Defesa Da Concorrência E Eficiência Econômica: Uma Avaliação ...
Transcript of Defesa Da Concorrência E Eficiência Econômica: Uma Avaliação ...
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA
DEFESA DA CONCORRÊNCIA E EFICIÊNCIA ECONÔMICA: UMA AVALIAÇÃO
DOS CASOS AMBEV E NESTLÉ-GAROTO
Guilherme Baptista da Silva Maia Tese de Doutorado apresentada, sob orientação do Prof. Dr. Mario Luiz Possas, ao Instituto de
Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Doutor em Economia.
Rio de Janeiro – março de 2005
RESUMO
Ao longo dos últimos anos a análise antitruste sofreu crescente influência do enfoque da
eficiência, um critério que estabelece como principal objetivo das políticas de defesa da
concorrência a promoção de um máximo de eficiência econômica. Neste contexto, a avaliação
dos atos de concentração passou a ser realizada considerando-se a ponderação entre as perdas
de eficiência alocativa derivadas do exercício do poder de mercado e os possíveis ganhos de
eficiências produtivas, com o intuito de estabelecer qual o efeito líquido da operação. Com
base neste critério as autoridades de defesa da concorrência podem aprovar atos de
concentração que criem ou reforcem a posição dominante, se ficar demonstrado que o efeito
líquido é um aumento da eficiência econômica.
O objetivo desta tese é determinar quais os limites de aplicação do critério de eficiência
na aprovação de atos de concentração nos quais a criação ou reforço da posição dominante for
acompanhada por eficiências compensatórias. Para tanto, investiga o significado do conceito de
eficiência econômica em sua atual aplicação na análise antitruste, bem como a forma pela qual
ele foi incorporado pelas principais legislações. A seguir analisa como este critério foi
importante em dois destacados casos na experiência brasileira recente – Ambev e Nestlé-
Garoto – concluindo que, nos dois casos, a avaliação das alegações de eficiências produtivas
foi o fator primordial nas decisões do CADE.
Por fim conclui-se que – dado que o objetivo das autoridades de defesa da concorrência
é assegurar a elevação do bem-estar – os atos de concentração que impliquem elevação ou
reforço da posição dominante e gerem eficiências compensatórias só poderão ser parcialmente
aprovados se for possível impor soluções estruturais que possam, por meio da manutenção da
dinâmica concorrencial, garantir o repasse ao consumidor do ganhos de eficiência auferidos.
Palavras-chave: Defesa da Concorrência, Eficiência Econômica e Atos de Concentração.
2
ABSTRACT
Over the past few years, antitrust analysis has been increasingly influenced by
efficiency approach, a criterion which establishes the principal objective of antitrust policy as
the promotion of maximum economic efficiency. Within this context, the evaluation of
mergers and acquisitions are made through the analysis of the trade-off between reductions in
allocative efficiency due the increase in market power and increases in productive efficiency,
in order to establish the net effect of the operation. With this criterion antitrust authorities can
authorize mergers that create or strengthen a dominant position if they increase economic
efficiency.
The aim of this thesis is to determine the application’s limits of the efficiency approach
on clearing mergers in which the creation or strengthening of a dominant position goes with
compensatory efficiencies. It investigates the significance of the concept of economic
efficiency in its current application to antitrust analysis, and how it has been incorporated into
major legislation. It will also analyze two important mergers of recent Brazilian experience to
which this criterion was applied: the cases of Ambev and Nestlé-Garoto. This thesis argues that
the primary factor in the CADE´s decisions in each case was the evaluation of claims of
productive efficiency.
This thesis concludes that – as the aim of the antitrust authorities is to increase welfare
– mergers that create or strengthen a dominant position and goes with compensatory
efficiencies can only be authorized if it’s possible to enforce structural remedies that may,
through the maintenance of the competitive dynamics, guarantee the pass on to consumers of
the obtained gains of efficiency.
Key words: Antitrust, Economic Efficiency and Mergers.
3
A meus pais
A meu filho
4
Agradecimentos
A elaboração de uma tese de doutorado é uma tarefa longa e essencialmente solitária.
Em tal processo poder-se-ia pensar que não há o que agradecer, posto que, em suma, tudo é
fruto de um esforço individual. Engano. Em poucos momentos somos tão dependentes da ajuda
de todos, quero dizer, todos, que direta ou indiretamente colaboraram para o sucesso desta
empreitada, seja pela amizade, seja pelo apoio, seja pela simples convivência.
Contudo, há aqueles que, de certa forma, participaram mais proximamente deste
processo. No Instituto de Economia tive a fortuna de conviver e ser aluno de grandes mestres
e, dentre estes, gostaria de destacar meu respeito e admiração por Fernando José Cardim de
Carvalho. Suas aulas, espírito e incentivo muito ajudaram em meu desenvolvimento.
Qualquer agradecimento a Mario Luiz Possas sempre será insuficiente. Desde os
tempos de mestrado tive a boa sorte de ser seu aluno em várias disciplinas e, na elaboração
desta tese, contei com sua inestimável ajuda para encontrar caminhos, evitar armadilhas e
atalhos duvidosos. Desnecessário dizer que qualquer equívoco porventura existente deve-se
exclusivamente a minha teimosia. Ter sido seu aluno foi uma felicidade. Tê-lo como orientador
foi um privilégio.
Aos amigos e colegas da Universidade Candido Mendes, com um especial
agradecimento aos Professores Hélcio Gadret e José Cláudio Ferreira da Silva pelo apoio,
compreensão e amizade.
A amiga Ludmila Cantamissa um agradecimento especial pelo apoio, tão importante,
em tantos momentos. A amiga Riva Karen Heskiel um muito obrigado pelo constante
incentivo. Ao amigo de tantos anos Eduardo Alves um grande abraço.
A minha família, minha irmã, meus pais e meu filho Felipe.
5
Sumário
Introdução 8 Capítulo 1 – Eficiência na Teoria Econômica e sua Aplicação na Análise Antitruste 15 1.1 – O Critério de Pareto e suas Limitações 16 1.2 – Eficiência de Pareto e o Equilíbrio Competitivo 23 1.3 – Eficiência Alocativa e Análise Antitruste 33 1.4 – Critérios Alternativos de Eficiência Econômica 42 1.5 – Conclusão 55 Capítulo 2 – Eficiência na Norma Antitruste 60 2.1 – A Referência Internacional 61 2.1.1 – Horizontal Merger Guidelines 63 2.1.2 – European Community Merger Regulation 78
2.2 – A Legislação Brasileira 91 2.2.1 – O Artigo 54 da Lei 8884/94 e as Resoluções nº 5 e nº 15 do CADE 95 2.2.2 – O Guia para Análise dos Atos de Concentração SEAE/SDE 98
2.3 – Considerações Finais 105 Capítulo 3 – Eficiência no CADE: Os Casos Ambev e Nestlé-Garoto 108 3.1 – Antecedentes 109
3.2 – O Caso Ambev 114 3.2.1 – A Definição dos Riscos à Concorrência 115 3.2.2 – Análise das Eficiências no Caso Ambev 126 3.2.3 – A Decisão do CADE 139 3.2.4 – Conclusão 149 3.3 – O Caso Nestlé-Garoto 156 3.3.1 – Estabelecendo os Riscos à Concorrência 158 3.3.2 – Avaliação das Eficiências Alegadas 170 3.3.3 – A Decisão do CADE 184 3.3.4 – Conclusão 190 Conclusão 194 Referências Bibliográficas 206
6
Lista de Ilustrações
Ilustração Título pág
Figura 1 Equilíbrio da Troca na Caixa de Edgeworth 18 Figura 2 Fronteira de Eficiência de Pareto 20 Figura 3 Princípio da Compensação 21 Figura 4 Equilíbrio Parcial Competitivo e Excedente Agregado Total 32 Figura 5 Eficiência vs. Concorrência no Equilíbrio Parcial 33 Figura 6 O Trade-off entre o “Peso Morto” e o Ganho de Eficiência
Produtiva Decorrente de um Ato de Concentração Horizontal
37
Quadro 1 Atos de Concentração e seus impactos sobre a Eficiência 59
Tabela 1 Refrigerantes Carbonatados – Participação Percentual em Volume, por Mercado Relevante SEAE e Total Brasil, 1999
117
Tabela 2 Cerveja – Participação Percentual em Volume, por Mercado Relevante SDE e Total Brasil, 1998/1999
118
Quadro 2 Eficiências Esperadas no Caso Ambev 127
Quadro 3 Comparação da Análise Qualitativa das Eficiências no Caso Ambev
134
Quadro 4 Comparativo dos Pareceres e Votos do Ato de Concentração 08012.005846/99-12 (Ambev)
147
Tabela 3 Estrutura da Oferta – Participação Percentual com Base no Faturamento 2001, por Mercado relevante SEAE
161
Tabela 4 Participação Percentual da Nestlé nos Mercados Relevantes SDE, Antes e Depois da Operação, 2001
162
Quadro 5 Análise Qualitativa da SDE das Eficiências Alegadas pela Nestlé 173 Quadro 6 Eficiências Alegadas pela Nestlé (Trevisan) 175 Quadro 7 Comparação da Análise Qualitativa das Eficiências no Caso
Nestlé-Garoto 183
7
INTRODUÇÃO
Em uma economia cada vez mais marcada pela globalização produtiva e financeira, as
empresas são obrigadas a constantes reestruturações para se adaptarem a um mundo em
permanente mutação. Nesta dinâmica competitiva surge, freqüentemente, espaço para acordos,
fusões e incorporações que, a despeito de fortalecerem a posição das empresas envolvidas,
podem implicar prejuízos para a sociedade como um todo. É neste contexto, cada vez mais
atual, que se insere a defesa da concorrência.
A defesa da concorrência tem, essencialmente, o objetivo de preservar os ambientes
competitivos, inibindo a criação, reforço ou exercício do poder de mercado. Em linhas gerais,
as políticas de defesa da concorrência atuam em duas vertentes principais: (i) quando os
agentes econômicos, respaldados em suas posições nos mercados relevantes, adotam
comportamentos danosos à concorrência (práticas restritivas), e (ii) quando os atos de
concentração implicam uma elevada concentração da oferta, acarretando uma redução da
rivalidade no mercado relevante.
No primeiro caso, a atitude das autoridades antitruste visa influir sobre a conduta das
empresas de forma a manter a concorrência. As práticas restritivas horizontais são usuais nos
mercados concentrados e têm o intuito de restringir a ação de concorrentes, seja por meio da
formação de cartéis (que visem, por exemplo, à limitação de quantidade produzida para elevar
8
o preço de mercado), seja por qualquer outro tipo de cooperação entre um grupo de empresas
que objetive reduzir a concorrência. Por outro lado, as práticas restritivas verticais visam criar
obstáculos ao longo da cadeia produtiva, como, por exemplo, fornecedores que discriminam
preços ou impõem cotas às empresas compradoras, impõem vendas casadas ou acordos de
exclusividade, fixam preços de revenda, etc...
A segunda linha de ação é o controle preventivo de caráter estrutural, isto é, a
avaliação de atos de concentração horizontais e verticais. Concentrações horizontais
correspondem às fusões e aquisições entre empresas concorrentes em um mesmo mercado
relevante. Já atos de concentração vertical referem-se a fusões e aquisições entre empresas que
se relacionam ao longo de uma cadeia produtiva. Podem ainda ser consideradas as fusões e
aquisições conglomeradas, isto é, aquelas realizadas entre empresas que, operando em
mercados relevantes distintos, mantêm alguma relação estratégica, de tal forma que a operação
seja capaz de inibir alguma entrada potencial.
Tradicionalmente, as autoridades de defesa da concorrência baseiam suas regras de
atuação em conceitos de organização industrial derivados do modelo estrutura-conduta-
desempenho (E-C-D) que, a partir do final dos anos 50, foram gradativamente incorporados à
análise antitruste.1 Com base na estrutura de mercado (concentração da oferta, barreiras à
entrada, etc...) busca-se inferir as condutas das empresas (políticas de preços, gastos em P&D,
etc...), definindo o desempenho do mercado. Por exemplo, se uma fusão entre duas empresas
acarreta uma concentração significativa da oferta elevando o poder de mercado das empresas
fusionadas, e as condições vigentes neste mercado (condições de demanda, barreiras à entrada,
rivalidade) forem propícias ao exercício deste poder, a nova empresa provavelmente incorrerá
em atitudes danosas à concorrência, com implicações sobre o nível de eficiência alocativa.
Neste contexto, caberia à autoridade de defesa da concorrência impor restrições que
minimizassem estes efeitos e, na impossibilidade de fazê-lo, proibir a operação. Note-se que,
até este momento, não há maiores preocupações com ganhos de eficiência.
1 Esta visão pode ser associada a uma corrente de pensamento, a chamada “Escola Estruturalista” ou “Escola de Harvard”. Ver Audretsch (1991).
9
As considerações sobre a eficiência econômica – usualmente identificada com a
eficiência alocativa estática – foram gradativamente ocupando o papel central no debate
antitruste, em especial a partir do surgimento da Escola de Chicago (corrente de pensamento
antitruste que priorizava a eficiência alocativa como objetivo da legislação). Progressivamente,
a avaliação dos atos de concentração e práticas restritivas passou a ser realizada considerando-
se a ponderação entre as prováveis perdas de eficiência alocativa derivadas do exercício do
poder de mercado e os possíveis ganhos de eficiências produtivas, com o intuito de estabelecer
qual o resultado final, isto é, qual o efeito líquido da operação sobre o bem-estar. Com isto,
abriu-se a possibilidade de que, mesmo nos casos em que fosse caracterizada a possibilidade de
abuso de poder de mercado, um ato de concentração fosse aprovado, bastando demonstrar a
existência de ganhos de eficiência produtiva que superassem as perdas decorrentes do exercício
esperado do poder de mercado.
Com a incorporação dos ganhos de eficiência à análise antitruste, completa-se o
referencial básico para a análise dos atos de concentração usado pelas principais autoridades de
defesa da concorrência em todo o mundo. Sucintamente, (i) identificam-se o mercado relevante
e as firmas participantes e, então, mensura-se o grau de concentração resultante da operação,
com vistas a avaliar seu impacto estrutural; (ii) avalia-se a probabilidade de abuso do poder de
mercado, seja individualmente, seja pelo estabelecimento de acordos; (iii) avaliam-se as
condições de entrada, isto é, a probabilidade de novas firmas passarem a atuar no mercado
relevante de forma rápida e com uma produção suficiente para contestar as empresas
estabelecidas; e (iv) nos casos em que se concluir que a operação implicará danos à
concorrência, analisam-se as eficiências compensatórias.
É interessante notar que a introdução da apreciação dos ganhos de eficiência no centro
da análise antitruste implica a avaliação caso a caso ou, como é conhecida no jargão antitruste,
a utilização do princípio da razoabilidade ou regra da razão (rule of reason). Cada operação
que acarretar algum prejuízo à concorrência terá que ser avaliada em separado, pois só desta
forma será possível ponderar os ganhos de eficiência produtiva e estimar o resultado líquido
para o bem-estar.
10
Percebe-se o quão fundamental tornou-se ao debate antitruste contemporâneo ponderar
em que extensão os atos de concentração podem potencializar ou obstruir eficiências. É
justamente neste contexto – o conceito de eficiência e sua aplicação enquanto critério de
aprovação de atos de concentração que possam implicar danos à concorrência – que se inserem
os objetivos desta tese, quais sejam:
i) Verificar, utilizando como referencial as normas norte-americana, européia e
brasileira, em que medida os ganhos de eficiência foram incorporados à norma
antitruste, estabelecendo os limites legais de aplicação do critério;
ii) Verificar como o conceito de eficiência econômica foi utilizado empiricamente na
análise dos casos Ambev e Nestlé-Garoto, identificando os critérios efetivamente
adotados na sua avaliação. Determinar se a definição de parâmetros consensuais
pela norma implicou numa avaliação objetiva das alegações de eficiências;
iii) Avaliar a importância das alegações de eficiência nos casos supracitados,
determinando sua relevância na decisão do Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (CADE);
iv) Determinar, com base no exposto, quais os limites de aplicação do critério de
eficiência na aprovação de atos de concentração nos quais a criação ou reforço da
posição dominante for acompanhada por eficiências compensatórias.
Para atingir estes objetivos, esta tese foi estruturada em três capítulos que tratam,
respectivamente, do significado do conceito de eficiência econômica, da sua incorporação à
norma antitruste e, finalmente, de sua aplicação na experiência brasileira recente, nos casos
Ambev e Nestlé-Garoto.
O ponto de partida é, portanto, a definição do conceito de eficiência e sua utilização na
defesa da concorrência. Embora seja aceito por grande parte da literatura antitruste, o conceito
de eficiência alocativa estática não é a única expressão da eficiência econômica, havendo
outros critérios de eficiência reconhecidos como relevantes na avaliação de atos de
concentração, em especial àqueles ligados à diferenciação, aos custos de transação e ao
11
desenvolvimento de novos produtos e processos (eficiências dinâmicas). Neste sentido,
ampliou-se o escopo da análise e os próprios critérios utilizados para avaliar as alterações no
nível de bem-estar social decorrentes de atos de concentração.
O primeiro capítulo foi organizado em cinco seções, com a primeira destacando o
critério de Pareto, seu significado e suas limitações. A segunda seção utiliza os teoremas de
bem-estar social para estabelecer a relação entre os mercados competitivos e o critério de
Pareto. A terceira seção dedica-se ao conhecido modelo de Williamson (1968), que apresentou
o trade-off entre os ganhos de eficiência produtiva e o “peso morto” oriundo do poder de
mercado obtido com a fusão. Nas seções seguintes analisam-se os critérios alternativos de
eficiência econômica e são tecidos alguns comentários finais.
O capítulo seguinte visa responder à primeira indagação desta tese, examinando o
processo de incorporação das eficiências às normas antitruste. Tomando como referência as
normas norte-americana e européia, avalia-se a crescente incorporação do argumento. No caso
norte-americano, a princípio, os ganhos de eficiência eram associados a tentativas de destacar-
se da concorrência e obter poder de mercado, sendo, com isso, encarados com certa hostilidade
pelas autoridades antitruste. A mudança no tratamento dado à questão pode ser avaliada pelo
papel atribuído às eficiências no principal instrumento de referência utilizado para analisar os
atos de concentração horizontal nos E.U.A, o Horizontal Merger Guidelines. Originalmente
lançado em 1968, pelo Departamento de Justiça norte-americano (DOJ), o guia sofreu diversas
revisões e ampliações, que culminaram na versão atual – publicada em 1997 em conjunto com
a Federal Trade Commission (FTC) – com alterações que se referem exatamente à avaliação
das eficiências.
Na União Européia, os atos de concentração são avaliados a partir das diretrizes
estabelecidas no European Community Merger Regulation (ECMR). Até recentemente não
havia na norma européia um reconhecimento explícito do papel das eficiências e, à semelhança
do que ocorrera nos E.U.A., o argumento era visto com desconfiança. O sistema de controle de
atos de concentração da Comunidade Européia tornou pública, em 2004, uma ampla revisão de
12
seu regulamento, que incluiu a publicação de um guia de fusões horizontais. Dentre as
alterações realizadas, destaca-se o reconhecimento do papel relevante dos ganhos de eficiência
e sua incorporação formal ao arcabouço analítico de avaliação dos atos de concentração pela
Comissão Européia.
Em seqüência, o segundo capítulo trata da legislação brasileira de defesa da
concorrência, norteada pela Lei 8884 de 11 de junho de 1994. Os atos de concentração são
norteados pelo artigo 54 que, em seu 1º parágrafo, estabelece os condicionantes (dentre os
quais os ganhos de eficiência) para a aprovação de concentrações que possam ameaçar a
concorrência. O exame do papel atribuído às eficiências no Guia para Análise Econômica dos
Atos de Concentração, utilizado pela Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) do
Ministério da Fazenda e pela Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça,
completa o capítulo.
O terceiro capítulo busca responder aos objetivos restantes desta tese, estabelecendo
como os ganhos de eficiência foram avaliados empiricamente pelas autoridades de defesa da
concorrência no Brasil – o chamado Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, composto
pela SEAE, SDE e pelo CADE – em dois casos que se destacaram entre os julgamentos de atos
de concentração realizados recentemente. Ambos os casos tiveram intensa repercussão na
mídia, por estarem relacionados à produção de bens de consumo popular em todas as classes
sociais e representarem uma elevada concentração da oferta, potencialmente danosa aos
consumidores.
Antes da apreciação dos casos propriamente dita, considerou-se necessário proceder a
uma breve avaliação das primeiras interpretações sobre o papel das eficiências nos julgamentos
do CADE. Como se verá, houve um período de debate sobre a interpretação da Lei até que se
estabelecesse um consenso de que a avaliação das eficiências só seria necessária nos casos em
que houvesse, de fato, uma ameaça à concorrência.
13
A seguir, avaliaram-se os casos Ambev e Nestlé-Garoto. Para examinar a forma pela
qual as alegações de eficiência foram apreciadas e a importância que assumiram na decisão do
CADE optou-se por segmentar cada caso em quatro seções. Primeiramente, se analisa como as
Secretarias (SEAE e SDE) e os Conselheiros do CADE estabeleceram se as operações
representavam uma ameaça à competição, a partir da definição dos mercados relevantes e das
condições para o abuso da posição dominante. Em seguida, são analisados os critérios
utilizados para proceder à avaliação dos ganhos de eficiência alegados pelas requerentes para,
na seqüência, se examinar a decisão do CADE. A última seção apresenta as conclusões obtidas.
Por fim, o último capítulo sistematiza as principais conclusões obtidas ao longo desta
tese e expõe algumas considerações adicionais sobre as limitações e a relevância das alegações
de eficiência, avaliando, ainda, a aplicação do argumento a casos concretos na prática
antitruste.
14
CAPÍTULO 1 – EFICIÊNCIA NA TEORIA ECONÔMICA E SUA APLICAÇÃO NA
ANÁLISE ANTITRUSTE.
Desde meados da década de setenta, vem ganhando destaque na legislação antitruste a
consideração dos ganhos de eficiência oriundos de práticas restritivas e atos de concentração.
Tornou-se fundamental a esta análise ponderar em que medida atos de concentração e a
cooperação entre empresas podem potencializar ou obstruir eficiências. Em geral, grande parte
da literatura antitruste vem sistematicamente incorporando a noção de eficiência alocativa
estática como sinônimo de bem-estar social e identificando, neste conceito, um objetivo
essencial da legislação de defesa da concorrência. Mais recentemente, os critérios de eficiência
reconhecidos como relevantes na avaliação destes atos foram sendo ampliados.
Este capítulo tem como objetivo definir os conceitos de eficiência econômica e a
maneira pela qual eles têm sido utilizados na análise antitruste.2 Para tanto ele está organizado
em cinco seções. Na primeira seção se analisa o critério de Pareto, destacando não somente seu
significado, mas, sobretudo, suas limitações. Na segunda seção se estabelece a relação entre o
ótimo de Pareto e os mercados competitivos, com base nos teoremas de bem-estar social.
Destaca-se, em especial, a utilização do critério no âmbito do equilíbrio parcial, posto que este
é a principal base normativa na análise antitruste.
2 A exposição feita aqui é concisa, visando subsidiar a discussão sobre a forma pela qual as eficiências foram utilizadas na experiência brasileira recente. Neste sentido, passa ao largo de questões que, a despeito de sua relevância, não são essenciais para as questões tratadas nos capítulos subseqüentes. Para uma discussão detalhada do conceito de eficiência de Pareto e sua relação com a questão distributiva na análise antitruste ver Fagundes (2003).
15
Definidos os critérios, a terceira seção dedica-se a analisar como a eficiência alocativa
tem sido aplicada à avaliação dos atos de concentração a partir do já consagrado modelo de
Williamson (1968), que avalia o trade-off entre os possíveis ganhos de eficiência produtiva vis-
à-vis o “peso morto” decorrente da elevação do poder de mercado decorrente da fusão. A
despeito de sua “ingenuidade”, o modelo de Williamson é amplamente utilizado pela literatura
como referência para a análise antitruste.3
A quarta seção dedica-se aos critérios alternativos de eficiência econômica. O primeiro,
e mais antigo dos argumentos, refere-se aos ganhos de satisfação oriundos da diferenciação de
produtos. Por outro lado, embora as formas clássicas de redução de custos, tais como
economias de escopo e/ou escala sejam usualmente incorporadas à análise como uma forma de
eficiência produtiva redutora de custos, há outras variações de custos associadas aos atos de
concentração que, por sua natureza singular, merecem considerações adicionais. Dentre estes,
destacam-se os custos de transação, isto é, aqueles associados ao monitoramento e alteração
dos contratos imperfeitos. Na seqüência, incorpora-se à discussão os argumentos de ordem
dinâmica, centrados sobre o processo inovativo. Por fim, a última seção sistematiza os
resultados e tece alguns comentários adicionais.
1.1- O Critério de Pareto e suas Limitações.
Um dos problemas pioneiros da ciência econômica foi a busca por um critério que
definisse uma alocação eficiente de recursos. Desde que foi formulado nos primórdios do
século XX, o Ótimo de Pareto passou a ser gradativamente adotado a ponto de se tornar um
sinônimo de eficiência econômica.
3 Ver , dentre outros, Fisher et alii (1989), Hovenkamp (1993), Rule e Meyer (1991) eViscusi et alii (1992).
16
Seja A o conjunto de alocações econômicas factíveis, isto é, aquelas nas quais a
quantidade total de cada bem consumido não exceda a quantidade total disponível a partir da
dotação inicial de recursos e da capacidade produtiva. Uma alocação factível (x, y) será ótima
de Pareto se não houver nenhuma outra alocação (x’, y’) ∈ A tal que x’i f~ x i para todo
consumidor i e x’i f x i para algum consumidor i. Note que os parâmetros dos próprios
indivíduos são os únicos relevantes na determinação de sua satisfação – para se afirmar que um
indivíduo esteja melhor depois da mudança basta que ele prefira a nova situação.
Uma alocação que é ótima de Pareto utiliza os recursos iniciais e as possibilidades
tecnológicas da sociedade de forma eficiente no sentido de que não há outra organização de
recursos factível que possa melhorar a posição de um agente econômico sem que, em
contrapartida, haja uma piora na posição de outro.4 O ótimo de Pareto é um critério sobre a
utilização de recursos da sociedade, posto que uma alocação que seja Pareto dominada implica
desperdício destes recursos. Formulado para ser um critério objetivo de escolha entre alocações
alternativas do sistema econômico, o ótimo de Pareto tem, entretanto, diversas limitações.
Uma das mais relevantes é a existência de múltiplos equilíbrios. O argumento é
facilmente compreendido a partir do equilíbrio da troca entre dois indivíduos, sintetizado na
caixa de Edgeworth da figura 1 a seguir5. O eixo horizontal marca a quantidade do bem A e o
eixo vertical a quantidade do bem B, sendo que as dimensões da caixa – altura e comprimento
– representam as quantidades totais disponíveis do dois bens. As quantidades do indivíduo 1
são vistas a partir do ponto de origem O1, sendo as quantidades do indivíduo 2 representadas na
direção contrária com origem em O2. Os mapas de indiferença podem ser representados na
4 Nas palavras do autor: “Diremos que os membros de uma coletividade gozam, em determinada posição, do máximo de ofelimidade, quando se torna impossível encontrar-se um meio de afastar-se muito pouco desta posição, de tal maneira que a ofelimidade de que goza cada indivíduo desta coletividade aumente ou diminua. Isto significa que todo pequeno deslocamento a partir desta posição tem, necessariamente, como efeito, aumentar a ofelimidade de que gozam certos indivíduos e diminuir a de que outros gozam: ser agradável a uns e desagradável a outros”. Pareto (1906) p.193. O conceito de ofelimidade utilizado por Pareto equivale ao de utilidade: ver Pareto, op. cit, p.88. 5 A exposição feita aqui é sintética e visa tão somente focalizar um ponto específico da argumentação, qual seja, a multiplicidade dos equilíbrios de Pareto. Um tratamento mais detalhado pode ser encontrado em livros texto de microeconomia para pós-gradação. Ver, por exemplo, Kreps (1990) Cap.5, Mas-Colell et alli (1995) Cap. 15 e Varian (1992) Cap.17.
17
caixa, estando cada indivíduo tão melhor quanto mais afastada da origem for a curva de
indiferença que ele conseguir atingir.
Os pontos de tangência das curvas de indiferença – nos quais as taxas marginais de
substituição dos consumidores são iguais – representam alocações Pareto-eficientes porque
cada indivíduo não conseguirá elevar sua satisfação sem reduzir a do outro. Na figura 1 estão
representadas três alocações eficientes em Pareto, cada uma delas associada a uma distinta
distribuição dos dois bens. O conjunto de pontos para os quais as curvas de indiferença dos
indivíduos são tangentes estão assinalados pela curva de contato. Note que o critério de Pareto
não tem nada a dizer sobre a equidade ou não da distribuição. Na situação E o indivíduo 1
apropriou-se da maioria dos bens, enquanto na situação C ocorreu o contrário, sendo o
equilíbrio D representativo de uma distribuição mais equânime dos bens entre os
consumidores. Contudo, como todas são alocações eficientes em Pareto, não há motivo para
escolher-se uma em detrimento de outra.
Figura 1 – Equilíbrio da Troca na Caixa de Edgeworth
Bem A
O2
E
Bem B D Bem B
C
O1
Bem A Fonte: Elaboração Própria
18
Embora a quantidade consumida dos bens esteja positivamente relacionada à satisfação
que os indivíduos obtêm, a avaliação de qual equilíbrio seria melhor para a sociedade
envolveria a comparação entre as utilidades auferidas por indivíduos diferentes6, não havendo
consenso sobre a forma como tais comparações poderiam ser realizadas.7
Na medida em que há infinitas situações eficientes em Pareto, cada qual associada a
uma distinta alocação de recursos, cabe ressaltar que, por definição, só são comparáveis as
alocações de recursos que não violam o critério estabelecido. Dito de outra forma, só são
comparáveis em Pareto situações nas quais haja incremento na satisfação de um indivíduo sem
que haja perda para os demais. O argumento pode ser visualizado a partir da conhecida
fronteira de eficiência de Pareto para dois indivíduos, na qual no eixo das ordenadas mede-se a
utilidade total auferida pelo indivíduo um (u1) e no eixo das abscissas a utilidade obtida pelo
indivíduo dois (u2).8
Na figura 2 abaixo os pontos A e B são Pareto-eficientes, o que não ocorre com C.
Podem-se comparar as alocações A e C porque ao passo que o indivíduo um ganha utilidade
(u1 vs u1´), o indivíduo dois mantém a sua utilidade (u2). Ao comparar B e C temos uma maior
utilidade do indivíduo dois (u2´ vs u2) e a manutenção da situação de um (u1). Nesta situação
6 O critério de Pareto é usualmente expresso em termos de utilidade auferida. Uma alocação factível (x1,...,xI,, y1, ...yj) é um ótimo de Pareto se não houver outra alocação factível (x1´,...,xI´, y1´, ...yj´) tal que ui (xi´) ≥ ui (xi) para todo indivíduo i = 1,...,I e ui (xi´) > ui (xi) para algum indivíduo i. Mas-Colell et alii (1995, p. 558). Vale ressaltar que o critério repousa na impossibilidade de comparações interpessoais - que permitissem um balanço de perdas e ganhos – posto que uma alocação (x,y) só será melhor que outra (x´,y´) se ao menos um indivíduo a prefere e não houver ninguém que prefira (x´,y´) a (x,y). 7A discussão sobre a possibilidade de comparações interpessoais de utilidade esteve no centro das atenções da chamada Economia do Bem-Estar durante a década de 30. Em linhas gerais as comparações interpessoais, e conseqüentemente as questões distributivas, eram vistas como juízos de valor, “inferências éticas” de caráter não cientifico que deviam ser abandonadas em prol da objetividade do critério de Pareto. A questão permanece, em grande medida, controversa. Por exemplo: “Por motivos que não estão totalmente claros, as comparações interpessoais de utilidade foram então diagnosticadas como “normativas” ou “éticas”. Obviamente, é possível afirmar que comparações interpessoais de utilidade não fazem sentido e, de fato, são totalmente sem sentido – uma posição que julgo difícil defender, mas certamente não tenho dificuldade para compreender” Sen (1999, p.46). Para uma resenha do debate ver Mishan (1960). 8 Os pontos de uma curva de contato podem ser expressos de forma distinta por meio da fronteira de um conjunto de possibilidade de utilidades U. Seja U= {(u1, ...,uI) ∈ IRI: há uma alocação factível (x,y) tal que ui ≤ ui (xi) para i = 1,...,I. A Fronteira de Pareto é definida como: FP = {(u1, ...,uI) ∈ U: não há {(u´1, ...,u´I)∈U tal que u´i ≥ ui para todo i e u´i > ui para algum i. Ver, por exemplo, Mas-Colell et alii (1995) p.558.
19
pode-se afirmar que as alocações A e B são preferíveis a C. A generalização do argumento
poderia induzir a noção que alocações Pareto-eficientes são sempre superiores a alocações não
eficientes em Pareto.
No entanto, observe-se os pontos C e D. Embora o ponto D seja eficiente e o ponto C
seja in
Figura 2 – Fronteira de Eficiência de Pareto
u1
u1 A
u1 ́ C B
u1´´ D
u2 u2 ́ u2´´ u2
Fonte: Elaboração Própria.
eficiente em Pareto eles não são comparáveis, pois enquanto o indivíduo dois teve um
acréscimo de utilidade, o indivíduo um sofreu uma perda. A alteração nos níveis de utilidade
de ambos implica a necessidade de avaliação do resultado final em termos interpessoais,
tornando-se necessário mensurar o resultado líquido dos ganhos de satisfação de um indivíduo
conjuntamente com a perda de utilidade do outro. Como a comparação entre avaliações
subjetivas dos agentes econômicos viola a essência do argumento de Pareto, segue-se que as
alocações não são comparáveis.9 Mais ainda, uma alocação Pareto–inferior não é,
9 Justamente por considerar impossível quantificar utilidades Pareto se contrapôs à teoria cardinal e lançou as bases de uma teoria ordinal. Segundo Blaug (1978, p.732), para escapar a necessidade de fazer comparações interpessoais de utilidade, Pareto negou-se a avaliar os resultados de uma troca em termos de bem-estar social. Conseqüentemente seu critério renuncia à noção de um único ótimo social e estabelece em seu lugar um número infinito de ótimos não comparáveis
20
necessariamente, menos desejável do ponto de vista social, posto que pode representar uma
distribuição mais equânime.
Uma tentativa de superar essa limitação envolve a idéia que todas as alterações no
bem-estar individual podem ser expressas em termos de um valor monetário que o indivíduo
esteja disposto a pagar ou receber para compensá-lo pela mudança. Desta forma poder-se-ia
passar de uma situação Pareto-ineficiente para outra situação Pareto-eficiente mesmo com
alterações na distribuição – como nos pontos C e D na figura 2 –, desde que o perdedor fosse
compensado por meio de uma transferência do tipo lump-sum10.
O chamado princípio da compensação foi desenvolvido por Kaldor (1939) e Hicks
(1939, 1946), como parte do esforço pelo desenvolvimento de uma “nova teoria do bem-estar
social”. Pelo novo princípio, para que uma alocação seja potencialmente Pareto-superior à
outra basta que ela tenha uma realocação que seja superior em Pareto a essa outra. Na Figura 3
abaixo A é potencialmente Pareto-superior a B porque existem realocações de A – por
exemplo, A´ - que são Pareto-superiores.
Figura 3 – Princípio da Compensação
u1
uA´´1 A´´
uB´1 B´
uA1 A
uA´1
A´
uB1 B
uB´2 uA´´
2 uA2
uB2 uA´
2 u2
Fonte: Elaboração Própria.
10 Transferências lump-sum têm como característica não alterar as decisões dos agentes econômicos. Por exemplo, impostos e subsídios que não impliquem alterações de comportamento visando minimizar o imposto a ser pago ou maximizar o subsídio recebido.
21
Scitovsky (1941), em artigo hoje clássico, questionou a consistência lógica do Principio
da Compensação, argumentando que sob determinadas condições é possível se observar um
paradoxo no critério. Na Figura 3 podemos afirmar que B é potencialmente Pareto–superior a
B´ porque tem uma realocação (A´´) que é superior em Pareto a B´. Por outro lado, também se
pode afirmar que B´ é potencialmente superior em Pareto a B porque tem uma realocação (A´)
que é Pareto-superior a B. Com o intuito de contornar este problema propôs outro critério
conhecido como teste reverso de Scitovsky, no qual além da compensação torna-se necessário
que não haja uma realocação da situação original potencialmente Pareto-superior à nova
alocação (vale dizer, as fronteiras de eficiência não se cruzam).
Em uma tentativa de abordar a questão distributiva Little (1949) propôs que qualquer
critério que objetivasse melhorias no bem-estar deveria levar em conta a distribuição. O autor
agregou aos critérios anteriores – a compensação e o teste reverso de Scitovsky – um terceiro
critério, qual seja, que a nova alocação resulte em uma distribuição de renda melhor que a
anterior11.
A questão distributiva permaneceu como um ponto de constante questionamento da
solução de Pareto como critério geral de avaliação do bem-estar da sociedade, até que o
mainstream adotou a proposta de Bergson-Samuelson de construir uma função de bem-estar
social capaz de revelar, por meio de uma ponderação das utilidades, como a sociedade avalia a
distribuição. Neste sentido, manifesta-se algum juízo de valor sobre as utilidades individuais,
criando uma hierarquia que garanta a agregação e permita escolher, entre as diversas situações
Pareto-eficientes, o ótimo social. O critério de Pareto passa a ser uma condição necessária, mas
não suficiente, para avaliar o bem-estar social, pondo-se em relevo a distribuição de riqueza
desejável pela sociedade.12
11 Segundo Mishan (1960, p.230, nota 1) Gorman (1955) demonstrou que, na presença de grandes diferenças na distribuição, o teste reverso de Scitovsky enfrenta problemas de transitividade que podem levar a uma indeterminação cíclica. Ainda segundo o autor, como o critério de Little estabelece uma distribuição de renda “aceitável” antes da mudança, estaria livre desta contradição. 12 Ver Bergson (1938) e Samuelson (1956). Em geral, uma função de bem-estar social tem a forma: W = w (u1,...ui) com ∂w/ ∂wui > 0, para todo i, garantindo que a elevação na utilidade de qualquer indivíduo i eleva o bem estar da sociedade (W). Se a alocação inicial não for um ótimo de Pareto, há pelo menos um indivíduo que pode
22
A despeito de suas limitações – multiplicidade de soluções, não incorporação da
questão distributiva e a existência de estados não comparáveis – o ótimo de Pareto permanece
sendo o principal critério de alocação de recursos na teoria econômica. A utilização do
conceito enquanto sinônimo de eficiência e sua respectiva utilização na análise antitruste
dependem, em especial, de sua aplicabilidade na avaliação de estruturas de mercado.
1.2 – Eficiência de Pareto e o Equilíbrio Competitivo.
Definido o critério, cabe determinar quais as condições necessárias para a economia
operar de forma eficiente. Diz-se que uma economia está operando de forma Pareto-eficiente
se forem respeitadas três condições, conhecidas como condições marginais de Pareto:
eficiência na troca, eficiência produtiva e eficiência de produção agregada.
Conforme exposto, a eficiência na troca significa que a sociedade distribuiu os bens
produzidos de forma Pareto-eficiente se não for possível elevar a utilidade de pelo menos um
de seus membros sem piorar a de outro. Para um determinado número de bens que devem ser
distribuídos entre os membros de uma sociedade, esta condição será atendida quando a taxa
marginal de substituição para cada par de bens – ou a razão entre as utilidades marginais - for
igual para todos os consumidores. Neste caso, cada um dos membros desta sociedade terá
melhorar sem que ninguém piore, podendo-se aumentar o valor de W. Desta forma, o máximo da função é um ótimo de Pareto. A despeito de sua ampla utilização, cabe ressaltar que a construção de uma função de bem-estar social encontra severas restrições, a começar pelas expressas pelo famoso Teorema da Impossibilidade de Arrow, que demonstra não ser possível a elaboração de uma função a partir de preferências individuais ordinais e não comparáveis. Para contornar este problema foram incorporadas hipóteses adicionais que permitissem, ainda que de forma limitada, algum grau de comparabilidade. São diversas as possibilidades de ponderações atribuídas às utilidades individuais na determinação do que é desejável socialmente, por exemplo, a chamada função utilitária que atribui pesos iguais aos membros da sociedade e visa maximizar a utilidade total por eles auferida. Para uma prova do Teorema da Impossibilidade ver Arrow (1963), para uma discussão da teoria da escolha social ver também Sen (1970 e 1988) ou ainda Mas-Colell et alii (1995, cap 21)
23
atingido o maior nível de satisfação possível, não havendo nenhuma outra alocação de bens
que possa melhorar a situação de pelo menos um dentre eles.13
A eficiência produtiva, segunda condição necessária, garante que as firmas existentes
escolham, para uma dada tecnologia e um nível de produção desejado, a combinação de
insumos que minimize seus custos produtivos – ou, alternativamente, maximizem a produção
dos bens sujeito às restrições de custo. A alocação é Pareto-eficiente porque para o conjunto de
bens produzidos, não se pode elevar a produção de um bem qualquer sem que haja a
diminuição na produção de outro. Para que tal ocorra a razão entre as produtividades marginais
dos insumos deve ser igual para todas as firmas e todos os bens produzidos, pois, caso
contrário seria possível elevar a produção de ao menos um bem sem alterar a produção dos
restantes, bastando alterar a alocação dos insumos.14
Para que a economia trabalhe de forma Pareto-eficiente não basta que as firmas estejam
produzindo - e os indivíduos consumam - de forma Pareto-eficiente, é preciso que os planos de
produção destas firmas sejam compatíveis com os desejos dos consumidores. Se o que as
firmas estiverem produzindo de forma eficiente for o que os consumidores desejam consumir,
teremos a ocorrência simultânea dos equilíbrios da troca e produtivo, garantindo a eficiência de
produção agregada. Sua ocorrência requer que a taxa marginal de substituição de cada
consumidor iguale a taxa marginal de substituição técnica para cada bem e firma existente.15
13 A condição de que, em qualquer alocação Pareto-eficiente, as taxas marginais de substituição entre cada par de bens devem ser iguais, corresponde à condição de primeira ordem do um problema de maximização de utilidade dos consumidores. Formalmente: (∂ui/∂x1i)/(∂ui/∂xl´i) = (∂ui´/∂x1i´)/(∂ui´/∂xl´i´), para todo i, i´, l, l´, corresponde a solução de maximizar u1(x1i , ..., xL1) sujeito às restrições (1) u1(x1i , ..., xL1) ≥ûi i= 2,..., I e (2) ∑i xli lx≤ l=1,...,L. (Mas-Colell et alli, 1985, p.564). A figura 1 é uma representação do equilíbrio da troca para dois consumidores. 14 De maneira análoga ao que foi feito na troca de dois bens, também é possível representar a eficiência produtiva por meio de uma caixa de Edgeworth, substituído bens por insumos e as curvas de indiferença por isoquantas. O equilíbrio será atingido quando as taxas marginais de substituição técnica entre os dois insumos forem as mesmas para ambas empresas. Tomando como referência o primeiro bem, dada a produção desejada dos outros bens , tem-se que maximizar ∑j y1j sujeito a (1) ∑j yl j ly≥ para l = 2,...,L e (2) Fj(yj) ≤ 0 para j= 1,...,J. A condição de primeira ordem é (∂Fj/ ∂ylj)/ (∂Fj/∂yl´j) = (∂Fj´/ ∂ylj´)/ (∂Fj´/∂yl´j´)para todo j, j´, l, l´ (ibidem). 15 Dadas os planos de utilidades e produção o problema é maximizar u(ŵl +ŷl,..., ŵL +ŷL), sujeito a restrição ŷ1≤f(ŷ2,..., ŷL). A condição de primeira ordem tem como solução (∂ui/∂x1i)/(∂ui/∂xl´i)/ (∂Fj/ ∂ylj)/ (∂Fj/∂yl´j) , para todo i,j,l,l´. (ibidem)
24
O passo seguinte seria demonstrar se alguma forma de organização de mercado seria
capaz de garantir que a economia atingisse uma alocação Pareto–eficiente. Vista
tradicionalmente como a forma de organização representativa da economia capitalista, o
mercado competitivo (walrasiano) seria o candidato natural a este teste.16
De fato, o Primeiro Teorema do Bem-Estar garante que um equilíbrio walrasiano é uma
alocação Pareto-eficiente dos recursos produtivos. A prova deste Teorema é intuitiva, desde
que aceito o princípio da não-saciedade. Neste caso, num equilíbrio walrasiano a cesta
escolhida é, necessariamente, a melhor que pode ser comprada. Se uma cesta qualquer é
superior em Pareto é porque ela não é alcançável, caso contrário ela seria a escolhida. Dito de
outra forma, se uma cesta alternativa for factível, é porque ela não é superior em Pareto.17
O teorema acima é freqüentemente visto como uma prova das propriedades alocativas
da “mão invisível”; o sistema de preços em um mercado competitivo produzindo uma alocação
de recursos que não pode ser melhorada. Deve-se notar que o resultado é obtido a partir da
existência, presumida, do equilíbrio competitivo e está restrito as limitações do critério de
Pareto18.
Poder-se-ia perguntar se a afirmação contrária também se sustenta, isto é, se dada uma
alocação Pareto-eficiente é possível encontrar um sistema de preços para o qual esta alocação
seja um equilíbrio competitivo. Sob condições bastante restritivas a resposta é sim. O Segundo 16 Um equilíbrio competitivo é um caso particular (com propriedade privada) de uma economia com equilíbrio de preços com transferências. Por exemplo, pode-se-ia imaginar uma economia que encontra seu vetor de preços de equilíbrio e tem uma autoridade central promovendo transferências do tipo lump-sum. Para maiores detalhes ver Mas-Colell et alii, op.cit, p.548. 17 A prova é obtida por contradição. Seja uma cesta (x*,y*) um equilíbrio walrasiano para um dado vetor de preços. Os níveis de renda w são tais que: ∑i wi = p.ŵ + ∑j p.yj
*.. Pela não-saciedade se xi f ixi* então p.xi > wi, ou seja,
se a cesta for estritamente preferida a x* então ela é inalcançável. Além disto se xi f ix* i então p.xi ≥ wi . Se uma alocação (x,y) é superior em Pareto, então ∑i p.xi > ∑iwi = p.ŵ + ∑j p.yj
* . Como a firma j está maximizando lucros aos preços dados temos que p.ŵ + ∑j p.yj
* ≥ p.ŵ + ∑j p.yj, assim ∑i p.xi > p.ŵ + ∑j p.yj (*), ou seja a alocação (x,y) não é alcançável. De fato, ∑ixi = ŵ + ∑jyj implica ∑i p.xi = p.ŵ + ∑j p.yj o que contraria (*). Conclui-se que a alocação (x*,y*) é um ótimo de Pareto. Mas-Colell et alii, op.cit, p.549-50. 18 Uma crítica preliminar destes pontos - com destaque para os efeitos de externalidades - encontra-se em Kreps (1990) pp. 199-205 e 288-291.
25
Teorema do Bem-Estar afirma que, dadas as restrições de convexidade da tecnologia e das
preferências, bem como a manutenção do pressuposto da não-saciedade, sempre haverá um
vetor de preços que, em conjunto com uma distribuição apropriada de fatores, levará a
alocação a um equilíbrio competitivo. Portanto, toda alocação Pareto-eficiente pode ser
alcançada por meio de um equilíbrio walrasiano.19
Há grandes implicações do ponto de vista normativo, em especial a noção de que é
possível separar as questões de eficiência e distribuição. É necessário notar que o sistema de
preços cumpre dois papéis: o alocativo – indicando a escassez relativa dos recursos – e o
distributivo, pois a renda real determina o montante que os agentes poderão adquirir dos bens.
O que se infere dos Teoremas é que se o mercado for livre para agir, alocando recursos, obter-
se-á um resultado Pareto-eficiente. Se, dados os juízos de valor da sociedade, a distribuição
decorrente deste equilíbrio for considerada injusta, poder-se-á proceder a uma redistribuição
por meio de impostos lump-sum. O mercado livre propicia a alocação eficiente dos recursos e o
manejo fiscal garante a distribuição socialmente desejável.20
Dada sua importância como base normativa para as políticas de defesa da concorrência,
é essencial avaliar em que medida os resultados acima se sustentam num modelo de equilíbrio
parcial. Em geral, a extensão dos teoremas de bem-estar ao modelo de equilíbrio parcial é feita
com o auxílio de simplificações adicionais. Supõe-se que os gastos no bem são uma pequena
fração dos gastos totais do consumidor e, desta forma, alterações no mercado em questão não
afetarão os preços de equilíbrio nos demais mercados. Com os preços fixos, o gasto total nos
outros bens é tratado como uma mercadoria composta, chamada numerário. Além disto supõe-
19 A prova, seus pressupostos e críticas podem ser encontrados em Mas-Collel, 1995, p. 552-558. Uma versão “condensada” da prova pode ser encontrada em Kreps (1990, p.288 e 291). 20 A mensagem é clara em suas implicações normativas, com destaque para as políticas de defesa da concorrência e regulação. Por exemplo, é lícito controlar tarifas para garantir a pequenos usuários acesso a tarifas mais baratas? A principio não, pois isto seria uma tentativa de redistribuir renda por meio do sistema de preços, o que levaria a uma ineficiência alocativa. Deve-se promover a concorrência - aproximando este setor do modelo competitivo para garantir sua eficiência - e redistribuir a renda através de impostos e subsídios lump-sum.
26
se que os consumidores possuam funções de preferência quase-lineares, o que garante que se
possa transferir utilidade entre os consumidores por meio da distribuição do numerário.21
É possível demonstrar (Mas-Colell et alii, 1995, p.325-328) que o equilíbrio parcial
também acarreta uma situação Pareto–eficiente. Com preferências quase-lineares a fronteira de
possibilidades de utilidades é linear, sendo os pontos pertencentes à fronteira associados a
alocações que diferem somente na distribuição, entre os consumidores, do total das despesas na
compra de outros bens (numerário). Supondo que os níveis de consumo e produção de um bem
l estejam fixos em )q,...,q,x,...,x( j1Ii , sendo o numerário dado pela dotação inicial do
consumidor (wm >0) e pela função de custo ∑ jjj )q(c , o conjunto de possibilidades de
utilidades que pode ser atingido por I consumidores por meio da distribuição do numerário é
dado por:
∑∑ ∑== =
+−φ≤J
1jmjj
I
1i
I
1iiiiI1 }w)q(c)x(u:)u,...,u{( (1).
Os níveis ótimos de produção e consumo para o bem são determinados pela solução do problema:
Max ∑ ∑= =
+−φI
1i
J
1jmjjii w)q(c)x( (2),
(x1,...,xI) ≥0
(q1,…,qJ) ≥0 sujeito a ∑ ∑= =
=−I
1i
J
1j
ji 0qx
21 A relação de preferência f em X = (-∞, ∞ ) IR é quase linear com relação ao numerário se: (i) todas as curvas de indiferença são deslocamentos paralelos da curva original ao longo do eixo do numerário; (ii) o numerário é desejável. Supondo uma curva de indiferença entre uma mercadoria x e um numerário m que tenha um formato m = k - φ(x) todas as demais curvas do mapa serão deslocamentos da curva original, com maiores valores de k afastando a curva da origem. Neste caso a função de utilidade do consumidor é expressa por u(x, m) = k = φ(x) + m. Como variações na renda não afetam o consumo de um bem o efeito renda para a mercadoria numerário será nulo. Para maiores detalhes ver Mas-Colell et alii, 1995, p. 45.
1L−+
27
Os dois primeiros termos da expressão (2) são de extrema importância na análise da
eficiência no equilíbrio parcial, pois podem ser interpretados como a utilidade total gerada pelo
consumo do bem menos seu custo de produção, ou seja, o excedente agregado total ou
excedente agregado de Marshall22. Dadas as restrições de convexidade, a condição de
primeira ordem do problema requer que:
Para μ= p* têm-se as três condições que garantem o equilíbrio parcial competitivo. A
)(qc'μ * j≤ para 0q*
j > e j =1,...,J (3),
μ≤φ )x´( *ii para 0x *
i > e i =1,...,I (4),
∑∑==
=J
1j
*I
1i
*i qx (5).
condição (3) assegura que o benefício marginal com a venda de uma unidade adicional (p*)
iguale o custo marginal de produção. A condição (4) garante que a utilidade marginal que o
indivíduo aufere com o consumo do bem seja compatível com seu custo marginal de aquisição.
A condição (5) é a igualdade entre oferta e demanda no equilíbrio de mercado (market-
clearing).
22 Em sua formulação original o excedente do consumidor foi definido por Marshall (1890, cap.6) como: “o montante que um homem estaria disposto a pagar por um bem para não ficar sem ele”. A despeito de suas inconsistências ele sempre foi visto como uma ferramenta prática para a análise de bem-estar social, tento sido constantemente objeto de “reparos” que permitissem sua aplicação. Mais recentemente, enfoques como o do consumidor representativo e a utilização de funções de utilidade quase-lineares têm-se generalizado.
28
Os níveis ótimos de produção e consumo do bem l que levam o conjunto de
possibilidades de utilidades à fronteira de Pareto são, justamente, aqueles que caracterizam o
equilíbrio de mercado. Pode-se inferir que o equilíbrio competitivo obtido a partir de um
modelo com as características descritas é um ótimo de Pareto, validando o primeiro Teorema
Fundamental do Bem-Estar para o modelo de equilíbrio parcial.
O conjunto de possibilidades de utilidades da expressão (1) pode ser utilizado para
analisar a validade do segundo Teorema Fundamental do Bem-Estar. Dada a quase-linearidade
das funções de preferência, os níveis de consumo e produção (xl*,...,xI
*, q1*,...,qj
*) e os lucros
das firmas ao preço de equilíbrio p* do bem l não serão afetados por alterações na renda.
Como resultado, se uma unidade de numerário for transferida de um consumidor para outro, o
consumo de equilíbrio da mercadoria numerário de cada um deles irá variar exatamente do
montante de transferido, não ocorrendo nenhuma alteração adicional. A alocação de equilíbrio
resultante pode, pela transferência apropriada do numerário, ser levada qualquer ponto na
fronteira do conjunto de possibilidades de utilidades.
Desta forma, também no equilíbrio parcial, todo ótimo de Pareto pode ser alcançado por
meio de um equilibro competitivo. Uma autoridade central interessada em atingir uma
determinada alocação Pareto-eficiente poderia fazê-lo deixando o livre mercado agir para,
posteriormente, promover a transferência do numerário necessária. Vale o segundo Teorema
Fundamental do Bem-Estar.
Dada sua simplicidade, é freqüente a utilização do modelo de equilíbrio parcial para
analisar variações no nível de bem-estar social decorrentes de mudanças no número de
concorrentes (de especial importância na análise antitruste), imperfeições, imposição de taxas,
novos impostos etc... Isto decorre, em grande parte, do fato que as alterações no bem-estar
social podem ser expressas pelas variações no excedente agregado total, por conta da utilização
de funções de utilidade quase-lineares.23
23 Se a função de utilidade não for quase-linear ainda assim o excedente do consumidor poderia ser utilizado como uma medida do bem-estar. A questão pode ser compreendida a partir de um consumidor em equilíbrio a um
29
A plena compreensão deste ponto requer o retorno a alguns dos conceitos apresentados
anteriormente. Considere os níveis de produção e consumo (xl,...,xI, q1,...,qj) para os quais
∑ixi = ∑jqj e uma função de bem-estar w (u1,...,uI) a ser maximizada por uma autoridade
central. O valor da função de bem-estar será tão mais elevado quanto mais afastada da origem
estiver a fronteira do conjunto de possibilidades de utilidades, isto é, quanto mais à direita da
origem ela estiver. Como se viu, os vetores de utilidade alcançáveis pela alteração no
numerário são dados pela expressão (1), na qual se observa que uma mudança nos níveis de
produção e consumo do bem l só deslocará a fronteira e, conseqüentemente, elevará o nível
de bem-estar – para uma dada distribuição do numerário – quando se elevar o excedente
agregado de Marshall.
Dito de outra forma, ao se elevar o excedente agregado total deslocar-se-á para a direita
a fronteira de possibilidades de utilidades e a autoridade central fará a redistribuição do
numerário de forma a que a nova alocação seja Pareto-superior. Portanto, cabe ressaltar que as
variações no excedente agregado total só serão representativas das mudanças de bem-estar
social enquanto houver a redistribuição da riqueza de forma a maximizar a função de bem-estar
social. Note ainda que a questão da comparabilidade em Pareto das alocações está sendo
resolvida por conta da utilização da função de bem-estar.
determinado nível de preços relativos. Caso haja a elevação em um preço o consumidor se verá deslocado para um equilíbrio sobre uma curva de indiferença inferior, em virtude da redução em sua renda real. Poder-se-ia perguntar qual a variação de renda necessária para levar o consumidor a sua curva de indiferença original, isto é, qual a compensação monetária que ele deve receber para ficar tão bem quanto estava antes da mudança nos preços relativos. Isto é conhecido como variação compensadora de renda e graficamente pode ser representada por um deslocamento paralelo da reta de restrição orçamentária – aos novos preços relativos – que tangenciasse a curva de indiferença original. Uma visão alternativa seria imaginar quanto, em termos monetários, dever-se-ia retirar do consumidor antes da alteração no preço, para deixá-lo tão bem quanto estaria depois da mudança. A variação equivalente é a alteração da renda correspondente à variação no preço em termos de utilidade – sob este aspecto mediria a renda monetária que este consumidor estaria disposto a pagar para evitar a alteração no preço. Graficamente seria o deslocamento paralelo da reta orçamentária – com a inclinação dada pelos preços relativos originais - até tangenciar a curva de indiferença na qual o consumidor está em equilíbrio após a mudança de preços. Note que a distancia entre duas curvas de indiferença pode ser mensurada pela distância entre as retas tangentes, sendo que esta última distância varia com a inclinação das retas dada pela razão entre os preços. No entanto, quando a utilidade for quase-linear, as curvas de indiferença serão paralelas (ver nota 21), sendo a distância entre elas independente da inclinação da reta orçamentária. Logo, neste caso, as variações compensadora e equivalente são iguais.
