Debate e democracia: remando contra a maré

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Esta coletânea que reúne artigos de Marcus Pestana, publicados na imprensa entre 2008 e maio de 2011, revela a aproximação do pensamento e da vida política contemporânea. São textos que falam do papel da oposição, dos partidos e dos atores políticos.

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Debate e Democracia: remando contra a maré

Marcus Pestana

Belo Horizonte, maio de 2011

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RealizaçãoAssessoria de Comunicação

Deputado Federal Marcus Pestana

ProduçãoLudmila Rodrigues

Projeto gráfico e diagramaçãoFrederico Alberti

“Todos os direitos reservados pelo autor. A reprodução de qualquer parte desta publicação só poderá ser feita mediante autorização prévia do autor.”

2011

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ÍNDICE

Apresentação 05

O Congresso, as medidas provisórias e a democraciaO Tempo / 16 de maio de 2011 07

Liberdade e tolerância: as ideias vitoriosasO Tempo / 9 de maio de 2011 09

Uma reforma por cabeçaO Globo / 29 de abril de 2011 11

O que faz um deputado federal?O Tempo / 25 de abril de 2011 13

O líder, seu tempo e seu estilo: o discurso de AécioO Tempo / 18 de abril de 2011 15

Os governadores, o PSDB e o futuro do paísO Tempo / 11 de abril de 2011 17

Inflação, responsabilidade fiscal e governoO Tempo / 28 de março de 2011 19

O papel da oposição na política brasileira O Tempo / 21 de março de 2011 21

O exercício da política e a verdade dos fatos O Tempo / 14 de março de 2011 23

Os cinco desafios do SUS Correio Braziliense / 18 de fevereiro de 2011 25

Saúde, EC 29 e CPMF Correio Braziliense / 3 de dezembro de 2010 27

É hora de repensar o PSDB O Globo / 27 de novembro de 2010 29

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Comparações e coerênciaO Tempo / 4 de fevereiro de 2010 37

O PSDB e 2010O Tempo / 13 de novembro de 2009 39

A reforma abortadaO Tempo / 24 de agosto de 2009 41

Eleição aceleradaO Tempo / 13 de agosto de 2009 43

Devagar com a UPAO Globo / 11 de novembro de 2008 45

O Brasil pós-Lula (I)O Tempo / 15 de março de 2008 47

O Brasil pós-Lula (II) O Tempo / 16 de março de 2008 51

Imagem e credibilidade do Congresso: metas e avaliação Discurso proferido na Câmara dos deputados / 24 de fevereiro de 2011 55

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“É preciso pôr carne teórica no esqueleto da prática política – não apenas para endossar o que estão fazendo,

mas para fornecer aos políticos maior senso de direção e propósito.”

Anthony Giddens

A prática política sem uma boa teoria é cega. A teoria sem práti-ca é estéril. Organizar ideias e sistematizar a reflexão crítica é fundamen-tal para aqueles que lidam com o mundo da política. É essencial para bus-car consensos e alcançar acordos, sem sacrifício de identidades, mirando a melhoria da qualidade de vida de todos e o desenvolvimento da so-ciedade. Criar alternativas de diálogo, por meio de discursos consisten-tes e coerentes, pode aproximar pensamento e ação política, contribuin-do cada vez mais para o aprimoramento das instituições e da democracia. Como homem público comprometido com a prática da democra-cia, Marcus Pestana preocupa-se em atualizar suas ideias, ampliar debates e discussões sem abrir mão de convicções e princípios. Por ter exercido a atividade política e de gestão em diferentes esferas e setores governamen-tais, sua trajetória lhe confere bases sólidas para avaliar, analisar e propor com criatividade questões que contribuem para enriquecer a vida nacional. Esta coletânea que reúne artigos de Marcus Pestana, publicados na imprensa entre 2008 e maio de 2011, revela a aproximação do pensamento e da vida política contemporânea. São textos que falam do papel da oposi-ção, dos partidos e dos atores políticos. Abordam temas prioritários como a reforma política, a saúde pública e, sobretudo, a luta pela radicalização de nossa democracia. Espaço especial ocupa também a análise do cenário eco-nômico do país e a crítica aos equívocos na condução da política econômica.

* Cientista político e doutor pelo IUPERJ, professor titular do Departamento de Ci-

ências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora.

Apresentação

Rubem Barboza*

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O Congresso, as medidas provisórias e a democracia

O Tempo / 16 de maio de 2011

No último dia 4, os senadores da oposição se retiraram do plenário em protesto contra a subserviência da base do governo e os abusos do Exe-cutivo na edição de medidas provisórias que atropelam a Constituição e agridem a autonomia do parlamento brasileiro. No artigo 62, a Constituição diz: “Em caso de relevância e urgência, o presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional”. Em seus pa-rágrafos, o artigo faz vedações de conteúdo, fixa prazos para a conversão em lei (máximo de 120 dias), orienta sobre reedições, normatiza o rito congres-sual e a vigência. O aprimoramento do texto constitucional (EC 32, de 2001) ocorreu durante a presidência de Aécio Neves na Câmara dos Deputados. Decorrida uma década, os resultados esperados não foram alcança-dos. Continua o emprego indiscriminado das MPs sem a observância dos pressupostos de relevância e urgência. O rito de tramitação não tem sido observado. Muitas MPs tratam de assuntos completamente diferentes, ga-nhando, nos bastidores do Congresso, os apelidos de “jabutis” (que não sobem árvores) e Frankensteins (tais os remendos mal feitos). Foi esse o motivo da firme atitude dos senadores de oposição, tendo à frente Aécio Neves, Itamar Franco e Demóstenes Torres. Na votação da MP 513/2010, que se destinava à concessão de juros subsidiados a empresas e produtores rurais atingidos por desastres naturais, outros temas como mu-danças no Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS), recursos para o Fundo Soberano, lançamento de letras do Tesouro e doação do Bra-sil ao Haiti foram incluídos. Isso revoltou os senadores, que abandonaram o plenário em protesto, por considerarem um desrespeito ao Congresso, à Constituição e à democracia. A indignação com a situação foi levada ao Su-premo e à OAB.

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Nesse exato momento, a Câmara dos Deputados discutia um caso ainda mais absurdo. A MP 521/2010, que trata das atividades do médico-re-sidente e de gratificação para servidores da Advocacia Geral da União (AGU), passou a hospedar, através do Projeto de Lei de Conversão da relatora, mu-danças radicais na Lei das Licitações (Lei nº 8.666), visando facilitar a contra-tação de obras e serviços. Mais uma vez, as oposições obstruíram a votação em defesa do interesse público. Era visível o constrangimento da relatora Jandira Feghali, uma de nossas melhores deputadas, na leitura de seu relató-rio que atendia à vontade do governo. Para a correção dessas absurdas distorções, o senador Aécio Neves apresentou parecer como relator das emendas constitucionais 8, 11 e 14 de 2011, buscando o fortalecimento do Poder Legislativo no processo de cons-trução das leis. Bismarck, com evidente viés autoritário, disse certa vez que “leis são como as salsichas, é melhor não saber como são feitas”. Cabe ao Congresso Nacional desmenti-lo.

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Liberdade e tolerância: as ideias vitoriosas

O mundo é movido a ideias e sonhos. O ser humano é o único capaz de romper com a lógica adaptativa e, abastecido por utopias, transformar a realidade. Foi assim na ruptura com as monarquias absolutas. Surgiram Constituições limitando o poder e a economia de mercado com expressão da liberdade individual. A democracia liberal e a consolidação das econo-mias de mercado dominaram o século XIX. No seu útero nasceu sua pró-pria contestação. A crítica às desigualdades sociais brotou nos movimentos sindicais e socialistas. As respostas foram a revolução de 1917 na Rússia e a emergência da social-democracia na Europa. O esgotamento da via diplo-mática nos levou a duas grandes guerras mundiais. Resultou a Guerra Fria. A polarização entre as ideias de liberdade e igualdade dominou o cenário. O desabamento do mundo socialista a partir do fim da URSS e da queda do muro de Berlim mostrou que a conquista do paraíso de um mundo justo não era tão fácil. Não há caminho para a equidade fora da liberdade. As sucessi-vas crises do capitalismo e as abissais desigualdades entre pessoas e povos, evidenciaram que não basta a liberdade formal, é preciso substância. O mundo mudou. A Guerra Fria é só um triste quadro na parede. A globalização desafia a autonomia dos Estados Nacionais. A preocupação ambiental desafia a lógica produtivista anterior. A afirmação da cidadania plena para todos se impôs como imperativo ético. A economia de mercado continuou produzindo turbulência. A social-democracia mergulhou em cri-ses fiscais. O socialismo naufragou. O neoliberalismo perdeu força. O novo mundo exige novos paradigmas, novas respostas, novas perguntas. Não há nenhuma grande utopia pairando no ar. As velhas ideologias não nos ser-vem mais. Como disse nosso grande escritor: “Viver é perigoso”. As grandes ideias vitoriosas são as da liberdade e da tolerância. A de-mocracia como valor universal e a tolerância com a diversidade. Valores pre-

O Tempo / 9 de maio de 2011

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sentes na democratização da América Latina, sempre ameaçada pelo po-pulismo e pelo autoritarismo. Também no vendaval de liberdade que assola Tunísia, Egito, Síria, Líbia, Iêmen, Irã. O Brasil fez avanços extraordinários nas últimas décadas. Superamos a inflação, modernizamos a economia, produzimos vigorosa inclusão so-cial, construímos uma bela democracia. A construção do futuro passa pelo exercício da tolerância, do diálogo acima de sectarismos, da liberdade de expressão de toda a diversidade presente na sociedade. Liberdade e diálo-go que resultem em consensos progressivos sem aniquilar identidades. Convívio aberto entre ambientalistas e ruralistas; evangélicos, cató-licos e agnósticos; conservadores, liberais, social-democratas e socialistas; enfim, um diálogo franco e aberto entre os diferentes, que ajude a formular as novas questões e a encontrar as respostas para o país avançar. A arte da política precisa ser reencontrada. Monólogos unilaterais não nos levarão a um bom caminho. Não é nada fácil, mas esse é o desafio.

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Nove entre dez lideranças políticas afirmam que precisamos de uma reforma política. Nesse caso, vale a máxima: “Cada cabeça, uma sentença.” Na verdade, não estamos falando de uma verdadeira reforma política, já que questões relativas ao sistema de governo e à Federação não estão na mesa. Começamos mal. Em vez de uma única Comissão Especial Mista, en-volvendo Senado e Câmara, partimos de duas comissões com métodos e cronogramas diferentes. Se a matéria é complexa e polêmica, deveríamos facilitar o amadurecimento de consensos. O passo inicial é pacificar o entendimento, se realmente precisamos de uma reforma no sistema partidário e eleitoral. Nosso sistema representativo dá mostras claras de esgotamento. Portanto, a reforma é uma necessidade. Pressupostos: não existem saídas simples para problemas complexos e não há sistema perfeito de representação. E não estamos falando da de-mocracia direta grega, que excluía os escravos, nem de uma democracia di-reta high tech on-line. Não devemos, também, cair na tentação da produção de “jabuticabas”, exagerando na originalidade e procurando reinventar a roda. Quais seriam os objetivos centrais da reforma? Primeiro, aproximar representantes e representados, o Congresso da sociedade. O atual sistema eleitoral não gera vínculos. O mandato parlamen-tar não se ancora firmemente em nada. Setenta por cento das pessoas não lembram, passados dois anos da eleição, o nome de seu vereador ou deputa-do. Não há controle social eficiente. Quem sabe como votou o seu deputado, agora em 2011, em questões como trem-bala, salário mínimo, mudanças no acordo de Itaipu ou criação da Autoridade Pública Olímpica? O mandato pode se ancorar nas ideias, no programa e no desempe-nho coletivo do partido (voto em lista praticado na Espanha e em Portugal)

