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DÉBORAH KAROLLYNE RIBEIRO RAMOS LIMA ENTRE FIOS E NÓS: UMA ANÁLISE DA REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL DE NATAL/RN NATAL/RN 2018 www.posgraduacao.ufrn.br/ppgscol [email protected] 55-84-3342-2338 CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA

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DÉBORAH KAROLLYNE RIBEIRO RAMOS LIMA

ENTRE FIOS E NÓS: UMA ANÁLISE DA REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL

DE NATAL/RN

NATAL/RN

2018

www.posgraduacao.ufrn.br/ppgscol [email protected] 55-84-3342-2338

CENTRODECIÊNCIASDASAÚDEPROGRAMADEPÓS-GRADUAÇÃOEMSAÚDECOLETIVA

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DÉBORAH KAROLLYNE RIBEIRO RAMOS LIMA

ENTRE FIOS E NÓS: UMA ANÁLISE DA REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL DE

NATAL/RN

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação

em Saúde Coletiva, Centro de Ciências da Saúde

da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,

como requisito para a obtenção do título de

Doutor em Saúde Coletiva.

Orientadora: Professora Doutora Jacileide

Guimarães

Natal/RN

2018

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Prof. Alberto Moreira Campos - ­Departamento

de Odontologia

Lima, Déborah Karollyne Ribeiro Ramos.

Entre fios e nós: uma análise da Rede de Atenção Psicossocial

de Natal/RN / Déborah Karollyne Ribeiro Ramos Lima. - 2018.

182f.: il.

Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Universidade Federal do

Rio Grande do Norte, Centro de Ciências da Saúde, Programa de

Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Natal, 2018.

Orientador: Jacileide Guimarães.

1. Saúde Mental - Tese. 2. Serviços de Saúde Mental - Tese. 3.

Atenção a Saúde - Tese. I. Guimarães, Jacileide. II. Título.

RN/UF/BSO BLACK D585

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AGRADECIMENTOS

“Não é sobre chegar no topo do mundo e saber que venceu,

é sobre escalar e sentir que o caminho te fortaleceu...

É sobre ser abrigo e também ter morada em outros corações

e assim ter amigos contigo em todas as situações...”

Trem bala – Ana Vilela

Com esses versos de Ana Vilela concluo uma das jornadas mais difíceis da minha

vida! Construída a incontáveis mãos. Ainda inebriada com as vozes, os lugares, os saberes e

os fazeres com os quais me deparei nesta caminhada, consigo reconhecer que mais importante

do que o produto final que apresento nessas mais de 63 mil palavras, é o processo de

construção do conhecimento que se deu ao longo desses quatro anos de doutorado. Por ora, a

certeza de que não coloco um ponto final ao terminar as considerações finais – certezas

provisórias, “verdades” com prazo de validade –, mas sim reticências... posto que a pesquisa,

a realidade e a própria vida estão em constante transformação e, por isso, o trabalho não para!

Para hoje e sempre, gratidão! Reconhecimento de que esta jornada intelectual não

poderia ter sido construída sem o apoio de tantos e quantos se fizeram e se fazem presentes

em minha vida. Por isso, dedico este trabalho e agradeço:

A Deus, Pai todo poderoso, fonte inesgotável de força, de vida, de graça... braço invisível que

me sustentou em tantos momentos angustiantes. Mais do que me sustentar, tenho certeza que

foi Ele que me levou nos braços em várias ocasiões.

Aos meus pais, Marcelo e Meristaine, que sempre me trouxeram a paz e a segurança, ouvidos

dispostos a compartilhar os dessabores da vida e as “dores” da produção intelectual. Minha

gratidão eterna aos maiores admiradores que conquistei nessa vida.

Ao meu esposo, Felipe, que trilhou junto comigo essa caminhada, que acredita mais em mim

do que eu mesma.

À minha tia, Goretti Ribeiro, grande influência na busca pela vida acadêmica, pelas

incontáveis horas de oração a mim destinadas, pelo apoio nos momentos que mais precisei e

pelo interesse que sempre demonstrou pelo meu sucesso pessoal e acadêmico.

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Aos docentes do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da UFRN, pelo

comprometimento com que conduziram o curso e pelas profícuas discussões que

aprofundaram meus conhecimentos e contribuíram com a minha formação profissional e

humana.

Às minhas queridas amigas Aíla, Bruna, Karla e Rosimery, presentes que a vida acadêmica

me deu, fontes de apoio, de inspiração, de alegria e de juventude... A vocês meu amor de

irmã.

À minha orientadora, professora doutora Jacileide Guimarães, a mentora intelectual que vem

acompanhado meu crescimento ao longo dos últimos oito anos, apoiando minhas escolhas e

oferecendo o suporte que precisei para chegar até aqui.

Aos membros da banca examinadora, professores doutores Ana Karenina Arraes, Elizabethe

Souza, João Bosco Filho e Nadja Lapann, pela disponibilidade, pela ética e o

comprometimento com que avaliaram este trabalho e pelas valiosas contribuições que

realizaram.

Aos verdadeiros artesãos do SUS, diretores, trabalhadores e usuários, que construíram junto

comigo essa pesquisa.

A todos vocês os meus sinceros agradecimentos.

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Um galo sozinho não tece uma manhã:

ele precisará sempre de outros galos.

De um que apanhe esse grito que ele

e o lance a outro; de um outro galo

que apanhe o grito de um galo antes

e o lance a outro; e de outros galos

que com muitos outros galos se cruzem

os fios de sol de seus gritos de galo,

para que a manhã, desde uma teia tênue,

se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,

se erguendo tenda, onde entrem todos,

se entretendendo para todos, no toldo

(a manhã) que plana livre de armação.

A manhã, toldo de um tecido tão aéreo

que, tecido, se eleva por si: luz balão.

Tecendo a manhã

João Cabral de Melo Neto

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RESUMO

Esta tese encontra-se na interface entre a saúde coletiva e a saúde mental. Tem como objeto

de estudo a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), analisada do ponto de vista de sua lógica

organizacional e tendo como eixo norteador a articulação entre os serviços que a compõem.

Objetiva de maneira geral: analisar a RAPS Natal/RN, considerando o cuidado em território e

seus modos de articulação; e de maneira específica: elaborar um desenho da rede,

relacionando a capacidade instalada municipal, os fluxos assistenciais da atualidade e as

parcerias intersetoriais diretamente relacionadas à linha do cuidado em atenção psicossocial;

compreender os modos de articulação entre os serviços que a compõem, considerando a

continuidade do cuidado no território; propor estratégias para potencializar a referida rede de

atenção, com base nas especificidades loco-regionais. Trata-se de pesquisa qualitativa

norteada pelo Pensamento Complexo, de orientação moriniana, enquanto lente compreensiva

da realidade e do fenômeno em foco. Para a construção dos dados realizou-se circulação pelos

serviços de saúde que compõem os diversos pontos de atenção da RAPS Natal/RN para fins

de observação descritiva de rotinas e de atores em interação, além de sessões de grupo focal

com diretores, trabalhadores e usuários dos serviços de saúde visitados, totalizando 22

sujeitos. Recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário

Onofre Lopes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (HUOL-UFRN) em 03 de

abril de 2017 – CAAE 65226817.5.0000.5292 e parecer 1.997. Os resultados foram

construídos a partir do corpus originário das transcrições dos grupos focais, e divididos em

duas categorias de análise, a saber: 1) Dos fios emaranhados ao alinhavo de uma rede – que

consiste na apresentação da RAPS Natal/RN do ponto de vista gráfico e no tocante às

características do cuidado em saúde mental de base comunitária desenvolvido no município;

2) Sobre a articulação da RAPS: o religar de fios e de “nós” alinhavando a rede – na qual se

discutem as estratégias adotadas por atores, serviços e setores para promover interconexões

que favoreçam a continuidade do cuidado de saúde mental em território. Ainda na segunda

categoria, são debatidas problemáticas evidenciadas no cenário local e que trazem

implicações diretas ou indiretas para a articulação da RAPS e para a continuidade do cuidado

em território e que são denominadas como Os nós da rede. Em síntese, reconhecemos no

cenário local mais a existência de um continuum entre serviços do que de uma Rede de

Atenção à Saúde propriamente dita. Chamamos a atenção para a relação de recursividade que

julgamos se estabelecer entre o cuidado em território e a articulação da RAPS. De modo que,

um cuidado pautado na especialidade não-comunicante, na medicalização e na fragmentação

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– como evidenciado com a pesquisa – é produto e produtor de uma rede que se articula

pontualmente, num alinhavo disparado por rótulos e intersubjetividades que atendem mais a

afinidades interpessoais e temáticas do que às necessidades de indivíduos e coletividades.

Apostamos na trindade “integralidade-compartilhamento do cuidado-intersetorialidade” como

pressuposto fundamental à construção do cuidado e do trabalho em rede, para que assim seja

possível extrapolar os fluxos assistências labirínticos rumo à concretização da RAPS em

território.

Palavras-chave: Saúde mental, Serviços de Saúde Mental, Atenção à Saúde.

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ABSTRACT

This thesis is at the interface between collective health and mental health. Its research object

is the Psychosocial Care Network (RAPS, as per its Portuguese acronym), analyzed from the

viewpoint of its organizational logic and having as a guiding axis the articulation between the

services comprising it. It is broadly aimed: to analyze the RAPS Natal/RN, considering the

care in the territory and its modes of articulation; and specifically: to draw up a network

design, relating the municipal installed capacity, the current care flows and the intersectoral

partnerships directly related to the line of care in psychosocial care; to understand the modes

of articulation between the services comprising it, considering the continuity of care in the

territory; to propose strategies to enhance this network of care, based on loco-regional

specificities. This is a qualitative research guided by the Complex Thought, with Morin‟s

orientation, as an understandable lens of reality and of the phenomenon in question. In order

to collect data, we moved through the health services comprising the various points of care in

the RAPS Natal/RN for descriptive observation of routines and actors in interaction, and also

performed focus group sessions with directors, workers and users of the visited health

services, totaling 22 subjects. It was approved by the Research Ethics Committee of the

Onofre Lopes University Hospital of the Federal University of Rio Grande do Norte (HUOL-

UFRN), on April 3rd

, 2017 – CAAE 65226817.5.0000.5292 and opinion 1.997. The results

were built from the corpus originating from the transcripts of the focus groups, and divided

into two categories of analysis, namely: 1) From the tangled wires to the basting of a network

– which consists of the presentation of the RAPS Natal/RN from the graphic viewpoint and

regarding the characteristics of community-based mental health care developed in the

municipality; 2) Concerning the articulation of the RAPS: relinking wires and knots, basting

the network – where we will discuss the strategies adopted by actors, services and sectors to

promote interconnections that foster the continuity of mental health care in the territory. Still

in the second category, problems are debated evidenced in the local scenario and that have

direct or indirect implications for the articulation of the RAPS and for the continuity of the

care in territory and that are denominated like The nodes of the network. In short, we

recognize in the local scenario more the existence of a continuum between services than of an

RAS proper. We call attention to the relationship of recursion that we judge to be established

between care in the territory and the articulation of RAPS. So, care based on specialty,

medicalization and fragmentation - as evidenced by the research - is the product and producer

of a network that articulates in a timely manner, in a fodder triggered by labels and

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intersubjectivities that they serve more interpersonal and thematic affinities than the needs of

individuals and collectivities. We are betting on the trinity of "integrality-sharing of care-

intersectoriality" as a fundamental presupposition for the construction of care and networking

so that it is possible to extrapolate flows of labyrinth assistance towards the realization in

RAPS territory.

Keywords: Mental health, Mental Health Services, Health Care (Public Health).

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Estrutura operacional das Redes de Atenção à Saúde ......................................

43

Figura 2 – Mapa da cidade do Natal/RN por Distrito Sanitário e contendo a localização

dos serviços que fizeram parte da pesquisa

.............................................................................................................................................

62

Figura 3 – Rede de Atenção Psicossocial de Natal/RN, considerando capacidade

instalada por Distrito Sanitário, fluxos assistenciais e parcerias intersetoriais

...........................................................................................................................

74

Figura 4 – Representação das características do cuidado em saúde mental evidenciadas

no território .......................................................................................................

83

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LISTA DE ABREVIATURAS

AB: Atenção Básica

ACS: Agente Comunitário de Saúde

APS: Atenção Primária à Saúde

CAPS: Centro de Atenção Psicossocial

CAPS AD: Centro de Atenção Psicossocial especializado em transtornos decorrentes do uso

de álcool e outras drogas

CAPS i: Centro de Atenção Psicossocial infanto-juvenil

CC: Centro de Convivência e Cultura

CEDUC: Centro Educacional

CEI: Centro de Especialidades Clínicas

CEP: Comitê de Ética em Pesquisa

CIAD: Centro Integrado de Acolhimento ao Adolescente acusado de Ato Infracional

CnaR: Consultório na Rua

CNES: Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde

CNS: Conferência Nacional de Saúde

CNSM: Conferência Nacional de Saúde Mental

CRAS: Centro de Referência em Assistência Social

CREAS: Centro de Referência Especializado em Assistência Social

DS: Distrito Sanitário

eCR: Equipe de Consultório na Rua

ESF: Estratégia de Saúde da Família

HJM: Hospital João Machado

HMN: Hospital Municipal de Natal

HUOL: Hospital Universitário Onofre Lopes

NASF: Núcleo de Apoio à Saúde da Família

PNSM: Política Nacional de Saúde Mental

PS/HJM: Pronto Socorro do Hospital João Machado

PTS: Projeto Terapêutico Singular

RAPS: Rede de Atenção Psicossocial

RAS: Rede de Atenção à Saúde

RAU: Rede de Atenção às Urgências

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RN: Rio Grande do Norte

RPb: Reforma Psiquiátrica brasileira

SAD: Serviço de Atendimento Domiciliar

SAMU: Serviço de Atendimento Móvel de Urgência

SEMDES: Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social

SEMURB: Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo

SISREG: Sistema Nacional de Regulação

SMS: Secretaria Municipal de Saúde

SPA: Substância Psicoativa

SRT: Serviço Residencial Terapêutico

SUAS: Sistema Único de Assistência Social

SUS: Sistema Único de Saúde

UAP/HUOL: Unidade de Pronto Atendimento do Hospital Universitário Onofre Lopes

UBS: Unidade Básica de Saúde

UPA: Unidade de Pronto Atendimento

USF: Unidade de Saúde da Família

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 14

2 REVISÃO DE LITERATURA ..................................................................................... 20

2.1 UM PASSEIO PELA TRAJETÓDIA DA LOUCURA: DA GRANDE

INTERNAÇÃO À ATENÇÃO EM REDE TERRITORIAL ...........................................

20

2.2 A REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL À LUZ DO PENSAMENTO

COMPLEXO: TENSÕES E CONTRADIÇÕES ...............................................................

39

3 OBJETIVOS .................................................................................................................. 56

3.1 OBJETIVO GERAL ..................................................................................................... 56

3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ....................................................................................... 56

4 MÉTODO ....................................................................................................................... 57

4.1 ARCABOUÇO TEÓRICO-METODOLÓGICO ......................................................... 57

4.2 CARCATERÍSTICAS DA PESQUISA ....................................................................... 60

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO .................................................................................. 68

5.1 DOS FIOS EMARANHADOS AO ALINHAVO DE UMA REDE ........................... 72

5.1.1 A rede alinhavada ...................................................................................................... 73

5.1.2 O cuidado em território: bordando ilhas de resistência entre as remanescências do

manicômio ..........................................................................................................................

83

5.2 SOBRE A ARTICULAÇÃO DA RAPS: O RELIGAR DE FIOS E DE “NÓS”

ALINHAVANDO A REDE ...............................................................................................

109

5.2.1 Os nós da rede ........................................................................................................... 129

5.2.1.1 Estrutura operacional .......................................................................................... 129

5.2.1.2 A APS e o compartilhamento do cuidado em saúde mental ............................. 133

5.2.1.3 A Urgência e Emergência no contexto da RAPS ............................................... 138

5.2.1.4 A dialógica do CAPS ............................................................................................ 143

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 150

REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 155

APÊNDICES ..................................................................................................................... 167

Apêndice A – Roteiro para realização dos Grupos Focais ................................................. 167

Apêndice B – Roteiro para observação descritiva .............................................................. 168

Apêndice C – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido............................................. 169

Apêndice D – Rede de Atenção Psicossocial da cidade do Natal/RN considerando a

capacidade instalada por Distrito Sanitário e parcerias ......................................................

172

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ANEXOS ........................................................................................................................... 180

Anexo A – Termo de Anuência HUOL .............................................................................. 180

Anexo B – Termo de Anuência SMS ................................................................................. 181

Anexo C – Parecer Consubstanciado do CEP/HUOL ........................................................ 182

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1 INTRODUÇÃO

A Reforma Psiquiátrica brasileira (RPb) apresenta-se como o grande marco da

reorientação teórico-prática da loucura no Brasil. Nascida no interior do processo de

conscientização sanitária, eclode num campo profícuo de luta pelos direitos de cidadania, de

interrogação da relação entre Estado e sociedade, numa “utopia ativa de transformação social

que se faz e refaz cotidianamente... uma luta política para a transformação social”, como nos

fala Yasui (2010, p. 25).

Desde os primeiros anos do movimento de Luta Antimanicomial datado da década de

1970 até os dias atuais são incontestáveis os avanços conquistados em todo território nacional

e nos diversos âmbitos que conformam as múltiplas facetas da RPb – teórico-conceitual,

jurídico-político, técnico-assistencial e sociocultural (AMARANTE, 2003). Neste trabalho

assumiremos o desafio de aprofundar a discussão na dimensão técnico-assistencial da RPb,

com foco no arranjo organizativo dos serviços de saúde mental disponíveis em território, em

interface com a sua dimensão epistemológica – porém sem perder de vista as demais facetas

deste movimento. Isso porque reconhecemos que as formas de entender e de lidar com o

transtorno mental se interconectam e retroagem, refletindo diretamente nos modos como os

serviços se organizam para atender às demandas dos usuários.

No campo epistemológico ou teórico-conceitual vimos o aflorar de críticas e

questionamentos não apenas em relação à instituição asilar, mas, principalmente aos

pressupostos fundantes da psiquiatria e às estratégias de normalização e controle do “doente

mental”; o paradigma hospitalocêntrico e medicalizador aos poucos vai cedendo espaço à

abordagem psicossocial do sofrimento psíquico. Na esfera jurídico-política, a promulgação da

Lei no 10.216, seguida de um arcabouço normativo que compreende leis, portarias e decretos

ministeriais, reorientou a assistência em saúde mental no Brasil, o que, em última análise,

findou por legitimar uma série de serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico que devem

funcionar de forma articulada e pautada na assistência em território. Transversalizando tais

transformações, apostou-se na clínica ampliada e na representação não-estigmatizante dos

transtornos mentais (COSTA et al., 2011).

Desde o ano de 2011, após a portaria 3.088/2011, esses serviços organizam-se

seguindo a lógica das Redes de Atenção à Saúde (RAS) – sistema integrado que opera de

forma contínua, proativa e voltado para as condições agudas e crônicas de saúde/doença

(MENDES, 2011) – estabelecendo, assim, a rede temática, e prioritária, de cuidados em saúde

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mental: Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Conformam esta rede sete componentes, a

saber: Atenção Básica, Atenção Psicossocial Especializada composta pelos Centros de

Atenção Psicossocial (CAPS), Atenção de Urgência e Emergência, Atenção Residencial de

Caráter Transitório, Atenção Hospitalar que é composta por leitos/enfermarias de saúde

mental em Hospital Geral e pelo serviço Hospitalar de Referência para atenção às pessoas

com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool

e outras drogas, Estratégias de Desinstitucionalização e Reabilitação Psicossocial (BRASIL,

2011a).

Como êxitos da saúde mental/atenção psicossocial brasileira na última década Pitta

(2011) elenca o aumento da acessibilidade ao cuidado em saúde mental, a redução de leitos

em hospitais psiquiátricos, a reorientação assistencial com foco na comunidade e nos espaços

de sociabilidade dos sujeitos. A estes pontos, Delgado (2015) acrescenta a criação e

ampliação de dispositivos substitutivos e iniciativas de geração de emprego e renda

articuladas às políticas de economia solidária. Macedo et al. (2017) destacam o

aprofundamento do processo de expansão e regionalização da rede de serviços ao longo dos

15 anos após a Lei 10.216, apesar da persistência de “vazios assistenciais” em diversos pontos

de atenção que geram fragilidade na cobertura da rede de serviços substitutivos.

Revisitando informativo eletrônico da Coordenação Geral de Saúde Mental, Álcool e

outras Drogas, tem-se um panorama geral do processo de transformação do modelo

assistencial como também uma expectativa do estado de desenvolvimento da RAPS. Os dados

disponíveis no referido documento apontam para a construção de estratégias para

fortalecimento e qualificação da Atenção Básica (AB) – a exemplo da ampliação das equipes

de Saúde da Família, dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família e das equipes de Consultório

na Rua (eCR) – para cuidar das pessoas com necessidades decorrentes de transtorno mental

ou do uso abusivo de crack, álcool e outras drogas; ampliação da cobertura nacional de

Atenção Psicossocial Especializada1 que passou de 0,21 CAPS/100 mil hab. em 2002, após a

Lei 10.216/2001, para 0,80 CAPS/100 mil hab. em 2014, o que significa que ascendeu de uma

cobertura crítica ou insuficiente para outra considerada muito boa pelo Ministério da Saúde;

evolução do investimento financeiro federal com reversão – atingida em 2005 – nos gastos da

política pública com mais investimento na atenção comunitária/territorial; expansão da

1 O Indicador de cobertura CAPS/100 mil hab. foi criado para refletir a evolução da implantação da rede

substitutiva ao longo do tempo. Isoladamente, não reflete a expansão da RAPS e, portanto, a cobertura

assistencial. Para este indicador, utiliza-se o cálculo de cobertura ponderada por porte do CAPS. Assim, os

CAPS I têm território de abrangência e cobertura de 50 mil habitantes; os CAPS III e ad III, de 150 mil

habitantes; os demais CAPS (II, ad e i), cobertura de 100 mil habitantes (BRASIL, 2015).

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Atenção Residencial de Caráter Transitório com a implementação de Unidades de

Acolhimento em dez estados brasileiros até o ano de 2014; ampliação de Serviços

Residenciais Terapêuticos e aumento no número de beneficiários do “Programa de Volta Para

Casa”, mudança no perfil/porte dos hospitais psiquiátricos em todo território nacional – até

2014 9,27% dos hospitais psiquiátricos tinham mais de 400 leitos enquanto que 48% tinham

até 160 leitos – e mais de 1.000 iniciativas de inclusão social pelo trabalho espalhadas pelos

26 Estados brasileiros; investimentos em Reabilitação Psicossocial que contemplaram

projetos relacionados à Economia Solidária e geração de trabalho e renda, alfabetização,

educação continuada, inclusão digital e cultural por intermédio de expressões artísticas e

culturais e comunicação audiovisual e no protagonismo de usuários e familiares que

contemplaram projetos de fortalecimento da inclusão e do controle social, criação e

fortalecimento de associações de usuários e familiares, atividades comunitárias, eventos e

publicações, encontro de coletivos e articulação em rede intersetorial e de saúde; além de

projetos de educação permanente que contaram com a presença de profissionais de 21 Estados

das cinco regiões do Brasil (BRASIL, 2015a).

Entretanto, apesar dos significativos avanços conquistados no cenário nacional, a

regionalização da saúde mental e criação da RAPS fez aflorar novos desafios à Política de

Saúde Mental brasileira. Como desafios e fragilidades atuais inerentes à atenção psicossocial

no Brasil, Delgado (2015) elenca graves problemas na gestão dos serviços que se referem: à

deficiência na estrutura dos serviços comunitários e precarização dos vínculos profissionais; à

baixa consolidação de consensos técnicos para funcionamento das equipes nos vários

dispositivos da rede de atenção; à ausência de mecanismos de avaliação permanente e à

disparidade entre a efetividade de serviços mesmo em contextos semelhantes; e a critérios

pouco claros de cobertura territorial efetiva, impedindo a avaliação de impacto. Além destes,

o autor ainda refere baixa densidade de articulação das ações intersetoriais e ausência de

estratégias claras para enfrentar a vulnerabilidade social dos indivíduos com transtorno mental

ou em uso abusivo de álcool e/ou outras drogas.

Lobosque (2011) enumera como desafios ora impostos à RAPS a atenção à crise,

principalmente pela escassez de dispositivos substitutivos que atendam 24 horas por dia.

Outro ponto colocado pela autora é a aproximação (ou seria o distanciamento?) entre AB e os

serviços especializados do tipo CAPS. A este respeito, Delgado (2015) pondera que tal

problemática não pode ser enfrentada apenas pela burocratização das ações nas redes de

atenção, mas perpassa pelo diálogo entre os modelos teóricos diversos que sustentam atenção

primária e atenção psicossocial. Lobosque (2011) segue argumentando sobre a formação de

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laços entre os indivíduos e entre estes e a cidade, inclusão dos setores de educação, justiça

assistência social, direitos humanos na luta pela cidadania e o cuidado continuado em

território. Ademais, alerta para uma grave problemática, principalmente se considerarmos o

cuidado articulado em rede, relacionada à centralização do CAPS como organizador do

cuidado em território. Para a autora, os serviços de atenção psicossocial especializada têm

assumido, por diversos motivos, uma tendência de fecharem-se em si próprios no que cumpre

em convidar e convocar os diversos pontos da rede a atuarem como atores da territorialização

– e aí cabe um questionamento nosso: o serviço especializado fecha-se em si mesmo ou foi

sitiado por velhas barreiras invisíveis que isolam a doença mental nas paredes, agora, do

CAPS?

Diante do exposto, reconhecemos a importância da integração e da articulação de

todos os componentes da RAPS, assim como da participação ativa de outras instâncias para

além do setor saúde – a exemplo da assistência social, educação, justiça, dentre outras – para a

garantia da integralidade e da continuidade do cuidado em território. Por outro lado,

admitimos a existência de fatores complicadores no cotidiano da RAPS que tensionam a rede

e nos fazem questionar: persistem estruturas simbólicas e/ou materiais representativas do

manicômio e do poder médico-psiquiátrico atravancando a articulação entre os serviços e as

estratégias que conformam a rede de atenção?

Na perspectiva de operacionalizar a presente investigação partimos do

questionamento-chave: como se dá a articulação entre os pontos da Rede de Atenção

Psicossocial (RAPS) do município de Natal com vistas a continuidade do cuidado em

território? Assumindo o desafio de analisar a RAPS em hologramaticidade com a RAS,

propomos a realização desta pesquisa que intenciona visitar os modos de articulação da RAPS

na perspectiva de (re)conhecer remanescências da ideologia manicomial, assim como de

outras fontes de tensão e travamento no cotidiano da assistência à saúde mental em rede.

Esclarecemos que a hologramaticidade aqui considerada se refere a um dos princípios do

Pensamento Complexo e contempla a ideia de que, assim como em um holograma, o menor

ponto da imagem contém a quase totalidade da informação. De tal modo, admite-se que a

parte está no todo que, por sua vez, está contemplado na parte. Explicitaremos mais

detalhadamente o princípio do holograma na revisão de literatura do presente estudo.

São pressupostos desta investigação:

O lidar teórico-prático, ou seja, a relação estabelecida entre os modos de compreender

a “loucura” e as formas de cuidar/tratar do sujeito que sofre de transtorno mental,

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influencia e é influenciado pelos modos de articulação da RAPS, trazendo implicações

para a continuidade do cuidado em saúde mental no território e em perspectiva de rede

de atenção;

No âmbito da atenção à saúde em rede os componentes relativos ao cuidado em saúde

mental se isolam ao passo que são isolados por “muros manicomiais” persistentes,

forjando fluxos assistenciais estanques e/ou labirínticos tanto dentro da RAPS quanto

no contexto mais ampliado das RAS;

Os modos como se articula a RAPS/Natal trazem implicações para a continuidade do

cuidado em território que perpassam pela própria estrutura operacional e pela

interlocução entre os atores da própria rede – gestores, trabalhadores e usuários.

A presente pesquisa se justifica pela posição que a RAPS ocupa na lista de programas

prioritários do Ministério da Saúde em concomitância com o fato da articulação entre os

serviços ser uma de suas finalidades (BRASIL, 2011a). Diante da representatividade da

problemática da (des)articulação dos serviços como fator impactante no cotidiano da

assistência à saúde mental coletiva, pensar alternativas criativas e exequíveis reveste-se de

fundamental importância, especialmente no que se refere à elaboração de políticas, ao

planejamento e à gestão dos serviços de saúde mental. Outrossim, chamamos a atenção para a

necessidade de atualização do discurso e da concepção da rede de saúde mental a partir da

lógica das RAS, sobretudo em tempo de alteração que vem sofrendo a Política Nacional de

Saúde Mental através da Resolução nº 32 de 14 de dezembro de 2017 e da Portaria nº 3.588

de 22 de dezembro de 2017 (BRASIL, 2017a; BRASIL, 2017b).

O estudo em tela propõe lançar um “olhar-caleicoscópio” (CARVALHO;

AMARANTE, 1996) sobre a RAPS, captando a realidade em movimento, buscando abordar

os pontos cegos entre os espaços micro e macro da assistência à saúde mental. Pretende-se dar

voz aos sujeitos implicados em diversas realidades e posições assistenciais numa perspectiva

dialógica. Além disso, apresenta como potencialidades: o estímulo ao debate pela promoção

de um espaço coletivo para que os interessados reflitam e discutam sobre o cotidiano da saúde

mental tendo como fio condutor os modos de articulação entre os serviços; a convocação e a

oportunização da fala àqueles que circulam pela rede em busca de cuidado, sujeitos que

historicamente experienciam a política de saúde mental apenas por intermédio das atividades

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desenvolvidas pelos técnicos no interior dos serviços especializados, mas que ao termo, trata-

se das suas próprias vidas.

Além da introdução, esta tese traz em seu corpo outras cinco seções. Desenvolvemos

na revisão de literatura, segunda seção do trabalho, uma aproximação teórica ao objeto

analisado mediante breve resgate histórico-conceitual sobre os modos de compreender e lidar

com o indivíduo que apresenta transtorno mental ao longo das épocas. A terceira seção desta

tese compreende a exposição dos objetivos gerais e específicos da pesquisa em tela. Em

“método”, temos a explicitação do arcabouço teórico-metodológico norteador da pesquisa,

como também as questões operacionais referentes ao presente estudo. Na quinta seção,

resultados e discussão, trazemos a apresentação de um desenho da RAPS/Natal, além das

falas dos sujeitos agrupadas em categorias e subcategorias de análise com as respectivas

discussões e reflexões. Na última seção, nossas considerações finais nas quais apresentamos a

síntese dos principais resultados da pesquisa, as limitações do estudo e, ainda, propostas que

julgamos pertinentes de serem pensadas e debatidas coletivamente para o avanço da

RAPS/Natal.

Esperamos que os resultados encontrados neste estudo contribuam para transpor

barreiras que segregam o componente especializado da rede e, assim, possa contribuir para a

efetivação de avanços em prol da concretização da RAPS. Ressaltamos a importância do

comprometimento de órgãos de formação, de gestores, de profissionais e de usuários nesse

processo, assim como, com os avanços da assistência à saúde mental brasileira.