30
Graficamente, o excedente agregado total é representado como a soma dos excedentes
agregados do consumidor e do produtor. O excedente do consumidor pode ser obtido a partir
da área sob a curva de demanda do mercado, bastando supor que o preço pago pelos
consumidores seja equivalente a valor atribuído por eles ao bem. Assim a diferença entre o
preço que o consumidor estaria disposto a pagar e o preço que ele efetivamente paga em cada
unidade é o excedente do consumidor.24
Um conceito análogo é o de excedente do produtor. O custo de cada unidade produzida
é expresso pelo seu custo marginal, o que equivale a dizer que a curva de custo marginal
representa a curva de oferta da firma representativa. Como o custo marginal é crescente, o
custo de produção de todas as unidades anteriores foi menor que p* e a diferença entre o custo
de produção e o preço de venda de cada unidade (receita unitária recebida) caracteriza o
excedente do produtor.
24 Uma abordagem simples para caracterizar o excedente do consumidor é utilizar um consumidor representativo com uma função de utilidade quase-linear. Seja um consumidor com uma função de utilidade dada por U(x,m) = φ(x)+ m . O problema passa a ser maximizar esta função, tal que m + pxx = M. Substituindo a restrição na função objetivo tem-se: maxx φ(x)+ M - pxx . Para a condição de 1ª ordem φ´(x) = p . No equilíbrio, a utilidade marginal de um bem (o ganho de satisfação decorrente do consumo de uma unidade adicional do bem) é igual a seu preço. Note que a abordagem acima depende da utilização de funções quase-lineares. Para um aprofundamento destes pontos ver, por exemplo, Varian (1992, cap 10) e Mas-Colell et alii (1995, p.342 ).
31
Figura 4 – Equilíbrio Parcial Competitivo e Excedente Agregado Total
p
S
P*
D
q* q
Fonte: Elaboração Própria
EC
EP
Na figura 4, que representa o excedente agregado total, a área do triângulo acima da
linha do preço e abaixo da curva de demanda (hachuras horizontais) representa o excedente do
consumidor, enquanto a área do triângulo abaixo da linha do preço e acima da curva de oferta
(hachuras verticais) representa o excedente do produtor. Como o equilíbrio competitivo é um
ótimo de Pareto, é possível afirmar que esta é a forma de organizar o mercado que garante o
máximo de eficiência alocativa e, dados os pressupostos do modelo, maximiza o bem-estar
social. A idéia básica é que qualquer outra estrutura de mercado resultará em preços mais
elevados e quantidades de equilíbrio menores, reduzindo o nível de bem-estar.25
25 Utilizando mais uma vez os agentes representativos, seja o excedente do consumidor definido como EC = φ(x) – p.x e o excedente do produtor dado por EP = p.x – c(x). Admitindo-se que a soma dos excedentes represente o nível de bem-estar, deve-se garantir a maximização desta soma, ou seja: maxx [ φ(x) – p.x ] + [ p.x - c(x) ] , ou maxx φ(x) – c(x) , φ’(x) = c’(x) . Justamente a solução do mercado em concorrência perfeita.
32
1.3- Eficiência Alocativa e Análise Antitruste
Para as políticas de defesa da concorrência26 , um procedimento tradicional consiste em
analisar, ainda no âmbito do modelo de equilíbrio parcial, qual o efeito sobre a eficiência
alocativa de um aumento no poder de mercado. Para tanto, utiliza-se o instrumental
desenvolvido anteriormente de forma a avaliar as perdas (ou ganhos) dos agentes econômicos
(consumidores e produtores) a distintos preços e quantidades resultantes de estruturas de
mercado diferentes. No modelo em questão é usual utilizar-se a variação no excedente
agregado total, quando se passa da solução de concorrência perfeita (pc,qc) para a solução de
monopólio (pm,qm). O trade-off entre eficiência alocativa e concorrência é visualizado na
figura 5 a seguir, na qual supõem-se os custos marginais constantes e, portanto, iguais aos
custos médios.
Figura 5 –Eficiência vs. Concorrência no Equilíbrio Parcial
P Pm b Pc CMg=CM D RMg qm qc q
Fonte: Elaboração Própria
B
A
26 Farina (1996, p.37) define as políticas de defesa da concorrência como sendo aquelas que buscam preservar os ambientes competitivos e coibir condutas anticompetitivas derivadas do exercício de poder de mercado, de forma a preservar e/ou gerar maior eficiência econômica no funcionamento dos mercados.
33
A figura 5 mostra como variam os excedentes do consumidor e produtor ao se
compararem as duas soluções. A elevação de preço por parte do monopolista retira
consumidores do mercado e propicia a captura de parte do excedente do consumidor dos
remanescentes, sendo a perda total do excedente agregado dos consumidores representada pela
soma das áreas do retângulo A do triângulo B. Por outro lado, o monopolista restringe a
quantidade ofertada, obtendo a elevação do preço (Pm) e ganha a área do retângulo A. Em
termos de bem estar é preciso considerar a perda do excedente do consumidor (A+ B) e o
ganho de excedente do produtor (A). O resultado líquido é uma perda (peso morto) de bem-
estar (deadweight welfare loss) decorrente do exercício do poder de mercado, que, no gráfico
acima, é representada pela área do triângulo B. A utilização do excedente agregado total
permite caracterizar o monopólio como uma estrutura de mercado ineficiente que gera um
custo social.
A argumentação anterior sistematiza, em termos da análise de equilíbrio parcial, um
dos principais pontos utilizados como base normativa para a definição de políticas antitruste. A
partir deste resultado se admite o desenvolvimento de mecanismos institucionais de proteção e
regulação que possibilitem o exercício da concorrência, de forma a garantir, para o sistema
econômico como um todo, uma maior eficiência alocativa.
Ao longo da década de 50 desenvolveu-se nos EUA uma visão de base estruturalista,
conhecida como “Escola de Harvard”, que veio reforçar o argumento sobre a necessidade da
intervenção governamental para promover e proteger os mercados competitivos27. A base
teórica ampliada levou ao desenvolvimento do modelo Estrutura-Conduta-Desempenho (E-C-
D), chamando a atenção para práticas que viessem a elevar as barreiras à entrada nos mercados.
Os estudos empíricos como base no modelo E-D-C apontaram para uma importante correlação
positiva entre a concentração do mercado, as barreiras à entrada e a margem de lucro,
solidificando a antiga visão de que grandes empresas estavam relacionadas ao abuso do poder
27 Segundo Audretsch (1991, p. 59), inicialmente o mainstrean antitruste supunha que a simples existência de poder de mercado era danosa à concorrência e, portanto, deveria ser ilegal. Tendo concluído que as forças de mercado eram incapazes de conter a uso da posição dominante por parte uma empresa, a Escola de Harvard sempre enfatizou soluções estruturais.
34
econômico28. Cabe ressaltar que, nesta corrente, a eficiência alocativa deve ser vista
conjuntamente com diversos outros objetivos igualmente válidos, tais como, por exemplo, a
distribuição de renda.29
A eficiência alocativa ganha destaque no início da década de 70 quando – tendo por
base o trabalho de Stigler (1966,1968) sobre a dificuldade de manterem-se acordos tácitos
frente aos incentivos para burlá-los - ganha impulso a Escola de Chicago. O novo enfoque
passou a questionar a validade da relação estabelecida entre concentração, poder de mercado e
lucratividade, utilizando o argumento de que a lucratividade pode advir da busca pela
eficiência, já que altas margens de lucro são consistentes com diversos fatores e não somente
com restrições da quantidade ofertada. É possível supor que determinados atos de
concentração, bem como determinadas práticas restritivas, facilitem ganhos de eficiência
produtiva decorrentes de ganhos de escala de produção, escopo, etc... Lentamente, esta visão
alternativa à tradicional ganhou corpo, e os supostos ganhos de eficiência decorrentes da
concentração industrial ganharam destaque crescente.30
Para os autores de Chicago a busca pela eficiência leva as empresas a se engajarem em
reduções de custo – adoção de escalas ótimas, diferenciação de produtos, etc... – que são
geradoras de eficiências produtivas, mesmo que, em contrapartida, alguns destes métodos
levem à concentração de mercado. Condutas usualmente descritas pela política antitruste
tradicional como práticas predatórias foram reavaliadas pela nova escola, que realçou seus
28As contribuições teóricas de Bain (1956) e Sylos-Labini (1956) propiciaram a base para a construção do paradigma Estrutura–Conduta-Desempenho que busca, em linhas gerais, extrair da estrutura de mercado (número de produtores e compradores, barreiras à entrada, estruturas de custo etc...) a conduta das empresas, isto é, suas políticas de formação de preços, investimento, estratégias, etc... Isto, por sua vez, seria condicionante de seu desempenho: lucratividade , eficiência produtiva e alocativa, etc.... Para uma boa sistematização do argumento ver Scherer e Ross (1990). 29 Para alguns autores é mesmo duvidoso se, em sua origem, a questão da eficiência alocativa fosse objeto de preocupação do congresso norte-americano: “...parece muito duvidoso que o Congresso tenha dado muito peso, se é que deu algum, a eficiência alocativa enquanto formulava a lei antitruste” Weiss apud Audretsch (1991). Para uma discussão detalhada da questão distributiva ver Lande (1991). 30 Para uma avaliação do debate entre as escolas antitruste ver Salgado (1997, Cap. 1). Ver ainda Schuartz (2002) e Salomão Filho (2002).
35
possíveis aspectos pró-competitivos.31 Este ponto é extremamente importante para a execução
da política de defesa da concorrência, pois onde antes existiam práticas consideradas ilegais
per se, agora se advoga a necessidade da aplicação do princípio da razoabilidade (rule of
reason) no estudo do caso, para ponderar os possíveis ganhos de eficiência.32
Audretsch (1991, p.64) sistematiza os pontos principais da argumentação da Escola de
Chicago: (i) o bem-estar do consumidor (aqui considerado como sinônimo de eficiência
alocativa) foi o único objetivo pretendido pelo congresso norte-americano ao elaborar a
legislação antitruste; (ii) a eficiência alocativa é o único objetivo a ser perseguido; e (iii)
muitos dos problemas correntes na legislação antitruste são oriundos da busca de objetivos
diversos da eficiência econômica.33
Embora o debate conceitual só tenha deslocado a eficiência alocativa para o centro da
análise antitruste ao longo da década de setenta, Williamson (1968) já havia proposto,
utilizando o modelo de equilíbrio parcial, avaliar as reduções de custo oriundas de atos de
concentração e mensurar o trade-off entre a redução da concorrência e o aumento da
eficiência. Na figura 6 a seguir, suponha que CM0 e CM1 representem, respectivamente, os
custos médios de duas firmas antes e após sua fusão (mais uma vez supõem-se os custos
marginais constantes). Antes da fusão a pressão concorrencial era tal que o preço (Pc) igualava 31 Para Bork (1978, apud Audretsch, 1991, p.63): “Todas as “barreiras artificiais” criticadas pelo antitruste são, de fato, atividades para criar eficiências... Bain cita a diferenciação de produtos como uma barreira à entrada, mas eu sou incapaz de entender, seja por seus escritos, seja por quaisquer outros, porque ela não é, claramente, uma forma de eficiência”, ou ainda “Eu duvido que haja algum problema significativo de restrição à produção decorrente da concentração em qualquer indústria”. 32 Na abordagem per se basta a ocorrência de uma determinada prática para que ela seja considerada ilícita. O princípio da razoabilidade implica a necessidade de se avaliar, caso a caso, as eficiências compensatórias para então se decidir pela legalidade ou não do ato ou conduta considerado. Mello (2002, p.498) ressalta que esta abordagem decorre da própria lógica da lei antitruste, pois esta visa a coibir o poder de mercado por ele ser redutor de eficiências. Atos que gerem eficiências líquidas não podem, desta forma, ser reprimidos. 33 A posição de Chicago é resumida por um de seus maiores representantes da seguinte forma: “pode-se concluir que o único objetivo do antitruste é o esforço para aumentar a eficiência alocativa sem prejudicar muito a eficiência produtiva e, desta forma, anular os ganhos ou produzir um perda líquida no bem-estar do consumidor” (Bork, apud Lande, 1991, p.107. Esta posição irá se refletir no rito processual. Posner sugere que a corte encarregada de julgar, por exemplo, um processo de colusão, deve preocupar-se com os seus efeitos econômicos (estabilidade das variáveis centrais, tais como markets-shares, lucratividade, produção) para por eles avaliar se a colusão teve efeitos negativos. Só neste caso ela deve ser condenada. Bork vai além, pois, a despeito dos indicadores, argumenta que alguma evidência concreta da colusão deve existir para que ela seja ilegal. Ver Lande (1988).
36
o custo médio (CMc), mas, após a fusão, criou-se um poder de mercado que possibilitou a
elevação do preço (P*). Há uma perda líquida (peso morto) de bem estar igual à área do
triângulo B, que corresponde à soma da perda do excedente do consumidor (A+B) com o
ganho do produtor (A), decorrentes da elevação do preço. Existe, contudo, um ganho adicional
no excedente do produtor (obtido pela redução de custos) igual à área hachurada C. O resultado
final, em termos de eficiência, será obtido pela comparação das áreas A e C.
No caso da demanda linear (aproximadamente para o caso mais geral) a área do
triângulo B mede o peso morto decorrente do poder de monopólio, sendo expressa por
½(P*- Pc) (Qc-Q*). Já a área do retângulo C corresponde à diferença de custos (ΔC= CM0 –
CM1) multiplicada pela produção Q*. A utilização dos excedentes agregados como critério de
bem-estar social permite afirmar que o trade-off só terá sido vantajoso para a sociedade se
houver um ganho líquido de eficiência, isto é, se ΔC.Q* ≥ ½ (P*- Pc) (Qc-Q*).
RMg D
Q* Qc
Fonte: Elaboração própria com base em Williamson (1968 , p.21)
Figura 6- O Trade-off entre o “Peso Morto” e o Ganho de Eficiência Produtiva Decorrente de um Ato de Concentração Horizontal
P
B
CM0
CM1
C
P*
A
Pc
Q
37
A mensuração do trade-off pode ser feita utilizando-se o método de Harberger
(1954)
c c
Portanto, ΔC.Q* ≥ η d P Q* ou ΔC ≥ η d P . Como no equilíbrio competitivo
tem-se que o preço iguala o custo médio, chega- ão capaz de definir as eficiências
compensatórias: ΔC/C ≥ η d .
a Williamson pôde calcular, com base em alguns valores de elasticidade-
preço de dem
Em seguida Williamson tece uma série de considerações sobre as limitações de seu
34 , no qual ½ (P*- Pc) (Qc-Q*) = ½ η d 2 PcQ*, sendo η a elasticidade–preço da
demanda e d = (P*- P )/ P , a variação relativa dos preços de equilíbrio antes e depois da fusão. 35 ½ 2
c ½ 2c
se a express
½ 2
Desta form
anda, quais as reduções de custo necessárias a compensar, em termos de
excedente agregado total, os aumentos de preço. Por exemplo, para uma elasticidade-preço
igual a 2 uma elevação de 30% nos preços é compensada por uma variação nos custos de 9%.
Se a elasticidade fosse unitária a variação necessária seria de apenas 4,5%. O principal
resultado de sua análise é que uma pequena redução nos custos é suficiente para compensar
uma elevação relativamente grande no preço, tornado a fusão indiferente do ponto de vista
social.36
modelo. Destaca que, para efeito de políticas antitruste, é preciso que o ônus da prova da
obtenção de ganhos de eficiência decorrentes da fusão recaia sobre as empresas envolvidas no
34 Harberger (1954) estimou as perdas de eficiência alocativa derivadas do poder de monopólo nos E.U.A para o peródo 1924-28 tendo concluído que elas eram desprezíveis (cerca de 0,1% do PNB). O artigo suscitou intensa polêmica, tendo sido muito criticado por suas hipóteses de trabalho - tais como a consideração da elasticidade-preço unitária. Para um resumo crítico do trabalho ver Scherer e Ross (1990, p. 664-66). 35 Note que ΔP = (P*- Pc), ΔQ = (Qc-Q*) e d2 = (P*- Pc)2/ P*2. Como a elasticidade-preço da demanda é dada por η=(ΔQ/ΔP)(Pc/Q*) tem-se que ½ (P*- Pc) (Qc-Q*) = ½ ΔP. ΔQ. Multiplicando-se e dividindo-se por ΔP chegamos a ½ ΔPPP
2( ΔQ/ ΔP). Ou ainda ½ΔPPP
2(ΔQ/ ΔP)(Pc/Q*)(Q*/Pc)(Pc/Pc). Arrumando a expressão: ½ (ΔP /Pc)2 η Q* Pc). Finalmente, substituindo-se d, tem-se ½ d2 ηQ*Pc. 36 Williamson (1968, p.22-23) calcula as variações de custo necessárias a compensar elevações de preços de 5%, 10%, 20% e 30%, supondo as elasticidades-preço iguais a ½, 1 e 2. As variações de custo compensatórias mantêm-se baixas para todos os valores. Possas (2002, p.220-226) nota que: (i) os cálculos para a elasticidade–preço igual a ½ são desprovidos de sentido pois um monopolista maximizador não operaria com receita marginal negativa, no ramo inelástico de sua curva de demanda; (ii) Os aumentos de preço lucrativos são limitados pela elasticidade-preço. Portanto, para uma dada função de demanda, nem todos os aumentos de preço fazem sentido. Ao calcular as eficiências necessárias para compensar a monopolização de um mercado relevante a partir de uma estrutura competitiva – com base nos valores de elasticidade-preço que são maximizadores de lucro – o autor verifica que “...as proporções requeridas da redução compensatória de custos mantêm-se consistentemente baixas, assumindo-se valores razoáveis para a elasticidade da demanda (1<η<5).” Embora encontre resultados compatíveis com o trabalho de Williamson, adverte que estes são fortemente dependentes da consideração exclusiva da eficiência alocativa como critério de bem-estar, ignorando-se todos os demais aspectos.
38
processo, sendo necessário comprovar que estes mesmos ganhos não possam ser obtidos pelo
processo de expansão interna da firma, pois neste caso, impedir a fusão apenas retardaria – e
não eliminaria para sempre - a redução de custos.37
Há outros fatores considerados, dentre os quais destacam-se aqueles ligados à
subesti
onto discutido pelo autor tem maior relevância e merece uma discussão mais
detalha
a literatura, o poder de mercado não está ligado unicamente ao estabelecimento lucros
cima
mação das perdas de eficiência alocativa decorrentes da fusão. Este seria o caso da fusão
desencadear um “efeito demonstração” (incipiência), implicando novos atos de concentração,
ou a observação que, embora a obtenção de economias de escala esteja restrita apenas às
empresas fusionadas, a elevação no preço pode ser seguida por todas as concorrentes,
magnificando os efeitos da concentração.
Outro p
da. O trade-off descrito acima não é neutro do ponto de vista distributivo, pois, como se
observa, uma perda do excedente dos consumidores (A+B) é compensada por um ganho no
excedente dos produtores (B+C), ou seja, há uma transferência de renda de consumidores para
produtores. Para Williamson (op.cit, p. 28) a política antitruste é mais apropriada para
promover ganhos de eficiência alocativa, sendo a questão distributiva melhor tratada na esfera
fiscal por meio da tributação, gastos e transferências38. Se as transferências de renda
decorrentes do ato de concentração forem de tal grandeza que não puderem ser suprimidas,
deverão ser explicitadas, pois, os efeitos indesejáveis sobre a distribuição de renda decorrentes
do aumento de poder de mercado deverão contar contra a fusão, e não ser considerados como
neutros na forma sugerida pelo modelo.
N
a dos normais. Há outras formas de ineficiência associadas à concentração de mercado
distintas da fixação de preços acima dos níveis competitivos, que também acarretam perdas de
37 Williamson (op.cit, p. 25) sugere que quanto maior for a taxa de crescimento da demanda, mais fácil será obter reduções de custo - ao menos os decorrentes de ganhos de escala de produção – por meio do crescimento interno. Propõe calcular o valor presente dos ganhos líquidos de eficiência, ou formalmente, V = ∫0
t [ S(t) – L(t)] e- rtdt, , sendo S(t) as reduções de custo, L(t) o peso morto e r a taxa de desconto. 38 Esta postura alinha-se com o Segundo Teorema do Bem-Estar e será tratada, ao longo desta tese, como parte da visão “conservadora” do antitruste.
39
eficiência alocativa derivadas da redução do excedente agregado total. Se por um lado o
monopolista pode capturar parte do excedente do consumidor elevando seus lucros, por outro
pode ser induzido a relaxar seus controles de custo – operando com custos totais médios acima
dos mínimos possíveis - dada a ausência de pressão competitiva. Esta ineficiência gerencial
associada ao monopólio foi batizada por Leibenstein (1966) 39 como ineficiência-X.
Segundo Viscusi et alii (1992, p.83), embora o conceito de ineficiência-X seja
inconsi
lém disto, a posição de monopolista pode levar as empresas a lutar pela manutenção
de seu
egundo Scherer e Ross (1990, p.668) e Viscusi et alii (1992, p.84), o desperdício de
recurso
stente com a hipótese tradicional de que a empresa estará minimizando custos como
forma de maximizar lucros, seria lícito supor sua ocorrência por conta da existência de
problemas do tipo agente-principal, os quais permitiriam a separação entre o objetivo de
maximização de lucros dos proprietários e objetivos de natureza diversa formulados pelos
gerentes.
A
s lucros extraordinários, realizando gastos com advogados e lobistas para garantir sua
posição no mercado (rent-seeking)40 .
S
s com as atividades de rent-seeking não se limita aos gastos administrativos, mas pode
englobar gastos de natureza estratégica, tais como despesas com propaganda. A idéia é que as
empresas se engajam na diferenciação de produtos buscando evitar a concorrência via preços e,
simultaneamente, elevar as barreiras à entrada. O acúmulo de capacidade ociosa que vise
39 Leibenstein (1966, p.412-413) identifica três razões pelas quais firmas com mesma tecnologia e utilizando o mesmo conjunto de insumos apresentem resultados distintos: a) existência de contratos de trabalho incompletos; b) desconhecimento parcial da função de produção utilizada; e c) os mercados de insumos são imperfeitos, isto é, não estão igualmente disponíveis para todos. 40 Note que estes gastos visam a obter uma legislação favorável, cotas ou quaisquer outras formas de preservar a empresa da concorrência. Gastos de outra natureza, como propinas, representariam tão somente transferências do corruptor para o corrompido, não implicando perdas de eficiência alocativa. Ver Viscusi et alii (1992, p.84). O conceito de rent-seeking foi desenvolvido por Krueger (1974) para avaliar como os agentes econômicos competem por rendas geradas por restrições e controles impostos ao livre comércio por parte dos governos nacionais. Os beneficiários destas restrições buscariam manter seus privilégios realizando gastos com lobbies e pressões junto às autoridades.
40
formar uma ameaça crível a novas entradas também pode ser visto como uma despesa
estratégica.
A adição da ineficiência-X e do rent-seeking à análise antitruste introduz um
complicador adicional, pois o trade-off entre a elevação do poder de mercado e os ganhos de
eficiência produtiva deve agora considerar as prováveis perdas de eficiência ligadas a estes
fatores. Assim, se por um lado a fusão pode gerar reduções de custo oriundas de ganhos de
escala e/ou escopo, por outro poderá implicar elevações de custo decorrentes do gerenciamento
e atividades de rent-seeking.41
Estes fatores podem ser incorporados à análise de eficiência por meio dos excedentes
agregados no equilíbrio parcial. Na figura 5 o retângulo A representa os lucros extraordinários
obtidos pelo monopolista com a elevação do preço de mercado para Pm. Como não seria lógico
que o custo de manutenção desta posição fosse maior que o benefício de mantê-la, esta área
também representa o montante máximo que a empresa poderia comprometer com estes gastos.
No limite, o monopolista teria todo seu lucro absorvido com os custos destas ineficiências, e a
perda total de eficiência alocativa seria dada pela soma das áreas A e B. Desta forma, a soma
das áreas A e B e a área B (o tradicional peso morto) representariam, respectivamente, o
máximo e o mínimo de perda de eficiência alocativa a se esperar por conta do poder de
monopólio.42
Embora a eficiência alocativa seja o principal critério de eficiência econômica utilizado,
há distintas formas de eficiência que não são necessariamente contempladas por este
41 Em geral considera-se que, a despeito de sua existência, estes gastos são de pouca significação ou de difícil mensuração. Nas palavras de Williamson (1968, p.31): “Considere agora o argumento sobre competência gerencial. Aqui a disputa é menos pela direção do efeito do que sobre seu significado quantitativo”. Sugere que, se de fato o poder de mercado implicar relaxamento nos custos, bastaria incorporar estes efeitos nas “equações compensatórias”. 42 Ver, por exemplo, Viscusi et alii (1992, p.85) e Scherer e Ross (1990, p.668). Fagundes (2003, p.147) julga a representação destas ineficiências no modelo parcialmente inadequada, pois embora concorde que gastos com atividades de rent-seeking - sejam de natureza administrativa ou estratégica - devam ser representados como um incremento dos custos fixos, considera que, no caso da ineficiência–X, haveria elevação nos custos médio e marginais de longo prazo da firma. Isto levaria a uma elevação do preço e um aumento ainda maior do peso morto. Seja como for, uma vez determinados os custos e conseqüentemente o preço fixado pelo monopolista, permanece o argumento de que o lucro extraordinário e o peso morto àquele preço continuam representando os limites da perda de eficiência alocativa.
41
tradicional critério e, entretanto, são fundamentais na análise antitruste. Antes de prosseguir
deve-se definir, com maior rigor, alguns dos conceitos envolvidos.
1.4 – Critérios Alternativos de Eficiência Econômica
Remontando aos trabalhos pioneiros sobre concorrência imperfeita de Robinson (1932,
1933) e Chamberlin (1933), a diferenciação de produtos é um dos mais antigos desafios à
exclusividade do critério de Pareto na avaliação do nível de bem-estar social. Como se sabe, no
modelo de concorrência monopolística, cada firma produz uma mercadoria que é percebida
pelos consumidores como distinta das produzidas pelas concorrentes43, o que permite a cada
uma delas defrontar-se com sua própria curva de demanda negativamente inclinada. Por conta
da heterogeneidade dos produtos, as firmas podem formar seu preço mantendo-o acima do
custo marginal, embora, no longo prazo, aufiram lucros normais.
Utilizando-se o equilíbrio parcial é possível constatar que, na comparação entre as
soluções de concorrência perfeita e concorrência monopolística, esta última apresenta uma
perda do excedente agregado total.44 Scherer e Ross (1980, p.601) destacam que se deve
considerar não só a ineficiência produtiva de custos mais elevados (associados a uma escala
43 Vale ressaltar que a diferenciação é um fenômeno em grande parte subjetivo, porque é a percepção dos agentes econômicos que valida a diferença. Embora haja várias classificações é usual distinguir as diferenciações horizontais (quando a modificação em algum atributo da mercadoria implica uma elevação da utilidade para uns e a redução da utilidade para outros) das verticais, nas quais uma determinada característica é consenso entre todos, de forma que um aumento desta característica acarreta uma elevação na utilidade de todos os consumidores, de uma vez. Ver Tirole (1988, p.96). 44 Uma forma de perceber a ineficiência de Pareto da solução de concorrência monopolística é notar que o equilíbrio de lucros normais de longo prazo é atingido no ponto no qual a curva de demanda da firma tangencia sua curva de custo total médio. Como este ponto encontra-se à direita do ponto de custo total médio mínimo conclui-se que há uma ineficiência na alocação de recursos.
42
sub-ótima, desenvolvimento de produtos, etc...), mas também a ineficiência na produção
agregada gerada pelo poder de mercado criado pela diferenciação.45
No entanto, a despeito da existência de uma perda de eficiência alocativa, não é
possível se afirmar que houve uma redução no nível de bem-estar social. A dificuldade surge
porque, como se viu, a associação entre bem-estar social e excedente agregado total foi
estabelecida para produtos homogêneos no contexto de mercados em concorrência. Com a
alteração do pressuposto da homogeneidade, a ineficiência alocativa deve ser ponderada pelo
benefício social provocado pela diversidade de produtos.
A despeito de sua popularidade, o modelo de concorrência monopolística sofreu
inúmeras críticas, em geral por conta de seus pressupostos pouco realistas. Por exemplo, os
custos de todas as empresas são considerados iguais, não havendo nenhuma assimetria em
decorrência da distinção nos produtos. Ou ainda, na medida em que a diferenciação acarreta
barreiras à entrada, seria necessário considerar o impacto sobre os custos dos gastos com
esforços de venda feitos para contornar a preferência dos consumidores.
Neste sentido, há um outro grupo de modelos que analisam a diferenciação, que têm
origem nos chamados modelos locacionais por fazerem uma analogia entre a preferência dos
consumidores por pontos de venda mais próximos e as preferências por determinados produtos.
Da mesma forma que a preferência por lojas próximas à residência só será válida se o
diferencial entre os preços for inferior ao custo de transporte entre elas, também os
consumidores só irão preferir um produto se o custo de adequação a um produto substituto for
superior a diferença entre os preços.
Dentre os modelos locacionais destaca-se o modelo de cidade linear (Hotteling,1929)
no qual duas empresas inicialmente localizadas nos extremos de uma cidade, buscam
conquistar um maior número de consumidores, reduzindo os custos de transporte destes a suas
45 Note que estas ineficiências produtivas estão ligadas ao critério de Pareto e ignoram qualquer possível associação entre o poder de mercado e o processo de diferenciação.
43
lojas. Aplicado ao problema da diferenciação, isto significa que ao tentar atrair um maior
número de clientes as empresas tentarão copiar o produto do concorrente, reduzindo
progressivamente a diferença entre os bens produzidos. O resultado é conhecido como
Princípio da Diferenciação Mínima.46
Já o modelo da cidade circular (Salop, 1979) enfatiza o processo de entrada de novos
concorrentes no mercado, avaliando se o número de empresas que operam é socialmente ótimo.
Empresas simétricas atendem a consumidores – que adquirem quantidades iguais -
uniformemente distribuídos pelo perímetro de um espaço circular, apresentado custos
marginais, fixos e de transporte. Calculado o preço que maximiza os lucros das empresas,
determina-se o número de empresas operantes. Para avaliar a eficiência compara-se o resultado
obtido com o número de empresas que maximiza o bem-estar, isto é, minimiza a soma dos
custos. Conclui-se que o número de empresas que corresponde ao ótimo é metade daquele que
surge do modelo circular, sugerindo que se o mercado com diferenciação operar livremente
obter-se-á uma diversidade de produtos maior que a desejável.47
46 Formalmente: Sejam duas lojas localizadas nos extremos opostos de uma “cidade linear”, com a loja 1 situada em x=0 e a loja 2 situada em x=1 (sendo t o custo de transporte). Se s representa o ganho bruto auferido com o consumo do bem, a satisfação de um consumidor i será dada por s – p1 – tx (loja 1) e s – p2 – t(1- x ) (loja 2). Se os preços não forem muito elevados e a diferença entre eles não exceder o custo de transporte, o consumidor será indiferente quando p1 + tx = p2 + t(1- x) e as funções de demanda serão dadas por D1(p1, p2) = (p2 – p1 + t)/ 2t e D2(p1, p2) = (p1 – p2 + t)/ 2t. O problema de cada empresa será maximizar seu lucro Π1 = (p1 – c)(p2 – p1 + t)/ 2t e Π2 = (p2 – c)(p1 – p2 + t)/ 2t. As condições de 1a. ordem são, respectivamente, p1 = ½ (p2 + c + t) e p2 = ½ (p1 + c + t). No pressuposto de vigorar um único preço de equilíbrio p* = ½ (p* + c + t) ou p* = c + t. Note que a medida em que as empresas competem pelos consumidores – buscando minimizar o custo de transporte do consumidor (t) – os preços tendem ao custo de produção, levando a uma solução de Bertrand. Como destaca Tirole (1988, pp. 280-281) a utilização de outros pressupostos como, por exemplo, custos de transporte quadráticos, leva a resultados distintos, com as empresas se localizando nos extremos da cidade, o equivalente a um “princípio da diferenciação máxima”. Ver ainda Mas-Colell et alii, 1995, p.396. 47 Portanto, o modelo é uma variação da cidade linear de Hotteling (1929), com um consumidor podendo escolher entre n lojas situadas a uma distância de 1/n uma das outras. O consumidor será indiferente quando p1 + tx = p2 + t(1/n - x) e, supondo por simetria todos os outros preços iguais a p, obter-se-á uma função de demanda igual a D1(p1, p) = (p + t/n – p1)/ t. Na presença de um custo fixo f o lucro será dado por Π1 = (p1 – c)(p + t/n – p1)/ t – f, e o equilíbrio p1= p = c + t/n . Como há livre entrada (lucro total igual a zero) obtém-se n = (t/ f )½. Calculando-se o número de empresas que maximiza o bem-estar (minimiza os custos fixos e os gastos em transporte) se obtém n = ½(t/ f )½. Neste caso, o número de empresas gerado pelo modelo é o dobro do socialmente ótimo, implicando uma diversidade maior que a desejável. Para maiores detalhes ver Tirole (1988, pp. 282-285).
44
A incorporação da diferenciação à análise do bem-estar implica avaliar em que medida
um aumento do poder de poder de mercado resultará em incentivos a uma maior ou menor
diversificação de produtos vis-à-vis à diversidade socialmente ótima. O ponto central da análise
de eficiência na seleção de produtos é qual fração do excedente poderá ser capturado pela
empresa em função do aumento do grau de monopólio. Para Tirole (1988, p.104-105), mesmo
com a possível elevação no preço por conta da diferenciação (gerando uma perda de eficiência
alocativa) não é provável que ocorra uma grande diversificação de produtos por conta da
impossibilidade, por parte do monopolista, de capturar todo o excedente – exceto, é claro, no
caso de uma discriminação do 1º grau. Por outro lado, se um monopolista produz dois bens
substitutos e fixa para um deles um preço acima do seu custo marginal auferindo lucros
extraordinários, poderá induzir um aumento da demanda para o outro bem, tornando-o mais
lucrativo. O monopolista seria levado a produzir os dois, mesmo que esta não seja uma
situação socialmente ótima. Tirole (op.cit.) conclui que o monopolista produzir com muita ou
pouca diversidade dependerá dessa conjunção de fatores. Este resultado, visto pela ótica da
defesa da concorrência, significa que não há, com base nestes modelos, nenhuma garantia que
uma elevação na posição dominante seja compensada por uma melhor diversidade de produtos.
Uma forma alternativa de avaliar a eficiência econômica, distinta da tradicional,
decorre de um tratamento mais amplo dos custos. Embora a teoria tradicional tenha o costume
de tratar apenas dos custos de produção, é cada vez maior o reconhecimento que custos
associados aos atos de compra e venda de bens e insumos também devem ser considerados. A
despeito de serem conhecidos há muito tempo, é somente a partir do trabalho pioneiro de
Coase (1937) que os custos de transação passaram a ser objeto de um exame mais detalhado48.
48 Segundo Coase (1937) a utilização dos os fatores produtivos não é determinada exclusivamente pelos preços relativos, pois há formas institucionais de organização da produção no interior da firma. Neste sentido, a firma é uma forma de organização da produção alternativa ao mercado. Admitindo-se que há custos na utilização do sistema de preços e custos associados à estrutura administrativa, caberia à firma avaliar o trade-off e buscar a forma institucional que garanta o resultado mais eficiente. Dito de outra forma, a organização da indústria dependerá da comparação entre o custo de realizar determinadas operações pelo mercado vis-à-vis o custo de realizá-las internamente.
45
A abordagem institucionalista desenvolvida por Williamson (1975, 1985) avalia a busca
de uma maior eficiência produtiva a partir da conduta dos agentes econômicos e seus reflexos
na maneira pela qual suas atividades são organizadas e coordenadas. Os pressupostos
comportamentais adotados – racionalidade limitada e oportunismo - implicam a
impossibilidade de contratos completos, que garantam em sua plenitude a compatibilizarão dos
interesses das partes.
Os fundamentos de sua análise são a constatação de que o comportamento humano é
racional, mas enfrenta limitações quanto à capacidade de acumular e processar informações.
Estas limitações, conjuntamente com a existência de ambientes complexos e incertos, geram
diferenças na qualidade de informação entre as partes, assimetrias de informação que
potencializam as possibilidades de comportamentos oportunistas – a busca do próprio interesse
com malícia – nos quais o agente econômico transmite informações distorcidas com o objetivo
de auferir lucros.49
As transações mercantis serão ainda mais afetadas na presença de ativos específicos que
forçam compradores e vendedores a criar relacionamentos exclusivos. A especificidade dos
ativos cria um vínculo entre os agentes contratantes, pois, se por alguma razão houver uma
quebra contratual, a parte prejudicada não poderá substituir a outra facilmente no mercado.
Este vínculo torna as partes como que reféns entre si (hold-up), criando situações nas quais
surgem comportamentos oportunistas50. Assim, a possibilidade de perdas oriundas do
49 A literatura reconhece duas formas de oportunismo: (i) ex-ante, isto é, antes da ocorrência da transação. Ocorre quando, por exemplo, uma empresa se compromete a atender exigências contratuais que, a priori, sabe que não poderá cumprir (self disbelieved). A tentativa de fixar exigências que garantam fluxo produtivo acaba por selecionar os agentes com comportamento malicioso, gerando uma seleção adversa; (ii) ex-post, quando os problemas decorrem da execução da transação contratada. Nestas situações surgem problemas de risco moral (moral hazard). 50 Para Williamson (1985, p.54-55) as firmas escolhem entre investimentos genéricos e investimentos com propósitos específicos que, caso os contratos sejam cumpridos, garantem reduções de custo. No entanto: “tais investimentos são também arriscados, pois os ativos específicos não podem ser novamente alocados sem sacrifício do seu valor produtivo se os contratos forem interrompidos ou encerrados prematuramente”. Distingue quatro tipos de ativos específicos de acordo com suas características: (i) a especificidade se eleva quando há proximidade geográfica dos estágios de produção. As reduções de custo de estocagem e transporte geram uma especificidade locacional; (ii) especificidades físicas, relacionadas à mobilidade do ativo; (iii) especificidades dos ativos humanos, ligadas à qualificação e entrosamento da equipe; e (iv) investimentos em ativos dedicados ao
46
rompimento das relações de compra e venda mediadas unicamente pelo mercado gera a
necessidade de se criarem mecanismos contratuais que restrinjam o comportamento das partes,
de forma a garantir a transação.
Dadas as características deste ambiente – racionalidade limitada, complexidade,
incerteza, oportunismo e especificidade de ativos – os agentes econômicos são incapazes de
antecipar e estabelecer correções para todos os eventos futuros que possam, de uma forma ou
de outra, criar dificuldades para o cumprimento dos contratos. Na impossibilidade de se
elaborarem contratos eficientes passam a existir custos de transação, entendidos como aqueles
associados ao planejamento, adaptação e monitoramento das interações entre os agentes, de
forma a garantir o perfeito andamento das relações contratuais51.
Por sua vez, a especificidade da transação definirá não somente a forma contratual, mas
também acarretará o desenvolvimento de estruturas institucionais de governance que
assegurem sua continuidade e eventual correção. Em última instância, o formato das estruturas
resultará da tentativa de minimizar os custos de transação.
A inclusão dos custos de transação no escopo da análise antitruste tem profundas
implicações, em especial na avaliação dos atos de concentração e das práticas restritivas
verticais. Possas et alii (1997, p.127) sintetizam o argumento: “Decorre desta abordagem que
o estabelecimento de vínculos de reciprocidade, restrições contratuais a condutas das partes e
iniciativas de integração ou quase-integração ao longo das cadeias produtivas constituam,
muitas vezes, inovações organizacionais que buscam gerar ganhos de eficiência, e não
práticas restritivas visando criar barreiras à entrada e poder de mercado”.
atendimento de um cliente em particular. Quanto maior a especificidade do ativo, maior o custo irrecuperável (sunk cost) a ele associado. 51 Williamson (1985, p.20) distingue dois tipos de custos de transação: os custo ex-ante de negociar, elaborar e fixar salvaguardas do contrato e os custos ex-post, referentes a monitorar, renegociar e adaptar os termos contratuais às mudanças circunstanciais.
47
A análise original de Williamson (1975) se refere à integração vertical, baseando-se no
argumento de que as fusões ao longo da cadeia produtiva podem representar uma forma de
organização da produção mais eficiente. O formato organizacional dependerá do processo que
envolve a fabricação do insumo, com as partes avaliando o trade-off existente entre os custo de
produção – e as possibilidades de ganhos de escopo e escala – e os custos de transação
associados à especificidade dos ativos.52 O mesmo argumento pode ser estendido às fusões e
aquisições horizontais, nos casos em que a coordenação das atividades produtivas de empresas
distintas por via contratual apresentar custos de transação significativos, levando a fusão a
representar uma forma de organização superior.
Wiiliamson (1985, p.286-294) aplica o argumento à análise das fusões e aquisições
conglomeradas, isto é, aquelas realizadas entre empresas que operam em diferentes mercados
relevantes. Elas não são vistas como uma forma de reduzir a ameaça de entrada, mas sim como
um fenômeno associado à corporação moderna, cuja estrutura multidivisional (forma-M) está
ligada à complexidade dos negócios. Neste sentido, da mesma forma que o escritório central
gerencia as aplicações dos recursos produtivos a partir da identificação das áreas mais
lucrativas, também o gerenciamento centralizado de firmas que operam em distintos mercados
relevantes poderá ser redutor de custos de transação. Para tanto, basta que, em decorrência da
racionalidade limitada, existam falhas no mercado de capitais que impeçam os controladores
externos de selecionar as melhores oportunidades para a firma.
Todas as considerações anteriores se referem a avaliar as possíveis “eficiências
compensatórias” dos atos de concentração que são potencialmente danosos à concorrência.
Estes efeitos anticompetitivos dizem respeito à restrição do número de concorrentes e da 52 O argumento também pode ser aplicado às práticas restritivas verticais impostas entre compradores e vendedores ao longo de uma cadeia produtiva. Em geral, as restrições verticais se referem à fixação de preços de revenda, vendas casadas e acordos de exclusividade. Neste sentido, ao invés de representarem aumento de barreiras à entrada na comercialização do bem ou redução da competitividade entre os agentes, estes acordos podem representar economias de custos de transação. Como existem custos de monitorar o comportamento dos distribuidores e alterar a rede de distribuição (dada a presença de ativos específicos) criam-se espaços para o comportamento oportunista. Por exemplo, um distribuidor pode tentar ampliar sua participação no mercado oferecendo serviços de qualidade inferior a preços mais baixos. Dada a racionalidade limitada do consumidor ele não perceberia isso imediatamente, levando a empresa oportunista a auferir maiores lucros no curto prazo e à deterioração da imagem do fabricante e de sua rede de distribuição no longo prazo.
48
quantidade ofertada para, desta forma, afetar os preços de mercado. No entanto, grande parte
da literatura de organização industrial admite que a concorrência pode ser exercida em uma
esfera mais ampla. Neste contexto destaca-se a visão de Schumpeter (1912,1943), na qual a
introdução de inovações de produto ou processo visam ganhar espaços na concorrência e,
portanto, representam uma estratégia competitiva das empresas. O desejo de obter lucros
extraordinários, ainda que temporários, impele as firmas a investirem tempo, recursos e
habilidades em pesquisa e desenvolvimento, com o objetivo básico de se diferenciar da
concorrência. A alternativa é, portanto, buscar um outro critério de eficiência que dê conta de
um padrão de concorrência dinâmico.
Algumas tentativas recentes apontam para esta direção. Baumol e Ordover (1992)
propuseram um novo critério de eficiência na forma de um trade-off intertemporal entre a
eficiência alocativa presente e futura. A existência de certo grau de monopólio poderia vir a
prevenir o problema do carona (free rider) e assim prover a firma de incentivo adicional a
investir em P&D. Os autores destacam que a política antitruste, ao ser centrada no conceito de
poder de mercado e no critério de eficiência alocativa estática, perpassa a concorrência
dinâmica com especial prejuízo das indústrias onde as inovações de produto e processo são a
chave da estratégia competitiva.53
A questão central é definir parâmetros que permitam à legislação de defesa da
concorrência analisar se um determinado ato de concentração ou prática empresarial pode, ao
mesmo tempo em que reduz a concorrência, aumentar o grau de eficiência econômica agora
entendida em um contexto dinâmico. Uma opção é considerar em que medida estas ações
podem vir a facilitar ou dificultar o ritmo de geração e difusão de inovações.
Há muito que se acumulam argumentos que destacam a importância de se incorporar o
conceito de inovação à análise antitruste. Contudo, durante certo tempo, as dificuldades
associadas à identificação dos impactos adversos à inovação decorrentes de uma fusão foram 53 Baumol e Ordover (1992, p.83). Apesar de sua preocupação dinâmica cabe desatacar que para os autores eficiência dinâmica é definida como uma alocação ótimo–paretiana entre presente e futuro, sendo, portanto mais adequada chamá-la de “alocação estática intertemporal”.
49
determinantes da utilização exclusiva dos critérios tradicionais pelas agências de defesa da
concorrência.
A possibilidade de se obter, via progresso técnico, uma maior quantidade de bens e
serviços utilizando a mesma quantidade de fatores produtivos torna a inovação uma fonte
primária de ganhos de bem-estar. Assim, reduzir o ritmo de inovações pode ser visto como
uma provável ação danosa ao bem-estar decorrente do exercício do poder de mercado. Se a
capacidade em inovar em um mercado relevante for monopolizada, a competição irá se reduzir
e os consumidores serão prejudicados. Uma fusão que reduza o nível de competição em
inovações será danosa à concorrência porque afetará não somente os preços, mas também o
ritmo de introdução de novos produtos naquele mercado relevante. Recentemente houve duas
tentativas de incorporar as inovações à defesa da concorrência.
Para Gilbert e Sunshine (1995), exercer poder de mercado em um mercado de
inovações pode significar reduzir atividades de P&D com o objetivo de reduzir custos no
presente e assim incrementar o valor presente dos lucros esperados. Uma fusão que gerasse
uma “pequena, mas não transitória redução nos gastos de P&D” representaria um dano à
concorrência e, desta forma, poderia ser questionada. A primeira utilização do conceito de
mercado de inovações na análise de um ato de concentração data de alguns anos atrás. Em
1993 os dois maiores fabricantes, e inovadores, mundiais de transmissões automáticas para
veículos leves e pesados (General Motors e ZF Friedrichshafen) tiveram sua proposta de fusão
recusada pelo Department of Justice (DOJ) com base no argumento de que este ato iria
diminuir a competição não só nos mercados relevantes geográfico e de produtos, mas,
principalmente, no mercado mundial de inovações abrangendo o desenvolvimento tecnológico
e produção deste tipo de transmissão.
A literatura identifica como marco inicial desta abordagem a definição de mercado de
inovações feita pelo Guidelines for Licensing of Intellectual Property de 1995.54 Com base
54 Por mercado de inovações entende-se: “Um mercado de inovações consiste na pesquisa e desenvolvimento para um novo ou incrementado bem ou processo e, para os substitutos próximos para esta pesquisa e
50
nesta definição, Gilbert e Sunshine (op.cit.) propuseram uma metodologia - baseada na
determinação do mercado relevante de inovações e nos efeitos da fusão sobre gastos em P&D e
os ganhos de eficiência - a ser seguida pela agência reguladora para determinar em que medida
uma fusão poderia ser questionada com base no argumento de que o ato de concentração
elevaria o poder de mercado das firmas em questão num mercado de inovações.55
O argumento de Gilbert e Sunshine (op.cit.) abriu uma série de debates na área
acadêmica sobre a validade desta abordagem. Um grupo de autores56 argumenta que, na
maioria dos casos, as regras de análise tradicionais são mais do que suficientes para questionar
os atos de concentração potencialmente prejudiciais à concorrência. Desta forma, a abordagem
do mercado de inovações não traria, em termos práticos, ganhos substanciais à eficácia da
análise antitruste. Simultaneamente, a nova abordagem teria diversos inconvenientes, pois seria
fundamentada em argumentos duvidosos. O cerne da argumentação destes autores pode ser
expresso no questionamento de dois pontos principais. Primeiro, a afirmativa de que se houver
desenvolvimento. Os substitutos próximos são os esforços em pesquisa e desenvolvimento, tecnologias e bens que, de forma significativa, constranjam o exercício do poder de mercado com respeito à pesquisa e desenvolvimento relevantes, como, por exemplo, ao limitar o incentivo e a habilidade de um hipotético monopolista retardar ritmo da pesquisa e desenvolvimento. As Agências irão delinear um mercado de inovações apenas quando a capacidade de se engajar na pesquisa e desenvolvimento relevante estiver associada com ativos especializados ou características específicas das firmas”. Guidelines for Licensing of Intellectual Property, p.8. 55 Esta pode ser resumida em cinco passos principais: (1) identificar nas firmas as atividades de P&D sobrepostas: busca definir o mercado relevante de inovações, o que significa identificar as atividades de P&D sobrepostas economicamente relevantes. Estas são aquelas que podem levar a melhoria de produtos ou processos para as firmas que se fundem. Apenas as iniciativas que provavelmente teriam impactos nos mercados relevantes de produtos após a fusão seriam relevantes para o mercado de inovações; (2) identificar os outros participantes do mercado – firmas que são fontes de atividades de P&D substitutas – incluindo não só as que estão produzindo correntemente, mas também aquelas que podem entrar no mercado em um curto espaço de tempo (uncommitted). Apenas os projetos de P&D para os quais a existência de ativos especializados são essenciais são objeto da abordagem de mercado de inovações; (3) avaliar a competição atual e potencial para produtos de menor qualidade (downstream products). A competição nestes mercados é o teste para medir o desejo das firmas em reduzir as atividades de P&D. Se o efeito de perder vantagens competitivas nestes mercados for maior que a redução de custos decorrente da redução das atividades de P&D, então as firmas não têm incentivo a fazê-lo e, portanto, o ato de concentração não oferece danos à concorrência; (4) estimar o aumento da concentração em P&D e os efeitos competitivos dos investimentos em P&D. Medir as participações percentuais das firmas que se fundem no atual mercado relevante, utilizando para tal os gastos em P&D, produção e ativos das firmas individualmente. Assim, caso todos os competidores no mercado relevante de inovações tenham programas de P&D efetivos então, logicamente, terão todos a mesma participação percentual; (5) estimar a eficiência dos gastos em P&D. Buscar avaliar em que medida a combinação de esforços em P&D por parte das firmas proponentes poderá gerar ganhos de eficiência decorrentes de, por exemplo, ganhos de escala ou eliminação de esforços redundantes. Gilbert e Sunshine (1995, p.346-347). 56 Ver, por exemplo, Rapp (1995) e Carlton (1995).
51
menos firmas desenvolvendo atividades de P&D haverá, necessariamente, um menor nível
agregado de P&D e portanto um menor ritmo de introdução de novos produtos. Em segundo
lugar, a idéia de que após a fusão dificultar-se-ia, no futuro, a possibilidade de outras firmas
desenvolverem projetos similares de P&D.
O primeiro argumento se refere à impossibilidade, tanto teórica como empírica, de se
estabelecer uma relação direta entre o grau de concentração e nível de atividades em P&D. De
fato, esta relação não é determinada, o que não invalida a necessidade de se desenvolver um
instrumental que incorpore esta possibilidade. A moderna abordagem antitruste é centrada na
análise de cada caso (princípio da razoabilidade), na qual a avaliação das circunstâncias
específicas sempre foi um fator relevante na tomada de decisão dos órgãos de defesa da
concorrência. Neste sentido, uma metodologia que incorpore os efeitos da dinâmica
concorrencial é essencial para ajudar na tomada de decisão sobre os efeitos danosos de um ato
de concentração específico.
O segundo argumento diz respeito à noção de que em diversos mercados grande parte
do esforço inovativo é realizado por empresas marginais – a “franja” do mercado. Desta forma,
uma fusão não impediria que estas empresas continuassem seus esforços, mantendo-se assim a
competitividade. Note-se, contudo, que a abordagem se refere a um mercado de inovações, não
havendo necessidade de que as empresas inovadoras operem no mesmo mercado relevante de
bens. Exercer poder de mercado significa aqui impedir que determinado ritmo de progresso
técnico seja atingido. Isto porque a fusão acarretará a posse de determinados ativos e
habilidades específicas que impeçam outros concorrentes de desenvolver atividades de P&D
que posteriormente poderiam ser utilizadas por outras empresas concorrentes no mercado
relevante de produtos.
Uma segunda abordagem, desenvolvida por Jorde e Teece (1992,1993), argumenta que,
se determinados atos de concentração e acordos podem, conforme o exposto, ser danosos à
ampliação do ritmo de desenvolvimento de inovações podem, por outro lado, ser benéficos a
ele. Para os autores a política antitruste tradicional é por demais centrada no paradigma
52
Estrutura-Conduta-Desempenho e o escopo da análise deve ser ampliado para incluir
apropriadamente os mercados de capital, know-how e, mais especificamente, os mercados de
ativos específicos. O processo inovativo é tal que gera fortes externalidades que difundem os
benefícios decorrentes da inovação (spillovers), fazendo com que se reduza o retorno esperado
pela firma. Determinados acordos podem ser válidos se produzem garantias que diminuam este
risco.
A coordenação das atividades de P&D se caracteriza pela necessidade de restrições
contratuais que possibilitem às firmas organizar de forma eficiente este processo. Inovar
significa reconhecer a necessidade de estreitos laços entre firmas, entre os departamentos nas
firmas e, provavelmente, entre as firmas e outras organizações – por exemplo, universidades –
de forma a potencializar a cooperação e realimentação de idéias e projetos. Para pequenas
firmas em especial, este processo significa acessar ativos específicos, complementares aos
seus, e isto deve ser feito mediante o uso de restrições contratuais – na forma de complexos
contratos multilaterais - que minimizem o risco de que o resultado final seja apropriado
externamente.
Por outro lado, o desenvolvimento bem sucedido de novos produtos e processos
normalmente demanda cooperação vertical e/ou horizontal. As associações horizontais podem
ajudar as empresas a superar determinadas dificuldades de pesquisa, reduzir a duplicidade de
esforços, bem como harmonizar padrões técnicos, reduzindo custos e elevando a eficiência
econômica.
Caso a política antitruste não reconheça claramente esta necessidade, os riscos
associados a possíveis sanções decorrentes desta cooperação entre firmas irão reduzir os
investimentos em P&D e, conseqüentemente, limitar o processo de inovação e competição.
Como resultado a política antitruste deve permitir, sob certas circunstâncias, às firmas se
engajarem em certas práticas que podem, no curto prazo, inibir reduções de preço com o
objetivo de potencializar investimentos no desenvolvimento de novos produtos e processos que
53
possam gerar, no futuro próximo, ganhos de bem-estar oriundos de uma maior eficiência
econômica.57
Embora supondo que os ganhos sociais decorrentes do desenvolvimento e difusão de
inovações em geral excedam aqueles advindos de uma maior eficiência alocativa estática, os
autores não preconizam uma autorização indiscriminada para acordos restritivos e atos de
concentração que elevem o poder de mercado. A proposta é no sentido de se aplicar a regra da
razão no estudo de cada caso específico e então, se avaliar o trade-off entre eficiência e
concorrência.
Com o intuito de facilitar a análise propuseram um aprofundamento de uma referência
já utilizada pelo DOJ, os chamados portos seguros (safe harbors). Os portos seguros são
regras que autorizam fusões em indústrias desconcentradas, restrições verticais impostas por
firmas com menos de 10% do mercado e joint-ventures em P&D onde houver outras
tecnologias concorrentes. Estas regras permitem às empresas prosseguir em projetos sem o
risco de incorrer nos custos legais decorrentes de uma contestação da autoridade antitruste.
A argumentação anterior expõe algumas das dificuldades inerentes à incorporação da
concorrência dinâmica na base normativa da defesa da concorrência. Simultaneamente, ela
expõe a necessidade de fazê-lo, se o objetivo é avaliar corretamente a eficiência econômica e
os ganhos de bem-estar.
57 Existe, é claro, a dificuldade em se garantir que as empresas que efetivamente se beneficiaram do aumento do poder de mercado no presente venham realmente a utilizar estes recursos no desenvolvimento de novos produtos ou processos. Neste sentido é valida a utilização de garantias contratuais, tais como o compromisso de desempenho previsto na lei brasileira, sendo a autorização de uma fusão condicionada ao cumprimento de diversas metas definidas previamente, a despeito das dificuldades inerentes ao monitoramento deste tipo de acordo.
54
1.5 – Conclusão
A despeito de sua ampla utilização enquanto sinônimo exclusivo de bem-estar social, o
conceito de eficiência de Pareto e sua aplicação à análise antitruste não estão isentos de
problemas, a começar pela existência de múltiplas soluções. Contudo, admitindo-se que,
mesmo com suas limitações, o critério de Pareto ainda é o mais indicado para proceder a
análise de eficiência, restariam questões adicionais. A busca de uma solução Pareto-eficiente
nada diz a respeito da distribuição de renda. Como exemplo limítrofe basta lembrar que a
solução em concorrência é a mesma de um monopolista discriminador do primeiro grau –
preço igual a custo marginal -, sendo ambas Pareto-eficientes (a diferença é que no segundo
caso todo o excedente do consumidor foi apropriado pelo monopolista). Mesmo que se aceite
como objetivo da legislação antitruste o critério dos radicais de Chicago – para os quais só o
que importa é a eficiência na produção agregada – restaria a comparabilidade dos resultados.
Recorde-se o argumento: a demonstração de que o mercado em concorrência no
equilíbrio parcial representa uma solução Pareto-eficiente baseou-se na suposição de que
houvesse uma autoridade central promovendo transferências lump-sum de forma a tornar as
soluções comparáveis. Isto porque, como se viu, caso algum agente econômico tivesse uma
piora em sua posição as soluções não seriam comparáveis em Pareto. Se a presença desta
autoridade central que redistribui a renda for descartada por seu pouco realismo – basta notar
que seria preciso a existência de uma agência governamental que, de fato, implementasse
transferências lump-sum ao grupo de consumidores prejudicados ou, de forma similar, tivesse
conhecimento da função de bem-estar social -, as soluções antes e depois de uma fusão que
implicasse aumento no poder de mercado só poderiam ser potencialmente comparáveis em
Pareto58.
58 Uma discussão das limitações do conceito de eficiência de Pareto e sua aplicação à análise antitruste pode ser encontrada em Possas (2002) e Fagundes (2003).
