DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Scaff - 1o Bim
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Teoria Geral dos Contratos
Fernando Campos Scaff
Prova parcial – 14.setembro (3ª feira logo após o feriado)
02.08
1. Introdução. Noção de contrato. O contrato e o negócio jurídico. (Revisão de conceitos)
Ato jurídico x Fato Jurídico
Fato Jurídico – qualquer evento independente da vontade humana que gere efeitos jurídicos
Ato Jurídico – depende da vontade humana, ela é relevante. Ato (stricto): manifestação da vontade no sentido da adesão há uma disposição prevista em lei pré-‐existente
Negócio Jurídico – Vontade já é elemento relevante. Manifestação mais clara, mais ampla, mais definida, mais intensa. Estabelecimento de cláusulas, condições, parâmetros subordinados a 2 limites gerais: ordem pública, bons costumes (e também para alguns autores, função social).
Unilateral – na sua formação, basta a expressão da vontade de 1 parte. Ex. Testamento, promessa de pagamento (vinculante, independentemente da aceitação).
Bilateral (plurilateral) – nem todo negócio jurídico bilateral é um contrato.
Maior das expressões da liberdade individual – reconhecer os efeitos vinculantes do contrato é uma conquista da civilização. Permitir que a parte, o indivíduo, declare, manifeste e regule seus próprios interesses. Início: CC francês 1804 (Napoleão).
Pandectistas – 1 divisão: ato jurídico (lato – vontade é elemento relevante, 2 espécies: declaração da vontade + realização da vontade). Não basta criarmos vínculo para nós mesmos, é necessário realizar tal vontade de acordo com o contratante. Ex. Ação declaratória ou processo de conhecimento, o objetivo é que o juiz declare qual direito deve prevalecer. Ex2. Relação contratual com insolvência, o juiz deve declarar a mora e o inadimplemento. Ex3. Fase de execução, o direito já está declarado, devemos satisfazer o processo de execução. Existem atos que buscam a mera declaração do direito e outros buscam a satisfação/execução de tal direito, em geral, invadindo a esfera patrimonial da outra parte.
É importante reconhecer é que o contrato é um conceito jurídico. Criação a partir de vontades convergentes, as partes declaram sua intenção de contratar, de maneira expressa ou tácita, formal ou com conjunto de atos/comportamentos que levam à conclusão do contrato. A exteriorização se faz de maneiras diferentes. Alguns contratos, com bens móveis p.ex., basta a
manifestação verbal do consentimento. A regra é a do consensualismo e da informalidade da contratação. Em outras oportunidades, de maneira excepcional, a vontade expressa tem que se manifestar de maneira específica, atendendo a uma forma determinada, não bastando a forma declarada verbalmente. Em outros casos ainda, o modo escrito deve ser feito por escritura pública, referente a bens imóveis, p.ex. A formalização é o instrumento do contrato. De um lado temos o conteúdo do contrato, e de outro, sua exteriorização (contrato). Suas cláusulas e condições. O contrato indica uma operação econômica, questão de fundo de todo contrato. Quando eu trato de contratos, estou fundando essas idéias em operações econômicas. Elas precedem a idéia do contrato. Quando surge a possibilidade de regular operações pelo contrato, eu passo a fazer mediante a adoção de um instrumento jurídico. Não se faz operação econômico tão somente com o contrato. Espécies não-‐contratuais: tributação, herança, mecanismos não contratuais. Relações derivadas do contato social, que indica que determinadas situações da vida não são propriamente contratuais. Ex. Contrato de fornecimento de energia: consumidor + fornecedor, contrato de adesão, existe um pressuposto contratual com características tão diferentes que certos autores aceitam não existir um contrato propriamente dito.
2 teorias: Pandectistas (contrato = declaração de vontade) x Teoria Preceptiva (contrato = autoregulamentação dos próprios interesses)
Contrato
Art. 1321 CCIt – Código indica muitos conceitos. Quanto ao contrato, o CCIt é o acordo entre 2 ou mais pessoas para, entre si, constituir, regular ou extinguir uma relação jurídica de natureza patrimonial.
Ou seja, regular operações econômicas. A idéia de contrato surge a partir do surgimento prévio de uma relação econômica nova. O legislador pode querer instigar que uma determinada relação econômica passe a existir, de maneira que as coisas mudam. Existe uma evolução da criação, quando se torna ou não relevante na economia tais relações econômicas. Ex. Desenvolvimento tecnológico novo, como TV a cabo, passa a ser em um primeiro momento um bem disponível a poucas pessoas. O Estado permite tal relação, que atinge a poucos, pois ele tem outras preocupações, as partes regulam da maneira que querem. Entretanto, com a generalização do serviço, tal operação passa a ser de interesse do Estado, que cria uma agencia reguladora que estabelece regras contratuais, protegendo determinada parte (consumidor, no caso). Tipificação pela lei. No sentido inverso, há contratos que deixam de existir pois sua operação deixa de ser relevante. Ex. Compra e venda de linha telefônica. A operação econômica deixou de ser relevante, logo, diminui-‐se o número de restrições contratuais.
Direito Romano clássico, não havia nenhuma figura que se aproximasse do contrato como reconhecemos hoje, como o CCIt. Ideia próxima – stipulatio: esquema formal a partir de promessas feitas em público. A idéia é de que essas situações tinham um grau de solenidade que se aproximava de manifestações religiosas. A solenidade era mais importante que o conteúdo. O descumprimento de uma das formalidades faria descumprir o ato em si. Os romanos distinguiam ainda pacto (gera obrigações “naturais” – desprovidas de sanção. Ex. dívida de jogo) e contrato (gera obrigações civis).
Contrato típico: regulamentado pelo ordenamento. Sistematizados pela legislação.
Ideia de contrato está vinculada a autonomia da vontade. Elementos complementares adicionados pelos canonistas: consenso e fé jurada. O fundamento está na vontade livre dos contratantes (liberdade contratual), colocada ainda hoje sob 3 perspectivas: liberdade de celebrar o contrato, de escolher o contratante e de determinar o conteúdo do contrato.
Ainda hoje, posso celebrar um contrato como os juristas do século XIX previram. Mesmo grau de comprometimento, vinculação da palavra, liberdade contratual, etc, formalizando a operação econômica desejada. Há outros meios que tais elementos não são tão claros. Ex. contrato pela internet – quando há declaração? E se houver divergência quanto ao objeto? Compreensão diferente sobre o direito de cada parte, o consumidor é hiposuficiente, a interpretação benéfica recai sobre ele. A economia de massa ocultou a pessoalidade contratual, pessoa x pessoa. Em outros casos, não há possibilidade de alteração das cláusulas contratuais, ex. contrato de transporte, distribuição, etc.
