalnãoconcerneaexistênciadeDeus,antesaatitudeperanteapossibilidadedamesma,acrença.122. “Tivepoisdesuprimirosaberparaencontrarlugarparaacrença(…)”KrV,BXXX.,prefácio2ªedição.123. Numaoutralinhadepensamento,verŽižek para a ideia de um ateísmo cristão: “Mythesisisthusdouble:notonlyChristianity (in itscoredisavowedby institutionalpractice) is the only au-thentic atheism,butalsothat atheists are the only true believers.”Žižek,S.(2017).Incontinence of the Void, Economico-Philosophical Spandrels,Massachusetts:TheMITPress,p.281.

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cinzenta,umpessimismo da fraqueza.Segundoponto:dosaberparaacrençaedacrençaaoFora124.Descobertadeumpensamentodofora125-a lei do impensado que atravessa o pensamento moderno -umarupturana intimidadedopensamento,descobertadeumpensamentosempreporvir.

Terceiro ponto: o grito deKierkegaard, dai-me então um corpo! O que podeumcorpo?“Ocorpojánãoé oobstáculoqueseparaopensamentodesimesmo(…)Épelocontrárioaquiloemquemergulhaoutemdemergulharparaatingiroimpensado,ouseja,avida.”126Ocorpofoi sempreconcebidocomoumobstáculoaopensamento127masagoraconstitui-secomooqueforçaapensar,

124. FoucaultpensaarelaçãodopensamentoedoimpensadoapartirdoconceitodeFora(naesteiradeBlanchot)comoDeleuzediz,oPensamento do fora.Em As Palavras e as Coisas, Foucaultconsideraocogitomoderno(parempírico-transcendental)atravessado pela lei que pensa o impensado (Foucault2018:430).Opensamentoconfronta-secomoseuduplo,oseuoutro,oserdopen-samento sempre por vir (Heidegger), um (ainda não)pensamento que habita fora, no entantomarginal e próximo, porque sempre queopensamento animao impensado, aproxima-o. “Nocogitomoderno, trata-se,pelocontrário,dedeixarvalernoseumaiorâmbitoadistânciaqueaomesmotemposeparaereligaopensamentoasimesmo,eoque,nopensamento,seenraízanonãopensado;é-lhenecessário(eéporissoqueopensamentoémenosumevidênciadescobertadoqueumatarefaincessantequetemsempredeserrecomeçada)percorrer,redobrarereactivarsobumaformaexplícitaaarticulaçãodopensamentocomoquenele,emtornodele,porsobele,nãoépensado,masquenemporissolheéestranho,segundoumairredutíveleintransponívelexterioridade.”(Foucault2018:426).125. “(…)unepenséequiseprésenteelle-mêmecommelapenséeduDehorsavecungrandD.Alorsquejusqu’àmaintenant,onavaittoujourslierlapenséeausensintime,sefaitlarupturedelapenséedusensintime,lapensée se réclameetseprésentecommedelapenséeduDehors,etéternellementduDehorsetd’unDehorsimpossibleàintérioriser.(…)unDehorsquin’a rien àvoiraveclemondeextérieur,etquiestinfinimentplus«dehors»quel’extériorité du monde. ”De-leuze,Surlecinéma:l’image-pensée. CoursVincennes-StDenis. Coursdu06/11/1984.126. «Lecorpsn’estplus l’obstaclequisépare lapenséed'elle-même(…)C’estaucontrairecedansquoielleplongeoudoitplonger,pouratteindreàl’impensé,c'est-à-direàlavie.”(Deleuze1985:246).127. Não obstante o corpo ser na Antiguidade Clássica objeto de cuidado, não apenas se dáprivilégioàalma,comoporexemplo,obelofísico(ocorpoinformadopelobelo)éoprimeiropassodeaproximaçãoaoBelo,masparaserrenunciadonummomentoposterioremfunçãodeumaexpressãodobelomaiselevada.Ocorpoéomundosensível,datransformação,damorte,subordinadoaomundointeligível(deondeaalmavemeparaondepoderáregressar),eternoeimutável.Ocorpocomooelementomal-amadodafilosofia.Ocorpoéoquenosédado,aoqualnãopodemosescaparnemescolher.UmacorrentefilosóficafrancesanoséculoXXondeseincluemDeleuze(CsO,verMP,p.199:“ComoconstruirumCorpo sem Orgãos?”),FoucaulteMerleau-Pontyreanimaacategoriadocorpoepensa-oapartirdecategoriasespaciais(contraotempocomoúnicaformadosentidointerno-Kant).Veja-seotextodeFoucault(le corps utopique)-aconcepçãodeumcorpoutópiconamedidaemque as utopias têm origem nele, para o destruir ou transformar: o corpo incorporal, negado,transformado:“Jepense,aprèstout,quec’etcontreluietpourl’effacerqu’onafaitnaîtretoutescesutopies.(…)l’utopied’uncorpsincorporel(…)C’estl’utopieducorpsniéettransfiguré.Lamomies,c’estlegrandcorpsutopiquequipersisteàtraversletemps.”Foucaultterminasalientandoaformacomosesenteocorpoapartirdoamor,ocorpoforadequalquerutopia:“Peut-êtrefaudrait-ildireaussiquefairel’amour,c’estsentirsoncorpsserefer-mersursoi,c’estenfinexisterhorsdetouteutopie,avectoutesadensité,entrelesmainsdel’autre.

