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ANO III Nº 29 Janeiro e fevereiro de 2009 Constituição & Democracia C&D Soberana é a humanidade Pacha-Mama: povos indígenas e direitos ambientais Entrevista: Michael Dukakis Meio Ambiente

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ANO III Nº 29Janeiro e fevereirode 2009 Constituição & DemocraciaC&D

Soberana é a humanidade

Pacha-Mama: povos indígenas e direitos ambientais

Entrevista:Michael Dukakis

MMeeiioo AAmmbbiieennttee

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EDITORIALOObbsseerrvvaattóórriioo ddaa CCoonnssttiittuuiiççããoo ee ddaa DDeemmooccrraacciiaa

Meio-ambiente. Esse é o foco do Observatório da Constituição e da De-mocracia neste número. O objetivo é explorar inúmeras repercussõesdo tratamento do meio-ambiente à cidadania, aos direitos humanos e

à democracia. As dimensões abordadas nesta edição têm por eixo de argumen-tação o direito ao meio-ambiente. É mais uma proposta de intervenção do Ob-servatório e um novo diálogo que se busca travar com a sociedade.

Os artigos que compõem este número possuem uma temática bastantediversificada. Noemia Porto enfrenta um assunto ainda pouco debatido quandose trata de meio-ambiente: o meio-ambiente do trabalho. Damião de Azevedofaz uma narrativa da presença humana na Serra Canastra, em Minas Gerais. OProf. Sven Peterke indaga sobre a existência de um direito humano a um meioambiente sadio. O Observatório do Ministério Público, por sua vez, lança a per-gunta sobre a importância da defesa do meio-ambiente.

Fábio de Sá e Silva entrevista o Prof. Michael Dukakis, que concorreu àseleições presidenciais nos EUA contra George Bush (pai). Dukakis falou-nos dacrise econômica e da recente campanha de Barack Obama. Fechando o núme-ro, Boaventura de Sousa Santos traz alguns riscos do processo que conduziu ànova Constituição boliviana.

GGrruuppoo ddee ppeessqquuiissaa SSoocciieeddaaddee,, TTeemmppoo ee DDiirreeiittooFFaaccuullddaaddee ddee DDiirreeiittoo –– UUnniivveerrssiiddaaddee ddee BBrraassíílliiaa

02 | UnB – SindjusDF CONSTITUIÇÃO & DEMOCRACIA | JANEIRO E FEVEREIRO DE 2009

PPrrootteeççããoo aammbbiieennttaall oouu ddeesseennvvoollvviimmeennttoo aaggrráárriioo.. PPoorr qquuee nnããoo ooss ddooiiss??MMaarriiaannaa CCiirrnnee -- Procuradora Federal, Pesquisadora do Grupo “Sociedade, Tempo e Direito – STD” – FD/UnB. 0033

UUmmaa hhiissttóórriiaa ddaa SSeerrrraa ddaa CCaannaassttrraa:: pprreesseennççaa hhuummaannaa ee aattiivviiddaaddee pprroodduuttiivvaa eemm áárreeaass ddee pprrootteeççããoo aammbbiieennttaallDDaammiiããoo AAzzeevveeddoo - Mestre em Direito pela UnB, advogado e professor universitário. 0044

DDiirreeiittooss HHuummaannooss ee aanniimmaaiissJJuuddiitthh KKaarriinnee -- professora e pesquisadora em direitos humanos, mestranda em Direito na UnB.LLeettíícciiaa CCaannuutt -- professora e doutoranda em Direito na UFSC. 0066

RReegguullaarriizzaaççããoo ffuunnddiiáárriiaa ddaa AAmmaazzôônniiaaDDaanniieell VViillaa--NNoovvaa -- Bacharel e Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília(FD/UnB); Pesquisador do Grupo de Pesquisa Sociedade, Tempo e Direito (STD/UnB) e do Grupo de Estudosem Direito das Telecomunicações (GETEL/UnB); Professor do UniCEUB e do Instituto de Direito Público. 0088