O contrato não traduz simplesmente a operação, ele é um mero formalismo, ele apenas estabelece os limites, restrições. Ex. Contrato de plano de saúde, lei que estabelece cláusulas obrigatórias dos contratos de plano de saúde, como a interdição de impedir de contratar por questão de idade ou moléstia pré-‐existente. A empresa de plano é proibida de negar contratação. Conseqüência: fim dos planos individuais, as empresas apenas contratam coletivamente. Causa: excesso de dirigismo econômico, que inviabilizou a operação. Por outro lado, se o contrato for equilibrado, ele pode orientar tal operação, ele é mais do que simplesmente a formalização, mais do que um adereço, ele informa, indica os parâmetros da operação.
Relatividade do contrato – relação social x econômica. Os contratos têm a sua feição, seu disciplinamento e sua estrutura vinculados à situação social no qual estão inseridos. Seu formato se adéqua à situação do momento. Vínculo insuperável. O contrato promoveu uma revolução social. Henri Summer Maine, “lei de maine”, o contrato motivou que o centro de valorização deixasse de ser o status para que fosse o contrato. Os direitos das pessoas estavam vinculados ao status social do individuo, sua posição determinava o alcance de seus direitos. Até o século XX, o sexo e o estado civil determinavam a extensão da capacidade das pessoas (mulheres casadas eram consideradas relativamente incapazes).
Propriedade
Conquista do CCFr 1804. Transferência da riqueza através da sucessão ou pela compra e venda. Outorgar a possibilidade entre vivos de transferência. A contratação da transferência de riqueza foi estabelecida pelo CCFr, a partir de formatos e condições específicas.
Empresa
Agora estabelecida pelo CC/2002. Noção ao redor do empresário, quem assume a gestão produtiva dos bens. Modo: fenômeno contratual – buscar consumidores, fornecedores, crédito, etc. O estabelecimento é o instrumental para que essa empresa se exerça.
A sociedade, forma mais relevante da empresa, faz-‐se por meio contratual.
Família
Casamento – 2 ordens: institucionalista (casamento = centro de atribuição superior de interesses e direitos, assim como o Estado, o Direito, que supera o mero interesse das partes) x contratualista (matrimônio = contrato, relativizado pelo fato de não regular fato patrimonial)
Em D. de Família, muitos atos se aproximam do contrato – regime de bens entre cônjuges. Brasil, 4 regimes: comunhão universal (todos os bens antes e depois pertencem a ambos), comunhão parcial (bens antes, se mantem separados. Durante matrimonio, juntos) separação total (2 patrimonios separados), participação xxx (2 patrimonios separados, mas o que foi adquirido durante o matrimonio é dividido em 50%). Separação legal de bens – indivíduo acima de 60 (?) anos, impõe-‐se separação total.
Representação dos incapazes. Até os 16 anos, pais representam os filhos. Entre 16 e 18, eles lhe assistem.
Formação dos contratos
Exige existência de mais de 1 parte. As partes são centros de interesse. Pode haver mais de um indivíduo em cada extremidade contratual.
Convergência de declaração de vontade. Na teoria do contrato, é chamada “consenso”. Em geral, os contratos são consensuais, se formam pela mera manifestação da vontade. Outros, não são consensuais, não basta declarar a vontade, é necessária a entrega física do bem. Ex. Depósito, para que o bem seja guardado por uma das partes, é precisa a transferência física do bem. Ex2. Empréstimo, se dá pela transferência do valor.
Aspecto material – instrumento é a sua expressão. Ex. meio físico (papel, digitalizado, etc.).
Disposições são chamadas cláusulas contratuais. Podem ser essenciais, naturais ou acidentais. Estabelecem a regra e o conteúdo do contrato, como operação econômica, criando, alterando ou extinguindo direitos de ordem patrimonial.
Essenciais: obrigatórias à existência do próprio contrato. Ex. Compra e venda – objeto e preço são essenciais.
Naturais: não são indispensáveis, mas presumem-‐se inseridas no contrato caso não haja disposição contrária. Ex. evicção do comprador, o vendedor é obrigado a ressarcir.
Acidentais: não estão na natureza do contrato. Ex. multa, juros, forma de pagamento.
A lei regula de maneira impositiva, a partir de uma origem estatal. O contrato é uma regulação privada dos interesses, e pode se sobrepor à lei, desde que não seja de ordem pública e impositiva.
03.08
Preâmbulo do contrato: identificação das partes contratantes, os centros de interesse. Podem figurar também os “considerandos”, pressupostos para a fase introdutória do contrato.
Fenômeno contratual recente: grande extensão dos contratos, pela influência norte-‐americana, onde não há código civil e as partes auto-‐regulam todos os campos possíveis. Assim, no Brasil, parte das cláusulas contratuais repete dispositivos legais sem a necessidade de fazê-‐lo. Causa: economia globalizada e superposição das operações econômicas.
Oferta x aceitação
Possibilidade: convite a contratar ou não. As manifestações podem ser feitas concomitantemente.
Concepções de contrato
Subjetiva: o contrato como fonte de direitos e obrigações. Expressão da liberdade individual, interesses recíprocos contratados.
Objetiva: contrato como fonte de preceitos, com substância normativa. O contrato se coloca ao lado da lei e da sentença, entretanto, como fonte privada das relações jurídicas.
2. Princípios do Direito Contratual. Os princípios tradicionais e os novos princípios.
Base: consenso da manifestação e do acordo de vontades; Autonomia da vontade e liberdade individual. Formação dos princípios remete ao século XVIII.
• Princípio da liberdade contratual (sentido amplo) – 3 perspectivas: a. possibilidade de celebrar; b. de estabelecer seu conteúdo e; c. de estabelecer com quem contratar. Subordinação a três limites maiores: bons costumes, ordem pública e função social. Enquanto não houver agressão a tais fronteiras, as partes têm liberdade para contratar. Nesse caso, a interferência do judiciário é exceção, a interferência demasiada pode eliminar a operação econômica.
• Princípio da obrigatoriedade dos efeitos contratuais – “O contrato faz lei entre as partes”. Há a liberdade do direito de contratar, entretanto ela gera uma obrigação que, em caso de insolvência, a parte poderá ser constrangida a executar a prestação contida no contrato. O contrato é uma fonte normativa de natureza privada.