Uma reforma por cabeça

O Globo / 29 de abril de 2011

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ou na base territorial (voto distrital puro que funciona nos EUA, França e In-glaterra). O voto em lista, que permitiria o barateamento das campanhas e o controle da sociedade sobre o desempenho dos partidos, esbarra em nossa cultura presidencialista, personalista e sofreria forte rejeição inicial da socie-dade. O voto distrital puro, que aproxima como nenhum outro representan-tes e representados, tende a estabelecer uma visão mais localista e suprimir a expressão de minorias temáticas ou ideológicas, tendendo ao bipartidarismo. Creio que o melhor caminho, inclusive como estágio pedagógico para todos nós, seria a adoção do voto distrital misto de tipo alemão, sendo metade das cadeiras preenchidas pela lista partidária e metade em eleições nos distritos. O segundo objetivo seria o fortalecimento dos partidos. O atual siste-ma mina a solidariedade interna dos partidos ao transferir a competição po-lítica para o interior dos partidos. Permite a proliferação de pequenos parti-dos sem nenhum conteúdo programático, alguns inclusive conhecidos como “partidos de aluguel”. O distrital puro ou a lista viabilizaria isso. O distrital misto conjuga as boas características dos dois. Teríamos como terceiro objetivo central da reforma o barateamento das campanhas, o aumento da transparência e o fechamento de algumas portas para a corrupção. Tenho dito que o atual modelo de financiamento de campanhas é uma humilhação para quem é honesto e para quem não é, torna-se a porta para relações incestuosas e não republicanas com os agen-tes financiadores. A campanha de 2010 custou cerca de quatro bilhões e no-vecentos milhões de reais (3,4 bilhões para as atividades de campanha, um de renúncia fiscal para o horário “gratuito” de rádio e TV e meio bilhão de despesas operacionais da Justiça Eleitoral). Isso sem falar no tristemente fa-moso caixa 2. O financiamento público exclusivo seria saneador, mas enfrenta a rejeição da sociedade e só seria viável com o sistema de lista fechada. Se continuarmos com a captação de doações privadas, deveríamos coletivizar o processo através dos partidos, para evitar o vínculo direto do candidato com os doadores. Outras mudanças periféricas poderão ser introduzidas (voto faculta-tivo, fim da reeleição com mandato de cinco anos, fidelidade partidária, fim das coligações proporcionais, cláusula de desempenho). Mas não devería-mos deixar escapar entre os dedos, mais uma vez, a oportunidade de promo-ver uma verdadeira reforma que permita à nossa jovem, mas madura, demo-cracia avançar.

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O que faz um deputado federal?

O Tempo / 25 de abril de 2011

Nas eleições de 2010, um conhecido humorista foi o deputado federal mais votado. Em suas participações no horário eleitoral, Tiririca perguntava: “O que faz um deputado federal? Na realidade, eu não sei. Vota em mim, que depois eu conto. Pior que está não fica”. Há uma grave fratura separando representantes e representados. Pes-quisas revelam que 70% da população não se lembra do nome do vereador ou deputado em que votou dois anos depois das eleições. Isso não é um privilégio brasileiro. Em todo o mundo, a democracia representativa dá tro-peços. A sociedade contemporânea é caracterizada por uma enorme frag-mentação de interesses e os partidos políticos têm dificuldade de vocalizar as demandas dos múltiplos segmentos. Aquele partido de tipo leninista, ins-pirado por uma visão totalizante, que tinha opiniões amplas e sólidas sobre tudo, morreu. Inúmeros são os interesses que se manifestam à margem do sistema representativo através de movimentos da sociedade civil ou da ma-nifestação direta e individual no vasto, anárquico e democrático mundo da internet. No Brasil, as regras do sistema político agravam essa característica universal. Nestes três meses no Congresso Nacional, tenho sido testemunha dessa interdição do diálogo. Primeiro, é um mito que os políticos não traba-lham. Trabalham e muito. Segundo, que só existem vagabundos e desones-tos. Não é verdade. Tenho conhecido muitos deputados honrados, dedica-dos e movidos pelo interesse público. Cada um no seu estilo, focado em seu setor e lutando por suas ideias. O que faz, afinal, um deputado? Decisões graves e importantes são tomadas pela Câmara. Infelizmente, sem o acompanhamento da sociedade. Votamos o salário mínimo; o governo não quis um valor maior. A oposição obstruiu a MP que criava a Autoridade Pública Olímpica e conseguiu dimi-

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nuir 300 cargos de livre nomeação com altos salários. Votamos o modelo de financiamento do trem-bala Rio/São Paulo e a oposição perdeu; com isso há previsão de um subsídio potencial, com o dinheiro do contribuinte, de até R$ 28 bilhões. Resistimos, mas perdemos na MP que alterava o Acordo Bilateral Brasil/Paraguai sobre Itaipu; com isso, o Brasil transferirá R$ 6 bilhões adicio-nais, até 2023, para nosso vizinho, o que daria para atacar muitos problemas brasileiros. Por último, o governo, através do líder Cândido Vaccarezza, ten-tou derrotar uma ideia de Aécio que o relator da MP que levou a nova fábrica da Fiat de Betim para Pernambuco acatou e transformou em emenda. Eu, Paulo Abi-Ackel e vários da bancada mineira defendemos e asseguramos que o Jequitinhonha e o Norte gozem, por algum tempo, das mesmas con-dições para atrair investimentos da indústria automotiva. Ganhamos de 333 votos contra 41. Como se vê, o deputado federal faz e decide muita coisa. É a vida de todos que está sempre em jogo. Sem controle social, algumas “tenebrosas transações”se tornariam possíveis.

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O líder, seu tempo e seu estilo: o discurso de Aécio

O Tempo / 18 de abril de 2011

Na quarta-feira, dia 6, o Congresso parou por cinco horas. Não era feriado ou recesso. Da tribuna do Senado, Aécio Neves pronunciou seu pri-meiro discurso. Mais de cem deputados acompanharam o melhor momento do Parlamento em 2011. Praticamente todos os senadores fizeram apartes. O tempo regimental era de 25 minutos. O regimento foi arquivado e as nor-mas se renderam ao debate político de alto nível. A ordem do dia foi cance-lada. O líder do PT, senador Humberto Costa, realçou: “Reconhecemos no senador o melhor quadro da oposição”. Foi um momento histórico. Aécio começou demarcando claramente seu estilo ao afirmar: “não confundo agressividade com firmeza, adversário com inimigo”. Mas adver-tiu: “os que acham que vão encontrar em mim tolerância ou complacência diante dos erros praticados pelo governo também vão se decepcionar”. Na boa trilha dos grandes políticos, apontou que é preciso ser rígido nos princípios e flexível na construção dos consensos necessários para avançar o país. Demonstrou que, como Tancredo, ao ser cobrado por um líder radical, “não adianta empurrar, que empurrado eu não vou”. Deu a senha de seu estilo oposicionista do tipo “endurecer sempre, mas sem perder a ternura jamais”. E concluiu: “na política brigam as ideias, não os homens”. Não será um Lacerda, seguirá a escola de JK, Tancredo e Ulysses. Logo depois fez uma sólida análise da história política recente. “Os partidos não se definem pelos discursos que fazem, mas pelas ações que praticam”. E contrastou a postura do PSDB e do PT diante de fatos histó-ricos como a eleição de Tancredo, o governo Itamar e o Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal e o Proer, as privatizações modernizantes e os pri-meiros programas de transferência de renda no governo FHC. E aí afirmou: “Sempre que precisou escolher entre os interesses do Brasil e as conveniên-cias partidárias, o PT escolheu o PT”.

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Seguiu-se o diagnóstico do início do 9º ano do governo Lula/Dilma apontando os equívocos da intervenção na Vale, no descontrole dos gastos públicos, no inchaço e aparelhamento da máquina estatal, na volta da infla-ção. Propôs um “choque de realidade” para um ataque efetivo aos garga-los que inibem o desenvolvimento nacional. Sobre as oposições delineou diretrizes: fiscalização do governo, luta por um novo pacto federativo, defesa da democracia e aproximação com a sociedade organizada. Apresentou propostas concretas e imediatas: desoneração de PIS e Cofins nas empresas de saneamento, descentralização das estradas federais e dos recursos da Cide, repasse dos recursos do Fundo Penitenciário. E terminou em grande estilo: “É preciso fazer o que precisa ser fei-to ou continuaremos colecionando sonhos irrealizados. Precisamos estar à altura dos sonhos de cada um dos brasileiros. E nós, da oposição, estejam certos, estaremos”. Nasce o grande líder das oposições no Brasil pós-Lula.

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Os governadores, o PSDB e o futuro do país

O Tempo / 11 de abril de 2011

No sábado, dia 2 deste mês, reuniram-se em Belo Horizonte os oito governadores do PSDB, eleitos em 2010. A eleição dos governadores repre-sentou um dos mais expressivos avanços obtidos pelos tucanos nas últimas eleições. São oito governos, espalhados pelas cinco regiões do país. O PSDB não só é o partido com o maior número de governadores, como é responsá-vel por governar 64,5 milhões de brasileiros e 50% do PIB nacional. Maior partido da oposição brasileira, o PSDB busca revitalizar suas estruturas e estratégias, construindo um estilo de atuação oposicionista coerente com sua história e perfil, baseado na coerência e na consistência programática. Não cederemos ao populismo e à demagogia, nem nos per-deremos em retórica artificialmente agressiva e nem em contraposição me-canicamente sistemática. A força da democracia requer uma oposição forte, firme e qualificada. Como disse Geraldo Alckmin no encontro: “É tão patrió-tico fazer oposição quanto governar”. A alternância de poder é da essência da democracia, e os partidos têm que se manter preparados para assumir o poder, quando sua hora chegar. É por entender o papel central que o PSDB tem na atual quadra histó-rica que nossos oito governadores decidiram erguer um Fórum Nacional Per-manente. Anastasia, Alckmin, Marconi Perillo, Anchieta Júnior, Simão Jatene, Teotônio Vilela, Beto Richa e Siqueira Campos formam um coletivo extrema-mente experiente e preparado. A ideia é que essa ferramenta resulte em permanente intercâmbio de experiências, chegando inclusive a trabalhar a ideia de marcas nacionais de políticas públicas que traduzam o jeito tucano de governar. Será ainda um mecanismo de unificação política em torno de temas de interesse comum, como, por exemplo, a reforma tributária e fiscal e o redesenho do pacto fede-rativo. Também se converterá em bússola a sinalizar diretrizes para as ações

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do partido como um todo. Em sua exposição inicial, o professor Antônio Lavareda levantou cinco pressupostos para a revitalização do PSDB: democratização interna, esforço de recrutamento qualificado, alguns eixos temáticos sínteses e simbólicos, conexão com a sociedade organizada e comunicação moderna e eficiente que toque a razão e a emoção das pessoas. É nessa direção que o PSDB cons-truirá seu futuro. A proposta mais importante aprovada no encontro foi a da criação de um Conselho Político Nacional para orientar e assessorar o comando par-tidário. Seriam 14 membros: o presidente do PSDB, os oito governadores, Fernando Henrique Cardoso, Aécio Neves, José Serra, um representante dos deputados federais e o presidente do Instituto Teotônio Vilela. O governador Anchieta Júnior, de Roraima, lançou a ideia de o Conselho ser presidido por Fernando Henrique, por sua vasta experiência e autoridade política. O encontro de Belo Horizonte será, sem dúvidas, um marco na história do PSDB.