55
É necessário ressaltar este ponto. No modelo de Williamson a concentração acarreta o
aumento da eficiência produtiva, reduzindo os custos e elevando o poder de mercado. A
elevação no excedente do produtor ocorre simultaneamente com a redução do excedente do
consumidor decorrente da elevação do preço. Assim, a operação acarretou uma piora na
situação dos consumidores, tornando as situações antes e depois da fusão não comparáveis em
Pareto. Dito de outra forma as situações só são potencialmente comparáveis em Pareto e, só se
houver uma transferência lump sum para compensar os consumidores por sua perda, poder-se-á
afirmar que houve uma um aumento de bem-estar.
Por sua vez, a adoção do critério de comparação potencial não resolve as dificuldades
distributivas. Do ponto de vista da defesa da concorrência não é trivial defender um ato de
concentração que transfira renda de consumidores para produtores. Assim, mais uma vez,
exceto no caso da postura extremada de Chicago – ou daqueles que buscam com base nos
teoremas do bem-estar separar as questões alocativas das distributivas – não há como rejeitar a
incorporação da questão distributiva à análise antitruste.59
Um movimento neste sentido é a proposta conhecida como Price Standard, de Fischer
et alii (1989). Nesta, um ato de concentração só deve ser sancionado com base no ganho de
eficiência se houver uma redução de custos tal que o preço a ser fixado após a união das
empresas seja igual ao que vigorava anteriormente. Em termos do modelo de equilíbrio parcial
isto poderia ser representado com um deslocamento para baixo dos custos marginais, de tal
forma que sua interseção com a receita marginal – o critério de maximização de lucros da nova
empresa com poder de mercado - definisse a manutenção da quantidade ofertada antes da
fusão. Note-se que, como não houve alteração nem no preço nem na quantidade ofertada, não
houve piora distributiva. De fato, ao passo que o excedente agregado dos consumidores se
manteve inalterado, houve uma elevação do excedente agregado do produtor por conta da
redução dos custos produtivos.
59 Cabe destacar que o próprio Williamson (1968, p.28) se mostrava preocupado com a questão. Embora supondo que as questões distributivas devessem ser tratadas na esfera fiscal, ressaltava que: “Assim, mesmo que as economias permaneçam como uma defesa, qualquer distribuição de renda indesejável associada a poder de mercado deverá contar contra a fusão, e não, como se infere do modelo ingênuo, ser considerada neutra”.
56
A incorporação dos efeitos da diferenciação de produtos e a consideração dos custos de
transação ampliam a complexidade da análise antitruste. No que se refere à diferenciação de
produtos não há resultados definidos que estabeleçam uma correlação entre o aumento do
poder de mercado e a diferenciação. Mais ainda, não há nem mesmo um indicativo de que este
desvio em relação à posição ótima seria positivo para o bem-estar social. Em relação aos custos
de transação a posição é similar, pois sua incorporação amplia o universo dos “trade-offs” que
devem ser considerados na avaliação do ato de concentração.
Note ainda que as considerações anteriores – referentes aos procedimentos que
deveriam ser adotados pelas autoridades de defesa da concorrência para evitar que os atos de
concentração sejam danosos à concorrência – ressaltam os possíveis efeitos do aumento da
posição dominante sobre a quantidade ofertada e, desta forma, sobre os preços de mercado.
Este tradicional enfoque é eminentemente estático e, portanto, incapaz de incorporar os
aspectos dinâmicos da concorrência, desconsiderando por completo o progresso tecnológico e
sendo particularmente inadequado nas indústrias intensivas em tecnologia.
A abordagem do mercado de inovações teve o grande mérito de introduzir, no âmbito
da defesa da concorrência, a questão da necessidade de se incorporar os efeitos da dinâmica de
inovações. Isto não significa, entretanto, que ela esteja isenta de problemas. A principal
questão parece ser a tentativa de incorporar um argumento essencialmente dinâmico, num
referencial de análise predominantemente estático, fundamentado no Merger Guidelines.
Contudo, dada a relevância do tema, a abordagem é um ponto de partida interessante para a
ampliação da análise de forma a aprimorar a legislação antitruste e melhor compreender o
processo concorrencial atual e seus reflexos no nível de bem-estar.
Na mesma direção segue a abordagem de Jorde e Teece (1992,1993) ao fornecer o
contraponto da análise. Ao destacar o papel das inovações como “core” das estratégias
competitivas, os autores ressaltam a necessidade de formas de cooperação e concentração
enquanto instrumentos de superação dos ambientes incertos e oportunistas. Fornecem, desta
57
forma, os aspectos benéficos ao bem-estar social de um ato de concentração se avaliado do
ponto de vista dinâmico.
Se por um lado a incorporação dos diversos aspectos da eficiência econômica é
necessária para uma correta avaliação do bem-estar social, por outro evidencia a complexidade
dos “trade-offs” que se originam de um ato de concentração. Mais ainda, uma avaliação mais
cuidadosa dos pontos expostos até o momento indica que não há um único aspecto a ser
considerado, e que cada ação apresenta aspectos positivos e negativos sob o ponto de vista da
concorrência. O quadro 1 a seguir busca sistematizar os diversos aspectos associados aos atos
de concentração e seus reflexos sobre a eficiência.
Com base no exposto pode-se concluir que a incorporação do critério de eficiência à
análise antitruste deve - para efeitos de uma apreciação mais completa sobre o nível de bem-
estar – contemplar os seguintes aspectos:
a) A adoção do critério de Pareto não pode prescindir da questão distributiva. Deve-se
tornar clara a opção de não prejudicar os consumidores, não permitindo que eles
tenham sua satisfação reduzida em função do ato em questão. Neste caso, a simples
constatação de que uma operação será capaz de gerar um aumento na eficiência
potencial de Pareto será insuficiente para garantir sua aprovação.
b) Para captar os diversos aspectos da eficiência econômica deve-se ampliar o leque de
opções para considerar os aspectos que não são necessariamente englobados pelo
critério de Pareto. Dentre estes se destacam as tentativas de minimizar os custos de
transação e os aspectos da concorrência dinâmica (inovações).
c) A complexidade dos efeitos – ver Quadro 1 - torna necessária a adoção do princípio
da razoabilidade, de forma a ponderar os impactos divergentes sobre a concorrência.
A incorporação do cálculo das “eficiências” exclui a adoção de um critério per se.
58
Quadro 1
Atos de Concentração e seus impactos sobre a eficiência Critério de eficiência Aspectos Negativos Aspectos Positivos
Eficiência Alocativa
a)Perda de Excedente do Consumidor (EC) derivado do exercício do poder de mercado; b) Perda de Excedente do Produtor
(EP) por conta da ineficiência-X e
do rent-seeking;
c) Não consideração dos aspectos
distributivos na ausência de
transferências lump-sum.
a) Ganhos de Excedente do Produtor (EP) por conta de reduções de custos produtivos ligados a economias de escala, escopo, etc... b) Ganhos de Eficiência Potencial
na Produção Agregada (Se ΔEP >
ΔEC)
Eficiência Alocativa e
Diferenciação
a) Maior diferenciação eleva as
barreiras à entrada aumentando o
poder de mercado. Há perda de
eficiência alocativa
a) Maior diferenciação amplia o
leque de opções do consumidor
elevando sua satisfação.
Eficiência Alocativa e
Custos de Transação
a) Redução da concorrência no
mercado relevante ou limitação da
competição ao longo da cadeia
produtiva gerando barreiras à
entrada e foreclosure. Há elevação
do poder de mercado com perdas de
eficiência alocativa.
a) Racionalidade limitada, incerteza,
complexidade, ativos específicos e
oportunismo implicam a existência
de custos de transação. Atos de
concentração horizontais e verticais
minimizam estes custos e
representam uma forma de
organização da produção mais
eficiente.
Eficiência Dinâmica e
Inovações
a) Elevação da posição dominante
no mercado de inovações implica
uma redução dos gastos em P&D e
arrefecimento do processo
inovativo.
a)A cooperação leva a superação de
dificuldades de pesquisa e
duplicação de esforços. Dada a
existência de spillovers, protege
contra caronas (free riders) e
estimula o desenvolvimento de
inovações.
Fonte: Elaboração Própria
59
CAPÍTULO 2 – EFICIÊNCIA E A NORMA ANTITRUSTE
O capítulo precedente teve o objetivo de definir teoricamente o conceito de eficiência,
avaliando seus possíveis impactos sobre a concorrência. Este capítulo avalia em que medida a
consideração dos ganhos de eficiência ultrapassou o debate teórico e se incorporou à norma
antitruste. Para tanto, foi organizado em três seções.
Na primeira seção avalia-se como este argumento é tratado em duas das principais
legislações internacionais: a norte–americana e a européia. A legislação antitruste dos E.U.A.
destaca-se não somente por sua importância enquanto referência internacional, mas, sobretudo,
pela importância que o debate sobre eficiência atingiu neste país. Como se verá, a partir dos
anos 70 houve uma progressiva alteração no tratamento sofrido pelas eficiências naquela
legislação, que se refletiu no Horizontal Merger Guidelines, o principal instrumento de
referência para análise de concentrações horizontais.
Em seguida se aprecia o tratamento dado às eficiências no European Community
Merger Regulation. Até muito recentemente a análise das eficiências nos atos de concentração
europeus era bem incipiente, pois não havia na legislação um reconhecimento explícito de seu
papel. Isto implicava uma permanente discussão sobre em que medida era possível (legal)
ponderar os efeitos competitivos e os ganhos de eficiência decorrentes de uma concentração -
levando muitas empresas a ignorar os ganhos de eficiência em suas representações à Comissão
Européia. Em 2004 o sistema de controle de atos de concentração da Comunidade Européia
60
publicou uma revisão de seu regulamento de fusões, incluindo um guia de concentrações
horizontais. Dentre as alterações principais está o reconhecimento de que os ganhos de
eficiência haviam sido negligenciados e deveriam ser incorporados formalmente à análise.
A segunda seção dedica-se à análise da legislação brasileira de defesa da concorrência
norteada pela Lei 8884 de 11 de junho de 1994. O artigo 54 e seu 1º parágrafo são a referência
para a avaliação dos atos de concentração. A Lei brasileira permite que, mesmo que um ato de
concentração implique o controle de uma parcela significativa do mercado relevante e a
possibilidade concreta do exercício do poder de mercado, ainda assim a operação poderá ser
aprovada se houver benefícios decorrentes de ganhos de eficiência. Basta que estes ganhos de
eficiência sejam específicos do ato de concentração e beneficiem, de forma equânime,
consumidores e produtores. Posteriormente uma portaria conjunta SEAE/SDE expediu o Guia
para Análise Econômica dos Atos de Concentração Horizontal, considerado uma peça auxiliar
chave à legislação brasileira. Neste, são detalhadas quais serão as eficiências econômicas
admissíveis e a avaliação de seus efeitos. Finalmente, na última seção são feitas algumas
comparações e tecidos comentários.
2.1 – A Referência Internacional
As origens da legislação antitruste no Estados Unidos remontam ao processo de
concentração do capital ocorrido em finais do século XIX. O marco institucional é a aprovação
do Sherman Act em 1890, que considerou ilegais os acordos que tivessem como objetivo
restringir o comércio entre os estados e com as demais nações. Em uma de suas passagens
mais difundidas estabelece que “qualquer pessoa que venha a monopolizar ou tente
monopolizar, entre em acordos ou conspire com qualquer outra pessoa ou pessoas, para
61
monopolizar parte do comércio entre os diversos estados ou com as nações estrangeiras será
considerado culpado de um crime”. (Sherman Act, apud, Shy, 1995, p.89)60
Em 1914 foram aprovadas duas medidas importantes para a legislação antitruste norte-
americana, o Clayton Act e o Federal Trade Commission Act. O primeiro buscou
complementar a lei existente, incorporando práticas restritivas que não estavam previstas
anteriormente. O segundo criou a Federal Trade Commission (FTC), que juntamente com o
Department of Justice (DOJ) constitui o aparato institucional responsável pela execução da
política antitruste nos E.U.A. Ao longo do tempo a discussão sobre o papel das eficiências
prosperou nos Estados Unidos e, como se viu no capítulo precedente, o mainstream antitruste
se viu crescentemente pressionado pela Escola de Chicago - que via na eficiência o objetivo
central da legislação. O debate conceitual acabou por se refletir numa incorporação mais
efetiva das eficiências.
Já a legislação antitruste européia se baseia nos artigos 81 e 82 (antigos 85 e 86) do
Tratado da Comunidade Européia (Tratado de Roma) de 1957. Estes artigos tratam dos
comportamentos anticompetitivos das empresas que podem afetar a livre concorrência nos
estados membros. Enquanto o primeiro trata das condutas empresariais coordenadas danosas à
concorrência o segundo está voltado para o abuso da posição dominante.
A generalidade destes artigos acarretou algumas dificuldades para os órgãos antitruste -
Comissão Européia auxiliada pelos Tribunais de Primeira Instância (CFI) e Tribunal de Justiça
– especialmente em sua aplicação às concentrações. Como conseqüência, em dezembro de
1989, foi aprovado o European Community Merger Regulation nº 4064/89 relativo ao controle
das concentrações. Diferentemente dos E.U.A, o debate sobre a incorporação dos ganhos de
eficiência na legislação européia foi muito menos intenso, mas acabou resultando numa
reforma substantiva da legislação em 2004.
60 Para acompanhar algumas facetas do debate que envolveu a aprovação do Sheman Act e suas posteriores interpretações, ver Gavil (1996, pp. 35 –90)
62
2.1.1 – O Horizontal Merger Guidelines
A incorporação da análise de eficiências na legislação norte-americana sofreu uma
drástica mudança nas últimas décadas. Até meados dos anos 70 a eficiência econômica -
enquanto argumento favorável na análise de atos de concentração horizontal - era
consensualmente ignorada ou mesmo encarada com hostilidade. Neste sentido, ao invés de ser
considerado um fator atenuante, os ganhos de eficiência eram, com freqüência, associados a
fatores agravantes da fusão. De fato, no primeiro caso no qual o tema foi relevante julgado pela
suprema corte norte-americana – a aquisição pela fábrica de sapatos Brown Shoe Co. de uma
de suas fornecedoras, Kinney em 1962 - o uso de ganhos de eficiência como argumento de
defesa esteve próximo de ser rejeitado. Em passagem amplamente citada,61 a corte afirmou:
“Não podemos deixar de reconhecer o desejo do Congresso em promover a competição
através da proteção do pequeno, viável, negociante local. O Congresso considerou os
ocasionais custos e preços mais elevados que podem resultar da manutenção de indústrias e
mercados fragmentados. Resolveu sobre estas considerações concorrentes em favor da
descentralização. Devemos garantir esta decisão”.
A antipatia das cortes pelo argumento era notória. Por exemplo, na avaliação da
aquisição da Clorox pela Procter & Gamble (P&G) em 1967, a Federal Trade Commission
(FTC) alegou que a operação iria elevar a posição dominante da Clorox no mercado relevante
de água sanitária porque a P&G seria capaz de anunciá-la em conjunto com seus outros
produtos, reduzindo os custos de propaganda. Uma alegação que, atualmente, poderia ser vista
como um ganho de eficiência que, potencialmente, incrementaria a capacidade competitiva da
requerente. Um estudo retrospectivo das decisões da Federal Trade Commission (FTC)
mostrou que as eficiências eram constantemente citadas como justificativa para a ilegalidade
61 Ver, por exemplo, Leary ( 2002) e Kolasky e Dick (2003).
63
de uma fusão e que sua ausência servia, muitas vezes, para fundamentar a legalidade de uma
operação.62
Uma forma de acompanhar como este viés foi se alterando e o critério de eficiência foi
sendo progressivamente incorporado pelos órgãos norte-americanos de defesa da concorrência
é avaliar a forma pela qual os ganhos de eficiência foram tratados nas sucessivas revisões do
principal instrumento de referência na análise de fusões e incorporações da legislação norte-
americano, o Merger Guidelines.
Em 1968 o Departamento de Justiça norte–americano (DOJ) publicou uma versão do
Guia que, desde então, sofreu quatro revisões: 1982, 1984, 1992 (atos de concentração
horizontal) e 1997 (avaliação das eficiências). É possível verificar que o tratamento superficial
dado à eficiência na primeira versão foi, ao longo das sucessivas revisões, se modificando,
tendo ganho importância crescente.
Na versão do Guia elaborada em 1968 havia apenas uma referência aos possíveis
ganhos de eficiência: “A menos que existam circunstâncias excepcionais, o Departamento não
irá aceitar como justificativa para uma aquisição normalmente questionável pelos padrões
vigentes de fusões horizontais, a alegação de que esta irá gerar economias” (Guidelines,
1968, § 10).
A visão refratária à inclusão das eficiências na análise antitruste baseava-se em três
argumentos principais: (i) a maioria das fusões avaliadas não atingiria o tamanho necessário à
obtenção de ganhos de escala; (ii) nos casos nos quais fossem relevantes as economias de
62 Ver Leary (2002, p.2). São diversas as citações que destacam o viés contra o argumento. Por exemplo, em um dos mais famosos casos de referência da legislação norte-americana United States v. Aluminum Co. of América, o juiz Learned Hand afirmou que o Sherman Act é: “baseado na crença de que as grandes concentrações industriais são inerentemente indesejáveis, a despeito de seus resultados econômicos”, ou ainda: “assumiu-se consistentemente, por toda sua história, que estes estatutos tivessem como um de seus propósitos preservar e perpetuar, para seu próprio bem e a despeito de possíveis custos, uma indústria organizada em pequenas unidades que efetivamente competissem entre si.” United States v. Aluminum Co. of América, apud Leary (2002, p.3).
64
escala, elas poderiam ser obtidas por meio da expansão interna da firma; (iii) há sérias
dificuldades em se estabelecer a existência e magnitude destes ganhos.63
O uso do argumento nos processos só começa a ganhar alguma relevância a partir do
reconhecimento por parte da Suprema Corte de que outros fatores, que não o grau de
concentração expresso nos markets shares, poderiam afetar a concorrência. Em 1974 os
defensores da mineradora General Dynamics conseguiram refutar o argumento contra a
aquisição de uma concorrente alegando que a existência de reservas não comprometidas era um
melhor indicador da capacidade competitiva da mineradora no mercado de carvão do que sua
participação no mercado. Como a firma adquirida não tinha este tipo de reserva, sua
incorporação não afetaria o setor.
Dentre os exemplos pioneiros do uso da alegação de ganhos de eficiência em fusões e
incorporações destaca-se a aquisição pela Ford de 35% do capital votante da Toyo Kogyo
(produtor do Mazda). Para reforçar sua defesa junto à FTC a Ford contratou como consultor
Oliver Williamson que, utilizando a teoria dos custos de transação, demonstrou que a operação
representava uma forma mais eficiente de organização. A aquisição reduziria os custos de
transação associados ao monitoramento do contrato de fornecimento de um componente crítico
(eixo transversal), essencial à produção do carro mundial da Ford, minimizando a possibilidade
de um comportamento oportunista por parte do fornecedor. Este argumento, associado à
alegação de significativas economias de escala por parte da requerente, foi decisivo na
aprovação da operação (Kolasky e Dick, 2003, p.10-12).
Em 1982, o DOJ publicou sua revisão do Merger Guidelines, mantendo praticamente
inalterado o tratamento dado às eficiências como defesa. Permaneceu limitando sua utilização
63 Ver Kolasky e Dick (2003, p.7). Para os autores, dado o ambiente hostil à época, a simples consideração de que as eficiências poderiam, mesmo em raras ocasiões, servir de base a uma defesa de uma fusão já era um prelúdio da crescente relevância do argumento. Vale notar que o Guia foi publicado sob influência de Donald Turner o primeiro economista acadêmico a chefiar a divisão antitruste do DOJ. Turner preocupava-se com a questão, a ponto de encomendar uma pesquisa que avaliasse a maneira pela qual as fusões influenciariam a eficiência econômica. Para coordená-la chamou Oliver Williamson, que elaborou um relatório que foi base para seu famoso artigo de 1968.
65
aos “casos extraordinários”, ficando seu uso condicionado a “provas claras e consistentes de
reduções de custos”. O Guia também especificou quais as alegações de eficiências válidas,
restringindo-as aqueles casos nos quais houvesse substancial redução de custos, decorrentes de
economias de escala ou de integração entre as unidades produtivas. Além disto, as eficiências
teriam que ser aquelas que “já são obtidas por uma ou mais firmas da indústria”, ou seja,
buscava-se rejeitar as alegações que se baseavam em argumentos puramente teóricos,
independentemente de sua procedência. Mais ainda, caberia à requerente demonstrar que estes
resultados não poderiam ser obtidos com menor risco à concorrência (Merger Guidelines,
1982, §10).
Vale ressaltar que a FTC divulgou, na mesma data, um relatório sobre fusões
horizontais, no qual o tratamento dado às eficiências era ainda mais reticente. O argumento
sobre ganhos de eficiência era rejeitado enquanto uma “defesa juridicamente aceitável”,
admitindo-se sua apreciação apenas na fase de instrução do processo, desde que fossem
fornecidas substanciais evidencias de reduções de custo (FTC, 1982, § IV).
Na revisão de 1984 as alegações de ganhos de eficiência receberem uma acolhida bem
mais favorável, com o DOJ admitindo que versão anterior do “Guia” tratava a questão de
forma restritiva. Observa-se uma alteração no tratamento do tema com o reconhecimento de
que uma fusão pode, ao menos potencialmente, elevar o nível de eficiência econômica, não
cabendo ao DOJ ignorar estas reivindicações64. Incluía-se a ressalva de que os ganhos de
eficiência deveriam ser obtidos por meio do ato de concentração, sendo que as eficiências
compensatórias deveriam ser equivalentes aos efeitos anticompetitivos.
64 Na realidade, o novo Guia refere-se à linguagem “enganosa” do predecessor que, ao sublinhar os “casos extraordinários” poderia induzir as empresas a crer que o DOJ poderia ignorar alegações de eficiências quando, na realidade, ele jamais o fazia. Esta mudança substancial de tom é atribuída ao julgamento mais controverso da época, a fusão LTV-Republic Steel. Inicialmente rejeitada por representar uma substancial redução da competição, a operação foi aprovada em reapreciação, sujeita a uma penalidade estrutural que consistiu na venda de duas usinas siderúrgicas da Republic Steel. O DOJ reviu sua decisão após intensas críticas e fundamentou sua nova postura na comprovação por parte das requerentes de substanciais reduções de custo, que permitiram à nova empresa concorrer mais eficientemente tanto interna como externamente. Ver Kolasky e Dick (2003, p.18-20).
66
Vale ressaltar que a mudança de postura é sutil. As considerações sobre eficiências
foram deslocadas da seção de defesas para a seção de efeitos competitivos. Introduziu-se um
parágrafo introdutório reconhecendo entre os efeitos da fusão seus potenciais efeitos sobre a
eficiência e preços. Houve uma mudança na ênfase, pois ao invés de serem consideradas
apenas em “casos extraordinários” mantinha-se agora apenas a demanda de evidências
“claras e consistentes”. Altera-se o adjetivo, não se exigindo reduções substanciais, só
significativas, de custo. Se anteriormente se pedia a prova de que o resultado não pudesse ser
obtido por expansão interna à firma, agora basta que o ato de concentração seja
“razoavelmente necessário” para a obtenção dos ganhos de eficiência. As alterações abrem
caminho para a inclusão definitiva do argumento.
Em 1992 o DOJ e a FTC publicaram em conjunto uma versão do guia para análise de
atos de concentração horizontais, o Horizontal Merger Guidelines (HMG), que representou
uma substancial mudança em relação a seus predecessores. O novo guia logo se tornou o
principal referencial analítico utilizado por estes órgãos para julgar fusões e aquisições e seus
impactos sobre a concorrência. A idéia geral é avaliar até que ponto o ato de concentração
poderá - a partir de determinados graus de concentração – criar ou facilitar o exercício do
poder de mercado, sendo a referência básica para o exercício deste a capacidade da nova
empresa em manter os preços elevados por um período relevante de tempo.
Como o HMG se tornou referência internacional cabe, ainda que de forma sucinta,
descrever sua metodologia para avaliar se um ato de concentração tem ou não efeitos
prejudiciais à concorrência65. Esta se baseia na seguinte seqüência de passos:
a) Primeiro, estabelecer o mercado relevante;
65 Esta metodologia foi, em grande medida, seguida pelos “guias” para análise dos atos de concentração que vieram a ser publicados pela União Européia e pelo Brasil. A seqüência de passos aqui estabelecida será relevante nas discussões posteriores sobre a forma pela qual as eficiências foram utilizadas enquanto argumento na aprovação ou não das concentrações.
67
b) Segundo, verificar se a fusão – à luz do grau de concentração, probabilidade de
colusão, etc... – preocupa no que se refere a seus efeitos adversos sobre a
competição;
c) Terceiro, verificar a possibilidade de entradas que compensem os efeitos
anticompetitivos da fusão;
d) Quarto, avaliar as possíveis eficiências compensatórias.
O primeiro passo é a definição do mercado relevante, aquele que pode ser objeto do
exercício do poder de mercado. Se um produto numa determinada área geográfica está sujeito
ao exercício do poder de mercado de um monopolista hipotético, então se estabelece um
mercado relevante para a análise antitruste66. Para defini-lo o HMG propõe uma metodologia
de três passos. Primeiramente determina-se o mercado relevante do produto, identificando
todos os produtos que sejam substitutos próximos do bem sob análise. Em seguida se define a
área geográfica relevante. Por fim, identificam-se todas as firmas que podem ofertar este
produto nesta área geográfica.
Para definir o mercado relevante do produto deve-se determinar em que medida um
monopolista hipotético estará em condições de elevar seu preço de forma lucrativa,
considerando-se a reação dos consumidores a esta alteração no preço. Se em resposta a uma
elevação no preço, as vendas esperadas caírem proporcionalmente mais, a elevação do preço
não terá sido lucrativa, isto é, quanto mais elástica for a demanda menor será a possibilidade de
o monopolista elevar lucrativamente seu preço. Assim, se os consumidores hipoteticamente
reagirem a esta elevação no preço comprando produtos que sejam substitutos próximos, então
o exercício do poder de mercado estará limitado e a definição do mercado relevante ainda não
estará concluída, devendo-se ampliar o escopo de produtos e refazer o teste.
66 “Um mercado é definido como um produto ou grupo de produtos e uma área geográfica na qual é produzido ou vendido tal que, uma hipotética firma maximizadora de lucros – não sujeita a regulação de preços - que seja a única produtora ou vendedora, no presente e futuro, daqueles produtos naquela área, poderia provavelmente impor pelo menos um pequeno mas significativo e não transitório aumento do preço, supondo que as condições de venda de todos os outros produtos se mantêm constantes. Um mercado relevante é o grupo de produtos e a área geográfica não maior que o necessário para satisfazer tal teste.” (HMG, 1992, p. 3). Para uma discussão do conceito de mercado relevante e suas implicações na análise antitruste ver Possas (1996).
68
Na determinação do mercado geográfico o teste proposto pelo HMG é verificar se um
hipotético monopolista irá impor um “aumento pequeno, mas significativo e não transitório
nos preços” de forma lucrativa mantendo constantes os níveis de venda de todos os produtos
produzidos em outros locais. O teste busca verificar qual a área geográfica sob o impacto da
ação do monopolista, ou seja, qual a região atingida pelo exercício de poder de mercado do
monopolista.
Por último, é necessário identificar as firmas que compõem a oferta. Às firmas que
estão correntemente produzindo poderão ser somadas as possíveis entrantes não
comprometidas (uncommitted), aquelas firmas que em resposta à elevação no preço de
mercado passarão rapidamente a produzir aquele produto.67 Desta forma, na visão do HMG, os
ofertantes potenciais não comprometidos já estão incorporados ao mercado relevante, o que
está de acordo com a visão tradicional, na qual a entrada corresponde à elevação da capacidade
produtiva pela compra de novos ativos por parte de um novo concorrente.68
Uma vez definido o mercado relevante, o próximo passo para analisar os efeitos
anticompetitivos de uma fusão é verificar qual o impacto desta sobre o grau de concentração do
mercado, pois “Tudo o mais sendo igual, a concentração de mercado afeta a possibilidade que
uma firma, ou um pequeno grupo de firmas, possa com êxito exercer poder de mercado”.
(HMG, 1992, p.11). Quanto menor for a oferta da firma como percentual da oferta total, maior
terá que ser a redução proporcional na sua produção para que ela possa produzir um impacto
no mercado capaz de elevar o preço e, portanto, menores as chances de que este movimento
venha a ser lucrativo69.
67 Chamam-se entrantes não comprometidos porque podem entrar e sair do mercado rapidamente (hit and run), sem incorrer em perdas significativas (sunk costs). De maneira geral estas empresas podem “entrar” no mercado através do reaproveitamento ou redirecionamento de ativos. 68 Tradicionalmente uma entrada consiste no estabelecimento no mercado relevante de uma nova firma que adiciona capacidade produtiva a esta indústria. Assim, exclui-se deste conceito a aquisição de uma empresa já existente por outra que não participava neste mercado, bem como a ampliação da capacidade produtiva de uma empresa já atuante. Cf . Bain (1956). 69 A concentração de mercado é medida a partir do índice Hirschman-Herfindahl (HHI) que é definido como :
69
Outro ponto em destaque no HMG é avaliar a possibilidade da fusão facilitar a
coordenação de ações que sejam danosas à concorrência. Este tipo de ação, por exemplo, as
firmas reduzindo simultaneamente a quantidade ofertada para elevar o preço de mercado, é
conhecida da literatura como conluio.70 Os fatores de mercado que devem ser considerados
como relevantes são: a disponibilidade de informações-chave relativas às condições e
transações no mercado e concorrentes; o tamanho da firma e a heterogeneidade do produto; as
práticas de formação de preço e marketing típicas deste mercado e, por fim, o conhecimento da
demanda. No geral uma fusão é danosa à concorrência na medida em que favorece às firmas
engajar-se neste processo de coordenação. O sucesso desta coordenação, por sua vez,
dependerá da estrutura de mercado ser propícia a que se alcancem os termos do acordo e
também a detectar e punir os possíveis desvios.
Contudo, outros fatores devem ser considerados, pois embora se admita que o incentivo
à firma desviar-se dos termos do acordo – limitações referentes à elevação no preço e
quantidades – são maiores à medida que esta ação puder passar despercebida, tudo dependerá,
em última instância, das reações dos participantes do mercado. É juntamente a dificuldade em
se prever com algum grau de segurança esta reação que torna tão complexa a teoria de
formação de preços em estruturas oligopolistas, aproximando-a de um jogo estratégico.
Normalmente, esta imprevisibilidade da reação leva as firmas a adotar comportamentos
convencionais, cuja expressão mais simples é a rigidez de preços. Entretanto, estes
∑ =
n
1i2isHHI = , sendo n o número de empresas e s a parcela de mercado. O índice varia de um valor mínimo de
1/n (todas as empresas têm a mesma participação no mercado) até um 1 (monopólio). O Guidelines utiliza participações com base 100, o que leva o índice a variar de 0 a 10000. São seguintes os critérios utilizados no HMG (1992, p. 10), com base no HHI:
• HHI < 1000 – o mercado não é concentrado, não havendo portanto impacto prejudicial à concorrência. • 1000 < HHI < 1800 – estes mercados são considerados como relativamente concentrados. Se a fusão
produzir uma elevação de menos de 100 pontos no índice, provavelmente não produzirá efeitos danosos à concorrência. Se, por outro lado, a fusão elevar o índice em mais de 100 pontos, num mercado já relativamente concentrado, a Agência (DOJ e FTC) considera que a ação oferece riscos à concorrência.
• HHI > 1800 – a Agência considera que estes mercados já são muito concentrados. Contudo, fusões que elevem o índice em menos de 50 pontos não são consideradas preocupantes, enquanto efeitos no índice maiores que 50 são vistos como danosos.
70 As chances da manutenção do acordo de conluio serão determinadas pela capacidade que uma firma tenha de furar o acordo sem que isto seja percebido. Na medida em que o incentivo a trair seja elevado, o comportamento racional pode levar as firmas a optar por uma situação de máximo condicionado à reação das outras.
70
comportamentos podem ter uma série de outros padrões como, por exemplo, seguir uma
liderança de preços - com ou sem diferencial em relação ao líder – , orientar sua produção de
forma a manter fixo o market share, etc..71 Este comportamento pode estar sendo seguido de
forma tácita, sem necessidade de nenhum acordo formal, o que torna extremamente difícil
arbitrar em que medida o ato de concentração facilitará ou não a coordenação.72
Até o momento a análise do impacto dos atos de concentração levou em consideração
somente as empresas participantes do mercado relevante. Neste sentido a preocupação foi de
evitar a elevação do grau de concentração, expresso pelos market shares, posto que se
relacionou esta variável ao exercício do poder de mercado. Contudo, as condições de entrada
são altamente condicionantes do exercício do poder de mercado. Recorde-se o argumento: se a
entrada em um determinado mercado é fácil, então qualquer tentativa de elevar o preço para
obter lucros extraordinários seria obstruída pela entrada de novos competidores, o que reduziria
o grau de concentração e levaria a reduções de preço73. Os mercados sem significativas
barreiras à entrada têm, desta forma, condições estruturais que dificultam o exercício do poder
de mercado e, conseqüentemente, não oferecem maiores riscos à concorrência.74
71 O HMG pondera a hipótese de que haja no mercado firmas “selvagens” (mavericks), que se caracterizariam pela agressividade, isto é, seu comportamento competitivo (tendência a desviar-se dos acordos com os rivais). Segundo o HMG a presença destas empresas tornaria o mercado menos propenso a coordenação e, desta forma, a fusão potencialmente menos preocupante. Note que esta análise está fortemente condicionada à noção de concorrência via preços. A tendência acima descrita de rigidez nos preços não significa o abandono da competição, e sim que ela se processará em outra esfera, como por exemplo, a diferenciação de produtos. 72 Há ainda outros pontos considerados, por exemplo, a diferenciação de produtos. Se uma fusão entre duas firmas de um mercado diferenciado propiciar a uma delas elevar o preço de um ou de ambos os produtos acima dos preços anteriores à fusão, então as possíveis perdas no volume de vendas associadas à elevação do preço de um produto poderão ser “capturadas” pelo outro produto, tornando esta ação lucrativa. A fusão teria então permitido uma ação não competitiva (HMG,1982, p. 14). 73 Ressalte-se que os entrantes potenciais aqui analisados são dos tipo “committed”, isto é, aqueles que não podem retirar-se do mercado sem incorrer em custos significativos. 74 Em seu trabalho pioneiro, Bain (1956, p.3) buscou explicar por que o preço fixado em oligopólio era sistematicamente maior que o preço concorrencial, isto é, aquele que iguala o custo médio de longo prazo. Sua principal conclusão foi que as firmas fixavam preços de acordo com a existência de barreiras à entrada. A condição de entrada em uma indústria é definida como a concorrência potencial representada por possíveis novos produtores. Esta poderia ser estimada pelas vantagens que as firmas atuantes possuem sobre os entrantes potenciais, que se refletiriam na fixação de preços acima dos níveis competitivos. Estas vantagens constituem a própria noção de barreiras à entrada.
71
Com o objetivo de determinar as condições de entrada de um dado mercado – isto é,
identificar as possibilidades que entrantes potenciais tenham para superar as eventuais barreiras
à entrada e, desta forma, obstaculizar os potenciais efeitos anticompetitivos advindos de uma
fusão -, o HMG estabelece uma metodologia que consiste em três testes:
a) Verificar se a quantidade ofertada pelo entrante pode causar um impacto significativo
na oferta total do mercado em um curto espaço de tempo.
b) Verificar se a empresa entrante poderá atuar, no longo prazo, de forma lucrativa,
cobrando os preços que vigiam antes da fusão.
c) Verificar se a estrutura de mercado, posterior à fusão, será tal que garantirá que os
preços se situem nos níveis anteriores ao ato de concentração.
Os três passos anteriores são classificados, respectivamente, como testes de
oportunidade, probabilidade e suficiência (timeliness, likelihood e sufficiency).75 O objetivo
do primeiro teste é garantir que o impacto da entrada se dê a tempo de contrabalançar os efeitos
da fusão. Se os efeitos só se fizerem sentir no longo prazo a entrada não terá os efeitos
competitivos desejados. O segundo teste visa avaliar a lucratividade do mercado para a
entrante, pois a firma sabe que sua entrada elevará de novo a oferta – reduzida pelas firmas que
se fundiram com o objetivo de elevar o preço – e portanto deverá reduzir de novo os preços aos
níveis anteriores à fusão. São, portanto, estes preços que devem ser levados em consideração
para calcular a lucratividade e sua atratividade para a entrante. Já o terceiro teste objetiva
assegurar que, uma vez garantidas as condições de oportunidade e probabilidade, as entradas
sejam na escala necessária a levar os preços aos níveis anteriores. As entradas podem não ser
suficientes, dadas as dificuldades associadas à disponibilidade de ativos tangíveis e intangíveis,
para garantir que ela consiga responder plenamente as oportunidades de venda, ou seja, atinja o
volume de vendas e a necessária escala de produção (HMG, 1982, p.16).
Os mesmos testes serão empregados para identificar outras possibilidades de entrada
(entry alternatives) para uma firma entrante em potencial. Estas são definidas pelas ações que 75 Ver HMG, 1982, p. 16.
72
uma firma tem que tomar (planejamento, organização, marketing, distribuição, etc...) de forma
a produzir e vender em um mercado. Desta forma o DOJ e a FTC esperam garantir que as
possíveis entradas e seus efeitos pró-concorrenciais sejam devidamente considerados na análise
dos atos de concentração.
É relevante notar que o ato de concentração pode ser questionado pelos órgãos de
defesa da concorrência norte-americanos em cada uma das etapas anteriores. Contudo, mesmo
que o ato sob análise seja avaliado negativamente nas etapas anteriores - por representar um
risco à concorrência - ainda assim restaria avaliar as eficiências alegadas para ponderar se elas
seriam suficientes para contrabalançar os afeitos anticompetitivos. Neste ponto, caberia
destacar que o HMG não apresenta diferenças essenciais em relação ao seu predecessor de
1984, sendo que o tratamento dado à questão dos ganhos de eficiência é praticamente o
mesmo, com uma única, mas relevante, diferença: a omissão da necessidade de provas claras e
convincentes da existência destes ganhos. A eliminação desta exigência, em especial no
contexto impreciso de formulação de cenários sobre os efeitos do ato de concentração,
sinalizou uma maior predisposição para considerar os argumentos relativos à obtenção de
ganhos de eficiência.76
76 De fato, a seção que trata das eficiências é bem sucinta. Transcrevendo-a: “O benefício básico das fusões para a economia é seu efeito potencial para ampliar a eficiência, que poderá resultar em um aumento da competitividade e em preços menores para os consumidores. Porque a legislação antitruste, bem como os padrões do Guidelines, são elaborados para coibir apenas as fusões que representem uma ameaça à concorrência, eles não representarão um obstáculo à maioria das fusões. Em conseqüência, na maioria dos casos, o Guidelines permitirá às firmas alcançar as eficiências disponíveis sem que haja interferência da Agência (DOJ e FTC). Algumas fusões que a Agência poderia questionar podem ser essenciais à obtenção de significativas eficiências líquidas. As eficiências que são cognoscíveis incluem – embora não sejam por elas limitadas – a obtenção de economias de escala, a maior integração entre as unidades produtivas, uma maior especialização da planta, menores custos de transporte e ganhos de eficiência similares, relacionados à especificidade do processo de produção, prestação de serviço ou distribuição por parte das firmas fusionadas. A Agência poderá ainda considerar as alegações de eficiência resultantes da redução de despesas com vendas, administrativas e gerenciais, que não estejam diretamente relacionadas ao processo de produção, prestação de serviço ou distribuição das requerentes, embora, de forma pragmática, estes tipos de eficiências sejam de difícil demonstração. Adicionalmente, a Agência irá rejeitar os pedidos de eficiência se economias equivalentes ou comparáveis forem passíveis de serem obtidas por outros meios. Os ganhos líquidos de eficiência devem ser tão maiores, quanto mais significativos forem os riscos competitivos identificados na seção [1-3].” (HMG, 1992, p.18)
73
Em 1997 foi publicada a versão atual do HMG, que manteve inalterada a metodologia
proposta na versão anterior para avaliar os atos de concentração horizontais. A única alteração
foi uma ampla mudança na seção 4, justamente a que trata das eficiências.77 Embora mantendo
em essência a introdução de 1992, a nova versão buscou detalhar o processo pelo qual os
ganhos de eficiência poderiam elevar a capacidade competitiva das firmas, adicionando novos
benefícios para além da redução de custos e preços: “eficiências podem resultar em benefícios
na forma de novos e melhores produtos, sendo que as eficiências podem resultar em benefícios
mesmo quando o preço não for imediatamente e diretamente afetado” (HMG, 1997, p.22).
Uma mudança significativa foi uma explicação mais detalhada do critério para a
aceitação das alegações de eficiência. As eficiências seriam cognoscíveis, isto é, admissíveis
para efeito de análise, quando preenchessem três condições: (i) fossem especificas ao ato de
concentração; (ii) fossem verificáveis e (iii) não fossem oriundas de restrições anticompetitivas
da produção ou serviço ofertado.
As eficiências específicas à fusão foram definidas como aquelas que: “são prováveis de
serem obtidas com a fusão proposta e improváveis de serem obtidas na ausência da fusão
proposta ou de outros meios que tenham efeitos anticompetitivos comparáveis.” (HMG, 1997,
p.22). Esta abordagem é distinta das anteriores pois se, anteriormente, o foco era avaliar se as
eficiências poderiam ser “obtidas por outros meios”, agora a pergunta relevante é se elas
seriam prováveis sem a fusão. Para Kolasky (2001, p.82) esta é uma alteração muito
significativa, pois há várias razões pelas quais uma firma pode não estar disposta a perseguir
ganhos de eficiência através de sua expansão interna. Por exemplo, a existência de
descontinuidades nas escalas de produção poderia exigir da firma na busca de uma melhor
escala a ampliação significativa da oferta, o que, no curto prazo, poderia derrubar os preços e a
lucratividade. É claro que existem diversas outras possibilidades; por exemplo, caso os ganhos
77 Note-se que esta nova versão foi publicada durante a gestão de Robert Pitofsky, que assumiu a presidência da FTC em 1995. Tendo produzido um texto influente em 1992 sobre o papel das eficiências obtidas através de fusões na competitividade das empresas norte-americanas - no contexto de uma economia crescentemente globalizada – Pitofsky era um grande entusiasta do tema, tendo produzido diversos seminários sobre o assunto. Ver Pitofsky (1992, 1998).
74
de eficiência fossem resultantes da complementaridade de ativos feitos por contratos, a fusão
reduziria os custos de transação.
A necessidade de verificação justifica-se, segundo o HMG, porque em grande medida
as informações relativas aos ganhos de eficiência são fornecidas exclusivamente pelas
requerentes do ato de concentração. Mesmo partindo-se do pressuposto da boa fé das firmas,
dadas as dificuldades inerentes a sua comprovação, estes ganhos podem não se consubstanciar.
Assim, caberá ao DOJ e a FTC verificar: “...a probabilidade e magnitude de cada alegação de
eficiência, como e quando ela será alcançada (e os custos de fazê-lo), como cada uma delas
irá elevar o incentivo e a capacidade competitiva da firma fusionada e porque cada uma delas
é específica à fusão” (HMG, 1997, p.22).
O último ponto ressalta o aspecto pró-competitivo da legislação. Algumas reduções de
custos decorrentes da racionalização de despesas das empresas fusionadas são descartadas
como sendo anticompetitivas. Por exemplo, a eliminação da concorrência entre as firmas pode
permitir uma diminuição nos gastos em propaganda, necessários a manter e adquirir novos
clientes. Embora as empresas tendam a tratar esta redução de despesas como um ganho de
eficiência, ela não é admissível no âmbito do HMG.
O próximo passo é analisar os efeitos competitivos das eficiências cognoscíveis. O
HMG de 1997 afirma que serão consideradas as eficiências que sejam suficientes para reverter
os potenciais efeitos danosos no mercado relevante. Como nas versões precedentes é proposta
uma escala na qual os ganhos de eficiência terão que ser tão maiores quanto mais elevados
forem estes efeitos adversos potenciais.78 Um ponto relevante é a ressalva de que são
extremamente raras as situações nas quais os ganhos de eficiência são suficientes para
78 “Quanto maior for o potencial efeito adverso sobre a concorrência de uma fusão – como indicado pela elevação do HHI e do HHI pós fusão da Seção 1, da análise dos potenciais efeitos adversos à competição da Seção 2, da oportunidade, probabilidade e suficiência das entradas da Seção 3 – maiores deverão ser as eficiências cognoscíveis para que a Agência conclua que a fusão não terá efeitos anticompetitivos no mercado relevante. Quando os potenciais efeitos adversos à concorrência decorrentes da fusão forem particularmente elevados, serão necessárias eficiências cognoscíveis extraordinariamente grandes para evitar que a fusão seja anticompetitiva.”(HMG, 1997, p.23)
75
compensar os efeitos anticompetitivos de fusões que elevem significativamente a concentração
no mercado relevante: “Pela experiência da Agência, é mais provável que as eficiências façam
diferença na análise de uma fusão, quando os prováveis efeitos adversos à concorrência,
excluídas as eficiências, não são grandes. Eficiências quase nunca justificam uma fusão que
leve a um monopólio ou quase-monopólio” (HMG, 1997, p.23).
Há, neste contexto, uma crescente discussão sobre a consideração ou não dos efeitos
distributivos dos ganhos de eficiência na legislação antitruste. Como foi visto no capítulo
precedente, havia aqueles que fundavam sua análise nos ganhos de eficiência alocativa
agregada, excluindo as considerações distributivas, posto que, em resumo, importava o
aumento de bem-estar total da sociedade. Diversos autores (Hausmane e Leonard, 1999 e
Conrath e Widnell, 1999) ressaltaram que as alterações no HMG buscam destacar a primazia
dos consumidores, isto é, a necessidade do repasse destes ganhos de eficiência aos
consumidores (pass-on) para garantir que estes fossem cognoscíveis. De fato, é possível
observar a constante preocupação em beneficiar os consumidores embora, se admita a
possibilidade de uma alocação intertemporal destes ganhos. Na nota 37 daquele documento,
destaca-se que, se a análise de curto prazo determinará em grande medida as decisões da
Agência, também poderão ser considerados aqueles ganhos que não tenham efeitos diretos no
curto prazo (preços no mercado relevante). Neste caso, os argumentos favoráveis à fusão que
se baseiam em eficiências terão um peso menor, seja porque estão distantes no tempo, seja
porque são mais difíceis de prever (HMG, 1997, p.27).
Alguns meses depois destas alterações, Pitofsky (1998), então Chairman da FTC,
publicou uma avaliação preliminar dos impactos da revisão de 1997 sobre o tratamento dado às
eficiências nos atos de concentração horizontal. Destaca que houve basicamente dois tipos de
reação às mudanças. Primeiramente havia aqueles que sustentaram que o afastamento da
análise antitruste de seu caráter estritamente estrutural implicaria uma elevação significativa da
dificuldade de avaliação dos casos, tornando muito difícil até mesmo sua aprovação. Por outro
lado, havia aqueles que alegaram que as eficiências estavam tão circunscritas por
condicionantes – serem específicas ao ato, substanciadas, não decorrerem de atos
76
anticompetitivos, elevarem o bem-estar do consumidor, etc... – que sua introdução não
representaria nenhuma alteração prática, pois em poucos casos elas seriam consideradas.
Para o autor nenhuma destas previsões se concretizou, sendo os primeiros resultados
muito promissores. Em linhas gerais argumenta que, dadas as limitações do enfoque, a
incorporação das eficiências segundo a revisão do HMG dificilmente reverteria uma decisão de
uma fusão ilegal, tendo essencialmente o mérito de “abrir as portas” as estas alegações como
parte da estratégia de defesa. Além disto, o estabelecimento de regras mais claras sobre seu
papel na defesa permitiu a elaboração de parâmetros que tornaram mais consistentes as
alegações.79
Para Pitofsky (op.cit., p.7), ao longo das últimas décadas a análise antitruste teria
evoluído de uma visão restrita, baseada exclusivamente no grau de concentração, incorporando
novas considerações em sua avaliação dos efeitos anticompetitivos – novas entradas,
dificuldades na coordenação, etc... – sendo as alegações de eficiência um passo adicional nesta
evolução.
Embora seja consensual que as alterações na seção 4 do HMG permitiram um
incremento nas alegações de eficiência nos atos de concentração horizontal, há uma clara
percepção de que o tratamento dado a estas alegações foi bastante diferenciado, até mesmo por
conta das limitações impostas. É preciso notar que o próprio processo para determinar se a
eficiência é cognoscível ou não só pode ser feito no contexto da avaliação específica do ato de
concentração.
Leary (2002) alega que, na experiência norte-americana, o tratamento dado às
eficiências se baliza na concentração de mercado envolvida na operação. Nos casos nos quais
79 Pitofsky (1998, p.3) cita como exemplo a fusão de dois hospitais (Long Island Jewish Medical e North Shore Health). Embora considerando que as alegações sobre os ganhos de eficiência fossem exageradas, a corte reconheceu como prováveis a ocorrência de ganhos substanciais da ordem de US$ 30 milhões. Como as instituições não tinham fins lucrativos, entendeu-se que elas teriam “um compromisso genuíno em ajudar suas comunidades” e desta forma estaria garantido o repasse aos consumidores. Com base neste argumento a operação foi aprovada.
77
esta concentração não implique maiores riscos, não há uma preocupação com a quantificação
rigorosa das alegações, sendo estas incluídas na descrição geral dos prováveis efeitos da fusão.
Já nos casos em que a fusão acarreta uma grande concentração a questão se torna mais
complexa, pois um maior rigor na prova dos ganhos de eficiência envolve o uso de técnicas de
previsão estatística, pouco familiares a juizes e advogados - fato que produz algum ceticismo e
resistência a este tipo de evidência. Esta relutância não se baseia somente no desconhecimento
da técnica, mas sobretudo na pouca exatidão dos resultados, fortemente dependentes das
hipóteses iniciais.
A existência destes óbices – problemas na quantificação, pouca precisão, resultados
inconclusivos – associada às dificuldades em garantir o repasse destas eficiências aos
consumidores e a inexistência, até o presente momento, de métodos de quantificação de outros
tipos relevantes de eficiência (dinâmica, etc...) tornaram sua avaliação um exercício altamente
subjetivo. Conseqüentemente, a despeito de sua crescente importância, observa-se que, na
prática, as alegações de ganhos de eficiência têm sido vistas com ressalvas nos tribunais norte-
americanos.
2.1.2 – O European Community Merger Regulation
O tratado original que instituiu a Comunidade Européia em 1957 estabeleceu os
princípios básicos sobre as relações de concorrência no âmbito europeu. Inicialmente não
houve a preocupação com o desenvolvimento de uma legislação específica para o controle dos
atos de concentração, até porque havia interesse no crescimento das empresas européias para
que, com os ganhos de escala, elas se tornassem competitivas internacionalmente. Na ausência
de um instrumento próprio, utilizou-se como referência os artigos 81, 82 e 83 (este último
78
apenas regulamenta as linhas definidas nos dois artigos anteriores) do tratado constitutivo da
Comunidade Européia.80
O ponto de partida para a compreensão da legislação européia é o artigo 81 do tratado,
que estabelece os limites para as práticas empresariais, definindo aquelas que são danosas à
concorrência. Devem ser proibidos os atos que “impeçam, restrinjam ou distorçam a
concorrência no mercado comum”, em especial aqueles relacionados a: (i) fixar preços de
compra e venda; (ii) limitar produção, mercados, desenvolvimento tecnológico e
investimentos; (iii) dividir mercados ou fontes de oferta; (iv) impor tratamentos assimétricos
que gerem desvantagens competitivas e (v) impingir obrigações adicionais que não estejam
vinculadas diretamente ao objeto do contrato.
No entanto, na seqüência, o artigo prevê que tais atos possam ser considerados legais se
contribuírem para: “o incremento da produção ou distribuição de bens ou para a promoção do
progresso técnico ou econômico”, desde que: (i) os consumidores recebam uma justa parte
(fair share) destes benefícios; (ii) as restrições anticompetitivas sejam indispensáveis à
obtenção destes efeitos e (iii) não haja eliminação da concorrência. Portanto, o artigo
estabelece que os efeitos favoráveis e contrários à concorrência devem ser ponderados para
determinar se as práticas das empresas devem ou não ser condenadas.81
80 A legislação antitruste européia tem forte influência da legislação alemã, país europeu com maior tradição no tema. Logo após a segunda guerra mundial foi promulgada a Convenção de Potsdam, cujo artigo 12 proibia explicitamente a formação de cartéis e fusões, buscando, sob inspiração norte-americana, desconcentrar a indústria. Posteriormente, a metodologia de análise do Bundeskartellamnt (Agência Federal de Cartéis) serviu de base para a criação da agência européia. Com o processo de integração econômica e política da Europa, limitou-se o espaço de intervenção das políticas nacionais, posto que as empresas costumam operar em mais de um dos países membros. Com isso ganhou espaço crescente a política comunitária, embora, formalmente, ainda haja espaço para as agências nacionais. 81 O artigo 82 trata do abuso da posição dominante. Textualmente: “Qualquer abuso de posição dominante de uma ou mais empresas no mercado comum, ou em parte dele, deverá ser proibido como incompatível com o mercado comum, na medida em que pode afetar o comércio com os estados membros. Este abuso pode, em particular, consistir em: (a) impor, direta ou indiretamente, condições de compra, preços ou qualquer outra condição de comércio injusta; (b) limitar a produção, os mercados ou o desenvolvimento tecnológico para prejuízo dos consumidores; (c) aplicar às partes comerciantes de uma mesma transação condições distintas, de forma a propiciar uma desvantagem competitiva; (d) sujeitar a conclusão dos contratos à aceitação de obrigações suplementares que, por sua natureza ou de acordo com a prática comercial, não estejam relacionadas ao objeto de tais contratos”. Já o artigo 83 define a competência da Comissão Européia de Fusões e Aquisições e do Tribunal de Justiça para aplicar as medidas previstas nos artigos precedentes. Dentre suas atribuições
79
Estes artigos foram aplicados pela primeira vez quando da aquisição de um fornecedor
por parte da Continental Can, empresa que já detinha uma posição dominante no mercado. A
decisão, referendada pela Suprema Corte, estabeleceu as bases da doutrina de mesmo nome, e
fundamentou a análise de atos de concentração que elevassem a posição dominante.82 No
entanto, como o artigo 82 trata especificamente do abuso da posição dominante não havia
consenso sobre sua utilização como base legal para avaliar os casos nos quais houvesse criação
de posição dominante, deixando patente a necessidade de uma legislação específica (Cook e
Kerse, 2000, p.1-3).
Este espaço foi preenchido pela publicação do European Community Merger
Regulation nº 4064/89 (ECMR), inspirado nos artigos já citados e no artigo 308.83 O ECMR
adotou o conceito de dominância e introduziu uma sistemática para medir a posição dominante
da empresa. A utilização deste conceito para definir os limites de legalidade dos atos nas
políticas de defesa da concorrência não está ligada à sua existência ou não – até porque uma
posição dominante poderia ser decorrência do processo competitivo – mas, tão somente,
vincula-se ao abuso desta posição.84
destacam-se, em particular, instituir as penalidades às infrações, estabelecer as regras de aplicação, definir as áreas econômicas e a abrangência das medidas e prover a relação com os órgão nacionais de defesa da concorrência. 82 Europemballage Corp. and Continental Can vs. Commission (Caso 6/72 – ECR, 1973). O conceito de posição dominante é definido como: “Uma situação de poderio econômico detida por uma ou várias empresas que lhes daria a faculdade de obstar a manutenção de uma concorrência efetiva no mercado em causa, dando-lhes a possibilidade de adotarem comportamentos independentes numa medida apreciável em relação aos seus concorrentes, aos seus clientes e, finalmente, aos consumidores” (Orientações para a Apreciação de Concentrações Horizontais, 2004/C 31/03 2). Portanto, corresponde ao poder de mercado exercido pelas empresas líderes no mercado relevante. 83 Segundo o regulamento: “Os artigos 81º e 82º, embora aplicáveis, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a determinadas concentrações, não são suficientes para abranger todas as operações suscetíveis de se revelarem incompatíveis com o regime de concorrência não falseada previsto no Tratado. O presente regulamento deverá, por conseguinte, basear-se não apenas no artigo 83°, mas principalmente no artigo 308°do Tratado, por força do qual a Comunidade se pode dotar dos poderes de ação necessários à realização de seus objetivos, também no que respeita às concentrações nos mercados dos produtos agrícolas referidos no anexo I do Tratado.” (ECMR, 2004, 7). 84 Bishop e Walker (2002), ao discutirem os conceitos subjacentes à abordagem da Comissão Européia, sugerem que a “concorrência efetiva” pode ser definida como um conceito. Um mercado seria definido como sujeito a concorrência efetiva se não há nenhum poder de mercado significativo sendo exercido. Neste mercado não haveria restrições e nenhuma firma estaria influenciando preço, condições que garantiriam a eficácia do mecanismo concorrencial, impulsionando as firmas a operar de forma eficiente e repassar estes ganhos ao consumidor.
80
Durante muito tempo, esteve em foco a discussão sobre a inclusão ou não dos ganhos
de eficiência na legislação européia de controle de concentrações. O EMCR, em seu artigo
2.1(b), estabelece que a Comissão deve levar em conta: “...os interesses dos consumidores
intermédios e finais, bem como a evolução do progresso técnico e econômico, desde que tal
evolução veja vantajosa para os consumidores e não constitua um obstáculo à concorrência.”
A despeito de a noção de progresso técnico ser bem abrangente, ela foi associada às eficiências
produtivas e dinâmicas, sinalizando o referendo do ECMR a incorporação do tema, embora
limitando as alegações de ganhos de eficiência aos casos nos quais consumidor for o principal
beneficiário e, simultaneamente, não houver prejuízo à competição.