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2 REVISÃO DA LITERATURA

Neste capítulo desvela-se o marco teórico-conceitual que apoiará a problematização e

a discussão sobre a RAPS/Natal. Para aproximação teórica ao nosso objeto de estudo,

realizou-se revisão narrativa da literatura da área que contou com pesquisa em Bibliotecas

Virtuais em Saúde, Bancos de Teses e Dissertações, bases de dados eletrônicos, além de livros

e materiais impressos. Com o intuito de atingir o maior alcance possível de obras que

contemplassem direta ou indiretamente o problema em análise, não se delimitou marcador

temporal ou idioma, sendo a busca orientada por proximidade teórica/temática. O produto

desta busca será divido em duas seções, a saber: 2.1 Um passeio pela história da loucura: da

Grande Internação à atenção em rede territorial; 2.2 A Rede de Atenção Psicossocial à luz do

Pensamento Complexo: tensões e reflexões.

2.1 UM PASSEIO PELA HISTÓRIA DA LOUCURA: DA GRANDE INTERNAÇÃO À

ATENÇÃO EM REDE TERRITORIAL

Esta incursão pela trajetória da loucura é, antes de tudo, um esforço para revisitar

elementos que compuseram o cenário da saúde mental brasileira, na expectativa de

compreender as tensões e contradições que ora se apresentam no âmbito da atenção

psicossocial e em rede.

Para ousarmos este passeio, partimos de uma concepção de loucura como um

fenômeno histórico-social (COSTA-JUNIOR; MEDEIROS, 2007) e assumimos que as

transformações porque passaram o entendimento de loucura e o perfil da assistência prestada

às pessoas com transtorno mental foram influenciadas por pressupostos epistemológicos que

delimitam as formas de pensar da humanidade, em idas e vindas ideológico-conceituais

precipitadas por um emaranhado de contextos – histórico, político, econômico e religioso.

Reconhecemos, finalmente, que os diversos sentidos atribuídos à loucura não se sucedem

plenamente, mas se entrecruzam e se inter-relacionam, convivem, daí porque Pessotti (2001)

pondera ser discutível a afirmação de que o conceito contemporâneo de loucura é diverso do

que se apresentava na Antiguidade ou mesmo na Idade Média.

Salientamos que não temos a pretensão de rever a trajetória histórica contínua e

pormenorizada da loucura, visto a complexidade da temática e a dificuldade de organização

cronológica dos fatos. O que buscaremos é destacar períodos/fatos cruciais que propiciaram

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transformações na compreensão da loucura e que, por sua vez, suscitaram mudanças nas

práticas destinadas aos chamados loucos.

É difícil pontuar, com precisão, as primeiras experiências da loucura no ocidente, o

que se publiciza é que antes do século XVII ela circulava entre as quimeras do mundo. Das

concepções mágico-religiosas aos primórdios do organicismo hipocrático reconhecem-se na

loucura sentidos e significados que convergem para a perda da razão ou do controle

emocional, seja por castigo divino ou por intervenção diabólica, seja por alteração orgânica

proveniente do desequilíbrio dos humores do corpo. Nesse período percebemos que, mesmo

não estando “entre muros”, a loucura já despertava olhares de soslaio por parte dos guardiões

da razão e das normas sociais. O tratamento a ela destinado pautava-se basicamente na

reparação social do transgressor da norma, em orações, jejuns e idas à igreja e, ainda, banhos

com águas medicinais e termais, como relata Pessotti (2001).

Na passagem da Idade Média para a Idade Moderna, a “Nau dos Loucos” renascentista

figurou a experiência cósmica/trágica da loucura, que refletida nas artes, na literatura, no

imaginário, na academia, fazia da loucura uma experiência no campo da linguagem e dotou de

simbolismos essas “loucas barcaças” que libertavam as cidades do convívio com a insanidade.

Nesse período, os loucos que perambulavam pelas ruas da cidade eram deportados via navio,

levados por mercadores ou marinheiros para serem entregues às águas, como que num ritual

de passagem que o enclausurou num espaço de exclusão itinerante no qual ele permanecerá

por muitos anos (FOUCAULT, 2009). A que se considerar o caráter paradoxal assumido pela

Stultifera navis. Se por um lado, representava o fascínio do homem medieval pela loucura e

pela personagem do louco expresso em composições literárias (romanescas ou satíricas), por

outro materializava o desejo de afastar esses indivíduos do convívio social, de limpar as ruas

das cidades dessa presença, numa espécie de embrião de higienismo social (?).

Retomemos, então, o questionamento foucaultiano e reflitamos sobre o momento em

que a loucura passa a ser entendida como problema social e aprisionada, pelos domínios da

razão, entre os muros do Hospital Geral. Para abordar essa passagem da história da loucura,

Foucault (2009) faz uma incursão pelo classicismo2, na qual reconhecemos um paralelo entre

2 O Classicismo a que se refere a obra de Foucault “História da Loucura na Idade Clássica” é o movimento

literário ocorrido no século XVI; a manifestação, nas letras, de um movimento cultural mais amplo denominado

Renascimento. Imaginamos que a busca que o autor faz em obras literárias que abordam a loucura no período

renascentista tenha inspirado a nomenclatura do recorte escolhido por Foucault. Enfatizamos, então, que a

abordagem utilizada na obra difere do método cronológico de separação dos tempos históricos, comum em

escritos que buscam rememorar fatos marcantes da história. De tal modo, acreditamos que Foucault busca

retratar em sua obra acontecimentos que datam do fim da Idade Média (Renascimento) até a Idade Moderna,

culminando com o momento em que a psiquiatria toma a loucura como seu objeto de estudo e de exercício de

poder.

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as características do período – especialmente o antropocentrismo e o racionalismo – e a

reorientação teórico-prática sobre a loucura. Imagina-se que o próprio contexto histórico-

social Renascentista de inspiração Humanista tenha apaziguado o misticismo que envolveu tal

fenômeno durante séculos.

Revisitando a História da Loucura na Idade Clássica é possível identificar

acontecimentos-chave que conformaram essa atmosfera de valorização da consciência crítica

de busca pela verdade e pelo controle do erro, num cenário de supervalorização da razão e da

reflexão moral. Reconhecida por Foucault (2009) como a “experiência crítica” da loucura,

teve como um de seus fatores precipitadores o cogito cartesiano – expresso pelo postulado

célebre “penso, logo existo”. Neste sentido, aos domínios da loucura relaciona-se o erro, a

ilusão, o julgamento equivocado da realidade.

Ao adotar a capacidade de pensar como contraposição à loucura e meio para conhecer

a verdade, o cogito cartesiano finda por aniquilar o louco como sujeito pensante e, ao fazê-lo,

aniquila a própria existência do louco enquanto sujeito.

Caminhando na esteira renascentista3, o mundo presencia a queda do teocentrismo e o

aflorar do antropocentrismo influenciando valores como a desmistificação da miséria em sua

sacralidade que, ao invés de ser exaltada, passa a ser suprimida. Neste sentido, e

potencializado pelo cisma da Igreja Católica provocado por Lutero – assim imaginamos –, vê-

se no Estado Absolutista que se formara a diminuição da sensibilidade religiosa à loucura, à

miséria e aos deveres assistenciais da Igreja pressionando a conformação de uma nova ética

do trabalho e de abominação da ociosidade. A este respeito, Vieira (2007) pondera que em um

mundo no qual os Estados substituem a Igreja nas tarefas de assistência, a miséria se torna um

obstáculo, passando de uma experiência religiosa que santifica para uma concepção moral que

condena.

Mas o que fazer com a leva de desviantes, ociosos e miseráveis que povoavam as

cidades, impedindo a “boa” marcha da sociedade? A solução encontrada pelo século XVII é

denominada por Foucault como “A Grande Internação” dos pobres e demais desviantes,

dentre eles, os loucos. O também nomeado Grande Enclausuramento “designa um evento

decisivo: o momento em que a loucura é percebida no horizonte social da pobreza, da

incapacidade para o trabalho, da impossibilidade de integrar-se no grupo; o momento em que

começa a inserir-se no texto dos problemas da cidade” (FOUCAULT, 2009, p.78).

3 O Renascimento foi um movimento cultural decorrido entre os séculos XV e XVI que marcou a fase de

transição da Idade Média para a Idade Moderna. Foi responsável por transformações profundas no modo de viver

e pensar das sociedades, dentre as quais destaco o despertar da humanidade para uma esfera materialista e

humanista/antropocêntrica, e a concepção de ciência.

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Para compreender o significado do Hospital Geral e do internamento nesse período,

assim como o ponto de ligação entre a loucura e a referida “estrutura da exclusão”, é

interessante considerar as características do mundo burguês que se encontrava em expansão,

no qual o “pecado” por excelência era a ociosidade. Nesse contexto, ao rever a constituição

histórica da doença mental, Foucault (1975) chama atenção para a categoria comum que

agrupou os que residiam nessas casas de internamento: a incapacidade em tomar parte na

produção, na circulação ou no acúmulo das riquezas. Ponderou o autor que “a exclusão a que

são condenados [os loucos] está na razão direta desta incapacidade e indica o aparecimento no

mundo moderno de um corte que não existia antes. O internamento foi então ligado nas suas

origens e no seu sentido primordial a esta reestruturação do espaço social” (FOUCAULT,

1975, p. 54). Para Prandoni e Padilha (2004) esses espaços de confinamento passam a

funcionar como fórmula de controle social para as multiplicidades humanas.

Pelo que se tem notícia, a inauguração do Hospital Geral de Paris no século XVII se

deu, a priori, por razões bem diversas da preocupação com a cura. Foi, antes de tudo,

precipitada pelo imperativo moral do trabalho e da condenação da miséria e de todas as

formas de inutilidade. Reconhecemos em Foucault (2009) que o internamento assumiu, ao

longo do tempo, um duplo sentido: mão-de-obra escrava ou muito barata em tempos de força

de trabalho escassa e reabsorção/ocupação de ociosos por um lado e, simultaneamente,

proteção social contra revoltas em tempos de expansão do modelo econômico.

Nesse período, o gesto que aprisiona traz significações políticas, sociais, religiosas,

econômicas e morais. Assim sendo, dentro do Hospital Geral “fia-se, tece-se, fabricam-se

objetos diversos que são lançados a preço baixo no mercado para que o lucro permita ao

hospital funcionar. Mas a obrigação do trabalho tem também um papel de sansões e de

controle moral” (FOUCAULT, 1975, p. 54). No entanto, o reconhecimento da inaptidão do

louco para o desenvolvimento de trabalhos necessários ao desenvolvimento da sociedade

gerou uma crise nesse modelo de “tratamento” da loucura que trará impactos diretos na

reformulação do asilo do século XIX.

Entre a segunda metade do século XVII e início do século XVIII Foucault (2009)

destaca a rede subterrânea que esboça a experiência moderna da loucura: práticas sexuais

desregradas, magia, alquimia, paixões desenfreadas. Tem-se, assim, a insanidade anexa a um

novo domínio: a razão se sujeita aos desatinos do coração e seu uso atrela-se ao discurso do

desregramento e da imoralidade.

Na idade clássica (fim da Idade Média e início da Idade Moderna) a loucura começa a

ser apreendida de modo obscuro como desorganização da família, desordem social, perigo

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para o Estado. O internamento, em suas formas primitivas, funcionou como um mecanismo

social que se estendeu dos regulamentos mercantis elementares ao grande sonho burguês de

uma cidade onde imperaria a síntese da natureza e da virtude. Começa a se estabelecer, sob a

ordem da razão cristã, o parentesco entre a medicina e a moral na forma da repressão, da

coação, da obrigação, e da salvação. Aloca-se na ordem do desatino tudo que não é conforme

tudo que desvia da ordem familiar burguesa, no século XIX o conflito entre indivíduo e

família tornar-se-á assunto particular e assumirá aspecto psicológico (FOUCAULT, 2009).

Observa-se ainda, nesse período, a forte influência dos cânones religiosos na normalização de

condutas morais e éticas e, por conseguinte, nos sentidos da loucura e no reconhecimento do

ser louco.

Em síntese, nesse deslizamento da compreensão de loucura dos domínios medievais

para os renascentistas/modernos viu-se a moral social traçar uma linha que dividiu, ao passo

que excluiu e aprisionou os que estavam fora da norma. O Hospital Geral recolheu, alojou e

alimentou os pobres da cidade, ao passo que pôs “todo esse mundo de desordem, numa ordem

perfeita [que] pronuncia, por sua vez, o elogio à razão. Nesse „hospital‟, o internamento é uma

sequência do embarque” (FOUCAULT, 2009, p.43). Nesta passagem, Foucault faz uma

referência emblemática ao movimento de exclusão da loucura iniciado pela Nau dos Loucos

em suas viagens. A sequência do embarque seria a continuação da viagem do aquém para o

além, para qualquer lugar que estivesse à margem, a uma “distância sacramentada” da cidade

e da integridade social.

No século XVIII a trajetória da loucura começa a delinear novos caminhos que, apesar

de sinalizarem uma virada epistemológica, não levaram para outro lugar senão à exclusão.

Revisitando o cenário histórico-social que suscitou este deslocamento no sentido e nas

práticas relacionadas à loucura, deparamo-nos com uma série de acontecimentos que

culminaram na separação entre loucura e desatino e a convocação do médico para

controlar/normalizar/autorizar o internamento.

Inicialmente imaginemos um cenário cultural e intelectual de inspiração iluminista –

centrado na razão como a principal fonte de autoridade e legitimidade e marcado pela ênfase

no método científico e no reducionismo mecanicista – aliado às movimentações

revolucionárias na França dos anos 1789 e seus ideais de liberdade, igualdade e fraternidade e

pelo fim dos privilégios da nobreza e do clero. Amarante (2007) comenta sobre a importância

da Revolução Francesa como mola propulsora de diversas transformações econômicas, sociais

e políticas que trouxeram consequências para a medicina e para a história da psiquiatria e da

loucura e para o próprio hospital.

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Por outro lado, o pensamento econômico da época formulava sobre novas bases a

noção de pobreza. Para Foucault (2009), a miséria aos poucos se separa das velhas confusões

morais, a indigência torna-se coisa econômica, já que devido à indústria nascente, precisando

de braços para o trabalho, o pobre volta a fazer parte do corpo da nação. Nesse momento, a

percepção da pobreza e da solução encontrada para ela no século XVII (o internamento) se

inverte, transformando também o sentido da assistência aos pobres.

O rico da Idade Média era santificado pelo pobre, o do século XVIII é

mantido por este... O pobre é reintroduzido na comunidade da qual tinha sido

expulso pelo internamento; mas agora tem um novo rosto. Não é mais a

justificativa da riqueza, sua forma espiritual: é agora sua condição de

existência. Através do pobre, o rico não mais se transcende, subsiste.

Transformada em coisa essencial para a riqueza, a pobreza deve ser libertada

do internamento e posta à sua disposição. E o pobre doente? Este é, por

excelência, o elemento negativo. Miséria sem recurso, sem riqueza virtual.

Este, e somente este, reclama uma assistência total (FOUCAULT, 2009, p.

410).

E assim, todas as outras figuras desviantes vão escapando do internamento, mas a

loucura permanece. Pela primeira vez no mundo cristão a doença se encontra isolada da

pobreza e de todas as figuras da miséria. Pobreza e desatino não se cruzam mais; loucura e

desatino se separam. Nos anos seguintes presencia-se a redução de internamentos por faltas

morais, por conflitos familiares e por aspectos benignos da libertinagem; prevalece o

internamento dos loucos (FOUCAULT, 2009). A esta altura, torna-se compreensível o

fracasso do trabalho como solução para todo tipo de miséria/loucura, ideário comum ao

hospital do século XVII e início do XVIII. Ao se perceber a inaptidão do louco ao trabalho e a

necessidade de adotar-se um regime diferenciado de aproveitamento para esse público,

evidenciam-se as fissuras dessa forma de precaução social.

De tal modo, e paulatinamente, o mundo correcional no qual a loucura está vinculada

aos erros, pecados e crimes começa a se deslocar. Embaladas pelo espírito revolucionário que

conclamou “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” vê-se o aflorar de denúncias políticas de

arbitrariedades, crítica econômica das fundações e da forma tradicional da assistência, pavor

popular pelas casas de internamento, a exemplo de Bicêtre e Saint-Lazare, impulsionando o

mundo a reclamar a abolição dessas práticas. Os reformadores e o próprio cenário

revolucionário da França quiseram suprimir o internamento como símbolo da antiga opressão,

para o que foram criadas algumas estratégias de retirada do pobre do hospital. O louco,

porém, tinha uma peculiaridade: restituído à liberdade poderia tornar-se perigoso, daí a

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necessidade de contê-los. Para resolver esse problema as antigas casas de internamento

permaneceram reservadas aos loucos; “estes encontrar-se-ão no estado de serem os herdeiros

naturais do internamento e como os titulares privilegiados das velhas medidas de exclusão”

antes impostas à lepra nos antigos leprosários (FOUCAULT, 1975, p. 56).

Em Foucault (2009), vimos que silenciados os propósitos do desatino, vibraram as

vozes patológicas da loucura. Para Vieira (2007), essa passagem da experiência crítica da

loucura para a experiência médica se deu num contexto de reajustamento político, social e

moral da relação loucura versus desatino, diante do qual o internamento assume um valor

terapêutico e a medicina, então, apossa-se do asilo e de todas as experiências da loucura.

É interessante notar que a psiquiatria nasce em um contexto epistemológico que

compreende a realidade como um dado natural, capaz de ser apreendido em plenitude.

Partindo desse pressuposto, as ciências naturais buscavam a produção de um saber neutro,

positivo, cuja verdade revelada era incontestável. É nesse cenário que a racionalidade

científica se torna hegemônica na produção do conhecimento e a psiquiatria nascente – ao

passo que almeja estabelecer-se enquanto ciência – funda suas bases em um modelo

biomédico – a medicina mental – que tinha no hospital o locus de produção de saber. Foi

assim que, orientada pelo paradigma naturalista de inspiração cartesiana-newtoniana, a

psiquiatria forjou o conceito de alienação mental, conferindo, pelo saber que desenvolveu

sobre a doença, poder à prática dita terapêutica do internamento/isolamento.

A este respeito, Torre e Amarante (2011) comentam que o fim do “Grande

Enclausuramento” e o nascimento do alienismo pineliano inauguraram uma nova relação com

a loucura intermediada pela emergência de um saber denominado alienismo ou medicina

mental que, candidato a um estatuto de cientificidade, torna-se reconhecido posteriormente

sob a forma da psiquiatria e da clínica psiquiátrica.

Ao revisitar os primeiros passos do alienismo, Amarante (2007) relembra o cenário

pós Revolução Francesa de democratização dos espaços sociais no qual muitos médicos

foram atuar nos hospitais gerais com o intuito de humanizá-los e adequá-los ao novo espírito

moderno, libertando internos que ali estavam em decorrência do poder autoritário do Antigo

Regime. Neste momento, o hospital fora transformado em instituição médica por excelência e

a compreensão da loucura ganha os contornos ideológico-conceituais de alienação mental

enquanto distúrbio no âmbito das paixões, capaz de produzir desarmonia na mente e na

possibilidade objetiva do indivíduo perceber a realidade. Destaca-se que tal atitude não foi tão

somente altruísta, ao contrário, a medicalização do hospital se deu mais com o intuito de

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anular seus efeitos negativos (diante da nova ordem mundial) do que visando uma ação

positiva sobre o doente ou a doença (SILVEIRA; BRAGA, 2005).

Na transição do hospital filantrópico para o hospital médico as funções de caridade e,

posteriormente, de controle social vão esmaecendo. Uma nova função é assumida: a de tratar

dos enfermos. Nesse ínterim, o médico ganha poder dentro do hospital (o que antes era

destinado prioritariamente ao clero) e este, impulsionado pelo ideal de cientificidade

característico da época, transforma-se em espaço de exame, de tratamento e de reprodução do

saber médico (AMARANTE, 2007). É oportuno notar que se delineava nesse cenário mais de

um enfrentamento e/ou tomada de poder. Chamamos a atenção para o fato de que se deu uma

mudança na prestação da assistência que então passava a ser hegemonicamente

secular/científica e masculina frente à assistência anterior religiosa e feminina. As irmãs de

caridade mandavam antes no que agora os novos médicos ordenam.

Segundo reflexões foucaultianas (FOUCAULT, 2006) em O nascimento da clínica e A

casa dos loucos o hospital como instrumento terapêutico é uma invenção do final do século

XVIII. Transformou-se em lugar de observação e de demonstração e constituía uma espécie

de aparelhagem complexa que devia fazer aparecer a doença. O internamento do século XIX

coincidiu com o momento em que a loucura é percebida com relação à conduta regular e

normal; momento em que aparece não mais como julgamento perturbado, mas como

desordem na maneira de agir, de querer, de sentir paixões, de tomar decisões, de ser livre.

Neste sentido, o papel do asilo no movimento de volta às condutas regulares era permitir o

surgimento da verdade da doença mental. Afastando-se tudo que possa confundir ou estimular

a doença, o hospital torna-se o espaço ideal de confronto no qual a vontade perturbada, a

paixão pervertida encontra uma vontade reta e paixões ortodoxas, promovendo o retorno às

condutas regulares.

Nesse novo formato hospitalar ganha destaque o combate à alienação pela figura de

Philippe Pinel e do seu tratamento moral. É notório o ato emblemático realizado por Pinel ao

libertar os loucos acorrentados e mal tratados nos hospitais de fins do século XVIII. Amarante

(2007) atribui a Pinel o lançamento das bases do alienismo, a elaboração de uma nosografia

preliminar da loucura, a consolidação do conceito de alienação mental e da profissão do

alienista, a fundação do primeiro hospital psiquiátrico, a determinação do princípio do

isolamento para os alienados, instaurando o primeiro modelo terapêutico nesta área. O

tratamento moral “consistia na soma de princípios e medidas que, impostos aos alienados,

pretendiam reeducar a mente, afastar os delírios e ilusões e chamar a consciência à realidade”

(AMARANTE, 2007, p. 33).

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Freitas (2004) ressalta dois elementos fundamentais agregados por Pinel à psiquiatria

moderna: a descoberta de um resto de razão nos alienados e maníacos e o encontro, neste

espaço, do princípio da cura. Dito de outra forma, Pinel compreende a loucura como a

perturbação da razão ainda existente no indivíduo que, assim sendo, torna-se passível de

diálogo e de tratamento. De modo que o nascimento da psiquiatria moderna requer para si o

caminho para a reintegração do alienado ao círculo comunicativo.

No entanto, a contribuição de Pinel para a psiquiatria é controversa e encontramos na

literatura questionamentos e críticas acerca das práticas pinelianas no manejo da alienação

mental, principalmente pronunciadas por Foucault. Enquanto que uns colocam Pinel como o

“Pai da Psiquiatria” (PRANDONI; PADILHA, 2004) e promotor da humanização da loucura

e do hospital, Foucault (2009) defende que Pinel reforça e repagina a estrutura de exclusão

através da criação do asilo que, nas mãos do referido alienista, torna-se um instrumento de

uniformização moral e de denúncia social, no qual o terror agora é psicológico.

Libertação dos alienados ou o aprisionamento moral da loucura? Essa é a principal

reflexão do escrito foucaultiano denominado O nascimento do asilo, no qual destaca que esta

instituição surge como grande paradoxo da psiquiatria moderna que se funda no “mito de

Pinel” e na liberdade que de modo controverso exclui e aprisiona (FOUCAULT, 2006).

Gama (2012) apresenta duas perspectivas antagônicas sobre as quais se construiu o

campo psiquiátrico que tem Pinel como fundador. A primeira, de base foucaultiana,

descortina de modo crítico a psiquiatria como positivista com projeto de exclusão e considera

a captura da loucura pela psiquiatria como uma perda, uma violência discursiva e institucional

que transformou a experiência trágica da loucura na percepção de uma doença/erro. Partindo

de tais concepções, a intervenção clínica baseava-se na clausura, na correção, na vigilância e

no empobrecimento subjetivo. A segunda perspectiva compreende a psiquiatria como projeto

revolucionário, como uma nova possibilidade, como um ganho clínico. Apoiada nas

concepções de Marcel Gauchet e Gladys Swain, esta vertente diz que o enfoque dado por

Pinel aos alienados foi revolucionário, inaugurando a possibilidade teórico-prática da cura, em

que pese o caráter utópico de tais ideias, que tinha no relacionamento médico-paciente a base

do poder terapêutico do seu tratamento moral, ainda que fosse uma relação verticalizada.

Assim, embora seja comum o entendimento das contribuições de Pinel na construção

do saber psiquiátrico e na constituição da experiência médica da loucura, consideramos

pertinente a análise crítica da história e concordamos com Foucault ao referir-se ao asilo

como o espaço privilegiado de objetificação do louco, local de exercício da autoridade da

norma sobre a loucura, de vigilância e de julgamento. Para Gama (2012), a contradição do

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projeto pineliano reside em ter aberto a possibilidade de cura ao mesmo tempo em que a

fechou numa instituição e essa característica marcou negativamente sua prática. Ainda

segundo esse autor, os alienistas remanejam a concepção do louco como o outro absoluto,

separado do mundo humano de forma intransponível, porém a psiquiatria nascente se mantem

presa à ideia de que o espaço fechado do asilo é necessário para que se possa construir a

conexão com o mundo interno do alienado.

Com o avançar do século XIX a produção de uma percepção dirigida pelo olhar

científico sobre o fenômeno da loucura a transforma em doença mental, objeto do

conhecimento da psiquiatria. Amarante (1995) rememora os paradigmas que conformaram o

saber psiquiátrico e observa que – num mundo de cientificidade aflorada – a psiquiatria segue

a orientação das demais ciências naturais e, centrada na medicina biológica, se limita a

observar e a descrever os distúrbios nervosos, intencionando um conhecimento objetivo do

homem. Entretanto, por trás dessa pretensa e alegada neutralidade e objetividade científicas,

acreditamos, assim como o referido autor, que o que se buscava tem mais vinculação com o

cenário de atores e poderes científicos e sociais.

A este respeito, trazemos uma passagem redigida por Foucault em O poder

psiquiátrico que revela o caráter autoritário que o discurso e a prática psiquiátrica assumem

durante os “anos dourados” da psiquiatria moderna:

Sobre teu sofrimento e tua singularidade, sabemos bastante coisas (de que

não duvidas) para reconhecer que é uma doença; mas conhecemos bastante

essa doença pra saber que não podes exercer sobre ela e em relação a ela

nenhum direito. Nossa ciência permite chamar de doença a tua loucura

e, desde então, somos, nós médicos, qualificados para intervir e diagnosticar

em ti uma loucura que te impede de ser um doente como os outros: será,

portanto, um doente mental (FOUCAULT, 1997, p. 56 – grifos nossos).

Em síntese, quando a loucura vira “coisa” médica nasce um saber e um poder

específico – o psiquiátrico; o hospital geral, agora asilo, transforma-se em lócus de tratamento

e a exclusão ganha contornos e justificativas terapêuticas. Veremos que o ideal da psiquiatria

positivista, de base hospitalocêntrica e centrada no saber/poder médico-psiquiátrico

influenciará até os dias de hoje a atenção em saúde mental, em que pese a reivindicação

diferente de movimentos contestatórios e os cenários de lutas e enfrentamentos forjados desde

a segunda metade do século XX.

Os alienistas seguem comandando a loucura, o louco e o asilo por décadas do século

XX, até que o cenário nos locais de internamento vai se tornando insustentável. Batista (2014)

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relembra a situação dos hospitais psiquiátricos em meados do século XX: superlotação,

internações em tempo integral e de longa duração, funcionários insuficientes para atender à

demanda, alvos de denúncias de maus tratos. Além de condições sub-humanas em que se

encontravam os internos.

O hospital psiquiátrico se tornara, aquilo que Goffman (1961, p. 11) denominou de

Instituição Total: “local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com

situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo,

levam uma vida fechada e formalmente administrada”. As Instituições Totais quase sempre

funcionam como depósitos de internados, porém, apresentam-se ao público como

organizações racionais, conscientemente planejadas para atingir determinadas finalidades que

são oficialmente confessadas e aprovadas – no caso específico da psiquiatria, a cura ou

readaptação do doente mental ao convívio social (GOFFMAN, 1961).

Para resgatar o deslizamento epistemológico da psiquiatria contemporânea vamos

utilizar como marcador histórico a Segunda Guerra mundial. O contexto europeu do pós-

guerra circunscrito por dificuldades econômicas, privações, morte de milhares de homens nos

campos de batalha e de inúmeros doentes mentais nos asilos por má alimentação e falta de

cuidados promoveu uma atmosfera de repúdio a qualquer tipo de violência e desrespeito aos

direitos humanos. Por outro lado, reconhece-se a instituição psiquiátrica como espaço

cronificador e incapacitante, o que se torna mais grave pela necessidade premente de mão-de-

obra para reestruturação das cidades e de reintegração dos soldados aos campos bélicos.

Nesse contexto, sublinha-se a impotência das teorias e técnicas da psiquiatria

tradicional para fazer o alienado retornar às suas atividades sociais. A psiquiatria entra em

crise como disciplina teórica, um conflito no campo epistemológico da medicina mental que

se estabelece, segundo Birman e Costa (1994), entre um saber que historicamente se fez

instrumento de cientificidade sobre a doença mental e outro que reivindica a saúde mental

como objeto.

Torna-se fundamental “dinamizar a estrutura hospitalar, criar novas formas e

condições de tratamento para uma eficaz recuperação dos pacientes como sujeitos da

produção”, relembram Birman e Costa (1994, p. 50). Eis que surgem várias experiências

psiquiátricas pelo mundo, que variaram de acordo com o alvo das críticas e rupturas que

assumem mediante o hospital e ao saber-poder psiquiátrico, e que tentaram trazer respostas

para os novos problemas emanados pela contemporaneidade.

As críticas a esse modelo médico-psiquiátrico de manejo da doença mental

impulsionaram movimentos contestatórios ao redor do mundo que foram delineados seguindo

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basicamente duas perspectivas: 1) os que defendiam uma psiquiatria reformada propondo

mudanças no espaço asilar para que se tornasse, efetivamente, terapêutico – são exemplos

desses movimentos reformistas a Comunidade Terapêutica, na Inglaterra, e a Psicoterapia

Institucional e de Setor, na França – e outros que propunham estender a psiquiatra ao espaço

comunitário – como a Psiquiatria Comunitária ou Preventiva, nos Estados Unidos; 2) e os que

sustentavam uma ruptura radical com os pressupostos da psiquiatria, pondo em questão o

poder da não-loucura (personificado no psiquiatra) sobre a loucura/o louco – como a

Antipsiquiatria na Inglaterra e a Psiquiatria Democrática italiana (BATISTA, 2014;

AMARANTE, 1995).

Apesar de representarem um avanço no lidar teórico e prático com a loucura, ou seja,

nas formas de entender e lidar com ela, as propostas reformistas não foram tão bem sucedidas

quanto era esperado. Entretanto, deixaram sementes que inspiraram outros movimentos,

inclusive o que se delineou no Brasil por volta da década de 1970. Para Rotelli (1994), tais

propostas negligenciaram a problemática da objetivação do paciente psiquiátrico, tampouco

colocaram a instituição da psiquiatria em discussão junto com o paciente – embora, pondere-

se, ora, se questionar a psiquiatria já parecia inatingível, imagine-se envolver o paciente neste

debate.

A Comunidade Terapêutica não conseguiu tocar a raiz do problema da exclusão, visto

ser esta a pedra angular que fundamenta o próprio hospital psiquiátrico e que, portanto, não

foi além do hospital psiquiátrico. A Psicoterapia Institucional foi incapaz de dialetizar a

relação dentro/fora (da instituição psiquiátrica) e inserir a loucura no espaço social. A

experiência francesa, por sua vez, conseguiu avançar para além do espaço asilar, tentando

conciliar o hospital psiquiátrico com os serviços externos, porém não fez nenhum tipo de

transformação cultural em relação à psiquiatria. A Antipsiquiatria, mesmo contribuindo para o

início de um processo de ruptura com o modelo assistencial vigente, acabou por elaborar

outro modelo teórico para a esquizofrenia que se afiliou a apenas a uma explicação causal

calcada nos problemas de comunicação entre as pessoas (ROTELLI, 1994; AMARANTE,

1995).