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umoutroimpensado.Acreditarnocorpo,acreditarnavida.Opensamentonãopensanavida,nãoéimanenteàvida,opensamentoinstala-senavida128,mer-gulhanocorpo.Ocorpocomoogermedavida,oqueestáantesdapalavraedosdiscursos.Nãoéavidasujeitaàscategoriasdopensamento,éopensamentosujeitoàscategoriasdavida,categoriasquesãoasatitudes,asposturaseasposesdocorpo.Ocinemapodedarumcorpo:cinemadasposturas,cerimóniaseocorpodáaverotempo129(oanteseodepois,afadigaeaesperainterminável).

Quarto ponto: demanda de um cérebro. Do cinema intelectual deEisenstein ao cinema cerebral de Resnais (e Kubrick) onde se encontra aidentidadedocérebroedomundo,omundo-cérebro,como“umlimite,umamembranaquecolocaemcontactoumforaeumdentro”130.OquemudaentreEisensteineResnais,entreaimagem-movimentoeaimagem-tempo?Mudaanossarelaçãocomopensamento,transforma-seaimagem.

Em Eisenstein a relação da montagem era pensada em função dasrelaçõesdopensamento.Aconcepçãoclássicapensaumtodo,queseorganizaverticalehorizontalmente,totalidadeharmoniosaetraduzívelporleis,orgânica,umforaeumdentrorelativos.Cortesracionaissubordinadosaencadeamentodeimagens,relaçõescomensuráveiseritmadas.

Contudo, a concepção do cérebro e dos processos do pensamentoalterou-se, tal como estudos 131 concebemo cérebro com sistema acentrado,umsistemaincerto,probabilístico,umcérebrocomfendas 132.Cérebromoderno:

(…)L’amour,luiaussi,commelemiroiretcommelamort,apaisel’utopiedevotrecorps,illafaittaire,illacalme,ill’enfermecommedansuneboîte,illaclôtetillascelle.”(Foucault1966)Ocorpoqueseexigenãoéocorpobelogrego(informadopelaforma)antesocorpomarcadopelotempo,ocorpocansadoepobre,ocorpodacrença(corpodeCristo)invésdocorpopadro-nizado,modelodoconhecimento(clássico).128. “Osmodosdevida inspirammaneirasdepensar,osmodosdepensarcriammaneirasdeviver.Avidaactivaopensamentoeopensamento,porseulado,afirmaavida.”(Deleuze2018:18).129. UmfilmequeseligaaosexemplosdeDeleuze(AndyWarhol)éofilmedePedroCosta:No Quarto da Vanda(2001).Ocorpododrogadoquedáotempo,aespera,acerimónia/ritual.Éadestruição/demoliçãodobairro(exterior),tambémelaumritual,emcontrastecomainterioridadedoquarto,otempodoquartoeotempodobairro.Ocorpocomoreveladordotempo.Montaracâmarasobreocorpoquotidianoquesepreparaparaumacerimónia.130. “unelimite,unemembranequimetencontactundehorsetundedans”(Deleuze1985:268).131. Tantosepodeveraciênciacomoumefeitodanossarelaçãocomopensamentocomoanossarelaçãocomopensamentocondicionadapelaciência.132. “Eisensteinlui-mêmenecachaitpaslemodèlecérébralquianimaittoutelasynthèse,etquifaisait du cinéma l’art cérébral par excellence, lemonologue intérieur du cerveau-monde: (…)C’estquelecerveauétaitàlafoisl’organisationverticaledel’intégration-différenciation,etl’or-ganisationhorizontaledel’association.(….)Leschosessontsicompliquéesqu’onneparlerapasd’unerupture,maisplutôtdenouvellesorientationsquineproduisentqu’àlalimiteuneffetderuptureavecl’imageclassique.D’autrepart, leprocessusdel’associationseheurtaitdeplusenplusàdescoupuresdansleréseaucontinuducerveau,partoutdesmicro-fentesquin’étaientpasseulementdesvidesàfranchir,maisdesmécanismesaléatoiress’introduisantàchaquemomententrel’émissionetlaréceptiond’unmessageassociatif:c’étaitladécouverted’unespacecérébralprobabilitaireousemi-fortuit,«anuncertainsystem»C’estsouscesdeuxaspects,peut-être,qu’onpeutdéfinirlecerveaucommesystèmeacentré.”(Deleuze1985:273-275).