• Princípio da relatividade dos efeitos contratuais – O contrato somente vincula as partes, não beneficiando ou prejudicando terceiros. Não se pode acrescentar ou reduzir patrimônio daqueles que não participaram dessa relação de natureza privada. Isso feriria a liberdade de contratar do terceiro.
Originalmente, esses princípios estavam no CCFr (1804). A liberdade foi a ideia clássica do liberalismo, entretanto, a intervenção estatal se fez necessária ao longo do último século, criando o fenômeno do dirigismo contratual. Quando as partes estão no mesmo plano de conhecimento, de acesso à informação, de capacidade contratual, a liberdade contratual é benéfica e não traz problemas. Não vivemos, porém, num sistema de concorrência pura, visto que muitas vezes os contratantes não dispõem da mesma qualidade de informação, da mesma força econômica. Nesses casos, cabe ao Estado estabelecer limites para proteger a parte hiposuficiente.
09.08
O legislador de 20021 parte de conceitos e pressupostos diferenciados2. O CC/1916, ao contrário daquele, tinha no centro de suas preocupações quase exclusivamente a garantia da liberdade contratual. Assim, novos princípios estão guiando o legislador para a formação dos contratos:
• Princípio da boa-‐fé objetiva3 – Regra de conduta préestabelecida pela lei. Descumprir a regra de conduta implica em ferir a boa-‐fé objetiva. Duas outras perspectivas colocadas pela doutrina: a. canon integrativo interpretativo, sendo portanto uma norma de interpretação do juiz; b. para limitar determinados direitos subjetivos. Momentos de consideração da boa-‐fé objetiva: 1. Na celebração do contrato, principalmente quando há possibilidade de negociação das cláusulas contratuais (ao contrário dos contratos rígidos da contratação de seguros, p.ex.). Nos casos de hipossuficiência, principalmente, é imprescindível pressupor que ambas as partes ajam com boa-‐fé, de acordo com um comportamento préestabelecido. 2. Nos deveres acessórios/laterais4, que são condutas que devem ser tomadas necessariamente na contratação/realização do contrato. Ex. o médico só pode prestar a assistência caso ele tenha informado o paciente e que este tenha compreendido todo o procedimento, sendo isto um dever lateral. 3. Regra de conduta, sendo um dever de conduta contratual ativo. Deve-‐se, portanto, haver algo a ser realizado. Não se contrapõe à má-‐fé subjetiva, pois o desvio de um dever determinado. Na legislação, a boa-‐fé encontra-‐se: a. Art. 51, IV, do CConsumidor, anula as normas na relação de consumo que sejam incompatíveis com a boa-‐fé; b. CC, art. 115, art. 187, art. 422, CC. Este último prevê a boa-‐fé na conclusão e execução dos contratos, mas a doutrina critica que tal dispositivo esqueceu dos momentos pré contratuais (informações prévias) e pós contratuais (dever de sigilo, cláusula de não-‐concorrência); e. Lei das SA, art. 115, voto do acionista não pode causar dano à companhia e aos outros acionistas a fim de assumir vantagem para si próprio. Art. 153, dever de diligência. Art. 156, conflito de interesses;
• Princípio da Justiça no contrato / do equilíbrio econômico – regras que dizem respeito à onerosidade excessiva ou à lesão. Quanto à onerosidade excessiva, os artigos 478 e ss. do CC: “se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, [...] poderá o devedor pedir a resolução do contrato”. Já a lesão ocorre quando o abuso da necessidade da outra parte ou de extrema impotência (art. 157). O
1 O meio utilizado para isso foi elevar determinados princípios à categoria de leis, garantindo a interferência do juiz na mitigação ou no reequilíbrio entre relações econômicas. A intervenção do juiz nas relações contratuais gerou o fenômeno da “crise do contrato”. As relações jurídicas deveriam ser estabelecidas como ato jurídico (strito sensu), cabendo às partes decidir aderir ou não. 2 No plano internacional, esse movimento toma início na República de Weimar na Alemanha pós-‐Primeira Guerra. O legislador, nesse caso, toma consciência da “função social do contrato”. 3 Duas espécies de boa-‐fé: a. subjetiva (crença na inexistência do vício. Ex. crer ter direito à posse para realização do usucapião); b. objetiva. 4 Um rol exemplificativo construído pela doutrina inclui entre os deveres laterais (acessórios aos deveres principais): a. dever de informação; b. cuidado, previdência e segurança; c. aviso e esclarecimento; d. prestar contas; e. colaboração; f. cuidado com a pessoa e o patrimônio da outra parte; g. sigilo. Alguns destes são inerentes à profissão, ex. o administrador é por natureza aquele que presta contas.
fundamento para buscar o equilíbrio econômico do contrato é que este deve ser de cunho “comutativo”, ou seja, estabelecendo num primeiro momento uma proporção entre prestação e contraprestação. Ex. compra e venda, o preço pago e o imóvel transferido guardam determinada proporção. Ex. Contrato não-‐comutativo: doação, não há equivalência na contraprestação. Ex. Caso típico: no STJ, os casos de leasing, venda de carros baseados no dólar, sendo que este possuía uma taxa de câmbio instável, deixando para os compradores uma onerosidade excessiva. Pode ser que a onerosidade excessiva venha a aparecer durante a execução do contrato. Não basta que o ato seja imprevisto, mas ele deve ser também inevitável. No caso de prestações alternativas, caso uma venha a ser excessivamente onerosa, há a possibilidade de prestar a outra, portanto, não é inevitável. Se houver perda às duas partes na mesma proporção, não se fala em onerosidade excessiva. Nesses casos, o juiz poderá interferir e alterar a situação originalmente estabelecida, mas de maneira excepcional estabelecendo a gravidade do desequilíbrio.
• Princípio da função social do contrato – a previsão legislativa está no art. 421 CC. “A liberdade de contratar será exercida em razão da função social do contrato”. A noção de “função social”, segundo Eros Grau, é um “poder que se exerce não por interesse próprio ou exclusivamente próprio, mas por interesse de outrem ou por interesse objetivo”. Quando esse poder se exerce em interesse para a coletividade, ele adquire a noção de “social”, sendo um poder-‐dever. Ex. poder familiar/pátrio poder, os pais têm o poder/dever de educar os filhos. A análise funcional do contrato remete a Karl Renner, 1904. Problema: conceito aberto, que deixa espaço para distorções de aplicação e para autoritarismos (utilizado por Mussolini na Itália fascista). Art. 186, CF, referente ao imóvel rural: “a função social é cumprida quando a propriedade atende simultaneamente [...] aos seguintes requisitos: I. aproveitamento racional e adequado, II. Utilização dos recursos...; III. Observância das funções que regulam as relações de trabalho, IV. xxx”. Neste caso, o legislador tornou a função social como um conceito concreto, com requisitos a serem cumpridos. Consequência: caso não seja cumprida a função social, será permitida a desapropriação para a reestruturação agrária.
