Decisão 2014 MPF RO CONTRA A ANA

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PODER JUDICIÁRIO JUSllÇA FECERAL SEÇÃO JUDICIÁRIA DE RONDÕN1A S~ VARA FEDERAL AMBIENTAL E AGRÁRIA Autos n. 15075-45.2014.4.01.4100 CLASSE N° 7100 - AÇÃO CIVIL PÚBLICA Autor Ministério Público Federal Réu Agência Nacional de Águas - ANA DECISAO Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra a AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS - ANA, com pedido de concessão de tutela antecipada para ordenar á ré que se abstenha de emitir Declaração de Reserva de Disponibilidade Hídrica (DRDH) e sua conversão em outorga nos processos de lícenciamento ambiental de empreendimento na bacia do Rio Madeira (integrada também pelas bacias dos rios Guaporé, Mamoré, Abunã, Jamari e Machado ou Ji-Paraná) até a aprovação pelo Comitê de Bacia de seu respectívo Plano de Recursos Hídricos. Afirma, em sintese, que é o Comitê de Bacia Hidrográfica, formado por representantes do Poder Público, dos usuários e da sociedade cívil local, em articulação com a Agência de Águas, que possui competência para deliberar sobre a forma pela qual se dará o uso da água de uma bacia hidrográfica. Instrui a peça vestibular com os documentos de fls. 25/109. Despacho diferindo a análise da liminar para após as informações prestada pela Agência Nacional de Águas - ANA (fI. 111). A Agência Nacional de Águas - ANA apresentou informações (fls. 116/139), aduzindo preliminarmente a sua ilegitimidade passiva e pleiteando que seja negada a concessão da antecipação dos efeitos da tutela, dado que íncoerentes os seus pressupostos e mormente em decorrência do periculum in mora inversum. É o breve relatório. Decido. Inicialmente afasto a arguição de ilegitimidade passiva arguida pela' I Agência Nacional de Águas - ANA, visto que o objeto dos ~utos não abrange /1' instituição de Comitê de Bacia pela Agência Nacional de Aguas - ANA, como explanado pela referida agência, e sim à emissão de Declaração de Reserva d 1

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PODER JUDICIÁRIOJUSllÇA FECERALSEÇÃO JUDICIÁRIA DE RONDÕN1AS~VARA FEDERAL AMBIENTAL E AGRÁRIA

Autos n. 15075-45.2014.4.01.4100

CLASSE N° 7100 - AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Autor Ministério Público Federal

Réu Agência Nacional de Águas - ANA

DECISAO

Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO

FEDERAL contra a AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS - ANA, com pedido de

concessão de tutela antecipada para ordenar á ré que se abstenha de emitir

Declaração de Reserva de Disponibilidade Hídrica (DRDH) e sua conversão em

outorga nos processos de lícenciamento ambiental de empreendimento na bacia do

Rio Madeira (integrada também pelas bacias dos rios Guaporé, Mamoré, Abunã,

Jamari e Machado ou Ji-Paraná) até a aprovação pelo Comitê de Bacia de seu

respectívo Plano de Recursos Hídricos.

Afirma, em sintese, que é o Comitê de Bacia Hidrográfica, formado

por representantes do Poder Público, dos usuários e da sociedade cívil local, em

articulação com a Agência de Águas, que possui competência para deliberar sobre a

forma pela qual se dará o uso da água de uma bacia hidrográfica.

Instrui a peça vestibular com os documentos de fls. 25/109.

Despacho diferindo a análise da liminar para após as informações

prestada pela Agência Nacional de Águas - ANA (fI. 111).

A Agência Nacional de Águas - ANA apresentou informações (fls.

116/139), aduzindo preliminarmente a sua ilegitimidade passiva e pleiteando que seja

negada a concessão da antecipação dos efeitos da tutela, dado que íncoerentes os

seus pressupostos e mormente em decorrência do periculum in mora inversum.

É o breve relatório. Decido.

