Decisão dos autos n. 020.13.022326-3

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Decisão interlocutória dos autos n. 020.13.022326-3, da 2ª Vara da Fazenda da Comarca de Criciúma, proferida em 18/11/2013.

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Autos n° 020.13.022326-3 Ação: Ação Civil Pública/Lei Especial Autor: Ministério Público do Estado de Santa Catarina Réu: Construtora Locks Ltda e outros

Decisão.

Trata-se de Ação Civil Pública, com pedido de liminar,

aforada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, representado pelo Promotor de

Justiça em exercício neste juízo, em face de Construtora Locks Ltda., da Fundação do Meio

Ambiente (FATMA) e do Município de Criciúma, em que sustenta ter sido instaurado o

Inquérito Civil n. 06.2012.00002269-5 a fim de verificar se o empreendimento de propriedade

da primeira demandada, situado na Rua Nicolau Destri Napoleão, s/n, Bairro Jardim Angélica,

neste Município, denominado "Loteamento Parque das Figueiras", está de acordo com a

legislação ambiental.

Informou que a Fundação do Meio Ambiente de Criciúma

(FAMCRI) licenciou a atividade de implantação do citado loteamento (LAI n. 027/2010, LAI

035/2010 e AUA 026/2011) e, em vistoria realizada em maio de 2012, constatou que, na área

em questão, havia alguns pontos onde ocorreram processos erosivos dentro da área do

empreendimento, formando sulcos na área de preservação permanente e o assoreamento do

curso d' água existente no local.

Ressaltou que a Fundação do Meio Ambiente (FATMA)

também concedeu licença para o citado empreendimento, inclusive para a canalização de

curso d'água (LAP n. 109/2010 e LAI n. 121/2010).

Destacou que, embora a conservação das áreas de

preservação permanente seja condição de validade tanto da Licença Ambiental Prévia

expedida pela FAMCRI quanto da Licença Ambiental de Instalação emitida pela FATMA,

para a constituição de alguns lotes e para a cobertura de algumas das Ruas do

empreendimento denominado "Loteamento Parque das Figueiras", a ré Construtora Locks

Ltda realizou, indevidamente, intervenção ao longo de curso d'água e de nascentes localizadas

dentro da área do empreendimento.

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Afirmou, ainda, que a empresa demandada não observou

as metragens mínimas de distância exigidas para as áreas de preservação permanente (APP)

apontadas no Estudo Ambiental Simplificado apresentado pela própria Construtora Locks

Ltda, tanto em relação aos cursos d'água existentes quanto em relação às nascentes.

Relatou que, por recomendação do Ministério Público, a

FAMCRI notificou a requerida Construtora Locks para que paralisasse suas atividades no

"Loteamento Parque das Figueiras".

No que tange à canalização de cursos d'água dentro do

empreendimento da primeira requerida, o Parquet destacou que o Decreto n. 625/2010,

editado pelo Município de Criciúma para declarar como de utilidade pública a citada obra de

canalização, foi expedido em dissonância com o parecer jurídico elaborado pelo IBAM –

Instituto Brasileiro de Administração Municipal.

Destacou, ao final, que a primeira requerida obteve as

autorizações desejadas sem um estudo de impacto ambiental cabal e sem preencher os

requisitos da Resolução 369/06 do CONAMA, pois a situação em análise, segundo o

Representante Ministerial, não se enquadra como de utilidade pública e tampouco de interesse

social.

Nesse contexto, requereu, em liminar, seja determinado

que a ré Construtora Locks Ltda adote as providências descritas nos itens 1.1 a 1.10 da inicial

(fls. 32/35), destinadas a resguardar as metragens previstas em lei como Áreas de Preservação

Permanente dos cursos d'água e das nascentes encontradas no empreendimento da primeira

requerida, denominado "Loteamento Parque das Figueiras", além de evitar a canalização dos

cursos d'água. Pugnou, ainda, pela decretação da indisponibilidade dos bens pertencentes à

primeira demandada e pela suspensão do Decreto Municipal n. 625/10 e das Licenças

Ambientais destinadas à implantação do citado empreendimento.

Vieram-me os autos conclusos.

DECIDO.