10.08
3. Pressupostos e requisitos do Contrato
Pressupostos
São condições pressupostas para a existência do contrato. São questões extrínsecas ao próprio contrato. O substrato no qual o contrato vai posteriormente se desenvolver deve existir previamente à este, a fim de criar regras vinculativas.
A doutrina (Darcy Vessoni) fala em três pressupostos:
• Sujeito capaz – a capacidade implica na possibilidade de gerir por si próprio as obrigações de caráter patrimonial adquiridas a partir do contrato. Ela é medida da personalidade, possibilitando medir a responsabilidade individual. A capacidade é
adquirida em função da idade5 e perdida em função de fenômenos excepcionais na vida do indivíduo. O “nascituro” tem seus direitos preservados, sujeitos a uma condição resolutiva (nascimento com vida). Há ainda a hipótese de haver mais de um sujeito compondo uma das partes (pluralidade de compradores/vendedores). À capacidade de contratar podem ser atribuídos diferentes graus.
• Idoneidade do objeto – a lei, a ordem pública e os bons costumes restringem a possibilidade de estabelecer contratos sobre qualquer objeto. Determinadas contratações são vedadas, ex. venda de corpos humanos/celebração de contratos com menores não representados. O objeto não pode ser ilícito/inidôneo. Deve ser lícito, possível e determinado/determinável.
• Legitimação para realizar o negócio – figura distinta da capacidade. A posição que determinada pessoa mantém em relação a determinado bem (objeto de um negócio jurídico em geral ou em relação a categorias especiais de negócios). Ela diz respeito ao caso concreto. Ex. aporte de capital, nenhum dos sócios pode cobrar a injeção de capital de um sócio faltante, cabe à própria sociedade fazê-‐lo, pois é ela que possui a legitimação para fazê-‐lo. Ex2. O menor sem capacidade, pode ter legitimidade, mas não bastaria.
Sem tais condições, o contrato não chega sequer ao plano da existência.
Elementos do Contrato
Tais requisitos integram o contrato, estando já no plano da existência. Consentimento, causa, objeto e forma.
• Consentimento – o contrato é um acordo de vontades, o que exprime a formação bilateral do contrato (vontade negocial de cada parte). O que é relevante é a vontade manifestada, e não a interna. Os vícios de consentimento (erro, dolo e coação6) tornam o negócio anulável. A simulação é causa de nulidade. Os tipos das declarações:
o 1ª classificação: a. verbal; b. escrita ou; c. simbólica. A regra nos contratos é de permitir que a manifestação se conheça como declarada a partir da mera manifestação verbal. A regra excepcional exige a manifestação escrita, realizada sob forma determinada (ex. escritura pública para bens imóveis).
o 2ª classificação: a. declaração direta (clara em relação ao objeto) ou; b. declaração indireta (pode ser realizada, p. ex., pela eliminação das alternativas).
o 3ª classificação: a. expressa (afirmativa, declarada diretamente) ou; b. tácita/presumida.
5 Até os 16 anos, o indivíduo é representado em suas relações, por ser dotado de uma incapacidade absoluta. Entre 16 e 18 anos, a pessoa é assistida, visto a sua incapacidade relativa. A interdição, proferida pelo juiz, indica que o indivíduo deve ser tutelado/curatelado por outrem. 6 Parte da doutrina (Villaça) assume que em caso de coação “absoluta”, seque podemos considerar a existência da manifestação da vontade. Portanto, seria aceita a nulidade absoluta do negócio.
Tais formas de declaração se estabelecem em relação às modalidades diversas de contrato. Não existe regra que aplique-‐se sobre todas as espécies de contratação.
• Causa – há nesse ponto uma enorme confusão doutrinária. “Causa” não é um termo unívoco. No mínimo, os autores atribuem três significados para “causa” (cinco, segundo Junqueira, não sendo, entretanto, elemento da contratação, mas sim, pressuposto).
o 1ª definição: função econômico-‐social do contrato, não sendo elemento, mas sim, pressuposto.
o 2ª definição: resultado jurídico objetivo que os contratantes pretendem obter, sendo, aqui, um requisito.
o 3ª definição: razão determinante que move as partes a celebrarem determinado negócio.
16.08
Tipos de causas do contrato, segundo JUNQUEIRA: a. causa do tipo (expressão de causa ilícita); b. causa fato-‐jurídico; c. causa de juridicidade (por que de determinados atos produzirem efeitos jurídicos); d. causa de atribuição patrimonial; e. causa final (função econômico-‐social do contrato)
A causa não é requisito, é pressuposto. Deve refletir a real natureza do contrato e sua função. Ex. compra e venda: preço, objeto, prestação e contraprestação. É possível que seja uma transação simulada, não havendo a transferência do preço. Se a causa foi outra que não uma alienação onerosa com a determinação de valores. Tal negócio jurídico poderá ser impugnado quanto ao consentimento.
O registro gera uma presunção de causa lícita da transferência da propriedade. Trata-‐se de uma presunção simples, no sistema brasileiro, mas absoluta no ordenamento alemão.
• Objeto – todo o conteúdo previsto pelas partes que se comprometeram a praticar. É diferente da idéia de prestação, a qual é objeto da obrigação. Um contrato pode prever várias obrigações, a prestação é o objeto de cada prestação. O objeto do contrato congrega não só obrigações, mas direitos, deveres e faculdades previstas num contrato. Ex. preço, prazo de pagamento, opções, etc. Os contratos típicos têm objetos típicos: ex. compra e venda: pagamento de preço + transferência de propriedade.
