Debatendo Os Novos Conceitos de Direito Na Sociedade Pós-moderna

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Debatendo os novos conceitos de Direito na sociedade pós-modernaKaiomi de Souza Oliveira CavalliJaime Leônidas Miranda Alves

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DEBATENDO OS NOVOS CONCEITOS DE DIREITO NA SOCIEDADE PÓS-MODERNA

LISTA DOS AUTORES DOS ARTIGOS

Jaime Leônidas Miranda AlvesViviane Aparecida França Taurino

Renata Miranda Concórdia Walace Hoffmann Cardoso

Mayara Fernanda Perim SantosJosé Cassiano Gois de Freitas

Oliliane Batista de LimaEdson José Viana

Gilson Divino Araújo da SilvaArtenia Francisca Costa Martins

Vanessa de Souza Rocha BarbosaLarissa Gripp CardosoRailana Gomes Fritz

Andressa Cristina Correia LimeiraBruna Angélica Borges

REVISÃO: Professora Sonia Mara Nita (UNIR-RO)

NOTA:Cada autor é responsável direto pela ortográfica, textual, metodológica e conceitual; bem como pela origi-

nalidade e propriedade dos textos publicados sob seu nome.

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Copyright © 2015Jaime Leônidas Miranda Alves

Viviane Aparecida França TaurinoRenata Miranda Concórdia Walace Hoffmann Cardoso

Mayara Fernanda Perim SantosJosé Cassiano Gois de Freitas

Oliliane Batista de LimaEdson José Viana

Gilson Divino Araújo da SilvaArtenia Francisca Costa Martins

Vanessa de Souza Rocha BarbosaLarissa Gripp CardosoRailana Gomes Fritz

Andressa Cristina Correia LimeiraBruna Angélica Borges

Kaiomi de Souza Oliveira Cavalli(org.)

Diagramação, Arte e ImpressãoD’press Editora & Gráfica

CAVALLI, Kaiomi de Souza Oliveira . (org.)DEBATENDO OS NOVOS CONCEITOS DE DIREITO NA SOCIEDADE PÓS-MODERNA (UNIR) Kaiomi de Souza Oliveira Cavalli . Rolim de Moura: D’PRESS Editora e Gráfica, 2015.180p.

ISBN: 978-85-98630-36-6

I. Direito Publico II. Direito Privado III. Ciências Aplicadas ao Direito

CDD 340

Av. 25 de Agosto, 3991 - Centro - CEP. 76.940-000 Rolim de Moura - RO.Contato: (69)3442-4100 - [email protected] / [email protected]

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SUMÁRIO

OS REFLEXOS DO NOVO CPC NO PROCESSO DO TRABALHO: INDAGAÇÕES ACERCA DA BUSCA PELA JUSTIÇA PROCESSUALJaime Leônidas Miranda Alves ....................................................................... 7

CRÉDITOS DE CARBONO: FONTE DE RIQUEZA PARA OS MUNICÍPIOSViviane Aparecida França Taurino ............................................................... 25

DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO E A COMPETÊNCIA DO ENTE PÚBLICO MUNICIPALRenata Miranda Concórdia e Walace Hoffmann Cardoso ........................... 44

DIREITO E LITERATURA COMO FORMAS DE CONTROLE SOCIAL: ANÁLISE JUSFILOSÓFICA DAS OBRAS VIGIAR E PUNIR, O DISCURSO DA SERVIDÃO VOLUNTÁRIA, WALDEN II: UMA SOCIEDADE DO FUTURA E MIL NOVECENTOS E OITENTA E QUATRO.Jaime Leônidas Miranda Alves e Mayara Fernanda Perim Santos..............65

PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL E A IMPORTÂNCIA DA IMPLANTAÇÃO DE ÁREAS VERDES EM LOTEAMENTOS URBANOS José Cassiano Gois de Freitas e Oliliane Batista de Lima ........................... 79

LASSALE E OS MAIS DE 25 ANOS DA CONSTITUIÇÃO CIDADÃ: ESTUDO DO ATIVISMO JUDICIAL, O ACESSO À JUSTIÇA E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988Jaime Leônidas Miranda Alves e Mayara Fernanda Perim Santos..............92

A COMPETÊNCIA LEGISLATIVA E MATERIAL DOS IMPACTOS AMBIENTAIS NA BACIA HIDROGRÁGICA DO RIO MADEIRA NO ESTADO DE RONDÔNIA Edson José Viana e Gilson Divino Araújo da Silva .................................... 108

EMPRESA PÚBLICA E SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA FACE À LEI FALIMENTAR Artenia Francisca Costa Martins ............................................................... 117

A RECUSA DO EXAME DE DNA NO PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E O DIREITO PERSONALÍSSIMOLarissa Gripp Cardoso ............................................................................... 129

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A RESPONSABILIZAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO EM RELAÇÃO AOS DANOS AMBIENTAIS CAUSADOS À AMAZÔNIA LEGALLarissa Gripp Cardoso e Railana Gomes Fritz...........................................138

A POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS E A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO ................................................................. 151

O FIM DA SERVIDÃO VOLUNTÁRIA: UM ESTUDO À LUZ DA OBRA DE ETIENNE DE LA BOÉTIE E OS MOVIMENTOS DE JUNHO DE 2013. Jaime Leônidas Miranda Alves .............................................................. 164

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OS REFLEXOS DO NOVO CPC NO PROCESSO DO TRABALHO: INDAGAÇÕES ACERCA DA BUSCA

PELA JUSTIÇA PROCESSUAL

Jaime Leônidas Miranda Alves

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Rondônia, Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça de Rondônia.

RESUMO: A promulgação da CLT, em 1943 deixou a desejar no que tange aos aspectos processuais porquanto sua extensão impediu que a matéria procedimental fosse abordada com maior procissão. Fala-se, por conseguinte, que cuidou apenas de aspectos gerais do processo do trabalho, devendo, naquilo em que for omisso, utilizar-se do procedimento comum, de natureza cível. Nesse contexto, natural perceber que a promulgação de um novo Código de Processo Civil, porquanto se configure como fonte subsidiária do processo do trabalho, surte reflexos imanentes, os quais precisam ser estudados, no afã de responder à questão de se representará a vigência de um novo CPC um novo paradigma à tutela procedimental do direito do trabalho. A pesquisa ora proposta desenvolve-se consentâneo o método hipotético dedutivo, o qual permite a construção epistemológica por meio de conjecturas baseadas em hipóteses.

PALAVRAS-CHAVE: Hermenêutica Jurídica; Justiça processual; Novo Código de Processo Civil; Processo do Trabalho.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho vem com o fim de questionar os reflexos da promulgação do novo Código de Processo Civil no que tange ao processo do trabalho.

Busca-se, por conseguinte, por meio da utilização do método hipotético dedutivo, confirmar/refutar a hipótese de que representa o novo CPC um avanço ao processo do trabalho, trazendo, quiçá, aspectos de inovação, celeridade e releitura epistemológica de forma a consolidar os direitos conferidos no microssistema de proteção ao trabalhador.

Antes de analisar os impactos do novo CPC na Justiça do trabalho, todavia, é realizado análise acerca do que vem a ser um processo justo, com o fim de determinar se a nova instrumentalização do processo trabalhista representa passo à frente rumo à justiça processual.

O trabalho em apreço se justifica porquanto o direito do

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trabalho e, por evidente, o processo do trabalho representem ramos do Direito na qual a tutela jurisdicional vem no intuito de não perpetuar a realidade social – de desigualdades – mas, noutro giro, tem seus institutos construídos sob os pilares da igualdade material e da justiça social.

Desta feita, aspectos de evolução epistemológica na seara trabalhista possuem o condão de afetar diretamente milhares de indivíduos, seja por meio de tutela individual ou mesmo em se tratando de dissídios coletivos.

Cabe destacar que a dependência existente entre o Processo do Trabalho e o Código de Processo Civil se justifica na medida em que esse, por diversas vezes, funciona como fonte suplementar daquele. Vale dizer: não obstante a CLT tenha se destacado ao resgatar no plano de direito interno um extenso rol de direitos e garantias aos trabalhadores, foi bem restrita no que se refere às normas processuais, devendo atuar o Código de Processo Civil atuar naquilo em que aquela for omissa.

Diante do exposto, resta incontroverso que uma vez sancionado o novo Código de Processo Civil, que passará a viger em 2015, surgirão modificações no âmbito processual do trabalho, que necessitam ser conhecidas. Nesse sentido, a presente pesquisa busca analisar os principais reflexos dessa novação legislativa e, principalmente, indagar se, sob o aspecto processual do trabalho, o novo CPC representa avanço ou retrocesso epistêmico.

1 O PROCESSO COMO MECANISMO DE ACESSO À JUSTIÇA: O QUE É UM PROCESSO JUSTO?

Primeiramente, antes de analisar o processo do trabalho como ramo autônomo do Direito e questionar os impactos da promulgação no novo Código de Processo Civil na Justiça trabalhista, deve-se fazer uma reflexão preliminar com o fim de clarear alguns pontos como a função social do processo e o que seria dizer que um processo é justo.

Para tanto, parte-se do pressuposto que a justiça é o objetivo final de toda a instrumentalização do processo. Nesse sentido, tem-se que “o escopo clássico que governa a função jurisdicional é a justiça levada ao tecido social pela aplicação do sistema jurídico como solução de conflitos (MELO, 2006, p. 31).

A atividade epistemológica que se avista esbarra no conceito de “justiça”, que até hoje gera discussões de cunho filosófico. Obter

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justiça por meio do Direito, afirma Bueno (2006, p. 22) envolve a criação de normas de direito material e processual consideradas justas.

Para Bueno (2006), o conceito de processo justo está intrinsecamente relacionado ao significado de efetividade doo processo. Dispõe (2006, p. 23):

[...] poderíamos definir a efetividade do processo como o cumprimento da promessa de pacificar com justiça e que esta pacificação pressupõe celeridade do processo e estabilidade da solução alcançada. Sabe-se que a grande dificuldade do processo reside em equilibrar justiça e celeridade ou justiça e estabilidade. Quando assim se colocam esses valores em contraposição, penso que por justiça quer-se traduzir algo um pouco menor do que o significado que o conceito comporta.

Desta forma, o processo alcançará a justiça porquanto a lei material aplicada in casu, for justa e o juiz aplicá-la com o senso de justiça. Ademais, o instrumento justo é aquele em que estão ambos presentes celeridade e estabilidade, de forma que a pretensão em juízo não tenha seu provimento final restado inócuo em razão do prolongamento da demanda no tempo.

Bueno (2006, p. 25) ensina que o processo justo é aquele que, antes de qualquer coisa, é efetivo, de forma que equilibra os ideias de justiça, acesso, estabilidade e acesso. De forma que, retirando um desses pilares da equação, o processo será necessariamente injusto. Com efeito, chega-se à conclusão de que “em um Estado tirano, um processo eficiente poderá levar à realização de inúmeras iniquidades, ao aplicar-se, sem entraves nem delongas, um direito material injusto”.

Todavia, o exemplo supra citado reflete uma hipótese em que a injustiça decorre de elemento extraprocessual – a norma de direito material, vale dizer – não decorrendo diretamente do sistema processual, o que leva ao entendimento surge, no momento da constatação de que a lei é injusta, um dever ao processualista, quanto lembro da sociedade, a balizar sua aplicação no caso concreto, utilizando, para tanto dos ideais de justiça e de equidade.

No caso em tela, faz-se menção à fórmula de Radbruch (apud Alexy, 2013) para quem todo ato de extrema injustiça, ainda que não haja previsão legal ou constitucional nesse sentido, não é direito, daí porque sua aplicação deve ser desconsiderada.

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Além da necessidade de aplicarem-se leis justas e de forma célere porquanto o processo moroso demais corrompe sua efetividade, o acesso à justiça deve ser integral, de forma que possam os jurisdicionados recorrer ao Judiciário para que estes resolvam suas lides1.

Destaca-se, por fim, a necessidade de adequação entre as normas de ordem material e os procedimentos, daí porque cada vez mais se observa o fenômeno de especialização da Justiça, o que leva ao tema a ser analisado a seguir: a autonomia científica/jurídica do processo do trabalho.

2 O PROCESSO DO TRABALHO COMO RAMO AUTÔNOMO DO DIREITO

Primeiramente, antes de analisar o Processo do Trabalho como ramo autônomo da ciência jurídica, insta salientar que o Processo, de forma geral, surge no dever do Estado em prestar a tutela jurisdicional, exercendo o Poder/Dever de dizer o direito no caso concreto, desde que provocado para tanto.

Com efeito, dispõe Correia (2012, p. 40) “o direito processual deve ser tido como o ramo da ciência jurídica que se ocupa dos procedimentos judiciais e da relação que se estabelece entre os sujeitos do processo”.

Nesse sentido, o processo vem no mister de “fazer valer as regras de direito material e, consequentemente, solucionar o litígio” (CAIRO JÚNIOR, 2015, p. 41). Desta, forma conceitua-se o Direito Processual como o ramo do Direito Público constituído pelo conjunto de regras e princípios de natureza processual, somadas aos princípios que lhe são peculiares, destinados a regular as relações existentes entre o juiz e as partes (CAIRO JÚNIOR, 2015, p. 41).

Não obstante o Direito Processual seja uno, didaticamente

1 A expressão ‘acesso à justiça’ é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspí-cios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individualmente e justos” (CAPPELLETTI e GARTH, 1988, p.08) O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental - o mais básico dos direitos humanos - de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretende garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos” (CA-PPELLETTI e GARTH, 1988, p.12).

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divide-se em ramos, a depender das peculiaridades que caracterizam a relação jurídico-material.

Nesse sentido, o Processo divide-se, inicialmente, em dois grandes grupos, cabendo ao primeiro cuidar da jurisdição penal, ao passo que ao segundo, da tutela de interesses não penais. De forma lato, tem-se o Processo Penal e o Processo Civil. Ocorre que, o grau de especialização crescente no que tange à matéria trabalhista, acabou por determinar sua autonomia do processual civil, tal qual defendido pela teoria dualista. Vale dizer, todavia, que tal questão ainda não foi pacífica, ainda existindo na doutrina processualista uma orientação de cunho monista2.

Para os fins a que se destina o presente trabalho, adota-se a teoria dualista, segundo a qual passou-se, por conseguinte, a compreender o Processo do Trabalho como ramo autônomo do Direito, porquanto “o legislador, ao perceber a importância da proteção conferida pelo Direito Material do Trabalho a certas espécies de trabalhadores, instituiu um conjunto de normas destinadas a promover, de forma mais eficiente, a sua tutela jurisdicional” (CORREIA, 2012, p. 42).

É nesse sentido que Nascimento (2007, p. 17) conceitua o Processo do Trabalho como o ramo do Direito que:

[...] integra, como parte fundamental, o sistema de composição dos conflitos trabalhistas quanto à jurisdição estatal e à ação, o processo e o procedimento judicial destinado a solucionar as controvérsias oriundas das relações de trabalho em suas duas configurações maiores – os conflitos individuais e os conflitos coletivos -, com base no ordenamento jurídico, que o disciplina com leis, jurisprudência, doutrina e atos internos dos órgãos da Justiça do Trabalho.

Considerar o Processo do Trabalho como ramo do Direito significa admitir a existência de princípios que delem são próprios, o que, conforme lição de Batalha (1995) é melhor representado pela teoria dualista, que, no Brasil consubstancia o entendimento dominante.

2 Para a teoria monista, o direito processual é um só, governado por normas que não diferem substancialmente do direito processual penal, do direito processual civil e do direito processual do trabalho. Assim, o direito processual do trabalho, segundo essa concepção, não é regido por leis próprias e estruturado de modo específico, em nada diferindo suas instituições das demais de que se compõe o direito processual. (NASCIMENTO, 2007, p. 19).

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Desta feita, Medeiros (2015) aponta para aspectos principiológicos que definem o processo do trabalho como ramo autônomo da ciência jurídica processual. Não obstante a existência de princípios comuns ao processo civil, tais como o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, a inércia e a disposição das ações, o processo trabalhista encerra em seu bojo aspectos valorativos próprios, que se configuram como construções doutrinárias que levam em conta as peculiaridades de direito material.

Nesse preço, iluminam o processo do trabalho o princípio da proteção, que funciona como mecanismo hermenêutico ao determinar a obrigatoriedade de se interpretar o exercício da jurisdição como forma de garantir-se a igualdade material, colocando os litigantes no mesmo patamar, amenizando as diferenças econômicas entre empregados e empregadores.

Fala-se também no princípio da finalidade social, que incute a prerrogativa do juiz em atuar positivamente no decorrer do trâmite processual, agindo de maneira mais ativa do que o faz no processo civil. A esse respeito:

A diferença básica entre o princípio da proteção, acima referido, e o princípio da finalidade social é que, no primeiro, a própria lei confere a desigualdade no plano processual; no segundo, permite-se que o juiz tenha uma atuação mais ativa, na medida em que auxilia o trabalhador, em busca de uma solução justa, até chegar o momento de proferir a sentença (LEITE, 2007, p. 77).

Medeiros (2015, s.p) determina como exemplo da concretização do princípio da finalidade social a conduta do juiz que, ao condenar uma empresa a pagar as verbas rescisórias a um empregado, deve verificar se os reflexos desta decisão não possuem o condão de afetar terceiros, como outros empregados, por exemplo. Observa-se que o juiz trabalhista está menos preso à força da lei do que ocorre com o juiz cível, possuindo um campo de atuação balizado pela equidade.

Outro princípio de destaque, próprio do processo trabalhista é a busca da verdade real, correspondência direta com a primazia da realidade, do direito material do trabalho.

Este princípio decorre do princípio da primazia da realidade, aplicada ao direito material do trabalho. Conforme entendimento de Leite, (2007, p. 80) é “inegável que ele é aplicado com maior

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ênfase neste setor da processualística do que no processo civil”. Tal entendimento decorre da interpretação do artigo 765 da Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT – que determina que os juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas.

Outro princípio apontado por Teixeira (2005) como próprio do direito processual do trabalho é o princípio da conciliação. O autor dispõe que “o princípio da conciliação, na justiça do trabalho, está esculpido no art. 764, caput, da CLT, que prevê ‘Os dissídios individuais ou coletivos submetidos à apreciação da Justiça do Trabalho serão sempre sujeitos à conciliação”.

Isso se justifica porquanto no procedimento ordinário trabalhista a proposta de conciliação é dever do juiz, que deve fazê-la em dois momentos distintos: i) na abertura da audiência – art. 846, CLT; e ii) antes da sentença, após as alegações finais, nos termos do art. 850, caput, CLT, sob pena de nulidade.

Outro princípio a se destacar é o da normatização coletiva e, a esse respeito, Leite (2007, p. 81) dispõe:

A Justiça do Trabalho brasileira é a única que pode exercer o chamado poder normativo, que consiste no poder de criar normas e condições gerais e abstratas (...), proferindo sentença normativa (...) com eficácia ultra partes, cujos efeitos irradiarão para os contratos individuais dos trabalhadores integrantes da categoria profissional representada pelo sindicato que ajuizou o dissídio coletivo.

Vem a lume, nesse sentido, o fato de, não obstante a ausência de um Código Processual do Trabalho, a Consolidação das Leis Trabalhistas traçou as diretrizes básicas que devem nortear todo o exercício de jurisdição do trabalho, devendo o Código Processual de direito comum agir de forma supletiva.

Conforme preleciona Teixeira (2015), possibilidade de se poder recorrer ao processo civil ante a ausência de norma reguladora de caráter processual trabalhista faz com que sejam supridas as lacunas existentes na sua legislação específica, de forma que se facilita o desenvolvimento das demandas tendo em vista os vários institutos colocados à disposição dos aplicadores do Direito. Nos dizeres de

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Teixeira (2005, s.p) “sem se desligar de suas características próprias, como a simplicidade do procedimento e o informalismo como regra, o modelo se apresenta como instrumento destinado a fazer atuar as normas abstratas e promover a paz no meio conflituoso das relações de trabalho”.

Pensar em processo do trabalho significa compreender a existência de um todo; de um instrumento hábil a resolver as demandas laborais, daí porque esse ramo da ciência jurídica deve ser compreendido sob a ótica de sua instrumentalidade. Nesse sentido:

A instrumentalidade do modelo processual trabalhista, portanto, compreende a atuação deste na consecução dos escopos do processo jurisdicional. Deve servir de meio para a aplicação coercitiva, pelos Estado, das normas trabalhistas descumpridas pelo empregado e/ou empregador. Deve buscar conservar o ordenamento jurídico laboral, impondo a autoridade do modelo tutelar concebido pelo legislador. Deve procurar conscientizar os litigantes e suas respectivas classes acerca dos direitos e deveres que derivam da relação de emprego. E, acima de tudo, deve proporcionar o restabelecimento da harmonia dentro da comunidade laboral mediante a consagração do justo, promovendo a pacificação com justiça. (TEIXEIRA, 2005, s.p)

É com base no exposto que o Processo Trabalhista corresponde a um instrumento de acesso à justiça, balizado no discurso do acesso a um ordenamento jurídico justo. E é nesse diapasão que se justifica suas peculiaridades, evidenciadas nos princípios próprios desse ramo epistemológico e que não comunicam com a ciência processual civil. Todavia, reforça-se que o Processo do Trabalho bebe da fonte do processo civil, daí porque, incute discutir as modificações que estão por vir fruto da promulgação do Novo Código de Processo Civil.

3 OS REFLEXOS DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL NO PROCESSO DO TRABALHO

O Novo Código de Processo Civil vem com o objetivo de instrumentalizar uma tutela jurisdicional mais célere, justa, trazendo ao plano fenomenológico a máxima do acesso integral à justiça.

Nesse jaez, importante a menção ao comentário de Koury

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(2012, p. 265) para quem, sobre o novo Código de Processo, devem ser mantidas as contenções firmes do art. 7693 e 8894 da Consolidação das Leis Trabalhistas, sob pena de verdadeiro retrocesso epistemológico.

Exemplo do exposto pode ser encontrado da leitura do artigo 10 do novo Código de Processo Civil, in verbis:

Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual tenha de decidir de ofício.

De acordo com o entendimento de Koury (2012, p. 265), o dispositivo em destaque vai de encontro ao princípio da celeridade, porquanto impõe ao magistrado, o dever de ouvir às partes, ainda que apenas para manifesta-se, de ofício, acerca de nulidade absoluta. Nesse sentido, “não há qualquer possibilidade de sua aplicação subsidiária ao processo do trabalho, na medida em que violaria os princípios da informalidade, da concentração e da celeridade, que informam esse ramo do direito” (KOURY, 202, p. 265).

A hipótese acima descrita representa uma releitura do contraditório que, no novo CPC, deixa de se configurar como o direito da parte em se manifestar no processo e passa a se consubstanciar como a prerrogativa que tem a parte em influir na formação de convencimento – lembrando que não há mais que se falar em livre convencimento, insta salientar – e, por isso, lhe confere um significado mais amplo.

Mesmo exercício de solipsismo jurídico ocorre com o art. 76 do Novo Código de Processo Civil, que determina que, em se tratando de irregularidade de representação das partes, deve o juiz suspender o feito por prazo razoável para o saneamento do defeito. Da mesma forma, ocorre descompasso com a legislação trabalhista no que concerne ao informalismo e à celeridade.

Outro ponto destacado por Koury (2012, p. 265) diz respeito

3 Art. 769 - Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.4 Art. 889 - Aos trâmites e incidentes do processo da execução são aplicáveis, naqui-lo em que não contravierem ao presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal.

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à aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, na qual há lacuna parcial, no Process do Trabalho, porquanto seu art.2º,§2º5 da Consolidação das Leis Trabalhistas estabelece a possibilidade de responsabilidade solidária da empresa principal e de cada uma das integrantes do grupo econômico, sendo desnecessária a provocação de incidente de desconsideração.

Nesse diapasão, a instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica vai de encontro ao princípio da celeridade e da razoável duração do processo, na medida em que o procedimento em apreço incute a oitiva das partes e concessão de prazo comum para fins de dilação probatória.

Mais adiante, insta salientar que o art. 120 do Novo Código de Processo Civil traz a vedação absoluta do juiz fundamentar decisão tendo por base a equidade, o que, de forma hialina, é contrário aos ditames do processo trabalhista, tendo em vista que a regra contida no art. 8º da CLT.

Outro descompasso entre os nortes do processo trabalhista e o novo códex de processo civil se refere à previsão contida no sentido de contagem de prazos. Vale dizer, deve-se considerar apenas os dias úteis, o que, encontra óbice no art. 775 da CLT6.

O novo Código de Processo Civil traz, ainda, outro dispositivo que destoa do princípio da celeridade. Fala-se do art. 291, que determina que, antes de proferir a sentença sem análise de mérito, deve o juiz conceder à parte oportunidade para, em querendo, sanar o vício.

Com efeito, acerca da possibilidade de se decidir, em processo

5 Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de ser-viço.§ 1º - Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.§ 2º - Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas6 Art. 775 - Os prazos estabelecidos neste Título contam-se com exclusão do dia do começo e inclusão do dia do vencimento, e são contínuos e irreleváveis, podendo, entretanto, ser prorrogados pelo tempo estritamente necessário pelo juiz ou tribunal, ou em virtude de força maior, devidamente comprovada.

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trabalhista, com base na equidade, afirma Recaséns Siches (1959, p. 528):

El problema de la equidad no es propiamente el de “corregir la ley” al aplicarla a determinados casos particulares. Nos se trata de “corregir la ley”. Se trata de otra cosa: se trata de “interpretarla razonablemente” (...) “Es un dislate enorme pensar em la posibilidad de una interpretación literal. Uno puede comprender que a algunos legisladores, imbuidos por una embriaguez de poder, se les haya ocurrido ordenar tal interpretación. Lo cual, por otra parte, resulta por completo irrelevante, carece de toda consecuencia jurídica, porque el legislador, por absolutos que sean los poderes que se le hayan conferido, no puede en ningún caso definir sobre el método de interpretación de sus mandatos. El legislador podrá ordenar la conducta que considere justa, conveniente y oportuna, mediante normas generales. A esto es lo que se pueden extender sus poderes. Em cambio, esencial y necessariamente está fuera de su poder el definir y regular algo que no cabe jamás incluir dentro del concepto de legislación: el regular el método de interpretación de las normas generales que él emite. Pero, en fin, a veces, los legisladores, embriagados de petulancia, sueñan en lo imposible. La cosa no tiene, no debiera tener practicamente ninguna importancia, porque se trata de um ensueño, sin sentido, al que ningún juez sensato puede ocurrirsele prestar atención. (...) Ahora bien, es sabido que las palabras cobran sua auténtico sentido solo dentro de dos contextos: dentro del contexto de la frase, pero sobre todo dentro del contexto real al que la frase se refire, es decir con referencia a la situación y a la intencionalidad mentadas en la frase.

Merece comentário o disposto no título II do novo Código de Processo Civil, que Koury (2012, p. 266) entende como verdadeiro retrocesso no que tange à instrumentalização epistemológica de um sincretismo processual, uma vez que a execução civil dependerá de nova ação autônoma.

Incute mencionar, todavia, que não cabe falar em retrocesso ao processo do trabalho, porquanto os pontos acima mencionados não possuem aplicabilidade no âmbito do trabalho, na medida em que reluzem as cláusulas de contenção do artigo 769 e 889 da Consolidação das Leis Trabalhistas.

Noutro giro, Pancotti (2012, p. 165) aponta para aspectos

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positivos do novo Código de Processo Civil. Segundo o autor, o códex representa a preocupação do legislador em apresentar à sociedade um Código didática, de fácil compreensão e de simplificação de seus procedimentos.

Nesse afã, o novo Código de Processo Civil “incorpora valo-res e princípios constitucionais, para oferecer à sociedade um diploma legal comprometido com a sua natureza de um método de resolução de conflitos” (PANCOTTI, 2012, p. 165).

O autor vai além ao afirmar que o processo do trabalho representou a gênese no que tange à simplificação dos procedimentos em favor da celeridade e efetividade, sem contudo, trazer riscos à segurança jurídica e, de forma salutar, o Novo Código de Processo Civil incorporou esses ideais, restando o dever dos aplicadores do Direito em não resistirem aos consideráveis avanços epistêmicos que se avistam.

Defendendo as inovações contidas no novo CPC, Grillo (2015) faz menção à importância regalada à arbitragem como forma de solução alternativa de conflitos nos incisos 1 e 2 do artigo 37, e no artigo 35. Ademais, o novo CPC marca uma releitura da própria filosofia do Direito, uma vez que traz em seu bojo aspectos valorativos, representando a passagem do positivismo para o pós-positivismo ao incluir menções calaras à boa-fé objetiva e à cooperação entre os envolvidos no processo.

Não obstante, o novo CPC traz em seu art. 15 situação que, na prática, pode gerar verdadeira celeuma. Estabelece o dispositivo em comento que: “Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”.

Desta feita, Grillo (2015) reconhece que, ao prever apenas os casos em que há verdadeira lacuna legal, deixando de mencionar acerca da necessidade de haver compatibilidade entre as regras, a norma permite a criação de três cenários, de forma que: “o juiz do Trabalho não aplicar nada do novo CPC; o juiz se empolgar e usar só o CPC, deixando a CLT de lado; ou cada vara do Trabalho aplicar a seu modo, gerando insegurança jurídica” (GRILLO, 2015).

Acerca do tema:

Pode-se ter a falsa impressão inicial de que a CLT já

7 O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.

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autorizava, de forma expressa, o que propõe o novo CPC, donde decorre que nenhuma novidade traria o artigo do novo CPC, de forma direta, mas apenas indireta. Apesar de a redação do novo CPC dar espaço a muito mais do que mera subsidiariedade, entendemos que os operadores do Direito do Trabalho e o Judiciário, de forma geral, não poderão perder de vista o requisito da compatibilidade, ao desenvolver o seu importante papel de sedimentação da jurisprudência, que certamente será renovada com a edição do novo CPC. Para tanto, imprescindível a análise de compatibilidade entre omissões, dispositivos de aplicação subsidiária e/ou supletiva, bem como os princípios que regem o Direito Material do Trabalho. Recentemente, vimos algo semelhante, no que diz respeito à execução trabalhista, no que se refere à aplicação das disposições contidas no artigo 475-J, do até então vigente CPC. (PAIVA, 2015, s.p)

Tal pode ocorrer tendo em vista que o novo CPC prevê sua atuação não apenas como fonte suplementar e subsidiária do processo do trabalho, mas também como fonte complementar.

Imperioso destacar as modificações acerca das tutelas de urgência. Nesse jaez, o novo Código de Processo Civil reuniu e disciplinou as tutelas de urgência, além de inovar ao criar a denominada tutela de evidência.

Dessa forma, o poder geral de cautela é representado no art. 300 da lei em comento, que dispõe que A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

Segundo Mallet (2014, p. 178) o poder geral de cautela veio reforçado no novo CPC, o que é, sem dúvidas, um avanço, já que sua utilização ainda é mitigada pela jurisprudência trabalhista.

Nesse sentido, tem-se que “a jurisprudência é conservadora, ainda, quando o juiz do trabalho defere a tutela antecipada do art. 273 do Código de Processo Civil, em obrigação de pagar verbas rescisórias, ante a inquestionável dispensa sem justa causa” (MALLET, 2015, p. 179).

Vem a lume, nesse contexto, a hipótese de , não havendo o empregado solicitado a antecipação de tutela mas, durante a instrução processual em audiência surgem indícios que apontem para o fato do empregador estar intentando se mudar de município ou desaparecer,

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com fins a prejudicar a satisfação do crédito trabalhista, deve o juiz determinar a antecipação dos efeitos da tutela.

Ademais, verifica-se que a idêntica disciplina conferida às tutelas de urgência e de evidência vem a contribuir para a celeridade e efetivado do processo trabalhista que, atualmente, prevê apenas duas hipóteses de tutela antecipada, previstas no art. 659, IX e X, CLT, de forma que inexiste norma genética que contemple outras hipóteses de aplicação de antecipação dos efeitos da tutela ao caso concreto (MALLET, 2014, p. 179).

Mallet (2014, p. 171) menciona acerca de alguns pontos controvertidos no novo Código de Processo Civil, tais como o que se refere ao processo eletrônico. Segundo o autor, até o último minuto antes da votação do Anteprojeto, não havia menção acerca do processo eletrônico. Tal ocorreria insegurança jurídica principalmente no que tange a contagem de prazos e o fato de não haver qualquer previsão nesse sentido demonstra claramente que o anteprojeto à época de sua aprovação já se encontrava em total descompasso com a sociedade que busca reger, o que se justifica pelo tempo que durou sua tramitação. Fala-se, por conseguinte, em um códex que já nasceu fora de seu tempo.

Ao tecer reflexão acerca dos impactos da promulgação do novo CPC na Justiça do Trabalho no Simpósio o Novo CPC e os Impactos no Processo do Trabalho, organizado pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho, Mallet (2014, p. 172) afirma que os problemas do processo não foram atacados, porquanto não se encontram na legislação processual, mas sim fora do processo. São eles: os estímulos econômicos às litigiosidades e a falta de um estudo econômico do Direito.

Mallet (2014, p. 174) destaca também como problema da efetivação do processo como meio hábil à solução dos conflitos o comportamento do Poder público diante das decisões judiciais. Explana:

Em muitos países, é inconcebível que o Poder Público não cumpra uma decisão judicial; não se imagina isso. No Brasil, exatamente o contrário ocorre, e isso a reforma não enfrenta. Portanto, não se vai alterar substancialmente o cenário que temos na realidade forense. Por outro lado, também nas pesquisas que fiz sobre o tema, deparei-me com um autor - não tive a paciência de fazer essa avaliação - que disse que 80% dos dispositivos do projeto são repetição do Código

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atual. Ou seja, a mudança não é tão substancial assim.

Diante de todo o exposto, pode-se perceber que o novo Código de Processo Civil, malgrado conter inovações que devem ser reconhecidas, como a transição de paradigma (positivismo para o pós-positivismo) com a previsão da boa-fé e da cooperação e a inserção da mediação, não possui o condão de contribuir tal qual esperado para o processo do trabalho, causando celeumas doutrinárias – ao inserir-se como fonte de aplicação complementar e não meramente subsidiária – além de trazer diversos dispositivos que contrariam o informalismo e a celeridade.

Ademais, uma leitura sistemática possibilita perceber que mais de 80% do corpo do novo CPC é mera repetição do Código de 1973, não havendo, de fato, alterações relevantes acerca da efetivação da seara trabalhista.

Como visto, os grandes desafios no que tange ao acesso pleno à justiça e à efetividade do processo se referem a aspectos extraprocessuais e, nesse sentido, mais proveitoso seria questionar as relações próprias da filosofia do poder, do que realizar reforma processual, sob pena do novo código já nascer antigo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O exercício epistemológico realizado veio no sentido de questionar os impactos da promulgação do novo Código de Processo Civil no processo do trabalho.

Para tanto, valeu-se de conceitos próprios da filosofia do Direito, analisando o que seria processo justo. Restou consignado, que processo justo é aquele no qual seu provimento final é efetivo. Mais que isso, é o que reúne em sua instrumentalização o acesso à justiça, a celeridade, a justiça da norma de direito material e a estabilidade.

A partir daí, utilizando-se do método hipotético dedutivo passou-se à análise das inovações no novo Código de Processo Civil que influem diretamente na justiça trabalhista.

Nesse sentido e, partindo da premissa em que cerca de 80% dos dispositivos contidos no novo códex há a mera repetição do que está previsto no Código de 1973 – ainda em vigor – tem-se que não representa o novo CPC avanço considerável rumo à instrumentalização e a efetivação do processo trabalhista.

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Há algumas conquistas, como a inspiração claramente pós-positivistas, com normas de caráter axiológico, tais como a menção expressa da boa-fé e da cooperação, além da preocupação com os meios alternativos de solução de conflito, tais como a mediação e a conciliação.

Todavia, muitas das inovações, ainda que no afã de facilitar o acesso à justiça e apresentar uma releitura do contraditório, por exemplo, mostram-se incompatíveis com o informalismo e a celeridade, corolários de todo o processo do trabalho, daí porque acabam não sendo considerados.

Ademais, preocupação surge com a disposição do novo CPC que este passará a regular processos outros, como os trabalhistas, de forma não apenas subsidiária, mas complementar, não havendo necessidade de compatibilização material dessas novas regras com o microssistema de proteção ao trabalhador o que pode gerar insegurança quanto a que lei deverá ser aplicado no caso em concreto.

Por fim, percebe-se que, não obstante algumas conquistas e impactos positivos, na Justiça trabalhista o novo Código de Processo Civil, deixou de inovar e contribuir de maneira substancial, especialmente no que tange à busca pela justiça processual, ficando aquém do esperado. Isso, talvez, seja consequência do fato de que o novo código já nasceu antigo, de forma que não corresponde à sociedade que busca regular.

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PAIVA, Ana Lúcia Pinke Ribeiro de. Advogada destaca mudanças do novo CPC relativas ao processo do trabalho. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI214232,51045-Advogada+destaca+mudancas+do+novo+CPC+relativas+ao+processo+do. Acesso em: 06 jun. 2015.

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CRÉDITOS DE CARBONO: FONTE DE RIQUEZA PARA OS MUNICÍPIOS

Viviane Aparecida França TaurinoFuncionária Pública Estadual, Policial Militar, acadêmica de Direito

na Universidade Federal de Rondônia, e-mail: [email protected].

RESUMO: O presente artigo objetiva analisar os pressupostos que deram origem ao Protocolo de Quioto, instrumento jurídico pelo qual se põe em prática os objetivos previstos na Convenção-Quadro das Nações Unidas. Para este retrospecto histórico foi utilizada uma pesquisa bibliográfica. Objetivou ainda, abordar o aspecto jurídico deste protocolo bem como explicar o que vem a ser Crédito de Carbono e como os municípios podem desenvolver mecanismos de desenvolvimento limpo bem como utilizar-se do princípio do Poluidor Pagador que deve ressarcir os danos por ele causados ao Meio Ambiente, arcando com suas responsabilidades.

PALAVRAS-CHAVE: Crédito de Carbono; Meio Ambiente; Municípios; Protocolo de Quioto.

INTRODUÇÃO

O presente artigo apresenta a análise histórica e os anteceden-tes que levaram criação do Protocolo de Quioto, refletindo sobre a sua importância como medida jurídica e combate ao aquecimento global, bem como sobre sua representação na promoção do desenvolvimento sustentável.

Ao falar sobre o Meio Ambiente, discute-se a necessidade de proteção que o meio ambiente requer e ainda investiga o surgimento do direito ambiental internacional e a repercussão das primeiras con-venções de caráter mundial – Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, o Protocolo sobre Substâncias que destroem a Camada de Ozônio, na cidade de Montreal e a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desen-volvimento, ocorrida no Rio de Janeiro, em 1992.