A generalidade do texto provocou uma certa ambigüidade no tratamento das
eficiências, suscitando um intenso debate sobre a questão. Um dos mais notórios se refere a
uma interpretação do artigo 2.1(b) e a possibilidade de que os ganhos de eficiência possam ser
relacionados ao reforço da posição dominante. As eficiências produtivas e dinâmicas são
usualmente associadas a efeitos benéficos sobre o bem-estar dos consumidores, mas, se
implicarem vantagens competitivas significativas, estas eficiências podem acabar acarretando
um aumento e exercício do poder de mercado, gerando um impacto negativo no nível de bem-
estar. O trade-off entre ganhos de eficiência - necessariamente repassados aos consumidores - e
as perdas de eficiência alocativa associadas, no longo prazo, a um comportamento de
foreclosing é conhecido como “infração de eficiência” (efficiency offence) e foi objeto de
intensa discussão.
Parte da literatura (Padilla, 2002; Gerard, 2003) considera que, em alguma medida, a
Comissão Européia via as eficiências com certa hostilidade, o que se refletia na indecisão sobre
a incorporação objetiva do tema. A despeito deste argumento, as declarações mais recentes do
Comissário para Políticas de Concorrência da União Européia Mario Monti, demonstravam
um desejo de compatibilizar os ganhos de eficiência com o bem-estar dos consumidores:
“Atualmente, o objetivo das políticas de concorrência, em todos os seus aspectos, é proteger o
bem-estar do consumidor mantendo um elevado grau de concorrência no mercado comum. A
Concorrência deve levar a preços menores, maior variedade de bens e inovação tecnológica”,
81
e “A Comissão pretende considerar cuidadosamente todas as alegações de eficiência no
conjunto das reivindicações da fusão e pode decidir que, em conseqüência dos ganhos de
eficiência decorrentes do ato, a fusão não cria nem amplia a posição dominante, em razão da
qual haja uma restrição à concorrência efetiva.” (Monti, 2002, p.5)
Para Mano (2002, p.28) eram duas as principais dificuldades de incorporar o argumento
na legislação européia - a conhecida dificuldade de estabelecer um procedimento confiável
capaz de quantificar as eficiências e o debate sobre a legalidade da consideração destes efeitos
no âmbito do EMCR.
Este último ponto merece algumas considerações adicionais. Alguns autores supõem
que, no âmbito da legislação européia, as alegações de ganhos de eficiência só poderiam ser
feitas dentro de determinados limites de dominância, excluindo parcialmente as chamadas
eficiências compensatórias que contrabalançariam aumentos significativos do poder de
mercado. Por outro lado há os autores que sublinham que como o objetivo declarado da
legislação é a preservação da concorrência para benefício dos consumidores (de acordo com os
artigos 81 a 83 do Tratado Constituinte e o artigo 2.1(b) do EMCR) não há como negar que
ganhos de eficiência repassados ao consumidor podem superar os possíveis abusos do poder de
mercado e portanto devem, necessariamente, ser avaliados.85
Esta questão derivava, em particular, da interpretação dos antigos artigos 2.2 e 2.3 do
EMCR, conhecidos como “teste substantivo”. Dizia o artigo 2.3: “Devem ser declaradas
incompatíveis com o mercado comum as concentrações que criem ou reforcem a posição
dominante e, em razão das quais, a concorrência efetiva seja significativamente entravada, no
mercado comum ou numa parte substancial deste.” 86
Uma das interpretações argumentava que como a imposição de atos restritivos à
concorrência implica a existência de poder de mercado, seria suficiente demonstrar que estes 85 Mano (op.cit., p.31) cita entre os primeiros Jacquemin (1990) e Christensen et alii (1999) e dentre os segundos Monti e Rousseva (1999) e Camesasca (2000). 86O artigo 2.2 é somente a versão afirmativa do 2.3.
82
ocorreram para questionar uma concentração. Contudo, se a fusão não cria nem amplia a
posição dominante, ela não foi a causa dos atos restritivos que, provavelmente, derivavam do
poder de mercado já existente antes da fusão. Embora tais atos sejam objeto da defesa da
concorrência eles não estão no âmbito da análise de concentrações. A própria sistemática desta
análise – avaliação do market share, poder econômico e financeiro, acesso às fontes de
abastecimento, níveis de barreiras à entrada e evolução do mercado – ressalta a importância da
avaliação das alterações estruturais no mercado relevante.
Uma outra visão defendia que a ligação direta da posição dominante com as restrições à
concorrência tinha como resultado prático a utilização do teste de dominância como único
relevante à avaliação da concentração. A simples elevação da concentração acima dos limites
permitidos condenaria o ato pois, se houver criação ou reforço da posição dominante, estarão
criadas as condições para as práticas anticoncorrenciais87. O ponto aqui é que a simples criação
ou ampliação do poder de mercado não é garantia de sua utilização – caberá à nova empresa
decidir, com base nos condicionantes estruturais e estratégicos, se exercerá ou não seu poder de
mercado.88
Portanto, o teste substantivo compunha-se de duas partes, pois rejeitava os atos de
concentração que (i) levassem à criação ou ampliação da posição dominante e (ii) tivessem
como resultado um prejuízo à competição. Logo, o surgimento ou reforço da posição
dominante é condição necessária, embora não suficiente, para o impedimento do ato de
concentração. A interpretação dos artigos era crucial porque, uma vez admitida a hipótese de
que era suficiente avaliar a alteração na posição dominante, excluir-se-iam as defesas baseadas
em ganhos de eficiência (Mano, op.cit. p.34). 87 Atualmente, admite-se que atos de concentração que resultem em um market share inferior a 25% não são prejudiciais à concorrência. Com base na jurisprudência, a Comissão Européia reconhece que cotas de mercado entre 40% e 50% conduzem à criação ou reforço de uma posição dominante. Em alguns casos, em decorrência das condições estruturais um market share inferior a 40% pode levar à existência de uma posição dominante. Ver Orientações para a Apreciação de Concentrações Horizontais, §17. 88 Esta posição foi claramente defendida em diversos julgamentos recentes. Na avaliação da fusão das empresas Schneider e Legrand lê-se:“...uma eventual posição dominante por parte da nova empresa não poderá ser vista, a partir da decisão, como tendo por[...]efeito[...], um entrave significativo à concorrência efetiva nos termos do artigo 2, parágrafo 3, do Regulamento 4064/89...” Schneider vs. Commission (Caso T-310/01, apud Mano, 2002, p.36)
83
Ressalte-se que a não condenação a priori de fusões e incorporações que levem a
elevadas concentrações não significa ignorar que um grande poder de mercado é
potencialmente danoso à concorrência. Como a própria experiência dos órgãos de defesa da
concorrência demonstra, a criação de estruturas de mercado próximas a monopólios é, em
geral, acompanhada do abuso da posição dominante. Conseqüentemente, defesas fundadas em
eficiências necessitariam demonstrar e comprovar ganhos elevados, de forma a compensar o
dano à concorrência.
A existência de distintas interpretações postergou, até recentemente, a incorporação do
critério de eficiência na legislação européia. Embora não houvesse um reconhecimento
explícito do papel das eficiências dentre os procedimentos formais de análise dos atos de
concentração, elas eram consideradas em conjunto com os outros argumentos. Deste ponto de
vista, o marco é o caso Havilland de 1991, no qual se reconheceu não somente a relevância das
eficiências na análise antitruste mas também sua consideração no contexto geral da fusão,
desde que estas fossem substanciais, específicas e beneficiassem os consumidores89.
Para Mano (op.cit. p.28), é possível demonstrar que, na rotina de avaliação da
Comissão Européia, as eficiências eram implicitamente consideradas já há bastante tempo.
Dentre os motivos utilizados para a defesa deste argumento, se destacam: (i) o fato de que a
inexistência de uma alegação de ganhos de eficiência poderia levar a Comissão a suspeitar que
a fusão teria como objetivo a obtenção de poder de mercado, tornando-a questionável; (ii) a
comprovada boa vontade da Comissão para com as fusões que aleguem ganhos de eficiência na
forma de custos reduzidos, ganhos de qualidade etc.. e que, simultaneamente, possam se
difundir rapidamente no mercado, gerando uma maior pressão competitiva; (iii) as alegações
sobre o desenvolvimento de novos produtos, que afetam a definição do mercado relevante, isto
é, eficiências dinâmicas que podem, em maior ou menor grau, alterar a posição dominante; e
(iv) nos casos nos quais as fusões não são questionadas porque o grau de concorrência é
89 Este critério foi adotado e, em certa medida, aprimorado, ao longo de diversos outros casos, tais como: Accor/Wagon-Lits (1992), RTL/Veronica/ Endemol (1995), NordieSatellite Distribuition (1995), Airtours/ First Choice (1999), Boskalis/HBG (2000), De Beers/LVMH (2001). Ver Camesasca (2000) e Gerard (2003).
84
considerado satisfatório – market shares abaixo de 40% - estaria implícito que os ganhos de
eficiência gerados pela fusão seriam superiores aos possíveis prejuízos à competição.
A primeira evidência de uma mudança de posição da Comissão sobre a inclusão dos
ganhos de eficiência na norma européia foi a “Nota Preliminar sobre a Avaliação de Fusões
Horizontais da Comissão Européia”, publicada em dezembro de 2002. Na seção IV pode-se ler:
“A Comissão considera qualquer alegação substantiva de eficiências na avaliação geral da
fusão. Pode decidir que, em conseqüência das eficiências decorrentes da fusão, ela não cria
nem reforça uma posição dominante, em razão da qual, a competição efetiva será
significativamente entravada. Este será o caso quando a Comissão encontrar-se em posição de
concluir, com base em evidencias suficientes, que as eficiências geradas pela fusão
provavelmente incentivarão a empresa criada a agir competitivamente em benefício dos
consumidores, contrabalançando os efeitos sobre a concorrência que, de outra forma, a fusão
poderia ter. No interesse do consumidor é necessário assegurar que a empresa criada terá
incentivos suficientes para não apenas realizar as eficiências diretamente geradas pelo ato,
mas também continuará esforçando-se para incrementar a eficiência. Isto pressupõe uma
pressão competitiva suficiente por parte dos possíveis entrantes e das empresas concorrentes
restantes.”
A mudança definitiva no tratamento do tema veio com a reforma do controle dos atos
de concentração implementada no início de 2004. As alterações podem ser agrupadas em
quatro elementos principais:
a) uma revisão na regulamentação das fusões e aquisições;
b) um conjunto de reformas para reforçar a objetividade nas decisões da Comissão;
c) o lançamento de um guia sobre “os melhores procedimentos”, estabelecendo um
conjunto de regras processuais para a avaliação de fusões; e
d) a publicação de um guidelines europeu (Orientações para a Apreciação de
Concentrações Horizontais).
85
Dentre as modificações nos regulamentos destacam-se aquelas referentes à reforma nos
procedimentos para a definição da jurisdição, tornando mais claro o processo que estabelece a
competência (Comissão ou órgãos nacionais dos estados membros) para avaliar o ato de
concentração. Por outro lado, foram alteradas as exigências para empresas requisitarem um
parecer à Comissão antes da existência de uma notificação a nível nacional, bastando que o
caso tenha o aceite de três estados membros.
Já a maior objetividade foi obtida através da maior flexibilidade nos ritos do processo,
com as empresas adquirindo o direito de consultar diretamente a Comissão sobre a fusão ou
incorporação. Também foram ampliados os prazos necessários para apresentação de
documentos, evidências, etc. tanto na chamada fase 1 (procedimentos preliminares) como na
fase 2 (detalhamento da investigação).
O guia de “melhores procedimentos” sistematiza e formaliza as práticas que a
Comissão já consagrara por considerá-las eficazes na condução da análise dos atos de
concentração. Por exemplo, determina que a Comissão deve manter contatos com as partes
requerentes, mantendo-as informadas do andamento do processo de investigação já na fase
anterior à notificação. Cria a possibilidade de reuniões entre a Comissão, as partes e as
empresas que porventura se considerarem prejudicadas pela fusão, como forma de minimizar
atritos e agilizar os processos. Ou ainda, estabelece as condições pelas quais a Comissão
permite às requerentes o acesso aos documentos centrais do processo, garantido o direito de
comentar e questionar a investigação.
Na revisão fica evidente a aceitação de que havia razões substantivas para que as
eficiências fossem consideradas de forma mais explícita, tendo em vista a constatação de que
existiam importantes aspectos pró-competitivos envolvidos na questão. Em parte, isto se deve à
maior influência dos argumentos fundamentados na teoria econômica. A incorporação do
argumento se fez através de duas alterações principais.
86
Em primeiro lugar, a alteração na redação do artigo 2 da ECMR de forma a eliminar a
ambigüidade e garantir a interpretação de que só a criação ou ampliação da posição dominante
que gerasse prejuízos à concorrência fosse objeto da preocupação das autoridades antitruste.
Como se viu, esta alteração era fundamental para garantir legitimidade a possível alegação de
eficiências compensatórias90. Embora fosse usual argumentar que, na versão anterior, já havia
espaço para a incorporação das eficiências – com base na citada interpretação do artigo 2 - a
nova redação visou dissipar quaisquer dissidências. A alteração da redação do item 2.3 é a que
segue: “Devem ser declaradas incompatíveis com o mercado comum as concentrações que
entravem significativamente a concorrência efetiva, no mercado comum ou numa parte
substancial deste, em particular em resultado da criação ou do reforço da posição
dominante.” 91
O novo ECMR (139/2004) deixa clara a nova abordagem, destacando a necessidade de
se levar em consideração os efeitos das alegações de eficiência, se o objetivo é garantir uma
análise correta dos efeitos do ato de concentração sobre a concorrência. Fica explícita a
consideração de eficiências compensatórias: “É possível que os ganhos de eficiência
resultantes da concentração compensem os efeitos sobre a concorrência e, em especial, o
potencial efeito negativo sobre os consumidores que poderia de outra forma ter e que, por
conseguinte, a concentração não entrave significativamente a concorrência efetiva, no
mercado comum ou em parte substancial deste, em particular em resultado da criação ou do
reforço de uma posição dominante.” (ECMR, item 29). Estabelece ainda que a comissão
deverá divulgar orientações sobre a forma pela qual as eficiências deverão ser incorporadas à
análise.
90 A redação dava origens a diversas interpretações e criava outros problemas além deste. Havia aqueles que questionavam se o artigo incluiria alguns tipos de fusões em mercados oligopolistas. Por exemplo, uma fusão entre duas grandes empresas que gerasse uma nova entidade que ocupasse, não a liderança, mas a segunda ou terceira colocação no mercado. Ver Verouden (2004, p.2). 91 No original, a redação “A concentration which would significantly impede effective competition, in the common market or in a substantial part of it, in particular by he creation or strengthening of a dominant position, shall be declared incompatible with he common market” substituiu a redação anterior: “A concentration which creates or strengthens a dominant position as a result of which effective competition would be significantly impeded in the common market or in a substantial part of it shall be declared incompatible with he common market”. (ECMR 4064/89 e ECMR 139/2004, § 2.3). Grifos meus.
87
É para tanto que ocorre a publicação de um guidelines nos moldes norte-americanos – o
segundo ponto relevante da reforma -, as “Orientações para a Apreciação de Concentrações
Horizontais nos Termos do Regulamento do Conselho Relativo ao Controle das Concentrações
das Empresas” (2004/C 31/03), doravante OACH. O guia segue a sistemática consagrada para
a avaliação de uma fusão ou aquisição, isto é, definição dos market shares e dos graus de
concentração, possíveis efeitos sobre a competição, as condições de entrada no mercado e,
finalmente, no que importa para a presente discussão, a introdução dos ganhos de eficiência no
corpo da análise.
As OACH admitem que a concorrência vista em seu aspecto dinâmico pode acarretar
concentrações que tenham por objetivo ampliar a competitividade das empresas do mercado
comum. Desta forma se torna necessário que a Comissão examine a concentração a partir de
um contexto global , considerando, em especial, a evolução do progresso técnico e econômico
conforme disposto no artigo 2 do ECMR.
Embora formalmente abra espaço para a consideração das eficiências, as OACH
permanecem com um tratamento cauteloso do tema, estabelecendo três condições necessárias
para a incorporação do argumento na avaliação da concentração: (i) a garantia de que os
consumidores serão os beneficiários; (ii) a garantia da relação de causalidade (que sejam
específicas à fusão); e (iii) que sejam verificáveis.
A seção VII (itens 76 a 88) das OACH analisa o benefício aos consumidores
decorrentes dos ganhos de eficiência e se inicia estabelecendo que “A referência relevante
para apreciar as alegações de ganhos de eficiência consiste no fato de a situação dos
consumidores não piorar na seqüência da concentração”. Considera então que se as
eficiências forem substanciais e realizadas “em tempo útil”92 , poderão gerar benefícios aos
consumidores, em especial se acarretarem reduções nos preços das mercadorias. A existência
de eficiências produtivas é destacada como redutora de custos – variáveis e marginais, posto 92 Logo a seguir, as OACH esclarecem que quanto maior for o tempo necessário para que os ganhos de eficiência se realizem, menor será a importância atribuída pela Comissão à alegação. Portanto, para serem apreciados como fatores compensatórios, os ganhos devem ocorrer “em tempo útil” (OACH, 2004, § 83).
88
que é menos plausível que uma redução de custos fixos acarrete quedas nos preços - e provável
incentivadora de preços mais baixos. Excluem-se, como de praxe, as reduções de custos que
advêm de práticas danosas à concorrência.
As OACH também prevêem que os consumidores tenham seu bem-estar elevado se as
eficiências se consubstanciarem em produtos novos e melhores, resultantes de inovações.
Assim, uma nova empresa criada para desenvolver novos produtos proporcionará ganhos de
eficiência que serão apreciados pela Comissão. Uma alternativa citada é a possibilidade de a
nova empresa incorrer em incentivos (ganhos de escala) e elevar sua produção, reduzindo
potencialmente as vantagens em estabelecer acordos restritivos com as outras participantes do
mercado.
Por fim, para assegurar que estes ganhos de eficiência serão repassados aos
consumidores, a Comissão considera necessária a existência de uma forte pressão competitiva,
decorrente das empresas remanescentes e da ameaça de novas entradas. Portanto, quanto
maiores forem os efeitos negativos sobre a concorrência maiores deverão ser as eficiências
alegadas para compensá-los. Ressalta-se ainda como improvável que concentrações que levem
a posições de monopólio (ou próximas) possam ser declaradas compatíveis com o mercado
comum.
Na seqüência, o guia considera que somente serão relevantes para efeito de análise as
alegações de eficiência que forem conseqüência direta da concentração notificada e cujos
resultados não puderem ser obtidos por meio de alternativas mais concorrenciais. Apenas neste
caso considerar-se-á que as eficiências são específicas à concentração. Todas as informações
relevantes que assegurem que não existem alternativas viáveis de obtenção dos ganhos
alegados serão de exclusiva responsabilidade das empresas requerentes.
Por fim, a seção VII se encerra destacando que todos os ganhos de eficiência alegados
devem ser verificáveis, isto é, necessitarão estar fundamentados em evidências precisas e
convincentes – quando os benefícios forem quantificáveis deverão estar acompanhados das
89
estimativas e, quando isto não for possível, deve ser possível: “prever um impacto positivo
claramente identificável para os consumidores, e não um impacto marginal”. Isto é essencial
para que a Comissão possa estar “razoavelmente segura” de que as eficiências serão
suficientes para compensar o prejuízo potencial do ato de concentração. Considerar-se-ão
elementos relevantes para a verificação das eficiências alegadas e conseqüentes benefícios aos
consumidores os documentos internos, as declarações dos órgãos de gestão dos acionistas,
exemplos históricos e estudos anteriores à concentração realizados por peritos externos.
As mudanças implementadas pela reforma são muito recentes – são válidas para as
concentrações notificadas a partir de 01 de maio de 2004 – e ainda não é possível avaliar em
que medida implicam uma alteração na prática da Comissão. Contudo, a própria incorporação
dos ganhos de eficiência no processo de apreciação dos atos de concentração representa uma
alteração importante, na medida em que pode viabilizar fusões nas quais a geração ou reforço
da posição dominante for compensada por estes ganhos. Neste sentido, representa uma
convergência entre a legislação européia e a norte-americana.
90
2.2 - A Legislação Brasileira.
A chamada fase moderna da defesa da concorrência no Brasil 93 se inicia com a Lei nº
8158, de oito de janeiro de 1991. O artigo três tratava das condutas anticompetitivas (divisão
de mercado, formação de cartel, venda casada, descriminação de preços, etc...) que tivessem
por objetivo controlar os mercados de bens e serviços e prejudicar a livre concorrência. O
artigo treze determinava que quaisquer atos ou contratos passíveis de afetar a concorrência
deveriam ser notificados à Secretaria Nacional de Direito Econômico (SNDE, atual Secretaria
de Direito Econômico). Em especial, o segundo parágrafo deste artigo determinava que, dentre
estes atos, encontravam-se as concentrações nas quais a empresa (ou grupo de empresas)
resultante passasse a deter uma participação de, ao menos, 20% do mercado relevante.
As concentrações notificadas teriam que atender a quatro condições cumulativas para
serem aprovadas: (i) gerar ganhos de eficiência e desenvolvimento tecnológico ou acarretar
aumentos na produção e distribuição de bens e serviços; (ii) garantir que estes benefícios
fossem distribuídos eqüitativamente entre produtores e distribuidores; (iii) que só fossem
realizados os atos estritamente necessários à obtenção dos resultados anteriores e (iv) não
houvesse eliminação de uma parte substancial da concorrência. Previa ainda que os atos que
não atendessem a todas estas exigências poderiam ser aprovados caso ficasse comprovado que
as restrições eram temporárias, relevantes para a economia nacional e o bem comum e sua
ausência implicasse um prejuízo ao consumidor final.
93 Em linhas gerais, a experiência brasileira é dividida em duas fases distintas. A primeira, vigente entre o Estado Novo e a redemocratização (promulgação da Constituição de 1988), se caracterizava por uma forte tendência intervencionista do Estado, sendo a base legislativa formada por leis de proteção à economia popular. A partir de 1989 observou-se um período de transição no qual, frente às novas opções de política econômica marcadas pela “inserção competitiva” na economia globalizada, o aparato intervencionista fundado no controle de preços mostrou-se superado. A partir daí o foco deslocou-se para as políticas de defesa da concorrência. Ver Oliveira (2001, p.3)
91
Portanto, a Lei previa que, uma vez que pudessem representar uma ameaça à
concorrência, os atos de concentração notificados só poderiam ser aprovados no caso da
observância das quatro condições descritas. É curioso notar que os ganhos de eficiência e sua
distribuição equânime – conseqüentemente a exigência de que estes beneficiassem os
consumidores - apareciam na legislação brasileira como pré-requisitos à aprovação da
concentração. Isto poderia levar, como de fato levou, à interpretação de que as alegações de
eficiência sempre deveriam ser avaliadas.
A interpretação da Lei era tal que, independentemente de a concentração representar, de
fato, um dano à concorrência, se supunha que era necessário à ocorrência cumulativa de todas
as condições. Assim se poderia observar uma situação inusitada, tal como concluir que
determinada operação não tem efeitos anticompetitivos e, ainda assim, reprová-la pela
inobservância das condições citadas. Como observa Santacruz (1998, p.116): “Parece óbvio
que uma operação que não tenha por efeito criar ou elevar o poder de mercado deveria ser
aprovada, independentemente de quaisquer outras considerações. Se a concorrência não foi e
não pode ser afetada como decorrência da operação notificada, não há qualquer outra
exigência à sua aprovação”.
A Lei previa que uma vez notificada a SNDE teria até sessenta dias para se manifestar,
caso contrário o ato estaria automaticamente aprovado. No entanto, como o período se
caracterizava pelo descontrole inflacionário, a SNDE passava a maior parte de seu tempo
apreciando as denuncias de condutas anticompetitivas (aumentos abusivos de preço), o que
levou à aprovação, por decurso de prazo, da totalidade dos atos de concentração na vigência da
Lei (ibidem, p.117).
Em fins de 1992 uma comissão foi nomeada pelo Presidente da República com o
objetivo de reformar a legislação brasileira. O resultado dos trabalhos foi a elaboração de
projeto de lei que, após receber várias emendas no Congresso Nacional, transformou-se na Lei
nº 8.884 de 11 de junho de 1994. Pela Lei, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica
92
(CADE), que havia sido criado pela Lei nº 4137, de dez de setembro de 1962, ganha um papel
de destaque na defesa da concorrência no Brasil.
A nova Lei consolidou alguns pontos da legislação anterior, mas trouxe diversas
alterações em relação à sua antecessora, sendo as mais relevantes (Salgado, 1997, p.180-183):
(a) a definição do CADE como instância máxima no processo de consulta dos atos de
concentração potencialmente prejudiciais à concorrência;
(b) a transformação do CADE em uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Justiça,
garantindo sua autonomia administrativa e financeira. O órgão compõe-se de um
presidente e seis conselheiros com mandatos de dois anos, garantido o direito a uma
segunda indicação por mais um período. Ao reforçar a instância administrativa a Lei
buscou garantir maior flexibilidade (inclusive com a incorporação de argumentos
econômicos) e agilidade aos processos. Além disso, estabeleceu a impossibilidade da
interposição de recursos no âmbito administrativo;
(c) a criação da Procuradoria do CADE. Ao dotar a entidade de uma representação jurídica
própria, a Lei garante a defesa das decisões administrativas do CADE junto aos
possíveis, e prováveis, recursos das empresas na Justiça.
(d) a incorporação ao corpo da Lei 8.884 do parecer técnico da Secretaria de Política
Econômica do Ministério da Fazenda (SEAE), anteriormente previsto na apenas na
regulamentação da Lei 8.158/91. Prevê ainda o papel auxiliar da Secretaria de Direito
Econômico do Ministério da Justiça (SDE);
(e) a criação da figura do compromisso de cessação de prática, instrumento através do qual
é possível a uma empresa entrar em acordo para, num prazo estabelecido, encerrar a
prática visada. Uma vez cumpridas as condições acordadas, o processo será suspenso e
arquivado, não acarretando nenhuma confissão ou reconhecimento de infração;
(f) a definição, como aumento abusivo de preços, daquelas elevações de preços não
justificadas pela evolução dos custos, admitindo-se a comparação com mercados
semelhantes;
93
(g) a equiparação à categoria de empresa de todas as pessoas jurídicas e naturais. A
medida visa a garantir que todos os agentes que exerçam atividades econômicas
estejam sujeitos às mesmas regras de defesa da concorrência;
(h) a introdução do conceito de posição dominante que, como se viu, tem origem na
legislação européia. Desta forma não é somente a participação da empresa no mercado
relevante que importa mas, principalmente, a utilização de sua posição na imposição de
práticas anticoncorrenciais; e
(i) a criação da figura do compromisso de desempenho, instrumento pelo qual se definem
metas quantitativas e prazos pré-determinados para a execução dos objetivos pactuados.
O não cumprimento do acordo implicará a instauração de processo administrativo.
No que se refere à presente discussão, o último item representa uma alteração significativa,
pois admitindo-se que um ato de concentração acarrete danos à competição mas traga em seu
bojo ganhos de eficiência substantivos, o compromisso de desempenho pode, em tese, ser
usado para garantir que estas eficiências sejam atingidas e repassadas ao consumidor, no
espírito da Lei.
Em suma, o CADE, em conjunto com a SEAE e a SDE (Secretarias), compõe o Sistema
Brasileiro de Defesa da Concorrência, cabendo às duas Secretarias realizar avaliações
preliminares e fornecer pareceres que serão submetidos ao plenário do CADE. Estes pareceres,
em conjunto com o parecer do conselheiro relator do CADE, constituem os principais
documentos a subsidiar os votos dos conselheiros. Especificamente no que se refere às
concentrações, os conselheiros do CADE se guiarão pelo artigo nº 54 da Lei.94
94 Embora haja algumas diferenças no encaminhamento na elaboração dos relatórios – fundamentados no Guia para análise de atos de concentração ou, mais genericamente, na resolução n0 15 do CADE que regulamentou o artigo 54 – o procedimento de análise de um ato de concentração é, em essência, o mesmo.
94
2.2.1 – O Artigo nº 54 da Lei 8.884/94 e as Resoluções nº 5 e nº 15 do CADE.
O artigo 54 da Lei 8.884/94 determina que quaisquer atos que venham a restringir a
concorrência ou resultem no controle do mercado relevante de qualquer bem ou serviço devem
ser submetidos à apreciação do CADE. Em seu primeiro parágrafo são estabelecidas as
condições para que os atos de concentração sejam aprovados. Em linhas gerais, permanecem
aquelas que vigiam na Lei 8.158/91, quais sejam, que haja incremento na produtividade, na
qualidade dos bens e serviços ou ainda que ocorra uma promoção da eficiência e do
desenvolvimento tecnológico, sendo que estes frutos devem ser equanimente distribuídos entre
produtores e consumidores. Além disso, determina que não haja prejuízo substancial à
concorrência e limita os atos àqueles estritamente necessários a obtenção dos resultados.95
O segundo parágrafo contempla a possibilidade de o CADE aprovar uma concentração
que atenda somente três das quatro condições necessárias. Isto poderá ocorrer em razão da
existência de motivos relevantes para a economia nacional e o bem-estar geral, desde que não
haja prejuízo aos consumidores e usuários finais. Já o terceiro parágrafo determina como
sujeitas a avaliação do CADE qualquer tipo de concentração que leve a empresa resultante a
obter 20% ou mais do mercado relevante ou aqueles nos quais um dos requerentes tenha
registrado um faturamento bruto equivalente a R$ 400.000.000 no último balanço.
O quarto parágrafo define que os atos de concentração devem ser enviados para exame
previamente ou em até 15 dias úteis após sua realização. O ponto é relevante porque, 95 Textualmente: “Os atos, sob qualquer forma manifestados, que possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços, deverão ser submetidos à apreciação do CADE. § 1º. O CADE poderá autorizar os atos a que se refere o caput, desde que atenda as seguintes condições: I- tenham por objetivo, cumulada ou alternativamente: a) aumentar a produtividade; b) melhorar a qualidade de bens ou serviços; ou c) propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico; II - os benefícios decorrentes sejam distribuídos eqüitativamente entre os seus participantes, de um lado, e os consumidores ou usuários finais, de outro; III - não impliquem eliminação da concorrência de parte substancial de mercado relevante de bens e serviços; IV - sejam observados os limites estritamente necessários para atingir os objetivos visados.”
95
diferentemente das legislações norte-americana e européia, não há necessidade de uma
comunicação prévia - o que terá sérias implicações. Como se verá posteriormente, a conjunção
de uma escassez de recursos materiais e humanos com um substancial volume de processos
leva, com freqüência, à postergação do julgamento dos casos, sendo comum que este só ocorra
meses após sua notificação. Isto significa que a aprovação ou reprovação de um ato de
concentração poderá se refletir em uma fusão já, de fato, consumada.
Os parágrafos 5º a 10º regulamentam penalidades e prazos para o CADE e as
Secretarias se manifestarem sobre as concentrações. Caberá à SEAE emitir um parecer em 30
dias e remetê-lo à SDE, que disporá do mesmo prazo para reenviá-lo ao CADE. Se após 60
dias o CADE não se manifestar a concentração estará automaticamente aprovada. Ressalte-se
que os prazos são suspensos enquanto os documentos e esclarecimentos demandados às
empresas não forem apresentados.
O controle dos atos e contratos (Capitulo I, Título VII ) compõe-se ainda dos artigos 55
(que condiciona a aprovação à veracidade das informações ) e do artigo 56, que trata das
exigências para o arquivamento dos atos de concentração perante as juntas comerciais ou os
órgãos correspondentes nos Estados.
A próxima peça do aparato legal para a análise de fusões e aquisições foi a Resolução
n0 5, publicada em 25 de agosto de 1996, com o intuito de regulamentar o artigo 54. Ela
esclarecia os passos do rito processual e dispunha sobre o requerimento que as empresas
devem enviar ao CADE, detalhando os documentos e as informações necessárias, dentre as
quais a “demonstração sucinta do conjunto de eficiências objetivadas com a operação” (Art.2,
§ Único, alínea i). As eficiências aparecem ainda no “manual de preenchimento dos quadros do
requerimento”, onde se pode ler no item 17: “Indicar...os prováveis ganhos de eficiência
decorrentes da operação, em termos de: ganhos de produtividade; melhoria de qualidade dos
produtos; desenvolvimento tecnológico; redução de custos de produção; programa de
investimentos; exportações; etc.”
96
É curioso notar que ao lado de referências típicas a eficiências produtivas e dinâmicas
encontram-se “programa de investimentos” e “exportações”. Admitindo-se que os
investimentos sejam em novas máquinas e processos que elevem a produtividade dos fatores
restaria justificar as exportações. Embora seja possível imaginar algo como o volume de
exportações como indicativo do grau de competitividade global e da eficiência alcançada, a
redação parece indicar uma confusão conceitual.
Seja como for, a Resolução nº 15, de 19 de agosto de 1998, conhecida como Super 15,
veio substituir a regulamentação anterior. A nova resolução promoveu uma reforma com o
objetivo de acelerar o processo de análise dos atos de concentração. Por exemplo, criou a
possibilidade de o Conselheiro-Relator autorizar uma operação por decurso de prazo (após
sessenta dias) se ele considerar que ela não propicia nenhum dano à concorrência.96
Esta possibilidade é decorrência do processo de notificação em duas partes estabelecido
na Super 15. Na investigação preliminar as requerentes fornecem informações básicas ao
relator do processo – market shares, condições de entrada , etc.... Se o Conselheiro–Relator
avaliar que é necessário uma “instrução complementar” ele informará aos membros do plenário
do CADE, e determinará às requerentes a prestação das informações suplementares que
porventura considerar relevantes.
A Super 15 estabeleceu pela primeira vez um arcabouço mais detalhado sobre a análise
das concentrações, fornecendo definições sobre conceitos que, até então, eram objeto de
discussão. Dentre estas se destacam as definições do mercado relevante de produto;
“...compreende todos os produtos/serviços considerados substituíveis entre si pelo consumidor
devido a suas características, preços e utilização” e do mercado relevante geográfico:
“compreende a área em que as empresas ofertam e procuram produtos/ serviços em condições
96 Ver artigos 7º e 8º da Resolução 15.
97
de concorrência suficientemente homogêneas em termos de preços, preferências dos
consumidores, características dos produtos/serviços”.97
Contudo, embora a Resolução nº 15 tenha se preocupado em esmiuçar determinados
procedimentos para dirimir interpretações, as considerações a respeito dos ganhos de eficiência
foram escassas. No Anexo II, que trata das informações a serem prestadas pelas requerentes, o
item VII.1 informa que estas deverão: “Relacionar, qualitativa e quantitativamente, as
eficiências a serem geradas pelo ato ou contrato apresentado que não poderiam ser obtidas de
outra forma”. O Anexo V (item 1.9), que trata das definições, esclarece: “Entende-se por
eficiências aquelas reduções de custos de qualquer natureza, estimáveis quantitativamente e
intrínsecas ao tipo de operação de que se trata, que não poderiam ser obtidas apenas por meio
do esforço interno”. Aqui já fica estabelecido um critério objetivo, pois as eficiências devem
ser quantificáveis e específicas à operação. Note que exigir que as eficiências estejam
quantificadas não significa a mesma coisa que demandar que elas sejam verificáveis.
2.2.2 – O Guia para Análise Econômica de Atos de Concentração SEAE/SDE
Um tratamento mais detalhado das eficiências só veio a ocorrer com a publicação, em
29 de junho de 1999, do Guia para Análise Econômica de Atos de Concentração (Portaria nº 39
da SEAE), que veio fornecer os procedimentos utilizados pela SEAE na sua apreciação das
concentrações. Posteriormente, em 1 de agosto de 2001, a Portaria Conjunta nº 50 SEAE/SDE
substituiu a anterior unificando os procedimentos das duas Secretarias.
97 As definições abrangem a possibilidade do agrupamento de produtos e a possibilidade de entradas .Ver Anexo V da Resolução 15.
98
O Guia para Análise Econômica de Atos de Concentração (Guia) tem, por óbvio, uma
clara inspiração no Guidelines norte-americano e estabelece uma metodologia em cinco partes
para determinação dos efeitos líquidos sobre o bem-estar que serão decorrentes do ato de
concentração. Portanto, a SEAE e a SDE reconhecem, nos seus procedimentos de avaliação
que, se por um lado o abuso da posição dominante reduz o bem-estar, por outro: “...os
eventuais incrementos de produtividade, melhorias na qualidade, maior diversidade de
produtos, entre outros possíveis efeitos da concentração, representam um aumento do bem-
estar. A SEAE e a SDE estabelecerão como critério básico para a emissão de um parecer
favorável à operação, os atos que tenham um efeito líquido não negativo sobre o bem-estar
econômico” (Guia, 2001, § 17).
Sumariamente, as três primeiras etapas tratam do mercado relevante, da criação do
poder de mercado e da probabilidade de exercê-lo. A primeira etapa dedica-se à determinação,
a partir do teste do monopolista hipotético, do mercado relevante, definindo-o: “o mercado
relevante se constituirá do menor espaço econômico no qual seja factível a uma empresa,
atuando de forma isolada, ou a um grupo de empresas, agindo de forma coordenada, exercer
o poder de mercado.” Em seguida, chega-se à segunda etapa, a determinação da parcela de
mercado controlada pelas empresas requerentes. As Secretarias supõem que se a participação
de mercado da empresa concentrada for igual ou superior a 20% do mercado relevante, então
foi criada a possibilidade do exercício unilateral do poder de mercado. Adicionalmente,
estabelece que se a concentração levar a soma da participação das quatro maiores empresas
(C4) a tornar-se igual ou superior a 75% e a parcela de mercado da empresa formada for igual
ou superior a 10%, então a concentração terá criado as condições para o exercício coordenado
do poder de mercado.98
98 A participação do mercado será calculada tomando por base todas as empresas que produzem e vendem no mercado relevante determinado na etapa anterior. As Secretarias definem como relevantes para estes cálculos os dados sobre a capacidade produtiva, volume ou valor de vendas, reservando-se o direito de definir o mais adequado para indicar o padrão de concorrência no mercado relevante. Contudo, ressalta que os indicadores de produção são mais adequados aos casos de produtos homogêneos e os dados sobre vendas mais indicados quando se tratar de produtos diferenciados. (Guia, 2001, § 37 e 38)
99
Se as condições para exercer o poder de mercado, respeitados os critérios definidos na
segunda etapa, não tiverem sido criadas, então o ato de concentração não oferece riscos à
concorrência e as Secretarias recomendam sua aprovação. Se, no entanto, em virtude da
concentração a empresa fusionada passar a obter uma “parcela suficientemente alta do mercado
relevante”, então se entende que foram criadas as condições necessárias para o exercício do
poder de mercado. Conseqüentemente, se passa para a próxima etapa, qual seja, avaliar a
probabilidade de o poder de mercado ser exercido.
Foram definidos três principais fatores limitadores do exercício do poder de mercado.
Primeiramente se verifica a participação das importações no mercado e a possibilidade de
importar – estimada a partir de uma série de fatores tais como tarifas de importação, preços
internacionais, custos de transporte, barreiras não-tarifárias, etc... – com o objetivo de definir se
as importações são um “remédio efetivo”.
Em segundo lugar, se estimam as condições de entrada, considerando-se improvável o
exercício do poder de mercado quando a entrada for “provável, tempestiva e suficiente”. A
entrada é “provável” quando for lucrativo, aos preços vigentes antes da concentração,
participar do mercado (admitindo-se que estes preços se mantenham após a entrada). A entrada
é “tempestiva” quando ocorrer em um período máximo de 2 anos. Por fim, a entrada é
“suficiente” quando todas as oportunidades de venda – parcelas de mercado potencialmente
disponíveis ao entrante – puderem ser plenamente exploradas pelos entrantes.99
Em terceiro lugar, a SEAE e a SDE avaliam se as empresas participantes do mercado
relevante tendem a adotar comportamentos agressivos em decorrência do grau de rivalidade
existente. Evidentemente, quanto maior for a rivalidade, menores as condições de a empresa
resultante elevar seus preços sem que isso provoque reações das concorrentes. Por outro lado,
estes fatores também reduzem a probabilidade de as empresas se engajarem em
comportamentos colusivos, dada a dificuldade de coordenação. 99 Na seqüência, a SEAE e a SDE passam a detalham o que entendem por barreiras à entrada decorrentes de escalas mínimas de produção, fidelidade dos consumidores a marcas, barreiras legais, regulatórias etc... Ver Guia, 2001, §50 a 62.
100
Uma vez que todas as avaliações necessárias tenham sido realizadas será possível às
Secretarias determinar se o ato de concentração implica danos à concorrência. Contudo, se
existe a probabilidade (“não ser praticamente nula”) do exercício do poder de mercado, ainda
assim torna-se necessário apreciar as possíveis eficiências geradas pelo ato para determinar o
efeito líquido sobre o bem-estar. A quarta etapa do Guia se dedica a este ponto.
O Guia começa por definir quais serão as eficiências admissíveis para efeito da análise.
Serão avaliadas as eficiências específicas à concentração, desde que não possam ser geradas
por alternativas menos danosas à competição em um período inferior a dois anos.
Reconhecendo que ganhos de eficiência são difíceis de mensurar e quantificar, estabelece que
serão consideradas como específicas: “...aquelas cuja magnitude e possibilidade de ocorrência
possam ser verificadas por meios razoáveis, e para as quais as causas (como) e o momento em
que serão obtidas (quando) estejam razoavelmente especificados. As eficiências alegadas não
serão consideradas quando forem estabelecidas vagamente, quando forem especulativas ou
quando não puderem ser verificadas por meios razoáveis”. (Guia, 2001, § 71)100.
Na seqüência excluem-se as eficiências que tenham origem em ganhos pecuniários,
pois são consideradas transferências entre agentes. Este é o caso típico de economias de escala
pecuárias, genericamente associadas aos descontos obtidos junto aos fornecedores de insumos
por conta do volume de compras. Aqui cabem alguns comentários, pois não há, a priori,
nenhuma razão para a não consideração deste tipo de ganhos de escala. Em primeiro lugar, a
obtenção de descontos por parte da empresa resultante da concentração pode estar ligada à
obtenção de ganhos de escala reais por parte do fornecedor, caso em que os ganhos de bem-
estar seriam potencializados. Em segundo lugar, porque existe a possibilidade de que o
aumento do poder de mercado da resultante funcione como um poder compensatório, no
sentido de retirar poder de mercado do fornecedor e forçá-lo a cobrar preços mais competitivos
100 Aqui existe uma mudança entre o Guia de 1999 e o de 2001. A Etapa IV no Guia anterior se dedicava aos “Benefícios Econômicos (Eficiências)”. Ao longo do texto se alterou o substantivo, demonstrando uma preocupação com o rigor teórico, posto que “benefícios econômicos” é um conceito mais geral que necessita de mediações para associá-lo aos ganhos de eficiência.
101
não apenas para a empresa fusionada, mas possivelmente para outros concorrentes. Também
neste caso haveria um aumento no bem-estar da sociedade.
Curiosamente, uma destas possibilidades está assinalada no parágrafo seguinte, no qual,
dentre as formas pelas quais o ato de concentração pode dar origem a ganhos de eficiência,
encontra-se relacionada a “geração de poder de mercado compensatório” (ao lado de
economias de escala, escopo, novas tecnologias e externalidades). Assim, após excluir as
economias de escala pecuniárias, as Secretarias fazem uma ressalva para incorporá-las em uma
determinada situação.101 Seria mais lógico admitir as economias de escala pecuniárias
condicionando a sua aceitação caso a caso, conforme a especificidade da situação – aplicar a
regra da razão – e excluir as situações nas quais houvesse tão somente uma transferência de
renda entre os agentes.
Este mesmo parágrafo sofreu uma outra alteração substancial na revisão de 2001,
quando foram excluídas as economias de custo de transação. De fato, na seqüência, o Guia
define com alguns pormenores o que as Secretarias entendem por economias de escala - com
destaque para as reduções do custo fixo médio e para as economias de aprendizagem – e por
economias de escopo. A seguir, no Guia de 1999, os parágrafos 92 a 96 detalhavam como as
concentrações poderiam diminuir os custos de transação ao reduzir, ou mesmo eliminar, a
necessidade de alteração e monitoramento de contratos. No Guia de 2001 todos os parágrafos
foram suprimidos.102
Uma vez que a economia dos custos de transação está consagrada, e em grande medida
incorporada pelo mainstream econômico, é lícito supor que a exclusão não se deve a um viés
101 Mais adiante, pode-se ler: “Se o aumento da capacidade de exercício do poder de mercado da empresa concentrada contribuir para reduzir a capacidade exercício de poder de mercado no mercado de insumos (deslocando, por exemplo, os preços dos insumos, que antes da concentração estivessem distorcidos, até seus níveis competitivos), a SEAE e a SDE considerarão este evento uma eficiência específica do ato”. (Guia, 2001, § 84) 102 Contudo, no início do Guia, ao traçar uma visão geral do processo, os custos de transação não foram excluídos da redação. Transcrevendo: “Entretanto, os atos de concentração, na medida em que proporcionem vantagens competitivas para as empresas participantes (economias de escala, economias de escopo, redução dos custos de transação, entre outros), podem também aumentar o bem-estar econômico”. (Guia, 2001, § 11)
102
teórico. Se há fundamentos teóricos que estabelecem que uma redução nos custos de transação
gera ganhos de eficiência, sendo portanto capaz de propiciar um aumento do bem-estar, cabe à
autoridade antitruste prever esta possibilidade. O único argumento contrário parece ser a
dificuldade de prever ou verificar com exatidão estes ganhos. Neste caso, recai-se em um
problema comum a todas as alegações de ganhos de eficiência e, como se viu, a lógica parece
indicar que o melhor a fazer não é promover uma exclusão pura e simples do argumento, mas
sim deslocar o ônus da prova para as requerentes. Se as evidências apresentadas forem
verificáveis por meios “razoáveis” e forem atendidos os requisitos das Secretarias, as
eficiências oriundas dos custos de transação devem ser, como todas as outras, incorporadas na
avaliação.
Em seguida, a SEAE e a SDE reconhecem como eficiências a introdução de novas
tecnologias, seja por acarretarem maiores produtividades dos fatores, seja por viabilizarem o
lançamento de um novo produto. Também consideram como uma melhoria tecnológica
específica à concentração a substituição de uma equipe de administradores incapazes por outra
de administradores capazes.
Este último ponto é motivo de muita controvérsia pois, a princípio, é muito improvável
que não haja a possibilidade de encontrar profissionais competentes no mercado. Para que uma
alteração como essa fosse considerada específica à concentração, seria necessário imaginar que
os únicos profissionais capazes de melhorar a produtividade de uma das empresas estivessem
trabalhando na outra empresa, sendo detentores de técnicas administrativas inerentes à
atividade indisponíveis de outra forma. Contudo, a favor das Secretarias cabe ressaltar que,
uma vez que tal possibilidade existe, vale utilizar a regra geral: admita-se a possibilidade e
aplique-se a regra da razão.
A última possibilidade considerada no Guia se refere à existência de externalidades
positivas (spill-overs tecnológicos, em rede, etc...) e externalidades negativas. Quanto a estas
últimas as Secretarias ressaltam que existem alternativas de políticas públicas mais eficazes
para tratar da questão e, desta forma, quando avaliarem se a eliminação de externalidades
103
negativas é específica à concentração, verificarão se o mesmo resultado não pode ser obtido
por meio de outra ação pública.
Encerrado o tratamento dado às eficiências, o Guia passa a apreciar como as Secretarias
considerarão – para os atos de concentração que impliquem o controle de uma parte substancial
do mercado e nos quais existam condições de exercer o poder de mercado – a aprovação com
base nas eficiências. Para avaliar se o efeito líquido sobre o bem estar econômico da sociedade
é não–negativo, a SEAE e a SDE utilizarão as estimações quantitativas disponíveis que forem
reconhecidas como factíveis e, no caso de estas não existirem, buscarão apresentar seus
resultados com base em avaliações qualitativas dos argumentos. Aqui também houve uma
alteração substantiva em relação à primeira versão do Guia. Originalmente se podia ler que
para a aprovação do ato de concentração com base nas eficiências: ...é necessário que o efeito
líquido sobre o bem-estar econômico da sociedade seja não negativo, ou seja, que não haja
uma redução no excedente total (soma dos excedentes do produtor e do consumidor)” (Guia,
1999, § 103).
À primeira vista o que se destaca é a “ingenuidade” da redação original, ao considerar
trivial a possibilidade de uma estimativa estatisticamente confiável do excedente agregado,
especialmente quando já se reconhecera a dificuldade e a incerteza no processo de estimar as
eficiências.103 Entretanto, a questão principal é que a aceitação do critério do excedente total
implica, como foi visto no primeiro capítulo, a desconsideração do aspecto distributivo, em
violação direta da Lei 8.884/94 (artigo 54, § 1 II) que determina que os benefícios decorrentes
dos ganhos de eficiência devam ser distribuídos de forma equânime entre os produtores
envolvidos no ato e os consumidores.
Este equívoco foi consertado na versão de 2001, na qual, além de se substituir a
redação, se inseriu um parágrafo inteiro (87) dedicado a explicar por que as Secretarias
103 Existe, é claro, a possibilidade de se tratar de um simples “tecnicismo” por parte dos redatores da SEAE. No entanto, como se trata de uma seção dedicada ao estabelecimento de procedimentos da Secretaria na avaliação das concentrações, tudo indica que havia a intenção de uma estimativa econométrica.
104
precisam se assegurar que os efeitos da operação se revertem, ao menos parcialmente, para os
consumidores, se objetivam respeitar a Lei.104
Os últimos parágrafos do Guia estabelecem as recomendações que as Secretarias
poderão fazer após a análise da concentração: (i) aprová-lo quando não houver redução do
bem-estar do consumidor e da eficiência econômica; (ii) aprová-lo com restrições, evitando
que haja redução do bem-estar do consumidor e da eficiência econômica; e (iii) reprová-lo se
não for possível evitar a redução do bem-estar do consumidor e da eficiência econômica.
Em relação ao segundo item, as Secretarias destacam sua preferência por “remédios
estruturais” (alienação de ativos, quebra de patentes, vendas de marcas ou unidades fabris,
etc...), pois estas medidas costumam garantir a competitividade no mercado relevante sem a
necessidade de intervenções futuras. Quanto aos “remédios não-estruturais”, essencialmente a
fixação de condutas em compromissos de desempenho, a SEAE e a SDE dispõem sobre dois
cuidados adicionais: (i) da necessidade de se considerar os custos de monitoramento das
cláusulas de compromisso; e (ii) da importância de se fundar a análise no padrão de
concorrência vigente, e não em hipóteses sobre o futuro do setor.
2.3 – Considerações Finais
A partir de um tratamento claramente hostil – no qual eram percebidas como geradoras
de vantagens competitivas e indutoras de concentração nos mercados -, as alegações de
eficiência foram tendo seu papel revisto pelas autoridades antitruste norte-americana e
européia. Nos EUA, o processo culminou na alteração de 1997 do Horizontal Merger
104 O Guia lembra que, mesmo nos casos nos quais a concentração for considerada relevante para a economia nacional e o bem comum, a lei também condiciona a aprovação à ausência de danos ao consumidor. (Art. 54, § 2).
105
Guidelines, que incluiu uma ampliação da seção referente às eficiências. Na norma européia, a
reforma de 2004 teve como um de seus alicerces a aceitação destas alegações.
A atual legislação brasileira de defesa da concorrência, por ser muito mais recente, já
nasceu prevendo as defesas baseadas na obtenção de ganhos de eficiência. Embora partindo de
um tratamento muito superficial, a postura das autoridades antitruste brasileiras foi sendo
detalhada e acabou convergindo para a posição norte-americana.
É forçoso notar que, em seu artigo seminal, Williamson já previa que se as eficiências
não fossem incorporadas pela norma antitruste, os sistemas de defesa da concorrência
perderiam coerência e legitimidade.105 A discussão teórica que se seguiu - sobre o objetivo da
política antitruste - trouxe a consideração sobre os ganhos de eficiência e seus impactos sobre
os atos de concentração para o cento do debate. Conseqüentemente, cada vez com maior
intensidade, as conclusões da teoria econômica foram sendo incorporadas à norma antitruste.
Contudo, isto não implica que a incorporação do argumento se dê sem sérios
problemas, pois, embora ao longo destes anos a análise tenha se refinado, ainda assim
persistem graves dificuldades para estimar e quantificar os ganhos de eficiência – que por sua
natureza são futuros e, destarte, permeados de incerteza. A ausência, até o momento, de uma
metodologia que garanta provas consistentes e inquestionáveis destes ganhos levou a uma
incorporação bastante cautelosa da questão na legislação.
Como uma forma de contornar esta questão as normas internacionais buscaram
estabelecer limitações às alegações. Tanto na legislação norte-americana, como na européia e
na brasileira, exige-se que as eficiências sejam específicas à concentração (não possam ser
obtidas por alternativa razoável que seja menos anticompetitiva), sejam “verificáveis por meios
razoáveis” e beneficiem os consumidores. A expressão mais geral deste argumento seria a
105 ”Pois, se nem as cortes, nem as agências encarregadas forem sensíveis a estas considerações, o sistema terá falhado em alcançar o teste de racionalidade econômica. E sem isto, todo o sistema [antitruste] não terá padrões de defesa e tornar-se-á suspeito”. (Williamson, 1968, p.34 )
106
obtenção de ganhos de eficiência que implicassem reduções de custo e fossem repassadas aos
consumidores na forma de preços menores e produtos melhores.
No que se refere à possibilidade de verificação, isto implicou uma hierarquização do
tratamento dado às eficiências, que favorece claramente as eficiências produtivas ligadas à
redução de custos, seja por ganhos de escala (tradicionalmente quantificáveis), seja pela
ocorrência de “sinergias” decorrentes da combinação de ativos ou de técnicas produtivas e
administrativas.
A primazia do consumidor é um ponto extremamente relevante. A dificuldade
teórica de tratar a questão distributiva foi contornada na legislação e nos guias pela fixação de
parâmetros que garantissem que o ato não poderia ter como conseqüência uma piora na
situação do consumidor. Assim, os formuladores da política preventiva antitruste não aceitaram
o argumento de que os ganhos de eficiência eram o objetivo primordial da política e
impuseram cláusulas que determinaram a prevalência – ou, no caso brasileiro, a equivalência –
do consumidor. Resta avaliar a relevância do argumento na apreciação de casos concretos.
107
CAPÍTULO 3 – EFICIÊNCIA E O CADE: OS CASOS AMBEV E NESTLÉ-GAROTO
A fase que inicia o controle dos atos de concentração no Brasil começa com a
promulgação da Lei 8.158 em 1991. No período de vigência desta Lei todas as consultas foram
aceitas sem que houvesse uma manifestação da extinta Secretaria Nacional de Direito
Econômico. Pode-se especular que, ao mesmo tempo que é possível supor que nenhum dos
atos representasse um risco à concorrência, as aprovações de todas as concentrações por
decurso de prazo também poderiam se justificar pela prioridade da política de defesa da
concorrência nesta época, centrada na repressão de condutas anticompetitivas e não no controle
das estruturas de mercado (Santacruz 1998, p.125).
Desconsiderando-se este período, poder-se-ia apreciar o papel das eficiências nas
concentrações a partir do início da vigência da Lei 8.884, que se inicia em junho de 1994.
Contudo, durante o período inicial de constituição do CADE, não havia uma metodologia
consagrada na determinação da posição dominante e, muito menos, um padrão nas decisões
que permitisse identificar com segurança as variáveis utilizadas na apreciação dos fatores
limitadores do poder de mercado e das alegações de ganhos de eficiências. De fato, durante
este período as decisões estiveram fortemente influenciadas pela interpretação pessoal da lei
que cada conselheiro tinha, tendo sido possível observar uma progressiva alteração na
interpretação do papel atribuído às eficiências nos atos de concentração, que culminou com
uma alteração oficial de postura em 1998.
108
Do ponto de vista da evolução no trato das eficiências no processual do CADE, a
questão essencial é identificar o momento no qual a jurisprudência incorporou definitivamente
o argumento nas bases desenvolvidas pela teoria econômica, isto é, o trade-off entre poder de
mercado e ganhos de eficiência de Williamson. A partir desse ponto poder-se-á garantir que
qualquer análise realizada pelo CADE seguirá a mesma seqüência que coloca a avaliação das
eficiências como o último passo lógico na apreciação de um ato de concentração.
Procedimento que foi posteriormente formalizado pela norma brasileira.
3.1 – Antecedentes: Primeiras Interpretações do Papel da Eficiência
Inicialmente havia uma posição majoritária entre os conselheiros CADE de que a Lei
8884/94 em seu artigo 1º inciso I exigia que as eficiências deveriam ser avaliadas em todos os
atos de concentração, independentemente de oferecerem ou não danos à concorrência.
Eficiências eram consideradas como uma condição necessária para a aprovação do ato de
concentração, qualquer que fosse seu impacto sobre a concorrência.
A visão “literal” (eficiência enquanto uma condição necessária) decorre da redação do
artigo 54, no qual se lê : “Os atos de qualquer forma manifestados, que possam limitar ou de
qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados
relevantes de bens e serviços, deverão ser submetidos à apreciação do CADE. §1º o CADE
poderá autorizar os atos a que se refere o caput, desde que atendam as seguintes
condições(...)”(grifei). A seguir prossegue com os quatro incisos já citados (existência de
eficiências, distribuição dos benefícios, não eliminação da concorrência e observância dos
limites necessários). A interpretação atual do parágrafo o considera como indicativo de uma
109
condição – os atos que possam ameaçar à concorrência poderão ser aprovados na presença de
eficiências compensatórias. A interpretação vigente supunha que qualquer ato que pudesse
ameaçar a concorrência, e portanto fosse submetido ao CADE, só poderia ser aprovado se
todas as condições do parágrafo 1º estivessem presentes.
A questão já está presente na primeira decisão envolvendo um ato de concentração
avaliado pelo “novo” CADE, a formação de uma joint-venture entre a Rhodia e a Celbrás
(Sinasa). O CADE determinou a desconstituição do ato por entender que era prejudicial à
concorrência, argumentando que a nova empresa chegaria a deter um monopólio da produção
nacional de poliéster. Um dos fatores centrais para a decisão foi o questionamento sobre a
alegação das requerentes sobre os ganhos de eficiência que adviriam da operação, tendo o
CADE ponderado que não havia conflito entre os conceitos de concorrência e eficiência, posto
que a primeira era indutora da última.
