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Desafios da Saúde Pública e Privada no Estado de São Paulo Perpectivas da Assistência para a População de Idosos Quais as Perspectivas para as Operadoras de Planos de Saúde? Obesidade e os Impactos no Sistema de Saúde Debates GVsaúde Revista do GVsaúde da FGV-EAESP | Volume 16 | Janeiro/Dezembro de 2014 | ISSN: 2316-6657 www.fgv.br/gvsaude

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Desafi os da saúde Pública e Privada no estado de são Paulo

Perpectivas da assistência para a População de Idosos

Quais as Perspectivas para as operadoras de Planos de saúde?

obesidade e os Impactos no sistema de saúde

Debates gVsaúdeRevista do GVsaúde da FGV-EAESP | Volume 16 | Janeiro/Dezembro de 2014 | ISSN: 2316-6657 www.fgv.br/gvsaude

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Debates gVsaúdeRevista do GVsaúde da FGV-EAESP | Volume 16 | Janeiro/Dezembro de 2014 | ISSN: 2316-6657 www.fgv.br/gvsaude

CoordenadoresAna maria malik

Álvaro Escrivão Junior

Professores AssociadosCarolina Lopes Zanata, Djair Picchiai, Evandro Penteado Villar Felix, Laura maria Cesar

Schiesari, Luciano Eduardo maluf Patah, Lucila Pedroso da Cruz, Luiz Tadeu Arraes Lopes, márcio Vinícius Balzan, maria Laiz Zanardo, Pubenza Lopes Castellanos, Valéria Terra, Vanessa

Sayuri Chaer Kishima, Walter Cintra, Wilson rezende Silva

OrganizadoresAna maria malik

Cinthia Costa

ApoioLeila Dall’AcquaMariana Moura

Projeto EditorialCris Tassi Design Gráfi co

Ediçãomaria Teresa Fontes marques

Agradecimentoso GVsaúde agradece aos debatedores e moderadores que compartilharam sua experiência com

a comunidade acadêmica e público geral dos Debates GVsaúde.Agradecemos às instituições parceiras que nos apoiaram na realização dos Debates, SindHosp (Sindicato dos Hospitais,Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo) e Fehoesp (Federação

dos Hospitais, Clinicas e Laboratórios do Estado de São Paulo).

A revista reproduz as apresentações dos debatedores do 18º e 19º Semestre de Debates GVsaúde, realizado na FGV-EAESP, entre março e outubro de 2014. Distribuição de circuito interno.

Os textos assinados são de responsabilidade de seus autores e não refl etem, necessariamente, a opinião da revista.

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SumárioPonto de Vista 5 Ana Maria Malik FGV-EAESP/GVsaúde

Desafios da Saúde Pública e Privada no Estado de São Paulo

Álvaro Escrivão Junior 7 FGV-EAESP/GVsaúde

Renilson Rehem 8 Hospital da Criança de Brasília José Alencar

Sergio Ricardo Rodrigues de Almeida Santos 13 Amil

Perpectivas da Assistência para a Polpulação de Idosos

Márcio Vinícius Balzan 18 FGV-EAESP/GVsaúde

Denise Rodrigues Eloi 19 União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde – UNIDAS

Yeda Aparecida de Oliveira Duarte 26 Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo

Quais as Perspectivas para as Operadoras de Planos de Saúde?

Wilson Rezende 34 FGV-EAESP/GVsaúde

Arthur Barrionuevo Filho 35 FGV-EAESP

Marcelo Marques Moreira Filho 42 Grupo Notredame Intermédica

Obesidade e os Impactos no Sistema de Saúde

Álvaro Escrivão Junior 52 FGV-EAESP/GVsaúde

Paulo Andrade Lotufo 53 Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica da Universi-dade de São Paulo

Patricia Constante Jaime 60 Ministério da Saúde

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de 2015, revendo os textos da nossa Revis-ta, chamou minha atenção a oportunidade dos temas escolhidos para os Debates, con-

siderando o ocorrido no ano em curso.

Ponto de Vista

nEStE FInAL Ana Maria Malik

FGV-EAESP/GVsaúde

A primeira discussão do ano foi sobre os desafios para a saúde no Estado de São Paulo, no setor público e no privado. Entre nossos convidados a falar dos desafios pú-blicos estavam um ex-secretário adjunto da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES), atualmente dirigente de um hospital filantrópico em Brasília, com passagens por todos os níveis de gestão do setor, Renilson Rehem. Pelo setor privado tivemos um diretor da Amil, operadora de saúde que deu início à entrada de empresas estrangerias nesse mercado, Sergio Ricardo Rodrigues de Almeida Santos. Chamou a atenção dos assistentes o quanto ambos apresentaram as redes assistenciais como, simultaneamen-te, o grande desafio e a grande alternativa. Nosso moderador foi o vice-coordenador do GVsaúde, Álvaro Escrivão Junior, conhecido sanitarista e pesquisador da área de assistência suplementar.

A segunda foi sobre as perspectivas da assistência para a população idosa. O envelhecimento acentuado da população não é mais uma tendência, mas se tornou uma realidade, que aumenta a necessidade de utilização de serviços, mas não mais os serviços que conhecemos e que se desenvolveram por toda a segunda metade do século XX. Convidamos para falar sobre as características dessa população uma pesquisado-ra da USP (Faculdades de Saúde Pública e de Enfermagem), uma das autoras de um projeto sobre Saúde, Bem Estar e Envelhecimento (Sabe), Yeda Aparecida de Oliveira Duarte. Nossa outra convidada, Denise Rodrigues Eloi, presidia, à época, a UNiDAS, associação que reúne operadoras de saúde da modalidade de autogestão. Consideramos oportuno selecionar este tipo de operadora naquele momento porque, num cenário onde os custos são crescentes, abordar o tema com quem não tem como prioridade o resultado financeiro é mais propício à discussão sobre assistência propriamente dita. Marcio Vinícius Balzan, pesquisador associado do GVsaúde, médico com atividade as-sistencial e ligado à gestão de operadoras, moderou o debate, em razão do seu inegável conhecimento das diferentes facetas do setor.

No segundo semestre de 2014 ousamos falar sobre as perspectivas para as opera-doras de planos de saúde. Afinal, o mercado estava começando a se agitar com mais fusões e aquisições, levando à preocupação com uma maior concentração no setor. Marcelo Marques Moreira Filho, que já havia participado de fusões e aquisições no se-tor, em outro segmento (o de diagnóstico), agora estava no grupo NotreDame intermé-dica, adquirido de seu antigo proprietário e vivendo um novo modelo de governança. O outro debatedor foi o professor de economia da Escola de Administração de Empre-

Editorial

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sas de São Paulo (EAESP), Arthur Barrionuevo Filho, estudioso das concentrações de mercado e da regulação, entre outras, na área da saúde e que fez uma análise do que poderia acontecer com o setor em termos de eficiência, discussão certamente não es-gotada. Moderou o debate o pesquisador associado do GVsaúde e professor de cursos corporativos Wilson Rezende.

Encerramos o ano discutindo um dos mais graves problemas de saúde e sociais do mundo, que afeta sem distinção e cada vez mais crianças, jovens, adultos e ido-sos, em países desenvolvidos e em desenvolvimento, levando a consequências para a saúde da população e para os custos dos sistemas de saúde e mercado de trabalho: a obesidade e seus impactos. A apresentação que serviu para situar o problema foi fei-ta pelo médico clínico, epidemiologista e professor titular da Faculdade de Medicina da USP Paulo Andrade Lotufo. Quem nos ajudou a conhecer os programas colocados em prática pelos setores público e privado foi Patricia Constante Jaime, nutricionista de formação e, à época, coordenadora de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde. Moderou a polêmica sessão de perguntas e respostas Álvaro Escrivão Junior.

Esses quatro temas estão em plena discussão em 2015. Há cada vez mais progra-mas e polêmicas relacionados a nutrição, com inúmeros vilões em campo. idosos e pacientes com doenças crônicas vêm sendo assunto inesgotável de debates e estudos. O futuro das fusões e aquisições no setor de saúde está longe de ser resolvido, ainda mais na situação econômica por que passa o país. Quanto aos desafios para a saúde, aparentemente fica cada vez mais difícil separar com clareza o que é do setor público e o que é do privado.

Que a leitura lhes suscite dúvidas e interesse em se aprofundar! Este é nosso objetivo.

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E para essa discussão nós temos a satisfação de receber, e já agradecemos, dois debatedores, que vou apresentar. O primeiro é o dr. Renilson Rehem de Sou-za, que é o gestor do Hospital da Criança de Brasília José Alencar. O Renilson é mé-dico formado pela Universidade Federal da Bahia e atualmente é diretor executivo do Hospital da Criança. Tem mestrado em administração pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a UERJ. E o Renilson é um grande batalhador da saú-de coletiva, da saúde pública do Brasil. Ocupou vários cargos: foi secretário esta-dual de saúde da Bahia, atuou no inamps, no Ministério da Saúde, foi secretário da Secretaria de Atenção à Saúde (SAS), no Ministério da Saúde, e secretário-adjun-to aqui na Secretaria de Estado da Saú-de de São Paulo. E como especialista em saúde pública pela Fundação Oswaldo Cruz, a Fiocruz, em planejamento de re-cursos humanos, e também planejamen-to de recursos humanos pela Universi-dade Federal do Ceará, em parceria com a Organização dos Estados Americanos (OEA), presta consultoria para o Conse-lho Nacional de Secretários da Saúde, o CONASS e organismos internacionais

Debates de 2014, o 18º Semes-tre de Debates GVsaúde, vamos discutir “Os desafios da saúde

pública e da saúde privada no Estado de São Paulo”, e mais que os desafios, as con-quistas do sistema de saúde.

nEStE PRIMEIRO

como a OPAS, o BiD e o Banco Mundial. Então nós temos uma pessoa que tem to-das as condições de conduzir essa discus-são sobre os desafios da saúde pública no Estado de São Paulo.

Nós também teremos aqui como de-batedor o dr. Sérgio Ricardo Rodrigues de Almeida Santos, que é médico pneumolo-gista, ex-coordenador do Grupo de Apoio à Prevenção e Cessação do Tabagismo, da disciplina pneumologia da Unifesp; ex-coordenador da Comissão do Tabagismo da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia; com doutorado em ciências da saúde na Unifesp. Cursou também o Health Care Delivery, na Harvard Bu-siness School, e recentemente concluiu a pós-graduação de negócios em saú-de aqui pela escola, FGV-EAESP. O dr. Sérgio Ricardo é diretor técnico assisten-cial da rede nacional de serviços próprios da Amil, onde participa da coordenação de 26 hospitais e aproximadamente 350 unidades ambulatoriais. Então, com cer-teza, o dr. Sérgio vai ter todas as condi-ções de nos apontar quais são os desafios da saúde privada, mais especialmente na saúde suplementar, que é onde ele está militando no momento.

Desafio da Saúde Pública e Privada no Estado de São Paulo

moDeRaDoR

Álvaro Escrivão Junior

FGV-EAESP

Debate 26/03/2014

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Habitualmente, fazemos uma enorme distinção – a área pública é uma coisa e a área privada é outra. Mas, eu creio, pen-sando sobre esses desafios, que os mais importantes são comuns. E quais são os desafios? O primeiro deles é o aumento dos custos, que é comum às duas áreas. Além disso, tanto o setor público quan-to o setor privado têm que enfrentar: as vantagens e os desafios decorrentes do envelhecimento da população, a incorpo-ração de novas tecnologias, a inadequa-ção do modelo assistencial, a carência de recursos humanos qualificados, as difi-culdades em relação ao financiamento e à qualidade da gestão.

Se for feita uma pesquisa, tanto no setor público como no setor privado, sobre quais são os desafios, entendo que esses segura-mente estarão entre os dez principais, e isso não é exclusividade de uma área ou outra.

Falando especificamente sobre os de-safios da saúde pública, eu diria que o nú-mero um é constituir um sistema estadual de saúde. Primeiramente, é inegável que a descentralização e a municipalização que ocorreram nessas duas últimas dé-cadas foram positivas, mas, sem dúvida, também trouxeram certa fragmentação do sistema, pois, na verdade, a descentra-lização, ao mesmo tempo que construiu a universalidade, que é um princípio fun-damental do SUS (Sistema Único de Saú-de), dificultou a integralidade. Por que ao conceder autonomia a cada ente munici-pal isso resultou em uma contribuição à universalidade? Porque os municípios passaram a se envolver com a questão da saúde. Antes do SUS, a saúde não era um assunto municipal. Algumas capitais tinham secretarias de saúde, muitas ve-zes saúde e assistência social juntas, mas

que eu desejo fazer, embora sem fundamento científico, é uma reflexão com relação aos desafios que são comuns à área pública e à área privada.

O PRIMEIRO COMEntÁRIO

não era uma questão presente nas gestões municipais.

A descentralização fez com que os mu-nicípios se envolvessem e, assim, ocorreu uma ampliação da oferta da atenção bási-ca, o que contribuiu enormemente para a universalidade do acesso ao sistema de saúde. Mas, à medida que cada ente fica autônomo, isso cria uma enorme difi-culdade para a integralidade da atenção porque cada município não é capaz de atender sozinho a todas as necessidades de saúde da sua população e sempre vai depender de um outro. Por essa razão é que se pode afirmar que o grande desafio do setor público é constituir um sistema estadual de saúde.

Na verdade, é sempre recomendável a leitura dos artigos da Constituição, da Lei 8.080, da Lei 8.142, porque hoje quase ninguém mais lê e tem muitos aspectos que estão melhor explicitados na Consti-tuição e na Lei 8.080 do que nas norma-tivas atuais.

Senão vejamos: se olharmos bem, o artigo 198 da Constituição diz que os serviços irão integrar uma rede regiona-lizada, hierarquizada, constituindo um sistema único, organizado de acordo com determinadas diretrizes. E a primeira di-retriz é a descentralização. E, de fato, foi priorizado um item em detrimento do caput do artigo da Constituição, ao se im-plementar a descentralização sem cons-tituir redes. Na verdade, somente agora, depois de mais de 25 anos, é que está acontecendo o debate sobre a construção de Redes Regionais de Saúde.

Há que se lembrar que o inicio da implantação do SUS se deu no final de um período de ditadura. O poder central era visto como uma coisa demoníaca era

PalestRante

Renilson Rehem

Hospital da Criança de Brasília José Alencar

Desafio da Saúde Pública e Privada no Estado de São Paulo - Debate 26/03/2014

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preciso descentralizar, e isso realmente trouxe vantagens. Não é possível deixar de reconhecer que foi um processo mui-to dinâmico, um processo político muito complexo, muito rico. Entretanto, trou-xe, também, sem dúvida, uma dificul-dade para a integralidade da atenção em função da descentralização, como dito anteriormente.

Para resolver isso, o desafio é organi-zar sistemas de redes regionais de aten-ção à saúde, o que pressupõe a articula-ção de serviços de distintas capacidades tecnológicas, localizados em diferentes pontos do sistema. Percebam que, ao fa-lar de Redes Regionais, estou abstraindo a figura do município, estou falando do sistema estadual, dos serviços localiza-dos em pontos diferentes desse sistema. Não sou contra o município nem contra a descentralização, mas, para constituir um sistema estadual de saúde, preciso ter esse ponto de vista, tenho que ter essa perspectiva. Porque, efetivamente, é preciso ter em mente o seguinte: o que se pretende, o que a organização deve garantir? Ações de serviços para todos, não só no sentido da universalidade, mas também da integralidade. Não faz sentido imaginar que um morador de um municí-pio de pequeno porte terá acesso apenas à atenção básica; terá que ter o acesso a uma atenção à saúde integral. Portanto, o passo seguinte ao atendimento integral é que este deverá conter uma atenção que seja resolutiva e que essa atenção seja de qualidade e tenha custos sustentáveis.

Voltando aos desafios comuns ao se-tor público e ao setor privado, temos o desafio da questão dos custos, que englo-ba a incorporação da tecnologia, o enve-lhecimento da população, a difusão da informação, e que gera demandas. Muitas vezes o paciente não procura o médico em busca da atenção. Ele procura o médico com uma demanda específica, quer fazer determinado exame, determinado proce-dimento. Vivemos hoje em um país com um novo padrão, uma nova realidade do ponto de vista do consumo. E, perpassan-do tudo isso, os interesses corporativos têm um imenso nível de complexidade.

Então, o que existe é um quadro de

necessidades crescentes contra recursos limitados. E é assim hoje, será amanhã e sempre. Na saúde, os custos sempre irão crescer e os recursos sempre serão limi-tados. Não há como imaginar que um dia haverá dinheiro para tudo na saúde, e quem assim imaginar, que mude de área pois isso não acontecerá.

Mas então, como enfrentar esse de-safio?

Entendo que, no sistema público isso não acontecerá se o gestor estadual do sistema não assumir o seu papel de ges-tor estadual do sistema. isso parece ser um jogo de palavras, uma coisa simpló-ria, mas é a questão. Quer dizer, a Secre-taria Estadual de Saúde tem que assumir o seu papel de gestor para constituir esse sistema estadual. Há uma distribuição desigual de recursos, uma distribuição desigual de população e é assim mesmo, não que seja errado. Existem municípios pequenos, municípios grandes, municí-pios que têm mais serviços e outros com menos serviços. Não dá como zerar tudo, fazer um planejamento e definir que vai colocar esse serviço aqui e aquilo acolá.

Sou um daqueles que acreditam – não que haja consenso e muita gente critica essa posição – que a função da gestão é diferente e deve ser separada da função da prestação de serviços. E quanto mais a secretaria for prestador de serviços, mais ela terá dificuldade para sair do papel de prestador e exercer o papel de gestor ou de reitoria, como se fala muito nos paí-ses de língua hispânica. Eis aí um grande desafio.

O terceiro desafio é mudar o mode-lo de atenção à saúde, um desafio tanto para o sistema público como para o sis-tema privado, dado que o nosso mode-lo continua voltado para as condições agudas, enquanto o que prevalece são as condições crônicas. De uma forma muito simples e direta, o que nós estamos fazen-do? Nós estamos deixando – e em “dei-xando” ponham todas as aspas possíveis – que as condições crônicas se agudizem para serem atendidas. Cuidamos adequa-damente do hipertenso, do diabético e os atendemos nas emergências, e só nas emergências. Pois está errado, o modelo

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está errado! Temos o modelo vindo do século XX, antes da Segunda Guerra. A situação mudou completamente e esse modelo está equivocado. Precisamos mudar. As doenças crônicas não trans-missíveis correspondem a 63% dos óbi-tos no mundo e 72% das causas de mor-te no Brasil. Estou falando de crônicas não transmissíveis.

Em resumo, correndo todos os ris-cos quando se faz uma síntese, qual é o modelo de atenção que nós temos? Clí-nica com baixa integralidade, com baixa resolutividade, a persistência do modelo queixa-conduta. Arrisco-me a dizer que, no Brasil, a medicina que se faz é 80% de queixa conduta – dor de cabeça/anal-gésico, febre/antitérmico – e por aí afora, com atenção prescritiva focada na doen-ça, com muitas das vezes havendo falta de segurança para decisão clínica. Mais um detalhe, que eu vou abrir em segui-da, é o modelo excessivamente, absur-damente, centrado na figura e no papel profissional do médico, que é fundamen-tal para as condições agudas, mas não é o modelo mais adequado para as condições crônicas.

Como adequar o modelo à prática? implantando-se um modelo de atenção voltado para as condições crônicas. Sim-plificando, eu diria, mais atenção pri-mária à saúde e menos UPA (Unidade de Pronto Atendimento). Ou seja, mais tratamento da causa básica da doença do paciente e menos analgésico e anti-térmico. Não que possamos prescindir de unidades de urgência e emergência, mas não podemos querer resolver os de-safios de um sistema de saúde com base na multiplicação de unidades de urgência e emergência. Porque, ao fazermos isso, estaremos deixando os quadros crônicos se agudizarem para serem atendidos nas emergências.

Desafio número quatro: recursos hu-manos. Creio que aquilo que vou dizer é ainda mais polêmico porque entendo que não há carência de recursos huma-nos, principalmente em São Paulo. Não estou discutindo a região Norte, alguma parte do Nordeste e do Centro-Oeste, es-tou falando de São Paulo e digo que não

há carência de recursos humanos, inclu-sive de médicos. O que há é aquilo refe-rido anteriormente: o modelo de atenção excessivamente centrado no médico. E então acontece que quanto mais o siste-ma não resolve os problemas de saúde da população, mais necessita de médicos. Disponibiliza-se uma quantidade maior de médicos e maior número de casos não são resolvidos. E então o que parece é que precisamos contratar outros médicos. Contratar mais médicos. Dessa forma, isso não irá, a meu juízo, solucionar os problemas.

Apresento uma situação. Seguramen-te vocês devem conhecer alguém com um quadro parecido: paciente de 50 anos, do sexo masculino, obeso, hipertenso, fumante e sedentário. Sem dúvidas que existem muitos em todos os lugares. Como o sistema, seja ele público ou pri-vado, vai melhor atender esse paciente? Com um médico? independente da espe-cialidade. Cardiologista? Tudo bem. Não. É endocrinologista? Não. Clínico geral? independente da especialidade. Ou, na verdade, o que a gente precisa é de uma equipe multiprofissional, com médico, enfermeiro, nutricionista, psicólogo, fisioterapeuta, educador físico, farma-cêutico e assistente social. Talvez esteja esquecendo algum profissional. Trouxe esse exemplo, mas existem vários outros de condições crônicas. Quem vai conse-guir trabalhar melhor com isso?

Mas, alguém poderá dizer, além de não resolver o problema de déficit de mé-dicos, você está querendo o déficit nas outras profissões? Não, pois entendo que nós mudaríamos a proporcionalida-de. A equipe Saúde da Família hoje tem um médico responsável por três a qua-tro mil pessoas. A minha proposta para essa equipe é que ela passe a cuidar de dez mil pessoas e que vários profissionais façam o trabalho com o hipertenso, com o diabético, com uma menina de 12, 13 anos que engravidou, ou com alguém que teve um acidente vascular cerebral e está acamado ou tem restrição de movimento. Portanto, haveria uma divisão de tarefas que esses profissionais poderiam fazer de uma forma muito mais satisfatória do

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que exclusivamente pelo médico. Porque a diferença está entre intervir ou cuidar, atender ou cuidar.

Penso que a condição crônica requer cuidados, muito mais do que atendimen-to. E acredito ser possível responder a essa demanda. Onde hoje existem quei-xas sobre falta de médico? Na atenção primária e nas Unidades de Pronto Aten-dimento (UPA). Se for feito esse ajuste de modelo, reduz-se a um terço a necessi-dade de médicos. E, a meu ver, melhora muito a qualidade da atenção.

No entanto, de fato, existe o desafio de qualificar os recursos humanos para um modelo adequado, pois os quadros existentes na praça não estão preparados para trabalhar dessa forma. E não é pelo fato de eles terem sido formados no mo-delo da intervenção. Veja-se a seguinte situação: em pleno infarto agudo do mio-cárdio é preciso uma unidade de emer-gência, um cardiologista, um cardiologis-ta bem formado e com toda a estrutura para prestar o atendimento ao paciente. Se alguém apresenta um quadro de apen-dicite, deve ser levado para o hospital e um bom cirurgião deve realizar a cirur-gia. Então isso está claro, funciona, mas não é o mais frequente, é uma pequena parcela das necessidades da população. E o sistema somente está preparado para atender a estes tipos de situação.

O desafio número cinco é a qualida-de da gerência e da gestão. Faz-se essa separação porque no SUS gerência é de unidade, administração é de unidade, e gestão é do sistema. É preciso melhorar a qualidade tanto da gerencia das unidades quanto da gestão dos sistemas de saúde. Com todo esse movimento que foi feito no país, de descentralização, envolvendo mais de 5.500 municípios, não houve ne-nhum movimento de qualificação de re-cursos humanos para a gerência ou para a gestão. Então, dirigir hospital hoje no Brasil continua sendo, na grande maioria dos casos, uma atividade improvisada, feita por amadores.

O governador tem um grande hospi-tal no Estado e elege o pediatra do seu neto para ser diretor do hospital. Perde-se então um bom pediatra e se ganha um

péssimo diretor de hospital. Da mesma forma é a gestão. É claro que é muito mais complicado querer intervir na esco-lha do secretário estadual, do secretário municipal, do ministro, mas poder-se-ia pensar responsavelmente na formação de equipes técnicas qualificadas nos órgãos de gestão, nas secretarias estaduais e mu-nicipais, no ministério, porém, não é o que acontece.

Funciona da seguinte maneira: o se-cretário ou o ocupante de algum cargo de direção na secretaria, encontra um amigo que lhe diz: “Sabe, eu estava lá no Hospital X e tem uma enfermeira lá, que tem um tino para administração que é uma beleza. Você devia chamá-la para trabalhar com você na secretaria”. Ela é chamada. E assim a equipe é formada. Ou quando não se consegue ninguém re-comendado e pergunta-se: “você quer ir trabalhar comigo?” E a pessoa não quer, pois vai perder dinheiro se for trabalhar no nível central. Como querer organizar o sistema? Como querer que o sistema tenha eficiência? E na direção do hos-pital está ou o pediatra do filho do go-vernador ou um funcionário que ganha, talvez, uma gratificação de R$ 3.000,00, R$ 5.000,00, e vai dirigir um hospital que custa R$ 60 milhões por ano, R$ 100 mi-lhões por ano, R$ 200 milhões por ano.

Sempre se fala na questão do finan-ciamento, que ficou por último, e não tenho dúvidas que temos um problema grave de financiamento. E também temos outro problema no mínimo igualmente grave, de mesma proporção, que é o da administração das unidades e da gestão do sistema. Sinceramente eu espero que a questão do financiamento não seja re-solvida sem que seja resolvida a questão da gestão do sistema. Se isso ocorrer será um desastre, dado que a gestão pouco competente com pouco dinheiro faz um estrago menor do que uma gestão incom-petente com muito dinheiro.

Portanto, há um problema seríssimo de administração, de gestão do sistema. É preciso resolver esse problema, discuti-lo junto com o do financiamento. Então, não é lógico que não exista uma carreira que possa estabilizar equipes no Minis-

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tério da Saúde, nas secretarias estaduais de saúde ou, pelo menos, nos municípios de grande porte, pois a gestão na área da saúde é extremamente complicada. Daí ser necessário ter um técnico que cuide da vigilância epidemiológica, da vigilân-cia sanitária, da questão dos recursos hu-manos, da regulação, referência, contrar-referência, da atenção primária, atenção hospitalar, etc. É um mundo de coisas. E isso está sendo feito no improviso, sem gente preparada para cuidar dessas ques-tões. Por isso entendo que, sem resolver esses problemas, não dá para afirmar que se está enfrentado o desafio da saúde.

E, por último, mas não menos im-portante, está o financiamento. Sabemos que a saúde consome muito dinheiro e, como dito antes, a cada dia irá consumir mais, não há jeito. Antigamente, para várias doenças nem existia diagnóstico, nem se fazia diagnóstico, nem se tratava, não se gastava com aquilo. Hoje, existe diagnóstico, tratamento e é preciso gas-tar muito dinheiro.

Pegando o exemplo das doenças ra-ras. É uma coisa infinita, tantas são elas. Estima-se haver de seis a oito mil doenças raras. Há a questão do envelhecimento da população e, graças a Deus, iremos viver mais. Só que, novamente, de volta às con-dições crônicas, convive-se durante mais tempo com a doença, diferentemente da condição aguda, quando a pessoa ou fica curada ou morre. Se tiver uma apendici-te, passará por uma cirurgia e então, ou ficará curada ou morrerá de apendicite, o mesmo ocorrendo se tiver qualquer outra doença infecciosa, ou seja lá o que for. Nas condições crônicas, não. O papel do sistema de saúde não é curar a condi-ção crônica, mas sim cuidar para que se tenha mais qualidade de vida. E, quan-to mais tempo a pessoa viver com essa doença crônica, melhor será o resultado que o sistema de saúde terá conseguido, sendo preciso, portanto, muito dinheiro.

