De onde vem esse valor invisível?

3
Artigo Publicado na Revista Merdado de Capitais (APIMEC) Ano XII – No 96 – 3º trimestre de 2004 Página 1 de 3 Capital humano: habilidades, talento e conhecimento dos funcionários. Capital informacional: bancos de dados, sistemas de informação, redes e infra- estrutura tecnológica. Capital organizacional: cultura, liderança, alinhamento dos funcionários a metas estratégicas e a capacidade deles de compartilharem conhecimentos. ATIVOS INTANGÍVEIS De onde vem esse valor invisível? Analistas se esforçam para atribuir o valor justo das companhias, mas ainda se sentem inseguros com relação aos ativos intangíveis. por Valter Faria* Em meados de 2002, o Sr, Alan Greenspan, ex- chairman do Federal Reserve Board (banco central americano), estimou que, caso fosse possível colocar em uma balança toda a “produção física” dos Estados Unidos (alimentos, roupas, eletrodomésticos, gado, equipamentos, etc.), seu peso seria o mesmo hoje que há cem anos. Contudo o valor real do PIB americano, ajustado pela inflação, é atualmente mais de 20 vezes superior ao daquela época. A diferença não está nos átomos e moléculas dos produtos, mas no valor dos chamados ativos intangíveis – governança corporativa, capacidade de execução de estratégias por executivos, alinhamento e comprometimento dos empregados, sistemas de informação e inteligência, fidelidade de clientes, força de marcas, capacidade de inovação, tecnologia de informação, processos ágeis, etc. O que provocou tanta mudança? A economia mundial passou por uma transformação radical nas últimas décadas. Saímos de um ambiente econômico relativamente estável, dentro de um sistema em que as companhias adquiriam seus insumos, manufaturavam seus produtos e os comercializavam. Essas transações eram contabilizadas e o relatório de desempenho, dando conta das atividades do período em comparação com igual período do ano anterior, era uma importante ferramenta por meio da qual se analisava a saúde econômico-financeira da empresa. Nessa época as demonstrações financeiras eram usadas pelos executivos como instrumentos de gestão dos negócios e pelos analistas e investidores, como auxiliares no processo de tomada de decisões de investimento. Tratava-se, portanto, de um processo bastante descomplicado. Pois bem, esses bons tempos de relativa estabilidade não voltam mais. A velocidade proporcionada pela tecnologia da informação, pela globalização e pela crescente participação do segmento de serviços na economia influenciou bastante a maneira como o valor das empresas é percebido. Essas profundas mudanças nos trouxeram a uma nova economia: a economia do conhecimento e dos serviços, em que os capitais intelectual, informacional e organizacional passaram a ter uma capacidade de agregação de valor e de alavancagem quase que ilimitada, enquanto a capacidade de alavancar ativos físicos e financeiros torna-se cada vez mais limitada.

Transcript of De onde vem esse valor invisível?

Page 1: De onde vem esse valor invisível?

Artigo Publicado na Revista Merdado de Capitais (APIMEC)

Ano XII – No 96 – 3º trimestre de 2004

Página 1 de 3

Capital humano: habilidades, talento e

conhecimento dos funcionários. Capital informacional: bancos de dados, sistemas de informação, redes e infra-estrutura tecnológica.

Capital organizacional: cultura, liderança, alinhamento dos funcionários a metas estratégicas e a capacidade deles de compartilharem conhecimentos.

ATIVOS INTANGÍVEIS

De onde vem esse valor invisível? Analistas se esforçam para atribuir o valor justo das companhias, mas ainda se sentem inseguros com relação aos ativos intangíveis.

por Valter Faria*

Em meados de 2002, o Sr, Alan Greenspan, ex-chairman do Federal Reserve Board (banco central americano), estimou que, caso fosse

possível colocar em uma balança toda a “produção física” dos Estados Unidos (alimentos,

roupas, eletrodomésticos, gado, equipamentos, etc.), seu peso seria o mesmo hoje que há cem anos. Contudo o valor real do PIB americano,

ajustado pela inflação, é atualmente mais de 20 vezes superior ao daquela época. A diferença não está nos átomos e moléculas dos produtos, mas

no valor dos chamados ativos intangíveis – governança corporativa, capacidade de execução de estratégias por executivos, alinhamento e comprometimento dos empregados, sistemas de

informação e inteligência, fidelidade de clientes, força de marcas, capacidade de inovação, tecnologia de informação, processos ágeis, etc.

O que provocou tanta mudança?

A economia mundial passou por uma transformação radical nas últimas décadas. Saímos de um ambiente econômico relativamente estável, dentro de um sistema em que as companhias

adquiriam seus insumos, manufaturavam seus produtos e os comercializavam. Essas transações eram contabilizadas e o relatório de desempenho, dando conta das atividades do período em comparação com igual período do ano anterior, era uma importante ferramenta por meio da qual

se analisava a saúde econômico-financeira da empresa. Nessa época as demonstrações financeiras eram usadas pelos executivos como instrumentos de gestão dos negócios e pelos

analistas e investidores, como auxiliares no processo de tomada de decisões de investimento. Tratava-se, portanto, de um processo bastante descomplicado.

Pois bem, esses bons tempos de relativa estabilidade não voltam mais. A velocidade

proporcionada pela tecnologia da informação, pela globalização e pela crescente participação do segmento de serviços na economia

influenciou bastante a maneira como o valor das empresas é percebido. Essas profundas mudanças nos trouxeram a uma nova

economia: a economia do conhecimento e dos serviços, em que os capitais intelectual, informacional e organizacional passaram a ter

uma capacidade de agregação de valor e de alavancagem quase que ilimitada, enquanto a

capacidade de alavancar ativos físicos e financeiros torna-se cada vez mais limitada.