Enfoca a Convenção das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, que resultou na criação do Protocolo de Quioto, o qual se carac-teriza como um Tratado Internacional com o compromisso de reduzir a emissão de gases que provocam o efeito estufa, gerando o aquecimento global, sendo o principal destes o dióxido de carbono.

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Este estudo explana a relevância da questão ambiental que permeia o Mercado de Crédito de Carbono, que embora recente, surgiu da necessidade de conservação do meio ambiente. Durante muito tempo, a questão ambiental foi considerada como secundária, mas embora hoje a questão tenha tomado maiores proporções, os avanços caminham a lentos passos. Trata-se de uma temática altamente dependente da cooperação entre os Estados, que por sua vez, estão muito mais preocupados com seu crescimento econômico e, desta forma, passam a ver o problema ambiental como uma limitação ao seu crescimento. Posteriormente, traz à baila o regime jurídico internacional que conduz o Mercado de Crédito de Carbono bem como a natureza jurídica dos Certificados de Redução de Emissão de gases de efeito estufa, ainda divergente no Brasil, sendo que o posicionamento majoritário entende que as RCE´s se enquadram na categoria de bem intangível puro.

Por fim, serão analisados os créditos de carbono como fonte de riqueza para os Municípios com projetos que se destacam como potenciais geradores de receita alternativa, pois são capazes de gerar quantidades consideráveis de créditos de carbono. Tal sistemática, além de reduzir drasticamente a emissão de gases de efeito estufa, produz créditos de carbono passíveis de negociação e geração de fonte alternativa de receita aos cofres municipais.

1 PROTOCOLO DE QUIOTO

1.1 Histórico das Mudanças Climáticas

A relação do homem com a natureza sofreu grandes modi-ficações desde a revolução industrial no século XVIII, que passou a influenciar diretamente nos meios de produção com a industrialização. Nesse contexto, o homem buscando concretizar seus interesses, não se preocupou em preservar o seu habitat, pondo em risco a sua própria existência. (BRAZ, 2003, p.145)

A ciência tem apresentado muitas evidências que apontam atividades antrópicas (atividades produzidas pelo homem) como as grandes responsáveis pela gravidade dos problemas ambientais.

O equilíbrio climático foi rompido, visto que a temperatura média global aumentou 0,85°C entre 1880 e 2013, dentre os motivos determinantes destaca-se o aumento da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera. Porém, será feita uma diferenciação entre o efei-

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to estufa e o aquecimento global, fenômenos distintos que não devem ser confundidos; embora relacionados entre si, eles não apresentam o mesmo significado. Por efeito estufa entende-se um fenômeno natural, vital para a sobrevivência dos seres vivos na terra, que mantêm o pla-neta aquecido pela emissão de gases. Já no aquecimento global ocorre justamente a emissão excessiva desses gases de efeito estufa na atmos-fera, mais do que ela consegue absorver, formando assim um cobertor cada dia mais espesso tornando o planeta cada vez mais quente.

Até o período da Revolução Industrial, tinha-se a visão de que o crescimento econômico era sinônimo de exploração dos recursos am-bientais, levando os países desenvolvidos a não se preocupar com o meio ambiente. No entanto, esta ideia vem sendo substituída ao longo do tempo.

O fim da Segunda Guerra Mundial, em especial, mostrou ao mundo que a inovação tecnológica decorrente da guerra poderia trazer efeitos negativos irreversíveis à população e ao meio ambiente. DU-ARTE enfatiza essa afirmação:

A consciência de que fabulosos progressos científicos podem causar dano em escala planetária tornou-se mais viva após a Segunda Guerra Mundial, tanto em razão da inovação trazida pela bomba atômica, dispositivo capaz de efetivamente extinguir a existência no planeta, quanto pela verificação de que avanços técnicos e científicos traziam consequências negativas indisputáveis: a erosão dos solos, a destruição de habitats naturais, a degradação dos oceanos e das florestas tropicais, a devastação urbana. (DUARTE,2004,P.5).

Diversas conferências internacionais tentaram buscar uma alternativa para a degradação desenfreada do meio ambiente. A primeira delas foi a Conferência de Estocolmo, na Suécia, no ano de 1972, considerada o primeiro grande marco da questão ambiental nas relações internacionais, pois pela primeira vez houve uma reunião global cujo objetivo era discutir as questões do meio ambiente.

Durante essa Conferência deu-se o primeiro reconhecimento global dos riscos do meio ambiente e da necessidade de um esforço coletivo do governo e da indústria. Muito embora os países em desenvolvimento tenham admitido a sua falta de consciência ambiental, a Conferência de Estocolmo foi marcada pela constante

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relutância dos países subdesenvolvidos em aceitar restrições à tentativa de industrialização, através do controle ambiental, que segundo eles, encareciam e retardariam o processo. Além disso, alegavam que os países desenvolvidos queriam impor recomendações que eles mesmos não haviam cumprido. (ALTVATER, 1995)

O grande êxito da Conferência de Estocolmo foi constatar que a degradação era um problema mundial, já que toda a economia do mundo está fundamentada na exploração de recursos naturais. Pela primeira vez houve um documento internacional que afirmava que o meio ambiente seria responsabilidade de todos e que levou a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), a primeira agência internacional ambiental.

Nos anos seguintes, incentivadas pelo PNUMA, foram intensificadas as pesquisas ambientais, com destaque às mudanças climáticas. Durante esse período começam a surgir às primeiras denúncias de que a camada de ozônio estaria se deteriorando, com buracos em algumas partes que passaram a estar desprotegidas das radiações solares, além do problema do efeito estufa que já se fazia notar pelas elevações de temperaturas. O ozônio presente na atmosfera possui um importante papel na proteção da terra dos efeitos nocivos da radiação solar ultravioleta. A destruição da camada de ozônio pode potencialmente, causar sérios danos a população e ao meio ambiente, entre outras consequências, o aumento da poluição do ar e mudanças nas composições químicas de diversas espécies de plantas, que resultariam em uma diminuição da produtividade agrícola e em danos às florestas.

Em setembro de 1987, foi adotado na cidade de Montreal, no Canadá, o protocolo sobre Substâncias que destroem a Camada de Ozônio (o Protocolo de Montreal), o qual controla em seu texto a produção e o consumo de clorofluorcarbonos (CFCs) e outros produtos químicos similares produzidos pelo homem, que permaneciam na atmosfera por cerca de 50 a 100 anos e contribuem para o processo de destruição da camada de ozônio. Assim, o protocolo sugeria a substituição do CFCs pelos hidrofluorcarbonetos, que não danificam a camada de ozônio. A adesão ao protocolo foi mundial, (retificado por mais de 100 países), segundo Benedick (1999, p. 04), “houve uma colaboração jamais vista anteriormente entre países do Norte e Sul, na pesquisa e difusão de novas tecnologias, que tornaram obsoletas as substâncias redutoras da camada de ozônio”.

A Organização Meteorológica Mundial (WMO) e o Programa

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das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) criam, em 1988, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC, cuja principal atribuição era a de revisor das políticas nacionais e internacionais relacionadas à questão das mudanças climáticas, realizando estudos que relacionam o aumento na temperatura global com as atividades desenvolvidas pelos seres humanos, além de propiciar o acesso a informações científicas sobre o tema, sendo o IPCC a autoridade científica mais importante do mundo sobre aquecimento global.

O IPCC publicou cinco relatórios até então, sendo o último deles um eboço aprovado do Sumário para os Criadores de Políticas , divulgado em setembro de 2013 em Estocolmo, comprovando cientificamente que a ação do homem interfere diretamente no equilíbrio climático do planeta.

A Assembleia Geral da ONU, sob a recomendação do IPCC, iniciou, em 1990, suas negociações para a adoção da Convenção sobre Mudanças Climáticas. Esse momento histórico marca o reconhecimento de boa parte dos países do globo da existência do problema e que uma provável solução só seria viável através de ações multinacionais coordenadas.

Dessa forma, em junho de 1992, representantes de 178 governos se reuniram, na cidade do Rio de Janeiro, para participar da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), também conhecida como Eco/92 ou Cúpula da Terra, com o objetivo de discutir medidas a serem adotadas para que se promovesse a diminuição da degradação ambiental. Dentre os principais avanços gerados pela Eco/92, ganha destaque especial a Convenção-Quadro das Nações Unidas Sobre Mudanças Climáticas, (UNFCCC), Também denominada Convenção do Clima, traz em seu texto a proposta de que se realizem conferências frequentes para monitorar os progressos obtidos na mitigação das mudanças climáticas e revisar as medidas tomadas para a redução das emissões globais de gases causadores do efeito estufa. (BRAZ, 2003, p. 141)

O artigo 2º da Convenção preconiza o objetivo inicial de estabilizar as concentrações dos gases de efeito estufa na atmosfera num nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climático.

A Convenção do Clima trouxe princípios a serem seguidos, tais como: o Princípio da Responsabilidade Comum, porém Diferenciada,

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o Princípio da Equidade Inter geracional, o Princípio da Precaução e o Princípio do Desenvolvimento Sustentável.

A referida Convenção estabelece a Conferência das Partes (COP – Confernce of the Parties) como órgão supremo da Convenção, que tem como objetivo promover e revisar a implementação da Convenção-Quadro, revisar compromissos existentes periodicamente, observando os objetivos da convenção, bem como divulgar achados científicos novos e verificar a efetividade dos programas de mudanças climáticas nacionais. É uma associação de todos os países membros (ou “Partes”) signatários da Convenção, que, após sua ratificação em 1994, passaram a reunir-se anualmentea partir de 1995, por um período de duas semanas, para avaliar a situação de mudanças climáticas no planeta e propor mecanismos a fim de garantir a efetividade da Convenção.

Diante da crescente preocupação com o aquecimento global e mudanças climáticas, verificou-se a necessidade de se desenvolver um mecanismo mais efetivo e que vinculasse os países principais emissores dos gases responsáveis pelo efeito estufa.

1.2 Conhecendo o Protocolo de Quioto

O Protocolo de Quioto é um instrumento jurídico que procura por em prática os objetivos previstos na Convenção-Quadro das Nações Unidas. Entrou em vigência internacional em 16 de fevereiro de 2005, contando com a adesão de 176 países. Guido Fernando Silva SOARES esclarece que a natureza jurídica do protocolo é de Tratado Internacional mesmo que tenha sido adotado em uma conferência.

Adotado na terceira reunião da Conferência das Partes (COP-3), em 1997, na cidade de Quioto, Japão, o Protocolo é um acordo que estabelece metas de redução de emissão dos gases GEE de maneira diferente para os países desenvolvidos e aqueles em desenvolvimento, onde “cada qual deverá exercer um papel condizente com sua condição e características, sendo colaboradores no acompanhamento e na verificação do alcance dos objetivos pretendidos”. Nesse sentido reconhece que a natureza global da mudança do clima requer a maior cooperação possível de todos os países.

O Brasil aprovou o Protocolo de Quioto no Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 144 em 20 de junho de 2002. O Governo brasileiro ratificou-o em 23 de agosto de 2002 e promulgou

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em 12 de maio de 2005 através do Decreto nº 5.445, anexo.O Protocolo engloba dois anexos: - O Anexo A apresenta a listagem dos gases de efeito estufa,

são eles: Dióxido de Carbono (CO2); Metano (CH4); Óxido Nitroso (N2O); Hidrofluorcarbonos (HFCs); Perfluorcarbonos (PFCs) e Hexafluoreto de Enxofre (SF6).

- O Anexo B composto pelos países que têm compromissos de limitação ou redução de emissões, com seus respectivos percentuais.

Durante a COP-3 os países do Anexo I da Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas comprometeram-se em reduzir suas emissões em, no mínimo 5,2% em relação aos índices de poluição de 1990. Sendo que esses níveis de emissões devem ser atingidos durante o primeiro período de cumprimento do protocolo entre 2008 e 2012.

Quanto a essas cotas de redução de emissões, o Protocolo determina que os países industrializados, listados em seu Anexo B, devem implementar medidas domésticas “significativas” de redução de emissões, não importando qualquer limite mínimo à parcela doméstica de diminuição das emissões. Assim, além de investirem em projetos domésticos de mitigação de emissões, os países industrializados podem se valer de mecanismos internacionais que permitem a flexibilização da execução de suas metas. (LOPES, 2002)

1.3 Mecanismos de Flexibilização

Além de estabelecer os compromissos de redução, o Protocolo de Quioto também estabelece mecanismos de flexibilização que permitem maior eficiência econômica na redução do efeito estufa. De maneira geral, possibilitam que um país que ultrapassar sua meta de redução, possa transferir esta “sobra” para outro país que deseja ultrapassar o seu limite, ou seja, deseja emitir mais GEE do que o foi permitido. Dessa forma, esses mecanismos ajudam a minimizar os custos da emissão. São três os mecanismos de flexibilização que ajudam no cumprimento das metas:

a) Implementação Conjunta - IC, prevista no artigo 6 do Protocolo, permite que um pais, autorizado pelo governo, realize projeto de redução de emissões de GEEs, ou seja, um pais pode compensar suas emissões participando de projetos de redução de emissões em outro pais, também do anexo I

b) Mecanismo de Desenvolvimento Limpo - MDL, previsto

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no artigo 12 do Protocolo, permite aos países industrializados financiar projetos que ajudem na redução de emissão em países em desenvolvimento e receber créditos, de maneira a cumprir o seu compromisso de redução;

c) Comércio de Emissões - CE, previsto no artigo 17 do Protocolo, possibilita aos países desenvolvidos comercializarem entre si as quotas de emissão e os créditos adquiridos através do MDL em países em desenvolvimento.

O MDL é o único mecanismo de flexibilização que possibilita a participação de países em desenvolvimento, no mercado primário de carbono no âmbito do Protocolo de Quioto. Através do MDL são implementadas atividades de projeto de redução de emissão ou remoção de gases de efeito estufa e, proporcionalmente são gerados Créditos de Carbono.

2 RIO + 20

A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável foi realizada de 13 a 22 de junho de 2012, na cidade do Rio de Janeiro. A Rio+20 foi assim conhecida porque marcou os vinte anos de realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92) e contribuiu para definir a agenda do desenvolvimento sustentável para as próximas décadas.

A proposta brasileira de sediar a Rio+20 foi aprovada pela Assembléia-Geral das Nações Unidas, em sua 64ª Sessão, em 2009.

Tendo por objetivo a renovação do compromisso político com o desenvolvimento sustentável por meio da avaliação do progresso e das lacunas na implementação das decisões adotadas pelas principais cúpulas sobre o assunto e o tratamento de temas novos e emergentes, a Conferência foi marcada por temas principais: a economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza e a estrutura institucional para o desenvolvimento sustentável.

A Rio+20 centrou-se na discussão de “uma economia verde” ou seja, o desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza. Sendo assim, desde o inicio de 2012, que as Nações Unidas elaboraram e discutiram documentos-chave que continham ideias, comentários e sugestões de propostas, que foram discutidas no evento.

Um dos pontos essenciais é conscientização de que a troca de conhecimento e tecnologias entre os países é fundamental para um

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desenvolvimento mais justo e sustentável. O uso de tecnologias limpas para a produção de energia, para reduzir o impacto das mudanças climáticas, e para defender a preservação das florestas, dos oceanos e mares foram também questões importantes.

O documento final da Conferência Rio+ 20 intitulado “The Future We Want” prevê, entre outras medidas, a criação de um fórum político de alto nível para o desenvolvimento sustentável dentro das Nações Unidas, além de reafirmar um dos Princípios criado em 1992, sobre as “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”.

Este princípio significa que os países ricos devem investir mais no desenvolvimento sustentável por terem degradado mais o meio ambiente durante séculos.

3 CRÉDITOS DE CARBONO

3.1 Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL)

O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo tem objetivo de impulsionar e auxiliar o processo de redução de emissão de gases do efeito estufa e o desenvolvimento sustentável nos países em desenvolvimento. Nasceu de uma proposta do Brasil numa tentativa de relacionar as emissões de cada país com o aumento da temperatura global e para a criação de um Fundo de Desenvolvimento Limpo (LIMIRO, 2008, p. 49).

Uma vez que o impacto das emissões de GEE é global, isto é, independem do lugar onde ocorram, os países industrializados poderão investir nos países emergentes em projetos de redução de emissões, e assim dar origem aos Certificados de Emissões Reduzidas (CERs), evitando-se assim cortes em suas próprias economias e que podem ser comercializadas no mercado internacional. Como explica Conejero (2006, p. 104):

Além de criar incentivos econômicos para a redução das emissões, os mecanismos de flexibilização permitem que isto seja feito com a máxima eficiência. O custo de seqüestrar GEE ou reduzir emissões varia de país para país. Se o único objetivo de um projeto é gerar CERs1, é razoável investir no país ou região que apresentar o menor custo de redução de emissões ou seqüestro de

1 Sigla para Certificações de Emissões Reduzidas .

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GEE. (...) Ao mesmo tempo em que esse mecanismo pode reduzir os custos dos países desenvolvidos, os países emergentes também vêem grandes oportunidades com o MDL. O mecanismo, não só aumentará o fluxo de investimentos externos diretos, como exige que esses investimentos viabilizem o desenvolvimento sustentável no país anfitrião. Somado a isto, o MDL poderá fomentar a transferência de tecnologias limpas dos países desenvolvidos. (CONEJERO, 2006, p. 104)

A empresa interessada em implementar um projeto de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo deve seguir as seguintes etapas: documento de concepção do projeto; validação do projeto; carta de aprovação; registro do projeto; monitoramento das atividades de redução na emissão dos gases de efeito estufa; verificação e certificação das reduções e emissão e alocação Redução de Emissões Certificadas (RCEs).

Os critérios de elegibilidade do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo foram estabelecidos pelo Protocolo de Quioto, quais sejam: “a) Participação Voluntária aprovada por cada parte envolvida; b) Benefícios reais, mensuráveis e de longo prazo relacionados com a mitigação do clima; c) Reduções de emissões que sejam adicionais às que ocorreriam na ausência da atividade certificada de projeto”. O Protocolo de Quioto estabelece que tanto empresas privadas quanto as públicas podem participar dos projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, objetivando a aquisição de de RCEs.

3.2 Reduções de Emissão Certificada (RCEs)

Reduções de Emissão Certificada (RCEs) ou Créditos de Carbono são instrumentos juridicamente criados, já que foram estabelecidos em acordos internacionais com força jurídica, sendo geralmente definidos como certificados que autorizam o “direito de poluir”.

O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo estabeleceu sobre as regras do Protocolo de Quioto o Mercado de Carbono. Esse mercado corresponde a um sistema de negociação de unidades de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEEs), sendo que, quando ocorre essa redução dos GEE´s, são emitidos certificados denominados Créditos de Carbono, que poderão ser negociados no mercado Internacional.

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As RCE´s têm denominação ligada ao gás carbônico (CO2), devido ao fato desse gás entre os GEE´s ser encontrado com maior abundância na atmosfera.

Os Créditos de Carbono têm sua base conceitual focada na ideia de compensação de emissões atmosféricas na medida em que proporcionam o equilíbrio entre as novas emissões de poluentes no ar e a sua redução.

No sistema de Créditos de Carbono, a redução de emissão de gases do efeito estufa é atestada através de um certificado emitido pelas agências de proteção ambiental reguladoras, sendo tal certificado proporcional à quantidade de carbono ou de outros gases que contribuem para o efeito estufa.

De acordo com o artigo de Luiz Fernando do Vale:

Foi convencionado que uma tonelada de dióxido de carbono (CO2) equivale a um crédito de carbono. Outros gases que contribuem para o efeito estufa também podem ser convertidos em créditos de carbono, utilizando o conceito de carbono equivalente. “ (DO VALE, 2009).

O crédito de Carbono é negociado no mercado internacional. Através dessa negociação, a redução de GEE´s passa a ter um valor monetário para conter a poluição, podendo ser comercializado através da Bolsa de Valores e Mercadorias. Alguns meios viáveis para se conseguir essa diminuição são: reflorestamento; redução das emissões provenientes da queima de combustíveis fósseis; substituição de combustíveis fósseis por energia limpa e renovável, como eólica, solar, biomassa, PCH (Pequena Central Hidrelétrica), entre outras; aproveitamento das emissões que seriam de qualquer forma descarregadas na atmosfera (metano de aterros sanitários) para a produção de energia.

As empresas que são bem sucedidas em relação à redução de emissão de GEE´s podem vender o excedente de redução emitido através de certificados para aqueles países ou indústrias que não cumprirem a meta estabelecida em Lei.

Assim, países desenvolvidos podem impulsionar projetos que viabilizem a redução da emissão de GEE´s em países em desenvolvimento através do mercado de carbono, quando adquirem

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Créditos de Carbono provenientes desses países.O objetivo do sistema de Créditos de Carbono foi despertar

nos países a conscientização de que os processos industriais devem ser revistos, no sentido de se conciliar o desenvolvimento sócioeconômico à necessária diminuição de emissão dos GEE´s.

3.3 Natureza Jurídica

Um dos assuntos mais debatidos no âmbito das negociações dos créditos de carbono é o que se refere à natureza jurídica das RCEs, uma vez que a falta de regulamentação normativa, tanto nacional quanto internacional, agrava a insegurança dos investidores no tocante à comercialização e tributação desses créditos.

Vale destacar que os créditos de carbono não possuem existência documental ou física, dando-se a transferência das RCE’s por meio de um sistema eletrônico, semelhante ao sistema bancário,através do Conselho Executivo do MDL, em Bonn, Alemanha, na sede do Secretariado da Convenção-Quadro das Nações Unidas. Vê-se, portanto que a RCE’s trata-se de um ativo intangível e eletrônico, transacionável por meio de contratos de cessão, à luz do ordenamento jurídico brasileiro e internacional.

As RCE’s são certificadas ao final do processo do MDL, porem este certificado não pode ser considerado um título de crédito.

Em um estudo “stricto sensu” da natureza jurídica das RCE’s, há quem as classifica como Commodity,Valores Mobiliários, Títulos de Crédito entre outras titulações. Mas, para o ordenamento jurídico pátrio, deve-se classificá-las como bens intangíveis, transacionáveis por meio de contrato de cessão.

Quanto à tributação das RCE’s, ainda não há regulamentação no ordenamento jurídico brasileiro, primeiramente pelo fato de o Mercado de Carbono encontrar-se em sua forma embrionária, mas ainda há de se destacar o interesse global em reduzir os gases causadores do efeito estufa, fato este motivador para uma possível isenção tributária.

Já no ordenamento jurídico internacional, no art. 12, inciso 8º do próprio Protocolo de Kyoto, existe a incidência de um tributo de 2% (dois por cento) sobre os créditos já certificados, para cobrir despesas administrativas do Conselho Administrativo do MDL, sendo que para os países em desenvolvimento, este tributo é isento, nos termos do artigo 15 da decisão 17/CP.7.

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Muito há o que se discutir ainda com relação aos aspectos jurídicos dos créditos de carbono, estando ainda numa fase inicial de implementação, conhecido como primeiro período, trazendo, portanto, muitas incertezas de como se operarão os negócios jurídicos das RCE’s. Estima-se que existirá um segundo período após 2012, mais sólido e amadurecido, tendo em vista a preucupação mundial com o aquecimento global.

Percebe-se que o mercado de carbono modificará o cenário econômico mundial, tendo em vista tratar-se de uma política pública internacional, para a mitigação dos gases causadores do efeito estufa, que está ligada e depende do interesse privado. Esse primeiro período, 2008-2012, apresenta algumas incertezas, haja vista tratar-se de um negócio novo, porem há boas expectativas de crescimento, podendo ser avistado um segundo período, que ocorrerá após 2012, que abrangerá não só os países desenvolvidos, mas também todas as nações, sendo um interesse transnacional, que vai além das fronteiras.

Neste sentido, pode ser identificado, que os créditos de carbono tratam-se de tratam-se de bens incorpóreos ou intangíveis, que não possuem existência material, mas sim jurídica. São bens transacionáveis por meio de contrato de cessão tendo uma incidência de tributo no ordenamento jurídico internacional, regulado pelo próprio Protocolo de Kyoto, estando os países em desenvolvimento isentos desse tributo.

3.4 O princípio do Poluidor Pagador

Diante do cenário climático atual, em que o homem é o principal responsável pelos prejuízos causados ao meio ambiente, o Princípio do Poluidor Pagador torna-se um importante instrumento para inibir a ação humana que resulta em degradação ambiental.

O Princípio do Poluidor Pagador estabelece que o causador do dano ambiental ou da poluição deve ser responsável pelas consequências de sua ação ou omissão, impondo a esse poluidor o dever de reparar ou indenizar o dano.

Assim, o poluidor deve arcar com os custos sociais por ele causados, não apenas a bens e pessoas, mas também à natureza.

A respeito dos objetivos empregados a esse princípio, o Ministro do STJ, Antonio Herman de Vasconcelos e Benjamin, faz as seguintes explanações:

(...) O Princípio poluidor-pagador não é um princípio de

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compensação dos danos causados pela poluição.Seu alcance é mais amplo, incluídos todos os custos da

proteção ambiental, quaisquer que eles sejam, abarcando, a nosso ver, os custos de prevenção, de reparação e de repressão do dano ambiental, assim como aqueles outros relacionados com a própria utilização dos recursos ambientais, particularmente os naturais, que têm sido historicamente encarados como dádivas da natureza, de uso gratuito ou custo marginal zero.

O objetivo desse princípio não se foca em atribuir um preço à poluição, posto que representaria uma tolerância às práticas danosas ao meio ambiente. Tampouco se restringe apenas a compensar os danos causados, mas sim evitar o dano ao meio ambiente.

Esse é um princípio fundamental à RCE, já que o país pertencente ao anexo B (que não conseguir atingir sua meta de redução de emissão estabelecida pelo Protocolo de Quioto) poderá buscar em um país que conseguiu atingir tal meta, e que detém certificados de emissão reduzida os créditos suficientes para que não seja penalizado pelo não cumprimento de sua meta.

O princípio em tela é uma medida de controle utilizada pelos governos para que se estimule o uso responsável dos bens naturais escassos e a redução da emissão dos GEE´s, atribuindo os custos econômicos da poluição ao próprio poluidor.

O Brasil, através da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, de 1981, acolheu o Princípio do Poluidor Pagador. Tal Lei estabelece como um de seus objetivos “a imposição ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados”.

Em reforço a essa ideia de responsabilizar o poluidor trazida pelo princípio em tela, a nossa Constituição Federal de 1988 estabelece ainda em seu artigo 225, § 3º, sanções de cunho penal e administrativo aos agentes de condutas lesivas ao meio ambiente.

Assim, nossa legislação recepciona esse princípio de forma abrangente, atribuindo ao “poluidor pagador” sanções de cunho cível, administrativo e penal.

3.5 Créditos de Carbono: fonte de riqueza para os Municípios

Não só as empresas e entidades privadas podem ser beneficiadas com a receita oriunda da comercialização dos créditos de carbono. Os entes públicos, em especial os municípios, possuem vasto potencial

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de geração e comercialização de Reduções Certificadas de Emissões, moeda oficial de negociação no mercado de crédito de carbono.

Os projetos de transformação em energia elétrica do gás produzido pela decomposição natural em aterros sanitários municipais são cada vez mais desenvolvidos no âmbito dos Mecanismos de Desenvolvimento Limpo.

Pelo processo, o gás metano gerado pelo lixo depositado nos aterros é queimado e transformado em energia elétrica, para ser utilizado pelo próprio município na estação de tratamento, podendo o excedente ser vendido para a rede pública.

Tal sistemática, além de reduzir drasticamente a emissão de gases de efeito estufa, produz créditos de carbono passíveis de negociação e geração de fonte alternativa de receita aos cofres municipais.

O maior exemplo de geração de biogás em aterro sanitário no Brasil (e com o melhor desempenho do mundo, segundo dados da ONU) vem de São Paulo, com o projeto de termoenergia o biogás produzido no Aterro Bandeirantes. Até 2010, o projeto prevê uma redução de emissão de CO2 de cerca de 7,5 milhões de toneladas, sendo que 50% das Reduções Certificadas de Emissões emitidas pela ONU pertencem ao Município de São Paulo e 50% à empresa responsável pelo desenvolvimento do projeto.

Em setembro de 2007, segundo amplamente noticiado, houve o primeiro leilão de Reduções Certificadas de Emissão decorrentes do Projeto Bandeirantes, na Bolsa de Mercadorias e Futuro (BM&F), onde foram negociados mais de € 13 milhões, por pouco mais de 800 mil RCEs, resultando R$ 34,5 milhões para a prefeitura paulistana.

O exemplo de São Paulo, como não poderia deixar de ser, expressa números vultosos. Contudo, vários projetos de neutralização de metano oriundo da decomposição de lixo vêm sendo implantados em diversos municípios do país, gerando as mais diversas quantidades de Reduções Certificadas de Emissão, passíveis de negociação no mercado especializado.

Outra modalidade de projeto de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo aplicável aos municípios é o tratamento de esgotos e efluentes para evitar a emissão de gases de efeito estufa gerados pelo lodo de esgoto, cuja concentração de metano é, muitas vezes, maior do que a dos lixões.

Nesses projetos, o metano é transformado em biogás e gera

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energia elétrica, aproveitável pelo município. Além disso, a água resultante do tratamento pode ser reutilizada para diversos fins, como refrigeração, alimentação de caldeiras, limpeza, irrigação de jardins, descargas sanitárias, entre outros. A reutilização da água, após o tratamento, é capaz de gerar grande economia. Ainda, o lodo resultante do processo pode ser também utilizado como adubo orgânico.

Tal projeto também produz créditos de carbono passíveis de negociação e consequente geração de recursos financeiros aos municípios.

Interessante destacar que os custos de implantação dos projetos de MDL podem ser amortizados pelo recebimento adiantado de valores decorrentes da venda dos créditos de carbono cuja geração foi projetada. Ainda que com deságio, em razão da antecipação do pagamento, a modalidade é válida para as empresas e entes públicos sem recursos para aporte imediato no projeto.

As espécies de projeto trazidas como exemplo são apenas duas possibilidades viáveis de aumento da receita dos municípios, havendo muitos outros projetos sob a análise dos especialistas do setor.

Além do enfoque econômico, é preciso também lembrar o fundamental papel das reduções da emissão dos gases de efeito estufa para o meio-ambiente.

A preocupação da sociedade para o constante aprimoramento e criação de projetos de desenvolvimento sustentável reflete a conscientização crescente acerca dos malefícios da atividade produtiva descontrolada.

Portanto, aliar a consciência acerca da responsabilidade ambiental à possibilidade de geração de receitas alternativas, através de projetos sustentáveis de geração de energia limpa, além de demonstrar a crescente evolução das políticas públicas do país, posiciona o Brasil na vanguarda das questões ambientais de relevância mundial.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo se propôs a relatar o papel que o direito tem desempenhado na busca de soluções para o problema do aquecimento global através da elaboração de acordos no âmbito internacional, regulando a atividade humana que causa impacto ambiental. Em escala global objetivou relatar como isso vem sendo possível, por intermédio de normas internas e de tratados internacionais.

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Muitas iniciativas de cooperação entre nações foram realizadas com o intuito de se chegar a um consenso sobre como tratar de forma eficaz a questão da preservação do meio ambiente de forma a garantir um desenvolvimento sustentável. Os ápices dessas iniciativas se deram por ocasião da primeira Convenção em nível global realizada em Estocolmo, em 1972 – Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano e vinte anos após com a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro 25 em 1992. Desse segundo encontro surgiu a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.

Foi fruto da convenção uma série de reuniões denominadas Conferência das Partes (COPs) cuja terceira reunião deu origem ao Protocolo de Quioto, o primeiro tratado internacional em que as partes signatárias se comprometeram com metas específicas para redução da emissão dos gases que agravam o efeito estufa. O Tratado de Quioto entrou em vigor em 16 de fevereiro de 2005 após ser ratificado pela Rússia, chegando assim ao percentual mínimo de 55% de países signatários da Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima.

Desta forma o Protocolo de Quioto emergiu como alternativa na busca de uma forma de mitigação da emissão dos gases que agravam o efeito estufa usando mecanismos de flexibilização que permitem a participação diferenciada dos países signatários de acordo com seu grau de desenvolvimento. Os percentuais destinados a cada país constantes no Anexo I da Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima podem ser negociados de forma que aqueles que não consigam atingir suas metas possam comprar Certificados de Emissões Reduzidas de países em desenvolvimento. Esse mercado comum promete garantir de forma global que o desenvolvimento se dê de forma sustentável. É o que se espera.

Apresenta também a análise da viabilidade do emprego do “direito de poluir”, que é atribuído aos compradores de RCE´s no Mercado de Crédito de Carbono. Além dessa questão central, observou-se como um dos objetivos secundários o desígnio de despertar, tanto para o profissional da esfera jurídica quanto para os profissionais de outras áreas, a questão da importância da estabilidade desse mercado, diante dos objetivos a que se dispõe o mercado de Crédito de Carbono, tanto no mercado internacional quanto como fonte de receitas para os munícipios, no mercado nacional.

Para tal objetivo fosse atingido, abordaram-se inicialmente

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considerações sobre o aquecimento global na sociedade atual, demonstrando a necessidade de tal sociedade procurar um equilíbrio entre o desenvolvimento socioeconômico e o meio ambiente, evitando-se a transformação climática exacerbada que atingiria a qualidade de vida e acarretaria em consequências negativas à seara socioeconômica, já que os efeitos negativos atuais e futuros do aquecimento global têm sido reiteradamente confirmados e corroborados por cientistas de renome no mundo todo.

REFERÊNCIAS

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DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO E ACOMPETÊNCIA DO ENTE PÚBLICO MUNICIPAL

Renata Miranda Concórdia Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Rondônia.

Walace Hoffmann CardosoBacharel em Direito pela Universidade Federal de Rondônia.

RESUMO: Trata de artigo científico que pretende demonstrar como o ente público municipal tem sua competência definida na tutela do meio ambiente no âmbito do direito brasileiro. Para tal análise apresenta-se uma pesquisa bibliográfica com enfoque na definição de uma Administração Pública Municipal como gestora ambiental quando do interesse local, conforme emana a Constituição Federal Brasileira. Nesse contexto, busca-se demonstrar os instrumentos da gestão ambiental municipal, com alusões ao Plano Diretor e ao desenvolvimento econômico sustentável. Percebe-se no decorrer das considerações elencadas, que o ente público municipal é dotado de uma competência imprescindível à sadia qualidade doe vida do homem e direcionada ao interesse local.

PALAVRAS-CHAVE: Direito ambiental; Município; Sustentabilidade.

INTRODUÇÃO

É notável a importância e a essencialidade do meio ambiente para os seres humanos, de tal forma que sem as características do mesmo geraria a impossibilidade de sobrevivência. Diante da relevância do tema o presente artigo tem como tema reflexões acerca da competência do município em legislar sobre as questões ambientais. Em que momento a legislação brasileira reconhece o meio ambiente como direito essencial em prol de qualidade de vida e do desenvolvimento sustentável.

De acordo com Fiorillo (2011) iniciou-se no Brasil com a Constituição de 1988 uma nova categoria de bens: os bens de uso comum do povo e essenciais à sadia qualidade de vida. Ressaltando o artigo 225 ao alegar que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado com o fim de defendê-lo e preservá-lo para o presente e futuras gerações.

Segundo a Constituição Federal é dever do Estado garantir que o meio ambiente seja ecologicamente equilibrado, a fim de

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possibilitar a sadia qualidade de vida ao homem. Considerando que o texto constitucional menciona “dever Estatal”, porém o município como ente federativo recebeu autonomia possuindo competências exclusivas e organizações políticas próprias conforme respectivamente os artigos 30 e 29 da Constituição Federal.

Certamente isso possibilita uma efetividade maior e imediata dos prementes direitos ambientais, pois é no município que realmente os brasileiros e estrangeiros vivem e exercem em sua plenitude o Estado Democrático de Direito visando à integração social com base no conceito de cidadania.

1 O DIREITO AMBIENTAL E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

O meio ambiente é um bem de uso comum do povo, no qual, deve ser preservado e conservado para a presente e futuras gerações. Devido à tamanha importância desse bem jurídico é que se faz necessário uma política rigorosa, a fim de tutelar esse direito coletivo por meio de leis e princípios constitucionais voltados à manutenção e proteção ambiental.

Observa-se que a Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 é a primeira Constituição Brasileira a consagrar a importância do meio ambiente como lei fundamental.

Segundo Jose Afonso da Silva

[...] a constituição de 1988 foi, portanto, a primeira a tratar deliberadamente da questão ambiental. Pode-se até dizer que ela é uma constituição eminentemente ambientalista. Assumiu o tratamento da matéria em termos amplos e modernos. Traz um capítulo específico sobre o meio ambiente, inserido no título da ordem social. Mas a questão permeia todo o seu texto, correlacionada com os temas fundamentais da ordem constitucional (AFONSO, José da Silva, 2007).

As disposições sobre o meio ambiente estão inseridas em diversos títulos e capítulos da Constituição de 1988, como o titulo VIII (“Da ordem Social”), em seu capitulo VI, que trata do tema especifico (“Do meio ambiente”), no artigo 225. Compreendendo-se como meio ambiente segundo o artigo 3°, da Lei 6.938 (1981), “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e

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biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.”Para que possa melhor entender o direito ambiental, pode-

se observar a partir de um princípio basilar da Constituição Federal, que prevê os direitos fundamentais do ser humano, sob esse principio subentende que para o desenvolvimento de cada cidadão é fundamental o direito a vida. Do mesmo modo para que cada cidadão tenha direito a condições reais e essenciais para a sua sobrevivência, como direito a família, a alimentação, a educação e a um ambiente saudável que lhe proporcione o desenvolvimento necessário.

De acordo com Silva (2009), percebe-se que as leis constitucionais assumiram a consciência de que o direito à vida está intimamente relacionado com a tutela do meio ambiente com a finalidade de proporcionar melhor qualidade da vida humana.

2 O INTERESSE LOCAL E COMPETÊNCIA DO ENTE PÚBLICO MUNICIPAL

A Constituição de 1988 alterou a posição dos municípios, pois os considera parte da estrutura da federação, quando declara “A Republica Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal” (art. 1° da CF), e, por conseguinte “A organização político-administrativa da Republica Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta constituição”.

No entanto, deve haver certa aliança entre as esferas de competências para que os interesses de cada repartição não entrem em divergência e o federalismo venha a ser um sistema coerente. Nas palavras de Machado, enfatiza-se esta idéia na medida em que tais repartições busquem esforços para a consecução de fins comuns na realização conjunta de suas aspirações e objetivos.