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Inflação, responsabilidade fiscal e governo

O Tempo / 28 de março de 2011

Após 16 anos de moeda estável, um velho fantasma volta a rondar corações e mentes no Brasil: a inflação. Hoje, nós do PSDB, podemos comemorar uma grande vitória ideoló-gica. Olhando em perspectiva histórica, vemos convergência ampla em tor-no da cultura da responsabilidade fiscal. Não foi sempre assim. Muitos dos que hoje defendem a estabilidade votaram e lutaram contra o Plano Real, contra as privatizações modernizantes, contra o indispensável Proer, contra a Lei de Responsabilidade Fiscal. Quando a inflação sinaliza o descompasso entre o aquecimento da economia e a expansão da capacidade produtiva vem à tona a farra fiscal praticada em 2010. Níveis recordes de restos a pagar, gastança eleitoral, am-pliação de despesas correntes, investimento público insuficiente, gargalos na infraestrutura. Em outros tempos, seria chamada de maldita a herança fiscal que Lula deixou para Dilma. Nesse quadro, surgem duas questões preocupantes: manipulação de indicadores econômicos e sinalização contraditória. Na economia, a formação das expectativas joga papel importante. Os números são base para projeções futuras. A confiabilidade do sistema de informações é essencial. Por isso, preocupam as maquiagens e a “contabi-lidade heterodoxa” usadas para aproximar o superávit primário de 2010 da meta fixada. Exclusão dos investimentos do PAC, manobras contábeis en-volvendo BNDES, Petrobras e Caixa, postergação de despesas obrigatórias. Melhor seria justificar os motivos, ajustar a meta e assegurar a credibilidade da contabilidade pública. Como gosta de dizer nosso senador Itamar Franco: “Os números não mentem, mas os produtores de números nem sempre têm compromisso com a verdade”.

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Outra questão são as sinalizações contraditórias dadas pelo governo. O mercado e a sociedade ficam atentos às ações e às palavras governamen-tais para se posicionar e reagir. Por um lado, fala-se em corte de R$ 50 bi-lhões, na impossibilidade de um salário mínimo maior, em austeridade fiscal. De outro, criam-se mais ministérios apontando para a absurda existência de quase 40, injetam-se R$ 55 bilhões no BNDES (que já tem os recursos do FAT e deveria ter autossustentação) para suportar operações subsidiadas (que se justificariam como política anticíclica, mas não com PIB a 7,5%), anunciam-se projetos megalomaníacos como o trem-bala, ampliam-se despesas corren-tes de custeio e programas. Afinal, existe um sério estrangulamento fiscal nascido da perda de controle das despesas em 2010? Nesse caso, a austeridade deveria ser com-pleta e coerentes as sinalizações do governo. Ou será que existem receitas subestimadas e despesas infladas, e o alarde sobre cortes visava só intimidar a base aliada e conferir ao governo maior autonomia política na execução do orçamento? Essas são perguntas que não querem calar. Com a palavra, o governo.

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O papel da oposição na política brasileira

O Tempo / 21 de março de 2011

O Brasil experimenta seu mais longo e profundo ciclo democrático. Foram seis eleições diretas para presidente, a imprensa é livre, Judiciário e Ministério Público cumprem seu papel, a sociedade pode se organizar de forma autônoma. Com as virtudes e pecados típicos de uma obra em cons-trução e imperfeita por natureza, vamos democraticamente construindo o país. Afinal, como disse um estadista, “a democracia é o pior sistema políti-co, excetuando-se todos os outros”. A grande virtude da democracia é sua capacidade de autocorreção pela ação de diversos mecanismos de controle social, que evitam a persis-tência, unilateral e autoritária, em erros que sacrificam o futuro. O livre con-fronto de ideias e a ação dos diversos atores políticos produzem a melhor resultante e traduzem melhor o interesse público. Só existe democracia forte com oposição forte. A existência de maio-ria e minoria, governo e oposição é a própria tradução do jogo democrático. E, estão aí Egito, Tunísia, Irã, Cuba e Líbia para nos reavivarem as lembranças do período autoritário, fortalecendo nossas convicções democráticas. Desde 1994, PSDB e PT protagonizam a cena política brasileira. É ver-dade que, em perspectiva estratégica, não nos separa uma distância ideo-lógica como a que separa Democratas e Republicanos nos Estados Unidos ou Berlusconi e o Partido Democrático na Itália. Mas existem diferenças de práticas, métodos, estilos que se cristalizaram ao longo dos últimos tempos. A sociedade brasileira delegou ao PSDB, nas eleições de 2010, um ine-quívoco papel: vocalizar os interesses de mais de 40 milhões de brasileiros, exercendo oposição ao governo Dilma. Não se trata de pirraça, de torcer para que coisas deem errado, de jo-gar no “quanto pior, melhor”. Não. Uma oposição forte e qualificada é boa para o país, para a sociedade, para a democracia e para o próprio governo,

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que poderá corrigir rumos diante das críticas oposicionistas. E, é só observar as primeiras semanas de funcionamento do Congres-so para perceber do que estamos falando. Na medida provisória que criava a Autoridade Pública Olímpica, a ação do PSDB, do DEM e do PPS levou a um corte de 300 cargos comissionados com altos salários que estavam sendo criados e à retomada, na plenitude, de processos licitatórios para contrata-ção de obras e serviços. Na MP da bolsa-atleta, o PSDB conseguiu retornar os investimentos aos clubes formadores de atletas olímpicos e paraolím-picos, como o Minas Tênis Clube, o que havia sido retirado pela liderança do governo do PT. E na questão do salário mínimo, não só demonstramos que havia espaço fiscal para um aumento maior, como introduzimos uma discussão fundamental sobre democracia e respeito à Constituição, criando espaço para uma ação junto ao Supremo arguindo a constitucionalidade da fixação do salário mínimo por decreto. Como se vê, uma oposição ativa e consciente é boa para todos.

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O exercício da política e a verdade dos fatos

O Tempo / 14 de março de 2011

Distante da cena política há algum tempo, José Dirceu está de volta. Protagoniza o episódio inicial do filme roteirizado pela cúpula do PT cujo enredo pretende travestir de tentativa de golpe a mancha irremediável do mensalão. Semanas atrás, Dirceu foi pródigo em manifestar a sua opinião sobre temas diversos. Ele esteve presente na capa de “O Globo”. O jornal chamava a aten-ção para a tese defendida por ele de que existiria um conluio entre a impren-sa internacional e o governo dos Estados Unidos para denunciar atrocidades que estão ocorrendo na Líbia. Na verdade, encontrar formas de defender regimes autoritários não é novidade. Há pouco tempo, Marco Aurélio Garcia, assessor da presidên-cia, vindo da Venezuela, perguntado sobre a liberdade de imprensa naquele país, respondeu que se ela tinha acabado foi depois que ele saiu de lá. Aqui o ex-ministro esteve à vontade para defender a postura autori-tária do governo do PT na votação do salário mínimo, que culminou com a iniciativa de fixar seu valor por decreto, violentando a Constituição. Como é difícil defender o indefensável, o ex-ministro utilizou-se de um subterfúgio conhecido: o ataque é a melhor defesa. Em vez de uma dis-cussão política leal partiu da mentira para defender seu raciocínio. No caso, aproveitou para acusar o ex-governador Aécio de governar “Minas com leis delegadas pela Assembleia”, tentando fazer um paralelo entre esse instru-mento e a iniciativa autoritária e inconstitucional do PT que surpreendeu o país. Como não é possível crer que Dirceu seja uma pessoa tão má informa-da, só mesmo creditando à má-fé a tentativa de confundir a opinião pública. A lei delegada – utilizada nos governos Aécio e Anastasia por apenas

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30 dias – é instrumento previsto na Constituição Federal e Estadual. Tem sido utilizado, em maior ou menor grau, por diversos governos. Prevê que o Exe-cutivo solicite à Assembleia autorização para emitir leis durante um determi-nado período com finalidade específica. Cabe à Assembleia conceder ou não a autorização. O Executivo se submete à decisão da Assembleia, a quem cabe a última palavra. No caso dos governos Aécio e Anastasia, elas foram utilizadas apenas para garantir agilidade em mudanças na estrutura administrativa do Estado. Nenhum assunto diretamente ligado à vida do cidadão foi objeto de lei de-legada. Portanto, ela respeita a Constituição. A iniciativa do governo do PT contraria a Constituição, o que torna esdrúxula a comparação que Dirceu deliberadamente tentou fazer. Dirceu critica o uso das leis delegadas. No entanto, esconde dos mi-neiros que o governador Agnelo Queiroz, do PT, acaba de fazer toda a re-forma do governo do Distrito Federal por decreto. Não se deu sequer ao trabalho de consultar a Assembleia Legislativa. O exercício da política exige, sobretudo, respeito à verdade.

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Os cinco desafios dos SUS

Correio Braziliense / 18 de fevereiro de 2011

A consolidação nos últimos 22 anos do Sistema Único de Saúde, com sua generosa proposta de acesso universal e integral de qualidade, é das mais importantes heranças da Constituição de 88. Avançamos, mas estamos a lé-guas de distância do sistema público de saúde dos sonhos. A saúde no Brasil é melhor que há 20 anos, mas são inúmeros os pontos de estrangulamento. Nesse ciclo que se abre com a posse da nova presidente da República, do Congresso, de governadores e assembleias legislativas, é preciso colocar como tarefa central o ataque aos obstáculos que inviabilizam avanços nas políticas públicas de saúde. Cinco são os desafios, adiante identificados. 1) Mudança do modelo de atenção: somos presididos pela lógica hos-pitalocêntrica. A oferta dos serviços se apresenta à população de forma des-articulada. O objetivo deve ser a construção de redes de assistência integral coordenadas por uma atenção primária à saúde extremamente qualificada. É fundamental que hospitais, UPAs, centros de especialidades, centros de diag-nóstico, formem um todo articulado, orquestrado pela estratégia de saúde da família cada vez mais fortalecida. Experiências implementadas em Minas Gerais, como o Canal Minas Saúde, o Programa de Educação Permanente, o Plano Diretor da Atenção Primária e a Rede de Urgência e Emergência ofere-cem boa pista sobre os caminhos a serem percorridos. Sem investirmos na prevenção, promoção da saúde e atenção primária de qualidade para enfren-tar o predomínio das doenças crônicas, ficaremos enxugando gelo na porta de hospitais e UPAs. 2) Mudança do modelo de financiamento. Impossível garantir o direito constitucional de acesso integral e universal ao sistema de saúde com pouco mais de R$ 700 por habitante/ano de investimento. A comparação com ou-tros países com sistemas semelhantes e com saúde complementar (um plano com cobertura próxima ao que propõe o SUS custaria em média R$5 mil/ano)

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evidencia forte subfinanciamento. Não há mágica. O SUS precisa de muito mais dinheiro. O gargalo é financeiro. Há resistência à criação de impostos. A carga tributária é pesada. Cabe ao governo federal e ao Congresso desco-brirem alternativas de rearranjo orçamentário para viabilizar o aumento de investimentos na saúde. 3) Mudança no modelo de gestão. O dinheiro é curto, mas é possível fazer mais e melhor no uso de cada real. Profissionalizar a gestão, incorporar modernas ferramentas de gerenciamento, evitar duplicação de meios, clarear o pacto federativo setorial, inovar nas estruturas, introduzir ganhos de es-cala, permitirá avanços a partir do aumento da produtividade dos recursos. Construção de modernos sistemas de regulação, introdução do cartão SUS e do prontuário eletrônico, racionalização da estrutura de serviços hospitalares fragmentada em uma rede pulverizada e com ineficiências podem produzir resultados. Também a quebra de preconceitos e a adoção de estruturas ge-renciais flexíveis (OSs, OSCIPs, fundações públicas de direito privado) contri-buirão para melhorar o desempenho do sistema. 4) Mudança do modelo de incorporação tecnológica. Diariamente são descobertos medicamentos, novas linhas terapêuticas e sofisticados equipa-mentos hospitalares. São avanços importantes, mas caros. Sem a preocupa-ção de restringir o acesso, mas conscientes de que não podemos ter postura passiva e ingênua diante de tão poderoso mercado, o SUS precisa solidificar forte regulação sobre a introdução de novas tecnologias. O caminho poderia ser a criação de agência específica para tratar do assunto. Teríamos impacto positivo, atenuando a judicialização da saúde. 5) Mudança do modelo de organização do mercado de trabalho. As-pecto complexo, em que a capacidade de indução dos gestores tem limites claros, mas precisa avançar. Como estimular jovens médicos a se especializa-rem em saúde da família, pediatria, clínica geral e geriatria? Como fixar profis-sionais na Amazônia, no Nordeste, no Jequitinhonha? Como lidar com a reali-dade das cidades que, pobres e distantes, pagam altos salários e ainda assim não conseguem atrair médicos? Essa discussão precisa ser aprofundada. Todas as pesquisas apontam a saúde como prioridade um da popula-ção. “O SUS não é um problema sem solução, é uma solução com proble-mas”. Cabe a todos que têm responsabilidade com a construção da cidada-nia se debruçar sobre essa agenda de desafios e garantir avanços para que a chama da reforma sanitária de 88 não se apague.