Merece destaque a Psiquiatria Democrática Italiana que se propôs a desconstruir

paradigmas e inventar novos caminhos. A tradição de Franco Basaglia – grande nome do

movimento italiano –, dotada de um discurso anti-institucional e antipsiquiátrico/anti-

especialístico, buscou negar, no sentido de desconstruir e superar, a instituição psiquiátrica, a

partir do próprio manicômio. Defendia-se, no entender de Pirella (1985), a negação da

contradição fundamental do manicômio marcada pela existência de um “tratamento” que se

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aplica à base de opressão e punição por um lado e um “hospital” que ao invés de tratar,

destrói, por outro.

Para Basaglia, “o hospital psiquiátrico é considerado uma „instituição da violência‟

uma vez que exerce relação de opressão e de violência entre os que detêm o poder e os que

não o detém, culminando numa situação de exclusão do segundo pelo primeiro”. Basaglia

defendia a importância da tomada de consciência, por parte do doente, da situação de

violência e exclusão na qual vivia para que assim pudesse dialetizá-la e combatê-la

(BASAGLIA, 1985, p.101).

Em análise sobre a tradição basagliana, Amarante afirma ser esta um marco para o

movimento de Psiquiatria Democrática Italiana, pois abre as portas:

para a possibilidade de denúncia civil das práticas simbólicas e concretas de

violência institucional e, acima de tudo, à não restrição dessas denúncias a

um problema dos „técnicos de saúde mental‟... busca inventar uma prática

que tem na comunidade e nas relações que esta estabelece com o louco –

através do trabalho, amizade e vizinhança –, matéria-prima para

desconstrução do dispositivo psiquiátrico de tutela, exclusão e

periculosidade, produzidos e consumidos pelo imaginário social

(AMARANTE, 1995, p. 48).

Nesse ínterim, tem na desinstitucionalização como desconstrução de

saberes/práticas/discursos seu projeto estruturante.

O despertar para a subjetividade do doente – desviando o foco que antes era exclusivo

na doença – caracteriza o mais recente deslizamento na compreensão da loucura.

Identificamos como mote da reorientação epistemológica da psiquiatria contemporânea o

postulado basagliano conhecido como “colocar a doença entre parênteses”, fazendo emergir o

sujeito e seu contexto social e possibilitando a desconstrução do ideal do isolamento como o a

priori da cura da doença mental.

Para Amarante (2009), a atitude epistêmica de “colocar a doença entre parênteses”

simboliza uma ruptura teórico-conceitual com o saber naturalístico da psiquiatria ao mesmo

tempo em que denuncia política e socialmente a exclusão, representando, ainda, a recusa ao

reducionismo psiquiátrico de abranger o fenômeno da loucura através da simples nomeação

da doença mental. Para Rotelli (2001) esta atitude favorece a manifestação real da existência

da pessoa com sofrimento psíquico em detrimento da soberania do saber psiquiátrico.

Consideramos que as transformações conceituais e estruturais da cientificidade

médico-psiquiátrica foram impulsionadas também pelo próprio cenário intelectual/científico

de críticas ao paradigma tradicional da racionalidade científica em diversos campos do saber e

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o aflorar de novas formas de pensar, das quais salientamos a complexidade em prol da

desmistificação do reducionismo, de superação da especialização e da fragmentação. A este

respeito, Soar-Filho (2003) reconhece na contemporaneidade o despontar de uma ciência

“novo-paradigmática” baseada no Pensamento Complexo como uma alternativa para que a

psiquiatria possa contribuir com a ciência do futuro.

Toda essa transformação epistemológica fez emergir novas buscas para o pensar e o

agir em psiquiatria/saúde mental, contribuindo assim, para o surgimento dos referidos

movimentos de contestação do hospital e da psiquiatria em nível mundial, aos quais

acrescentamos a Reforma Psiquiátrica brasileira. Julgamos pertinente enfatizar o movimento

brasileiro que, além de ter se inspirado nos erros e acertos das reformas mundiais, traz

avanços consideráveis, especialmente no que toca o seu forte teor político e social em

comunhão com a Luta Antimanicomial como movimento brasileiro.

No Brasil, a trajetória do lidar teórico-prático com a loucura tem como marco histórico

a inauguração do Hospício Pedro II, no Rio de Janeiro, em 1852, cujos primeiros anos foram

marcados pela superlotação e pelo conflito de autoridade entre a Igreja, e sua visão religiosa e

“caritativa” da gestão da loucura, e a classe médica. A ausência de um projeto assistencial

científico, como assim alegavam, e o distanciamento dos médicos do poder institucional

fizeram com que os alienistas imprimissem duras críticas ao hospício (TEIXEIRA, 1997).

Salientamos que o termo “caritativa” aparece entre aspas para enaltecer o caráter ambíguo que

assume nessa passagem. Apesar de o asilamento vestir-se com o manto da caridade cristã,

muitas foram as denúncias de maus-tratos e abandono ao qual estavam relegados não apenas

os ditos loucos, mas também, aqueles indivíduos considerados incompatíveis com o convívio

social e por este motivo encerrados nos porões das Santas Casas de Misericórdia e, mais tarde,

nos hospícios.

A instauração da República no Brasil, em 1890, abriu espaço para a implementação

dos ideais republicanos positivistas dos alienistas brasileiros da época, os quais reivindicavam

ao hospício o poder médico. Sob a prerrogativa de uma melhor assistência aos alienados e em

nome de princípios humanitários e científicos, as elites médica e política de então se unem e,

em uníssono, gritam: “Aos loucos, o hospício!”, campanha que reforça e consolida a

autoridade médico-psiquiátrica na gestão da loucura e do hospício brasileiro desde seus

primórdios. O período que se estende até 1920 constitui uma etapa do desenvolvimento da

psiquiatria em que se destaca a ampliação do espaço asilar no Brasil (AMARANTE 1994;

TEIXEIRA, 1997). E recrudesce até o fim da década de 1970.

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A história brasileira de contestação ao saber médico-psiquiátrico se confunde com o

cenário nacional de redemocratização e conscientização sanitária, sendo esta impulsionada

pelos movimentos de Reforma Sanitária e Reforma Psiquiátrica brasileira (RPb). Para Tenório

(2002) o movimento de Reforma Psiquiátrica brasileira desdobrou-se de um amplo e

diversificado escopo de práticas e saberes iniciado pela Reforma Sanitária. Este movimento,

de cunho teórico-crítico às políticas de saúde do Estado brasileiro autoritário, lutava pela

reformulação do sistema nacional de saúde e tinha a importância analítica de resgatar a

cidadania subtraída como valor essencial nesse processo.

De tal modo, a RPb eclode pela força do Movimento dos Trabalhadores da Saúde

Mental e do movimento social de Luta Antimanicomial de meados da década de 1970 para

reivindicar “uma sociedade sem manicômios”, a desinstitucionalização de sujeitos e práticas e

a construção da cidadania da pessoa com transtorno mental.

Amarante (1995, p. 87) reconhece a RPb como um “processo histórico e de

formulação crítica e prática, que tem como objetivos e estratégias o questionamento e a

elaboração de propostas de transformação do modelo clássico e do paradigma da psiquiatria”.

Aliamos a esta concepção a tese de Silvio Yasui (2010) que identifica a RPb como um

processo civilizatório de transmissão/assimilação de valores que, quando convertidos em atos,

revelam a disposição para a convivência com o que nos é diferente, para a aliança, para a

mudança, enfim, o interesse na construção de redes e laços de solidariedade, para uma melhor

organização de estratégias de cuidado na reinvenção do cotidiano do usuário de serviços de

saúde mental.

Amarante (2003) interpreta o processo de RPb através de quatro dimensões distintas,

porém interligáveis e inter-relacionáveis, a saber: dimensão teórico-conceitual ou

epistemológica – situada no campo da produção de saberes que fundamentam e autorizam o

saber/fazer da área –, a dimensão jurídico-política – que contempla a consolidação da RPb

como movimento social e como política pública no Brasil –, a dimensão técnico-assistencial –

relativa a construção de uma nova organização de serviços e de produção de vida – e a

dimensão sociocultural – que propugna a modificação das relações entre sociedade e loucura.

Para aprofundar conhecimentos relativos às dimensões da RPb sugerimos a leitura de

Amarante (1995) e de Ramos (2011), sendo esta última referência a dissertação de mestrado

intitulada Reinternações psiquiátricas no Rio Grande do Norte: implicações e impacto das

novas estratégias de atenção à saúde mental na qual rememoramos detalhadamente as

dimensões da RPb. Por hora, buscamos estabelecer diálogos, relacionar mudanças políticas e

avanços práticos influenciados pelo contexto epistemológico de desconstrução do paradigma

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naturalista reducionista e o aflorar de uma nova forma de perceber a vida e o indivíduo em

sofrimento psíquico.

Torre e Amarante (2001) reconheciam no primeiro ano do século XXI, no Brasil, um

processo de transformação do lugar social do louco como sujeito político e ator social.

Certamente, tal transformação é resultante das iniciativas de ruptura com o objeto epistêmico

da psiquiatria tradicional, tornando-se a preocupação com a promoção à saúde mental uma

prioridade em detrimento da terapêutica curativa destinada à doença mental. Neste contexto, e

conforme leituras de Paulo Amarante, os principais conceitos epistêmicos da psiquiatria, tais

como, alienação/doença mental, isolamento terapêutico, cura, internação, são contestados,

reavaliados, desconstruídos e reinventados.

Para Torre e Amarante (2011, p. 46), “repensar o sujeito a partir de uma nova

concepção de loucura, nos leva à possibilidade de uma ruptura em relação à tradição filosófica

e cartesiana”. Nesse cenário, acompanha-se o movimento da negação institucional, no sentido

basagliano de destruir e superar o manicômio, para a invenção de uma instituição que,

conforme Rotelli (2001), privilegie a “existência-sofrimento” dos indivíduos em relação com

o corpo social. Com o despertar para a subjetividade dos sujeitos que tinham a experiência do

sofrimento psíquico, imaginamos a abertura de novos caminhos para o cuidado em saúde

mental, em que pese o apego ao quadro nosológico da doença ainda observado no cotidiano

da atenção psicossocial.

A mudança na forma de compreender a realidade, agora reconhecida como

socialmente construída, faz despertar técnicos da saúde mental e a sociedade em geral para as

condições de trabalho, tratamento e existência no âmbito psiquiátrico. As lutas e embates

travados, por sua vez, impulsionaram a estruturação jurídica e política deste movimento que

finda por estruturar-se enquanto política nacional – A Política Nacional de Saúde Mental

(PNSM). Tal sustentação jurídico-política possibilitou toda uma reorientação assistencial

apoiada na Lei 10.216/2001 (BRASIL, 2001) e materializada pela criação de serviços e

estratégias de apoio ao indivíduo em sofrimento psíquico que se encontra em processo de

desinstitucionalização.

A RPb teve como marcos jurídico-políticos a VIII Conferência Nacional de Saúde

(CNS), as Conferências Nacionais de Saúde Mental (CNSM) e a promulgação da Lei

10.216/2001 que ficou conhecida como a Lei da RPb (BRASIL, 2001). Os itens que

compõem o arcabouço normativo da RPb – esboçados em leis, portarias, programas,

estratégias e organização de atores sociais – objetivam, há décadas, oferecer o suporte

necessário para o exercício da cidadania da pessoa com transtorno mental no Brasil. Por meio

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da organização dos serviços em território, da inclusão social pelo trabalho e do auxílio

financeiro ao indivíduo egresso de internação hospitalar, a PNSM representa o eixo que busca

a sustentação estrutural no território do novo paradigma da saúde mental brasileira – o

paradigma psicossocial.

Neste novo contexto prático e discursivo de reestruturação da assistência psiquiátrica o

conceito que se destaca por excelência é o de desinstitucionalização. Conforme Amarante

(1996) o lidar prático e teórico com a desinstitucionalização do usuário em sofrimento

psíquico confere à tradição basagliana e a RPb caráter peculiar de desconstrução de modelos e

iniciativas de ruptura com mecanismos institucionais e técnicos de abordagem ao transtorno

mental.

Com origem na Psiquiatria Democrática italiana, a desinstitucionalização configura-se

como uma crítica ao saber/fazer que orienta a prática psiquiátrica, promovendo uma ruptura

com o paradigma da psiquiatria clássica, no qual era necessário “separar para conhecer”. No

entender de Amarante (2007), esta tendência apresenta-se como a desmontagem do conjunto

de aparatos teórico, técnico, terapêutico e assistencial asilar para que se possa restabelecer a

relação com os sujeitos em sofrimento psíquico, ou seja, a humanidade.

Para Rotelli (2001), o verdadeiro objeto do projeto de desinstitucionalização é a

ruptura com o paradigma clínico e com a relação mecânica causa-efeito na análise da

constituição da loucura. O que se objetiva não é mais a cura e sim a emancipação do sujeito

que sofre, não é mais a reparação, mas a reprodução social das pessoas; produção de vida e

produção social são objetivo e prática da “instituição inventada”. Produção social que, em

Franco Rotelli, admitimos se tratar da reinserção do sujeito em sua existência-sofrimento no

modo de consumo e de produção, em outros modos materiais de “ser para o outro, aos olhos

dos outros” um sujeito e não uma patologia. Nesse ínterim, o ideal de tratamento corresponde

à reconstrução das pessoas como atores sociais, transformação dos modos de viver e sentir o

sofrimento e a valorização do potencial terapêutico das trocas sociais.

Enfim, o processo de desinstitucionalização denota mais que a retirada do indivíduo da

instituição asilar na qual se encontra internado, significando o esforço de entendimento da

instituição em sua complexidade e a abertura para a transformação dos saberes que orientam

as formas de perceber e interagir com os fenômenos sociais e históricos sobre o adoecimento

mental e as práticas terapêuticas.

Para respaldar a desinstitucionalização de sujeitos e de práticas assistenciais, foi

instituída e regulamentada uma série de serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico e que

devem funcionar de forma articulada e pautada na assistência em território. Desde o ano de

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2011, após a portaria 3.088/2011, esses serviços organizam-se seguindo a lógica das Redes de

Atenção à Saúde (RAS) – sistema integrado que opera de forma contínua, proativa e voltado

para as condições agudas e crônicas (MENDES, 2011) – conformando, assim, a rede temática

(e prioritária) de cuidados em saúde mental: Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) (BRASIL,

2011a). Neste contexto, desinstitucionalizar compreende, conforme Dimenstein e Liberato

(2009, p.9), “ultrapassar fronteiras sanitárias e enfrentar o desafio da intersetorialidade e do

trabalho em rede”.

Outro ponto que merece destaque na experiência brasileira de reforma psiquiátrica é

sua busca pela transformação do lugar social da loucura, o que para Yasui (2010, p. 172)

“implica transformar as mentalidades, os hábitos e costumes cotidianos intolerantes em

relação ao diferente, buscando constituir uma ética de respeito à diferença”.

A este respeito, Ernesto Venturini, em seu livro A linha curva: o espaço e o tempo da

desinstitucionalização, atualiza “velhas reflexões” sobre a objetivação dos usuários do

circuito manicomial e traz à luz do debate encontros e conflitos que emergem com o fim do

manicômio: com a entrada de novos atores em cena, novas vozes se embaralham, eis que

surge a necessidade de “reabilitar a cidade”. Na obra, o autor critica o formato/divisão das

cidades que, cheias de muros e barreiras reais e/ou imaginárias, não estão preparadas para os

diferentes. Venturini ainda chama a atenção para a importância do capital social para o

sucesso da desinstitucionalização, ressaltando que características como solidariedade e

cooperativismo podem auxiliar nesse processo. Finalmente, reconhece leveza, rapidez,

exatidão, visibilidade, multiplicidade e consistência como as palavras-chave da

desinstitucionalização (VENTURINI, 2016).

Pensando as obras de Yasui (2010) e de Venturini (2016) em outros termos, e sob

inspiração moriniana (MORIN, 2001), reconhecemos que a busca por “um novo lugar social”

para a loucura perpassa também por uma “reforma do pensamento”. Reforma esta, que

entendemos referir-se à construção de um novo modo de pensar a saúde mental capaz de unir

e solidarizar conhecimentos separados – a exemplo dos pressupostos da ciência biomédica,

das ciências políticas, sociais e humanas e, ainda, os saberes da tradição – de modo que a

psiquiatria desnude-se do positivismo noológico e abra-se para a humanidade do “doente” em

seus espaços de contratualidade – que para Saraceno (2010) são o habitat, a rede social e o

trabalho com valor social. Espera-se, assim, a construção de uma ética de união e

solidariedade entre humanos que traria consequências existenciais, éticas e cívicas, assim

como se imaginou com a efervescência dos movimentos de reforma psiquiátrica na Itália e no

Brasil.

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Nesta busca pela transformação cultural do lugar da loucura e do trato/convívio com o

“louco”, reconhecemos a importância do lidar teórico-prático com operadores como

subjetividade, reciprocidade, espacialidade (para além da nosografia arquitetônica) e

temporalidade como fator preponderante para a continuidade do processo de

desinstitucionalização – condição sine qua non para o alcance de boas práticas em

experiências no contexto da RPb (RAMOS, 2017).

Das últimas décadas do século XX e as primeiras do século XXI percebemos uma

transformação no que se refere ao reconhecimento da complexidade no conceito de loucura –

sustentado por uma concepção de loucura enquanto experiência humana – com a consequente

defesa de outras formas de conviver, substituindo-se a ideia de cura como restabelecimento da

normalidade pela noção de cura como invenção da saúde (LOBOSQUE, 2011). Nesse ínterim,

“a cura se torna ação de produzir subjetividade, sociabilidade – mudar a história do sujeito

que passa a mudar a história da própria doença”. O paciente do hospício torna-se usuário de

um sistema de saúde que luta para produzir cidadania ao invés de cura. Percebem-se,

sobretudo, a incitação da autonomia (agora reconhecida) do sujeito em sofrimento psíquico, a

ampliação da clínica e a responsabilização coletiva (TORRE; AMARANTE, 2001, p. 80).

De acordo com Pitta (2011, p. 4.588), na primeira década dos anos 2000 o tratamento

do transtorno mental “deixa de ser a exclusão em espaços de violência e morte social para

tornar-se criação de possibilidades concretas de subjetivação e interação social na

comunidade”. Numa concepção atualizada da RPb, se busca responder às necessidades

decorrentes do sofrimento psíquico e do uso abusivo de drogas de modo não asilo-confinante,

reduzindo danos e desvantagens sociais do confinamento e apostando em várias estratégias de

intervenção intersetorial ampliada – a exemplo dos serviços de referência para cuidados

específicos, iniciativas de emprego e renda, trabalho protegido, lazer assistido, dentre outros

(PITTA, 2011).

Entretanto, mesmo diante dos avanços conquistados no lidar teórico-prático da

loucura, ainda é possível constatar no cotidiano da saúde mental brasileira dificuldades e

retrocessos que impedem o pleno avançar da RPb. Os “novos crônicos” apontados por

Desviat (2008), a “capsização” referida por Amarante (2003), o “capsicômio” – espectro do

confinamento que, na contemporaneidade, ganha novas roupagens sem perder sua velha

atitude – denunciado por Vasconcelos e Mendonça-Filho (2009), retrocessos na PNSM, além

de outros desafios de ordem técnico-assistencial como cobertura extra-hospitalar, implantação

de leitos psiquiátricos em hospitais gerais, saúde mental na atenção primária,

desinstitucionalização de pessoas em situação de longa permanência hospitalar e a

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dependência química no atual contexto da atenção psicossocial (FAGUNDES JR. et al., 2016)

– os quais serão debatidos na próxima seção do presente estudo.

Neste ponto, cabe retomar o questionamento de Batista (2014) se essa consolidação

da rede substitutiva ao hospital psiquiátrico significa dizer que a “estrutura de exclusão”

mencionada por Foucault acabou. Pergunta a que ele mesmo responde negativamente,

subsidiando-se em diversos autores da área.

Com base nesta incursão pela trajetória da loucura, ponderamos que a “estrutura de

exclusão” não foi de fato superada. Admitimos que ela ganhou uma nova roupagem, mais

flexível, camuflada num simulacro de cuidado territorial; uma espécie de liberdade vigiada

que traz à tona o antigo “Panóptico de Bentham” que, na contemporaneidade, ganha

contornos ideológicos. Como disse Foucault (2009, p. 12): “aquilo que outrora foi fortaleza

visível da ordem tornou-se agora castelo da nossa consciência”.

Discutiremos, a seguir, o atual modelo de atenção à saúde mental no Brasil, buscando

contemplar as tensões e contradições que permeiam o cenário brasileiro.

2.2 A REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL À LUZ DO PENSAMENTO COMPLEXO:

TENSÕES E REFLEXÕES

Neste tópico, aprofundaremos as discussões que compreendem a dimensão técnico-

assistencial da RPb, mais especificamente o novo desenho organizativo que se propõe a

oferecer assistência integral, contínua e de base comunitária ao usuário em sofrimento

psíquico. Neste artesanato intelectual, iremos trilhar a interface saúde mental/saúde coletiva

para que assim possamos compreender a lógica que orienta a organização e estruturação dos

serviços de saúde mental substitutivos ao hospital psiquiátrico. Lançando, assim como

Carvalho e Amarante (1996), um “olhar-caleidoscópio” sobre a RAPS, almejamos pensar a

rede viva, em movimento, reconhecendo a sinergia que se estabelece entre esta e as RAS. O

“olhar-caleidoscópio” corresponde, no entender dos autores, ao exercício de percepção e

análise da realidade para além dos espaços micro e macro, na tentativa de enxergar as relações

que os atravessam.

Para iniciar esta discussão julgamos pertinente resgatar o cenário de transformações

ideológicas e jurídico-políticas que prepararam o terreno para o estabelecimento das RAS

como uma estratégia potente no contexto sociosanitário brasileiro. Manobra que supomos

necessária diante da hologramaticidade que se reconhece entre RAS-RAPS e que, em analogia

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ao pensamento de Morin (2015), nos autoriza a reconhecer que a RAPS está na RAS, que, por

sua vez, está na RAPS.

Imaginemos, então, um cenário marcado pela ampliação do conceito de saúde no qual

o processo saúde-doença passa a ser reconhecido como produto e produtor de uma complexa

rede de produção social. Tal redirecionamento fez avançar no Brasil o entendimento da saúde

como resultante de complexas redes multidimensionais que envolvem elementos biológicos,

subjetivos, sociais, econômicos, ambientais e culturais atuando de maneira simultânea e

inseparável na experiência concreta de sujeitos e coletividades (BRASIL, 2009a). Por outro

lado, reconheçamos que a reformulação da Constituição Federal em 1988 e a criação do

Sistema Único de Saúde (SUS), ao definir a saúde como direito de qualquer cidadão e dever

do Estado, fomentou transformações no setor saúde balizadas pelos ideais de universalização

e democratização do acesso aos serviços, equidade e integralidade da assistência.

Outro elemento a ser considerado nessa trama são as transformações no próprio

cenário sanitário e epidemiológico brasileiro, que, assim como os demais países em

desenvolvimento, apresenta-se marcado pela coexistência de condições agudas e crônicas, a

exemplo dos transtornos mentais e comportamentais e de toda problemática inerente ao uso de

drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas.

Com a nova sensibilidade do conceito ampliado de saúde na percepção dos processos

saúde-doença e dos contextos a eles vinculados, emerge a necessidade de inovações que

permitam a criação de múltiplas respostas no enfrentamento da produção saúde-doença. Neste

sentido, as RAS surgem como uma alternativa para recompor a coerência entre uma situação

de saúde marcada pela tripla carga de doenças – que envolve uma agenda não concluída de

infecções, desnutrição e problemas de saúde reprodutiva, doenças crônicas e crescimento da

morbimortalidade por causas externas – e o sistema de atenção à saúde, objetivando, assim,

transpor a assistência fragmentada, episódica, reativa e focada nas condições e eventos agudos

e na agudização das condições crônicas (OLIVEIRA, 2015; MENDES, 2010).

No âmbito da saúde mental, paralelamente, as mudanças nas formas de compreender o

transtorno mental e de cuidar do indivíduo em sofrimento psíquico (como exposto ao longo

do primeiro tópico desta revisão) passam a exigir novas formas de estruturação e de

organização dos serviços – assim como de itinerário dos usuários – em prol da

desinstitucionalização da assistência em saúde mental, com ênfase no tratamento extra-

hospitalar, da inclusão social da pessoa com transtorno mental (AMARANTE, 1995), da

humanização da assistência, valorizando-se o protagonismo, a autonomia e a participação

social dos sujeitos.

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Para Yasui (2010), foi no contexto de críticas ao modelo hospitalocêntrico de

abordagem do transtorno mental e de politização da questão da saúde mental, que foram

produzidas reflexões que fomentaram movimentos de ruptura epistemológica, criação de

experiências de cuidado contra-hegemônicas, mudanças em normas legais e efeitos

socioculturais. Em síntese, reconhecemos que o cenário efervescente de mudanças teórico-

práticas e políticas que envolveu o setor saúde, de maneira geral, e o campo da saúde

mental/atenção psicossocial, de modo específico, culminou, mais recentemente, com a

reestruturação do sistema de saúde brasileiro de atenção à saúde mental segundo a lógica das

RAS com a criação da RAPS.

A Portaria Ministerial no 4.279/2010 conceitua a RAS como “arranjos organizativos de

ações e serviços de saúde, de diferentes densidades tecnológicas, que integradas por meio de

sistemas de apoio técnico, logístico e de gestão, buscam garantir a integralidade do cuidado” .

Tem como característica a formação de relações horizontais entre os pontos de atenção, está

centrada na necessidade de saúde da população, assumindo responsabilidade na atenção

integral e contínua, além de oferecer um cuidado multiprofissional comprometido com os

resultados sanitários e econômicos (BRASIL, 2010a, tl 4).

Para Mendes (2011) a RAS apresenta-se como um conjunto de serviços de saúde

organizados poliarquicamente e vinculados entre si por uma missão única, por objetivos

comuns e por uma ação cooperativa e interdependente que busca aprofundar e estabelecer

interrelações entre os diversos nós que o compõe, o que implica e possibilita continuidade e

integralidade da atenção. Silva e Magalhães Junior (2013, p.85) comparam a RAS a uma

“malha que interconecta e integra estabelecimentos e serviços de saúde de determinado

território, organizando-os sistematicamente para que os diferentes níveis e densidades

tecnológicas de atenção estejam articulados e adequados para o atendimento integral ao

usuário e para a promoção da saúde”.

Em síntese, esse novo arranjo organizativo propõe a integralidade e continuidade do

cuidado, a integração e interação de serviços e a construção de vínculos horizontais entre

atores e setores em contraposição à fragmentação de programas e práticas clínicas, ações

curativas isoladas em serviços e especialidades. Por este motivo, a organização dos serviços

em RAS é reconhecida como uma “estratégia para qualificar a atenção e a gestão do SUS”

(BRASIL, 2009a, p. 06).

São basicamente três os elementos constitutivos da RAS: população adscrita, estrutura

operacional e modelos de atenção à saúde. A estrutura operacional da RAS, por sua vez, é

composta por uma série de elementos que compreende o centro de comunicação focado na

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Atenção Primária à Saúde (APS) enquanto ordenadora da RAS e coordenadora do cuidado;

pontos de atenção secundária e terciária; um sistema logístico conformado pelo cartão de

identificação das pessoas usuárias, prontuário clínico eletrônico, sistema de acesso regulado à

atenção e sistema de transporte em saúde; e sistemas de apoio diagnóstico e terapêutico,

assistência farmacêutica e Sistemas de Informação em Saúde (SIS); além de um sistema de

governança responsável pelo exercício da autoridade política, econômica e administrativa

para gerir os negócios do Estado (BRASIL, 2010a).

Devido à necessidade de enfrentamento de vulnerabilidades, agravos ou doenças

específicas que acometem as pessoas ou as populações, foram organizadas cinco redes

temáticas consideradas prioritárias no atual contexto sanitário brasileiro, sendo elas: a Rede

Cegonha, a Rede de Atenção às Urgências e Emergências, a Rede de Atenção às Doenças

Crônicas, a Rede de Cuidado à Pessoa com Deficiência e a Rede de Atenção Psicossocial

(BRASIL, 2010a). Empenharemos nossas análises sobre esta última, a RAPS.

Diz-se rede temática, pois visa oferecer respaldo técnico-assistencial para o caminhar

do usuário por uma linha de cuidado que toca uma necessidade específica desse indivíduo. A

linha de cuidado, por sua vez, é a imagem pensada para expressar o caminho a ser percorrido

pelos sujeitos no sentido de atender, com segurança, às necessidade de saúde. A linha de

cuidado, que é disparada pelos Projetos Terapêuticos Singulares, incorpora a ideia de

integralidade da atenção, uma vez que contempla dentre as possibilidades terapêuticas ações

de prevenção, cura e reabilitação – integralidade vertical – além de serviços inseridos tanto no

sistema de saúde quanto entidades comunitárias e da assistência social – integralidade

vertical. Tem no acolhimento, no vínculo e na responsabilização suas diretrizes (FRANCO;

FRANCO, S/D).

No contexto da atenção em rede, destacam-se como verdadeiramente temáticos os

pontos de atenção secundária e terciária, uma vez que aí estão alocados os serviços

especializados e de alta complexidade. Entretanto, admitimos uma relação de

complementaridade entre os serviços especializados e a APS na conformação das próprias

redes temáticas – a exemplo da RAPS. Por isso, afirmamos que as redes temáticas

complementam e são complementadas pelos demais componentes da RAS, incluindo-se os

sistemas de apoio e logístico.

Esta relação de complementaridade entre as redes temáticas na conformação do todo

da assistência em rede se dá pela superação da dicotomia entre os programas verticais e

horizontais, rumo ao estabelecimento de “programas diagonais, em que se combinam os

objetivos singulares de determinadas condições de saúde com uma estrutura operacional que

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organiza, transversalmente, a APS, os sistemas logísticos, os sistemas de apoio e o sistema de

governança” (OPAS, 2011, p. 26-27).

Na figura 1, um esboço da estrutura operacional das RAS´s na qual se observa a APS

como ponto em comum a todas as redes temáticas que são, por sua vez, transversalizadas por

sistemas de apoio e logísticos. Assim sendo, qualquer que seja “o tema” ou, dito de outro

modo, a linha de cuidado que contempla a demanda posta pelo usuário, estará, em tese,

inseparavelmente absorvida na/pela RAS. De tal modo, ainda que esta demanda esteja

diretamente relacionada à saúde mental, ela suscitará a transversalização de ações dentro da

rede, extravasando para pontos de atenção não especializados e necessitando do suporte dos

sistemas de apoio e logísticos comuns a todas as RAS´s.

Figura 1 – Estrutura operacional das Redes de Atenção à Saúde.

Fonte: Adaptado de Mendes (2011).

É importante reconhecer que esses componentes apresentados na figura 1 se

entrecruzam durante o caminhar dos sujeitos pelo território, que técnicos e usuários se

conectam, dialogam, e assim vão tecendo as diversas RAS em prol das necessidades de

cuidado apresentadas pelos indivíduos.

Uma das dificuldades é que no atual contexto da atenção em rede alguns temas

(componentes temáticos) – a exemplo do transtorno mental e do uso abusivo de álcool e

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outras drogas –, por várias questões, vão ficando segregados. Barreiras vão sendo postas e

transformando as curvas do território em labirintos que circunscrevem especialidades e

especialistas. Igualmente difícil é reconhecer que para fazer valer a integralidade da atenção é

preciso “emaranhar” as linhas de cuidado, “transdisciplinarizar”, e, enfim, admitir a

coexistência de múltiplas facetas nos processos saúde-doença de um usuário, que, em última

instância, é um ser multidimensional.