É preciso enfrentar esse debate, que é algo meio proibido, não se pode discu-ti-lo. Mas o que é preciso discutir é que, se o Brasil quer efetivamente ter um sis-tema universal, tem que haver dinheiro público. Nós temos um gasto em saúde

equivalente ao dos países do Primeiro Mundo, apenas um pouco abaixo, mas com uma grande diferença: enquanto nesses países, deixando os Estados Uni-dos de fora, o gasto público está na faixa de 70%, no Brasil acha-se na faixa de 43% a 44%. Essa é a grande diferença. Então, se a gente colocar mais 30 pontos porcen-tuais no gasto público em saúde, a coisa vai andar muito melhor.

E mais, se pegarmos as informações do financiamento à saúde, veremos que ao longo das duas últimas décadas cres-ceu muito a participação dos municípios.

A segunda onda foi o crescimento do gasto estadual e chegou-se a um impasse: há municípios gastando entre 30 e 35% de seu orçamento com a saúde. E a pri-meira queixa da população é exatamente sobre saúde. isso serve para confirmar o que foi dito antes, há que se pensar essas duas questões juntas, quer dizer, é preci-so pensar a gestão, a organização do sis-tema e o financiamento, pois mesmo que esses municípios dobrem seu orçamento para a saúde, isso não resolverá o proble-ma, porque não é apenas uma questão de liberar o dinheiro.

Sem dúvida, é preciso destinar mais recursos públicos para a saúde porque a maioria, 56, 57% do gasto é privado, significando que as pessoas gastam do próprio bolso ou são as empresas empre-gadoras que cobrem esse gasto com pla-nos e seguros de saúde. Esse é um desa-fio grande, mesmo para o Estado de São Paulo, onde existe financiamento público muito maior do que em outros Estados. Ou seja, tanto o governo do Estado como os municípios destinam muitos recursos para a saúde.

Entre os Estados, São Paulo é um dos poucos que têm uma dependência pe-quena dos recursos federais, sendo que ao menos 15 dos 27 Estados brasileiros dependem totalmente desses recursos federais. Entendo que o sistema público necessita de mais recursos e há que haver mais liberdade das unidades federativas quanto ao uso desses recursos, pois pare-ce que ultimamente o Ministério da Saú-de está estreitando em demasia os espa-ços para a utilização dessas novas verbas.

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Confesso que, se fôssemos levantar todas as dificuldades, seria uma atividade de mais de 30 minutos, algo impossível de ser abordado. Mesmo porque, sendo a minha visão pragmática e focada nas soluções, e como não temos solução en-contrada até o momento, resta-nos pouco a apresentar. Resumo então o que está sendo feito e assim ficará mais fácil dis-cutirmos.

Em 2007, começamos dentro da em-presa, a Amil, um fórum interno e passa-mos a trazer pessoas para discutir, dentro da empresa, o que poderíamos mudar,

A dificuldade maior naquele mo-mento foi entender o quê precisaríamos mudar.

Vou, é claro, falar sobre a minha ex-periência na área direta da prestação da assistência. Portanto, não falarei tanto sobre outras áreas da empresa, mas, so-bretudo, como a gestão da saúde pode colaborar para que uma empresa do setor resolva vários dos problemas identifica-dos como cruciais para a sustentabilidade do modelo de saúde privada no Brasil.

Naquele momento, quando nos reu-nimos, chamamos várias pessoas que considerávamos capazes de ajudar na discussão sobre os problemas do sistema privado. Além de diversos nomes nacio-nais, Michael Porter, Clayton Christen-sen e Regina Herzlinger, pessoas que, na época, começaram a escrever sobre ges-tão e saúde, gestão de sistema de saúde, negócios de saúde, e vieram apresentar as ideias que viam em outros mercados, que poderíamos usar como benchmarking.

O primeiro grande diagnóstico ao qual chegamos: há necessidade premen-

te de integração de todas as informações que permeiam a assistência. Não há como fazer boa gestão se o profissional que está na ponta não tem acesso a todas as in-formações que ajudarão a gerir melhor a saúde. O profissional que está no am-bulatório não sabe o que aconteceu no pronto-socorro pelo qual o paciente pas-sou há três semanas, o mesmo ocorrendo com o profissional que está atendendo no pronto-socorro e não tem informações do acompanhamento clínico do paciente que está em ambulatório. Ambos tomarão decisões erradas, incorrerão na repetição de gastos que poderiam ter sido evitados caso ocorresse outra intervenção que fos-se mais eficaz para resolver o problema do paciente.

A integração da informação foi a pri-meira grande conclusão a que nós che-gamos. Dessa maneira, o exame que era feito aqui, duas semanas antes, não era disponibilizado no ambulatório nem no hospital. E se o paciente fosse ao hospi-tal, muitas vezes não teria acesso àquele exame, pedia o mesmo exame de novo. O custo é duplicado, o que poderia ser evitado. Esse foi o primeiro grande pro-blema que a gente identificou.

Talvez a primeira solução mais ime-diata para todos nós, aparentemente sim-ples, seja um prontuário eletrônico, co-mum a todas as operações da empresa.

Naturalmente, deve-se começar pela rede de propriedade da empresa, na qual se desenvolverá um prontuário eletrônico que permeie todas as atividades de hos-pitais, centros médicos e de diagnóstico e, tentar implantá-lo na rede credenciada, ou seja, unificando a informação entre

de comentar com vocês é muito parecido com o que já foi dito, os de-

safios são muito parecidos. Procurei focar nas alternativas e soluções que nós temos buscado para tentar resolver esses mesmos problemas. Farei uma abordagem um pouco pragmática de todos esses tópicos levantados e ressaltarei alguns aspectos um pouco diferentes.

O QuE Eu gOStARIAPalestRante

Sergio Ricardo Rodrigues de

Almeida Santos

Amil

Desafio da Saúde Pública e Privada no Estado de São Paulo - Debate 26/03/2014

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todos os players. Assim é possível dis-ponibilizar ao profissional da ponta uma informação de maior qualidade, que lhe possibilite gerir tanto seus recursos como a saúde do paciente.

Estamos há cinco anos nessa ativi-dade e estou falando do nosso primeiro grande desafio e da primeira solução ób-via: conseguimos integração do sistema ambulatorial, de diagnóstico, e parcial do hospitalar. O sistema hospitalar é o últi-mo caminho para onde estamos indo.

O quê que isso isoladamente trouxe de benefício para o sistema? Hoje con-sigo permitir aquilo que chamamos de continuidade do cuidado, que ainda está prestes a se completar, e acredito que ain-da vá demorar de dois a três anos para completarmos o ciclo todo.

Hoje, consegue-se, por exemplo, per-mitir que um profissional receba todas as informações vindas do ambulatório, atenda no pronto-socorro e ainda acione uma equipe que irá alocar esse paciente conforme o diagnóstico com o gestor do cuidado. O gestor ou coordenador assis-tencial, geralmente uma enfermeira, vai ser responsável pelo follow-up desse pa-ciente durante toda a linha do cuidado para evitar, por exemplo, que ele se perca no meio do sistema. O gestor, ao receber sinalizações vindas do próprio sistema dizendo que determinado paciente faltou a uma consulta ambulatorial pós-pas-sagem pela emergência, entrará então em contato com o paciente e informará que ele deverá passar por essa consulta, ao mesmo tempo que lhe perguntará se há alguma restrição à especialidade in-dicada, que poderá, por exemplo, após análise, ser redefinida. Assim, o gestor é responsável por fazer com que o paciente não se perca e não tenha que passar nova-mente pelo pronto-socorro devido a uma situação que poderia ter sido gerenciada ambulatorialmente.

Uma segunda questão levantada é que não existia uma hierarquização dos serviços como medida básica. Se os pro-fissionais não trabalham em estruturas, níveis e até condições físicas adaptadas à hierarquização, não é possível deixar cla-ro o papel de cada um dos serviços.

Começamos então a discutir com to-dos os profissionais como seria possível estruturar a carreira deles em cada um desses níveis hierárquicos.

Pergunta-se ao profissional se, ao invés dele trabalhar no centro médico, emergência, plantão de final de semana, fosse dar aula ou outra coisa. Se ele qui-ser trabalhar em emergência, já que há 20 delas nessa cidade, talvez uma próxima à sua casa possa interessar. Pode-se cons-truir a sua carreira ou atividade, para que ele mantenha o foco naquilo de que gos-ta, que lhe dá prazer, tendo até mesmo ajuda para investir na carreira.

isso teve enorme resistência, foi di-ficílimo de implantar porque, hoje, a maioria dos profissionais não quer colo-car todos os ovos na mesma cesta, muito menos se a cesta for o serviço privado, o que é natural. Eu mesmo trabalhei, há muito tempo, nesse modelo. Fui profis-sional federal, concursado, dava aulas na Unifesp e não largava daquela cesta, por-que tinha medo que acontecesse alguma coisa por aqui. Essa resistência do pro-fissional da saúde é compreensível e na-tural, mas todas as vezes que fazíamos o ciclo de abordagem dos profissionais, an-gariávamos cada vez mais pessoas e esse é um trabalho que nunca acaba porque tem sempre alguém entrando.

isso também só foi possível a par-tir do momento em que eu passei a demonstrar a esses profissionais que existia um investimento real na carreira deles. Foi quando criamos um instituto de ensino dentro da Amil para eviden-ciar o investimento. Temos, hoje, um instituto de ensino que é um dos mais fortes dentro do serviço privado de saú-de no Brasil.

Para nosso orgulho, na semana pas-sada batemos o recorde de treinamento. Foram treinados 3.400 profissionais da área da saúde, contra uma média sema-nal de 2.500 a 3.000 pessoas e, por isso, temos hoje um serviço forte, sob o pa-trocínio de várias empresas, como fabri-cantes de robôs, fabricantes de simula-dores, instituições de ensino à distância, fornecedoras de material de ensino à distância, entre outras, formando parce-

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Se não organizarmos o sistema privado como o sistema público tem tentado se organizar, chegaremos ao ponto de ter, dentro de uma rede assistencial, 40 hospitais, e todos eles querendo fazer procedimentos de alta complexidade, como cirurgia cardíaca ou neurocirurgia.

rias no intuito de viabilizar o treinamen-to desses profissionais.

O terceiro grande desafio foi a falta de integração das unidades e a falta de orientação às unidades assistenciais so-bre a maneira de trabalhar. Essas carên-cias existem porque as unidades ambula-toriais trabalham de maneira totalmente independente dos hospitais. Não existe uma integração desses serviços e os hos-pitais não se sentem responsáveis pelas unidades ambulatoriais.

Geralmente é dito às unidades que atendam, peçam os exames, vejam os resultados e, se o pa-ciente for internado, ele escolherá o pronto-so-corro. Não se cria o con-ceito de regionalização, pelo qual se atende o grosso de toda a deman-da, que é no mínimo 90% de todas as circunstân-cias clínicas que podem surgir naquela região e, além disso, não é criado um sistema de referen-ciamento para alta complexidade. Se não organizarmos o sistema privado como o sistema público tem tentado se organi-zar, chegaremos ao ponto de ter, dentro de uma rede assistencial, 40 hospitais, e todos eles querendo fazer procedimentos de alta complexidade, como cirurgia car-díaca ou neurocirurgia.

Então é preciso olhar para todas essas redes, organizá-las, e definir quais devem prestar os 90% dos serviços essenciais, que são de baixa até média complexida-de; e aquelas outras que irão concentrar os de alta complexidade. Ao concentrar a alta complexidade nesses serviços, re-duzimos o erro, aumentamos a experti-se, fazemos com que as equipes fiquem mais satisfeitas, atraímos melhores pro-fissionais, conseguimos ter menos erros, menos desperdício. Ou seja, é um ciclo virtuoso que facilita muito a gestão e pro-picia melhores indicadores para compa-rar com o mercado. E a partir daí, criamos nomes de entidades que têm melhores re-sultados para apresentar ao mercado.

Começamos todo esse projeto em São Paulo, em 8 de agosto de 2008, para ser mais exato, já estruturando quais regiões do município, hospitais de referência, unidades assistenciais, ambulatoriais, ficariam vinculadas a cada região. isso aqui, vocês já viram, é exatamente todo o trabalho que a rede pública tem criado ao longo de décadas. Estamos falando de décadas, mas é algo que o sistema priva-do de saúde não faz. E fica muito a dever nessa organização dos serviços.

E criando unidades, aqui tomo São Paulo como exemplo, estamos falando de uma rede que é nacional. Mas estou falan-do aqui de São Paulo porque o tema é São Paulo. São criados serviços e hospitais, por exemplo, dedicados a determinados serviços. Então, por exemplo, citamos hospitais dedicados à cirurgia cardiovas-cular, hospital dedicado à neurocirurgia ou à cirurgia ortopédica, obstetrícia, ba-riátrica, e por aí vai.

E começamos a perceber que também era essencial mudar o modelo assisten-cial. Tínhamos o quarto grande proble-ma: por que o nosso modelo assistencial não funciona? Não quero ser repetitivo, mas infelizmente, é porque ele está to-talmente focado no médico. Na verdade, hoje, e eu falo isso com tranquilidade porque também sou médico, esse modelo está focado em duas entidades de forma incorreta: primeiro está focado no médi-co e no hospital. isso porque responde à situação aguda e porque acredita que outros players, os outros profissionais da

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área da saúde, não podem contribuir com o sistema ou não têm um papel em prol do sistema.

Ora, se a maioria das causas de hos-pitalização das quais estamos falando e a grande parte dos recursos é consumi-da pelos portadores de doenças crônicas, então a melhor forma de se fazer gestão da doença crônica é no ambiente ambu-latorial. Temos de investir no ambiente ambulatorial. Se o modelo centrado na atuação do médico sabidamente está es-gotado e não consegue contemplar isso, quais são os outros saberes que podem auxiliar na contenção da hospitalização? Bingo! Os outros profissionais de saú-de têm esses saberes. Logo, poderemos apoiar esses profissionais médicos e não sobrecarregá-los, oferecer-lhes estruturas a fim de que façam a gestão das doenças crônicas para as quais têm dificuldades de cuidar sozinhos no consultório.

Então, quais são os profissionais? Aqui, já foi falado, mas podemos falar da presença do nutricionista, do fisio-terapeuta, do psicólogo, do educador físico, da enfermeira e de diversos ou-tros profissionais dentro desse cuida-do essencial, que é predominantemente dedicado às doenças crônicas. Por isso, desenvolvemos um programa chamado VivAmil. Mas, antes de falar do VivAmil, quero dizer que sou pneumologista e de-diquei a minha carreira ao tratamento de tabagismo. Na intervenção do tratamento do tabagismo, temos uma formação mui-to forte, somos quase que catequizados muito fortemente para investir em inter-venção comportamental em favor da mu-dança de comportamentos. E, comprova-

A tendência hoje, por todas as projeções que temos feito, é que iremos chegar, no ano, a meio milhão de atendimentos a pacientes em programas de controle de doenças crônicas.

damente, aqui citando diversos estudos clínicos, é inequívoco o benefício que a intervenção comportamental realizada por um profissional de saúde treinado traz para a mudança de comportamento. Faz com que o indivíduo realmente atinja um objetivo no controle da sua doença crônica. E, ao entrarmos no modelo de doença crônica não transmissível, esta-mos falando de hipertensão, diabetes, ta-bagismo, obesidade, etc.

Esse programa, chamado de VivAmil, foi proposto para Profissionais não mé-dicos atendendo em grupo e individual-mente em modelo de disease management, ou seja, de gestão de doenças, focado nes-sas doenças crônicas de que nós falamos e em intervenções de pelo menos uma hora, estruturadas ao longo do tempo. Não é simplesmente reunir-se para dis-cutir o que aparecer. Com um conteúdo programático a ser discutido, que dê para

esse indivíduo aquilo que hoje chamamos de empo-deramento, o empowerment que lemos muito nos arti-gos. isso é feito para que o paciente saiba lidar com a sua condição crônica e evite a hospitalização.

Quando começamos isso há quase dois anos, as pes-soas diziam: “você é doido, até parece que os pacientes vão querer passar por con-

sulta em grupo? O que é isso? imagina! Ainda mais às vezes sem médico. Nossa! isso não vai rolar”. No começo, realmen-te não rolou, foi difícil a gente começar a convencer as pessoas de que aquilo pode-ria trazer benefícios.

A nossa meta é terminar o ano com algo em torno de meio milhão de atendi-mentos no município de São Paulo, com intervenções por profissionais não-médi-cos, realizadas em grupo ou por telefone. A tendência hoje, por todas as projeções que temos feito, é que iremos chegar, no ano, a meio milhão de atendimentos a pacientes em programas de controle de doenças crônicas.

Vou apresentar um grande exemplo para vocês, o programa PRO Mamãe e

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Bebê, onde vemos hoje uma possibilida-de: ao se focar na mudança do modelo assistencial e na forma como se faz a ges-tão da saúde, consegue-se impactos ines-perados. Quando é criado um modelo de acompanhamento de gestantes, é óbvio que já existe aquele modelo de que todo mundo já ouviu falar: um pré-natal bem mais reforçado, os encontros em grupos discutem temas específicos. Porém, o que não imaginamos é que um programa como esse, por exemplo, pode fazer cair em 70% o volume de leite artificial pres-crito nas unidades hospitalares. As uni-dades nos relatavam: “olha, o percentual de aleitamento até a terceira hora, que no início desse projeto na nossa rede era in-ferior a 50%, hoje está em 89%. O projeto fez com que as mães não tivessem mais problemas de amamentação durante o curto período de internação e os médicos não prescrevessem mais o leite artificial”.

Outra coisa que precisamos ter é um sistema de transporte adequado. infeliz-mente, no Brasil são poucos os serviços de transporte inter-hospitalar ou interu-nidades adequados. É premissa para esse modelo, e isso é uma coisa na qual traba-lhamos muito. Para desospitalizar é pre-ciso ampliar o acesso ambulatorial e, se o acesso ambulatorial não é ampliado, se não se perder o medo de gastar mais no ambulatório, mais será gasto no hospital.

O sistema de transporte inter-hospi-talar nos ajuda a fazer o referenciamento principalmente porque, quando eu digo ao paciente que tenho 90% de todas as suas necessidades atendidas na região que ele escolher, estou dizendo que ele pode trocar de região na hora em que de-sejar, quem determina isso é o usuário. Mas se ele definiu uma região e precisar de um cuidado de alta complexidade, eu tenho que oferecer o transporte, pois não terei em todos os cantos da cidade cirur-giões-cardíacos fazendo cirurgias cardía-cas em todos os hospitais. Então, eu te-nho que ter uma unidade de transporte que tenha a mesma qualidade para que esse indivíduo não se perca no meio da nova modelagem do sistema. E, hoje, o nosso sistema de transporte é acreditado pela Joint Comission.

Quanto ao serviço de telemedicina, é possível fornecer apoio técnico de alta complexidade à estrutura de médicos, para aumentar a resolutividade. Chega-mos a um outro problema que foi apon-tado: falta de resolutividade no sistema. Aumenta-se a resolutividade se existirem pares da mesma especialidade contrata-dos para discutir casos continuamente e se for implantado um serviço de tele-conferência simples em todas as unidades assistenciais. É simples, ele não é caro na ponta, é caro na outra extremidade, onde o profissional pode receber chamadas de toda uma rede. Mas, mesmo assim, é mui-to mais barato que a falta de resolutivida-de que existe hoje nos sistemas onde o encaminhamento, é regra, e não exceção.

Também percebemos que isso foi um golaço no meio do sistema porque os mé-dicos acabam por gostar muito mais de um sistema onde eles podem se consultar com um médico de outra especialidade. Hoje temos serviço de telemedicina para cirurgia geral, obstetrícia de alto risco, pediatria, pneumologia, cardiologia, neu-rologia, neurocirurgia, neuropediatria, e por aí afora. São estratégias suplementa-res que podem ser utilizadas também para melhorar a assistência dos profissionais.

Acreditamos muito que os organismos de acreditação são uma boa estratégia para melhorar processos dentro das unidades hospitalares. Eles nos ajudam a amplificar ou melhorar a segurança dessas unidades e obter melhores resultados, principal-mente na questão da gestão. Mas não são a solução para todos os problemas. Os servi-ços de acreditação podem servir como um grande apoio às unidades.

No que se refere a facilitar o acesso através de agendamento de consultas via web, no início nos falaram: “ah, a po-pulação brasileira não vai acessar isso”. Temos em média 450 mil agendamentos por mês na nossa rede que foram feitos pela internet. Vamos lançar esse mês o aplicativo Mobile.

Todo esse modelo foi reconhecido de-pois em Harvard. Fomos convidados para descrever isso. Eles vieram, analisaram, auditaram os serviços, aferiram os indica-dores, foi como um modelo de acreditação.

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inicio a discussão desta noite com alguns comentários tentando fazer uma comparação entre o que os pacientes da minha época de formatura e o que obser-vo hoje nas unidades de terapia intensi-va, em razão de uma das minhas ativi-dades, que é a auditoria em saúde. Este ano completo 29 anos de formado como médico. Desses 29, 15 anos como médi-co assistencial dentro de terapia intensiva em pneumologia.

Naquela época havia muitos jovens acidentados. Foi quando também apa-receu a Síndrome da imunodeficiência Adquirida, e as primeiras complicações desse pacientes. E não raro, por conta do pequeno número de leitos de terapia in-tensiva e de respiradores, era necessário escolher quem ficaria no respirador.

E hoje o que se observa é a linha de entendimento de até onde investir no paciente. Não raro observa-se pacientes de 86, 88, com condições de prognóstico reservadíssimo, mas que ocupam leitos de terapia intensiva. Ou seja, há uma mu-dança, e isto leva a discutir a má utiliza-ção do recurso assistencial, e não só pelos pacientes beneficiários de operadoras de saúde, mas também pelos médicos, pelo

de debates discutiremos um tema muito atu-al: a Perspectiva da Assistência para a Po-pulação de Idosos. Serão apresentadas duas

visões sobre a população idosa, a Visão das Autogestões, que será exposta por Denise Rodrigues Eloi, presidente da União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde, a UNIDAS, e a Visão Epidemiológica, a cargo de Yeda Aparecida de Oliveira Duarte, professora associada da Universidade de São Paulo (Escola de Enfermagem e Faculdade de Saúde Pública).

nEStA nOItE

fato de que a Medicina tem que fazer de tudo, sob pena de processos legais.

O reflexo é um custo crescente e uma equação em que não se consegue criar lei-tos para a demanda que vem sendo obser-vada por causa do envelhecimento e, para os pacientes mais novos, as situações de trauma são outra preocupação. Estas cos-tumam resultar em utilização de Órteses, Próteses e Materiais Especiais, que têm um custo elevadíssimo e são uma discus-são à parte.

Fala-se que o brasileiro não aceita ins-titucionalizar o seu idoso, mas não é isso o que se observa. Verifica-se que os fa-miliares, principalmente em finais de se-mana e feriado prolongado, levam “seus” idosos para as portas das emergências, dos prontos atendimentos onde dizem que “tem febre, tem isso, tem aquilo, está prostrado, acho que tem um derrame”. Acabam forçando uma situação de inter-nação, onerando cada vez mais o sistema, embora isso ocorra há mais de 20 anos.

Quando se pensa em assistência do-miciliar numa cidade do tamanho de São Paulo, com toda a dificuldade de logísti-ca, com todo problema, com a metragem das casas, de apartamentos onde colocar

Perspectivas da Assistência para a População de Idosos

moDeRaDoR

Márcio Vinicius Balzan

FGV-EAESP/GVsaúde

Debate 06/05/2014

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Antes de entrar na temática, eu gos-taria de apresentar a UNiDAS. Nossa entidade representa as operadoras de au-togestão do país, que são entidades sem finalidade lucrativa e que atuam no sis-tema de saúde suplementar. São institui-ções organizadas com o único intuito de prestar assistência integral à saúde, prio-rizando a promoção de saúde e preven-ção de doenças.

Atuamos no sistema de saúde desde a década de 40, quando a primeira auto-gestão, a CASSi (a Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil), foi criada, buscando alternativa ao sistema público que, infelizmente, até hoje não oferece a assistência à saúde com a qua-

lidade necessária. Apesar de o Sistema Único de Saúde (SUS) ser um dos mode-los de atenção do mundo em termos teó-ricos, na prática a sua gestão e resultados em saúde ainda deixam muito a desejar.

A UNiDAS tem assento no Conselho Nacional de Saúde e participa das dis-cussões de planejamento em saúde do SUS, mas as autogestões estão classifica-das como um segmento do sistema de saúde suplementar. Hoje, a saúde pri-vada presta assistência a cerca de 25% da população brasileira, e representa um importante setor da economia, além de participar de forma significativa na ge-ração de emprego e renda. Mas vamos voltar ao tema do nosso debate. Como

esta apresentação não pretende esgotar um tema tão desafiador. A minha proposta é demonstrar

a percepção do segmento de autogestão com relação ao impacto do envelhecimento no sistema de saúde, o que, em princípio, é anunciado como um grande problema e, na verdade, é uma grande dádiva. Estamos vivendo mais, e temos que aprender a lidar com essa realidade, bem como descobrir a forma de transformar a longevidade tão anunciada em qualidade de vida, de fato.

nAtuRALMEntE,PalestRante

Denise Rodrigues Eloi

União Nacional das Instituições de

Autogestão em Saúde – UNIDAS

Perspectivas da Assistência para a População de idosos - Debate 06/05/2014

mais um morador fica difícil, imagina um cuidador. São realidades sobre as quais é necessário pensar e ver como tentar mi-nimizar esse impacto.

Em Jundiaí, cidade a 55 quilômetros daqui, houve o que chamamos de inter-nação social nos finais de semana. Na época o paciente de longa permanência recebia alta, aquele tuberculoso que não tinha onde ficar, ia para outro local. in-ternava-se esse idoso para dar um des-

canso à família e na segunda-feira a famí-lia tinha a obrigação de buscá-lo. Era um modelo inovador, de 1991. isso não tem mais, porque o hospital já não dá conta de atender os pacientes mais agudos.

E aí vai a pergunta para reflexão: até onde tem de ser revisto o modelo hos-pitalocêntrico? Será que são necessários tantos hospitais de agudos, de altíssima tecnologia? Ou deve-se aumentar o nú-mero dos hospitais de retaguarda?

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Debates GVsaúde | Volume 16 | jan/dez. 201420

falar de longevidade e das perspecti-vas de futuro se não contextualizarmos onde estamos, o que vamos construir e para onde vamos?

Nós já lidamos com essas discussões em diversos encontros, seminários, con-gressos, e sempre temos destacado o ce-nário do aumento da longevidade da po-pulação brasileira, combinado com uma menor fecundidade.

Os custos assistenciais são ascenden-tes, tanto no sistema privado, quanto no sistema público de saúde. O modelo as-sistencial em vigor está ultrapassado e necessita de mudanças urgentes.

Além disso, temos um marco legal provisório, uma vez que o Congresso Na-cional deve uma discussão mais madura sobre a legislação vigente, que traz graves problemas à organização do sistema.

O modelo de pagamento dos serviços prestados é equivocado, ainda com base no fee for service, ou seja, quanto mais proce-dimentos realizados, mais o prestador de serviço ganha. Ele não ganha por resultado nem por valor agregado, mas por produ-ção. isso em saúde é um grande equívoco.

O processo de incorporação de novas tecnologias ainda é feito de uma forma

muito acrítica. O Brasil possui um grande parque tecnológico na área da saúde. Na Europa e outras partes do mundo, há regras regulatórias muito mais rigorosas quanto à incorporação de novas tecnologias – que avaliam a sua verdadeira efetividade e o be-nefício em saúde para a população. Aqui no Brasil nosso sistema regulatório engatinha. A Anvisa (a Agência Nacional de Vigilância Sanitária), por exemplo, avalia aquilo que não faz mal, mas não avalia o que faz bem e agrega valor à saúde.

A tendência da judicialização da saú-de é outro grande desafio a ser enfrentado. Muitas vezes o direito individual se sobre-põe ao direito coletivo, inviabilizando a sustentabilidade do sistema e provocando uma verdadeira iniquidade na saúde.

Em relação ao modelo de custeio, hoje temos como base o mutualismo e o pacto intergeracional. Vemos que essas variá-veis, atualmente, não são suficientes para dar sustentabilidade ao sistema de saúde.

Com todas essas informações, perce-bemos a complexidade do cenário atual. Vejam esses dados de uma apresentação realizada no Conselho Nacional de Saú-de (figura 1). Fica evidente que o mode-lo atual prioriza a inserção de insumos,

Figura 1.