SSoobbeerraannaa éé aa hhuummaanniiddaaddeeMMaarrtthhiiuuss CCaavvaallccaannttee -- Doutorando e Mestre em Direito, Estado e Constituição pela UnB e membro do grupo de pesquisa Sociedade, Tempo e Direito. 1100

EEnnttrreevviissttaa ccoomm MMiicchhaaeell DDuukkaakkiiss““ÉÉ pprreecciissoo ddeerrrroottaarr aa rreettóórriiccaa ddoo mmeeddoo””FFáábbiioo ddee SSáá ee SSiillvvaa - Advogado graduado pela USP com mestrado pela UnB; e cursa o doutorado emDireito, Política e Sociedade na Northeastern University (Boston, EUA). 1122

EEnnttrree oo cclliimmaa ddee PPoozznnaann,, aa ccrriissee ee oo BBrraassiill hháá aallggoo eemm ccoommuumm??MMaarrccoo TTúúlliioo RR.. MMaaggaallhhããeess -- Mestre em Direito pela UnB e Procurador Federal. 1144

OOBBSSEERRVVAATTÓÓRRIIOO DDOO LLEEGGIISSLLAATTIIVVOOMMeeiioo aammbbiieennttee eeccoollooggiiccaammeennttee eeqquuiilliibbrraaddooLLuuiiss GGuussttaavvoo MMaacciieell -- Graduado em Direito (UFMG). Especialista em Direito Ambiental (UnB).Mestre em Política e Gestão Ambiental (UnB). Analista Judiciário (TSE). 1155

OOBBSSEERRVVAATTÓÓRRIIOO DDOO JJUUDDIICCIIÁÁRRIIOOOO mmeeiioo aammbbiieennttee ddoo ttrraabbaallhhoo ccoommoo ddiirreeiittoo ffuunnddaammeennttaallNNooeemmiiaa PPoorrttoo -- -- Mestranda em Direito, Estado e Constituição na UnB, especialista em DireitoConstitucional pela UnB, diretora da Escola de Magistratura do Trabalho da 10ª Região (Ematra-X) e juíza do Trabalho. 1166

OOBBSSEERRVVAATTÓÓRRIIOO DDOOSS MMOOVVIIMMEENNTTOOSS SSOOCCIIAAIISSPPaacchhaa--MMaammaa:: ppoovvooss iinnddííggeennaass ee ddiirreeiittooss aammbbiieennttaaiissRRoossaannee LLaacceerrddaa - Advogada, Mestre em Direito pela UnB, Professora universitária e membro dos grupos de pesquisa Sociedade, Tempo e Direito e O Direito Achado na Rua. 1188

OOBBSSEERRVVAATTÓÓRRIIOO DDOO MMIINNIISSTTÉÉRRIIOO PPÚÚBBLLIICCOOPPoorr qquuee pprreesseerrvvaarr oo mmeeiioo aammbbiieennttee??SSaannddrraa CCuurreeaauu -- Subprocuradora-Geral da República, Coordenadora da 4ª CCR (Meio Ambiente ePatrimônio Cultural). 2200

NNoottaa ddoo ccoorrrreessppoonnddeenntteeHHáá uumm ddiirreeiittoo hhuummaannoo aa uumm mmeeiioo aammbbiieennttee ssaaddiioo??SSvveenn PPeetteerrkkee - Professor visitante da Faculdade de Direito da UnB, doutor em Direito pela Universidade Ruhr de Bochum (RFA). 2222

OO rreeffeerreennddoo ccoonnssttiittuucciioonnaall ddaa BBoollíívviiaaBBooaavveennttuurraa ddee SSoouussaa SSaannttooss -- Direitor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. 2244

EXPEDIENTE

Caderno mensal concebido, preparado eelaborado pelo Grupo de PesquisaSociedade, Tempo e Direito (Faculdade de Direito da UnB – Plataforma Lattes do CNPq). IISSSSNN 11998833--88664466