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“Océrebrocortaoupõeemfugatodasasassociaçõesinteriores,eleconvocaumforaparaládetodoomundoexterior”133.Nocinemamodernooscortesirracionaisvalempor simesmos,os re-encadeamentossão-lhes subordinados(enãoocontrário)eaimagemliteralsubstituiametáfora;éocinemadoe(+,Et,omúltiplocontraoidêntico134)quelibertaaimagemeoespectadordasleisdoencadeamentoedaassociação.Seocinemaclássicoforçavaapensarotodo(aberto135),ocinemamodernodáaverofora:fenda,vaziodoqualaimagemsaieparaoqual regressa.Adescobertado fora - impensadoquesecavanopensamento-marcaanovaimagemdopensamento,apardaimagemdocinemamoderno.

Otempooperacomoumlimitedopensamentoquefragmentaosujei-to,fazsurgirumoutro pensador no pensador 136.Acrença(“aexterioridadedeuma«crença»,foradetodaainterioridadedeumsaber”137)eocorpooperamcomoumforaqueforçaopensamentoeconfronta-ocomoimpensado.

Na imagem-movimento o autómato não pode pensar o que quer, opensamentoobedeceautomaticamenteaoqueas imagenssuscitam,medianteas leis que elas impõe (montagem-pensamento). É o autómato do regimeorgânico (unificado pelomonólogo interior).O autómato da imagem-tempoéumautómatofragmentado(aforçadotempo,Eu≠Eu), jánãorespondeaoencadeamentomasantesàforça dissociadoradocinema,(opoderdofalso,cortesirracionais),homem ordinário 138confrontadocommovimento extraordinário,autóma-toquetambémnãopodepensaroquequer,nãopelaleiaqueobedece,antespelaprópriaimpossibilidadedepensar,autómatoquedevémmúmia,petrificadopelaimpotênciade(se)pensar.Oautómatojánãoépossibilidadelógica(Espi-nosa)nempoder(Eisenstein),antesimpotênciaprimeira(Artaud).

Contudo,apetrificaçãodoespectadoréaessênciapositivadocinema.O cinema, ao roubar-nos o pensamento, denuncia a sua (dupla) impotência:

133. “Lecerveaucoupeoufaitfuirtouteslesassociationsintérieures,ilappelleundehorsau-delàdetoutmondeextérieur”(Ibid:276).134. OcinemadeGodardporexcelência,ocinemadoeenãodoé.“LausageduETchezGodard,c’estl’essentiel.C’estimportantparcequetoutenotrepenséeestplutôtmodeléesurleverbeêtre,EST.(…)Biensûr,leET,c’estladiversité,lamultiplicité,ladestructiondesidentités.”(Deleuze2005:64-65).135. Otodoqueéabertoesempreafazer-se.“Letoutnecessaitdonc pas desefaire,aucinéma,en intériorisant les images et en s'extériorisant dans les images, suivant une double attraction.C'étaitleprocessusd'unetotalisationtoujoursouverte,quidéfinissaitlemontageoulapuissancedelapensée.”(Deleuze1985:233-234).136. “(…)laprésenced'unimpensabledanslapensée,etquiseraitàlafoiscommesasourceetsonbarrage;d’autrepartlaprésenceàl’infinid’unautrepenseurdanslepenseur,quibrisetoutmonologued’unmoipensant.”(Deleuze1985:218-219).137. “l’extérioritéd’une«croyance»,horsdetouteintérioritéd’unsavoir”(Ibid:229).138. Deleuzeinspira-seetemcomoreferência(emespecialnoqueconcerneoautómato)olivrodeJean-LouisSchefer:L’homme ordinaire du cinema.(1980).

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“nãopossopensarmaisoquequero,as imagensmóveissubstituemosmeusprópriospensamentos”139.Ocinemadáaver a impotênciadopensamentoeesta,longedeserumafalha,éo(motor)quedáquepensar,queforçaapensar:o que mais dá que pensar é que ainda não pensamos. 140

Seocinematemcomoessênciaotempoéporqueprimeiramentetemopensamento:qualopoderdocinema(distintodaliteratura,filosofiaeoutros)quepermitefazerdopensamentoedoseufuncionamento(impotência)asuaessência?Daraveraemancipaçãodotempoapardomovimentoaberrante.

O impensado no pensamento é o pensamento sempre por vir,(pensamentocujacaracterísticaénãoserainda),oquenãosedeixapensar:oin-tolerável.Ocinemapodeconfrontaropensamentocomasuaimpossibilidadenamedidaemqueoperacommovimentoaberrante(imagem-tempo),movimentoque efetuauma suspensão do mundo, afeta o visível com um distúrbio que se dirige ao que não se deixa pensar no pensamento assim como ao que não se deixa ver na visão 141. O pensamento,confrontadopelavisãodomovimentoaberrante,éperturbado,adimensãodopensamentoque(ainda)nãoépensamentoédespertada;pensa-mentonascentedasuaimpossibilidade.

Omundoquesetornouintolerávelpetrificaopensamento142. A ima-gemdopensamentomoderna caracteriza-sepela impotênciadopensamento,mas“ofactomodernoéquenósnãoacreditamosmaisnestemundo.”143 A rup-turadolaçodohomemcomomundolevaàfalhadolaçosensorio-motorqueinvocasituações óptico-sonoraspuras,o insuportávelquotidiano.Dohomematingidoporalgointolerávelaopensamentoconfrontadocomalgoimpensável,acontece uma petrificação 144.