Como destaca Santacruz (op.cit.,132), a decisão deixa transparecer que não houve uma
correta compreensão do trade-off proposto por Williamson. Ocorre que, ao lado da justificativa
de constituição de monopólio, destacou-se também o não atendimento do artigo 1º em seus três
incisos – que foi avaliado como uma interpretação “literal” da lei. No entanto, esta última parte
da decisão, por si só, estaria de acordo com o trade-off se fosse interpretada como uma
afirmação de que um ato danoso à concorrência, na ausência de eficiências compensatórias,
será reprovado. O que fica patente é a imprecisão no uso do conceito de eficiência.106
Esta questão prossegue na apreciação de outros atos de concentração. Um caso
exemplar é a incorporação da Ishikavajima do Brasil Estaleiros S.A. (Ishibrás) pela Emaq-
Verolme Estaleiros S.A. em 1996. Considerando o mercado internacional como o mercado
geográfico relevante para a construção de embarcações de grande porte, o CADE avaliou que a
operação não teria afetado a concorrência porque a concentração é reduzida em termos
mundiais. Entretanto, como não se caracterizaram ganhos de eficiência decorrentes da
106 Em Álbarus/Rockwell e Pains/ Gerdau ordenou-se a desconstituição dos atos e exigiu-se o cumprimento do parágrafo 1º do artigo 54. Ver Santacruz (1998).
110
operação, considerou que as exigências legais para a aprovação do ato não haviam sido
cumpridas e condicionou a constituição da concentração à assinatura de um compromisso de
desempenho no qual a requerente comprometeu-se com a obtenção de ganhos de escala,
redução de custos, introdução de novos processos etc... A visão “literal” fica patente107.
Em Grace/Crown considerou-se que o ato não teria efeitos sobre a competição - não
houve uma variação significativa do grau de concentração porque no mercado de tampas de
garrafas a participação da nova empresa nas vendas totais seria irrisória (3,1%) e o mercado de
latas já era concentrado (elevação de 87% para 89% das vendas totais). Em Santista/Carfepe
concluiu-se que a concentração era “não preocupante”, dado que não representava riscos à
concorrência. Em ambos, foi exigida a fixação de compromissos de desempenho que
garantissem a geração de eficiências (ibidem).
Esta interpretação implicava um elevado índice de intervenção do CADE. Entre 1994 e
1996 a taxa de intervenção em atos de concentração foi da ordem de 50%, sendo que grande
parte das restrições foi devida à imposição de compromissos de desempenho para a geração de
eficiências. O Relatório do CADE de 1997 já destacava uma alteração neste padrão, com uma
queda significativa na imposição de compromissos de desempenho (41% para 21%) a partir da
posse de novos conselheiros em março de 1996. Especificamente no que tange às eficiências,
ressaltava:“(...) a orientação geral foi de evitar Compromissos de Desempenho de eficiências,
os quais podem implicar interferências indevidas nas decisões do setor privado, sem impacto
relevante na concorrência. O entendimento do Plenário do CADE tem caminhado cada vez
mais no sentido de compromissos estruturais e de conduta, os quais geram impactos mais
diretos sobre a concorrência”. (CADE, 1998, p.86) A possibilidade de não haver exigência de
eficiências demonstra que, ao menos implicitamente, já havia uma interpretação distinta da lei,
que não considerava as eficiências enquanto uma condição necessária à aprovação de uma
concentração.
107 Para uma avaliação do caso ver Santacruz (1998).
111
Esta mudança já se apresentava em parte das decisões do CADE. Um caso importante
na formação de jurisprudência no qual se observa a convergência com a interpretação atual do
trade-off entre concentração e eficiência é o ato de concentração AC 83/96 relativo à
associação entre a Companhia Antarctica Paulista e a Anheuser-Busch International Inc. O
CADE concluiu que o ato implicava a eliminação da concorrência (efetiva e potencial) e que as
eficiências alegadas eram insuficientes para compensar a redução no bem-estar. As
requerentes apresentaram um pedido de reapreciação do qual foram excluídas cláusulas
consideradas anticompetitivas e foram incluídas a demonstração e a quantificação dos ganhos
de eficiência.
O CADE, que anteriormente havia destacado a necessidade de comprovação de
eficiências em virtude da ameaça à concorrência, acatou o pedido, tendo concluído que as
novas evidências apresentadas demonstravam de forma inequívoca a potencial geração de
eficiências oriundas da associação. Em decorrência, autorizou a associação condicionando-a ao
cumprimento do programa de investimentos apresentado que, no seu entender, garantia a
realização destas eficiências.108
Note-se que o padrão de análise anterior foi modificado sem maiores implicações sobre
a jurisprudência. Poder-se-ia argumentar que da mesma forma que o novo conselho empossado
em 1996 alterou a interpretação no colegiado, também a indicação de novos nomes poderia
indicar novas mudanças de rota. No entanto a correta interpretação do trade-off consolidou-se.
108 A Conselheira-Relatora Lucia Helena Salgado ressaltou: “Vale destacar o maior esforço da parte das requerentes de apresentar eficiências compensatórias como resultado da associação. Note-se que desta feita foram apresentadas, separadamente, as eficiências decorrentes do Plano Qüinqüenal de Investimentos da Antarctica daquelas promovidas pela aplicação do programa de transferência de capacitação tecnológica e gerencial. Ficou nítido o quão distintas eram a magnitude e a natureza dos efeitos positivos a serem gerados pela associação em função do grau do comprometimento da entrada da Anheuseur-Busch. Foi possível verificar ainda que considerável parte da realização das eficiências alegadas dependiam da consecução do Plano Qüinqüenal, o que por sua vez dependia da integralização de capital por parte da Anheuser-Busch. Concluiu-se que a realização das eficiências que resultavam em redução de custo e aperfeiçoamento de qualidade a serem compartilhadas com os consumidores não dependeria, exclusivamente, do Programa de modernização empresarial denominado “Melhores Práticas”, mas, de forma substancial, da realização do Plano Qüinqüenal. Por conseguinte, a viabilidade desse último requereria o aporte dos recursos financeiros previstos pela Anheuser-Busch em seu plano e que conformariam seu compromisso de entrada no mercado brasileiro. Assim, como a obtenção das eficiências demandava a concretização dos referidos planos, essa última foi vinculada à extensão do prazo anteriormente aprovado para a associação”.CADE (1998, p. 130-131).
112
O relatório de atividades de 1998-99 resolve a questão de forma definitiva, dirimindo qualquer
interpretação alternativa.
Dissertando sobre a necessidade de comprovação das eficiências, o relatório esclarece:
“O Plenário do CADE reafirmou, de forma inequívoca, que o exame das eficiências
compensatórias decorrentes de um ato de concentração pelo órgão pressupõe a constatação
de algum tipo de dano à concorrência” (CADE, 1999, pg.79, Grifo Original). Justifica sua
posição destacando que a moderna política antitruste coloca a avaliação das eficiências como
último passo da seqüência lógica de análise dos efeitos da concentração. Assim, destaca: (...)
trata-se de uma típica análise custo-benefício. Se não houve custo, não há que se ponderar
benefícios, pois o poder público, nesse caso, só deve intervir quando a operação em tela gerou
prejuízos. Esse entendimento é fruto do processo de amadurecimento institucional e evita
equívocos de interpretação legal do passado”. (ibidem)
Desta forma, a eficiência passou a ter seu papel bem definido no processo de avaliação
dos atos de concentração realizados pelo CADE. As próximas seções analisarão a relevância da
análise das eficiências e o papel que o argumento representou em dois dos principais atos de
concentração da história recente: os casos Ambev e Nestlé-Garoto.
113
3.2 – O Caso Ambev109
Em julho de 1999 os controladores da Companhia Antárctica Paulista – Indústria
Brasileira de Bebidas e Conexos (Antarctica) e da Empresa de Consultoria, Administração e
Participações S/A (Brahma) submeteram à apreciação do CADE o ato de concentração que
resultaria na criação de uma das maiores cervejarias do mundo, a Companhia de Bebidas das
Américas, Ambev. Segundo os dados apresentados pelas requerentes à época, a operação
envolveu ativos da ordem de R$ 8,1 bilhões, uma produção de 59,9 milhões de hectolitros de
cerveja e 27 milhões de hectolitros de refrigerantes (Romano, 2000a, p.15)
Brahma e Antarctica detinham, respectivamente, cerca de 48,1% e 25,4% do mercado
nacional de cerveja, com a fusão resultando em uma Ambev detendo 73,5% deste mercado –
muito superiores aos 20% do mercado relevante que, segundo a Lei 8.884, no § 3º do artigo 20,
já caracteriza uma posição dominante.110 As duas companhias possuíam várias marcas, com
destaque para as três lideres do mercado Skol, Brahma e Antarctica.
Uma operação desta magnitude tem profundos impactos no mercado. A principal
preocupação era que o aumento significativo da concentração levaria a Ambev a adquirir um
grande poder de mercado que poderia ser exercido de forma unilateral. Além disso ocorriam
agravantes pois, na medida em que possuía as três marcas líderes, a empresa poderia elevar o
preço em uma das marcas e ainda assim manter os consumidores, posto que estes migrariam
para outras marcas de sua propriedade. A fusão também preocupava os concorrentes diretos da
empresa, sendo que a Kaiser, associada à Coca-Cola, foi especialmente agressiva na 109 Esta seção foi elaborada com base nas informações contidas nos pareceres da SEAE e da SDE, no relatório e voto da Conselheira-Relatora e nos votos dos conselheiros do CADE. 110 Textualmente:“§ 2 Ocorre posição dominante quando uma empresa ou grupo de empresas controla parcela substancial de mercado relevante, como fornecedor, intermediário, adquirente ou financiador de um produto, serviço ou tecnologia a ele relativa”. §3“A posição dominante a que se refere o parágrafo anterior é presumida quando a empresa ou grupo de empresas controla 20% (vinte por cento) de mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo CADE para setores específicos da economia.” (Lei 8884/94 § 2 e §3).
114
contestação da concentração – sendo posteriormente acompanhada pela Schincariol. O restante
dos competidores era formado por pequenas cervejarias regionais.
O caso Ambev ganhou imenso destaque, não só por tratar da produção de bens de forte
consumo e apelo popular (refrigerantes e cervejas), como também por apresentar um elevado
grau de complexidade que caracterizou um grande desafio para os órgãos de defesa da
concorrência. Não por acaso, os analistas do ato, SEAE, SDE, Conselheiros do CADE, bem
como os consultores que emitiram pareceres, a despeito de partilharem os mesmos princípios
antitruste, chegaram a conclusões bem diversas sobre o ato.
O primeiro passo necessário na análise deste ato de concentração, de forma a avaliar
corretamente os possíveis danos à concorrência, é a definição do mercado relevante, para que,
a partir dele, se possa estabelecer a verdadeira concentração e o poder de mercado. Como se
viu, somente após esta definição é possível se apreciar as limitações ao exercício do poder de
mercado e chegar-se, finalmente, ao papel das eficiências compensatórias na aprovação do ato.
3.2.1 – A Definição dos Riscos à Concorrência
As empresas requerentes alegavam que o mercado relevante de produto seria o de
“bebidas em geral”, dado que elas produziam águas, refrigerantes, isotônicos, chás e cervejas.
Esta produção conjunta viabilizava sinergias produtoras de significativas economias de escopo,
especialmente no processo de distribuição e, sendo assim, não faria sentido tratar os mercados
separadamente. Por isso, defenderam a definição do mercado relevante de produto como um
cluster, composto de um conjunto de bebidas agrupadas para fins de análise.
115
A SEAE considerou que a definição do mercado relevante em termos de um cluster
market acabaria por diluir significativamente o market share da empresa resultante,
dificultando a possibilidade de se detectarem os efeitos anticompetitivos da fusão. A SDE
também refutou o argumento, por entender que ele não atendia a um dos requisitos necessários
a sua caracterização: a existência de uma demanda conjunta pelos produtos agrupados.
Sendo assim, as Secretarias definiram três mercados relevantes na dimensão produto: o
de cerveja, de refrigerantes carbonatados (em embalagem PET 2L no mercado a quente) e de
águas engarrafadas (que incluía águas minerais e mineralizadas, considerando-as bens
substitutos).
Para o mercado relevante de cervejas a SEAE reconheceu que ele poderia ser
subdividido em três categorias: cervejas prêmio, comum e de baixo preço (premium, standard
e low price). Além disto, havia a possibilidade de uma segmentação por ponto de venda a frio
(bares e restaurantes) e a quente (mercados) e por embalagens: descartáveis ou retornáveis.
Contudo, seguiu a jurisprudência do CADE nos atos Brahma-Miller (AC nº 58/95) e Anheuser-
Busch/Antárctica (AC nº 83/96) nas quais concluiu-se que as diferentes características das
cervejas não são suficientes para configurar mercados relevantes diversos. No entanto, registra
que o produto “modal” da indústria de cerveja no Brasil é a cerveja retornável a frio. (SEAE,
2000, p.17-19).111
A SEAE definiu os mercados geográficos em termos regionais. No caso de águas
engarrafadas a partir das fronteiras estaduais e, no caso dos refrigerantes carbonatados e das
cervejas, optou por adotar um raio de aproximadamente 500 quilômetros das fábricas,
considerando o custo de transporte como fator relevante. A SDE adotou um procedimento
similar (raio de 400 Km) na definição dos mercados relevantes geográficos, o que resultou, no
caso da cerveja, em pequenas diferenças nos estados incluídos.
111 A SEAE sugere uma outra análise na qual o mercado seria separado em dois segmentos. O primeiro (high-end) composto pelas marcas tradicionais com presença em todo o território nacional, se caracterizando por elevados investimentos em marketing. O segundo é formado por marcas mais recentes que concorrem via preços (low-end).
116
Definidos os mercados relevantes a análise deslocou-se para a concentração da oferta.
No mercado de águas engarrafadas a SEAE calculou que as empresas requerentes em conjunto
detinham uma parcela insignificante - cerca de 1,8 % do mercado relevante - sendo este
percentual incapaz de gerar poder de mercado. Já no mercado de refrigerantes carbonatados, a
exceção da região nordeste onde obteria cerca de 24% do volume total, a constituição da
Ambev também não oferecia risco à concorrência. O quadro a seguir, elaborados a partir dos
dados SEAE, dá dimensão da situação vigente à época da fusão.
Tabela 1 Refrigerantes Carbonatados - Participação percentual em volume,
por mercado relevante SEAE* /1999
Empresa Mercado 1 (Sudeste)
Mercado 3 (Norte)
Mercado 4 (Sul)
Mercado 5 (Nordeste)
Brasil
Coca-Cola 49,5 47,6 37,7 40,5 50,6 Tubaínas e outras marcas 33,0 35,2 42,5 35,0 31,9 Antarctica 10,3 14,2 5,3 13,6 9,7 Brahma 7,2 3,0 11,5 10,9 7,8 Ambev 17,5 17,2 16,8 24,5 17,5
*Mercados relevantes, segundo delimitação da SEAE: Mercado 1 (Sudeste): MG,DF,RJ,ES, parte de Goiás e São Paulo. Mercado 3 (Norte): Parte dos estados do Amazonas e Roraima. Mercado 4 (Sul): RS, PR e parte de SC. Mercado 5 (Nordeste): MA, PI, CE, RN, PB, PE, SE, AL e partes dos estados da Bahia e Pará. Obs: Não se obteve dados para o mercado 2 (parte dos estados de MT e MS) Dados: Nielsen, Requerentes e Coca-Cola. Fonte: Relatório SEAE, Voto do Conselheiro Ruy Santacruz
A constituição da Ambev, ao reunir algumas das principais marcas de refrigerantes
existentes, diminuiria a distância em relação à marca líder (Coca-Cola), detentora de
expressivas participações de mercado em todas as regiões do país. Sob este ponto de vista a
criação de uma empresa mais bem posicionada não alteraria significativamente o padrão de
concorrência neste mercado.112
112 Pode-se argumentar que com a segunda empresa se aproximando da líder, o mercado, representado por um comportamento do tipo Stackelberg, passaria a ser melhor representado pelo modelo de Cournot. Como, sob determinadas condições, é possível demonstrar que a oferta agregada em Stackelberg é sempre superior à oferta agregada em Cournot, esta passagem implicaria uma perda de eficiência alocativa. Embora usuais, estes resultados são fortemente dependentes da linearidade das curvas de demanda e da simetria de custos, sem o que abre-se a possibilidade para a existência de múltiplos equilíbrios e instabilidade. Ver Dixit e Stern (1982) e Dixit (1986).
117
Ponderou-se também que, a despeito da elevada concentração de oferta no mercado
brasileiro, o nível de barreiras à entrada é baixo neste setor. Isto se deveu, em grande medida, à
elevação do consumo de refrigerantes através do auto-serviço e a introdução das embalagens
descartáveis do tipo PET. Estas mudanças reduziram substancialmente a necessidade do
domínio da logística de distribuição, considerada o principal obstáculo ao estabelecimento
neste mercado. Em conseqüência, observou-se no mercado brasileiro um vigoroso crescimento
das tubaínas, que implicou uma perda de mercado da Coca-Cola e numa sensível queda de
preços. A SEAE conclui que, por ser a entrada no mercado fácil e suficiente, o exercício do
poder de mercado da Ambev era pouco provável. (SEAE, 2000, p.49-53)
Do ponto de vista da legislação antitruste, apenas no mercado relevante de cerveja a
fusão implicaria um grau de concentração que possibilitaria o abuso da posição dominante. O
quadro a seguir revela o grau de concentração de acordo com os mercados relevantes
geográficos definidos no parecer da SDE.
Tabela 2
Cerveja - Participação percentual em volume, por mercado relevante SDE* e total Brasil - 1998/1999
Empresa Sul Sudeste Oeste Nordeste Norte Brasil
Antarctica 23,8 21,7 19,6 43,1 73,4 25,4 Bavária¹ 3,5 7,6 6,8 8,9 5,1 7,1 Brahma/Skol 41,3 52,1 53,1 37,7 18,4 48,1 Brahma 19,1 23,8 19,1 37,7 18,4 24,4 Skol 22,2 28,3 37,0 - - 23,7 Ambev 65,1 73,8 75,7 80,8 91,8 73,5 Kaiser 21,4 14,3 13,3 9,8 8,2 15,9 Schincariol 5,8 - - 6,0 - 7,5 Outros 7,7 11,9 11,0 3,4 - 3,1
*Mercados relevantes, segundo delimitação da SDE: Mercado 1 (Sul): RS, SC e PR. Mercado 2 (Sudeste): SP, RJ, MG, ES, GO e DF. Mercado 3 (Centro-Oeste): MT e MS. Mercado 4 (Nordeste): BA, SE, AL, PE, PB, RN, CE, PI, MA, PA, TO e AP. Mercado 5 (Norte): AM, AC, RO e RR. Dados: Nielsen, Sindicerv, SEAE, SDE, Requerentes e Kaiser. ¹ Dados da A.C. Nielsen referentes às capitais dos estados. Fonte: Voto do Conselheiro Ruy Santacruz
118
Antes da fusão a Brahma já detinha uma parcela substancial do mercado relevante,
sendo suas vendas concentradas nas marcas Brahma Chopp e Skol Pilsen. A Antarctica vivia
uma situação semelhante, com as marcas Antarctica Pilsen e Bavária – que posteriormente terá
um papel relevante na decisão do CADE – responsáveis por cerca de 98% das vendas da
empresa. Cabe ressaltar que a marca Bavária, apesar de representar uma participação menor
nas vendas da Antarctica, havia atingido em tempo relativamente curto (foi lançada em 1997)
uma significativa participação no mercado.
Apesar de bastante concentrada, a indústria de cerveja vinha apresentando um aumento
da concorrência, parte por conta do crescimento da Kaiser – que superou as dificuldades de
distribuição utilizando a rede da Coca-Cola –, parte por conta da estratégia de concorrência via
preços da Schincariol (SEAE, 2000, p.44). No entanto, uma vez caracterizado que no mercado
relevante de cerveja a Ambev iria adquirir o controle da oferta, de forma a poder exercer poder
de mercado, caberia estabelecer em que medida as condições estruturais vigentes, expressas
nas barreiras à entrada e nas condições de demanda, poderiam impedir o abuso da posição
dominante.
O primeiro passo foi avaliar se as importações seriam um “remédio” apropriado a este
aumento do poder de mercado. Constatou-se que as importações representavam uma parcela
muito reduzida da oferta total de cerveja e que este mercado se caracterizava por uma forte
preferência dos consumidores por marcas nacionais. Além disso, para o segmento mais
importante sob avaliação – cerveja em garrafa retornável – a importação não se viabilizava.
Com base nestes argumentos as Secretarias concordaram que as importações seriam incapazes
de limitar o poder de mercado das requerentes.
A seguir a SEAE (2000, p. 42-43) considerou que não havia barreiras à entrada em
decorrência de escalas mínimas de produção. As requerentes informaram que as escalas
mínimas eficientes correspondiam a três milhões de hectolitros/ano - equivalente a um
investimento de R$ 180 milhões, sendo estes valores compatíveis com as informações obtidas
119
junto ao BNDES e outras estimativas na literatura. A Kaiser informou uma escala ainda menor,
cerca de 600 mil hectolitros/ano. Em reforço à análise, se considerou fácil o acesso à
tecnologia de produção e aos insumos produtivos.
Já a SDE, com base nos mesmos dados, avaliou que existiam barreiras à entrada
decorrentes de escalas mínimas de produção. Contestando os dados de uma escala mínima
eficiente de três milhões de hectolitros/ano, argumentou que este volume era bem inferior à
produção de duas empresas marginais no mercado, Bohemia e Polar com, respectivamente, 4,4
e 4,8 milhões de hectolitros/ano. Sendo assim, concluiu, esta escala mínima só permitiria a
uma empresa operar de forma marginal, ocupando a franja do mercado sem propiciar nenhum
impacto relevante no padrão de concorrência. (SDE, 2000, p.145)
A compreensão integral das limitações do poder de mercado da indústria de cervejas
depende do entendimento do padrão de concorrência de um oligopólio diferenciado. A
obtenção de uma maior lucratividade está fortemente associada à capacidade de diferenciar o
produto, tornando-o distinto do ponto de vista do consumidor. A capacidade de diferenciação,
por sua vez, está limitada não somente por critérios subjetivos estabelecidos pelos sistemas de
preferências dos consumidores, mas também pelo tipo de produto.113
Assim a competitividade neste mercado dependerá da capacidade de construir uma
imagem, significando um grande volume de gastos em propaganda e marketing necessários ao
desenvolvimento, fixação e consolidação da nova marca de cerveja. Estes gastos definirão em
grande medida a capacidade da empresa para superar as preferências que possam existir por
produtos concorrentes, conquistando novos clientes. Sob este aspecto, as despesas em
propaganda caracterizariam um custo significativo de entrada, em especial no segmento de
cervejas de qualidade superior (high-end), no qual o apelo à exclusividade é variável
fundamental.
113 Ver o primeiro capítulo, em especial a nota 42.
120
No entanto, a SEAE considerou que para o produto modal (cerveja em garrafa
retornável) a variável competitiva chave seria o preço. Da mesma forma que não considerou a
existência de produtos diferenciados neste mercado como suficientes para caracterizar distintos
mercados relevantes, a Secretaria não considerou os gastos com fixação de marca como uma
barreira à entrada. Para exemplificar o argumento cita o caso da Schincariol que teria obtido
uma parcela significativa do mercado nacional (7,5% em 1999) apenas com uma estratégia
centrada em preços. Só posteriormente ela teria ampliado seus gastos em propaganda com
parte de uma estratégia de “reposicionamento da marca”.
Uma outra questão polêmica recaiu sobre as barreiras à entrada derivadas das redes e
canais de distribuição. A Ambev passaria a deter as três maiores redes de distribuição,
possuindo um grau de cobertura bastante superior aos seus concorrentes mais próximos. As
dificuldades associadas à montagem de uma rede de distribuição eficaz poderiam caracterizar
um grande empecilho à entrada de novos concorrentes. Por outro lado, o recente sucesso da
Schincariol demonstrava que estas barreiras seriam superáveis.
Mais uma vez houve divergência entre a análise das duas Secretarias. A SEAE
argumentou que eram duas as possibilidades de distribuição: (i) verticalização, isto é a
montagem de uma rede de distribuição; e (ii) terceirização, por meio de distribuidores já
existentes. Reconhecendo que o acesso aos pontos de venda poderia ser um sério obstáculo (até
por conta dos contratos de exclusividade), argumentou com base no exemplo da Schincariol,
que “...questões relativas à distribuição, embora se constituam num obstáculo à entrada, não
são suficientes para torná-la impossível” (SEAE, 2000, p.46).
Já segundo a SDE, cerca de 25% do volume de vendas era realizado pelo auto-serviço,
coberto, em geral, pela própria rede de distribuição das fábricas. Logo, a maior parcela das
vendas era garantida através de uma rede de distribuição terceirizada. Estas redes atendiam os
pontos de vendas tradicionais (bares e restaurantes) que, em função de seu reduzido volume de
compras, operavam com apenas dois ou três distribuidores de cerveja. A decisão sobre que
marcas adquirir está relacionada à rotatividade, com as marcas estabelecidas (com maior saída)
121
levando uma clara vantagem em relação aos novos entrantes. Concluiu que “...a ausência de
uma eficaz rede de distribuição, constitui uma enorme dificuldade de novas empresas se
estabelecerem no mercado como concorrentes efetivas” (SDE, 2000, p.152).
Cabe ainda uma observação sobre os comentários feitos pela SDE sobre os contratos de
exclusividade. Para a secretaria, estes contratos condicionam os distribuidores a atuar de
acordo com o interesse dos produtores, contribuindo para fixar a marca e disponibilizar o
produto ao consumidor. Por isso supõe que a despeito de gerarem barreiras à entrada, estes
acordos geram eficiências que mais do que compensam os eventuais prejuízos. (ibidem, p.154).
Este é um ponto exemplar para se avaliar a complexidade inerente à incorporação das
eficiências na análise antitruste. Ao se referir às eficiências oriundas dos contratos de
exclusividade a SDE pode estar se referindo à possibilidade de ocorrência de economias de
escala decorrentes da especialização dos distribuidores. Contudo, como o argumento foi que
estas eficiências ocorrem porque “o distribuidor, subordinado ao fabricante, atua como uma
extensão dos interesses deste último...” é lícito supor que a Secretaria se referiu à criação de
estímulos aos distribuidores para que estes se envolvam em esforços de venda para a fábrica de
cerveja. Neste caso, a eventual redução dos custos de transação (ver capítulo 1, p.44) supõe que
os distribuidores possam se engajar em estratégias que elevem as vendas de cerveja aos pontos
de venda e, finalmente, ao consumidor. Este seria o caso típico de produtos que, dada sua
complexidade, são desconhecidos do consumidor e têm suas vendas influenciadas pela
disponibilização de informações, demonstrações etc... Dificilmente a cerveja pode ser
caracterizada como um produto sujeito a este tipo de influência
Uma alternativa é que estes contratos minimizam a possibilidade de um comportamento
oportunista por parte do distribuidor. Contudo, como ressaltou Williamson (1975, p.125), para
que isto ocorra são necessárias algumas condições: (i) que a informação seja imperfeita, de
modo a que os consumidores não possam identificar a qualidade dos produtos; (ii) que a
monitoração dos distribuidores pelos fabricantes seja imperfeita; e (iii) que existam ativos
específicos envolvidos na relação entre distribuidores e fabricantes. Sob estas condições
122
distribuidores poderão, aproveitando-se da marca e da imagem do produto, ofertar bens de
qualidade inferior auferindo maiores lucros. No caso em questão é difícil imaginar a
distribuição de “cervejas inferiores” sem que haja a percepção do consumidor e, mais ainda,
supor que ativos significativos de propriedade da cervejaria associados à distribuição (posto
que em sua grande maioria a distribuição é feita por distribuidores independentes) sofram uso
inadequado. Concluindo, é pouco plausível que os contratos de distribuição de cerveja sejam
motivados pela necessidade de reduzir custos de transação. Como já se destacou anteriormente,
é necessário avaliar os benefícios líquidos de práticas restritivas e atos de concentração, já que
os efeitos são diversos e atuam em sentidos contrários, ora aumentando, ora reduzindo a
eficiência, e com isso desautorizando a utilização do argumento per se.
A SEAE finaliza sua análise neste tópico elaborando um exercício de simulação no qual
supõe um crescimento de 1% a 3% na demanda de cerveja e uma reação à entrada na forma de
uma redução de 5% na quantidade ofertada. A partir destes pressupostos obteve como
resultado que nos mercados relevantes 3, 4 e 5 (Norte, Sul, Nordeste) não havia espaço para a
entrada ou este era inferior a 10% da escala mínima eficiente. Somente no mercado relevante
Sudeste havia a possibilidade de uma entrada próxima à escala mínima. Considerando estes
resultados compatíveis com a evolução histórica do setor, a SEAE considera que esta possível
entrada seria insuficiente para inibir o poder de mercado.114
Uma outra limitação poderia ter origem na demanda. Por óbvio, quanto mais preço-
elástica for a demanda de cerveja, menor é a probabilidade de aumentos de preço lucrativos,
limitando o exercício do poder de mercado das empresas fusionadas. Já a elasticidade-preço
cruzada é um indicativo do grau de substitutibilidade entre as marcas de cerveja, de tal forma
que o poder de mercado será mais elevado quanto maior em valor absoluto for a elasticidade-
cruzada entre as marcas das requerentes (substituição entre as marcas da empresa). Por outro
lado, este mesmo poder se reduz quanto maior, em valor absoluto, for a elasticidade-cruzada
114 A SEAE considera que por estar restrita a apenas um dos mercados relevantes de cerveja, não há como supor que esta entrada tivesse um poder disciplinador extensivo aos outros mercados. Para ser “suficiente” teria que haver entradas em todos os cinco mercados relevantes geográficos e ocorrer no segmento high-end. (SEAE, 2000, p.49)
123
entre as marcas das requerentes e as marcas rivais (substituição das marcas da requerente por
marcas da concorrente).
Para estimar estas elasticidades foram apreciados dois estudos econométricos. O
primeiro de Issler e Resende (apud Romano, 2000a, p.52), feito a pedido das requerentes,
concluiu que: (i) existiam evidências de que a elasticidade-preço da demanda por cerveja no
Brasil é, em valor absoluto, maior que um. Uma demanda elástica implicaria que aumentos de
preços seriam acompanhados de reduções mais do que proporcionais nas vendas; (ii) não havia
evidência de que existia uma segmentação de mercado em função de embalagens; (iii) não
havia evidência da segmentação de mercado entre cervejas high-end e low-end; e (iv) com
poucas exceções, havia evidências de substitutibilidade entre as marcas das requerentes e entre
estas e as marcas concorrentes.
O segundo estudo, encomendado pela Kaiser e elaborado por Pereira & Associados,
apresentou, dentre outras, as seguintes conclusões: (i) havia evidência de que as elasticidades-
preço das diferentes marcas de cerveja fossem, em valores absolutos, maiores que um no
município de São Paulo; (ii) A marca que apresentou menor elasticidade-preço foi a Antarctica
e a que apresentou maior elasticidade-preço foi a Schincariol; (iii) as marcas sob controle da
Ambev, a exceção de Curitiba, eram as que apresentavam as menores elasticidades de
demanda; (iv) nos municípios pesquisados, com algumas exceções, as elasticidades-cruzadas
são maiores entre os grupos Antarctica, Brahma, Skol e Kaiser e o grupo Bavária e Schincariol,
indicando que em resposta a um aumento no preço de sua marca predileta o consumidor
migraria para a cerveja de menor preço (Pereira et alii, 2003, p.190).
A SEAE optou por desconsiderar o estudo de Pereira & Associados por considerar que
havia fragilidades metodológicas. Quanto ao estudo de Issler e Resende, extraiu duas
conclusões principais: (i) para o produto “modal” cerveja em garrafa, nenhuma das estimativas
das elasticidades-preço era estatisticamente confiável; e (ii) a estimativa da elasticidade-preço
da cerveja Antarctica em garrafa era teoricamente inconsistente. Como o mercado para o
produto modal é o mais importante quantitativamente concluiu que não poderia aceitar a
124
conclusão de que havia evidências da alta elasticidade da demanda de cerveja 115 (SEAE,
2000, p.38-40). Em suma, segundo a SEAE, na mensuração das elasticidades da demanda os
estudos econométricos foram fortemente inconclusivos, seja quanto às elasticidades-preço das
marcas da Ambev, seja quanto às elasticidades-preço das outras marcas de cerveja.116
Do estudo de Issler e Resende sob as elasticidades-cruzadas a SEAE extraiu as
seguintes conclusões para o produto cerveja em garrafa: (i) a Brahma substitui a Antarctica a
curto e longo prazo; (ii) a Kaiser não substitui a Brahma ou a Antarctica; (iii) A Brahma não
substitui a Kaiser; e (iv) os resultados referentes à marca Antarctica foram inconsistentes.
(SEAE, 2000, p. 55). Sendo assim inferiu que inexistem evidências de que houvesse
elasticidades-cruzadas significativas entre as marcas das requerentes e as marcas rivais. Por
outro lado, considerou que havia indícios que os consumidores de Brahma, Antarctica e Skol
escolhiam entre estas mesmas marcas sua primeira alternativa na ausência de sua marca
predileta. Conseqüentemente, para a SEAE, a rivalidade não era um “remédio” eficaz ao abuso
da posição dominante.
A SDE chegou a encomendar um estudo econométrico para fundamentar sua análise,
mas este não chegou a resultados satisfatórios, razão pela qual foi desconsiderado pela
Secretaria.117 Considerando que todos os estudos econométricos foram incapazes de explicar o
mercado de cervejas, procedeu a uma longa análise sobre o grau de rivalidade entre as marcas
Ambev e as marcas rivais, baseando-se em outros fatores – redes de distribuição, presença em
pontos de venda por área geográfica etc... – e chegou a uma conclusão similar, isto é, que nos
115 Com relação ao estudo de Pereira & Associados a SEAE alegou que, nos caso nos quais os preços e as quantidades mudam simultaneamente em função de alterações na oferta e na demanda, o método utilizado (mínimos quadrados) gera estimativas viesadas e inconsistentes. Quanto ao estudo de Issler e Resende, embora reconheça que os resultados são mais robustos para as cervejas em lata, ressalta que ele falha em comprovar que a elasticidade-preço de curto prazo da indústria é superior, em valor absoluto, à unidade. Mais ainda, não refuta a inelasticidade-preço da cerveja Antarctica no curto e longo prazo. 116 A SDE chegou a conclusões semelhantes, enfatizando outras críticas. Quanto a Issler e Resende concluiu: “Em função de todos estes aspectos, o estudo trazido aos autos pelas requerentes fica prejudicado, em termos de análise antitruste.” Já quanto ao relatório de Pereira & Associados: “Portanto, de modo geral, considera-se que os resultados deste trabalho não podem ser utilizados na avaliação do presente ato.” (SDE, 2000, p.139). 117 O estudo encomendado a Flôres não obteve resultados consistentes. A justificativa foi a existência de forte multicolinearidade das séries de preços da AC Nilsen, implicando a impossibilidade de separar os efeitos das distintas variáveis (SDE, 2000, p.140).
125
canais tradicionais de bares e restaurantes, a substitutibilidade entre as marcas é ineficaz para
evitar o exercício do poder de mercado.
Em suma, para as Secretarias o ato de criação da Ambev provocaria uma concentração
significativamente alta, gerando um poder de mercado cujo exercício não seria inibido pelas
condições existentes – importações ineficazes, entradas insuficientes e ausência de uma
rivalidade efetiva com outras marcas. Caracterizou-se a necessidade de avaliar a existência de
eficiências que compensassem os prováveis danos à concorrência. Este ponto ganhou destaque
no julgamento da Ambev.
3.2.2 – Análise das Eficiências no Caso Ambev
A avaliação das eficiências no caso Ambev já se iniciou de forma conturbada, com as
requerentes apresentando diversas versões das eficiências esperadas. Inicialmente foram feitas
estimativas com base nas informações das diversas áreas que, sistematizadas, geraram um
relatório entregue à SEAE. Questionado pela Secretaria - que considerou insuficientes as
demonstrações – a requerente preparou um relatório mais detalhado entregue à SDE. Esta por
sua vez, apontou para várias discrepâncias, tendo questionado a existência de diferentes totais
para o somatório das eficiências obtidas com a operação (SDE, 2000, p. 442). Posteriormente
houve uma nova alteração substancial na versão entregue ao CADE.
Como as alterações se referem basicamente aos valores obtidos com as eficiências e não
aos tipos de ganhos obtidos, é possível prosseguir a análise tomando por base a eficiência
alegada. O quadro abaixo sintetiza os ganhos estimados pelas empresas requerentes em
questão.
126
Quadro 2 - Eficiências esperadas no Caso Ambev
Área de Suprimentos: alinhamento de preços de matérias-primas e insumos Área Industrial: redução de custos fixos com o fechamento de fábricas; redução dos custos fixos nas unidades, redução dos custos variáveis de produção; redução dos custos variáveis de CO2 e PET; redução de custos de mão-de-obra direta.
Área Comercial: unificação de diretorias regionais; redução de diretores e staff; aproveitamento da mesma equipe de repositores.
Área de Distribuição: programa de produtividade com os distribuidores; otimização da puxada; Área Administrativa e Financeira: unificação das administrações centrais; redução de custos com informática; renegociação da dívida da Antártica; melhores práticas administrativas
Fonte: Romano (2000a, p. 88-96)
Na área de suprimentos, as requerentes alegaram que a união das duas empresas iria
gerar ganhos de escala decorrentes do maior poder de barganha obtido com o aumento do
volume de compras. Desta forma seriam obtidos ganhos pecuniários que correspondem aos
descontos conseguidos junto aos fornecedores de matérias–primas e insumos. Como já se
destacou, a SEAE considera estes ganhos inadmissíveis por considerá-los apenas uma
transferência de renda entre os agentes.
A área industrial era a que apresentava o maior número de oportunidades para a
obtenção de eficiências produtivas. Segundo as requerentes haveria uma redução significativa
de custos fixos com o fechamento de algumas fábricas. Com base no volume de vendas então
existente e nas estimativas de demanda até 2004, concluíram que havia um excesso de
capacidade instalada que possibilitaria a desativação de 5 unidades - três unidades de
propriedade da Brahma e duas de propriedade da Antarctica. Argumentaram ainda que, dada a
obsolescência de algumas destas plantas, a eliminação de investimentos nestas unidades
acarretaria ganhos significativos.
127
Por outro lado, a adoção na Antarctica do modelo de gestão de gastos indiretos da
Brahma propiciaria uma redução de custos nas unidades. Havia também uma substantiva
diferença entre as produtividades do trabalho da mão-de-obra direta, decorrente de práticas
adotadas pela Brahma. A adoção destas práticas possibilitaria a equiparação das
produtividades, gerando espaço para a redução do número de trabalhadores necessários nas
linhas de produção.
Havia outros custos a serem reduzidos por conta da reestruturação produtiva decorrente
da fusão. As requerentes alegavam que havia diferenças nos consumos de diversas matérias-
primas (água, maltes, produtos químicos, etc...) e outros insumos (energia elétrica,
combustíveis, etc...) que, mais uma vez, criavam a possibilidade de ganhos de eficiência pela
adoção das melhores práticas. Citam como exemplo a fabricação da cerveja Antarctica que,
produzida com quatro maltes diferentes, passaria a ser fabricada com apenas dois tipos de
malte - ou ainda, a utilização de um software de controle (Logmalte) para reduzir o custo do
frete.
Como a Brahma tinha uma produção de cerveja proporcionalmente maior do que a
produção de refrigerantes, alegou que poderia transferir seus excedentes de CO2 para serem
utilizados pela Antarctica, propiciando uma redução nas compras do gás. Por outro lado,
haveria uma redução dos gastos com embalagens PET pois, enquanto a Brahma adquire a
forma da garrafa e as fabrica em sua máquina de sopro, a Antarctica terceirizava o processo
contratando um fornecedor que as produzia na própria fábrica (in house). Como a Brahma
possuía capacidade ociosa em suas máquinas de sopro haveria uma redução de custo.118
118 No memorial entregue ao CADE os valores das eficiências da área industrial sofreram alterações em virtude de um maior detalhamento. Por exemplo, as eficiências decorrentes da mão-de-obra e da redução dos custos fixos haviam sido entregues em separado, mas devido à constatação de problemas contábeis na Antarctica foram agrupadas na versão entregue ao CADE. Além disso incluíram-se outros custos fixos com base nas projeções feitas no estudo do Orçamento Base Zero na Antarctica. As requerentes consideram que as reduções de despesas foram conservadoras pois eram inferiores aos valores já obtidos anteriormente pela Brahma. Romano (2000a, p. 81-84)
128
A SEAE concordou com a existência de um excesso de capacidade instalada. Quanto à
redução dos custos fixos pela transferência de práticas entre a Brahma e a Antarctica,
considerou as alegações factíveis, mas argumentou que não havia dados que possibilitassem
quantificar estas eficiências. A mesma crítica foi feita às alegações de que sinergias
provocariam a redução de custos variáveis, CO2, e PET. Já as alegações de reduções de custos
oriundas de demissões de funcionários nas áreas gerenciais e administrativas foram
consideradas discutíveis pela Secretaria, que alegou não haver motivos para que tal resultado
não fosse obtido por reestruturação interna.
A concentração também traria ganhos na área comercial. Não haveria necessidade de
duas estruturas de “repositores” (repõem os produtos vendidos) para atender a mesma loja,
eliminando-se a duplicidade na função. A Brahma alegava que a utilização de seus estudos de
tempos e métodos ampliaria a redução de custos. A unificação das diretorias – mantidas as
remunerações vigentes – reduzia os custos do montante gasto com as vagas que seriam
eliminadas. Em adição, se planejava a criação de uma Central Nacional de Vendas que, ao
reduzir o número de escritórios, gerentes, staff, etc..., iria gerar outra substancial redução de
custos119. A SEAE, em linha gerais, aceitou os argumentos.
Na área de distribuição alegou-se que as redes de distribuição da Antarctica possuíam
índices de produtividade inferiores aos da Brahma. Com a implementação do programa de
produtividade na distribuição através do software Roadshow seria possível otimizar: (i) a frota
de entrega com uma melhora nos roteiros; (ii) a produtividade dos caminhos da puxada
(transporte da fábrica ao centro de distribuição) com alteração do número de viagens por mês;
(iii) a rota dos vendedores, melhorando o processo de vendas; (iv) a armazenagem, alterando o
processo de carga e descarga e o lay-out dos armazéns; e (v) a equipe administrativa das
revendas. A SEAE aceitou como específicas à fusão a otimização e racionalização da frota de
119 Também os valores das eficiências da área comercial sofreram alterações para a versão entregue ao CADE. Por exemplo, como a criação da Central Nacional de Vendas já ocorrera na Brahma, só os dados da Antarctica foram quantificados na nova versão. Avaliou-se: (i) A redução de 183 para 138 funcionários; (ii) o custo de demissão dos funcionários dispensados; (iii) os investimentos necessários em equipamentos e sistemas; e (iv) os possíveis custos trabalhistas adicionais após a fusão estar concretizada. Romano (2000a, p. 87)
129
entrega, da rota de venda e a redução da equipe administrativa - posto que implicam
transferência de tecnologia - mas questionou a especificidade da puxada e da armazenagem
argumentando que poderiam ser alcançadas por terceirização.
A frota que operava o transporte da fábrica aos distribuidores (puxada) também poderia
ser otimizada por meio de uma mudança no tipo de caminhão usado. A Antarctica utilizava um
grande número de pequenos caminhões (trucks) que oneravam o custo de transporte. Se o
percentual destes caminhões fosse igualado ao que havia na frota da Brahma – reduzindo de
50% para 35% os caminhões pequenos e elevando de 50% para 65% o número de carretas –
haveria uma redução de custos significativa. Posteriormente este item foi excluído porque a
auditora Trevisan entendeu que esta medida poderia ser tomada unilateralmente pela
Antarctica, não sendo, portanto, específica à fusão.
As eficiências na área financeira se iniciam pela unificação das administrações centrais
das duas empresas. Esta medida eliminaria a duplicidade de funções reduzindo os custos, pois
se baseava nos melhores indicadores de desempenho obtidos pela administração da Brahma. A
unificação dos sistemas de informática padronizaria os dados em diversas áreas da empresa,
permitindo definir uma única estrutura de sistemas e comunicações, possibilitando o
redimensionamento das necessidades de pessoal e de serviços de manutenção. As requerentes
também alegaram que havia uma complementaridade administrativa, com a Antarctica sendo
líder em gestão e inovação de marcas e produtos e a Brahma liderando a busca de eficiências e
redução de custos. Em decorrência, as fábricas apresentavam distintos índices de produção,
abrindo espaço para a adoção das “melhores práticas” de cada uma das empresas e propiciando
uma sinergia redutora de custos. A SEAE aceitou as alegações, questionando apenas a
magnitude das economias estimadas.
A renegociação da dívida da Antarctica foi um ponto bastante controverso. A
Antarctica apresentava um custo de endividamento bastante superior ao da Brahma. A alegação
foi que, com a fusão, seria possível utilizar parte dos recursos da Brahma para o pagamento de
parte do passivo da Antarctica, renegociando o restante da dívida e reduzindo os custos
130
financeiros. A SEAE não acatou este argumento, alegando que existem alternativas de
reestruturação da dívida menos danosas à competição do que a utilização de recursos da
Brahma. No entender da Secretaria este ponto nem se caracterizaria como uma eficiência,
sendo somente uma transferência de recursos entre os agentes econômicos.
É forçoso notar que grande parte das objeções da SEAE às eficiências apresentadas pela
Ambev se referia à insuficiência de dados que permitissem a quantificação dos benefícios. Em
outras palavras, em sua maioria, as alegações foram consideradas procedentes mas carentes de
uma estimação mais acurada. Em conseqüência, as requerentes produziram um novo relatório
no qual buscaram detalhar com maior precisão os ganhos obtidos. Nesta nova versão houve
uma alteração na estimativa do valor total obtido com os ganhos de eficiência, que passaram de
R$ 536 milhões para R$ 552 milhões.
Estes novos dados serviram de base para a apreciação da SDE,120 que inicia sua análise
comentando a credibilidade dos valores apresentados pelas requerentes. A contínua alteração
na metodologia empregada no cálculo das eficiências, bem como nos valores estimados,
levaram a um questionamento sobre veracidade dos dados.121 Tendo feito esta ressalva, a SDE
prossegue em sua análise.
No primeiro ponto analisado, a redução dos custos fixos com o fechamento das
fábricas, a SDE ressaltou que nos dados apresentados pelas requerentes havia “desajustes e
diferenças nos resultados”, havendo “indícios de enganosidade”. Como considerou válido o
argumento, a Secretaria optou por calcular as reduções de custo, chegando a valores menores
que os estimados pela Ambev.
120 Em realidade esta é uma simplificação porque consta, no relatório da SDE, a apresentação de diversos valores referentes ao somatório das eficiências. Desta forma, o que se comenta aqui é o relatório da SDE. Ver SDE (2000, p.185). 121 Textualmente: “Diante de todo o exposto, não é possível evitar a menção de que a credibilidade dos números apresentados pelas requerentes ficou bastante prejudicada, restando a impressão e que tais dados não teriam fundamento concreto, uma vez que as metodologias de cálculo foram alteradas substancialmente no apagar das luzes” (SDE, 2000, p.186).
131
Ainda na área industrial, no que se refere à redução dos custos fixos nas unidades,
questionaram-se determinadas rubricas que, no entender da Secretaria, deveriam ser
classificadas como custos variáveis. Considerou como custos fixos admissíveis àqueles
referentes ao aluguel de imóveis, informática, suporte jurídico e parcela das despesas gerais, de
pessoal, terceiros e manutenção. Concluiu que, feitas as devidas ressalvas, os valores
apresentados estavam parcialmente corretos (superestimados). Já os valores referentes à
redução de custos variáveis, CO2 e PET foram considerados razoáveis e aceitos sem maiores
considerações. Por sua vez, a redução nos custos de mão-de-obra decorrente do nivelamento
das produtividades foi considerada exagerada, pois a Secretaria supôs a existência de
dificuldades na transferência de tecnologia.
Na área comercial a Secretaria manifestou estranheza pelas mudanças nas estimativas
das reduções de custos com os “repositores” que, a despeito uma alteração substancial na
metodologia de cálculo, manteve o mesmo valor inicial. Os números referentes à unificação
das diretorias regionais, redução de diretores e staff foram considerados corretos.
Por outro lado, a área de distribuição mereceu algumas considerações adicionais. A
SDE ressalta que as requerentes sempre fizeram questão de destacar a independência dos
distribuidores em relação às fabricas; logo, as eficiências obtidas com a otimização de roteiros
não seriam inerentes à operação. Além disso, a maior parte destes ganhos pode ser conseguida
com a compra do software, disponível no mercado122. Contudo, admite que a produção
conjunta de marcas da Ambev garantira alguma flexibilidade ao processo, possivelmente
aproximando alguns distribuidores da unidade produtora e, neste caso, a eficiência poderia ser
admitida como uma externalidade positiva decorrente da concentração (SDE, 2000, p.190).
Na área financeira os dados sobre a renegociação da dívida da Antarctica foram mais
uma vez questionados, com a SDE defendendo a utilização de taxas de juros não tão reduzidas
quanto aquelas utilizadas pelas requerentes. Considerando os dados contraditórios e as 122 A SDE também estranhou que o software Roadshow, inicialmente apresentado como essencial a obtenção de resultados positivos na otimização das rotas foi posteriormente relegado a um papel secundário, tendo outro software de propriedade da Brahma (“Simulador de Distribuidoras”) assumido o papel central.
132
estimativas inconsistentes, a Secretaria rejeitou os valores apresentados e considerou a
avaliação comprometida. A especificidade do item e sua inclusão como eficiência foi
questionada mas, como já havia sido descartado, não se considerou o aprofundamento da
questão.
Os valores referentes à área administrativa também foram questionados. Embora
reconhecendo que há economias a serem obtidas com a unificação das administrações,
acreditou que estaria havendo, em algum grau, uma dupla contagem, pois parte destes ganhos
já havia sido quantificada na avaliação das eficiências decorrentes do fechamento das fábricas.
Os dados relativos à informática foram considerados inconsistentes, com os valores estimados
variando entre os diversos relatórios. Também houve uma superestimação pois não teriam sido
computados os custos referentes à transição dos sistemas.
A SDE ponderou que a transferência de práticas gerenciais bem sucedidas – as
“melhores práticas” - estava limitada pela cultura organizacional de cada empresa sendo,
portanto, apenas parcialmente transferível. Como a diferença de custos entre as duas
administrações era muito pequena, a margem para obtenção destas eficiências era limitada.
Além disto, mesmo se admitindo que parte destas práticas sejam de conhecimento exclusivo da
Brahma, sempre se poderá adquirir parcela destes conhecimentos no mercado, de forma menos
lesiva à competição. Conclui que estes ganhos de eficiência não podem ser considerados como
específicos à fusão.
Houve, portanto, uma grande variação nas avaliações, tanto no que se refere à
quantificação, tanto quanto à análise qualitativa. O quadro a seguir sistematiza as eficiências
alegadas pelas requerentes no ato de constituição da Ambev e a avaliação qualitativa que foi
realizada pelas Secretarias.
133
Quadro 3– Comparação da Análise Qualitativa das Eficiências no Caso Ambev
Eficiências Esperadas pela Ambev
Avaliação SEAE Avaliação SDE
Área de Suprimentos Alinhamento de preços de matérias-primas e insumos
Rejeita (ganho pecuniário: transferência
entre agentes)
Aceita
Área Industrial Redução de custo fixos com o fechamento de fábricas
Aceita parcialmente (especulativo**)
Aceita parcialmente (especulativo)
Redução de custos fixos nas unidades
Aceita parcialmente (especulativo)
Aceita parcialmente (especulativo)
Redução dos custos variáveis de produção
Aceita parcialmente (especulativo)
Aceita
Redução dos custos de CO2 e PET Aceita parcialmente (especulativo)
Aceita
Redução dos custos com mão-de-obra
Rejeita (não específico***)
Aceita parcialmente (especulativo)
Área Comercial Unificação de diretorias regionais Aceita parcialmente
(especulativo) Aceita
Redução de diretores e Staff Aceita parcialmente (especulativo)
Aceita
Unificação dos “repositores” Aceita parcialmente (especulativo)
Aceita parcialmente (especulativo)
Área de Distribuição Programa de produtividade Aceita parcialmente
(rejeita a puxada e a armazenagem) Rejeita
(especulativo) Otimização da puxada* Rejeita
(terceirização) Aceita
(“externalidade”) Área Administrativa e Financeira Unificação das administrações Aceita parcialmente
(especulativo) Aceita parcialmente
(especulativo) Redução de despesas com Informática
Aceita parcialmente (especulativo)
Aceita parcialmente (especulativo)
Renegociação da dívida da Antártica
Rejeita (não específico)
Rejeita (não específico)
Melhores práticas administrativas*
Aceita parcialmente (especulativo)
Rejeita (não específico)
Total estimado Ambev = R$ 536 milhões*
Total estimado SEAE = R$ 282 milhões
Total estimado SDE = R$ 373 milhões
* Este item foi posteriormente retirado pela empresa de auditoria Trevisan ** Refere-se a dados insuficientes, duvidosos ou superestimados. *** Refere-se a ganhos que podem ser obtidos por reestruturação interna. Fonte: Relatórios SEAE e SDE, relatório e voto da Conselheira-relatora, votos dos Conselheiros Santacruz, Felsky, Calliari e Oliveira.
134
Vale ainda ressaltar que foram feitas outras alegações de natureza mais qualitativa
(Romano, 2000a, p.94), dentre as quais: (i) fortalecimento financeiro do caixa, tornando a
empresa constituída menos depende de financiamentos externos, nos quais se incorpora um
componente de risco (Custo Brasil). O menor custo viabilizaria um maior volume de
investimentos produtivos; (ii) aumento da eficiência logística a partir da racionalização das
plantas fabris, permitindo a redução de gastos com frete; (iii) lançamento de novos produtos
decorrente do intercâmbio de tecnologia, aumento da agilidade no processo de
desenvolvimento; (iv) melhora nos processos produtivos, pela transferência de know-how e
ocorrência de sinergias produtivas; (v) entrada em novos mercados e possibilidade de expansão
em outros em que já atuavam; e (vi) criação de capacidade financeira que viabilizará a
internacionalização da empresa.123
Na tentativa de dirimir as inconsistências apontadas nos valores e contornar as
restrições apontadas pela SEAE e SDE as requerentes contrataram a auditoria Trevisan que,
após revisar os valores, optou por descartar a otimização da “puxada” e as “melhores práticas”
administrativas por considerá-las não específicas à fusão. Nesta nova versão - entregue ao
CADE – a retificação de alguns valores, revisão da metodologia e cálculos teve como
conseqüência a alteração do total estimado para os ganhos de eficiência, que atingiu a cifra de
R$ 504 milhões.
Este novo relatório foi objeto de análise por parte dos conselheiros do CADE. Embora
grande parte dos argumentos expressos nos votos coincida com as avaliações feitas até aqui,
vale destacar, em separado, a posição de cada um na apreciação das possíveis eficiências
compensatórias.
A Conselheira-Relatora, Hebe Romano (2000b, p.207) inicia seu voto destacando que,
embora aceitando que haveria substanciais eficiências provenientes do ato de concentração, a
SEAE considerou que elas não seriam suficientes para compensar os consumidores por um
123 Estas eficiências também foram parcialmente contestadas pelas Secretarias nas mesmas bases anteriores, isto é, ora questionando a especificidade à fusão,ora demandando dados comprobatórios.
135
eventual exercício do poder de mercado. Supõe que as diferenças entre os valores calculados
pela SEAE e os apresentados pelas requerentes decorrem principalmente das diferentes
ponderações dos itens no custo de produção e não, como se poderia imaginar, pela ausência de
informações.
Para Romano (ibidem), há uma deficiência nos valores estimados, decorrente da
metodologia empregada nos cálculos que incorporaram todo o segmento de bebidas. Por
exemplo, na fase de instrução do processo, as requerentes anunciaram o fechamento de 5
fábricas de cerveja – Estrela e Getúlio Vargas da Antarctica e Miranda Correa, Cuiabana e
Cibeb da Brahma. Contudo, nos dados apresentados ao CADE considerou-se o fechamento de
13 fábricas, inclusive unidades que só produziam refrigerantes. Como a própria empresa de
consultoria admitiu, as eficiências que decorrem do fechamento beneficiarão essencialmente o
setor de refrigerantes. Conclui que a inclusão destas eficiências é inadmissível, porque o
objetivo é avaliar o mercado de cervejas. O mesmo tipo de problema poderia ser observado em
diversas eficiências produtivas alegadas, nas quais a redução de custos fixos, logística da malha
de distribuição, custos variáveis, etc...não são exclusivas à produção de cervejas.
A alegação de que os excedentes de CO2 produzidos pela Brahma seriam aproveitados
pela Antarctica por esta produzir um volume maior de refrigerantes foi considerada
inconsistente pela relatora. Dado que, segundo a experiência do CADE, a produção interna de
CO2 das empresas é sempre insuficiente para atender às necessidades das empresas produtoras
de refrigerantes e que não há conhecimento de cervejarias vendendo excedentes de CO2 no
mercado, esta eficiência foi encarada com ceticismo. Uma alternativa seria considerar a
possibilidade de que os benefícios oriundos do segmento de refrigerantes pudessem ser
repassados ao mercado de cervejas. Esta hipótese não seria considerada porque não havia como
supor, a priori, que o consumidor de cerveja se beneficiaria com eficiências geradas no
segmento de refrigerantes.
No que se refere à renegociação da dívida da Antarctica, o cálculo apresentado adotou
como parâmetro o custo de financiamento da Brahma a época. No entanto, uma vez
136
concretizada a fusão, a Ambev incorporaria os passivos da Antarctica, o que implicaria uma
situação financeira pior que a vigente na Brahma. Conseqüentemente, os ganhos financeiros
desta eficiência foram superestimados.
Em relação ao aumento da produtividade da rede de distribuidores – economias que os
distribuidores da Antarctica passariam a ter em decorrência do conhecimento metodológico da
Brahma - a relatora destacou que estes benefícios seriam capturados exclusivamente pelos
distribuidores, a despeito de terem sido gerados pela operação. A alegação de que,
indiretamente, a Ambev se beneficiaria carecia de uma estimação e, conseqüentemente, estas
reduções de custo não poderiam ser incorporadas às eficiências da concentração. Assim,
finalizou a Conselheira-Relatora: “Portanto, concluo que a operação gerou eficiências,
estando atendida a condição prevista no item I, §1º do art. 54. Entretanto, tais eficiências são
bem menores do que as alegadas pelas Requerentes” (ibidem, p.209).