Enquanto uma RAS temática, a RAPS apresenta-se como um arranjo organizativo de

ações e serviços de saúde de diversas complexidades assistenciais. Foi organizada a partir da

necessidade de enfrentamento de vulnerabilidades relacionadas aos transtornos mentais e ao

uso abusivo de crack, álcool e outras drogas. Em linhas gerais, objetiva ampliar e promover o

acesso à atenção psicossocial da população em geral e garantir a articulação e integração dos

pontos de atenção das redes de saúde no território, qualificando o cuidado por meio do

acolhimento, do acompanhamento contínuo e da atenção às urgências (BRASIL, 2011a). Nas

palavras do coordenador de saúde mental, álcool e outras drogas do Ministério da Saúde em

2015, a RAPS é uma expressão da RPb para o fortalecimento do SUS como política de Estado

(BRASIL, 2015a, tl 5), uma vez que possibilita e potencializa a integralidade do cuidado de

base territorial ao indivíduo em sua existência-sofrimento.

A nova proposta organizacional para a saúde mental incorporou novos serviços,

estratégias e ações para promover integralidade, continuidade e longitudinalidade do cuidado.

De acordo com a portaria 3.088/2011 a RAPS é constituída por sete componentes (BRASIL,

2011a):

Atenção Básica, no qual estão alocadas as Unidades Básicas de Saúde (UBS), os

Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), as Equipes de Consultórios na Rua e

os Centros de Convivência e Cultura;

Atenção Especializada, que conta com os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) em

suas diversas modalidades – CAPS I, CAPS II, CAPS III, CAPS ad II, CAPS ad III e

CAPS infanto-juvenil – definidos por ordem crescente de porte/complexidade e

abrangência populacional;

Atenção de Urgência e Emergência através do Serviço de Atendimento Móvel de

Urgência 192 (SAMU), a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) 24 horas, portas

hospitalares de atenção à urgência/pronto socorro, UBS e os CAPS tipo III que

funcionam 24 horas;

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Atenção Residencial de Caráter Transitório composta por Unidade de Acolhimento e

pelos Serviços de Atenção em Regime Residencial, entre os quais estão as

Comunidades Terapêuticas;

Atenção Hospitalar que é composta por leitos/enfermarias de saúde mental em

Hospital Geral e pelo serviço Hospitalar de Referência para atenção às pessoas com

sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack,

álcool e outras drogas;

Estratégias de Desinstitucionalização como os Serviços Residenciais Terapêuticos e o

“Programa de Volta para Casa” que consiste no auxílio reabilitação para pessoas com

transtorno mental egressas de internação de longa permanência (BRASIL, 2003);

Reabilitação Psicossocial através de iniciativas de geração de trabalho e renda,

empreendimentos solidários e cooperativas sociais.

Notem-se nesta proposta organizativa dois pontos interessantes ao debate. O primeiro

deles se refere aos pontos secundário e terciário de atenção, os quais ofertam determinados

serviços especializados, dependendo da área temática de abordagem da RAS – Centros de

Atenção Psicossocial, serviços hospitalares especializados, estratégias de

Desinstitucionalização e de Reabilitação Psicossocial, no caso da RAPS. Com exceção dos

pontos de atenção secundária e terciária, que são verdadeiramente temáticos, todos os outros

atuam de maneira transversal, conferindo sinergia entre as RAS. O segundo ponto é a

interligação que se percebe entre a RAPS e a Rede de Atenção à Urgência que se materializa

pela participação do SAMU e das UPA´s na urgência psiquiátrica. Ainda que, na perspectiva

das redes poliárquicas não haja entre os pontos de atenção das redes relações de

principalidade ou subordinação para o desenvolvimento do cuidado integral e continuado

(MENDES, 2011), veremos que esta interface traz implicações para o cotidiano do cuidado

em rede de saúde mental.

Esta rede assistencial específica, da maneira como foi pensada e instituída no ano de

2011, reveste-se de fundamental importância por propor meios para a desconstrução do

aparato manicomial e para a continuidade da assistência em território. Ainda que

reconheçamos os avanços conquistados a partir da criação da RAPS, não negamos as

dificuldades vivenciadas por seus atores nos movimentos de tessitura da rede, seja pelos “pés”

do usuário que ao circular por serviços e estratégias desbrava caminhos e possibilidades de

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atenção, ou pela perspectiva dos trabalhadores que se articulam para o compartilhamento do

cuidado.

Neste trabalho, pretende-se trazer à baila uma reflexão de RAPS que transcende a

mera justaposição de serviços como parâmetro de análise, para colocar em questão o modo

eles estão se relacionando, reconhecendo a existência e conformação de uma “rede viva” que

se estabelece no cotidiano dos serviços e dos indivíduos que por eles circulam (BRASIL,

2009a). “Rede viva”, pois formada por serviços e pessoas em relações dinâmicas, dialéticas e

dialógicas que se articulam em um processo complexo, individual e coletivo e que envolve

setores e, principalmente, atores e seus saberes, símbolos, afetos, memórias, entre outros

aspectos.

Para lançar esse olhar ampliado sobre a RAPS nos subsidiaremos de conceitos

fundamentais da Complexidade como a dialógica, a recursividade organizacional, o

holograma, além do “tetragrama” da Complexidade conformado pela “fórmula

paradigmática” ordem-desordem-interação-organização. Recorremos ao auxílio das lentes

compreensivas da Complexidade por sua capacidade de reconhecer a interconexão entre as

múltiplas dimensões da realidade e a inter-relação entre cada ser vivo, ambicionando refletir

sobre as articulações que foram/são destruídas pelos cortes entre disciplinas, entre categorias

cognitivas e entre tipos de conhecimento (MINAYO; TÔRRES, 2012). Tal característica

parece-nos interessante em face da própria ideia de atenção em redes de saúde e ao apelo de

integralidade que emana das entrelinhas das portarias ministeriais 4.279/2010 e 3.088/2011.

O princípio dialógico nos auxilia a entender os fenômenos como simultaneamente

antagônicos, concorrentes e complementares; nos permite manter a dualidade no seio da

unidade e, assim, conceber a existência da ordem em meio a desordem. A recursão

organizacional, ou recursividade, indica a compreensão de que efeitos de um processo são

também seus coprodutores; é uma ruptura com a ideia linear de causa/efeito, de

produto/produtor, já que tudo que é produzido volta-se num ciclo “autoconstitutivo, auto-

organizador e autoprodutor”. O holograma, por sua vez, refere-se à ideia de que a parte está

no todo, assim como o todo está na parte, de modo que as partes não dão conta de explicar o

funcionamento do todo. Assim, estimulam a utilização de procedimentos científicos mais

dinâmicos, interativos, recursivos e não-lineares (MORIN, 2015; BEDIN; SCAPARRO,

2011).

O tetragrama da Complexidade propõe a dialogicidade entre os termos ordem-

desordem-interação-organização como uma fórmula paradigmática para conceber o jogo de

formações e transformações sem esquecer a complexidade do universo. Dentro dessa

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perspectiva, compreende-se a ordem como ideia de determinação, estabilidade, constância,

regularidade, repetição; já a desordem é vista como acaso, agitações, dispersões, colisões,

irregularidades e instabilidades, desvios no processo, choques, encontros aleatórios,

acontecimentos, ruídos e erros. Atualmente, a ideia de ordem está ligada a ideia de interação,

de modo que ordem e desordem, mesmo parecendo “inimigas”, se espiadas por olhos

desatentos, cooperam de certa maneira para organizar o universo (MORIN, 2013). Neste

sentido, são como duas facetas de uma mesma moeda.

Com base no exposto, defendemos que para que a rede instituída através de leis e

portarias ministeriais se concretize no território é mister a construção cotidiana das relações

em rede, seja com base no trabalho vivo em ato como defendem Quinderé, Jorge e Franco

(2014), seja por meio de articulações entre os serviços de saúde, as equipes, os saberes

(científicos, interdisciplinares e da tradição), as práticas e as subjetividades, conforme Franco

(2006). Esclarecemos que o trabalho vivo em ato é um conceito desenvolvido por Emerson Elias

Merhy e que, em linhas gerais, refere-se ao trabalho humano no exato momento em que é executado e

que determina a produção do cuidado. Para maiores informações sobre a temática sugerimos a leitura

da obra Saúde: a cartografia do trabalho vivo (MERHY, 2002).

Outro ponto evocado à luz do debate é a necessidade de se considerar as características

sociais, culturais, físicas e funcionais dos pontos – serviços – que conectam a rede para o

estabelecimento de arranjos e rearranjos que supram as necessidades sociais e de saúde dos

usuários, como alertam Antonacci et al. (2013).

Neste sentido, consideramos, assim como Mendes (2011), que as redes não são,

simplesmente, um arranjo poliárquico entre diferentes atores dotados de certa autonomia, mas

um sistema que busca aprofundar e estabelecer padrões estáveis de inter-relações –

estabilidade que admitimos ser relativa, pois em movimento, já que reconhecemos a própria

complexidade da vida com suas idas e vindas, encontros e desencontros. A rede transcende o

ajuntamento de serviços, ela requer a adoção de elementos que deem sentido a esse

entrelaçamento de ações e processos (SANTOS; ANDRADE, 2013). Como um modelo

complexo de promoção da saúde, como pondera Almeida-Filho (2006), a rede equivale a

estruturas sistêmicas abertas em constante mudança, totalidades compostas por partes inter-

relacionadas, elementos mutantes, conexões e parâmetros.

De tal modo, e inspirados pela tradição moriniana, admitimos a RAPS como um todo

complexo, que se concretiza no cotidiano dos serviços, em território, por meio de inter-

relações concretas e intersubjetivas que sofrem influência do contexto histórico (tradição) e

social desses indivíduos. Sendo constituída por nós – modo como Mendes (2011) denomina

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os pontos de atenção distribuídos em território e responsáveis pela oferta de serviços – e por

ligações materiais e imateriais que os comunicam – às quais denominaremos fios – que se

materializam através dos fluxos assistenciais, das relações interpessoais e das linhas de

cuidado.

Em nossa análise, nos subsidiaremos de um jogo de palavras em torno do termo “nós”

(da rede) com o intuito de contemplar tanto os componentes objetivos – serviços/pontos de

atenção – quanto alertar para o componente subjetivo que permeia e transversaliza toda RAS

e, por extensão, a RAPS. Assim sendo, advertimos que o termo grafado entre aspas (“nós”),

denota também o pronome pessoal do caso reto em primeira pessoa do plural e chama a

atenção para o componente subjetivo da rede, os atores sociais; já quando redigido sem as

aspas (nós), estaremos nos referindo ao entrelaçamento de um ou mais fios dessa rede, aos

pontos de atenção, alertando para o seu componente objetivo. Neste último caso também se

aplica o sentido figurado da palavra nó como aquilo que causa dificuldade, empecilho.

Compreendemos os “nós” da rede como os sujeitos e suas subjetividades – gestores,

trabalhadores, usuários – envolvidos na construção e concretização, em território, das RAS.

Julgamos pertinente convocá-los ao debate, pois concordamos com documento do Ministério

da Saúde no qual se admite que não existe rede de saúde que não passe, primeiramente, pelas

relações interpessoais e processos de trabalho, sendo todo sujeito um ser em conexão com

outros seres e outras vidas e, no horizonte, inserido numa rede de produção de subjetividade

(BRASIL, 2009a). Por fim, considerar as subjetividades, as relações e as interações dos atores

no caminhar em busca do cuidado em território sinaliza para uma abordagem complexa do

fenômeno que reconhece a complementaridade antagônica – dialógica – que se estabelece

entre os componentes objetivos e subjetivos da RAPS. Além de reforçar o protagonismo dos

indivíduos no processo saúde-doença e na conformação dos serviços de saúde.

Assim como Arruda et al. (2015), reconhecemos o sistema de saúde como um sistema

complexo com conexões e interconexões dentro e fora do setor saúde. Reconhecemos

também, a própria formação da rede de saúde como um fenômeno complexo, pois cada

conexão possui características próprias, uma vez que envolve profissionais, e um corpo de

saber, e usuários com características peculiares, em diferentes contextos e situações. Assim

sendo, a RAPS está situada em um contexto multidimensional, com múltiplas conexões e

inter-relações.

Arriscando uma leitura preliminar da RAPS sob o olhar da complexidade,

reconhecemos a objetividade das leis e portarias ministeriais, dos serviços e das

normatizações que os conformam. Percebemos também a subjetividade inerente aos atores

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dessa rede e à interação entre eles, às emergências do cotidiano dos serviços e ao território em

toda sua dinamicidade. Entre eles e junto com eles, conformando essa rede viva,

reconhecemos ordem e desordem em constante interação. É no diálogo e na

complementaridade entre estes componentes que a rede se concretiza, se auto-organiza e

avança.

O princípio da dialogicidade se apresenta no contexto da RAPS também no que

concerne a coexistência entre modelos de atenção e serviços com diferentes inclinações

assistenciais – cura, prevenção, reabilitação –, diversas especialidades, níveis e

complexidades dentro da mesma rede temática. Além destes pontos, salientamos a relação

dialógica que se estabelece entre o dentro/fora dos serviços de saúde, principalmente no

contexto da atenção psicossocial, que na atualidade desencadeia tensões na rede.

Acrescentamos que, enquanto “rede viva”, a RAPS vibra “ao som” ou não dos

movimentos dos atores sociais que por ela circulam ao passo que são regidos pelas políticas

que a institucionaliza. Temos nesta sentença, a expressão da recursividade que delineia os

atores – gestores, trabalhadores, usuários/familiares e a comunidade em geral – como

produtos e produtores da RAPS.

Tais indicativos nos fazem reconhecer a RAPS como um sistema auto-eco-

organizador. Para Morin:

“o sistema auto-eco-organizador tem sua própria individualidade ligada às

relações com o meio ambiente muito ricas, portanto dependentes. Mais

autônomo, ele está isolado. Ele necessita de alimentos, de matéria/energia,

mas também de informação, de ordem. O meio ambiente está de repente no

interior dele e joga um papel coorganizador. O sistema auto-eco-

organizador não pode, pois, bastar-se a si mesmo, ele só pode ser

totalmente lógico ao abarcar em si o ambiente externo. Ele não pode se

concluir, se fechar, ser autossuficiente” (MORIN, 2015, p.33, grifo

nosso).

A este respeito, Arruda et al. (2015) salientam que as organizações têm a capacidade

de se auto-organizar mas sua autonomia depende de energia, informação e relação com o

mundo exterior no que toca o ambiente, a cultura, os costumes de uma sociedade. Dessa

forma, (re)organizam-se tanto de acordo com as demandas que a população apresenta, como

de acordo com o conhecimento e experiências que os profissionais e gestores dispõem para

atuarem.

No contexto da RAPS, essa dependência com o “mundo exterior”, se apresenta com

maior força ao considerarmos a atualidade do cuidado em saúde mental que suscita a saída do

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hospital psiquiátrico e a ocupação dos espaços da cidade por parte dos usuários e que apregoa

a vida em comunidade e a livre circulação pelo território, com as tensões e contradições

típicas deste convívio. Assim sendo, fechar-se em si mesma ou, dito de outro modo,

negligenciar essa abertura à comunidade – ao social – vem causando tensões e contradições

na própria rede.

Partindo dessas conjecturas, imaginamos ser primordial garantir a articulação e

integração dos pontos de atenção das redes de saúde no território, tanto é que este se configura

como um dos objetivos gerais da RAPS (BRASIL, 2010a). Reconhecemos também, as

implicações dessa articulação entre atores/serviços/setores para a integralidade e continuidade

da assistência. Tais constatações nos impeliram a realizar uma aproximação teórica às

experiências brasileiras de cuidado em saúde mental em rede. Engendramos, então, sondagem

preliminar cujo interesse era o arranjo organizacional dos serviços de saúde mental,

articulação, potencialidades e limitações dessa “nova” proposta.

A busca se deu nas bases eletrônicas de dados da Biblioteca Virtual em Saúde, do

Portal de Periódicos da Capes, do Banco de Teses da Capes e da Biblioteca Digital Brasileira

de Teses e Dissertações. Foram utilizados o descritor “saúde mental” articulado à palavra-

chave “Rede de Atenção Psicossocial” pelo operador booleano AND. Foram selecionados 21

trabalhados, dos quais eram 12 artigos e nove dissertações.

O que se viu na breve aproximação teórica foi o CAPS como o cenário privilegiado

para as investigações científicas, por vezes considerado como o “lugar do louco” e o

responsável pelo mandato social da loucura (MIRANDA et al., 2014) – o que fora afirmado

por Delgado (2015) e corroborado em revisão integrativa realizada por Ramos, Paiva e

Guimarães (no prelo). Evidenciamos que muito se fala sobre a necessidade e a dificuldade de

articulação entre os serviços que compõem a RAPS, porém pouco se problematiza sobre os

modos de articulação, as potencialidades e as dificuldades de promovê-la, como também

possíveis alternativas de transposição das barreiras encontradas. Percebe-se nas publicações

analisadas que a assistência à saúde mental, grosso modo, ainda não incorporou plenamente o

discurso e a lógica da assistência em rede, “as relações em rede” são ainda incipientes e

carecem de uma maior aproximação à matriz conceitual das RAS.

Sobre os modos de articulação da RAPS encontramos maior ênfase na inter-relação

entre a APS e o CAPS e abordagens como: articulação da rede de saúde mental promovida

através de rodas de conversa realizadas por uma profissional “articuladora de saúde mental”

(ALMEIDA; ACIOLE, 2014); a articulação da rede a partir da articulação entre Estratégia

Saúde da Família (ESF), CAPS e NASF (MIRANDA et al., 2014); o apoio matricial feito por

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uma equipe de referência como estratégia potente de articulação da rede (SOUSA et al.,

2011).

Em se tratando das potencialidades da RAPS elencam-se: a construção/fortalecimento

de uma rede solidária e cooperativa de saúde mental municipal e regional (ALMEIDA;

ACIOLE, 2014); avanços no cuidado em saúde mental de base comunitária e na inserção da

saúde mental na APS, utilização de ligações telefônicas como estratégia de comunicação entre

os profissionais (SILVA, 2013); trabalho coletivo e dialógico (BALLARIN et al., 2011);

comunicação dentro da rede favorecida pelo uso de tecnologias leves como a escuta e o

vínculo e proporcionada pelo matriciamento (SOUSA et al., 2011).

As dificuldades de articulação da RAPS foi o tema mais recorrente nas publicações

analisadas. Em síntese, os autores elencam como fatores associados a tal problemática:

desarticulação entre os serviços substitutivos (atenção especializada) e AB seja por pré-

conceito dos profissionais, seja por dificuldades de comunicação ou por desconhecimento

sobre os fluxos assistenciais agravado pela incipiência dos esforços de aproximação entre os

serviços (MIRANDA et al., 2014; ANTONACCI et al., 2013; SILVA, 2012; ONOCKO-

CAMPOS; BACCARI, 2011; GAZABIM et al., 2011; SEVERO; DIMENSTEIN, 2011;

TEIXEIRA JR, 2010; AZEVÊDO, 2010); pouca flexibilidade nos fluxos assistenciais,

cristalizando a construção de trajetos assistenciais mais dinâmicos (TEIXEIRA JR., 2010);

falta de sistematização para as trocas de informações sobre os usuários e para os

encaminhamentos dentro da rede (MIRANDA et al., 2014; VIEGA, 2012); intervenções

fragmentadas e pouco flexíveis (SEVERO; DIMENSTEIN, 2011); dificuldades políticas,

inclusive aquelas relativas ao desinteresse pela saúde mental e precarização dos vínculos

trabalhistas (MIRANDA et al., 2014; SILVA, 2012).

A este respeito, Arruda et al. (2015) constatam que apesar de, teoricamente, estarem

organizadas em graus crescentes de complexidade, na prática os usuários esbarram em um

fluxo truncado, burocrático e desarticulado, agravado pelo fato de não considerarem (por

vezes) as necessidades e os movimentos reais das pessoas dentro do sistema.

De maneira geral, confirma-se a constatação de Souza e Carvalho (2014) de que se

constituem redes que privilegiam articulações funcionais entre os equipamentos que pouco se

comunicam com os territórios em que vivem os usuários, num modus operandi hegemônico

que tem na rede o lugar de oferta técnica de cuidado, numa tendência ao isolamento temático

e à supervalorização dos serviços especializados. A este respeito, Lancetti (2016) comenta

sobre algumas características dos serviços especializados em saúde mental, mais

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especificamente o CAPS, alertando para a sua centralização em si mesmo, reclusão

tecnocrática e tristeza burocrática.

Com base nos achados, e tendo ainda a articulação entre os serviços como fio

condutor, sentimo-nos impelidos a um processo reflexivo que perpassa por dois pontos

principais.

O primeiro deles refere-se à priorização de serviços e profissionais especializados, o

que poderia indicar o predomínio de ações curativistas voltadas para a doença mental

enquanto negligencia-se a integralidade da atenção e o exercício da cidadania. Indício

problemático, visto que para dar conta da complexidade humana o cuidado deve ser prestado

à pessoa em sua totalidade como referem Demarco et al. (2016). Reconhecemos que a busca

por serviços especializados em saúde mental/psiquiatria é importante, considerando-se às

demandas específicas dos sujeitos que caminham pela linha do cuidado em atenção

psicossocial. O que colocamos em questão é quando a atenção especializada assume um

caráter não-comunicante, ou seja, não busca a interação complementar entre os demais

componentes da RAS/RAPS ficando o cuidado restrito ao CAPS ou ao hospital psiquiátrico.

O segundo ponto remete aos modos de articulação fragilizados que, quando

existentes, antepõem a relação APS-CAPS, ficando os outros componentes da RAPS à

margem do processo. Sobre este segundo tópico, esclarecemos que não é a intenção

minimizar a importância dos serviços especializados no contexto da RAPS, mas sim elevar o

nível e a complexidade do debate, abrindo possibilidades para outros focos de análise. Além

de alertar para a posição lacunar que os serviços de urgência e emergência vêm ocupando na

referida rede, com possíveis complicações para a continuidade do cuidado em território.

A impressão que se tem é que ao se colocar sob os holofotes da ciência (e do senso

comum?) a temática atenção psicossocial, uma linha abismal se estabelece, separando “deste

lado da linha” os componentes específicos/temáticos da RAPS e isolando “do outro lado da

linha” os demais componentes da rede. Esclarecemos que no campo do conhecimento, o

pensamento abismal consiste em conceder à ciência moderna o monopólio da distinção

universal entre o verdadeiro e o falso, em detrimento de outros dois corpos alternativos do

conhecimento: a filosofia e a teologia. O caráter exclusivista deste monopólio se encontra no

centro das disputas epistemológicas modernas entre formas de verdades científicas e não-

científicas. Neste contexto, o pensamento abismal é um sistema de distinções visíveis e

invisíveis no qual as invisíveis constituem o fundamento das visíveis. As distinções invisíveis

são estabelecidas em dois universos: o universo “deste lado da linha” e o universo que está

“do outro lado da linha”. O que está “deste lado da linha” é o que existe, é a realidade; “do

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outro lado da linha” desaparece como realidade, se converte em não existente, nenhuma forma

relevante ou compreensível de ser, já que não pode ser comprovado (SANTOS, 2009). Com

essa analogia, cogitamos que dentro do contexto da atenção psicossocial em rede parece

existir uma linha imaginária que coloca os serviços especializados como “o lugar” do

cuidado, ficando à margem – por vezes esquecidos – do processo saúde-doença-cuidado os

demais componentes da RAPS (e fora dela), em que pese a relevância destes à continuidade

do cuidado em território.

Assim, a parte se separa do todo de maneira praticamente inatingível, a essência do

cuidado em rede é pulverizada pelo domínio da especialidade e do saber-poder médico

psiquiátrico, o que, a nosso ver, apresenta-se como um dos grandes paradoxos da RAPS.

Paradoxo, pois, assim como reconhecemos uma interdependência hologramática entre RAPS-

RAS, aceitamos a existência deste mesmo princípio entre os componentes temáticos (CAPS,

hospitais psiquiátricos, residências terapêuticas, entre outros) e os componentes transversais

(APS, urgência e emergência, hospitais gerais) da rede em análise – já que, em tese, cada

componente possui dentro de si a lógica organizacional da atenção em rede, além do que, é na

inter-relação que se constituem enquanto RAS.

Alertamos para a negligência que se observa em relação à interdependência entre os

serviços de saúde mental e os próprios recursos do meio ambiente/comunidade/sociedade, que

se torna mais preocupante se considerarmos a imprescindibilidade desta relação (serviço-meio

ambiente/comunidade/sociedade; dentro/fora) para o modelo de atenção psicossocial ao qual

se afilia a RAPS – fato constatado pelo vazio teórico encontrado na presente revisão

bibliográfica e em revisão semelhante (RAMOS; PAIVA; GUIMARÃES, no prelo).

Colocamos à reflexão esse “fechamento”/“aprisionamento” dos componentes

temáticos da RAPS enquanto uma contradição provocada pela atmosfera cultural na qual está

inserida em que ainda se encontram vestígios da lógica manicomial e predomínio do poder

médico-psiquiátrico como balizador das relações entre atores, serviços e setores. O que

também, cogitamos, pode ser potencializado pelo esmaecimento da militância que nos anos

dourados da RPb conclamava uma “sociedade sem manicômios até o ano 2000”.

Inspirados em Arruda et al. (2015) trazemos à luz do debate desafios para pensar a

RAPS na perspectiva da Complexidade. O primeiro deles é a distância entre a intenção

(portarias ministeriais 4.279/2010 e 3.088/2011) e o gesto concreto de oferecer um

atendimento integral, contínuo e efetivo aos usuários, inclusive com profissionais habituados

a assistência focada nas partes e não no todo articulado e interdependente do sistema de

saúde.

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A este respeito, há que se considerar nessa trama o compromisso dos trabalhadores da

saúde mental com a concretização da rede e a continuidade do cuidado. Questionamo-nos se a

atmosfera de críticas e de luta dos trabalhadores que envolveu e nutriu o movimento de RPb

foi obnubilada ao longo desses quase 40 anos? Para Zgiet (2013), frustrações desencadeadas

pela cronificação do quadro do usuário ou até mesmo pela impossibilidade de controle do

processo de trabalho, ou ainda em virtude da organização dos serviços e da expectativa quanto

à relação profissional-usuário são fatores dificultadores para os profissionais. A nosso ver, em

que pese as tensões e contradições da RAPS e do trabalho em rede, é mister trazer

trabalhadores, usuários e sociedade para discutir alternativas para transpor as barreiras que ora

se apresentam face à linha do cuidado em atenção psicossocial e investir na formação

permanente dos técnicos, indivíduos que estão na ponta do sistema implementando (ou não)

as políticas públicas de saúde.

O segundo ponto que se coloca em reflexão é a exigência de flexibilidade e olhar

dinâmico por parte da gestão das RAS para que estas transcendam o mero emaranhado de fios

com pontos incomunicáveis (ARRUDA et al., 2015). Sem a flexibilidade e readaptação do

sistema a partir das diversidades regionais tão caras à atenção em rede, vê-se cair por terra a

rede plástica, horizontal e sensível às mudanças prevista por Almeida-Filho (2006).

Reconhecemos o avanço inegável da desinstitucionalização da assistência em saúde

mental potencializado pela criação da RAPS. Entretanto, consideramos a existência de

realidades problemáticas no contexto da assistência à saúde mental em rede que perpassam,

entre outros pontos, articulação entre os serviços que a compõem e emergência de fluxos

assistenciais labirínticos. O que nos faz pensar com Perrusi (2010) e questionar: “a lógica

asilar acabou?”. Questionamento ao qual o próprio autor responde negativamente, construindo

sua argumentação considerando que, apesar de praticamente ninguém na saúde mental

defender o asilo – exceto os nichos de poderio médico-psiquiátrico – caso compreendamos a

lógica asilar como toda lógica institucional de assistência, esta será sempre potência de

qualquer processo de institucionalização no campo da saúde mental (?), seja hospitalar ou não

– o que se constata pela centralização da atenção à saúde mental nos CAPS como lugar novo

de velhos hospícios (como já explicitado ao longo desta revisão).

Neste sentido, a saúde complexa e transdisciplinar como proposta por Spagnoulo e

Guerrini (2005) – com interação e troca de saberes, numa dinâmica construtiva e criativa, de

forma essencialmente transdisciplinar – parece ainda incipiente. As constatações desta revisão

nos colocam a impressão de que o cuidado em rede ainda é uma realidade distante, utópica

até, seja pela desmobilização de pessoas e grupos sociais para uma luta coletiva por melhores

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condições de vida e saúde, como referem Spagnoulo e Guerrini (2005), seja pelo

esmaecimento político-ideológico e sociocultural dentro do próprio movimento de RPb

(RAMOS; PAIVA; GUIMARÃES, no prelo).

Entretanto, a existência de esforços mesmo que pontuais e localizados conferem

fôlego às manobras de reestruturação da assistência à saúde mental em rede e nos impulsiona

a retomar as palavras de Eduardo Galeano citadas por Amarante (2007, p. 104): “a utopia está

lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o

horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a

utopia? Serve para isso: para que eu caminhe”.

A utopia, então, nos serve de catapulta para que pulemos os muros que ora se

apresentam à efetivação teórico-prática da atenção à saúde mental em rede. Salientamos que

os “muros” aos quais nos referimos assumem a conotação de barreiras ideológico-

paradigmáticas que, ao transporem o campo imaginário-conceitual, se concretizam no

cotidiano da RAPS como um divisor de espaços. No interior dessa divisão, ao mesmo tempo

abstrata e concreta, se desenvolve a predisposição a um “sectarismo assistencial” que separa,

ao passo que sitia, “o que compete à saúde/doença mental” como se o indivíduo não fosse um

todo complexo e como se a saúde mental pudesse ser dissociada da atenção à saúde.

Poderes, rótulos, julgamentos, preconceitos e ganância, para Rodrigues e Scóz (2003),

conformam esses “muros” nas mentes dos sujeitos que, fomentados pelo saber médico

psiquiátrico clássico de compreensão do hospital como fonte curativa e pelo estigma do

diferente, do louco, do insano, obstaculizam a essência do cuidado em saúde mental.

Acreditamos que as formas como os atores da RPb e da RAPS compreendem e lidam com a

“loucura” e com o “louco” – certamente impregnados por essas barreiras ideológicas –

determinam a forma como essa rede se concretiza no cotidiano dos serviços, inclusive os

modos como os atores, serviços e setores se (des)articulam com o intuito de oferecer um

cuidado integral ao sujeito em sofrimento psíquico.

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3 BJETIVOS

3.1 OBJETIVO GERAL

Analisar a Rede de Atenção Psicossocial do município de Natal/RN, considerando o cuidado

em território e seus modos de articulação.

3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

- Elaborar um desenho da Rede de Atenção Psicossocial de Natal, relacionando a capacidade

instalada municipal, os fluxos assistenciais da atualidade e as parcerias intersetoriais

diretamente relacionadas às linhas do cuidado em atenção psicossocial;

- Compreender os modos de articulação entre os serviços que compõem a Rede de Atenção

Psicossocial de Natal, considerando a continuidade do cuidado no território;

- Propor estratégias para potencializar a Rede de Atenção Psicossocial de Natal, com base nas

necessidades/limitações encontradas no cenário local.

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4 MÉTODO

Essa sessão contempla o caminho metodológico percorrido para a abordagem do

objeto de estudo da presente investigação, e está dividida em dois tópicos, a saber: 4.1

Arcabouço teórico – no qual apresentaremos as lentes compreensivas que orientam nossa

visão/compreensão do fenômeno analisado; 4.2 Caracterização da pesquisa – que abordará as

questões operacionais, tais como, caracterização do tipo de estudo, cenário e sujeitos da

pesquisa, apresentação dos procedimentos de coleta e análise das informações, assim como

aspectos éticos da pesquisa envolvendo seres humanos.