Seopensamentoestápetrificadoporqueomundosetornouintolerável,parareanimaropensamentoénecessáriorestituiracrença.Dosaberparaacren-ça:acreditarnolaçodohomemcomomundo,eisopoderdocinema.Omundo,despidodoseucliché,tornou-seinsuportável,dá-seavernasuanudez.Acre-ditarnãoémascararaimagemnemrenunciaraestemundo:“acrençaapenas

139. “jenepeuxpluspensercequejeveux,lesimagesmouvantessesubstituentàmes propres pensées”GeorgesDuhamelcitadoem(Deleuze1985:216).140.“Oquemaiscabepensarcuidadosamenteemnossotempo,quetantonosdáapensar,revela--senofatodeaindanãopensarmos.”(Heidegger2008:115).141. “Ilditque l’imagecinématographique,dèsqu’elleassumesonaberrationdemouvement,opère une suspension de monde, ou affecte le visible d’un trouble, qui, (…), s’adressent aucontraireàcequineselaissepaspenserdanslapensée,commeàcequineselaissepasvoirdanslavision.”(Deleuze1985:219).142. “(…)c’estaucontraireparcequecemondeestintolérablequ’ellenepeutpluspenserunmondenisepenserelle-même.”(Deleuze1985:221).143. “lefaitmoderne,c’estquenousnecroyonsplusencemonde.”(Ibid:223).144. “Larupturesensori-motricefaitdel’hommeunvoyantquisetrouvefrappéparquelquechosed’intolérabledanslemonde,etconfrontéàquelquechosed’impensabledanslapensée.Entrelesdeux,lapenséesubituneétrangepétrification,quiestcommesonimpuissanceàfonctionner,àêtre,sadépossessiond’elle-mêmeetdumonde.”(Ibid:220-221).

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substituiosaberquandoelasefazcrençanestemundo,talcomoeleé.”145 Perante um mundo que se tornou intolerável e o pensamento

impotente,oobjetodocinemaseráacreditarnoimpossível,noabsurdo,pensarnoimpensado,noimpensável:opoder(da impotência)dopensamento.Fazer da impotência do pensamento a nossa maneira de pensar 146. Restituir a crença nestemesmomundo tal como ele é, restituir a crença no (do) impossível, impen-sávelenoimpensado,“éestacrençaquefazdoimpensadoapotênciaprópriadopensamento,peloabsurdo,emvirtudedoabsurdo.”147Crençaqueacorda o pensamento da sua eterna possibilidade 148,quecolocaoimpensadonopensamento,movimentoprofundoqueoanima149.

Algo se tornou forte demaisnaimagem,aquestãojánãoé:oqueestápordetrás,oqueseescondenaimagem,antes,posso suportar olhar aquilo que vejo 150? O intolerávelexprimeanovarelaçãodopensamentocomavisão,visãoquecolocaopensamentoforadesimesmo.Seocinematemapossibilidadederestituiracrença,religarohomemaomundo,énacondiçãodospersonagens(comoespectador)setornaremvisionários151:ointolerávelfaz-seacompanhardeumarevelação,iluminação,nacondiçãodeopersonagemsaberextrairainesgotávelpossibilidadedoacontecimento,suportaraimagem,aprenderaverporinteiro152.

Poderdocinema:Oautomatismomaterialdas imagensdespertaumpensamentodofora-impensadodopensamento-queseapoderadoespec-tadoreelevaneleoautómatoespiritualquedevémnocinemamodernocomomúmia.Ocinemanãodáaverumailusãodomundo(umacavernaporiluminar)

145. “lacroyanceneremplacelesavoirquequandellesefaitcroyanceencemonde,telqu’ilest.”(Ibid:224) “Nousredonnercroyanceaumonde,telestlepouvoirducinémamoderne(quandilcessed’êtremauvais).”(Ibid:223).“BlasfemarDeuseraoutroraapiordasblasfémias,masDeusmorreuemortoscomeleestãoessesblasfemares.Doravante,ocrimemaisodiosoéblasfemaraterraedarummaiorpreçoàsentra-nhasdoinsondáveldoquesentidoàterra.”Nietzschecitadoem:(Deleuze2018:99).146. “L’impuissanceàpenser,Artaudnel’ajamaissaisiecommeunesimpleinfériorité qui nous frapperaitparrapportàlapensée.Elleappartientàlapensée,sibienquenousdevonsenfairenotremanièredepenser,sansprétendrerestaurerunepensée toute-puissante.” (Deleuze1985:221).147. “c’estcettecroyancequifaitdel’impensélapuissancepropredelapensée,parl’absurde,envertudel’absurde”(Ibid). 148. “Ohomempodepensaràmedidaquetemapossibilidadeparatal.Talser-possível,porém,aindanãonosgarantequeopossamos.”(Heidegger2008:111).149. Oproblema(contingente,aleatório,masnãoarbitrário)operacomoacrença:“Cedehorsduproblèmeneseréduitpasplusàl’extérioritédumondephysiquequ'àl’intérioritépsychologiqued'unmoipensant.(…)La forced’unauteursemesureà la façondont il sait imposercepointproblématique,aléatoire,etpourtantnon-arbitraire:grâceouhasard.”(Deleuze1985:227-228).150.“Daneyécrit:«Laquestiondecettescénographien’estplus:qu’ya-t-ilàvoirderrière?Maisplutôt:est-cequejepeuxsoutenirduregardceque,detoutefaçon,jevois?(…)”(Ibid:230).151. “L’important,c’esttoujoursquelepersonnageoulespectateur,ettousdeuxensemble,de-viennentvisionnaires.”(Deleuze1985:30).152. “Lasituationpurementoptiqueetsonoreéveilleunefonctiondevoyance(…)”(Ibid).