Um critério alternativo de avaliação foi fornecido pelo Conselheiro Ruy Santacruz em
seu voto. Inicialmente traçou algumas considerações sobre as limitações do papel que os
ganhos de eficiência têm no Horizontal Merger Guidelines e em estudo da OECD (1988), no
qual se destacam as eficiências produtivas decorrentes de ganhos de escala e escopo e se
refutam as eficiências de origem gerencial, administrativa e pecuniária. Em adição, ressaltou a
necessidade de se garantir a especificidade dos ganhos, descartando aqueles que podem ser
alcançados de outra forma. Com base nestes critérios excluiu as eficiências com origem nas
áreas de suprimentos, comercial, distribuição, administrativa e financeira, concluindo que o
total de eficiências aceitável para efeitos compensatórios era da ordem de R$ 201,7 milhões.
Finaliza sua análise com a conclusão: “Desta maneira, entendo que as eficiências
alegadamente decorrentes da operação não são capazes de compensar devida e
inequivocamente a coletividade no presente caso, diante dos elevados prejuízos que traz à
concorrência no mercado de cervejas” (Santacruz, 2000, p.301, grifo original).
Os Conselheiros Mércio Felsky e Marcelo Calliari não se aprofundaram na questão,
simplesmente aceitando a existência de eficiências significativas, a despeito de terem sido
137
avaliadas de maneira distinta.124 Calliari (2000, p. 344) sintetiza sua posição: “De acordo com
a sistemática da lei, impõe-se, em primeiro lugar, apreciar se a operação, embora danosa à
concorrência, produz compensações adequadas à sociedade de forma que possa ser aprovada,
nos termos do par. 1º do art. 54. Neste sentido, considero plenamente atendido o comando do
inciso I, relativo às eficiências da operação.”
No último voto formulado na apreciação do ato de concentração,125 o Presidente
Gesner de Oliveira destacou o avanço para a análise antitruste que representou o detalhamento
do cálculo das eficiências envolvidas na operação, independente da ampla variabilidade dos
valores estimados. Expressou sua posição de que, seja qual for a estimativa utilizada, era
inquestionável a existência “eficiências ponderáveis” que potencialmente poderiam elevar o
bem-estar.126
O debate sobre a avaliação das eficiências que se seguiu à constatação de que a o ato de
concentração entre a Antarctica e a Brahma era danoso à concorrência, exemplifica, de forma
inequívoca, a dificuldade existente no processo de avaliação das eficiências. Os procedimentos
adotados, altamente dependentes das hipóteses iniciais, podem levar a resultados bastante
diversos, não se podendo descartar um grau de subjetividade na análise. Esta, contudo, pode
não ser a questão principal do ponto de vista da análise antitruste pois, a princípio, importa o
aspecto comparativo, isto é, a ponderação entre o dano potencial à concorrência – expresso no
poder de mercado adquirido e na probabilidade de exercê-lo - e os benefícios decorrentes das
eficiências específicas à operação, entendidas dentro de um espectro de variação.
Se, uma vez realizada a análise, concluir-se que as eficiências oriundas do ato são
suficientes para compensar a sociedade pela perda de bem-estar decorrente da criação ou 124 Ver Felsky (2000, p.316) 125 Os Conselheiros João Bosco Leopoldino e Lucia Helena Salgado declararam-se impedidos. 126 Além de citar as diversas estimativas das requerentes, da SEAE e da SDE menciona as simulações realizadas por Possas (2003) que estimou, a partir do modelo de Williamson, as eficiências compensatórias envolvidas no caso. Neste exercício Possas demonstrou que, para os níveis de redução de custos estimados (6,9% da SEAE e 13,2% pela Ambev), os preços poderiam elevar-se bem acima dos níveis de monopólio, sem que houvesse perda líquida de eficiência alocativa. Por sua vez, aumentos de preços abusivos (5%, 10% e 15%) seriam mais do que compensados pelos ganhos esperados de eficiência.
138
reforço da posição dominante, então ter-se-á garantida a existência de uma condição necessária
à aprovação da fusão. Necessária mas não suficiente pois, como já se debateu ao longo desta
tese, é fundamental considerar a questão distributiva, implicando que a autoridade antitruste
deve se certificar de que os ganhos de eficiência auferidos serão, em grande medida,
repassados ao consumidor. Esta também foi uma preocupação do plenário do CADE.
3.2.3 – A Decisão do CADE
A decisão da autoridade antitruste brasileira reconheceu que a fusão implicaria
prejuízos à concorrência mas que, em virtude das eficiências geradas pelo ato, poderia ser
aprovada. Para tanto, considerou necessário estabelecer medidas compensatórias ao aumento
da posição dominante no mercado relevante de cerveja, objetivando garantir aos consumidores
o acesso aos benefícios e concedendo, segundo a Lei, uma distribuição mais equânime dos
ganhos. A fim de melhor analisar o papel das eficiências na decisão do CADE, convém
apreciar a posição de cada um dos avaliadores.
Tome-se como ponto de partida a posição expressa pela SEAE (2000, p.59), resumida
nos pontos a seguir: (i) a participação de mercado das requerentes é alta o suficiente para
garantir o exercício do poder de mercado; (ii) as importações não são uma opção efetiva para
os consumidores; (iii) as entradas não são suficientes para inviabilizar aumentos de preços; (iv)
as marcas de cerveja concorrentes não constituem uma alternativa para os consumidores; e (v)
as eficiências alegadas não parecem compensar as perdas dos consumidores oriundas do
provável aumento de preços. Em decorrência, supõe que haverá uma perda líquida de bem-
estar dos consumidores, concluindo que o ato de concentração constitutivo da Ambev só
poderá ser aprovado em conjunto como uma série de medidas restritivas.
139
A SEAE considerou que era necessário preservar a competição no mercado de cervejas
pela venda dos ativos tangíveis e intangíveis associados à marca Skol (detentora de 23,7 % do
mercado de cervejas no Brasil). Dentre estes ativos relacionou, especificamente: (i) as marcas;
(ii) as plantas necessárias à operação aos níveis de produção vigentes, que incluíam as filiais de
Brasília, Guarulhos, Nova Lima e Londrina; (iii) os contratos de distribuição do produto; (iv)
os demais contratos vinculados ao negócio Skol; (v) a alienação de uma planta localizada em
Cuiabá – Cuiabana ou Filial Cuiabá; e (vi) a alienação de uma planta localizada em Manaus –
Miranda Correa ou Filial Manaus. Adicionalmente, recomendou que as exigências fossem
cumpridas em, no máximo, seis meses.
A SDE, após ressaltar que o ato de concentração criava uma posição dominante cujo
abuso era provável, passou a analisar se o mesmo poderia ser aprovado de acordo com o
parágrafo 1º do artigo 54. Como se viu, a despeito de suas críticas, a Secretaria aceitou que a
concentração gerava eficiências substantivas (inciso I), faltando verificar se os demais incisos
estariam sendo atendidos.
Assim, o ponto seguinte verificado foi o atendimento do inciso II, isto é a distribuição
equânime das eficiências. A SDE (2000, p. 203) destacou que as requerentes utilizaram duas
linhas de argumentação para sustentar que os ganhos de eficiência seriam repartidos com os
consumidores. Em primeiro lugar, alegaram que a operação não lhes daria poder de mercado
suficiente para elevar preços porque a concorrência representada pelas importações e garantida
pela rede de distribuidores independentes limitaria suas ações. Pelo exposto, este argumento foi
rejeitado. O outro argumento, ligeiramente distinto, sustentava que o padrão de concorrência
vigente obrigaria a Ambev a reduzir preços e lançar novos produtos, o que caracterizaria o
repasse ao consumidor. Este segundo argumento também foi rejeitado pela SDE, que se
fundamentou em dois pontos principais: (i) a inexistência de argumentos convincentes de que o
padrão vigente era a concorrência via preços; e (ii) o histórico recente da Brahma que, a
despeito de ter auferido significativos ganhos de eficiência comparativamente à Antarctica,
havia mantido os preços nos níveis da concorrente.
140
O terceiro item foi verificar se a concentração provocaria a eliminação de uma parcela
substancial da concorrência (inciso III). Tomando o Brasil como referência a SDE ressalta que,
se utilizado o índice C3 para o ano de 1988, este subiria de 87,9% para 95,3% e se,
alternativamente, fosse utilizado HHI, ocorreria uma elevação de 2.423 pontos. No seu
entender estes índices apontavam para a inexistência de outros concorrentes expressivos no
mercado, conclusão que implicava o não atendimento do inciso. Quando a superação dos
limites necessários ao alcance dos objetivos (inciso IV), a Secretaria ponderou que a operação
extrapolava em muito o objetivo declarado pelas requerentes – tornar-se uma companhia
competitiva em termos internacionais – e, em reforço a este argumento, ressaltou que grande
parte das eficiências obtidas pela Antártica poderiam ser alcançadas sem a fusão, ou seja, a
concentração vai muito além do estritamente necessário à obtenção da competitividade
internacional.
Com base nestas conclusões a SDE recomendou que a operação só poderia ser aprovada se
acompanhada de “remédios” para garantir o restabelecimento das condições de concorrência.
Propôs: (i) a alienação englobada para um único comprador de um dos três negócios de cerveja
pertencentes às requerentes, isto é, a venda da Skol, da Brahma ou da Antarctica; (ii) a venda
deveria incluir todos os ativos, tangíveis ou não, que viabilizassem o negócio; (iii) o
desinvestimento deveria incluir capacidade produtiva em todos os cinco mercados relevantes;
(iv) o comprador não poderia ter nenhuma relação direta ou indireta com as requerentes e
deveria ser aprovado pelo CADE; e (v) a escolha dos ativos a serem alienados seria submetida
ao CADE para apreciação. Estabeleceu o prazo de seis meses para a consecução destas
mediadas sendo que, durante este período, a medida cautelar que impedia a concretização do
ato deveria permanecer vigente.
Percebe-se que, no entender das Secretarias, a constituição da Ambev representava uma
séria ameaça à concorrência, que só poderia ser evitada por meio de restrições estruturais de
grande porte, de forma a restabelecer a competição aos níveis existentes. Do ponto de vista dos
market shares nacionais - Brahma (24,4%), Skol ( 23,7%) e Antártica (25,4%) –, a alienação
de uma destas marcas significava, na prática, a manutenção do padrão de concorrência vigente.
141
Como previsto pelo Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, os pareceres emitidos
pelas Secretarias serviram para consubstanciar o voto da Conselheira-Relatora Hebe Romano.
Ela aceitou a definição do mercado relevante de produto (cerveja) e do mercado relevante
geográfico em cinco regiões127. Aceitou também que o nível de barreiras à entrada era muito
elevado e, em conseqüência, havia uma grande probabilidade de abuso da posição dominante.
Contudo, ressaltou que as empresas requerentes demonstraram que a operação acarretaria
ganhos de competitividade, com aumento da produção, melhoria da qualidade e
desenvolvimento tecnológico, estando assim atendido ao inciso I do § 1º do Art. 54. Em razão
disto, para garantir os incisos II e III do § 1º do Art. 54, isto é, o repasse dos benefícios ao
consumidor e o não prejuízo à concorrência, propôs modificações de caráter estrutural e
comportamental.
Em linhas gerais, acatou o argumento de que era necessário garantir a competição pela
manutenção de um concorrente, mas suavizou a recomendação das Secretarias, transformando-
a na viabilização de uma nova entrada no mercado relevante de cerveja. Em resumo, sua
proposta consistia em: (i) venda das marcas Bavária e Polar ; (ii) venda de cinco fábricas, uma
em cada mercado relevante geográfico – Getúlio Vargas (RS), Ribeirão Preto (SP) ou
Guarulhos (SP), Cuiabá (MT), Salvador (BA) e Manaus (AM) – garantido que todas
estivessem em perfeito estado de conservação e atualização tecnológica satisfatória; (iii)
obrigatoriedade, disciplinada em contrato, de compartilhar a distribuição em igualdade de
condições com a entrante por um período de quatro anos; (iv) garantir que a compradora fosse
uma empresa independente, sem vínculos de qualquer natureza com as requerentes. Estas
condições deveriam ser firmadas em um compromisso de desempenho.
O Conselheiro Ruy Santacruz acompanhou a definição da SEAE e SDE sobre o mercado
relevante de produto, mas considerou que o mercado relevante geográfico era o território
nacional. Destacou que a existência de elevadas barreiras à entrada (rede de distribuição e
despesas com fixação de marcas) e os resultados inconclusivos sobre as elasticidades levavam 127 Embora tenha feito pequenas modificações nos estados componentes dos mercados geográficos, a saber: Mercado 1 (Rs, SC, PR), Mercado 2 (Sp, RJ, MG, ES), Mercado 3 (MT, MS, GO, DF, TO, RO), Mercado 4 (BA, Al, SE, CE, PB, RN, PI, MA, PA, AP) e Mercado 5 (AC, AM, RR).
142
a conclusão de que o ato era altamente prejudicial à concorrência e só poderia ser aprovado se
existissem eficiências compensatórias. Neste ponto adverte: “Da cuidadosa análise dos autos
conclui-se com extrema certeza que a operação limitou drasticamente a concorrência no
mercado nacional de cervejas, resultando na sua dominação, na forma do artigo 54 da lei
8.884, não estando presentes os requisitos do seu parágrafo 1º” (Santacruz, 2000, p.304). Em
sua opinião, as eficiências produtivas aceitáveis não eram capazes de compensar os danos e,
mesmo se fossem, não havia como garantir a distribuição destes ganhos. Termina seu voto
considerando que a única alternativa capaz de garantir a concorrência é a desconstituição do
ato de concentração.
Em seu voto o Conselheiro Mércio Felsky acompanhou a SDE nas definições dos mercados
relevantes e considerou que havia, de fato, a probabilidade de abuso da posição dominante.
Contudo, manifestou sua concordância com a alegação de que existiam elevadas eficiências,
ressalvando que: “é plausível esperar que a distribuição de benefícios via preços estabelecida
no inciso II do §1º do art. 54 da lei será atendido.” (Felsky, 2000, p.319). No entanto, para
garantir este repasse aos consumidores, houve por bem determinar medidas compensatórias.
Além de determinar a venda de uma marca com presença expressiva no território nacional
(sugere a Bavária), a alienação de cinco unidades fabris em cada um dos mercados geográficos
relevantes e a distribuição compartilhada por quatro anos, sugeriu a necessidade de medidas
comportamentais.
Note-se que, a despeito de considerar provável o repasse das eficiências auferidas na forma
de redução de preços e impor medidas estruturais como garantia desta distribuição, o
Conselheiro propôs um compromisso de desempenho no qual estão previstas quase todas as
práticas restritivas relevantes128. Isto é, supôs previdente forçar a Ambev a se comprometer em
não exercer seu poder de mercado. O detalhamento das restrições exemplifica a preocupação
128 Em linhas gerais os termos do compromisso a ser entregue ao CADE garantiriam contratos de distribuição e revenda nos quais estariam proibidos vendas casadas, discriminação de preços, subsídios cruzados entre seus produtos, preços predatórios (preços de exclusão e expulsão) contra os concorrentes menores, exclusividade de pontos de venda, punições pela rescisão de contratos de distribuição, alteração de rotas, pontos de puxada, etc... . em adição propôs clausulas de manutenção de emprego. Ver Felsky, 2000, pp.329-331.
143
com o poder de mercado criado com o ato de concentração e deixa patente a incerteza quanto à
eficácia das medidas estruturais sugeridas.129
O Conselheiro Marcelo Calliari é outro que demonstrou preocupação com o ato que, em
sua opinião, claramente levava à dominação do mercado relevante. Contudo, como considerou
clara a existência de eficiências, preocupou-se com a distribuição destes ganhos130. Avaliou
que a dinâmica do mercado seria incapaz de garantir o repasse aos consumidores e propôs as
seguintes medidas: (i) venda das marcas Bavária, Bohemia e Polar; (ii) venda de cinco fábricas
em cada um dos mercados relevantes. Em particular, sugere que o comprador possa escolher
entre as fábricas de Guarulhos e Ribeirão Preto, pois esta última estava desativada e sem
capacidade de envasamento em latas; (iii) compartilhamento da rede de distribuição com o
entrante e com cinco pequenas cervejarias, uma em cada mercado relevante geográfico; (iv)
impor a desconstituição referente à Antarctica se, no prazo de oito meses, não fossem atendidas
as restrições anteriores. A ampliação do leque de marcas a serem alienadas demonstra a
preocupação em dotar o entrante potencial de condições para concorrer com a Ambev:
“Reitero, se nossa preocupação é a de viabilizar um novo entrante capaz de contestar, temos
que dar a ele todas as condições, porque vai estar brigando com a Ambev e com tudo que isso
significa: uma empresa já estabelecida e com uma posição inegavelmente dominante”
(Calliari, 2000, p.348).
O Presidente Gesner Oliveira acompanhou o voto da Relatora quanto às definições dos
mercados relevantes do produto e geográfico. Do seu ponto de vista era inegável que a
concentração criaria poder de mercado e a possibilidade de exercê-lo, mas: “De outro, não há
129 “(...)a conduta pregressa das requerentes, mesmo quando atuavam isoladamente, é que os distribuidores recalcitrantes em se submeter sem reservas às suas políticas são simplesmente defenestrados, de forma impune, às vezes, sem ressarcimento de perdas e danos, dado o longo tempo de contenda judicial” ( Felsky, 2000, p.328) 130 “De acordo com a sistemática da lei, impõe-se, em primeiro lugar, apreciar se a operação, embora danosa à concorrência, produz compensações adequadas à sociedade de forma que possa ser aprovada, nos termos do par. 1º do art.54. Neste sentido, considero plenamente atendido o comando do inciso I, relativo às eficiências da operação. Recorro para isso ao relatório e ao voto da Relatora, bem como aos pareceres instrutórios juntados aos autos. Considero, neste caso, desnecessário tecer considerações mais aprofundadas acerca da precisa magnitude destas eficiências, e de que tipo de reduções de custos podem efetivamente ser aceitas, na medida em que tal difícil e dispendiosa análise em nada afetaria as conclusões deste voto. Que há eficiências nos termos do inciso I, considero claro.” Calliari, 2000, p.344.
144
como negar eficiências ponderáveis associadas à operação, suficiente para elevar o bem-
estar se adotadas as devidas salvaguardas pela autoridade.” (Oliveira, 2000, p.359, grifo
original) Ressaltou que, em virtude do reforço da posição dominante, não havia como
assegurar que as eficiências geradas fossem transferidas aos consumidores, tornando-se
fundamental a adoção de medidas que neutralizassem os danos à concorrência.
Destacou o que acreditou serem os componentes fundamentais no voto da Relatora que
possibilitariam obter as eficiências associadas à operação e eliminar os efeitos nocivos à
competição: (i) a venda de marcas, fábricas e compartilhamento da rede de distribuição nos
mercados relevantes de forma a viabilizar uma nova empresa no mercado de cervejas; (ii)
garantir a livre escolha do consumidor, proibindo a venda casada; (iii) neutralizar os impactos
negativos sobre o emprego.
Note-se que a viabilização de uma nova empresa é um ponto é central nos votos porque,
uma vez rejeitados os argumentos das requerentes quanto à inexistência de posição dominante,
a fusão só poderia ser aprovada mediante o critério de ganhos de eficiência. Contudo, somente
a existência das eficiências substanciais não garante o atendimento de dois incisos essenciais
do ponto de vista da Lei 8.884, a distribuição dos benefícios e a não eliminação da
concorrência. No entendimento dos conselheiros uma nova entrada seria capaz de resolver as
duas questões simultaneamente pois, ao manter a concorrência no mercado de cervejas,
estimularia a competição seja via preços, seja via diferenciação dos produtos, caracterizando o
repasse aos consumidores.
À exceção do Conselheiro Santacruz, as principais diferenças nos votos se referem à
intensidade das restrições e à magnitude dos ativos considerados necessários ao
estabelecimento de um novo concorrente.
Com algumas discrepâncias, o Plenário do CADE acompanhou o voto da Conselheira-
Relatora, entendendo que os custos sociais da fusão seriam a eliminação de um concorrente, a
restrição à escolha do consumidor e a redução setorial da produção e do emprego. Como estes
145
custos seriam compensados por elevadas eficiências, o CADE aprovou a criação da Ambev,
condicionando-a a diversas medidas compensatórias que, como se viu, objetivaram neutralizar
os danos à concorrência pela viabilização da entrada de uma nova empresa. As três medidas
principais foram: (i) alienação da marca Bavária; (ii) venda de uma unidade fabril para
produção de cerveja em cada uma das cinco regiões do território nacional, todas em perfeito
estado de funcionamento; (iii) compartilhamento, em todo o país, da rede de distribuição da
Ambev com o comprador durante o prazo mínimo de 4 anos. O quadro a seguir representa as
diversas posições dos conselheiros e a decisão do CADE quanto aos principais pontos da
análise da concentração.
146
Quadro 4 – Comparativo dos Pareceres e Votos do Ato de Concentração 08012.005846/99-12 (Ambev)
SEAE SDE Hebe
Romano
Ruy
Santacruz
Mércio
Felsky
Marcelo
Calliari
Gesner de
Oliveira
Decisão do
CADE
I) O ato gera poder de mercado
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
II) É provável o exercício do poder
de mercado
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
III) Existem eficiências
compensatórias significativas
(inciso I)
Não
Sim
Sim
Não
Sim
Sim
Sim
Sim
IV) Haverá repasse das eficiências
aos consumidores (inciso II) Não Não Não Não Possivelmente Não Não Não
V) Decisão Aprovar com
restrições
Aprovar com
restrições
Aprovar com
restrições Reprovar
Aprovar com
restrições
Aprovar com
restrições
Aprovar com
restrições
Aprovar com
restrições
VI) Restrições Principais
Venda da marca,
ativos e
distribuição
relativos a Skol
Venda de fábricas
nos cinco
mercados
relevantes
Venda da marca,
ativos e distribuição
relativos a: Skol
ou Antártica ou
Brahma .
Venda de fábricas
nos cinco mercados
relevantes
Alienação das
marcas Bavária e
Polar.
Venda de fábricas
nos cinco
mercados
relevantes.
Distribuição
Compartilhada
por 4 anos.
-------
Alienação da
marca Bavária.
Venda de fábricas
nos cinco
mercados
relevantes.
Distribuição
Compartilhada
por 4 anos.
Proibição de
práticas restritivas
Alienação das
marcas Bavária,
Polar e Bohemia.
Venda de fábricas
nos cinco mercados
relevantes.
Distribuição
Compartilhada por
4 anos
Venda de marcas,
fábricas e
compartilhamento
da rede de
distribuição
necessários à
nova entrada.
Proibição da
venda casada.
Alienação da marca
Bavária. Venda de
fábricas nos cinco
mercados relevantes.
Distribuição
Compartilhada por
4 anos.
Fonte: Relatórios SEAE, SDE, Votos dos Conselheiros
A alienação da marca Bavária incluiu todos os direitos, tais como registros, pedidos,
contratos de fornecimento, etc... Fixou-se no compromisso de desempenho a obrigação da
Ambev manter gastos (média aritmética dos últimos dezoito meses) com publicidade e
marketing relativos à marca de forma a viabilizar a entrada em escala nacional da compradora.
Quanto às vendas das plantas industriais, determinou-se que fossem alienadas as
seguintes unidades: Getúlio Vargas (RG) e Ribeirão Preto (SP), de propriedade da Antarctica e
Cuiabá (MT), Camaçari (BA) e Manaus (AM), de propriedade da Brahma. Estas fábricas
deveriam estar em perfeito estado de conservação (instalações, maquinários, etc...),
“atualização tecnológica satisfatória” e com a mão-de-obra necessária ao seu funcionamento
disponível. Em especial, a fábrica de Ribeirão Preto devia dispor de uma linha de produção de
cerveja em lata e garrafa não retornável. Os investimentos necessários a que as fábricas
atendam todas as condições previstas seriam de responsabilidade da Ambev.
A distribuição deveria ser compartilhada em igualdade de condições com a compradora
e com mais cinco empresas independentes, uma em cada mercado relevante, cuja participação
no mercado de cervejas não fosse superior a 5%.
Adicionalmente, para amenizar os possíveis efeitos da fusão sobre o nível de emprego e
produção setorial, o CADE determinou que a Ambev não poderia, durante quatro anos,
desativar nenhuma de suas fábricas sem providenciar a oferta pública destas unidades. As
possíveis demissões por conta da reestruturação industrial deveriam ser acompanhadas de
programas de treinamento e recolocação no mercado de trabalho.
No que se refere à limitação à liberdade de escolha do consumidor, o CADE impôs à
Ambev a proibição de impor exclusividade aos pontos de venda, exceto nos casos em que os
investimentos fossem equivalentes a uma participação preponderante na formação dos ativos
do ponto.
148
O CADE afirmou que sua decisão buscou eliminar os danos à concorrência e garantir a
obtenção das significativas eficiências decorrentes da fusão que criou a Ambev. Ao estabelecer
medidas compensatórias ao aumento da posição dominante no mercado relevante de cerveja, a
autoridade antitruste brasileira alegou que estava garantindo aos consumidores o acesso a
produtos melhores e mais baratos, concedendo uma distribuição mais equânime dos ganhos
auferidos.131
3.2.4 – Conclusão
A constituição da Ambev teve grande repercussão pelo aspecto popular de seus
produtos e, certamente, representa um marco na análise dos atos de concentração no Brasil. O
caso é exemplar porque, como já se ressaltou, trouxe à tona uma série de complexidades
envolvidas na análise antitruste. É justamente esta característica que permite extrair do caso
algumas considerações de natureza mais geral.
Em primeiro lugar, vale destacar a tentativa das requerentes de caracterizar um menor
poder de mercado decorrente da operação. A aprovação do ato sem restrições iria requerer a
adoção das versões “atenuadas” dos condicionantes estruturais, a começar pela definição do
mercado relevante, considerado a partir de um cluster de bebidas. No mesmo sentido foi a
alegação de um mercado geográfico mais amplo, que incluísse países do Mercosul nos quais
havia fábricas das requerentes. Obviamente, ambas as alegações tinham a intenção de
minimizar o grau de concentração – diluído em produtos e áreas geográficas nos quais a
Ambev tinha uma participação menor - e, conseqüentemente, reduzir o poder de mercado
resultante da operação.
131 A justificativa, nestes termos, esteve disponível no site do CADE (www.cade.gov.br) sob a forma de uma apresentação de slides intitulada O Caso Ambev.
149
A determinação dos condicionantes do exercício do poder de mercado também oscilou
entre a adoção de diversas hipóteses. Primeiro, no que se refere ao papel das importações no
mercado de cerveja que, na versão das requerentes, representavam um volume considerável.
Em segundo lugar, a busca pela demonstração de elevadas elasticidades-preços nas cervejas
Ambev e altas elasticidades-cruzadas entre as cervejas da Ambev e as marcas concorrentes
(Kaiser e Schincariol) também buscaram estabelecer a impossibilidade de abuso da posição
dominante, destacando a concorrência via preços e minimizando as barreiras à entrada
decorrentes da diferenciação do produto.
Do ponto de vista desta tese importa destacar que a aprovação pelo CADE, mesmo com
restrições, do ato de concentração que criou a Ambev, só foi possível porque se aceitou o
argumento que a operação geraria eficiências de um montante suficiente para compensar
a sociedade pela perda impingida pela criação de uma inegável posição dominante no
mercado de cervejas. Note-se, mais uma vez, que todos os argumentos utilizados pelas
requerentes para mitigar seu poder de mercado e sua capacidade de exercê-lo foram refutados
em todos os votos e nos pareceres da Secretarias.
Vale salientar a dificuldade na mensuração das eficiências compensatórias. Estes
problemas já haviam sido previstos pela norma - quando da hierarquização das eficiências,
destacando as economias de escala e escopo como prioritárias em virtude de sua quantificação
– mas, como se verificou, as dificuldades são ainda maiores, pois mesmo as eficiências
produtivas passíveis de quantificação têm profunda variabilidade em função da metodologia ou
das hipóteses escolhidas. Como as empresas requerentes têm o incentivo a superestimar as
eficiências cabe à autoridade antitruste tratar o argumento com a parcimônia devida,
reconhecendo suas limitações práticas.
Do ponto de vista das “melhores práticas” antitruste isto equivaleria a reconhecer a
possibilidade de grandes variações nos valores estimados. No caso Ambev, a diferença entre a
pior estimativa (R$177 milhões do Conselheiro Santacruz) e a melhor (R$ 552 milhões das
requerentes) significa uma variação de 312%. Mais uma vez cabe ressaltar que grande parte
150
dos ganhos de eficiência são futuros, permeados de incerteza, obrigando a formulação de
estimativas com base em premissas incompletas que serão “preenchidas” de forma distinta a
partir do recorte feito pelo avaliador.
Tome-se como exemplo discussão sobre a adoção das “melhores práticas” da Brahma,
gerando uma maior produtividade da mão-de-obra diretamente envolvida na produção de
cerveja. Supor que haja sérias dificuldades em incorporar práticas de gestão em distintos
ambientes organizacionais e que estes fatores limitam a obtenção de resultados é uma hipótese
de trabalho bem plausível. Supor, alternativamente, que o simples nivelamento de
produtividades subestima os ganhos de eficiência porque ignora as sinergias oriundas da
operação é outra hipótese bastante razoável. No entanto, a adoção de cada uma das premissas
anteriores levará a resultados conflitantes, pois uma reduz e a outra amplia os ganhos
estimados, não sendo logicamente possível excluir, ex-ante, nenhuma das possibilidades.
Se isto ocorre com ganhos decorrentes de eficiências produtivas, geralmente passíveis
de quantificação, o que dizer de outras eficiências, não menos importantes, de natureza diversa.
As requerentes alegaram que a fusão possibilitaria o intercâmbio de tecnologia de produção,
ampliando o ritmo de desenvolvimento de novos produtos. No mesmo sentido, a utilização
conjunta de plantas-piloto também contribuiria para a variedade de produtos. Ambos os fatores
implicariam um aumento da diversidade de produtos, beneficiando o consumidor. Ocorre que,
como foi visto no primeiro capítulo, os efeitos da diferenciação sobre o bem-estar são
ambíguos, pois, se expandem o universo de consumo dos agentes econômicos, elevando sua
satisfação, também criam barreiras à entrada dificultando a concorrência e gerando perdas de
eficiência alocativa. A prevalência de um destes efeitos também não é determinável ex-ante,
não permitindo à autoridade antitruste definir uma tendência capaz de subsidiar uma decisão
segura.
O mesmo raciocínio se aplica às eficiências dinâmicas que, no caso em tela, se referiam
ao potencial criativo oriundo da combinação de diversos conhecimentos no processo de
fabricação de bebidas - por exemplo, know-how no uso de maltes, desenvolvimento de novas
151
variedades de cevadas, melhorias no rendimento do processo de fermentação sob pressão e
repartição de tecnologia sobre a fabricação de produtos sem conservantes. A alegação era de
que todos estes fatores se refletiriam no desenvolvimento de produtos e processos produtivos,
devendo ser incorporados como eficiências inerentes à fusão. A SEAE contra-argumentou que
as inovações vinham sendo ditadas, em grande parte, pela concorrência entre as empresas, e
que a união provavelmente diminuiria o ritmo de inovações. Mais uma vez as duas linhas de
raciocínio são plausíveis. Neste sentido, o caso Ambev só vem reforçar a conclusão – já
presente no artigo pioneiro de Williamson - que a necessidade de incorporação dos ganhos de
eficiência na prática antitruste, irrefutável do ponto de vista lógico, deve ser considerada em
seus limites de aplicação.
No caso presente, uma concentração que levou as empresas a deterem mais de 70% do
mercado relevante de cerveja, a maioria do Plenário do CADE entendeu que o montante de
eficiências gerado – em qualquer estimativa - era suficientemente significativo para
contrabalançar o aumento da posição dominante.
Do ponto de vista jurídico isto equivale a interpretar que o inciso I do parágrafo 1º do
artigo 54 – aprovar os atos que “tenham por objetivo, cumulada ou alternativamente”
aumentar a produtividade, qualidade dos bens e serviços, eficiência e o desenvolvimento
tecnológico e econômico – se refere à existência de eficiências compensatórias. Note-se que,
embora esta seja a única interpretação logicamente consistente – afinal não faria sentido
aprovar um ato que possibilitasse o abuso da posição dominante e gerasse um montante
qualquer de eficiências – esta não é a única interpretação possível. Sempre se poderia
argumentar que o texto se refere somente à existência de eficiências, e uma interpretação
“legalista” consideraria que a análise poderia prosseguir caso houvesse a demonstração de que
o ato propiciasse qualquer ganho de eficiência. Legalmente, no entanto, é preciso o
atendimento de ao menos mais duas condições, expressas nos inciso II, III e IV. É neste sentido
que foi a decisão do CADE, aplicando restrições que garantissem o repasse aos consumidores
das eficiências compensatórias, através da ampliação da concorrência.
152
Do ponto de vista econômico isto significa acatar o trade-off de Williamson, admitindo
que foram demonstradas eficiências de um montante suficiente para gerar como resultado
líquido um aumento de bem-estar da sociedade, isto é uma ampliação do excedente agregado
total. Significa também reconhecer que o critério não é neutro do ponto de vista distributivo e,
como isto é incompatível com a norma antitruste brasileira, é necessário impor condições que
garantam um resultado final mais equânime.
Desta forma, não creio que caibam críticas quanto à lógica da decisão do CADE que,
como já se ressaltou, supôs que a viabilização de uma nova entrada no mercado de cervejas
fosse capaz de garantir este resultado. Entretanto, é válido analisar as restrições impostas.
A maioria dos Conselheiros abraçou a tese da necessidade de se garantir uma nova
entrada e propuseram medidas para viabilizá-la. Quando se analisam seus votos, se percebe que
foram propostas alienações de marcas e unidades produtivas nos cinco mercados geográficos.
Quanto à alienação de marcas, teve-se um voto pela Bavária, um voto pela Bavária e Polar, um
voto pela Bavária, Polar e Bohemia e um genérico, pela venda de marcas que garantissem a
entrada. Quando se inclui o voto pela desconstituição da Ambev é difícil entender como o
plenário convergiu para a restrição mais branda, a venda de apenas uma marca.
Algo semelhante ocorreu em relação à alienação da fábrica situada na região sudeste,
em que houve manifestações pondo em dúvida a capacidade operacional da planta de Ribeirão
Preto. Se o objetivo do CADE era garantir uma entrada em igualdade de condições, é
questionável que na escolha das fábricas a serem alienadas também tenham se apreciado as
plantas industriais que haviam sido consideradas obsoletas e relacionadas para venda na
alegação de ganhos de eficiência pelas requerentes.132
132 “(...)durante a instrução processual, as Requerentes anunciaram o fechamento de cinco fábricas de cerveja, três da Brahma (Miranda Correia, Cuiabana e Cibeb) e duas da Antarctica (Estrela e Getúlio Vargas).” (Romano, 2000, p.207), ainda, “Quanto às fábricas, defendo que seja concedido ao comprador pacote a opção de escolher entre a fábrica de Ribeirão Preto e de Guarulhos como sua fábrica na região sudeste.(...)A planta de Ribeirão Preto vai ter que ser reativada no que se refere a cerveja, com a instalação de uma nova linha de latas, com todos os percalços associados a isso, como a necessidade de contratação e treinamento de pessoal numa linha que não conhecem etc..” (Calliari,2000,p.349)
153
Note-se que o CADE estipulou que os ativos alienados não poderiam ser comprados por
nenhuma empresa com participação expressiva no mercado, o que demonstrava a intenção de
garantir o surgimento de um quarto player neste mercado. Este novo concorrente teria que se
inserir no mercado brasileiro como base nestes ativos – e na estrutura de custos a eles
associada – e, mais ainda, depender exclusivamente do sistema de distribuição associado à
Ambev, dada sua ausência (ou participação inexpressiva) no mercado nacional.
Não faz parte dos objetivos desta tese proceder a uma análise dos efeitos da criação da
Ambev no mercado de cervejas, mas alguns comentários sobre os acontecimentos posteriores
são pertinentes. Comentando estes efeitos, Farina e Azevedo (2003, p.153) aventam que a
aquisição da Kaiser pela Molson (a mesma empresa que adquiriu a Bavária), em 2002, sugere
que as medidas tomadas pelo CADE foram insuficientes para garantir uma nova inserção
competitiva no mercado de cervejas. Pereira et alii (2003, p.195), após ressaltar a significativa
redução da marca Bavária no mercado, expressa a mesma visão, sendo que ambos destacam as
dificuldades associadas ao sistema de distribuição como um dos principais fatores deste
insucesso.133
A esta tese cabe avaliar o papel das eficiências no caso Ambev e, como já se
demonstrou, a viabilização de um novo entrante foi o instrumento utilizado pelo CADE para
garantir o repasse destes ganhos de eficiência ao consumidor e a manutenção da
concorrência. Visto desta forma, a perspectiva do CADE não se concretizou, pois esta nova
entrada não se viabilizou da forma esperada. Assim, conclui-se que os “remédios” aplicados
com o intuito de ampliar o nível de bem-estar, assegurando distribuição destes benefícios,
foram insuficientes, não tendo sido capazes de atingir os objetivos desejados pela autoridade
133 Segundo Farina e Azevedo (op.cit) “O interesse desta empresa [Molson] na aquisição da Kaiser sugere que a entrada amparada exclusivamente na compra da Bavária e de algumas plantas industriais não foi suficiente para um adequado posicionamento competitivo, sobretudo pela ausência de uma estrutura de distribuição compatível com a dos principais concorrentes”. Segundo Pereira e alii (op. cit): “Em seguida, a Kaiser, maior concorrente da AmBev, embora muito distante da rival, foi adquirida pela Molson – fato indicativo da inviabilidade econômica do “negócio Bavária”, inclusive pela impossibilidade da Molson de depender do sistema de distribuição da concorrente AmBev para distribuição de seu produto”.
154
antitruste. Conseqüentemente, não há garantias, nos termos propostos pelo CADE, de que
o ato de criação da Ambev não acarrete, ou vá acarretar, prejuízos aos consumidores.
Do ponto de vista mais geral, fica a lição de que frente à fragilidade das restrições
comportamentais (expressas nos compromissos de desempenho) e à incerteza na avaliação das
eficiências, cabe a autoridade antitruste impor restrições estruturais que assegurem, com uma
boa margem de segurança, as condições de concorrência e o bem-estar dos consumidores.
155
3.3 – O Caso Nestlé-Garoto134
Em março de 2002 o CADE foi notificado da aquisição da Chocolates Garoto S/A pela
Nestlé Brasil Ltda., dando início ao processo de avaliação por parte do Sistema Brasileiro de
Defesa da Concorrência do ato de concentração nº 08012.001697/2002-89. A Garoto justificou
a operação como fruto de sua incapacidade de fazer frente aos investimentos necessários a
dotá-la de condições para continuar concorrendo nos mercados nacional e internacional. A
perda de competitividade a teria levado a optar pela venda das participações acionárias a outra
empresa de tradição no setor. A Nestlé argumentou que a aquisição representava uma
oportunidade para o desenvolvimento de seus negócios.
A Nestlé Brasil Ltda. é uma subsidiária do grupo suíço Nestlé, com atividades em mais
de 80 países e atuação nas áreas de alimentação, bebidas, pecuária, produção animal, higiene e
farmacêutica. Seu faturamento ao longo do ano de 2001 atingiu, no Brasil, cerca de R$ 4,8
bilhões. A Chocolates Garoto era uma empresa brasileira de estrutura familiar atuando
essencialmente na elaboração de chocolates e confeitos, com um faturamento de R$ 547
milhões em 2001. Dada a magnitude da transação e a aparente concentração no mercado de
chocolates em geral, o caso logo atraiu interesse e reações.
A SEAE preocupou-se com os possíveis impactos da concentração no mercado
sugerindo a adoção de uma medida cautelar que prevenisse os possíveis efeitos
anticompetitivos oriundos da operação. Fundamentou seu pedido com base no grau de
concentração preliminar, na importância significativa da marca no consumo de chocolates, na
inexistência de importações significativas e nos possíveis efeitos sobre o emprego decorrentes
134 Esta seção foi elaborada com base nos Relatórios da SEAE, SDE, Conselheiro-Relator e Votos dos Conselheiros do CADE, relativos ao primeiro julgamento, realizado em fevereiro de 2004. Após a aprovação de um pedido de reapreciação, um novo julgamento em outubro do mesmo ano (com uma nova formação do plenário) confirmou a decisão anterior.
156
da reestruturação produtiva. A SDE concordou com a argumentação considerando que ela
provia fundamentação jurídica ao pedido, acrescentando que a operação poderia ocasionar
danos irreversíveis ao processo concorrencial. (Andrade, 2003, p.6)
A concorrência também se manifestou sobre a questão, com a Cadbury Stani do Brasil
Produtos Alimentícios protocolando no CADE um pedido de medida preventiva, em virtude
dos “prejuízos irreversíveis à livre concorrência” que a operação iria causar. Alegava que as
importações não eram viáveis devido aos elevados custos (distribuição, internação, transporte,
tarifários, etc...) envolvidos no processo e às características do consumidor brasileiro. Destacou
também os elevados custos de instalação de uma planta industrial competitiva, cuja viabilidade
estava condicionada ao atendimento de uma meta de 15% das vendas do mercado em um
período de cinco anos (op. cit.,p.9).
Por sua vez, a Kraft Foods Brasil S/A, fabricante dos chocolates Lacta, também
protocolou uma petição no CADE requerendo medida cautelar, alegando que a operação
permitiria a Nestlé implementar “estratégias anticompetitivas no mercado brasileiro de
chocolates” em função da posição dominante obtida. Justificou a medida pela dificuldade na
fixação de novas marcas, acarretando elevados custos irrecuperáveis associados à marca e a
distribuição. Ressaltou ainda que as oportunidades de vendas eram inferiores às escalas
mínimas eficientes e as importações inexpressivas.135
As requerentes reagiram argumentando que a operação não implicava em danos à
concorrência por conta dos condicionantes estruturais que garantiam a competitividade do
mercado, dentre os quais destacaram a elevada rivalidade assegurada pela presença dos
maiores produtores mundiais, a exemplo da Kraft (detentora da marca Lacta), Mars, Arcor,
etc... Por outro lado, as recentes entradas bem sucedidas (Hershey´s, Ferrero) atestavam o
baixo nível de barreiras à entrada, reduzidas porque: (i) a previsão do crescimento de vendas,
da ordem de 4% a.a., garantia o espaço a novas entradas; (ii) era baixo o investimento 135 Posteriormente, a Kraft Foods Brasil S/A apresentou um pedido de impugnação do ato de concentração, alegando, dentre outros fatores, que : (i) a Nestlé teria pago um preço de monopólio alijando as outras empresas; (ii) houve uma subestimação das participações de mercado das requerentes (ibidem, p.17-18).
157
necessário para a instalação de uma planta com escala viável mínima; (iii) inexistiam barreiras
decorrentes de aspectos institucionais (legais e regulatórios) ou técnicos, dado o amplo acesso
à tecnologia e insumos de produção; e (vi) não havia barreiras decorrentes de fidelidade à
marca. Além disto, ressaltaram a importância das importações, que representariam cerca de
10% do mercado.
Em março de 2002 assinou-se um Acordo de Preservação de Reversibilidade da
Operação, no qual as requerentes se comprometeram em abster-se de praticar qualquer ato em
decorrência da operação, de forma a preservar as condições de mercado vigentes até então. O
acordo visava evitar danos irreversíveis até que o plenário do CADE pudesse se manifestar.
Em seguida iniciou-se o processo de apreciação do ato de concentração.
3.3.1 – Estabelecendo os Riscos à Concorrência
Como se observou, o primeiro passo da avaliação é a definição dos mercados relevantes
nas dimensões produto e geográfica. As requerentes sustentaram inicialmente o
estabelecimento de um mercado amplo, de guloseimas (snacks), partindo da suposição que,
motivados pela sensação de prazer gerada pelo consumo, os consumidores adquirem
indiscriminadamente chocolates, balas, gomas de mascar, caramelos, doces, biscoitos, cereais
em barra, entre outros. Foram adicionados estudos abordando a substitutibilidade entre os
chocolates sob diversas formas (bombons, tabletes, ovos de páscoa, etc...) e diversas outras
guloseimas. Entretanto, adotando uma postura auto-intitulada “conservadora”, as Requerentes
definiram os seguintes mercados relevantes: (i) balas e guloseimas; (ii) chocolates sob todas as
formas; (iii) achocolatados. (SEAE, 2002, p.12)
158
No mercado de balas e guloseimas as requerentes alegaram que a operação não
acarretaria nenhuma mudança significativa na estrutura de mercado, considerando
desnecessário definir um mercado geográfico. A mesma posição foi defendida no mercado de
achocolatados. Quanto ao mercado de chocolates sob todas as formas, defenderam a
delimitação às fronteiras do Mercosul.
A SEAE destacou em sua avaliação que, além de gerar uma concentração horizontal -
na medida em que ambas as empresas produziam chocolates sob todas as formas –, o ato
também acarretaria uma concentração vertical, porque a Garoto não produzia os insumos
básicos para a produção da massa de chocolate (leite em pó, licor de cacau, manteiga de cacau
e torta de cacau)136. Analisando a produção das duas empresas a SEAE identificou a
sobreposição de atividades nos seguintes segmentos: (i) cacau em pó; (ii) chocolate em pó; (iii)
cobertura de chocolates; (iv) chocolates sob todas as formas (tabletes, candy bars, snacks,
bombons, caixa de bombons, ovos de Páscoa, e formatos variados); e (iv) balas e confeitos.
A SEAE optou por investigar a possibilidade de substituição pelo lado da oferta e pelo
lado da demanda, de forma a subsidiar com maior precisão sua delimitação do mercado
relevante de produto. Pelo lado da oferta, iniciou considerando que cacau em pó e chocolate
em pó eram um só produto (chocolates em pó), dado que a diferença entre ambos é somente a
adição de açúcar. Já no que se refere às coberturas de chocolate, como a implantação de uma
linha de tabletes exigia investimentos muito superiores aos necessários à produção de
coberturas líquidas, a SEAE decidiu por considerá-los, pelo lado da oferta, como dois produtos
separados, cobertura de chocolate líquida e cobertura de chocolate sólida.
136 Contudo, como ressaltou posteriormente, sob este aspecto o ato de concentração não representava um risco à concorrência. Textualmente: “Como a Nestlé não participa do mercado de Licor de Cacau, Manteiga de Cacau ou Torta de Cacau, o possível prejuízo à concorrência aconteceria se a Nestlé possuísse capacidade ociosa para abastecer a Garoto e que a demanda da Garoto fosse representativa na demanda total dos produtos acima. (...) nos produtos Licor de Cacau e Manteiga de Cacau a capacidade ociosa da Nestlé Brasil não é suficiente para abastecer a demanda da Garoto. Entretanto, no tocante ao produto Torta de Cacau, a fábrica de Itabuna da Nestlé pode suprir a totalidade da demanda da Garoto. Contudo, como pode ser observado na tabela 2, a demanda de Torta de Cacau da Garoto corresponde a menos de 3% das vendas do produto no ano de 2001 e percentuais ainda inferiores nos anos anteriores. Dessa forma, o ato não gera danos à concorrência nos mercados destes três produtos.” (SEAE, 2002, p.19)
159
A SEAE (2002, p.9) constatou que a fabricação de cada tipo de chocolate é feita em
uma linha de produção distinta, o que sugeria a impossibilidade de substituição pelo lado da
oferta. No entanto, à exceção da fabricação de bombons e candy bars, que utilizam
equipamentos específicos – placas esféricas o primeiro e misturadores e extrusores o segundo –
as linhas de produção são muito semelhantes, apontando para a possibilidade de uma linha que
servisse à fabricação de mais de um tipo de chocolate. O mesmo ocorre com o processo de
embalagem, onde não há limitações da máquina quanto ao tipo de chocolate a ser embalado.
Considerando estes fatores a SEAE decidiu pela definição de três tipos de chocolate: tabletes,
candy bars e snacks. Por fim, cabe assinalar que a SEAE definiu quatro tipos de confeitos:
balas, pastilhas prensadas, pastilhas drageificadas e caramelos.
Em sua apreciação da substitutibilidade pelo lado da demanda a SEAE (op.cit, pp.10-
15) chegou essencialmente às seguintes conclusões: (i) considerou improcedente a alegação
das requerentes de um mercado geral de guloseimas, considerando que muito pouco poderia
ser concluído com base nos estudos apresentados; (ii) rejeitou a inclusão de fabricantes
regionais e artesanais no mercado relevante de chocolate, por considerar que havia uma
diferença substancial entre os consumidores representativos dos dois tipos de chocolate; (iii)
optou por não definir precisamente o tipo de confeito por considerar inconclusivo o grau de
substituição entre balas, caramelos, pastilhas prensadas e pastilhas drageificadas; (iv)
considerou baixa a demanda por cobertura líquida e alta a substitutibilidade desta pela
cobertura sólida; e (v) no mercado de chocolates, devido à impossibilidade de definir a
substitutibilidade entre os diversos tipos do produto, optou por analisar a concentração em dois
cenários: chocolates sob todas as formas (considerando todos os chocolates como um produto
único) e chocolates por segmento.
Concluiu pela delimitação de quatro mercados relevantes de produto: confeitos,
chocolates em pó, coberturas de chocolate (líquida e sólida) e chocolates sob todas as formas
(ou, alternativamente, chocolates por segmento). Embora tendo definido diversos mercados
relevantes na dimensão produto, a SEAE concluiu que, em todos os casos, o mercado relevante
geográfico era o território nacional. Em linhas gerais, a Secretaria avaliou que as importações
160
representavam uma participação reduzida no consumo interno da maioria dos produtos,
estando limitadas por diversos fatores, tais como perecibilidade dos produtos, preferência dos
consumidores e altos custos de transporte.
Ao avaliar o grau de concentração da oferta, a SEAE concluiu que o ato de
concentração não apresentava danos à concorrência em dois grandes segmentos. No que se
refere ao mercado de chocolates em pó, as participações percentuais, em termos de valor, da
Nestlé e da Garoto eram, respectivamente, 58,1 e 3,1% do mercado em 2001. Desta maneira, a
operação não alteraria de forma significativa a concentração vigente no mercado. Por sua vez,
no mercado de confeitos, a participação conjunta das requerentes não atingia 4% do mercado
(1,7% a Nestlé e 2% a Garoto). Nos mercados relevantes de cobertura de chocolates (líquida e
sólida) e nos mercados de chocolates sob todas as formas a situação era bastante diversa, com a
operação apresentado uma elevada concentração da oferta. A tabela a seguir sistematiza os
dados apresentados no relatório da SEAE.
Tabela 3 - Estrutura de Oferta – Participação Percentual com Base no Faturamento 2001, por Mercados Relevantes SEAE
Mercado Relevante Nestlé
(A) Garoto
(B) (A+B) Arcor Lacta Ferrero Outros Total
Cobertura de chocolates 22,1 66,4 88,5 11,4 --- --- --- 100,0
Chocolates sob todas as formas 33,94 24,47 58,41 3,4 33,15 3,4 1,64 100,0
Bombons 8,05 26,13 34,18 8,11 49,48 5,89 2,34 100,0
Caixa de bombons 43,25 29,92 73,17 0,7 25,83 --- 0,29 100,0
Tabletes 40,78 22,13 63,91 5,73 27,96 0,65 --- 100,0
Snacks 7,63 --- 7,63 --- 88,16 4,2 --- 100,0
Candy Bars 80,48 2,92 83,4 --- 8,87 --- 6,92 100,0
Ovos de Páscoa 28,01 26,77 54,78 5,7 37,81 0,02 1,68 100,0
Formatos variados 28,01 26,77 54,78 0,13 0 33,9 --- 100,0
Fonte: Relatórios SEAE e do Conselheiro-Relator Thompson Andrade
161
A SDE fez diversas observações sobre a determinação dos mercados relevantes em
termos de produto, discordando em alguns pontos da definição da SEAE. Por exemplo, avaliou
que cacau em pó não poderia ser considerado um produto substituto de chocolate em pó,
porque este último não era apropriado para “a culinária diet”, ou ainda, defendeu a separação
entre coberturas de chocolate na forma líquida e na forma sólida, considerando-as distintas por
“questões de ordem técnica e de escala”. Assim, propôs a seguinte delimitação dos mercados
relevantes: (i) confeitos e balas; (ii) chocolate em pó; (iii) achocolatados em pó; (iv) cobertura
de chocolate sólida; (v) cobertura de chocolate líquida; (vi) chocolates de consumo imediato
(bombons, formatos variados, candy bars, tabletes de até 100g); (vii) tabletes de chocolate
entre 101g e 400g e embalagens multipack; e (viii) tabletes de chocolate entre 401g e 500g;
(ix) caixas de bombons; e (x) ovos de páscoa. Quanto aos mercados geográficos, acompanhou
a SEAE, considerando o território nacional em todos os casos 137 (SDE, 2002, pp.19-30).
Analisando as concentrações em todos os mercados relevantes de produto que definiu, a SDE
concluiu que somente nos sete últimos mercados listados acima (iv ao x) ocorreriam elevadas
concentrações. O quadro abaixo sintetiza os resultados de acordo com a SDE.
Tabela 4 Participação Percentual da Nestlé nos Mercados Relevantes SDE,
antes e após a operação – 2001
Mercado Relevante Participação da Nestlé
(antes da operação)
Participação da Nestlé
(após a operação) 88,5 Cobertura de Chocolate Sólida 16,3
100,0 Cobertura de Chocolates Líquida 72,0
63,1 Chocolates de Consumo Imediato 34,0
Tabletes entre 101g e 400g e Multipack 36,9 52,9
75,9 Tabletes entre 401g e 500g 23,5
34,2 Ovos de Páscoa 17,6
66,0 Caixas de Bombons 37,3
Fonte: SDE, 2002, p. 98
137 Os chamados chocolates artesanais foram definidos como um mercado relevante de produto à parte e, somente neste caso, a SDE estipulou um mercado geográfico distinto que excluía a região Norte do país. SDE (2002, pp.42-43).
162
As Secretarias concluíram que as concentrações obtidas em diversos mercados
relevantes eram muito elevadas, caracterizando a obtenção de poder de mercado. Desta forma,
deslocaram a análise para a probabilidade do exercício deste poder. Primeiramente, avaliaram
a capacidade instalada da indústria no mercado de coberturas de chocolate, onde, para a SEAE,
a existência da concorrente Arcor com elevada capacidade ociosa (equivalente a 38% do
mercado) inibia o poder de mercado das requerentes - a elevação nos preços poderia levar os
consumidores a migrarem para o produto da Arcor, que teria como atender a elevação da sua
demanda. A SDE, por sua vez, supunha que este fator, associado à capacidade ociosa das
requerentes (o dobro do total das vendas para terceiros), constituía uma barreira à entrada
significativa, dado que estas empresas poderiam atender prontamente aos aumentos de
demanda – sinalizando a ausência de parcelas de mercado disponíveis a um potencial entrante.
Vale ainda assinalar o destaque feito pelo Conselheiro-Relator Thompson Andrade, que
lembrou que a capacidade ociosa da Arcor equivalia a somente 11% da capacidade ociosa da
Nestlé-Garoto, fato que reforçava substancialmente o desestímulo à entrada.
Para o mercado de chocolates sob todas as formas, os valores dos investimentos
necessários à entrada competitiva no mercado variaram entre R$50 milhões e R$ 31,5 milhões,
com a SEAE obtendo diversos valores para a escala mínima viável - as empresas consultadas
apresentaram estimativas que variaram de um valor máximo de 30 mil ton/ano (Lacta e
Cadbury) a um valor mínimo de 2 mil ton/ano para entrantes de pequeno porte (requerentes).
Elaborando uma simulação a partir da escala mínima de 30 mil ton/ano (19% do mercado
nacional) e supondo uma taxa de crescimento médio das vendas de 1,5% ao ano, a Secretaria
concluiu que seriam reduzidas as oportunidades de entrada (SEAE, 2002, p.29). O
Conselheiro-Relator imaginou hipóteses mais favoráveis: um crescimento da demanda de 2%
ao ano, sendo toda a demanda adicional atendida pela entrante durante um período de 2 anos.
Neste caso, as vendas alcançariam 6,4 mil ton/ano, representando somente 32% da capacidade
instalada. Se, alternativamente, a entrante conseguisse capturar 5% das vendas das empresas
estabelecidas (8 mil ton/ano), chegar-se-ia a 14,4 mil ton/ano ou 49% da escala mínima, bem
abaixo do percentual de 65% informado pela Kraft como necessário à obtenção de custos
compatíveis com o mercado.
163
Embora sem se aprofundar na análise, a SEAE aventou a possibilidade de existirem
barreiras à entrada decorrentes de fidelidade à marca, destacando que as marcas líderes do
mercado estão presentes há décadas. De fato, a marca líder (Bis com 9,17% do mercado) foi
lançada em 1942 e a segunda colocada (Sonho de Valsa com 4,4% do mercado) em 1938.
Dentre as quinze marcas mais vendidas no Brasil, a mais recente (Talento) já está no mercado
há onze anos.
A SDE ressaltou esta dificuldade, exemplificando que uma simples mudança de nome –
o chocolate Lollo para Milkybar – levou mais de três anos para se consolidar, tendo a Nestlé
justificado este processo pelos efeitos deletérios que uma alteração abrupta no nome poderia
causar na imagem do chocolate. A Secretaria também cita pesquisas que indicam que a maioria
dos consumidores (52%) já decidiu que marca comprar ao entrar em uma loja - nas compras
por impulso, 27% teriam uma marca e 40% teriam entre 2 ou 3 marcas em mente (SDE, 2002,
pp.62-63).
Segundo a SDE, a barreira à entrada em decorrência da preferência do consumidor está
manifesta na dificuldade em obter parcelas significativas do mercado das novas empresas que
entraram no mercado brasileiro. As entrantes recentes, Ferrero (1994), Mars (1996), Arcor
(1996), Hershey´s (1998) e Parmalat (1998), apesar de líderes em seus mercados locais,
ocupavam em conjunto apenas 8,4% do mercado nacional.