CoordenaçãoAlexandre Bernardino CostaArgemiro MartinsCristiano PaixãoJosé Geraldo de Sousa JuniorMenelick de Carvalho NettoValcir Gassen

Comissão executivaMariana CirnePaulo Rená da Silva SantarémRicardo Machado Lourenço FilhoSilvia Regina Pontes LopesSven Peterke

Integrantes do ObservatórioAdriana Andrade MirandaAline Lisboa Naves GuimarãesBeatriz VargasDamião Alves de AzevedoDaniel Augusto Vila-Nova GomesDaniela DinizDaniele Maranhão CostaDouglas Antônio Rocha Pinheiro

Douglas LocateliEneida Vinhaes Bello DultraFabiana GorensteinFabio Costa Sá e Silva Giovanna Maria FrissoGuilherme ScottiJean Keiji UemaJorge Luiz Ribeiro de MedeirosJudith KarineJuliano Zaiden BenvindoLeonardo Augusto Andrade BarbosaLúcia Maria Brito de OliveiraMariana Siqueira de Carvalho OliveiraMarthius Sávio Cavalcante LobatoNatália DinoNoêmia Porto Paulo Henrique Blair de OliveiraRamiro Nóbrega Sant´AnaRaphael Augusto PinheiroRenato BigliazziRosane Lacerda

Projeto editorialR&R Consultoria e Comunicação Ltda

Editor responsávelLuiz Recena (MTb 3868/12/43v-RS)

Editor assistenteRozane Oliveira

Diagramação - Gustavo Di AngellisIlustrações - Flávio Macedo Fernandes

[email protected] www.fd.unb.br

Sindicato dos Bancáriosde Brasília

Assine C&Dhttp://www.unb.br/fd/ced/PPrreeççoo aavvuullssoo:: RR$$ 22,,0000

CONSTITUIÇÃO & DEMOCRACIA | JANEIRO E FEVEREIRO DE 2009 UnB – SindjusDF | 03

Mariana Cirne

Para o Ministério de Agricultu-ra, Pecuária e Abastecimento- MAPA, o Brasil tem 388 mi-

lhões de hectares de terras agricul-táveis férteis e de alta produtivida-de, dos quais 90 milhões ainda nãoforam explorados. Em contraparti-da, o Ministério do Meio Ambiente- MBA vê o Brasil como um país emque existe uma das maiores diversi-dades ecológicas do mundo, commais de 20% do número total de es-pécies do planeta, a ser preservada.Esses conceitos mostram como oBrasil é visto sob dois pontos de vis-ta: produtividade ou preservação.Eis o atual impasse entre agriculto-res e ambientalistas, repetido inclu-sive pelos Ministros, em debatespúblicos. Cada um sustenta que asua concepção é a correta. Perma-necem em lados opostos, enquantoa Constituição Federal de 1988, noseu artigo 186, parece perguntar:Por que não os dois?

Diante do aparente impasse, ca-be analisar como é viável a leituraconjunta destes dois sentidos, nosmoldes previstos na Constituição ese há, na atualidade, empenho dasentidades brasileiras quanto àcompatibilização de princípios:Função Social da Propriedade eProteção Ambiental. Não dá parafingir que não existe um problema.O IBAMA, em 1998, traçou a metade proteger 10% do território brasi-leiro com unidades de preservaçãointegral. De outro lado, o agrone-gócio representa 33 % do PIB brasi-leiro (MAPA), e encontra-se emampla expansão. Então, diante dasignificativa representatividadedesse setor na economia brasileira,não seria melhor garantir uma pre-servação ambiental concatenada àprodução agrícola?

O plantio agrícola, necessaria-mente, transforma a natureza. Noentanto, existem mecanismos le-gais, e políticas públicas, que po-dem garantir essa relação do ho-mem com a natureza, tornando

possível a preservação para as gera-ções futuras, sem abrir mão da sub-sistência. Entre os princípios da ati-vidade econômica agrícola está aproteção ao meio ambiente. Nostermos do art. 186 da CF o respeitoao meio ambiente é um dos requisi-tos, simultaneamente exigidos, pa-ra cumprimento da Função Socialda Propriedade. Logo, trata-se deobrigações correlatas.