Inicialmente afasto a arguição de ilegitimidade passiva arguida pela' IAgência Nacional de Águas - ANA, visto que o objeto dos ~utos não abrange /1'instituição de Comitê de Bacia pela Agência Nacional de Aguas - ANA, como

explanado pela referida agência, e sim à emissão de Declaração de Reserva d

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PODER JUDICIÁRIOJUSTlÇA FEDERALSEÇÃO JUDICIÁRIA DE RONOONIAse VARA FEDERAL AMBIENTAL E AGRÁRIA

Autos n. 15075-45.2014.4.01.4100

Disponibilidade Hidrica (DRDH), de competência da Agência Reguladora requerida, a

qual inclusive vem exercendo tal atribuição.

Feita esta consideracão, passo á análise da matéria.

o provimento antecipatório se sujeita á verificação conjunta da

reversibilidade de seus efeitos, da verossimilhança do direito alegado, do fundado

receio de dano, do abuso de direito de defesa ou manifesto interesse protelatório do

réu. Basta, portanto, que apenas um dos citados pressupostos não seja observado

para que se frustre a possibilidade de sua concessão.

No caso sub judice, não verifico a presença dos requisitos

autorizadores da liminar requerida (plausibilidade jurídica e risco de ineficácia da

medida se deferida somente ao final desta ação).

É sabido que o meio ambiente tem proteção especial na Constituição

Federal, cabendo ao poder público, bem assim á coletividade, o dever de defender o

meio ambiente, adotando todas as providências indispensáveis para assegurar um

ambiente ecologicamente equilibrado, preservando-o, dessa forma, para as gerações

presentes e futuras.

Além disso, os princípios informadores do Direito Ambiental

(mormente a prevenção e a precaução do dano) impõem imediata adoção de medidas

destinadas a impedir a ocorrência de dano ao meio ambiente, ou pelo menos minorá-

lo, que não podem ser postergadas, ainda que sob a escusa de dúvida quanto á

periculosidade da atividade desenvolvida pela ação do homem.

Pois bem, o caso dos autos diz respeito quanto á participação da

população quanto á deliberação sobre a forma pela qual se dará o uso da água de

uma bacia hidrográfica.

De acordo com o parágrafo segundo do art. 12, da Lei n. 9.433/1997,

que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos:

"A outorga e a utilização de recursos hídricos para fins de geração de

energia elétrica estará subordinada ao Plano Nacional de Recursos

Hídricos, aprovado na forma do disposto no inciso VIII do art. 35 desta

Lei, obedecida a disciplina da legislação setorial específica".

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POOERJUDlCIÁRIOJUSllÇA FEDERALSEÇÃO JUDICIÁRIA DE RONDÔNIA6&VARA FEDERAL AMBIENTAL E AGRÁRIA

Autos n. 15075-45.2014.4.01.4100

A Lei n. 9.984/2000 que dispõe sobre a criação da Agência Nacional

de Águas - ANA, estabelece que:

"Art. 4° A atuação da ANA obedecerá aos fundamentos, objetivos,

diretrizes e instrumentos da Politica Nacional de Recursos Hídricos e

será desenvolvida em articulação com órgãos e entidades públicas e

privadas integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de

Recursos Hidricos, cabendo-lhe:

(...)

IV - outorgar, por intermédio de autorização, o direito de uso de

recursos hídricos em corpos de água de domínio da União, observado

o disposto nos arts. 5°, 6°, 7° e 8°;

(...)

Art. 6° A ANA poderá emitir outorgas preventivas de uso de recursos

hidricos, com a finalídade de declarar a disponíbilidade de água para

os usos requerídos, observado o disposto no art. 13 da Lei no 9.433,

de 1997.

~ 1° A outorga preventiva não confere direito de uso de recursos

hídricos e se destina a reservar a vazão passível de outorga,

possibilitando, aos investidores, o planejamento de empreendimentos

que necessitem desses recursos.

~ 2° O prazo de validade da outorga preventiva será fixado levando-se

em conta a complexidade do planejamento do empreendimento,

limitando-se ao máximo de três anos, findo o qual será considerado o

disposto nos incisos I e 11do art. 50.