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Saúde, EC 29 e CMPF

Correio Braziliense / 3 de dezembro de 2010

Poucos dias depois do fechamento das urnas surgiu a polêmica sobre a reintrodução da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) destinada a financiar parte das ações do sistema público de saúde. Posta dessa forma, soa como verdadeira traição ao eleitorado e uma pu-nhalada nas costas da credibilidade do sistema político. Afinal, nove entre 10 candidatos falaram na reforma tributária, que resultaria em redução da carga tributária, uma das maiores entre os países emergentes. A criação de um novo tributo, definitivamente, não foi discutida na campanha de 2010. O processo eleitoral não pode se assemelhar a um simulacro, um tea-tro vazio, um jogo de retórica e marketing, totalmente dissociado das ações que efetivamente serão implementadas pelos governos eleitos. As atitudes governamentais devem ser coerentes com o que foi dito ao eleitorado e pac-tuado com a sociedade. No entanto, a repercussão alcançada pelo assunto proporciona um ambiente propício para importante mobilização em torno de dois pontos essenciais, estes, sim, discutidos na campanha: a superação do grave subfinanciamento da saúde e a conquista da sonhada reforma tri-butária e fiscal. São objetivos aparentemente contraditórios: mais gastos para melhorar a qualidade do Sistema Único de Saúde (SUS) e queda da carga tributária. Não existem saídas simples para problemas complexos, mas é possível construir soluções efetivas e articuladas. É preciso dizer, com veemência: saúde de qualidade é direito de cida-dania, é compromisso constitucional (artigo 196), prioridade nacional. Na verdade, o mais grave problema do SUS é o evidente subfinanciamento que resulta em filas para cirurgias, exames e consultas; provoca graves problemas na qualidade do atendimento; tenciona as relações com os trabalhadores da saúde; gera enormes vazios assistenciais; leva à crise os hospitais filantrópi-cos e ao sufoco a maioria dos municípios.

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Existem problemas de gestão? Existem. É possível fazer mais e melhor com cada real por meio de ganhos de eficiência e modernização da gestão. Mas o sonho generoso de um sistema de acesso universal, cobertura integral e qualificada é impossível de alcançar com R$ 700 de gasto público agrega-do per capita anual. Se uma pessoa qualquer contratar um plano particular de saúde, em uma operadora qualificada, com cobertura semelhante aos compromissos do SUS, pagará por ano entre R$ 2,5 mil (0 a 18 anos) e R$ 15 mil (acima de 60 anos). A distância é abissal e evidencia o gargalo financeiro que estrangula o SUS. Outro indicador: a última série publicada pela Organi-zação Mundial de Saúde (OMS), em 2006, indica um gasto público anual per capita, no Brasil, de US$ 323, enquanto países com sistemas semelhantes ao nosso investem de US$ 617 (Cuba) a US$ 2.587 (Canadá) por habitante/ano. Paremos, pois, de vez por todas, diante de tantas evidências, de tapar o sol com a peneira e acreditar que é possível aos gestores de saúde fazer mágica. Qual é o caminho? Discutir o financiamento da saúde, não com foco em remendos e gambiarras, mas no âmbito de uma profunda reforma fiscal e tributária e da regulamentação da EC 29. Chega de atalhos, é preciso enca-rar os desafios estruturais e responder a perguntas essenciais: Qual é o papel do Estado? Qual é a divisão de tarefas entre prefeituras, governos estaduais e governo federal (pacto federativo)? Quanto custa? Quem e como paga (re-forma tributária que simplifique, torne mais justo, menos regressivo, mais racional e eficiente o sistema)? O SUS é uma grande conquista, avançou muito, colheu resultados, mas não superará seus graves limites sem um substantivo incremento no investimento público em saúde. Isso será possível com um arranjo fiscal con-sistente, com a queda da taxa de juros, com priorização clara, com o comba-te ao desperdício e à pulverização de ações e com a construção de parcerias com o setor privado. “O SUS não é um problema sem solução, é uma solu-ção com problemas”. As respostas poderão começar a surgir com a reforma tributária e fiscal e com a regulamentação da Emenda 29.

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É hora de repensaro PSDB

O Globo / 27 de novembro de 2010

A democracia brasileira deu mais uma vez mostras de sua vitalidade. Foi a sexta sucessão presidencial em ambiente de ampla liberdade. Abusos ocorreram. Mas podemos celebrar a consolidação de nossa democracia. Vinte e cinco anos de Nova República. Domamos a inflação; moder-nizamos a economia; avançamos no combate à pobreza e à miséria; cons-truímos políticas públicas sociais inclusivas; conquistamos respeito interna-cional e inauguramos o mais profundo ciclo democrático de nossa história. Não foi obra de um só partido, de uma só pessoa, de um só segmento da sociedade. Foi uma vitória coletiva. Fechamos um ciclo. Inauguramos a era pós-Lula. Nas eleições de 2010, Serra mostrou coragem política e patriotismo. Tinha uma reeleição razoavelmente tranquila em São Paulo. Preferiu o gesto ousado de disputar uma eleição que sabíamos difícil em nome do pluralismo e da afirmação de determinados valores e princípios. Representou, e bem, a opinião de 44% dos brasileiros. Mostrou que o Brasil não tem donos, nem semideuses a manipular o seu destino. Ganhou a candidata de Lula. Lula, Dilma e o PT venceram. “Aos ven-cedores, as batatas”. Cabe a Dilma se firmar como alguém mais que a som-bra de um presidente carismático, popular e forte. A nós do PSDB cabe interpretar corretamente os novos tempos, apren-der com os erros, pacificar a relação com nosso próprio passado e construir uma oposição firme, moderna, consistente, propositiva, criativa e enraizada na sociedade. Desde 1994, PSDB e PT protagonizam a cena política brasileira ao lado de seus aliados. Só há democracia forte, com oposição forte. Perdemos, mas demarcamos um campo importante e elegemos go-vernadores em importantes estados brasileiros. Temos uma bancada parla-mentar qualificada e aguerrida.

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Nas democracias avançadas, a perda de uma eleição implica em mu-danças e renovação. Novas estratégias, novos métodos, novas formas de or-ganização, novas lideranças. É assim no PSOE, no PSF, no PSD alemão. Foi assim no PCI. Recentemente, o Partido Trabalhista Inglês enfrentou o desafio da renovação diante de uma derrota eleitoral com os olhos postos no futuro. É hora de repensarmos o PSDB após sua terceira derrota em eleições presidenciais. Se quisermos retomar a perspectiva de vitória em eleições na-cionais e nos posicionarmos para 2012 e 2014, temos que desencadear uma série de iniciativas políticas marcadas pelo frescor da renovação e pela capa-cidade de inovação. O imobilismo pode ser confortável para adiarmos o en-frentamento de nossas contradições, mas poderá ser fatal. O ciclo pós-Lula exige a superação de fórmulas esgotadas e a construção de nova identidade. Para tanto é fundamental: 1) encontrarmos formas orgânicas de articulação, agenda comum e estilo compatível para atuação conjunta com nossos alia-dos do DEM, do PPS e de parcela do PMDB; 2) clarear nossa posição pro-positiva e programática, criando consensos sobre temas essenciais como reforma política, reforma tributária e fiscal, financiamento da saúde, mo-dernização das relações de trabalho, qualificação do sistema educacional, política econômica. Serra e Fernando Henrique terão papel essencial nesse processo; 3) abrir espaços de diálogo com outros atores como Marina e o PV, PSB e seus governadores, PP, PTB, PR e PDT; 4) enraizar o PSDB na sociedade e nas diversas regiões, numa perspectiva ativa, aberta e mobilizadora, procu-rando estabelecer vínculos sólidos e permanentes com segmentos diversos da sociedade; 5) renovar a vida partidária e criar uma imagem ancorada sim no nosso belo passado, mas principalmente espelhando a nossa visão de futuro. É preciso abrir alas e dar passagem para a geração de Aécio Neves, Beto Richa, Marconi Perillo, Geraldo Alckmin, entre outros. Perdemos uma batalha. O futuro nos chama e desafia. Nosso papel será do tamanho da nossa ousadia e capacidade de inovar.

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Eleições, democraciae estabilidade

Portal do PSDB / 23 de abril de 2010

Após 15 anos de estabilização da economia, com a democracia con-solidada e um processo consistente de combate às desigualdades em curso, nos encontramos diante de eleições nacionais decisivas. O embate que se avizinha coloca novamente PSDB e PT no centro da cena. Não se trata de uma escolha qualquer, com consequências superficiais e diferenças cosmé-ticas. As candidaturas de Serra e Dilma abrem horizontes radicalmente dife-rentes. O PT, no governo, incorporou os fundamentos da política econômica tucana (câmbio flutuante, metas de inflação, austeridade fiscal, rigidez mo-netária). Cabe lembrar que esta estratégia não era consensual dentro do PT, e que Palocci e Meirelles enfrentaram dura oposição de setores que advoga-vam uma alternativa do tipo“mudar radicalmente tudo que aí estava”. A presença da capacidade negociadora e do pragmatismo de Lula foi decisiva para que o Brasil evitasse uma aventura e consolidasse a estabilidade com-binada com aumentos reais na renda da população e a expansão do crédito. Embora a manutenção conjunta de altas taxas reais de juros com câmbio valorizado tenha colocado graves problemas para o horizonte de médio e longo prazo, o crescimento (ainda que a taxas medíocres se compararmos com os BRICs e com grande parte dos países da América Latina) foi sustenta-do pela expansão da renda interna e pelo desempenho das exportações de produtos primários e intermediários, que usufruíram de um cenário interna-cional extremamente favorável. O pragmatismo e a capacidade de adaptação de Lula nos trouxeram a bom porto. Mas a hegemonia do lulismo não sepultou os velhos e aventu-reiros sonhos de um projeto radical de ruptura com o atual paradigma. Não é demais repetir: Lula é maior que o PT, e o PT não se esgota em Lula. Dilma, apesar de ter sua candidatura inventada e patrocinada por Lula, à revelia do

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PT, tem suas raízes fincadas na pior tradição de uma esquerda autoritária e descolada do mundo real, colocando-se mais próxima do petismo radical do que do lulismo. Com a vitória de Dilma estaria aberta a possibilidade da reedição tar-dia e anacrônica de um estadismo nacional-desenvolvimentista, o que co-locaria o Brasil na contramão das tendências do mundo contemporâneo. Também no plano internacional, aventuras perigosas poderiam ocorrer no rumo do aprofundamento de alianças com países como Irã, Cuba e Venezue-la, levando o País a um isolamento crescente. Entregar a condução do País a uma atriz política como Dilma é dar um salto no escuro e colocar em risco as conquistas dos últimos 18 anos. Dilma não é Lula, e é aí que mora o perigo, visto que: a) Dilma não tem experiência para orquestrar alianças complexas e heterogêneas como as necessárias, no Brasil, para garantir a governabilida-de. Dilma não tem acúmulo de história pessoal para arbitrar e presidir o difí-cil jogo de interesses que convergem em direção ao governo central. b) Dilma vem da esquerda foquista, que a partir da ortodoxia marxis-ta-leninista, alimentou a visão infantil e autoritária, que meia dúzia de jovens destemidos e armados, poderia substituir a sociedade, em especial a clas-se operária, fazendo na base do voluntarismo a “revolução brasileira”. É bom lembrar que a esquerda independente, o Partido Comunista Brasileiro, a Ação Popular, somados a liberais e democratas, diante do mesmo quadro, optaram pela longa, difícil, complexa e trabalhosa luta pela redemocratiza-ção. Essa não é uma diferença qualquer. O voluntarismo, o autoritarismo, a visão instrumental da democracia e do Estado não foram superados por estes segmentos tão bem simbolizados por Dilma. c) Dilma, para agravar o cenário, revela, a cada dia, traços pessoais de uma personalidade absolutamente autoritária. São dezenas de casos em que a ministra tem comportamento inadequado e desrespeitoso com inter-locutores, jornalistas e assessores, revelando uma diferença fundamental em relação a Lula, que consegue construir sua ação a partir de uma perspectiva mais aberta, negociadora, abordando a realidade através da linha de menor resistência. d) Inexperiência, formação ideológica autoritária e atrasada, persona-lidade autocrática: eis aí uma combinação explosiva. Imaginemos uma líder com esse perfil comandando um aparato de poder composto por estatais, fundos de pensão, contas de publicidade, OGU, agências reguladoras e os