Região norte: Concentra o maior déficit de médicos

no país em comparação com a quantidade de

equipamentos de saúde

72,3%

44,5%

17,3%13,4%

Crescimento nos últimos 5 anos

médicos leitos hospitalares

estabelecimentos médicos

equipamentos de saúde

maio 2008 259.898 496.597 176.495 753.936

maio 2013 294.798 582.461 254.998 1.299.191

nº de equipamentos de saúde por médico

de 3,0 a 4

4,1 a 5

5,1 a 6

6,1 a 7

Fonte: Data-sUs, compilado pelo Jornal estado de s. Paulo, 14/07/2013

RecuRsos X saúde

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a inserção de tecnologias em detrimento, muitas vezes, do que realmente agrega valor em saúde: a valorização do profis-sional de saúde. O quadro demonstra que nos últimos cinco anos, o destaque fica por conta do aumento de equipamentos em saúde.

Quando apresentou esses dados, o ministro destacou a necessidade de mais médicos para o Brasil. Não quero entrar nesse ponto polêmico, mas quero mostrar a proporção na inserção de equipamentos e de profissionais de saúde – eu me refi-ro somente a médicos. Pode-se entender como está invertida a lógica entre o que se anuncia como prioridade para o nosso sistema e o que efetivamente é valorizado na política vigente.

Aproveito o gancho para começar a falar sobre os desdobramentos e os im-pactos do envelhecimento. Não é demais destacar a inflação no setor da saúde e os custos médico-hospitalares. O institu-to de Estudos de Saúde Suplementar, o iESS, demonstra que a inflação em saúde é muito superior ao Índice de Preço ao Consumidor Amplo (iPCA) ou a qual-quer outro índice que usarmos como re-ferência (figura 2).

Após os destaques do iESS, apresento o estudo de uma autogestão e da própria Agência Nacional de Saúde, a ANS, que demonstra a grande divergência entre in-flação na saúde e os índices de inflação que são referência para o mercado e ou-tros segmentos da economia.

Trazemos agora mais uma informação que é a sinistralidade (figura 3). Mas, é importante reforçar, no sistema de saú-de suplementar também tivemos uma curva ascendente na sinistralidade. Nes-se período, as autogestões apresentaram 92,5% de sinistralidade.

Para finalizar a avaliação desse cresci-mento e o modo como se comportam os custos em saúde, especialmente no am-biente da saúde suplementar e também no ambiente da autogestão, destacamos a fatia de custo que tem mais expressão: são os custos com internação (figura 4). O mesmo acontece no sistema público. No sistema de saúde suplementar temos aqui os dados para a avaliação do crescimen-to, entre 2007 e 2011, desses custos com internação. Na pesquisa mais recente da UNiDAS, podemos verificar que, dos cus-tos com saúde, 50% são destinados às des-pesas com internação. Não são destinados

Figura 2.

VcMH – VaRiação dos custos Médico-HospitalaRes

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à promoção de saúde, mas à internação. E do total desses 50%, também 50% são destinados a insumos: órteses, próteses, materiais especiais e medicamentos.

Destaco a variação apenas para ilus-trar o aumento dos custos com internação nesse período e o seu reflexo em cada seg-mento do sistema de saúde suplementar.

Finalizando a apresentação sobre custos e seu comportamento na saúde, visão essa alinhada ao nosso tema, chamo a atenção para o estudo do iBGE que traz a perspectiva da transição demográfica a partir de uma realidade de 2010 até 2030 e 2050, desde o perfil demográfico da po-pulação brasileira como um todo até o sistema de saúde suplementar.

Constatamos uma projeção de cres-cimento das últimas faixas etárias e uma tendência de transição acelerada nos pró-ximos 30, 40, 50 anos.

Podemos perceber o exemplo de uma das autogestões que possui a maior popu-lação idosa do país, com um percentual que já retrata a realidade prevista para o Brasil em 2050. Destaca-se que as auto-gestões apresentam atualmente um per-centual de população acima de 60 anos na ordem de 22,8%.

Percebemos então a tendência já des-crita e delineada também pela Organiza-ção das Nações Unidas – a de chegar a 2050 com 23,6%. Portanto, nosso seg-

mento foi exigido e houve uma necessi-dade imperativa de agir, mais que qual-quer outro segmento do setor de saúde suplementar, na questão do envelheci-mento. Essa realidade já se apresenta há alguns anos e tivemos que buscar alterna-tivas que passam por uma reflexão sobre o modelo de atenção vigente.

Como primeiro diagnóstico, hoje te-mos na autogestão uma população acima de 60 anos que representa o que está pre-visto para o país em 2050. No Brasil, de acordo com a última pesquisa do iBGE, a população acima de 60 anos é 12,6% do total. O Estado do Rio de Janeiro, o mais idoso do país, tem uma taxa de 16,1%. Temos então, no nosso segmento, uma população muito acima de qualquer rea-lidade já mencionada.

Para ilustrar o reflexo desses dados nos custos, tenho alguns exemplos da pesquisa UNiDAS. No mercado, o custo médio por internação varia entre 8 e 9 mil reais. A pesquisa UNiDAS mostra que na autogestão esse custo representa uma média de 11 mil reais. E na faixa etária de aposentados, que é a população acima de 60, o custo chega a 14 mil reais.

Há também uma concentração dos custos em uma pequena parcela da po-pulação. Ou seja, 42% dos recursos apli-cados no segmento de autogestão são utilizados por 1% da população, que é

Figura 3.

sinistRalidade do setoR

Receitas, despesas e sinistralidade de operadoras médico-hospitalares até setembro 2003 a 2012

Receita Despesa Sinistralidade

Sinistralidade (%)

R$ se

t/20

12 (e

m b

ilhõe

s)

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justamente a população que tem uma maior necessidade de consumo dos ser-viços de saúde. Depois de falar da susten-tabilidade do setor e do perfil demográ-fico da população, o próximo tema será a mudança do perfil epidemiológico. Nos últimos anos, registramos uma mudança no perfil epidemiológico da população. Saímos de um processo de adoecimento de alta previsibilidade, que exigia poucos recursos financeiros, para um processo de adoecimento de baixa previsibilidade, e de altíssimo custo.

Na década de 50, tínhamos uma inci-dência maior de doenças infecciosas. Na época, era de 46% o número de óbitos na-cionais com doenças infecciosas: cólera, tifo, malária, etc. Na década de 80, com a mudança do perfil epidemiológico da po-pulação, já aparecem as doenças crônicas não transmissíveis. São as doenças car-diovasculares, neoplasias, etc., que cau-sam mais de 80% dos óbitos. E exigem, em comparação com décadas anteriores, a estruturação do sistema e de serviços de saúde diferenciados. A partir dos anos 90, as mudanças do perfil demográfico e epidemiológico andam juntas. E são as doenças crônicas degenerativas respon-

sáveis por cerca de 70% dos óbitos mun-diais. Há uma mudança nas necessidades de saúde da população como um todo.

O que a mudança do perfil epidemio-lógico exige daqueles que atuam no se-tor? Exige a implementação de mudanças no sistema de saúde, que atendam a essa realidade. Hoje, no Brasil, temos um sis-tema de atenção organizado para atender uma demanda de saúde do século pas-sado. Não atualizamos nosso modelo. A preocupação das autogestões de investir na área de promoção de saúde, de pre-venção de doenças e de gerenciamento de risco é justamente no sentido de organi-zar o seu próprio sistema e o das redes as-sistenciais para suprir a nova demanda, a nova necessidade de saúde da população.

O processo saúde-doença é cada vez menos definido por fatores externos. O próprio indivíduo é o responsável pela sua saúde: 50% dos fatores que determi-nam a saúde se devem ao comportamento do indivíduo, seus hábitos, alimentação, e combate ao sedentarismo. A saúde depen-de mais da participação em atividades de promoção de saúde e do cuidado do que do ambiente, genética, e menos ainda do acesso aos serviços de saúde.

Figura 4.

MaioR concentRação de custos

Entre 2007 e 2011: Autogestão: 47,94% | Cooperativas Médicas: 69,01%

Filantropia: 7,85% | Medicina de Grupo: 61,02% Seguradora em Saúde: 33,79% IGPM: 36,05% | IPCA: 30,03%

2007 2008 2009 2010 2011

Autogestão Cooperativa médica Medicina de grupo Seguradora em saúdeFilantropia

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Existe uma cultura muito equivocada no Brasil de que o acesso à tecnologia de ponta e à saúde dão sobrevida, perpetui-dade, longevidade às pessoas. As pesqui-sas apontam que a rede de assistência é necessária, mas ela está no final da ponta do processo no quesito cuidado ou sus-tentabilidade.

As autogestões começaram há mais tempo que outros segmentos a organizar o seu sistema de saúde a fim de acolher e cuidar da população com esse novo per-fil demográfico e novas necessidades de saúde. A ação nesse sentido torna-se uma ação hercúlea. O sistema atual e a estrutu-ra dos serviços de saúde estão organizados segundo a lógica antiga de atenção – con-sumir os serviços que usam tecnologia de ponta é o melhor para a minha saúde.

Trabalhar segundo o modelo de aten-ção primária não significa contrariar a proposta de dispor do que há de melhor em inovação tecnológica, mas utilizar

adequadamente esses serviços, de forma a trazer qualidade na assistência à saúde, e não simplesmente agregar modernida-de ao processo. Uma das vantagens em relação a outras operadoras é que temos um baixo índice de rotatividade dos be-neficiários. Eu, por exemplo, estou na mesma operadora de saúde há 33 anos. Hoje, toda a minha família, inclusive os meus netos, são assistidos pela mesma autogestão. A permanência do beneficiá-rio na mesma operadora por vários anos seguidos permite o desenvolvimento de ações de promoção de saúde e o acom-panhamento efetivo dos seus resultados.

Temos a experiência da CASSi com a implantação da Estratégia Saúde da Fa-mília, que conta com a atuação de uma equipe multidisciplinar e programas de promoção de saúde e de gestão de risco. Na autogestão, estamos lado a lado com o nosso beneficiário no cuidado com a sua saúde. Não cuidamos só do adoeci-mento, cuidamos e acompanhamos esse indivíduo em todo os seus ciclos, desde o nascimento até a terceira idade.

E é muito importante implantar uma estratégia de saúde focada na atenção pri-mária, diante de um sistema organizado para o consumo de serviços, na contra-mão da proposta existente. É o grande desafio que as autogestões enfrentam há vários anos.

Sair do sistema fragmentado, organi-zado por componentes isolados, e optar por um sistema contínuo de atenção, de acompanhamento desde sempre e por toda vida. Não queremos que o indivíduo

adoeça e só apareça no sistema quando acender a luzinha vermelha. O sistema de saúde suple-mentar e o próprio SUS recebem o paciente, cui-dam, tratam, e o largam de novo. Ninguém o en-xerga mais, sai do radar. Precisamos organizar o sistema para isso não ocorrer.

Lutamos para ter uma base populacio-nal organizada e não

dispersa, como infelizmente ocorre. Um sistema focado não apenas na atenção às condições agudas, mas organizado efeti-vamente para dar atenção às condições crônicas, atendendo às reais necessida-des da população. Hoje nos inspiramos muito no professor Eugênio Vilaça, que orienta sobre a importância de organizar o sistema em redes de atenção. Sabemos que os sistemas organizados com foco na atenção primária são muito mais efetivos, trazem muito mais resultados em saúde, e melhor qualidade. Todos os países que trabalharam com foco na organização dos seus serviços a partir da atenção primária

todos os países que trabalharam com foco na organização dos seus serviços a partir da atenção primária têm bons resultados em saúde e custos menores do que os que vão no sentido inverso, como é o caso do modelo americano.

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A grande maioria das autogestões possui uma linha eficiente de cuidados com o idoso. A linha de cuidado deve então ser definida a partir de uma lógica e das necessidades de saúde do perfil da população.

têm bons resultados em saúde e custos menores do que os que vão no sentido inverso, como é o caso do modelo ame-ricano.

As autogestões não têm ainda a sua missão cumprida. Mas temos hoje uma grande consciência por parte dos pro-motores de saúde – não mais gestores de saúde – que buscam organizar as suas re-des de atenção.

O foco da nossa discussão é a popu-lação idosa. E ela está totalmente perdida no modelo vigente. Modelo que vem na contramão da necessidade de toda a po-pulação, sobretudo dos idosos. Por uma questão de sobrevivência, tivemos que definir estratégias para incluir, na lógi-ca de organização dos nossos serviços, a atenção ao idoso de forma diferenciada. Diferenciada, não porque dá mais ou me-nos trabalho, custa mais ou menos, mas porque as neces-sidades de saúde são diferen-tes e exigem novas estraté-gias.

Como organizamos tudo isso? Na grande maioria das autogestões, o modelo de atenção engloba um grande esforço em educação e pro-moção de saúde. Prevenindo doenças, aquelas possíveis de evitar, e oferecendo reabilitação em outros casos. A grande maioria das autogestões pos-sui uma linha eficiente de cuidados com o idoso. A linha de cuidado deve então ser definida a partir de uma lógica e das necessidades de saúde do perfil da po-pulação. Cuidar, naturalmente, não só do idoso doente, mas também do ido-so saudável. Fala-se muito em susten-tabilidade e que o sistema tende a não se sustentar porque estamos todos enve-lhecendo. Na verdade, quem mais custa ao sistema? O idoso que se cuida, que faz suas revisões, toma medicação e se alimenta adequadamente, não é sedentá-rio, ou o jovem de 22, 23 anos que bebe, tem aderência a outras drogas, que pra-tica esportes radicais? Quem está mais exposto ao sinistro? Levando-se em con-ta o custeio do sistema e as questões de

mutualismo e pacto intergeracional cita-das antes, o modelo de custeio atual está falido.

As autogestões investem em grande escala na profissionalização do segmento e na qualificação de suas operadoras. Mui-tas investem num processo de acreditação. Quanto ao perfil do idoso do sistema de saúde suplementar, uma pesquisa da Fun-dação instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (FiBGE), o PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2008 mostra o grau de instrução – médio a superior – dos que têm acesso a plano de saúde. Um ponto interessante é que a grande maioria dos usuários do sistema declara ter um estado de saúde entre mui-to bom, bom e regular.

Outra informação importante é sobre a existência de doenças crônicas. As mais citadas são hipertensão, doenças de colu-na, reumatismo, doenças do coração.

Quando perguntados, os idosos dão respostas relacionadas às dificuldades corriqueiras como alimentar-se, tomar banho, ir ao banheiro. Dos beneficiários assistidos pelos planos, 88% dizem não ter dificuldades e 95%, pequenas dificul-dades. Um pequeno porcentual declara a dificuldade. Como essa informação é uma das variáveis da avaliação da quali-dade de vida do idoso, é um dado interes-sante para estudarmos.

Os beneficiários idosos que decla-ram terem sido internados nos últimos 12 meses, em comparação com o restante da população, são um porcentual menor. Confirmamos que o idoso se cuida mais e busca mais tratamento que outras faixas

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Primeiramente, quero dizer que a apresentação de hoje reflete um trabalho conjunto, desenvolvido com a professora Maria Lúcia e com o auxílio de alunos de pós-graduação. Represento o grupo que fez conjuntamente esse trabalho.

Acho que ninguém mais aguenta ou-vir falar que a população está envelhe-cendo. Mas, por mais repetitivo que seja, nem todo mundo sabe quem é, de fato, considerado idoso neste país. Dependen-do do ponto de vista, isso muda, como em termos de concessão de benefícios. Para isso, não basta o idoso ter 60, 65, 67 anos, isso dependerá do tipo de bene-fício em questão. idoso no Brasil é toda e qualquer pessoa com 60 anos ou mais. Falo de um grupo de pessoas que começa aos 60 e vai acabar quando morrer. isso pode juntar 20, 30, 40, 50 anos, dentro do mesmo grupo. Se, até o momento, a

vocês um pouco do ponto de vista da população idosa. Trabalho há 12 anos com a

professora Maria Lúcia Lebrão, no Estudo SABE, acrônimo de Saúde, Bem-estar e En-velhecimento, estudo longitudinal de múltiplas coortes sobre as condições de vida e saúde da população idosa residente no município de São Paulo, desenvolvido desde o ano de 2000. Seus resultados permitem retratar suas necessidades, sua condição de saúde, seu acesso aos serviços de saúde e os cuidados de que necessita.

VOu tRAzER PARAPalestRante

Yeda Aparecida de Oliveira Duarte

Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo

Perspectivas da Assistência para a População de idosos - Debate 06/05/2014

etárias da população. Eles o fazem não só quando estão doentes.

Quando adoece, o idoso procura pri-meiro os hospitais de maior complexida-de e não consultórios e postos de saúde.

Quanto às consultas ao médico e à busca por cuidados médicos, os atendi-mentos preventivos se destacam por parte da população idosa, mais que em outras faixas etárias. A população idosa não bus-ca só ações de cura, mas também está mui-to mais preocupada do que as outras faixas etárias com as atividades de prevenção.

Quanto à utilização de medicamen-tos, não se trata simplesmente de obrigar – como faz a Agência Nacional de Saúde Suplementar – planos e operadoras a ofe-recer medicamentos aos beneficiários. Há muito tempo a maioria das autogestões já faz isso. Mas a simples oferta de medica-mento – que pode ser um grande veículo para cura ou melhora – não é suficiente para garantir o resultado em saúde de-sejado. É imprescindível gerenciar o uso desses medicamentos e inserir a política farmacêutica no modelo do cuidado.

nossa expectativa de vida máxima está em torno de 120 anos, estou falando de um grupo com 60 anos de diferença e, portanto, muito heterogêneo.

Então quando falamos da demanda de cuidados da população idosa, é neces-sário deixar claro de qual grupo se fala. É muito diferente falar de pessoas de 60, 65, 70 anos ou de pessoas de 85 ou 90 anos ou mesmo de centenários. São de-mandas de cuidados muito diferentes. No entanto, normalmente a questão do cui-dado com o idoso é trabalhada como se ele pertencesse a um grupo homogêneo, o que não é necessariamente verdade. Esse grupo é, na realidade, extremamen-te heterogêneo, com diferenças que preci-sam sempre ser ressaltadas.

Apenas para reforçar aquilo que já é conhecido; a Organização das Nações Unidas desenvolveu um estudo mostran-

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do a perspectiva em 35 anos (2005-2040) de crescimento da população de diferen-tes faixas etárias no mundo, com ênfase na população idosa. Nesse período, todas as idades vão crescer em torno de 35%, o grupo de pessoas entre 65 e 84 anos vai crescer em torno de 164%, o das pessoas entre 85 e 99 anos, 300% e, os centená-rios, 746%. É deste envelhecimento que estamos falando, de pessoas muito dife-rentes, de idosos longevos com deman-das que ainda desconhecemos.

Não é realmente verdade que conhe-cemos as reais necessidades de todos os idosos. Conhecemos alguma coisa sobre os idosos de 60, 75, 80 anos, porque estão um pouco mais próximo dos adultos ou dos adultos mais envelhecidos. Mas des-conhecemos as demandas dos idosos mais longevos, pois são novos na nossa realida-de e crescem muito rapidamente na nossa população, aliás, eles compõem o grupo que mais rapidamente cresce na popula-ção idosa. Os profissionais, em sua maio-ria, não aprendem a cuidar dos idosos lon-gevos e, por essa razão, podem apresentar dificuldades no reconhecimento de suas demandas. Grande parte das internações prolongadas se devem, muitas vezes, às iatrogenias assistenciais que ocorrem nas diferentes instituições. Por quê? Porque não identificamos adequadamente suas

necessidades e, assim, não é possível pla-nejar um cuidado adequado.

Não vou me ater às pirâmides demo-gráficas, pois essas já foram devidamen-te apresentadas e explicadas. No entan-to, acredito que a repetição contribua para que, em algum momento, isso seja assimilado. A população, de fato, está envelhecendo, o que é irreversível, mas não deve ser considerado um problema. Frente a esse fato só existe uma alterna-tiva: você só não ficará velho se morrer. Pode-se perguntar a qualquer pessoa se ela quer morrer, o que é uma opção. Caso não queira morrer, vai necessariamente, envelhecer. Estamos aqui hoje para tentar discutir um pouquinho isso.

Esses são os dados do nosso censo que mostram a distribuição da população ido-sa no Brasil (atualmente com mais de 16% de idosos). De forma complementar, essa pirâmide é uma projeção do crescimento da população de 80 anos e mais nos pró-ximos anos e ela não está invertida (figura 1). A estimativa que se tinha para o Censo de 2010 era uma e os resultados obtidos foram maiores do que o projetado. En-tão, de fato, o crescimento da população da qual não conhecemos as demandas é muito maior do que o esperado. isso ainda é mais acentuado em relação aos centená-rios, que desconhecemos mais ainda.

Figura 1.

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Em alguns países asiáticos, como o Japão, os centenários são uma realidade mais presente, mas, para nós, eles ainda são uma “novidade”, considerados exó-ticos. Fazer cem anos, ter três velinhas no bolo, três números nos processos di-gitais, etc, ainda parece bastante exótico. Em termos de cuidado, no entanto, é algo que precisa ser pensado. As nossas tec-nologias em saúde ainda não olham ade-quadamente para essas pessoas. Quem assiste essas pessoas nos hospitais sabe melhor do que eu que, durante a inter-nação, idosos longevos podem desenvol-ver lesões de pele e poderão necessitar de curativos com tecnologia mais avançada, por exemplo. Nossos curativos, por mais especializados e modernos, ainda não respondem satisfatoriamente a essas de-mandas. Ao serem retirados, muitas ve-zes retiram junto a pele do idoso, que é mais fina e friável. É dessa realidade que estamos falando.

Temos muitos velhos como já disse-mos. Será que sabemos o que fazer com eles? Talvez. Mas estamos prontos para trabalhar com isso? Acho que ainda não. Só que eles não terão tempo para esperar que nós nos especializemos. É para isso que estamos aqui hoje, para discutir tais questões.

Vidas longas exigem planejamento. Planejamento de todos, inclusive dos próprios idosos. Dados da PNAD 2012 mostraram que a maior parte dos idosos vive na comunidade (cerca de 99%). Me-nos de 1% desse grupo reside em institui-ções de longa permanência para idosos (iLPis). Embora o brasileiro ainda não aceite institucionalizar o seu idoso, isso necessita ser discutido, pois, talvez, essa seja a única alternativa, no futuro, para muitos dos presentes nesta sala. Para o bem dos idosos, 75% deles são indepen-dentes, uma parcela de 25% tem algum grau de dependência e, em torno de 60%, referem a presença de alguma doença. Pode haver alguma diferença entre os da-dos dependendo da fonte analisada.

Transformando esses percentuais em números temos quase 2 milhões de pes-soas residindo em instituições de lon-ga permanência; 660 mil acamados, 5,5

milhões necessitando de cuidadores, ou seja, existem em torno de 9 milhões de idosos que precisam de cuidados de lon-ga duração. Faço parte de um grupo que discute a questão da necessidade de se criar uma política de cuidados de longa duração, pois essa é uma demanda do sé-culo 21: o desenvolvimento de uma nova cultura de cuidados de longa duração.

O que acontece em São Paulo? Hoje, na cidade de São Paulo, essa população está em torno de um 1,5 milhão de idosos. Só de idosos. Numericamente falando, temos mais idosos em São Paulo do que a população toda de muitas cidades des-te país. Vou apresentar alguns resultados obtidos no Estudo SABE, coordenado pela professora Maria Lucia Lebrão, do Depar-tamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP, com quem tenho o prazer de trabalhar há 12 anos.

Como já disse, o Estudo SABE é um estudo longitudinal de múltiplos coortes, o único de múltiplos coortes que temos no Brasil, em relação à população ido-sa. Estudamos a questão das condições de vida e saúde dos idosos residentes no município de São Paulo. Os resultados aqui apresentados são provenientes desse estudo, cuja amostra é construída de for-ma a representar 1,5 milhão de pessoas idosas da cidade de São Paulo.

O Estudo SABE iniciou como um estudo multicêntrico desenvolvido em sete centros urbanos da América Latina e Caribe. No Brasil foi desenvolvido na cidade de São Paulo. Somente no Brasil ele se transformou em longitudinal com retorno a campo, em média, a cada cinco anos para acompanhamento das coortes. Em 2006 e 2010, foram introduzidas no-vas coortes probabilísticas de idosos com idade entre 60 e 64 anos. Tal desenho permite analisar o envelhecimento de di-ferentes formas, longitudinalmente pelo acompanhamento das coortes através do tempo, transversalmente a cada ano de interesse, após ponderacão específica de forma a representar a população idosa naquele ano. Além disso, ainda permite estudar as mudanças no padrão de enve-lhecimento, pela análise das diferentes gerações, nascidas em diferentes épocas.

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Organizamos a apresentação pensan-do em algumas lógicas. Uma delas é a ten-dência a olhar os idosos e a organização da assistência à saúde em termos de doenças, segundo os dados do Estudo SABE.

Trabalhamos com doenças referidas. Assim, 16,6% dos idosos referem não ter nenhuma doença. isso não significa, ne-cessariamente, que não as tenham, mas, sim, que podem ainda não terem sido avaliados.

A maioria dos idosos refere duas ou mais doenças simultâneas. A hipertensão arterial é a mais prevalente. A segunda doença mais referida é a osteoarticular. Dizemos que ela não mata, mas aleija. Aí está o problema. O idoso não morre des-sa doença, mas pode ficar incapacitado e demandar cuidado; pode ainda, ter difi-culdade em acessar o serviço por causa de sua doença.

A Política Nacional de Saúde da Pes-soa idosa foi criada em 1999 e reeditada em 2006. No primeiro momento, a po-lítica valorizava a questão das doenças dos idosos, considerando que eles têm multimorbidades. Quando reeditada, em 2006, ênfase maior foi dada à capacida-de funcional para auxiliar na organização das demandas de serviços. independente-mente do número de doenças, é necessá-rio compreender o quanto essas doenças isoladas ou associadas vão comprometer a independência do idoso na sua vida cotidiana. Dessa forma a população ido-sa passou a ser dividida em dois grandes grupos: os idosos vulneráveis à fragili-zação e os idosos independentes. Esse ponto estaria associado ao que a Denise mostrou em relação à dificuldade em de-sempenhar as atividades cotidianas. Falo para quem trabalha com gerontologia e para quem, necessariamente, não traba-lha com esse tema.

A avaliação funcional considera o de-sempenho dos idosos nas denominadas atividades de vida diária, que nada mais são do que as atividades desenvolvidas em nosso cotidiano. Quando se avalia as atividades instrumentais, procura-se veri-ficar se a pessoa idosa é capaz de manter uma vida social ativa e independente ou, em outras palavras, se é ou não capaz de

morar sozinha. Observa-se se é capaz de usar transporte público para acessar, por exemplo, os serviços de saúde. Se é capaz de sair de casa, fazer compras e carregar a comida, por exemplo. Se é capaz de se alimentar sozinho, cuidar do ambiente que o cerca, tomar os seus medicamentos sozinho. No SABE observamos que, nes-se último tópico, às vezes não é por uma questão de memória. Uma das maiores dificuldades apresentadas pelos idosos re-fere-se à abertura dos medicamentos. Por exemplo: o idoso que sofre de osteoartrose pode não conseguir abrir o blister de sua medicação e assim, não a toma enquanto não receber ajuda. Se não conseguir to-mar a medicação, possivelmente terá mais dor e vai ficar mais limitado, perderá mais massa muscular, ficará mais fragilizado, etc. Muitas vezes, a pessoa idosa pode ter osteoartrose e hipertensão, e pode ter di-ficuldade para tomar seus medicamentos. isso pode gerar o descontrole de sua doen-ça e sua agudização, levando-o à urgência. Na lógica da assistência, faz parte da orga-nização de cuidados olhar, de fato, o que o idoso precisa.

Nessas situações é preciso reorgani-zar a dinâmica familiar. Às vezes, o idoso não precisa de um cuidador presencial. Se a minha mãe não consegue fazer com-pras sozinha, eu posso fazer as compras e mandar entregar na casa dela. Se o idoso não consegue tomar um transporte públi-co sozinho, se eu tiver carro, vou buscá-lo. Se tiver condição, ele toma um táxi. Caso contrário é preciso pensar em um sistema de transporte que atenda ao ido-so com limitações funcionais.