Art. 7° Para licitar a concessão ou autorizar o uso de potencial de

energia hidráulica em corpo de água de dominio da União, a Agêncía -

Nacional de Energia Elétrica - ANEEL deverá promover, junto à ANA,

a prévia obtenção de declaração de reserva de disponibilidade

hídrica.

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Autos n. 15075-45.2014.4.01.4100

~ 10 Quando o potencial hidráulico localizar-se em corpo de água de

domínio dos Estados ou do Distrito Federal, a declaração de reserva

de disponibilidade hídrica será obtída em articulação com a respectiva

entidade gestora de recursos hídricos.

~ 20 A declaração de reserva de disponibilidade hidrica será

transformada automatícamente, pelo respectivo poder outorgante, em

outorga de direito de uso de recursos hídricos à instituição ou

empresa que receber da ANEEL a concessão ou a autorização de uso

do potencial de energia hidráulica".

Como se verifica, cabe à ANA autorizar o uso dos recursos hídricos,

por meio de outorgas preventivas, as quais não conferem direitos de uso de recursos

hidricos, vez que apenas se destina a reservar a vazão passível de outorga e

possibilitar aos investidores o planejamento de empreendimentos.

Além disso, insta mencionar que a concessão ou autorização de uso

de potencial de energia elétrica, torna-se necessário que a ANEEL, deve promover

junto à ANA a prévia obtenção de declaração de reserva de disponibilidade hídríca.

o art. 5° da Resolução n. 145 do Conselho Nacional de Recursos

Hídrícos disciplina que:

"Art. 5° Em bacias e regiões hidrográficas onde ainda não existam

Comitês de Bacia Hidrográfica que abranjam a totalidade dessas

áreas, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos, ou o respectivo

Conselho Estadual, decidirá pela elaboração dos Planos de Recursos

Hídricos de Bacias Hidrográficas contemplando estas bacias e

regiões".

Com isso, o plano de bacia não deve ficar vinculado à existência do

Comitê, sendo perfeitamente possível a concepção de um plano sem a atuação de'

um Comitê de Bacia.

Impende ainda elucidar que conforme notícia extraída do site do

Ministério do Meio Ambiente, o Plano Nacional de Recursos Hidricos - PNRH foi

aprovado pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos:

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Autos n. 15075-45.2014.4.01.4100

"O Plano Nacional de Recursos Hidricos (PNRH), estabelecido pela

Lei nO 9.433/97, é um dos instrumentos que orienta a gestão das

águas no Brasil. O conjunto de diretrizes, metas e programas que

constituem o PNRH foi construído em amplo processo de mobilização

e participação social. O documento final foi aprovado pelo Conselho

Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) em 30 de janeiro de 2006.

(http://www.mma.gov.br/ag ua/recu rsos-h idricos/p Iano-n acio naI-de-

recursos-hidricos)" .

Como se verifica, a participação popular restou resguardada quando

da aprovação do PNRH, mormente em decorrência da composição do CNRH, o qual

é composto por vários representantes da sociedade, conforme se depreende no art.

2° do Decreto n. 4.613/2003.

Nesse contexto, em decorrência da participação social na aprovação

do PNRH e ante a emissão da Declaração de Reserva de Disponibilidade Hidrica

(DRDH), não conferir direitos de uso de recursos hidricos, não vislumbro

plausibilidade jurídica e fundado receio de dano irreparável.

Ademais, resta caracterizado o periculum in mora inversum, vez que,

confonnne explanado pela Agência Nacional de Águas - ANA, a concessão da

antecipação da tutela ocasionará prejuizo irreversivel a toda sociedade, pois pode

fragilizar o país, sob o ponto de vista hídrico, visto que o instrumento de outorga

possibilita aos gestores de recursos hídricos regularizarem a utilização da água eterem a dimensão dos usos quantitativo e qualitativos para exercerem a guarida

devida aos usos múltiplos.

Porto Velho/RO, 17

HERCULANO MARTIN~

Juiz Federal

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