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desejados instrumentos de “controle social”. e) Além disso, poderíamos viver um chavismo tupiniquim moderni-zado, um “autoritarismo popular” como na Venezuela, já que CUT, MST, entre outras estruturas de organização e mobilização popular, certamente aprofundariam seu papel de aliados do projeto de poder e de ferramenta de intimidação e coação das oposições. A alternância de poder é sempre positiva, no regime democrático. Em 2010, no Brasil, essa necessidade se coloca de forma dramática. Nós, do PSDB, lançamos agora o nome de José Serra à Presidência da República. Serra tem uma bela história pessoal: ex-presidente da UNE, militante da democracia, intelectual respeitado, ex-secretário de planejamento do governo Monto-ro, parlamentar mais atuante no processo constituinte, o melhor ministro da saúde da história do país, prefeito da maior cidade e governador do maior estado do Brasil. Experiência, capacidade de formulação estratégica, conhe-cimento profundo da realidade, determinação, talento gerencial, liderança política: todos esses elementos reunidos na ação testada e comprovada de José Serra. O processo eleitoral está só começando. Muita coisa estará em jogo. As diferenças são profundas, as concepções opostas, os riscos e as oportuni-dades abertos por cada candidatura são separados por um abismo. Em Minas, berço da liberdade e da democracia, estaremos atentos. Travaremos o bom combate em defesa dos nossos melhores valores e tradi-ções. E o nome que encarna o espírito de Minas, nestas eleições, é o de José Serra. Com Serra, o Brasil certamente pode mais.

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Continuidade e ruptura

Estado de Minas / 20 de abril de 2010

Na decolagem da sucessão presidencial muito se tem falado sobre um suposto caráter plebiscitário das eleições, em que a variável chave se-ria a comparação do desempenho do Governo Lula vis a vis o de FHC. Isso empobrece e distorce o debate necessário. Primeiro, porque devemos estar com os olhos postos no futuro. Segundo, porque esse confronto, feito com a profundidade de um pires, mascara todos os elos, todas as relações de causa e efeito, toda a correta apreciação do que há de continuidade e ruptura entre as políticas dos dois governos, principalmente na área econômica. É preciso dizer, para a decepção de muitas almas revolucionárias pe-tistas, que prevalecem muito mais elementos de continuidade do que de ruptura. Muitos daqueles que foram contra as privatizações, o Proer, a Lei de Responsabilidade Fiscal, o Plano Real, até hoje não entenderam o real e profundo significado da “Carta aos brasileiros”, que Lula publicou em 2002, para acalmar os mercados que sinalizavam seus receios em relação à eminente vitória do PT e da estratégia de “mudar radicalmente tudo que aí estava”. A partir daí, o presidente Lula assumiu claramente um eixo de con-tinuidade, assegurando o respeito aos fundamentos herdados do governo FHC (metas de inflação, câmbio flutuante, responsabilidade fiscal, austerida-de monetária, respeito aos contratos). No front do crescimento, nosso desempenho é positivo, mas não es-petacular. De 2003 a 2008, o nosso PIB cresceu 27,41%, enquanto o da Argen-tina teve um avanço de 63,58% e o Peru, 50,19%. Em relação à China e Índia a comparação é ainda mais desfavorável: em 2009, enquanto experimentamos crescimento negativo de 0,2%, a China cresceu 8,7% e a Índia, 6,1%, confir-mando a tendência da última década. Nossa taxa de investimento é baixa. Nosso crescimento é puxado pelo aumento do consumo. A combinação das mais altas de juros do mundo com câmbio valorizado coloca problemas para

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mais altas de juros do mundo com câmbio valorizado coloca problemas para o desenvolvimento, no médio e longo prazo. A grande discussão de 2010 é como romper as amarras que impe-dem um maior desenvolvimento de nossa economia. O governo Lula teve o mérito de ampliar o crédito e aprofundar o aumento da renda real da popu-lação. Mas o crescimento da economia puxado pela expansão da demanda doméstica encontrará rapidamente limites fiscais. Discutir um novo modelo de desenvolvimento é a agenda prioritária na sucessão presidencial. Projetar o futuro implica em uma avaliação precisa de nossa trajetória recente, sem manipulações ou mistificações ideológicas. O fim da inflação, a superação dos gargalos externos, os superávits comerciais, a formação iné-dita de reservas, a maior resistência a crises internacionais têm a ver com os elementos de continuidade predominantes nos últimos 18 anos. As fortale-zas atuais de nossa economia repousam sobre as bases originadas no Plano Real, na responsabilidade fiscal, nas privatizações (Embraer, setor siderúrgico e mineral, telecomunicações), no Proer, na quebra do monopólio estatal so-bre o petróleo. Os frutos colhidos pelo governo Lula resultam disso e da boa gestão econômica da herança do passado, e não de uma suposta ruptura mágica liderada por um líder carismático e popular. Por isso, preocupam as ideias que começam a surgir, no campo pe-tista, que reclamam a reedição tardia de um anacrônico nacional-desenvol-vimentismo liderado por um “Estado forte e ampliado”. Na verdade, pre-cisamos é discutir a democratização crescente das relações entre o Estado socialmente necessário e a sociedade e identificarmos os gargalos que im-pedem o Brasil de reviver as taxas de crescimento dos tempos do Plano de Metas de JK, do milagre brasileiro dos anos 70 e do 2º PND de Geisel.

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Comparações ecoerência

O Tempo / 4 de fevereiro de 2010

Muito tem se falado sobre o caráter prebliscitário das próximas elei-ções. Nossos adversários passam a ideia de que o PSDB não resistiria a uma comparação. Ledo engano. O PSDB deu uma contribuição inquestionável à democra-cia, à estabilização da economia e ao combate à miséria. Há um inegável traço de coerência em sua prática. O mesmo não é possível dizer em relação ao PT. Se tomarmos com parâmetro a busca da democracia e do desenvolvi-mento, veremos posturas opostas. A começar pela transição democrática. Após a derrota das eleições dire-tas para presidente, em 1984, as forças democráticas alinhavam a candidatura de Tancredo Neves contra o autoritarismo. Em janeiro de 1985, Tancredo ven-ce, em nome da democracia, com os votos dos futuros membros do PSDB. O PT se omite, não comparece e expulsa três deputados que apoiaram Tancredo. Logo à frente, conquistamos a sonhada Constituinte soberana. A nova Constituição consolidou a democracia e introduziu conquistas como o SUS e seguro-desemprego. Ulysses Guimarães chamou-a de “Constituição-cida-dã”. Os tucanos votaram a favor, os petistas se negaram a assiná-la. Veio a crise do afastamento de Collor. Diante da ameaça de retroces-so, o PSDB aceitou a convocação do presidente Itamar Franco para integrar o governo de união nacional. O PT, preso a cálculos oportunistas, se negou a participar. A inflação e a instabilidade ameaçavam corroer o país. O PSDB apoiou o Plano Real, o Proer, a privatização dos bancos estaduais, a responsabilidade fiscal, a renegociação das dívidas dos Estados, a abertura externa. Tudo isso foi essencial para o Brasil ser hoje o que é. O PT trabalhou e votou contra todas essas medidas. Era necessária uma profunda reforma no papel do Estado brasileiro. A

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privatização da Vale, do setor siderúrgico, da Embraer, foram essenciais para o dinamismo das exportações, para a modernização da economia, para o equi-líbrio externo e o crescimento. Se não fosse a privatização das telecomunica-ções estaríamos na idade da pedra da transmissão de dados e voz, elemento chave na vida contemporânea. Mais uma vez: PSDB a favor, PT ativa e radical-mente contra. O PT sempre defendeu que era preciso “mudar tudo o que aí estava”. No poder, sem autocrítica pública, adotou fundamentos da política econômi-ca do PSDB. Como podemos ver, uma avaliação precisa e isenta da história recente do país ainda está por ser feita. Quem verdadeiramente defendeu a democra-cia e o desenvolvimento? Quem foi coerente e quem rasgou velhas bandeiras? Em 2010, discutiremos o futuro. Mas se enganam aqueles que querem criar um ambiente de intimidação política e ideológica, imaginando que o PSDB será frágil na defesa de seu patrimônio político. Podem alguns não gostarem, mas o PSDB foi ator central na construção da democracia e na estabilização econômica.

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O PSDBe 2010

O Tempo / 13 de novembro de 2009

O PSDB tem uma bela história, inspirada pelos exemplos de vida de Covas, Richa e Montoro. Os membros do PSDB foram protagonistas da tran-sição democrática e da Constituinte. Deram sustentação ao governo Itamar Franco diante de grave crise e ajudaram a implantar o Plano Real. O PSDB propiciou o saneamento do sistema financeiro, a responsabilidade fiscal e a modernização de setores vitais como o do petróleo e das telecomunicações. O PSDB liderou a universalização do ensino fundamental e do acesso à saú-de e fortaleceu a construção da rede de proteção social. Ao contrário do PT, o PSDB sempre esteve ao lado e votou a favor dos avanços democráticos e da estabilização da economia. Temos capacidade de formulação, experiência comprovada de gestão, quadros qualificados, alianças consistentes e dois ótimos candidatos: Aécio Neves e José Serra. Serra e Aécio têm algumas divergências, o que é natural, mas conver-sam permanentemente e saberão construir a vitória em 2010 e o início do ciclo pós-Lula. O governador Aécio Neves é o mais talentoso político nascido no Bra-sil nos últimos 50 anos. Faz um governo que transformou a vida em Minas Gerais e é, segundo o Datafolha, o governador mais bem avaliado de todo o Brasil. Aécio é um arquiteto do diálogo, um promotor de convergências e consensos. Tem uma capacidade de articulação invejável. E é por isso que muitos veem nele a melhor opção, por seu potencial de desarmar a “lógica plebiscitária”, desfazer a equação simplista e mani-queísta do “nós contra eles”,“do pão, pão, queijo, queijo”. Aécio pode produzir uma nova correlação de forças, uma nova hegemonia. Milhares de deputados, prefeitos, vereadores, dirigentes municipais e militantes estão ávidos por participar. O melhor caminho seriam as prévias.

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Mas certamente Aécio e Serra saberão instituir um processo decisório “pró-ximo ao pulsar das ruas”. O PSDB tem enormes desafios na etapa pré-eleitoral: superar ambi-guidades e contradições, identificar com clareza os elementos de continui-dade e ruptura do governo Lula, erguer um projeto nacional que conquiste corações e mentes, consolidar as alianças regionais e seus candidatos a go-vernador e melhorar sua comunicação com a sociedade. Temos dois ótimos candidatos: Aécio e Serra. Isso não é pecado, é vir-tude. Nossa vitória não nascerá numa redoma de cristal ou torre de marfim. É nas ruas, na mobilização, no bom uso dos espaços na TV, no uso criativo das novas mídias, que o PSDB poderá construir a possibilidade de um novo encontro com as esperanças da maioria do povo brasileiro. E para isso preci-samos de um rosto, um nome, um candidato que expresse nossas posições, nossos sonhos, nossas convicções. O candidato do PSDB pode não vir à tona já. Mas março de 2010 será certamente tarde demais.