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antes,temopoderderestituiracrençanomundo,eassim,aomesmotempoquepetrificaopensamento,ressuscita-o.

Conclusão:“Pensaréescutarever.”153

1. A imaginação/imagem dá muito que pensar.

“Bref,lecinémanemetpasseulementlemouvementdansl’image,illemetaussidansl’esprit.”154 Aimagem-movimentoimprimevelocidadenopensa-mento: princípio vivificante. SegundoKant,umaideiaestéticaéuma“representa-çãodafaculdadedaimaginaçãoquedámuitoquepensar”155.Senousodoco-nhecimentoaimaginaçãoestásobojugodoentendimentoetemdeseadequaraosseusconceitos,nousoestéticoaimaginaçãojogalivremente.

A imaginaçãopartedeumconceitoeprocura,ousa,apresentá-lo.Trans-formandoamatériaoferecidapelanaturezanumanaturezaoutra156,aimagina-çãoapresentaumaideiaqueampliaesteticamenteedemaneirailimitadaocon-ceitoqueprocuratornarsensível.Nenhumalinguagempodeexplicarporinteiroarepresentaçãoproduzidapelaimaginação,contudo,umavezconfrontadocomamesma,oentendimentoesforça-seporpensar,procuraumconceitoaoqualaapresentaçãopossasersubmetida157,procurainfinitaeinfindávelqueoanima,vivifica,colocaemmovimentoasfaculdadesefortalece-as.

O princípio vivificante da imaginação kantiana - faculdade poderosae criadora que dámuito que pensar - encontra-se no cinema.No cinema, aimagemforçaapensar.Ocaminhokantianoconvergecomodeleuzeanomasinversamente:opoetaemKantpartedeumconceitoparaumaimagem(ideiaestética)queoampliaeforçaoentendimentoapensar;ocineastapartedeumaimagemquesuscitaumconceitoeforça,também,apensar.

Kantprocuraassimumaarticulaçãoentreentendimentoeimaginação,conceitoeimagem.Masépossívelperguntar:haveráumaverdadeiracriaçãodeconceitosoupensamossomenteporimagens?

153. Heidegger,citadoem(Ricœur1983:428)Cf:O Princípio da Razão (Der Satz com Grund,1957,VI).154. Deleuze1986:26.155. Kant2017:233.156. “Afaculdadedaimaginação(enquantofaculdadedeconhecimentoprodutiva),émuitopo-derosanacriaçãocomoquedeumaoutranaturezaapartirdamatériaqueanaturezaefetivalhedá.”(Ibid.)157. “Ora,seforsubmetidaaumconceitoumarepresentaçãodafaculdadedaimaginação,quepertenceàsuaapresentação,masporsisódátantoquepensarquejamaisdeixacompreender-senumconceitodeterminadoeporconseguinteampliaesteticamenteopróprioconceitodemaneirailimitada,entãoafaculdadedaimaginaçãoé criadoraepõeemmovimentoafaculdadedeideiasintelectuais(arazão)”.(Kant2017:234).

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ÉesteoâmagodadiscussãoentreDerrida-Ricœur. Ricœurcoloca-senalinhadepensamentokantianaedáaverariquezadeumaarticulação158entreodiscursopoéticoeodiscursoconceptual,discursoondeaconteceumadobrareflexivaemquealinguagemdedistanciadesimesmaearticula-senumdiscursoforadametáfora,pensando-se.

Contudo,paraDerrida(nalinhadepensamentodeNietzsche)ocon-ceitoéumaerosãodametáfora,oresultadodeumausura,oqueimplicaaceitarque“odiscursosobreametáforaseja,elepróprio,aprisionadopelametafori-cidadeuniversaldodiscursofilosófico.”159Derridatraçaumlongodesenhodemetáforasesquecidasqueseencontramcomoconceitosnodiscursofilosófico.Estepartenãoapenasdoconceitodeusuramastambémdoconceitohegelianode(supra-)superação,Aufhebung: ametáforamortajoga-sena“aequaçãoentrea usuraqueafectaametáforaeomovimentodeascendênciaqueconstituiaformaçãodoconceito.”160Umavezmorta,ametáforadálugaraoconceito.