Cuida-se de ação civil pública proposta pelo Ministério

Público do Estado de Santa Catarina, representado pelo Promotor de Justiça em exercício

neste juízo, em face de Construtora Locks Ltda, da Fundação do Meio Ambiente (FATMA) e

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do Município de Criciúma, ao argumento, em suma, de que a primeira requerida teria obtido

licenciamento ambiental para a implantação de um loteamento, situado no bairro Jardim

Angélica, nesta cidade, e que, no local, teria realizado intervenção em Área de Preservação

Permanente, sem observância às normas ambientais, além de ter obtido autorização para

canalização de curso d'água sem obediência aos requisitos previstos na Resolução n. 369/06

do CONAMA, trazendo prejuízos ao meio ambiente.

Como sabido, a ação civil pública tem por escopo a

proteção de interesses difusos ou coletivos.

Para garantir desde logo a preservação dos interesses

tutelados pela ação civil pública, o legislador pátrio previu a possibilidade de concessão de

medida liminar pela Lei n. 7.347/85: "Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com

ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo".

Traz-se a jurisprudência aplicável:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LIMINAR.

CABIMENTO. REQUISITOS PRESENTES. RECURSO IMPROVIDO.

Uma vez demonstrados, em ação civil pública, os requisitos do fumus boni juris e do

periculum in mora, cumpre ao julgador conceder a liminar de que trata o art. 12,

caput, da Lei n. 7.347/85 (LACP). (AI n. 8.251, de Içara, Rel. Juiz Dionízio

Jenczak).

A concessão da medida liminar, portanto, depende da

presença de dois requisitos, quais sejam, o fumus boni juris e o periculum in mora, os quais

passo a analisar.

I) Das áreas de preservação permanente

A Constituição Federal, nos termos do art. 225, garante a

todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, cabendo tanto ao Poder

Público, como à coletividade, o dever de zelar pela sua conservação e preservação, in verbis:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de

uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder

Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e

futuras gerações.

Da mesma forma, a Constituição do Estado de Santa

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Catarina, em razão do princípio da simetria, reproduz em seus artigos 181, 182, incisos III e

V, e 184, inciso I, a norma inserta no art. 225, §1º, inciso IV, da CRFB/88, in verbis:

Art. 181. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-

se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as

presentes e futuras gerações.

Art. 182. Incumbe ao Estado, na forma da lei:

[...]

III - proteger a fauna e a flora, vedadas as práticas que coloquem em risco sua

função ecológica, provoquem extinção de espécie ou submetam animais a

tratamento cruel;

[...]

V - exigir, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de

significativa degradação do meio ambiente, estudos prévios de impacto ambiental, a

que se dará publicidade;

[...]

Art. 184. São áreas de interesse ecológico, cuja utilização dependerá de prévia

autorização dos órgãos competentes homologada pela Assembléia Legislativa,

preservados seus atributos especiais:

I - a Mata Atlântica;

Sabe-se que a legislação pátria impõe uma restrição ao

direito de construir em áreas fronteiriças a cursos d'água naturais e no entorno das nascentes,

estabelecendo um recuo mínimo para a edificação.

Dentro desse limite a área é considerada non aedificandi,

ou seja, não é permitida a edificação por se tratar de faixa de preservação permanente. A

intenção do legislador foi de proteger e preservar os recursos naturais encontrados às margens

de rios, riachos, etc.

Nesse sentido, dispõe o novo Código Florestal (Lei n.

12.651/2012):

Art. 4o Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas,

para os efeitos desta Lei:

I - as faixas marginais de qualquer curso d’água natural, desde a borda da calha do

leito regular, em largura mínima de:

a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de

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largura;

[...]

IV - as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que

seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros;

Tais recuos mínimos já estavam especificados no antigo

Código Florestal (Lei n. 4.771/1965). Veja-se:

Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será: 1 - de 30 (trinta) metros para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura;

[...]

c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados "olhos d'água", qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinquenta) metros de largura;

Conforme consta na Licença Ambiental Prévia - LAP n.

27/2010, concedida pela FAMCRI em favor de Construtora Locks Ltda para implantação do

"Loteamento Parque das Figueiras", "na existência de áreas de APP, estas deverão ser

respeitadas conforme preconiza as legislações vigentes" (fl. 26v).