Para Jose Afonso da Silva

[...] a constituição de 1988 busca realizar o equilíbrio federativo por meio de uma repartição de competências que se fundamenta na técnica de enumeração dos poderes da União (arts. 21 e 22) com poderes remanescentes para os Estados (art. 25, § 1º) e poderes definidos indicativamente para os municípios (arts. 29 e 30), mas combina, com esta reserva de campos específicos, áreas comuns em que se prevêem atuações paralelas da União,

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Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 23) e setores concorrentes entre União e Estados, em que a competência para estabelecer políticas gerais, diretrizes gerais e normas gerais cabe à União, enquanto se defere aos Estados e até aos municípios a competência suplementar (arts. 24 e 30). (AFONSO, José da Silva, 2009)

A competência do ente municipal é consagrada pelo artigo 30, inciso I e II da Constituição de 1988, na competência exclusiva para os assuntos sobre o interesse local e função legislativa suplementar e os incisos III ao IX que diz respeito às competências administrativas ou materiais dos municípios.

Em relação ao artigo 30, inciso I “legislar sobre assuntos de interesse local”, ao passo que deve ser observadas as normas gerais do Estado e da União, os princípios da Constituição e também as leis estaduais para não contrariar o ordenamento legal ao qual estão submetidos. Porém, deve-se analisar que apesar dessa submissão do município a outras normas os mesmos não ficam com seus poderes limitados, pois amplas são as matérias de sua competência.

Nesta vertente cita-se o exemplo de Machado (2007) “O Município não pode legislar sobre águas, mas pode, e deve aplicar a legislação federal de águas no ordenamento do território municipal.”

É válido ressaltar o aspecto atribuído ao inciso I do art. 30 do eminente magistrado Vladimir Pena de Freitas:

A nova Constituição inovou ao substituir a expressão tradicional ‘peculiar interesse’ por ‘interesse local’. Com isso, perdeu-se entendimento consolidado em doutrina de dezenas de anos, já que desde a Constituição Republicana de 1891 usava-se a expressão ‘peculiar interesse’ (conforme artigo 61). Pois bem: qual o assunto ambiental de interesse federal ou estadual que não interessa à comunidade? Então, raciocinando em sentido contrário, tudo é do interesse local e, portanto, da competência municipal? O subjetivismo da expressão origina as mais atrozes dúvidas. E, apesar dos anos passados da promulgação da nova Constituição, ainda não se definiram a doutrina e a jurisprudência. (FREITAS, Vladimir Pena de, 2005, apud IRIGARAY, Teodoro Hugueney; et RIOS, Aurélio Virgílio Veiga, 2005).

O art. 30 da Constituição Federal (1988), em seu inciso II, in

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verbis: “suplementar a legislação federal e a estadual no que couber”, traz a possibilidade de o município legislar sobre assuntos locais e a suplementar da lei federal e estadual no que couber, quando conforme o art. 24 o município não participa da legislação concorrente, no entanto, o inciso II de certa maneira supre essa omissão do legislador referente ao art. 24. De outra forma, conforme o artigo 182, ao qual atribui ao Poder Municipal à política de desenvolvimento urbano, portanto, há um vasto campo a ser explorado pelos municípios.

O magistrado Antunes (2005), lembra-se que “a importância dos Municípios é evidente em si mesma, pois as populações e as autoridades locais reúnem amplas condições de bem conhecer os problemas e mazelas ambientais de cada localidade, sendo certo que são as primeiras a localizar e identificar o problema. É através dos Municípios que se pode implementar o princípio ecológico de agir localmente, pensar globalmente”.

Destarte, o campo de atuação do poder municipal é, notadamente, proteção do patrimônio histórico cultural, inciso IX; promover adequado ordenamento territorial, inciso VIII, entre outros.

2.1 O Meio Ambiente Urbano Ecologicamente Equilibrado

É certo dizer que ao longo do tempo o ambientalismo está tomando lugar no cenário mundial, devido ao imenso valor que o meio ambiente representa para os seres humanos. Constata-se esse fortalecimento ambiental com realização de discussões internacionais devido às iminentes catástrofes e a consequente escassez dos recursos naturais em prol de um desenvolvimento sustentável.

Leciona Machado (2007), que a Conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente, na Declaração de Estocolmo/72, salientou que o homem tem direito fundamental a “[...] adequadas condições de vida, em um meio ambiente de qualidade”. A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, na Declaração Rio de Janeiro (1992), afirmou que os “seres humanos têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza.”.

A Constituição Federal de 1988 inovou em tratar sobre o meio ambiente, com o capítulo especifico das questões ambientais, no caput do art. 225, norma essa que expõe o direito a todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. E para ter esse direito é necessário que se efetive a preservação, de modo que o parágrafo 1°

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impõe de forma genérica para toda a sociedade e também ao Poder Publico a conservação do meio ambiente.

Prescreve o artigo 225, caput, da Constituição da República (1988): “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para a presente e futuras gerações.”

Referente ao artigo supra segundo Daniela Campos Libório Di Sarno saudável qualidade de vida é:

O estado de completo bem estar físico, mental e social do ser, resultado de adequadas condições de alimentação, habitação, saneamento, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso à terra e posse dela e acesso a serviços de saúde. Destes treze itens, pelo menos seis estão relacionados com a política urbana, donde se deduz que, para que haja uma oferta de sadia qualidade de vida para uma população, serão necessárias a estruturação e a realização de uma política urbana condizente com estes valores. (DI SARNO, Daniela Campos Libório, 2004)

É inegável o conceito de direito fundamental atribuído ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, na medida em que a preservação e proteção do meio ambiente são de substancial importância à vida e a dignidade da pessoa humana. Direito esse dirigido a todos e devem-se observar três aspectos fundamentais que fazem parte do meio ambiente: o meio ambiente artificial, ou seja, o espaço urbano; meio ambiente natural e cultural.

Em síntese, deve-se garantir o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado para a presente e futuras gerações, citam-se as palavras de Fiorillo (2011) porquanto isso exige harmonia em todos os aspectos facetários que compõem o meio ambiente.

E para promover esta efetivação ou garantia ao Estado é resguardado por meios como, a legislação ambiental norteando a sua atuação em prol da preservação, conservação e recuperação do meio ambiente. Segundo Antunes (2005) comenta que o fator substancial da preservação ambiental é dirigido a todos estabelecendo uma obrigação comunitária e administrativa de defender o meio ambiente.

2.2 Os Fins do Estado e a Proteção do Direito Difuso e Coletivo

Percebe-se que ao longo da história o Brasil evoluiu na

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conscientização da preservação ambiental e a Constituição da Republica de 1988, atribui ao meio ambiente o estrado de bem jurídico. Ao qual o meio ambiente é considerado como um bem dotado de valor social e econômico.

Nota-se que existem vários fatores que intensificaram a preocupação com o meio ambiente no país e com isso proporcionaram um maior crescimento de conscientização dos mais diversos setores da sociedade. Evidenciam-se então os direitos metaindividuais ou trasindividuais conforme o artigo 129, inciso III, “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.”

Podendo ser definido pelo Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 81, parágrafo único, incisos I e II, in verbis:

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. (BRASIL, Lei 8.078,1990).

Segundo o ilustre professor Fiorillo (2011) o citado art. 81 da lei 8.078/90 ao mencionar que os direitos difusos são transindividuais, determina como aqueles que transcendem o indivíduo, transpõe a esfera de direitos individuais atingindo então a condição coletiva.

O meio ambiente é considerado pela Constituição como de interesse difuso, ou seja, interesse comum de pessoas não ligadas por vínculos jurídicos, ou seja, questões que interessam a todos, de forma indeterminada.

Direitos difusos esses que são assegurados por medidas de defesa da vontade geral da sociedade, refere-se à Ação Civil Pública, proteção essa consagrada pela Constituição Federal (1988) em seu artigo 129, inciso III, “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de

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outros interesses difusos e coletivos”.É correto afirmar que os cidadãos estão aquém do

exercício pleno da cidadania, mas a passos lentos vem crescendo a conscientização dos indivíduos a respeito dos direitos individuais ou difusos e coletivos. No entanto, os cidadãos brasileiros têm pouco conhecimento a respeito dos seus direitos, de forma que os direitos individuais são os mais conhecidos, enquanto a definição dos direitos difusos não é reconhecida, quanto mais os meios que asseguram esses direitos. Ao passo que deve ser compreendido que é um direito de todos e, consequentemente, ser legitimado pelos indivíduos e não somente ficar a cargo do Ministério Público.

Convém salientar que é preciso que as pessoas criem uma consciência de defesa do meio ambiente, sendo o mesmo o bem ou patrimônio mais valioso e por consequente na defesa do Estado. De acordo com Édis Milaré (2005) “A visão ética da questão ambiental deve ser adotada pelo indivíduo e pelo seu grupo social, pela comunidade local e por amplos setores da sociedade, pelo produtor e pelo consumidor. E incumbe ao cidadão e ao Poder Público”.

Portanto é valido que os cidadãos e o Estado se aliem para exercer cooperativamente a proteção e conservação do meio ambiente, utilizando dos meios processuais eficazes para a defesa dos direitos metaindividuais como, a Ação Civil Pública e Ação Popular para combater as mazelas da sociedade e efetivar em defesa do meio ambiente, patrimônio esse que influi na qualidade de vida de todos os habitantes.

3 PLANO DIRETOR

A Constituição Federal em seu art. 182, § 1º determina que o Plano Diretor deva ser objeto de lei, sendo obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes. O Plano Diretor é o instrumento fundamental da política de desenvolvimento e de expansão urbana, e visa ordenar o completo desenvolvimento das funções sociais da cidade, com vistas em alcançar o bem-estar de seus habitantes.

O autor da consagrada obra Direito Ambiental Brasileiro, Paulo Affonso Leme Machado, conceitua plano diretor como:

[...] o conjunto de normas obrigatórias, elaborado por lei municipal específica, integrando o processo de planejamento

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municipal, que regula as atividades e empreendimentos do próprio Poder Público Municipal e das pessoas físicas ou jurídicas, de Direito Privado ou Público, a serem levados a efeito no território municipal (MACHADO, Paulo Affonso Leme. 2005).

O conceito de plano diretor adotado pela Constituição é o de um plano urbanístico e auto-aplicável. A ele é instituída a definição da função social da propriedade e a delimitação das áreas subutilizadas, sujeitas a parcelamento e edificação compulsórios.

A aprovação do Plano Diretor se dá por lei municipal, portanto, pelo Legislativo. É a Câmara Municipal que aprova o plano, mas é o Executivo que o elabora. Sua natureza jurídica é controversa, existindo quem o considere ora como ato normativo, ora ato administrativo, ou uma junção destes.

Para Paulo Bessa o Plano Diretor é

[...] o instrumento jurídico mais importante para a vida das cidades é o Plano Diretor, pois é dele que se originam todas as diretrizes e normativas para a adequada ocupação do solo urbano. É segundo o atendimento das normas expressas no Plano Diretor que se pode avaliar se a propriedade urbana está, ou não, cumprindo com sua função social tal qual determinado pela lei Fundamental da República. (ANTUNES, Paulo de Bessa, 2005).

As normas ordinárias editadas não apenas ratificam o caráter urbanístico e auto-aplicável do plano diretor, como permitem identificar com nitidez seu conteúdo. São elas: o Código Florestal, a Lei de Parcelamento do Solo Urbano e o Estatuto da Cidade.

Além do contemplado pela Constituição Federal de 1988, a Lei nº 10.257/2001, que regulamenta o Estatuto da Cidade, em seu art.39 expõe que a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no Plano Diretor. Esta Lei obriga os municípios nas Leis Orgânicas Municipais a criar o Plano Diretor.

O Estatuto da Cidade, trazido pela Lei n° 10.257 (2001) é a primeira Lei Federal destinada especificamente à regulamentação do

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Capítulo da Política Urbana da Constituição. Nessa norma o plano diretor é tratado como tema central, ao contrário das leis anteriores, em que ele era assunto periférico, regulado apenas na sua interface com outros temas.

Luiz Paulo Sirvinskas (2002) diz que a finalidade do plano diretor é “traçar a política de desenvolvimento urbano, estabelecendo as diretrizes de uso e ocupação do solo urbano”. O plano diretor, segundo o referido autor, diz para onde a cidade deve crescer e se desenvolver, esclarecendo que “sem ele a cidade crescerá desordenadamente”. E, conclui: “é através do plano diretor que se estabelecerão também os critérios para o zoneamento urbano com a conseqüente delimitação das áreas industriais, comerciais e industriais”

Considera Antunes (2005) que: “O Plano Diretor é lei formal, não podendo ser substituído por decreto ou outro ato administrativo de qualquer natureza.”

Desse modo o Plano Diretor não é apenas uma precisão legal na Constituição Federal. Constitui-se em um instrumento indispensável para a gestão urbana e promove o apropriado desenvolvimento das cidades.

Helita Barreto Custódio, destacando a relevância das normas do artigo 182, da Constituição Federal, referentes à política urbana a ser executada pelo poder público municipal, afirma que

[...]o plano diretor, como plano urbanístico geral em nível local, deverá conter diretrizes aplicáveis a todos os usos suscetíveis na totalidade do território de cada Município, com a inclusão das atividades agrícolas, agroindustriais, agropecuárias, pesqueiras, florestais e similares, tudo de acordo com as peculiaridades ou realidades locais e com as respectivas zonas de uso ajustáveis. (CUSTÓDIO, Helita Barreto. 1997).

Quanto à necessidade de compatibilidade ao Plano Diretor por parte outras normas municipais, Paulo Bessa esclarece

Como instrumento da política de desenvolvimento e expansão urbana, ele é parte integrante e indissociável do processo de planejamento municipal. Tanto o plano plurianual como as diretrizes orçamentárias e

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o orçamento anual devem incorporar as diretrizes e as prioridades nele contidas. (ANTUNES, Paulo de Bessa, 2005).

A abrangência espacial do Plano Diretor deve integrar todas as regiões do município, nesse sentido Antunes (2005) menciona que: “O Plano Diretor não pode se limitar às áreas de expansão urbana do município, pois deve abranger todo o território municipal, inclusive as áreas rurais, quando houver.”

Helita Barreto Custódio lembra que

[...] sem prejuízo de normas mais restritivas e ajustáveis às peculiaridades de cada zona de uso, as diretrizes do plano diretor devem compatibilizar-se com as normas gerais da lei federal sobre direito urbanístico, bem como com as diretrizes gerais da lei federal sobre desenvolvimento urbano, habitação, saneamento básico, transportes urbanos, além de outras regras gerais previstas nas normas constitucionais e na legislação federal e estadual complementar. (CUSTÓDIO, Helita Barreto. 1997).

Frente à adoção da política da cidade verde e mais humana, faz-se necessária a adoção dos meios de desenvolvimento e expansão urbanos. Hoje, de forma imperativa na atual Constituição, as cidades com mais de vinte mil habitantes devem elaborar seus planos diretores.

O plano diretor, como se verifica, é um competente instrumento de controle de preservação dos espaços verdes existentes nos grandes centros urbanos. Através desse mecanismo se pode exigir a preservação desses espaços.

O destino do planejamento no Brasil atual, o perfil, a credibilidade e o conteúdo dos planos diretores estão assim unidos aos avanços da consciência da população e da organização do poder político das classes populares.

4 O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO SUSTENTÁVEL

Segundo a renomada entidade WWF (2011) “A definição mais aceita para desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento capaz de

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suprir as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade de atender as necessidades das futuras gerações. É o desenvolvimento que não esgota os recursos para o futuro.”

O conceito de desenvolvimento sustentável, apoiado numa visão ética indiscutível, comprometida em preservar a natureza para as gerações futuras, tornou-se consensual em quase todo o mundo.

Quanto ao significado de desenvolvimento sustentável, Stake (1991) apresenta a seguinte definição: “Para ser sustentável, o desenvolvimento precisa levar em consideração fatores sociais, ecológicos, assim como econômicos; as bases dos recursos vivos e não vivos; as vantagens e desvantagens de ações; alternativas a longo e curto prazos.”

A Constituição Federal em seu artigo 170 traz a defesa do meio ambiente como princípio geral da ordem econômica e financeira ao lado dos princípios da função social da propriedade, da redução das desigualdades sociais e da busca do pleno emprego. Desse nodo considera-se que o meio ambiente foi definido constitucionalmente como um bem jurídico e um valor jurídico que deve ser preservado e priorizado for discutido o desenvolvimento econômico.

Em se tratando do desenvolvimento econômico e a atenção a proteção ambiental e preservação dos recursos naturais deverão ser observados os seguintes princípios constitucionais, considerando a Constituição Federa (1988), pelos artigos abaixo destacados:a) propriedade privada (art. 170, II, c/c art. 5° XXII);b) função social da propriedade, pública ou privada (art. 170, III, c/c

art. 5º, XXIII);c) defesa do consumidor (art. 170, V, c/c art. 5°, XXXII);d) defesa do meio ambiente (art. 170, VI, c/c arts. 5º e 225);e) redução das desigualdades regionais e sociais (art. 170, VII, c/c art.

3º, III, IV e art. 23, X)A política de desenvolvimento ecologicamente sustentável

sinaliza a maioria dos países que evoluíram nas suas políticas ambientais. Margeia-se pela a gestão coerente dos recursos e a precaução no longo prazo. Busca superar os impasses e os custos ecológicos altíssimos, sublinhando a prevenção da poluição, a gestão provável de riscos, e o desenvolvimento científico e tecnológico.

O que se busca é o desenvolvimento sustentável justo socialmente, viável economicamente, e correto ambientalmente, considerando não só as nossas demandas atuais, mas também as das

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gerações futuras.Para Paulo de Bessa Antunes (2005): “a concepção do

desenvolvimento sustentado tem em vista a tentativa de conciliar a preservação dos recursos ambientais e o desenvolvimento econômico.”

Nesse contexto o mesmo autor refere:

Pretende-se que, sem o esgotamento desnecessário dos recursos ambientais, haja a possibilidade de garantir uma condição de vida mais digna e humana para milhões e milhões de pessoas, cujas atuais condições são humilhantes. Entretanto, o desenvolvimento sustentável não é tão simples, pois se os recursos ambientais são finitos seria extremamente ingênuo acharmos que podemos utilizá-los sem esgotá-los. É óbvio que melhores tecnologias, novos produtos, matérias primas mais bem utilizadas, todas essas coisas são aptas a ampliarem a durabilidade das matérias primas. (ANTUNES, Paulo de Bessa, 2005).

Quanto à atenção aos princípios constitucionais gerais sobre da atividade econômica, bem como do desenvolvimento econômico a serem observados para a conciliação com a preservação do meio ambiente, Helita Barreiro menciona que

[...]todas as atividades transformadoras dos recursos naturais, culturais, sanitários, quer nas zonas urbanas e periferias, quer nas zonas rurais, se sujeitarão às normas de proteção do meio ambiente, sendo sempre precedidas de adequado planejamento, de prévio estudo de impacto ambiental e indispensável licenciamento, além de outras providencias de controle e fiscalização permanentes. (CUSTÓDIO, Helita Barreiro. 2005).

O desenvolvimento econômico busca proteger e preservar as espécies existentes, e para isso o Poder Público deve formular políticas eficazes de proteção ambiental, para que as gerações vindouras efetivem seu direito ao meio ambiente protegido, com acesso a todos os recursos ambientais necessários para a manutenção da vida.

Paulo Bessa concluí que

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Ficou claro que a efetivação da proteção ao meio ambiente como princípio econômico é um elemento importante para a modificação do padrão de apropriação econômica do meio ambiente, tornando-a mais adequada para uma utilização racional dos recursos ambientais. (ANTUNES, Paulo de Bessa, 2005, grifo nosso).

A conceituação de desenvolvimento sustentável mune uma estrutura para a integração de políticas ambientais e estratégias de desenvolvimento, buscando satisfazer as demandas e aspirações do presente sem afetar a possibilidade de atendê-las no amanhã, advertindo que sempre existe o riso de que o desenvolvimento econômico moleste o meio ambiente, de modo que ele majora a violência à natureza quando necessitam de escassos recursos ambientais.

É pertinente destacar que

[...] o princípio do desenvolvimento sustentável tem por conteúdo a manutenção das bases vitais da produção e reprodução do homem e de suas atividades, garantindo igualmente uma relação satisfatória entre os homens e destes com seu ambiente, para que as futuras gerações também tenham oportunidade de desfrutar os mesmos recursos que temos hoje à nossa disposição. (FIORILO, Celso Antonio Pacheco et DIAFÉRIA, Adriana, 1999, apud FIORILO, Celso Antonio Pacheco, 2011, grifo nosso.)

Aumentou-se a preocupação em aliar o desenvolvimento econômico à conservação do meio ambiente, daí a necessidade de serem estabelecidos os critérios de padrões de qualidade ambiental e normas relativas ao uso e manejo dos recursos ambientais, bem como de serem desenvolvidas políticas públicas, incorporadas a campanhas de conscientização da sociedade, com o propósito de que os recursos naturais se encontrem disponíveis aos futuros cidadãos. (FOTZ, Ana Paula. 2008)

Cumpre mencionar que administrações públicas em cada município que se pautarem pelo conceito de desenvolvimento sustentável deveram desenvolver políticas públicas para que as

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economias em crescimento permaneçam constantemente ligadas as suas origens ecológicas e que estas origens sejam resguardadas e sustentadas para que consigam apoiar o crescimento da cidade em longo prazo. Posto isso, a salvaguarda dos recursos naturais é intrinsecamente ligada ao conceito de desenvolvimento sustentável, indispensável à sadia qualidade de vida do homem.

5 ÓRGÃO AMBIENTAL MUNICIPAL

O Sistema Municipal de Proteção Ambiental deverá ser constituído por órgão da prefeitura e institutos ou entidades do município. É interessante que integre instituições de pesquisa científica, especificamente fundações responsáveis pelo estudo dos recursos naturais, bem como dos impactos da ocupação humana e atividade econômica/industrial. A Secretaria ou repartição pública deve ter seu foco na proteção e melhoria da qualidade vida dos munícipes, e para tal, é necessária uma cultura de administração que se paute pelo planejamento, controle, fiscalização das atividades que afetam o meio ambiente e aplicação de normas a ele pertinentes (política de repressão aos danos ambientais e as atividades potencialmente poluidoras).

O ente público carece dessa cultura de planejamento, e por diversas vezes peca ao ter que improvisar reações inusitadas aos diversos eventos danosos ao meio ambiente. Desenvolver projetos e executar políticas públicas eficientes na área ambiental significa que o gestor público se preocupa com a população, e mais do que isso demonstra sua responsabilidade administrativa perante.

A esfera municipal além do planejamento das ações ambientais deve buscar para seu quadro funcional, profissionais competentes e acima de tudo, compromissados ideologicamente com questão ambiental. Não obstante, uma administração pública eficiente deve enraizar em todas as suas ações a preocupação com os impactos ambientais, para tal é necessário o intercambio do órgão ambiental com os demais setores da administração municipal.

O exercício do poder de polícia ambiental, na definição de Paulo Affonso Leme Machado (2000) corresponde à atividade da administração pública que limita ou disciplina direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato em razão de interesse público concernente à saúde da população, à conservação dos ecossistemas, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício

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de atividades econômicas ou de outras atividades dependentes de concessão, autorização, permissão ou licença do Poder Público de cujas atividades possam decorrer poluição ou agressão à natureza.

O conceito de poder de polícia é antevisto no artigo 78 do Código Tributário Nacional, como atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão do interesse público concernente aos direitos individuais e coletivos.

Mesmo que haja órgão ambiental municipal, em atenção à hierarquia dos órgãos da administração pública e suas competências, pode haver a ação fiscalizadora por parte de órgãos ambientais estaduais ou federais em qualquer atividade localizada no território do município.

A Lei Federal 6.938, de 31.08.81, estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente e, anexo a ela, o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA).

Do panorama institucional, o SISNAMA é instituição sui generis. Não tem personalidade jurídica, nem sede, endereço e CNPJ. Todavia, de maneira implícita, tem atribuições não próprias e nominativas. A alma do SISNAMA, sua força e forma de presença é a comunicação entre os subsistemas e as instituições que o integram.

A Lei 6.938 já estabelece um sistema de atuação cooperada entre os três níveis de governo. Com efeito, o SISNAMA é integrado por órgãos federais, estaduais e municipais, que têm como órgão superior o CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente), com funções normativas e cujas resoluções têm força legal. Ele é composto por representantes dos ministérios (órgãos setoriais), dos estados (órgãos seccionais) e de entidades não-governamentais.

O IBAMA é o órgão federal executor e o Ministério do Meio Ambiente é o órgão central do SISNAMA, com funções de articulação política entre os órgãos federais, estaduais e municipais. Entretanto, essa articulação política não tem sido provocada, a não ser excepcionalmente.

Os estados possuem representação no CONAMA e, por referência expressa da própria lei, outorgam o licenciamento ambiental e penalizam os infratores da legislação ambiental.

Por isso a estima de uma organização política e institucional cominada à constituição de órgãos municipais de meio ambiente que contém com a participação de setores organizados da sociedade civil para melhor representar a municipalidade perante o estado e, ao mesmo

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tempo, dar valor específico às normas e às ações locais na defesa da sadia qualidade de vida e dos recursos naturais. O Sistema Municipal do Meio Ambiente conceitua o município como interlocutor qualificado perante outros níveis do Poder Público.

Acrescento que essas instituições da esfera pública municipal também passam a ter função na própria administração municipal, articulando-se com os demais órgãos do município, no intuito de incorporar a questão ambiental nos planos e programas de governo municipal, particularmente na política de desenvolvimento urbano.

E, como já salientado, pela nova ordem constitucional, o município pode legislar sobre meio ambiente e formar secretarias, órgãos municipais ou conselhos de meio ambiente para decidir sobre matéria de interesse local.

Sobre esse aspecto, o Conselho Nacional do Meio Ambiente, no uso de sua autoridade para estabelecer normas técnicas e administrativas para a execução dos regulamentos gerais e abstratos contidos na Lei 6.938/81, elaborou a Resolução do CONAMA nº 237/97, redefinindo o licenciamento ambiental em todo o território brasileiro, dando destaque à administração municipal como ente federativo e atribuindo-lhe papéis específicos na gestão do meio ambiente, em especial no que se tange ao interesse local.

Para que exerça tal função, deve o município ter implantado e em funcionamento o Conselho de Meio Ambiente e, ainda, dispor de profissionais legalmente habilitados (art. 20) em seus quadros.

O Sistema Municipal de Proteção Ambiental deverá ser composto por:

• Conselho Municipal do Meio Ambiente, órgão superior do Sistema, de caráter consultivo, deliberativo e normativo, responsável pela aprovação e acompanhamento da implantação da Política Municipal do Meio Ambiente, bem como dos demais planos afetos à área;

• A Secretaria, Diretoria, Departamento ou Seção de Meio Ambiente do Município, responsável pelo meio ambiente, como órgão central (unidade administrativa);

• As demais Secretarias Municipais e organismos da administração direta e indireta, bem como as instituições governamentais e não governamentais com atuação no município.

• Os órgãos responsáveis pela gestão dos recursos ambientais, preservação e conservação do meio ambiente e execução da

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fiscalização das normas de proteção ambiental, como órgãos executores.O sistema de gestão ambiental no município buscando melhorar

as condições de vida deverá ser orientado por uma legislação ambiental abrangente, de modo a observar as seguintes considerações:

a) a gerencia ambiental almeja a melhoria do bem-estar da população e a sadia qualidade de vida dos munícipes;

b) as táticas e os projetos propostos devem induzir ao desenvolvimento sustentável, mitigando os impactos sobre os ecossistemas, aperfeiçoando a condição social da população e estimulando a solidariedade com as gerações vindouras;

c) as prioridades de ação devem ser objetivas e atingíveis, estabelecendo-se metas possíveis a curto, médio e longo prazo.

d) o processo de fixação de objetivos deve ser flexível, participativo e cíclico, permitindo revisões recorrentes;

e) a cooperação com de informações entre os participantes e a população é essencial para o progresso da gestão ambiental nos diversos setores do município;

f) o planejamento participativo deve propiciar a capacitação técnica e operacional da equipe do órgão executivo.

Em suma, o ente público municipal pode integrar também o SISNAMA e participar de sua rede de informações e ações ambientais. Percebe-se do mesmo modo que o SISNAMA envolve apenas as organizações governamentais, que são vias executivas do Poder Público, em particular do Poder Executivo.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer da laboriosa pesquisa constatamos que o ente público municipal tem sua função na gestão ambiental, isso no que se refere ao já superado conceito de “interesse local’.

A Constituição Federal de 1988 ao atribuir uma parcela de responsabilidade e competência em relação gestão ambiental ao município o fez com base na necessidade de envolvimento com as questões ambientais por parte de todos os entes federado, ainda mais em se tratando do fator “interesse local”, determinante nesse processo de redistribuição e delimitação da competência dos municípios.

Considerando que o gestor público municipal, por meio de uma Secretaria de Administração concede licença para a atividade

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econômica e industrial, e esta licença na maioria das vezes deve ser precedida de alvará sanitário, por que não exigir como requisito prévio uma licença concedia por órgão ambiental municipal. Para tal, a Secretaria de Meio Ambiente ou Desenvolvimento Ambiental deve possuir corpo técnico que após vistoria, elabore um parecer técnico acerca da atividade, visando o controle prévio e a mitigação de fatores de risco em atividades potencialmente poluidoras.

Políticas públicas são a grande demanda do setor ambiental, posto que muitos municípios ainda não se voltaram para essa atribuição que lhes dada pela Constituição. Nesse contexto diverso municípios não possuem órgão ambiental municipal, tendo ainda para si que políticas de preservação ambiental são impedimentos ao desenvolvimento econômico.

Como não sendo suficiente, em vários municípios que existe uma secretaria de meio ambiente, o gestor não é comprometido ideologicamente, e esta não exerce sua função, sendo apenas mais um “cabide de empregos”, onde cargos comissionados fazem parte de um verdadeiro jogo de interesses.

Ao contrário, uma administração pública municipal preocupada com área ambiental, chama para si a responsabilidade, cumprido com o seu dever e parcela de competência que é atribuída pela Constituição, de modo que busca incorporar em todas as suas ações princípios de economia e eficiência no consumo de recursos ambientais disponíveis, além do exercício do poder de policia por meio de um órgão ambiental municipal, combatendo Às práticas ambientalmente incorretas, visando à mitigação dos problemas ambientais locais, sempre com escopo na sadia qualidade de vida de seus munícipes.

O gestor público não pode ser omisso quanto à aplicação da legislação ambiental, deve utilizar do poder de polícia o qual o órgão ambiental é dotado, para que políticas de enfrentamento às praticas ambientalmente inapropriadas. Ao fiscalizar a atividade econômica, o gestor deve primar pela impessoalidade e autonomia em suas ações, de modo que o órgão ambiental necessita de autoridade e corpo técnico para apreciar as demandas locais.

Sempre que o interesse local estiver em foco, o ente público municipal deve estar preparado, dispondo de órgão ambiental técnico e eficiente, que dê uma resposta rápida todas as vezes que se verificar o interesse local. Uma Secretaria Municipal não pode ser toda preenchida com os já conhecidos cargos comissionados, de modo que o

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funcionalismo público deve ser preenchido por pessoas que prestaram concurso público, dando prova de sua capacidade intelectual.

A administração pública municipal deve possibilitar o desenvolvimento econômico sustentável induzindo e executando ações em prol da proteção ambiental. Uma política que vise à mitigação dos fatores causadores de poluição no município é fundamental para um meio ambiente urbano ecologicamente equilibrado.

Por todo o exposto é inevitável considerar que apenas quando o gestor público relacionar a necessidade de preservação ambiental como fator indispensável em todas as áreas de sua gestão, será possível um meio ambiente urbano saudável. Deflui-se, logicamente, que para tal, o reconhecimento dessa competência instituída pela Constituição Federal de 1988 é demasiadamente necessário para a construção de uma sociedade que pretende dispor dos necessários, e muitas vezes insubstituíveis recursos naturais, sem os quais não seria possível a manutenção da vida.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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DIREITO E LITERATURA COMO FORMAS DE CONTROLE SOCIAL: ANÁLISE JUSFILOSÓFICA DAS OBRAS VIGIAR E PUNIR, O DISCURSO DA

SERVIDÃO VOLUNTÁRIA, WALDEN II: UMA SOCIEDADE DO FUTURA E MIL NOVECENTOS E

OITENTA E QUATRO.

Jaime Leônidas Miranda AlvesBacharel em Direito pela Universidade Federal de Rondônia, Técnico

Judiciário do Tribunal de Justiça de Rondônia.

Mayara Fernanda Perim SantosBacharela em Direito pela Universidade Federal de Rondônia

RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo investigar o papel do Direito e da Literatura no que tange as formas de controle social no decorrer da história. Para tanto, buscou-se dissecar o conceito de controle social estampado na Sociologia e, a partir daí, analisar algumas manifestações literárias de destaque, com o fim de compreender se há verdadeira incisão da Literatura no Direito e, de maneira mediata, perceber a vinculação destes como forma de mecanismo de controle social.

PALAVRAS-CHAVE: Controle Social; Direito; Literatura.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo questionar a incisão da Literatura e do Direito como mecanismos eficientes de controle social. Desta feita, faz-se um estudo sobre a evolução da sociedade tendo por base determinadas obras que, acredita-se, legitimaram a modificação na forma como o homem – na condição de ator social – compreendia a si mesmo e o seu meio.

Para tanto, utilizou-se do método bibliográfico e historiográfico, balizado em determinadas obras, consideradas cruciais para o direcionamento ideológico e filosófico que a sociedade seguiu. Assim, serviu-se de análise das peças Odisseia, de Homero e a República, de Platão, ambas obras que não apenas retrataram a sociedade da época, mas também embutiram em seu texto um caráter dirigente, aponto o caminho que Grécia Antiga deveria trilhar. Nesse diapasão, a cultura grega se viu inundada de um paradoxo que tem em sua raiz a base

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epistemológica e política de um formato de controle social e exclusão.Noutro giro, discute-se a validade dos preceitos contidos na

obra Vigiar e Punir, do francês Michel Foucault que, ao tratar das prisões, resgata o modelo arquitetônico idealizado dos efeitos da vigilância permanente e imaginária. No mesmo plano, atreve-se a afirmar que Foucault propõe um diálogo com Durkhein e Bordieu, ao estabelecer um sistema com a imagem de solidariedade social, redesenha um sistema que se aproxima do controle de vigilância ao tempo em que se afasta da violência sistêmica, física e organizada.

Sem prejuízo do restante no que tange ao referencial teórico, avoca-se também a teoria defendida por Etienne de La Boétie em seu Discurso da Servidão Voluntária, que trouxe para o campo da Literatura e do Direito a noção de separação entre o público e o privado. Tal entendimento, trouxe incontáveis reflexos para a sistematização organizacional das sociedades, malgrado a interferência do Poder Público na esfera privada levar a Sociologia a afirmar que esta teoria se está dissolvendo.

Passa-se a analisar o Direito e a Sociedade pela ótica da teoria sistêmica de Luhmann (1997), segundo a qual o Estado de Direito opera com expectativas normativas contra fáticas, o direito é um sistema porque está falando de promessas para o futuro. Nesse jaez, a sociedade passa a ser considerada como um grande sistema com o objeto de controlar o comportamento de todos que participam dela. É nesse contexto de superação de paradigmas que se apresentam Mil novecentos e oitenta e quatro, de George Orwell. e Walden Dois: uma sociedade do futuro, de autoria de Burrhus Frederic Skinner.

Com base no exposto, pode-se concluir que o Direito moderno se perfaz em um ideal preventivo, que aparenta dialogar com a Politeia de Platão. As obras em tela, discutem, ainda, as ideias do Behavorismo, desobediência civil e de visão científica de controle social, o que facilmente pode ser observado na sociedade atual: pelo Direito, a sociedade reiteradamente controla todos os seus membros por meio de um sistema de antecipação de comunicação, diluindo a separação entre público e privado, preconizado por La Boétie no Discurso da Servidão Voluntária.

1 DIREITO E CONTROLE SOCIAL

Numa visão sociológica, o Direito funciona, por vezes como

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mecanismo de controle social. Assim, cabe ao Direito a construção de um consenso ou consciência coletiva, por meio de aspectos intesubjetivos e psíquicos.

Essa consciência coletiva é que forma a organização social, por meio do estabelecimento de fatos sociais, externos aos indivíduos, mas detentores de coercibilidade, característica, portanto, de sua intersubjetividade.

Nesse sentido, dispõe Durkhein (1996, p. 96)

A sociedade não é simples soma de indivíduos, e sim sistema formado pela associação, que representa uma realidade específica com seus caracteres próprios. Sem dúvida, nada se pode produzir de coletivo se consciências particulares não existirem; mas essa condição necessária não é suficiente . É preciso ainda que as consciências estejam associadas, combinadas, e combinadas de determinada maneira; é desta combinação que resulta a vida social e, por conseguinte, é esta combinação que a explica. Agregando-se, penetrando-se, fundindo-se, as almas individuais dão nascimento a um ser, psíquico se quisermos, mas que constitui individualidade psíquica de novo gênero.

É nesse sentido que se analisa, sob o ponto de vista durkheineano, a correlação entre o fato social e a norma. Com efeito, para Durkhein prevalece o entendimento de que se toda norma partilhada intersubjetivamente é fato social, nem todo fato social é norma. Para Durkhein o Direito é fato social e também meio de controle social.1

Nessa esteira, o Direito como instrumento universal de controle social se legitima pela imposição de sanções positivas e negativas, formais que, segundo Tumin (1970, p. 30) tem estabilidade e continuidade em decorrência do processo dialético de socialização e das sanções impositoras de conformismos; noutro giro, são também instáveis, visto que não possuem o condão de atuar perfeitamente, sendo sempre desiguais.

O Direito impõe uma expectativa de comportamento por meio de um sistema de símbolos e valores, orientando os indivíduos

1 A sociedade sem o direito não resistiria, seria anárquica, teria o seu fim. O direito é a grande coluna que sustenta a sociedade. Criado pelo homem, para corrigir a sua imperfeição, o direito representa um grande esforço para adaptar o mundo exterior às suas necessidades de vida. (DURKHEIN, 1960, p. 17)

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a satisfazerem suas necessidades. Para Vila Nova (2009, p. 118) as expectativas de comportamento derivados das normas, se constituem em expectativas prescritivas, morais ou preditivas. As expectativas prescritivas se referem àquilo que os indivíduos devem fazer, ou ao modo como fazê-lo, impondo, por conseguinte, um dever-ser. Já no que tange às expectativas morais e preditivas, são relacionadas às singularidades e idiossincracias, portanto, se afastam do aspecto do Direito.