Derrida procura denunciar a metáfora no texto filosófico, circulovicioso visto que o texto filosófico, segundoDerrida, é ele próprio fundadoemmetáforaseaoclassificar todasasmetáforas restaria sempreaúltimadasmetáforas,aquela“semaqualnãoseteriaconstruídooconceitodemetáfora.”161

Arelaçãoentrecinemaefilosofiajogacomarelaçãoentreimagemeconceito. SeDeleuze extrai conceitos das imagens, é porque esses conceitosaindanãoestãodadosdiretamentenaimagem,afilosofiatemdeoscriar.Talsignificaqueoconceitovemdaimagem,oquepoderiaimplicarcolocar-senaposiçãodeDerrida.Parece-nosquealinhadepensamentodeDeleuzeencontratalvezumoutrocaminho.Oscineastaspensamcomimagenseosfilósofosporconceitos, há uma ligação,mas o conceito não se deduz necessariamente daimagem, ele é criado, em simesmo umamultiplicidade (todo fragmentário),criadopararesponderaumanecessidade,aumproblema,eoconceitoestáemmutaçãomedianteosproblemas,variandocomosfilósofosqueospovoamnoseuplanodeimanência.

2.Ocinema.“leproblèmedelapenséec’estlavitesseinfinie”162

Autómatos, homens-máquina, múmias e vampiros são personagensprópriasdocinemadesdeoseunascimento.Ocinemaéelemesmoumautó-

158. “Esteestudoé,noessencial,adefesadapluralidadedosmodosdodiscursoedaindepen-dênciadodiscursofilosóficoemrelaçãoàs proposiçõesdesentidoedereferênciadodiscursopoético.”(Ricœur1983:10).159. Ibid: 435.160. Ibid: 434.161. Derrida1986:280.162. DeleuzeeGuattari2005:38.

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mato,(máquina,aparelhoinsufladodeespírito)queatravésdosseusprocessoseencadeamentospensa,faz-sepensamentoimagético.

Umacontecimento/ritual:oespectador,oaparelho,asala,oescuro,aluz.Ondeestáaimagem?Dentro,fora,entre?Natela,atrásdacabeça,nofeixedeluz?Dentroefora,osolhoscomoasjanelas,membranaquepõeemcontactoumdentroeumfora.

A imagem pensa, ela é pensamento imagético, circuitos cerebrais:o pensamento émovimento, a imagem émovimento.Não é a expressão dopensamento de um cineasta, há uma autonomia na imagem, é uma visão/discursoindiretolivre163;aimageméumcompostodepensamentosevisões,éprocessodepensamentoemato,imagempensantequeseencadeiaemsinapsescinematográficas,imagemcujacaracterísticaé pensar,mover-se.

Oquedistingueocinemaclássicodomoderno? Biologia do cérebro. Cri-térioestético:comotraçarnovoscaminhos, linhasde fuga,comocriarnovassinapses?“Lecinématoutentiervautpar lescircuitscérébralesqu’il instaure,justementparcequel’imageestenmouvement.”164

Diferentes imagens, diferentes circuitos, diferentes cérebros. O quesignificapensarcomocinema?Nocinemanãoépossívelpensaroquesequer,as imagensocupamo lugardos(nossos)pensamentos.Aconteceumchoque,hipnose,cine-transe.Senasoutrasartespodehaverumconviteàcontemplação,nocinemaháumaimersãonaprópriaimagem:“Onoublieoùl’onest.Desidéesétrangesenvahissentlesesprits,onestdemoinsenmoinsconscient”165.

Le cerveau, c’est l’écran:oquesevênatelaéocérebro,oseufuncionamen-to,aexpressãodopensamento.Cérebroclássico,cinemaclássico:composiçãoorgânica.Ocinemaclássicoéregidoporumaunidade,totalidadeorgânica.Aimagempensa eo autómatopensa coma imagem, a ummesmo tempo, emsintonia.Amontagemregeosprocessosdopensamento,a imagempensaaomesmotempoqueoespectadornumdesdobramentosimétrico.Éauniãodohomemcomanatureza(natureza não-indiferente),auniãodopensamentodoes-pectadorcomopensamentodaimagem.

Aimagem-movimento,pensadanoplanodeimanênciadeconstruídoporBergson,relaciona-secomaimagemdopensamentoclássico,ummodelodaverdade.Otempoédadoindiretamenteatravésdamontagem,estandoassimsubordinadoaomovimento,queacontecedeformaregular,organizadoporumcentro(aimagemviva)queé,maisdoqueumaimagempensante,umaimagemactuante.Oesquemada imagem-movimento, como seu forte laço sensorio-motor (ligação do homem com o mundo), organiza-se em função de umaação,organicamente.Contudo,ocinemapós-guerraestilhaçaestaharmonia,ohomemjánãosesenteelemesmoeavisãosubstituiaação.

Le cerveau, c’est l’écran: Ecrãpretooubranco,fenda(realidade íntima do cére-

163. Cf:Deleuze1985:239.164. Deleuze2005:86.165. MaximeGorki,Hier soir, j’étais au Royaume des Ombres(1896),citadoem:Leyda,J.(1996).Kino: Histoire du Cinéma Russe et Soviétique, trad.francesadeClaude-HenriRochat,Lausanne:ÉditionsL'Âge de’Homme,p. 473.