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O Congresso Nacional não encontrou as condições para votar uma verdadeira reforma política. A democracia brasileira é sólida, mas o atual sistema eleitoral, baseado no voto proporcional nominal aberto, cria sérias distorções. Os objetivos centrais de uma reforma política profunda seriam fortalecer os partidos, facilitar o controle social sobre os mandatos, melhorar o padrão de governabilidade, baratear as campanhas e dar transparência a seu financiamento. O atual sistema enfraquece os partidos, ao transferir a competição para o seu interior. Dificulta o controle social sobre os mandatos ao não an-corar o voto no programa ou no território. Constrói uma lógica individualista e despolitizada, poluindo as relações Governo-Congresso, onde o mandato é visto descolado de qualquer programa partidário. Grandes temas nacio-nais ficam dependendo da liberação de emendas ou de nomeações políticas. Não se consolidam maioria e minoria. A chantagem vira ferramenta política. O custo das campanhas bate na estratosfera, dando margem a relações não republicanas entre candidatos. Nenhum sistema é perfeito, já que a repre-sentação é um filtro necessário. Mas teríamos duas opções para avançar: o voto em lista ou o voto distrital. O voto em lista, que defendo, é naturalmente polêmico. Parece se-questrar o direito de o eleitor escolher seu candidato. Mas pesquisas reve-lam que, dois anos depois das eleições, mais de 70% da população não sabe citar o nome de seu vereador ou deputado. O voto em lista é ancorado nas ideias, nos compromissos programáticos, no coletivo. Fortalece os partidos. O partido seria o principal interessado em defender a qualidade de sua lista. O controle social seria maior. O partido foi bem no governo, é pre-miado. O desempenho foi ruim, todos são punidos. As condições de gover-nabilidade ganhariam em transparência e responsabilidade. A maioria apoia

A reformaabortada

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e governa, a minoria fiscaliza e controla. O financiamento seria transparente e público. As campanhas sairiam dramaticamente mais baratas. Quanto ao argumento de que seria o império das direções partidárias, a própria dinâmi-ca democrática imporia aos partidos permeabilidade a novas lideranças, sob pena do partido se isolar e se fossilizar. O voto distrital não se ancora no programa partidário, mas no terri-tório. Fortaleceria os partidos já que cada um só lançaria um candidato por distrito. Facilitaria o controle social, já que todo distrito ficaria de olho em seu representante a cada votação importante. Coloca um problema para a governabilidade, se exacerbar a lógica localista. Permite o financiamento pú-blico, organizado pelos partidos. O principal argumento contra é a tendência ao bipartidarismo e à supressão de minorias importantes que vocalizam te-mas nacionais. De qualquer forma fica o aprendizado e uma certeza. O aprendizado de que a reforma política tem que ser trabalhada fora do ambiente pré-elei-toral. A certeza de que mais uma vez iremos para uma eleição com velhos vícios e que, cedo ou tarde, teremos que aprovar uma reforma política pro-funda.

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Não há registro de tamanha precipitação do calendário eleitoral. Pa-rece que as eleições de 2010 apontam na próxima esquina. Mesmo conside-rando que temos uma crise internacional a vencer e meses de mandato pela frente. Isso tem a ver com a intensa movimentação do presidente Lula em favor de Dilma, inclusive usando solenidades e eventos oficiais. Fato é que as análises de pesquisas e as articulações assumem contornos supostamen-te avançados, como se já estivéssemos entrando na reta final do processo. Ledo engano. Os principais atores políticos sabem que o jogo só está come-çando. Mais uma vez, repetimos um velho erro. A partir de números prelimi-nares, decretamos precocemente vitoriosos e derrotados. Ora, somente nós, militantes, analistas e cientistas políticos, estamos pensando para valer e com informação suficiente sobre o quadro de 2010. Mais de 90% da população está cuidando da vida, dos filhos, da sobrevivência e não acompanha com a atenção imaginada a movimentação partidária. Para ficar em dois exemplos: em 1989, Collor, desconhecido governador de Alagoas, com três programas de TV e uma campanha planejada atropelou nomes como Ulysses Guima-rães, Aureliano Chaves, Lula, Mário Covas e Maluf. Em 2006, Marcio Lacerda, Eduardo Paes, Kassab e João Henrique começaram em terceiro ou quarto lugar nas pesquisas. Hoje governam as principais cidades do país. As pesquisas refletem muito mais a memória de campanhas passa-das, o grau de exposição acumulado dos candidatos na TV e uma opinião pública ainda desmobilizada e com informações fragmentadas. Muito mais importante é a discussão sobre a visão de futuro que se quer para o país, os compromissos programáticos, a consistência das candidaturas, a adequação delas às tarefas que temos pela frente. Dilma se apresentará como continuidade de Lula. É pouco. Além dis-

Eleiçãoacelerada

O Tempo / 13 de agosto de 2009

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so, Dilma não é Lula. Não tem sua história, sua habilidade, seu talento pes-soal, seu carisma. Vem de outra escola, portadora de preocupante viés auto-ritário. A ideia mais interessante surgida e não suficientemente debatida foi lançada pelo governador Aécio Neves de se pensar um projeto para o Brasil pós-Lula. A ideia carrega um profundo conteúdo político e estratégico. Perce-beu Aécio que o governo Lula fecha um ciclo. Que, para avançar na consoli-dação da estabilidade e do desenvolvimento e no ataque frontal às desigual-dades, são necessárias profundas reformas. Para viabilizá-las é fundamental um outro padrão de governabilidade. São precisos espaços reais de negociação e diálogo para a produção de consensos e convergências, libertando o governo das pressões fisioló-gicas e pouco republicanas, e da radicalização estéril entre PT e PSDB. Pre-vidência, mercado de trabalho, estrutura fiscal e tributária, sistema político e partidário, pacto federativo, revolução educacional, consolidação do SUS, tudo na mesa, em uma negociação presidida por uma liderança firme, mas que desarme o sectarismo, realinhe o quadro político e produza resultados esperados, necessários para potencializar o futuro brasileiro.

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O Sistema Único de Saúde completou vinte anos. Entre vitórias e der-rotas, o saldo é positivo. Os constituintes arquitetaram uma proposta ou-sada e generosa: um sistema público de saúde baseado nos princípios da universalidade (ninguém pode ser descriminado) e da integralidade (acesso ao conjunto de linhas de cuidado necessárias ao longo de toda vida). Hoje a saúde pública é muito melhor que no passado. Os sanitaristas que lideraram a reforma sanitária apontavam a neces-sidade de superarmos o modelo hospitalocêntrico. Ou seja, era preciso cui-dar da saúde e não da doença. O desafio seria construir um sistema público que abordasse as demandas de saúde da população na raiz, com estratégias proativas, na promoção, prevenção e na atenção primária qualificada. Fora isso, ficaríamos “enxugando gelo” passivamente, recebendo demandas nos balcões de farmácia e nas portas de hospitais. Recente pesquisa do Ministério da Saúde demonstra o acerto do diagnóstico. Em 2005, diz a pesquisa, 32,2% das mortes foram derivadas de doenças do aparelho circulatório, 16,7% em função do câncer e 14,5% deri-vadas da violência contemporânea no trânsito ou nas ruas. Diferente de 1930, quando 46% das mortes eram por doenças infec-ciosas, hoje temos um perfil de sociedade moderna. As doenças predomi-nantes são crônicas e tem entre suas causas hábitos de alimentação, alcoo-lismo, tabagismo, sedentarismo, vida sexual não saudável, exposição solar, além da falta de cultura comunitária que nos faça diminuir a violência. Ou seja, fica claro que se não atuarmos na raiz, ficaremos imobilizados por uma demanda crescente e desorganizada nas portas de UPAs, prontos-socorros e hospitais. Se não cuidarmos de forma ativa e mobilizadora dos hipertensos, dos diabéticos, das gestantes, dos portadores de sofrimento mental, enfim, de cada cidadão, lá no bairro, na vila, no aglomerado, não haverá dinheiro

Devagar coma UPA

O Globo / 11 de novembro de 2008

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que chegue e qualidade de vida que permaneça de pé. Recentemente, a partir das debilidades da atenção primária no mu-nicípio Rio de Janeiro (7,5% somente de cobertura populacional do PSF), instalou-se a discussão sobre a multiplicação de Unidades de Pronto Atendi-mento (UPAs). Essa foi a resposta emergencial encontrada pelo governo do estado para responder às demandas reprimidas da população. O presidente Lula se encantou com a agilidade da resposta. O Ministério da Saúde apre-sentou, para a discussão, resolução nacional sobre o assunto. Como um bom mineiro diria “devagar com o andor, que o santo é de barro” ou “vamos dar a César, o que é de César”. Alguns esclarecimentos: I) As UPAs não são invenção recente. Existem há décadas como unidades intermediárias de atenção secundária, com fun-cionamento 24 horas, focadas em urgências e emergências e também em suprir as demandas primárias nos momentos em que as unidades básicas se encontrem fechadas. II) As UPAs precisam de financiamento e de diretrizes nacionais. Mas única e exclusivamente como pontos de atenção de uma rede integrada de serviços, e não como estratégia substitutiva ou como paradig-ma alternativo. Se desejamos honrar o sonho dos fundadores do SUS, não há outro caminho senão trabalhar para a superação do modelo de atenção piramidal, passivo, fragmentado. Daí nascerá uma rede horizontal integrada de servi-ços de saúde (unidades básicas, policlínicas, UPAs, laboratórios, farmácias, hospitais gerais, hospitais especializados) orquestrada por uma qualificada atenção primária. Afinal são as equipes de saúde da família que têm vínculos efetivos com as pessoas e as famílias. Não é nada fácil construir uma saúde de qualidade nas condições bra-sileiras. Mas um conjunto de equívocos não pode resultar em modelo de sucesso. A travessia para assegurarmos a universalidade e a integralidade é longa, complexa, difícil. Mas não é um atalho falso que nos levará ao êxito.