4.1 ARCABOUÇO TEÓRICO

O caminhar teórico desta tese buscou trilhar a interface entre a Saúde Mental e a

Saúde Coletiva, apoiando-se nos escritos foucaultianos sobre a loucura, na abordagem de

Eugênio Villaça Mendes acerca dos Modelos de Atenção e das Redes de Atenção à Saúde,

além de referências consagradas, e outras emergentes, no âmbito da Atenção Psicossocial e da

Reforma Psiquiátrica brasileira. Ademais, nos valemos do Pensamento Complexo, de

orientação moriniana, enquanto lente compreensiva da realidade e do fenômeno em foco

(MORIN, 2015, 2013, 2001). Salientamos que os princípios fundamentais da Teoria da

Complexidade sobre os quais nos subsidiaremos nesta tese foram explicitados ao longo da

revisão de literatura.

O Pensamento Complexo teve sua origem nas correntes de pensamento sistêmico,

estas, por sua vez, originárias da biologia, da cibernética e da física, tendo suas primeiras

elaborações a partir do biólogo Ludwig Von Bertalanffy através da obra seminal “Teoria

Geral dos Sistemas”, lançada no ano de 1973. Apoiados em Minayo (2014), pontuamos como

principais características da teoria geral de Bertalanffy a observação de uma ordem

hierárquica na organização dos seres vivos que, superpostas em vários níveis, vão dos

sistemas físicos e químicos aos biológicos, sociológicos e políticos; esses sistemas são abertos

e interconectados, instáveis em permanente dinamismo recursivo, tendo na interação entre

eles um ponto problemático para todos os campos científicos.

O paradigma sistêmico pode ser traduzido em várias expressões, das quais se

destacam: o Pensamento Complexo de Edgar Morin; o Paradigma da ordem a partir da

desordem fundamentado por Ilya Prigogine; o Paradigma da auto-organização a partir do

ruído com base em Henri Atlan, além da referida Teoria Geral dos Sistemas. Diferencia-se

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das teorias tradicionais em três dimensões epistemológicas: 1) a noção de complexidade dos

fenômenos, a partir da qual se admite o entrelaçamento de causas na constituição dos eventos;

2) o reconhecimento da instabilidade do mundo dos seres vivos – e, por conseguinte, do

próprio tecido social – o que abre o precedente para o reconhecimento de uma lógica na

desordem; 3) a ideia da intersubjetividade na constituição e compreensão da realidade,

opondo-se à crença da existência de um conhecimento/de uma verdade que seja externa ao

sujeito (MORIN, 2013; MINAYO, 2014).

Atualmente, apesar de não propor técnicas de investigação científica, o pensamento

sistêmico vai conquistando espaço como uma lente compreensiva que se propõe a subverter a

mente compartimentalizada, iluminando as interações e buscando fazer as diferenças e as

oposições se comunicarem. Tais características mostram-se relevantes para o campo da saúde,

tendo em vista as múltiplas facetas que envolvem os processos saúde/doença. Apesar de ainda

constituir-se como prática incipiente no campo da saúde, o pensamento sistêmico apresenta-se

como um caminho de possibilidades que se abrem para a investigação de objetos que

envolvem a vida, o mundo, as práticas sociais, em que pese as dificuldades epistemológicas e

práticas para a transposição das dicotomias analíticas (MINAYO, 2014; ALMEIDA-FILHO,

2006).

O Pensamento Complexo, também referenciado como Complexidade, Teoria da

Complexidade ou Paradigma Complexo, vem sendo desenvolvido, na tradição moriniana,

desde a década de 1960. Edgar Morin traça seu caminho a partir da teoria da informação, da

cibernética, da teoria dos sistemas, do conceito de auto-organização e da microfísica, mais

especificamente do conceito de sistema aberto no qual sujeito e objeto mantem relação

(sujeito/ambiente; sistema/ecossistema). O reconhecimento das relações sujeito/objeto

representa um dos precedentes que se abre para a virada paradigmática que propõe a

integração das realidades banidas pela ciência clássica (MORIN, 2015).

Neste sentido, a complexidade é entendida como “o tecido de acontecimentos, ações,

interações, retroações, determinações, acasos que constituem nosso mundo fenomênico”, “se

apresenta com os traços inquietantes do emaranhado, do inextricável, da desordem, da

ambiguidade, da incerteza”. De tal modo, a Teoria da Complexidade ambiciona exercer um

pensamento capaz de lidar com o real e com ele dialogar e negociar, privilegiando as

“articulações entre os campos disciplinares que são desmembrados pelo pensamento

disjuntivo, que isola o que separa e oculta tudo que religa, interage, interfere” (MORIN, 2015,

p. 13).

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O pensamento complexo é animado por uma tensão permanente entre a aspiração a um

saber não fragmentado, não compartimentado, não redutor, e o reconhecimento do inacabado

e da incompletude de qualquer conhecimento. Reconhece a inventividade e a criatividade,

reintegra o acaso, resgata a unidade complexa que liga o pensamento que reduz e o

pensamento que engloba, além do reducionismo e do holismo, numa dialetização (MORIN,

2015).

Para Santos (2013), utilizar-se das lentes compreensivas do Pensamento Complexo

significa assumir princípios e pressupostos teóricos importantes e significativos como

intersubjetividade, incerteza, interioridade, mudança, auto-organização, emergência,

causalidade circular e multidimensionalidade. Em outras palavras, é reconhecer o princípio da

incompletude e da incerteza – as imperfeições do cotidiano. Isto posto, admitimos a

coexistência dos referidos princípios como produtos e produtores do tecido social que serve

como pano de fundo para a concretização da RAPS em território.

Salientamos que na linguagem da complexidade moriniana, a causalidade circular

refere-se, basicamente, a ideia recursiva que compreende “que tudo que é produzido volta-se

sobre o que o produz num ciclo ele mesmo auto-constitutivo” (MORIN, 2015, p. 74). Neste

sentido, rompe com a ideia linear de causa-efeito que, com base na História Natural da

Doença e na tríade agente-meio-hospedeiro, busca explicar os processos saúde-doença.

Justificamos nossa opção teórico-conceitual inicialmente por ser uma abordagem que

se contrapõe ao reducionismo e ao determinismo positivista hegemônico, nos possibilitando

lançar um olhar ampliado diante do fenômeno estudado, que é essencialmente complexo. Por

outro lado, consideramos que os seres humanos e a própria sociedade – porque não dizer dos

Sistemas de Saúde? – estão em constante construção-desconstrução-reconstrução, daí a

necessidade de lidar com o inesperado e com as certezas provisórias. Assim sendo, inspirados

em Amarante (2007, p. 18) ao referir que a própria “natureza do campo da saúde mental vem

contribuindo para que comecemos a pensar de forma diferente, não mais com este paradigma

da verdade única e definitiva, mas sim em termos de complexidade, de simultaneidade, de

transversalidade dos saberes”, reconhecemos, como Arruda et al. (2015), a possibilidade do

diálogo entre o pensamento complexo e os fenômenos envolvidos na busca da integralidade

das RAS, e, por extensão, da RAPS.

Por fim, para analisarmos a RAPS julgamos pertinente nos subsidiarmos dos

pressupostos teórico-filosóficos do Pensamento Complexo para, assim como refere Minayo

(2014), iluminarmos seus pontos cegos, nos movimentando no terreno das inter-relações e

interconexões. Ademais, compactuamos com o posicionamento de Santos (2013, p. 94) ao

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afirmar que “pesquisar a partir do enfoque da complexidade implica em dar ênfase àquilo que

liga, religa e sustenta os vínculos entre os sujeitos da pesquisa, garantindo a construção, a

produção e a criação do conhecimento científico”.

4.2 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA

Trata-se de uma pesquisa com abordagem qualitativa e enfoque exploratório-

descritivo que teve a Rede de Atenção Psicossocial da cidade do Natal-RN como objeto de

estudo. Foram utilizados o grupo focal e a observação descritiva como técnicas para

construção dos dados, sendo estes analisados de acordo com as orientações da análise de

conteúdo temática. Trabalhamos, nesta tese, com a perspectiva da “construção” ou invés da

coleta de dados. Nossa posição se fundamenta na própria linguagem da Complexidade que

admite a realidade como algo em construção, de modo que não está pronta/acabada e, como

tal, não é passível de ser captada ou coletada

A abordagem qualitativa é indicada devido a sua característica de buscar a questão do

significado e da intencionalidade dos atos presentes nas relações e nas estruturas sociais,

valorizando-se os aspectos subjetivos, que por natureza são impossíveis de serem sintetizados

em dados estatísticos. Para Minayo (2000, p. 11) essa é uma abordagem que não se preocupa

em quantificar, mas em “explicar os meandros das relações sociais consideradas essência e

resultado da atividade humana, criadora, efetiva e racional, que pode ser apreendida através

do cotidiano, da vivência, e da explicação do senso comum”.

O enfoque exploratório-descritivo, comum em estudos que se propõe a analisar e

descrever determinado fenômeno, apresenta-se pertinente a nossa pesquisa pelo fato de

possibilitar o aumento da familiaridade entre pesquisador e sociedade, fato ou fenômeno, bem

como o acúmulo de informações detalhadas sobre o objeto de estudo.

A pesquisa foi realizada no município de Natal, capital do Estado do Rio Grande do

Norte, cuja população estimada para o ano de 2017 foi de 885.180 habitantes distribuídos em

167,264 km2 de extensão territorial (IBGE, 2018). Atualmente, a rede de serviços de saúde do

município está dividida em cinco Distritos Sanitários (DS), a saber: Sul, Leste, Oeste, Norte I

e Norte II.

Neste cenário, estudamos serviços de diversos níveis de atenção à saúde – primária,

secundária e terciária – que compõem a RAPS da cidade em foco com vistas a atingir a maior

aproximação possível à realidade da assistência à saúde mental em rede.

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Os serviços nos quais as informações foram construídas foram selecionados de

maneira aleatória dentro da representação de cada DS, buscando contemplar os diversos

componentes da RAPS (em conformidade com a capacidade instalada no município), assim

como os cinco DS da cidade. De tal modo, compuseram o cenário da pesquisa cinco USF,

sendo uma em cada DS, quatro CAPS, sendo dois localizados no DS Oeste, dois no DS Leste,

uma UPA situada no DS Norte II, a Unidade de Atenção Psicossocial localizada no Hospital

Universitário Onofre Lopes (UAP/HUOL) e um Serviço Residencial Terapêutico, ambos

localizados no DS Leste. Tais unidades de saúde encontram-se representadas, na figura 2

(página 62), por ícones em formato de estrela. Além dos serviços contemplados no estudo em

tela, a referida figura apresenta o mapa do município, contendo a divisão da cidade por DS,

bem como a localização de cada bairro. Estas informações serão importantes para

compreendermos melhor o desenho da RAPS Natal/RN, o qual será apresentado na figura 3

(página 74).

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Figura 2 – Mapa da Cidade do Natal/RN dividido por Distrito Sanitário e contendo a

localização dos serviços que fizeram parte da pesquisa.

Fonte: Adaptado de Natal (2007).

Participaram do estudo 22 sujeitos – diretores, trabalhadores e usuários dos serviços

loci –, selecionados intencionalmente por conveniência, ou seja, de maneira não-probabilística

e privilegiando sujeitos sociais que julgamos dispor de uma visão abrangente sobre a

dinâmica dos serviços da RAPS, suas dificuldades e potencialidades, assim como do trabalho

em rede. A construção da amostra seguiu orientações de Deslauriers e Kérisit (2010) e de

Dyniewicz (2009), sendo delimitada pelo critério da saturação teórica.

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Para Minayo (2014, p. 197) o critério de saturação teórica refere-se ao “conhecimento

formado pelo pesquisador, no campo, de que conseguiu compreender a lógica interna do

grupo ou da coletividade em estudo”, o que é balizado à medida que se consegue o

entendimento das homogeneidades, da diversidade e da intensidade das informações

necessárias para a pesquisa que se pretende empreender.

Como critérios de inclusão, utilizamos para os diretores dos serviços selecionados

como cenário da pesquisa o desempenho de funções relacionadas à gestão/administração do

serviço. Para os trabalhadores, consideramos o exercício de funções assistenciais em um ou

mais serviços que compõem a RAPS/Natal. Para os usuários, pensamos a inserção em

serviços de saúde mental e participação na rotina e nas atividades neles desenvolvidas,

condições de comunicação durante o período de construção das informações e disponibilidade

para participar da sessão de grupo focal.

Foram excluídos da pesquisa os diretores e trabalhadores desligados de suas funções

ou desvinculados dos serviços, aqueles que estavam de licença, gozando férias ou de atestado

médico no período da construção de dados, o que aconteceu em um único caso. Quanto aos

usuários, seriam excluídos os que retirassem de maneira voluntária o seu consentimento para

participação da pesquisa, fato que não ocorreu.

A seleção dos sujeitos se deu durante as visitas in loco. Na ocasião, foram explicitados

os objetivos do estudo e o convite foi lançado aos trabalhadores, diretores e usuários,

considerando os critérios de inclusão já mencionados. Foi solicitado aos diretores e

trabalhadores que discutissem entre si e nomeassem, dentre eles, um profissional do serviço

para participar do grupo focal. Nossa intenção ao adotarmos tal postura foi possibilitar a

operacionalização da construção dos dados, ao passo que facultamos à participação àqueles

que se sentissem mais à vontade em debater a temática em grupo.

Explicitamos aos trabalhadores que durante o processo de seleção dos possíveis

sujeitos desta pesquisa eles observassem os seguintes pontos: dentre os trabalhadores

selecionados não deveria estar o diretor da unidade; deveriam ser representantes de categorias

profissionais diferentes da categoria do diretor – já que este também participaria da pesquisa

alocado em outro grupo (grupo dos gestores) –, para que assim fosse possível atingir um

maior número de representação das várias categorias profissionais que atuam na assistência à

saúde mental.

A construção dos dados aconteceu no período de maio a outubro de 2017 e contou

com a realização de sessões de grupo focal e observação descritiva de serviços e estratégias

que compõem a RAPS Natal/RN.

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Para acesso aos registros sobre cobertura/capacidade instalada, fluxos assistenciais e

existência de parcerias intersetoriais, nos valemos de busca na bibliografia da área e em

informativos eletrônicos da saúde mental, na Secretaria Municipal de Saúde (SMS) – mais

especificamente na Coordenação Municipal de Saúde Mental – e junto aos gestores

responsáveis pelos serviços que compuseram o cenário do estudo. As informações

encontradas compuseram um desenho da RAPS/Natal que considera a capacidade instalada

por DS, os fluxos assistenciais e as parcerias intersetoriais diretamente relacionadas à linha do

cuidado em atenção psicossocial – o qual será apresentado nos resultados, página 74.

O grupo focal foi realizado tanto como técnica para construção dos dados quanto com

o intuito de complementar as observações do campo. Buscamos, com a aplicação desta

técnica, oportunizar aos participantes um ambiente propício ao debate e discussão sobre a

RAPS/Natal, o que nos possibilitou ter acesso a informações privilegiadas dentro do contexto.

Para Minayo (2014) o grupo focal é um tipo de entrevista ou conversa que se

estabelece em grupos pequenos e homogêneos e que objetiva obter informações e aprofundar

a interação entre os participantes e entre eles e o pesquisador. A referida técnica de coleta de

dados possibilita a reflexão sobre uma proposta ou tema, ao mesmo tempo em que se ouvem e

se discutem respostas/propostas uns dos outros; as discussões que acontecem dentro do grupo

focal não precisam, necessariamente, chegar a um consenso (DYNIEWICZ, 2009).

Foram realizadas quatro sessões de grupos focais, sendo uma com gestores que contou

com a participação de sete sujeitos, uma com seis trabalhadores e duas sessões com o mesmo

grupo de usuários, contando a primeira sessão com nove participantes e a segunda com seis.

Informamos que a ausência de três sujeitos na segunda sessão do grupo com os usuários foi

justificada por indisponibilidade de ordem pessoal dos sujeitos em comparecer no dia e

horário marcados. Certamente, esse desfalque trouxe alguma implicação para o produto final

do grupo, visto que cada indivíduo é único e traz dentro de si peculiaridades e diferentes

formas de interagir e de circular pela rede. Entretanto, mesmo com as ausências, conseguimos

atingir os objetivos da sessão que contou com reflexões e discussões potentes e

enriquecedoras. Resolvemos, então, manter o caráter aberto do grupo dos usuários e não

excluir esses indivíduos da pesquisa, entendendo que se esta exclusão se confirmasse, aí sim,

estaríamos desconstruindo a potência do grupo e da primeira sessão.

As sessões de grupo focal tiveram duração média de uma hora e meia (noventa

minutos), conforme indicação da literatura, e partiram de um roteiro que contou com duas

questões disparadoras (APÊNDICE A). As reuniões aconteceram na Escola de Saúde de

Natal, campus universitário sob a coordenação de um moderador (neste caso, a própria

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pesquisadora) auxiliado por um relator, local de fácil acesso e previamente acordado com os

participantes, em horários adequados à disponibilidade dos envolvidos. As reuniões foram

gravadas em áudio e posteriormente transcritas e registradas, juntamente com as observações

e as citações dos participantes.

A observação descritiva foi utilizada como instrumento complementar para

aproximação à realidade empírica e focalizou os pontos que compreendem o objeto de estudo

da investigadora, os quais se encontram especificados no Apêndice B. Realizada entre os

meses de maio e outubro de 2017, contou a visitação às unidades de saúde que compuseram o

cenário da pesquisa e a estratégias do tipo fóruns, debates e capacitações que envolveram

gestores, trabalhadores, usuários, pesquisadores, estudantes e simpatizantes da saúde mental –

as quais serão detalhadas durante a apresentação dos resultados. Cada serviço e estratégia foi

visitado no mínimo duas vezes, tendo cada visita entre 1 e 4 horas de duração.

Em geral, a pretensão foi contemplar os serviços de saúde que atendem à demanda em

saúde mental no que se refere ao acolhimento dos usuários, aos caminhos percorridos por

usuários e profissionais dentro da RAPS/Natal e as interlocuções entre esta rede temática e

ações intersetoriais de suporte ao cuidado em saúde mental. O melhor dia e horário para as

visitas de observação foi acordado previamente com o diretor de cada serviço. Salientamos

que as observações encontradas foram registradas em um diário de campo, conforme

orientações de Minayo (2014). Neste instrumento, anotamos informações provenientes de

conversas informais, comportamentos ou expressões que diziam respeito ao tema da pesquisa,

ao modo como os processos investigados se organizam e funcionam na prática e

incongruências entre o que foi dito ao pesquisador e o que é feito na unidade.

Para análise dos dados utilizamos como referencial a análise de conteúdo temática.

Para Minayo (2014), fazer uma análise temática consiste em descobrir os núcleos de sentido

que compõem uma comunicação, cuja presença signifique alguma coisa para o objeto

analisado. Operacionalmente a análise de conteúdo temática desdobra-se em três etapas: 1)

Pré-análise: retomada das hipóteses e dos objetivos iniciais da pesquisa, seguida da leitura

flutuante do conjunto das comunicações, de modo que o pesquisador permita-se impregnar

pelo conteúdo e constituição do corpus; seguida da elaboração dos recortes e categorização;

2) Exploração do material: investigação dos dados brutos para que pudéssemos alcançar o

núcleo de compreensão do texto; 3) Tratamento dos resultados obtidos e interpretação, com

inferências e interpretações acerca dos achados.

Reconhecemos a tendência crescente de utilização de softwares para análise de dados

na pesquisa qualitativa, fomentada, inclusive, pela busca de reconhecimento e rigor

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científicos, sistematização, credibilidade e transparência na análise dos resultados (SOUZA;

SOUZA, 2016). Algumas literaturas da área chamam atenção para desvantagens no uso de

pacote de softwares para fins de analise de dados qualitativos, alertando para a possibilidade

de perda de controle no processo de codificação ou mesmo excesso de codificações,

comprometimento da análise em profundidade, aumento desnecessário na quantidade de

dados recolhidos, além da impossibilidade de se separar o investigador do programa utilizado

para as análises (COSTA; REIS, 2017). Controvérsias à parte, optamos, nesta pesquisa, por

não utilizar softwares para análise dos resultados.

A postura adotada baseia-se na inclinação da pesquisadora ao processo de artesanato

intelectual inerente à pesquisa científica, principalmente à abordagem qualitativa. Nossa

inspiração vem de Gondim e Lima (2002) que, seguindo a esteira de Pierre Bourdieu,

concebem a pesquisa como um “artesanato”, ou seja, como um trabalho no qual está presente

a marca do autor. Sendo assim, interessa-nos como investigadores assumir, de fato, o papel de

artesão-chave em todas as etapas do estudo em tela.

Esta pesquisa seguiu os preceitos éticos e legais dispostos nas Normas para Pesquisas

Envolvendo Seres Humanos presentes na Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de

Saúde (BRASIL, 2013). Foi encaminhada para apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa do

Hospital Universitário Onofre Lopes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

(HUOL-UFRN), recebendo aprovação desta instância em 03 de abril de 2017 – CAAE

65226817.5.0000.5292 e parecer 1.997.883 (ANEXO A). Salientamos que todos os sujeitos

da pesquisa leram e assinaram, em duas vias, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

(APÊNDICE C).

Para o estabelecimento e manutenção do sigilo da identidade dos sujeitos da presente

pesquisa, atribuímos aos participantes pseudônimos. Fomos buscar inspiração nos pontos de

bordado em uma alusão ao “trabalho sobre tecido em que se criam ornatos com fios de

diferentes tipos introduzidos por meio de agulhas” (HOUAISS; VILLAR, 2009, p. 314).

Reconhecemos a semelhança entre o referido trabalho de artesanato e a RAPS na medida em

que a identificamos como uma trama ou um desenho de possibilidades de atenção à saúde,

construído pelo movimento dos atores num tecido social. Assim sendo, registramos nossa

homenagem a esses atores, verdadeiros artesãos do SUS e da RAPS, atribuindo-lhes nomes

dos diversos tipos de pontos utilizados na bordadura.

São 22 os sujeitos desta pesquisa, assim identificados: Anjour, Brocatelo, Treliça,

Areia, Aresta, Margarida, Caseado, Matiz, Abelha, Coral, Cordonê, Escada, Folha, Bainha,

Rococó, Pétala, Renascença, Ponto Cruz, Corrente, Estrela, Haste e Nó Francês. Salientamos

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que a nomenclatura dos pontos foi distribuída aleatoriamente entre os sujeitos da pesquisa,

sem nos preocuparmos com qualquer tipo de semelhança de gênero ou de modelo.

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5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados deste estudo são provenientes da realização de grupos focais e da

circulação por serviços e estratégias que compõem a RAPS Natal/RN – visita aos serviços de

saúde e à Coordenação Municipal de Saúde Mental, participação em reuniões do Fórum

Intersetorial4 promovido pela Prefeitura Municipal do Natal e do Fórum de Direitos Humanos

e Saúde Mental5, participação em oficinas e capacitações promovidas pela Unidade de

Atenção Psicossocial do Hospital Universitário Onofre Lopes (UAP/HUOL), visita ao Centro

de Convivência e Cultura (CC) e à Associação Potiguar Plural6. Este caminhar, que se

estendeu para além do espaço físico dos serviços de saúde e da especialidade psiquiátrica, nos

possibilitou vivenciar interações/conexões de saberes e fazeres, observar rotinas e construir

dados referentes à capacidade instalada municipal, aos fluxos assistenciais e às parcerias

intersetoriais voltadas para o campo da saúde mental municipal.

Vale ressaltar as dificuldades vivenciadas durante o processo de circulação pela rede e

de seleção dos sujeitos da pesquisa, especialmente no que se refere à adesão de diretores e

trabalhadores da Atenção Básica (AB), de trabalhadores do Serviço Residencial Terapêutico

(SRT) e da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) selecionados para compor o cenário desta

pesquisa. Apesar de diversas tentativas, tanto de modo presencial quanto via e-mail e/ou

aplicativo de mensagens de celular, não obtivemos resposta desses representantes acerca do

convite para participação na pesquisa.

É preciso comentar que ao longo da caminhada percebemos diferenças significativas

na forma como fomos recebidas/ouvidas por cada grupo de sujeitos. Com algumas exceções,

4 Evento realizado pelo Sistema Municipal de Políticas Públicas sobre Drogas (SISMUD) que visa sensibilizar os

profissionais sobre a importância da intersetorialidade e da interligação das secretarias para a resolução das

demandas. As reuniões do fórum são mensais e acontecem em três etapas: na primeira se concentram os serviços

dos DS Norte I e II; no segundo encontro se fazem presentes os representantes dos DS Leste, Oeste e Sul; na

terceira reunião é realizado o fórum geral com todos os DS. A cada mês é debatida uma temática específica,

previamente escolhida pelo comitê organizador. Constitui-se em um importante espaço para construção de

vínculo entre os profissionais de diversos setores. 5 As reuniões do Fórum de Direitos Humanos e Saúde Mental acontecem nas dependências do Departamento de

Saúde Coletiva da UFRN e reúne gestores (inclusive representantes das coordenações estadual e municipal de

saúde mental), trabalhadores, usuários, estudantes e pesquisadores. Em reuniões mensais, debatem sobre o

cenário estadual e municipal da saúde mental, além de abordarem temas de relevância política para a

consolidação da RPb e do cuidado em rede territorial de atenção. 6 A Associação Potiguar Plural, ou simplesmente Plural, é uma organização complexa em significado e atuação

e, como tal, difícil de ser definida em caracteres. Apresento-a como um grupo formado por psicólogos,

estudantes do curso de Graduação em Psicologia, usuários da saúde mental e qualquer pessoa inclinada à

temática. Apresenta fins terapêuticos e políticos e se destina a oferecer apoio ao usuário da saúde mental,

estimular a autonomia e a livre circulação pela cidade. É também um espaço de luta pela cidadania e por um

cuidado digno, espaço de diálogo e de fortalecimento do usuário, tendo como marca a sua inserção e

representação em várias instâncias e eventos como Conselho Municipal de Saúde, Congressos (ABRASME,

ABRASCO, entre outros), fóruns, seminários e afins, sempre na luta “por uma sociedade sem manicômios”.

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os técnicos se mostraram arredios, foi mais difícil o estabelecimento de um diálogo efetivo,

principalmente nos serviços da APS. Pareciam absorvidos pela rotina do serviço, ávidos por

seguirem desempenhando suas atividades, tal como Charles Chaplin em Tempos Modernos –

guardadas as devidas proporções. Sem desconsiderar o compromisso com a produtividade, o

desejo seria também de fugir da exposição provocada pela pesquisa? Medo de trazer à tona

práticas há tempos desenvolvidas sob o tapete do comodismo e que não são bem vistas no

novo contexto da atenção em rede? A temática “saúde mental”, ainda que inerente ao

processo de trabalho em rede de saúde, não interessava a esses indivíduos? Questionamentos

que por ora ficam sem resposta, pois escapam do objeto em análise, ainda que o tangenciem.

Deixamos aqui o alerta, plantamos a semente para que novos estudos sejam empreendidos na

perspectiva de ensaiar respostas para estas questões.

Por outro lado, sentimos os usuários mais abertos ao diálogo. A possibilidade de

participar da pesquisa parecia uma oportunidade para sair da invisibilidade, um espaço

potente de fala e de exercício do “ser gente”.

O grupo focal formado pelos diretores das unidades contou com a participação de sete

indivíduos, sendo que destes dois eram representantes da APS (mais especificamente de

USF), três eram diretores de CAPS (cujas modalidades não serão reveladas para não expor, de

maneira indireta, a identidade dos sujeitos), um sujeito representava a UPA e um participante

na representação do SRT. Em relação às categorias profissionais dos sujeitos do grupo,

conseguimos atingir representatividade interdisciplinar, o que confere abrangência de pontos

de vista em relação ao fenômeno estudado. De modo que foram dois biólogos, uma jornalista,

um enfermeiro, uma assistente social, uma nutricionista e uma técnica de enfermagem.

De maneira geral, a discussão foi harmônica com pouquíssimos pontos de divergência

entre os participantes. O grupo evitou embates, contradições entre serviços e entre

posicionamentos, expressando-se de forma suave. O conflito, quando gerado, parecia ameaçar

a todos. Os diretores foram enfáticos ao abordarem a fragilidade e insipiência da RAPS,

entretanto, comentaram algumas estratégias e ações pontuais que assinalam avanços discretos

na articulação da rede. Identificamos nas falas pontos de tensão dignos de serem pensados e

debatidos. A vivência do grupo focal aproximou os diretores e, no mínimo, tensionou a rede.

O grupo focal realizado com os trabalhadores dos serviços que compuseram o cenário

desta pesquisa contou com a participação de seis indivíduos, sendo que destes um era

representante da APS (mais especificamente da USF), quatro do CAPS – nas modalidades II,

III, AD e infantil – e um da UAP/HUOL. Em relação às categorias profissionais tivemos uma

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profissional de educação física, uma terapeuta ocupacional, uma Agente Comunitária de

Saúde, uma técnica de enfermagem e duas psicólogas.

Em linhas gerais, o grupo enaltece os pontos positivos da RAPS, atenta para os

avanços no cuidado em saúde mental no território e na própria rede, comentam sobre a

existência de uma boa articulação, apesar dos gargalos emergirem durante os discursos, tais

como, dificuldade de articulação entre UBS e Centro de Referência Especializado em

Assistência Social (CREAS), entre CAPS e UBS, fragilidade da rede de urgência e

emergência. Concordam na maioria dos pontos colocados para a discussão, havendo conflito

em relação à parceria intersetorial SUS e Sistema Único de Assistência Social (SUAS)

quando a maioria dos serviços relatam dificuldades, com exceção do CAPS i, e em relação ao

isolamento da RAPS e sua tendência de valorização da especialidade, afirmação com a qual

todos concordaram, com exceção de um sujeito da pesquisa representante de CAPS.

Foi evidente a frágil participação da APS frente à discussão de pontos nevrálgicos e de

nítidas críticas feitas pelos representantes dos serviços especializados quanto à atuação da AB

no cuidado em saúde mental no território. Tal fato se revela também na abstenção desse ponto

da rede frente ao convite e às sucessivas tentativas da pesquisadora em conseguir

representação desse público no grupo focal em questão. A relatora se questiona sobre a

influência de relações de saber/poder no silenciamento da participante ou, por outro lado, uma

suavização das críticas e embates das demais participantes do grupo sobre a UBS/ESF frente

às limitações já comentadas.

O grupo focal realizado com os usuários dos serviços que compõem a RAPS Natal

representou um grande desafio: discutir RAS com um público que esteve à margem desse

processo por décadas, experienciando as políticas de saúde a partir das atividades

desenvolvidas pelos técnicos no cotidiano dos serviços e do SUS.

Neste caso, para fazer fluir a discussão foram utilizadas estratégias de transposição da

linguagem, de modo a aproximar a temática discutida à realidade e ao contexto de vida dos

participantes. Para tanto, as questões disparadoras do debate foram inseridas paulatinamente,

daí justifica-se a realização de duas sessões de grupo focal com o mesmo grupo. A primeira

sessão buscou discutir como os indivíduos fazem quando precisam de cuidados na área da

saúde mental; na segunda sessão discutiu-se sobre o tratamento atual, os serviços de saúde

mental e o caminhar desses usuários pela RAPS.

Participaram da pesquisa nove sujeitos. São usuários que circulam por diversos

serviços de saúde: CAPS, ambulatório de saúde mental, Centro de Convivência (CC), UBS,

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além da Associação Potiguar Plural. Salientamos que na segunda sessão três usuários não

puderam comparecer, ficando esta com seis participantes.