Acerca dessa leitura do Direito como mecanismo de controle social, Betioti:

O direito não visa ao aperfeiçoamento interior do homem; essa meta pertence à moral. Não pretende preparar o ser humano para uma vida supraterrena, ligada a Deus, finalidade buscada pela religião. Nem se preocupa em incentivar a cortesia, o cavalheirismo ou as normas de etiqueta, campo específico das regras de trato social, que procuram aprimorar o nível das relações sociais. (2008, p.8-9)

O Direito, conquanto, produto da criação humana, é instrumento de dominação, devendo os indivíduos que se inserem em determinado ordenamento jurídico se submeterem a suas regras de comportamento, sob pena de anomia, nos termos da teoria idealizada por Merton.2

Assim, consentânea lição de Monreal (1988, p. 49) o direito, posto como instrumento de dominação, por vezes é instrumento em favor do grupo social dominante, que impõe sua vontade, uma vez que a lei, como manifestação de vontade do povo soberano, é imposta por meio de seus representantes, irradiando eficácia imperativa e de

2 O conformista é o indivíduo que aceita tanto os objetivos culturais propostos, quan-to os meios estruturais para obtê-los Esses indivíduos são a maioria, possibilitando, assim, estabilidade e continuidade da sociedade por um determinado tempo. O inova-dor é aquele que aceita os objetivos culturais, mas rejeita os meios estruturais à dis-posição, atingindo tais objetivos por meios não institucionalizados. O ritualista, por uma questão de segurança social, respeita os meios estruturais, embora não concorde ou seja indiferente aos objetivos culturais traçados. A retratação é um comportamento que rejeito os fins culturais e os meios para obtê-los. A rebelião, enfim, envolve uma transvalorização, na qual as pessoas recusam a estrutura social convencional e tentam estabelecer uma outra estrutura fortemente modificada. Trata-se de uma tipologia de modos de adaptação individual, relacionada com a situação e não com a personali-dade. De acordo com o engajamento do indivíduo nas diferentes esferas sociais, ele poderá trocar de uma alternativa para a outra. (MERTON, 1968, p. 193-211)

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domínio, por vezes de um grupo social sobre outro.Para Oliveira (1997) o Estado é a arma que se utilizam os

detentores de político para manifestarem sua força de dominação, construindo uma vontade estatal legislativa, e, assim, pondo em prática um sistema de controle social, por meios de normas de conteúdo patrimonial/econômica.

Dispõe:Com efeito, sob este prisma, constata-se verdadeiro confronto entre as normas legais vigentes - impostas pelo poder de dominação – e sua eficácia ou força legitimadora; sendo tais normas despidas, em seu conteúdo e caráter, de legitimidade. A legitimidade ora ferida é aquela que decorre da verdadeira vontade da maioria na sociedade politicamente organizada, ou seja, a vontade do povo, das massas, das maiorias. Ademais, ‘os poderosos” valem-se de verdaeiros aforismos jurídicos, provenientes da vitória do liberalismo durante as revoluções dos séculos XVII e XVIII, desprovidos de conteúdo legitimador e tomados de forte essência formalista como acima anunciado, para justificar suas práticas. Como exemplos pdelmos citar os “princípios da legalidade” e da “igualdade de todos perante a lei” – este último verdadeira “fantasia” utilizada para encobrir intereses soutros que não o da igualdade. (OLIVEIRA, 1997, p. 377)

Distante das teses que defendem o Direito como mecanismo de dominação – além de dominação de controle – tem-se que aceitar a teoria do direito como fato indissociável da sociedade. Assim, o Direito é essencial à condição do convívio social, e tal qual o Estado, institui preceitos mínimos para a convivência em grupos; por isso é correto falar que havendo convívio social, há Estado e Direito. Acerca do tema, Dabin (1939, p. 89-90):

Chegou um momento em que os homens sentiram o desejo, vago e indeterminado, de um bem que ultrapassa o bem particular e imediato e que ao mesmo tempo fosse capaz de garanti-lo e promovê-lo. Esse bem é o bem comum ou bem público, e consiste num regime de origem, de coordenação de esforços e intercooperação organizada. Por isso o homem se deu conta de que o meio de realizar tal regime era a reunião de todos em um grupo específico, tendo por finalidade o bem público.

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Assim, a causa primária da sociedade política reside na natureza humana, racional e perfectível. No entanto, a tendência deve tornar-se um ato; é a natureza que impele o homem a instituir a sociedade política, mas foi a vontade do homem que instituiu as diversas sociedades políticas de outrora e de hoje. O instinto natural não era suficiente, foi preciso a arte humana.

Observa-se que é válida a afirmação de Direito – como instrumentalização do Estado – como mecanismo de controle social. Todavia, não se pode filiar à corrente que acredita ser o sistema jurídico mera sistematização de pretensões dos grupos detentores do poder político. Deve-se, admitir, por contrário, o caráter dirigente da ciência jurídica, de modo a fomentar a construção de novos paradigmas sociais. Para tanto, o Direito utiliza-se de diversos ramos do conhecimento. Analisar-se-á, agora, a inserção da literatura nesse paradoxo espistemológico.

2 LITERATURA E CONSTRUÇÃO SOCIAL

Com o fim de compreender as interferências da literatura na construção social, – aqui, prefere-se construção a controle – cumpre analisar determinadas obras literárias de cunho filosófico, e também sociológico.

Ao passo que a Odisseia se desenvolveu como uma descrição da sociedade de época, a República de Platão se destacou por interpretar a dimensão social do homem como fenômeno contingente. Afirma Fortes (2011, p. 1) que, para Platão, o homem é um ser etéreo, essencialmente alma, se realizando em sua plenitude e perfeição no ato de contemplação de ideias. Seguindo essa linha, as ideias se localizam no mundo “topos uranos”, que representa um lugar celeste, em uma atividade auto satisfativa, na qual cada alma se basta.

Todavia, em um segundo momento da história, as almas caíram do “topos uranos” à Terra , perdendo sua condição de espiritualidade absoluta, e, portanto, necessitando se associarem com outros como forma de suprir suas carência e limitações. Para Platão, portanto, a sociabilidade passa a ser resposta à questão da corporeidade dos indivíduos.

Nesse ponto, percebe-se que Homero fez uma análise das relações sociais da época, ao passo que Platão questionou o que

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ensejava o fenômeno da sociabilidade. Ao indicar a necessidade de se respeitar normas por todos entendidas como obrigatórias, Platão associava nitidamente o controle do Direito por meio de sua literatura.

A partir de uma visão metafísica da lei, Platão apresentou, na República, uma visão do ordenamento jurídico em um plano moral, formando o que alguns consideram como pedagogia da justiça; todavia, nas Leis, a paideia platônica, Platão se limitou a teorizar acerca da lei como fenômeno metafísico apto ao controle social.

Ultrapassando a sabedoria greco-romano, discute-se o teorema de controle social proposto pelo francês Michel Foucault, em sua obra mais festejada, Vigiar e Punir. Conforme afirmam Meneses e Souza (2010, p. 22), Vigiar e Punir cuida em tratar da questão da “Sociedade Disciplinar” que, implantada entre os séculos XVII e XVIII, consistiu em um sistema amplo de controle social.

Afirmam que a Sociedade Disciplinar se caracterizou com a institucionalização - e consequente monopolização da violência – por parte do Estado, de forma que “a pena não mais se centralizava no suplício como técnica de sofrimento, agora o objeto de punição, passou a ser a perda de um bem ou de um direito.” (MENESES; SOUZA, 2010, p. 22)

O poder de punir do Estado, ou melhor, poder disciplinar institucionalizado, teve como consequência, a transformação das formas punitivas dos suplícios, que deu lugar a uma suavidade dos castigos. Foucault retrata que com o surgimento das prisões deixou-se de punir o corpo e passou-se a impor restrições à liberdade e ao gozo de bens. Em Foucault, o controle é exercido por meio da vigilância, possibilitada uma vez que os indivíduos se veem encarcerados. Fica retratado, assim, ainda que de forma não intencional, um diálogo com o Panóptico, de Jeremy Bentham.

Foucault (2005) analisa a evolução histórica de manifestação do poder, teorizando no sentido de que não deve o poder ser utilizado como “um fenômeno de dominação maciço e homogêneo de um indivíduo sobre os outros, [...]” (FOUCAULT, 2012, p.183). Para Foucault, poder na verdade é a representação do controle social na sociedade.

Em 1571, oito anos após a morte de Etienne de la Boétie, foi publicada a primeira edição do Discurso da Servidão Voluntária. A obra, reflexo das conjeturas políticas da época, versava sobre domínio, poder e coação. Repelia a demagogia. Preferia a monarquia em favor

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da república. La Boétie, malgrado tenha denominado sua obra de “discurso da servidão voluntária”, falava, antes de qualquer coisa, de liberdade.

O Discurso da Servidão Voluntária foi escrito na juventude de Etienne de la Boétie, quando o filósofo não tinha mais de vinte anos. O então acadêmico do curso de Direito pela Universidade de Orléans questionava de que maneira o governante – em suas palavras, “tirano” – conseguia o poder para governar; questionava até que ponto seu governo era legítimo; e pregava a desobediência civil como remédio à servidão voluntária.

Na obra em análise, foi-se desenhada uma psicologia de massas, na qual a servidão coletiva é vista como um vício, uma praga. Nesse jaez, dispõe La Boetié3 (1999, p. 4) que “vistas bem as coisas, não há infelicidade maior do que estar sujeito a um chefe; nunca se pode confiar na bondade dele e só dele depende o ser mau quando assim lhe aprouver”. A ideia da ilegitimidade da servidão é reforçada ainda quando menciona que “ter vários amos é ter outros tantos motivos para se ser extremamente desgraçado.”(LA BOETIÉ, 1999, p. 4)

O filósofo questiona o motivo pelo qual a população continuava a servir o governante, visto que analisado sozinho este não possuía condições de se manter no poder. Ora, já em Etienne, e depois em Hume4, se percebe que a liberdade de se autodeterminar é atribuída aos povos e não a uma única pessoa.

Nesse diapasão, caberia ao governante, uma vez constituído, tornar seu poder legítimo, assegurando aos seus administrados condições mínimas para uma coexistência digna. Caso não o fizesse, surgiria para o povo a prerrogativa de se libertar dos impeditivos da servidão voluntária e recuperar para si o poder de mando.

Na tese defendida por Etienné de la Boétie, de caráter abstrata e universal, cumpre destacar, encontram-se caminhos de paralelismo

3 LA BOÉTIE, Etienne de. Discurso da servidão voluntária. . op. cit. p. 4.4 Nesse tocante, transcreve-se as palavras do filósofo David Hume: Nada parece mais surpreendente do que a facilidade com que muitos são governados pelos poucos, assim como a implícita submissão com que os homens abdicam de seus próprios sentimentos e paixões em favor dos de seus governantes. Se investigarmos através de que meios se consegue este prodígio, verificaremos que, como a força está sempre do lado dos governados, os governantes se apoiam unicamente na opinião. O governo assenta portanto apenas na opinião; e esta máxima se aplica tanto aos governos mais despóticos e militares como aos mais livres e populares. (HUME, 1973, p. 239)

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com a construção filosófica de outro pensador da época: Nicolau Maquiavel5. Contudo, conforme pontua Brehier (p. 404): conquanto Maquiavel buscava maneiras com as quais o príncipe permaneceria no poder, la Boétie se concentrava em desmistificar a servidão voluntária e instruir a população a derrubar a figura do príncipe.

Com efeito, preleciona La Boétie, desenvolvendo uma pirâmide de estamentos sociais, demonstrativo dos motivos pelos quais se dava a permanência do governante no poder:

Sempre houve cinco ou seis que tiveram acesso ao ouvido do tirano, e se aproximaram dele mesmo, ou foram por ele chamados, para serem cúmplices de suas crueldades, companheiros de seus prazeres, alcoviteiros de suas luxúrias e parceiros nos bens que pilhava. Esses seis comunicam-se tão bem com o chefe, que é preciso, para a sociedade, que ele seja mau, não apenas pelas suas maldades, mas ainda pelas deles. Esses seis têm seiscentos que se aproveitam deles e fazem desses seiscentos o que os seis fazem com o tirano. Esses seiscentos dominam seis mil, a quem promoveram e aos quais dão ou o governo das províncias ou o manuseio do dinheiro e que eles mantém à mão pela avareza e crueldade e a quem executam quando chega o tempo; fazem-lhes tanto mal que não possam durar senão sob a sombra deles, nem eximir-se das leis e das penas a não ser por seu intermédio. Grande é a sequencia que se segue e quem quiser divertir-se descobrindo essa traição, verá que, não os seis mil, mas os cem mil, os milhões, por esse caminho, apoiando-se nele, chegam ao tirano.

Ora, na ótica proposta por La Boétie, os seis que servem diretamente ao príncipe o fazem a espera de algum dia o suceder em seu domínio. O mesmo ocorre com os seiscentos, que servem aos seis na pretensão de, eventualmente, os substituí-los, ascendendo socialmente.

Saindo de Etienne de la Boetié, um novo paradigma da sociedade é construído por Luhmann (1997) que, segundo Caetano e Moura (2009) se fundamento em quatro pilares metodológicos, quais sejam: a universalidade, o que significa dizer que trata-se de uma teoria de contornos gerais epistemológicos, superando os limites da

5 Dispõe Maquiavel: “Além disso, não se podem com honestidade, satisfazer os gran-des sem injuriar outros, mas ao povo sim: porque o intuito do povo é mais honesto que o dos grandes, querendo estes oprimir e aquele não ser oprimido.” (2009, p. 110)

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sociologia aplicada. Tem-se, contudo, a implicação de que os sistemas harmônicos se observam, razão pela qual a teoria é tanto universalista, quanto abstrata.

O segundo ponto de destaque na concepção de Luhmann, que destacam Caetano e Moura (2009) é a questão em torno dos pressupostos multidisciplinares, envolvendo contribuições da física, da matemática, da cibernética, da neurociência, da biologia. A sociedade atual – objeto do controle por meio dos sistemas – é tão complexa que fala-se em uma nova geração – hobbemasiana – da teoria dos sistemas.

O terceiro aspecto se refere à metodologia funcionalista, visto que trata-se de uma virada linguística que superou o funcionalismo clássico, segundo o qual se primava pela estrutura em detrimento da função; noutro giro, o modelo funcionalismo moderno, dinâmico, dá ênfase não à estrutura, mas sim à função aplicada de controle.

Com efeito:A partir deste ponto de partida epistemológico, o objeto é encarado sempre como um problema real a ser resolvido pelo sistema. Parte-se da premissa que os sistemas possuem certas necessidades ou exigências de cuja satisfação depende sua própria subsistência. Cada elemento do sistema está voltado à satisfação destas necessidades, desempenhando uma determinada função idônea para sua manutenção. Nesta esteira, como se trata da busca por soluções que sejam eficientes, a ontologia clássica é substituída pelo construtivismo (enquanto uma ontologia da diferença, uma ontologia referida ao observador: uma ontologia da relação entre sistema e entorno, relação esta sempre contingente): o decisivo é indicar e escolher, dentre equivalentes funcionais, aqueles mecanismos com maior idoneidade (funcionalidade) para resolver o problema da existência sistêmico. (CAETANO; MOURA, 2009, p.1)

Por fim, o último pressuposto se refere à utilidade dos paradoxos. Para Luhmann, considera que paradoxos possuem o condão de construir uma uunidade conceitual, uma vez desparadoxizado pelo competente código binário. Existem, segundo essa linha, paradoxos específicos, referentes à cada tipo de sistema e paradoxos gerais, comuns a todos os sistemas, tais como os paradoxos de abertura e de

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fechamento de sistemas.Como visto, um sistema nada mais é do que um todo passível

de controle; significa dizer que o principal motivo em sistematizar algo seria possibilitar seu controle. As ferramentas para tanto são a institucionalização do poder, de Foucault e o Panóptico, de Jeremy Bentham.6

Dialogam com toda essa ideologia do controle social em assento as obras de Orwell e Skinner, uma vez que a sociedade deixa de se posicionar como sujeito das alterações fenomenológicas e passa a ser objeto do controle social. Por que daí falar que Mil novecentos e oitenta e quatro, de George Orwell. e Walden Dois: uma sociedade do futuro, de autoria de Burrhus Frederic Skinner representam uma releitura das relações intersubjetivas e do próprio fato social.

Nesse diapasão, ambas as obras refletem a mudança do direito: o Estado se torna mais interventor, ao passo que abandona os ditames liberais; tal superação é necessária, visto que o Estado Liberal é baseado no passado e deve o Direito – assim como a Literatura – se voltarem ao futuro. O poder público deve estar voltado ao futuro, o que leva a surgir a noção de risco.

À GUISA DE CONSIDERAÇÕES

Diante do exposto, e com base nos métodos de investigação bibliográfico e historiográficos, pode-se compreender que:

1. A ciência do Direito é inerente à sociedade, assim como o Estado o é à organização social. Cabe ao Direito esta-belecer prerrogativas, atribuir competências e limitar a

6 O panóptico não é uma prisão. É um princípio geral de construção, o dispositivo polivalente da vigilância, a máquina óptica universal das concentrações humanas. É bem assim que Bentham o entende: com apenas algumas adaptações de detalhe, a configuração panóptica servirá tanto para prisões quanto para escolas, para as usinas e os asilos, para os hospitais e as workhouses. Ela não tem uma destinação única: é a casa dos habitantes involuntários, reticentes ou constrangidos. O duplo cinturão, a pedra, a guarda, fecham esse espaço e asseguram situação estanque. Mas não é aí que está o mérito original da construção, que está inteiramente na tópica interior. Essa tópica tem por função repartir o visível e o invisível. Do ponto central, o espaço fechado é visível de parte a parte, sem esconderijos, a transparência é perfeita. Nos pontos situados sobre a circunferência das celas tudo se inverte: impossível olhar para fora, impossível se comunicar com o ponto vizinho, impossível distinguir o ponto central. (MILLER, 2008, p. 89-90)

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atuação dos indivíduos, tudo por meio de uma política de controle social. Essa política, que por vezes, implica em reestruturações de geografias políticas e em relei-turas de institutos clássicos recebe auxílio de diversas fontes de conhecimento, tais como a sociologia, filoso-fia e a literatura.

2. Na literatura, estudou-se algumas obras que se destaca-ram justamente por possuírem em seu texto forte conte-údo axiológico. O que se pretende dizer é: não só o Di-reito possui o condão de exercer o controle social, mas por vezes, o Direito, por meio da literatura, cria dogmas sociais. Tal é presente nas obras de Platão, Etienne de La Boetié, Foucault, Luhmann e as demais, objeto de análise.

3. As obras com o mister de atuar como mecanismo de controle social não se limitam a refletir a realidade so-cial; possuem forte natureza dirigente, implicando em que rumos o Estado, o Direito e a sociedade devem ca-minhar para satisfazer os anseios públicos, da coletivi-dade ou de grupos detentores de poder político.

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PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL E A IMPORTÂNCIA DA IMPLANTAÇÃO DE ÁREAS

VERDES EM LOTEAMENTOS URBANOS

José Cassiano Gois de Freitas Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Rondônia.

Oliliane Batista de LimaBacharela em Direito pela Universidade Federal de Rondônia.

RESUMO: Uma das principais características do processo de urbanização das cidades no país é a inserção de novos loteamentos em terras urbanas, neste trabalho será dado um enfoque na questão conceitual das áreas verdes desses novos loteamentos aprovados e registrados, a pesquisa contribui com a propositura de propor uma aproximação dos princípios, as normas que regem o tratamento conferido ao espaço livre – permitindo a realização de uma abordagem real do que vêm a ser uma área verde no espaço urbano.

PALAVRAS-CHAVE: Áreas verdes; Ética ambiental; Loteamentos urbanos; Meio Ambiente Urbano; Princípios.

INTRODUÇÃO

O ser humano é definitivamente o animal que mais transforma o seu ambiente. Esta capacidade humana de interferir no ambiente, de alterá-lo, chamamos de antropogenia1, a ação humana sobre o ambiente.

O aumento da população urbana e a necessidade de novas moradias na maioria das cidades brasileiras alavancaram o mercado imobiliário. No Brasil, o processo de urbanização e produção de novas áreas urbanas nos municípios se realiza por meio do parcelamento do solo que é um fator indutor deste crescimento, no entanto essas novas áreas de loteamentos são obrigadas por Lei Federal a ofertar infraestrutura e equipamentos urbanos, dentre os quais se destacam os espaços livres destinados à implantação de áreas verdes.

A necessidade da existência de áreas verdes em loteamentos visa garantir às futuras gerações uma qualidade de vida condizente com o que há atualmente. Para que se cumpra esta finalidade, são exigidos alguns requisitos urbanísticos necessários à adequação do terreno a ser

1 Antropogenia: “[...] capacidade humana para alterar ambientes e substâncias [...].” ( WALDMAN, 2006, p. 36)

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loteado, que devem ser observados na elaboração de projetos para o parcelamento do solo, tendo em vista a legislação vigente. (ABREU; OLIVEIRA, 2013)

1 ÉTICA AMBIENTAL E POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE

A palavra ética, originalmente ethos, deriva do grego e tem como significado aquilo que pertence ao caráter, em outras palavras, modo de ser, proceder, comportar do ser humano na sociedade, buscando melhor forma de viver e proceder em uma relação socialmente aceita.

As relações entre a ética e meio ambiente, se dá por meio de uma reflexão sobre as relações entre o comportamento humano e as consequências dessa intervenção sobre o ambiente, de modo geral, busca a convivência harmoniosa entre diferentes espécies de vida, animal e vegetal, é um princípio ambiental, tendo em vista que nenhuma espécie tem o direito de condenar outra à extinção.

A preservação do ambiente mostra-se relevante, tendo em vista garantir condições para a continuidade e renovação de sistemas naturais promovendo um ambiente equilibrado e sustentável para as atuais e futuras gerações.

De grande relevância para o direito ambiental, a Política Nacional do Meio Ambiente estabelecida em 1981 mediante a edição da Lei 6.938/81 aperfeiçoou normas estaduais que se encontravam em plena vigência e instituiu o Sistema Nacional do Meio Ambiente, integrado por todos os entes federativos aos quais delimitou competências.

A Lei n° 6.938/81 define os princípios norteadores das suas ações, o legislador determinou de forma clara a intenção de preservar o meio ambiente.

O art. 2º destaca que a Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios:

I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser

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necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo;II - racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar;III - planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais;IV - proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas;V - controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras;VI - incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos ambientais;VII - acompanhamento do estado da qualidade ambiental;VIII - recuperação de áreas degradadas;IX - proteção de áreas ameaçadas de degradação;X - educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente.

Apesar de estarem incluídos na Política Nacional do Meio Ambiente como princípios, cabem ressaltar que alguns deles só foram realmente efetivados por meio de legislações posteriores à implantação da Política, sendo recepcionados por nossa Carta Constitucional, que ainda os complementa.

A Política Nacional de Meio Ambiente tem como objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental, conforme estipulado caput do artigo, que visa assegurar condições ao desenvolvimento socioeconômico, à segurança nacional e à proteção à dignidade da pessoa humana.

A importância de uma consciência ecológica também se faz presente para a consecução dos objetivos dessa política, principalmente privilegiando a população, uma vez que eles podem se tornar fiscais em potencial, auxiliando o Poder Público nessa empreitada de manutenção dos recursos ambientais. Isso inclusive já foi notado pelo próprio estado, tendo em vista o mesmo haver criado através da Lei n° 9.795 de 1999 a Política Nacional de Educação Ambiental que define:

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Art. 1º Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.

Ou seja, com o povo educado haverá menos poluição e degradação do meio ambiente, orientando uma conduta entre os indivíduos e empresas, voltada para o desenvolvimento sustentável e para a preservação do meio ambiente.

2 PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO AMBIENTAL

Princípio, como esclarece Celso Antônio Bandeira de Mello, é o mandamento nuclear de um determinado sistema; é o alicerce do sistema jurídico; é aquela disposição fundamental que influência e repercute sobre todas as demais normas do sistema. Assim como nos demais âmbitos jurídicos no do Direito Ambiental os princípios também desempenham funções de interpretação das normas legais, de integração e harmonização do sistema jurídico e de aplicação ao caso concreto.

Nesse diapasão, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin aponta as quatro principais funções dos princípios do Direito Ambiental no que diz respeito a sua compreensão e aplicação:a) são os princípios que permitem compreender a autonomia do Direito Ambiental em face dos outros ramos do Direito;b) são os princípios que auxiliam no entendimento e na identificação da unidade e coerência existentes entre todas as normas jurídicas que compõem o sistema legislativo ambiental;c) é dos princípios que se extraem as diretrizes básicas que permitem compreender a forma pela qual a proteção do meio ambiente é vista na sociedade;d) e, finalmente, são os princípios que servem de critério básico e inafastável para a exata inteligência e interpretação de todas as normas que compõem o sistema jurídico ambiental, condição indispensável para a boa aplicação do Direito nessa área. (MIRRA, 1996)

Os Princípios do Direito Ambiental visam proporcionar para as presentes e futuras gerações, as garantias de preservação da

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qualidade de vida, em qualquer forma que esta se apresente, conciliando elementos econômicos e sociais, isto é, crescendo de acordo com a ideia de desenvolvimento sustentável. Neste sentido os princípios que se destacam, segundo Paulo de Bessa Antunes, são:

2.1 - Princípios da Prevenção

Sua aplicação se dá nos casos em que os impactos ambientais já são conhecidos, restando certo a obrigatoriedade do licenciamento ambiental e do estudo de impacto ambiental (EIA), estes uns dos principais instrumentos de proteção ao meio ambiente. Baseia na necessidade de buscar meios para que os danos ambientais não ocorram e não seja necessário repará-los posteriormente, o que se pode fazer através de políticas públicas de conscientização e da criação de normas de proteção. O artigo 225 da Constituição Federal constitui um exemplo do princípio da prevenção:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.§ 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco

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para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

2.2 Precaução

Estabelece a vedação de intervenções no meio ambiente, salvo se houver a certeza que as alterações não causaram reações adversas, já que nem sempre a ciência pode oferecer à sociedade respostas conclusivas sobre a inocuidade de determinados procedimentos.

Graças a esse Princípio, a disponibilização de certos produtos é por muitas vezes criticada pelos vários segmentos sociais e o próprio Poder Público, como aconteceu no recente episódio dos transgênicos, já que não foi feito o EPIA (Estudo Prévio de Impacto Ambiental), exigência constitucional que busca avaliar os efeitos e a viabilidade da implementação de determinado projeto que possa causar alguma implicação ambiental.

2.3 Direito Humanos Fundamentais

O direito ao meio ambiente protegido é um direito difuso, já que pertence a todos e é um direito humano fundamental, consagrado nos Princípios 1 e 2 da Declaração de Estolcomo e reafirmado na Declaração do Rio.

2.4 Democrático

De acordo com esse princípio, aqueles que sofrem impactos têm o direito de se manifestarem sobre ele. Assegura ao cidadão o direito à informação e a participação na elaboração das políticas públicas ambientais, de modo que a ele deve ser assegurado os mecanismos judiciais, legislativos e administrativos que efetivam o princípio.

Esse Princípio é encontrado não só no capítulo destinado ao meio ambiente, como também no capítulo que trata os direitos e deveres individuais e coletivos. Exemplos de participação: audiências

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públicas, integração de órgãos colegiados como é o caso do COPAM em Minas Gerais, Ação Popular, Ação Civil Pública, etc.

2.5 Equilíbrio

Este Princípio é voltado para a Administração Pública, a qual deve pensar em todas as implicações que podem ser desencadeadas por determinada intervenção no meio ambiente, devendo adotar a solução que busque alcançar o desenvolvimento sustentável.

2.6 Limite

Este princípio determina que devem ser fixados limites de emissão e lançamentos de substâncias no ambiente. Também voltado para a Administração Pública, cujo dever é fixar parâmetros mínimos a serem observados em casos como emissões de partículas, ruídos, sons, destinação final de resíduos sólidos, hospitalares e líquidos, dentre outros, visando sempre promover o desenvolvimento sustentável.

2.7 Responsabilidade

O princípio da responsabilidade faz com que os responsáveis pela degradação ao meio ambiente sejam obrigados a arcar com a responsabilidade e com os custos da reparação ou da compensação pelo dano causado.

Esse princípio está previsto no § 3º do art. 225 da Constituição Federal, que dispõe que “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. (FARIAS, 2013)

2.8 Poluidor Pagador

Este princípio obriga quem poluiu a pagar pela poluição causada ou que pode ser causada.

Paulo Affonso Leme Machado, afirma que ao causar uma degradação ambiental o indivíduo invade a propriedade de todos os que respeitam o meio ambiente e afronta o direito alheio.

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3 LOTEAMENTO

A Lei 6.766/79 que, no âmbito federal, que rege o parcelamento do solo urbano e traça os contornos gerais para implantação de loteamentos é também conhecida como Lei Lehmann, ela confirma a proteção conferida pelo registro, acresce os espaços livres ao rol e proibi o loteador de alterar sua destinação, quando se é aprovado o loteamento.

O texto normativo desta Lei traz em seu artigo 22 uma contribuição para definição do que vem a ser área verde, seu contexto determinam quais são os equipamentos urbanos2 e quais os espaços da cidade podem ser classificadas como áreas verdes públicas.

Aos Municípios, no entanto a Constituição Federal vigente reservou a competência, no intuito de suplementar a legislação federal e estadual, e promover o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (competência administrativa), bem como legislar sobre assuntos de interesse local (art.30, I, II E VIII). Faz-se importante dizer que o Município não pode editar regras que afrontem o comando da norma geral editada pela União ou Estado.

O parcelamento do solo urbano alcançou a relevância com a edição da lei mencionada, haja vista a normatização, pelo referido diploma legal, de preceitos civis e urbanísticos acerca dos padrões estruturais mínimos dos loteamentos e desmembramentos e, ainda, a previsão de sanções, inclusive criminais, em casos específicos. O conceito de loteamento esta mencionado em seu art. 2º,§1º “Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes”.

Ao se registrar o loteamento, essas áreas passam a integrar como bens de domínio público através da afetação3.

2 Equipamento urbano ‘’ é uma expressão genérica que compreende toda obra ou serviço, público ou de utilidade pública, bem como privado, que permite a plena realização da vida de uma comunidade, tais como: rede de agua, telefone, esgoto, edifícios em geral, praças etc.”(SILVA, 2008, p.179).3 ‘’Afetação é a destinação de um bem a alguma finalidade (comum ou especial)’’(PIRES, 2006 p.61).

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4 O TERMO “ÁREA VERDE”

Importante se faz explicar à temática das áreas verdes a luz do entendimento doutrinário da abrangência do termo e as normativas que relatam o parcelamento do solo.

Nucci (2008, p. 120) afirma que para uma área ser identificada como área verde deve haver a ‘’predominância de áreas plantadas e que deve cumprir três funções (estéticas, ecológicas e lazer)’’ e apresentar ‘’uma cobertura vegetal e solo permeável (sem laje) que devem ocupar, pelo menos, 70% da área’’.

Cavalheiro et. al. (1999) afirmam que área verde é ‘’um tipo especial de espaços livres onde o elemento fundamental de composição é a vegetação’’.

Como podemos perceber ambos os autores apresentam um conceito para áreas verdes, de acordo com a forma e fisionomia com que se apresentam no espaço urbano.

5 COMPETÊNCIAS PARA DELIMITAR A IMPLANTAÇÃO DE ÁREAS VERDES

A competência dos municípios para proteção ambiental é reconhecida no artigo 23, III, IV, VI, VII da Constituição Federal, em comum com a União e os Estados, podendo legislar sobre o assunto, desde que estejam de acordo com o que preceitua legislação superior.

A Constituição Federal reconhece, também, aos municípios competência para promoverem o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano (art. 30, VIII). Outorga-lhes a competência para a política de desenvolvimento urbano e estabelecimento do plano diretor (art.182), observada a legislação e ação fiscalizadora federal e estadual.

A lei do parcelamento do solo, como observado anteriormente, já reconhecia a competência dos municípios para legislarem sobre proteção ambiental. Ocorre que antes da derrogação do inciso I da referida norma, cuja redação passou a ser a determinada pela Lei 9785/99, havia a exigência de que uma percentagem mínima da gleba fosse destinada às áreas públicas. Portanto, a partir da Lei 9785/99, ficou a julgamento dos municípios a definição dos usos permitidos e dos índices urbanísticos de parcelamento e ocupação do solo, tendo competência para determinar os requisitos mínimos exigidos para

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implantação de loteamento, dentre os quais está á delimitação do quanto que será destinado às áreas verdes, podendo o critério ser definido pelo plano diretor ou por legislação municipal. Cabe salientar que o legislador municipal deve se atentar à regra da proporcionalidade expressa no art. 4º, I da Lei 6766/79, que relaciona à área verde a ser implantada e o número de habitantes previstos da seguinte forma: “n” metros quadrados de área verde por “x” habitantes da área urbanizada. (ABREU; Oliveira, op. cit.)

6 RESIDENCIAL MORADA DO BOSQUE

Um dos fatores que evidenciam o desenvolvimento do município de Cacoal no estado de Rondônia é o crescimento no setor imobiliário. É significativo o número de novos loteamentos, não é preciso observar muito para se perceber a extensão urbana deste município e a sua transformação, nesta seara importante se faz mencionar a organização do município, que aprovou seu projeto de zoneamento e definiu as diretrizes urbanas. O novo Plano Diretor deixou a cidade pronta para a expansão, estimulando investimentos na cidade.

Um importante loteamento registrado e aprovado nesta cidade é o “Residencial Morada do Bosque”, idealizado por uma imobiliária especializada em loteamentos urbanos. Essa nova área atende ás exigências que o município determina; sendo constituída por uma área total de 129.416,00 m² (100%), Área de Arruamento igual a 30.977,45 m² (23,94%), Área Verde igual a 6.500,37 m², (5,02%), Área Institucional igual a 12.941,60 (10%) e Área de Lotes igual a 78.996,58 m² (61,04%).

O projeto de lei do loteamento aprovado traz em seu art. 9 os requisitos que o loteador deverá cumprir, observado o inciso VII:

Art. 9° Fica obrigatório a execução de todos os serviços necessários ao loteamento, num prazo de máximo de 04 (quatro) anos, conforme cronograma físico-financeiro.VII – Arborização para todas as vias e logradouros públicos, inclusive área verde.

Esse dispositivo objetiva dar proteção às áreas verdes reser-vadas nos loteamentos para o uso comum do povo.

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As áreas definidas em projeto de loteamento, que se transformam em bens de uso comum do povo quando surgem com a inscrição ou registro de um parcelamento do solo no oficio predial (art. 3°, Decreto-lei 58/37; art. 4°, Decreto-lei 271/67; art. 22, Lei 6.766/79) são inalienáveis e imprescritíveis por natureza (art. 66 I, e 67 do Código Civil; art.183, § 3°, Constituição Federal).

Para a doutrina, os bens de uso comum do povo pertencem ao domínio eminente do Estado (latu sensu), que submete todas as coisas de seu território a sua vontade, como uma das manifestações de Soberania interna, mas seu titular é o povo. Não constitui um direito de propriedade ou domínio patrimonial de que o estado possa dispor, segundo as normas do direito civil. O Estado é gestor desses bens e, assim, tem o dever de sua vigilância, tutela, fiscalização e superintendência para o uso público.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

É perceptível em se tratando de proteção, que o Poder Judiciário tem se desvalido de defender efetivamente ao meio ambiente urbano causando o atrelamento excessivo ao positivismo jurídico e a falta de apreço pertinente aos princípios jurídicos.

No entanto, ao se observar à análise construída, e os tópicos referenciados na pesquisa nota-se que a área verde pública é um campo importante a ser explorado e que um conceito atualizado deverá ser definido pelos doutrinadores.

A implantação de áreas verdes se torna parte fundamental na aprovação de lotes urbanos, definindo-se sua tipologia, forma, localização e dimensionamento. No que concerne a administrações municipais, é de sua responsabilidade realizar um trabalho objetivo e eficaz, pois boa parte das definições finais é atribuída ao poder público municipal, por meio de seus planos diretores.

REFERÊNCIAS

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ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 4ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000.

CAVALHEIRO, Felisberto ET AL. Proposição de terminologia para o verde urbano. Boletim Informativo Sociedade Brasileira de Arborização Urbana, Rio de Janeiro: SBAU, ano VII, n.3, p.7, jul./ago./set/. 1999. Disponível <http://www.geografia.ufpr.br/laboratorios/labs/arquivos/CAVALHEIRO%20et%20al%20(1999). Pdf> Acesso em 25/06/2013.Disponível em: <http://www.jurisambiente.com.br/ambiente/principios.shtm> Acesso em: 07/07/2013.

FARIAS, Talden Queiroz. Princípios gerais do Direito Ambien-tal. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1543>. Acesso em: 07/07/2013.

MACHADO, Paulo Affonso Leme Machado. Direito ambiental brasileiro. 9ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000.

MIRRA, Álvaro Luíz Valery. Princípios Fundamentais do Direito Ambiental. Revista de Direito Ambiental, nº 2, ano 1, abril-junho de 1996.

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NUCCI, João Carlos. Qualidade ambiental e adensamento urbano: um estudo de ecologia e planejamento da paisagem aplicado ao distrito de Santa Cecília (MSP). 2°ed. Curitiba: O autor, 2008.

PIRES, Luis Manuel Fonseca. Loteamentos Urbanos: natureza jurídica. São Paulo: QuartierLatin, 2006.

Projeto de Lei nº05.12 Loteamento Residencial Morada do Bosque. PROJETO DE LEI Nº 05/PMC/2012. Disponível em:

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LASSALE E OS MAIS DE 25 ANOS DA CONSTITUIÇÃO CIDADÃ: ESTUDO DO

ATIVISMO JUDICIAL, O ACESSO À JUSTIÇA E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.

Jaime Leônidas Miranda AlvesBacharel em Direito pela Universidade Federal de Rondônia, Técnico

Judiciário do Tribunal de Justiça de Rondônia.

Mayara Fernanda Perim SantosBacharela em Direito pela Universidade Federal de Rondônia

RESUMO: A Constituição Federal de 1988 se destacou por trazer em seu bojo um escopo essencialmente social. Entretanto, 25 anos após sua promulgação, a aplicabilidade de diversas normas constitucionais ainda é objeto de controvérsia. Desta feita, o ativismo judicial dá legitimidade à organização da força real de um país e atende, à luz da concepção de Lassale, as prerrogativas da busca por uma constituição real. Foram feitas pesquisas bibliográficas com foco na análise de Lassale sobre a Constituição e o acesso a justiça por meio dos fatores reais de poder incididos por meio do ativismo judicial.