A outra lógica de atividades com que trabalhamos são as que chamamos de atividades básicas de vida diária, re-lacionadas com o autocuidado. Quando eu tenho dificuldade, por exemplo, para me vestir, para tomar banho, para ir ao banheiro, para levantar da cama ou da cadeira ou para comer de um prato colo-cado à minha frente; quando essas ativi-dades estão comprometidas, há a neces-sidade de que a pessoa idosa tenha um cuidador presencial.

E agora, a questão do comer. Os da-dos que a Denise apresentou provêm do

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iBGE (instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), não é isso? Quando o iBGE colocou, na organização dos seus dados, a questão das atividades – tomar banho, comer e se vestir –, discutiu-se que o ido-so pode ter dificuldades diferentes, a mais ou a menos, em uma ou outra tarefa. O conjunto das tarefas não possibilita identi-ficar o grau de dependência. Se forem vis-tas separadamente, será possível traçar um panorama mais real das limitações funcio-nais apresentadas por esse grupo.

Vamos mostrar, por exemplo, a difi-culdade que o idoso refere ou é referida pelo cuidador para comer, quando o pra-to é colocado à sua frente. Esses idosos são os mais dependentes, geralmente os acamados. Diferente, por exemplo, de tomar banho sozinho. Às vezes, a difi-culdade é só a questão de locomoção de chegar até o banho. Quando, para o pla-nejamento assistencial em termos de cui-dados, reúno todas as informações, não sei exatamente qual o grau de dificuldade apresentada pelo idoso.

É nessa lógica que o Ministério da Saúde construiu uma proposta de linha de cuidados visando tornar a população idosa mais independente. Um conjunto de serviços é destinado a essas pessoas para que permaneçam independentes por mais tempo possível. Por outro lado, vamos ter um conjunto de pessoas mais vulneráveis à fragilização, que vão necessitar de outro conjunto de serviços de saúde.

Nesse aspecto foram incluídas, embo-ra não estejam na alçada do Ministério da Saúde, as instituições de longa permanên-cia. Na época, o coordenador do progra-ma entendia que não dá para discutir se-paradamente as ações de saúde e as ações sociais voltadas para o idoso, o que é um fato na nossa realidade. Em outros países, a política sociosanitária do idoso engloba as duas coisas.

Não é eficiente, por exemplo, ter o melhor planejamento de cuidado à saúde da pessoa idosa se ela é dependente e pre-cisa de cuidador. O cuidador não pertence à pasta da saúde, mas, sim, ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. São ministérios diferentes e nem sempre a articulação entre eles é fácil.

Alguns dados estão à disposição e sinalizam o grau de limitação funcional dos idosos no desempenho das ativi-dades básicas de vida diária. Com esses dados construímos o que chamamos de escalonamento hierárquico. Na verdade, é a forma mais simples de fazer entrevis-ta com idosos. Assim, se ele referir, por exemplo, dificuldade em tomar medica-mentos, com 90% de probabilidade de acerto, ele tem dificuldade em todas as outras atividades. isso mostra uma perda hierárquica e repetimos o escalonamen-to. Nós fizemos o escalonamento com os dados de 2000, depois, com os de 2006 e 2010, muda uma atividade para cima ou para baixo, mas de modo geral esse é o padrão de perda funcional dos nos-sos idosos: aumento da necessidade de cuidados que terá à medida que se tornar mais dependente.

“Cuidar das finanças” pode ser o primeiro sinal percebido pelas famílias de comprometimento cognitivo da pes-soa idosa. Em seguida, aparece a difi-culdade em utilizar transporte. Apenas 20% da população idosa dirige. Se o idoso não dirige, ele vai usar o trans-porte público ou um táxi. Se não estiver em condição de usar táxi, ele vai usar o transporte público. E se não consegue usar o transporte público, não vai ao serviço médico.

Observamos, por exemplo, que para alguns exames o agendamento é feito no primeiro lugar disponível, podendo ser do outro lado da cidade. A organização dos serviços não tem o cuidado de saber se o idoso consegue chegar a esse local ou tem como ir. E para o idoso é mui-to simples. O médico solicita o exame e se o idoso não o fizer porque não conse-guiu ir, não vale a pena voltar ao médico. O que faz o idoso? Ele não faz. Ele não vai. Ficará sem consulta até passar mal. Quando passar mal, vai para o atendi-mento de urgência. De fato, os serviços de emergência constituem, muitas vezes, a porta de entrada para muitos dos ido-sos e, principalmente, dos idosos mais dependentes e mais longevos. É a nossa realidade. É a realidade que ouvimos os idosos contarem.

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Com esses dados é possível identificar a necessidade de ajuda requerida: não tem nenhuma dificuldade e, assim, é capaz de se cuidar; tem necessidade mínima de aju-da, moderada ou máxima.

O que aparece na nossa população? Em torno de 53,4% dos idosos são in-dependentes, não precisam de cuidado, não entram nessa classificação; 26,7% têm necessidade mínima, 10,3%, mode-rada e precisam de um olhar diferenciado em termos de organização de cuidado e 9,4% têm necessidade máxima, precisam de cuidadores, de assistência domiciliar e cuidado diferenciado.

Definimos certas características dessa população em termos da relação caracte-rísticas/necessidade de cuidados. Cons-tatamos que os homens são mais inde-pendentes que as mulheres. Já tínhamos constatado esse fato em outros trabalhos, os homens, apesar de viverem menos tempo, vivem melhor. As mulheres vi-vem mais tempo, porém com mais inca-pacidades. Essa é uma verdade, acabam necessitando de mais cuidado na velhice intermediária e mais avançada.

Quanto à população mais longeva, é a população que mais necessita de cuida-dos e, conforme já mencionei, não sabe-mos exatamente de quais cuidados pre-cisa. Os idosos separados, sobretudo os viúvos, e os solteiros, sem companheiro, tendem a exigir uma demanda maior de cuidados. Pudemos verificar no Estudo SABE que o idoso longevo quando fica viúvo, aos 85 anos, por exemplo, passa a morar sozinho. Mora sozinho ainda que com algum grau de dependência impor-tante. Os homens são mais acolhidos que as mulheres, característica de nossa cul-tura. Se o homem fica sozinho é mais aco-lhido; se não é, se casa novamente.

A mulher fica mais tempo sozinha e só é acolhida quando o seu grau de de-pendência é mais elevado. Então a mu-lher idosa continua sozinha até não ter mais condições para isso. Nessa situação pode, também, ir residir em uma insti-tuição de longa permanência. O cuidado em relação à velhice, principalmente das mulheres mais dependentes parece, as-sim, muito cruel. Podemos ver, também,

pessoas idosas morando sozinhas, mas com necessidades moderadas. Por quê? Porque elas gostam, são altruístas? Não. Porque, possivelmente, não têm quem cuide delas ou não têm para onde ir. Em termos de doenças e necessidade de cui-dado, quanto mais doenças o idoso tiver, mais necessidade de cuidado terá. E, sob o prisma da lógica das doenças, é espera-do que as cerebrovasculares com seque-las sejam as que gerem maior demanda de cuidados.

Quanto à procura de serviços, o ido-so com mais doenças é mais dependente e é, também, o que mais utiliza consul-tas, possivelmente porque precisa mais de acompanhamento e dos serviços de urgência/emergências. É o próprio ido-so que declara sua dificuldade de acesso, possivelmente em razão dessa dificulda-de. Quando ele passa mal ou seu quadro de doença se agrava, ele vai entrar pela porta da emergência e não pela porta do ambulatório.

Seguindo a mesma lógica, vemos que a nossa população idosa tem uma deman-da de cuidados média e alta. E a pergunta é: quem cuida? Quem vai cuidar dessa população? A resposta clássica é: a famí-lia, claro. A lei diz isso. A lei diz que o principal responsável pelo cuidado é a família. Porém, a lei também responsabi-liza a sociedade e o Estado. No entanto, o estatuto do idoso criminaliza apenas a família. Não criminaliza nem a socieda-de, nem o Estado.

As famílias vêm sofrendo grandes modificações. No Brasil, a taxa de fecun-didade está atualmente, abaixo da taxa de reposição. Antigamente, as famílias das regiões Norte e Nordeste tinham 12, 15 filhos. Hoje em dia isso não é mais uma verdade. As famílias numerosas estão sendo substituídas por famílias nucleares com dois, um ou nenhum filho.

Nesses termos, o potencial assisten-cial diminui progressivamente. Não que-ro dizer que os filhos necessariamente cuidem. Lido com a realidade de que nem sempre os filhos cuidam. Mas, ter mais fi-lhos aumenta, certamente, a possibilida-de de essas pessoas serem assistidas nas suas necessidades.

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Há outra situação que está mudando. Historicamente os cuidadores sempre fo-ram as mulheres. isso era uma coisa que acontecia dentro dos contextos familiares e era um cuidado invisível. A mulher foi gradativamente inserida no mercado de trabalho, mas a função de cuidadora no contexto familiar continuou sendo dela. A participação crescente no mercado de trabalho impôs mudanças na tradição de cuidadora. A mulher deixou de cui-dar? Não. Ela continua cuidando, ela é a principal cuidadora, porém ela divide as ações de cuidado com as suas ações de trabalho. Como a supermulher não exis-te, alguma coisa vai ser prejudicada. Se ela prejudicar o trabalho, vai acabar sen-do demitida. Assim, quem mais será pre-judicado será quem necessita de cuidado. Temos, então, um comprometimento as-sistencial nessa questão de trabalho ver-sus cuidadora.

Outros aspectos que devem ser lem-brados e que estão trazendo mudanças em nossa sociedade: Hoje em dia temos mais casos de produção independente (inseminação artificial), uniões homo-afetivas e múltiplos casamentos, não é? Os múltiplos casamentos têm um impacto na relação de cuidado que nem sempre é lembrado. Uma pesquisadora amiga costuma citar “ninguém nunca pensou na vida que vai ter que cuidar da ex-sogra”. Quanto mais de duas. Mas, atualmente, essa é uma situação bastante real. Essas mudanças na sociedade têm um forte impacto no futuro do cuidado.

Como os idosos com alguma depen-dência estão sendo cuidados por suas famílias? Um trabalho desenvolvido no Estudo SABE há algum tempo mostrou que as famílias cuidam sim, mas elas cuidam em média em torno de 50% do que esses idosos necessitam. E os outros 50%? Nada acontece, não são atendidos. Eu estou falando dos idosos com neces-sidades de cuidado em atividades básicas da vida diária. Os outros 50% ficam para Deus. Não acontece. Então, a gente fala “nós cuidamos dos nossos idosos?”. Nós cuidamos do que é possível. Na medida do que é possível e é assim que nós vive-mos. Estamos falando do seu vizinho, da

sua irmã, das pessoas com as quais nós convivemos.

Além disso, cerca de 40% dos cuida-dores familiares dos nossos idosos, são também idosos. Estamos falando de ve-lhos cuidando de velhos.

Quando fizemos o primeiro traba-lho mostrando a questão dos arranjos familiares, e especificamente de idosos que cuidavam de outros idosos, percebe-mos que esse cuidado estava em torno de 30% da demanda. Por quê? Por que eles se odeiam? Às vezes, mas não é por isso. Na maioria das vezes é porque não conse-guem, por também serem idosos e terem algumas limitações. Nesse caso, o próprio cuidador precisa de ajuda. Precisa de al-guém que o ajude a cuidar.

Em resumo, a demanda de cuidados está aumentando e a capacidade da fa-mília brasileira em assistir esses idosos dependentes está se reduzindo progres-sivamente, o que causa impacto signi-ficativo em termos de organização de serviços. Porque, se o idoso não é cui-dado, ele vai parar no hospital. Ele vai descompensar e chegar do pior jeito ao atendimento médico.

Então, se a família não consegue cuidar, quem vai fazer isso? Temos que pensar na mudança do modelo assisten-cial e no que hoje chamamos de cuidados inovadores necessários para atender à de-manda da população de idosos.

Em relação a todas essas mudanças, a sociedade não esperou e já constituiu os cuidadores, de diferentes maneiras. A questão do cuidador já é uma realidade. Podemos discutir se é bom ou não, mas já existe. Aqui em São Paulo é um mer-cado altamente crescente, embora não haja formação-padrão. Tem de tudo, até curso online. Há até situações onde o candidato entra em uma agência de em-pregos, ouve uma palestra e recebe um certificado dizendo que é capaz de cui-dar de uma pessoa idosa. As famílias não sabem disso. Elas precisam de um cui-dador, ficam desesperadas atrás de um e, entre um que tem um certificado e ou-tro que não tem, a família acredita que aquele que tem está melhor qualificado. isso nem sempre é verdade.

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Nossos idosos mais dependentes, que são os que mais têm dificuldade de recla-mar ou de solicitar ajuda, estão ficando aos cuidados de pessoas que não estão adequadamente habilitadas para esse fim. É o panorama real, pelo menos da cidade de São Paulo.

Cuidador ainda é uma ocupação e tra-balha como empregado doméstico. A pro-fissão de cuidador ainda está tramitando em nível federal para aprovação. Os cui-dadores não são profissionais de saúde, não se quer colocá-los como profissionais de saúde. Enquanto empregado domésti-co no mercado de trabalho, as questões do PEC (Proposta de Emenda Constitu-cional) tiveram um impacto significativo em relação aos cuidadores. Muitos idosos provavelmente serão institucionalizados porque as famílias não terão condições de pagar o que é determinado pela mudança da legislação em relação aos empregados domésticos.

Agora, o cuidador existe, ele precisa de regulamentação. Essa regulamentação já foi aprovada no Senado, como toda profissão precisa ser aprovada no Senado e na Câmara. Ela está tramitando na Câ-mara, mas ainda precisa passar nas três comissões, e ainda não passou. Enquanto isso não acontece, vai continuar do que jeito que está. O crescente aumento de demandas assistenciais específicas am-plia a necessidade de readequação das políticas públicas. Em São Paulo uma ex-periência exitosa em termos de política pública é o programa de acompanhante de idosos, que nada mais é que um pro-grama de cuidadores.

Nossos idosos não estão sendo assis-tidos na plenitude das suas necessidades porque a sociedade ainda não reconhece necessariamente quais são as suas de-mandas. Eles estão tendo o seu direito de viver e de envelhecer com dignidade comprometidos.

São inúmeras questões a serem dis-cutidas a respeito da população idosa. Quanto ao envelhecimento temos que olhar com muito cuidado, e pensar se

este é o país onde queremos envelhecer. Porque nós todos vamos ficar velhos, nós todos estamos com meio caminho anda-do. Uma boa parcela desta sala já dobrou a curva, inclusive eu.

Para finalizar, existe só uma conside-ração que eu gostaria de fazer em relação ao contexto hospitalar e aos idosos mais dependentes. Primeiro, os nossos profis-sionais de saúde, de um modo geral, não têm formação específica para cuidar do idoso. A maior parte dos cursos de gra-duação, de diferentes áreas, não aborda a questão do envelhecimento, pelo menos não de forma homogênea. Então, hoje, no mercado de trabalho há uma série de profissionais que atuam com idosos, mas não sabem olhar para o idoso como idoso porque não aprenderam isso. Essa deve ser uma preocupação dos gestores dado que o volume de pessoas idosas interna-das tende a crescer, como já foi mostrado.

Agora, quando há um idoso hospita-lizado, mais dependente, mais longevo, mais confuso, com demência, não impor-ta, a tendência dos hospitais é solicitar a presença de um familiar. Já vimos que as famílias estão mudando. Esse familiar pode não existir. E existe uma confusão com essa lei. O estatuto do idoso dá ao idoso o direito de ter um acompanhante, como direito do idoso. Muitos hospitais, públicos e privados, têm usado desse di-reito como uma exigência. Então, tem que ter. É uma obrigação ter e às vezes não há qualquer condição mínima para acolhê-los. E o que é pior não é a exigência. É delegar a esse cuidador ações que seriam da enfermagem. A presença do cuidador não deveria prescindir do serviço de enfer-magem. isso deve ser enfatizado porque é uma realidade com que convivemos com frequência. A preocupação do estatuto foi proteger o idoso e manter o vínculo fa-miliar e isso está sendo equivocadamente utilizado.

O fato é que todos nós vamos enve-lhecer e temos direito a uma política de-cente de cuidados. Aquilo que não é dig-no não é direito.

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“Quais as perspectivas para as ope-radoras de planos de saúde?” é o tema do nosso debate de hoje. Os gastos com saúde, grosso modo, caminham para re-presentar 10% do PiB. Esses 10% do PiB transitam direta ou indiretamente pelas operadoras de planos de saúde. isolada-mente, essas operadoras tiveram em 2013 uma receita bruta de 110 bilhões de reais.

Esse universo de operadoras é repre-sentado, grosso modo, por 1.400 empre-sas. Já foram mais. E ligadas às operado-ras temos algo em torno de 50 mil vidas.

O que nos traz aqui, portanto, é dis-cutir quais são as tendências para esse se-tor no curto e médio prazo. Por que curto e médio prazo? Porque já nos lembrava um economista famoso que no longo pra-zo estaremos todos mortos. Então, vamos ficar aqui com o curto e médio prazo, que já está de bom tamanho.

Portanto, nós vamos caminhar com o olhar em direção ao futuro, mesmo que de curto e médio prazo. E lembrava um amigo meu estes dias – conversando um pouco sobre a questão de futuro, de ten-dências do setor de saúde – de uma fra-se atribuída ao ex-ministro Pedro Malan,

uma noitada importante para discutir a questão da saúde su-plementar.InICIAMOS hOJE

que teria dito que no Brasil até o passado é incerto.

Foi para ajudar a minimizar as incer-tezas desse futuro que nós convidamos aqui, muito embora bastante esbeltos e magros, dois pesos pesados para nos aju-dar nesta travessia. O professor Arthur Barrionuevo Filho, da Escola de Admi-nistração, a EAESP, da Fundação Getúlio Vargas. É professor também da Escola de Direito da FGV. Só um parêntese rápido: a FGV aqui em São Paulo é composta de três escolas: a de Administração; a Escola de Direito, vizinha daqui, e a Escola de Economia. Na EAESP ele chefia o depar-tamento de economia. É consultor nas áreas de antitruste e regulação, em parti-cular no setor de hospitais e laboratórios. É ex-conselheiro do Conselho Adminis-trativo de Defesa Econômica, o famoso Cade, e ex-secretário de Desenvolvimen-to Tecnológico do Ministério de Ciências e Tecnologia. É ex-presidente do Conse-lho de Administração da Sinep, que vem a ser o órgão responsável pelo financia-mento de pesquisa e inovação no Brasil.

O outro palestrante desta noite é o Marcelo Marques Moreira Filho. Ele é

Quais as persperctivas para as Operadoras de Planos de Saúde

moDErADor

Wilson Rezende

FGV-EAESP/GVsaúde

Debate 27/08/2014

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graduado em economia pela Universida-de Federal do Rio de Janeiro e tem uma longa e diversificada carreira como ges-tor, como executivo. De 1991 a 1994 ele foi sênior da consultoria Arthur Ander-sen; de 1995 a 1997 foi gerente de plane-jamento da Drogasil; de 1997 a 1998 foi diretor financeiro da Fotóptica; de 1997 a 2008 foi sócio do Pátria investimentos e, nesse período, entre 1999 e 2008, esteve vinculado aos laboratórios Dasa – Diag-nósticos da América. Primeiramente ele foi diretor financeiro, depois diretor de expansão, voltou a ser diretor financeiro de relações com o mercado e, por último, diretor presidente do Dasa e membro do conselho de administração. Depois da ex-

periência e do trabalho desenvolvido no Dasa, o Marcelo foi diretor presidente da Tiba Agro. A Tiba Agro é uma das maio-res empresas detentoras de terras agríco-las no Brasil. isso dá uma ideia, portan-to, do que eu dizia da vasta experiência, diversificada do Marcelo. Atualmente ele é membro do conselho de administração do grupo NotreDame intermédica.

O Arthur apresentará uma perspec-tiva mais conceitual, mais teórica, mais ampla do setor de saúde. E o Marcelo, dados e conceitos bem focados, bem lo-calizados. Então são esses dois profissio-nais extremamente qualificados que nós temos a honra de receber aqui para nos ajudar nessa transição para o futuro.

Na verdade, quando se fala em con-centrações de empresas, estamos ana-lisando processos que podem trazer vantagens para a sociedade, mas que,

apresentação neste se-minário é o da econo-mia da saúde. Minha

especialidade enquanto economista é a utilização dos instrumentos de análise de mercado para entender setores e avaliar efeitos que são tratados nas políticas pú-blicas de defesa da concorrência. Deste modo, a ideia é tratar o setor de saúde do ponto de vista da análise econômica e, em particular, da evolução da concorrência neste setor. Em vários setores que prestam serviços de saúde (hospitais, operadoras de planos de saúde etc.), existe uma tendência a concentrar o mercado num número menor de empresas prestadoras do que as existentes hoje. Isso se deve tanto a fa-tores tecnológicos (os tratamentos se tornam cada vez mais sofisticados), quanto a fatores econômicos, no sentido estrito de que as empresas que neles atuam precisam ser eficientes para sobreviverem no mercado, para cobrarem preços mais adequados e conseguirem acompanhar a concorrência, no que diz respeito à qualidade. É im-portante abordar a visão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), responsável no Brasil pela aplicação da Lei de Defesa da Concorrência, sobre como têm sido avaliadas as concentrações nos setores dos hospitais, dos planos de saúde e dos laboratórios de análises clínicas.

O tEMA DE MInhA

eventualmente, podem gerar efeitos ne-gativos. Quais são essas vantagens e des-vantagens? A ideia básica é que quando as empresas se concentram isso pode

PalestRante

Arthur Barrionuevo

Filho

FGV-EAESP

Quais as Perspectivas para as Operadoras de Planos de Saúde? - Debate 27/08/2014

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eventualmente reduzir a competição e, se reduzida a competição, reduz-se o in-centivo para inovar, para reduzir preços e isso, é claro, tem como consequência prejudicar o usuário final, que é o obje-tivo final da indústria. Por outro lado, quando existe concentração de empresas, frequentemente temos aumento de efici-ência, por meio de economias de escala, por diluição de risco, por redução de cus-tos de informação etc..

O CADE sempre considera os dois la-dos de uma fusão ou aquisição. Há o lado positivo, que é o aumento de eficiência e, antes que se interprete mal, é importante ressaltar que por eficiência em saúde es-tamos, do ponto de vista econômico, de-finindo o ato de prestar o mesmo serviço com a mesma qualidade, mas com menos recursos, logo, com menores custos. Não quer dizer que o atendimento seja preju-dicado apenas em função de um interesse econômico restrito. Significa que é possí-vel, e normalmente isso acontece numa economia de mercado como resultado da competição, reduzir os custos para pres-tar um serviço com a mesma qualidade.

O CADE toma decisões sobre fusões e aquisições no setor da saúde, assim como decide também sobre outros setores da economia, utilizando uma metodologia econômica mais geral. É claro que cada setor tem a sua especificidade. Uma coisa é analisar a produção de autopeças, outra coisa é analisar o setor da saúde.

O CADE preocupa-se muito com se-tores específicos, como aqueles que im-pactam de maneira mais forte uma par-cela significativa da população e cujos serviços sejam essenciais. E o setor da saúde se enquadra nessa definição, logo, é prioritário quando analisa fusões e aquisições. Por que? Porque o CADE está preocupado em garantir que a concor-rência traga os seus frutos positivos e que mais pessoas possam ter acesso a serviços de saúde com qualidade.

Em função disso serão analisados os mercados que o CADE considera os mais importantes dos serviços de saú-de, iniciando pelas operadoras de planos de saúde ou seguradoras. Na verdade, o CADE considera que não há separação

entre esses dois serviços, quer dizer, a pessoa pode estar numa operadora de plano de saúde ou numa seguradora que o serviço prestado a ela será semelhante. Sabe-se que existem algumas diferenças, mas, basicamente, eles atendem à mesma finalidade. O segundo mercado é o servi-ço hospitalar e o terceiro são os serviços auxiliares de diagnóstico, que aqui serão divididos em três mercados, como vere-mos adiante, ou seja, os serviços de aná-lises clínicas, os exames de imagem e os exames gráficos.

O primeiro mercado analisado, do ponto de vista competitivo, é o dos pla-nos de saúde e seguros de saúde. Hoje ainda não existe uma concentração sig-nificativa de prestadoras em nosso país e o Brasil tem um número muito maior de operadoras de planos de saúde que os Estados Unidos, por exemplo, cujo mer-cado é significativamente maior que o nosso, e onde o serviço público de saúde é muito mais restrito que o nosso. isso mostra que ainda pode haver no merca-do brasileiro uma grande concentração de operadoras de planos de saúde sem que o processo competitivo se restrinja por causa disso. Se olharmos os últimos anos veremos que a Amil e outros incor-poraram uma série de planos menores e o CADE obviamente analisou essas aquisi-ções. Veremos como é feita essa análise, com suas vantagens e desvantagens.

A primeira questão importante é que, tendo em vista a regulação dos planos de saúde, hoje em dia a tendência é a ex-pansão de planos de pessoas jurídicas, os planos coletivos. Os planos individuais tendem a ser menos interessantes para as operadoras. Considerando também a grande regulação existente nos planos individuais, que significa normalmente um aumento continuado de obrigações, as operadoras tendem a se concentrar na oferta de planos coletivos. Mesmo porque a Agência Nacional de Saúde Suple-mentar (ANS) não regula preços e con-dições dos planos para pessoas jurídicas.

E o que acontece quando há fusões ou aquisições no mercado de planos de saú-de? Há um lado extremamente positivo: os pequenos planos de saúde não têm nú-

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mero suficiente de vidas para diversificar o risco, ou seja, certos eventos de alguns poucos segurados podem ser desastro-sos para a situação econômico-financeira dessas pequenas operadoras. Pode ocor-rer a falência, com a consequente inadim-plência desse prestador para com os seus usuários, o que é a pior situação possível para todos. Por isso, um dos principais fatores a serem analisados pelo CADE, quando julga a concentração de operado-res de planos de saúde, é o fortalecimento das operadoras, que deverão ser capazes de cumprir com as suas obrigações, mes-mo quando tiverem um número signifi-cativo e até extraordinário de eventos de alto custo. Algo que pequenos planos de saúde não têm capacidade para assumir.

É claro que a ANS já cria uma condição mínima para essa administração de risco ao estabelecer capital mínimo, provisão de risco, etc. Todavia, sabemos que, primeiro, existem muitos planos de saúde historica-mente pequenos e o fato de eles serem absorvidos por operadoras de grande por-te como Bradesco Saúde ou Amil, entre outras, acaba fortalecendo o setor.

Existem outros ganhos também nesse tipo de fu-são e aquisição. O ope-rador de plano de saúde normalmente tem um grande poder de barganha com relação a hospitais, labo-ratórios e médicos, o que pode parecer ruim do ponto de vista dos prestadores desses serviços. Contudo, sob o ponto de vista do consumidor, do usuário do plano de saúde, ter um comprador forte, que consiga se contrapor ao poder dos hospitais, dos laboratórios e de outros para fixar preços, é uma vantagem im-portante. O que um pequeno plano de saúde não tem condições de fazer, um grande plano, que compra uma quanti-dade significativa de serviços, terá.

Segundo, há um aspecto muito im-portante na economia da saúde que é a questão da informação, ou seja, qual

ator econômico melhor conhece os cus-tos das intervenções. Sabe-se que, a re-lação entre hospitais e planos de saúde não é muito tranquila porque os planos de saúde acreditam que muitas vezes os hospitais superestimam os serviços que efetivamente prestaram, o que é difícil de averiguar. Os grandes planos, neste particular, têm outra vantagem: além de contratarem um conjunto significativo de hospitais e outros prestadores, frequente-mente eles têm algum grau de verticaliza-ção e isso lhes permite também ter algum conhecimento, muito maior que o do pequeno plano, sobre os custos do setor. Esse conhecimento lhes permite também evitar o repasse de custos não incorridos, indesejável para os clientes.