• Forma – meio pelo qual o agente expressa sua vontade. Prevalece o princípio da forma livre, as partes optam pelo meio de expressão da sua vontade, desde que essa forma seja idônea, do ponto de vista da compreensão social, pra significar o reconhecimento de uma determinada atitude. Adequação à representação da vontade. Indica um comportamento (concordância tácita) ou declaração (concordância expressa). O silêncio pode significar a manifestação da vontade. Há casos, exceções à regra, a lei
impõe forma determinada. Ex. testamento (negócio unilateral) exige forma pública (no caso do não secreto). Ex2. Pacto antenupcial, forma escrita em escritura pública é da essência do ato por imposição de lei. Objetivo: a. dar publicidade do ato a terceiros; b. proteger as partes de decisões precipitadas, pela exigência de um determinado grau de preparativos; c. tornar certos e não controvertidos a conclusão do negócio e o conteúdo de suas cláusulas;
4. Formação do contrato. O sinalagma contratual. A chamada causa dos contratos. Relações contratuais de fato.
O momento em que o contrato surge efetivamente. Base: o contrato cria um vínculo entre as partes, de natureza privada. Ele estabelece, assim como fontes de natureza pública, direitos e obrigações para as pessoas. Para isso, se faz necessário precisar o momento em que tal vínculo nasce. É necessário buscar a satisfação e responsabilização por obrigações não cumpridas.
Responsabilidade extracontratual (aquiliana) x Responsabilidade contratual – distinção fundada na existência ou não de um contrato prévio.
Responsabilidade extracontratual (aquiliana) – ex. acidente de trânsito. Não há contrato prévio. O ato culposo, delitual, gera uma responsabilidade indenizatória a fim de reparar o prejuízo causado (para o dano emergente e lucro cessante).
Responsabilidade contratual – há contrato prévio. O inadimplemento gera obrigação de indenizar, movida por outras regras, não as da obrigação originária. Tais regras podem estar no próprio contrato ou na lei. Ex. Julgado do STJ – estacionamento de cursinho, responsabilização do estabelecimento por veículo extraviado. A fixação das responsabilidades vai depender da apreciação do contrato específico.
Ônus da prova – a quem cabe provar o fato: a regra é que incumbe àquele que alega. Mas há exceções, ex. relações de consumo. A distribuição do ônus advém da busca pelo equilíbrio entre as partes.
O contrato se faz no momento em que há consenso. As vontades, quando convergentes ao mesmo ponto, criam a obrigação.
Proposta – Declaração inicial, emitida pelo proponente/policitante. Firme declaração receptícia de vontade, dirigida à pessoa com a qual alguém pretende celebrar um contrato ou ao público. Alguns autores entendem ser sinônimo de “oferta”, mas para outros, exige-‐se uma segunda manifestação. Requisitos: a. inequívoca (apenas um significado); b. precisa; c. séria; d. vinculante (obriga, antes da aceitação, o proponente antes do prazo fixado).
Aceitação – Declaração posterior, feita pelo aceitante/oblato. Significa a concordância plena com a proposta feita. Se as manifestações divergiram, não há negócio. Deve ser também séria. A chamada aceitação modificativa é admitida como “contraproposta”, invertendo as posições da relação: o proponente torna-‐se aceitante e vice-‐versa.
Nos contratos consensuais, bastará o consentimento para que surja o contrato. Duas exceções à regra: a. contratos reais, o surgimento ocorrerá com a entrega da coisa (ex.
empréstimo/mútuo e depósito); b. contratos solenes, com forma prevista em lei (ex. compra de imóvel exige escritura pública)
7. Negociações preliminares. O contrato preliminar.
Discussão a ocorres ao longo do tempo definindo o objeto real do contrato. Tais negociações na fase inicial são de grau reduzido (ou inexistente) de vinculação.
Compromissos preparatórios
Têm natureza de contratos por si só.
• Opção – contrato/lei pelo(a) qual se confere a uma parte a faculdade de criar, por sua vontade, uma relação obrigacional já definida em seus pontos essenciais. Ou seja, basta haver a aceitação do optante para que o contrato se forme (direito potestativo, vinculado ao poder de uma das partes). Ex. opção de ações é prerrogativa dos acionistas subscreverem e integralizarem o aumento do capital social da SA, não sendo eles obrigados a isso. Ex. NÃO inclui contrato de adesão, pois, apesar de haver conteúdo préformulado, mas não há formulação unilateral das cláusulas contratuais.
• Contrato preliminar – ao contrário da opção, exige a conclusão de um novo contrato (“contrato definitivo”). Na verdade, no contrato preliminar, as pessoas se obrigam a realizar esse contrato definitivo, estabelecendo algumas renúncias em relação a algumas prerrogativas ou faculdades. Ele estabelece cláusulas irrevogáveis, obrigando-‐se a celebrar um contrato definitivo. Art. 462 e ss., CC: “deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado”. Ex. compromisso de compra e venda, podendo ser particular. Ao realizar-‐se7 a venda, aí sim, deverá possuir forma solene. Trata-‐se de um contrato que obriga a contratar.
Há responsabilidade pelos compromissos preliminares. Modo de responsabilidade civil que, apesar de não haver contrato, adere aos princípios e regras do dever contratual. Denomina-‐se responsabilidade précontratual. A fase de tratativas, ao levarem a prejuízos injustos ou ao rompimento injustificável, significa por si só fonte de responsabilização civil. Ex. Pão de Açúcar x Casas Bahia. O fim da preparação do contrato implicaria em responsabilidade précontratual, sendo considerado abuso de direito (comportamento não usual que não atende funções próprias).
17.08
Responsabilidade pré e póscontratual – externas ao contrato, ligadas aos deveres laterais (sigilo, proteção, lealdade, etc.). Não caberia apenas ao autor da pretensão, mas também ao réu o ônus da prova da titularidade de um dever lateral. As regras de conduta e os riscos não são os mesmos para todos os indivíduos em todos os casos. Hoje, cabe ao juiz fazer essa ponderação, interferindo excepcionalmente na relação privada, sempre fundado em lei. 7 O Contrato de compra e venda é um instrumento. A transferência de propriedade se dá com o registro. O que determina o compromisso de compra e venda, ainda que não registrado, gera direitos de oposição de embargos de terceiro pelo possuidor, característica de direito real. A JP decide nesse sentido pela função social: loteamentos de baixa renda, as pessoas acreditavam que o mero contrato já transfere propriedade.
Em regra, as negociações preliminares não são vinculantes, não gerando obrigações recíprocas. No Protocolo de Intenções, as partes estabelecem pontos consensuais, ainda no âmbito das meras intenções, as quais, em regra, não são vinculantes. No caso em que uma das partes tenha realizado gastos/perda de outras oportunidades, é aceitável a imposição de indenização pela outra parte. Deve o juiz analisar o caso concreto.
No momento em que se fundem a proposta e a aceitação, teremos o consentimento concluído.
Caducidade da proposta
Caso não seja aceita dentro de um prazo, a proposta torna-‐se caduca.
Caso não haja prazo determinado, parte da doutrina acredita que a resposta tenha que ser imediata. Para outros, o prazo para a sua aceitação é aquele da praxe negocial (possível em situação semelhante).