No mesmo norte, a Licença Ambiental de Instalação – LAI

n. 35/2010, concedida para o mesmo fim, condicionou a validade da autorização para

implantação do empreendimento à preservação, manutenção e/ou revegetação das áreas

definidas como de preservação permanente (fl. 27v), tendo deixado claro que tal condição

visava garantir os preceitos da Lei Federal n. 4.771/1965 (antigo Código Florestal), dentre

eles, obviamente, o do artigo 2º, alhures transcrito, que define o perímetro considerado como

APP.

Embora ciente da condição de validade das licenças

ambientais, a empresa responsável pela obra realizou intervenção não autorizada em Área de

Preservação Permanente, não tendo observado as metragens mínimas exigidas pela legislação

ambiental.

É o que se extrai da planta do loteamento juntada à fl. 478

do Inquérito Civil (volume 3), que demonstra que, em determinadas áreas, apontadas pelo

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Estudo Ambiental Simplificado apresentado pela requerida (Construtora Locks Ltda) como

Áreas de Preservação Permanente (fls. 341/396 do Inquérito Civil), o recuo em relação aos

cursos d'água e nascentes são inferiores a 30 (trinta) ou 50 (cinquenta) metros,

respectivamente.

Ademais, em vistorias realizadas pela FAMCRI no

empreendimento denominado "Loteamento Parque das Figueiras", foram constatadas

irregularidades relacionadas à intervenção em Área de Preservação Permanente.

Em uma primeira ocasião, o órgão ambiental relatou que

"os sedimentos provenientes da erosão dos serviços de terraplanagem, acabaram sendo

carregados pelas chuvas e depositados no leito do córrego que drena a micro bacia local" (fl.

10 do Inquérito Civil).

No Parecer Técnico n. 274/2012, que noticia nova vistoria,

realizada em 8-5-2012, a FAMCRI informou que "a área em questão possui alguns pontos

onde ocorreram processos erosivos (FIGURA 01), formando sulcos com profundidade

aproximada de cinquenta centímetros. Devido a esse fenômeno, verificamos que uma parte

do solo está sendo transportada e depositada sobre as Áreas de Preservação Permanente,

inclusive causando assoreamento dos cursos d'água" (grifei) (fl. 22 do Inquérito Civil).

O parecer veio acompanhado do relatório fotográfico de

fls. 23/25, que deixa evidente a irregular intervenção em Área de Preservação Permanente,

inclusive o assoreamento de cursos d'água.

Verifica-se, ainda, que por recomendação do Ministério

Público Estadual, a FAMCRI notificou a empresa Construtora Locks Ltda para o imediato

embargo da obra, sendo a requerida notificada em 21-6-2012 (fl. 61 do IC).

Não bastasse, observo que a própria empresa responsável

pelas obras no loteamento (primeira requerida), ao responder à proposta de Termo de

Ajustamento de Conduta, realizada pelo Parquet, reconheceu que, na fase de terraplanagem

do empreendimento, em função de chuvas torrenciais, houve o carregamento de materiais

(argilas e sedimentos) para o curso d'água, e que não houve a remoção do material em virtude

do embargo da obra (fl. 834 do IC).

A primeira requerida tanto reconhece a indevida

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intervenção em Área de Preservação Permanente que, ainda em manifestação sobre a proposta

de Termo de Ajustamento de Conduta, afirmou que realizaria o Plano de Recuperação de Área

Degradada (PRAD), tendo apenas solicitado a adoção de prazos diferenciados (fl. 835 do IC).

Parece claro, portanto, que as obras de implantação do

Loteamento Parque das Figueiras, de responsabilidade da primeira requerida, estão em

desacordo com a legislação ambiental no que pertine à preservação e manutenção de Áreas de

Preservação Permanente.

Assim, no que se refere ao pleito relacionado ao resguardo

das metragens mínimas previstas em lei como Área de Preservação Permanente, presente o

fumus boni juris.

Do mesmo modo, o perigo da demora exsurge da

premente necessidade de se evitar intervenções mais agressivas ao meio ambiente em caso de

a primeira requerida dar continuidade às obras no loteamento situado na Avenida Nicolau

Destri Napoleão, nesta cidade, o que, além de aumentar a degradação, certamente poderia

ensejar danos de difícil recuperação.