O Código Florestal estabelece al-guns coeficientes de preservaçãoobrigatória na execução da ativida-de agropecuária ou urbana. A lei n°6.225/75 estabelece regiões para aexecução de proteções ao solo ecombate à erosão. Nesta mesma lei,há previsão de que os financiamen-tos concedidos para o plantio serãocondicionados à apresentação deum plano de proteção do solo, a sercertificado por engenheiro agrôno-mo. Há, inclusive, um controle so-bre os agrotóxicos, previsto na Lein° 7.802/89. Em suma, não falta re-gulamentação constitucional e in-fraconstitucional para uma leituraconjunta do direito agrário e am-biental. No entanto, a efetividadedesta harmonização ainda é umarealidade muito distante.

Existem, contudo, alguns exem-plos de leitura conjunta bem suce-dida desses princípios. Um caso in-teressante ocorreu em São Paulo,na área do pontal do Paranapane-ma. Nessa região, em que seriamrealizados assentamentos rurais,em 1992, apenas 13% de coberturavegetal era nativa. Devido ao baixoíndice de preservação, os própriosassentados realizaram a recompo-sição da mata nativa até um limitemínimo de 20% de suas áreas. Isso,contudo, não impediu a rentabili-dade agrícola de tais áreas. Bem sevê, portanto, que é possível compa-tibilizar interesses econômicos esociais, estes identificados na pro-teção ambiental.

No entanto, a realidade apresen-ta dois grandes óbices a tal objetivo:a falta de fiscalização e, sobretudo,de diálogo.

Quanto à fiscalização, há umagrande celeuma sobre de quem se-ria a competência para a verifica-ção da proteção ambiental na pro-dução agrícola. Nos termos fixadosna Constituição, a competênciaquanto à proteção do meio ambi-ente é responsabilidade comumentre a União, os Estados e os mu-

nicípios. No entanto, o que deveriasignificar uma atuação mais ampla,gera, em verdade, uma desmobili-zação. Poucos são os Estados e Mu-nicípios que possuem destinaçõesorçamentárias e um quadro de fis-cais para efetivar um controle aosdesrespeitos ambientais. Apenas al-guns Estados, como por exemploSão Paulo, têm um quadro de poli-ciais militares ambientais. A União,que poderia atuar por meio da polí-cia federal, permanece mais volta-da ao combate da corrupção e dotráfico de drogas. A questão am-biental termina restrita ao IBAMA,que conta com poucos fiscais parazelar por um território de dimen-sões continentais. Conclusão: a ta-refa torna-se impossível.

A situação é ainda mais compli-cada quanto ao diálogo. Os Minis-térios, assim como as autarquiascorrelatas, permanecem desenvol-vendo trabalhos paralelos, semqualquer conexão, no intuito derealizar um desenvolvimento sus-tentável da natureza. Não existecomunicação entre os projetos.Parece até que os temas - meioambiente e produção rural - nãotêm qualquer conexão. No entan-to, por se tratarem de áreas corre-latas, afinal, ambas têm intrínse-cas relações com a terra, o trabalhoseria bem mais proveitoso em umaatuação coordenada.

Infelizmente, salvo raras exce-ções, os temas permanecem apar-tados. A previsão Constitucionalnão consegue pôr fim à segregação.As pessoas é que possuem este con-dão. Mas, como diria Drummond,“A noite desceu. Que noite! Já nãoenxergo meus irmãos”. Quem sabenão valha a pena deixar de lado anoite, e olhar para os lados. Assim,esperamos que nas políticas agro-pecuárias e ambientais esqueça-mos um pouco só o nosso ponto devista para que cheguemos à conclu-são de que Havemos de amanhecer.

À noite dissolve os homens.Carlos Dummond.

Proteção ambiental ou desenvolvimento agrário

Por que não os dois?