PALAVRA-CHAVE: Ativismo Judicial; Fatores Reais do Poder; Ferdinand Lassale.

INTRODUÇÃO

Em 2013, ocorreram dois fatos repletos de significações uma vez consideradas reflexões de ordem filosófica, sociológica, política e jurídica. As contraposições efetivadas pelo aniversário de 25 anos da Constituição Federal no mesmo ano das manifestações sociais mais significativas de toda ordem histórica colocam em plano a discussão sobre a legitimidade constitucional da Constituição democrática perante o povo.

Desenhou-se um modelo de Estado Social a partir de 1988 de clara preocupação com os direitos e garantias fundamentais, entretanto, à essa extensa lista pairou-se uma neblina de abstração e ausência de eficácia valorativa-fática ao tempo em que o judiciário encontra-se munido de remédios e mecanismos que devem ser postos em prática como forma de concretizar os direitos sociais e legitimar a própria constituição de forma geral.

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Ferdinand Lassale traçou, ao longo de sua vida, uma conceituação sobre a essência constitucional e, ao fundamentar que uma constituição que não atende as necessidades sociais é uma folha de papel em branco, compreendeu que a constituição deve por sua natureza satisfazer a sociedade como um todo, caracterizando os fatores reais do poder como forma de legitimação constitucional, e mais, de eficácia da lei superior sobre todo o ordenamento jurídico.

Com efeito, não sendo essa característica guarnecida, Lassale, em sua obra primogênita afirma que o povo tem mais poder do que a minoria que realmente o detém, por agirem de forma organizada. Deste modo, a massa torna-se legitimamente mais forte se atendidas às prerrogativas de organização. Entretanto, ocorre que torna-se mais fácil às minorias detentoras do poder organizar-se.

Desse modo, a ascensão a uma constituição legítima, ou seja, uma constituição que atenda, de fato, as necessidades sociais, depende, sob a ótica de Lassale, da organização da massa detentora do poder. Nesse contexto é que se enquadra o ativismo judicial como forma de, por meio de enquadramento organizacional e impulso social, transformar realidades constitucionais não suficientes ao povo que a provêm.

Desta feita, analisa-se que, em que pese a Constituição Federal de 1988 aniversariar 25 anos em 2013, a demonstração popular ativista ocorrida no mesmo ano é uma exemplificação da insatisfação social constitucional e mais, com a execução dos ideais de Lassale traçados há tanto tempo. Ainda, pretende-se explanar como o ativismo judicial fomenta-se como uma forma de garantir o acesso à justiça e a exata identificação entre os fatores reais de Poder e a Constituição Federal de 1988.

Para tanto, foi realizado pesquisa de ordem bibliográfica, tendo a problemática sido respondida por meio da utilização de método indutivo, que possibilitou criar um entendimento concreto por meio de embasamentos abstratos.

1 A CONFIGURAÇÃO CONSTITUCIONAL À LUZ DE LASSALE.

25 anos após o início da vigência da Constituição Federal de 1988 ainda configura-se indissociável os questionamentos acerca da legitimidade da mesma. Já de início, deve-se atentar que, na busca

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da real efetivação jurisdicional da “constituição democrática” busca-se inclusive novos termos de referência, sendo a configuração pós-moderna1 constitucional ingressada pelo Brasil referenciada como o novo mundo constitucional nos termos do neoconstitucionalismo2. Para Streck (2011, p.36), passadas pouco mais de duas décadas da Constituição Federal de 1988, e levando em conta as especificidades do direito brasileiro, “é necessário reconhecer que as características desse neoconstitucionalismo acabam por provocar condições patológicas que acabam por contribuir para a corrupção do próprio texto constitucional”.

Ora, sob a bandeira da consolidação constitucional por meio da fundamentação de lapso temporal de quase 30 anos, como identificar que esta está de fato fundamentada visto que há, no ordenamento político-jurídico vigente, novas argumentações para arquitetar um direito constitucional de efetividade?

Nesse contexto torna-se importante as reflexões realizadas por Ferdinand Lassale em uma conferência pronunciada em há quase 150 anos sobre a essência da Constituição. Esse questionamento configura-se atemporal e é realidade no constitucionalismo moderno uma vez considerado o entendimento supracitado de Streck e ainda, a própria insatisfação popular com a realidade política-jurídica brasileira demonstrada, a exemplo, pelas manifestações ocorridas durante todo o ano de 20133.

Para Lassale (2010, p. 4) no espírito unânime dos povos, “constituição deve ser qualquer coisa de mais sagrado, de mais firme e de mais imóvel que uma lei comum”. Essa afirmação surge da comparação entre uma Constituição e uma lei, onde um país, por

1 É a condição sócio-cultural e estética que prevalece no capitalismo contemporâneo após a queda do Muro de Berlim e a consequente crise das ideologias que dominaram o século XX. O uso do termo se tornou corrente embora haja controvérsias quanto ao seu significado e a sua pertinência. (ANDERSON, 1999, p.30) 2 Neoconstitucionalismo trata-se de um movimento teórico de revalorização do direi-to constitucional, de uma nova abordagem e papel da constituição no sistema jurídico que visa refundar o direito constitucional com novas premissas de difusão e o desen-volvimento da teoria dos direitos fundamentais e a força normativa da constituição, objetivando a transformação de um estado legal em estado constitucional. (Barroso, 2009, p.23)3 Os protestos no Brasil em 2013 são várias manifestações populares por todo o país que inicialmente surgiram para contestar os aumentos nas tarifas de transporte públi-co, principalmenteem Manaus, Fortaleza, Natal, Salvador, Recife, Belo Horizonte, Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro e que ganharam grande apoio popular após a forte repressão policial contra as passeatas, levando grande parte da população a apoiar as mobilizações. (Folha de São Paulo, acesso em 22/11/13)

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exemplo, não protesta pelo fato de constantemente serem aprovadas novas leis, entretanto, quando propõe-se a transformar a constituição, Lassale (2010, p.5) afirma que “protestamos e gritamos: deixem a Constituição!”.

Desse modo, sob essa vertente analítica, a Constituição configura-se como a lei fundamental de uma nação. Com efeito, a configuração do conceito de lei fundamental arquiteta-se, segundo o autor, sob três prerrogativas principais: que a lei fundamental seja uma lei básica, que a lei fundamental constitua o verdadeiro fundamento de outras leis e que a lei fundamental exista por que necessariamente deve existir.

A partir desse conceito inicia-se a explanação da real crítica à crise constitucional por meio de Lassale, (2010, p.5) na qual questiona o autor: “Será que existe em algum país alguma força ativa que possa influir de tal forma em todas as leis do mesmo, que as obriguem a ser necessariamente, até certo ponto, o que são e como são, sem poderem ser de outro modo?”. Desta feita, investiga-se os fatores reais do poder, que regem e determinam uma sociedade e explana-se por meio da obra como:

Fator que atua no seio de cada sociedade como uma força ativa e eficaz que informa todas as leis e instituições jurídicas vigentes, determinando que não possam ser, em substancia, a não ser tal como elas. Esse fator exemplifica-se caso suponhamos, por um momento, que um país, por causa de um sinistro, ficasse sem nenhuma lei que o governavam e que por força das circunstancias fosse necessário decretar novas leis, nesse caso, o legislador completamente livre, poderia fazer leis por capricho ou seu próprio meio de pensar?

A priori, para atender a toda essa complexa demanda, o autor diversifica as respostas em ordens distintas. Considera, a título imaginativo, respostas dadas por várias pessoas de condições diferentes, para que no final, se chegue a um entendimento. Assim, Lassale (2010, p.7) inicia a sua explanação considerando a suposta resposta de um monarca, que afirma que, estando destruídas as leis, a realidade é que o exercício das mesmas ainda o subsiste e desse modo, acata-se a ordem monárquica, na qual não se admite posições e prerrogativas de desacordo para a explanação de uma nova ordem constitucional.

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Ainda, imagina Lassale (2010, p.10) a situação em que o governo, querendo proteger e satisfazer os privilégios da nobreza, dos banqueiros e dos grandes industriais e capitalistas, tentasse privar das suas liberdades políticas a pequena burguesia e a classe operária. Sob essa ótica, poderia o governo fazê-lo? Em resposta, afirma o autor que sim, entretanto, para uma análise mais profunda, se o governo pretendesse tirar da pequena burguesia e do operariado, não somente as suas liberdades políticas, como também as suas liberdades pessoais, poderia fazê-lo? Responde o autor que não, o povo sairia gritando e reivindicando suas condições básicas.

Nesse contexto, entende-se que tanto o monarca quanto o povo, são partes integrantes de uma constituição. Em síntese, seria possível às vontades dominantes, configurar preceitos constitucionais que se atentassem aos seus interesses visto que o tempo de consolidação da mesma seria distinto da consolidação passada, logo, os interesses também seriam diversificados. Esta, então, é a síntese da Constituição: a soma dos valores reais do poder que regem uma nação. Nessa ordem se adequa perfeitamente o exemplo supracitado com relação à pequena burguesia, estes pleiteariam pelas suas liberdades pessoais, norma fundamental, logo, essencialmente considerável em texto constitucional.

Com efeito, a soma desses fatores reais do poder, quando escritos em uma folha de papel, adquirem expressão escrita, na qual tornam-se, portanto, o verdadeiro direito. Com relação a esse aspecto, torna-se de mais absoluta importância considerar as condições de incisão de preceitos formadores da construção dessa norma escrita.

Nessa linha, afirma Lassale (2010, p. 13) que o instrumento do poder político do rei está organizado e pode ser utilizado a qualquer momento que dele se necessite. Entretanto, quando se trata do poder que se apoia na nação “embora seja infinitamente maior, não está organizado”. A vontade do povo, desse modo, não é sempre fácil de pulsar, mesmo por aqueles que dele fazem parte. Para o autor, esta razão explica por que uma força organizada pode sustentar-se anos a fio, sufocando um poder, muito mais forte, porém desorganizado. Ainda, em consonância com a realidade fática brasileira com relação às insatisfações perante a realidade politica-jurídica fenomenizada em 2013, o autor afirma que:

Mas a população um dia, cansada de ver os assuntos

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nacionais tão mal administrados e pior regidos e que tudo é feito contra sua vontade e os interesses gerais da nação, pode-se levantar contra o poder organizado, opondo-lhe a sua formidável supremacia, embora desorganizada.

A título de ensejo, não é possível imaginar uma nação na qual não existam os fatores reais do poder, quaisquer que sejam. Todos os países, em algum momento da história, possuíram uma Constituição real e verdadeira. Para Lassale (2010, p.16) a diferença é “que nos tempos modernos não são configuradas as constituições reais e efetivas, mas sim constituições escritas em folha de papel” que não necessariamente explanam a eficácia social ora necessária, visto que as forças que são, em grande maioria, objeto dessa demanda constitucional não têm diretrizes de organização para pleiteá-la de forma incisiva.

Aduz o autor em questão (2010, p.20) que “quando a constituição escrita corresponder à constituição real e tiver suas raízes nos fatores do poder que regem o país, só assim será boa e duradoura”. Desse modo, no ponto em que a Constituição escrita não corresponder à real, irrompe inevitavelmente um conflito que, mais dia ou menos dia, sucumbirá necessariamente, perante à constituição real, a das verdadeiras forças do país. A afirmação se justifica quando explana Lassale (2010, p.20) que:

É que o poder desta é um poder desorganizado e o daquele é uma força organizada e disciplinada que se encontra a todo o momento em condições de enfrentar qualquer ataque, vencendo sempre, a não ser nos casos isolados em que o sentimento nacional se aglutina e, num esforço supremo, vence o poder organizado do exército. Mas isso somente acontece em momentos históricos de grande emoção.

Assim, sob a perspectiva de que “de nada servirá o que se escrever numa folha de papel, se não se justifica pelos fatos reais e efetivos do poder” e sob a afirmação supracitada de Lassale que a maior força de um país, quando organizada, pode sucumbir uma Constituição escrita que não atenda a demanda real social e, principalmente, sob a reflexão da força da transformação social em uma perspectiva pós-moderna adaptada ao Brasil, onde a Constituição Federal de 1988, a que pese ser denominada democrática, insatisfaz em várias ordens uma maioria nacional, importante se faz a reflexão sobre o ativismo

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jurisdicional como meio de garantir o acesso a real justiça de um ordenamento, que atente-se integralmente as necessidades de seu povo. Essa análise torna-se indissociável das perspectivas de Lassale, visto que à luz de seus entendimentos, que se configuram atemporais, encontram-se exemplificações reais da atual realidade política-jurídica brasileira, e mais, exemplificações da realidade política-jurídica mundial.

2 ATIVISMO JUDICIAL COMO META-PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE

Com a evolução do Estado Liberal surgiu o Estado Social4. Chama-se de Estado Social aquele no qual a Constituição Federal constitucionaliza diversas áreas que até então se limitavam à esfera do indivíduo e dão-lhe força constitucional. Destaca-se, com efeito, uma das características do Estado Social, a sua Constituição analítica - e por que não, dirigente?5 - que, em seu bojo, busca esgotar todos os nuances das relações sociais,

Ora, o Estado agigantado pega para si o encargo de garantir o mínimo existencial do indivíduo dando status constitucional aos direitos sociais. Todavia, a prática mostra que a previsão constitucional não basta para assegurar que tal rol de direitos seja efetivamente

4 Quando o Estado, coagido pela pressão das massas, pelas reinvindicações que a impaciência do quarto estado faz ao poder político, confere, no Estado constitucional ou fora deste, os direitos do trabalho, da previdência, da educação, intervém na eco-nomia como distribuidor, dita o salário, manipula a moeda, regula os preços, combate o desemprego, protege os enfermos, dá ao trabalhador e ao burocrata a casa própria, controla as profissões, compra a produção, financia as exportações, concede crédito, institui comissões de abastecimento, provê necessidades individuais, enfrenta crises econômicas, coloca na sociedade todas as classes na mais estreita dependência de seu poderia econômico, político e social, em suma, entende sua influência q ause todos os domínios que dantes pertenciam, em grande parte, à área de iniciativa individual, neste instante o Estado pode, com justiça receber a denomicação de Estado social. (BONAVIDES, 2004, p. 186)5 Esse embate entre o liberalismo, com seu conceito de democracia política, e o inter-vencionismo ou socialismo repercute nos textos das constituições contemporâneas, com seus princípios de direitos econômicos e sociais, comportando um conjunto de disposições concernentes tanto aos direitos dos trabalhadores como à estrutura da economia e ao estatuto dos cidadãos. O conjunto desses princípios forma o chamado conteúdo social das constituições. Vem daí o conceito de constituição-dirigente, de que a Constituição de 1988 é exemplo destacado, enquanto define fins e programas de ação futura no sentido de uma orientação social democrática. (SILVA, 1998, p 136-137)

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cumprido, sendo possível uma atuação incisiva por parte dos órgãos do Poder Público, a destacar o Poder Judiciário.

A essa atuação afirmativa do Poder Judiciário, que regula o direito para além do Direito dá-se o nome de ativismo judicial. Primeiramente, alerta-se para a distinção atributiva existente entre o ativismo judicial no sistema romanístico daquele que coaduna o commom law. Consoante lição de René David “o lugar atribuído às decisões judiciárias entre as fontes do direito opõe os direitos da família romano-germânica à commom law”. Tal é verdade, uma vez que nos sistemas romanísticos não adotam-se as decisões judiciais como fontes formais do direito, distante do que ocorre nos ordenamentos de origem anglo-saxã.

Não obstante à jurisprudência não ter sido atribuída a qualidade de fonte formal do Direito nos países que adotaram o civil law, sua importância ainda é notadamente sentida, principalmente no aspecto da mutação do Direito. Nesse jaez, Ramos: (2013, p. 104)

Essa exclusão em nada afeta o poder limitado de criação normativa que se reconhece, hodiernamente, às decisões judiciais, pois o que importa é que nelas sobressai o aspecto da observância de atos normativos previamente editados em dada situação específica e não a capacidade expansiva de regular comportamentos (tal qual sucede com um contrato).

Impende precisar, com base no exposto, que, nos países que adotaram o civil law – como Brasil, por exemplo -¸a jurisprudência move-se dentro daquilo previamente estabelecido pelo legislador, reforçando o ideal da Separação dos Poderes, conquanto no sistema de commom law, as decisões desempenham dupla função, solucionando e redefinindo os contornos da res judicata e também criando precedentes aptos a modificar sensivelmente o direito.

Nesse aspecto, pode-se observar que nos sistemas de commom law se segue “uma conceituação ampla de ativismo judicial, que abarca desde o uso da interpretação teleológica, no sentido evolutivo, ou a integração de lacunas, em que o Poder Judiciário atua de forma juridicamente irrepreensível’’ (RAMOS, 2013, p. 110).

Encerrando o estudo do ativismo judiciário sob o prisma de Direito Comparado, resta a tentativa, ainda que árdua, de atingir uma

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conceituação que encontre algo de pacificação doutrinária e que traga a real essência do ativismo no cerne do ordenamento pátrio.

Por conseguinte, ecoa-se a lição de Marshal (2002),que representa novo marco teórico acerca do tema. Aponta como características do ativismo judicial: a) o contra-majoritarismo; b) o não-originalismo; c) a ausência de deferência perante os precedentes judiciais; d) o ativismo jurisdicional; e) a criatividade judicial; f) o ativismo remedial; e g) o ativismo partidário.

Destarte, observou-se que o campo de atuação de um ativismo – ou protagonismo – judicial via-se limitado pela extensa legislação nos sistemas de civil law. Contudo, admite-se que, com o florescer de um pensamento neoconstitucionalista, essa limitação perde sua razão de ser. Nesse diapasão, a atuação judicial expansiva ganha destaque uma vez que o pós-positivismo se caracteriza justamente por combinar “textos fundamentais dotados de forte conteúdo valorativo com novas práticas jurisprudenciais que deem espaço a técnicas interpretativas próprias aos princípios constitucionais”. (VALLE, 2012, p. 25).

Assim, cabe ao Judiciário atuar positivamente no sentido de assegurar princípios constitucionais, tais como a ponderação, a proporcionalidade, a razoabilidade, e acima de tudo, a maximização dos efeitos normativos dos direitos fundamentais.

Nesse afã, Rothemburg: (2005, p. 73)

A supremacia da Constituição e a missão atribuída ao Judiciário na sua defesa têm um papel de destaque no sistema geral de freios e contrapesos concebido pelo constitucionalismo moderno como forma de conter o poder. É que, através da conjugação desses dois mecanismos, retira-se do jogo político do dia-a-dia e, pois, das eventuais maiorias eleitorais, valores e direitos que ficam protegidos pela rigidez constitucional e pelas limitações materiais ao poder de reforma da Constituição.

Diante da ideia do Direito como linguagem de trabalho da política e a eventual insuficiência do modelo vigente de aplicação da lei, vem à lume ao Judiciário a busca por um sistema do Direito que funcione como “meta-princípio da relatividade” (2002, p. 17).

Vale dizer, o Poder Judiciário deve funcionar de modo proativo, explorar um Direito mais justo, que tenha o condão de refletir

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as realidades sociais da contemporaneidade. A Constituição traz em seu texto um catálogo de direitos e a

proteção desses direitos é função, ab initio, precípuo dos magistrados. Assim, faz-se mister uma judicialização mais intensa da vida e da política, propícia aos debates acerca de ativismo e de concretização de direitos e de democracia.

Imperioso o entendimento de que a sustentabilidade dos sistemas democráticos alberga grande vínculo com as Constituições, visto que são estas os instrumentos de estruturação do poder. Por conseguinte, não deve o poder judiciário atuar apenas defendendo a Constituição (atuação negativa), mas dar impulso a uma política protagonista visando a asseguração da eficácia dos dispositivos nela contidos (atuação positiva).6

3 LASSALE E A CONSTITUIÇÃO CIDADÃ: O ATIVISMO JUDICIAL COMO MEIO DE GARANTIR A IDENTIFICAÇÃO ENTRE CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E OS FATORES REAIS DE PODER.

A Constituição Federal de 1988 prevê no parágrafo único de seu art. 1º que todo o poder emana do povo. Deveria ter a Carta Política mencionado não apenas que o poder é exercido pelo povo – ainda que indiretamente – mas, também, para o povo.

O constitucionalismo moderno dá grande ênfase aos conceitos desenvolvidos por Schmit7 e Kelsen8 acerca de Constituição e demonstra

6 Este es um debate sobre contenidos de la Constitución, pero, sobre todo, sobre la eficacia de la Constitución y su incidência sobre la acción de gobierno. La vigência de la Constitución, en el sentido más amplio y menos jurídico de la expresión neces-sita de la continuidade de este debate, que hace posble la renovación a lo largo del tempo del compromisso de la comunidad política com los valores que la Constitución consagra (AHUMADA RUIZ, Marian. Alternativas a la judicial review y variedades de judicial review. 2005, p. 52).7 Schmitt foi o idealizador do conceito político de Constituição. Segundo o autor, a Constituição advém de uma decisão política que antecede a elaboração da Cons-tituição. É essa decisão política que legitima a Constituição, que se manterá válida conquanto válida conquanto aquela assim se mantenha. 8 Outras corrente, liderada por Hans Kelsen, vê-las apenas no sentido jurídico; cons-tituição é, então, considerada norma pura, puro dever-ser, sem qualquer pretensão a fundamentação sociológica, política ou filosófica. A concepção de Kelsen toma a pa-lavra constituição em dois sentidos: no lógico-jurídico e no jurídico positivo; de acor-do com o primeiro, constituição significa norma fundamental hipotética, cuja função pe servir de fundamento lógico transcendental da validade da constituição jurídico-

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certo descaso quanto ao pensamento defendido por Ferdinand Lassale. De fato, dos supracitados Lassale parece ser o que mais genuinamente se preocupa com o indivíduo.

Ora, o Estado é organizado não para si, mas para o povo, o Estado é Estado-meio, não Estado-fim, e, como deveria constar da Constituição Federal, o poder é exercido para o povo. Nesse aspecto, incabível se faz imaginar uma Constituição que não represente a realidade social ou, nas palavras do autor, os fatores reais de poder.

Segundo Lassale, a Constituição Federal deve estar em completa harmonia com os fatores reais de poder. Assim, não concebe o autor de qualquer legitimidade o texto que destoa em qualquer nível da realidade social.

Nesse cotejo, Lassale veda qualquer hipótese de conflito entre a Constituição formal, escrita e os valores reais de poder, que regem as relações sociais. Portanto, todos os dispositivos constitucionais devem encontrar fundamento nas relações sociais; caso isso não ocorra, não terão validade.

Apesar de impossível de se adotar por completo a teoria de constituição sociológica atualmente, visto a complexidade das relações sociais e a necessidade de se assegurar a segurança jurídica, a ideia de Lassale traz importantes consequências que necessitam de ser debatidas com fins a avançar no pensamento jurídico.

Assim, pode-se depreender da teoria ora em tela a necessidade de ter um texto constitucional hábil a reger as relações, nos âmbitos públicos e privados, e entre si, e que também, assegure o mínimo necessário para uma existência digna dos administrados.

Nesse contexto, vem à lume a figura da mutação constitucional, que concede uma interpretação constitucional conforme os ditames da sociedade da época, de modo a possibilitar que a Constituição Federal de 1988 possa ser aplicado vinte cinco anos após sua promulgação em sua integralidade.

Nesse estigma em integrar a Constituição aos moldes das relações sociais, tudo parte de um processo maior de constitucionalização do direito ordinário em momento de análise pós-positiva dos institutos jurídicos clássicos, se faz necessário a atuação positiva dos órgão políticos de modo a dar eficácia máxima ao texto constitucional.

-positiva que equivale à norma positiva suprema, conjunto de normas que regula a criação de outras normas, lei nacional no seu mais alto grau (SILVA, 2011, p.38-39)

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Por conseguinte, o voto do Ministro Gilmar Mendes na ADI 1.351/DF:

[...] é possível antever que o Supremo Tribunal Federal acabe por se livrar do vetusto dogma do legislador negativo e se alie à mais progressiva linha jurisprudencial das decisões interpretativas com eficácia aditiva, já adotadas pelas principais Cortes Constitucionais europeias. A assunção de uma atuação criativa pelo Tribunal poderá ser determinante para a solução de antigos problemas relacionados à inconstitucionalidade por omissão, que muitas vezes, causam entraves para a efetivação de direitos e garantias fundamentais assegurados pelo texto constitucional.

Assim, conquanto ainda não se tenha uma verdadeira

consonância entre a Constituição Federal e demais espécies normativas que regulam a vida em sociedade, pode-se observar um movimento político no sentido de tornar o Poder Judiciário mais atuante.

Utiliza-se da mutação constitucional como meio a alargar as competências dos órgãos do Poder Judiciário, a destacar o Supremo Tribunal Federal, para que se possibilite uma atuação mais positiva, de modo a adotar postulados e políticas de proteção, como imperativos de tutela e proibições de proteção insuficiente.

A recusa, observada por Marshall (2002, p. 201) “de os tribunais se manterem dentro dos limites jurisdicionais estabelecidos para o exercício de seus poderes” é plenamente justificada, sob um ponto de vista eidético, tendo em vista que toda a atuação dos órgãos do Poder Judicial – ou ativismo judicial – se molda no sentido de buscar os princípios baluartes do Estado Democrático de Direito, tais como, razoabilidade, proporcionalidade, isonomia, etc., e, precipuamente, a máxima efetividade dos direitos fundamentais.

Em entrevista a um veículo midiático comentou o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Gilmar Mendes, em 2007 que: “Nós temos uma reengenharia institucional do Poder Judiciário que vem se fazendo de forma complexa”.

Essa reengenharia institucional que já pode ser observada não significa expandir a competência funcional dos órgãos do Poder Judiciário de modo a ferir a Constituição Federal de 1988. Noutro giro, esse movimento que já vem sendo realizado há alguns anos, especialmente após a entrada em vigor da Emenda Constitucional de n.º

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45, busca garantir a aplicação da integralidade da Carta Constitucional, atuando de maneira a garantir a máxima efetividade dos dispositivos constitucionais.

Observa-se, por fim, que esse processo de caráter predominantemente neoconstitucional busca reconhecer as prerrogativas do indivíduo, se coaduna com uma tentativa do Estado Social de cumprir com seus estigmas, garantindo uma vida digna a todos os seus administrados.

Em um contexto no qual, “qualquer movimento mais brusco gera um incidente de inconstitucionalidade e, consequentemente, a judicialização de uma contentapolítica”, (CARVALHO, 2007, p. 126) o protagonismo judicial encerra a mera subsunção kelseana e acaba por, ao trilhar um caminho destinado à busca da máxima eficácia dos direitos e garantias fundamentais e a facilitação ao acesso à justiça, dar as mãos a todo o pensamento de Lassale.

Com efeito, a luta pelo cumprimento da Carta Constitucional em toda sua integralidade nada mais é que a tentativa de se atingir uma completa correspondência entre os fatores reais de poder e a folha de papel. Pode-se dizer que, finalmente, após quase 150 anos da morte de Ferdinand Lassale seus ideais foram compreendido e estão na luta para serem postos em prática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em face de tudo explanado, entende-se que há um direito fundamental de que a constituição seja cumprida. Trata-se de um direito fundamental a uma resposta adequada à Constituição ou, se quiser, uma resposta constitucionalmente adequada. Isso ocorre por que a interpretação do direito é um ato de integração, ou seja, da aplicação fundamental por meio de seus demandantes. Em que pese o direito fundamental a uma resposta correta não implicar a uma elaboração sistêmica de resposta definitiva, esta deve ser proporcionada, oferecida e envolvida pelo povo que dela se sustenta.

Desta feita, a visão de Lassale torna-se eminentemente significativa nos tempos modernos, nos quais o ativismo judicial de fato se configura como um meio de garantir a identificação da Constituição Federal de 1988 e os fatores reais do poder, fato este que vem sido figurado de forma frágil perante a sociedade brasileira.

Os fatores reais do poder devem, de efeito, fazer parte da

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construção da norma regente de uma sociedade, visto que, à luz do autor, somente por meio desta é que se configurará a essência constitucional da necessidade social, fato que fundamenta a legitimidade constitucional. Na ocorrência de uma constituição não se guarnecer dessa prerrogativa indissociável, a organização popular se torna eminentemente mais forte do que a minoria detentora do poder.

O poder judiciário entra de forma incisiva nessa questão, visto que, como guardião da Constituição, deve utilizar de seus mecanismos para dar vida aos mandamentos constitucionais, atuando objetivamente e de maneira supletiva, com fins a garantir a igualdade material prevista na lei fundamental e trazer à lume os ideais balizadores do Estado (de bem estar) social. Nesse momento, o ativismo judiciário incorpora o poder do povo e dá legitimidade organizacional a ele.

Uma vez a democracia compreendida como a prevalência da regra da maioria poder-se-ia afirmar que o constitucionalismo é antidemocrático, na medida em que este “subtrai” da maioria a possibilidade de decidir determinadas matérias, reservadas e protegidas por dispositivos contra majoritários. Por tudo isso, a discussão acerca do Constitucionalismo contemporâneo e de suas implicações políticas é tarefa que ainda se impõe

Torna-se implícita a discussão da problemática tensão entre legislação e jurisdição, pela simples razão de que a primeira é fruto da vontade detentora de poder e a segunda coloca freios nessa vontade em nome da vontade geral. É razoável afirmar, nesse contexto, que a força normativa da Constituição e seu papel dirigente e compromissório sempre teve direta relação com a atuação da justiça constitucional na defesa da implementação dos direitos fundamentais previstos na lei maior, fator embasado pela possibilidade ativista jurídica dando encorpo e organização às vontades reais a fim da essência constitucional. Esse ativismo não se vincula tão somente ao direito, mas principalmente às pessoas.

REFERÊNCIAS

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A COMPETÊNCIA LEGISLATIVA E MATERIAL DOS IMPACTOS AMBIENTAIS NA BACIA

HIDROGRÁGICA DO RIO MADEIRA NO ESTADO DE RONDÔNIA

Edson José Viana

Graduado em Língua Portuguesa e suas Literaturas, Bacharel em Direito e pós graduando em Gestão Pública – Universidade Federal de

Rondônia.

Gilson Divino Araújo da SilvaGraduado em História, Pós Graduado em Docência do Ensino

Superior e Bacharel em Direito – Universidade Federal de Rondônia.

RESUMO: O presente artigo científico tem por objetivo a realização de uma pesquisa a respeito da competência legislativa e material relacionado com os impactos ambientais sobre o Rio Madeira, conforme disciplina o texto Constitucional e legislação infraconstitucional. Porque, embora a Constituição dê o norte para a proteção e preservação do meio ambiente, ela não especifica quais os mecanismos jurídicos para esta proteção, deixando a cargo da legislação infraconstitucional esta tarefa. Todavia, os impactos que o citado Rio vem sofrendo, são problemas regionais, os quais atingem diretamente a população do Estado de Rondônia. Daí a necessidade de se discutir a respeito do tema, uma vez que a Carta Magna abre espaço para que União, o Distrito Federal, Estados e Município venha a legislar em matéria de proteção do meio ambiente e arguir a poluição em qualquer de suas formas.

PALAVRAS-CHAVE: Competência, Competência Legislativa, Material, Ambiental, Proteção, Meio Ambiente.

INTRODUÇÃO

A repartição de competências entre os entes federados sempre foi matéria conflituosa, principalmente relacionada ao meio ambiente. Tanto sob o aspecto material quanto o legislativo, o impasse existe, visto que a competência material é residual, pertencente ao ente federativo onde está situado o bem público, que neste caso é o Rio Madeira. Contudo, a legislativa é geral, prevista na Constituição Federal de 1988, como privativa da União.

No que diz respeito à competência material, deverá ser regulamentada por norma complementar, conforme determina o artigo

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23, inciso VI da Constituição Federal1. Entretanto, há prevalência da competência comum entre os entes federados, o que contribui para ocasionar, ainda mais conflitos sobre a responsabilidade no trato com o meio ambiente.

Quanto a competência Legislativa sobre o meio ambiente, está disciplinada pela Carta Magna, de forma alheia a norma regulamentar. É necessária, a complementação por lei infraconstitucional que venha a atender as necessidades locais aos impactos sofridos pela transformação do meio. No entanto, os conflitos permanecem por diversos motivos, os quais estão os vários tipos de competência legislativa relacionado com o meio ambiente, tais como a privativa2, concorrente3 e suplementar4

1 NOÇÕES SOBRE COMPETÊNCIA

É um termo com origem no latim5, e jurídico, significando precipuamente a faculdade que a lei concede a funcionário, juiz ou tribunal, para decidir determinadas questões. Mas com sua popularização o termo encontrou outras acepções. No Direito: competência judicial, tributária, ambiental. Em seu sentido mais amplo, remete ao entendimento da capacidade que tem um determinado sujeito público ou privado para o desempenho de uma determinada tarefa.

Em direito, a competência é a atribuição jurídica outorgada a certos órgãos do Estado de uma jurisdição relativamente a determinadas pretensões processuais com preferência aos demais órgãos da sua classe. A Lei Maior estabelece para a União, o sentido mais amplo, de forma geral, mas precipuamente dividida entre os seus entes federados, já que necessitam de autonomia administrativa e financeira para gerir a Administração Pública dentro dos limites de cada território. Quando se refere a Direito Ambiental, existe um lia(1996, p. me muito tênue entre

1 Proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas.2 Compete privativamente a União legislar sobre: água, energia, informática, teleco-municações e radiodifusão. (art.22, IV).3 Compete a União, aos Estados, e o Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição. Assim como, no âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á estabelecer normas gerais. (art.24, VI,§1º ).4 A competência da União para legislar sobre normas gerais, não exclui a competên-cia suplementar dos Estados. Art. 24, §2º).5 Uma língua indo-europeia do ramo itálica originalmente falada no Lácio, à região do entorno de Roma.

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aquilo que é da esfera do interesse nacional, regional e local.Competência do interesse local, conforme explica Hely Lopes

Meirelles (1996, P. 121):

O interesse local se caracteriza pela predominância e não pela exclusividade do interesse para o município, em relação ao do Estado e da União. Isso porque não há assunto municipal que seja reflexamente de interesse estadual e nacional. A diferença é apenas de grau e não de substância.

Os sistemas federativo brasileiro, previsto constitucionalmente, alicerça-se na autonomia dos entes governamentais, o que permite a divisão de competências entre a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios.

José Afonso da Silva6 leciona sobre o tema:

A teoria do federalismo costuma dizer que a repartição de poderes autônomos constitui o núcleo do Estado Federal. Poderes significam a porção de matéria que a Constituição distribui entre as entidades autônomas e que passa a compor seu campo de atuação governamental, sua área de competência.

Devido a complexidade da repartição das competências entre os entes federados brasileiros, a Constituição Federal, buscou realizar um equilíbrio por meio da repartição enumerativa dos poderes da União, com os dos Estados e Municípios. Todavia, combinou uma reserva de campos específicos, em áreas comuns, prevendo-se atuações paralelas da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.7

A fundamentação da repartição de competência está nos interesses de cada ente governamental. Onde prevalecer o interesse geral, a competência será da União; onde for interesse regional, predomina a competência do Estado. E por fim, se o interesse for local, a competência será atribuída ao município.

Por outro lado, a doutrina classifica a competência institucional

6 SILVA, José Afonso Da. Direito ambiental constitucional, 2007, p. 68-69.7 É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e Municípios: Art. 23 da CF/88. (EC nº 2006/53)

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em material e legislativa. A primeira, por sua vez, é dividida em exclusiva, comum, cumulativa e paralela. A segunda, se subdivide em exclusiva ou privativa, concorrente e suplementar.

A repartição de competências entre os entes federativos segue em regra o critério da predominância do interesse. As matérias pertinentes ao interesse nacional serão atribuídas ao ente federal, ao passo que aos entes estaduais e municipais serão deixadas as matérias relacionadas aos interesses estaduais ou locais.

2 COMPETÊNCIA LEGISLATIVA

É a competência que se define e se limita matéria, dentro das quais podem ser produzidas as leis e regulamentados os assuntos que as tratam. É o poder conferido a um ente federativo para que este elabore e aplique regras acerca de determinados assuntos.

Em matéria ambiental, a competência legislativa está ancorada na Constituição Federal, a qual a reparte entre os entes: União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Conforme art. 22, incisos II, IV, XII e XXVI da Constituição Federal define a competência privativa da União para legislar sobre desapropriação, águas, jazidas, minas e outros recursos minerais e ainda sobre atividades nucleares, sendo que essa competência pode ser objeto de delegação para os outros entes federativos por meio de Lei Complementar. Já, o art. 225, caput e inciso IV, também da Magna Carta8 prevê a política nacional de meio ambiente.

A competência concorrente em matéria ambiental está prevista no art. 24, incisos VI e VIII da presente Carta, onde é permitido não só a União Legislar sobre a conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição, bem como sobre responsabilidade por dano causado ao meio ambiente. Cabe à União estabelecer normas gerais sobre as matérias, aos Estados as normas específicas de seu interesse, obedecendo sempre às normas gerais da União.

8 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso co-mum do povo e essencial a sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e a coletividade, o dever de defendê-lo e preservá-lo as presentes e futuras gerações. Exigir, na forma da lei a instalação de obras e atividades potencialmente causadoras de significativas degradações do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, que se dará publicidade.

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Já, aos municípios é destinada a competência de legislar sobre assuntos de interesse local, conforme art. 30, inciso I, da Constituição Federal.

3 COMPETÊNCIA MATERIAL

A Constituição Federal atribuiu à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios competência material em relação à proteção dos recursos naturais. Isso porque, conforme preceitua o art. 23, inciso VI já citado anteriormente, delegou-se a todos os entes federados a competência material para proteger o meio ambiente e combater a poluição de qualquer de suas formas.

É necessário verificar a competência material, ainda que o ente federado não tenha exercido a sua atribuição legislativa. Pois, deverá ser verificado se o bem a ser tutelado é de gerência da União, ou do Estado, para que se possa determinar qual o ente responsável pela aplicação das sanções ao caso.

O município, em matéria ambiental, exerce competência administrativa em comum com a União e o Estado, devendo programar essa proteção com diversos instrumentos:

a) Os legais de Implementação ( disciplina o uso do solo, como variáveis ambientais);

b) Sistema de Gestão Ambiental – SISUMA,c) Plano Diretor ( instrumento básico da política de

desenvolvimento e expansão urbana – que são as normas sobre zoneamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, índices urbanísticos, proteção ambiental, e outras limitações administrativas);

d) Federalismo Cooperativo - essencial para o equilíbrio e desenvolvimento de bem estar do país e cooperação entre os entes federados, observando que as normas federais não podem ferir a autonomia dos Estados e Municípios no campo da competência administrativa ambiental, pois não há hierarquia nas atuações das diferentes administrações públicas.