Retratação
Declaração lícita do proponente para obstar os termos da proposta. Fazendo uma proposta de venda, antes que alguém concorde com a proposta, há a possibilidade de o vendedor se retratar.
A retratação não é admitida em proposta com tempo determinado. Já nas de tempo indeterminado, há retratação, antes que haja aceitação.
Ninguém é obrigado a aceitar proposta. Exceções: a. em caso de acordo preliminar, que obriga a realização do contrato; b. quando a lei obrigar a contratação, ex. serviços essenciais (luz, água, plano de saúde).
23.08
É defesa a retratação para contratos com prazo determinado. A fixação de prazo é uma renúncia indireta à possibilidade de retratação durante o prazo fixado.
Momento da formação do contrato
Problema: quando da formação do contrato entre ausentes. Hoje, a tecnologia permite que a manifestação se dê de maneira não “presencial”. A proposta é um negócio jurídico unilateral, para que seja idônea para formar o contrato, há de ser séria, deve tratar do mesmo objeto. O consenso surge com a fusão de vontades unilaterais.
Regra geral: art. 434, os contratos entre ausentes tornam-‐se perfeitos desde que aceitação expedida.
Sistemas propostos pela doutrina para o momento da formação do contrato:
• Sistema da informação ou cognição – o contrato se formaria a partir do instante em que o proponente tem efetivo e real conhecimento da aceitação da proposta feita. A proposta é dirigida ao aceitante, o qual declara sua concordância por nova declaração
de vontade. O contrato se forma com a ciência do proponente. Problema do sistema: subjetivismo, pelo fato da necessidade de buscar a consciência do proponente.
• Sistema da declaração ou agnição – fundamento é a própria declaração da vontade.
o Declaração propriamente dita: exige-‐se além da informação ao proponente, a declaração deste de estar informado.
o Teoria da expedição: o contrato se formaria a partir do momento em que o aceitante envia a sua aceitação. Pouco importa se a mensagem foi recebida pelo proponente. Pelo art. 434, bastaria a expedição da aceitação. Crítica: no caso de extravio da mensagem.
o Teoria da recepção: o contrato se forma quando o proponente recebe a resposta do aceitante, ainda que não tome conhecimento do seu conteúdo. Vale para intimações ou atos processuais, exceto citação: prazo de 15 dias para responder.
Lugar de formação do contrato
Entre presentes, é óbvio que o contrato se formará onde estes estiverem.
Entre ausentes, o artigo 435 dá a regra: lugar em que foi proposto. Implicação: a. lei aplicável ao contrato. Em determinados ordenamentos, há possibilidade de eleição da lei aplicável; b. o foro competente é o daquele do lugar do contrato.
8. Classificação dos contratos
1ª classificação8: unilaterais (origina obrigação para apenas uma das partes. Ex. doação, que apesar de exigir aceitação, gera obrigação para apenas uma das partes) e bilaterais/sinalagmáticos (ex. Doação com encargo gera obrigação para as duas partes);
O sinalagma é a dependência recíproca das obrigações. As partes que contratam vão ocupar em cada momento a posição de credor e devedor. Ex. Venda e compra: comprador é devedor do preço e credor da coisa vendida, o vendedor é devedor da coisa vendida e credor do preço. Essa dependência estabelece a regra típica dos contratos bilaterais: exceção do contrato não cumprido (exceptio non adimpleti contractus), que diz que uma das partes não pode exigir da outra sua prestação antes de executar a sua própria.
Condição resolutiva – evento futuro e incerto, possível no momento da formação do contrato, que encerra os efeitos no plano da eficácia, de um negócio jurídico indeterminado. Nos contratos bilaterais, há condições resolutivas tácitas: não há necessidade de estarem expressas no contrato, por constarem em sua natureza. No caso de inadimplemento culposo da obrigação, por exemplo, o contrato poderá ser resolvido, sendo esta uma prerrogativa da parte prejudicada. Ex2. reparação de perdas
8 Diferença: formação e caráter do contrato. Em relação à formação, TODO CONTRATO É BILATERAL (exige proposta e aceitação). Entretanto, quanto ao caráter do contrato, este pode ser unilateral ou bilateral.
e danos. Ex3. Imprudência, negligência ou imperícia (excludente: caso fortuito ou força maior).
Quanto aos riscos, encontra-‐se outra diferenciação entre os contratos unilaterais e bilaterais. No primeiro, havendo perecimento da coisa, suporta os riscos apenas o credor, mas a regra pode ser alterada quando de estipulação em contrário. Já nos contratos bilaterais, o risco recai sobre o devedor.
2ª classificação: onerosos (cada uma das partes almeja obter uma vantagem) ou gratuitos (apenas uma das partes fará jus ao benefício).
Ex. Locação, contrato bilateral e oneroso.
Ex. Comodato, bilateral, mas gratuito. O comodante transfere o bem, o comodatário utiliza de maneira gratuita, mas possuindo a obrigação de devolver nas mesmas condições em que foi recebido.
Ex. Depósito e mandato são, em geral, gratuitos, mas podem ser onerosos. Admite-‐se, portanto, sua característica mista.
3ª classificação: comutativos (equivalência subjetiva para as partes contratantes entre a prestação e contraprestação) ou aleatórios (incerteza entre as partes se a vantagem esperada será proporcional ao sacrifício, sendo incerto o direito à prestação).
Ex. permuta é um contrato tipicamente comutativo.
Ex. jogo ou aposta são contratos aleatórios.
Ex. o contrato de seguro pode representar uma aleatoriedade. A seguradora apenas paga o prêmio em caso de sinistro.
24.08
***Vícios redibitórios (art. 441 e ss.)
vícios préexistentes, não aparentes e que vêm a surgir em momento posterior, com duas características: ou tornam a coisa imprópria ao uso ou há uma expressiva diminuição do seu valor.
Não se deve considerar vícios aparentes, pois assim se pressupõe que a pessoa celebrou o contrato na consciência do vício, ignorando-‐o. Não se considera também o defeito pouvo expressivo.
Pode recair sobre móveis ou imóveis – art. 441 e ss.