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20 | UnB – SindjusDF CONSTITUIÇÃO & DEMOCRACIA | JANEIRO E FEVEREIRO DE 2009

Sandra Cureau

Ninguém imaginaria, nos diasde hoje, personagens de ci-nema, interpretados por

ícones como Brad Pitt ou GeorgeClooney, passeando de carro com anamorada e jogando as guimbas decigarro pela janela. Entretanto, seassistirmos aos filmes americanosda década de 1950, veremos isso fre-quentemente. O que mudou?

A preocupação com a preservaçãodos recursos naturais, visando asse-gurar as condições de vida da huma-nidade, é recente e decorre da cons-tatação científica de que tais recursossão finitos. Todos os bens da nature-za, que não tenham sofrido transfor-mações pela ação humana e que pos-sam ser úteis ao homem, constituemo meio ambiente natural.

No Brasil, a primeira definiçãolegal de meio ambiente surgiu coma edição da Lei n° 6.938, de 1981,que instituiu a Política Nacional deMeio Ambiente, considerando-ocomo um “patrimônio público a sernecessariamente assegurado e pro-tegido, tendo em vista o uso coleti-vo” (art. 2°, I). A mesma lei federal

conceituou-o como “o conjunto decondições, leis, influências e intera-ções de ordem física, química e bio-lógica, que permite, abriga e rege avida em todas as suas formas” (art.3°, I). Posteriormente, a Constitui-ção Federal de 1988, em seu artigo225, dispôs que “todos têm direitoao meio ambiente ecologicamenteequilibrado, bem de uso comum dopovo e essencial à sadia qualidadede vida” e impôs ao Poder Público eà coletividade o dever de defendê-loe preservá-lo para as presentes e fu-turas gerações.

Como salienta o jurista espa-

nhol, Ramón Martín Mateo, nossosantepassados, tão logo iniciaramseu processo evolutivo, começarama deixar atrás de si abundantes resí-duos. No interior das cavernas, ha-bitadas pelos homens do períodopaleolítico, acumularam-se ossadasdos animais que lhes serviram dealimento. Em períodos posteriores,cidades como Roma tiveram sua to-pografia alterada pelas colinas gera-das pelo acúmulo de resíduos do-mésticos. Pode-se, assim, afirmarque a mais antiga forma de poluiçãopor resíduos sólidos é a doméstica,nas formas biológica e química.

Mais recentemente, o progressoeconômico e as crescentes deman-das dos consumidores, alimentadaspela publicidade, criaram novas ne-cessidades, imprescindíveis para ofuncionamento do sistema produ-tivo. Os bens assim gerados têm co-mo características a utilização efê-mera, a apresentação gratificante eo fato de destinarem-se a necessi-dades secundárias. Tome-se comoexemplo um secador de cabelos,um telefone celular ou um aparelhode Ipod. A todo momento, surgemmodelos novos, melhores e maissofisticados, que tornam os ante-

CONSTITUIÇÃO & DEMOCRACIA | JANEIRO E FEVEREIRO DE 2009 UnB – SindjusDF | 21

Por que preservar o meio ambiente?OBSERVATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO riores ultrapassados. Com isso,

cria-se um constante descarte deobjetos inservíveis, que passam a seacumular na natureza, muitos dosquais levam centenas, senão milha-res, de anos para serem por ela assi-milados.

O Ministério Público Federalvem atuando em várias frentes, vi-sando combater a poluição e suasconsequências para o meio ambi-ente. O tema passou a ser objeto depreocupações, em âmbito nacional,desde o III Encontro Nacional da 4ªCâmara de Coordenação e Revisão,ocorrido em abril de 1999, ocasiãoem que o MPF passou a integrar aCoordenação Nacional do Progra-ma Lixo e Cidadania.

Um caso exemplar de contami-nação ambiental, decorrente de ile-galidades observadas na disposiçãode resíduos, é o da Cidade dos Me-ninos, no Rio de Janeiro. A desativa-ção de uma fábrica de pesticidas,por volta de 1965, levou à total con-taminação da área por substânciastóxicas, envolvendo uma populaçãode aproximadamente 1.300 pessoas,agrupadas em 340 famílias.