A SDE (op.cit, pp.66-70) associou esta dificuldade de penetração a duas outras
importantes barreiras à entrada: a necessidade de ter um portfólio diversificado de produtos e
marcas e o acesso a uma rede de distribuição capilar que permitisse atingir os pontos de venda
pulverizados pelo país. Note-se que a diversificação de produtos oferecidos permite satisfazer
um maior espectro de preferências do consumidor e, desta forma, a empresa obtém uma maior
área de exposição do revendedor que, por sua vez, é atraído pelo giro mais rápido
proporcionado pela venda dos produtos. O resultado é que a empresa com maior diversidade
vende mais e tem sua posição reforçada no mercado.
164
A SDE concluiu que as barreiras à entrada no mercado de coberturas chocolates são
bastante elevadas, seja pelos requisitos mínimos de capital, seja pela capacidade ociosa
existente. O mesmo se aplica ao mercado de chocolates em geral, com destaque para as
barreiras centradas no “binômio marca/distribuição”. Assim, “o exercício de poder de mercado
por parte das Requerentes não pode ser inibido pela entrada de um novo concorrente”
(ibidem, p.71).
A avaliação dos condicionantes sobre o exercício de poder de mercado se deslocou para
a rivalidade entre as empresas estabelecidas, tendo a SEAE alegado que não seria provável que
uma única rival viesse a contestar a nova firma, podendo o mercado “alcançar um novo
equilíbrio a preços mais altos que os atuais”. Por outro lado, ponderou, se os produtos
ofertados pela Nestlé, Garoto e Lacta pudessem ser considerados homogêneos, poder-se-ia
aplicar o modelo de Bertrand e a rivalidade impediria o exercício do poder de mercado.
A despeito do esforço de análise realizado, o relatório da SEAE foi extremamente
inconclusivo. A Secretaria não se definiu quanto ao mercado relevante, não definindo o
mercado de confeitos e não escolhendo entre o mercado de chocolates sob todas as formas e
por tipos de chocolate. A Secretaria não se definiu quanto à possibilidade do exercício do
poder de mercado, alegando que se os produtos fossem considerados diferenciados seria
provável o exercício mas, se os produtos fossem homogêneos não haveria como exercer o
poder de mercado. Quanto às eficiências, como se verá, a SEAE quase não se pronuncia no
mérito, limitando-se a um exercício de simulação. Como não há definição sobre nenhum ponto
central da avaliação o auxílio do relatório é, no mínimo, duvidoso.
A SDE não compartilhou desta visão, alegando que não haveria rivalidade no mercado
de coberturas de chocolate pois, além de ser quase monopolista, a nova empresa detinha um
excesso de capacidade. Por sua vez, no mercado de chocolates, não haveria interesse da Lacta
em contestar aumentos de preços da nova empresa porque, dada sua baixa capacidade ociosa,
não teria condições de atender à demanda que migrasse das requerentes. Portanto, a estratégia
mais lucrativa seria seguir o aumento de preços. Ressalta ainda que, dado o extenso portfólio
165
de produtos, a Nestlé teria a oportunidade de elevar o preço de alguns de seus chocolates e não
perder consumidores, que migrariam para outras marcas de sua propriedade.
Vale assinalar que este caso se destacou dos anteriores pela profusão de estudos que
utilizaram modelos de simulação para estimar qual seria o novo equilíbrio a partir da existência
da nova empresa fusionada. Note que, em linhas gerais, tratam-se de dois mercados relevantes:
coberturas de chocolate e chocolates sob todas as formas. No primeiro mercado o único
competidor da Nestlé-Garoto seria a Arcor e, no segundo, o único concorrente de peso seria a
Kraft (Lacta), tornando plausível modelar os comportamentos pós-entrada utilizando os
modelos de duopólio tradicionais. Em sua maioria, o material relativo a esta discussão só foi
adicionado ao processo após a emissão dos relatórios das Secretarias que, conseqüentemente,
não se manifestaram sobre estes estudos. A idéia central era demonstrar a presença (ou
ausência) de rivalidade nestes mercados, fator que poderia inibir o abuso da posição
dominante.
Como a dominância era muito maior no mercado de coberturas de chocolate, as
simulações ficam circunscritas ao mercado de chocolates sob todas as formas. Primeiramente,
as requerentes apresentaram um estudo com base na Teoria dos Jogos138, um jogo 2x2 limitado
a duas estratégias (elevar ou reduzir os preços) para cada firma, no qual buscou-se demonstrar
que a situação após a concentração levaria a uma manutenção ou redução de preços, por esta
ser a estratégia ótima do duopólio Nestlé-Garoto/ Kraft. Aumentos de preços da ordem de 5%,
10% e 15% resultariam em reduções do faturamento de, respectivamente, 3,37%, 14,92% e
32,33%, decorrentes da perda de demanda para o concorrente. A variável definida como
objetivo foi o crescimento das vendas no curto prazo, consoante com o Relatório Gerencial
2002 da Nestlé (Andrade, 2004, p.20).
138 O estudo original foi elaborado pela Profa. Elizabeth Farina que, posteriormente, anexou um adendo a seu Parecer refazendo parcialmente suas análises a partir da utilização das elasticidades-preço e elasticiadades-cruzadas estimadas pelo Prof. Naércio A Menezes Filho. Os resultados teriam se mantido ou sido reforçados. Andrade (2004, p.20).
166
A impugnante Kraft apresentou uma simulação utilizando o modelo de Bertrand com
produtos diferenciados e um equilíbrio de Nash não-cooperativo, obtendo resultados que
contestaram a conclusão de que as firmas não teriam incentivos a elevar preços por conta da
ameaça da perda de faturamento. Por sua vez, esta conclusão foi rebatida por outro estudo das
requerentes, que questionou as hipóteses utilizadas (comportamento segundo Bertrand, custo
marginal constante e elasticidade-preço da demanda constante).
Outro estudo encomendado pelas requerentes à LCA Consultores também concluiu que
a rivalidade seria impeditiva de aumentos de preços, mas foi igualmente questionado pelos
consultores da Kraft, sob a alegação de que os resultados eram orientados por hipóteses ad hoc.
Diga-se de passagem que este mesmo argumento foi utilizado pela Prof ª Farina ao questionar
os resultados obtidos nos pareceres enviados pelas impugnantes Kaft e Mars. Por sua vez,
como bem lembrou o Conselheiro-Relator, a crítica se aplica a todos os modelos utilizados ao
longo do processo.139
De fato, hipóteses diferentes – como a passagem de um comportamento estático para
um dinâmico – acarretam resultados significativamente diferentes. Isto pode ser exemplificado
utilizando-se o modelo de Bertrand, para duas firmas com um custo unitário constante (k) e um
produto homogêneo. Como as duas firmas devem fixar seu preço de forma simultânea e não
cooperativa, o equilíbrio Nash-Bertrand (o par de preços (pi, pj) tal que cada firma esteja
maximizando seu lucro dado o preço da sua concorrente) será atingido quando pi = pj = k. 140
Se o jogo de Bertrand fosse repetido por um tempo finito T, demonstra-se que no
último período chegar-se-á à solução anterior, a despeito do que ocorreu anteriormente pois, 139 Segundo Farina (apud Andrade, op.cit., p. 22) ao utilizar-se interação estratégica em um horizonte indeterminado – contexto utilizado para demonstrar a possibilidade de conluio – a conclusão de que haverá um comportamento coordenado não é garantida sem a utilização de hipóteses ad hoc. 140 Caso pi > pj > k , a firma i estaria sem demanda. Se ela reduzisse seu preço (undercutting) de tal forma que pi = pj - ε (onde ε é um valor pequeno e positivo) ela obteria toda a demanda para si. Por outro lado, se pi > pj = k haveria uma contradição pois a firma com o menor preço poderia elevar seu lucro (de zero para positivo) elevando seu preço. Por fim, se pi = pj > k, qualquer uma das firmas poderia elevar seu lucro reduzindo seu preço de ε. Ao preço anterior a firma teria metade do mercado mas, ao reduzir levemente seu preço, dobraria suas vendas. Assim, embora o lucro por unidade tenha caído um pouco certamente não foi da ordem de 50% elevando o lucro total.
167
caso contrário, alguma firma poderia utilizar o “undercutting” e tomar o mercado. Contudo, no
período T – 1 isto também ocorreria e assim sucessivamente, até o 1° período. Por indução
retrospectiva conclui-se que não há possibilidade de comportamento colusivo.
Entretanto, se o horizonte passa a ser infinito, o resultado é bastante diverso. As firmas
podem fixar um preço acima do custo, cooperando até que uma se desvie do comportamento
colusivo, caso no qual se iniciará um processo de retaliação com todas as firmas reduzindo seu
preço até o preço competitivo. A razão para isso é que cada firma leva em conta não apenas
seus ganhos no período em que ela reduz seu preço abaixo do concorrente, mas também os
lucros que perderá por “induzir” a retaliação. Os preços elevados serão sustentáveis se o valor
presente dos ganhos oriundos do comportamento colusivo que ela perderá for grande o
suficiente para superar os possíveis ganhos presentes oriundos da quebra deste comportamento,
com o valor da taxa de desconto determinando a comparação intertemporal entre os ganhos
presentes e futuros.141
Esta estratégia (Nash reversion strategy) se constitui num equilíbrio de Nash perfeito
no subjogo. A viabilidade do acordo tácito é demonstrada com base no Folk Theorem. A firma
pode optar por um comportamento colusivo auferindo lucros de monopólio e dividindo-os com
sua concorrente ou, alternativamente, pode obter lucros de monopólio sozinha por um período -
dado que no período seguinte a rival reduzirá seu preço e ambas passarão a obter lucros
normais.142
Desta forma, não é surpreendente que tenha havido uma intensa controvérsia sobre os
modelos corretos e as premissas utilizadas para avaliar o caso, tendo os resultados se
mostrando extremamente dependentes das premissas iniciais. Por exemplo, ao questionar os
resultado obtidos pela Kraft, o parecer do Prof. Paulo Piccheti encaminhado pela Nestlé
141 Para um desenvolvimento do ponto ver, por exemplo, Mas-Collel et alii (1996), p.402. 142 Assim, se Πm for o lucro de monopólio a condição de cooperação será expressa por: ( Πm/2) (1 + δ + δ2 +.....) ≥ Πm, ou seja, ( Πm/2) (1/1 -δ ) ≥ Πm , ou δ ≥ ½ . Portanto, se o fator de desconto for maior ou igual a ½ o preço de monopólio – ou qualquer outro preço entre este e o competitivo – caracterizará um equilíbrio. Este exemplo atesta que a introdução de hipóteses mais realistas torna factível a adoção de comportamentos colusivos por parte das empresas estabelecidas
168
demonstrou que o modelo “rodado” com uma função de demanda linear (elasticidade-preço
variável), levaria a estimativas de aumentos de preço bem inferiores àqueles obtidos com
elasticidade-preço constante. O consultor conclui que os modelos devem ser considerados com
reserva, sendo necessário estudos complementares e mais aprofundados para subsidiar uma
decisão sobre um ato de concentração (Andrade, 2004, p.26)143.
Neste sentido vale ressaltar o comentário sobre a aplicabilidade dos modelos elaborado
pelo Conselheiro Thompson Andrade que, criticando os resultados obtidos no modelo 2x2,
lembra que a limitação de estratégias disponíveis às firmas em ações de elevar ou reduzir
preços é apenas uma simplificação, pois as possibilidades de combinações de estratégias
preços/quantidades são infinitas, limitadas apenas por fatores da teoria econômica (restrições
de capacidade, custos irrecuperáveis, etc...). Como, em sua opinião, o processo de decisão é
bem mais complexo que as hipóteses aventadas nos modelos, adverte, “não se deve esperar
demais de um modelo senão aquilo que ele pode produzir ou gerar, qual seja, uma estimativa
condicional”.
É necessário destacar que o ponto que as requerentes buscavam demonstrar, isto é, a
rivalidade como disciplinadora de preços, estava associado à eficiência. Outro ponto em
destaque na argumentação desenvolvida foi a estimativa, com base no modelo de Williamson,
do nível de eficiências gerada na operação, objetivando garantir que elas fossem mais do que
suficientes para compensar o eventual aumento do poder de mercado. Se, além disso, a
rivalidade se manifestasse através de uma concorrência via preços, as reduções de custo
derivadas dos ganhos de eficiência seriam necessariamente repassadas aos consumidores. Nos
termos da sistemática desenvolvida na análise do CADE, isto representaria não somente a
demonstração da impossibilidade do exercício do poder de mercado, mas,
simultaneamente, o atendimento do 1º parágrafo do artigo 54 em seus incisos I e II. A
questão se transfere, mais uma vez, para a avaliação das eficiências.
143 Andrade (2004, p.20) ressalta que embora a Nestlé e a Kraft tenham apresentado estudos avaliando as elasticidades, não houve diferenças significativas entre os dois conjuntos de estimativas, não sendo estes valores responsáveis pelas diferenças entre as conclusões dos consultores das Requerentes e das Impugnantes.
169
3.3.2 – Avaliação das Eficiências Alegadas
A discussão sobre as eficiências no caso Nestlé-Garoto foi conturbada, tendo as
requerentes apresentado diversos relatórios, todos com significativas mudanças de critérios e
valores. Por exemplo, de um relatório inicial apresentado à SEAE e SDE com um montante
estimado em R$ 36,33 milhões, se chegou a um relatório elaborado pela Trevisan com as cifras
de R$ 82,736 milhões no primeiro ano e R$ 96,587 milhões no segundo ano.
Os diferentes valores foram utilizados na elaboração de diversas simulações baseadas
no modelo de Williamson (e na versão Price–Standand), com o intuito de estimar se as
reduções de custo alegadas seriam suficientes para compensar aumentos de preço decorrentes
do abuso da posição dominante conseguida pelas empresas fusionadas.
No primeiro trabalho apresentado pela Nestlé - de responsabilidade da Prof ª Farina - as
simulações feitas para tabletes e bombons encontraram que, em decorrência da concentração,
os preços se elevariam entre 10,5% e 12%, para o caso de custos constantes. Alternativamente,
uma redução 10,8% do custo marginal seria suficiente para neutralizar os possíveis aumentos
de preço (Andrade, 2004, p. 26-28).
No trabalho de simulação apresentado pela impugnante Kraft (Kanczuk et al.) -
utilizando uma função de demanda com elasticidade-preço constante - chegou-se a um
resultado análogo, isto é, a necessidade de reduções nos custos variáveis da ordem de 12% para
evitar elevações nos preços. Posteriormente, respondendo às criticas feitas pelas requerentes,
os consultores aplicaram o modelo com outros tipos de função de demanda (AIDS, logit, log-
linear e linear), concluindo que as estimativas de reduções nos custos capazes de compensar os
aumentos de preços eram invariáveis, mantendo-se na ordem de 12% independentemente da
forma estimada da função de demanda (ibidem).
170
Por sua vez, a Profa Farina refez sua análise trabalhando com elasticidades-preço da
Nestlé entre –2 % e –3 % e elasticidades da indústria entre – 1,5% e – 1,75% e obteve que as
reduções de custos necessárias a compensar os possíveis aumentos de preço estariam entre
5,1% e 11,7%. A autora ressaltou que estes valores apontariam para uma convergência nas
porcentagens estimadas pelos consultores das requerentes e das impugnantes para valores de
cerca de 12%.
De fato, outro estudo elaborado para a Nestlé, da LCA Consultores já havia destacado
este ponto: “Apesar das querelas metodológicas envolvidas, as principais conclusões dos dois
exercícios (o nosso e o de Kanczuk et al.) convergem para o mesmo ponto: i) a rivalidade é
alta, mas por si, insuficiente para inibir aumentos lucrativos por parte da Nestlé/Garoto e ii)
eficiências da ordem de 10% a 12% do custo variável são suficientes para fazer com que os
preços não aumentem ou até que sejam reduzidos” (LCA, apud Andrade, op.cit., p.26). Como
destaca o Conselheiro-Relator a questão primordial que, até o momento, se centrava na
rivalidade como impeditivo do abuso da posição dominante, se deslocou para o nível de
eficiências gerado pelo ato de concentração, cabendo então avaliá-las.144
O primeiro relatório apresentado listou as eficiências por área, sendo que na área
técnica e de produção destacaram-se: (i) redução dos preços das embalagens devido ao maior
poder de barganha obtido com a compra conjunta; (ii) redefinição do uso de fórmulas e
ingredientes pela utilização do know how do Grupo Nestlé, adotando novos ingredientes de
menor custo sem alterar a qualidade dos produtos ofertados; (iii) eliminação das vendas de
chocolates com sobrepeso em relação ao peso líquido indicado na embalagem, por meio de
calibração dos equipamentos e de um melhor controle estatístico dos processos de produção;
(iv) otimização de técnicas de tempos não–produtivos (set up, start up e limpeza); (v) redução
do custo de serviços pela venda destes entre as fábricas; (vi) redução de custos com a locação
de armazéns e fechamento de depósitos, decorrente da otimização dos níveis de estoques; (vii)
compartilhamento de programas motivacionais e de treinamento; (vii) transferência de ativos 144 “Portanto, a questão básica se transfere, não da possibilidade ou não de aumentos de preços neste mercado em si mesmo como resultado do grau de rivalidade entre as empresas que atuam no mercado relevante, mas do grau de eficiência possível gerado por este ato de concentração”. (ibidem)
171
imobilizados ociosos ou em desuso; (viii) integração de processos permitindo o
desenvolvimento de novos produtos.
A área administrativa obteria reduções de custo a partir da unificação do Conselho de
Administração, terceirização dos serviços que não faziam parte da atividade fim da empresa,
racionalização do uso da frota de veículos e a redução dos diversos níveis hierárquicos da
empresa. A unificação das empresas também teria reflexos na área comercial, em especial pela
redução de gastos promocionais, custos com pesquisas de mercado e o serviço de atendimento
ao consumidor.
Quanto à área de logística, as requerentes destacaram a eliminação de eventuais
desperdícios com materiais de embalagem pela adoção de “melhores práticas”, a otimização na
utilização de matérias-primas – inclusive com a venda de excedentes de derivados de cacau da
Nestlé para a Garoto, com conseqüente redução nestes gastos - e o alinhamento aos menores
preços de compra. A distribuição seria otimizada através da adequação de seus custos
(comparação entre os custos de distribuição entre as empresas de chocolate) e renegociação do
frete.
A SEAE não questionou nenhum dos itens das áreas técnica, de produção e
administrativa, salientando apenas que, como havia constatado a inexistência de capacidade
ociosa na fábrica de derivados de cacau da Nestlé (Itabuna-BA), descartava esta eficiência da
área de logística. No entanto, apresentou um exercício de simulação, baseado nos valores
apresentados pelas requerentes, com o intuito de estimar quais as perdas decorrentes de
aumentos de preços de 5%, 10% e 15% - mantendo-se constantes as quantidades vendidas.
Foram avaliados dois cenários - no primeiro só as requerentes elevariam o preço e, no segundo,
seriam acompanhadas pela Lacta. – sendo que, com uma única exceção, os resultados
indicaram que as perdas do consumidor seriam superiores aos benefícios obtidos. A SEAE
argumentou que, como as eficiências apresentadas constituíam o melhor cenário possível (por
conta do interesse das requerentes em apresentar as melhores estimativas), era lícito concluir
172
que: “os ganhos de eficiência decorrentes da operação não seriam justificáveis para aprová-la”
(SEAE, 2002, p.45).
A SDE (SDE, 2002, p.94) foi mais crítica em sua avaliação, descartando todas as
eficiências das áreas técnica e de produção por considerar que não tinham sido demonstradas.
Argumentou que a simples suposição de que a Nestlé tivesse conhecimento das “melhores
práticas” e um know how mais avançado era insuficiente para caracterizar uma superioridade
técnica, carecendo de indicadores (e mesmo de exemplos), que viessem a confirmar tal
suposição. Isto posto, asseverou: “Por estas razões, conclui-se que tais benefícios não devem
ser considerados na presente análise, dada a forma vaga e especulativa com que foram
alegados”.
As eficiências relacionadas à estrutura administrativa tiveram uma melhor acolhida,
tendo a Secretaria objetado somente os ganhos associados à eliminação dos níveis hierárquicos
e à terceirização de parte dos serviços, por considerar que estas eficiências não eram inerentes
à operação, podendo ser obtidas de forma independente. Quanto às áreas comercial e logística,
a SDE contestou apenas as economias oriundas do fornecimento de derivados de cacau, pela
mesma razão alegada pela SEAE. O quadro a seguir sistematiza as avaliações da SDE.
Quadro 5 – Análise Qualitativa da SDE das Eficiências Alegadas pela Nestlé
Eficiências por Área Avaliação SDE
Técnica e Produção: Embalagens, Formulas e Ingredientes, Sobrepeso e Perdas, Complexidade
Programativa, Estoques, Outras*
Rejeita (especulativas, não específicas ou estritamente
pecuniárias)
Administrativa: Conselho de Administração, Frota de Veículos, Serviços, Redução dos Níveis
Hierárquicos
Aceita Parcialmente (rejeitou a redução dos níveis hierárquicos e a
terceirização dos serviços não-alvos por considerá-los não específicos à operação)
Comercial: Mídia e Pesquisa de Mercado, SAC Aceita Logística: Embalagens, Matéria-Prima e
Distribuição Aceita Parcialmente
(exclui a venda de derivados de cacau) Total Requerentes: R$ 36,33 milhões Total SDE: R$ 21,83 milhões
*Treinamento, Layout, Ergonomia, Otimização de Processos e Ativos, Melhoria na Qualidade e Produtos Fonte: Relatórios SDE e Conselheiro-Relator.
173
Conforme o exposto, a SDE concluiu que as eficiências geradas pela operação eram
insuficientes para compensar os danos ao mercado. A SDE também se preocupou com o
atendimento dos demais incisos do 1º parágrafo do artigo 54. Considerou que a operação
poderia gerar dois tipos de eficiências que beneficiariam os consumidores: as reduções nos
custos de produção, distribuição e comercialização e o lançamento de novos produtos. Quanto
ao primeiro aspecto, salientou que, dada a existência de elevadas barreiras à entrada e a
inexistência de uma rivalidade efetiva entre as requerentes e suas concorrentes (Arcor no
mercado de coberturas de chocolate e Lacta no de chocolates), não haveria pressões
competitivas que levassem a nova empresa fusionada a repassar suas eficiências produtivas aos
consumidores. Quanto ao segundo, considerou que o ritmo de inovação neste tipo de indústria
estava há muito saturado, não se observando recentemente nenhuma inovação significativa
(SDE, 2002, p. 96-97).
Quanto à eliminação da concorrência, a SDE considerou que a expressiva concentração
nos mercados relevantes (ver tabela 4) era um claro indicativo da ameaça à concorrência que a
operação representava. Na avaliação do inciso IV, a SDE concluiu que a operação superava em
muito o necessário para a obtenção dos objetivos declarados pelas requerentes, qual seja, a
necessidade de buscar opções financeiras e estratégicas (através da alienação) que
viabilizassem a manutenção de seus produtos no mercado. A razão para tal foi a existência do
interesse de diversas outras companhias na aquisição da Garoto.
Mais uma vez ficou evidente que a avaliação das eficiências decorrentes de uma
operação é extremamente dependente dos critérios escolhidos pelo avaliador. Note-se que as
duas Secretarias já utilizam o mesmo procedimento de análise definido no Guia para Análise
Econômica de 2001, vale dizer, estão compartilhando as mesmas orientações sobre quais
eficiências devem ser incorporadas e quais devem ser descartadas. Mesmo assim, a inclusão e a
exclusão das eficiências alegadas variaram fortemente, tornando patente o caráter subjetivo da
questão. Após esta avaliação foi adicionado aos autos outro relatório – (elaborado pela
Trevisan) - sobre as eficiências estimadas na operação que, desta monta, cresceram em
quantidade e valor. O quadro a seguir as sintetiza:
174
Quadro 6 - Eficiências Alegadas pela Nestlé (Trevisan)
1. Redução de Custos com o Fechamento de Depósitos
2. Ganho com Redução de Locação de Armazéns
3. Redução de Custos com Embalagens
4. Redução de Custos com Alterações de Fórmulas e Ingredientes
5. Ganho com Aproveitamento de Melhore Práticas da Garoto com Coberturas de Chocolate da Nestlé 6. Ganho com Diminuição do Sobrepeso
7. Alinhamentos de Preços de Matérias-Primas e Insumos
8. Transferência da Produção de Achocolatados e Confeitos Para a Nestlé
9. Absorção Parcial da Produção de Ovos de Páscoa da Nestlé pela Garoto
10. Ganho com Renegociação de Frete
11. Ganho com Otimização da Distribuição
12. Ganho com renegociação de Itens de Embalagens
13. Ganho com Compras de Derivados de Cacau
14. Renegociação da Dívida da Garoto e Redução das Tarifas Bancárias
15. Eliminação e Renegociação da Prestação de Serviços
16. Redução de Custos com Mídias e Pesquisas de Mercado
17. Ganho com Eliminação de Consultorias
18. Ganho com Eliminação da Necessidade de Investimento da Nestlé
19. Ganho com Eliminação do Conselho de Administração da Garoto
20. Promotoras para a Páscoa
21. Repositores e Promotoras
22. Ganho com Transferência de serviços Administrativos da Garoto para a Nestlé
Total Estimado pela Trevisan: R$ 82,736 milhões no primeiro ano e R$ 96,587 milhões no segundo ano.
Fonte: Relatório e Voto do Conselheiro-Relator Thompson Andrade
Destes 22 tipos de eficiências originalmente apontados pela Trevisan, a própria Nestlé
optou por excluir as nove últimas (nº 14 a nº 22), por ter adotado como critério considerar
somente aquelas que afetavam o custo variável. As demais treze eficiências listadas acima
equivaliam a uma redução de 13% nos custos variáveis.
A decisão sobre a eliminação das eficiências que não afetassem o custo variável estava
ligada aos modelos utilizados para estimar o nível de eficiências compensatórias: Williamson
175
ou Price Standard. Por um lado, as requerentes alegavam que o Guia da SEAE/SDE exigia
apenas que os efeitos líquidos da operação fossem não negativos, sem especificar nenhum
critério de distribuição dos benefícios e, conseqüentemente, o uso do modelo de Williamson
seria inteiramente apropriado. Como uma portaria não pode prevalecer sobre a Lei - esta última
é clara sobre a eqüidade da distribuição – os impugnantes sustentavam que a utilização do
modelo Price Standard seria a mais apropriada.
Conforme exposto, o modelo Price Standard é uma versão do modelo de Williamson
proposta por Fisher e Lande (1983), no qual as eficiências mínimas aceitáveis para garantir
uma fusão seriam aquelas que garantissem uma redução dos custos marginais de tal forma que
o preço a ser fixado após a concentração fosse, no máximo, igual ao preço que vigorava antes
da operação. A utilização deste modelo implica desconsiderar eficiências que afetassem
somente o custo fixo, posto que alterações neste não afetam, no curto prazo, os custos
marginais – os relevantes para a fixação do preço de maximização de lucros. Assim, se fosse
possível demonstrar que as reduções no custo variável (itens 1 a 13) seriam superiores ao
“nível de convergência” de 12% estimado pelas diversas consultorias, estaria garantido, nos
termos das impugnantes, a legalidade do ato de concentração.
Desta perspectiva, cabe assinalar qual foi a posição dos Conselheiros do CADE ao
avaliar se as reduções de custo alegadas podiam ser admitidas e correspondiam ao valor
estimado. Com exceção do Conselheiro Luis Alberto Scallope, que acompanhou integralmente
o voto do Conselheiro-Relator Thompson Andrade, todos os outros se manifestaram sobre a
questão.
A apreciação mais detalhada é justamente a do Conselheiro-Relator Thompson
Andrade, que se manifestou em cada um dos itens apresentados. Sua posição é sintetizada a
seguir (Andrade, 2004, pp. 41-50):
1) Redução de custos com o fechamento de depósitos - ressalta que esta eficiência havia
sido excluída sendo, posteriormente, inserida novamente pela consultora da Nestlé
176
(Profa. Farina), devido à suposição de que ao afetar os custos variáveis de distribuição
afetaria também os custos variáveis totais da empresa. O conselheiro manifestou suas
dúvidas sobre a aceitação desta eficiência por três razões: (i) há estocagem de outros
produtos que não afetam os mercados relevantes; (ii) qualquer empresa que adquirisse a
Garoto e tivesse armazéns ociosos poderia gerar esta eficiência; e (iii) o fechamento de
armazéns poderia estar implicando economias de custo fixo que não são relevantes na
fixação do preço no curto prazo. Contudo, a despeito destas críticas, aceitou os valores
propostos por gerarem economias reais no custo de distribuição.
2) Ganhos com redução de locação de armazéns - também padeceu da exclusão/inclusão
pelos mesmos motivos, isto é, afetar os custos variáveis de distribuição. Considerou
que, essencialmente, ela gerava economias fora do mercado relevante de chocolates sob
todas as formas, tendo por isso optado por excluí-la.
3) Redução de custos com embalagens - mesmo considerando discutível a especificidade
da eficiência à operação – sempre seria possível atingir estes objetivos por meio de
consultorias ou mesmo pela aquisição por outra empresa - aceitou a alegação.
4) Redução de custos com alterações de fórmulas e ingredientes – considerou discutível a
alegação da Nestlé de que seria possível, por conta do seu know how, introduzir
ingredientes alternativos mais baratos sem afetar a qualidade do produto. Ressalta que o
impacto destas alterações no consumo de cada produto – tendo em vista as preferências
manifestadas quanto às marcas e atributos específicos – é de difícil mensuração e
acarretará tempo e pesquisas adicionais. Pelo exposto, não aceita as eficiências alegadas
pelo efeito incerto sobre o bem-estar do consumidor e seu caráter especulativo.
5) Ganho com o aproveitamento de melhores práticas da Garoto em coberturas de
chocolate na Nestlé – as requerentes alegaram que a Garoto possui um sistema de
cobertura mais econômico do que a Nestlé, implicando significativas eficiências. O
Conselheiro considera que, mesmo ignorando a notória qualidade dos produtos da
177
Nestlé e a mundialmente reconhecida competência de seus centros de pesquisa, a
“prática” poderia ser incorporada por qualquer empresa que adquirisse a Garoto, não se
caracterizando a especificidade à operação. Rejeita a alegação.
6) Ganho com diminuição do sobrepeso – a alegação de que “melhores práticas”
permitiriam eliminar o sobrepeso foi considerada improcedente porque estes resultados
poderiam ser obtidos pela contratação de assessoria técnica.
7) Alinhamento de preços de matéria-prima e insumos – considerou que estas eficiências
eram meramente pecuniárias, pois representavam tão somente transferências dentro da
cadeia produtiva.
8) Transferência da produção de achocolatados e confeitos para a Nestlé – nenhum dos
produtos integrava o mercado relevante. Além disso, a renda adicional auferida pela
Nestlé/Garoto corresponde à renda perdida pela empresa terceirizada, o que acarretaria
um benefício líquido nulo. Rejeita a alegação.
9) Absorção parcial da produção de ovos de Páscoa Nestlé pela Garoto – rejeita a alegação
pela mesma razão anterior - representa somente a transferência de lucros da empresa
terceirizada para a empresa fusionada.
10) Ganho com a renegociação de frete – aceita, considerando que as requerentes
propuseram uma nova metodologia que produz reduções reais no custo variável de
distribuição.
11) Ganho com otimização da distribuição – outra alegação que foi excluída e novamente
incluída nas eficiências. O Conselheiro a rejeita com base no argumento de que esta é
uma medida de fácil execução que poderia ser obtida pela Garoto, independentemente
de sua aquisição por outra empresa.
178
12) Ganho com renegociação de itens de embalagens – a alegação era de que a união dos
volumes de material de embalagens similares da Nestlé e da Garoto permitiria a
obtenção de melhores preços. A eficiência, considerada como um ganho meramente
pecuniário, não foi aceita.
13) Ganho com compras de derivados de cacau – ressalta que os ganhos decorrentes da
mudança da produção de terceiros para a firma fusionada só podem ser contabilizados
pela diferença de custos, pois as diferenças relativas a lucros e impostos são meras
transferências de renda entre os agentes. Além disso, o Relator lembra que a fábrica de
Itabuna, responsável pelo fornecimento dos derivados de cacau, havia sido vendida em
2003 pela Nestlé. Rejeitada por seu caráter pecuniário.
Além destas considerações, o Conselheiro-Relator assinala que as requerentes
solicitaram a exclusão dos ovos de Páscoa do mercado relevante e, em decorrência, eliminaram
os custos a eles associados. Por outro lado, informaram que os valores apresentados para os
custos de produção da cobertura de chocolates estavam superestimados por incluírem os custos
da produção destinada à venda a terceiros. Neste contexto, os custos aceitos pelo Conselheiro–
Relator variavam entre 1,47% e 2,16% dos custos variáveis informados pela Nestlé, estando
muito abaixo do percentual estimado nas simulações para compensar o poder de mercado
obtido.
O Conselheiro Roberto Pfeiffer (2004, pp.8-12) considerou que, como os resultados dos
estudos econométricos eram fortemente inconclusivos, não havia como se assegurar sobre a
rivalidade entre as empresas no mercado relevante de chocolates sobre todas as formas,
tornando necessária a análise das eficiências alegadas pelas requerentes. No entanto, ressaltou
que considerava os dados apresentados extremamente frágeis, dependentes dos critérios
utilizados em sua determinação. Tomando como referência uma estimativa da Nestlé de que a
fusão implicaria reduções de cerca de 15,3% nos custos variáveis, destacou que a simples
exclusão do item “alinhamento de preços de matérias-primas e insumos”, por se tratar de uma
179
questão gerencial não específica à fusão e que traria somente ganhos pecuniários, levaria a
estimativa de redução para 10,9% dos custos variáveis. Se, adicionalmente, fosse descartado o
“ganho com compras de derivados de cacau”, seja pela insuficiência de capacidade ociosa, seja
pela fábrica não pertencer mais à Nestlé, o valor cairia para cerca de 6,2%. Embora tenha
considerado que a simples exclusão destas eficiências já seria suficiente para rejeitar o
argumento pela aprovação do ato de concentração, fez questão de apontar outros itens que, em
sua opinião, não poderiam ser aceitos.
Após descartar estas eficiências, prossegue excluindo as reduções de custo com o
fechamento de depósitos e locação de armazéns por considerar que envolvem produtos não
pertencentes ao mercado relevante (leite Ninho, etc..) e porque poderiam ser obtidas por
qualquer empresa que adquirisse a Garoto. Exclui a alteração de fórmulas e ingredientes
porque supõe que as alegações alterariam profundamente os produtos e têm um caráter
fortemente especulativo. Rejeita o aproveitamento das melhores práticas da Garoto por
considerar que estes ganhos poderiam ser obtidos por meios menos lesivos à concorrência pois,
tendo em vista a reputação internacional, a Nestlé “...certamente não necessitaria de
empreender uma fusão para ter acesso a tal tecnologia” (ibidem).
Exclui ainda a absorção da produção de ovos da Nestlé pela Garoto por representar
simplesmente uma transferência de recursos entre agentes (da empresa terceirizada para a
Garoto). Rejeita os ganhos com a otimização da distribuição porque poderiam ser conseguidos
por meio de qualquer consultoria especializada, caracterizando-os como não específicos à
concentração. Por fim, não aceita os ganhos com a renegociação de embalagens por considerá-
los ganhos meramente pecuniários. Conclui que as eficiências geradas foram claramente
insuficientes para compensar os danos à concorrência.
O Conselheiro João Grandino Rodas questionou o argumento do relator para descartar
as eficiências que poderiam ser obtidas por qualquer empresa que adquirisse a Garoto, por
considerar que a Lei se refere à especificidade do ato de concentração e não à especificidade
dos agentes econômicos. Rejeita, por não estarem relacionadas ao mercado relevante ou não
180
decorrerem da operação, a seguintes eficiências: ganhos com redução da locação de armazéns,
diminuição do sobrepeso, transferência da produção de achocolatados e confeitos para a Nestlé
e absorção parcial da produção de ovos de Páscoa da Nestlé pela Garoto, otimização da
distribuição e ganhos com compras de derivados de cacau.
O Conselheiro Cleveland Teixeira (2004, p.2) não realizou uma análise detalhada das
eficiências, mas declarou que comungava da opinião do Relator ao descartar várias das
eficiências apresentadas. Preferiu realizar considerações de natureza mais geral, ressaltando
que em vista do grau de concentração envolvido na operação caberia às requerentes comprovar
detalhadamente as eficiências obtidas. Contudo, destacou, não foi isto o que se observou, tendo
as requerentes apresentado sucessivas estimativas que variaram substancialmente em itens e
valor. Conclui: “O que se apresentou aqui, em que pese o esforço e a qualidade do trabalho
dos pareceristas das requerentes, foi baseado em uma análise contábil de inferências sobre
possíveis ganhos derivados da operação, que não comprovam a presença de eficiências
compensatórias. [...] Note-se que eu não tenho como considerar que esta operação seria capaz
de gerar 12% (doze por cento) de eficiências”.
O Conselheiro Fernando Marques (2004, p.6) inicia seu comentário sobre os ganhos de
eficiência apontando a dúvida existente quanto à viabilidade e pertinência das alegações
apresentadas pelas requerentes, tendo em vista as substantivas alterações sofridas ao longo do
processo. Levanta duas objeções de caráter geral: (i) não há garantias de que a Nestlé possua
um maior conhecimento de práticas gerenciais, processos e know how que assegurem uma
superioridade técnica em relação à Garoto; e (ii) grande parte dos ganhos de escala alegados já
são auferidos pelas requerentes que operam em escalas elevadas. Questiona se estes ganhos de
eficiência são necessariamente oriundos deste ato de concentração, não podendo ser obtidos de
forma menos danosa à concorrência. Por outro lado, assinala que embora tenha havido um
esforço em elaborar simulações econométricas que demonstrassem crescentes ganhos de
eficiência, não houve uma demonstração convincente de que estes seriam convenientemente
distribuídos aos consumidores como exige a Lei, assim ressalta: “...as eficiências
demonstradas não superam as perdas de concorrencialidade nem tampouco são
181
compartilhadas com a sociedade”. Além disto, considerou inegável que a operação acarretaria
a criação de significativo poder de mercado através da redução da concorrência, o que viola o
inciso III do parágrafo 1º do artigo 54. Por fim, ressalta “Tais indícios demonstram que as
propaladas eficiências, como a utilização de capacidade ociosa de produção e de
armazenamento da Garoto pela Nestlé, possivelmente poderiam ter sido obtidas de outra
forma menos onerosa para a concorrência”.
Em linhas gerais, se observa uma forte rejeição às alegações de ganhos de eficiências
realizadas pelas requerentes, seja por questionamento aos critérios de estimação (vagos ou
especulativos) seja quanto à especificidade da alegação. Pelo que se depreende dos votos esta
reação foi fortemente influenciada pelas sucessivas versões que, ao apresentaram cifras
crescentes, geraram a impressão de os valores apresentados não correspondiam à realidade.145
Note-se que estimativas de reduções de custo da ordem de 4% (incluindo custos fixos e
variáveis), apresentadas na primeira versão entregue às Secretarias, transformaram-se nas
últimas versões em reduções unicamente dos custos variáveis da ordem de 15%.
Três conselheiros acompanharam o voto do Relator quanto às eficiências, o que
implicou a rejeição da grande maioria das alegações. Observe-se também que ganhos
pecuniários importantes como a obtenção de economias de escala na compra de matérias-
primas e insumos foram excluídos, o que indica uma aceitação do argumento proposto pela
SEAE (com origem nas normas norte-americana e européia). No entanto, houve uma
divergência, embora solitária, sobre o significado da especificidade do ganho de eficiência. O
quadro a seguir sistematiza os resultados da avaliação feita pelos conselheiros que realizaram
análises qualitativas.
145 Por exemplo, na manifestação do Conselheiro Fernando Merques (2004, p.6): “O espanto se deve à diferença gritante entre os valores apresentados, o que nos leva a indagação: se a Nestlé desconhecia ab initio as eficiências em detalhes que decorreriam da operação, então qual teria sido o real motor da decisão de aquisição da Garoto?”
182
Quadro 7 – Comparação da Análise Qualitativa das Eficiências no Caso Nestlé-Garoto
Eficiências Alegadas pela Nestlé Thompson Andrade Roberto Pfeiffer João Grandino
Rodas 1. Redução de Custos com o Fechamento de Depósitos Aceita
Rejeita (fora do mercado
relevante) Aceita
2. Ganho com Redução de Locação de Armazéns
Rejeita (fora do mercado
relevante)
Rejeita (fora do mercado
relevante)
Rejeita (fora do mercado
relevante)
3. Redução de Custos com Embalagens Aceita Aceita Aceita
4. Redução de Custos com Alterações de Fórmulas e Ingredientes
Rejeita (especulativo)
Rejeita (especulativo) Aceita
5. Ganho com Aproveitamento de Melhores Práticas da Garoto com Coberturas de Chocolate da Nestlé
Rejeita (não específico)
Rejeita (não específico) Aceita
6. Ganho com Diminuição do Sobrepeso Rejeita (não específico)
Rejeita (não específico)
Rejeita (não específico)
7. Alinhamentos de Preços de Matérias-Primas e Insumos
Rejeita (ganho pecuniário)
Rejeita (ganho pecuniário) Aceita
8. Transferência da Produção de Achocolatados e Confeitos Para a Nestlé
Rejeita (fora do mercado
relevante) Aceita
Rejeita (fora do mercado
relevante)
9. Absorção Parcial da Produção de Ovos de Páscoa da Nestlé pela Garoto
Rejeita (ganho pecuniário)
Rejeita (ganho pecuniário)
Rejeita (não específico)
10. Ganho com Renegociação de Frete Aceita Aceita Aceita
11. Ganho com Otimização da Distribuição
Rejeita (não específico)
Rejeita (não específico)
Rejeita (não específico)
12. Ganho com renegociação de Itens de Embalagens
Rejeita (ganho pecuniário)
Rejeita (ganho pecuniário) Aceita
13. Ganho com Compras de Derivados de Cacau
Rejeita (ganho pecuniário)
Rejeita (não crível)
Rejeita (não específico)
Fonte: Votos dos Conselheiros Thompson Andrade, Roberto Pfeiffer e João Grandino Rodas
183
Assim, as objeções, ora de ordem mais geral, ora de natureza mais específica,
abrangeram praticamente todas as eficiências alegadas, reduzindo substancialmente os valores
aceitos. Definidas as eficiências aceitáveis, a análise prosseguiu com a conclusão dos votos e a
decisão do plenário.
3.3.3 – A Decisão do CADE
Inicialmente cabe lembrar que a SEAE (2002, p.52) não conseguiu se definir sobre a
possibilidade de exercício do poder de mercado, considerando provável a elevação de preços
dado que “não seria ótimo para a única rival contestar este aumento de preços”, mas
ressaltando que, se chocolates fossem produtos homogêneos, “a probabilidade de exercício de
poder de mercado por parte da firma resultante seria nula, e o ato deveria ser aprovado.”
Conclui: “Diante do exposto, caberia ao plenário do CADE fazer seu julgamento em cima dos
fatos aqui expostos e os que por ventura sejam juntados ao processo e determinar qual atitude
a ser tomada neste Ato”.
A SDE foi bem mais incisiva,concluindo que o poder de mercado não poderia ser
inibido pelas importações, tampouco por entradas (improváveis) ou pela rivalidade entre as
empresas operantes nos mercados relevantes de chocolates. Salientou que os consumidores
vêem os chocolates como produtos diferenciados, tornando altamente provável o exercício do
poder de mercado, tendo em vista o amplo portfólio de produtos que deteria no mercado de
chocolates (caso não aceitasse o aumento de preço o consumidor migraria entre produtos da
Nestlé). Terminou sua avaliação asseverando : “Assim sendo, diante das questões colocadas, a
aprovação do ato só pode se dar mediante a imposição de condições que inviabilizem o
exercício do poder de mercado adquirido, conforme apontado no presente parecer. Caberia,
portanto, às Requerentes apresentar perante o CADE alternativas que impeçam tal exercício e
184
eficiências que possam compensar a restrição substancial da concorrência, nos mercados
relevantes afetados, o que, até o momento, não ocorreu” (SDE, 2002, p.102).
Como já se ressaltou, toda a discussão que envolveu a aplicação de modelos para
definir a rivalidade no mercado de chocolates sob todas as formas e as conseqüentes
estimativas sobre o nível de eficiências compensatórias ocorreu depois da apresentação dos
relatórios das Secretarias. Por conta disso, estes relatórios, a despeito de sua relevância para a
compreensão da operação, não refletem a complexidade dos argumentos envolvidos nos caso.
Em conseqüência, é somente a partir dos votos dos Conselheiros que se pode inferir o impacto
destas informações na apreciação e conseqüente decisão sobre o ato de concentração.
Em seu voto o Conselheiro-Relator definiu quatro mercados relevantes na dimensão
produto: (i) balas e confeitos sem chocolates; (ii) achocolatados; (iii) coberturas de chocolate; e
(iv) chocolates sob todas as formas (excluindo os chocolates artesanais). Quanto a este último
mercado relevante, destacou os resultados similares obtidos pelos estudos econométricos
apresentados pelas requerentes (Estimando a Demanda por Chocolates no Brasil, de autoria de
Naércio A Meneses Filho) e pela Kraft (Estudo Econométrico sobre as Elasticidades de
Chocolates no Brasil, elaborado por Denisard Alves, Walter Belluzzo e Losso Bueno) que
teriam estimado elevadas elasticidades-cruzadas entre os diversos segmentos de chocolates e
entre diferentes marcas. Estes resultados indicavam que os chocolates de distintos formatos
(tabletes, bombons, etc...) e produzidos por diferentes indústrias (Nestlé, Lacta, etc...) são bons
substitutos entre si, confirmando a validade da agregação em um único mercado relevante.
Quanto à dimensão geográfica, definiu o território nacional para todos os produtos (Andrade,
2004, p.7).
As barreiras à entrada são analisadas para os únicos mercados relevantes em que a
concentração criava embaraços à concorrência, os mercados de cobertura de chocolates e
chocolates sob todas as formas. Para o primeiro mercado, lembra que a inexistência de
pequenos produtores pode estar ligada à elevada capacidade ociosa das requerentes e da única
concorrente (Arcor), o que reforça a noção de que uma entrada de um pequeno produtor é
185
improvável (muito embora seja possível). Seja como for, um pequeno produtor não teria como
contestar a política de formação de preços de uma líder que ocuparia mais de 80% do mercado
relevante. Por outro lado, esta mesma capacidade ociosa bloquearia as entradas em grande
escala. Tendo estes fatores em vista, concluiu que a operação acarreta fortes incentivos a
condutas colusivas (ou de colaboração tática) entre as ofertantes, não sendo a rivalidade
existente entre as requerentes e a única rival suficiente para inibir os prejuízos à competição.
Quanto ao mercado de chocolates sobre todas as formas, ressalta que ao longo da
instrução do processo as Secretarias constataram a existência de diversos tipos de barreiras à
entrada (requerimentos mínimos de capital, lealdades à marca, preferências por sabores e
texturas, necessidade de um portfólio de produtos, etc...). Assim, finaliza: “Como visto
anteriormente estas barreiras têm impedido, nas últimas décadas, entradas tempestivas e
suficientes de novas empresas no mercado de chocolates no Brasil”.
Segundo o Relator, há duas perguntas essenciais a serem respondidas: a primeira,
definir se a operação propiciará à empresa fusionada o exercício de poder de mercado,
implicando preços maiores e prejuízo para os consumidores. Acrescenta ainda que os diversos
estudos propostos pelas requerentes não lograram êxito em demonstrar, sem sombra de dúvida,
que a rivalidade entre as empresas ofertantes seria suficiente para impedir o exercício do poder
de mercado. As diversas simulações se basearam em modelos estáticos, com alternativas e
payoffs definidos ad hoc, e os resultados obtidos seriam pouco representativos de uma
realidade dinâmica, na qual os agentes reagem a cada ação, alterando suas estratégias em
função das alternativas que se apresentam. Por outro lado, as estimativas elaboradas a pedido
da Kraft – que concluíram pelo aumento de preços – teriam utilizado hipóteses mais razoáveis
em sua tentativa de simular o funcionamento do mercado, oferecendo “menos insegurança em
sua aceitação” (ibidem, p.27).
Na opinião do Relator, a segunda questão crucial envolvida neste ato de concentração –
uma vez definida a probabilidade de abuso da posição dominante – era verificar se as
eficiências estimadas impediriam o aumento de preços. Se as requerentes apontaram para a
186
convergência das estimativas146 (12% de redução nos custos variáveis), o centro da análise se
deslocava para a apreciação das eficiências. No entanto, considerou alto o risco associado à
aprovação – com base exclusivamente em eficiências – de um ato que implicava elevada
concentração em um mercado com fortes barreiras à entrada, assinalando: “Em face dos
problemas de assimetria de informações e da necessidade de se apresentar níveis elevados de
eficiências para compensar danos à concorrência, há fortes incentivos para que as empresas
superestimem os valores apresentados” (ibidem, p.41).
Conforme o exposto na seção anterior, o Conselheiro descartou grande parte das
eficiências alegadas, tendo avaliado que as procedentes propiciariam uma redução de menos de
2,5% nos custos variáveis. Isto posto, considerou que este montante era insuficiente para
impedir elevações de preços e prejuízos ao consumidor, concluindo que “a operação em tela
não atende aos requisitos impostos pelo §1º do art. 54, da Lei nº 8.884/94 para que o CADE
possa autorizá-la” (grifei). Conseqüentemente, decidiu pela desconstituição da operação,
estabelecendo condições que garantissem sua decisão, dentre as quais destacam-se: (i) a
alienação por parte da Nestlé dos ativos da Garoto (ou equivalentes) quando da realização do
ato a um terceiro interessado que não tenha uma participação superior a 20% do mercado
relevante; (ii) a alienação de todos os elementos de propriedade intelectual (registros, fórmulas,
direitos à marcas, etc...) anteriormente pertencentes à Garoto; (iii) os preços e condições de
pagamento serão estipulados por empresa independente e idônea, acompanhada por uma
auditoria de reputação ilibada (ibidem, p. 52-53).
O Conselheiro Roberto Pfeiffer seguiu o Relator na definição dos mercados relevantes,
também concluindo pelo elevado nível de barreiras à entrada. Caracterizada a probabilidade de
abuso da posição dominante, esclareceu que a ausência de uma das condições previstas nos 146 Segundo o parecer da Prof ª Farina: “O máximo que se pode afirmar com essas estimações é que eficiências de 10% a 13,6% são suficientes para que o consumidor direto de chocolates não sofra qualquer prejuízo. Esse é um ponto para o qual parecem convergir as diferentes análises de rivalidade, tanto oferecidas pela Kraft quanto pela Nestlé. Em face dos ganhos de eficiências dessa ordem, a rivalidade pós-operação resultará em benefício compartilhados com o consumidor” (grifo original). Segundo a LCA: “Em suma, sem eficiências, ou com eficiências pequenas, existe espaço para aumentos lucrativos de preços, esse é o resultado do nosso exercício, das estimativas da Tendências, com base no PEM e das simulações de Kanczuk et al. Com eficiências da ordem de 10% a 12% dos custos marginais, a operação deve ser aprovada sem restrições” (apud Andrade, op.cit., p.35).
187
incisos do parágrafo 1º do artigo 54 impossibilitaria ao CADE aprovar a operação. Em sua
opinião, a eliminação de um concorrente importante, reforçando a posição dominante de outra
empresa que possuía parcela substantiva do mercado, já evidenciaria um sensível prejuízo à
concorrência (inciso III), tornando desnecessária a análise das eficiências. Entretanto,
considerou prudente avaliar os ganhos alegados (Pfeiffer, 2004, p.8).
No mercado relevante de coberturas de chocolate a eliminação de grande parte da
concorrência (obtenção de cerca de 88% do mercado) “sequer autoriza a análise das
eficiências”. Como se viu na seção anterior, o Conselheiro excluiu a maioria das alegações de
eficiência no mercado de chocolates sob todas as formas, tendo concluído que “nas
circunstâncias do caso concreto, por tudo que foi exposto, entendo ausentes as condições
estabelecidas no aludido §1º do art. 54 da Lei 8.884/94, o que traz a conclusão de que a
determinação da desconstituição do ato de concentração entre Nestlé do Brasil e Garoto
constitua ato vinculado” (grifo original). Assim, votou pela desconstituição da operação,
determinando à Nestlé a alienação de todos os ativos, marcas e elementos de propriedade
intelectual que pertenciam à Garoto, na condição de que o adquirente não detivesse posição
dominante nos mercados relevantes e a operação fosse aprovada pelo CADE (ibidem, p.16).
Acompanhando o voto do Relator quanto à definição dos mercados relevantes, o
Conselheiro Cleveland Teixeira (2004, p.3) também se declarou cético sobre a possibilidade de
entradas tempestivas e suficientes e sobre o grau de rivalidade remanescente pós-fusão.
Assinalou ainda a importância dos estudos econométricos e simulações porque “eles
convergiram para o ponto mais importante, qual seja, qual nível de eficiência que devia ser
gerada para que a operação pudesse ser aprovada sem maiores problemas”. Na medida em
que rejeitou grande parte das alegações de eficiências apresentadas pelas requerentes e
descartou medidas estruturais como incapazes de garantir as condições de concorrência, optou
por acompanhar o voto do Conselheiro-Relator pela desconstituição da operação.
O Conselheiro Fernando Marques (2004, p.7) acompanhou a definição dos mercados
relevantes elaborada pela SDE, ressaltando que a eliminação de parcela substancial da
188
concorrência possibilitaria o exercício do poder de mercado. Concluiu pela desconstituição da
operação tendo em vista que “há concentração expressiva, há barreiras à entrada e as
eficiências não se mostram suficientes a ensejar a convalidação desta concentração”.
Considerou ainda não atendidos os incisos II e IV do § 1º do artigo 54, decidindo então pela
alienação da Garoto a uma empresa que possua menos de 20% do mercado de chocolates em
geral.
Como o Conselheiro Luis Alberto Scallope acompanhou na integra o voto do
Conselheiro-Relator, a única opinião dissonante na análise do ato de concentração Nestlé-
Garoto foi a do Presidente João Grandino Rodas. Embora aderindo à definição dos mercados
relevantes feita pelo Relator, considerou exagerada a análise sobre as barreiras à entrada que,
em sua opinião, não seriam tão elevadas. Quanto aos modelos de simulação, considerou-os
imprecisos, sujeitos a dados imperfeitos, escolhas de hipóteses e concepções pessoais
concluindo ser temerário usá-los para fundamentar uma decisão. Por este motivo baseou-se em
uma pesquisa de opinião citada no relatório da SEAE que apontava a indiferença do
consumidor a chocolates Garoto, Nestlé ou Lacta e no market share da Kraft para supor a
existência de rivalidade neste mercado relevante.
Em sua avaliação a desconstituição integral da operação seria uma medida radical,
impedido o desenvolvimento de “potencialidades, em termos de produção de benefícios
sociais e eficiências econômicas, a serem compartilhadas entre produtores e consumidores
finais”. Como alternativa, propôs a aprovação sujeita a algumas restrições, dentre as quais se
destacam: (i) alienação de um portfólio mínimo de marcas e ativos intangíveis a elas
correspondentes (cujas quantidades vendidas somem, ao menos, 30% do mercado relevante) a
uma empresa que não detenha mais de 20% do mercado relevante de chocolates sob todas as
formas; (ii) alienação de todos os registros, pedido e direitos inerentes às marcas vendidas; (iii)
fixação de preço mínimo e prazo de pagamento por parte de empresa idônea do ramo; (iv)
garantia, por meio de compromisso, do fornecimento de cobertura de chocolate aos produtores
artesanais; e (v) garantia da obtenção das eficiências admitidas em seu voto, salvo as que
fossem ligadas às marcas alienadas, e obrigação de compartilhá-las com o consumidor
189
nacional. Para tanto, as requerentes apresentariam relatórios semestrais à Comissão de
Acompanhamento de Decisões do CADE, que comprovassem as reduções de custos obtidas e a
evolução dos preços praticados no mercado de chocolates (Rodas, 2004, p.6).
Conforme o exposto, por ampla maioria, o plenário do CADE concluiu que o ato de
concentração entre Nestlé e Garoto apresentava riscos à concorrência, entendendo que a
operação criava condições para o abuso da posição dominante. Como a maioria dos
Conselheiros considerou improcedente a maior parte das alegações de eficiência, não houve
alternativa senão determinar a desconstituição do ato.
3.3.4 – Conclusão
Uma vez definidos os mercados relevantes de coberturas de chocolates e chocolates sob
todas as formas, ficou patente o elevado grau de concentração decorrente da operação. Por
outro lado, a entrada tempestiva e suficiente de novas empresas, um fator primordial na
limitação do exercício do poder de mercado, foi considerada pelos Conselheiros do CADE
como bastante improvável, dada a existência de significativas barreiras à entrada.
Neste contexto, as requerentes fundamentaram a defesa de sua posição em dois pontos
principais: (i) a rivalidade que existiria após a concentração entre a nova empresa fusionada e a
Kraft impediria o aumento de preços; (ii) o ato geraria eficiências superiores a uma redução de
12% nos custos variáveis (estimado em diversas simulações), montante tido como capaz de
compensar eventuais prejuízos à concorrência.
As primeiras estimativas foram elaboradas com base no modelo de Williamson, que
determina somente a redução de custos suficientes para compensar as perdas de eficiência
alocativa associadas aos prováveis aumentos de preço decorrentes da concentração, sem levar
190
em conta os aspectos distributivos da operação. A aplicação deste modelo só faria sentido se
houvesse algum mecanismo tributário que garantisse transferências entre a Nestlé-Garoto e os
consumidores (desde que não fossem “produtores”), o que esbarra em dificuldades
operacionais intransponíveis.
Tendo em vista a objeção ao modelo de Williamson por sua inadequação à legislação
brasileira (a garantia da distribuição equânime dos benefícios oriundos da operação), a
controvérsia migrou para o nível de eficiências necessário para evitar perdas de eficiência
alocativa segundo o modelo Price Standard, isto é, sem alteração nos preços antes e após a
concentração. Se as eficiências fossem deste montante, as reduções de custo variáveis seriam
tais que permitiriam que o preço de maximização de lucro da Nestlé-Garoto fosse igual ao que
vigia antes da operação. Vale ressaltar que utilizar o critério do Price Standard não garante o
atendimento integral da legislação brasileira, pois estabelece apenas o nível de eficiências
necessário para que não haja aumentos de preço (ocasionando uma alteração na distribuição e
violando o critério de Pareto), enquanto que no artigo 54 está prevista a repartição, em
igualdade de condição, dos benefícios auferidos. Neste sentido, o critério da Lei 8.884/94 é
ainda mais forte, demandando a garantia que os ganhos sejam parcialmente transferidos aos
consumidores o que, operacionalmente, só pode ser conseguido pela manutenção da
concorrência.