Na visão da relatora, o grupo congrega pessoas que não temem falar de seus conflitos,

limitações, traumas e angústias, assumindo publicamente seus acometimentos mais graves

como tentativas de suicídio e episódios de sofrimento vivenciados nas instituições

psiquiátricas. De maneira geral, a discussão fluiu com raros pontos de divergência de opinião,

o que aconteceu em relação à experiência da internação psiquiátrica e à gestão autônoma de

medicação.

Reconhecemos nessas sessões de grupo focal grande importância para a formação de

redes e politização da visão sobre a saúde mental. Durante o segundo encontro um dos

participantes aproveita para desmistificar o que ele acredita ser comum nas reuniões da saúde

pública que é o fato das pessoas falarem sobre saúde de uma forma burocrática e normatizada

o que, no entender do sujeito da pesquisa, contribui para as pessoas ficarem isoladas. Com

isso, o participante conclama a ampliação e aproximação – religação – dos vínculos.

O material proveniente das sessões de grupo focal passou por análise e foi

categorizado de acordo com a proximidade semântica dos núcleos temáticos identificados. A

exposição dos resultados foi dividida em duas categorias analíticas construídas a partir do

corpus originário das transcrições dos grupos focais, a saber: 5.1 Dos fios emaranhados ao

alinhavo de uma rede, que consiste na apresentação da RAPS Natal/RN tanto do ponto de

vista gráfico – onde nos esforçamos para dispor em um desenho da rede a capacidade

instalada por DS, os fluxos assistenciais identificados, assim como as parcerias intersetoriais

diretamente relacionadas à linha do cuidado em atenção psicossocial – quanto no tocante às

características do cuidado em saúde mental de base comunitária desenvolvido no município –

ao que se tem acesso mediante os recortes de falas dos sujeitos da pesquisa. 5.2 Sobre a

articulação da RAPS: o religar de fios e de “nós” alinhavando a rede, na qual serão

discutidas as estratégias adotadas por atores, serviços e setores para promover interconexões

que favoreçam a continuidade do cuidado de saúde mental em território.

Optamos por apresentar as falas dos sujeitos da pesquisa, os pontos de reflexão e de

discussão reunidos em um grande grupo. Isto porque partimos do pressuposto de que todos os

participantes da pesquisa são, antes de tudo, atores da RAPS, independentemente da posição

que ocupam dentro da rede – diretores, trabalhadores ou usuários. Reconhecemos que cada

um desses indivíduos vivencia o cuidado em rede territorial em diferentes perspectivas,

porém, interessa-nos religar saberes e pontos de vista numa articulação pulsante que almeja

extrapolar “lugares” ou funções e valorizar vivências e experiências. Ademais, consideramos

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também que estes indivíduos estão em permanente interação dentro do cotidiano dos serviços

e da rede como um todo, o que é particularmente interessante para esta pesquisa.

As falas serão apresentadas seguidas da identificação, por pseudônimo, dos sujeitos.

Acompanhará o pseudônimo, a letra D para identificar a fala do diretor de unidade, a letra T

para o trabalhador e U quando se tratar da fala de usuário – como em D_Anjour, T_Cordonê,

U_Estrela, por exemplo. Optamos por identificar a posição de onde se fala – diretor,

trabalhador ou usuário – na expectativa de reconhecer indícios de hierarquia nas relações em

rede, de identificar onde cada um desses sujeitos tem voz, ou seja, quem tem o monopólio da

fala sobre determina temática, e ainda perceber a influência das relações de poder nas formas

de viver/ser a rede e de circular por ela.

5.1 DOS FIOS EMARANHADOS AO ALINHAVO DE UMA REDE

Da circulação pela RAPS emergiram diversas informações, um verdadeiro

emaranhado de fios que nos revela a complexidade desta rede. Nesta tessitura, os atores em

circulação e atividade no território conformam, em conjunto com o contexto social no qual

estão inseridos, uma trama que agrega tensões, contradições, instabilidades e incertezas. Na

RAPS, são várias as portas de entrada e as possibilidades de saída, num itinerário curvilíneo,

por vezes labiríntico, marcado por barreiras físicas, ideológicas e institucionais.

Com o auxílio do Pensamento Complexo, buscamos compreender esse emaranhado de

fios e desvendar a atualidade da RAPS Natal/RN. Para tanto, admitimos como pressuposto

fundamental que esta é uma realidade inacabada e, como tal, em constante transformação,

sofrendo influências dos micro e macro contextos nos quais se concretiza (MORIN, 2015).

Assim sendo, o panorama que será apresentado representa mais um esboço de uma

rede que se encontra em construção; alinhavada, pois em fase de expansão e criação de

serviços, em que pese a redução de equipes, e com fluxos assistenciais embrionários –

especialmente se considerarmos a implementação da linha de cuidado em atenção psicossocial

–, embora haja um esforço de pactuação e repactuação de fluxos assistenciais entre atores,

serviços e setores.

Os resultados reunidos nesta categoria serão apresentados em dois tópicos. O primeiro

deles, 5.1.1 A rede alinhavada, contemplará o desenho da RAPS Natal/RN. Consideramos,

neste desenho, a rede viva que se constrói em território mediante a circulação e interação de

gestores, trabalhadores e usuários. Uma rede que ultrapassa os limites do normativo – portaria

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3.088/2011 – pois congrega serviços e modelos de atenção para além do legalmente instituído,

mas que foram considerados pela representatividade que alcançam no cenário estudado.

No segundo tópico, 5.1.2 O cuidado em território: bordando ilhas de resistência entre

as remanescências do manicômio, abordaremos as características do cuidado produzido em

território que, como veremos, influenciam e são influenciadas pelos modos de articulação da

própria rede de atenção.

5.1.1 A rede alinhavada

Na perspectiva de desembaraçar os fios dessa trama complexa, iniciamos com a

apresentação da RAPS Natal/RN. Nossa intenção é desvendar os dispositivos territoriais,

assim como os fluxos assistenciais e parcerias intersetoriais referentes à linha de cuidado da

atenção psicossocial identificadas em nível municipal para, então, compreendermos como se

tem desenvolvido o cuidado continuado em território.

O desenho apresentado na figura 3 (página 74) foi elaborado a partir de informações

provenientes dos sites da SMS, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo

(SEMURB/Natal), da Sala de Informação em Saúde da Prefeitura Municipal do Natal, do

Cadastrado Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), do Observatório de Direitos

Humanos da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SEMDES/Natal), além de

dados provenientes da Coordenação Municipal de Saúde Mental, de anotações feitas em

diário de campo da pesquisadora e de relatos dos sujeitos desta pesquisa.

Na figura, que tem como imagem de fundo o mapa do município do Natal/RN

recortado de acordo com a distribuição dos DS, temos a localização dos componentes da

referida rede de atenção, congregando os itens instituídos em portaria ministerial (Portaria

3.088/2011) e os dispositivos extra-hospitalares que atendem à demanda em saúde mental,

ainda que se afiliem a outro modelo assistencial – como é o caso dos Centros de

Especialidades Clínicas, Ambulatórios de saúde mental e unidades mistas. É importante

ressaltar que consideramos apenas os serviços vinculados ao SUS.

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Figura 3 - Rede de Atenção Psicossocial de Natal/RN, considerando capacidade instalada por Distrito Sanitário, fluxos

assistenciais e parcerias intersetoriais.

Fonte: Elaborado pela pesquisadora, 2018.

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Para proporcionar melhor visualização e compreensão do desenho, optamos por expor

em cada DS o ícone que identifica a existência de determinado componente, não estando

relacionadas, no desenho, as quantidades e/ou tipos específicos de serviços dos quais dispõe a

rede objeto de análise. Dito de outra forma, consta no desenho a variedade de componentes

disponíveis em cada DS. Para ter acesso a maiores detalhamentos sobre a capacidade instalada

no município (serviços e localizações), conferir o Apêndice D.

Observando o desenho, percebe-se uma variedade considerável de elementos, o que

confirma o crescimento/desenvolvimento da RAPS Natal/RN. A rede dispõe dos seguintes

componentes/serviços: no componente Atenção Primária em Saúde, identificamos a

existência de Posto de Saúde, Unidades Básicas de Saúde, Unidades de Saúde da Família,

Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), Equipes de Consultório na Rua e o Centro de

Convivência e Cultura; no componente Atenção Psicossocial Especializada, identificamos a

existência de Centros de Atenção Psicossocial dos tipos II, III, AD II, AD III e infantil; na

Atenção de Urgência e Emergência encontram-se no território Unidades de Pronto-

Atendimento (UPA) e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), além do

Pronto Socorro do Hospital João Machado (PS/HJM); no que se refere à Atenção residencial

em caráter transitório encontra-se, em fase de construção, a Unidade de Acolhimento da

Saúde; no componente Atenção Hospitalar, o município dispõe de enfermarias especializadas

em hospitais gerais – como é o caso da UAP/HUOL e dos leitos disponíveis no Hospital

Municipal de Natal, além destes mencionam-se os leitos do Hospital Maria Alice que ainda

não foram habilitados (e por isso não foram considerados no desenho) – e de serviços

hospitalares de referência para a atenção às pessoas com sofrimento mental e necessidades

decorrentes do uso de álcool e outras drogas como o HJM, a Casa de Saúde Natal e a Clínica

Santa Maria, que apesar de não estarem oficialmente relacionados à RAPS, têm participação

significativa no cotidiano da saúde mental do município em foco; em relação às estratégias de

desinstitucionalização, localizamos os Serviços Residenciais Terapêuticos; não identificamos

até o final do prazo estipulado para a construção de dados desta pesquisa – outubro de 2017 –

nenhuma iniciativa relacionada ao componente Reabilitação Psicossocial (que são aqueles

referentes às iniciativas de geração de trabalho e renda e às cooperativas sociais).

Ainda em relação ao desenho da rede, comentamos a coexistência de modelos

assistenciais no território, fato que se evidencia através da permanência de serviços como

unidades mistas, ambulatórios e Centros de Especialidades Clínicas Integradas – os CEI´s. Ao

que tudo indica, tais serviços ainda possuem representatividade considerável no cuidado em

atenção psicossocial no município.

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Sobre esta questão, Mendes (2011, p.102), em análise histórica da saúde pública

brasileira, alerta para os esqueletos da matriz “inampsiana” presentes na atualidade. Tais

esqueletos são representados por serviços do tipo centros de especialidades médicas,

policlínicas, pequenas unidades isoladas produtoras de cuidados especializados, entre outros e

vêm resistindo e se multiplicando com novos significantes, porém mantendo “a mesma

significação indevida das antigas catedrais flexnerianas”. O que preocupa, na realidade

estudada, é que muitos usuários só tem acesso a esse tipo de cobertura, o que certamente traz

implicações para a integralidade do cuidado e para o próprio modelo de atenção psicossocial.

Obviamente, a reorganização dos serviços per si não é capaz de transformar paradigmas e

processos de trabalho, mas, certamente, a coexistência de lógicas paralelas e não

complementares de atenção dentro da RAPS ao invés de promover auto-organização e avanço

da rede, fragilizam-na.

Analisando por DS podemos perceber como área de menor cobertura assistencial, em

termos de variedade de serviços disponíveis, o DS Norte I que, em se tratando de serviços da

RAPS definidos em portaria ministerial, apresentam apenas aqueles alocados na APS e a UPA

como referência para atendimento de urgências psiquiátricas. Avaliamos o DS Leste como o

mais completo em termos de variedade de componentes da RAPS já que lá encontramos

serviços da APS, elementos da atenção psicossocial especializada, SRT, enfermarias de saúde

mental em hospital geral, além de unidade mista, ambulatórios, CEI´s e as sedes de DS e da

própria SMS.

Na tentativa de suprir os vazios assistenciais nos DS e aumentar a capacidade de oferta

de serviços, existe uma pactuação em nível municipal que promete ampliação da cobertura.

No caso específico da atenção psicossocial, esta pactuação se dá da seguinte maneira: o CAPS

II Oeste oferece cobertura aos DS Oeste, Norte I e Norte II; o CAPS i Oeste, por sua vez,

atende a demanda de todo o município; o CAPS III Leste, abrange os DS Leste e Sul; o CAPS

AD III Leste é referência para os DS Leste, Oeste e Sul; e finalmente o CAPS AD II Norte

atende às demandas suscitadas pelos DS Norte II, Norte I e Oeste. No que se refere ao

atendimento em nível hospitalar o que se dispõe é: o HUOL e o Hospital Municipal de Natal

(HMN), ambos localizados no DS Leste, oferecem cobertura assistencial para todo o

município; a Casa de Saúde Natal, a Clínica Santa Maria e o HJM, situados no DS Sul

abrangem a demanda de todos os DS.

Para pensarmos a cobertura assistencial e até mesmo a repercussão da distribuição

espacial dos serviços para a continuidade do cuidado em território revisitemos, ainda que

brevemente, os principais modos de organização sanitária da cidade.

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A cidade do Natal/RN está dividida em quatro regiões administrativas – Norte, Sul,

Leste e Oeste – e em cinco DS – Norte I e II, Sul, Leste e Oeste, como mencionado no tópico

destinado à caraterização da pesquisa. Essa configuração sanitária entrou em vigor no ano de

2005 com o intuito de atender às peculiaridades sociodemográficas e sanitário-

epidemiológicas locais e à necessidade de intervenção do Poder Público com racionalização

estratégica de condutas (NATAL, 2007).

A Região Administrativa Norte ou Zona Norte congrega os DS Norte I e Norte II e é a

maior da cidade, tanto em área territorial quanto em termos população (é a que mais cresce),

acomodando 38,3% dos habitantes e atingindo a terceira posição em termos de densidade

demográfica dentre as quatros zonas da cidade. Está separada das demais zonas de Natal pelo

Rio Potengi. A Zona Sul, na qual está localizado o DS Sul, é a segunda maior zona de Natal

em extensão territorial e a terceira mais populosa da cidade, com 20,5% da população

natalense. É a região de maior renda mensal média por domicílio e de menor densidade

demográfica. A Zona Leste é a menor de Natal, tanto em termos populacionais, com cerca de

14,1% da população do município, quanto em extensão territorial e também a que menos

cresce, apresentando maior densidade demográfica frente às demais. Compreende bairros

importantes para o comércio e é a região mais central da cidade. Nela está a segunda maior

renda média mensal por domicílio. A Zona Oeste, na qual está localizado o DS Oeste, é a

segunda mais populosa do município, concentrando 27,1% da população de Natal, a terceira

maior em área territorial e a segunda no que se refere à densidade demográfica. Possui o

maior índice de analfabetismo e a segunda menor renda média mensal por domicílio

(MEDEIROS, 2016; NATAL, 2014).

Ao observarmos a capacidade instalada apresentada na figura 3 (página 74) e

analisarmos o breve panorama ora explicitado, percebemos algumas inconsistências no

próprio processo de distritalização da cidade que podem influenciar o acesso e a circulação

dos indivíduos pelas linhas de cuidado. Pensando a linha de cuidado da atenção psicossocial,

já que é o objeto de estudo do presente trabalho, O DS Norte I, por exemplo, é o menos

assistido em termos de capacidade instalada, mesmo estando na área de maior vulnerabilidade

do município. O DS Leste concentra a maior variedade de serviços, sendo que é a menos

populosa e apresenta a segunda maior renda média mensal da cidade – um fato que sabemos

que influencia na procura por serviços públicos de saúde. Reconhecemos que a capacidade

instalada não é garantia de acesso aos serviços nem de qualidade do cuidado prestado.

Entretanto, julgamos pertinente trazer a temática à baila, principalmente se considerarmos o

contexto da atenção em rede territorial.

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Outro ponto a ser considerado são as barreiras geográficas e as distâncias percorridas

pelos usuários na busca por cuidados em saúde, principalmente numa cidade de grandes

dimensões como é o caso da capital potiguar. A este respeito, um dos sujeitos da pesquisa

comenta:

É muito complicado para o usuário sair de uma área Oeste [que não tem

CAPS AD] – [ainda que tenha] como referência o CAPS AD Leste ou o

CAPS [AD] da Zona Norte – fazer esse trajeto quando ele teria muito mais

possibilidade de dar continuidade ao seu tratamento se ele estivesse numa

área do [seu] território (D_Brocatelo).

Quando pensamos em barreiras geográficas – a exemplo do Rio Potengi que separa a

Zona Norte das demais regiões de Natal – nos remetemos às possíveis implicações tanto para

o desenvolvimento desta área em relação às demais localidades do município quanto para o

acesso dos usuários aos serviços de saúde. Neste caso, o fluxo é dificultado seja ele partindo

dos demais DS rumo aos DS da Zona Norte, seja no sentido inverso. A partir da fala de

Brocatelo, ao mencionar a dificuldade vivenciada por usuários em busca de cuidado em

outros DS, pensamos o quão penoso é para o sujeito. Não só pelo tempo e o desgaste físico

que se empreende nesse trajeto, mas também pelo impacto financeiro do traslado, ainda que

seja feito por transporte coletivo.

O município de Natal/RN encontra-se em fase de construção de fluxos assistenciais no

que tange a linha de cuidado em atenção psicossocial. Ao longo da circulação pelo território e

em reflexões disparadas nas sessões de grupo focal, concluímos que na atualidade da RAPS

Natal coexistem dois caminhos percorridos por usuários e uma proposta de fluxo que tenta

ganhar corpo no cotidiano da rede. Para explorarmos esses fluxos assistenciais identificados

com a pesquisa, utilizaremos três situações ilustrativas e que estão esquematizadas na Figura

3 (página 74).

Imaginemos o território marcado por linhas invisíveis que representam as inúmeras

possibilidades de circulação e de interação entre atores, serviços e setores. Apesar de infinitas

possibilidades, é preciso, para fazer fluir a RAS, o estabelecimento do caminho que deverá ser

percorrido pelo usuário a partir da demanda que ele apresenta, e é justamente esse “caminho”

que buscamos tornar visível na Figura 3. Vale salientar, que os fluxos pactuados e

implementados no cenário estudado dizem respeito ao atendimento de urgência psiquiátrica.

A primeira situação está assinalada em linhas verdes e representa o fluxo

implementado até o término do período de construção de dados desta pesquisa. Ressaltamos

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que ele é voltado para a urgência em saúde mental disparada pelo uso de substâncias

psicoativas (SPA). Assim sendo, a entrada desse usuário na RAPS Natal/RN pode acontecer

tanto via APS com encaminhamento para a atenção psicossocial especializada (CAPS),

quanto por demanda espontânea diretamente para o CAPS. Digamos, então, que o indivíduo

segue acompanhamento territorial no CAPS – ou APS, caso seja matriciado – e por algum

motivo apresenta a necessidade de um atendimento de urgência desencadeado pelo uso de

SPA. Neste caso, são duas as possibilidades: na primeira, o indivíduo segue diretamente para

o PS/HJM, levado por ambulância do SAMU ou em transporte particular, e lá permanecerá

até a estabilização do quadro, de onde retornará para seu domicílio e continuará seguindo o

acompanhamento territorial; na segunda, o indivíduo dirige-se até a UPA de seu território,

levado via ambulância do SAMU ou em transporte particular, chegando lá passa por um

acolhimento com classificação de risco no qual a equipe avalia e decide se este usuário poderá

ser estabilizado na própria UPA e na sequência voltar para o segmento territorial, ou se ele

deve ser encaminhado para tratamento no HJM, de onde retornará ao domicílio. Ressaltamos,

que das situações elencadas a que acontece com mais frequência é a segunda. A

implementação do referido fluxo assistencial para SPA promoveu a diminuição dos

atendimentos de urgência psiquiátrica no PS/HJM voltados para esta demanda, segundo a

coordenadora de saúde mental do município7.

A segunda situação está representada pela linha de tom púrpura corresponde a um

fluxo “extraoficial”, uma situação que não é a ideal, mas que acontece com frequência na

realidade do município e está mais associada à urgência psiquiátrica por surto psicótico

decorrente de transtorno mental. Acompanhando a situação esquematizada na Figura 3

(página 74), temos um indivíduo que segue acompanhamento em serviços de atenção

psicossocial especializada e por algum motivo entra em crise. Neste caso, o que acontece com

frequência é o direcionamento desse usuário diretamente para o PS/HJM, fato que

sobrecarrega o serviço e prejudica a qualidade da assistência. O referido itinerário terapêutico

pode ser encontrado na fala de alguns sujeitos desta pesquisa:

Bem, quando eu surto e quando tem um carro na minha casa ou também

chama o SAMU, entra no carro e vai direto pra o João Machado, não vai pra

o CAPS, vai pra o João Machado pra saber se tem espaço pra ser internado.

Mas às vezes o João Machado diz que não tem vaga nenhuma e pergunta se

é do CAPS e somos direcionados para o CAPS (U_Bainha).

7 Fala em evento intitulado “Oficina de compartilhamento do cuidado na RAPS/Natal: inovação em saúde mental

e fortalecimento de acordos”, realizado no auditório do Departamento de Farmácia Centro de Ciências da Saúde

(UFRN) em 13 de Dezembro de 2017.

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Quando eu tô legal eu vou pra UBS do bairro, aí quando eu tô precisando

muito eu vou me medicar lá no João Machado e aí quando ela me vê ela quer

me internar [a psiquiatra de plantão?], mas eu não fico mesmo. Minha irmã

assina, eu venho pra casa e depois vou pra o CAPS, aí minha médica toma

conta (U_Rococó).

A gente tem o hábito ainda do paciente que teve uma crise você manda para

o João Machado. Eu acho que ainda tem aquela ideia que o João Machado é

o único hospital... eu não sabia que eu podia pegar um paciente meu e

mandar pra UPA (D_Caseado).

A terceira situação está materializada em linhas azuis e representa a proposta de fluxo

para o atendimento ao usuário em crise psiquiátrica decorrente de transtorno mental e foi

apresentada na oficina anteriormente referida. Vale salientar que este fluxo ainda encontra-se

em estágio embrionário, mas que apresenta potencial para oferecer uma resposta satisfatória

com vistas ao cuidado em território que se diferencia por retirar o protagonismo do PS/HJM

no atendimento à urgência psiquiátrica. No exemplo, o indivíduo entra na RAPS a partir da

APS, sendo de lá encaminhado para a atenção psicossocial especializada de onde segue

acompanhamento territorial. Ocorrendo uma urgência, o indivíduo segue para a UPA de

referência em seu território, sendo levado em ambulância do SAMU ou em veículo próprio.

Na UPA, seria feito o acolhimento com classificação de risco e a equipe então definiria se este

usuário seria estabilizado na própria UPA (com o auxílio de protocolos de atendimento e com

a retaguarda de uma equipe de referência alocada no HMN), retornando posteriormente ao seu

domicílio, ou se seguiria o encaminhamento para estabilização no HMN, onde o usuário

ficaria por um período máximo de 48h, de onde seguiria para domicílio, para o CAPS, para o

hospital psiquiátrico ou para o hospital geral, dependendo da necessidade. No cenário local, a

participação do CAPS III na atenção à crise é praticamente inexistente.

A partir da exposição e explicação dos fluxos encontrados na realidade da RAPS

Natal, é possível inferir as dificuldades vivenciadas pelos profissionais e usuários na busca

pelo compartilhamento do cuidado. Acreditamos que a ausência de fluxos pactuados, ou

estando esses fluxos em fase de construção, compromete o processo de articulação entre os

atores, tendo em vista que, em muitos casos, os serviços não se reconhecem enquanto

responsáveis por determinada demanda, fazendo com que o usuário fique vagando por

itinerários labirínticos, culminando com a superlotação dos serviços de atenção psicossocial

especializada e do hospital psiquiátrico. A este respeito, um dos sujeitos comenta durante

sessão de grupo focal:

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Uma coisa importante é ver esse fluxograma onde isso fique muito claro pra

equipe que compõe aquele lugar que em alguns serviços isso não é

compreendido pela equipe e aí a própria equipe questiona determinado tipo

de condução e isso é um fator bastante complicado (D_Brocatelo).

Esse déficit identificado na estrutura fundamental da RAPS Natal/RN representa uma

contradição significativa, já que é justamente o estabelecimento de fluxos e a pactuação entre

atores, serviços e setores que a compõem que fundamentam o seu estabelecimento enquanto

uma rede de saúde.

Merece destaque na figura 3 (página 74) as parcerias intersetoriais. Optamos por

incluí-las no desenho esquemático da RAPS Natal por acreditarmos na potência da

intersetorialidade – que é produzida a partir da própria rede – para o sucesso da continuidade

do cuidado em território, principalmente se considerarmos as peculiaridades socioeconômicas

do público ao qual se destina a referida rede de atenção. Outro ponto que despertou o desejo

de incluí-las/considerá-las foi o interesse em fomentar uma cultura da intersetorialidade, de

promover este despertar para as características sociais que permeiam a demanda por serviços

de saúde mental no Brasil. Almejamos conferir visibilidade aos arranjos intersetoriais como

um contraponto a subutilização desse tipo de articulação, especialmente no que se refere ao

estabelecimento dos fluxos assistenciais.

Mais uma vez, priorizando a inteligibilidade da figura, decidimos apresentar no

desenho uma representação dos serviços vinculados a outros setores, para além da saúde,

agrupados por semelhança das atividades que neles são desenvolvidas. Sendo assim, temos

que: no componente assistência social alocamos os serviços do tipo Centro de Referência de

Assistência Social (CRAS), Centro de Referência Especializado de Assistência Social

(CREAS), o Albergue Municipal e o Centro Pop; no componente Serviço socioeducativo

estão representados os Centros Educacionais (CEDUC´s) e o Centro Integrado de

Acolhimento ao Adolescente acusado de Ato Infracional (CIAD), ambos destinados a

adolescentes que estão cumprindo medidas socioeducativas; destacamos que são três as

unidades de acolhimento da assistência social encontradas no município de Natal, porém para

segurança dos indivíduos nelas abrigados o endereço é sigiloso e por este motivo aparecem no

desenho da rede distribuídas aleatoriamente no território. Para maior detalhamento dos

serviços e suas respectivas localizações confira-se o Apêndice D. Destacamos que foram

considerados no desenho aqueles serviços que mantem umas relação forte com a atenção

psicossocial, o que, no cenário estudado, aconteceu com os serviços da assistência social e os

socioeducativos.

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Lançando o olhar para os DS´s, percebe-se, mais uma vez, que o Norte I apresenta a

menor cobertura em termos de aparato Intersetorial diretamente relacionado à atenção

psicossocial, dispondo apenas do CRAS e da colaboração de igrejas e pastorais. Os demais

DS´s contam com o apoio da assistência social, de serviços socioeducativos, igrejas e ONG´s.

Destacamos que no DS Leste concentram-se os serviços da assistência social destinados à

população que vive em situação de rua – Albergue Municipal e Centro Pop –, dentre os quais

se encontram muitos usuários da atenção psicossocial, principalmente do CAPS AD III Leste.

Acreditamos ser esta uma localização estratégica, tendo em vista que o DS Leste é situado no

centro da cidade, local de grande circulação de pessoas e ponto em que se constata a

circulação e/ou permanência de pessoas em situação de rua.

É interessante ressaltar que o público do CAPS AD tem peculiaridades que

influenciam o fluxo pela rede com uma tendência de deslizamento para urgência/emergência

devido a crises de abstinência/overdose e para a assistência social. Questionamo-nos se este

deslizamento seria fomentado pelo próprio fluxo assistencial já implementado na realidade

municipal (e representado na figura 3 em linhas verdes) e que encaminha à UPA os indivíduos

em crise desencadeada por substância psicoativa. Nestes casos, a relação com a APS, apesar

de extremamente necessária, ainda é incipiente. Percebemos também uma relação forte entre

o CAPS i e os serviços da Assistência Social, assim como com as medidas protetivas voltadas

para o menor infrator, provavelmente porque muitos deles têm envolvimento com álcool e

outras drogas.

No caso dos CAPS voltados para atenção ao usuário com transtorno mental parece

existir uma melhor interação com a APS e com os serviços intersetoriais, porém essa relação

não representa a situação proclamada em portarias e cartilhas ministeriais. No caso dos DS

que não possuem cobertura CAPS, seja para transtorno mental ou para casos que envolvem o

uso/abuso de álcool e outras drogas, é mais comum a interação entre a APS e os serviços da

assistência social do tipo CRAS e CREAS.

Até aqui vimos o crescimento da RAPS Natal/RN em termos de expansão da

cobertura, de variedade de serviços instalados, de indícios de parcerias com instâncias

intersetoriais em busca da concretização de um cuidado integral em território.

Em contrapartida, identificamos fragilidades importantes para a organização e

estabelecimento desse aglomerado de componentes assistenciais enquanto uma RAS,

principalmente no que se refere à implementação de fluxos assistenciais, não apenas através

de atos normativos e pactuações entre secretarias e técnicos de referência, mas também

mediante a legitimação social dessas possibilidades de cuidado.

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Reconhecemos no caráter inacabado da RAPS Natal/RN um alinhavo em sua

expressão dialógica. Se por um lado, traz consigo as lacunas e dificuldades inerentes a um

modelo de atenção que tenta ganhar corpo mediante as aberturas proporcionadas pelas

transformações no modo de pensar e de fazer em saúde/saúde mental, por outro se evidencia

no inacabado a potência da plasticidade, a esperança, a possibilidade de reinvenção. É

partindo dessa rede alinhavada que pensaremos o cuidado em território.

5.1.2 O cuidado em território: bordando ilhas de resistência entre as remanescências do

manicômio

Com o auxílio das reflexões dos grupos focais e da circulação pela rede foi possível

reconhecer, ao desemaranhar e religar os fios soltos encontrados durante a realização desta

pesquisa, características do cuidado em saúde mental produzido no território.

Como é possível observar na figura 4, evidenciamos que características contraditórias,

dentre as quais algumas consideradas incompatíveis com o modelo de atenção psicossocial e

em rede, convivem lado a lado, gerando tensões e contradições na dinâmica do cuidado em

rede e influenciando os modos de articulação da RAPS – como veremos mais adiante, na

segunda categoria.

Figura 4 – Representação das características do cuidado em saúde mental evidenciadas no

território.

Fonte: elaborado pela pesquisadora com base nos dados da pesquisa, 2018.

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Iniciaremos o debate trazendo à tona aspectos que se configuram, a nosso ver, como

remanescências do manicômio materializadas em um simulacro de cuidado que envolve

características como medicalização, fragmentação, especialização não-comunicante e

desacolhimento.

A predominância de um caráter medicalizador no cuidado em saúde mental produzido

no cenário estudado se revela nos excertos abaixo e em outras passagens ao longo da

exposição e discussão dos resultados, ainda que agrupadas em outra categoria de análise.

Vejamos os recortes de falas:

Nós trabalhamos a saúde mental no território, mas a gente ainda observa que

o índice medicamentoso é muito alto e isso faz com que o nosso usuário crie

uma dependência. Talvez eles nem precisem, talvez o diálogo, uma escuta

qualificada reverta esse quadro da dependência medicamentosa (D_Areia).

Pessoas que perdem um ente querido ou qualquer coisa que aconteceu, que

naquele momento teve uma depressão e o médico passou um

antidepressivo... Eu tenho certeza que tem muito paciente que toma

psicotrópico por tomar, porque ´minha vizinha deu, eu me senti bem,

dormi‟... (D_Caseado).

Eu tô bem, já estabilizou a doença, tomo remédio, quando eu tô sentindo que

vou ficar um pouco mal eu procuro o CAPS – procuro a minha médica – e lá

ela ajusta o remédio aí eu fico de boa de novo (U_Estrela).