Ainda sobre a questão das vantagens da concentração, há a hipotética situa-ção de quebra dos planos de saúde e os problemas que isso traz. O custo de troca para os usuários do plano é muito signi-ficativo. Se um usuário está em um plano de saúde que vai à falência ou se torna inadimplente financeiramente, ele se verá obrigado a trocar seus médicos, todos os seus prestadores de serviços de saúde por outros, de outro plano de saúde, o que significa uma perda importante. An-tes que isso aconteça é melhor que essa empresa que não tem condições de arcar com os seus riscos mude de controlador. Tal ocorre também quando uma empresa contrata um plano de saúde e seus fun-

Se um usuário está em um plano de saúde que vai à falência ou se torna inadimplente financeiramente, ele se verá obrigado a trocar seus médicos, todos os seus prestadores de serviços de saúde por outros, de outro plano de saúde, o que significa uma perda importante.

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cionários ficam descontentes com a si-tuação por serem obrigados a mudar de prestadores de serviços.

Então, essa concentração aumenta o poder de barganha do comprador, traz economias de escala. Como esse é um setor no qual as operadoras necessitam administrar o risco de suas carteiras de seus segurados. A avaliação destes ris-cos depende de informação, os planos de saúde de maior porte têm condições de utilizar tecnologia da informação mais sofisticada.

Há uma discussão sobre a atuação do CADE quanto a poder aceitar uma con-centração de planos de saúde utilizan-do-se do argumento da empresa falida, ou seja, para evitar que uma empresa vá à falência, considera-se adequado permi-tir que uma grande empresa compre ou-tra empresa, mesmo num mercado onde existem poucos prestadores. É claro que a concentração pode gerar efeitos anti-concorrenciais, mas existem outras van-tagens, como maior rede de provedores, maior consolidação de firmas mais es-táveis. Ocasionalmente pode haver um problema de concentração que leve à re-dução da competição em determinados mercados.

Como então é feita a análise pelo CADE e como são pesados os fatores posi-tivos e negativos de uma concentração de planos de saúde? A análise concorrencial em sua primeira etapa define os concor-rentes a partir das escolhas dos consumi-dores e fica claro, por exemplo, que o Sis-tema Único de Saúde (SUS) não concorre com os planos de saúde privados, já que é

um serviço básico prestado pelo Estado de forma gratuita e os planos de saúde aten-dem pessoas que pagam pelos serviços, seja por intermédio da empresa, seja di-retamente, para acessar serviços de saúde.

Segundo, os planos atendem a di-ferentes faixas da população e, eventu-almente, o CADE considera segmentar o mercado de acordo com o valor dos planos de saúde. Os planos têm presta-dores definidos regionalmente e, eviden-temente, um usuário em São Paulo nor-malmente, a não ser em casos extremos,

não irá ao Rio de Janeiro ou a Campinas para uma consulta médica. Portan-to, quando o CADE analisa a competição entre esses prestadores, ele o faz por regiões geográficas delimi-tadas. Em geral, é utilizado o mercado do município, o que pode ser muito limita-do, pois, apenas para dar um exemplo, a região me-tropolitana da Grande São Paulo tem limites entre os

diferentes municípios que são imper-ceptíveis e desconhecidos por muitos daqueles que transitam amplamente por eles em busca do acesso aos serviços de saúde. Mas o CADE interpreta de uma maneira mais restrita, no âmbito muni-cipal, o que faz sentido para cidades do interior, mas não numa região metropo-litana, mesmo porque muitos planos são ofertados num conjunto grande de mu-nicípios conurbados.

É claro que, existindo competição, todas as vantagens da escala mencio-nadas aqui tendem a se ampliar por-que haverá um número maior de vidas atendidas por operadoras. Aliás, estu-dos recentes mostram que um plano de saúde é um dos serviços mais desejados pelas pessoas que estão ascendendo so-cialmente à classe C, evidenciando que esse mercado não só tem crescido ra-pidamente, como assim provavelmente continuará e, mais ainda, tendo em vista as economias de escala que as concen-trações têm trazido, também é provável que o número de operadores se reduza.

Muitas vezes, existe o lado positivo do poder de compra, quando ele se contrapõe ao poder de monopólio, que é resultado de concentração na venda de serviços.

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Assim, ao final de vários anos, teremos um número relativamente pequeno de grandes operadores que serão os respon-sáveis pela maior parte das vidas.

A questão a discutir é se tal concen-tração não provocará um aumento do po-der de mercado das operadoras. O que é poder de mercado? Para um economista, poder de mercado ocorre quando algum agente, comprador ou vendedor, tem a capacidade de fixar preços no mercado. No caso em questão, o poder de compra forte é algo positivo quando se contrapõe a um poder de venda de prestadores que também possuem poder de mercado. Em São Paulo, por exemplo, é inegável que a reputação merecida de hospitais como Albert Einstein e Sírio-Libanês, faz com que eles tenham capacidade de fixar pre-ços. É positivo para os consumidores que exista na cadeia produtiva quem possa barganhar com esses hospitais e impe-di-los de aumentar os preços de manei-ra significativa. Pode-se dizer a mesma coisa a respeito dos outros prestadores, como os laboratórios que prestam ser-viços auxiliares de diagnóstico. Muitas vezes, existe o lado positivo do poder de compra, quando ele se contrapõe ao poder de monopólio, que é resultado de concentração na venda de serviços.

O CADE busca reduzir o poder de mercado que eventualmente os planos de saúde possam adquirir em função da concentração. O parâmetro de compara-ção é o resultado atingido pelo modelo de competição perfeita, um modelo eco-nômico onde nenhum agente tem poder e o retorno do capital é igual ao seu custo médio ponderado. Ou seja, o preço seria aquele que geraria um lucro contábil mí-nimo que faria com que a empresa conti-nuasse dentro desse mercado.

Um aspecto importante para o bem estar dos usuários, além do preço re-sultante da competição entre operado-ras de planos de saúde, é a variedade e a qualidade de serviços ofertados. Ou seja, quanto maior o tamanho das ope-radoras, quanto mais vidas elas tiverem, mais elas competem. E uma das formas de roubar clientes das outras operadoras, ou trazer para o seu plano clientes que

estavam fora do mercado, é por meio do aumento da variedade de prestadores das diferentes especialidades. Além, é claro, de estabelecer contratos de prestação de serviços com médicos, hospitais e labo-ratórios com boa reputação. É o que o plano vende: o acesso a esses serviços, o seguro para que o cliente não precise ar-car com o valor total do serviço utilizado num determinado instante.

Quanto aos mercados específicos, como se pode analisar os mercados de prestação de serviços? Os dois gran-des mercados são o do serviço de apoio à medicina diagnóstica, que chamamos de SAD, e o dos serviços médico-hos-pitalares. O SAD tem três segmentos: o de exame de medicina laboratorial, o de diagnóstico por imagem e o de métodos gráficos. Esse é o mercado mais fragmen-tado porque muitos médicos fazem ele-trocardiograma e outros procedimentos em suas próprias clínicas.

Já os serviços médico-hospitalares são mais concentrados também. O CADE nor-malmente trabalha com duas definições de mercado dentro do serviço médico-hospi-talar: os centros médicos e os hospitais. Além disso, existem hospitais dedicados a determinada especialidade médica e hos-pitais gerais. E os hospitais localizam-se em diferentes mercados geográficos.

A segmentação que o CADE utiliza para entender a competição entre hospi-tais abrange essas duas dimensões. Por exemplo, considera se o hospital é geral ou especializado, como o Pró-Cardíaco, no Rio de Janeiro, voltado para a cardio-logia, que irá concorrer com outros hos-pitais também cardiológicos. Considera também os hospitais gerais, que têm uma abrangência mais elevada em termos de especialidades. E também outro segmen-to, o dos prontos-socorros. O segundo aspecto a ser incorporado na análise é a dimensão geográfica, onde se adota uma metodologia muito restritiva a meu ver. Considerando a localização do hospital como o centro de um círculo, considera-se uma área de influência de 10 quilôme-tros ou de 20 minutos de deslocamento,

Veremos, então, como essa competi-ção ocorre e, mais à frente, será analisado

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Debates GVsaúde | Volume 16 | jan/dez. 201440

um caso julgado pelo CADE, o da com-pra, pela Amil, do Pró-Cardíaco e do Sa-maritano, no Rio de Janeiro.

Quando analisamos a competição no mercado de hospitais, a primeira questão é ver quais prestadores oferecem serviços que são relativamente substitutos entre si. Se dois hospitais cardiológicos estão prestando o mesmo serviço, eles estão competindo entre si.

Há também a dimensão geográfica. Como as operadoras de planos de saúde competem normalmente em um muní-cipio ou em uma região metropolitana, o CADE tem uma definição de mercado geográfico para entender como os hospi-tais competem entre si, o que dá margem a muita discussão.

Quando dois hospitais se fundem, o CADE cria círculos de dez quilômetros de raio, ou com a distância de 20 minutos de automóvel, em cujo centro está o hospital, ou seja, como se os pacientes a mais de dez quilômetros não utilizassem esse hos-pital. É uma visão rígida do que ocorre na realidade. Ou, se não forem os dez quilô-metros de raio, utiliza-se a distância per-corrida em 20 minutos por um automóvel e é fácil fazer isso com o Google Maps, por exemplo. Se esses círculos, que abrangem os dez quilômetros ou os 20 minutos em automóvel, se interceptarem significa que esses hospitais estão concorrendo entre si, atendendo a uma mesma clientela.

Em outro segmento, dois fatores são muito importantes quando se avalia a competição entre diferentes operadoras

de laboratórios para exames diagnósti-cos: os que definem a competição entre as empresas já estabelecidas no mercado e a facilidade de entrada de uma nova empresa nesse mesmo mercado. isso é importante porque o CADE, em última análise, está interessado em saber se uma fusão cria a possibilidade de aumento de preços para o usuário final.

Duas empresas se fundem e podem acumular poder econômico para au-mentar o preço de seus serviços, mas, ao aumentá-lo, entra uma nova empresa no mercado e essa intenção de elevar o preço é frustrada. Em mercados em que a entrada é fácil, permite-se uma maior concentração porque a empresa resul-tante da fusão não terá condições de au-

mentar o preço. Nesse pon-to, é fundamental entender um conceito que nós cha-mamos de barreira de en-trada, ou seja, fatores que dificultam a entrada, tais como economias de escala, patentes, diferenciação de produtos etc. porque, quan-do duas empresas se con-centram num mercado em que existem barreiras, po-dem elevar o preço e, dada a barreira, ninguém entra; assim o preço se mantém num nível mais alto.

Nos laboratórios de análises clínicas, existem algumas barreiras de entrada, sen-do as maiores a economia de escala e o es-copo. No passado, os laboratórios de aná-lises foram fundados por médicos e eram pequenos, atendendo a poucos clientes.

Com a inovação tecnológica, os gran-des fabricantes criaram equipamentos com uma enorme capacidade de proces-samento para fazer a análise do material de que os médicos precisam para os seus diagnósticos.

isso fez com que alguns laboratórios, e depois o Marcelo, que era o presidente da Dasa, pode falar sobre essa experiên-cia, criassem centros de análise, que con-seguiram reduzir os custos de maneira muito significativa, com os antigos labo-ratórios convertendo-se apenas em locais

Com a inovação tecnológica, os grandes fabricantes criaram equipamentos com uma enorme capacidade de processamento para fazer a análise do material de que os médicos precisam para os seus diagnósticos.

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adaptam entram num círculo vicioso e tendem a aprofundar sua crise.

Para ilustrar a análise do CADE, vol-tamos ao caso do Hospital Samaritano e do Pró-Cardíaco. Um dos estudos que fizemos para mostrar o tamanho do mer-cado geográfico consistiu no seguinte: utilizando os Códigos de Endereçamen-to Postal (CEP) dos pacientes que esti-veram no Samaritano e no Pró-Cardíaco no período de um ano foi possível fazer um mapa da distribuição geográfica dos pacientes. Dá para notar que o mercado é bem mais amplo que dez quilômetros ou 20 minutos de automóvel e, mais ainda, dá para fazer um estudo de densidade, mostrando, em percentuais, como esses pacientes se distribuem geograficamente em relação ao Hospital Pró-Cardíaco.

Com podemos ver, esse processo de concentração nesses diferentes setores de serviço de saúde, planos de saúde, la-boratórios e hospitais no Brasil é muito dinâmico, muito forte, e vai continuar acontecendo, e o CADE está atento e tem desenvolvido tecnologia para discu-tir a situação. Mesmo que se discorde, é evidente que há uma análise muito apro-fundada dessas fusões para tentar enten-der os efeitos nos outros operadores e, sobretudo, nos usuários.

de coleta de material e, ao mesmo tempo, centralizando a avaliação do material em grandes centros de processamento.

A marca do laboratório é importante, pois os pacientes e os médicos já estão familiarizados com ela e têm confiança na sua capacidade.

Essa elevação do volume de testes provocou uma grande redução de custos operacionais e, portanto, nesse caso, a concentração foi extremamente positiva, pois permitiu uma grande redução dos preços dos exames laboratoriais.

No caso do mercado de hospitais, uma grande alteração estrutural ocorreu nos últimos anos no Brasil. O que se observa é que muitos hospitais passaram ou passam por uma situação financeira extremamen-te delicada e, claro, isso ajuda a entender essa situação.

Estudos internacio-nais mostram que hoje um hospital, não um hospital de nicho especializado, mas um hospital geral, por exemplo, dificilmente terá uma escala adequada se não tiver pelo menos 200 leitos. Hospitais menores passaram a ter dificuldades, pois sem escala não conse-guem cobrir seus custos. Assim, foram incorporados por outras redes e torna-ram-se especializados, ou então entraram em crise.

Outra tendência possível de obser-var é a de que esses hospitais menores passaram a se especializar, ou seja, eles reduziram o escopo do que fazem e tor-naram-se focados, com uma possibilida-de maior de sobrevivência. Há também uma questão de mudança de tecnologia, com equipamentos cada vez mais caros, o que torna difícil a atualização dos hos-pitais que não têm boa condição econô-mico-financeira. Os hospitais que não se

hospitais menores passaram a ter dificuldades, pois sem escala não conseguem cobrir seus custos. Assim, foram incorporados por outras redes e tornaram-se especializados, ou então entraram em crise.

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Debates GVsaúde | Volume 16 | jan/dez. 201442

Antes de falar sobre o “depende”, al-gumas coisas interessantes me vieram à cabeça e uma delas é absolutamente cer-ta: os planos de saúde sempre estarão aqui conosco, e acho que são uma das grandes conquistas da sociedade, em um país em que a Constituição garante o di-reito à saúde gratuita. Porém, nossos go-vernos, infelizmente, são absolutamente incompetentes para prestarem esse servi-ço gratuito. Acho que uma das grandes conquistas que alcançamos é ter, hoje, 50 milhões de pessoas que pagam pelo direi-to e acesso à saúde de primeiro mundo. Eu quero reforçar esse ponto que faz do Brasil o segundo maior mercado do mun-do em saúde privada, depois dos Estados Unidos.

Em muitas outras indústrias, o Brasil é lanterninha, às vezes nem está presen-te. Apesar de sermos a oitava economia do mundo, muitas vezes, quando se olha uma indústria em particular, estamos em vigésimo lugar. Vocês que trabalham com saúde têm o privilégio de dizer que estão trabalhando no segundo maior merca-do do mundo. Esse é um aspecto muito forte num mercado que, apesar de ser o segundo maior do mundo, ainda é muito fechado. Porque temos uma lei que diz que a saúde é pública e, ao mesmo tem-po, proíbe o investimento estrangeiro. É proibido, mas o estrangeiro pode com-prar uma empresa operadora de plano de saúde. Quanto a isso, é um mercado bas-tante interessante.

Por que eu disse “depende”? Por que a minha resposta passa pelo “depende”? Apesar de saber que os planos de saúde estarão aqui, acho que a indústria está passando por um processo de transfor-mação profunda desde que começou, nos idos dos anos 1970, e numa velocidade e profundidade que se aceleraram nos úl-

refleti bastante sobre se deveria tentar responder à pergunta do debate a res-peito das perspectivas para as operado-

ras de planos de saúde. Em todo caso, minha resposta quanto às perspectivas é: depende.

COnFESSO QuEPalestRante

Marcelo Marques Moreira Filho

Grupo Notredame Intermédica

Quais as Perspectivas para as Operadoras de Planos de Saúde? - Debate 27/08/2014

timos anos. Arrisco ainda a dizer que o cenário que estamos começando a viven-ciar e no qual iremos viver nos próximos três anos é novo, quando comparado com o histórico das últimas décadas. Estamos diante de novos desafios que não estavam presentes nos últimos anos.

Se pudesse resumir um pouco como vejo as principais tendências para este setor, eu diria que cinco tendências de-veriam estar presentes na mente de todos vocês. Vou pedir que olhem bem para esse slide (figura 1), creio que é o mais importante da minha apresentação, pois destaca as principais movimentações.

Primeiramente, o aumento da con-solidação do mercado, com a entrada de estrangeiros é motivo de preocupação por parte do Conselho Administrativo de De-fesa Econômica (CADE) e órgãos antitrus-tes com as tendências que existem hoje.

Em segundo lugar, a pressão constan-te de custos, bem acima da inflação. Por que essa é uma situação nova? Porque eu vivenciei durante nove anos esse pro-cesso de crescimento e transformação da Dasa e posso garantir a todos vocês nesta sala que, de 1999 até 2008, enquanto eu estive na Dasa, o reajuste que eu conse-gui com plano de saúde foi zero. Durante nove anos não tivemos nenhum reajuste com plano de saúde. Eu sei que essa si-tuação não foi exclusiva da Dasa, percebi isso em todas as empresas e laboratórios que comprávamos e, na época, os hospi-tais também passavam por um processo muito difícil. Quem não se lembra dos médicos reclamando das consultas? Essa situação não existe mais.

Terceira tendência: o crescimento do mercado de saúde complementar. A escas-sez de médicos é uma realidade. Vemos o governo importar médicos de Cuba e, apesar de não concordar com isso, acho

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que o diagnóstico está certo: há falta de médicos no Brasil. Hoje, na intermédica, temos dificuldades para contratar médi-cos. No último ano reajustamos as con-sultas em 60%, pois há carência e pressão de custos. No cenário entre 1999 e 2008, muitos prestadores estiveram com custo constante e atualmente têm reajuste todo ano. Hoje, o órgão regulador manda colo-car no contrato entre a operadora de pla-no de saúde e o hospital que é preciso ter reajustes anuais.

Temos a pressão vinda do médico, das empresas de medicina diagnóstica, dos hospitais e mais algumas outras. Que pressões são essas? Uma delas é um pro-cesso que estamos vivenciando e não há como negar: alguns prestadores de baixo custo quebraram, saíram do mercado ou foram adquiridos.

Por que a inflação médica foi de 17%? Porque houve talvez um aumento no uso, e creio que também deva ser discutido se o uso é devido ou indevido. Hoje, na in-termédica, temos uma média de seis con-sultas por ano com a nossa população de 1,5 milhão de pessoas. Eu acho bastante, mas já vi muitos planos de saúde com 6,9 e até 7 consultas. Mas, como alguém faz sete consultas? Então, por trás dessa pa-lavra inflação e da pressão de custos, há uma série de coisas que realmente preci-

sam ser separadas e analisadas, mas, será um desafio novo para o gestor da saúde, englobando o conceito de plano.

Vinculada à questão do custo, assis-timos à judicialização da saúde com li-minares. A pessoa chega ao consultório e diz: “estou com uma dor na coluna”. E o médico receita: “pode operar”. Como operar a coluna, como fazer uma cirur-gia na mão de uma pessoa se a fisiotera-pia resolveria? Temos também que pres-tar muita atenção nisso porque, mesmo não sendo algo generalizado, situações como essa são bastante frequentes e cau-sam uma brutal pressão de custos para o plano de saúde. Com Órteses, Próteses e Materiais Especiais (OPME) é assim, todo mundo quer fugir disso porque re-almente explodiu. Novamente, tudo faz parte de uma dinâmica e a saúde tem to-dos os seus vasos comunicantes. Como é ser, durante anos, pressionado a ganhar dinheiro? Recebendo abatimento de al-gumas coisas. Então é um processo extre-mamente difícil, falo com bastante natu-ralidade a todos vocês porque é um tema bastante grave e que está sendo discutido na Federação Nacional de Saúde Suple-mentar (Fenasaúde).

Quarta tendência: a presença do nos-so regulador intervencionista, capaz de suspender a venda de planos, mas que

Figura 1. mercado de Planos de saúde impactado por 5 tendências.

E o Mercado? Continuará a Crescer?

5

1

2

34

Mercado de Planos de

Saúde

Usuário Final mais

Exigente

Pressão sobre Custos

Intervenção Regulatória

“Judicialização” da Saúde

Consolidação do Mercado

Aumento da consolidação do mercado; inclusive com entrada de players estrangeiros

Pressão constante de custos, acima de inflação

Tratamentos questionáveis de alto custo impostos por ações judiciais

Presença de regulador intervencionista capaz de suspender a venda de planos

Usuário final cada vez mais exigente e demandante de uma “experiência do consumidor” no campo da saúde

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Debates GVsaúde | Volume 16 | jan/dez. 201444

também veio para ficar. É preciso enxer-gar que existe uma regra do jogo, então vamos jogar conforme essa regra. Existe um rol, então vamos respeitar esse rol; se ele aumentar, está bem, que seja isso, vamos especificar corretamente. Sou um pouco polêmico com respeito a esse as-sunto. Para mim o rol tinha que ser o máximo possível porque, pelo menos, a regra é essa. Só não é possível ter um rol precificado, com todos os cálculos atua-riais e, de repente, da noite para o dia, ser mudado. Muda e não se pode reajustar o preço. Realmente há algumas situações que são bastante preocupantes, mas a pre-sença do regulador é algo absolutamente necessário, em especial num país como o Brasil. Se pensarmos nas dimensões do país, o regulador tem uma contribuição a dar para a indústria.

E finalmente, o nosso querido pa-ciente, que é tudo menos “paciente”, na acepção da palavra, e, ultimamente, virou cliente, demandante, exigente e, com ra-zão, está pedindo cada vez mais. Diante disso, precisamos ter também essa visão. No passado, era suficiente prestar um serviço de medicina de qualidade. Hoje, além disso, é preciso ter um ambiente absolutamente limpo, bonito, bem apre-sentável, onde as pessoas tenham as suas necessidades atendidas. Vejo isso como uma tendência inexorável.

Essas são as cinco tendências princi-pais que eu vejo claramente. Gostaria de apontar mais uma, mas achei que seria muito arrojado: a do crescimento do mer-cado. Qual será o crescimento do merca-do nos próximos anos? Nós vivemos uma fase em que passamos de 30 milhões para 38, 40, 42 e chegamos a 50 milhões (de vidas cobertas por planos de saúde), ala-vancados pela mudança no Brasil e tam-bém pelo forte crescimento do emprego formal, por meio de planos do governo e incentivos que serviram aos planos de saúde. Mas, quem pode dizer qual a ten-dência do mercado de trabalho nos pró-ximos anos? Qual projeção se pode fazer da renda média da população que deseja comprar um plano individual? É difícil, mas ainda é possível comprar esse pla-no individual. infelizmente, essa é uma

resposta que eu ainda não tenho e, por isso, não coloco como uma tendência, mas como um ponto de interrogação para vocês. Acredito que as outras cinco sejam tendências permanentes do mercado.

Falando de crescimento, trazemos al-guns dados históricos do Estado de São Paulo. O Brasil, ao longo de quatro anos, cresceu em média 4% e São Paulo, onde a penetração dos planos de saúde é um pouco maior, cresceu um pouco menos, 3%. Algumas tendências são destaque en-tre os principais grupos: as cooperativas, as Unimed, as medicinas de grupo, as se-guradoras e até as autogestões. Curiosa-mente se observam comportamentos um pouco diferentes num país como o Brasil, pois ao longo dos últimos quatro anos quem mais cresceu foram as seguradoras, que têm o produto mais caro. Por quê? Não há resposta, mas algumas dicas.

Ao longo dos últimos anos, o que se viu nesse mercado foi muita incerteza e, toda vez que há incerteza, corre-se para onde? Para um porto seguro, por exem-plo, um Bradesco, para quem oferece um pouco mais de segurança. Se a empresa realmente encara o produto “plano de saúde” como algo importante para for-necer aos funcionários, nada mais apro-priado que buscar a segurança e a solidez dos maiores grupos. Ao longo dos últimos anos, se observa um crescimento médio das seguradoras de 9%, enquanto as coo-perativas, as HMOs (Health Maintenance Organization), as medicinas de grupo cres-cem à uma taxa menor. No Estado de São Paulo a tendência é muito parecida com a do Brasil, com desaceleração, talvez.

Voltando um pouco à minha ponde-ração, o que irá acontecer com os planos de saúde? Aqui começa a visão do “de-pende”. O “depende” literalmente depen-de da capacidade de cada um dos planos de saúde conseguir olhar para o seu mer-cado, entender as principais tendências, agir e realmente fazer uma gestão eficien-te para cortar custos, para conseguir atu-ar em cima dessas grandes tendências.

O que irá acontecer com as nossas Unimeds? Eu sou um defensor voraz das Unimeds. Enquanto modelo, acho abso-lutamente incrível. O poder delas seria

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fascinante se não fosse a impossibilidade prática de gerir uma cooperativa. Concei-tualmente é brilhante, há médicos que in-tegram a rede, só que, na prática, funcio-na mesmo como cooperativa. Exerci um mandato em um hospital e, quando está-vamos buscando uma venda, tive a chan-ce de me aproximar da diretoria toda. Era uma reunião, duas reuniões, assembleias e AGS (Assembleias Gerais de Sócios). Uma loucura. É impossível. Não vai andar.

Falo isso porque acredito no modelo. Se formos olhar ao longo do Brasil, vere-mos que existem Unimeds extremamente fortes e bem-sucedidas. Por outro lado, veremos Unimeds que estão periclitantes, numa situação extremamente complica-da, atrasando pagamentos, sendo descre-denciadas por vários prestadores. Vocês estão a par. Não preciso citar nomes. En-tão, o “depende” tem várias conotações e é justamente a capacidade de conseguir navegar, talvez, em mares um pouco tur-bulentos.

Trato agora rapidamente de uma ilus-tração da inflação médica ao longo dos últimos anos (Figura 3). Essa barra cinza-escuro é a inflação médica e estou com-parando com o repasse da Agência Nacio-nal de Saúde Suplementar (ANS) e com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (iPCA). Ao longo dos últimos anos

vemos um descolamento muito grande entre a inflação médica medida pelos índi-ces oficiais de inflação e o repasse da ANS, com destaque para os anos de 2012, quan-do a inflação médica foi extremamente alta, e de 2013, também muito alta, supe-rando os 15,4%, ao menos na intermédica, pela qual posso falar.

Além disso, outra tendência já men-cionada, a consolidação (figura 4). No gráfico à esquerda vocês podem ver a redução do número de players, de prati-camente 1500, no ano 2000, já estamos perto de 1000 planos. Então, 500 planos sumiram do mercado em 15 anos e acho que essa tendência continuará, em parte pela consolidação. Ou seja, segundo uma diretriz do órgão regulador, para ope-rar no mercado é realmente preciso ter lastro, ter condições, e isso faz parte do processo de saneamento do próprio mer-cado. Logo, a consolidação acontece pela expulsão daqueles que não têm condi-ções financeiras de competir, e que mais lesavam o consumidor do que prestavam um serviço de plano de saúde. Não estou falando de nenhum plano grande, talvez de vários planos pequenos locais que su-miram ao longo desses anos, mas tam-bém com uma intensa atividade de M&A (Mergers and Acquisitions), até mesmo com algumas transações internacionais,

Figura 2. Planos de saúde ainda crescem, porém de forma menos acelerada.

-2%

-1%

7%

2%

2%

0%

-2%

9%

4%

4%

BRASIL ESTADO DE SP

CAGR: 4% CAGR: 3%

*2013 Fonte: ANS

de seguro 10-13 (MM) Mercado de planos de saúde por tipo Mercado de planos de saúde por tipo

de seguro 10-13 (MM)

Penetração dos planos de saúde*

Penetração dos planos de saúde*

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Figura 4. aumento da consolidação do mercado nos últimos anos, inclusive com entrada de players estrangeiros.

como a United Health, que considero um marco no mercado.