Segundo relato dos moradores,os resíduos do foco principal foramdisseminados por via aérea, naságuas pluviais e, principalmente,por meio de carregamento mecâni-co, para utilização em aterros e apli-cação como agrotóxicos.

O local em que funcionou a fá-brica ocupava, até setembro de2001, uma área cercada de, aproxi-madamente, 40.000 m2. Após a rea-lização dos estudos contratados pe-lo Ministério da Saúde, a cerca deisolamento foi ampliada para inclu-ir terrenos adjacentes à antiga fábri-ca, devido à constatação de teoreselevados de resíduos organoclora-dos. Essa área, considerada comofoco principal da contaminação,passou a ser considerada como ten-do um total de 70.000 m2, incluindoos escombros das casas demolidas eo material removido emergencial-mente dos focos secundários.

Instaurado inquérito civil públi-co em 1990, no ano seguinte foiconstatada a contaminação e indi-cada a necessidade de afastamento

da população residente nas proxi-midades da área do foco principal.Em 1991, foi ajuizada ação civil pú-blica, para obrigar a União a promo-ver o adequado tratamento de saú-de das pessoas contaminadas e exe-cutar as etapas do Plano de Açãoelaborado pela Fiocruz e do Planode Monitoramento do organoclora-do (HCH), no solo e na água, pro-posto pela FEEMA, que é o órgãoambiental estadual.

Em 1996, foi firmado Termo deAjuste de Conduta, pelo qual o Mi-nistério da Saúde assumiu a respon-sabilidade pela completa e perma-nente descontaminação da área epela assistência à população, com-prometendo-se a arcar com os re-cursos necessários às medidas derecuperação. Mais tarde, em 1996, oMinistério Público Federal obteveliminar em ação civil pública, paraobrigar a União a abster-se de reali-

zar qualquer negociação para ces-são ou transferência das terras daCidade dos Meninos, antes da efeti-va descontaminação.

Em 1997, nova ação foi ajuizadapara executar o Termo de Ajuste deConduta. Recentemente, em 2007, aJustiça Federal nomeou peritos paraorientar o juízo no exame e defini-ção do projeto definitivo de recupe-ração da área contaminada.

Atualmente, existem tramitandoem todo o país, pelo menos, 120ações civis públicas, envolvendo si-tuações relacionadas a aterros sani-tários, tais como irregularidades nasua construção e ausência de Li-cenciamento Ambiental. Pelo me-nos, 48 procedimentos, tratando deresíduos de serviços de saúde estãoem andamento, além de outros tra-tando da responsabilidade pós-consumo de fabricantes e distribui-dores, quanto ao descarte de emba-

lagens e sobras não consumíveis,como pneus, baterias e garrafasplásticas. Diga-se, a propósito, que80,5% das cerca de 10 bilhões deembalagens de refrigerantes, quecirculam a cada ano no País, sãoembaladas em garrafas PET e poucomenos de 50% delas são recicladas.O restante vai para aterros, redes ur-banas de drenagem ou para o leitodos cursos d’água, sendo necessá-rios mais de 100 anos para que sedecomponham na natureza.

Independentemente da funçãoinstitucional do Ministério Público,consagrada no inciso III do art. 129da Constituição Federal de 1988, ca-be a cada cidadão brasileiro o deverde defender e preservar o meio am-biente para as presentes e futurasgerações. Como diz um provérbioindiano, “nós não herdamos a terrados nossos ancestrais. Nós a toma-mos emprestada dos nossos filhos.”

El “espacio basura”es lo que quedadespués de que lamodernización hayaseguido su curso o,más concretamente,lo que se coagulamientras la modernización está emmarcha: su secuela.

(Rem Koolhaas)

80,5%, das cerca de 10 bilhões de embalagens de refrigerantes, que circulam a cada ano no País, são embaladas em garrafas PET e pouco menos de 50% delas são recicladas.