Debruçando-nos sobre as falas de Areia, Caseado e Estrela é possível perceber a

existência de uma prática associada ao uso indiscriminado do medicamento, que tem como

pano de fundo a medicação como recurso de escolha em detrimento do acolhimento e de

outras estratégias de suporte psicossocial, fato que já era apontado por Guarido (2007) quando

alertava para os avanços da medicalização como forma majoritária de intervenção terapêutica

em saúde mental na contemporaneidade. Além disso, encontramos indícios de uma

redefinição das formas de lidar com as dificuldades inerentes à vida humana em sociedade

que passam a ser “diagnosticadas”8 e tratadas como problemas médicos – a exemplo dos

processos de perda e luto, das inquietações provenientes da precariedade socioeconômica e do

desemprego, dentre outros aspectos.

A ideia da medicação como uma panaceia para os problemas da vida é discutida em

Dantas (2009, p. 564) que pensa “a medicalização como um conjunto de práticas que acabam

8 O termo encontra-se entre aspas porque é utilizado nesta passagem em alusão ao sistema de diagnóstico

médico-psiquiátrico baseado no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) que há décadas

vem assumindo a hegemonia no manejo da doença mental (e por que não dizer do doente mental?).

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consolidando o medicamento como uma resolução rápida para todo e qualquer problema da

vida”. Para a autora, o medicamento se apresenta como um aparato que, baseado em alta

tecnologia, promete solucionar as inquietações existenciais dos indivíduos.

Para Costa-Rosa (2013) a medicalização é um fenômeno social, cultural e subjetivo de

múltiplas determinações. Em uma crítica à razão medicalizadora que tem no consumo de

psicofármacos um sintoma social dominante, o autor discute a ampliação do termo

medicalização que pode ser aplicado à prática de qualquer trabalhador da equipe

interprofissional, basta que coloque no centro de sua ação a resposta-psicofármaco a priori;

ou que só consiga ver os impasses sob o prisma do médico, fazendo encaminhamentos

obrigatórios como sequência de sua prática; e opere no laço social o Discurso Médico,

respondendo com diagnósticos nosológicos.

Costa-Rosa (2013) aponta, em seu estudo, para a existência de um modo particular de

uso de psicofármacos nas práticas atuais de atenção ao sofrimento psíquico, subsidiando-se de

dados que revelam um aumento no uso de psicofármacos em diversos municípios da região

Sudoeste do Brasil, além da magnitude da prevalência da prescrição de ansiolíticos, de

antidepressivos e de estabilizadores de humor.

A este respeito, levantamento nacional sobre o uso indiscriminado de psicotrópico

publicado em informativo produzido pelo Fórum de Medicalização da Educação e da

Sociedade traz dados consideráveis acerca do consumo de Clonazepan no Brasil entre os anos

de 2007-2014. O que nos desperta particular interesse, justamente pelo relato de Caseado (um

dos sujeitos da pesquisa) ao debater sobre o cuidado em saúde mental:

Quando a gente vê o paciente já chega dizendo assim: ´eu tomo

Clonazepam!´; ´eu quero uma receita de Diazepam!´. (D_Caseado)

O Clonazepam é um benzodiazepínico prescrito para transtornos de ansiedade e de

humor, disponível no mercado em 68 diferentes formulações sendo uma delas o Rivotril®, da

Roche. O consumo de Clonazepam vem aumentando constantemente, tendo apresentado um

salto de mais de 200% nas vendas a partir de 2010. No ano de 2012 foi o 13° medicamento

com o maior volume de vendas em reais. Em 2013, o Brasil tornou-se o maior fabricante da

substância, ano em que o RN ocupava o quarto lugar no ranking de venda de caixas do

referido medicamento por cada 1.000 habitantes. Em Natal, capital do RN, o consumo foi de

51,425 caixas /1000 habitantes, superando o consumo da cidade de São Paulo e sendo o 3°

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maior consumidor de Clonazepam a cada 1000 habitantes do território nacional (FÓRUM DE

MEDICALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO E DA SOCIEDADE, 2015).

Há que se discutir também a posição que o remédio ocupa no imaginário popular,

como é possível observar na fala de Corrente (um dos sujeitos desta pesquisa):

Mas aí eu coloco na minha cabeça [que] é horrível [tomar medicação], mas é

ruim com ele e pior sem ele [o medicamento] (U_Corrente).

A este respeito, Costa-Rosa (2013, p. 183) pondera que “em meio à medicalização,

como representante social das respostas à dor, o indivíduo acaba não vendo outro recurso que

entregar-se ao médico e seu arsenal”. Como Simão Bacamarte – o alienista de Machado de

Assis – que recolheu à casa de orates praticamente uma cidade inteira e, em nome da ciência,

os segregou, experimentou e medicou. Enquanto isso, a população atônita assistia (e se

submetia!) aos desmandos do seu alienista (ASSIS, 2009).

A fala de Corrente faz pensar também sobre a existência de uma nova “política” de

enfrentamento da vida e de ajustamento de condutas, na qual o alívio praticamente imediato

produzido pela dureza da tecnologia se sobressai em detrimento do trabalho leve, sensível,

porém demorado – por ser contínuo –, inerente a outras estratégias de suporte psicossocial. O

fator “tempo-resposta”, aparentemente, vem ganhando espaço no cotidiano de serviços, de

usuários e da sociedade em geral.

É interessante retomar as falas de Caseado e de Corrente para, junto com Tesser

(2006), pensarmos a medicalização como um agente transformador da cultura das populações,

de modo a influenciar a capacidade de enfrentamento autônomo da maior parte dos

adoecimentos e das dores cotidianas. Para o autor, a medicalização social traz como um de

seus subprodutos a “bola de neve” crescente e infindável da demanda espontânea por atenção

médica para todos os tipos de problemas, queixas, dores e incômodos – o que poderá ser

observado ao discutirmos alguns dos problemas relacionados à estrutura operacional da RAPS

que emergiram durante a realização desta pesquisa, a exemplo da grande demanda por

atenção psiquiátrica, dificuldade de acesso dos usuários aos serviços especializados, dentre

outros.

Vale ressaltar que nossa intenção ao trazer a temática da medicalização para o debate

não é desfazer dos benefícios da medicação psicotrópica para o sujeito que apresenta

transtornos mentais ou está em situação de abuso de álcool e outras drogas, mas sim

problematizar a redução da segunda situação à primeira e pôr em questão, assim como

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Guarido (2007), os efeitos de um discurso que naturaliza a existência e os sofrimentos e que

revela a banalização do diagnóstico e o uso irrestrito de medicações como intervenção diante

da vida.

Refletindo sobre a medicalização enquanto o excesso indesejado de intervenções em

saúde, Camargo Jr (2010) traz para a discussão dois aspectos que julga fundamentais sobre a

temática: a existência de um complexo médico-industrial que traz a lógica comercial para a

área da saúde; e a possibilidade de criação de novas doenças ou expansão da definição das

existentes de modo a ampliar o mercado de consumo para determinadas drogas ou testes

diagnósticos. O autor ainda alerta para a manipulação do conhecimento como estratégia

mercadológica, o que se dá pela distorção de pesquisas científicas em prol de interesses do

complexo médico-industrial. Em nossa concepção, tais fatores não podem ser

desconsiderados no tecido de acontecimentos que influenciam a produção do cuidado em

saúde mental de base territorial.

Revisitando as reflexões e discussões produzidas durante as sessões de grupo focal,

aliadas às leituras sobre a temática, identificamos no caráter medicalizador do cuidado

produzido em território uma das remanescências do manicômio na RAPS Natal/RN. Novo

bordado com velhos fios?

Se a psiquiatria moderna inaugura a possibilidade de cura da loucura aprisionando-a

entre as paredes do asilo do século XIX, numa versão contemporânea vemos o aflorar de uma

nova fisionomia para o manicômio a partir da medicalização. Costa-Rosa (2013, p. 173) nos

fala sobre os suprimentos medicamentosos e sua capacidade de redesenhar as funções do

velho asilo, com as quais se repõe “pela via do consumo de medicamentos, todos os infelizes,

os queixosos desajustados, os improdutivos para o trabalho e para o consumo”, daí porque o

autor defende a desmedicalização como meta radical do Paradigma Psicossocial – impossível

ler este trecho e não rememorar o Hospital Geral do século XVII descrito em Foucault (2009).

Como alternativa à medicalização do discurso e das práticas no contexto da saúde

mental coletiva, defendemos, assim como Antonacci (2015, p. 29), a reorientação/reinvenção

de práticas alinhadas ao modelo de atenção oposto ao manicômio; “práticas capazes de

promover a construção de projetos de vida individuais e subjetivos no território das pessoas”

que sofrem com transtornos mentais, estimulando e popularizando outras estratégias de

suporte psicossocial como possíveis alternativas ao uso abusivo de psicotrópicos.

Uma segunda característica evidenciada no cuidado produzido em território diz

respeito à fragmentação da atenção e do próprio entendimento/reconhecimento da linha de

cuidado em atenção psicossocial. Vejamos os recortes:

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Porque a saúde mental é justamente um paciente que ele tem um tratamento

que vocês fazem [atenção especializada] e o que eu ofereço que é a urgência

e emergência (D_Aresta).

Porque a logística dos serviços ainda é direcionada em caixinhas, por

exemplo a caixinha do HIV, a caixinha do hipertenso, a caixinha do

diabético, a caixinha da saúde mental e essas caixinhas hoje não se

comunicam e é muito complicado (T_Coral).

Uma vez uma paciente chegou lá no CAPS [dizendo]: „mas eu soube que

aqui no CAPS tem tudo!‟ E eu digo: mulher, não tem! A gente vai precisar

“retalhar” um pouquinho. Vai ter um cuidado aqui e outro cuidado acolá,

termina que às vezes precisa articular um cuidado (D_Brocatelo).

Pensando sobre as falas de Aresta, Coral e Brocatelo percebemos que, apesar de se

colocarem como parte da rede – em passagens do tipo “as pessoas acham que rede é um

serviço, rede somos nós!” (D_Anjour) – é notória a dificuldade que alguns sujeitos da

pesquisa têm de aplicar uma “visão em rede” e de lidar com as diferentes funcionalidades

terapêuticas dentro da própria transversalidade que o trabalho em rede exige. Dificuldade esta,

provavelmente relacionada à própria formação em saúde de base flexneriana.

No depoimento de Aresta vemos a redução da saúde mental ao ato terapêutico, além

da separação entre o que é de responsabilidade da atenção especializada e o que é atribuição

da urgência e emergência. É fato que numa RAS cada componente desempenha funções

peculiares, no entanto, é preciso que exista uma lógica organizacional que a transversalize,

além de um sentimento de pertença e de responsabilização compartilhada entre os nós da rede.

Em Coral e em Brocatelo vemos homem e cuidado “retalhados”, situação que nos faz

relembrar Tesser e Luz (2008) quando comentavam sobre o “esquartejamento” que o saber da

biomedicina operou no doente, passando a privilegiar, em suas ações, as “doenças

biomédicas”.

Coral traz, em tom de crítica, a lógica reducionista de organização dos serviços de

saúde que ainda operam orientados por diagnósticos/patologias. Mas e o que existe entre esses

fragmentos? Aquilo que liga esses retalhos é simplesmente relegado à invisibilidade? Ao se

negligenciar a comunicação entre essas “caixas do saber”, se esquece que o hipertenso pode

ser também diabético, dependente químico e soropositivo para o HIV – e nesse caso, a que

rede pertenceria esse indivíduo “multipatológico”? Os excertos a seguir reforçam tal

questionamento.

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Os usuários da saúde mental têm um comprometimento clínico muito mais

agravado do que qualquer outro paciente crônico pelo uso prolongado das

medicações. Eles têm um índice de diabetes maior, um índice de hipertensão

mais [elevado]... [dificuldades] em relação ao cuidado odontológico... outras

comorbidades, digamos assim (D_Brocatelo).

Esse paciente psiquiátrico também precisa ter atenção clínica e essa atenção

clínica a gente não encontra na rede, muitas vezes (D_Margarida).

Os recortes apresentados expressam situações que envolvem organização dos serviços,

práticas profissionais e deixam escapar nas entrelinhas a existência de espaçamentos/lacunas

que, a nosso ver, são potencializados pela falta de comunicação entre os técnicos que estão à

frente dos serviços. São lacunas que contribuem para a quebra da continuidade do cuidado em

território e para o estabelecimento de “traços” ao invés de linhas de cuidado – como alerta um

dos sujeitos da pesquisa ao afirmar que “quando não há esse estreitamento [entre sujeitos] a

linha [do cuidado] não existe, são traços” (T_Folha).

A fragmentação de sistemas e práticas de saúde é preocupação antiga e expressa pela

primeira vez no Relatório Dawson, em 1920. As discussões atuais sobre a temática apontam

para a existência de um descompasso entre a situação de saúde das populações – caracterizada

por uma tripla carga de doenças – e as respostas sociais engendradas para enfrentá-las – foco

nas condições agudas ou agudização das condições crônicas (MENDES, 2011; OPAS, 2011).

Para a Organização Pan-Americana da Saúde, seria esta fragmentação a causa da

descontinuidade da atenção à saúde (OPAS, 2011).

A nosso ver, a fragmentação de sistemas e práticas de saúde não se relaciona,

exclusivamente, ao descompasso entre situação de saúde versus resposta do sistema. Como

também não seria a fragmentação o único responsável pelas dificuldades enfrentadas para o

cuidado continuado e em rede.

Pensando sobre a fragmentação evidenciada durante a realização desta pesquisa e

ensaiando a aplicação de um “olhar-caleidoscópio” sobre a situação, reconhecemos que uma

lógica fragmentadora flutua entre os micro e macro contextos da saúde. Imaginamos existir

uma linha invisível que atravessa e interliga desde a decomposição do corpo em partes

(sistemas, órgãos, células), perpassa (e orienta?) pela organização fragmentada de políticas e

sistemas de saúde – divisão entre condições agudas e crônicas, especialidades médicas,

diagnósticos – e resvala em práticas assistenciais segmentadas e com pouca (ou nenhuma)

comunicação com o contexto sociocultural de indivíduos e coletividades, reafirmando a

segmentação do ser humano nas esferas biológica, psicológica, social, cultural, espiritual.

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Resquícios da razão cartesiana na qual “separar para conhecer” é condição fundamental? De

certo que sim.

As RAS emergem num contexto de transformação nas formas de pensar e fazer saúde

que, considerando as mudanças no cenário epidemiológico e a necessidade de reorganização

do sistema de saúde, buscam transpor a barreira da fragmentação e, assim, oferecer respostas

compatíveis com as demandas de saúde da população. Entretanto, para que as RAS

estruturem-se em território, conquistem legitimidade social, e, de fato, rompam com a

fragmentação ainda persistente na lógica da atenção é fundamental reconhecer, assim como o

fazem Dias, Freitas e Gama (2013), que a noção de rede implica a existência de canais de

interlocução entre os diferentes serviços, reconfigurando o aglomerado de instituições de

saúde de diversos níveis de complexidade como uma rede articulada.

Diante a fragmentação evidenciada no cuidado produzido em território, seguiremos

pela via da integralidade como uma alternativa para a transposição dessa barreira que se

coloca frente à atenção em rede.

Roseni Pinheiro compreende a integralidade como um dos princípios doutrinários do

SUS, meio para concretizar o direito à saúde e como fim na produção de uma cidadania do

cuidado, no sentido de um cuidar integral. Para a autora, integralidade em saúde refere-se ao

“conjunto articulado de ações e serviços de saúde, preventivos e curativos, individuais e

coletivos, em cada caso, nos níveis de complexidade do sistema” (PINHEIRO, 2008, p. 256).

Mattos (2006), por sua vez, amplia o campo de debate ao buscar discutir os sentidos

da integralidade, ressaltando a polissemia do termo e tomando como ponto de partida alguns

dos sentidos de uso assumidos pela referida palavra. Traz, em sua obra, a integralidade

enquanto um conjunto de valores que funcionam como indicador da direção que se deseja

imprimir ao sistema, suas práticas de saúde e à transformação social. Sem negar a existência

de outros significados e aplicações para o termo, discute basicamente a integralidade em três

sentidos: como traço da boa prática médica, como modo de organizar as práticas e como

configuração de políticas especiais/específicas.

Enquanto um traço da boa prática médica, a integralidade se apresenta na maneira

como os profissionais de saúde respondem à demanda posta pelos usuários dos serviços,

buscando reconhecer no sujeito mais do que um sistema biológico disfuncional. No que se

refere ao modo de organizar as práticas de saúde, tem-se a integralidade como um princípio

de organização contínua do processo de trabalho nos serviços de saúde, que se caracterizaria

pela apreensão das necessidades de saúde de um grupo populacional mediante diálogo entre

diferentes sujeitos e entre seus diferentes modos de perceber as necessidades de serviços de

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saúde. Refere-se, ainda, às configurações de políticas públicas que incorporem medidas

voltadas tanto para a prevenção quanto para a assistência. De maneira geral, tendo por base

qualquer um desses três sentidos, “integralidade implica uma recusa ao reducionismo, uma

recusa à objetivação dos sujeitos e talvez uma afirmação da abertura para o diálogo”

(MATTOS, 2006, p. 65). Reconhecemos, assim como Nasi et al. (2009), que as diversas

dimensões da integralidade não são estanques ou lineares, mas se entrelaçam e se

complementam – e retroagem – tendo em vista a complexidade do objeto da saúde.

No campo da saúde mental, a integralidade vem se destacando impulsionada,

principalmente, pelo movimento de RPb que se desdobra, em sua dimensão técnico-

assistencial, na proposta da atenção em rede territorial de atenção ao sofrimento psíquico e às

vulnerabilidades decorrentes do uso/abuso de álcool e outras drogas. Ao serem incorporados

no âmbito da saúde mental, os princípios da integralidade põem em questão o paradigma

biomédico – hospitalocêntrico medicalizador (COSTA-ROSA, 2013) – soberano durante

séculos na orientação das práticas destinadas ao “doente mental” e abrem espaço para o

reconhecimento, no cotidiano dos serviços, de que o indivíduo que sofre é um todo indivisível

e social e, como tal, carente de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde/saúde

mental (NASI et al., 2009).

Diante do exposto, retomamos os discursos dos sujeitos, em especial o de Aresta, para

junto com Mattos (2004), defender que em qualquer nível de densidade tecnológica, qualquer

que seja a inclinação terapêutica do serviço, é fundamental para a atenção em rede que haja

uma articulação entre promoção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde dos

indivíduos, em defesa da vida.

Reconhecemos, pois, a fragmentação da atenção e do ser humano como um desafio à

concretização da RAPS e à continuidade do cuidado em saúde mental no território. Assim,

pretendemos com essa discussão, tecer um elogio à integralidade da atenção enquanto

alternativa para potencializar o acolhimento das necessidades da saúde mental em espaços de

liberdade, superando as dificuldades de articulação e corresponsabilização entre os serviços

de saúde, assim como sugerem Bedin e Scaparo (2011).

Isto porque compreendemos, inspirados em Bosco-Filho (2015, p. 119), a

integralidade como um “instrumento para que possamos pensar estratégias de religação no

universo da saúde”, já que, ao reconhecer a essência biopsicossocial do indivíduo, suscita

operadores conceituais e práticos para criação de pontes entre os “retalhos” anunciados por

Brocatelo e entre as “caixinhas das patologias” sinalizadas por Coral (ambos sujeitos desta

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pesquisa), para a religação entre a “parte” referente à atenção especializada e o “todo” da

atenção à saúde.

Uma terceira característica do cuidado produzido em território no cenário estudado

emerge das falas dos sujeitos como a busca e a presença marcante da especialidade médico-

psiquiátrica e do serviço especializado de suporte à saúde mental – o CAPS –, como vemos

nos recortes a seguir:

O psiquiatra do SUS, que eu faço [acompanhamento] lá no CAPS não tenho

o que dizer, super gente fina, faz o balanceamento dos remédios. Só é

complicado porque é de dois em dois meses só (U_Corrente).

Eu localizei nas Rocas em 2001 um médico, lá passei quatro anos [até que]

fechou e depois veio pra Ribeira, aí quando é agora fecha de novo. Pra não

dizer que não tem médico, tem um médico que vem de três em três meses e

passa um papel, mas esse papel se eu não tiver o dinheiro pra comprar não

tem o remédio (U_Nó Francês).

Mas quem disse que ele quer ir lá pra o médico de saúde da família?! Ele até

vai, mas ele vai pedir um encaminhamento pra o especialista... Quando

chega lá [no CAPS], se a gente faz o acolhimento e diz que ele não é pra lá,

é confusão (D_Anjour).

Durante as reflexões em grupo focal a medicação e a consulta com o médico psiquiatra

foram temas recorrentes nos três grupos. Parece ainda estar viva, não só no imaginário, mas

também no cotidiano de atores e serviços, a relação que se estabelece entre o indivíduo com

transtorno mental/abuso de drogas e a figura do médico psiquiatra. Com esta observação, não

pretendemos negar a importância das consultas especializadas para o cuidado continuado em

território. Nossa intenção é pôr em questão o modo como vem sendo realizadas tais consultas

e a relação de principalidade que elas continuam tendo frente ao repertório de estratégias de

suporte psicossocial disponíveis na atualidade.

Em Corrente, a satisfação com o profissional porque faz o balanceamento dos

remédios dá a tônica do discurso e deixa escapar nas entrelinhas que para o sujeito é isso que

importa ou que é isso que se espera no encontro com o profissional. Ao lamentar os encontros

“esparçados” com o psiquiatra e colocar este como um fator complicador (para o tratamento?

Ou para seu bem-estar psicológico?), Corrente nos faz refletir e questionar: estar na presença

do psiquiatra, indivíduo que naquele momento detém o saber-poder em relação ao mal que

aflige aquele indivíduo, o faz se sentir mais seguro? A figura do psiquiatra estaria associada

ao medicamento que, por sua vez, seria o ícone da saúde, passaporte para o transitar pela/com

a cidade?

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Reconhecemos o entrelaçamento de fatores que contribuem para a supervalorização da

especialidade psiquiátrica, principalmente quando assume um caráter não-comunicante com

os demais saberes implicados na atenção psicossocial. Tesser e Luz (2008) comentam sobre a

expertise que o especialista, “o curador”, detém e lhe permite interpretar as queixas do doente,

reorganizar o vivenciado dando sentido a ele e executar ações em saúde-doença, preventivas

e/ou terapêuticas – o que certamente proporciona ao usuário uma sensação de segurança e

esperança de que terá sua demanda atendida com a maior brevidade possível.

Vasconcelos e Mendonça-Filho (2009) colocam em discussão se a lógica que

funcionava no interior dos muros institucionais teria se estendido ao campo social, o que faria

com que fossem criadas com os serviços substitutivos, em especial o CAPS, novas formas de

cronificação de “doentes”, agora a “céu aberto” e com “muros invisíveis”. Imaginamos que a

lógica que conforma esses “muros invisíveis” se espalha pelas malhas (in)visíveis da

sociedade, fazendo retornar ao psiquiatra e ao serviço especializado o indivíduo “marcado”

pelo rótulo psiquiátrico (leia-se diagnóstico).

Rememorando a própria trajetória da loucura, como se vê em Foucault (2009), é

sabido da captura da “doença mental” pelo saber da ciência psiquiátrica desde o século XIX,

ainda que a partir do final do século XX tenhamos presenciado uma série de movimentos

contestatórios e de ruptura com o saber da psiquiatria clássica. É inegável que séculos de

hegemonia do saber médico-psiquiátrico e sua prática hospitalocêntrica, associada ao contexto

de ascensão capitalista e neoliberal que fomentou (fomenta?) a indústria da loucura, deixaram

marcas tanto nos modos de fazer da saúde mental – no que compete processos de trabalho das

equipes, organização dos serviços, até mesmo na (re)formulação de políticas públicas

(reportamo-nos às alterações sofridas pela PNSM através da resolução no

32 e da Portaria no

3.588, ambas no ano de 2017) – quanto no imaginário popular de usuários, familiares e da

sociedade em geral.

Ainda sobre a presença marcante da figura do psiquiatra – ícone da especialidade/ do

especialista – no cuidado em saúde mental produzido na RAPS Natal/RN acrescentamos à

discussão a ideia de uma “mentalidade hiperdisciplinar” (MORIN, 2001) – e o discurso de

Anjour sinaliza para essa questão – que concentra o saber sobre saúde mental/psiquiatria na

figura do psiquiatra. Julgamos que esta “mentalidade hiperdisciplinar” não seria exclusiva da

ciência, mas acabaria invadindo e sendo absorvida pelo senso comum, materializando-se,

grosso modo, em atitudes como a busca, por vezes desnecessária, pela consulta com o médico

especialista, assim como menciona o sujeito da pesquisa.

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Analisando a fala de Nó Francês, destacamos dois pontos que precisam ser

comentados, ainda que brevemente, em face da complexidade do fenômeno em análise nesta

tese. O primeiro é relacionado à frieza das relações entre profissional-usuário que se resume

na renovação de receitas, sinalizando para uma prática desacolhedora – que será discutida

mais adiante. O segundo ponto tem a ver com a influência das condições socioeconômicas no

cuidado de base territorial, principalmente quando este é pautado no uso da medicação e na

consulta médica.

É preciso considerar a participação dos determinantes sociais da saúde, no caso

específico, as condições socioeconômicas, na condição de vida e saúde do usuário da saúde

mental. Em análise bibliométrica sobre os determinantes da saúde no Brasil Carrapato,

Correia e Garcia (2017) alertam para a influência dos rendimentos materiais na condição de

saúde dos sujeitos, na medida em que permitem o acesso a bens e serviços que, de maneira

direta ou indireta, impactam na saúde – a exemplo de atividade física, aquisição de

medicação, atividades de lazer, terapias complementares, bom estado nutricional, além da

relação entre condição socioeconômica e o consumo de álcool e drogas.

Podemos reconhecer ainda, nas falas dos sujeitos, a marca da dependência subjetiva

em relação aos serviços e profissionais especializados. Os recortes abaixo sinalizam para essa

realidade:

Eu já ia na oitava vez querendo me matar, foi o [internamento] que salvou

minha vida. Deus em primeiro [lugar] e depois a clínica X. Os médicos

muito bons, os enfermeiros, o pessoal da cozinha, me trataram super bem

(U_Corrente).

Eu me sentia seguro, já dava uma força dando banho nos pacientes e os

enfermeiros ali sempre olhando se tava tudo bem [sobre período de

internações sucessivas em hospital psiquiátrico] (U_Pétala).

Para compreender as amarras subjetivas que ligam o cuidado em saúde mental à

especialidade e, por vezes, fazem com que usuários e profissionais recriem itinerários é

interessante considerar o histórico da saúde mental/psiquiatria e (re)visitar memórias do

manicômio – tendo sido algumas delas evocadas durante as sessões do grupo focal, relatos

definidos por um dos participantes como uma “descrição impressionante, tipo memórias de

cárcere manicomial com suas periculosidades, insalubridades, penosidades”

(U_RENASCENÇA).

Ao considerar a história de vida e de saúde/doença dos sujeitos torna-se compreensível

o fato do usuário, especialmente aquele que passou por experiências traumatizantes na

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instituição manicomial ou na vida social – como as sucessivas tentativas de suicídio de

Corrente – encontrar no serviço especializado e/ou no contato com o especialista segurança,

um “lugar comum” onde se possa fazer entender e, ao mesmo tempo, fugir de uma sociedade

que ainda não é tão “receptiva ao que lhe é diferente” – como apontava Yasui (2010). Por

outro lado, colocamos em questão a necessidade que o sujeito sente de pertencimento ou de

estar sob a responsabilidade de um serviço, ao ser liberado do internamento em hospital

psiquiátrico. Como se o serviço fosse um ponto de apoio, no qual estará sempre de prontidão

um profissional para lhe dizer o que fazer e por onde “andar sua vida”. Veremos, na categoria

5.2.2 Os nós da rede, que essas são questões que repercutem na própria articulação da RAPS

analisada por influenciar o estabelecimento de fluxos que circulam ao redor dos serviços

especializados e dificultar o compartilhamento do cuidado com os demais pontos da rede.

Refletindo sobre as falas dos sujeitos um questionamento aflora: estariam os serviços

especializados negligenciando o uso de estratégias para promover o empoderamento dos

usuários de modo que eles sintam-se capazes de desenhar seus próprios caminhos e formas de

“andar a vida”? Por outro lado: estariam os serviços da APS, enquanto coordenadora do

cuidado e ponto de intersecção entre as RAS temáticas, se omitindo a abordar, junto à

comunidade, temáticas que contemplem saúde e cidadania do sujeito que sofre com

transtornos mentais ou pelo abuso de drogas, lícitas ou ilícitas?

Com este último questionamento, provocamos a APS para a transposição do caráter

biomédico que vem permeando a educação em saúde desenvolvida nos referidos serviços,

privilegiando temáticas diretamente referentes aos processos do adoecimento dos corpos. É

preciso considerar a interligação – e por que não a interdependência? – que se estabelece entre

produção de saúde, produção de cidadania e produção de vida e a implicação da APS na

construção da cidadania do usuário da saúde mental.

Para pensar sobre os questionamentos formulados, enveredamo-nos pelos caminhos da

educação popular em saúde e sua potência enquanto prática da liberdade – Freire (2011) –,

para que esses sujeitos se tornem, de fato, atores da produção de cuidado e de saúde. Neste

ponto, relembramos Paulo Freire em sua Pedagogia do Oprimido e conclamamos o

desenvolvimento de processos de educação em saúde que visem o empoderamento, o estímulo

ao auto-cuidado e a potencialização de outros espaços do cuidar, para além do CAPS.

A Educação Popular em Saúde firma-se como portadora da coerência política da

participação social e das possibilidades teóricas e metodológicas para transformar as

tradicionais práticas de educação em saúde em práticas pedagógicas que levem à superação

das situações que limitam o viver humano com qualidade (BRASIL, 2007). Tal referencial

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parece-nos fundamental para que seja possível interagir com o meio social na tentativa de

empoderar sujeitos para interferirem em seus contextos sociofamiliares em prol de

transformações relacionadas ao convívio com indivíduos em sua existência-sofrimento.

Na área da saúde, mais especificamente tomando como base o nosso objeto de estudo,

podemos compreender como oprimidos os indivíduos em sofrimento psíquico e seus

familiares, que subjugados às ideologias e práticas dos profissionais, serviços, políticas de

saúde e estigmas sociais opressores, perpetuam sua dependência ideológica para com a

medicina e com o hospital psiquiátrico como o lugar social do “louco” e da cura da “loucura”.

Assim sendo, a “Pedagogia do Oprimido” desenvolve-se na perspectiva de superação

de uma educação bancária, na qual o educador “deposita” os conhecimentos no educando que

os recebem, guardam e armazenam, por uma educação problematizadora que estimula o senso

crítico e reflexivo do educando. Nesta perspectiva, a educação problematizadora se

fundamenta no diálogo educando-educador, visando instrumentalizar o homem para ser livre

e independente para transformar sua realidade (FREIRE, 2013).

Partindo dessas reflexões, e rompendo com o paradigma da educação para a saúde de

cunho estritamente biologicista, mecanicista e fragmentado, espera-se construir junto com

usuários e familiares a ideia de que eles têm autonomia para manejar as situações cotidianas

na perspectiva de recorrerem às internações psiquiátricas apenas em último caso, além de

adquirirem autonomia para gerenciarem, de acordo com suas peculiaridades, o

acompanhamento/tratamento em nível territorial.

Sem reforçar o discurso culpabilizante, pretendemos enaltecer o compromisso ético e

político de gestores e trabalhadores, de instituições de formação/educação profissional e de

pesquisa, de usuários, familiares e da sociedade em geral com a transformação social e com

uma nova forma de pensar e fazer em saúde – e sua interface com a saúde mental. Uma

reforma do pensamento que reconheça a complementaridade entre as especialidades para que

assim, a especialização, importante para atenção psicossocial, adquira um caráter comunicante

com as demais disciplinas e saberes, potencializando novos espaços de cuidado em

comunidade.