A entrada da United, um player ame-ricano com 90 bilhões de dólares de fatu-ramento no mundo, traz consigo grandes consequências. Acho que virá mais profis-sionalização, mais eficiência, pois a Uni-ted tem em seu corpo nos Estados Unidos mais de 17 mil funcionários trabalhando em Ti. Então se preparem porque vem aí sistema, vem eficiência. Temos outros

players, da Colômbia até, também olhan-do para o mercado brasileiro e querendo entrar. É uma tendência que iremos expe-rimentar nos próximos anos.

Com relação ao nosso regulador, uma das suas atribuições é medir queixas. Trago aqui um panorama da frequên-cia de queixas de alguns planos (figura 5), como o Greenline, Prevent e Golden Cross, que, como medicinas de grupo, es-tão numa situação pior. Talvez Bradesco,

Figura 3. Indústria enfrenta pressão sobre custos com alta inflação médica.

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Omint, Sobam e intermédica estejam no grupo com menos queixas.

E esse retrato também aparece nas se-guradoras, talvez a fotografia da Allianz, influenciada por alguns eventos de curto prazo que provocam o cancelamento de planos. Nos dados de julho, a Unimed Pau-listana, com 35 planos cancelados, suspen-sos vamos chamar assim; Allianz, Green-line, Unimed Florianópolis. Felizmente, o grupo NotreDame intermédica nunca teve nenhum plano suspenso em sua vida.

Como anda a nossa saúde financeira? A margem média, comparada com outros setores da economia, é baixa, e isso preo-cupa todos os gestores da área de saúde. Para esta Unimed faço uma ressalta, pois sua média de rentabilidade 2011/2013 está apontando 8,5%. Vemos SulAmérica e Allianz com 2,7%. Estou pegando um período um pouco maior que um ano. O Bradesco, por exemplo, na média de três anos, tem 2,2% de margem negativa, mas se olharmos o último ano, 2013, veremos que teve 8,4%. Houve um processo de limpeza de carteira, de reajustes de 30% a 60%, dependendo do tipo de player. En-tão, dos dois lados se vê uma indústria com margem muito pequena em um ce-nário de pressão de custo.

Falando um pouco da visão do grupo NotreDame intermédica, nesse cenário, destaco o que tem sido feito proativamen-te para continuar a remar nesse setor.

Começo com a missão do grupo: cui-dar da saúde das pessoas, contribuir para a sua felicidade por meio da excelência na prestação de serviços de assistência integral à saúde com responsabilidade corporativa.

Trouxe alguns slides para ilustrar a minha opinião de que a intermédica é realmente um ornitorrinco no setor, um player absolutamente único, que tem grandes méritos. imagino que todos que estão do lado de fora pensam que é uma operadora de planos de saúde que vive bloqueando atendimento, negando cirur-gias, o que não é o caso. Mas essa é a visão do mercado.

Eu mesmo tinha essa visão de mer-cado quando estava na Dasa, quando estava em hospitais, quando vivi no ou-tro lado desse setor, o do prestador de serviço. Foram 11 anos como presta-dor de serviço, 9 anos de Dasa, 2 anos de hospitais e, quando entrei no grupo, qual não foi minha surpresa ao ver que a preocupação é realmente prestar esse serviço de atendimento com qualidade a

Figura 5. ans (regulador) monitora queixas e qualidade e já suspendeu a venda de determinados planos.

ÍNDICE DE QUEIXAS MED. DE GRUPO

ÍNDICE DE QUEIXAS SEGURADORAS

PLANOS SUSPENSOS PELA

ANS

* HMO acima de 100mil vidas (n=19);**Somente seguradoras (n=11) Nota: média de queixas nos últimos 6 meses dividido pelo número de vidas e por 10.000; Incluídos apenas players de grande porte Fonte: ANS

GNDI é reconhecido como um player de bom nível de qualidade pelos clientes e pelo regulador

Maio 2014 Maio 2014 Julho 2014

Média 2

2º no ranking de qualidade**(IDSS)

GNDI nunca teve planos suspensos

7ª no ranking de qualidade da ANS* (IDSS)

Média 1.1

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uma população que, muitas vezes, não é olhada pela grande maioria dos planos de saúde. “Ticket menor que cem reais eu não quero nem ver”, “Atendente de call center eu não quero atender”,“Mais de 100 mil vidas de um Walmart eu não quero atender porque é operador de caixa difícil, que tem um histórico, um background familiar que vai gerar mui-to gasto quando estiver na rede”. É com essa população que operamos e também com grandes players.

A gestão integral passa pela questão de ter recursos próprios. Hoje são 58 centros clínicos, 10 prontos-socorros, 8 hospitais, 6 maternidades, trabalhando em complementaridade com uma rede credenciada e com um lado de promoção da saúde em medicina preventiva muito forte. Durante meus nove anos de Dasa, quando interagi com SulAmérica, Bra-desco, Porto Seguro, todos grandes con-tratantes, tentei inúmeras vezes fazer um programa preventivo, com diagnóstico precoce, mas nunca consegui. Justificati-va? Para quê investir numa vida que logo sairá da minha carteira? Na intermédica, temos clientes que estão conosco há 17 anos, 20 anos, então é possível fazer me-dicina preventiva.

Essa gestão é um processo que come-çou em 1982, abrangendo todos os nos-sos principais mercados. Existem ações sistemáticas, que grande parte dos pla-nos de saúde frequentemente menciona, tais como promoção à saúde, campanhas de comunicação e palestras. isso é uma coisa bem frequente em todos os planos de saúde. Mas, no caso da intermédica, começou bem antes, e eu dou o mérito porque não tenho participação nenhuma nisso, uma vez que eu me juntei ao gru-po só este ano. No inicio, a intermédica buscou esse conceito do 3 for 50, onde o tabagismo, a dieta inadequada e o seden-tarismo são os três fatores de risco que hoje em dia impactam profundamente quatro doenças crônicas responsáveis por 50% da mortalidade mundial.

Há uma publicação da Harvard Scho-ol mostrando que, por volta de 1990, as doenças transmissíveis eram responsá-veis por 42% das incidências. Em 2020,

a expectativa é que esse índice seja de apenas 17%, caso se consiga controlar o ebola, que realmente é um fator de preo-cupação para todos nós. Mas a queda é brutal, de 42% para 18% é uma enorme mudança conceitual no sistema de saúde. Em contrapartida, há o crescimento das doenças crônicas que eram 47% e, muito em breve, serão 69% a 70% das doenças ou das incidências de doenças no mundo.

Esse é um dado norte-americano, mas acho que vale também para o Brasil, tal-vez com alguns tropicalismos. No nosso caso, aquele veículo de duas rodas, a mo-tocicleta, faz com que nossos acidentes e traumas sejam muito maiores do que a média mundial e também é um fator de grande preocupação para todos, sejam motoristas, pedestres, motociclistas ou gestores de saúde.

Eu trouxe também alguns dados a esse respeito para tentar comprovar por-que nós achamos importante cuidar des-se alto custo, não só pelo fato de que vi-rão a ser 70% das incidências de doenças, mas também porque com a quantidade virá o custo. Esse dado é de um plano de saúde: em 2004, 1% dos beneficiários era responsável por 30% dos gastos com as-sistência. Há que se cuidar muito bem do alto risco e do alto custo (figura 6).

E como fazemos isto? No gráfico a seguir vemos a promoção da saúde, que é uma prevenção primária, muito mais um aconselhamento (figura 7). Acho que é interessante nos debruçarmos um pou-co mais sobre a prevenção secundária e terciária, ou seja, é cuidar dos crônicos oncológicos e gestantes de risco fazendo programas proativos.

No gráfico são mostrados alguns dos programas que nós temos dentro de casa. O PAP 2, o PGS, o PAi são os casos mais importantes. No ano de 2013 tivemos qua-se 170 mil pessoas que participaram de palestras. No item 3, o Programa de Apoio a Pacientes de Doenças Crônicas, tivemos 60 mil participantes. São idosos, obesos, pessoas com algum tipo de LER, dor de coluna, gestantes de alto risco, todos são pacientes que estamos monitorando.

Quero trazer dois cases. Os objeti-vos são, obviamente, buscar redução de

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internações e de absenteísmo, melhoria de produtividade, otimização dos custos assistenciais com uma visão de saúde de qualidade, o que não significa necessaria-mente passar por uma sala cirúrgica, que nem sempre é a melhor resposta.

Esses são os dados do Programa de Gestação Segura (figura 8), onde há duas comparações. Das cerca de 1.900 gestan-tes que nós tivemos no ano de 2013, pas-saram pelo programa 1.638. As demais eram casos de menor complexidade.

Primeiramente vamos para o lado do gasto, adesão ao pré-natal, número de consultas. Para as mulheres que estavam fora do programa, seis consultas e meia, em média; para as que estavam no progra-ma, oito consultas e meia. E conseguimos chegar a uma taxa de 8,8 consultas na empresa-modelo, um projeto que fizemos especificamente para um cliente. Além do programa propriamente dito, buscamos também o envolvimento da própria em-presa que pagava a conta. Resultado nº1: maior gasto. Onde está o benefício? Antes do programa, tínhamos uma média de 12 gestantes com bebê em UTi Neo, em 2013 tivemos 7,6 e, no caso desta empresa em particular, a média foi de 5,8.

No gráfico há uma série histórica des-de 2005 (figura 9), quando o programa começou, mostrando a proporção de diá-rias de UTi Neo por parto e o porcentual de recém-nascidos que geraram uma UTi Neo. Entre os vários motivos que geram uma UTi Neo, está a prematuridade, sen-do que vários outros casos podem ser

minimizados por um acompanhamento médico adequado.

Vemos aqui uma média no mercado de 11 a 12%, dependendo de serem ou não maternidades. Em algumas materni-dades em particular, com complexidades maiores, tenho certeza que o percentual é muito maior do que isso. Talvez alguns de vocês tenham experiência com 15% a 18% de partos que geram UTi Neo. No nosso caso estamos com essa média de 7 a 7,5%.

Outro caso que eu trago é o do trata-mento de dor de coluna. Antes do pro-grama, 57% dos pacientes reclamavam de dor intensa, mas, após o programa, ape-nas 31% se queixavam. Com fisioterapia, correção postural e uma série de ações, a dor é superada ao final de 12 meses. Um total de 27% dizia não ter mais dor, evi-tando assim a cirurgia de coluna que to-dos nós sabemos ser difícil e impactante para o paciente. Em muitos dos nossos programas temos, na mesma sala, pacien-tes que não fizeram cirurgia com pacien-tes que fizeram. Uma das coisas que diz o paciente que fez cirurgia é: “Pelo amor de Deus, não faça, é uma dor incontrolável, que dura muitos meses”.

Cada caso é um caso, todos nós co-nhecemos vários programas, inclusive a iniciativa do Hospital israelita Albert Einstein, de proferir uma segunda opi-nião, uma iniciativa fantástica no merca-do em que a cirurgia é palavra de ordem. Não tenho dados oficiais, mas o que eu ouvi do mercado é que 60% dessas cirur-gias não eram indicadas logo de início.

Figura 6. Pirâmide de custos - assistência à saúde.

% De benefícios

%Gastos com assistência à saúde

1% 30%

10% 72%

50% 97%

Fonte: Pratical Steps to Controlling Medical Costs - 2004

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Debates GVsaúde | Volume 16 | jan/dez. 201450

Segundo a avaliação feita pelos pró-prios usuários desses modelos, 96% con-sideram os programas ótimos ou bons.

Na linha de provocações, quero fina-lizar com dados do último relatório da FenaSaúde. Temos que fazer milhões de ressalvas à estatística no Brasil, verifican-do suas fontes, mas o fato é que estamos vivendo num cenário de inflação muito grande de serviços médicos.

O que acontece quando uma segura-dora precisa contratar cada vez mais? Ha-via milhões de opções de laboratórios, de hospitais que se concentraram. No hospi-tal ouve-se: “Ah! é o mesmo hospital, Ah! foi comprado”. Agora faz parte da Amil, faz parte da Rede D’Or.

Eu diria que, do ponto de vista da ca-pacidade de gerar custo, se há um con-trole maior sobre essa população, há

Figura 7. Gestão do risco e medicina preventiva

Fases da prevenção

Promoção da saúde

Prevenção primária Prevenção secundária Prevenção terciária

Prevenção e gerenciamento de doenças

1 2 3

Autocuidados Prevenir Incapacitação

Aconselhamento

Educação

Estilo de vida

Ambulatório Alta Complexidade - perda autonomia

Home Care

Treinamento Cuidadores

Prevenir Complicações

Crônicos/ Oncológicos/ Gestantes risco

Acessibilidade / Monitoramento

Adesão ao Tratamento

Pró-Atividade nas Intercorrências

Figura 8. Resultados do PGs

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também uma margem de manobra mais expressiva para controlar custos, o que vai fazer com que, de novo, esse nosso mercado sofra algumas mudanças. Se voltarmos no tempo, veremos o profes-sor Arthur Barrionuevo, outro palestran-te deste evento, mencionando que, para o CADE, seguradora e plano de saúde são a mesma coisa. Em lugar nenhum do mundo é assim, a não ser no Brasil. Tudo começou com seguradora. Era tão forte que todo mundo tinha que imitar o con-ceito, senão estava fora de mercado. Mas creio que essa especialização, a medicina de grupo sendo medicina de grupo, segu-radora sendo seguradora para um públi-co especifico, e Unimeds sendo Unimeds, é uma tendência que irá se aprofundar ao longo dos próximos anos.

E termino com o mesmo gráfico com o qual comecei a apresentação, como um convite à reflexão de cada um de vocês que estão dentro de uma operadora de saúde, vivenciando ou não estas mesmas tendências. É claro que operar num mer-cado em crescimento é muito mais fácil do que num mercado estável. Fica aqui tam-bém um novo ponto para a atenção de vo-cês: o que irá acontecer com o cenário nos próximos anos. Penso que o resumo de tudo é que teremos que ser mais eficientes e eu, vindo do lado do prestador – labo-

ratório, empresa de medicina diagnóstica, hospital –, vivenciando agora de fato um plano de saúde, vejo que nós ainda somos muito ineficientes. Há muito espaço a ser conquistado.

Se olharmos a estatística média, vere-mos que o montante que os planos de saú-de gastam em despesas gerais e administra-tivas é duas, três, quatro vezes o seu lucro. isso não é sustentável porque, depois des-sa sequência de inflação muito grande, os planos de saúde repassaram a inflação aos clientes. O mercado não tem mais muita condição de absorver esses repasses. Hoje, o plano de saúde, dentro da folha de paga-mento, já é um dos itens mais pesados. Na Setter, onde operamos, temos 21 clientes para os quais prestamos algum tipo de ser-viço e esse item em particular é um dos que mais os preocupa. No cenário de inflação estável, talvez individualmente tenha sido o item que mais cresceu nos últimos anos.

Assim sendo, ficaremos prensados en-tre um cliente que, em função do cenário econômico, está mais reticente a aceitar reajustes de preços, e um cenário abso-lutamente novo de pressão de custos por parte de médicos, hospitais, laboratórios e prestadores em geral.

Era o que eu queria apresentar, espero que cada um leve para si um pouco desta reflexão.

Figura 9. Resultados do PGs

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Eu gostaria de rapidamente desta-car alguns pontos antes de iniciarmos as apresentações. Primeiro, as consequên-cias da obesidade, como os problemas de lombalgia, os joelhos que também so-frem muito e, até mesmo, a questão da segurança. A propósito, recentemente eu li uma matéria informando que as segu-radoras americanas de automóveis agora estão levando em consideração o Índice de Massa Corpórea (iMC) dos segurados porque o número de acidentes de trânsito com obesos é maior do que entre a popu-lação em geral, pois eles usam menos o cinto de segurança.

Segundo, as questões ligadas ao es-tilo de vida. Existe uma construção so-cial desses comportamentos, tais como o tabagismo e outros fatores de risco, não sendo uma mera escolha pessoal. Ou seja, quando a construção é social, para desconstruir tem que ser também social. Eu queria destacar, então, a necessidade de se pensar estes riscos em termos cole-tivos e enfrentá-los com políticas públi-cas eficientes.

Terceiro, a relação da obesidade com o nível socioeconômico. Os alimentos

satisfação de ter hoje dois convidados que nos farão um apanhado sobre um pro-blema que nos preocupa muito: a huma-

nidade toda está ganhando peso continuamente, parando de fazer qualquer tipo de atividade física e alimentando-se mal. As consequências têm sido realmente bastante complicadas para a área da saúde.

nóS tEMOS A

diet, as coisas mais naturais, muitas vezes possuem preço superior aos alimentos no geral. Então, na verdade, essas coisas precisam ser colocadas à disposição das pessoas. Se elas não tiverem acesso a uma alimentação de boa qualidade, não pude-rem fazer exercício, elas vão continuar sendo obesas, etc.

E, para finalizar, existe uma discus-são que precisa ser feita, que é o acesso à informação, à orientação, o direciona-mento ao paciente. Por exemplo, não há necessidade de fazer cirurgia bariátrica se a pessoa não entender que a cirurgia bariátrica é um pequeno recurso para en-frentar a obesidade.

Para falar sobre como está esse pro-blema no mundo e no Brasil, convidamos o professor Paulo Andrade Lotufo, que é um médico formado na Universidade de São Paulo, com residência em clínica, es-pecialização em administração hospitalar pela FGV, mestrado e doutorado em saúde pública, pós-doutorado em epidemiologia pela USP e pós-doutorado em epidemiolo-gia pela Harvard Medical School. É profes-sor titular de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da USP, coordenador do mais

Obesidade e os Impactos no Sistema de Saúde

moDErADor

Álvaro Escrivão Junior

FGV-EAESP

Debate 21/10/2014

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importante estudo sobre saúde do adulto aqui em São Paulo – e um dos mais im-portantes do Brasil, o ELSA, Estudo Lon-gitudinal de Saúde do Adulto – e também diretor do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica da USP.

Depois, nós temos a satisfação de ter aqui a Patrícia Constante Jaime, que nos apresentará o que o Ministério da Saú-de tem feito em relação à obesidade. Ela é graduada em nutrição pela Universi-

dade Federal de Goiás. Tem mestrado e doutorado em saúde pública pela USP, pós-doutorado pelo Núcleo de Pesquisa, Epidemiologia e Nutrição, o Nupens, da USP, e pela London School of Hygiene and Tropical Medicine, do Reino Unido, é livre docente pela USP e bolsista do CNPQ, Desde março de 2011 está com um desafio superimportante na área de alimentação e nutrição do Ministério da Saúde, da qual é coordenadora geral.

aqui não é expor certezas, mas apresentar algumas perguntas e abrir o debate sobre o tema obe-

sidade. Nós sempre declaramos os conflitos de interesse relativos ao tema da pales-tra. Neste momento, não tenho nada a declarar, mas proporia a vocês também uma declaração de interesses, no caso de uma epifania, um estalo, e eu descobrir a causa da obesidade e de seu tratamento. Se isso ocorrer, sairei daqui imediatamente e irei para os Estados Unidos patentear a ideia e montar uma empresa. E aviso que é bom vocês apagarem todo o registro de presença nesta conferência porque, se comprarem ações dessa empresa, vocês terão problemas com o órgão regulador americano. Esse evidente exagero é para deixar bem claro que não abordaremos novidade relativa ao tratamento da obesidade. Mas, vamos aos fatos.

O MEu OBJEtIVOPalestRante

Paulo Andrade Lotufo

Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica

da Universidade de São Paulo

Obesidade e os impactos no Sistema de Saúde - Debate 21/10/2014

Há uma lei da termodinâmica que traduz principalmente o equilíbrio entre consumo e ingestão. A lei funciona, na fase adulta, na fase estável, mas na infân-cia, puberdade, gravidez, puerpério, ela faz com que a ingestão seja maior que o consumo. E essa lei termodinâmica aca-ba levando a um reducionismo religioso bastante interessante. A obesidade conse-gue ter dois pecados capitais ao mesmo tempo: a gula e a preguiça.

Ao discutir obesidade, um dos gran-des problemas é a questão moral existen-te em todos nós, já que os sete pecados capitais não são exclusividade da cristan-

dade. Eles têm outras formas de expres-são em outras culturas e outras religiões. Trabalhamos muito com essa questão, considerando que, na verdade, existe um pecador. Na realidade, nada disso se tra-duz em fatos concretos e comprováveis: a razão da obesidade não está no indiví-duo, mas em grande parte na sociedade que ele habita.

Qual o significado prático quando fa-lamos hoje de obesidade? Há um sentido estético e um clínico, que são a lombal-gia, a artrose nos joelhos, as varizes e a apneia do sono, e um terceiro, epidemio-lógico, que é o risco aumentado entre

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Debates GVsaúde | Volume 16 | jan/dez. 201454

era belga, pois os belgas detestam quando são confundidos com franceses.

E vários outros indicadores de obe-sidade foram testados e existem. Alguns são até melhores, mas com os que usam raiz cúbica, por exemplo, fica meio difícil de trabalhar.

E o iMC foi ganhando uma popula-ridade muito grande a partir do final dos anos 1980 e início dos 1990. Vários ar-tigos científicos começaram a mencio-ná-lo e se popularizou de tal forma que, um dia, abri a revista Claudia e lá estava: como calcular o iMC. E temos as catego-rias que muitos conhecem. Menos que 18,5, basicamente; 18,5 a 24, que seria o ideal; sobrepeso; obesidade i, obesidade ii e a obesidade mórbida.

É um bom indicador? Sim, porque é o indicador mais fácil que existe para ser aplicado. Para estudos epidemiológicos é muito fácil porque basta utilizar recursos como uma balança daquelas de banhei-ro, colocar a pessoa encostada na parede, marcar ali, puxar uma fita, nem precisa de estadiômetro. É possível trabalhar em qualquer lugar, em qualquer condição. O único lugar em que não se conseguiu calcular o iMC foi na floresta amazôni-ca, com os ianomâmis, porque a cultura daquela nação indígena impede que se meçam as pessoas, porque seria fonte de má sorte. Mas no mundo inteiro se con-seguiu fazer isso.

Ele é mais um dos marcadores da adiposidade. O grande problema do iMC é que ele não distingue componen-tes como músculos, ossos, gordura sub-cutânea e gordura visceral, não faz essa distinção. E nós temos circunferência abdominal, do quadril; pregas cutâneas; circunferência do pescoço; ultrassono-grafia do fígado para verificar esteatose; ecocardiograma para gordura epicárdica; tomografia do aumento, que talvez seja, do ponto de vista cardiometabólico, o exame mais interessante; densitometria corpórea, a técnica de água duplamente marcada, que é o padrão ouro; e por aí vai. Com certeza existem várias outras formas de verificar a adiposidade para avaliar melhor. Mas o iMC é o melhor instrumento disponível.

pessoas obesas do diabetes, hipertensão, dislipidemia, com o consequente impac-to na mortalidade geral.

A questão estética é meramente cul-tural e muda com o tempo. Temos um quadro renascentista e uma pessoa mi-metizando a famosa Twiggy, que foi a pri-meira modelo magérrima nos anos 60. É uma questão da cultura e de gosto que varia conforme a época.

Em termos de efeitos da obesida-de com danos mecânicos, ao se compa-rar quem está acima do peso com quem está abaixo do peso ideal, aqueles com excesso de peso têm 40% mais chance de procurar um médico, 38% de ter dor contínua e 35% de faltar no trabalho por lombalgia. A obesidade e o peso envol-vem uma questão de qualidade de vida inegavelmente importante e, dependen-do da abordagem, têm um significado prático muito importante. Mas essa nun-ca foi a grande preocupação em termos populacionais.

Os primeiros dados científicos sobre obesidade de que se tem notícia datam dos idos de abril de 1957. Ou seja, um conhecimento muito grande e muito an-tigo. Na verdade, é muito mais antigo ainda, já que nos anos 1920, as empresas de seguro americanas já tinham identifi-cado que a mortalidade precoce era maior em pessoas acima do peso à época consi-derado ideal. Em termos de mortalidade geral, temos um aumento progressivo. Se utilizarmos como referência o Índice de Massa Corpórea (iMC) de 22,5 a 24 kg/m², constatamos o aumento progressivo da mortalidade quanto maior for o índi-ce, ajustando a todos os outros fatores.

Se nos perguntarmos o quê afinal de contas estamos discutindo e fazendo aqui, temos o fato incontestável do au-mento da obesidade. Mas temos algumas questões importantes, como a de verificar se a aferição da obesidade é perfeita.

No final dos anos 1970 a porcentagem do peso ideal era a de uma tabela ameri-cana. No inicio do século XiX, Adolphe Quételet, um matemático belga fez o que todo mundo sabe: o peso dividido pelo quadrado da altura. Essa é uma equação dele. Faço questão de frisar que Quételet

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Para o cálculo do risco metabólico, a fórmula mais comum é a da síndrome me-tabólica. Nós não utilizamos o iMC, utili-zamos a circunferência abdominal. Porque a circunferência abdominal é a que mais se aproxima daquilo que, do ponto de vis-ta cardiometabólico, nos interessa, que é a gordura visceral. Ao todo, temos cir-cunferência abdominal, pressão arterial, triglicérides, glicemia e fração HDL do colesterol.

Para comprovar tudo o que dissemos desde o início, há um estudo recente – do qual tive a oportunidade de partici-par como um dos autores – que mostra o aumento do sobrepeso e da obesidade, a obesidade em adultos e na faixa dos dois aos 19 anos. O aumento é significativo tanto nos chamados países desenvolvidos quanto nos países em desenvolvimento. O aumento é praticamente geral no mun-do inteiro.

E eu ressalto aqui três estudos no Bra-sil que indicam a evolução histórica do sobrepeso, da obesidade, déficit de peso: o Estudo Nacional de Despesa Familiar (Endef), dos anos 70; a Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição (PNSN) de 1989; e a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2002/2003. Nos três estudos de base populacional houve um aumento do percentual da população com excesso de peso: 18,5%, 29,5% e 41% nos homens; nas mulheres, 28%, 40%, 39%. E a obe-sidade também: nos homens, 28%, 51%, 88; nas mulheres: 7%, 8%, 12,8/12,7.

Não sei se alguém aqui conhece o Vi-gitel, ou participa desse programa de mo-nitoramento por inquérito telefônico de fatores de risco e proteção para doenças crônicas. É um programa que se iniciou na Faculdade de Saúde Pública e depois foi incorporado ao Ministério da Saúde. Eu também participei desde o início. Foi uma cópia muito bem feita de um progra-ma do Centro de Prevenção e Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC), e muito bem adaptado. O Ministério o implementa todo ano, e muito bem. São feitos telefonemas aleatoriamente para 26 capitais e Distrito Federal, consultando a população, e o pesquisador pergunta so-bre o peso, se foi no médico, se fuma, se

parou de fumar, se faz exercício. São vá-rias perguntas. Quem botar no Google a palavra Vigitel, vai encontrar tudo lá, são vários calhamaços.

Quando olhamos o mundo, existem diferenças. Os Estados Unidos estão en-tre os campeões de obesidade. Temos a Arábia Saudita, o Egito, a Líbia também. Seria interessante ver porque esses países têm uma prevalência tão grande de obe-sidade. E o Brasil está aí também, no pe-lotão do meio, mas avançando bastante.

A principal questão é a seguinte: e daí que a obesidade está aumentando? E daí? Bom, no ano 2000 escrevi que o aumento da obesidade no Brasil ia levar a um au-mento da mortalidade cardiovascular. E o ilustre vidente aqui foi bastante ouvido. Muita gente comentou: “nossa, preocu-pante. Vamos ter um pico mesmo de mor-talidade porque o diabetes vai aumentar, e a letalidade do diabetes”. Todo mundo veio falar comigo, até fiquei envaideci-do. E a minha previsão foi sensacional, pois aconteceu exatamente o contrário. Justamente, quando falei que ia ter um aumento, a mortalidade cardiovascular no Brasil não só caiu, como a queda se acelerou.

Então, primeiramente, uma lição para todos: não façam previsões. E é in-teressante porque essa era uma ideia que muita gente tinha, muita gente me citou. Mas não aconteceu. Então, aí é que está o primeiro ponto. É preciso tomar um certo cuidado ao falar que o iMC está aumen-tando porque o impacto dele naquilo que a gente considera como o mais relevante, as doenças cardiovasculares, não aconte-ceu. Alguém pode responder com a piada do McDonald’s, quando era a aspirina que servia para prevenção de infarto: “eu que-ro um Triple Burger, um milk-shake e uma aspirina”. Agora, é uma aspirina e uma es-tatina. Talvez, possa ter acontecido isso. As pessoas tiveram mais doenças, mas o tratamento foi muito bom. São várias as explicações de que podemos dispor.