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20 | UnB – SindjusDF CONSTITUIÇÃO & DEMOCRACIA | JANEIRO E FEVEREIRO DE 2009

Sandra Cureau

Ninguém imaginaria, nos diasde hoje, personagens de ci-nema, interpretados por

ícones como Brad Pitt ou GeorgeClooney, passeando de carro com anamorada e jogando as guimbas decigarro pela janela. Entretanto, seassistirmos aos filmes americanosda década de 1950, veremos isso fre-quentemente. O que mudou?

A preocupação com a preservaçãodos recursos naturais, visando asse-gurar as condições de vida da huma-nidade, é recente e decorre da cons-tatação científica de que tais recursossão finitos. Todos os bens da nature-za, que não tenham sofrido transfor-mações pela ação humana e que pos-sam ser úteis ao homem, constituemo meio ambiente natural.

No Brasil, a primeira definiçãolegal de meio ambiente surgiu coma edição da Lei n° 6.938, de 1981,que instituiu a Política Nacional deMeio Ambiente, considerando-ocomo um “patrimônio público a sernecessariamente assegurado e pro-tegido, tendo em vista o uso coleti-vo” (art. 2°, I). A mesma lei federal

conceituou-o como “o conjunto decondições, leis, influências e intera-ções de ordem física, química e bio-lógica, que permite, abriga e rege avida em todas as suas formas” (art.3°, I). Posteriormente, a Constitui-ção Federal de 1988, em seu artigo225, dispôs que “todos têm direitoao meio ambiente ecologicamenteequilibrado, bem de uso comum dopovo e essencial à sadia qualidadede vida” e impôs ao Poder Público eà coletividade o dever de defendê-loe preservá-lo para as presentes e fu-turas gerações.

Como salienta o jurista espa-

nhol, Ramón Martín Mateo, nossosantepassados, tão logo iniciaramseu processo evolutivo, começarama deixar atrás de si abundantes resí-duos. No interior das cavernas, ha-bitadas pelos homens do períodopaleolítico, acumularam-se ossadasdos animais que lhes serviram dealimento. Em períodos posteriores,cidades como Roma tiveram sua to-pografia alterada pelas colinas gera-das pelo acúmulo de resíduos do-mésticos. Pode-se, assim, afirmarque a mais antiga forma de poluiçãopor resíduos sólidos é a doméstica,nas formas biológica e química.

Mais recentemente, o progressoeconômico e as crescentes deman-das dos consumidores, alimentadaspela publicidade, criaram novas ne-cessidades, imprescindíveis para ofuncionamento do sistema produ-tivo. Os bens assim gerados têm co-mo características a utilização efê-mera, a apresentação gratificante eo fato de destinarem-se a necessi-dades secundárias. Tome-se comoexemplo um secador de cabelos,um telefone celular ou um aparelhode Ipod. A todo momento, surgemmodelos novos, melhores e maissofisticados, que tornam os ante-

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Por que preservar o meio ambiente?OBSERVATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO riores ultrapassados. Com isso,

cria-se um constante descarte deobjetos inservíveis, que passam a seacumular na natureza, muitos dosquais levam centenas, senão milha-res, de anos para serem por ela assi-milados.

O Ministério Público Federalvem atuando em várias frentes, vi-sando combater a poluição e suasconsequências para o meio ambi-ente. O tema passou a ser objeto depreocupações, em âmbito nacional,desde o III Encontro Nacional da 4ªCâmara de Coordenação e Revisão,ocorrido em abril de 1999, ocasiãoem que o MPF passou a integrar aCoordenação Nacional do Progra-ma Lixo e Cidadania.

Um caso exemplar de contami-nação ambiental, decorrente de ile-galidades observadas na disposiçãode resíduos, é o da Cidade dos Me-ninos, no Rio de Janeiro. A desativa-ção de uma fábrica de pesticidas,por volta de 1965, levou à total con-taminação da área por substânciastóxicas, envolvendo uma populaçãode aproximadamente 1.300 pessoas,agrupadas em 340 famílias.