O adquirente, segundo o CC, passa a ter duas prerrogativas em juízo:
a. redimissão do negócio, quando há a resolução do contrato (devolução do preço pago, danos emergentes e lucros cessantes). Pondera-‐se, no art. 443, quando o alienante não conhece o vício oculto, deve ressarcir apenas o preço pago e despesas do contrato;
b. evicção, cláusula natural aos contratos de compra e venda, por exemplo. O alienante garante ao adquirente que se a propriedade transferida vier a ser afetada por sentença judicial que venha a reconhecer direito preexistente a outra pessoa, haverá, pela evicção, um garantia em favor do adquirente. Três elementos: (i) privação do direito do adquirente (posse ou propriedade), (ii) privação causada por sentença judicial que reconheça direito preexistente de terceiro e (iii) risco anterior à aquisição da coisa (celebração do contrato). Pode haver renúncia dessa garantia, sendo um direito disponível.
Prazos decadenciais: mais extensos para bens imóveis.
(continuação das classificações)
4ª classificação: contratos consensuais (mero acordo de vontades, é a regra) e exceções (contratos solenes – os quais exigem formalidades – e contratos reais – os quais exigem, além do acordo de vontades, deve haver a transferência do bem objeto do contrato)
Ex. contratos reais – mútuo, comodato e depósito.
Ex. contratos solenes – a lei estabelece forma prescrita para o consentimento. Escrituras públicas para alienação de bens imóveis.
5ª classificação: contratos principais (têm existência própria, independente e autônoma) ou acessórios (não existem por si só, dependendo da existência de outros).
Ex. acessórios: contratos de garantia (hipoteca, fiança)
O acessório segue o principal. Ou seja, extinguindo-‐se o contrato principal, extingue-‐se o contrato acessório, não sendo a recíproca verdadeira. A forma determina-‐se, também, pela característica maior. A hipoteca deve-‐se fazer por escritura pública, visto que a transferência de bem imóvel se faz dessa maneira.
6ª classificação: instantâneos/execução única (as prestações se realizam em um só momento.) ou de duração/trato sucessivo.
Instantâneos comportam subclassificação: execução imediata (no próprio momento da realização do contrato, executam-‐se as prestações) ou execução diferida (em algum momento, com decurso de prazo)
Contratos de duração comportam subclassificação: prestação periódica (locação) ou execução continuada (se estende ao longo do tempo).
30.08
7ª classificação: típicos e atípicos
8ª classificação: pessoais/intuitu personae (a qualificação de uma das partes é causa para a celebração do contrato. O objeto não é a motivação central deste tipo de contrato. Sem tais características pessoais, não haveria contratação) e impessoais.
Ex. Contrato pessoal – pintura de um quadro, parecer jurídico/técnico.
Havendo inadimplemento, o contrato pessoal se resolve, por não haver fungibilidade na realização da prestação. Já para os contratos impessoais, o que prevalece é o objeto, que pode ser prestado de forma homogênea por vários agentes do mercado.
Alguns autores, por exemplo, Junqueira, consideram os contratos relacionais, os quais não têm como foco a oposição de interesse na relação jurídica. Eles pressupõem uma colaboração entre as partes: seja o objeto do próprio contrato ou é prevista para que os fins possam ser atingidos. Ex. sociedade (acordo de vontades que pressupõe colaboração em prol do benefício comum. A affectio societatis é objetivada, dirigida à realização do objeto social).
9ª classificação (a ser ponderada por evolução histórica): civis e mercantis.
Hoje, consideramos os contratos civis e empresariais. Junqueira renomeia-‐os como existenciais e empresariais.
O Código Comercial era um estatuto específico para aqueles que praticavam atos de comércio. O foco recaia sobre o comerciante, considerado como agente diferenciado ao “cidadão comum”. Os prazos no ato de comércio, por exemplo, era menor sob a égide do CComm que sobre o CC/16. Na Itália, em 42, houve a unificação do direito privado em um só código. O CCIt eliminou o CCommIt. O CC/2002 eliminou boa parte do CComm/1850. Não significa dizer que hajam relações tipicamente civis e comerciais.
Contratos existenciais: não há objetivo de lucro para uma das partes, o não-‐empresário. Mas uma das partes, sendo empresário, pode buscar lucro. Ex. contrato de consumo, no qual o consumidor não busca lucro, mesmo havendo ganhos econômicos. Ex2. Locação comercial, contrato de trabalho. Verifica-‐se interferência das normas de ordem pública, em favor do hiposuficiente.
10ª classificação: contratos causais (motivação é relevante para a configuração do próprio contrato no plano da validade) e abstratos/não-‐causais (a causa é irrelevante).
Contrato não causal – título de crédito.
11ª classificação: contratos preliminares e definitivos
Ex. contrato preliminar: compromisso de compra e venda. Em geral, vão ser repetidas as disposições do contrato definitivo.
12ª classificação: paritário (as partes estabelecem e negociam as cláusulas que vão compor o contrato como um todo) e de adesão (há um modelo preestabelecido pelo aderido).
13ª classificação: autocontrato – denominação falaciosa. Há necessidade de consenso (acordo de vontades). Há casos específicos para sua possibilidade: mandato outorgado pelo próprio mandatário. Na qualidade de mandatário, falando como representante de outrem, celebra o contrato consigo mesmo. Situação comum em compra e venda de imóvel quando o indivíduo
não quer celebrar o contrato. Outorga-‐se a procuração, irrevogável e irretratável, do mandante ao mandatário. Fulano, representado por João, vende a João. Art. 117 e 119 CC – “salvo se o permitir a lei e o representado, é anulável o NJ que o representante, por seu interesse ou de outrem, celebrar consigo mesmo” e “é anulável o contrato concluído pelo representante em conflito de interesse do representado, [...completar]”.
14ª classificação: contratos por prazo determinado (fixado no próprio contrato ou pela lei) e indeterminado (prolongam mediante recondução tácita, as partes continuam a prestar como contratado anteriormente. Aceita estipulação de duração mínima ou máxima).
Nos contratos de prazo indeterminado, existe a necessidade de evento da denúncia: préaviso, notificação de que não há interesse na continuidade do contrato, para evitar ruptura brusca (que pode representar abuso de direito). Art. 473 e 720.
A lei pode estabelecer modos de renovação compulsória: locação não-‐residencial. Contratos celebrados em contrato escrito por mais de 5 anos em que o locatário exerça a mesma função por mais de 3 anos. Prazo decadencial, que não se suspende.
9. Interpretação dos contratos
As técnicas de interpretação da lei servirão para a interpretação dos contratos. Há, entretanto, a especificação de regras determinados.
A primeira idéia é que a interpretação do contrato visa esclarecer as declarações e do consenso alcançado. O objeto do contrato, sendo dúbio, deve ser interpretado. Não é, entretanto, uma questão evidente.
Procedimento
A interpretação gramatical, que leva em consideração o sentido jurídico dos termos, repudia a significação coloquial ou de outras ciências aplicadas.