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O Brasil amadureceu. Entramos no século XXI com um saldo extrema-mente positivo. Nunca houve tamanha liberdade. Todas as forças sociais e políticas participam ativamente das decisões nacionais. A imprensa é livre e forte. Os mecanismos de controle e fiscalização sobre o setor público sofis-ticam-se cada vez mais. A democracia é plena. O pluralismo é respeitado. As Forças Armadas caminham para irreversível profissionalização. Mesmo diante das fragilidades do quadro partidário e das falhas do nosso sistema eleitoral, podemos dizer que vivemos num regime democrático sólido, testado e en-raizado. Não há, no horizonte, possibilidade de retrocesso. No front econômico, superamos a inflação crônica que transformava o orçamento público em ficção, o orçamento familiar em peça de humor negro e impedia os investidores de terem o mínimo de previsibilidade para investir e empreender. O Plano Real foi um dos planos de estabilização mais bem-sucedidos de todo o mundo. Conquistamos o equilíbrio externo. Moratórias saíram do cardápio da política econômica. O saldo comercial é significativo e gera divisas. Restabelecemos um fluxo contínuo de investimentos externos diretos. A dívida externa deixou de ser um fantasma. A credibilidade inter-nacional foi conquistada. A economia ganhou competitividade. Temos um parque industrial diversificado e moderno. A agricultura é eficiente e dá res-postas vitais para o desenvolvimento brasileiro. Apesar dos gargalos na infra-estrutura, do crescimento abaixo da taxa média dos países emergentes e das lacunas na ciência, na tecnologia e na formação de capital humano, podemos afirmar que estamos no rumo certo. Tudo isso foi fruto do esforço de muitos governos e, principalmente, do avanço da sociedade. No entanto, muito há a avançar. A herança positiva não é monopólio de ninguém. Mas nos desafiam ainda uma brutal dívida social e iniquidades sociais inaceitáveis. O primeiro ciclo dessa etapa da história brasileira se iniciou com a dis-

O Brasilpós-Lula (I)

O Tempo / 15 de março de 2008

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tensão lenta e gradual no governo Geisel. A transição totalmente sob con-trole não foi possível ao regime militar. O 2º PND esgotou sua capacidade propulsora. Veio o governo Figueiredo. Explodiu a inflação. Entramos em mo-ratória. A frente democrática se fortaleceu. A campanha das Diretas tomou as ruas. A anistia virou realidade. A agenda democrática ganhou força: Diretas e Constituinte livre e soberana. Era o caminho para a estabilização, a retomada do desenvolvimento e a justiça social. Tancredo, com habilidade e maestria, lidera a transição possível. A Constituinte se instala. A inflação incomoda. Sar-ney desencadeia o Plano Cruzado. Sucesso inicial, frustração posterior. Nova moratória. A Constituição Cidadã é promulgada. Caminhamos para as elei-ções diretas. Collor é eleito, fechando o primeiro ciclo. A transição democrá-tica, aos trancos e barrancos, foi concluída. Abre-se novo ciclo. O da consolidação da democracia e da constru-ção da estabilidade. Collor acenou com uma agenda modernizante de re-formas. Veio o Plano Collor: perplexidade, dúvidas e fracasso. A idéia de um super-homem “bonapartista”modernizando o capitalismo brasileiro vai pelos ares. Crise ética, afastamento, instabilidade. Itamar Franco, diante de quadro crítico e complexo, consegue assegurar a democracia e desencadeia o engenhoso Plano Real. O fantasma do retrocesso foi afastado. Assume FHC. Avança a implantação de uma moeda estável. Respeito aos contratos, res-ponsabilidade fiscal, reforma do Estado, privatizações. A modernização da economia dá alguns saltos. A inflação é cada vez mais coisa do passado. Cri-ses internacionais, receios. Vem a reeleição. Crise cambial e a transição para o regime de câmbio flutuante e metas de inflação. Sobrevivemos. Avançamos. Uma rede de proteção social começa a ser implantada – universalização da educação básica, construção do SUS e lançamento de programas de renda mínima. A oposição vence. Como raras vezes se viu em nossa história, um presidente eleito passa a faixa presidencial para outro presidente eleito. Um operário no poder. Lula assume. Para surpresa de muitos, reafirma os com-promissos essenciais com a estabilidade: respeito aos contratos, responsa-bilidade fiscal, austeridade monetária, câmbio flutuante, metas de inflação. Nada de guinada à esquerda. Os ventos internacionais nunca foram tão favo-ráveis. Aprofunda-se a rede de proteção social com o Bolsa Família e outros programas. O crescimento é moderado, mas seguimos em frente. O cenário é positivo e as taxas de crescimento devem melhorar a partir de 2008. Não deve haver grandes novidades até 2010. Investimentos do PAC, expansão do Bolsa Família, melhorias, aqui e ali, da educação e da saúde, reformas tímidas.

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E aí concluiremos mais um ciclo. A democracia brasileira dando provas de sua solidez. Estabilidade, externa e monetária, solidamente ancorada. A po-larização PT versus PSDB terá cumprido seu papel. Todas as principais forças políticas (PMDB, PT, PSDB e Democratas) terão ocupado a Presidência ou tido papel relevante no governo. Pela primeira vez, desde a conquista das eleições diretas em 89, Lula não será candidato. Como será o país pós-Lula? (Continua amanhã).

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O Brasilpós-Lula (II)

O Tempo / 16 de março de 2008

Como será o Brasil pós-Lula? Qual será a agenda prioritária? Que for-ças e personagens serão protagonistas desse novo tempo? Quais serão as alianças? Estas questões começam, de forma embrionária, a serem discuti-das e os múltiplos cenários, ensaiados. Certamente quem liderar o novo ciclo de nossa caminhada, como povo e nação, terá que ousar, romper amarras, vencer preconceitos, unir forças, reinventar a política, dar mais qualidade ao ambiente de governa-bilidade, avançar as reformas e a modernização do país. Se o saldo que al-cançamos é positivo, é também verdade que poderíamos ter aproveitado muito melhor as oportunidades que o destino nos abriu. A radicalização da polarização PSDB/PT, Lula/FHC, produziu bons frutos, mas também inibiu avanços maiores. O estadista que a história encarregar de liderar o novo ciclo terá que exercer uma liderança criativa e hábil na construção dos con-sensos necessários para: a) Desencadear uma nova safra de profundas reformas. A política, para qualificar nossa democracia, melhorando as regras do jogo, assegu-rando condições efetivas de governabilidade. A previdenciária, para dar sustentabilidade ao equilíbrio fiscal e garantir a equidade social. A traba-lhista e sindical, para modernizar as relações no mercado entre trabalha-dores e empresários, potencializando nosso crescimento e produzindo ga-nhos recíprocos. A fiscal e tributária, para simplificar o sistema, diminuir a carga tributária, descentralizar recursos, pôr fim à guerra fiscal, melhorar a qualidade do gasto; b) Estabelecer como prioridade máxima uma verdadeira revolução educacional, que aumente o nível de informação e consciência, amplie a empregabilidade. Enfim, que prepare todos para a vida na sociedade do conhecimento e da informação, única possibilidade de transformação qua-

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litativa e estrutural definitiva na construção de nosso futuro; c) Engendrar criativas e ousadas parcerias com o setor privado para a superação dos gargalos de infra-estrutura (estradas, aeroportos, energia, portos etc). Sem isso, tropeçaremos rapidamente nos atuais limites, inibin-do um desenvolvimento mais vigoroso; d) Erguer políticas de emprego e renda que emancipem os atuais de-pendentes de programas de renda mínima, elevando todos os brasileiros à condição de cidadania plena. Paralelamente, faz-se necessário ampliar e melhorar a gestão e a qualidade do gasto em setores essenciais como saú-de, reforma agrária e previdência para garantir passos substantivos na su-peração da miséria e da pobreza; e) Solidificar um modelo ágil e eficaz de política ambiental, que a um só tempo estimule o desenvolvimento econômico e defenda firmemente o horizonte das futuras gerações, conferindo sustentabilidade a nosso mode-lo de crescimento. Atenção especial deverá recair sobre a Amazônia. Desafio de tamanha envergadura implicará, em primeiro lugar, na es-colha para a Presidência de um líder com amplo trânsito no espectro políti-co, ousado, corajoso, agregador. Em segundo lugar, será preciso que todas as forças políticas reciclem seus papéis, repensem suas táticas e estratégias, se abram para um novo tempo, que não necessariamente tem que reprodu-zir as armadilhas e amarras do passado. PSDB e PT, particularmente, terão que redimensionar suas atuações. Não obrigatoriamente produzindo uma aliança orgânica, o que seria complexo, difícil, improvável, embora sejam forças do mesmo campo social-democrata. Mas criando um novo ambiente político no país, a partir de um processo de distensão, possibilitando avan-ços maiores em torno da agenda de interesse nacional. Recentemente, o governo e a oposição do Chile produziram uma ampla pactuação em torno da reforma educacional. Isto abriu caminho para novos entendimentos. E ninguém saiu diminuído. O país é que ganhou. Será que não podemos fazer coisa semelhante? É por isso que o governador Aécio Neves tem chamado a atenção de que é necessário discutir um projeto de país e não um projeto de can-didatura. É nesse sentido que o governador de Minas tem se colocado não como um dinamitador e, sim, como um construtor de pontes. É também por isso que diz que, se vier a ser candidato à Presidência, será um candidato pós-Lula e não contra Lula. E é esse o sentido último do diálogo amplo e aberto que tem mantido com o PMDB, o PT, o PSB, o PDT. Só quem não

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tem convicções firmes, princípios sólidos e luz própria se sente inseguro de dialogar com atores e correntes diferentes. O passado não pode escravizar o futuro. É preciso pensar no país acima de tudo. O futuro será do tamanho da nossa ousadia, da nossa criatividade e da nossa competência política. Tomara que tenhamos grandeza.

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Imagem e credibilidade doCongresso: metas e avaliação

Discurso proferido na Câmara dos Deputados 24 de fevereiro de 2011

É enorme o prazer e a responsabilidade que sinto ao ocupar esta tri-buna pela primeira vez no Grande Expediente, para compartilhar minha visão preliminar sobre os desafios que teremos pela frente como legítimos repre-sentantes da sociedade brasileira. Não é nada fácil representar aqui a Minas dos ideais libertários dos Inconfidentes, da saga desenvolvimentista de JK, das profundas convicções democráticas de Tancredo Neves, da prosa e dos versos de Guimarães e Drummond, da inigualável voz de Milton Nascimento. A Minas da vida, dos sonhos e utopias de um povo criativo, alegre, trabalha-dor, nutrido por um profundo sentimento de justiça e de amor ao Brasil. Mas essa é a difícil tarefa que terei que encarar nos próximos quatro anos. O Brasil avançou. São 25 anos desde a redemocratização e da instala-ção da Nova República. Domamos a inflação, modernizamos nossa econo-mia, avançamos no combate à pobreza e à miséria, construímos políticas pú-blicas sociais inclusivas, conquistamos respeito internacional, inauguramos o mais profundo ciclo democrático de toda a nossa história. Não foi obra de um só partido, de uma só pessoa, de um só segmento da sociedade. Foi uma vi-tória coletiva, da sociedade, das instituições. Para isso contribuíram de forma decisiva os governos de Itamar Franco, Fernando Henrique e Lula. O Congresso Nacional foi protagonista de boa parte dessas transfor-mações. Como tradução mais fiel da diversidade e do pluralismo presentes na sociedade brasileira e como encarnação mais acabada da própria demo-cracia, o Congresso Nacional esteve no centro dos acontecimentos em todos os momentos decisivos de nossa história recente. Não há democracia sólida sem Congresso forte. No entanto, a imagem e a credibilidade do Congresso ainda são arranhadas por uma percepção negativa por parte da maioria da população em relação ao seu papel, à sua atuação. É verdade que sobrevivem muitas incompreensões e desinformação

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acerca da verdadeira missão institucional do Congresso Nacional. Muitas ve-zes, nos é cobrada uma agenda própria ao Poder Executivo. Muitas vezes, a dinâmica parlamentar é ininteligível para a maioria da população. É fato que escândalos recentes, corporativismos exagerados, falhas de comunica-ção com a sociedade, entre outros vetores, contribuíram para o fosso que às vezes ameaça separar representados e representantes. A realidade é que pela média, diversas pesquisas de opinião revelam uma avaliação do Congresso com um perfil próximo a 20% de bom e ótimo, 40% de regular e 40% de ruim e péssimo. Apesar disso, a população brasileira percebe a importância, ainda que de forma frágil, do Congresso Nacional em sua vida. Prova disso é a par-ticipação intensa do povo nos sucessivos processos eleitorais. Mas não podemos descuidar nem um minuto. Afinal, não há retrato mais fiel da sociedade brasileira que o Congresso Nacional. Com qualidades e defeitos é aqui que a democracia se manifesta em sua complexidade e ple-nitude. Temos que celebrar um pacto, todos nós parlamentares – cada um do seu jeito, cada um dentro de seu estilo, cada qual fiel a suas convicções políticas e ideológicas – de zelarmos pela imagem e credibilidade da morada da democracia, da casa da cidadania. E isso não será feito com retórica vazia, com pirotecnia ou factoides, com omissão ou preguiça. Serão os gestos, as atitudes, a produção concreta de resultados, os exemplos, que poderão ampliar no seio da população bra-sileira o carinho, o respeito e a admiração por sua representação política. Temos uma rica agenda legislativa pela frente. Código Florestal, direitos autorais, Código de Trânsito, aperfeiçoamento das políticas públicas setoriais, jornada de trabalho, PEC 300, Comissão da Verdade, Reforma do Judiciário, entre tantos outros temas importantes. Por vezes somos caracterizados por uma certa voracidade legisferante, com a profusão de milhares de leis que traduzem, em certa medida, a nossa visão de um Estado paternalista, onipresente e onisciente, a regular a vida dos cidadãos e da sociedade em seus mínimos detalhes. Precisamos ter cuidado com multiplicação de iniciativas difusas e que apontam para um excesso de normatização da vida social. Temos que ter foco e sermos seletivos. Nesse sentido, embora haja uma vasta agenda de assuntos relevantes a serem apreciados, entendo que deveríamos colocar como eixo de nosso compromisso estratégico para os próximos quatro anos e parâmetro baliza-dor de nossa avaliação de desempenho, o enfrentamento de três gargalos essenciais e prioritários que exigem do Congresso Nacional uma incisiva ação