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bro),intervalo,interstício,placaopacaqueabsorvealuz,omovimento.Ocinemamodernoéinorgânico.Aconteceumarupturadolaçodohomemcomomundo,quebradoesquemasensorio-motor.Otempoemancipa-sedomovimentoqueé,doravante,aberrante,falso.Comarevoluçãokantianaotempodevémlimitenopensamentoefragmentaosujeito.Aimagem-cristalcolocaemjogoadistin-çãoentrerealeimaginário,verdadeiroefalso,fazendo-seanarraçãoessencial-mentefalsificante,opoderdotempocomodevir,podercriador.Éaimagemdopensamentomodernoearenúnciadeumaorientaçãoparaaverdade,abandonodeumqualquermodeloderepresentação.Aimagemnãorepresenta,elacria.Seaimagem-ação(sensorio-motor)éclichética166,condicionada,nassituaçõesóp-ticasesonoraspuras,aimageméinteira,intolerável.Ohomemjánão(se)podepensar.

Comopensar,umavezpetrificado?Nacondiçãodesetornarvidente: “Je dis qu’ilfautêtrevoyant,sefairevoyant.”167Cinema:desregramentodetodosossentidos:“LePoètesefaitvoyantparunlong,immenseetraisonnédérèglementdetouslessens.”168

Suportarodesfasamentodohomemcomomundofaz-senacondiçãodedevirnómada,renunciaraoseulugardeterminadonomundo:“nuncamaisdirei,sou isto,sou aquilo”169.Ocinemamodernoéumcinemadadeambulação,povoadoporpersonagenserranteseerráticos,-quetraçamlinhasdefuga,ativos170-visionários.

Aviolênciaqueforçaapensaré,aummesmotempo,aviolênciaqueretiraapossibilidadededizereu 171. “C’estfauxdedire : jepense :ondevraitdire : On me pense.”172 Oespectadorjánãopensaaomesmotempodaimagem

166. “Uncliché,c'estuneimagesensori-motricedelachose.”(Deleuze1985:32)167. LettredeRimbaudàPaulDemeny-15mai1871.Consultado em: https://fr.wikisource.org/wiki/Lettre_de_Rimbaud_à_Paul_Demeny_-_15_mai_1871 168. Ibid.169. VirginiaWoolf,citadoem:(DeleuzeeGuattari2007:54)(“orla,passeioàVirginiaWoolf (…)”).Daobra:Mrs Dalloway,“andshewouldnotsayof Peter,shewouldnotsayof herself,Iamthis,Iamthat.”Cf:Selected Works of Virginia Woolf,(2007)GreatBritain:WordsworthLibraryCollection,p.132.170. “Lalignedefuiteestunedéterritorialisation.(...)Fuir,cen’estpasdutoutrenoncerauxac-tions,riendeplusactif qu’unefuite.”Deleuze,G.(1977).Dialogues, avec Claire Parnet,Ed.Flammarion,p.47.Citadoem:http://vadeker.net/humanite/philosophie/vocabulaire_deleuze.pdf171. “(…)quelleviolencedoits’exercersurlapenséepourquenousdevenionscapablesdepen-ser, violenced’unmouvementinfiniquinousdessaisitenmêmetempsdupouvoirdedire Je?” (DeleuzeeGuattari2005:55).172. LettredeRimbaudàGeorgesIzambard-13mai1871.Consultado em : https://fr.wikisource.org/wiki/Lettre_de_Rimbaud_à_Georges_Izam-bard_-_13_mai_1871“Félixetmoi,etbeaucoupd’autresgenscommenous,nousnesentonspasprécisémentcommedespersonnes.”(Deleuze2005:193)“Nãodechegaraopontoemquejánãosedizeu,masemqueissojánãotemnenhumaimportânciadedizerounãodizereu.Jánãosomosnósmesmos.”(DeleuzeeGuattari2007:21).

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oucomaimagem,oespectadorvêaimagempensar,assisteaoeclodirdepen-samentos:“j’assisteàl’éclosiondemapensée :jelaregarde,jel’écoute”173.

Nãopensamossemnostornarmosoutracoisaquenãopensa(vegetal,molécula,múmia)174,masquerelançaopensamento.Nãoéprecisamenteissooautómatopetrificado,algoquenãopensa(oquepensaéaimagem),masassisteaoeclodirdospensamentosda imagempensante(serdopensamentosempreporvir),impensávelnopensamento,pensamentodoforaimpostoaoautómatonãopensantequeoespectadordevém175?

O espectador é um autómato petrificado - petrificado pelo choqueprovocadopelasimagens-e,senumprimeiromomentodocinema,ochoquepermitiaaoespectadorpensarcoma imagem,doravanteoespectador jánãopodepensar.Fazerdapetrificaçãoaessênciamotrizdopensamentoacontecena condição de se tornar vidente, o poder da visão: deixar-se penetrar pelopensamentodaimagem.Oquedámaisquepensaréqueaindanãopensamos,masospensamentosnãosãonuncaosnossos,opensamentoéacéfalo,asideias176eclodem,surgem,nascem.Opensamentoéintensificaçãodemaispensamen-to-pensamentoimanente177-,vaivémincessante,movimentoinfinitooudoinfinito.Mergulhar(plonger)nopensamentodaimagem.Opensamentoacontecenumencontro(“Lesyeux,leventre,c’estcelaunerencontre…”178),nocinemaesseencontroéaimagem-movimento,imagempensante,quesepensaepermiteaoespectadorassistiraoseupensamento,experimentaroseupensamento.