Page 2: De onde vem esse valor invisível?

Artigo Publicado na Revista Merdado de Capitais (APIMEC)

Ano XII – No 96 – 3º trimestre de 2004

Página 2 de 3

Nossos sistemas de avaliação estão adequados?

Enquanto a economia passou por todas essas mudanças,

observa-se que os sistemas de avaliações financeiras e relatórios se mantêm basicamente inalterados nos últimos

cem anos. Historicamente, as companhias sempre foram avaliadas basicamente por seus ativos fixos, mais especificamente pelo que pode ser registrado em suas

demonstrações contábeis. Contudo, a maioria dos negócios mais promissores da nossa realidade atual vale muito mais

do a simples soma do valor desses ativos. Por exemplo, a Microsoft vale muito mais do que 5,4 vezes os bilhões de dólares que estão alocados em seu caixa, os imóveis onde

estão seus escritórios e o estoque de CDROM’s. A Microsoft é apenas um exemplo do que pode ser

observado hoje na maioria das companhias abertas. Como mostra o gráfico ao lado, entre 1982 e meados de 2002 cresceu a importância dos ativos intangíveis no valor de

mercado das companhias. Atualmente, mais de 82% do valor das empresas advém de fontes que não estão registradas em suas demonstrações contábeis. Em um estudo realizado pela Cap Gemini Ernst & Young,

investidores do buyside atribuem aproximadamente 35% do seu processo de tomada de decisão ao valor dos ativos intangíveis. Além disso, os analistas sellside, cujos relatórios de análise cobrem aproximadamente 40% de questões relacionadas a ativos intangíveis, mostram um

desempenho diferenciado em comparação aos analistas que pouco focam essas questões.

Onde encontrar informações para avaliar os ativos intangíveis?

Apesar desse acréscimo na valorização dos ativos intangíveis, ainda são extremamente escassas as fontes de informação sobre o assunto e não há regulamentação sobre essa questão. Raras companhias divulgam informações sobre seus ativos intangíveis, como políticas ambientais e

esforços de responsabilidade social. Outras fornecem pouquíssimas informações a respeito de seus funcionários, marcas ou inovações, apesar do valor desses ativos e sua importância para os investidores. O que falta ainda são informações quantitativas e regulares, contendo comparações

com alguns benchmarks de mercado.

Essa é uma questão bastante problemática para a maioria das empresas, uma vez que tais ativos são considerados suas vantagens competitivas e, portanto, não pretendem divulgá-las ao mercado. Outros consideram essa atividade extremamente desestimulante, devido ao custo

potencial resultante da necessidade de se implementar sistemas de medição e avaliação desses ativos. Não estão considerando, entretanto, que o investimento despendido nos sistemas de

medição e informação do valor desses ativos poderia trazer enormes benefícios e muito valor à suas companhias.

Page 3: De onde vem esse valor invisível?

Artigo Publicado na Revista Merdado de Capitais (APIMEC)

Ano XII – No 96 – 3º trimestre de 2004

Página 3 de 3

As empresas brasileiras estão preparadas para comunicar seus

valores invisíveis?

Algumas companhias brasileiras já apresentam essa questão em seus relatórios anuais e

websites. Sabemos que os analistas e investidores valorizam informações que auxiliam na avaliação da performance das empresas. como índice de turnover dos funcionários, penetração

da marca, renovação da carteira de clientes, ratings de governança corporativa atribuídos por agentes independentes, lançamentos de produtos, número de patentes emitidas e registradas e questões legais materiais e não-materiais. Isso certamente aumenta a transparência das

empresas e auxilia aos investidores em seu processo de tomada de decisão de investimento, pois permite que tomem consciência de forma prática, pelas evidências, das questões realmente

relevantes no campo de informação financeira e disclosure. Contudo, apenas uma pequena parcela das companhias abertas aderiu a essa iniciativa.

Os investidores demandam cada vez mais um volume maior de informação sobre os ativos

intangíveis. Sem essa informação, suas projeções e avaliações tendem a se afastar cada vez mais do valor justo, resultando em crescente volatilidade no mercado e acréscimo do custo de capital.

Nesse contexto, importantes profissionais do mercado financeiro e órgãos reguladores preparam-se para implementar uma ampla reforma nessa área. A NYSE, SEC, FASB, IASB, Brookings Institute e outros, estão conduzindo vários estudos nessa área – uma reforma será inevitável.

Como preparação para essa nova fase, os executivos de companhias abertas (especialmente os profissionais de RI) deveriam estar atuando pró-ativamente nesse processo de capacitação da sua companhia em se engajar a essa reforma, bem como liderar o esforço em medir e informar

sobre importantes variáveis que interferem na avaliação de sua companhia. Essa evolução trará um importante impacto para as companhias, suas avaliações, para o mercado de capitais e futuro

crescimento econômico do país.

(*) Valter Faria é consultor de empresas, especialista em governança corporativa, relações com investidores e estratégia de comunicação financeira, com atividades acadêmicas pela FGV, FIA, BBS, Saint Paul, IBMEC-RJ e Anhembi-Morumbi. Atua pelo IBGC, CRA e Abrasca. Algumas das empresas atendidas incluem: Vale, Petrobras, Braskem, Usiminas, Telebrás, Telefônica, Telemar, TIM, Arcelor, CSN, VCP e Klabin, entre outras.

E-mail: v f a r i a @ v a l o r p . c o m . b r