Desta forma, a existência de uma elevada rivalidade impediria o exercício do poder de
mercado, pressionando os preços para um patamar ainda menor – o atual preço de
maximização de lucros é igual ao que existia antes da operação, mas este é um preço máximo
(“de monopólio”) que não será atingido em função da pressão competitiva. Conseqüentemente,
os preços que vigorariam após a operação seriam menores que os vigentes anteriormente,
garantindo em grande parte o atendimento do parágrafo 1º do artigo 54, isto é, a geração de
eficiências compensatórias e o seu repasse parcial ao consumidor final. Note-se que aqui já
está clara a interpretação do inciso I, pela qual as eficiências geradas pela operação devem ter
um nível tal que compense as perdas de eficiência alocativa decorrentes da concentração.
191
Esta argumentação necessita da comprovação de seus dois alicerces principais: a
existência de uma rivalidade entre as empresas que se fundamente em uma competição via
preços e a obtenção do montante de eficiências produtivas, caracterizadas pela redução de, ao
menos, 12% dos custos variáveis.
Como exposto, o debate nos autos sobre a pertinência e os resultados das simulações
realizadas pelas Nestlé-Garoto e Kraft sobre a rivalidade entre as empresas remanescentes após
a concentração foi fortemente inconclusivo e, portanto, a discussão convergiu para a
necessidade de geração de eficiências da ordem de 12%. Em outras palavras, a variável chave
para a aprovação do ato passou a ser a avaliação das eficiências. Note-se a crucialidade do
argumento, pois mesmo que se houvesse concluído pela ausência de rivalidade, ainda
assim na presença de eficiências compensatórias o ato poderia ser parcialmente
aprovado, bastando a adoção de uma solução de desinvestimento na qual houvesse uma
alienação de ativos a uma terceira empresa. Esta solução, à semelhança do caso Ambev,
buscaria a ampliação da concorrência, garantindo o repasse dos ganhos de eficiência auferidos
aos consumidores.
Destarte, como a maioria dos Conselheiros rejeitou as eficiências alegadas, ficou
excluída a possibilidade de uma solução estrutural, o que permite concluir que, em última
instância, o ato de concentração Nestlé-Garoto foi reprovado porque os Conselheiros do
CADE não aceitaram a demonstração de eficiências compensatórias apresentada pelas
requerentes.
De fato, no único voto discordante, houve uma aceitação bem maior dos ganhos de
eficiência apresentados, muito embora a imposição de um compromisso de obtenção e
repartição das eficiências alegadas demonstre uma insegurança quanto aos argumentos das
requerentes. Seja como for, a aceitação de significativas eficiências permitiu a proposta de uma
restrição estrutural e a aceitação condicionada da operação.
192
Vale destacar que a rejeição das eficiências compensatórias esteve ligada não somente
ao caráter subjetivo desta avaliação, de resto já bastante ressaltado ao longo desta tese, mas
também a convicção de que a aprovação de um ato que propiciasse elevado poder de mercado
exclusivamente com base em ganhos de eficiência representava um risco para o consumidor.
Esta posição está expressa em quase todos os votos, por exemplo: “Esta elevada participação
de mercado, aliada às barreiras à entrada presentes neste mercado, representará um forte
desincentivo, seja para transferir parte das eficiências para os consumidores (distribuição
eqüitativa), seja para realizá-las integralmente (ineficiência-X), em face do enfraquecimento
da pressão competitiva” (Andrade, 2004,p.36).147
O caso Nestlé-Garoto mostrou um amadurecimento no trato das eficiências, não só a
partir da utilização de critérios mais definidos (quanto ao aspecto pecuniário, à especificidade e
ao caráter especulativo), acarretando um maior rigor na avaliação das alegações, mas também
pelo entendimento mais preciso do significado de eficiências compensatórias. Assim, as
eficiências alegadas foram cotejadas com os riscos à concorrência no mercado relevante e, não
menos importante, analisadas tendo em vista o repasse aos consumidores.
147 No mesmo sentido: “No entanto não resta dúvidas quanto à extrema severidade com que elas [eficiências] deverão ser analisadas, diante da inegável deteriorização das condições de rivalidade ensejadas pela presente operação, que, no mínimo, chegou muito próxima à eliminação da concorrência de parcela significativa dos mercados relevantes analisados”(Pfeiffer, 2004, p. 9) ou, “A análise de bem estar não se limita às reduções compensatórias de custo, a eliminação da concorrência em parcela substancial nos mercados relevantes requer, como compensação, eficiências extraordinárias” (Marques, 2004, p.6), ou ainda “É muito claro no voto do Conselheiro-Relator que a análise é feita em uma situação extrema. Sendo assim, é uma situação em que se assumiu que a empresa passa a ter um elevado poder de mercado. Logo caberá a mesma o ônus de provar detalhadamente o quanto apresenta” (Teixeira, 2004, p.2).
193
CONCLUSÃO
A eficiência econômica tem sua expressão mais difundida no conceito de eficiência
alocativa. Uma economia estará alocando seus recursos de forma Pareto-eficiente quando
forem respeitadas as três condições marginais de Pareto, isto é, eficiência na troca, eficiência
produtiva e eficiência de produção agregada. Por sua vez, o primeiro teorema do bem-estar
demonstra, sob determinadas condições, que um mercado competitivo (walrasiano) é uma
alocação Pareto-eficiente dos recursos produtivos.
Se o mercado competitivo é utilizado como referência – por propiciar uma alocação
eficiente dos recursos produtivos –, outras formas de organização da produção que dele se
afastassem estariam provocando uma perda de eficiência alocativa. Neste sentido, a política
preventiva antitruste teria como propósito primordial garantir a alocação eficiente dos recursos
a partir da defesa da concorrência, evitando concentrações que criassem ou reforçassem o
poder de mercado.
A contribuição de Williamson (1968) surgiu como uma crítica a esta postura ao
explorar, a partir de um modelo de equilíbrio parcial, a possibilidade de que atos de
concentração gerassem ganhos de eficiência produtiva – e por extensão alocativa - que mais do
que compensassem as perdas de peso morto decorrentes do exercício do poder de mercado
(elevação do preço). Neste contexto, os ganhos auferidos pelos produtores superam as perdas
194
dos consumidores, implicando um ganho de bem-estar líquido, mesmo que isto acarrete uma
alteração na distribuição. A alegação usual do mainstream em defesa dessa opção é que só faz
parte das atribuições da política antitruste a promoção de uma maior eficiência alocativa,
garantida, no modelo de Williamson, pelo aumento do excedente agregado total, sendo as
questões distributivas resolvidas por intermédio de outras políticas econômicas.
No modelo de Williamson, a obtenção de uma produção mais eficiente ocorre
conjuntamente com a transferência de renda de consumidores para produtores, implicando uma
violação do critério de Pareto, dada a piora na posição dos consumidores. A nova situação após
a concentração só é potencialmente comparável em Pareto, o que significa dizer que ela só será
superior em Pareto se houver uma transferência lump-sum de renda – com ou sem uma função
de bem-estar social – de forma a que os consumidores voltem a uma situação, no mínimo, igual
à que eles possuíam anteriormente. Note-se que a transformação de uma situação
potencialmente superior em Pareto em uma situação Pareto-superior não é uma tarefa trivial,
pois requer a identificação de todos aqueles que se beneficiaram e de todos os que foram
prejudicados por uma determinada operação, com o intuito de promover a transferência de
renda compensatória.
Na análise antitruste isto equivale a dizer que os ganhos de eficiência produtiva têm que
ser compartilhados com o consumidor, caso contrário as situações antes e depois da operação
não serão comparáveis em Pareto, significando a impossibilidade de saber se o objetivo da
política antitruste de maximizar o bem-estar foi ou não atingido. Dito de outra forma, para que
se possa afirmar com certeza que houve uma melhora social – a nova situação é Pareto-
superior à anterior – não é possível prescindir do repasse (ao menos parcial) dos ganhos de
eficiência produtiva ao consumidor. Desta forma, mais do que uma concessão a qualquer juízo
de valor, a questão distributiva é uma exigência da racionalidade econômica nos termos do
próprio critério adotado pelo mainstream.
É necessário destacar este ponto pois, se está afirmando que, se o objetivo das
autoridades de defesa da concorrência é maximizar o bem-estar social, não faz sentido aprovar
195
atos de concentração sem que haja a forte probabilidade de que os consumidores se beneficiem
das eficiências geradas pela operação. Neste sentido, não basta a alegação de que cabe à
política antitruste promover somente a eficiência econômica, pois este objetivo não pode ser
assegurado se houver piora da posição dos consumidores (as situações antes e depois não são
comparáveis em Pareto). É claro que a saída ortodoxa deste impasse é introduzir uma função
de bem-estar social – agora sim, implicando algum juízo de valor na ponderação das utilidades
– a ser maximizada por uma “autoridade central esclarecida”, assegurando que a nova situação
potencialmente superior em Pareto seja efetivamente Pareto-superior. Solução elegante e, de
resto, sem nenhuma aplicabilidade no mundo real.
Ressalte-se que não se está afirmando que a incorporação da questão distributiva na
análise antitruste deva-se exclusivamente à necessidade de coerência interna, até porque a
preocupação com o consumidor, há muito presente nas legislações antitruste, precede o debate,
muito mais recente, sobre eficiência econômica. Tampouco se está ignorando a existência de
distintas opiniões sobre os objetivos centrais da legislação antitruste que, por sua vez,
relacionam-se a diferentes visões sobre o comportamento de uma economia de mercado. Se a
Lei prevê a distribuição dos ganhos de eficiência, é lícito admitir que a sociedade rejeitou
implicitamente o “critério do excedente agregado total” por considerá-lo socialmente
inaceitável.
O que se está destacando é que a preocupação distributiva, à parte a exigência legal,
também é uma forma pragmática de assegurar o ganho de bem-estar social (este, sim, o
motivo essencial da incorporação do critério de eficiência na análise antitruste), pois o repasse
dos ganhos de eficiência produtiva obtidos pelas empresas (em virtude de uma concentração)
aos consumidores de um bem ou serviço, nada mais é do que uma proxy das transferências de
nominais de renda requeridas pelo conceito de eficiência de Pareto potencial, posto que impede
a piora da posição dos consumidores.
Portanto, a questão primordial é, em termos da prática antitruste, definir qual a eficácia
dos instrumentos à disposição das autoridades de defesa da concorrência que possam garantir
196
a distribuição dos benefícios decorrentes de fusões que impliquem substanciais ganhos de
eficiência. Antes, porém, é preciso discutir qual o tratamento dado a estes ganhos de eficiência
nos casos concretos, vale dizer, quais são as limitações inerentes às alegações de eficiências
produtivas.
Como exposto no primeiro capítulo, mesmo teoricamente, os atos de concentração
implicam efeitos contraditórios sobre a eficiência econômica, acarretando um efeito líquido
que só pode ser determinado pelo uso da rule of reason. Estes sinais divergentes encontraram
reflexos na própria legislação antitruste – basta lembrar a tendência inicial de ver com
hostilidade os ganhos de eficiência (vistos como uma forma de se destacar da concorrência e
obter poder de mercado), expressa nos primeiros processos nos E.U.A e conhecidos como
infração de eficiência na Europa.
Se os atos de concentração provocam efeitos sobre a eficiência – em seus diversos
aspectos – que, em teoria, não podem ser estabelecidos de forma geral, sua avaliação empírica
não é menos problemática. Ressalte-se que ao longo da última década houve uma crescente
incorporação do argumento de “defesas” baseadas em eficiências compensatórias na norma
antitruste. Isto se refletiu em um detalhamento muito maior das eficiências aceitáveis e seu
papel nos atos de concentração horizontal, seja na referência internacional (norte-americana e
européia), seja na legislação brasileira, sendo possível observar uma convergência quanto aos
critérios utilizados para validar as alegações. Enquanto o Horizontal Merger Guidelines
destaca a especificidade à operação, a necessidade de serem verificáveis (para contornar a
assimetria de informações) e a exclusão de eficiências com origem na redução da concorrência
(por exemplo, a diminuição de gastos em propaganda dada a menor competição), as
Orientações para a Apreciação de Concentrações Horizontais da União Européia ressaltam
que as eficiências devem ser específicas, verificáveis e beneficiar os consumidores. No Brasil,
tanto o Guia para Análise Econômica dos Atos de Concentração da SEAE/SDE como a
Resolução nº 15 do CADE também destacam a especificidade e a verificação por “meios
razoáveis”.
197
No entanto, como só as empresas podem estimar as eficiências esperadas, a assimetria
de informações cria um risco moral (moral hazard) associado ao incentivo que as empresas
têm em superestimar os ganhos de eficiência. Nos casos brasileiros estudados, as requerentes
apresentaram diversas versões das reduções de custos (eficiências produtivas) que seriam
decorrentes das operações – com substanciais diferenças entre os valores estimados –, fator
indicativo da imprecisão do processo de quantificação. Nos dois casos este procedimento criou
desconfianças nas autoridades de defesa da concorrência (Secretarias e CADE) quanto à
credibilidade dos valores apresentados. Note-se que, em sua maioria, as alegações referiam-se
à redução de custos produtivos tradicionais (economias de escala e escopo) e reduções de custo
administrativos ligados ao processo de reestruturação empresarial – muito embora tenha havido
menções a sinergias no desenvolvimento de novos produtos.
Como já se destacou, isto não implica que haja uma rejeição a priori de outras formas
de eficiências, pois se a teoria econômica é capaz de prever e justificar a importância de
eficiências produtivas baseadas na redução de custos de transação ou eficiências dinâmicas
seria um contra-senso descartá-las. Tal fato deve-se tão somente à dificuldade de fundamentá-
las, ônus exclusivo das requerentes. No entanto, é compreensível o viés conservador e um certo
ceticismo dos aplicadores da norma, temerosos de que tais argumentos de difícil comprovação
se transformem em uma panacéia capaz de sugerir a existência de potenciais eficiências
compensatórias em atos de concentração nos quais haja criação ou reforço de elevado poder de
mercado.
Como se pôde verificar nos casos Ambev e Nestlé-Garoto, a avaliação das eficiências é
um exercício não isento de subjetividade, mesmo quando realizado a partir de critérios
estabelecidos – dentre os quais se destacaram, nos casos avaliados, a especificidade à operação,
o caráter não pecuniário e não especulativo (que elas possam ser verificáveis). Diferentes
conselheiros, compartilhando a mesma referência, interpretaram as alegações de maneira bem
diversa, caracterizando a dificuldade em se realizar uma avaliação de ganhos que são, em
grande parte, futuros e sujeitos à incerteza.
198
Tome-se como exemplo um item freqüentemente alegado, o alinhamento de preços de
matérias-primas e insumos decorrente do maior poder de barganha da firma fusionada. No caso
Ambev a alegação foi aceita pela SDE sem maiores considerações e rejeitada pela SEAE por
considerá-la apenas uma transferência entre agentes, sem efeitos líquidos positivos sobre o
bem-estar. No caso Nestlé-Garoto, os Conselheiros Thompson Andrade e Roberto Pfeiffer
refutaram as alegações com base no critério proposto pela SEAE, mas o Presidente João
Grandino aceitou a alegação. Já se argumentou que, teoricamente, não se pode excluir este tipo
de eficiência pois sempre há a possibilidade de que este maior poder de negociação funcione
como um poder compensatório ao poder de mercado do fornecedor de insumos, obrigando-o a
cobrar em geral preços menores. Como, neste caso, haveria de fato um ganho líquido de bem-
estar, a aceitação ou rejeição da alegação só seria determinada na avaliação concreta da
operação. Nos casos analisados, a validade da alegação permaneceu controversa, dependente
do juízo do avaliador.
Ressalte-se que, no caso Ambev, dado o caráter recente da norma (o Guia da SEAE foi
publicado no mesmo ano do julgamento da fusão), ainda se poderia alegar uma certa
imprecisão por parte da SEAE em sua aplicação. Contudo, o mesmo não pode ser dito no caso
Nestlé-Garoto, no qual já havia um consenso nos critérios – a nova versão do Guia, com
pequenas alterações, foi publicada em portaria conjunta (nº 50) – e uma certa experiência em
sua utilização. Mesmo assim, ao avaliar a primeira versão das eficiências alegadas pela Nestlé,
a SEAE decidiu aceitá-las quase integralmente (com exceção da venda de derivados e cacau),
enquanto a SDE rejeitou grande parte das alegações.
Um outro ponto que merece ser destacado na comparação entre os dois casos é a
aderência – inclusive por parte da Nestlé – ao critério de incluir apenas as eficiências que
afetassem os custos variáveis (porque estes são os únicos que afetam os custos marginais e,
conseqüentemente, a determinação de preços no curto prazo). No caso Ambev, por exemplo,
foram aceitas reduções de custos fixos associadas ao fechamento de fábricas obsoletas. A
exclusão das reduções de custos fixos diminui as possíveis alegações de eficiências, reduzindo
as probabilidades de uma fusão ser aprovada - embora, como o próprio Guia da SEAE/SDE
199
reconhece, se os custos fixos representarem uma parcela importante dos custos totais, sua
redução irá permitir uma substancial diminuição dos custos médios, e portanto elevação dos
lucros e do excedente do produtor. A diferença é que, se houver diminuições nos custos fixos
que impliquem substanciais reduções nos custos médios, estes ganhos poderão ser
integralmente incorporados pelas firmas fusionadas, bastando para tanto que a concorrência
tenha sido afetada a tal ponto que a nova empresa possa formar preços como monopolista,
igualando receita e custos marginais (como os custos marginais não foram afetados o preço se
mantém inalterado, mas a curva de custo total médio se desloca para baixo, elevando o lucro
total).
Note-se ainda que o preço formado em condições de monopólio representa um preço
máximo, dificilmente alcançado se, a despeito do ato de concentração, restar algum grau de
concorrência no mercado relevante. A utilização deste critério esteve ligada aos rumos que o
debate sobre a distribuição dos ganhos de eficiência tomou no caso Nestlé-Garoto (Williamson
vs. Price Standard), sendo prematuro afirmar que represente uma tendência no processo de
avaliação das eficiências.
Do exposto, a conclusão mais imediata é que, mesmo com a definição de critérios
mais rigorosos e consensuais, a mensuração de eficiências produtivas decorrentes de um
ato de concentração permanece sendo um exercício algo idiossincrático, permeado de
possibilidades e controvérsia. Portanto, sua utilização requer prudência, em especial quando o
uso de estimativas de ganhos de eficiência objetivar compensar os efeitos concretos de uma
fusão que aumente significantemente o market share da firma resultante e cujo exercício do
poder de mercado seja provável – seja pelas condições de demanda, seja pelos condicionantes
estruturais ou estratégicos. Nestes casos, as empresas fusionadas teriam que comprovar
substanciais eficiências produtivas para demonstrar que não teriam incentivos a elevar seus
preços (posto que já se descartou a ausência de repasse aos consumidores).
Ressalte-se que, em virtude do procedimento utilizado na avaliação dos impactos de um
ato de concentração, a avaliação das eficiências decorrentes da operação sempre será o último
200
ponto a ser analisado pelos órgãos de defesa da concorrência. Somente se a operação tiver sido
reprovada em todos os critérios anteriores e, conseqüentemente, representar efetivamente um
risco à concorrência haverá necessidade de apreciá-las. Isto não significa que as alegações de
eficiências devam ser apresentadas de forma vaga ou especulativa, posto que, em última
instância, um ato de concentração deve visar justamente auferir estes ganhos de eficiência, e
não a simples obtenção de poder de mercado. No entanto, significa que as eficiências serão
mais relevantes justamente naqueles atos de concentração mais polêmicos, quais sejam,
aqueles nos quais houver probabilidade de abuso da posição dominante. Foi isto o que ocorreu
nos casos Ambev e Nestlé-Garoto, nos quais a decisão do CADE dependeu, em última
instância, da aceitação ou não das eficiências alegadas.
No caso Ambev, a maioria do plenário do CADE aceitou que o ato de concentração
acarretaria elevadas eficiências que, em qualquer estimativa, seriam capazes de compensar os
prejuízos à concorrência. Entretanto, o reconhecimento das eficiências compensatórias é
insuficiente para aprovar a operação nos termos da Lei 8.884/94, que exige o repasse aos
consumidores e a não eliminação de parte substancial da concorrência do mercado relevante. A
decisão do CADE que impôs o desinvestimento parcial com a alienação da marca Bavária e de
cinco plantas industriais em cada um dos mercados relevantes teve o mérito de, justamente,
atender a estas exigências. A viabilização de uma nova entrada no mercado relevante de
cervejas ampliaria a concorrência e, desta forma, limitaria o exercício do poder de mercado,
garantindo o repasse parcial dos ganhos de eficiência aos consumidores.
No caso Nestlé-Garoto o plenário do CADE entendeu, em sua maioria, que as
eficiências alegadas eram insuficientes para compensar a sociedade pela criação de um poder
de mercado com grande probabilidade de ser exercido. Na ausência de eficiências
compensatórias não há possibilidade de “remédios” estruturais ou comportamentais, restando
apenas uma única decisão, a desconstituição do ato de concentração.
Assim, pelos motivos expostos, a simples existência de eficiências compensatórias
não é suficiente para a aprovação de um ato de concentração que implique um provável
201
abuso da posição dominante (embora sua ausência acarrete a reprovação). Supondo
verdadeiras as alegações e que, de fato, as eficiências obtidas na operação mais do que
compensem o poder de mercado, isto não é garantia de que elas sejam parcialmente repassadas
aos consumidores. Neste sentido, cabe ao CADE tentar intervir para, com os instrumentos de
que dispõe, assegurar o repasse aos consumidores e o acréscimo de bem-estar. Como se viu,
são dois os instrumentos disponíveis, de caráter estrutural e comportamental.
As restrições comportamentais referem-se a condutas (formação de preços,
compartilhamento de ativos, metas de investimento, etc..) acordadas entre as requerentes e o
CADE em compromissos de desempenho. O cumprimento do acordo requer uma estrutura de
acompanhamento e enforcement não disponível ao CADE – além de pressupor um grau de
intervenção discutível –, tornando o instrumento freqüentemente inócuo em termos práticos.
Já as soluções de caráter estrutural são referentes à alienação de ativos tangíveis e intangíveis
que visam restabelecer, ao menos parcialmente, as condições de concorrência no mercado
relevante.
Tome-se como exemplo as medidas utilizadas no caso Ambev para garantir que as
eficiências não fossem apropriadas integralmente pelas empresas fusionadas. À parte das
críticas já expostas sobre a timidez da solução estrutural, houve um consenso entre os analistas
de que o fracasso no estabelecimento de um quarto concorrente no mercado relevante deveu-se
a problemas de distribuição. Note-se ainda que a garantia ao acesso em igualdade de condições
à rede de distribuição, considerada por todos os Conselheiros como uma significativa barreira à
entrada no mercado de cervejas, estava fixada em compromisso de desempenho. Mesmo
entendido como mecanismo transitório até que se estabelecesse um novo concorrente no
mercado, a solução apresenta insuficiências intrínsecas, ao exigir que uma empresa se
estabeleça no mercado na dependência do concorrente.
No entanto, as soluções estruturais são, potencialmente, o instrumento concreto
mais eficaz para permitir um aumento da eficiência econômica ao criarem, por meio do
desinvestimento, condições de concorrência que inibirão o poder de mercado e garantirão
202
o rapasse aos consumidores dos ganhos auferidos (nos casos nos quais estes ganhos tenham
sido aceitos). Neste sentido, cabe à autoridade antitruste estabelecer as melhores condições
para que o remédio estrutural seja bem sucedido. No amplamente citado “A Study of the
Commission’s Divestiture Process” de 1999, a FTC promoveu uma revisão sistemática dos
remédios estruturais que determinou no período de 1990 a 1994, com o intuito de investigar o
sucesso das soluções implementadas. Concluiu que na maioria dos casos analisados (cerca de
75% do total) a FTC foi bem sucedida em restabelecer a concorrência. Foram identificados
alguns fatores importantes para a obtenção deste resultado – recomendados como regras
práticas (rules of thumb) no processo de desinvestimento – , dentre as quais destacam-se: (i) a
alienação de partes de um negócio tem menores chances de sucesso do que a alienação de um
negócio por inteiro; (ii) os compradores dos ativos alienados que dependem dos alienantes para
operarem no mercado são mais vulneráveis que os independentes; (iii) as grandes empresas são
mais bem sucedidas em se estabelecer no mercado do que os compradores de pequeno porte; e
(iv) é necessário preservar a caráter orgânico do negócio, evitando a perda da “mão-de-obra
chave” durante o processo.
Do que foi dito até o presente é possível extrair algumas conclusões mais gerais sobre a
utilização dos ganhos de eficiência – admitindo-se que as alegações tenham sido julgadas
procedentes pela autoridade antitruste – como critério para a aprovação de atos de
concentração. Estabelecida a necessidade da transferência parcial destes ganhos aos
consumidores (como forma de preservar o critério de Pareto e garantir o aumento de bem-
estar), o mecanismo mais eficaz para assegurar este repasse é a própria concorrência.
A concorrência é essencial porque a manutenção da pressão competitiva implicará não
somente a transferência parcial dos ganhos de eficiência auferidos com a operação aos
consumidores, mas também reduzirá a possibilidade de que estes ganhos criem vantagens para
as empresas fusionadas que possam, no futuro, reforçar sua posição dominante e gerar novas
perdas de bem-estar (infrações de eficiência). Neste sentido ganha destaque a tradição
européia, presente desde do Tratado de Roma, de submeter os ganhos de eficiência decorrentes
de uma operação ao interesse dos consumidores – pressuposta na exigência do repasse parcial
203
(fair share) dos ganhos e na preservação da competição. A Comissão Européia entende que o
interesse dos consumidores só será preservado se empresa fusionada tiver incentivos para,
não somente obter os ganhos de eficiência gerados mas, principalmente, permanecer
engajada em esforços para incrementar sua eficiência produtiva. Este incentivo é provido
pela dinâmica concorrencial.
Esta posição também se manifesta na legislação brasileira, pois o parágrafo 1º do artigo
54 em seus incisos II e III estabelece que os ganhos de eficiência só poderão validar os atos de
concentração a que se refere o caput do artigo se os benefícios foram distribuídos
eqüitativamente e não houver eliminação de parte substancial da concorrência. Portanto, um
ato de concentração que possa prejudicar a concorrência mas implique ganhos de eficiência só
poderá ser aprovado se atendidos estes requisitos.
Dada a debilidade das soluções comportamentais, conclui-se que os atos de
concentração que impliquem elevação ou reforço da posição dominante e que, em
contrapartida, gerem eficiências compensatórias, só poderão ser parcialmente aprovados
pela autoridade antitruste se for possível impor soluções estruturais que possam, por
meio da preservação do ambiente concorrencial, garantir que os ganhos de eficiência
auferidos sejam repassados ao consumidor e que a empresa fusionada permaneça sujeita
à dinâmica concorrencial. Uma solução estrutural que preserve a concorrência no mercado
relevante (por meio da criação de uma nova concorrente que adquira os ativos tangíveis e
intangíveis alienados) soluciona diversos problemas. Do ponto de vista legal, permitirá o
atendimento simultâneo dos incisos II e III do § 1º do artigo 54 da Lei 8884/89. Do ponto de
vista econômico, a pressão concorrencial tem duas virtudes principais: (i) garante o repasse ao
consumidor preservando o critério de Pareto e implicando um aumento da eficiência alocativa
e bem-estar; (ii) preserva a dinâmica concorrencial dificultando as infrações de eficiência e
outros problemas similares não contemplados pelo critério estático.
Em suma, a utilização do remédio estrutural tem o mérito de permitir que os ganhos de
eficiência alegados possam se consubstanciar e, ao minimizar os danos à concorrência, garantir
204
a elevação do bem-estar. No entanto, dada a natureza das alegações de eficiência, sua
utilização permanece vinculada ao princípio da razoabilidade, cabendo às autoridades de
defesa da concorrência avaliar as possibilidades de sucesso da solução estrutural de acordo
com as especificidades do caso apreciado. De forma análoga, deverão analisar os riscos
associados à operação vis-à-vis os possíveis benefícios que ela irá gerar e, nos casos em que os
ganhos líquidos de bem-estar forem duvidosos, optar pela rejeição da operação.
Embora o moderno Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência só vigore desde 1994
– sendo portanto muito recente –, o tema antitruste se torna cada dia mais presente. A
economia brasileira, em constante transformação estrutural, demandará, cada vez com maior
premência, um sistema eficiente de defesa e regulação dos mercados. O aprofundamento deste
debate, com novos estudos e a avaliação de outros casos, levará à ampliação dos
conhecimentos, permitindo identificar com maior precisão outras medidas eficazes na
promoção de um maior bem-estar social, objetivo primordial das políticas de defesa da
concorrência.
205
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, T (2003) Relatório Relativo ao Ato de Concentração nº 08012.001697/2002-89 (Nestlé-Garoto). Disponível: http://www.cade.gov.br. ANDRADE, T (2004) Voto Relativo ao Ato de Concentração nº 08012.001697/2002-89 (Nestlé-Garoto). Disponível: http://www.cade.gov.br. AREEDA, P (1981) Antitrust Analysis – Problems, Text, Cases. New York: Little Brown and Company. ARMENTANO, D (1982) Antitrust and Monopoly. New York: Willey and Sons Co. ARROW, K (1963) Social Choice and Individual Values. 2ed (Extended) New York: Wiley. AUDRETSCH. D. B. (1991) “Divergent Views in Antitrust Economics”. IN: FOX, E and HALVERSON, J. (eds). Collaborations Among Competitors: Antitrust Policy and Economics. Chicago: American Bar Association. BAIN, J (1956) Barriers to New Competition. Cambridge, Mass Harvard University Press. BAUMOL,W and ORDOVER,J (1985).”Use of Antitrust to Subvert Competition”. The Journal of Law and Economics. May 247-65. BAUMOL,W and ORDOVER,J (1992) “Antitrust: Source of Dynamic and Static Inefficiencies ?” IN: JORDE, T.M. e TEECE, D.J.(edts) (1992).Antitrust, Innovation, and Competitiveness. New York: Oxford University Press. BAUMOL,W, PANZAR, J and WILLIG,R (1982) Contestable Markets and the Theory of Industrial Structure. New York Harcourt Brace Jovanovich.
206
BERGSON, A (1938) “A Reformulation of Certain Aspects of Welfare Economics”. Quarterly Journal of Economics, 52, pp.310-334. BIAN, L e McFETRIDGE, D (2000) “Efficiencies Defence in Merger Cases: Implications of Alternative Standards”. Canadian Journal of Economics, 33(2), pp. 297-318. BISHOP, S e WALKER, M (2002) Economics of EC Competition Law: Concepts, Application and Measurement, 2nd Edition. London: Sweet & Maxwell. BITTLINGMEYER,G (1991) “Did Antitrust Policy Cause Great Merger Wave?” Journal of Law and Economics v.28 n.1 April pp.77-118. BLAUG, M (1978) Economic Theory in Retrospect. 3# ed. Cambridge: Cambridge University Press. BORK, R (1968) “Resale Price Maintenance and Consumer Welfare”. Yale Law Journal. vol.77 April. BORK, R (1978) The Antitrust Paradox – A Policy with War with Itself. Chicago: University of Chicago Press. BUCHANAN, J and LEE, D (1992) “Private Interest Support for Efficiency Enhancing Antitrust Policies”. Economic Inquiry vol. XXX. April. CADE (1996) Resolução nº 5. Disponível: http://cade.gov.br. CADE (1997) Relatório Anual 1996. Disponível: http://cade.gov.br. CADE (1998) Relatório Anual 1997. Disponível: http://cade.gov.br. CADE (1998b) Resolução nº 15. Disponível: http://cade.gov.br. CADE (1999) Relatório Anual 1998-1999. Disponível: http://cade.gov.br. CADE (2000) Decisão Final Relativa ao Ato de Concentração nº 08012.005846/99-12 (Ambev). IN: Revista do IBRAC vol.7 (6), pp. 5-9. CADE (2001) Relatório Anual 2000. Disponível: http://cade.gov.br. CADE (2002) Relatório de Gestão 2001. Disponível: http://cade.gov.br. CADE (2003) Relatório de Gestão 2002. Disponível: http://cade.gov.br. CADE (2004) Relatório de Gestão 2003. Disponível: http://cade.gov.br.
207
CADE (2005) Decisão Final Relativa ao Ato de Concentração n° 08012.001697/2002-89 (Nestlé-Garoto). Diário Oficial da União, seção 1, p.34 em 03/02/05. CALLIARI, M (2000) Voto Relativo ao Ato de Concentração nº 08012.005846/99-12 (Ambev). IN: Revista do IBRAC vol.7 (6), pp. 333-352. CALVANI, T. (1991) “Rectangles and Triangles: A Response to Mr. Lande”. IN: FOX, E e HALVERSON, J. (eds). Collaborations Among Competitors: Antitrust Policy and Economics. Chicago: American Bar Association. CAMESASCA, P. D. (1999) “The Explicit Efficiency Defence in Merger Control: Does it Make a Difference”. European Competition Law Review, 20(1), pp. 14-28. CAMESASCA, P. D. (2000) European Merger Control: Getting the Efficiencies Right. Antwerpen-Groningen: Intersentia-Hart. CARLTON, D (1995) “Antitrust policy toward mergers when firms innovate: Should antitrust Recognize the doctrine of innovations markets?”. Hearings on Antitrust in a Global Economy. Federal Trust Commission: October 25. CHAMBERLIN, E (1933) The Theory of Monopolist Competition. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press. CHRISTENSEN, P., OWEN, P e SJOBLOM, D (1999), “Mergers ”, Chapter I.4. IN: The EC Law of Competition, Faull, J. e Nikpay, A. (Eds.), Oxford University Press. CISNE, R.et alii (2004) “Demanda de Cerveja no Brasil: um Estudo Econométrico. IN: MATTOS, C (org) A Revolução Antitruste no Brasil: A Teoria Econômica Aplicada a Casos Concretos. São Paulo: Singular. COASE, R (1937) “The Nature of the Firm”. Economica, nº 4. November. CONRATH, C.W e NICHOLAS A. W. (1999) “Efficiency Claims in Merger Analysis: Hostility or Humility?” Georgetown Law Review, 7 pp. 685-99. COOK, C e KERSE, C (2000) European Community Merger Control, 3# Edition. London: Sweet & Maxwell. COWLING,K e MUELLER, D (1978) “The Social Cost of Monopoly Power”. Economic Journal 88. pp. 724-48. DASKIN, A.J. (1991) “Deadweight Loss in Oligopoly: a new approach”. Southern Economic Journal, 58(1) pp. 171-185.
208
DIXIT, A (1986) “Comparative Statics for Oligopoly”. International Economic Review 27, 1, pp.107-122.
DIXIT, A e STERN, N (1982) “Oligopoly and Welfare: a Unified Presentation with Applications to Trade and Development”. European Economic Review, vol.19 pp.123-143. DOSI,G, TEECE,D e CHYTRY,J (1998) Technology, Organization and Competitiveness, Perspectives on Industrial and Corporate Change. London: Oxford University Press. ECKBO, E and WIER, P (1985) “Antimerger Policy under the Hart-Scott-Rodino Act: A Reexamination of Market Power Hypothesis”. Journal of Law and Economics 28 April. EUROPEAN COMMISSION (2002) Draft EC Notice on the Appraisal of Horizontal Mergers. Disponível: http://europa.eu.int/comm/competition/mergers EUROPEAN COMMISSION (2004) Orientações para a Apreciação das Concentrações Horizontais nos Termos do Regulamento do Conselho Relativo ao Controle das Concentrações de Empresas. C 31/03 Disponível: http://europa.eu.int/comm/competition/concentrações. EUROPEAN COMMUNITY MERGER REGULATION Nº 4064 (1989) European Commission. Disponível: http://europa.eu.int/comm/competition/mergers. EUROPEAN COMMUNITY MERGER REGULATION Nº 139 (2004) European Commission. Disponível: http://europa.eu.int/comm/competition/mergers. FAGUNDES, J (2003) Eficiência Econômica e Distribuição de Renda em Análises Antitruste. Tese de Doutorado IE/UFRJ. FARINA, E (1996) Política Industrial e Política Antitruste: uma Proposta de Conciliação. Revista do IBRAC, 3(8). FARINA, E e AZEVEDO, P (2004) “AMBEV: a Fusão e seus Efeitos no Mercado de Cervejas”.IN: MATTOS, C (org) A Revolução Antitruste no Brasil: A Teoria Econômica Aplicada a Casos Concretos. São Paulo: Singular. FARRELL, J (1994) Competition and Productive Efficiency. Discussion Paper. University of California Berkley. FARRELL, J and SALONER, G (1985) Standardization, Compatibility and Innovation. Rand Journal of Economics. vol.16 n.1 pp.70-83. FEDERAL TRADE COMMISSION (1995) Hearings on Global and Innovation-Based Competition. October, 24, 1995. Disponível: http://www.ftc.gov.
209
FEDERAL TRADE COMMISSION (1999) “A Study of the Commission’s Divestiture Process”. Disponível: http://www.ftc.gov. FELSKY, M (2000) Voto Relativo ao Ato de Concentração nº 08012.005846/99-12 (Ambev). IN: Revista do IBRAC vol.7 (6), pp. 307-332. FIRST,H , FOX,E and PITOFSKY,R (1991) Revitalizing Antitrust in its Second Century – Essays on Legal, Economic and Political Policy. Quorum Books. FISHER,A, JOHNSON,F e LANDE,R (1989) “Price Effects of Horizontal Mergers”. California Law Review. vol77, no 4, July 1989. FRANCESCHINI, G (2000) Direito da Concorrência : Case Law. São Paulo: Ed. Singular. FREEMAN, C e SOETE, L (1997) The Economics of Industrial Innovation. 3# edition. Cambridge, Mass. The MIT Press. GAVIL, A (ed) (1996) An Antitrust Anthology. Ohio: Anderson Publishing Co. GERARD, D (2003) “Merger Control Policy: How to Give Meaningful Considerations to Efficiency Claims?” Common Market Law Review, vol.40 (6) December pp. 13-67. GILBERT,,R e SUNSHINE, S (1995) : “Incorporating Dynamic Efficiency Concerns in Merger Analysis”. Antitrust Law Journal ; 63(2), Winter 1995, pp.569-601. GORMAN, W (1955) “The Intransitivity of Certain Criteria Used in Welfare Economics”. Oxford economic Papers. vol 7, pp.36-47. GROENERWEGEN,J and BEIJE,P (1992) “The European Answer to the Dilemmas of Competition, Cooperation and Mergers”. Journal of Economic Issues. vol. XXVI nº2. GROSSMAN,G and SHAPIRO,C (1986) “Research Joint Ventures: an Antitrust Analysis”. Journal of Law, Economics and Organization. vol 2pp.315-37. HARBERGER, H (1954) “Monopoly and Resource Allocation”. American Economic Review, 44, pp.77-87. HAUSMAN, J. A. e LEONARD, G. K. (1999) “Efficiencies from the Consumer Viewpoint”. Georgetown Law Review 7, pp. 707-727. HAZLETT,T (1986) “Is Antitrust Anticompetitive?” Harvard Journal of Law and Public Policy nº9 pp.277-287.
210
HICKS, J (1939) “The Foundations of Welfare Economics”. Economic Journal vol 49 pp.696-712. HICKS, J (1946) Value and capital. 2# ed. Oxford: Oxford at the Clarendon Press. HIGH, J (1984-85), "Bork's Paradox: Static vs. Dynamic Efficiency in Antitrust Analysis," Contemporary Policy Issues, 3 (Winter), pp.21-34. HORIZONTAL MERGER ENFORCEMENT STATEMENT (1982) Federal Trade Commission. Disponível: http://www.ftc.gov. HORIZONTAL MERGER GUIDELINES (1992) – U.S. Department of Justice. Federal Trade Commission. Disponível: http://www.usdoj.gov/atr. HORIZONTAL MERGER GUIDELINES (1997) – U.S. Department of Justice. Federal Trade Commission. Disponível: http://www.usdoj.gov/atr. HOTELLING, H (1929) “Stability in Competition”. Economic Journal vol. XXXIX, pp.41-57. HOVENKAMP, H (1993) Antitrust. 2# Edition. St Paul Minn: West Publ. Co. JACQUEMIN, A (1990) “Mergers and European Policy” IN: ADMIRAAL, P. (ed.) Mergers and Competition Policy in the European Community. Oxford: Basil Blackwell. JORDE, T. M. e TEECE, D. J. (1990) “Innovation and Cooperation: Implications for Competition and Antitrust”. Journal of Economic Perspectives 4 (3) Summer. pp. 75-96. JORDE, T .M. e TEECE, D. J. (1992) “Innovation, Cooperation, and Antitrust”. IN: JORDE, T.M. e TEECE, D.J. (edts) (1992). Antitrust, Innovation, and Competitiveness. New York: Oxford University Press. JORDE, T. M. e TEECE, D. J. (1992) “Introduction”. IN: JORDE, T.M. e TEECE, D.J. (edts) (1992).Antitrust, Innovation, and Competitiveness. New York: Oxford University Press. JORDE, T. M. e TEECE, D. J. (1993) “Rule of Reason Analysis on Horizontal Arrangements: Agreements Designed to Advance Innovation and Commercialize Technology. Antitrust Law Journal ; 61 p.579. KALDOR, N (1939) “Welfare Prepositions in Economics and Interpersonal Comparisons of Utility”. Economic Journal vol. 49. pp. 549-552. KATTAN, J (1994) “Efficiencies and Merger Analysis”. Antitrust Law Journal, 62, pp. 522-27 KATZ, M and SHAPIRO, K (1985) “Network Externalities, Competition, and Compatibility”. American Economic Review 75(3) pp. 424-40.
211
KATZ,M and SHAPIRO,K (1986) “Technology Adoption in the Presence of Network Externalities”. Journal of Political Economy. Vol 94 n.2 pp.822-41. KOLASKY, W (2001) “Lessons from Baby Food: The Role of Efficiencies in Merger Review”, Antitrust, Fall , 82. KOLASKY, W e DICK, A (2003) “The Merger Guidelines and the Integration of Efficiencies into Antitrust Review of Horizontal Mergers”. ABA: Antitrust Law Journal Vol. 71, nº 1. Disponível: http://www.usdoj.gov/atr/hmerger. KOUTSOYIANNIS, A (1979) – Modern Microeconomics. 2# edition. London. MacMillan Press Ltd. KOVACIC, W (1990) “The Antitrust Paradox Revisited: Robert Bork and the Transformation of Modern Antitrust Policy”. Wayne State Law Review. KREPS, D (1990) – A Course in Microeconomic Theory. Hertfordshire Harvester Wheatsheaf. KRUEGER, O (1974) “The Political Economy of the Rent-Seeking Society”. American Economic Review vol.64, June, pp.291-303. KUPFER, D e HASENCLEVER, L (2002) -Economia Industrial:Fundamentos Teóricos e Práticos no Brasil. Rio de Janeiro: Campus. LANDE, R (1989) “Wealth Transfers as the Original and Primary Concern of Antitrust: The Efficiency Interpretation Challenged”. Hasting Law Journal vol. 34 pp 67-106. LANDE, R (1991) “The Rise and (Coming) Fall of Efficiency as the Ruler of Antitrust.” IN: FOX, E e HALVERSON, J. (eds). Collaborations Among Competitors: Antitrust Policy and Economics. Chicago: American Bar Association. LANDE, R (1994) “Beyond Chicago: Will Activist Antitrust Rise Again?” Antitrust Bulletin. Vol.XXXIX nº 1 Spring. LEARY, T (2002) “Efficiencies and Antitrust: A Story of Ongoing Evolution” ABA Section of Antitrust Law, Fall Forum, Washington, D.C. Disponível: http://www.ftc.gov/speeches/leary. LEI 8.884 (1994) Disponível: http://cade.gov.br LEIBENSTEIN,H (1966) “Allocative Efficiency vs. X-Efficiency”. American Economic Review 56 pp.392-415. LEIBENSTEIN,H (1978) “X-Inneficiency Xists – Reply to a Xorist”. American Economic Review 68 pp.208-11.
212
LITTLE, I.M.D. (1949) “The Foundations of Welfare Economics”. Oxford Economic Papers. New Series 1 June, pp. 227-246. MANO, M (2002) “For the Customer’s Sake: The Competitive Effects of Efficiencies in European Merger Control”. Enterprise Papers nº 11. Disponível: http://europa.eu.int/comm/competition. MARQUES, F (2004) Voto Relativo ao Ato de Concentração nº 08012.001697/2002-89 (Nestlé-Garoto). Disponível: http://www.cade.gov.br. MARSHALL, A (1890) Principles of Economics. Eighth Edition. London: The Macmillan Press Ltd. MAS-COLLEL,A ,WHINSTON,M.e GREEN,J (1995) Microeconomic Theory. Oxford. Oxford University Press. MELLO, M. T. (2002) “Defesa da Concorrência”. IN: KUPFER, D HASENCLEVER, L (2002) Economia Industrial:Fundamentos Teóricos e Práticos no Brasil. Rio de Janeiro: Campus. MELLO, M. T. E POSSAS, M (2002) “Direito e Economia na Análise de Condutas Anticompetitivas”. IN: POSSAS, M (coord) Ensaios sobre Economia e Direito da Concorrência. São Paulo: Singular. MERGER GUIDELINES (1968) U.S. Department of Justice. Disponível: http://www.usdoj.gov. MERGER GUIDELINES (1982) U.S. Department of Justice. Disponível: http://www.usdoj.gov. MISHAN, E (1960) “A Survey of Welfare Economics”. The Economic Journal, LX, nº278 pp. 197-265. MONTI, G. e ROUSSEVA, E (1999), “Failing Firms in the Framework of the EC Merger Control Regulation”, European Law Review, 24, pp. 38-55. MONTI, M (2002) “Review of the EC Merger Regulation – Roadmap for the Reform Project” Conference on Reform of European Merger Control, Brussels, Belgium, June. Disponível: http://europa.eu.int/comm/competition OECD (1999) A Framework for the Design and Implementation of Competition Law and Policy. Washington: The World Bank.
213
OLIVEIRA, G (2000) Voto do Presidente Relativo ao Ato de Concentração nº 08012.005846/99-12 (Ambev). IN: Revista do IBRAC vol.7 (6), pp. 353-365. OLIVEIRA, G (2001) Concorrência: panorama no Brasil e no Mundo. São Paulo: Saraiva. ORDOVER, J and WILLIG,R (1985) “Antitrust for High-Technologies Industries: Asserting Research Joint Ventures and Mergers”. The Journal of Law and Economics vol 28 pp. 311-33. PADILLA, A. J. (2002) “The Efficiency Offence Doctrine in European Control” Antitrust Insights, NERA Economic Consulting, July-August. Disponível: http://nera.com/wwt/newsletter_issues/ PARETO, V (1906) Manual de Economia Política. São Paulo: Abril Cultural, 1983. PAUL, L e MICHAEL, G (1996) “Merger Efficiencies: Reconsidering the “Passing-On” Requirement”, Antitrust Law Journal, 64. PEREIRA, E., LAGROTERIA, E. e LEAL, J. (2004) “Análise Antitruste de Fusões em Mercados e Bens Diferenciados: O Caso AMBEV”. IN: MATTOS, C (org) A Revolução Antitruste no Brasil: A Teoria Econômica Aplicada a Casos Concretos. São Paulo: Singular. PFEIFFER, R (2004) Voto Relativo ao Ato de Concentração nº 08012.001697/2002-89 (Nestlé-Garoto). Disponível: http://www.cade.gov.br. PITOFSKY, R (1992) “Proposals for Revised United States Merger Enforcement in a Global Economy, Georgetown Law Review, 81 pp.195 - 221.” PITOFSKY, R (1998) “Efficiencies in Defense of Mergers: 18 Months After”. Antitrust Symposium: The Changing Face of Efficiency, Washington, D.C. Disponível: http://www.ftc.gov/speeches PONDÉ, J (2002) Organização das Grandes Corporações IN: IN: KUPFER, D HASENCLEVER, L (2002) Economia Industrial:Fundamentos Teórico e Práticos no Brasil. Rio de Janeiro: Campus. POSNER, R (1974) The Economic Analysis of Law. Chicago: University of Chicago Press. POSNER, R (1975) The Social Cost of Monopoly and Regulation. Journal of Political Economy. 83(4)august, pp.807-27. POSNER, R (1976) Antitrust Law: an Economic Perspective. Chicago: University of Chicago Press. POSNER, R (1979) The Chicago School of Antitrust Analisys. University of Pennsylvania Law Review. 127 (4) April, pp.925-48.
214
POSSAS, M (1985) Estruturas de Mercado em Oligopólio. São Paulo: Hucietc. POSSAS, M (1989a) Em Direção a um Paradigma Microdinâmico: a Abordagem Neo-Schumpeteriana. IN: AMADEO, E (Org) Ensaios sobre Economia Política Moderna: teoria e História do Pensamento Econômico. São Paulo: Marco Zero. POSSAS, M (1989b) Dinâmica e Concorrência Capitalista: uma interpretação a partir de Marx. São Paulo: Hucietc-Unicamp. POSSAS, M (1996) – “Os Conceitos de Mercado Relevante e de Poder de Mercado no Âmbito da Defesa da Concorrência”. Revista do IBRAC, 3(5). POSSAS, M (2002a) Economia Normativa e Eficiência: limitações e perspectivas na aplicação antitruste. IN: POSSAS, M (coord) Ensaios sobre Economia e Direito da Concorrência. São Paulo: Singular. POSSAS, M (2002b) Concorrência Schumpeteriana IN: IN: KUPFER, D HASENCLEVER, L (2002) Economia Industrial:Fundamentos Teórico e Práticos no Brasil. Rio de Janeiro: Campus. POSSAS, M (2004) “Avaliação das Eficiências Compensatórias no Caso Ambev”. IN: MATTOS, C (org) A Revolução Antitruste no Brasil: A Teoria Econômica Aplicada a Casos Concretos. São Paulo: Singular. POSSAS,M, FAGUNDES, J e PONDÉ, J (1995) “Política Antitruste: um Enfoque Schumpeteriano”. Anais do XXIII Encontro Nacional de Economia ANPEC. RAPP, R (1995) – “The Misapplication of the Innovation Market Approach to Merger Analysis”. Antitrust Law Journal ; 64 1995. ROBERTS, G E SALOP, S (1996) “Efficiencies in Dynamic Merger Analysis”. World Competition Law & Economic Review, 19. ROBINSON, J (1932) “Imperfect Competition and Falling Supply Price”. Economic Journal, vol. XLII, pp. 544-546. ROBINSON, J (1933) The Economics of Imperfect Competition. London: The Macmillan Press Ltd. RODAS, J. (2004) Voto do Presidente Relativo ao Ato de Concentração nº 08012.001697/2002-89 (Nestlé-Garoto). Disponível: http://www.cade.gov.br. ROMANO, H (2000a) Relatório Relativo ao Ato de Concentração nº 08012.005846/99-12 (Ambev). IN: Revista do IBRAC vol.7 (6), pp. 11-142.
215
ROMANO, H (2000b) Voto Relativo ao Ato de Concentração nº 08012.005846/99-12 (Ambev). IN: Revista do IBRAC vol.7 (6), pp. 143-234. RULE, C.F. e MEYER, D.L. (1991) “An Antitrust Enforcement Policy to Maximize the Economic Wealth of All Consumers”. IN: FOX, E e HALVERSON, J. (eds). Collaborations Among Competitors: Antitrust Policy and Economics. Chicago: American Bar Association. SALGADO, L. H. (1995) “Política de Concorrência: Tendências Recentes e Estado da Arte no Brasil” Texto para Discussão nº385 IPEA. SALGADO, L. H. (1997) A Economia Política da Ação Antitruste. São Paulo: Editora Singular. SALOMÃO FILHO, C. (2002) Regulação e Concorrência : Estudos e Pareceres. São Paulo: Ed Malheiros. SALOP, S (1979) “Monopolist Competition with Outside Goods”. The Bell Journal of Economics, vol 10, pp. 141-156. SALOP, S (1996) “Efficiencies in Mergers Cases: Technological Diffusion as the Cure for Short-Run Monopoly Pricing”. Antitrust Law and Economic Review, 27(2). SAMUELSON, P (1956) Social Indifference Curves. Quarterly Journal of Economics, 70, pp. 1-22. SANTACRUZ, R (1998) Prevenção Antitruste no Brasil – 1991/1996. Tese de Doutorado, IE/UFRJ. SANTACRUZ, R (2000) Voto Relativo ao Ato de Concentração nº 08012.005846/99-12 (Ambev). IN: Revista do IBRAC vol.7 (6), pp. 235-305. SCALOPPE, L. (2004) Voto Relativo ao Ato de Concentração nº 08012.001697/2002-89 (Nestlé-Garoto). Disponível: http://www.cade.gov.br. SCHERER, F (1991) Antitrust Efficiency and Progress. IN: FIRST,H, FOX,E and PITOFSKY,R, op.cit. SCHERER, F and RAVENSCRAFT,D (1987) Mergers, Sell-offs and Economic Efficiency. Washington: The Brookings Institution. SCHERER, F e ROSS, D (1990) Industrial Market Structure and Economic Performace. 3# edition . Boston .Houghton Mifflin.
216
SCHUARTZ, L, F. (2002) “Ilícito Antitruste e Acordo entre Concorrentes” IN: POSSAS, M (coord) Ensaios sobre Economia e Direito da Concorrência. São Paulo: Singular. SCITOVSKY, T (1941) A Note on Welfare Prepositions in Economics. Review of Economics Studies. Vol. 9 pp.77-88. SECRETARIA DE ACOMPANHAMENTO ECONÔMICO/MF (1999) Guia para Análise Econômica dos Atos de Concentração. Portaria nº 39. IN: Revista do IBRAC vol.6 (4), pp. 201-230. SECRETARIA DE ACOMPANHAMENTO ECONÔMICO/MF (2000) Parecer nº 188/99 do Ato de Concentração nº 08012.005846/99-12 (Ambev). IN: Revista do IBRAC vol.7 (3), pp. 5-71. SECRETARIA DE ACOMPANHAMENTO ECONÔMICO/MF e SECRETARIA DE DIREITO ECONÔMICO/MJ (2001) Guia para Análise Econômica dos Atos de Concentração. Portaria Conjunta nº 50. Disponível: http://www.fazenda.gov.br/seae/. SECRETARIA DE ACOMPANHAMENTO ECONÔMICO/MF (2002) Parecer nº 196 do Ato de Concentração nº 08012.001697/2002-89 (Nestlé-Garoto) Disponível: http://www.fazenda.gov.br/seae/. SECRETARIA DE DIREITO ECONÔMICO/MJ (2000) Parecer do Ato de Concentração nº 08012.005846/99-12 (Ambev). IN: Revista do IBRAC vol.7 (3), pp. 73-238. SECRETARIA DE DIREITO ECONÔMICO/MJ (2002) Parecer do Ato de Concentração nº 08012.001697/2002-89 (Nestlé-Garoto).Disponível: http://www.mj.gov.br/sde. SEN, A (1970) Collective Choice and Social Welfare. San Francisco: Holden-Day. SEN, A (1988) “Social Choice” IN: EATWELL, J., MURRAY, M. e NEWMAN, P. (eds) New Palgrave Dictionary v. 4 pp. 382-393. SEN, A (1999) Sobre Ética e Economia. São Paulo: Companhia das Letras. SHUMPETER, J (1943) Capitalism, Socialism and Democracy. New York: Harper Brothers, 1989. SHUMPETER, J (1912) Teoria do Desenvolvimento Econômico. São Paulo: Abril Cultural, 1982. SHY, O (1995) – Industrial Organization: Theory and Applications. Cambridge, Mass The MIT Press .
217
SIEGFRIED, J and WHEELER,E (1981) “Cost Efficiency and Monopoly Power: a Survey”. Quarterly Review of Economic and Business. vol 21, Spring pp.25-46. STIGLER, G (1968) The Organization of Industry. Homewood: Richard D. Irwin. STIGLER,G (1966) “The Economic Effects of the Antitrust Laws”. Journal of Law and Economics, vol. 9, October. STOCKUM, S (1993) “The Efficiencies Defense for Horizontal Mergers: What is the Government’s Standard?”. Antitrust Law Journal, 61 pp. 829 -843. SYLOS-LABINI, P. (1956) Oligopólio e Progresso Técnico. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1980. TEIXEIRA, C. (2004) Voto Relativo ao Ato de Concentração nº 08012.001697/2002-89 (Nestlé-Garoto). Disponível: http://www.cade.gov.br. TIROLE, J (1988) The Theory of Industrial Organization. . Cambridge, Mass The MIT Press. VARIAN, H (1992) Microeconomic Analysis. New York. W.W.Norton & Company,Inc. VERTICAL RESTRAINTS GUIDELINES (1985). Department of Justice. Federal Trade Commission. Disponível: http://www.usdoj.gov. VEROUDEN, V (2004) “Merger Analysis and the Role of Efficiencies in the EU”. FTC and US DOJ Merger Enforcement Workshop, Washington, D. C., February. VISCUSI, W, VERNON, J e HARRINGTON Jr, J (1995) Economics of Regulation and Antitrust. 2nd edition. Cambridge, Mass The MIT Press. WHALLEY, J (1995) “The Use of Innovation Markets in Antitrust Evaluation on Mergers. Hearings on Antitrust in a Global Economy”. Federal Trust Commission: October 23-24. Disponível: http://www.ftc.gov WILLIAMSON, O (1968) “Economics as an Antitrust Defense: The Welfare Trade-Offs”. American Economic Review LVIII, March, pp 18-36. WILLIAMSON, O (1975) Markets and Hierarchies, Analysis and Antitrust Implications. New York: The Free Press. WILLIAMSON, O (1985) The Economic Institutions of Capitalism. New York: The Free Press. WILLIAMSON, O (1992) “Antitrust Lenses and the Use of Transaction Cost Economics Reasoning” IN: JORDE,T and TEECE,D (ed.) 1992 op.cit.
218