Mas vamos, então, estudar a questão. E eu paro aqui para fazer propaganda do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto – o ELSA Brasil. Tínhamos inúmeros es-tudos no mundo inteiro tentando avaliar

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Debates GVsaúde | Volume 16 | jan/dez. 201456

os fatores de risco cardiovascular. E o Framingham Heart Study é o mais famo-so. E nós colocamos o ELSA Brasil para estudar com mais detalhes por que razão, afinal de contas, pode haver aumento da prevalência da obesidade e redução do risco de mortalidade cardiovascular.

No ELSA Brasil, temos 15.105 pes-soas que estamos seguindo desde 2008. São pessoas de 35 a 74 anos para as quais fizemos toda a parte antropométri-ca, fisiológica e bioquímica nesse perío-do. Estamos acabando agora o segundo exame e preparando o terceiro para 2016 e 2017. Quais dados o ELSA Brasil tem para mostrar? O ELSA Brasil é uma co-orte de sobrepeso. Para quem não sabe, coorte vem do latim cohors, que eram as subdivisões da legião romana. Então a primeira coorte lá na frente ficava dan-do paulada no inimigo, aí tocava o som, eles iam para trás, entrava a segunda. São sequências de pessoas. Nesse estudo temos dois terços de pessoas com sobre-peso/obesidade. Temos 1% de pessoas com obesidade, homens com obesida-de mórbida e mulheres com obesidade mórbida. Esse é o nosso quadro.

Quando vimos isso, achamos que a nossa população avaliada era muito dis-tante da brasileira. Quase todos os dados do Vigitel e o outro estão mostrando que isso aqui está se aproximando muito. O

nosso resultado em relação à raça mostra que os asiáticos são muito mais magros e têm uma proporção de pessoas com obe-sidade relativamente pequena. Em oposi-ção, temos os negros. Os negros têm na nossa coorte uma frequência maior de obesidade ou de valores de iMC, se fôs-semos um pouco mais radicais. Mas não existe diferença entre pardos e negros no aumento da proporção.

Como o ELSA Brasil tenta explicar o aumento recente e rápido da obesidade? Uma teoria da qual eu sou um dos de-fensores é que tal como acontece com as pessoas, acontece com as sociedades tam-bém. Nós éramos uma sociedade tabágica (figura 1). Na época em que eu fiz o cur-so de administração da FGV todo mundo fumava, professor fumava, aluno fumava aqui na sala. Hoje ninguém mais se ima-gina fumando neste prédio ou arredores.

Se vocês olharem a curva do gráfico, verão que em preto temos a proporção de quem nunca fumou em termos de Índice de Massa Corpórea. Em branco, tenho o número de ex-fumantes. Os ex-fumantes são mais obesos, é uma pro-porção muito maior. E os atuais fuman-tes, os que continuam sendo fumantes, são mais magros.

Uma hipótese que a gente pode ter em relação à população brasileira é que o aumento seria porque uma proporção im-

Figura 1.

O tabagismo como uma explicação importante para o aumento rápido e recente

nunca

55,9

%

< 18.5 KG/M2 18.5-24.9 KG/M2 20.5-29.9 KG/M2 30-34.9 KG/M2 35-39.9 KG/M2> = 40 KG /M2

11,9

%

32,2

%

60,0

%

24,3

%

14,8

%

54,4

%

33,2

%

12,4

%

54,4

%

34,5

%11

,1%

55,5

%

33,8

%

10,7

%

59,8

%31

,9%

8,3%

ex atual

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jan/dez. 2014 | Volume 16 | Debates GVsaúde 57

portante parou de fumar rapidamente. E isso realmente aconteceu. Num período de 15 anos houve uma queda importante do tabagismo e um aumento dos ex-fu-mantes. O Vigitel mostrou isso também. Então, no Brasil poderíamos dizer que o peso está aumentando por causa dos ex-fumantes. Mas essa ideia não consegue se sustentar em praticamente nenhum outro lugar porque o tabagismo está crescendo na África, na Ásia, e a obesidade também. Ou seja, existe uma possibilidade de que seja isso, mas não é a grande explicação.

Agora, vamos à questão mais im-portante, e que talvez seja a nossa gran-de discussão aqui. A lombalgia e outras afecções “a gente vai levando essa cha-ma” como diria o poeta. A nossa grande preocupação é o risco cardiometabólico decorrente da obesidade. Mas aí temos uma situação que é a frequência da sín-drome metabólica pelos estratos de Índi-ce de Massa Corpórea. Vejam só: quem tem menos de 18,5 tem 8% de síndrome metabólica. Quem está com o peso ide-al, 16%. Para quem está com sobrepeso, o índice salta para 43%. Para obesidade, 76%, obesidade i, 76%, e depois nós va-mos chegar a valores de 86%.

Está muito claro aqui que a carga de risco cardiometabólico está associada aos valores de iMC. Em seguida, você deve estar pensando assim: “caramba, o quê

que eu vim fazer aqui na FGV à noite? Ver uma pessoa me contar que a obesida-de está aumentando e que está associada ao risco cardiometabólico?” isso prova-velmente já saiu em alguma entrevista da Claudia, alguma revista feminina ou qualquer outro veículo já devem ter co-mentado em seu portal.

O que eu quero tentar mostrar para vocês é que existe uma questão bastante diferente nessa abordagem.

Neste gráfico estão dados do ELSA Brasil. Eu mostro a distribuição do iMC e da prevalência de síndrome metabólica (figura 2). Embaixo temos valores dife-rentes. Tenho aqui uma distribuição da proporção que eu chamaria de prevalên-cia, a frequência de obesidade, a propor-ção da síndrome metabólica como um todo e aqueles que estão sob risco. Ve-mos a totalidade das pessoas com síndro-me metabólica, na cor azul. E na linha magenta a frequência de síndrome meta-bólica em cada estrato de Índice de Mas-sa Corpórea. Se olharmos quem está com obesidade mórbida – o iMC acima de 40 –, vemos que 86,8% dessas pessoas têm síndrome metabólica. Só que elas repre-sentam 3,2% de toda amostra das pessoas com síndrome metabólica. Quem tem obesidade tipo ii – de 35 a 40 –, corres-ponde a 10% de todas as pessoas que têm síndrome metabólica. Embora naquele

Figura 2.

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estrato do iMC, 86% tenham síndrome metabólica. Essa é a grande questão.

Bom, e aí o que eu faço? Eu faço ci-rurgia bariátrica. Porque houve passeata. Houve o caso daquele cidadão que saiu andando do Rio Grande do Sul até Brasí-lia pedindo que lhe operassem o estôma-go e fez um grande exercício para conse-guir a cirurgia bariátrica pelo SUS. Tem todo esse movimento. Há uma pressão sobre o SUS para que pague cirurgia ba-riátrica, com o argumento de que é uma necessidade imperiosa.

Não vou discutir tratamento algum, não estou aqui para isso. Só quero ob-servar que, quando estamos tratando da cirurgia bariátrica, estamos focando nos 13,1% de pessoas com síndrome metabó-lica e deixando de fora 86% das pessoas. Então toda atividade individual é extre-mamente limitada.

Alguém pode me perguntar: “o senhor está aqui para acabar com os cirurgiões bariátricos, endocrinologistas, nutricio-nistas?”. Não. Existe ação individual? Sim. Mas o impacto dela, em termos populacio-nais, em termos coletivos, é praticamente nulo. Por quê? Porque é uma coisa muito pequena o que fazemos. O que nós temos que fazer é alterar o posicionamento da frequência da curva de distribuição do iMC. Nós temos que pegar o iMC médio brasileiro, mundial e jogar para o outro lado. É isso o que temos que fazer.

E como vamos fazer? isso é o que chamamos de estratégia populacional, um termo criado por Geoffrey Rose na London School of Hygiene and Tropical Medicine em Londres. Nós temos necessi-dade de envolver todos os setores da so-ciedade, e aí eu brinco dizendo que isso inclui até o Ministério da Saúde, porque há determinantes extra-saúde.

E por que isso está acontecendo? Qual é o problema extra-saúde? Sem ne-nhum comprometimento comercial da minha parte, indico dois livros. Um é do Robert Lustig, professor da Universidade da Califórnia, São Francisco, endocrino-logista. Ele discute o aumento da inges-tão de frutose nos produtos industriali-zados. Ele tem uma palestra no Youtube chamada Fructose 2.0, que deve estar lá

com uns 2 milhões de acessos, tão vista quanto o Porta dos Fundos. Tem uma vi-sibilidade imensa.

E também o livro do Michael Moss. É um jornalista do New York Times que fez reportagens avassaladoras sobre a in-dústria alimentícia, fiquei horrorizado. É leitura que recomendo, já em edição bra-sileira. Por que isso daí? Pelo seguinte: para termos um enfoque populacional nós vamos ter que ter muita, muita for-ça. Temos um problema com a indústria sucroalcooleira. Desde quando o pessoal do açúcar manda neste país? Respondo: desde 1532, aqui perto, em São Vicente, quando eles começaram a primeira plan-tação e, depois, o primeiro engenho. É assim, eles têm um certo poder em todos os lugares. No Estado de São Paulo, bas-tante. E só para vocês terem uma ideia, em 2004 existiu uma proposta para se ter somente no máximo 10% de açúcar livre na dieta. Após a invasão do iraque, Luiz inácio Lula da Silva e George W. Bush estavam em pontos opostos, mas concor-daram imediatamente em contrariar esse posicionamento da comunidade acadê-mica. No início era só o Brasil e Estados Unidos contra a proposta da limitação do açúcar. Porque a força do setor é muito grande.

Então, nós temos que discutir bem essa questão. Não quero vir aqui ficar batendo nessa tecla, mas com certeza a questão do açúcar é extremamente séria e merece muito mais estudo a respeito.

Os Estados Unidos consomem muito mais frutose, que é subproduto do mi-lho. O milho é a coisa mais importante do ponto de vista político-estratégico nos Estados Unidos. Tanto que as primárias americanas começavam no Estado de New Hampshire e foram para o Estado de iowa, que é o Estado do milho, por-que eles já querem fazer a pressão nos pré-candidatos à presidência. O poder da indústria do milho nos Estados Unidos é imenso e a grande questão do milho é o xarope basicamente à base de frutose. Temos uma grande discussão específica sobre a ação da frutose. Mas a nossa saca-rose, como nós aprendemos na química orgânica, é glicose mais frutose.

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O enfoque populacional já está co-meçando. No Rio de Janeiro já começou nas cantinas, com lei municipal. Tenho uma observação com relação a isso que vai deixar muitas pessoas arrepiadas. No enfoque populacional, se temos a indús-tria do açúcar e dos alimentos processa-dos como grandes entraves, nós vamos ter que ganhar as redes de fast-food. Uau! Que horror!

A primeira pessoa que fez esse chama-mento foi Walter Willett, professor titu-lar da Harvard, onde é o chefe do depar-tamento de nutrição na escola de saúde pública Há algum tempo, ele disse o se-guinte: “acho que o McDonald’s pode...” Eu pensei: “meu Deus do céu, o que ele está fumando que eu não estou fuman-do aqui? Porque não é possível, um dos mais importantes epidemiologistas nu-tricionais”! Passados alguns anos, eu es-tava no interior do Alaska, interior mais ou menos, o Alaska é todo interior, e não tem nada diet lá. O único lugar que tem coisa diet é o McDonald’s !!!Tinha leite desnatado, tinha iogurte. O McDonald’s está percebendo esse nicho de mercado. Vamos ter que ganhar as redes porque elas têm uma capacidade de distribuição muito grande.

Essa é a grande questão para todo mundo aqui que deve estar falando “pô, eu sou endocrinologista, sou nutricionis-ta”. O enfoque populacional potencializa a ação individual. Eu trabalhei muito nos anos 1980-90 com a questão da cessação do tabaco. Era em vão. Quando começa-ram as leis de restrição em local de traba-lho, em toda parte, tudo ficou mais fácil. Por quê? Porque se a pessoa para de fu-mar, a adição dela diminuiu. Se nós tiver-mos um enfoque populacional e essa pes-soa tiver menos contato – desculpe falar isso – com açúcar livre, a adição dela vai diminuir, e isso vai facilitar a ação indi-vidual de vocês. Essa é a grande questão.

A outra coisa com que é preciso ter cuidado é que, ao invés de focar em quem tem nome e CNPJ, começamos a falar dos inimigos gerais. No passado, falávamos do imperialismo. Agora tem a globaliza-ção. Adoram falar de globalização. Leiam o livro do Michael Moss. Vocês vão ver

que lá é citado o nome das pessoas, en-dereço, tudo. Sucroalcooleira tem nome, tem sede, tem tudo aqui. Para que falar do que não existe? O que é globalização?

A globalização é um sucesso e, por isso estamos aqui neste momento. Os nossos antecedentes que saíram da África e resolveram conquistar o planeta inteiro fizeram isso há mais ou menos um mi-lhão e meio de anos. Fizeram e consegui-ram. Foi a primeira globalização. Depois foram os nossos lusitanos queridos que fizeram uma extraordinária globalização do mundo. E vejam só, uma parte do mundo não passa fome hoje porque os portugueses distribuíram a mandioca no Oriente e na África, onde é muito impor-tante. Eles pegaram a mandioca no Brasil e distribuíram lá, e passou a ser uma das principais fontes de alimentação. Parem de falar mal da globalização para culpar a obesidade. Essa questão tem CNPJ ou uma inscrição em outros países como em-presas. São ações comerciais importantes que existem. E precisam ser amplamente discutidas.

Desculpem se eu pisar no calo de algumas pessoas aqui, mas uma outra questão é a do estilo de vida. Parem de falar em estilo de vida. Estilo de vida sig-nifica praticamente voltar à questão dos sete pecados capitais. Não é uma decisão pessoal. Está relacionado ao tempo e ao espaço. Não é um hábito como o tabagis-mo. O tabagismo é uma adição química gravíssima, psicológica nem tanto, mas como adição química é muito forte, é uma das mais fortes. E é colocado assim no negócio do estilo de vida. É confundida com traços de personalidade, reflexo da dinâmica do desenvolvimento e doenças mentais comuns. Ou seja, um pastiche da filosofia, psicanálise, psiquiatria, e tudo mais. Por favor, não usem esse termo.

O máximo que se pode falar é que ela é o lado ambiental da questão decor-rente do nosso próprio DNA, e como se relaciona com o ambiente. É isso que as doenças são. Não tentem colocar a ques-tão em termos de estilo de vida. Tentem entender as pessoas no contexto em que elas estão e em relação ao que elas têm, e o que podem fazer.

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Em relação ao tabagismo, fiz uma brincadeira durante a minha apresenta-ção na Harvard Medical School. Vou tra-duzir para vocês para finalizar.

A revista da Suméria, publicada no ano 4.300 A.C., diz que o novo estilo de vida é uma ameaça por causa das novas doenças. A criação de animais e a agricultura sis-temática, os acampamentos, têm trazido novas doenças para o homem, a despeito da diminuição da fome e da desnutrição. Essa foi a conclusão da Associação de Saúde Pública da Era do Bronze durante o seu encontro anual. De acordo com essa declaração, há uma evidente ameaça no novo processo com espécies de animais, que algumas autoridades definem como domesticação.

O dr. X do departamento Y diz que o hábito de comer porcos e patos está sendo associado à uma nova epidemia de resfriado e gripe. E o uso de vacas para dar leite tem trazido sérios problemas, como risco de tuberculose. E o professor Leldray, da Anatólia, está associando o uso cada vez maior de cavalos para uso comercial, militar e transporte pessoal à

epidemia de resfriado que foi observada na cidade de Anatólia e também teme que isso esteja resultando em menos ativida-de física, além de problemas decorrentes como, provavelmente, a obesidade.

E o CDC do Egito também relata pro-blemas e destaca que, pelo fato de esta-rem inundando áreas ao redor do Nilo para agricultura, o número de anófeles tem crescido, espalhando o plasmódio e aumentando os casos de malária. E o porta voz do faraó disse que a revolução neolítica é irreversível para que a huma-nidade domine todo o planeta. Eles en-fatizam dois estudos que mostram que, com a revolução do neolítico, a mortali-dade infantil por ataques de leões e leo-pardos caiu muito e as quedas de árvores também. De uma forma sarcástica, o re-presentante da associação de agricultura recomendou aos críticos que voltassem para a savana africana para caçar e serem caçados. E esta questão continua, o de-bate sobre estilo de vida continua, assim como o debate sobre monoteísmo e poli-teísmo, e também a nova rodada de paz na Palestina entre hititas e judeus.

pouco sobre as ações induzidas pelo Ministério da Saúde, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), para

prevenir e enfrentar a obesidade.

VOu FALAR uMDebateDoR

Patrícia Constante Jaime

ministério da Saúde

Foi Coordenadora Geral de Alimentação e Nutrição do ministério da Saúde entre 2011 e 2014.

Obesidade e os impactos no Sistema de Saúde - Debate 21/10/2014

Sou gestora federal da Política Nacio-nal de Alimentação e Nutrição, a PNAN. Quando falo de obesidade, não estou ne-cessariamente falando só sobre a dimen-são alimentar. Vou falar um pouco tam-bém das outras dimensões, mas, devido ao cargo que ocupo e à minha própria formação histórica, acadêmica e profis-sional, pretendo enfatizar os aspectos nutricionais vinculados à obesidade.

A Política Nacional de Alimentação e Nutrição é uma das políticas que inte-gram o conjunto das políticas de saúde do Sistema Único de Saúde. Foi publica-da inicialmente em 1999 graças ao esfor-ço feito na época de construção de po-líticas setoriais no SUS. Para se ter uma ideia, a Política Nacional de Atenção Bá-sica (Pnab) data de 2006. E a Política Na-cional de Promoção à Saúde, na sua pri-

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e nutrição e do cuidado integral. Há tam-bém uma agenda de regulação e controle de alimentos, já que a PNAN é um dos marcos políticos e legais que ancoram a área de alimentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa. E ainda há diretriz vinculada à pesquisa, inovação e conhecimento em alimentação e nutri-ção, que orienta a construção de políticas públicas na área orientadas por evidên-cias científicas.

Sempre digo que, se conseguirmos pôr em prática as oito primeiras diretrizes da NAN, o que nos caracteriza enquanto setor de saúde, é possível articular uma agenda tipicamente intersetorial da segu-rança alimentar e nutricional, que possui uma lei orgânica própria, a Losan, que é a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional. Com essa lei, passou-se a reconhecer a alimentação como um direi-to. Já tínhamos a saúde como um direito constitucional e a alimentação foi incor-porada como um direito em 2010.

Conceituamos na PNAN, pela primei-ra vez, o que é atenção nutricional, que engloba os cuidados relativos à alimen-tação e nutrição, voltados tanto à pro-moção quanto à proteção da saúde, ou seja, prevenção, diagnóstico, tratamento de agravos relacionados à alimentação ou estado nutricional e reabilitação, que devem estar associados às demais ações de atenção à saúde do SUS, tanto para indivíduos como para famílias e comuni-dades. Nosso objetivo é contribuir para a conformação de uma rede de atenção em saúde cada vez mais integrada, resolutiva e humanizada.

No SUS, quando fazemos a gestão federal, na organização da atenção nu-tricional, precisamos definir quais são os principais problemas para estabelecer linhas de cuidados, programas e proje-tos. E essa definição leva em considera-ção as demandas e necessidades de saúde no território. Considera-se as de maior frequência e maior relevância, por meio de dados provenientes da vigilância epi-demiologia, que são fundamentais nesse sentido. E consideramos também os cri-térios de risco e vulnerabilidade, enten-dendo os determinantes sociais em saúde

meira versão que será republicada agora, também é de 2006.

Denise Coitinho, ocupava à época a Coordenação Geral da Política de Ali-mentação e Nutrição (CGPAN) do Minis-tério da Saúde e depois assumiu a direção do departamento de nutrição na Organi-zação Mundial da Saúde (OMS). E a po-lítica foi revista quando completou dez anos. Em 2011, nós repactuamos, como se faz no SUS, de forma tripartite, na Co-missão intergestores Tripartite (CiT). O novo texto da Política Nacional de Ali-mentação e Nutrição atualiza a missão e diretrizes da política, e considera o inten-so processo de transição alimentar, nutri-cional, epidemiológica e também social, vivido ao longo dos anos 2000.

A Política Nacional de Alimentação e Nutrição, a PNAN, como a chamamos, tem o propósito de melhorar as condi-ções de alimentação, nutrição e saúde da população brasileira, mediante a promo-ção de práticas alimentares adequadas e saudáveis, a vigilância alimentar nutri-cional, a prevenção e o cuidado integral dos agravos relacionados à alimentação e nutrição. Ela está organizada em nove diretrizes. É importante ressaltar que são essas diretrizes que coordenam e orien-tam o modo de pensar sobre os progra-mas específicos, as linhas de cuidados, além de outras ações para promover me-canismos de alcance à missão da política.

Nós temos uma centralidade que é a da organização da atenção nutricional, no âmbito da rede de atenção à saúde. Para isso, ações de promoção da alimentação saudável, de vigilância e de gestão são de-senvolvidas, considerando os instrumen-tos de pactuação e gestão do SUS – uma gestão interfederativa, dentro dos meca-nismos da administração do Sistema Úni-co de Saúde. Tem um princípio impor-tante da participação e do controle social porque este é um princípio doutrinário do Sistema Único de Saúde, que está na lei 8080. A qualificação da força de traba-lho também é importante, entendendo a política não como específica do nutricio-nista, mas uma política do conjunto dos profissionais de saúde envolvidos no de-senvolvimento das ações de alimentação

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que definem a particularidade de uma de-manda no território.

Quanto ao cenário nacional atual, ainda que tudo deva ser ajustado quando se pensa na implantação da política nos âmbitos estadual, regional, municipal ou local, temos que observar qual é a neces-sidade da população. Em nível nacional, temos hoje basicamente a obesidade como o agravo mais frequente. O conjunto das doenças crônicas não transmissíveis está relacionado à obesidade em si, ao exces-so de peso, ou a componentes dietéticos como, por exemplo, o alto consumo de sódio e de sal. A desnutrição teve uma fantástica queda no Brasil. E hoje temos

que fazer um exercício de focalização, le-vando em conta o critério da vulnerabi-lidade. Por exemplo, crianças indígenas, quilombolas e as mais vulneráveis social-mente ainda têm um risco maior de des-nutrição e carências nutricionais especí-ficas por micronutrientes. Na população indígena de Roraima, por exemplo, há duas etnias com alta prevalência de beri-béri. Foram mais de 80 anos sem casos de beribéri e agora sabemos que há alguns locais com a presença deste agravo nu-tricional. Há que se considerar também as necessidades alimentares especiais que são as situações que demandam manejo dietético, por exemplo, doença celíaca, anemia falciforme.

Mas por que obesidade ocupa uma po-sição tão importante? Porque tem um cus-to financeiro grande para o Sistema Único de Saúde. Estudo oriundo de uma tese de doutorado defendida na UNB, em 2012,

fez uma análise do custo atribuído à obe-sidade no tratamento das principais doen-ças relacionadas à mortalidade brasileira.

Foram identificadas 17 condições clí-nicas em que a obesidade tem um peso importante na sua determinação e que re-sultam em um custo alto para o SUS. Para se chegar a essa conta considerou-se a re-lação que existe entre o excesso de peso, a obesidade e o desenvolvimento do agravo, da doença, além da fração atribuível à obe-sidade nessa ocorrência da doença. Che-gou-se a um custo atribuível à obesidade de aproximadamente 500 milhões de reais por ano, no âmbito hospitalar e no âmbito ambulatorial. Não se levou em considera-

ção os custos para o ma-nejo da obesidade, por exemplo, na atenção pri-mária à saúde. Mas ob-viamente buscamos ter cada vez mais esse custo porque é onde se conse-gue fazer mais promoção e prevenção e menos tra-tamento da doença.

Entre as principais enfermidades associa-das à obesidade, assim como o custo atribuível ao tratamento, figura a

doença isquêmica do coração. Em segui-da, o câncer de mama. Há forte relação entre adiposidade e o câncer de mama. Depois, a insuficiência cardíaca conges-tiva e diabetes. São os quatro principais agravos, sendo que as mulheres contri-buem fortemente na carga financeira da obesidade para o Sistema Único de Saúde.

Em 2011, o Ministério da Saúde e o governo brasileiro assumiram um com-promisso internacional na Organização das Nações Unidas, por ocasião do lan-çamento do plano de enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis. Nesse plano foram identificadas quatro principais grupos de doenças crônicas que têm uma carga importante no perfil do adoecimento e mortalidade da popu-lação brasileira. São as doenças circula-tórias, o câncer, as doenças respiratórias crônicas e o diabetes. O que elas têm em comum? Alguns fatores de risco que são

temos metas de reduzir o consumo nocivo de álcool, aumentar a prevalência de atividade física no lazer e o consumo de frutas e hortaliças, cortar o consumo médio de sal e também a prevalência do tabagismo em adultos.

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modificáveis e comuns, em especial o tabagismo, o consumo de álcool, a ina-tividade, a alimentação não saudável e a obesidade.

Esse plano tem por objetivo promo-ver o desenvolvimento e a implantação de políticas públicas que sejam efetivas, in-tegradas, sustentáveis e baseadas em evi-dências, e prevenir e controlar as doenças crônicas não transmissíveis e seus fatores de risco. Prevê ainda fortalecer os siste-mas de saúde para que sejam mais capa-citados e apropriados na condução dos cuidados dessas condições crônicas.

Vamos a algumas metas do plano. Uma delas é reduzir a mortalidade pre-matura por doença crônica não transmis-sível a uma taxa de 2% ao ano. O meu objetivo aqui não é fazer um balanço do plano, pois já temos esse monitoramento. Ele foi lançado em 2011 e já alcançamos essa taxa anual de redução da mortali-dade prematura, em grande parte graças à redução do tabagismo. O plano tem também metas vinculadas à redução da prevalência da obesidade em crianças, as-sim como em adolescentes, além de pro-curar deter o crescimento da obesidade em adultos. A obesidade é o desfecho em saúde com maior incremento observado ano a ano. Desde as séries anuais do Vigi-tel, não temos um desfecho monitorado com incremento tão frequente quanto o observado para a obesidade. Obviamente, prevenir a obesidade é muito mais fácil do que tratá-la. Logo, do ponto de vista da saúde pública, se conseguirmos rever-ter a prevalência nas crianças será como fazer um investimento à médio prazo. E manter as mesmas taxas observadas em adultos já é um ganho para o Sistema Único de Saúde porque significa reduzir o que seria o aumento ano a ano.

Temos metas de reduzir o consumo nocivo de álcool, aumentar a prevalência de atividade física no lazer e o consumo de frutas e hortaliças, cortar o consumo médio de sal e também a prevalência do tabagismo em adultos. São esses os obje-tivos diretamente vinculados à obesidade.

Essas não são metas extraídas do va-zio. São projeções. Uma delas, a projeção para redução da obesidade em crianças

de 5 a 9 anos. Observou-se, de 1975 a 1989, uma taxa de crescimento anual de 2,5% nessa faixa etária. De 1989 a 2008, pelos dados de inquéritos populacionais como as Pesquisas de Orçamentos Fa-miliares (POF), temos um crescimento médio anual de 7,6%. É impressionante que na última década, o aumento anual da obesidade foi muito maior. isso é fruto de um ambiente obesogênico que se in-tensificou. É preciso entender o que fez o ambiente ficar tão obesogênico em curto período de tempo. isso não está relacio-nado só à urbanização. A urbanização é anterior a esse processo. Está relacionado ao fortalecimento do modelo de produ-ção do sistema alimentar que, cada vez mais, preconiza e induz ao consumo de alimentos ultraprocessados, um padrão de consumo alimentar fortemente marca-do nessa última década.