4 COMPETÊNCIA LEGISLATIVA E MATERIAL EM MATÉRIA AMBIENTAL NO ESTADO DE RONDÔNIA

A competência sobre questões ambientais tem o direcionamento geral por conta da União, mas cabem aos entes federados e aos

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municípios legislar sobre o tema, concorrentemente e de forma suplementar, visando atender as necessidades regionais e locais no que tange à preservação, conservação e proteção ao meio ambiente.

Particularmente, o Estado de Rondônia devido a sua colonização estabelecida pelo Governo Federal nas décadas de 70 e 80, ocorreram várias formas de desmatamento sem um controle mais afinco, ocasionando consequências graves e até irrecuperáveis dos biomas locais em diversas regiões o Estado. A agricultura e a pecuária foi o binômio que tornou possível o agravamento do processo de degradação ambiental, tal qual nos moldes verificados em Rondônia, em face ao modelo ocupacional, já assinalado.

Outro fator, extremamente importante, para a consolidação do processo degradacional, tem sido a exploração madeireira, bastante difundida no Estado. Esta prática colaborou, profundamente, para o aumento do desmatamento e queimadas que se estenderam por todo o Estado de Rondônia, presentes até nos dias atuais. Assim, esse processo observado no Estado pode ser analisado à luz do trinômio – agricultura, pecuária e exploração madeireira.

O modelo ocupacional implantado em Rondônia gerou o agravamento de vários problemas ambientais, dentre os quais: os relacionados à Ecologia – desmatamentos e queimadas, assoreamento e poluição dos rios. Esses problemas, supracitados, ganharam relevo, no âmbito nacional e tendo em vista à intensidade e o agravamento que os mesmos proporcionaram em relação às demais regiões do país, em função da insensibilidade humana.

A contraponto, com o intuito de sanar tais problemas ambientais, o legislador estadual, exercitando sua competência legislativa e material, em matéria ambiental, baseando-se na legislação geral da União, criou leis voltadas a proteção e preservação ao meio ambiente, facilitando à atuação dos governos que passaram a frente do Estado de Rondônia, na implantação de programas com o objetivo de desaceleração e recuperação dos biomas estaduais.

Através do decreto n.º 3.782 de Junho de 1988 e, posteriormente, convertida em lei complementar n.º 52 de 20 de Dezembro de 1991, tendo como parâmetro o projeto do Planafloro – Plano Agropecuário e Florestal de Rondônia, que foi um dos institutos legais criado pela necessidade de correção de ações executadas pelo Polonoroeste9, na

9 Programa integrado de desenvolvimento do Noroeste do Brasil.

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década de 80, com a finalidade de definir A Primeira Aproximação do Zoneamento Sócio Econômico Ecológico que definiu 06 (seis) zonas em suas potencialidades naturais, conforme leciona Flávio Rodrigues Lima (2001, p. 138):

As zonas I e II foram destinadas para a agricultura, em áreas desmatadas ou colonizadas; as zonas III e IV foram destinadas ao manejo da floresta pelas populações ribeirinhas e extrativistas; a zona V foi destinada ao manejo florestal sustentado; a zona VI, as áreas frágeis ou representativas de diferentes ecossistemas, de uso indireto. Incluíram-se nesta zona todas as unidades de conservação institucionalizadas e Áreas Indígenas.

Nesse período foram criadas as unidades de conservação de uso direto e indireto do solo, entretanto, o processo Antrópico10 já se havia adiantado, em decorrência e posses de terras, principalmente em áreas de proteção ambiental ou devolutas, alterando consideravelmente, o potencial qualitativo e quantitativo das florestas primitivas existentes em Rondônia.

O referido instituto, ainda prevê, no art. 1º11, parágrafo segundo a realização de aproximações sucessivas, visando a reeducação e o aprimoramento do Zoneamento, e desde que com o maior grau de detalhamento dos estudos, que veio com a Segunda Aproximação do zoneamento de Rondônia que teve como objetivo os levantamentos básico que foram conduzidos de acordo com uma visão que proporcione à elaboração de cartas de subsídios temáticos a zonificação.

O outro instituto normativo que explicitou a competência legislativa e material do legislador regional em relação a matéria ambiental do Estado de Rondônia foi o decreto n.º 7572 de 03 de Setembro de 1996 e firmado pelo convênio n.º 0238-00/97, de 30 de Outubro de 1997 entre a Secretaria de Estado e Planejamento - SEPLAN e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico

10 Resultante da ação do homem em relação ao meio ambiente, diz-se do solo, erosão, paisagem, rios, vegetação, etc.11 Aproximações sucessivas, visando a adequação e o aprimoramento do zonea-mento, serão desenvolvidas com maiores graus de detalhamentos cartográficos, compatibilizando conhecimentos de potencialidades de meio físico, a dinâmica do uso e ocupação de terra no Estado, visando subsidiar o desenvolvimento regional.

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– CNPq foi criado o PROTA – Programa Rondoniense de Tecnologias Apropriadas.

O programa em tela teve o objetivo de desenvolver tecnologia apropriadas a realidade dos setores produtivos, bem como capacitar pequenos produtores rurais, micro e pequenos empresários. Contou com a participação de vários órgãos federais e estaduais, no desenvolvimento e execução dos projetos voltados para pescaria artesanal, floricultura, aproveitamento do leite e piscicultura. A sua concepção foi alicerçada no desenvolvimento sustentável dos recursos disponíveis no meio ambiente rondoniense.

Em meio ao aprimoramento da proteção do meio ambiental em território estadual o legislador regional, ainda praticou a competência legislativa e material criando normas dentro dos limites estabelecidos pela Constituição Federal e Estadual, tais como: Leis complementares, n.º 23312, de 06 de Junho de 2000, n.º 31213, de 06 de Maio de 2005 e o Decreto n.º 5.87514, de 15 de Agosto de 2006 assegurando ao Estado a responsabilidade para elaboração de normas relacionadas ao meio ambiente local.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A competência legislativa pode ser remanescente, exclusiva, privativa, concorrente e suplementar. A concorrente fica com a União na função de editar normas gerais e, aos Estados e Distrito Federal suplementá-las, deixando a entender que são elas que explicitam os interesses gerais, independentemente da especificidade alcançada. Já aos municípios, é inexistente um entendimento local sobre a competência legislativa.

Depreende-se que, a responsabilidade municipal sobre uma política de meio ambiente, deve ser considerada as condições da administração pública e todas as potencialidades locais, os problemas já enfrentados pelo município, as aspirações da comunidade no objetivo de adicionar benefícios para a população atingida, não colocando o meio 12 Institui o zoneamento socioeconômico-ecológico de Rondônia – ZSEE.13 Fez alteração na Lei Complementar n.º 233, de 06 de Junho de 2000.14 Adotou a recomendação n. º 003, de 22 de Fevereiro de 2006, do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA – autorizou a redução, para fins de recomposição, da área de reserva legal, para até 50% das propriedades situadas na zona 1, conforme definido pelo Zoneamento socioeconômico Ecológico do Estado de Rondônia.

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ambiente apenas como ações de proteção ou conservação ambiental, mas tê-lo como diferencial para o desenvolvimento do município.

É importante também, ressaltar que além da competência legislativa, tem-se ainda a material ou administrativa que liga-se à comum, fixada pela Constituição Federal, conforme já citado no seu art. 23 que traz o rol de atribuições a serem observadas pelo Agente Público tanto nas esferas Federal, Estadual e Municipal. O interessante de tudo isso, é perceber que o ser humano vai se adaptando a realidade do meio que ele mesmo provocou; exemplo disso é a forma como o Estado de Rondônia foi colonizado nas décadas de 70 e 80, onde o próprio país vivia uma realidade impar de institucionalidade e governos militares, instabilidade política e social que transcendia na economia e na própria população, o que levou a nação a interiorizar-se, desbravando determinadas regiões, ainda intocadas, de forma desorganizada e sem estudo prévio, provocando consequências que são perceptíveis até nos dias de hoje.

Portanto, pode se observar que no Brasil, têm-se todas as condições legais para uma efetiva proteção ao meio ambiente e todos os seus recursos naturais, atendendo as peculiaridades dos biomas locais, por existir no ordenamento atual a possibilidade da discricionariedade de competência no atendimento por autoridades diretamente envolvidas em cada território.

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LIMA, Flávio Rodrigues. O Espaço da Sociedade Rondoniense: Noções do Meio Natural ao Meio Geográfico/Flávio Rodrigues Lima (Org.), Odenildo Gomes Veloso. Porto Velho, 2001, pg. 138.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 1996.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 29. ed. SãoPaulo: Malheiros, 2007.

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EMPRESA PÚBLICA E SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA FACE À LEI FALIMENTAR

Artenia Francisca Costa MartinsBacharela em Direito pela Fundação Universidade Federal de

Rondônia. Técnica Administrativa da Fundação Universidade Federal de Rondônia.

RESUMO: A pesquisa realizada para a elaboração deste trabalho debruçou-se sobre a possibilidade da aplicação do regime falimentar e de recuperação empresarial, constantes na Lei n.º 11.101/2005, às empresas públicas e sociedades de economia mista, uma vez que tais entidades são empresas estatais regidas pelo direito privado, porém, referida lei veda a aplicação desses institutos a tais pessoas jurídicas. Assim, relevante é a discussão doutrinária a respeito do tema, pois a Constituição Federal de 1988 possui dispositivos que induzem ao entendimento de que a falência e a recuperação podem ser aplicadas às empresas públicas e sociedades de economia mista, sobretudo àquelas que exerçam atividade de exploração econômica.

PALAVRAS-CHAVE: Empresa pública. Sociedade de economia mista. Falência. Recuperação.

INTRODUÇÃO

Dedica-se o presente trabalho a analisar a possibilidade de aplicação da lei de falência e recuperação às empresas públicas e sociedades de economia mista, tendo em vista a controvérsia existente no âmbito jurídico sobre o assunto em questão, suscitando-se a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei n.º 11.101 de 09 de fevereiro de 2005, o qual determina a inaplicabilidade dos institutos a tais entidades.

Portanto, para uma melhor compreensão do tema, é relevante a apresentação dos conceitos de empresa pública, sociedade de economia mista, falência e recuperação de empresa, dando destaque às normas jurídicas editadas referentes à falência.

Destarte, é imprescindível o auxílio de doutrinadores de Direito Administrativo, Direito Empresarial, além da Constituição Federal de 1988, leis esparsas e trabalhos realizados sobre o assunto.

Deste modo, o objetivo do estudo é contribuir para a resolução da contradição existente quanto à possibilidade de aplicação da lei de falência às empresas públicas e sociedades de economia mista.

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1 EMPRESA PÚBLICA E SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA

Primeiramente, cabe a explanação e análise do conceito de empresa pública e sociedade de economia mista.

Ensinam Alexandrino; Paulo (2007, p. 41):

Empresas públicas são pessoas jurídicas de direito privado, integrantes da Administração Indireta, instituídas pelo Poder Público, mediante autorização específica, sob qualquer forma jurídica (Ltda., S/A, etc.) e com capital exclusivamente público, para a exploração de atividades de natureza econômica ou execução de serviços públicos. [...] Sociedades de economia mista são pessoas jurídicas de direito privado, integrantes da Administração Indireta, instituídas pelo Poder Público, mediante autorização legal, sob a forma de sociedade anônima e com capitais públicos e privados, para a exploração de atividades de natureza econômica ou execução de serviços públicos.

Melo (2006) adiciona ao conceito de empresa pública e sociedade de economia mista a sujeição a algumas regras de direito público, apesar de ter personalidade jurídica de direito privado e também, com relação ao capital da segunda, a possibilidade de ser ele formado por recursos de pessoas jurídicas da Administração Pública Direta (União, Estados, Municípios, Distrito Federal), bem como da Administração Pública Indireta (fundações públicas, autarquias, sociedades de economia mista e empresas públicas), porém, a maioria das ações com direito a voto devem pertencer à esfera federal.

Vale ressaltar que as pessoas administrativas objetos do presente estudo possuem poucas diferenças entre si. Por isso, não haveria algo determinante que fizesse com que a máquina estatal escolhesse por uma ou por outra. O foco é ter o Estado atuando como empresário (FILHO, 2007).

Dadas as características das entidades em questão, passa-se a uma breve análise desses aspectos caracterizadores.

Quanto à personalidade jurídica, a doutrina converge ao aduzir que é ela de direito privado. Apesar de fazerem parte da Administração Indireta estatal, assim como as fundações públicas e as autarquias, não

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possuem os mesmos privilégios destas, pois tratam-se de pessoas com personalidade jurídica de direito público.

Em se tratando da criação de sociedades de economia mista e empresas públicas, o art. 37, XIX da Constituição Federal de 1988, estabelece que a instituição destas tenha de ser autorizada por lei específica. Assim, a lei não cria diretamente as referidas entidades, apenas permite que sejam instituídas. Portanto, o nascimento dessas pessoas jurídicas se dá quando o Poder Executivo registra seus estatutos no registro competente (ALEXANDRINO; PAULO, 2007). Em seguida, o inciso XX dispõe que a criação de filiais e sua participação em empresas privadas, depende também de autorização legislativa.

A forma utilizada para criar as entidades administrativas, deve ser a mesma para sua extinção, divido ao princípio da simetria jurídica. Em outras palavras, a extinção também depende de lei autorizadora.

Quando se pensa na utilidade da empresa pública e da sociedade de economia mista, necessita-se distinguir o seu objeto. O art. 173 da CF/88 dispõe que “[...] a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo [...]” O § 1º do artigo citado estabelece que essas entidades exploradoras de atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou prestadoras de serviços, possuirão um estatuto jurídico instituído por lei. Desta forma, são dois os objetos das empresas públicas e sociedades de economia mista: a atividade econômica e a prestação de serviço público.

Para exemplificar a exploração de atividade econômica, pode-se citar a PETROBRAS (Petróleo Brasileiro S/A), uma sociedade de economia mista, exploradora de petróleo. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) é exemplo de empresa pública que tem como objeto a prestação de serviço público.

No que tange ao regime jurídico das entidades administrativas em questão, a doutrina majoritária coloca como sendo híbrido. Sua natureza jurídica é de direito privado quando se tratam de empresas que exploram atividade econômica; e de direito público ao prestar serviço público. No entanto, a regra deveria ser a natureza jurídica de direito privado, conforme reza o art. 173, § 1º, II da Lei Maior, o qual, sem fazer menção aos objetos1, estabelece “sua sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, quanto a direitos e obrigações civis,

1 Exploração de atividade econômica e prestação de serviço público.

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comerciais, trabalhistas e tributárias.” (FILHO, 2007, p. 450)Como as empresas públicas e sociedades de economia mista

possuem o mesmo regime trabalhista que as empresas privadas, seu regime de pessoal é o previsto no Decreto-Lei n.º 5.452 de 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho. Assim, não se pode falar em estabilidade para seus funcionários.

Embora semelhantes, essas empresas distinguem-se em três aspectos: a forma jurídica, a constituição do capital e o foro processual.

Concernente à forma jurídica, as primeiras podem possuir qualquer forma (Ltda., S/A, etc.) aceita pelo direito brasileiro, enquanto as segundas, só podem revestir-se da forma de sociedade anônima.

A próxima diferença insere-se na constituição do capital, o qual, na empresa pública é integralmente público e na sociedade de economia mista, ele deve ser tanto público quanto privado. Entretanto, para que se caracterize como sociedade de economia mista, a maioria do capital votante deve pertencer ao Estado.

Diferem-se também com relação ao foro. Conforme indica o art. 109, I da CF/88, as empresas públicas federais, quando forem autoras, rés, assistentes ou oponentes, com exceção das causas de falência, acidentes de trabalho, as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho, terão suas causas julgadas na Justiça Federal. Por outro lado, se forem estaduais ou municipais, a competência é da Justiça Estadual. As sociedades de economia mista não recebem o mesmo tratamento. Seus liames são resolvidos na Justiça Estadual, independente de ser federal, estadual ou municipal. A doutrina critica essa diferença, entendendo que não há razões sua existência.

2 A LEI N.º 11.101 DE 09 DE FEVEREIRO DE 2005 E AS EMPRESAS PÚBLICAS E SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA

Quando as empresas não estão estáveis financeiramente, em regra, são passíveis de serem objetos do processo de falência ou de recuperação da empresa, dependendo do grau de gravidade da situação e de quais atos foram praticados pelo empresário. Nas situações mais graves, o processo será o falimentar, do contrário, se for uma situação em que ainda há a possibilidade de reorganização da empresa, cabe a instalação do processo de recuperação, porém este, ao falhar pode resultar no processo de falência.

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Entretanto, a aplicabilidade dos procedimentos acima mencionados é legalmente vedada a algumas empresas. Assim prescreve a Lei n.º 11.101/2005:

Art. 2o Esta Lei não se aplica a:I – empresa pública e sociedade de economia mista;II – instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores.

É de relevante interesse a esta pesquisa o inciso I do referido artigo, pois é ele o provocador da discussão existente exposta adiante.

2.1 Funcionamento da Falência e da Recuperação de Empresas

Entende-se por falência a execução concursal dos bens do devedor empresário pelos credores. Em outras palavras, é a atitude de todos os credores, ao mesmo tempo e por meio de um único processo, executar os bens do devedor empresário que “possui em seu patrimônio menos bens que os necessários ao integral cumprimento de suas obrigações” (COELHO, 2007, p. 308).

Para que se instaure o processo de falência não basta que o devedor empresário apenas tenha o patrimônio inferior aos seus débitos, é necessário o preenchimento de três pressupostos.

Inicialmente, é necessário que o devedor seja empresário ou sociedade empresária. Segundo o art. 966 do Código Civil brasileiro “considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”. Desta forma, em regra, aqueles que se incluem no conceito apresentado, estão sujeitos ao regime.

O segundo pressuposto recai sobre a insolvência, sendo esta a situação patrimonial em que se encontra o devedor que possui o passivo superior ao ativo (COELHO, 2007). Todavia, para a lei de falência o sentido de insolvência é mais amplo. Pode esta ser identificada pelo não pagamento injustificado da obrigação, pelo devedor empresário, na data do vencimento; pela falta de depósito, não pagamento e não

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nomeação de bens à penhora quando executado a solver o débito e pela prática de qualquer outro ato que o enseje insolvente, conforme o disposto no art. 94 da Lei de Falência.

Após apresentar os dois primeiros requisitos acima aludidos, necessita-se da sentença declaratória de falência. Destarte, depois de atingido o terceiro pressuposto, inicia-se o processo de falência.

Por possuírem atribuições específicas, os seguintes órgãos compõem o processo: o administrador, o qual é escolhido pelo juiz e deve ter algum atributo2 para administrar a empresa durante o trâmite processual; a Assembleia de Credores, integrada por todos os credores, competindo a ela escolher o Comitê de Credores, deliberar sobre as formas de realização do ativo da empresa e sobre outros assuntos que afetem seus interesses; e o Comitê de Credores, formado por um representante dos credores trabalhistas, um dos que possuem garantias reais e um da terceira classificação, que consiste naqueles que não se incluem nas duas primeiras.

Em síntese, a função do processo de falência é a venda, locação, ou outras destinações rentáveis aos bens da empresa, a fim de realizar o pagamento dos débitos e culminar na extinção da empresa. Mas, em alguns casos, dependendo do retorno econômico resultante do ativo, pode a empresa continuar existindo e se recuperar.

O art. 47 da Lei n.º 11.101 de 2005 começa a dispor sobre o procedimento da recuperação da empresa. Conforme este artigo, o objetivo da recuperação é possibilitar que o devedor empresário supere a crise econômico-financeira, para que possa manter o emprego dos trabalhadores, a fonte de produção e o interesse dos credores. Assim, prevalece o princípio da preservação da empresa, a qual compete cumprir sua função social3. Filho (2007, p. 136) menciona que “tal tentativa de recuperação prende-se [...] ao valor social da empresa em funcionamento, que deve ser preservado não só pelo incremento da produção, como, principalmente, pela manutenção do emprego, elemento da paz social”.

A própria lei estabelece exemplos de medidas a serem adotadas para a reorganização empresarial, dentre as quais a renegociação das

2 Ter formação em Administração de empresas; Direito; Ciências Contábeis; Econo-mia, entre outras características que possam torná-lo legítimo a agir como adminis-trador.3 A propriedade cumpre sua função social quando está em movimento, participando de maneira ativa da economia.

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dívidas, emissão de valores mobiliários, venda parcial dos bens e compartilhamento da administração. Essas medidas e todas as ações que direcionam a reestruturação devem ser previamente estabelecidas no denominado plano de recuperação.

Para que uma empresa tenha sua recuperação judicial autorizada é necessário que o devedor já tenha exercido mais de dois anos de atividade; não seja falido ou estejam extintas as responsabilidades decorrentes da falência, por sentença transitada em julgado; não ter obtido recuperação judicial há menos de cinco anos; há menos de oito anos, não ter obtido recuperação judicial com base no plano especial e não ter sido condenado por crimes previstos na lei falimentar4, como administrador ou sócio controlador.

Denota-se que esse procedimento implica em prejuízo para os credores, que por vezes, receberão menos do que o crédito inicial; para investidores que decidam investir na empresa com o intuito de que ela possa dar bom retorno financeiro; ou para outros que aceitem medidas, a princípio, desfavoráveis para si, em prol da reorganização empresarial.

Ainda, existe a previsão da recuperação de falência extrajudicial, semelhante à judicial, porém exige menos requisitos. Diga-se que se trata de um procedimento mais simples, sendo ele possível quando todos ou os credores majoritários concordam com as ações a serem adotadas.

3. DA CONTRADIÇÃO SOBRE A INAPLICABILIDADE DO INSTITUTO FALIMENTAR ÀS EMPRESAS PÚBLICAS E SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA

Em 1976, o art. 242 da Lei das S/A já dizia que as sociedades de economia mista não poderiam ser sujeitas à falência. O referido artigo foi revogado pela Lei n.º 10.303 de 2001, que nada acrescentou sobre o assunto.

Entre o período de revogação do art. 242, no ano de 2001 e o início da vigência da Lei de Falência atual, em 2005, os doutrinadores consideraram que as sociedades de economia mista estavam sujeitas à falência, regulada pelo Decreto-lei n.º 7.661/45. Quanto às empresas públicas, a controvérsia era ainda maior, pois não havia previsão legal

4 Artigo 168 ao artigo 178 da Lei 11.101 de 09 de fevereiro de 2005.

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sobre a aplicabilidade do instituto falimentar a elas.Na busca de elucidar a questão, o legislador editou a Lei n.º

11.101, publicada em 09 de fevereiro de 2005. Destarte, indica o art. 2º da lei, que as empresas públicas e sociedades de economia mista não estão sujeitas à falência e à recuperação de empresas.

Positivamente, a situação aparenta estar solucionada, mas a edição desse artigo provocou ainda mais discussão entre os doutrinadores, principalmente os do ramo do Direito Administrativo.

Meirelles (1999) afirma que antes da revogação do art. 242 e com fundamento no art. 173 da Constituição Federal de 1988, o qual dispõe que as empresas públicas e as sociedades de economia mista se sujeitam ao regime jurídico das empresas privadas, inclusive no que tange aos direitos e obrigações comerciais, já opinava no sentido de que tais empresas públicas só seriam sujeitas à falência se explorassem atividade econômica, porém, se prestadoras de serviço público, não poderiam sofrer o processo falimentar ou de recuperação.

Em conformidade com outros doutrinadores5, Pietro (2007), já após a publicação da lei que rege a falência e a recuperação de empresas atualmente, entende que estão excluídas do processo falimentar as empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviço público, bem como responde o Estado subsidiariamente pelos débitos destas. Isto por que desempenham funções públicas essenciais aos cidadãos.

Os defensores dos posicionamentos acima expostos apoiam-se em argumentos constitucionais, sendo eles os artigos 109, I e 173, § 1º, II. O primeiro estabelece a competência aos juízes federais para julgar as causas em que as empresas públicas forem autoras, rés, assistentes ou oponentes, com exceção das causas de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho. Insere-se no segundo artigo a previsão de sujeição das empresas públicas e sociedades de economia mista ao mesmo regime jurídico das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários.

Também compreendem que a impossibilidade de aplicação da lei de falência às entidades jurídicas estatais que atuam na atividade econômica caracteriza violação do princípio constitucional da livre

5 José dos Santos Carvalho Filho; Celso Antônio Bandeira de Melo; Marcelo Ale-xandrino e Vicente Paulo.

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concorrência. Segundo leciona Filho (2008, p. 461), “seria uma discriminação

não autorizada pelo dispositivo constitucional. Na verdade, ficaram as entidades paraestatais com evidente vantagem em relação às demais sociedades empresárias, apesar de ser idêntico o objeto de sua atividade”.

Seguindo a mesma direção, em artigo científico, Zago (2010) entende que é inadmissível que lei infraconstitucional afaste o comando constitucional de aplicação de tais normas.

Uma vez insolvente, o estado utiliza o dinheiro público para amparar as empresas públicas e sociedades de economia mista. Neste caso, a doutrina também se refere à distinção dos objetos dessas empresas. Pois, se forem exploradoras de atividade econômica injusto é o amparo, mas, se prestadoras de serviço público, é ele imprescindível, em respeito ao princípio da continuidade dos serviços públicos.

Segundo entendimento de Bueno ([s.d.], pg. 7):

Aceitar que o Estado como criador de tais “empresas” responda subsidiariamente por seus débitos não deve ser mais aceitável, pois mais uma vez, mesmo que indiretamente, os cidadãos estariam pagando pela má utilização do dinheiro público que não é, senão, o dinheiro de todos os brasileiros. [grifo do autor]

Portanto, diante dos argumentos apresentados, denota-se que praticamente toda a doutrina posiciona-se a favor da inconstitucionalidade do art. 2º da Lei n.º 11.101/05 e a solução proposta é a de que se verifique o objeto da empresa pública e da sociedade de economia, resultando, se for este a atividade econômica, na possibilidade de aplicação da lei de falência, no entanto, se o exercício recai sobre a prestação de serviços públicos, é inaceitável o mesmo tratamento. Posicionando-se sobre a questão do dispositivo infraconstitucional, por não apresentar-se outra maneira de atuar no ordenamento jurídico brasileiro, Paulo e Alexandrino (2012) atribuem a responsabilidade da resolução dessa discussão ao Supremo Tribunal Federal, aduzindo que, enquanto este órgão não se manifestar sobre a matéria, as entidades não se sujeitarão à falência, nem à recuperação judicial.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da explanação do conceito de empresa pública e sociedade de economia mista, dos institutos da recuperação e falência, atrelada à controvérsia jurídica a respeito da aplicabilidade dos institutos mencionados a tais empresas, chega-se ao entendimento de que o art. 2º da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 é inconstitucional, bem como também foram assim considerados pelos doutrinadores os dispositivos semelhantes que já estiveram vigentes no ordenamento jurídico pátrio.

Conclui-se que, a resolução para o conflito apresentado neste trabalho está na inconstitucionalidade do dispositivo da Lei Falimentar no que se refere às empresas públicas e sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica. Acredita-se que tais entidades não deveriam receber a proteção contra a falência e recuperação empresarial, por ferir dispositivos constitucionais instituidores de normas e princípios.

Quanto às empresas estatais de direito privado dedicadas ao serviço público, uma vez necessária aos cidadãos a continuidade deste, posiciona-se a favor da permanência da inaplicabilidade da legislação infraconstitucional em análise.

O intuito deste estudo assentou-se em corroborar para a solução do conflito doutrinário acima exposto. Destarte, considera-se que todos os trabalhos já elaborados sobre o tema também intencionam alcançar este objetivo. No entanto, o que permanecem são posicionamentos bem fundamentados, esperando-se que o legislador competente ou o guardião da Constituição Federal atenda aos posicionamentos defendidos pelos estudiosos da ciência jurídica, a fim de respeitar a ordem constitucional.

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A RECUSA DO EXAME DE DNA NO PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E O DIREITO

PERSONALÍSSIMO

Larissa Gripp CardosoBacharela em Direito pela Universidade Federal de Rondônia

RESUMO: O presente trabalho apresenta as situações em que o uso de informações genéticas vem a facilitar o procedimento de confirmação de paternidade e, ao mesmo tempo, trazer a segurança jurídica e, no entanto, debates sobre o direito personalíssimo. Esse artigo tem como objetivo analisar os aspectos jurídicos da recusa ao exame de DNA no processo de investigação e as limitações da quebra de privacidade e intimidade da pessoa a luz da teoria dos direitos da personalidade. Assim, foi necessário o uso de pesquisas qualitativas e exploratórias complementadas por instrumento bibliográfico.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Personalíssimo; DNA; Exame de Paternidade; Recusa.

INTRODUÇÃO

A ação de investigação de paternidade é um assunto que vem sendo discutido há muito tempo, principalmente no campo jurídico, no momento de analisar as provas contidas nos autos para julgar o caso. Isso porque, nos tempos mais remotos, as pesquisas científicas não eram suficientes para afirmar a paternidade.

Com surgimento do exame DNA, possibilitou-se uma maior segurança jurídica para analisar os casos de investigação de paternidade. Mas, mesmo assim, continuou-se uma situação instável quanto à realização do exame pelo réu que, na maioria das vezes, se recusava a fazê-lo.

Pois, o réu que se recusa a fazer o exame de DNA seria presumido o pai, segundo a disposição feita no artigo 232 do Código Civil. Tal acontecimento deriva da proteção que o Estado confere à pessoa de ter filiação e, consequentemente, uma herança genética e histórica.

No entanto, a defesa começou a questionar o exame de paternidade quanto à violação do direito à integridade física e moral, à intimidade, à vida privada, isto é, os direitos da personalidade. Dessa

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forma, este artigo vem analisar as vicissitudes da recusa à realização do exame de DNA na investigação da paternidade ressaltando os direitos da personalidade.

1 O CONCEITO DE DIREITO PERSONALÍSSIMO

A Revolução Francesa, que aconteceu em 1789, culminou a criação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que tinha como princípios fundamentais a igualdade, a liberdade e a fraternidade. A partir desse momento, iniciou-se um período que passou a ser marcado pela defesa dos direitos do homem, o qual se difundiria com o passar do tempo e passaria a integrar diversas Constituições.

A Constituição Federal Brasileira de 1988 veio expressamente assegurar os direitos da personalidade no art. 5º, inciso X: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de usa violação”.

Conceituando, Maria Helena Diniz afirma que o direito da personalidade é “o direito da pessoa de defender o que lhe é próprio, como a vida, a identidade, a liberdade, a imagem, a privacidade, a honra etc.”

O Código Civil de 2002 traz um capítulo dedicado aos Direitos da Personalidade, buscando defender, ao máximo, a proteção a pessoa humana. Assim, os direitos da personalidade são inerentes ao ser humano, intransmissíveis e imprescritíveis. Entre eles, está o direito à vida, à liberdade, ao nome, ao próprio corpo, à imagem e à honra.

Além disso, o código supracitado menciona no artigo 12 que, caso haja lesão ou ameaça ao direito de personalidade, cabe reclamação de perdas e danos e a utilização de instrumentos assegurados no artigo 461 do Código de Processo Civil, o qual versa sobre o célere provimento jurisdicional que faça cessar a ameaça ou a lesão.

Dessa forma, pode-se determinar que o réu estanque a prática indevida de um nome e paralise a divulgação de um fato desabonador ou impeça que se concretize invasão de privacidade.

2 OS TIPOS DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE

A ação de investigação de paternidade, de acordo com Ferreira (1987, p. 42):

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“É ação de estado, pois, procura estabelecer um vínculo jurídico entre pai e filho, e é ao mesmo tempo uma ação declaratória, ao afirmar e convalidar o estado de filiação, o status filiationis, a posição do interessado no grupo familiar, comprovando o seu status familiae.”

Dessa forma, permite analisar que é direito do filho ter um nome ligado a sua procedência familiar concedendo-lhe uma herança genética e histórica. Além disso, se torna importante destacar o efeito na sociedade, pois, com o sobrenome a pessoa se individualiza e se identifica.

Assim, levando em consideração os aspectos supramencionados, o novo Código Civil veio dispor, num capítulo específico, sobre o reconhecimento dos filhos e, ao estudá-lo, é possível notar que existem duas formas de reconhecimento: o voluntário e o judicial.

O primeiro refere-se à ação daquele que está munido de poderes em strictu sensu, utilizando do ato de vontade individual sem intervenção judicial vem a reconhecer a paternidade podendo ser feito logo após o nascimento ou mediante escritura pública ou por testamento.

O reconhecimento judicial é o declarado pelo juiz, pelo meio de investigação de paternidade quando o suposto pai se nega a realizar o exame de paternidade, a lei faculta ao filho obter a declaração conforme assegura o artigo 2º, parágrafo 4º da Lei 8.560/92.

Importante se faz lembrar que o direito de paternidade é garantido constitucionalmente como o único sistema de filiação e, como advento do novo Código Civil, estende-se aos filhos concebidos ou não do casamento e proibindo qualquer tipo de discriminação, conforme menciona o artigo 1596 do Código Civil de 2002.

Portanto, a ação de investigação de paternidade concede à prole estabelecer um status familiae, constituindo um direito intransmissível, imprescritível, irrenunciável e personalíssimo.

3 O EXAME DE DNA COMO PROVA PERICIAL

É difícil imaginar, com toda a tecnologia dos dias hodiernos, os avanços da ciência, da medicina, das técnicas de aperfeiçoamento e etc., como algumas atividades eram realizadas tempos atrás. Uma delas, pode-se dizer até que revolucionária, é a prova da paternidade.

Com a necessidade de uma análise aprofundada para tentar

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chegar a um resultado mais preciso, a ciência foi aprimorando cada vez mais o campo da genética para tentar descobrir a molécula quími-ca responsável pela composição das diversas características humanas. Essa molécula que foi descoberta em meados do século XX, segundo Baracho (2000, p. 136), é o DNA (ácido desoxirribonucléico).

Conceituando, Bahena (1998, p. 47) diz que o DNA é:

[...] a principal unidade biológica que compõe os seres vivos, nunca é igual de um indivíduo para o outro, po-rém, seu resultado apresenta semelhanças biológicas en-tre pessoas relacionadas pelo liame do parentesco. Isso se deve ao fato de que a metade do DNA de uma pessoa ser herdade da mãe biológica, e a outra metade do pai biológico.

A descoberta dessa molécula não somente revolucionou o mundo da ciência, mas também o jurídico, principalmente, com rela-ção à investigação de paternidade, já que, através da análise do DNA do filho e de seu suposto pai, se poderia chegar a um resultado com 99,99999% de certeza.

Quanto à execução dessa prova pericial, Simas Filho (1996, p. 65) afirma que deve ser realizada por um perito juntamente com as-sistentes técnicos, não podendo ser realizado somente pelo perito para evitar erros, como nas análises dos elementos químicos, até no caso de má condição das ferramentas usadas para chegar a tal resultado.

Com o surgimento desse exame, Fonseca (2003, p.5) declara que ao judiciário restou somente a declaração da existência ou não do vínculo paternal e, com isso, a investigação de paternidade perdeu sua natureza investigatória, o que acarreta, também, uma desobstrução de carga processual das ações que tramitam perante a justiça estadual.

Contudo, segundo Nicolau Júnior (2002, p. 4), há também di-ficuldades para a realização desse processo, como a recusa do suposto pai a se submeter ao exame, não podendo este ser imposto em respeito à integridade física do cidadão, defendida na Constituição.

No entanto, há também que se considerar o direito de paterni-dade, pois, segundo Fonseca (2003, p. 3), o julgador não pode deixar um filho sem pai determinado, sem um status familiae perante a socie-dade. Portanto, mesmo que o pretenso pai não se coloque à disposição da justiça, pode o juiz utilizar-se do poder do Estado em forma de co-

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ação.

4 A RECUSA DO EXAME DE DNA

Quanto à realização do exame de DNA, é fundamental que se estabeleça limites em sua utilização na realização de processos de identificação individual e investigação de paternidade, pois esses exames constituem grande penetração na intimidade do ser, com riscos de, segundo Amaral (2000, p. 108), “violação dos direitos fundamentais à integridade física, à intimidade, e à vida privada”.

Em relação à integridade física, Moraes (2000, p. 232), explana:

[...] configura verdadeiro direito subjetivo da personalidade, garantindo constitucionalmente, cujo exercício, no entanto, se torna abusivo se servir de escusa para eximir a comprovação, acima de qualquer dúvida, de vínculo genético, a fundamentar adequadamente as responsabilidades decorrentes da relação de paternidade.

Nos dias hodiernos o exame de DNA é o mais confiável por apresentar maior índice de eficácia. Contudo, na sua utilização em busca do vínculo de filiação é necessário afastar o risco de ofensa aos direitos humanos. Amaral (2000, p. 109) estabelece alguns limites:

1) a proibição de recurso a essa prova para o fim de identificar pessoas, a não ser com a sua concordância; 2) a garantia de que as informações coletadas não seriam utilizadas senão para os fins previstos, limitando-se o acesso a tais informações, e cuidando-se para que fossem conservadas somente até a sua utilização, para os fins previstos; 3) evitar a limitação das relações de parentesco e de filiação apenas aos laços biológicos, levando também em conta o bem estar das pessoas, principalmente das crianças, na sua dimensão psico-social.

Quanto a não-realização do exame de DNA mediante coerção, Martins & Zaganelli (2000, p. 153) afirmam que a legalização desse

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procedimento deve ser “empregada para a extração de sangue ou outro material biológico para outros propósitos (clonagem), porque o direito invocado é garantia constitucional”. Contudo, essa obrigatoriedade não é absoluta ao direito à integridade física, ainda que esse exame não acarrete lesão ou risco para a saúde, nem sequer perigo presumido.

Sobre esse assunto, o Supremo Tribunal Federal entende que:

A submissão compulsória da pessoa a exame de DNA, com utilização de seu material genético, inclusive os renováveis, para fins de atribuição de paternidade biológica, viola o direito da personalidade à integridade física e à intimidade (HC nº 71.373-RS). Tratava-se de ação de investigação de paternidade, tendo o juiz determinado que o réu fosse conduzido ao laboratório “debaixo de varas”, para a coleta do material indispensável à feitura do exame de DNA (LÔBO, 2003, p. 14).