Segundo relato dos moradores,os resíduos do foco principal foramdisseminados por via aérea, naságuas pluviais e, principalmente,por meio de carregamento mecâni-co, para utilização em aterros e apli-cação como agrotóxicos.

O local em que funcionou a fá-brica ocupava, até setembro de2001, uma área cercada de, aproxi-madamente, 40.000 m2. Após a rea-lização dos estudos contratados pe-lo Ministério da Saúde, a cerca deisolamento foi ampliada para inclu-ir terrenos adjacentes à antiga fábri-ca, devido à constatação de teoreselevados de resíduos organoclora-dos. Essa área, considerada comofoco principal da contaminação,passou a ser considerada como ten-do um total de 70.000 m2, incluindoos escombros das casas demolidas eo material removido emergencial-mente dos focos secundários.

Instaurado inquérito civil públi-co em 1990, no ano seguinte foiconstatada a contaminação e indi-cada a necessidade de afastamento

da população residente nas proxi-midades da área do foco principal.Em 1991, foi ajuizada ação civil pú-blica, para obrigar a União a promo-ver o adequado tratamento de saú-de das pessoas contaminadas e exe-cutar as etapas do Plano de Açãoelaborado pela Fiocruz e do Planode Monitoramento do organoclora-do (HCH), no solo e na água, pro-posto pela FEEMA, que é o órgãoambiental estadual.

Em 1996, foi firmado Termo deAjuste de Conduta, pelo qual o Mi-nistério da Saúde assumiu a respon-sabilidade pela completa e perma-nente descontaminação da área epela assistência à população, com-prometendo-se a arcar com os re-cursos necessários às medidas derecuperação. Mais tarde, em 1996, oMinistério Público Federal obteveliminar em ação civil pública, paraobrigar a União a abster-se de reali-

zar qualquer negociação para ces-são ou transferência das terras daCidade dos Meninos, antes da efeti-va descontaminação.

Em 1997, nova ação foi ajuizadapara executar o Termo de Ajuste deConduta. Recentemente, em 2007, aJustiça Federal nomeou peritos paraorientar o juízo no exame e defini-ção do projeto definitivo de recupe-ração da área contaminada.

Atualmente, existem tramitandoem todo o país, pelo menos, 120ações civis públicas, envolvendo si-tuações relacionadas a aterros sani-tários, tais como irregularidades nasua construção e ausência de Li-cenciamento Ambiental. Pelo me-nos, 48 procedimentos, tratando deresíduos de serviços de saúde estãoem andamento, além de outros tra-tando da responsabilidade pós-consumo de fabricantes e distribui-dores, quanto ao descarte de emba-

lagens e sobras não consumíveis,como pneus, baterias e garrafasplásticas. Diga-se, a propósito, que80,5% das cerca de 10 bilhões deembalagens de refrigerantes, quecirculam a cada ano no País, sãoembaladas em garrafas PET e poucomenos de 50% delas são recicladas.O restante vai para aterros, redes ur-banas de drenagem ou para o leitodos cursos d’água, sendo necessá-rios mais de 100 anos para que sedecomponham na natureza.

Independentemente da funçãoinstitucional do Ministério Público,consagrada no inciso III do art. 129da Constituição Federal de 1988, ca-be a cada cidadão brasileiro o deverde defender e preservar o meio am-biente para as presentes e futurasgerações. Como diz um provérbioindiano, “nós não herdamos a terrados nossos ancestrais. Nós a toma-mos emprestada dos nossos filhos.”

El “espacio basura”es lo que quedadespués de que lamodernización hayaseguido su curso o,más concretamente,lo que se coagulamientras la modernización está emmarcha: su secuela.

(Rem Koolhaas)

80,5%, das cerca de 10 bilhões de embalagens de refrigerantes, que circulam a cada ano no País, são embaladas em garrafas PET e pouco menos de 50% delas são recicladas.