Portanto, com base nessas prevalên-cias, o nosso esforço é o de construir políticas públicas que levem à redução da obesidade até 2022, em comparação aos patamares observados em 1988 nas crianças brasileiras. A mesma perspec-tiva para os adolescentes. Temos uma prevalência menor nessa faixa etária porque existe a janela da oportunidade do crescimento da adolescência, por isso a prevalência é menor do que entre as crianças.

O plano trabalha com três grandes ei-xos: um eixo de vigilância, informação, avaliação e monitoramento; um eixo de promoção da saúde; e um eixo de cuida-do integral. Não vou ter tempo de expor detalhadamente todos os eixos, mas sai-bam apenas que, em especial, o eixo da vigilância, informação, avaliação e mo-nitoramento busca induzir ao estabeleci-mento de inquéritos populacionais.

Cito, como exemplo, a Pesquisa Na-cional de Saúde, resultado da parceria do Ministério da Saúde com o iBGE, feita em 2013, que trará relevantes informações. Também a Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por in-quérito Telefônico, o Vigitel, que monito-ra fatores de risco e nos permite avaliar a tendência temporal do estado nutricional da população brasileira. Existem outros

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inquéritos populacionais ou pesquisas específicas que completam o diagnósti-co da tendência temporal da obesidade e outros fatores de riscos relacionados à obesidade.

O eixo da promoção da saúde traba-lha basicamente com a indução de pro-gramas capazes de levar a mudanças de comportamentos e processos de cuidado mais sensível à prevenção da obesidade. Destaco os programas Academia da Saú-de e Saúde na Escola, além de acordos com a indústria. Nesse aspecto, ressalto a necessidade de conversar com o fast-food, com a indústria de alimentos, e avaliar como modificar o perfil nutricional dos produtos processados. Não estou falando muito da promoção da saúde, mais de re-dução de danos. E a redução do preço dos alimentos saudáveis. Ou seja, um plano intersetorial para prevenção e controle da obesidade.

O terceiro eixo, o cuidado integral, estabelece a necessidade de se configu-rar uma linha de cuidado para as doen-ças crônicas que tenha a obesidade como prioridade. Vou falar da linha de cuidado prioritária e, em seguida, da forma como estamos trabalhando. Desde 2010, o es-forço do Ministério da Saúde, mediante uma portaria que estabelece outra forma de organização dos serviços em saúde, tenta romper com a fragmentação clássi-ca do modelo piramidal de serviços que tínhamos até então, o que para alguns agravos agudos poderia ser bem efetivo, mas para as condições crônicas tem pou-ca capacidade de resposta.

Temos então a constituição do que chamamos de redes de atenção em saúde, que são arranjos organizativos de ações em serviços de saúde, de diferentes den-sidades tecnológicas integradas por meio de sistemas de apoio técnico, logístico e de gestão. E o grande objetivo das redes de atenção em saúde é superar a fragmen-tação a fim de garantir a integralidade do cuidado desse sujeito dentro do seu espa-ço, dentro do seu território.

O que temos feito no SUS, a partir dessa diretriz mais conceitual e político-progra-mática, é implantar as redes de atenção por meio das redes temáticas e administrar, na

articulação interfederativa, a organização dos serviços e das principais demandas. Hoje, temos cinco grandes redes temáticas constituídas e pactuadas no SUS.

Uma delas é a Rede Cegonha, que trata da assistência obstétrica e todo o cuidado da saúde da criança. Ela é mui-to vinculada ao compromisso da redução da mortalidade infantil e da mortalidade materna, que são objetivos do milênio, compromissos globais. A Rede de Aten-ção Psicossocial engloba a questão do uso abusivo do álcool, crack e outras drogas. E a Rede de Atenção às Urgências e Emergências, que tem uma grande im-portância, sobretudo, para doenças car-diovasculares. Vou me deter um pouco e falar sobre a Rede de Atenção às Pessoas com Doenças Crônicas. Mas há também a Rede de Atenção às Pessoas com Defi-ciências, porque acho que essa era uma grande dívida do sistema de saúde: olhar para a pessoa com deficiência.

independentemente do tema que an-cora a organização do cuidado, sempre se pensa em qualificação e educação perma-nente para a gestão da clínica e a gestão dos processos, além dos sistemas de in-formação e regulação que são fundamen-tais. Em resumo, são ações articuladas, tendo a Atenção Básica como ordenadora do cuidado e coordenadora da rede.

A Rede de Atenção às Pessoas com Doenças Crônicas foi implantada, em fevereiro de 2013, com o objetivo de fo-mentar a mudança do modelo de Atenção à Saúde por meio da qualificação da aten-ção integral às pessoas com doenças crô-nicas. A partir daí, priorizou-se linhas de cuidado. Obviamente não fazemos tudo ao mesmo tempo, até porque existe um limite financeiro. O SUS tem um grande desafio, pois assumimos em nossa Carta Constitucional que a saúde é um dever do Estado. Queremos tudo para todos, mas os recursos financeiros são limita-dos, não são infinitos. Então, as linhas de cuidados devem priorizar alguns agravos.

A primeira linha de cuidado na rede de atenção à saúde para as doenças crô-nicas foi de prevenção e tratamento do sobrepeso e obesidade, publicada em 19/03/2013. Nela se reconhece a obesida-

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de como principal fator de risco para as doenças crônicas não transmissíveis. Em consequência, há também a atualização de uma portaria anterior que estabelecia as normas para os serviços de assistência de alta complexidade para o indivíduo com obesidade e previa a cirurgia bariá-trica no SUS, que até então era a única diretriz para obesidade. Ou seja, a abor-dagem que o SUS tinha até então para a obesidade era uma portaria que dispu-nha sobre a cirurgia bariátrica. Não tinha nada na perspectiva da integralidade do cuidado. isso passou a existir com a nova portaria de março de 2013.

A integralidade do cuidado é orienta-da a partir de uma matriz que identifica e acolhe os indivíduos com excesso de peso nos diferentes pontos da rede de atenção. Para isso, é preciso que ocorra uma busca ativa englobando a demanda espontânea e a demanda programada nos diferentes pontos da rede. A atenção básica tem um papel fundamental nesse processo.

Baseado na estratificação de risco, preparamos um modelo de organização da linha do cuidado que utiliza o índice de massa corpórea (iMC), pois é o indi-cador do ponto de vista de triagem po-pulacional mais fácil de ser implantado. A partir de critérios de risco e vulnera-bilidade, pontos de corte do iMC, o cui-dado será organizado. Se o paciente for classificado como eutrófico, o que se pre-coniza na linha de cuidados são ações de promoção. Na medida em que o estado nutricional se alterar, segue-se a estratifi-cação de risco e se observa se há ou não a presença de comorbidades. Diferen-tes condutas terapêuticas são definidas a partir desse momento, entre elas até a indicação de cirurgia bariátrica. A base fundamental sempre é o apoio diagnósti-co e terapêutico, a regulação e o sistema de informação.

Ou seja, são dadas algumas orienta-ções sobre as ações adotadas nos diferen-tes pontos da Rede de Atenção em Saúde. O que cabe à Atenção Básica em termos de prevenção, e tratamento da obesidade?

Primeiramente, entra em ação a orga-nização da vigilância alimentar nutricio-nal. Sem a vigilância alimentar nutricio-

nal, não se inicia a linha de cuidado. Por que a linha de cuidado não começa com a estratificação do risco? Então, é preciso conhecer o estado nutricional da popula-ção atendida.

Desenvolvem-se, em seguida, ações de promoção da saúde e prevenção da obesidade nos diferentes dispositivos que a Atenção Básica tem. Estabelecer assis-tência terapêutica multiprofissional aos indivíduos que têm excesso de peso e obesidade com iMC entre 25 e 45 é con-siderado atribuição da Atenção Básica em Saúde. Então, é importante fortalecer a Atenção Básica para que consiga fazer o acolhimento e seja resolutiva no acompa-nhamento desses indivíduos com sobre-peso ou níveis de obesidade mais leves.

Depois há a coordenação do cuidado dos indivíduos que tenham esgotado as possibilidades terapêuticas no âmbito da Atenção Básica, encaminhando-os para outros pontos da Rede de Atenção em Saúde, quando apresentarem iMC maior que 30 ou maior que 40, com a presença de outras comorbidades.

Também é preciso estabelecer assis-tência terapêutica multiprofissional aos indivíduos que estão voltando do proces-so de cirurgia bariátrica. Eles devem ser atendidos no âmbito da Atenção Básica, depois de um período de acompanha-mento na Atenção Especializada. isso é um grande desafio porque, hoje em dia, após a cirurgia bariátrica, o paciente fica retido na Atenção Hospitalar Ambulato-rial. Precisamos criar dispositivos de re-torno desse indivíduo para a Atenção Bá-sica, com o acolhimento adequado desses pacientes com sobrepeso e obesidade em todos os seus equipamentos.

Vou destacar um pouco a Vigilância Alimentar e Nutricional porque é desse ponto que começa a linha de cuidado. O que é a Vigilância Alimentar e Nutricio-nal? É a inclusão e a qualificação, no pro-cesso do cuidado em saúde nas equipes da Atenção Básica, da identificação dos possíveis determinantes da situação ali-mentar e nutricional da população. isso é feito para o diagnóstico dos principais agravos nutricionais da população ads-trita, com a estratificação de risco, pla-

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nejamento, e a avaliação das práticas de cuidado em saúde a partir da análise das informações geradas pela vigilância. A Vigilância Alimentar e Nutricional é um componente da vigilância em saúde.

A vigilância tem que trabalhar com indicadores que permitam avaliação an-tropométrica e de consumo alimentar dos indivíduos. Não estou falando de anam-nese clínica, estou falando de indicado-res de padrões que permitam identificar a necessidade de acompanhamento indi-vidual ou coletivo. Assim como a iden-tificação de locais de produção, comer-cialização e, distribuição de alimentos no território. Os costumes e as tradições alimentares locais também orientam o cuidado individual e o cuidado coletivo.

A partir da Vigilância Alimentar e Nu-tricional, as ações setoriais e intersetoriais são desenvolvidas para a prevenção da obesidade. identificar, por exemplo, um deserto alimentar em determinado terri-tório – a falta de uma feira, por exemplo. Nesse caso, pode-se estabelecer uma ar-ticulação com a Secretaria Municipal de Abastecimento e conseguir resolver o pro-blema de disponibilidade alimentar.

É possível fazer o diagnóstico e a es-tratificação de risco, e separar, na popu-lação que é acompanhada, quem vai para o atendimento individual, quem vai para o atendimento coletivo, quem precisa de acompanhamento e com qual periodicida-de. Organizar grupos terapêuticos e outras estratégias de apoio individual no caso de doenças associadas e definir o fluxo de en-caminhamento para outros pontos.

Para isso, é necessário um sistema de informação. E contamos com o Sis-tema Nacional de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan), um sistema na internet. Foi o primeiro sistema de in-formação com dado individualizado na Atenção Básica no Brasil. Agora ele está se integrando a um novo sistema que vai substituir o antigo Sistema de informa-ção da Atenção Básica (Siab), o Sistema de informação em Saúde para a Atenção Básica (e-SUS AB).

Para conseguir completar esse ciclo da vigilância, no processo de atenção em saúde é feita a coleta de informa-

ções, a análise coletiva, a identificação de vulnerabilidades e necessidades indi-viduais. Com base nisso, é tomada a de-cisão, adotada uma ação e, por fim, feita a avaliação. Esse é o ciclo de vigilância em saúde.

Nós temos esse sistema que já é mui-to antigo e observamos a necessidade de investir no Sisvan. Eis alguns dados: em 2011, tínhamos uma cobertura nacional de 14%, ou seja, 14% dos usuários da Atenção Básica no SUS eram acompanha-dos pelo Sisvan. Hoje, são quase 24%. É ainda um número muito baixo em com-paração com o que seria o ideal. De qual-quer forma, há a tendência de aumento da cobertura. O município de São Paulo, por exemplo, não tem ainda o Sisvan im-plantado. Alguns municípios têm alta co-bertura, outros municípios não têm. Há municípios que não implantam o Sisvan, mas têm sistema de informação próprio com indicadores nutricionais que permi-tem uma interação operacional com o sis-tema nacional.

Mas havia um gargalo. O Índice de Massa Corpórea é muito fácil de calcu-lar porque basta peso, estatura e uma ba-lança. Mas, em 2011, fizemos um Censo das Unidades Básicas de Saúde no Bra-sil e quase 60% das Unidades Básicas de Saúde não tinham estadiômetro. Faltava equipamento antropométrico. Lembran-do que a aquisição de equipamento an-tropométrico é responsabilidade do mu-nicípio, como parte do Piso da Atenção Básica, e o município tem que providen-ciar a aquisição. Mas, diante do compro-misso global do plano de enfrentamento, e dada a emergência da obesidade, estabe-lecemos um incentivo da Vigilância Ali-mentar e Nutricional de 2011 a 2014, e já apoiamos quase 14 mil Unidades Básicas de Saúde, identificadas pelo Censo nacio-nal das Unidades como as de pior infra-estrutura. E se não houver balança, nem é possível começar a linha de cuidado da obesidade. Só para apoiar a implantação da Vigilância Alimentar e Nutricional, no âmbito da Atenção Básica em Saúde, além dos materiais técnicos, foram quase 40 milhões de reais investidos.

Além disso, na Atenção Básica um

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importante dispositivo é a atenção mul-tiprofissional. É a soma dos saberes e a complementação do processo de cuida-do. Hoje, temos como mecanismo indu-tor os núcleos de apoio à Saúde da Fa-mília, que são equipes multiprofissionais que apoiam as equipes mínimas de Aten-ção Básica na organização do cuidado.

Em 2012, tínhamos 1.888 Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf) implantados no Brasil. Segundo dados do final de 2013, conseguimos atingir quase 3 mil núcleos. Em aproximadamente 70 a 80% deles, o gestor munici-pal opta pela composição da equipe multiprofissional com inclusão do nutricionista, que é um im-portante qualificador do processo de cui-dado vinculado à obesidade.

Gostaria de destacar o Programa Saú-de na Escola (PSE). Quando falo de pre-venção da obesidade, preciso necessaria-mente falar com a criança e com o jovem. E não falamos com a criança e com o jo-vem só na Unidade Básica de Saúde. Pos-so atender o bebê, a mãe do bebê, mas de-pois de certa faixa etária temos que ir em direção às crianças em seus territórios. E a escola é reconhecidamente um impor-tante espaço de promoção da saúde. Não entendemos a Atenção Básica como algo circunscrito a quatro paredes da Unidade Básica de Saúde. A Atenção Básica se faz no local onde as pessoas vivem, traba-lham e estudam.

Em função disso, o primeiro programa nacional de integração saúde e educação, implantado em 2007, foi o PSE. Ele visa fortalecer as ações voltadas ao desenvol-vimento integral dos educandos, na rela-ção escola-Unidade Básica de Saúde, para o enfrentamento das vulnerabilidades que comprometem o desenvolvimento e a saú-de integral dos educandos brasileiros.

O Programa Saúde na Escola (PSE) não é um apenas de prevenção da obe-sidade. Tem compromissos muito mais abrangentes. Aqui estão dados de cober-tura do PSE. Em 2008, começou com 608 municípios, com um critério inicial

de índice de Desenvolvimento da Educa-ção Básica (ideb) baixo e alta cobertura de Saúde da Família. Ao longo do tempo, ampliamos o Programa Saúde na Escola de tal forma que, a partir de 2013, ele foi universalizado e é agora um programa por adesão municipal.

Desde 2011, revimos o modelo de ges-tão do programa. Agora, o gestor munici-pal adere ao programa e, ao aderir, recebe um incentivo financeiro adicional ao Piso do Programa Atenção Básica variável, o PAB variável. Só que o recebimento des-se recurso é condicionado à obtenção de algumas metas e compromissos de ativi-dades a desenvolver. Então, essa é uma nova forma de repasse financeiro condi-cionado aos compromissos. Hoje, todos os municípios brasileiros que desejarem participar do PSE. A última adesão acaba de ser concluída e temos quase 4.800 mu-nicípios brasileiros participantes.

Talvez nenhum outro programa em promoção da saúde seja tão capilarizado como o Programa de Saúde na Escola. isso significa ter mais de 30 mil equipes de Saúde da Família ou de Atenção Bási-ca, porque a gente fez uma parametrização para Atenção Básica Tradicional, assumin-do o compromisso de desenvolver ações da saúde no âmbito da escola, e que pos-sam beneficiar mais de 18 milhões de edu-candos brasileiros da educação infantil, do ensino fundamental, do ensino médio e da educação para jovens e adultos.

O PSE está organizado em cinco com-ponentes. Vou destacar os dois primeiros. Um primeiro componente é o da avalia-ção das condições de saúde dos educan-dos. No compromisso das equipes de saúde junto com as equipes de educação,

talvez nenhum outro programa em promoção da saúde seja tão capilarizado como o Programa de Saúde na Escola.

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os educadores fazem avaliação antropo-métrica. Tenho a informação que mais de 18 milhões de educandos brasileiros têm peso e altura aferidos todos os anos, com a possibilidade de monitoramento e, a partir disso, estratificação de risco e definição do cuidado. Mas também é fei-ta no PSE avaliação e promoção da saúde bucal, avaliação oftalmológica, verifica-ção da situação vacinal, saúde auditiva, desenvolvimento de linguagem, identi-ficação de sinais e sintomas de doenças negligenciadas e doenças em eliminação, por exemplo, hanseníase e verminoses.

E o segundo componente é o de pro-moção da saúde e prevenção de doenças e agravos. Eu destaco o que é caro à obe-sidade, que são as ações de promoção da alimentação adequada e saudável, as ações de educação alimentar e educacional, as ações de promoção de práticas corporais e atividade física, e também as ações de promoção da saúde ambiental e do de-senvolvimento sustentável. Falamos hoje em alimentação saudável. E alimentação saudável não é só aquela que aporta nu-trientes. Falamos de modos de comer que também estão relacionados com sustenta-bilidade. Não consumir refrigerantes, por exemplo, significa dizer não a esse grande veículo de açúcar. Além disso, o resíduo físico do refrigerante, que é a embalagem, polui o ambiente. Busca-se assim mensa-gens e reflexões ampliadas no campo da educação alimentar e nutricional.

Outro programa é o Programa Acade-mia da Saúde que tem por objetivo apoiar os municípios para terem espaços físicos próximos às Unidades Básicas de Saúde e incentivarem atividade física e desenvol-vimento de outras ações de promoção da

saúde. Essa ação vai além das Academias da Terceira idade (ATi), que são aqueles aparelhos de ginástica postos em praças. Na realidade, são espaços próximos às UBS, que contam com profissionais de saúde que desenvolvem as ações de edu-cação em saúde – os grupos terapêuticos, atividade física coletiva.

Construir é a nossa meta. Já foram habilitados mais de quatro mil polos do Programa Academia da Saúde. isso tudo apesar de o Congresso Nacional Brasilei-ro ter entendido que este não é um gasto em saúde, o que é um grande equívoco

reconhecer gasto em saú-de só aquele diretamente relacionado à assistência, como em internação, exa-mes, consultas, e não à promoção. Com essa in-terpretação, vamos sempre depender de outros recur-sos orçamentários e a nos-sa capacidade de indução de ações de promoção será menor. Nos dois primei-

ros anos foi possível utilizar recursos da saúde para fomentar tanto a construção quanto o custeio desses polos do Progra-ma Academia da Saúde.

Além disso, há um conjunto de mate-riais desenvolvidos para apoiar as equipes de Atenção Básica no desenvolvimento de ações de promoção da alimentação ade-quada e saudável. Gostaria de destacar os guias alimentares. O que são guias alimen-tares? São as diretrizes que apoiam os pro-fissionais na condução de ações de educa-ção alimentar e nutricional. O Brasil tem um guia alimentar desde 2006 e a própria Organização das Nações Unidas para Ali-mentação e Agricultura, a FAO, e a Orga-nização Mundial da Saúde, a OMS, dizem que os guias têm que ser atualizados.

Estamos felizes com a publicação do guia alimentar brasileiro, em outubro de 2014, e a discussão que ele provocou. Na consulta pública, o guia recebeu mais de três mil contribuições de diferentes ato-res sociais. Ele traz uma abordagem ino-vadora, busca discutir alimentação com a sociedade brasileira e resgatar o hábito da culinária, do comer em família, pensar a

Segundo dados do Sisvan, aproximadamente 50% das crianças entre 9 e 12 meses de idade já tomam refrigerantes. É assustador.

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alimentação desde a aquisição do alimen-to até o seu consumo final.

Também temos um guia específico para as crianças menores de 2 anos. Ele é hoje a diretriz técnica para uma ação importante na prevenção da obesidade, a Estratégia Amamenta e Alimenta, de promoção do aleitamento materno e da alimentação complementar no Sistema Único de Saúde. Porque podemos preve-nir a obesidade. E como preveni-la? Pri-meiramente, promovendo o aleitamento materno. Temos evidências de que o alei-tamento previne a obesidade. Com essa estratégia, há mais de dois mil tutores formados que são responsáveis por indu-zir em cascata as ações para qualificar o aconselhamento no âmbito da Atenção Básica quanto ao aleitamento e alimenta-ção complementar saudável.

O que realmente ocorre? Estamos melhorando a prevalência do aleitamen-to materno e a mediana de aleitamento materno exclusivo teve aumento subs-tancial. Por outro lado, o aleitamento materno exclusivo até o sexto mês de vida ainda é baixo. Temos muito que avançar. Segundo dados do Sisvan, apro-ximadamente 50% das crianças entre 9 e 12 meses de idade já tomam refrigeran-tes. É assustador. Precisamos qualificar a alimentação da criança depois do aleita-mento materno.

Na Atenção Especializada, o objetivo é dar apoio matricial às equipes de aten-ção básica com a perspectiva do cuidado em rede. Hoje, um grande dispositivo são os núcleos de Telessaúde. É uma opor-tunidade de qualificar o cuidado, para os casos mais complexos que podem ser resolvidos e são acompanhados continu-amente na Atenção Básica, mas precisam de uma retaguarda da Atenção Especia-lizada.

A assistência ambulatorial especiali-zada multiprofissional é solicitada para os casos de obesidade não resolvidos num período de dois anos na Atenção Básica ou que tenham comorbidade im-portante: diagnóstico dos casos encami-nhados para intervenção cirúrgica, assis-tência terapêutica multiprofissional pré e pós-operatória, no caso da cirurgia bariá-

trica, e organização do retorno do indiví-duo pós-cirurgia bariátrica para o ponto da Atenção Básica.

Para isso se republicou a portaria que dispõe sobre a Atenção Especializa-da para obesidade no SUS. O que mudou nessa portaria, além do que foi muito dis-cutido na imprensa? Graças à repercus-são na imprensa, um detalhe virou uma enorme polêmica, ou seja, a possibilidade de fazer cirurgia bariátrica aos 16 anos, que no fundo foi uma adequação ao que já se fazia na saúde suplementar brasilei-ra. Na realidade, quando consideramos os planos de saúde, há casos até muito mais precoces. E a portaria é muito clara. Se-gundo ela, é possível fazer a cirurgia com 16 anos, desde que tenha uma segunda opinião que confirme a necessidade, que haja acompanhamento multiprofissional, dispositivo esse que deixa muito clara a singularidade da indicação.

Além disso, a portaria inclui o finan-ciamento da equipe multiprofissional na pré-cirurgia bariátrica, o que não estava previsto anteriormente. É fundamental o acompanhamento psicológico e acom-panhamento nutricional pré-cirúrgico. Permite a continuidade do acompanha-mento desse paciente por uma equipe multiprofissional por meio da PAC, dis-positivo de financiamento: do primeiro ao sexto mês de forma mensal, no nono mês, no 12º, 15º, 18º, quando ocorre a volta à Atenção Básica. E aumenta a tabe-la de pagamento de alguns exames, que são exames muito importantes para reali-zação da cirurgia, chegando a acréscimos da ordem de quase 300% em relação ao valor da tabela anterior, desde que o mu-nicípio ou a região de saúde se compro-meta a organizar a linha de cuidado como um todo. Ou seja, o hospital se habilita a fazer a cirurgia bariátrica, recebe esse va-lor diferenciado da tabela, mas estabelece uma linha de cuidado, de referência com a Atenção Especializada e com a Atenção Básica para garantir a integralidade.

Para finalizar, vou destacar que a obe-sidade bate às portas do Sistema Único de Saúde como um problema emergente, mas ela não ocorre nem surge no âmbito do setor de saúde. No setor de saúde, a

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obesidade é acolhida. A obesidade ocorre na sociedade, numa sociedade que tem seu ambiente cada vez mais obesogênico. Pen-sando nisso, o verdadeiro enfrentamento da obesidade passa por ações interseto-riais. Temos, obviamente, o compromisso constitucional de acolher o indivíduo com excesso de peso e garantir o seu cuidado. O compromisso constitucional, no pro-cesso do cuidado integral, prevê ações de promoção, ações de prevenção, mas é ne-cessário articular ações intersetoriais. Nes-se sentido, conseguimos lançar uma estra-tégia intersetorial de prevenção e controle da obesidade congregando esforços de 20 ministérios dentro de uma Câmara inter-ministerial de Segurança Alimentar e Nu-tricional (Caisan).

Essa estratégia trabalha com seis ei-xos. O primeiro requer disponibilidade e acesso a alimentos adequados e sau-dáveis. O objetivo é melhorar o acesso à alimentação saudável, vinculando a alimentação escolar, com maior oferta de alimentos básicos – frutas, verduras, hortaliças – comprados diretamente do agricultor familiar. Buscam-se formas de governança que apoiem o acesso à ali-mentação saudável.

Um segundo eixo são ações de educa-ção, comunicação e informação. O guia alimentar, por exemplo, é um instrumen-to para essa finalidade. Nesse sentido te-mos que ter campanhas governamentais, mas também da sociedade como um todo. E nesse diálogo, entender a obesidade como um problema de governo, mas tam-bém como um problema de todos

Quanto à promoção de modos de vida saudável, vigilância alimentar e nutricio-nal, atenção integral à saúde, regulação e controle da inocuidade dos alimentos, o documento que reúne todos esses itens estará disponível na página do Ministério da Saúde ou da Câmara interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional.

Mas vou destacar, o acordo feito com a Federação das Escolas Particulares, a Fenep, que congrega mais de 18 mil escolas particulares. Como disse, temos o Programa Saúde na Escola (PSE) que trata das crianças das escolas públicas, mas a obesidade atinge também a crian-

ça que não é usuária da Atenção Básica em Saúde do SUS. Temos cerca de 70% da população brasileira dependente do SUS. Mas o SUS é para todos, indepen-dentemente da forma como se acessa o sistema. No caso da vacinação, temos uma boa parcela da população usuária de planos de saúde que usa toda a polí-tica nacional de imunização para acesso às vacinas. E quando penso em promo-ção da saúde, também tenho que pensar nesse aspecto.

Existe o acordo com a Federação Na-cional das Escolas Particulares de promo-ção de cantinas escolares saudáveis nas escolas particulares. O site disponível, Cantinas Escolares Saudáveis, tem várias dicas para os professores, pais, adminis-tradores das cantinas no processo de tor-nar o ambiente escolar um espaço pro-motor da alimentação saudável.

Um acordo com a indústria de ali-mentos começou com o sódio e essa in-formação está sendo bem difundida na mídia. Metas gradativas e voluntárias vi-sam reduzir o teor de sódio nos alimentos processados. Há um grande e polêmico debate envolvendo a regulação da publi-cidade de alimentos.

Recentemente, o Conselho Nacional de Defesa da Criança e dos Adolescentes (Conanda) publicou uma resolução que dispõe sobre a abusividade do direciona-mento de publicidade e da comunicação mercadológica às crianças e aos adoles-centes. A partir da resolução do Conan-da, retoma-se a questão da regulação da publicidade, que não é ainda consensual.

Finalmente, prevenir e tratar a obe-sidade significa constituir uma força-ta-refa nacional e fortalecer cada vez mais a promoção da alimentação saudável no contexto das redes de Atenção em Saúde, mas também avançar nas ações interse-toriais.

Por último, vou fazer a minha pro-paganda: existe uma rede social que te-mos na área de alimentação e nutrição do Ministério da Saúde que se chama Rede Nutri. Ela tem várias ferramentas interes-santes, cursos online, bibliotecas, casos clínicos, casos coletivos sobre a nossa agenda.

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