Com a recusa do réu, inverte-se o ônus da prova, presumindo-se a paternidade e a renúncia à negatória de paternidade. Contudo, Chinelato & Almeida (2000, p. 352) afirmam que a recusa do réu não deve ser considerada como “renúncia à negatória de paternidade, por tratar de direito da personalidade”.

Amaral (2000, p. 112) ressalta também que, “no quadro das ações relativas à filiação, os juízes podem deduzir, da recusa de submeter-se a um exame de sangue, não uma presunção automática de confissão, mas conclusões que se impõem em face do conjunto de elementos do caso”.

Ao fim da discussão, foi aprovada, em outubro de 2004, a súmula 301 pelo Superior Tribunal de Justiça, reconhecendo que “a recusa em fazer o teste de DNA é presunção da paternidade”.

5 A PRESUNÇÃO DA PATERNIDADE

A lei de 12.004, de 29 de julho de 2009, sancionada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, veio regular a investigação de paternidade dos filhos concebidos fora do casamento. Essa lei, no seu artigo primeiro, vem estabelecer a presunção da paternidade no caso de recusa do réu em realizar o exame de DNA.

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Dessa forma, podem-se destacar duas situações eminentes com aprovação dessa lei, como é o caso da acusação que irá defender plenamente o direito de reconhecimento de paternidade e a defesa com argumentos baseados no princípio dos direitos da personalidade a serem violados pelo exame.

A acusação ponderará se há intimidação do réu pelo devido disposto aprovado e a defesa alegará interferência nos direitos da personalidade devido ao exame obrigar a produção de provas contra si mesmo, o direito a inviolabilidade do próprio corpo. Assim, veem-se expostas toda a carga genética do indivíduo que contém revelações como de ser portador de doenças contagiosas ou não, e até mesmo o campo emocional colocado a prova.

Além disso, a presunção de paternidade vem a tornar-se provavelmente uma situação que irá afetar a vida de muitos casais quando esta for presumida fora do casamento. Isso acontece devido a um relacionamento fora do matrimônio que pode surgir a possibilidade de haver uma prole, no entanto, se faz necessário comprovar que a autora tinha somente relações sexuais com o réu.

Dessa forma, é necessário enfatizar que a recusa ao exame de DNA não deveria ser considerada como presunção de paternidade, pois, além de violar os direitos da personalidade, existem outras formas de comprovar como por meio de documentos e testemunhas.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ação de investigação de paternidade é um assunto que vem sendo discutido ao longo dos tempos devido a sua complexidade na análise da genética humana. Assim, com a evolução da ciência, se foi possível estudar o ácido desoxirribonucléico, chegando-se à conclusão que a carga genética da prole é composta da metade do DNA da mãe e a outra metade do pai.

Dessa forma, contribuiu também para com os tramites judiciais nos casos de ação de investigação de paternidade como prova pericial, pois esta é uma ação na qual o Estado prima por estabelecer um vínculo entre pai e filho para que a prole possa ter uma herança histórica e genética de seus progenitores.

No entanto, nem todos se disponibilizam de maneira espontânea a fazer o exame, alegando a violação dos direito à integridade física e moral, a intimidade e a vida privada, isto é, os direitos da personalidade.

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Contudo, a recusa pressupõe a paternidade efetiva de acordo com o artigo 1º da lei 12.004 de 29 de julho de 2009.

Ao réu agora é necessário fazer a inversão do ônus da prova, a qual consiste provar a ausência de paternidade por outros meios como à oitiva de testemunhas. Este é um método que poderia ser utilizado como uma forma de iniciar a investigação para depois passar ao exame.

Portanto, é passível de interpretação que o exame de investigação de paternidade interfere sim nos direitos personalíssimos assegurados pela Constituição Federal, todavia, se faz necessária a sua utilização à segurança jurídica evitando erros e primando pelo status familiae.

REFERÊNCIAS

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A RESPONSABILIZAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO EM RELAÇÃO AOS DANOS

AMBIENTAIS CAUSADOS À AMAZÔNIA LEGAL

Larissa Gripp CardosoBacharela em Direito pela Universidade Federal de Rondônia

Railana Gomes FritzBacharela em Direito pela Universidade Federal de Rondônia

RESUMO: O presente trabalho apresenta a responsabilização da pessoa jurídica de direito privado com relação aos danos ambientais causados à Amazônia Legal com o objetivo de demonstrar que aquela poderá ser responsável tanto no âmbito civil, administrativo e penal com relação aos detrimentos ocasionados a fauna e flora. Assim, foi necessário o uso de pesquisas qualitativas e exploratórias complementadas por instrumento bibliográfico. Após estudos realizados tem-se como resultados que os fatos originaram-se com a descoberta da Amazônia, a exploração e a ocupação desordenada desta e também dados atuais revelam a existência de degradação ambiental, os quais podem ser correlacionados com a prática da economia dos dias de hoje.

PALAVRAS-CHAVE: Amazônia Legal; Danos ambientais; Pessoa jurídica; Responsabilizada.

INTRODUÇÃO

Diante da situação ambiental atual é possível compreender que a atuação do homem no meio ambiente tem sido cada vez mais prejudicial à sociedade dos dias de hoje e da futura geração. Isso acontece devido ao fato de a degradação ambiental estar acontecendo, ainda de maneira muito expressiva, e principalmente na região Amazônica, em razão de esta ter uma grande biodiversidade em fauna e flora.

Tal acontecimento é ratificado com dados fornecidos pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia – Imazon, o qual registrou a perda de 208 quilômetros quadrados de floresta entre agosto de 2012 e março de 2013, apontando um aumento de aproximadamente 41% em relação ao desmatamento detectado entre agosto de 2011 e março de 2012.

Dessa forma, constata-se a deterioração ambiental na Amazônia Legal e reporta-se o início da degradação a descoberta da região, pois, esta se deu de maneira desenfreada e desplanejada. Além disso, pode-se relacionar também a atividade econômica a esse cenário, em virtude

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da agricultura, pecuária, mineração e alguma atividade industrial serem consideradas um dos fatores principais dos acontecimentos atuais.

Ultimamente, as práticas de atividades agropecuárias e extrativistas não estão sendo somente realizadas por pessoas físicas, mas também por empresa privadas, as quais na maioria das vezes se valem da personalidade como forma de esquivar-se da responsabilização por certos atos praticados.

No entanto, a lei 9.605/98 trouxe inovações aos crimes ambientais praticados e em seu artigo 2º estabelece a possível condenação do diretor, administrador, gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que sabendo da conduta criminosa não impediu a prática quando podia agir para evitar.

Ante aos acontecimentos supracitados relacionados com aos danos ambientais causados pela pessoa jurídica de direito privado o estudo utilizará pesquisas qualitativas e exploratórias procurando demonstrar a responsabilização daquela em âmbito civil, administrativo e penal, usando como instrumento pesquisas bibliográficas.

1 HISTÓRICO DA AMAZÔNIA LEGAL

Em 1494, portugueses e espanhóis assinaram o Tratado de Tordesilhas com a finalidade de dividir as terras que fossem descobertas fora da região europeia. Após a assinatura do tratado ambos continuaram buscando novas terras e em 1500 os portugueses chegam ao Brasil. Deslumbrados com a beleza exuberante e a possibilidade de enriquecimento da coroa, o rei português manda expedições para que colonizem o país.

Importante lembrar que a área ocupada na época era apenas o litoral brasileiro, o qual garantia a Portugal o domínio das águas do Atlântico Sul, enquanto o restante do país passava a pertencer à Espanha, ou seja, a Amazônia seria território espanhol. Desse modo, o Brasil permaneceu por muito tempo, até que no século XVII os portugueses tentaram a expansão para o oeste do país, burlando os tratados firmados com a Espanha, a fim de encontrar metais preciosos e acabaram deparando-se com outras riquezas naturais na região amazônica.

Dessa forma, iniciaram-se as tensões entre Portugal e Espanha e expedições dos dois países começaram a navegar o rio Amazonas e a partir desse momento o assunto era a busca do Eldorado. Assim, a

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Amazônia começava a ser explorada e a descoberta do ouro no Mato Grosso e do cacau nativo deu início à ocupação desses territórios.

Posteriormente, em meados do século XIX foi encontrada na região a seringueira, uma árvore de onde era extraída o látex e possibilitava a fabricação da borracha, a partir daí ocorreu o primeiro ciclo da borracha, a qual trouxe para Amazônia homens de outros países e outros estados brasileiros, aumentando cada vez mais a população da região e o estabelecimento de habitações.

Contudo, a área ainda continuava isolada e subdesenvolvida e para integrar a região a economia nacional, a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia – SPVEA foi criada em 1948 durante o governo de Eurico Gaspar Dutra. A criação de tal órgão modificou o nome da Amazônia Brasileira para Amazônia Legal, mas as medidas tomadas por aquela autarquia não surtiu os efeitos esperados. E em 1966 no governo de Castelo Branco a SPVEA foi substituída pela Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM, com a mesma função da antiga medida.

Atualmente a Amazônia Legal engloba nove estados brasileiros entre eles o Amazonas, Acre, Amapá, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Mato Grosso e Maranhão. Formando uma área de aproximadamente 4.200.000 km², o que corresponde a 49% do território brasileiro, sendo uma floresta, a qual apresenta uma rica biodiversidade em fauna, flora e 1/5 da disponibilidade mundial de água potável.

Portanto, mister faz-se lembrar que o tesouro existente na Floresta Amazônica representa o maior ecossistema autossustentável sendo quantificado pelo IBAMA com 1,5 milhão de espécies vegetais catalogadas; 3 mil espécies de peixes; 950 tipos de pássaros e ainda insetos, répteis, anfíbios, mamíferos e mais uma infinidade de fauna e flora não registrada e o quanto essa biodiversidade ajuda na extração de substâncias naturais que são utilizados na elaboração de medicamentos naturais para tratamento e até mesmo cura de certos tipos de doenças.

2 DANOS AMBIENTAIS CAUSADOS NA AMAZÔNIA LEGAL

A interferência do homem no meio ambiente não é um fato novo, desde os tempos remotos a espécie humana tem se aproveitado dos recursos naturais para o desenvolvimento e a expansão urbana. Atualmente a política capitalista tem acentuado a visão do lucro

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excedente e com isso acabam agindo de maneira desenfreada e muitas vezes ilegal.

A Amazônia conhecida por muitos historiadores como “eldorado”, um lugar repleto de riquezas naturais, fauna, flora e recursos hídricos inesgotáveis; não teve uma realidade distante do supramencionado, a ocupação da região aconteceu em ciclos, sem planejamento específico e sem a devida proteção ambiental.

Tal situação é ratificada por Miranda (2007) quando afirma a ocupação por 4 séculos da área amazônica, no entanto somente em meados do século XX obteve um crescimento significativo ocasionado pelas migrações motivadas pela economia regional que entrava em seu auge com a descoberta dos minérios.

Além disso, o Greenpeace menciona que o desmatamento na região Amazônica entre o ano de 1550 a 1970 não passava de 1%, e em apenas 40 anos o número subiu para 17%. Assim, conforme o exposto acima é possível perceber como a área foi explorada e compreender a situação presente nos dias de hoje e as origens da atividade econômica presente nesta área ser agricultura, pecuária e extrativismo, os quais formam o setor primário da economia vigente e são as principais atividades causadoras do desmatamento.

O desmatamento na Amazônia é um dos problemas ambientais mais preocupantes do mundo, pois, tal região tem suma importância para o meio ambiente e segundo a Bionorte aquela possui cerca de um terço da biodiversidade mundial e os danos a ela causados geram consequências irreparáveis ao ecossistema como a extinção de espécies vegetais e animais, erosão do solo, aumento da poluição do ar.

O desmatamento acumulado no período de agosto de 2012 a dezembro de 2012 totalizou 1.288 quilômetros quadrados. Houve aumento de 127% em relação ao período anterior (agosto de 2011 a dezembro de 2011) quando o desmatamento somou 568 quilômetros quadrados. (IMAZON).

De acordo com os dados supracitados é de percepção notável a extensão da área devastada e a origem da situação atual. Dessa maneira, faz-se necessário entender a dimensão dos impactos ambientais causados para que se possa haver a responsabilização em âmbito civil, administrativo e penal dos responsáveis por tais danos.

Entre os impactos ambientais resultantes tem-se a erosão, a

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desnutrição e o desgaste do solo, o qual resulta em impossibilidade de cultivo de plantas devido ao fato delas não conseguirem fazer a fotossíntese, pois, haverá dificuldade na absorção de água e nutrientes; e também a desertificação, quando há degradação da vegetação para uso agrícola e o solo fica exposto.

Outra consequência é a poluição do ar proveniente de queimadas com a finalidade de limpar o terreno para agricultura ou formação de pastos. Em muitas vezes essa atividade fica fora de controle e acaba por incendiar as matas e matar animais e, além disso, emitem grandes quantidades de gases de efeito estufa.

A contaminação do solo é outro resultado derivado da extração de gás natural, petróleo e o garimpo de ouro, os quais geram o depósito de mercúrio, óleo, graxas e outros elementos químicos que dificultam um futuro reflorestamento e causam a poluição de rios, intoxicação de animais e até de moradores próximos a região contaminada.

A redução da umidade no ar afeta a incidência de chuvas deixando o ar seco, aumento da temperatura, perda de plantações e criações de animais, esgotamento da umidade do solo, as poucas águas que sobram são contaminadas e prejudica a alimentação e a saúde das pessoas dependentes da área afetada pela seca.

Por conseguinte, diante do exposto acima é notável o período que se iniciou o desmatamento na Amazônia Legal, as heranças deixadas pelo povoamento desenfreado e desplanejado, a atividade econômica regional atual associado às causas do desflorestamento e por fim as consequências que essa prática ilegal causa a biodiversidade.

3 A RESPONSABILIZAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO EM ÂMBITO CIVIL, ADMINISTRATIVO E PENAL COM RELAÇÃO AOS DANOS AMBIENTAIS CAUSADOS.

3.1 A Responsabilidade Civil

Antes de iniciar as considerações sobre a responsabilidade civil, mister faz se entender o conceito de meio ambiente. Segundo, José Afonso da Silva meio ambiente é “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais, culturais e do trabalho que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”.

Assim, no decorrer da transcrição deste assunto a análise será

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voltada para meio ambiente natural, o qual de acordo com o artigo 3º da lei 6.938/81 “é o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Dessa maneira, aquele é constituído por recursos naturais, sendo eles, o solo, a água, o ar, a flora e a fauna e pela relação entre cada um desses elementos com os demais.

Dessa forma, de acordo com os fatos já mencionados, para uma melhor compreensão do que ainda será dito, toda e qualquer referência à responsabilização dos danos causados ao meio ambiente poderá ser entendida também como deterioração à Amazônia Legal. Isso é possível, pois, à Amazônia Legal é a reunião de uma grande biodiversidade de fauna, flora e bacias hidrográficas.

“A palavra responsabilidade deriva etimologicamente de responsável, que se origina do latim responsus, do verbo respondere (responder, pagar), que transmite a ideia de reparar, recuperar, compensar, ou pagar pelo que fez”. (THOMÉ, 2011). Dessa maneira, entende-se por responsabilidade a possível reparação total ou parcial do dano causado fazendo com que a coisa volte ao seu status quo ante.

Existem várias teorias a respeito da responsabilidade, o Código Civil adota como regra geral a subjetiva, disciplinada em seu art. 927, caput. No entanto, prevê também, a objetiva, mas apenas em casos excepcionais e especificados em lei, conforme interpretação do art. 927, parágrafo único.

No direito ambiental a teoria adotada pela doutrina majoritária e jurisprudência é a responsabilidade sob a modalidade do risco integral e solidária. Isso acontece devido ao fato de não ser viável a utilização das excludentes, como o caso fortuito e força maior, e encontrarem na solidariedade uma maneira mais rápida e fácil de recuperação ambiental, permitindo-se assim somente a análise do dano e nexo causal.

A Constituição Federal como carta magna e pilar mestre do estado democrático de direito brasileiro recepcionou a deterioração ambiental em seu art. 225, §3º “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

Outra norma jurídica, que versa também sobre a responsabilidade civil como uma das formas de ressarcimento pecuniário ou in natura, é a 6.938/81, lei de política nacional do meio ambiente, a qual tem por objetivo recuperar os danos ambientais e

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garantir a todos a dignidade da vida humana e condições favoráveis ao desenvolvimento socioeconômico.

E de acordo com o art. 14, §1º daquele regulamento “é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar e reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, efetuados por sua atividade”.

Além destas, tem-se também a lei 7.347/85, a qual versa sobre a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, instauração do procedimento administrativo, inquérito civil, com o escopo de preparar uma ação judicial.

Depois de conceituado a responsabilização e mencionada o pilar jurídico a que ela se sustenta, faz se agora necessário entender quem é o poluidor. O art. 3º inciso IV menciona ser poluidor a pessoa física ou jurídica de direito público ou privado que venha a ser a responsável direta ou indiretamente pela atividade causadora da degradação ambiental.

Assim, a interpretação do mencionado artigo leva a compreensão da possibilidade de ser a pessoa jurídica de direito privado a poluidora, e tal situação tem sido frequente nos dias de hoje devido às empresas privadas exploradoras de minérios e madeireiras em várias de suas extrações não obedecerem ao código florestal e praticarem atos ilícitos com a finalidade de obter lucros exorbitantes.

O art. 4º inciso VII da lei de política nacional do meio ambiente “à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização dos recursos ambientais com fins econômicos”, vem reafirmar a preocupação com a preservação do meio ambiente e a reparação por meio de reflorestamento ou indenização pecuniária.

A primeira modalidade de reparação de danos que de ser procurada é a reconstituição ou recuperação do ambiente natural ferido porque não basta simplesmente indenizar: há que ser recuperado o ambiente do mal sofrido. Apenas quando essa recuperação mostra-se inviável é que se deve recorrer exclusivamente à indenização. Em ambas as situações, porém, o que é necessário impor ao poluidor é um custo por sua atividade. A sentença deve ter também inegável cunho pedagógico e punitivo, seguindo, inclusive, a moderna tendência no campo da responsabilidade civil. (VENOSA, 2005, p.212).

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Por conseguinte, os fatos mencionados levam a compreensão sobre a responsabilidade civil objetiva de risco integral e solidária do poluidor e o fundamento jurídico de tal atitude e a possibilidade de a pessoa jurídica de direito privado responder na esfera civil pelos danos causados à Amazônia Legal.

3.2 A Responsabilidade Administrativa

Conforme a interpretação da lei 6.938/81 art. 3º inciso IV concomitante com a Constituição Federal art. 225, §3º é possível compreender que o poluidor será responsável no âmbito administrativo, civil e penal pelos danos ambientais causados.

Além da fundamentação supracitada o agente causador da violação ao meio ambiente será punido de acordo com a lei 9.605/98, a qual dispõe sobre as sanções penais e administrativas e também incidirá no decreto 6.514/08 o qual estabelece as infrações e sanções administrativas e institui o processo administrativo federal para apuração daquelas.

Com a finalidade de relacionar a infração administrativa e a extensão da responsabilidade desta, necessário faz-se conceituar aquela. O art. 2º do decreto 6.514/08 considera:

Infração administrativa ambiental, toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente, conforme o disposto na Seção III deste Capítulo. Parágrafo único: O elenco da Seção III deste Capítulo não exclui a previsão de outras infrações previstas na legislação.

Dessa maneira, entende-se ser transgressão ambiental os atos obtidos mediante a uma omissão ou ação que não estejam de acordo com a preservação de um ambiente ecologicamente equilibrado e venham a danificar ou destruir as florestas e infringir as normas legais, conforme apreciação do art. 43, seção III do decreto já citado.

Assim, depois de explanado o conceito da infração administrativa, é imprescindível apreciar as sanções cabíveis a qual o responsável pela sua aplicação é o poder público por meio do poder de polícia. Este, por sua vez, tem a função de disciplinar ou regular as atividades, em relação ao interesse público e o respeito aos direitos individuais e coletivos.

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Mister faz se mencionar que as sanções independem de manifestação judicial devido ao fato de ser característica do poder de polícia a autoexecutoriedade e a coercibilidade, as quais concedem a própria administração pública a aplicação daquelas. Além disso, a conduta pode ser tipificada tanto como crime quanto como transgressão administrativa ambiental.

Art. 3º As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções: advertência; multa simples; multa diária; apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora e demais produtos e subprodutos objetos, instrumentos, apetrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados; destruição ou inutilização do produto; suspensão de venda e fabricação do produto; embargo da obra ou atividade e suas respectivas áreas; demolição da obra; suspensão parcial de todas as atividades; restritiva de direitos. (DECRETO 6.514/08).

As pessoas que podem ser responsabilizadas pela prática delitiva administrativa encontram-se descritas no art. 2º da lei 9.605/98, a qual considera infrator:

Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro do conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.

Deste modo, é passível de compreensão que a pessoa jurídica de direito privado pode ser também responsabilizada administrativamente pelas práticas ilícitas ou abusivas realizadas contra a Amazônia Legal. Tal situação é amparada pela Constituição Federal que em seu art. 225 declara serem todos (poder público e a coletividade) os responsáveis pela preservação e defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

3.3 A Responsabilidade Penal

No âmbito penal a responsabilização pelos crimes contra o meio ambiente em sua maioria está previsto na Lei 9.605/98 denominada Lei de Crimes Ambientais, sendo importante por definir crimes e instituir

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procedimentos processuais com alcance na pessoa jurídica e física. A responsabilização nessa esfera penal da proteção do meio

ambiente é geradora de controvérsias no que tange a responsabilidade penal à pessoa jurídica, entretanto, não é difícil afirmar que o meio ambiente é mais posto em perigo por atividades coletivas sob o pretexto do lucro que por atuações individuais.

Existem três correntes doutrinárias sobre o tema segundo Romeu Thomé, a primeira defende que não há previsão constitucional para responsabilizar penalmente a pessoa jurídica, uma vez que, o art. 5º, XLV, da CF/88 obsta tal responsabilidade, já que a pena não pode passar da pessoa do infrator que é sempre uma pessoa física. A segunda corrente aduz que a pessoa jurídica não pode cometer crime por carecer de vontade e de ação (teoria da ficção), ou seja, são como fictas, sem capacidade, sendo assim, não atuam com dolo ou culpa.

A terceira corrente, a qual é defendida por este artigo, é que a pessoa jurídica pode cometer crimes. Esta fundamentada na teoria da realidade, a qual defende que as pessoas jurídicas são entes reais com capacidade e vontades próprias, não tendo que se falar em responsabilidade penal objetiva, e aparece como entes coletivos. Dessa forma, a culpabilidade apenas recai sobre o critério da reprovação social (culpa coletiva) da conduta da empresa, afastando o requisito da consciência da ilicitude.

Tal corrente tem previsão legal no art. 225, §3º da CF/88, que responsabiliza a pessoa jurídica penalmente pelos crimes cometidos através de suas atividades, a qual afasta a discussão referente à capacidade ou não do ente jurídico a praticar uma conduta. Importante ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça não admite denúncia apenas contra a pessoa jurídica, dissociada da pessoa jurídica, com base na teoria da dupla imputação. Sendo assim o que a define são pessoas ligadas por um único propósito e objetivos.

Segundo Caio Mario da Silva Pereira,

Não é preciso somente que alguns indivíduos se reúnam, para que tenha nascimento a personalidade jurídica do grupo. É preciso que além do fator externo da sua aglomeração, se estabeleça uma vinculação jurídica específica, que lhe imprima unidade orgânica.

As penas previstas para as pessoas jurídicas na lei ambiental conforme o art. 21, incisos I, II e III, são: multas, restrição de direitos e a

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prestação de serviço a comunidade. A pena máxima de multa, seguindo o critério do Código Penal, pode atingir R$ 764.400,00, podendo ser majorada.

As penas restritivas de direitos não são substitutivas da pena de prisão, uma vez que, não existe pena de prisão para pessoa jurídica. Encontram-se no art. 22 da mesma lei, e são elas a suspensão parcial ou total das atividades que será aplicada quando a pessoa jurídica não atender as disposições legais; a interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade quando estes estiverem funcionando sem aval ou em desconformidade deste; e a proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações, lembrando que tal proibição não pode exceder 10 (dez) anos.

A pena de prestação de serviços à comunidade consiste em arcar com programas e projetos ambientais, executar obras de recuperação a área degradada, ajudar a manter espaços públicos e contribuir a entidades ambientais ou culturais públicas.

Existe ainda a possibilidade de liquidação forçada que é a mais grave das sanções para a pessoa jurídica e esta prevista no art. 24. É aplicada a pessoa jurídica que tem como atividade principal a prática de crimes ambientais permitindo, facilitando ou ocultando tal ato criminoso. Gera a perda do seu patrimônio (instrumento do crime) para o Fundo Penitenciário Nacional e a extinção da pessoa jurídica.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Amazônia desde sua descoberta vem sofrendo com os danos ambientais causados pelo homem, o que não são poucos, segundo dados do IMAZON cerca de 86% dos crimes ambientais cometidos dentro da área legalmente protegidas da Amazônia Legal ficam impunes, e dados revelam que o agente criminoso tem 14% de chances de sofrer algum tipo de sanção ao fim de um processo.

Ao analisar esses dados não é difícil perceber que a grande maioria desses crimes são executados pela pessoa jurídica em uma busca desenfreada pelo lucro, deixando então um extenso campo de destruição a fauna e flora da Amazônia Legal.

Ao observar as leis que resguardam a tutela do meio ambiente, encontramos a Constituição Federal de 1988 que começou uma nova etapa na preservação do meio ambiente e a Lei de Crimes Ambientais que reforçou-a.

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Além do mais, a mesma norma jurídica prevê a responsabilização da pessoa jurídica de direito privado tanto no âmbito civil, administrativo e penal pelos atos infracionais praticados. É mister saber que tal responsabilização é de suma importância, pois criou uma tutela ambiental e tem como atuação prevenir danos causados ao meio ambiente. Apesar de lacunas da Lei de Crimes Ambientais no tocante as especificidades das penas e por utilizar-se da técnica legislativa chamada norma penal em branco colaborou para tal evolução.

Tal caráter repressivo das penas deve ir além das sanções, de maneira que, possa reeducar a pessoa jurídica a fim de não mais agrida o meio ambiente. Muitas empresas estão aderindo a sustentabilidade, elas veem percebendo que é possível ter uma consciência ambiental, utilizando os 4 erres: Repensar, Reduzir, Reutilizar e Reciclar.

Dessa maneira, conclui-se que cabe um replanejamento por parte das pessoas jurídicas de que é preciso preservar a Amazônia, pois se trata de um patrimônio de todos os brasileiros e que toda e tal pratica que possa ameaçar ou colocar em risco deve ser penalizada porque melhor é preservar.

REFERÊNCIAS

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LEITE, José Rubens Morato Leite; BELLO FILHO, Ney Barros. Direito ambiental contemporâneo. Barueri, SP: Manole, 2004.

MIRANDA, Evaristo Eduardo de. Quando o Amazonas corria para o pacífico: uma história desconhecida da Amazônia. 2. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

MINISTÉRIO PÚBLICO. Doutrina. Disponível em: http://www.mp.rs.gov.br/ambiente/doutrina/id379.htm. Acesso em: 09 de julho de 2013.PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro, Forense, v.1, p.199.

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THOME, Romeu. Manual de Direito Ambiental. 1ª ed. Salvador: Jus Podium, 2011.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2005.

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A POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS E A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO

Andressa Cristina Correia LimeiraGraduanda em Direito Pela Universidade Federal de Rondônia

Bruna Angélica BorgesPsicóloga do IFRO – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia – Campus Ariquemes. Mestranda em

Psicologia pela Universidade Federal de Rondônia. Graduanda em Direito Pela Universidade Federal de Rondônia. Psicóloga.

RESUMO: O presente trabalho apresenta a importância da nova lei de resíduos sólidos como efetivação ao princípio da prevenção com o objetivo de demonstrar a sua real necessidade no meio social, além de explicitar e analisar se a lei garante a viabilidade do princípio para com o meio ambiente. Assim, foi necessário o uso de instrumento bibliográfico. Após estudos realizados tem-se como resultados que a lei de resíduos sólidos veio a estabelecer e uniformizar o tratamento e a forma que esses resíduos são descartados, sendo também uma interferência no país como um todo de forma a auxiliar da melhor maneira a destinação a lugares adequados dos lixos. Perante os resultados chega-se a conclusão de que a lei foi uma atitude preventiva do Estado para com o meio ambiente, devido ao fato de ter estabelecido condições e imposições aos que estão vinculados, direta e indiretamente, a produção dos resíduos.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Ambiental; Princípio da Prevenção e Resíduos Sólidos.

INTRODUÇÃO

A Revolução Industrial impulsionou o fenômeno da urbanização e conseqüentemente alterou os padrões de produção e consumo da sociedade, o que por sua vez elevou a quantidade de lixo. Essa situação ainda foi agravada no nosso país devido à contínua degradação do meio ambiente, à má distribuição do parcelamento e ocupação do solo urbano e à falta de planejamento e investimento na gestão dos resíduos sólidos (TORRES, 2012).

Diante disso, após 21 anos, o Congresso Nacional aprovou a Lei nº 12.305, de 02 de agosto de 2010, instituindo a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que visa estimular a indústria da reciclagem, a adoção de padrões sustentáveis de produção e consumo de bens e serviços, e a adoção de práticas que reduzam o volume e a quantidade

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de resíduos, e que elevem o desenvolvimento de tecnologias limpas e a articulação entre o poder público e o setor empresarial. A Política Nacional de Resíduos Sólidos ainda prevê a reunião de ações adotadas pelo governo federal, isoladamente ou em regime de cooperação com os Estados, o Distrito Federal, os Municípios ou com os particulares a fim de estabelecer uma organização integrada e ambientalmente adequada aos resíduos sólidos.

Segundo Fiorillo (2011), as regras jurídicas que se aplicam aos resíduos sólidos continuam a ter gênese constitucional em face da tutela jurídica do meio ambiente artificial, pois embora a gestão dos resíduos sólidos e dos rejeitos passe a ter subsistema próprio, ela deve necessariamente ser interpretada em face do direito ao saneamento ambiental como garantia de bem-estar assegurado aos habitantes das cidades do Brasil, conforme o art.182, da Constituição Federal.

Devido a evidente natureza jurídica ambiental é aplicado à Política Nacional de Resíduos Sólidos todos os princípios constitucionais do direito ambiental brasileiro. Dentre esses princípios, destaca-se a importância da aplicabilidade do princípio da prevenção do dano ambiental, que visa antecipar medidas para evitar agressões ao meio ambiente. Esse princípio está previsto implicitamente no art. 225, caput, da Constituição Federal, que incumbe ao poder público e à coletividade o dever de proteger e preservar o meio ambiente às presentes e futuras gerações.

1 RESÍDUOS SÓLIDOS

O aumento da sociedade de consumo associado ao desordenado processo de urbanização proporciona maior acesso aos produtos e maior produção de lixo, que atinge de forma mediata e imediata os valores relacionados à saúde, habitação, lazer, segurança, direito ao trabalho e tantos outros componentes de uma vida saudável e com qualidade, agredindo ainda o próprio meio ambiente natural e o cultural.

De forma genérica, lixo e resíduo significam a mesma coisa: “resto” ou “sobra” não reaproveitada pelo próprio sistema, oriunda de uma desarmonia ecológica. Normalmente, a palavra “resíduo” é empregada como um termo técnico e com sentido mais amplo, como gênero do vocábulo lixo, como por exemplo: lixo hospitalar, lixo industrial, lixo nuclear, etc. Apesar de serem tratados como termos

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diferentes do ponto de vista econômico, já segundo este lixo é o resto sem valor, enquanto resíduo é meramente o resto, juridicamente os institutos não se diferenciam, sendo ambos poluentes (FIORILLO, 2011).

A Lei nº. 12.305/2010 define em seu art. 3º, inciso XVI o que se entende por resíduos sólidos:

[...] material, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividades humanas em sociedade, a cuja destinação final se procede, se propõe proceder ou se está obrigado a proceder, nos estados sólido ou semissólido, bem como gases contidos em recipientes e líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d’água, ou exijam para isso soluções técnica ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível.

O artigo ainda diferencia resíduos sólidos e rejeitos, em seu inciso XV, conforme abaixo:

[...] resíduos sólidos que, depois de esgotadas todas as possibilidades de tratamento e recuperação por processos tecnológicos disponíveis e economicamente viáveis, não apresentem outra possibilidade que não a disposição final ambientalmente adequada.

Assim, conforme conceitua Copola (2011), os resíduos são

tudo aquilo que é remanescente da cadeia produtiva, mas que ainda pode sofrer processo de tratamento e recuperação para reutilização; enquanto os rejeitos são os resíduos sólidos que já sofreram processo de tratamento e não apresentam outra alternativa a não ser a disposição final em aterros sanitários.

Segundo Sinnott (2012), houve no Brasil o aumento da geração de resíduos sólidos urbanos de 1,8% no período de 2010 para 2011, o que demonstra um índice percentual superior à taxa de crescimento populacional urbano, que foi de 0,9% na mesma época. Ainda segundo os dados fornecidos, a estimativa da quantidade de resíduos sólidos urbanos gerados por dia no Brasil registrou 1,223 kg por habitante, chegando a um total aproximado de 120.000 toneladas por dia, além de mais 30.000 a 40.000 toneladas de resíduos retirados dos logradouros e mais um valor incerto de resíduos industriais.

Em decorrência dos fundamentos constitucionais do direito

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ambiental e considerando as suas propriedades físicas, químicas e infectocontagiosas, os resíduos sólidos são classificados em classes conforme preceitua a NBR 10004:2004: 1) Resíduos classe I: Perigosos; 2) Resíduos classe II: Não perigosos; 3) Resíduos classe II A: Não inertes; 4) Resíduos classe II B: Inertes.

Conforme a origem dos resíduos e a substância que forma o seu conteúdo, eles são classificados em:

1) Resíduos Hospitalares: provenientes dos estabelecimentos de saúde, tais como sangue e hemoderivados, excreções, secreções, restos oriundos de áreas de isolamento, fetos e peças anatômicas, bem como objetos perfurantes ou cortantes capazes de causar punctura ou corte.

2) Resíduos Radioativos ou Nucleares: não somente aqueles oriundos das usinas nucleares, mas também os radioisótopos usados com finalidades medicinais e terapêuticas, como por exemplo, os equipamentos de radioterapia.

3) Resíduos Químicos: são as drogas quimioterápica e os produtos nelas contaminados, os materiais farmacêuticos (medicamentos vencidos, contaminados, interditados ou não utilizados), os produtos tóxicos, corosivos, inflamáveis e reativos.

4) Resíduos Comuns: são todos os orgânicos e não orgânicos não inseridos nos grupos anteriores.

Ainda sobre os resíduos sólidos, outra questão relevante é sobre o seu manejo, pois dados do IBGE (2011) mostram que 58,1% dos resíduos sólidos urbanos coletados foram dispostos em aterros sanitários, 24,2% em aterros controlados e 17,7% em vazadouros a céu aberto. A região Nordeste, com 89,3% registrou a maior proporção de destinação desses insumos aos vazadouros a céu aberto, enquanto a região Sul apresentou a menor proporção, de 15,8%.

2 POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS (LEI 12.305/10)

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei nº. 12.305, de 02.08.2010 e regulamentada pelo Decreto nº. 7.404/2010, de 23 de dezembro 2010, representa um marco para a problemática dos resíduos sólidos, já que traz novas alternativas para a destinação adequada dos insumos, considerando o bem-estar social e, ao mesmo tempo, a sustentabilidade sob os pontos de vista ambiental,

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social e econômico.Ela integra a Política Nacional do Meio Ambiente e articula-

se com a Política Nacional de Educação Ambiental, regulada pela Lei nº. 9.795, de 27 de abril de 1999, com a Política Federal de Saneamento Básico, regulada pela Lei nº 11.445, de 2007, e com a Lei nº 11.107, de 06 de abril de 2005 (BRASIL, 2010).

A Política Nacional de Resíduos Sólidos sugere um regime isolado ou de cooperação entre os entes federativos a fim de dar maior efetividade às ações, diretrizes e metas para o gerenciamento dos resíduos, conforme dispõe o art. 4º da lei:

Art. 4º A Política Nacional de Resíduos Sólidos reúne o conjunto de princípios, objetivos, instrumentos, diretrizes, metas e ações adotados pelo Governo Federal, isoladamente ou em regime de cooperação com Estados, Distrito Federal, Municípios ou particulares, com vistas à gestão integrada e ao gerenciamento ambientalmente adequado dos resíduos sólidos.

Estão submetidas aos termos desse dispositivo legal as pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, responsáveis, direta e indiretamente, pela produção de resíduos sólidos e as que atuem na gestão integrada ou no gerenciamento de resíduos sólidos.

Em relação aos objetivos da Política Nacional de Resíduos Sólidos, destacam-se: a) a proteção da saúde pública e da qualidade ambiental, uma vez que os riscos da disposição inadequada dos resíduos lhes afetam; b) a não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos, bem como disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, que tem como fim minimizar os possíveis danos ao meio ambiente; c) o estímulo à adoção de padrões sustentáveis de produção e consumo de bens e serviços, no sentido de orientar a produção e o consumo de bens e serviços de forma a atender as necessidades das atuais gerações e permitir melhores condições de vida sem a degradação ambiental às gerações futuras; d) a adoção, desenvolvimento e aprimoramento de tecnologias limpas como forma de minimizar impactos ambientais; e) a regularidade, a continuidade, a funcionalidade e a universalização da prestação dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, com adoção de uma gestão econômica que assegure a recuperação dos custos dos serviços prestados, como forma de garantir sua sustentabilidade operacional

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e financeira, observadas as diretrizes nacionais para o saneamento básico; f) a prioridade, nas aquisições e contratações governamentais, para produtos reciclados e recicláveis e, também, bens, serviços e obras que considerem critérios compatíveis com padrões de consumo social e ambientalmente sustentáveis; g) a integração dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações que envolvam a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos; h) o estímulo à rotulagem ambiental e ao consumo sustentável, a fim de oportunizar informações sobre a forma de destinação final, evitar a geração e reduzir a produção dos resíduos, os quais evidenciam a visão sistemática que permeiam as diretrizes aplicáveis aos resíduos sólidos.

Para atingir os seus objetivos e contribuir para o desenvolvimento econômico e social, a Política Nacional de Resíduos Sólidos estabeleceu como seus instrumentos: a coleta seletiva, os incentivos fiscais, os Fundos do Meio Ambiente e Desenvolvimento Científico e Tecnológico, o Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos, o Cadastro Nacional de Operadores de Resíduos Perigosos, os consórcios entre os entes federados, a educação ambiental e os planos de resíduos sólidos (TORRES E BAPTISTA, 2012).