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estruturante e transformadora: 1º) Uma mudança profunda em nosso sistema político, eleitoral e par-tidário; 2º) Uma transformação radical em nosso sistema tributário e fiscal; e 3º) A construção de um padrão de financiamento consistente e ade-quado para o Sistema Único de Saúde. No mundo contemporâneo, organizações, tanto do setor público quanto do setor privado e também do terceiro setor, procuram consolidar práticas de boa governança. O que implica em metas claras, ação planejada e avaliação de resultados. Apesar da singularidade e das especificidades que marcam a identi-dade de uma instituição plural e democrática como o Congresso Nacional, creio que nos devemos impor um horizonte de desafios claros, de objetivos a serem alcançados, com absoluta clareza da priorização e da seletividade necessárias. Confesso – apesar de poder parecer prematura essa afirmação – que sairei daqui frustrado e considerando que fracassamos como instituição e re-presentantes da sociedade, se daqui a quatro anos não tivermos introduzido mudanças profundas nesses três setores absolutamente prioritários para o Brasil avançar. Esse é um terreno em que não obrigatoriamente se confrontarão opo-sição e governo, maioria e minoria. É possível a construção de canais de ne-gociação e debate para erguermos consensos progressivos em torno de te-mas tão complexos e polêmicos. De pronto, me coloco contrário a uma tendência que volta e meia se es-boça, aqui e ali, no Congresso Nacional de rebaixar desde o início o horizonte e o potencial transformador das reformas. Guimarães dizia que na vida não importa tanto o ponto de partida ou o ponto de chegada, mas a caminhada, a travessia. Nesse caso específico, importa sim a decolagem do processo e os resultados que produzirá no final. Se já no marco zero começarmos falar em fatiamento, se já de início formos impregnados pelo pessimismo crônico de que as resistências serão mais fortes que nossa capacidade transformadora, podemos gerar, ao final da linha, a famosa imagem de que a “montanha pariu um rato”. É evidente “que o pior inimigo do bom é o ótimo”. É óbvio que, após um profundo debate, votaremos aquilo que for minimamente con-sensual e viável. Mas não é possível entender a árvore, sem enxergar a flores-ta. É claro que a evolução dos entendimentos e das discussões é que dará a

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dimensão e a profundidade das transformações a serem introduzidas. Mas o objetivo inicial deve ser um projeto de transformação profunda nos três cam-pos. Não seria mal nos inspirarmos um pouco na ousadia das manifestações de maio de 68, quando era lançado ao ar o lema: “sejamos razoáveis, peça-mos o impossível”. A mudança será proporcional à nossa ousadia e capacidade de nego-ciação. O medo de enfrentar interesses e resistências não é traço da ação de estadistas. A busca da unanimidade rebaixada, da “paz dos cemitérios”, não provoca transformações relevantes. Não foi fácil fazer o Plano Real. Não foi trivial quebrar o monopólio do petróleo. Não foi simples revolucionar as telecomunicações. Não foi sem resistências que fizemos o Proer para forta-lecermos o sistema financeiro nacional. Não foi sem enfrentarmos incompre-ensões e interesses que instalamos a cultura da responsabilidade fiscal. Para mudar um país é preciso vontade, convicção, compromisso com o futuro, ati-tude, coragem. A busca apressada e preguiçosa de unanimidades superficiais é o caminho mais curto para a mediocridade. A reforma política tem que criar vínculos fortes e reais entre represen-tantes e representados, possibilitando um efetivo controle social sobre os mandatos. Não é possível a sobrevivência de um sistema que leva 70% das pessoas a esquecer o nome de seus deputados ou vereadores após dois anos da eleição. É preciso ancorar os mandatos ou nos compromissos programá-ticos (caso do voto em lista), ou no território (hipótese da introdução do voto distrital). Em ambos os casos deixaremos de disputar prioritária e irracional-mente com os companheiros de partido, fortalecendo a solidariedade en-tre os semelhantes, e colocando a disputa em seus devidos termos. Vamos discutir o melhor caminho. Defendo o voto em lista. Mas formei a convicção que temos que fazer um estágio de amadurecimento com a introdução do voto distrital misto. O que não dá é que os mandatos naveguem sem nenhu-ma âncora social e com alta e destrutiva competição interna nos partidos. Nem tampouco erguermos sistemas baseados em personalismos inorgâni-cos e sem nenhum vínculo institucional com o sistema partidário, caso do chamado“distritão”. É preciso fortalecer o sistema partidário, extinguindo as absurdas coli-gações proporcionais, introduzindo a cláusula de desempenho e regras cla-ras de fidelidade partidária. É fundamental discutir a possível coincidência geral de mandatos e co-locar na mesa a reflexão sobre as virtudes e defeitos do princípio da reeleição.

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Faz-se necessário fecharmos uma das portas para a corrupção, migran-do do péssimo modelo de captações individuais de doações privadas para outro modelo que tanto pode ser público, dependendo do sistema eleitoral, como de captação de doações privadas, mas realizadas coletivamente atra-vés dos partidos. A reforma tem que ter também o foco em um radical bara-teamento das campanhas, racionalizando o sistema e suas regras e evitando a atual realidade de campanhas de orçamentos estratosféricos e irracionais, que já impactam inclusive no chamado Custo Brasil. Tudo isso poderá resultar numa melhoria substancial no ambiente de governabilidade, propiciando que a maioria necessária para governar seja conquistada pelo compromisso programático e pelo fortalecimento dos par-tidos e não pela lógica permanente do “é dando, que se recebe” e de ou-tras práticas pouco republicanas e antidemocráticas. Também a reforma tributária e fiscal exige coragem e ousadia, tama-nha sua complexidade e volume de interesses conflitantes em jogo. É fun-damental simplificarmos o sistema tributário, com a redução do número de impostos; alcançarmos a melhoria da eficiência e a redução dos custos admi-nistrativos derivados. É essencial reduzir a regressividade, tornando o sistema mais justo, e a tributação em cascata nas diversas cadeias produtivas. É pre-ciso desonerar a produção, os investimentos e a inovação tecnológica. É ur-gente a redefinição do Pacto Federativo, com a clara delimitação de funções e descentralização dos recursos hoje concentrados na União. Por que não estadualizar as rodovias federais com a respectiva descentralização dos re-cursos para sua manutenção? Dar um fim à guerra fiscal é outra necessidade premente. Fortalecer os municípios também é estratégico em um país conti-nental como o Brasil. Hoje a maioria absoluta das cidades tem suas margens de investimento reduzidas quase à zero, dependendo totalmente de trans-ferências voluntárias dos governos federal e estaduais. Mexer na partilha de recursos em uma sociedade que historicamente construiu uma dada distri-buição de renda entre pessoas, famílias, regiões e níveis de governo, é como trocar o pneu com a bicicleta andando. É evidente que quem tem menos quer ganhar, e quem tem mais não quer perder posições. Esse é o desafio. “Não há como fazer omelete sem quebrar os ovos”. Mas o Congresso Nacional não pode aceitar passivamente a existência, no Brasil, de um sistema confuso, burocrático, ineficiente, injusto, oneroso. Certamente um dos piores do mun-do, o que diminui a competitividade da economia e aguça a iniquidade social. Por último, o financiamento da saúde. A consolidação, nos últimos 22

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anos, do Sistema Único de Saúde (SUS), com sua generosa proposta de aces-so universal e integral de qualidade, é uma das mais importantes heranças da Constituição de 1988 e uma das históricas conquistas que marcam a vida do Congresso Nacional. Avançamos muito, mas estamos a léguas de distân-cia do sistema público de saúde de nossos sonhos. Hoje a saúde no Brasil é muito melhor que há 20 anos, mas são inúmeros os gargalos e pontos de estrangulamento. É impossível garantir o direito constitucional de cidadania de um aces-so universal e integral de qualidade com pouco mais de R$ 700 anuais por habitante. A comparação com outros países que possuem sistemas seme-lhantes e com a saúde complementar no Brasil evidencia o claro e inequívoco subfinanciamento a que está submetido o SUS. Um plano de saúde que ofe-reça algo semelhante, mas sempre aquém ao que o SUS se propõe, não fica, pela média, em menos de R$ 5 mil por ano, consideradas as diversas faixas etárias. Não há mágica. O SUS precisa de muito mais dinheiro. Fui secretário de Estado de Saúde de Minas Gerais por sete anos e sei bem o drama que vivemos no cotidiano do sistema de saúde. E o gargalo central é financeiro. Existem sim falhas de gestão. É possível fazer mais e melhor com cada real. E fizemos isso em Minas. Mas se não conseguirmos alternativas para um subs-tancial incremento no orçamento que financia as políticas públicas de saú-de, o SUS padecerá de doenças crônicas como as filas para cirurgias, exames e consultas especializadas, os graves problemas de qualidade nos serviços prestados, as tensões sindicais permanentes, os grandes vazios assistenciais, as crises permanentes dos hospitais filantrópicos e o estrangulamento das administrações municipais, onde o confronto entre as demandas da popula-ção e a escassez de recursos efetivamente se dá. Todas as pesquisas de opinião há muito tempo revelam que a prio-ridade número um no imaginário popular é saúde. É um paradoxo que não consigamos produzir decisões que reflitam a vontade expressa da população, sequer regulamentando a EC 29. Esse, portanto, é o cenário que vislumbro. Para que o Congresso Na-cional conquiste a confiança, o respeito e a admiração da população preci-sará produzir resultados efetivos que transformem positivamente a vida das pessoas. São três nós estruturais, três desafios prioritários, três metas a perse-guir. A reforma tributária e fiscal, a reforma política e a garantia de um finan-ciamento adequado para o SUS poderão ser a marca desta Legislatura. Tere-mos ousadia para encarar o futuro ou seremos covardes diante da resistência

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de interesses feridos? Produziremos transformações estruturais profundas ou o rebaixamento precoce de horizontes e a mediocrização de resultados? Podemos entrar para a história pela coragem de mudarmos para melhor a realidade brasileira ou agravarmos, pela omissão ou timidez, a distância entre Congresso e sociedade. É uma escolha. Está em nossas mãos. Depende da vontade e da atitude de cada um de nós.

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BiografiaMarcus Pestana é deputado federal e presidente do PSDB de Minas Gerais. Durante o Governo de Aécio Neves, foi secretário de Estado de Saúde de Mi-nas Gerais entre 2003 e 2009, e presidiu o Conselho Nacional de Secretário de Saúde (Conass), em 2005 e 2006. Elegeu-se deputado estadual em 2006. Foi Chefe de Gabinete do Ministério das Comunicações(1999/2001) e Secre-tário Executivo do Ministério do Meio Ambiente (2002). Exerceu o cargo de secretário de Estado de Planejamento do Governo de Minas Gerais de 1995 a 1998. Foi vereador e secretário de governo em Juiz de Fora, nos anos 80 e iní-cio dos 90. Formado em Economia, é professor licenciado do Departamento de Economia e Finanças da Universidade Federal de Juiz de Fora.

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Deputado Federal Marcus PestanaCâmara dos Deputados

54ª Legislatura | maio de 2011

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