O segundo passo é entender a vontade real dos contratantes. As circunstâncias nas quais foram manifestadas as declarações devem ser consideradas para situar o comportamento. É possível interpretação histórica e sistemática. Divergência quanto à vontade real: interna ou declarada? O nosso sistema tende a privilegiar a vontade declarada, levados em conta os vícios do consentimento: erro, dolo e coação. Regra: art. 112 CC – “Nas declarações de vontade, se atenderá mais a intenção nelas consubstanciada do que o sentido literal da linguagem”.
Na interpretação da lei, a vontade em primeiro lugar é do Estado. As regras são abstratas e gerais. Nos contratos, a vontade emana de entes/pessoas públicos ou privados, mas concernentes a determinados negócios jurídicos, de maneira objetivada, certa e determinada.
Interpretação subjetiva: busca a vontade real dos contratantes. Regras: 1. Saber a intenção comum das partes; 2. O intérprete não deve se coligar ao sentido literal das palavras, as quais podem ter sido mal empregadas; 3. O contrato deve ser interpretado sistematicamente, não sendo isolado do mundo, mas dentro de um contexto econômico-‐social; 4. Nos contratos de adesão, no caso de dúvida, dá-‐se interpretação mais favorável ao aderente, não ao que formulou o contrato.
Interpretação objetiva: visa especificamente entender as declarações realizadas/produzidas pelas partes, já ingressadas no mundo jurídico. Regras: 1. Os contratos devem ser interpretados de acordo com a boa-‐fé; 2. Ao interpretar o contrato, deve-‐se privilegiar o sentido de sua conservação (princípio da conservação); 3. Nos contratos gratuitos, quando houver dúvida, deve ser interpretado no sentido menos gravoso ao devedor (doador); 4. Nos contratos comutativos, onerosos, deve-‐se buscar em caso de dúvida, o maior equilíbrio entre as prestações.
Princípios gerais de interpretação: a. boa-‐fé (art. 113); b. conservação do contrato; c. equilíbrio das prestações (para os comutativos).
O CC tem uma série de regras de interpretação: art. 112, 113 (contratos em geral – boa-‐fé); 114 (contratos gratuitos); 299, parágrafo único (assunção de dívida); 423 (adesão); 539 (declaração tácita de aceitação de doação pura); 829 (contrato de fiança); 843 (transação).
Há meios de interpretação que se vinculam às figuras dos contratos.
10. O contrato de adesão. Condições gerais dos contratos.
Uma figura específica no âmbito dos contratos encontra-‐se o contrato de adesão. Essa figura jurídica prevê que uma das partes deva aceitar em bloco as cláusulas previstas pela outra. A doutrina discute se há propriamente negócio jurídico de natureza bilateral ou ato jurídico em sentido estrito (parte se vincula a um formato preestabelecido pela lei). Os elementos existentes em relação aos contratos aqui existem, inclusive o consentimento, mas é limitado. Ex. seguro, transporte, luz, fornecimento de água, etc.
Orlando Gomes diferencia: contrato de adesão x contrato por adesão. Posição não adotada pelo CC e CDC.
Contrato de adesão: situação de monopólio. Dedicação exclusiva na prestação do bem/serviço. A impossibilidade da outra parte não contratar. A parte teria obrigação de aderir à proposta. Ex. fornecimento de água.
Contrato por adesão: predomínio no mercado de oligopólios. Eventualmente há possibilidade de não contratar. Ex. TV a cabo, plano de saúde.
A iniciativa de contratação pode se dar de duas formas: a. o titular da prestação de serviço cria a oferta ao público; b. se couber ao cliente, denomina-‐se convite à oferta.
A contrapartida de fixar em algum grau as regras do contrato é a de que não haja proibição a não contratação. Ou seja, havendo monopólio do serviço, o serviço deve ser prestado a todos indiscriminadamente. Quando há uma concessão pública, regras previstas no contrato de adesão não podem não ficar a cargo da parte, mas cabe ao poder concedente (Estado, poder público).
31.08
A doutrina indica três características do contrato de adesão: a. uniformidade (os vários contratos celebrados com o público têm um caráter uniforme); b. predeterminação (preordenadas por uma das partes); c. rigidez nas cláusulas.
Condições gerais do contrato
O contrato de adesão como um todo é um continente. As cláusulas são seu conteúdo. Ou elas são estabelecidas pela parte ou pela lei.
Ex. Art. 51, CDC – rol de cláusulas abusivas com caráter de nulidade.
Objetivação dos contratos – há circunstâncias em que os indivíduos podem ajustar seus interesses por meio do contrato (compra e venda de imóvel, ex. Existência de muitos agentes no mercado). Nessas hipóteses, estamos nos parâmetros clássicos da contratação. Entretanto, determinadas situações exigem rigidez e uniformidade no contrato, excluindo a individualização da negociação. Casos de serviços vinculados às necessidades básicas: transporte, fornecimento de água, coleta de esgoto, eletricidade, telefonia, etc. A contratação individualizada impediria a cobertura do serviço a todos, por uma questão de celeridade (sociedade de massa).
Objetivos: a. busca e reconhecimento da redução do papel da vontade dos contraentes; b. garantir celeridade nas contratações (simplicidade no modelo contratual, redução das variantes); c. segurança (regras preordenadas antes da própria contratação); d. estabilidade das relações (redução de questões dúbias).
Relação entre o contrato e o contato social -‐ Por vezes, a manifestação e o consenso é elemento central do contrato. Em algumas operações econômicas é difícil falar em consenso. A doutrina trata de “contratos automáticos” – ex. transporte de metro, máquina de refrigerante. A formação do contrato reside na aceitação pelo serviço por parte do consumidor e noção de “oferta ao público” por parte do prestador de serviço. Há um consenso atípico.
Relação contratual de fato – Há um contrato nulo, que por algum motivo não se transpôs no plano da validade (vício de consentimento, simulação). Mesmo sendo o contrato nulo, mas havendo a prestação do serviço, devem ser prestadas as obrigações equivalentes à relação econômica. Ex. casamento nulo que gera, assim mesmo, conseqüências patrimoniais. Ex2. Instituição – o contrato gera efeitos próprios para as partes, mas em certo casos, pode extravasar às partes, gerando efeitos para 3os: contrato de sociedade. A comunhão de esforços em busca de objetivos comuns (affectio societatis) deve ser levada a registro. A origem da pessoa jurídica gera efeitos para além dos sócios. A Instituição é um pólo de obrigações distinto da pessoa dos sócios.