II) Da canalização do curso d'água

No que tange à canalização de curso d'água, segundo

narrado na exordial, a Construtora Locks Ltda obteve autorização para tal obra sem um estudo

de impacto ambiental cabal e sem preencher os requisitos da Resolução n. 369/2006 do

CONAMA, fundada em situação que, segundo o Representante Ministerial, não se enquadra

dentre os casos excepcionalíssimos de utilidade pública.

De fato, observa-se que a FATMA emitiu licenças

ambientais (Prévia e de Instalação) em favor da empresa Construtora Locks (fls. 33/39 do IC)

para a atividade de canalização de cursos d'água no bairro Jardim Angélica, em 8-11-2010 e

23-11-2010, com prazo de validade de 24 meses, tendo por base Parecer Técnico da Secretaria

Municipal do Sistema Viário e o Decreto Municipal n. 625/10, que declarou de utilidade

pública a intervenção na área de projeto para implantação do sistema de drenagem pluvial no

Loteamento Parque das Figueiras (fls. 574/575 do IC).

Em conformidade com a Resolução CONSEMA N.

001/2006 (Anexo I), a canalização de cursos d'água é considerada atividade

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potencialmente causadora de degradação ambiental (33.13.08).

Além de exigir o licenciamento do órgão ambiental, a

atividade de canalização de cursos d'água somente pode ser autorizada em casos excepcionais,

definidos na Resolução CONAMA n. 369/2006, pois envolve a intervenção ou supressão de

vegetação em Área de Preservação Permanente.

Uma dessas hipóteses restritas de intervenção ou supressão

em APP é o caso da utilidade pública, sendo que esta pode ser verificada, dentre outros casos,

em relação às obras essenciais de infra-estrutura destinadas aos serviços públicos de

transporte, saneamento e energia (art. 2º, inciso I, alínea "b", da Resolução CONAMA n.

369/2006). Veja-se:

Art. 2: O órgão ambiental competente somente poderá autorizar a intervenção ou supressão de vegetação em APP, devidamente caracterizada e motivada mediante procedimento administrativo autônomo e prévio, e atendidos os requisitos previstos nesta resolução e noutras normas federais, estaduais e municipais aplicáveis, bem como no Plano Diretor, Zoneamento Ecológico-Econômico e Plano de Manejo das Unidades de Conservação, se existentes, nos seguintes casos:I - utilidade pública:a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária; b) as obras essenciais de infra-estrutura destinadas aos serviços públicos de transporte, saneamento e energia;[...]

Verifica-se que o projeto de implantação do sistema de

canalização foi aprovado pelo Município de Criciúma por considerar que as obras de

infraestrutura eram necessárias para “garantir a saúde da população local, uma vez que ficou

caracterizado como águas servidas que exala mau cheiro, proliferam insetos, atraem animais

considerados vetores de transmissão de doenças infecciosas” (fl. 35 do IC).

O Parecer Técnico da Secretaria Municipal do Sistema

Viário ressalta a existência de grande contaminação dos cursos d'água existentes dentro da

área do Loteamento Parque das Figueiras, decorrente do escoamento das águas pluviais que

recebem efluentes do sistema de tratamento de esgoto doméstico das residências localizadas

nos loteamentos do Jardim Angélica e do Loteamento Santo Aníbal, o que tornaria, segundo o

ente municipal, de interesse público a tubulação dos canais de drenagem cujas águas estão

contaminadas, como medida de proteção à saúde pública (fls. 474/475 do IC).

Contudo, em que pese o fato de ter sido invocada a

proteção da saúde pública como justificativa para a obra de canalização de cursos d'água,

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observo que o procedimento para declaração de utilidade pública foi deveras simplificado, pois

baseado, essencialmente, no pedido da empreendedora (Construtora Locks Ltda.) e em

Parecer Técnico da Secretaria Municipal do Sistema Viário, subscrito pelo Secretário do

Sistema Viário e por um Engenheiro Sanitarista, aparentemente sem uma avaliação técnica do

ente municipal acerca do impacto ambiental da obra de canalização, a qual, como já

mencionado, é considerada atividade potencialmente causadora de degradação ambiental.