O sistema de logística reversa é o “retorno dos produtos após o uso pelo consumidor, de forma independente do serviço público de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos”, sendo obrigatório aos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes dos produtos de agrotóxicos, bem como seus resíduos e embalagens, pilhas, baterias, pneus, olhos lubrificantes, assim como seus resíduos e embalagens, lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista e dos produtos eletrônicos e de seus componentes.

Assim, logística reversa caracteriza-se pelo deslocamento físico do resíduo reciclável ou reutilizável, partindo do ponto de consumo até o local de origem do produto, que retorna ao fabricante como matéria-prima a ser reaproveitada.

Defronte das necessidades, cabe referir sobre a responsabilidade compartilhada, como dispõe o art. 30, da Lei nº 12.305/10:

“Art. 30. É instituída a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, a ser implementada de forma individualizada e encadeada, abrangendo os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, os consumidores e os titulares dos serviços públicos

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de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, consoante as atribuições e procedimentos previstos nesta Seção.”

O princípio da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos é definido como o “conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos”, que são envolvidos por meio de um “acordo setorial” com o fim de “minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados, bem como para reduzir os impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos” (FIORILLO, 2011).

Visando o fortalecimento da responsabilidade compartilhada e seus objetivos, a Política Nacional de Resíduos Sólidos ainda assinala que os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes têm responsabilidade de investir no desenvolvimento, fabricação e colocar no mercado produtos que sejam aptos, após o uso, à reutilização, reciclagem ou outra forma de destinação ambientalmente adequada.

Deste modo, além de ampliar a obrigatoriedade da reciclagem a todos os seguimentos da sociedade, o dispositivo legal também dispôs mecanismos para o seu incentivo. Antes da promulgação da lei 12.305/10 a obrigatoriedade da reciclagem restringia-se apenas a alguns setores, como por exemplo, agrotóxicos, pneus, pilhas e baterias; no entanto essa atividade agora é obrigatória ao Poder Público, ao setor empresarial e à população.

Quanto aos planos de resíduos sólidos, eles dividem-se conforme a sua origem em públicos e privados. Os planos públicos serão elaborados pelos respectivos entes federados e constituem a espinha dorsal da gestão governamental de resíduos sólidos, abrangendo o diagnóstico da realidade, metas para reduzir o volume gerado, bem como ações e medidas a serem adotadas pelo Poder Público e pelo setor empresarial. Já os planos privados ou de gerenciamento de resíduos sólidos serão elaborados por geradores de resíduos industriais, da mineração, da construção civil e dos serviços de saúde e saneamento básico, além dos estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços que gerem resíduoos perigosos e os responsáveis por atividades agrossilvopastoris (TORRES E BAPTISTA, 2012).

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A lei ainda proíbe explicitamente o lançamento de resíduos sólidos ou rejeitos a céu aberto, a saber, os denominados “lixões”, assim como a fixação de habitações temporárias ou permanentes nas áreas de disposição final de resíduos ou de rejeitos, indicando também de forma explícita a vedação da importação de resíduos sólidos perigosos e rejeitos (FIORILLO, 2011).

3 O PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO

Muito se sabe que os bens ambientais são de uso comum do povo, todavia é necessário que toda a população esteja ciente de que os recursos ambientais são escassos, sobretudo em decorrência da grande fruição dos mesmos diante do crescimento das sociedades e de seu desenvolvimento.

Há algum tempo os seres humanos fazem pesquisas e diante delas constatam o quanto a sua interferência no meio ambiente vem afetando suas vidas. Assim, a partir destas pesquisas vários países passaram a procurar maneiras de preservar o meio ambiente de forma a prevenir sua degradação.

Conforme aponta Fiorillo (2011), é notório desde a Declaração do Meio Ambiente, na Conferência de Estocolmo, realizada em 1972, que o princípio da prevenção vem tomando espaço, sendo considerado “megaprincípio do direito ambiental”. Diante dos 26 princípios fundamentais da conferência é possível analisar o Princípio 18 de forma interpretativa do quão foi pretensa a prevenção:

“Princípio 18 – Como parte de contribuição que é lícito esperar da Ciência e da Tecnologia para o desenvolvimento econômico e social, devem elas ser utilizadas para descobrir, evitar e combater os riscos que ameaçam o meio, para a solução dos problemas ambientais e para o bem comum da Humanidade.”

Consoante os princípios já citados, estes influíram de forma significante a elaboração de nossa Constituição Federal de 1988 no que cerne ao meio ambiente, deixando expresso em seu texto de lei o princípio da prevenção.

Destarte, após o estudo até então, é necessário analisar a diante a confusão que se faz entre prevenção e precaução. O dicionário Aurélio chega a igualar um ao outro, porém Fiorillo (2011) conclui

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que o princípio da precaução estaria evidentemente colocado dentro do princípio constitucional da prevenção.

Segundo o autor, apesar de ambos os princípios visarem a cautela, eles possuem suas distinções, pois o princípio da precaução visa tratar de possíveis riscos ao meio ambiente, que são incapazes de se calcular, tratando-se de um perigo com relações e não com a realidade. Já o princípio da prevenção tem a mesma intenção do princípio anterior, com a distinção de que neste os possíveis danos já seriam estudados e calculados cientificamente.

Assim, resumiu Milaré (2007) na forma de que “enquanto a prevenção trata de riscos ou impactos já conhecidos pela ciência – perigo concreto -, a precaução se destina a gerir riscos ou impactos desconhecidos – perigo abstrato”.

É importante frisar que o princípio da prevenção abrange também a proteção, onde após estudos científicos comprovando o risco iminente o princípio da prevenção age com o intuito de proteger de forma acautelatória que maiores danos, em grande maioria irreversível, ou de dificultosa reparação venham se estabelecer.

Rodrigues (2005) nos leciona da seguinte forma a par do princípio supramencionado:

“Sua importância está diretamente relacionada ao fato de que, se ocorrido o dano ambiental, a sua reconstituição é praticamente impossível. O mesmo ecossistema jamais pode ser revivido. Uma espécie extinta é um dano irreparável. Uma floresta desmatada causa uma lesão irreversível, pela impossibilidade de reconstituição da fauna e da flora e de todos os componentes ambientais em profundo e incessante processo de equilíbrio, como antes se apresentavam”

Por conseguinte à fixação acima se faz necessário estar atento, pois o princípio da prevenção propende uma maneira de evitar que maiores danos venham a ocorrer, não significando em si a eliminação dos danos (ANTUNES, 2005). Destarte, os seguidos estudos tornam possíveis reconhecer a importância do princípio estudado como meio ao desenvolvimento sustentável.

4 A EFETIVIDADE DO PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO NA LEI 12. 305/10

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O direito ambiental como ramo do Direito é uma disciplina que em sua criação trouxe consigo vários princípios que atentam de forma peculiar em busca da harmonia com outros ramos. Dessa forma, muitos princípios do Direito em si se confundem afim de trazer uma relação maior entre eles.

Conforme preceitua Torres e Baptista (2012), os princípios jurídicos constituem uma das fontes normativas mais importantes do Direito, sendo muito utilizado pela doutrina e jurisprudência a máxima de que “violar um princípio é mais grave do que transgredir uma regra”.

Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello (2000), o princípio pode ser definido como:

“(...) mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico” (MELLO, 2000).

Ainda sobre os princípios, o autor supracitado leciona:

“Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer, pois implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. Ofendê-los é a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, já que abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura neles esforçadas” (MELLO, 2000).

O princípio da prevenção como parte dos elencados no Direito Ambiental é muito evidenciado por seu intuito de procurar garantir uma solução aos fatos que uma vez ocorridos podem vir a ser evitados. Dessa forma, ele foi impulsionador da então Lei que regulariza a Política Nacional dos Resíduos Sólidos.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos traz em seu corpo a competência nacional, estadual e municipal com a responsabilidade de estes viabilizarem a aplicação do princípio da prevenção por meio de políticas públicas que visam evitar a ocorrência de dano ambiental, que geralmente é caracterizado pela irreparabilidade e irreversibilidade.

A grande quantidade de resíduos sólidos em decorrência ao crescimento urbano e do desenvolvimento industrial fez com que

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surgisse a necessidade de se pensar no quão isto vem afetando o meio ambiente. Os impactos caudados por este tipo de lixo são aparentes, infringindo o dia-a-dia das pessoas fazendo com que palavras como reciclar, reutilizar e reduzir sejam cada vez mais publicadas.

Na fase de desenvolvimento em que o Brasil se encontra os resíduos sólidos conseguem tomar espaço e com isso cresceu a ânsia de se regulamentar a melhor maneira de adequar esses dejetos em locais apropriados de forma a proteger a população prevenindo que esses dejetos venham a prejudicar a saúde de todos.

A importância de se preocupar com as consequências que os rejeitos vem a causar na vida das pessoas está clara na lei ao impor a toda a comunidade, pública e privada, a adequação as normas e projeção de planos de gerenciamento, pois para que a lei realmente se concretize todos são instigados a colaborar, sendo com coletas residenciais ou no tratamento adequado e viável as localidades.

Em busca da efetivação, a lei vincula que alguns produtores desses resíduos sejam responsabilizados pela adequada destinação ambiental dos resíduos sólidos, como exemplo da obrigação de fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de recolher as embalagens e produtos pré-estabelecidos na lei.

Prosseguindo, a lei além de impor determinadas atitudes, menciona a respeito de proibições como:

“... o lançamento em quaisquer corpos hídricos ou in natura a céu aberto, além da queima a céu aberto sem a devida autorização do poder público. Nas áreas de disposição final de resíduos ou rejeitos, a lei proíbe a utilização dos rejeitos como alimentação, sua catação, a criação de animais domésticos e a fixação de habitações.” (TORRES E BAPTISTA, 2012)

Dessa forma o legislador impôs normas que viabilizam a aplicação do princípio da prevenção, pois já que as atitudes supramencionadas causam danos ao meio ambiente natural e cultural e à saúde das pessoas o dispositivo legal buscou evitar que tais agravos se perpetuem.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Lei nº. 12.305/2010, que regulamenta a Política Nacional

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de Resíduos Sólidos, demorou quase duas décadas para ser aprovada – ela é originária do PL nº 203/91- um lapso de tempo verdadeiramente extenso, que se antes regulamentada poderia sim ter desenvolvido e evitado muitos contratempos.

Muito aguardada pelos aplicadores do Direito e pelos ambientalistas, a Lei trouxe efetivamente mudanças que tendem impetrar a uniformização no tratamento dado aos resíduos sólidos no país e, promover a devida proteção ambiental, considerando tanto os aspectos econômicos quanto os sociais. E é por meio do princípio da preservação que a Política Nacional de Resíduos Sólidos tem a pretensão de afastar o risco ambiental, antecipando as medias para evitar agressões ao meio ambiente.

Portanto, diante do contexto sócio, jurídico e ambiental brasileiro, pode-se afirmar que a aplicação do princípio da prevenção configura um complexo sistema de conhecimento e vigilância do meio ambiente, que requer a constante atualização de informações que permite a implementação e modernização das políticas ambientais.

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

BRASIL. Lei 12.305 de 02 de agosto de 2010.

BRASIL. Decreto nº. 7.404, de 23 de dezembro de 2010.

COPOLA, Gina. A Política Nacional de Resíduos Sólidos: Os Aterros Sanitários de Rejeitos e os Municípios. UNIFMU, 2011.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

IBGE. Pesquisa Nacional do Saneamento Básico: Resíduos Sólidos. Rio de Janeiro: IBGE, 2011.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de.

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Curso de Direito Administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000.

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 5ª Ed. Revista dos Tribunais, 2007.

RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de Direito Ambiental: Parte Geral. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

SINNOTT, Alice. A Aplicabilidade da Lei nº. 12.305/10 Sob d Viés do Princípio da Responsabilidade Compartilhada. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2012.

TORRES, Marcos Abreu; BAPTISTA, Wanderley Coelho. Finalmente uma Lei para os Resíduos Sólidos. Rev Prática Jurídica: Ano XI, nº 125, ago 2012.

TORRES, Marcos Abreu. Princípios do Direito Ambiental: Parte I. Rev Prática Jurídica: Ano XII, nº132, mar 2013.

TORRES, Marcos Abreu. Princípios do Direito Ambiental: Parte II. Rev Prática Jurídica: Ano XII, nº132, abr 2013

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O FIM DA SERVIDÃO VOLUNTÁRIA: UM ESTUDO À LUZ DA OBRA DE ETIENNE DE LA BOÉTIE E OS

MOVIMENTOS DE JUNHO DE 2013.

Jaime Leônidas Miranda Alves

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Rondônia, Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça de Rondônia.

RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo analisar a série de movimentos de protesto que ocorreu no Brasil em junho de 2013 a partir da obra O Discurso da Servidão Voluntária de autoria de Etienne de la Boétie. A pesquisa, construída consoante método bibliográfico e analisada pelo critério eidético, busca compreender a real significação dos movimentos que varreram as ruas em meados de 2013. No ano em que a Constituição Federal completa 25 anos, o povo sai às ruas gritando a plenos pulmões ter despertado de uma inércia que remonta ao período de colonização do Brasil. Na revolta, clama-se por melhores condições de vida, pelo fim da corrupção impunível e, principalmente, pelo respeito aos ideais do Estado de Direito.

PALAVRAS-CHAVE: Crise da Democracia. Redemocratização. Revolta de Junho de 2013. Servidão Voluntária.

INTRODUÇÃO

Em junho de 2013, milhões de pessoas saíram às ruas como forma de protestar pelas ingerências que vem assolando o Estado Democrático de Direito. Com efeito, no ano em que a Constituição Federal de 1988 completou 25 anos da data de sua promulgação, surge à lume a reflexão acerca da atividade estatal como forma de garantir postulados de proteção aos hipossuficientes.

Fala-se na eficácia dos direitos individuais, coletivos e sociais pela implementação de políticas públicas e fala-se acerca de ética na política. Todavia, tais paradigmas se encontram no plano da abstração, fazendo-se necessário o movimento das massas como meio de impulsionar o sistema – e o Direito – obrigando ao Estado uma tomada de políticas afirmativas.

Nesse contexto, analisa-se a série de protestos sob o prisma do Discurso da Servidão Voluntária, obra de autoria do filósofo político Etienne de la Boétie que, embora datada de meados do séc. XVI, exemplifica com maestria as relações político sociais dos administrados

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para com o Estado em busca do poder.Na obra, la Boétie descreve fenômenos como a psicologia de

massas e incentiva a desobediência civil e, ao passo em que dialoga com filósofos de renome tais como Hume e Habermas, fala diretamente ao retrato social que se desenhou a partir dos movimentos de revolta de junho de 2013.

Sob o jaez do Discurso da Servidão Voluntária, pode-se enxergar as revoltas ocorridas como uma resposta a um sistema democrático representativo majoritário que se mostrou falho, malsucedido em trazer à tona os princípios presentes na Constituição Federal de 1988 e, por isso, baluartes da República Federativa do Brasil.

Passa-se, por conseguinte, a questionar o papel da força das massas e do Direito na construção de novas formas democráticas capazes de garantir os ideais do Estado Democrático de Direito.

Tal análise se faz importante no sentido em que responde a questionamentos e busca apontar diretrizes para a consolidação do direito democrático neoconstitucional.

Para tanto, foi realizada pesquisa de ordem bibliográfica e utilização do método eidético de interpretação, norteando-se pelo Discurso da Servidão Voluntária e por obras correlatas, que explicam a Democracia e o Estado e apontam o papel do Direito no afã da construção e reconstrução do Estado Democrático, com ênfase nos protestos de junho de 2013.

1 A MANUTENÇÃO DO PODER E A SERVIDÃO VOLUNTÁ-RIA

Em 1571, oito anos após a morte de Etienne de la Boétie, foi publicada a primeira edição do Discurso da Servidão Voluntária. A obra, reflexo das conjeturas políticas da época, versava sobre domínio, poder e coação. Repelia a demagogia. Preferia a monarquia em favor da república. La Boétie, malgrado tenha denominado sua obra de “discurso da servidão voluntária”, falava, antes de qualquer coisa, de liberdade.

O Discurso da Servidão Voluntária foi escrito na juventude de Etienne de la Boétie, quando o filósofo não tinha mais de vinte anos. O então acadêmico do curso de Direito pela Universidade de Orléans questionava de que maneira o governante – em suas palavras, “tirano” – conseguia o poder para governar; questionava até que ponto seu

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governo era legítimo; e pregava a desobediência civil como remédio à servidão voluntária.

Na obra em análise, foi-se desenhada uma psicologia de massas, na qual a servidão coletiva é vista como um vício, uma praga. Nesse jaez, dispõe La Boetié que “vistas bem as coisas, não há infelicidade maior do que estar sujeito a um chefe; nunca se pode confiar na bondade dele e só dele depende o ser mau quando assim lhe aprouver”. A ideia da ilegitimidade da servidão é reforçada ainda quando menciona que “ter vários amos é ter outros tantos motivos para se ser extremamente desgraçado.”

O filósofo questiona o motivo pelo qual a população continuava a servir o governante, visto que analisado sozinho este não possuía condições de se manter no poder. Ora, já em Etienne, e depois em Hume, se percebe que a liberdade de se autodeterminar é atribuída aos povos e não a uma única pessoa.

Nesse diapasão, caberia ao governante, uma vez constituído, tornar seu poder legítimo, assegurando aos seus administrados condições mínimas para uma coexistência digna. Caso não o fizesse, surgiria para o povo a prerrogativa de se libertar dos impeditivos da servidão voluntária e recuperar para si o poder de mando.

Na tese defendida por Etienné de la Boétie, de caráter abstrata e universal, cumpre destacar, encontram-se caminhos de paralelismo com a construção filosófica de outro pensador da época: Nicolau Maquiavel. Contudo, conforme pontua Brehier: conquanto Maquiavel buscava maneiras com as quais o príncipe permaneceria no poder, la Boétie se concentrava em desmistificar a servidão voluntária e instruir a população a derrubar a figura do príncipe.

Com efeito, preleciona La Boétie, desenvolvendo uma pirâmide de estamentos sociais, demonstrativo dos motivos pelos quais se dava a permanência do governante no poder:

Sempre houve cinco ou seis que tiveram acesso ao ouvido do tirano, e se aproximaram dele mesmo, ou foram por ele chamados, para serem cúmplices de suas crueldades, companheiros de seus prazeres, alcoviteiros de suas luxúrias e parceiros nos bens que pilhava. Esses seis comunicam-se tão bem com o chefe, que é preciso, para a sociedade, que ele seja mau, não apenas pelas suas maldades, mas ainda pelas deles. Esses seis têm seiscentos que se aproveitam deles e fazem desses seiscentos o que os seis fazem com o tirano. Esses

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seiscentos dominam seis mil, a quem promoveram e aos quais dão ou o governo das províncias ou o manuseio do dinheiro e que eles mantém à mão pela avareza e crueldade e a quem executam quando chega o tempo; fazem-lhes tanto mal que não possam durar senão sob a sombra deles, nem eximir-se das leis e das penas a não ser por seu intermédio. Grande é a sequencia que se segue e quem quiser divertir-se descobrindo essa traição, verá que, não os seis mil, mas os cem mil, os milhões, por esse caminho, apoiando-se nele, chegam ao tirano.

Ora, na ótica proposta por La Boétie, os seis que servem

diretamente ao príncipe o fazem a espera de algum dia o suceder em seu domínio. O mesmo ocorre com os seiscentos, que servem aos seis na pretensão de, eventualmente, os substituí-los, ascendendo socialmente

Nesse sentido, a servidão é compreendida como algo natural ao homem. Assevera Chauí que “a tirania não é ato de força ou violência de um homem ou de um bando de homens, mas nasce do desejo de servir e é o povo que gera seu próprio infortúnio, cúmplice dos tiranos”.

A vontade do povo de usar e gozar do poder movimenta a máquina estatal, impedindo uma reengenharia institucional do poder. Todavia, em seletos momentos da história, prevê La Boétie, que o povo se rebelará e conseguirá romper com os paradigmas da servidão voluntária, protestando a fim de conquistar melhorias e redesenhar os contornos da vida social. O príncipe cairá no momento em que o povo acordar.

2 NÃO FOI SÓ PELOS VINTE CENTAVOS: A BUSCA PELA REDEMOCRATIZAÇÃO.

O primeiro protesto teve início aos seis de junho, uma quinta-feira. O marco inicial do movimento foi uma faixa preta de dez metros de altura e vinte de comprimento, pendurada ao lado da prefeitura de São Paulo. A cena pegou a cidade de surpresa, mas conforme disserta Locatelli, o protesto “já estava na cabeça dos militantes do Movimento Passe Livre (MPL) havia meses. Eles tinham tirado fotos do local, estudado os trajetos no Google Earth e virado noites planejando os detalhes”.

O motivo do manifesto era claro: “O MPL chamou o protesto diante da perspectiva da tarifa de ônibus, trem e metrô subir em 1º de junho de 2013, de R$ 3,00 para R$ 3,20.” O aumento da tarifa de

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transporte público já havia sido defendida em campanha pelo petista Fernando Haddad, prefeito empossado em janeiro de 2013. O reajuste, que ocorreria em janeiro de 2013, foi adiado para junho, como concessão ao governo Federal, visto o peso que tem o transporte público da cidade de São Paulo no controle inflacionário.

A revolta, ab initio, parece se concentrar apenas no prospecto do transporte. Nesse sentido, já perfaz a discussão que a questão do transporte público parece ter sido olvidada pelo Estado de Direito. Com efeito, a Constituição Federal de 1988 trouxe em seu texto um capítulo dedicado aos direitos sociais (capítulo II do título II). Previstos nos arts 6º a 11, configuram-se como pressupostos do gozo dos direitos individuais, uma vez que propiciam condições fáticas de se alcançar a igualdade material. Silva conceitua direitos sociais como parcelas positivas proporcionadas pelo Estado de maneira direta ou indiretamente, “enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais”. Destaca-se para o fato de, malgrado sua indiscutível fundamentalidade, o transporte público não ter sido configurado como direito social.

Contudo, consoante apontamento de Nobre1, elencando outros momentos da história recente de revoltas no Brasil, a essencialidade dos protestos de junho de 2013 escapa ao descontentamento com o aumento das tarifas de transporte público. Dispõe:

As revoltas de junho de 2013 têm muito em comum com as duas outras grandes manifestações de massa de redemocratização, as Diretas JÁ e o movimento pelo Impeachmant de Collor. Assim como em 1984 não se tratava apenas de conquistar o direito de votar diretamente para presidente, assim como em 1992 não se tratava apenas de afastar Collor, também as revoltas de 2013 carregam aspirações que vão além da revogação do aumento das tarifas de transporte, ou do questionamento do uso do dinheiro público para realizar megaeventos esportivos, como a Copa do Mundo.

Por conseguinte, o movimento de 1984 foi uma resposta direta à derrota sofrida pela emenda no Congresso Nacional. Buscava-se uma democracia que atendesse as expectativas da população;

1 NOBRE, Marcos. Choque de Democracia: razões da revolta. Companhia das Letras: São Paulo, 2013, p.2.

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que proporcionasse mudança a todos os níveis, “queria muito mais democracia, muito menos desigualdades”.

Também a ocorrência do Impeachmant, em 1992, estava relacionada a outros fatores senão a insatisfação popular crescente em torno do governo do PRN. Nesse cotejo, explana Lamoulier que a falta de apoio do eleitorado se dava por motivos alheios ao controle da presidência, tais como a superinflação crônica e a debilidade da estrutura partidária, parlamentar e federativa. Incidiu, ainda, a precariedade da autonomia do Estado em comandar a sociedade civil e o mercado. O “setor público teria sido a causa mais abrangente do declínio da capacidade macrossocial de decidir”, o que, efetivamente, levara o povo às ruas.

Diferente dos movimentos retro, os protestos de junho de 2013 não possuem uma narrativa unificada. Movimentos horizontais, vedam qualquer hierarquia verticalizada e, por isso, não se trata de um movimento, apenas; mas de vários. Nesse afã, “a ideia mesma de que seja possível um ‘relato dos fatos’ é questionável. As interpretações divergem também sobre o sentido do que aconteceu. [...] Dependendo de qual onda se pega, a passeata pode ter sentidos opostos, inconciliáveis”.

As revoltas de junho de 2013 não tem lideranças, cada indivíduo é seu próprio líder e grita suas insatisfações particularizadas. A revolta é contra o nada e também contra o tudo. Não são dirigidos protestos contra partido ou contra figura política, mas contra o sistema.

Em 1984, forças de oposição aos regimes políticos e sindicais lideraram os protestos; em 1992, a União Nacional dos Estudantes, com o apoio de diversos setores da sociedade, tomou a frente das manifestações. Ambas as revoltas duraram meses, o que as contrapõe mais ainda ao ocorrido em junho de 2013. Sobre esse fato em particular “impressiona que tenham rapidamente obrigado a presidente Dilma Rousseff a fazer um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV. Impressiona que tenham obrigado a presidente a organizar às pressas um encontra com os 27 governadores e 26 prefeitos...”

A insatisfação em bloco com a forma de democracia e de representação majoritária da coisa pública vem caminhando silenciosamente há mais de duas décadas e finalmente tomou às ruas. O choque da democracia ocorreu de tal maneira que deixou o sistema político brasileiro atônito, sem entender com quem deveriam negociar e o que deveria ser negociado.

Discute-se, nesse contexto, a (des)construção da democracia:

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Com a mudança do regime de exceção para a democracia, não houve revisão ou reforma das instituições ligadas à seguridade nacional e pública, as quais mantiveram uma ideologia agressiva às violências praticadas por seus agentes. Tal situação evidencia o modelo que os setores patrimonialistas e da elite brasileira, com a anuência da classe média e o silêncio amedrontado de um aparcela da esquerda que perdeu seus compromissos de classe, escolheram para uma democracia limitada, muitas vezes de fachada, com um verniz reluzente, outras vezes com características autoritárias.

Imperioso destacar que não se trata de uma ditadura em meio ao Estado Democrático de Direito. As liberdades individuais são reprimidas de tal forma que é certo que a política contemporânea se apoia no discurso social dos direitos humanos como forma a legitimar a ação violenta do Estado para reprimir a própria luta por estes direitos. Desta feita, “o militante e o ministro, o sem teto e a Polícia Miliar e o destruído e a grande mídia fazem uso da ideia da defesa de direitos sem, como vivos, necessariamente agir em favor do interesse público”.

As energias sociais se convergiram em junho de 2013 contra a normatização do pemedebismo, passando a enfrentar o sistema como um todo. Buscava-se melhorias em vários aspectos falhos que há muito vem assolando a sociedade, tais como a eficácia dos direitos individuais, coletivos e sociais que, 25 anos após a promulgação da Constituição Federal, ainda não se concretizou e o o fim da abstração da ética na política. Preocupa-se por qual sentido a insatisfação em bloco – ou desobediência civil – se canalizará, visto que o solapar de um social-desenvolvimento depende de uma política que se equilibre entre os sentidos regressivo e progressista. Questiona-se qual o papel do direito no sentido de construir novas formas democráticas de representação majoritária que satisfaçam os anseios sociais.

3 O GIGANTE ACORDOU: FIM DA SERVIDÃO VOLUNTÁRIA E A BUSCA PELA CONSTRUÇÃO DE NOVAS FORMAS DEMOCRÁTICAS DE REPRESENTAÇÃO.

Os protestos que, iniciados na cidade de São Paulo, percorreram todo o território brasileiro, deixam uma coisa clara: o descontentamento da população com o modo como Estado está gerindo a coisa pública. Percebe-se que “as mobilizações pelo país, com toda

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a sua complexidade, não deixam dúvida quanto a um ponto comum: a população quer mais serviços e de qualidade.”

O povo clama pela atuação efetiva de um Estado Social, que promova uma reengenharia de seu aparelho como formas a construir uma ordem jurídica apta a resolver a questão social.

O movimento de junho de 2013 trouxe como consequência algo muito maior que a redução das tarifas de ônibus, pois sua essência era algo que ultrapassava a insatisfação popular com a questão do transporte público. Imperioso notar a mudança no reconhecimento da natureza de determinadas manifestações. Com efeito, do ocorrido em junho, passou-se à irreversível concepção de mobilizações de rua como manifestações políticas legítimas em termos de relevância e representatividade social, de forma a apontar a necessidade de mudanças da ordem jurídica para que esta se coadune com o que é pedido pelo povo.

Observa-se que, como consequência dos avanços conquistados pelos movimentos de Junho de 2013, caberá ao Estado reconhecer a legitimidade das manifestações de rua, não mais utilizando sua estrutura repressiva, leia-se força policial com fins a impedir o povo de se expressar. Também o Direito deverá se adequar a essa nova conjetura social, não fazendo uso de seus institutos, como as ações possessórias e os dissídios de greve, por exemplo, para reduzir o poder de barganha do povo.

Os conflitos sociais, que vieram como uma respostas a um conjunto brutal de ilegalidades por parte do poder público, devem ser entendidos como um agir político, consequência primeira da cidadania (art. 1º, II) que tem como objetivo justamente concretizar objetivos fundamentais preconizadas na Constituição Federal de 1988, quais sejam, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e a marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais, entre outros. Por conseguinte, ao passo que o Direito não concretizar o mínimo necessário para o desenvolvimento digno da sociedade, a sociedade luta para cambiar o processo de engenharia política, na tentativa de encontrar novas formas de democracia representativa e, assim, dar eficácia ao próprio direito dito e posto.

Nesse diapasão, explana Durão, em resposta a Habermas:

Como as normas jurídicas possuem a forma jurídica, quer

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dizer, admitem a dupla autonomia privada e pública dos cidadãos, o princípio do discurso deve ser combinado com a forma jurídica a fim de gerar o princípio da democracia, na medida em que surge da fusão entre o princípio do discurso com a forma jurídica, possibilitaria um tipo de discurso legislativo no qual os cidadãos podem escolher agir segundo sua liberdade subjetiva ou a partir da liberdade comunicativa para a dedução do conjunto de direitos fundamentais constituintes do sistema de direitos.

Assim, consoante entendimento retro, a democracia se dará apenas na hipótese em que o discurso jurídico travar um campo de diálogo com a liberdade subjetiva do indivíduo. Tal entendimento acaba por legitimar manifestos como os que ocorreram em junho de 2013, uma vez que sobrevêm a ideia de capitalismo puro e de movimentos sociais como luta de parcelas consideráveis da sociedade por melhores condições de vida.

Imperioso destacar que a tutela estatal sob a vida dos administrados “deve contemplar os direitos fundamentais que os cidadãos são obrigados a se atribuir mutuamente, caso queiram regular sua convivência com os meios legítimos de direito positivo.” Habermas aponta aí um conceito desmistificador da legitimidade de governo democrático. Ora, depreende-se do exposto que o Estado que não conseguir dar eficácia aos direitos fundamentais dos indivíduos – vistos pelo prisma de imperativos de tutela e proibições de proteção insuficiente – não é legítimo. Nesse Estado, segundo Habermas, não há, de fato, democracia, razão que justifica uma reengenharia estatal. Não há, também, Direito, visto que não enxerga o filósofo existência dissociada desta com a Moral e com o efetivo cumprimento da vontade popular.

Segundo Sarlet, os direitos fundamentais se configuram como “deveres de proteção (imperativos de tutela, [...] implicam – em primeira linha – deveres de atuação positiva do Estado, notadamente, obrigando-o a intervir.” Quando o Estado não cumpre seu mister, surge para os administrados a prerrogativa de se rebelar, visto que a dimensão objetiva dos direitos fundamentais implica na proibição de proteção insuficiente por parte do poder público.

No mesmo sentido, Maior: “Ocorre que, adotando-se os pressupostos jurídicos atuais, os movimentos sociais, quando se mobilizam em atos políticos para lutar por direitos, não estão contrários

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à lei.” Ainda, faz-se mister o comentário de que, mesmo o Direito, na hipótese de má interpretação e aplicação de determinadas leis, funciona como mecanismo a serviço da criação e da manutenção da desigualdade.

Como se pode observar, todo o processo de manifestação no sentido de busca por uma redemocratização – ou, por que não, extinção da mediocracia? – se conecta intimamente com o Discurso da Servidão Voluntária. Com efeito, La Boétie se mostrou exitoso a, num primeiro momento, demonstrar o jogo de interesses em sua pirâmide de estamentos que alienava e impedia a população de se rebelar contra o tirano. Em tempo, é perfeitamente possível traçar um campo de paralelismo em sua obra com a politica de panis et circensis, propagada na Roma Antiga com o fim de distrair a população dos reais problemas que afetavam a sociedade. Obtempera2:

É espantoso como eles se deixam levar pelas cócegas. Os teatros, os jogos, as farsas, os espetáculos, as feras exóticas, as medalhas, os quadros e outras bugigangas eram para os povos antigos engodos da servidão, preço da liberdade, instrumentos da tirania. Deste meio, desta prática, destes engodos se serviam os tiranos para manterem os antigos súditos sob o jugo. Os povos, assim ludibriados, achavam bonitos estes passatempos, divertiam-se com o vão prazer que lhes passava diante dos olhos e habituavam-se a servir com simplicidade igual, se bem que mais nociva, à das crianças que aprendem a ler atraídas pelas figuras coloridas dos livros iluminados.

Do exposto, fica impossível dissociar o panis et circensis e a servidão voluntária, de outrora, uma da outra, e ambas dos acontecimentos que marcaram o Brasil em junho de 2013.

Megaeventos, meganegócios, megaprotestos. Posto desta forma, fica clara a conexão existente entre os eventos urbanos associados à Copa do Mundo de 2014 e aos Jogos Olímpicos de 2016 com a série de protestos. Nesse jaez, a satisfação nacional tomou proporções tão grandes que desmistificou a política de pão e circo, que acabou tendo efeito contrário ao proposto. Aquilo construído talvez para mascarar o descontentamento popular, serviu para acentuá-lo de forma a levar o povo às ruas.

O que teve início como um protesto isolado aos seis de

2 LA BOÉTIE, Etienne de. Discurso da servidão voluntária. op. cit. p. 27.

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junho, movimentou o país inteiro e teve seu ápice quando, na Copa das Confederações, milhares de brasileiros vaiaram a presidente Dilma Rouseff em pleno Estádio Nacional de Brasília. A insatisfação em bloco não se deu contra a figura da presidente, mas sim com o sistema democrático representativo, que se mostrara falho e corruptível.

O Estado Brasileiro, de cunho social, clientelista e agigantado, é falho, uma vez que não dá resposta aos anseios sociais3.Tal fato também é previsto por Etienne de la Boétie, que, no bojo de sua obra mais célebre prevê

Ora o mais espantoso é sabermos que nem sequer é preciso combater esse tirano, não é preciso defendermos-nos dele. Ele será destruído no dia em que o país se recuse a servi-lo. Não é necessário tirar-lhe nada, basta que ninguém lhe dê coisa alguma. Não é preciso que o país faça coisa alguma em favor de si próprio, basta que não faça nada contra si próprio.

Assim ocorreu, conforme preconizava La Boétie: o povo por fim optou pela liberdade em detrimento da segurança, e para tanto foi às ruas. A desobediência civil venceu a servidão voluntária de modo que às manifestações populares foi reconhecida legitimidade política.

Os movimentos de junho de 2013 modificaram o sistema político democrático e deram voz a um processo de busca por novas formas de democracia representativa. Nesse interim, o Direito se modificou de sorte a atender à nova psicologia das massas e, como previsto já em meados de sec. XVI, o príncipe teve que ceder para não cair.

3 Preceitua Laski: A contextura das vidas humanas se insere solidamente no quadro das suas instituições; porque não existe esfera alguma de atividade, ao menos em teoria, que não dependa de sua autoridade. O estado moderno é uma sociedade de base territorial, dividida em governantes e governados, e que pretende, nos limites do território que lhe é reconhecido, a supremacia sobre todas as demais instituições. De fato, é o supremo e legal depositário da vontade social e fixa a situação de todas as organizações. Põe sob seu domínio todas as formas de atividade, cujo controle ele julgue conveniente. Na lógica dessa supremacia se subentende que tudo quanto restar fora de seu controle é feito com sua permissão. O Estado não permite ao homem desposar a irmã; é graças à permissão do Estado que ele pode desposar a prima. O Estado é a chave da abóbada social; modela a forma e a substância de miríades de vidas humanas, de cujo destino ele se encarrega. In: LASKI, Harold J. Grammaire de la politique. Paris: Delagrave, 1933, p. 9.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A história recente brasileira é marcada por três grandes manifestações populares. A primeira, em 1984, ficou conhecida como movimento Diretas Já, na qual, num contexto pré-Constituição de 1988, o povo buscava a integralidade de sua cidadania, manifestada por meio do voto direto. O segundo momento de destaque é a revolta que acabou por fim ao mandato do primeiro presente eleito diretamente pós-ditadura: trata-se do Impeachment do Presidente Collor. O último momento, objeto deste labor, se refere à série de manifestações de junho de 2013.

O que se iniciou, aparentemente, em resposta ao aumento de vinte centavos na tarifa do transporte público na cidade de São Paulo, tomou proporções leviatânicas. São Paulo parou. O Brasil parou e o mundo inteiro assistiu. Não mais se discutia os vinte centavos, mas sim, a insatisfação em torno de uma série de ingerências por parte do poder público que ao longo do tempo fragmentava as estruturas do Estado de Direito.

Como se observa do Discurso da Servidão Voluntária, de Etienne de la Boétie, a população se encontrava alienada à uma psicologia de massas que a impedia de protestar contra a má gestão da coisa pública. Assim, durante longo período, o Estado não cumpriu com seu papel de Estado Social, havendo uma completa abstração da proibição de proteção insuficiente, que se configura como baluarte de um Estado de Direito.

Nesse cotejo, a insatisfação popular foi tão grande que rompeu com o condão da servidão voluntária e deu forma a uma desobediência civil com legitimidade política para ditar uma nova configuração do Direito e da realidade social.

Vem à lume a construção de um novo paradigma social que incide sobre o Direito para que este se modifique com vistas a satisfazer a vontade popular. Com efeito, os movimentos de junho de 2013 aceleram o processo de reengenharia da forma jurídica e da sociedade como um todo na busca de formas de democracia representativa majoritária aptas a satisfazer as querelas sociais.

Em 2013, se repudiou o conceito de democracia majoritária, tendente ao totalitarismo. Não se pode mais aceitar democracia fundada na ideia da vitória de um melhor argumento, que afasta e oculta os argumentos diversos, uma vez que foram os argumentos vencidos,

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constantemente ocultos, que ganharam às ruas nos protestos.

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