173. LettredeRimbaudàPaulDemeny-15mai1871.Consultado em: https://fr.wikisource.org/wiki/Lettre_de_Rimbaud_à_Paul_Demeny_-_15_mai_1871 174. “C’estqu’onnepensepassansdevenirautrechose,quelquechosequinepensepas,unebête,unvégétal,unemolécule,uneparticule,quireviennentsurlapenséeetlarelancent.”(DeleuzeeGuattari2005:44).175. “Etc’est justementde l’automateainsipurifiéques’empare lapenséedudehors,commel’impensabledanslapensée.Laquestionesttrèsdifférentedecelledeladistanciation;c’estcellede l’automatismeproprement cinématographique, et de ses conséquences. C’est l’automatismematérieldesimagequifaitsurgirdudehorsunepenséequ’ilimpose,commel’impensableànotreautomatismeintellectuel.”(Deleuze1985:233).176. “Consequently,farfrombeingthepropertiesorattributesof athinkingsubstance,theIdeaswhichderivefromimperativesenterandleaveonlybythatfractureintheI,whichmeansthatan-otheralwaysthinksinme,anotherwhomustalsobethought.Theftisprimaryinthought.”(Deleuze1994:199).177. “Lapenséen'apasd'autrefonctionnementquesaproprenaissance,toujourslarépétitiondesanaissance,occulteetprofonde.Ilditquel'imageadoncpourobjetlefonctionnementdelapensée,etquelefonctionnementdelapenséeestaussilevéritablesujetquinousramène aux images.”(Deleuze1985:215).178. (Deleuze1985:8)CenadofilmeUmberto D.,VittoriodeSica,1952.

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3. O que pode uma imagem?

“Onnesaitpasjusqu’oùpeutconduireunevéritableimage:l’importancededevenirvisionnaireouvoyant.”179

Constituindo-seocinemacomomatériaa-sginificante,pré-linguística,aindanãoestádeterminadaporqualquersistema,lei,enquadramento.Éumjogo180depurainvenção.Invençãodepossibilidadesdepensamento,possibilidadesdevisão.Sepensarécriareexperimentar,entãoaimagem-movimentoconstitui--secomoumtoposdeexperimentaçãoeaimaginaçãocomoa rainha das faculda-des 181.

“Apenaspormeiodoesquecerdessemundoprimitivodemetáforas,apenaspormeiodoendurecimentoedasolidificaçãodeumfluidooriginaria-menteincandescente,deumatorrentedeimagensemergentesdopoderoriginá-riodaimaginaçãohumana,apenaspormeiodacrençainabaláveldequeestesol,estajanela,estamesasejamumaverdadeemsi,numapalavra,apenasporqueohomemseesquecedesienquantosujeito,eenquantosujeito criador e artístico,viveelecomalgumdescanso,segurançaecoerência.”182

Pensaré perigoso 183:afrontarocaosfaz-senum(des)equilíbrioentreprudênciaeexcesso,sonhoeinsónia.Afilosofia,enquantoatividadecriadora,exigeumpoderdeimaginação,umsujeito criador e artístico, queprescindede algum descanso, segurança e coerência. Deixa-selevarpelaideia:oacontecimento.

Omundotornou-seimagem,masquantomaissetornaimagem,menospoderelatem.Aimagemtendeacairnocliché(subtraçãoouadição):ésubver-tida,alterada.Opoderdaimagem-tempo,dassituaçõesópticasesonoraspuras,estáemdaraimageminteira,nemmaisnemmenos,juste une image.Devolveràimagemoseuseredotaropensamentodepoderfazem-seaummesmotempo:aimportânciadesetornarvidenteouvisionárioévital.

Pensamentoemvelocidade,movimento infinito-até onde a imagem levar.

179. Deleuze1985:33.180.“Cinemaisagame.”MiguelGomes,cf:https://cinema-scope.com/cinema-scope-magazi-ne/interviews-the-rules-of-the-game-a-conversation-with-miguel-gomes/181. Baudelaire:“Mystérieusefacultéquecettereinedesfacultés!”Salonde1859(Revuefrançaise,juin-juillet 1859), consultado em: http://irom.wn.uw.edu.pl/wp-content/uploads/2016/11/BAUDELAIRE-2.pdf182. Nietzsche 1997: 224.183. «Antesmesmodeprescrever,deesboçarumfuturo,dedizeroquecumprefazer,antesmes-modeexortarouapenasdealertar,opensamento,aoníveldasuaexistência,desdeasuaformamaismatinal,é emsiumaacção-umactoperigoso.”(Foucault2018:431)

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