As licenças ambientais concedidas pela FATMA para a

canalização de cursos d'água no loteamento em questão, por sua vez, utilizaram como

principal parâmetro para o deferimento da realização da obra o Parecer Técnico da Secretaria

Municipal do Sistema Viário, mencionado alhures, e o Decreto Municipal n. 625/10, que

reconheceu o interesse público na intervenção para implantação do sistema de drenagem

pluvial do Loteamento Parque das Figueiras (fls. 33/38 do IC).

O que se verifica, em uma análise de cognição sumária, é

que, embora tenha sido constatada grande contaminação dos cursos d'água existentes dentro

da área do Loteamento Parque das Figueiras, decorrente do despejo de efluentes do sistema de

tratamento de esgoto doméstico das residências localizadas no entorno, não foi justificada a

impossibilidade de o empreendedor corrigir, às suas expensas, as condições sanitárias do

terreno, para que a implantação do loteamento fosse realizada sem a intervenção em Área de

Preservação Permanente.

Pairam dúvidas, portanto, se há, de fato, utilidade pública

na obra de canalização de cursos d'água no empreendimento da empresa Construtora Locks,

situado na Rua Nicolau Destri Napoleão, no bairro Jardim Angélica, nesta cidade, pois, em

um primeiro momento, o maior interesse que advém da realização de tal obra é o econômico,

da empreendedora (primeira ré), principal interessada em dar prosseguimento à implantação

do Loteamento Parque das Figueiras.

Tanto é duvidosa a regularidade da autorização para

canalização de cursos d'água que a própria empresa requerida, Construtora Locks Ltda, em

petição encaminhada ao Ministério Público nos autos do Inquérito Civil, afirmou que a obra,

embora licenciada pela FATMA, não foi realizada em respeito ao entendimento da 9ª

Promotoria de Justiça desta Comarca (fl. 835 do IC).

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Presente, pois, a fumaça do bom direito.

Ademais, entendo que a pretensão inicial – de se manter

suspensa a autorização para canalização de cursos d'água no empreendimento da primeira

requerida – é a medida adequada para se evitar maior prejuízo ao meio ambiente, sobretudo se

considerado o fato de que, em caso de início das obras de canalização, atividade

potencialmente causadora de degradação ambiental, a pretensão inicial ficaria em parte

prejudicada na hipótese de, ao final, serem julgados procedentes os pedidos do Ministério

Público, pois o dano ambiental, provavelmente, se tornaria irreversível.

Mutatis mutandis, é oportuno registrar que, para a

concessão de liminar em matéria ambiental, é dispensável a comprovação efetiva do dano

ambiental, bastando haver elementos que revelem a probabilidade de o meio ambiente restar

afetado, notadamente em virtude dos princípios da prevenção e da precaução.

Destarte, presentes os pressupostos legais, traduzidos,

essencialmente, na fumaça do bom direito e no perigo da demora, tem o requerente direito

subjetivo à concessão da liminar pleiteada.

Contudo, necessário ressalvar que não se faz necessária a

suspensão da Licença Ambiental Prévia n. 109/2010 e da Licença Ambiental de Instalação n.

121/2010, concedidas para a atividade de canalização de curso d'água, pois foram expedidas

em novembro de 2010, com prazo de validade de 24 meses, estando, portanto, vencidas.

Por derradeiro, no tocante ao pedido de indisponibilidade

de bens móveis e imóveis pertencentes à requerida, bem como depósito judicial das quantias

recebidas pelas alienações das unidades do loteamento, entendo não ser o caso de

acolhimento.

No caso sub judice, encontra-se prejudicado tal pleito,

porquanto nem houve, ainda, o dimensionamento dos valores percebidos com as vendas dos

lotes do empreendimento em questão, necessários para assegurar eventual ressarcimento dos

consumidores adquirentes de tais lotes e/ou lesados pelo ato levado a cabo pela requerida. De

qualquer forma, tratando-se de uma sociedade empresarial, temerário tornar indisponíveis

todos os seus bens móveis e imóveis, bem como depósitos judiciais de quantias recebidas, sob

pena de inviabilizar a própria atividade da demandada.

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Diante do exposto, DEFIRO EM PARTE o pedido de

liminar para determinar:

I – que a requerida Construtora Locks Ltda:

I.a) promova a adequação do empreendimento localizado

na Rua Nicolau Destri Napoleão, bairro Jardim Angélica, nesta Cidade, denominado

"Loteamento Parque das Figueiras", à legislação ambiental vigente, levando-se em conta, para

tanto, o Estudo Ambiental Simplificado contratado pela demandada (fls. 341/396 do IC);

I.b) realize, no prazo de 60(sessenta) dias, Plano de

Recuperação de Área Degradada (PRAD), por responsável técnico habilitado, acompanhado

de Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), objetivando a recomposição das Áreas de

Preservação Permanente em que ocorreram intervenção, sobretudo ao longo de curso d'água e

nascentes localizadas na área do empreendimento, sendo sujeito à aprovação da FAMCRI,

levando-se em conta, para tanto, o Estudo Ambiental Simplificado contratado pela demandada

(fls. 341/396 do IC), e implante o Plano de Recuperação de Área Degradada assim que

aprovado pelo órgão ambiental competente;

I.c) mantenha as Áreas de Preservação Permanente isentas

de demais destruições, removendo a argila/sedimentos depositados indevidamente no leito do

córrego e das nascentes, bem como de parte da via de circulação asfáltica próxima de

nascentes e cursos d'água, alterando o trajeto daquelas Ruas que se encontram em Área de

Preservação Permanente, adotando o afastamento da margem do córrego em 30 (trinta) metros

e das nascentes em 50 (cinquenta) metros, com a consequente recuperação do remanescente;

I.d) não realize nenhuma obra referente à implantação do

projeto de canalização de cursos d'água dentro da área do loteamento;

I.e) submeta novamente à aprovação do empreendimento

denominado "Loteamento Parque das Figueiras" ao Município de Criciúma e à Fundação do

Meio Ambiente depois de realizadas as alterações acima determinadas;

I.f) se abstenha de realizar vendas, promessas de vendas

ou de efetuar quaisquer negócios jurídicos que manifestem a intenção de vender quaisquer dos

lotes que integram o empreendimento denominado "Loteamento Parque das Figueiras", bem

como de fazer a respectiva publicidade, e ainda de receber prestações, vencidas e vincendas,

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previstas nos contratos já celebrados e relativas aos respectivos lotes, enquanto não houver

ocorrido o julgamento desta ação civil pública, devendo, para tanto, ser expedidos ofícios às

imobiliárias que estão comercializando os lotes pertencentes ao referido empreendimento e ao

Oficial do Registro de Imóveis de Criciúma, informando o ajuizamento desta demanda, a fim

de que não realize qualquer registro envolvendo o empreendimento denominado "Loteamento

Parque das Figueiras" (matrículas n. 40.380, 40.381 e 40.382);

I.g) apresente em juízo todos os contratos já celebrados

com os adquirentes dos lotes do "Loteamento Parque das Figueiras";

I.h) coloque duas placas nas vias principais de acesso do

"Loteamento Parque das Figueiras", metragem 4x2m, anunciando o ajuizamento desta ação

civil pública, bem como o seu objeto;

II – ainda em caráter liminar:

II.a) seja promovida a averbação da citação desta ação à

margem das matrículas n. 40.380, 40.381 e 40.382;

II.b) seja suspenso o Decreto Municipal n. 625/10 (fls.

574/575 do IC) e eventuais licenças ambientais decorrentes do citado decreto que estejam em

vigência, com o fim de impossibilitar a realização de obra, serviço, limpeza de vegetação,

supressão, deslocamento ou qualquer outro ato que importe em modificação do estado atual

na área em discussão, até decisão final nesta ação.

Fixo multa diária de R$ 2.000,00 (dois mil reais) para a

hipótese de descumprimento de qualquer uma das determinações estabelecidas, a ser revertida

em prol do Fundo de Reconstituição dos Bens Lesados.

Expeça-se mandado para cumprimento da liminar.

Citem-se com as advertências legais.

Intimem-se.

Criciúma (SC), 18 de novembro de 2013.

Fernanda Pereira Nunes Juíza Substituta