Durante as sessões de grupo focal emergiram indícios de uma prática desacolhedora

para com os usuários, seja na AB ou em outro ponto da RAPS, seja durante a circulação

desses indivíduos pela rede ou em consultas médicas especializadas.

Esclarecemos que o “desacolhimento” ao qual nos referimos não se trata do “antônimo

de acolhimento”, ou seja, de um “acolhimento hostil, indelicado”, tal como descrito em

dicionário da língua portuguesa (HOUAISS; VILLAR, 2009, p. 622). Pretendemos, sim,

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sinalizar para a lacuna de práticas de produção e promoção de saúde que implicam

responsabilização do trabalhador/equipe pelo usuário. O “desacolhimento” ao qual nos

referimos também põe em questão a ausência de uma escuta qualificada, com respeito às

queixas e às inseguranças dos usuários, como condição fundamental para análise da

demanda apresentada e garantia de uma atenção integral, resolutiva e responsável (BRASIL,

2010b).

Vejamos o que dizem os sujeitos da pesquisa:

Quando chega lá [no serviço] entra uma palavra que está muito em uso

verbalmente, mas ela não ocorre na prática, que é acolhimento. Muitas vezes

com a questão da escuta o paciente voltaria satisfeito de quem primeiro

escutou ele com qualidade e resolveria boa parte dos problemas. Como ele

não tem essa escuta, ele ganha mais um nicho no problema dele (D_Anjour).

Ele [o psiquiatra] apenas vai olhar por outro prontuário e aí pergunta e baixa

a vista. Aí vai e olha por aquele envelope passado, olha só assim e „tome, tá

aqui [a receita]! (U_Nó Francês)

O que acontecia, eu digo assim acontecia sendo bem otimista, era [o usuário]

chegar lá [na atenção básica], achar que a pessoa tem uma cara estranha e

dizer: „ Não, esse com essa cara estranha é pra o CAPS‟. Nem acolher, nem

escutar... (D_Treliça).

Eu acho que por Natal ser uma cidade avançada, nisso ainda tá muito

precário, ainda está engatinhando, justamente nessa receptividade

(U_Corrente).

Analisando os recortes das falas de Anjour, de Nó Francês, de Treliça e de Corrente,

de imediato percebemos que a lacuna deixada pela falta do acolhimento nas práticas de saúde

é notada tanto por técnicos quanto por usuários dos serviços. Indício preocupante, tendo em

vista a potencialidade do acolhimento enquanto postura ética, estética e política para a

valorização das subjetividades e singularidades dos sujeitos que circulam pelos serviços, para

a elaboração de Projetos Terapêuticos Singulares e para a organização dos fluxos

assistenciais. Postura ética, uma vez que se refere ao compromisso de acolher o outro em suas

diferenças, seus modos de viver, sentir e estar na vida; estética porque implica a invenção de

estratégias que contribuem para a dignificação da vida e do viver; política porque demanda o

compromisso coletivo de “estar com” o outro, potencializando protagonismos e vida nos

diferentes encontros (BRASIL, 2010b).

Anjour aborda a dificuldade de uma prática desacolhedora tanto na AB quanto nos

serviços de urgência e emergência – e isso fica claro durante sua participação nas discussões

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do grupo focal. Entende-se, pela fala do sujeito, que a lacuna deixada pelo desacolhimento

finda por atravancar os fluxos dentro da RAPS, visto que as queixas, por não serem escutadas

com qualidade, acabam gerando encaminhamentos equivocados, desestimulando o usuário

que vaga por fluxos labirínticos que se estabelecem aos arredores dos serviços especializados,

ainda que não seja lá o local indicado para atender a necessidade. Em Treliça, vemos o

preconceito balizar o atendimento e gerar encaminhamentos desresponsabilizados e fluxos

disparados por rótulos. Silêncio que parece gritar que “o lugar do louco é (agora) no CAPS!”.

As dificuldades para o acolhimento da pessoa em sofrimento mental na ESF é tema

recorrente na literatura da área. Encontram-se justificativas como despreparo e falta de

capacitação, insegurança do profissional no manejo com a pessoa em sofrimento psíquico e a

incipiência de ações de saúde mental na ESF – aí já ponderamos que a própria dificuldade da

equipe influencia também na incipiência de tais ações no contexto da ESF (ANJOS, ET AL.,

2015). Coutinho et al. (2015, p. 521), com base em revisão integrativa da literatura, afirmam

“que o processo de acolhimento ainda não está totalmente sistematizado nos modelos de

atenção à saúde, podendo ser esta a justificativa para as dificuldades apresentadas por

profissionais e usuários”.

Sobre estes aspectos, acrescentamos o preconceito fomentado por uma cultura

manicomial ainda arraigada no imaginário de técnicos e da sociedade em geral, os processos

de trabalho que, considerando a demanda crescente por atenção em saúde agravada pela

inconsistência das equipes de AB, dificulta a realização de atividades que demandem tempo e

sensibilidade, como é o caso do acolhimento. Some-se o fato da ESF ainda trabalhar com foco

em Programas específicos, em consonância com políticas focalizadoras e que, por vezes, não

se comunicam entre si.

Na fala de Nó Francês o desacolhimento se dá durante a consulta com o especialista,

situação na qual, supostamente, o indivíduo “marcado” pelo diagnóstico psiquiátrico teria

garantido um espaço de escuta. O que se vê, porém, é a ênfase na medicação e a humanização

da assistência lançada para “o outro lado da linha”. A fala do sujeito da pesquisa nos faz

ponderar se no atual contexto da atenção psicossocial o medicamento ainda é, para muitos

profissionais (especialistas!), a pedra angular do tratamento. Neste ponto, concordamos com

crítica formulada por Anjos et al. (2015) ao constatarem que quando se delega ao

medicamento esse papel de centralidade, está implícita nessa postura a reafirmação da

concepção de que o sofrimento encontra-se no corpo físico – uma espécie de elogio à velha

separação mente/corpo –, sendo o remédio capaz de promover compensação e fazer retornar o

equilíbrio.

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Ao nos depararmos com situações como as expressas nas falas de Nó Francês, Anjour,

Corrente e Treliça nos questionamos quem, de fato, foi posto entre parênteses: a doença,

como conclamou Franco Basaglia, ou o sujeito? Num contexto mais ampliado poderíamos até

cogitar como seria possível sustentar o ideal de rede de atenção à saúde mediante o

esmaecimento das tecnologias leves de cuidado, com a negligência da micropolítica das

relações e do trabalho vivo e o embrutecimento das sensibilidades.

Reconhecemos a importância do acolhimento para a reorientação do modelo técnico-

assistencial em saúde e para fazer fluir o caminhar dos usuários pelas RAS. No campo da

saúde mental coletiva admitimos, assim como Jorge et al. (2011), a exigência de tecnologias

leves, aliadas à perspectiva emancipatória de operar o cuidado em conformidade com os

pressupostos da RPb – visando construção da autonomia, corresponsabilização e exercício da

cidadania – como condição fundamental para a integração de serviços e organização das

redes.

Isso porque é no processo de escuta e acolhimento que se processa a interpretação

mútua entre o que o serviço pode oferecer e o que usuário deseja em sua vida cotidiana, o que,

por sua vez, contribui com a construção de relações dentro das práticas de saúde que buscam a

produção da responsabilização clínica e sanitária e a intervenção resolutiva. Neste

movimento, têm-se a reestruturação do cuidado integral em saúde mental, com a transposição

de conceitos como “patologia” e de diagnósticos psiquiátricos, ressaltando a subjetividade e a

singularidade de cada indivíduo que é atendido (JORGE et al., 2011; PINHEIRO, 2008).

De tal modo, a argumentação até agora construída nos permite traçar uma linha de

raciocínio que religa acolhimento - articulação de redes – integralidade - continuidade do

cuidado em território. É justamente por aceitarmos essa relação de interdependência

recursiva que julgamos pertinente o debate.

No desacolhimento evidenciado no cuidado produzido no cenário estudado

identificamos uma das remanescências do manicômio. Firmamos nossa posição no

reconhecimento de características como a negação de um espaço de fala/escuta e valorização

da subjetividade, a participação do usuário resumida ao seguimento de um fluxo de

encaminhamento, por vezes equivocado, a comunicação entre técnicos e usuários restrita a

transmissão unilateral e verticalizada de informações que, na maioria das vezes, se referem

ao uso da medicação – numa espécie de mortificação do eu daquele sujeito “portador de um

transtorno mental”. A impressão que dá, ao ler os relatos dos sujeitos da pesquisa , é que são

dois mundos sociais e culturais diferentes que caminham juntos com um ponto de contato

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oficial – o diagnóstico psiquiátrico –, mas sem interpenetração, características que nos

remetem às instituições totais descritas por Goffman (1961).

Face aos indícios de uma prática desacolhedora evidenciada no cotidiano da RAPS

Natal/RN, defendemos como alternativa a ideia de um binômio “acolhimento-

compartilhamento” como estratégia potente para a continuidade do cuidado à saúde mental

em território. Um binômio, para reforçar a noção de inseparabilidade entre o acolhimento e o

compartilhamento do cuidado para fazer fluir a atenção em rede territorial. Anjour, um dos

sujeitos da pesquisa, tece comentários neste sentido:

Como eu acolho vai fazer totalmente a diferença e como eu encaminho esse

paciente, para qual [serviço] ele deveria ser encaminhado vai fazer outra

diferença mais imensa ainda (D_Anjour).

Sai de cena a noção de encaminhamento, pois nos remete à ideia de indicação de

caminhos que poderão ser seguidos, ou não, sem que haja, necessariamente, uma

responsabilização do profissional para com o usuário. Convoca-se, então, a ideia de

compartilhamento do cuidado de modo que usuários e trabalhadores de diferentes serviços

estejam igualmente implicados na construção e concretização das possibilidades de cuidado

em território. Assim como no artesanato dos galos para a tessitura das manhãs, em João

Cabral de Melo Neto9, é mister que o profissional que recebe o usuário – no que está implícita

a escuta e o acolhimento do seu “grito” –, lance-o a outro profissional que o recebe e, por sua

vez, lança-o a outro, num movimento contínuo, responsável e orientado pelas necessidades de

saúde do indivíduo, interligando serviços e setores, tecendo a RAPS.

Até aqui, discutimos sobre características do cuidado em saúde mental de base

territorial produzido no cenário estudado que, a nosso ver, se configuram como

remanescências do manicômio no cotidiano da RAPS. Reconhecer o uso indiscriminado de

psicotrópicos, a fragmentação de sujeitos e práticas, a especialização não-comunicante, com

centralização na figura do médico psiquiatra, e o desacolhimento nos faz pôr em questão o

cuidado produzido em território e perguntar, em analogia à canção10

, “que cuidado é esse”?

Partimos, então, do entendimento de cuidado como “um „modo de fazer‟ que se

caracteriza pela „atenção‟, responsabilidade‟, „zelo‟ e „desvelo‟ „com pessoas e coisas‟.

Enquanto uma das dimensões da integralidade em saúde, o cuidado suscita acolhimento,

vínculos de intersubjetividade, escuta dos sujeitos, “trabalho interdisciplinar e articulação dos 9 Para mais informações conferir o poema “Tecendo a manhã” de autoria de João Cabral de Melo Neto,

disponível na epígrafe do presente trabalho. 10

“Que país é esse?”, música de autoria de Renato Russo, gravada pela banda brasileira de rock Legião Urbana.

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profissionais, gestores dos serviços de saúde e usuários em redes, de modo que todos

participem ativamente, para a ampliação do „cuidado‟ e fortalecimento da rede de apoio

social” (FIOCRUZ, 2009, tl 1). Assim, o cuidado pressupõe capacidade de escuta e

disponibilidade para acolher e interagir com os sujeitos que demandam atenção em saúde. No

âmbito da saúde mental, o cuidado também deve ser orientado para a busca da reabilitação

psicossocial dos sujeitos e da reinserção deles na comunidade (NASI et al., 2009).

Utilizando como subsídio a compreensão de cuidado a qual nos afiliamos, julgamos

que o cuidado em saúde mental de base territorial, nos modos como evidenciado durante a

pesquisa, não vem sendo desenvolvido em sua plenitude, comprometendo a potencialidade

que a atenção territorial e em rede possui. Seria, então, um simulacro de cuidado que ainda

não incorporou o modelo de atenção em rede, tampouco o ideal de clínica ampliada?

Aceitamos que modificar as práticas na direção de uma ampliação da clínica se

traduz no enfrentamento da clínica ainda hegemônica que toma a cura da doença como

objeto, que reduz a avaliação diagnóstica à objetividade positivista clínica e/ou

epidemiológica e que define a intervenção terapêutica considerando, predominantemente, os

aspectos orgânicos (BRASIL, 2009b). Neste sentido, reconhecemos que se faz necessário o

estranhamento das práticas, pôr em questão como estamos cuidando, como estamos

compartilhando com os demais serviços e setores implicados com a atenção psicossocial.

Buscar incorporar a proposta da clínica ampliada – de compromisso com o sujeito, de

reconhecimento dos limites dos saberes, de fomento da corresponsabilidade entre os

diferentes sujeitos implicados no processo de produção de saúde e de defesa dos direitos dos

usuários (BRASIL, 2009b) – parece-nos fundamental para pensar alternativas de

transformação rumo à qualificação do cuidado em saúde mental no território e à efetivação da

RAPS.

Em contraste com esse cenário um tanto desolador, encontramos no caminhar por

serviços e estratégias que compõem a RAPS Natal/RN e durante as sessões de grupo focal

evidências de transformações da atenção em saúde mental, para além da ampliação da

capacidade instalada. Tais mudanças refletem a saúde pensada em outra perspectiva, uma

“nova” forma de olhar e de realizar o cuidado compartilhado, as quais, inspirados nas

mensagens de esperança redigidas pelo professor João Bosco Filho, chamamos de “ilhas de

resistência” (BOSCO-FILHO, 2015).

Sob influência de pensadores como Joel de Rosnay, Conceição Almeida, Ilya

Prigogine, Edgar Morin, Bosco-Filho resolve apostar em “ilhas de resistência”, ou seja, em

experiências de boa gestão do setor saúde, nas quais o autor “deposita” suas esperanças de um

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futuro melhor para a saúde brasileira. Sem desconhecer os diagnósticos negativos, opta por

trilhar caminhos que possibilitem o enfrentamento das dificuldades e a organização de novas

possibilidades (BOSCO-FILHO, 2015).

Assim, nesta pesquisa, consideramos “ilhas de resistência” as experiências exitosas

com as quais nos deparamos ao longo da caminhada, nos encontros e desencontros que

afloram da/pela pesquisa científica. São iniciativas pontuais, umas com maior visibilidade

social, mas que conferem fôlego aos movimentos de RPb e à concretização da RAPS no

cenário local. São iniciativas de compartilhamento do cuidado, estratégias de suporte

psicossocial como Tenda do Conto, Tapera da falação, trabalho com grupos terapêuticos em

USF, caminhadas, além de fóruns, oficinas e capacitações que têm como público-alvo

trabalhadores dos diversos serviços da saúde e da assistência social.

Para nós, essas “ilhas de resistência” são bordadas com fios de esperança pelas mãos

de talentosos artesãos empenhados em redirecionar caminhos, transpor muros reais e

imaginários, fazer a RAPS acontecer no dia-a-dia de atores e serviços.

Das iniciativas observadas em território, elencamos o desenvolvimento de oficinas e

capacitações, disparadas tanto pela SMS quanto pela UAP/HUOL, voltadas para os diversos

componentes da RAPS Natal/RN, possibilitando a criação de um espaço para o diálogo e

promovendo a sensibilização dos profissionais para a lógica do cuidado psicossocial em rede,

além da existência de um movimento em nível estadual de reuniões mensais entre a

coordenação estadual de saúde mental e diretores de todos os CAPS do RN.

O esforço empreendido pela gestão municipal e distrital (aquela que responde por cada

DS) é reconhecido também durante as sessões de grupo focal, como identificado nos recortes

abaixo:

Todos esses conceitos de matriciamento, de acolhimento, eu acho que a

coordenação de saúde mental tem essa preocupação desde o ano passado

[2016] promovendo muitas oficinas, fóruns, capacitações exatamente porque

é um processo difícil. Porque é muito tempo cada um no seu quadrado e não

acontecendo essa articulação (D_Treliça).

A gestão [em nível de DS] hoje acredita em um compartilhamento [do

cuidado] e ela toma isso pra si e tenta fazer com que os serviços se reúnam

(T_Escada).

Eu não sei se foi estratégia do município de Natal de criar fóruns entre os

serviços e nesses fóruns as pessoas se encontram e falam e isso aproxima... e

a gente tá conseguindo resolver melhor, sem culpabilizar o outro, e se apoiar

(T_Abelha).

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Durante a circulação pela RAPS Natal/RN tivemos a oportunidade de participar de

algumas dessas iniciativas. De fato, reconhecemos nesses eventos um espaço potente para

construção de vínculos, para a sensibilização à essência do cuidado em rede, para a abertura a

novos horizontes que apontam para práticas de saúde compartilhadas entre os profissionais de

diferentes serviços, além do setor saúde. No entanto, reconhecemos que esta é, ainda, uma

discussão atrelada aos serviços, na pessoa dos técnicos e gestores municipal e estadual.

Julgamos, então, que seria interessante ampliar esse espaço de discussão de modo a envolver,

no debate, os usuários, familiares e a academia – docentes, discentes e pesquisadores da área,

numa tentativa de fazer esse debate sair do serviço e ocupar os espaços da cidade.

A “nova” forma de olhar para a saúde mental e para o sujeito que sofre, assim como de

buscar estratégias, ainda que pontuais, de compartilhamento do cuidado e de suporte

psicossocial são evidenciadas em alguns momentos da discussão grupal. Vejamos:

Antes a gente ficava muito fechado no nosso próprio território, dentro de

quatro paredes. A gente até brinca [dizendo que] a gente não vai

ressocializar ninguém entre quatro paredes. A gente tem que ir pra o mundo

(T_Abelha).

A gente se preocupa pra evitar internações e fortalecer esse cuidado com a

rede e com a família. Porque hoje não é mais o paciente do CAPS, o paciente

do HUOL. É o paciente da rede, é o paciente da RAPS, é o paciente da linha

[de cuidado]... É um compartilhamento do cuidado, não é uma

responsabilidade só do serviço (T_Cordonê).

O tratamento hoje é um pouco mais humanizado. Você não é uma doença,

você está com uma doença momentaneamente. Já pensou uma gripe por 10

anos? Você é um gripado, um gripado compulsivo, um gripado recorrente! É

terrível isso! (U_Renascença).

Sobre a fala de Abelha, gostaríamos de pontuar a experiência que tivemos durante o

período de circulação pela RAPS Natal/RN. Acompanhamos atividades realizadas fora das

paredes do serviço, a exemplo do grupo de caminhada composto por técnicos e usuários de

um CAPS da cidade. A atividade, que é realizada toda terça-feira pela manhã, acontece no

Parque das Dunas e representa um momento de convívio e interação grupal entre os usuários

do serviço e entre eles, a natureza e a comunidade. Entretanto, percebemos que essa saída do

espaço físico do serviço especializado ainda assume mais uma característica de atividade

disparada/estimulada/vinculada ao serviço especializado do que uma postura empoderada e

cidadã do usuário que busca desbravar os espaços da cidade.

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O comentário de Cordonê nos fez lembrar uma sessão de compartilhamento do

cuidado que tivemos a oportunidade de participar no serviço em que o referido sujeito

trabalha e que aconteceu durante o período de circulação pela rede. Na ocasião, foi possível

perceber a preocupação e o compromisso da equipe com a continuidade do cuidado em

território. As reuniões de compartilhamento do cuidado acontecem entre profissionais de

diferentes serviços da rede, com abrangência multidisciplinar e intersetorial, para elaboração

do Projeto Terapêutico Singular (PTS) do usuário, programação da alta hospitalar e

planejamento do cuidado continuado em território. Essa é uma atividade que é desenvolvida

para todos os casos atendidos no serviço (REGISTROS FEITOS EM DIÁRIO DE CAMPO,

2017).

Apesar de termos evidenciado a predominância de um caráter medicalizador do

cuidado produzido em território, vimos também a utilização de outras estratégias de suporte

psicossocial, implementadas em algumas USF no município. São iniciativas que, ainda que

pontuais, vão conquistando espaço na APS, fazendo a diferença na construção de práticas

inovadoras, abertas às sensibilidades e que buscam romper com a lógica da doença. Vejamos

os recortes a seguir:

São experiências [nas quais] a gente vem desenvolvendo uma ação

preventiva... Tenda do conto, Tapera da falação... É mais uma escuta, é a

partir dali que o usuário vai recordando lembranças, pessoas que perdeu.

Então tem todo um [cenário montado em cima das memórias do usuário],

objetos antigos lembrando a infância... (D_Areia).

A gente fez uma roda, uma terapia, e a gente viu que esse pessoal que

tomava psicotrópico, que tava com a vida meio agitada, muitos

melhoraram... Gosto muito de trabalhar com parceria com o CRAS, com as

igrejas, com ONG´s, tem o CREAS também e eu acho que é uma ótima

parceria pra gente pra trabalhar esses grupos terapêuticos (D_Caseado).

As atividades relatadas por Areia trabalham a saúde mental no território de maneira

transversal, são iniciativas que vem fazendo a diferença na realidade municipal. Caseado, por

sua vez, comenta sobre uma iniciativa voltada para o público que, aparentemente, tem um

histórico psiquiátrico, o que julgamos um avanço dadas as dificuldades de acolhimento ao

público da saúde mental no contexto da APS – situação que será discutida em maior

profundidade na categoria 5.2.2 Os nós da rede.

A tenda do conto surgiu em 2007 nas unidades de saúde de Panatis e Soledade I,

ambas localizadas na Zona Norte de Natal (DS Norte II), chegando a receber menção honrosa

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no seminário nacional de humanização em 2009. Os encontros para compartilhamento das

narrativas de vida acontecem no galpão da unidade de saúde, que é ambientada por

trabalhadores e usuários. Cada indivíduo leva para ornamentar a tenda algum objeto afetivo

que represente um momento significativo na vida daquele sujeito e que possa ser

compartilhado com os demais. Os encontros representam um espaço aberto à escuta e são

movidos por princípios como respeito à vida e acolhimento de singularidades e diversidades.

“A cada encontro, novos horizontes surgem convocando trabalhadores e usuários a uma

reversão da lógica medicalizante que enfraquece o outro, reduzindo-o à sua doença, para uma

concepção de saúde ampliada, potencializadora e produtora de vida” (ARAUJO et al., 2017,

p. 116; BOSCO-FILHO, 2015).

Merece destaque também a “Tapera da falação”, atividade mencionada no discurso de

Areia. A Tapera da falação é uma roda de conversa na qual usuários e profissionais da ESF

contam suas vivências passadas e presentes. As atividades são destinadas as áreas do conjunto

Potengi, Zona Norte de Natal (DS Norte II), bem como as áreas denominadas brancas, que

são locais fora da área de cobertura da unidade de saúde. Acontecem mensalmente, em um

espaço externo à unidade – nas dependências da Associação de Idosos Julieta Barros –, em

parceria com as organizações sociais do bairro e conduzidas por enfermeiros e ACS. Com

esse momento de falação da vida, de contação de histórias reais, almeja-se aliar o acolhimento

do serviço de saúde ao cidadão e partilhar informações importantes sobre cuidados, prevenção

e tratamento de doenças. A Tapera da falação também tem um viés cultural, pois através da

participação de sanfoneiros, emboladores de coco e artistas populares visa resgatar a cultura

nordestina, ao passo que transforma o momento de compartilhamento de cuidado e de vidas

em um espaço de cultura, lazer, entretenimento e informação (OLIVEIRA et al., 2017).

As vivências grupais envolvendo profissionais e usuários são de fundamental

importância, pois fortalecem os vínculos entre a comunidade e o serviço e entre os próprios

usuários que, mais que uma comunidade geográfica, transformam-se em uma comunidade

afetiva, uma verdadeira rede de apoio social. Outro ponto a ser considerado é que ao se

trabalhar situações que afligem os usuários e a comunidade, está se trabalhando a saúde

mental de maneira transversal e na perspectiva da prevenção, inclusive do suicídio. São

atividades como estas que fortalecem a APS, qualificam o cuidado e possibilitam a construção

das redes de saúde.

Durante as reflexões provocadas nos grupos focais emergiram sinais de abertura dos

serviços especializados para os recursos terapêuticos disponíveis no território, com evidência

de circulação de usuários pelos espaços da cidade. É o que se extrai dos fragmentos abaixo:

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O Centro de Convivência [CC] foi muito positivo. Eles [os usuários] tinham

algumas vocações, alguns interesses que ainda estavam escondidos e por

sentirem que [no CC] não é exclusivo da saúde mental... A gente já viu uma

evolução em alguns desses pacientes e a diminuição no número de dias dele

dentro do serviço (T_Coral).

Conhecer o Onofre Lopes lá do outro lado mundo em Petrópolis, conhecer o

campus [universitário], não só caminhar, mas nadar, dançar, como o CC está

oferecendo zumba agora, por que a gente só dança zumba no CC? Tem

zumba na praça pública, tem lá no Parque das Dunas. Tem que circular, tem

que caminhar... (U_Renascença).

O que tiver pra eu fazer eu faço, vou lá no CC, tem as oficinas de artesanato,

tem a dança do ventre, tem meditação. Aonde tiver um canto pra eu ir, uma

festa de aniversário, um passeio, se quiser passear só ou com um amigo...

(U_Pétala).

Nós toda sexta feira se encontra junto com um bocado de estudante e aí a

gente troca ideias, quando não caminha com as pernas, caminha com a

mente (U_Nó Francês).

Nas falas de Coral, de Renascença, de Pétala e de Nó Francês vemos, além da abertura

do serviço especializado para outros recursos terapêuticos, como sinalizado anteriormente, o

despontar do CC como uma estratégia potente para inclusão social e desenvolvimento de

práticas alternativas de cuidado. Dos recortes, temos três pontos a destacar, os quais serão

explicitamos nos parágrafos que se seguem.

A primeira observação refere-se à participação do CC no cotidiano da RAPS

Natal/RN. Na visão do profissional, aparece como um recurso terapêutico importante para a

redução do tempo de permanência do usuário dentro do serviço. Na vivência do usuário, o CC

exala liberdade e movimento, exercício de corpo, mente e cidadania.

O CC é uma unidade pública que faz parte das RAS, alocada no componente Atenção

Primária. Foi instituído mediante a portaria ministerial no 396 do ano de 2005 e vinculado à

RAPS através da portaria no 3.088/2011. Constitui-se enquanto espaço aberto à população em

geral, oferecendo um ambiente de sociabilidade, produção e intervenção na cultura e na

cidade, convívio e sustentação das diferenças na comunidade e construção de laços sociais.

São equipamentos estratégicos para a inclusão social das pessoas com transtornos mentais e

em situação de abuso de álcool e outras drogas, sendo recomendados para os municípios com

mais de 200.000 habitantes (BRASIL, 2011a; BRASIL, 2005).

Em pesquisa cujo objetivo foi identificar os efeitos da participação nas atividades

promovidas por um CC do Rio de Janeiro, Alvarez, Silva e Oliveira (2016) constataram que o

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referido serviço desenvolve um trabalho privilegiado para o exercício da autonomia daqueles

que lá frequentam. Identificam como maior potência do CC a capacidade que o serviço tem de

ocupar os espaços públicos da cidade, produzindo uma autonomia construída coletivamente

através da convivência e dos bons encontros que são também produtores de saúde. Não opera

sozinho, mas em inter-relações com parceiros e com usuários, trabalhando o “viver-com” a

comunidade e com o outro na criação de redes de interdependência.

Diante da representatividade e da potencialidade do CC no cotidiano da RAPS

Natal/RN, reconhecida por técnicos, usuários e coordenação municipal de saúde mental,

resolvemos visitar o serviço, mesmo não sendo este cenário da pesquisa.

O CC de Natal iniciou suas atividades em julho de 2017, a partir da extinção do

ambulatório Zeca Passos, que ficava localizado no bairro da Ribeira – Zona Leste da cidade.

Atualmente, atende a demanda espontânea e a encaminhamentos, sendo o acesso a este

serviço não burocratizado. Apesar da maioria dos frequentadores serem usuários

encaminhados pelos CAPS da cidade e outros tantos antigos usuários do extinto ambulatório,

o CC de Natal/RN não é específico para usuários da saúde mental, a ideia é de integração

entre as pessoas da comunidade na ocupação deste espaço, potencializando-o. Lá são

desenvolvidas várias atividades que se propõem a trabalhar o corpo, a mente e a inserção

social dos sujeitos, além de funcionar como ponto de encontro da comunidade. O CC se

coloca como um disparador de fluxos dentro das redes e busca mesclar o institucional e o

comunitário. Mantem contato mais estreito com os CAPS, com os CnaR e com o movimento

da População em Situação de Rua atuante na cidade. Sobre a interlocução com as USF,

informam estar em processo de aproximação. Também promovem encontros e debates

buscando integrar os vários serviços do DS Leste, acadêmicos, usuários e familiares na

discussão (REGISTROS FEITOS EM DIÁRIO DE CAMPO, 2017).

Identificamos durante a realização da pesquisa que a relação com o CC é disparada, na

maioria das vezes, pelo serviço especializado – os CAPS –, mas também é multiplicada pelo

usuário. Inquietou-nos o fato de, mesmo estando alocado no componente APS – conforme

especificações da portaria no

3.088/2011 –, o CC parece estar à margem, sem contato com os

demais serviços da APS, como USF e NASF, e mais próximo do serviço especializado, o que

é um fator limitante para o propósito de integração comunitária do CC. Imaginamos que esta

dificuldade esteja relacionada ao próprio contexto histórico e político em que foi

regulamentado o CC, visto que no momento de sua instituição, no ano de 2005, este foi posto

como “dispositivo público componente da rede de atenção substitutiva em saúde mental, onde

são oferecidos às pessoas com transtornos mentais espaços de sociabilidade, produção e

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intervenção na cidade” (BRASIL, 2005, tl. 1). Só com a publicação da portaria no

3.088, no

ano de 2011, é que esse discurso é atualizado e o CC passa a compor uma alternativa de

interação cultural e social aberta a toda comunidade (BRASIL, 2011a).

O segundo ponto que destacamos, a partir dos recortes das falas dos sujeitos, se refere

a livre circulação dos usuários pelos espaços da cidade. A leveza com que falam sobre esse

caminhar pela cidade, não necessariamente por serviços – sejam eles especializados ou não –,

exala liberdade e empoderamento dos modos de “andar a vida”. Para nós, um indicativo de

que é possível sair do labirinto que circunscreve os serviços especializados – CAPS e hospital

psiquiátrico –, transpor os muros físicos e mentais que insistem em separar o que é da ordem

da saúde e o que é da ordem da “doença mental”.

Por fim, elencamos como terceiro ponto de observação, mas não necessariamente

nesta ordem de importância, o exercício do pensar implícito nas falas dos usuários

participantes da pesquisa e que se manifesta mais claramente na fala de Nó Francês ao afirmar

que “quando não caminha com as pernas, caminha com a mente”. Isto nos faz pensar sobre a

potência transformadora do encontro entre usuários e grupos de estudantes universitários e

reafirma a relevância social – e porque não dizer acadêmica? – do tripé ensino-pesquisa-

extensão. Por outro lado, relembramos o cogito cartesiano, que rememorado em Foucault

(2009), nos fez refletir sobre a potência aniquiladora desse constructo para a existência do

“louco”. Agora, diante da fala de Nó Francês, nos deparamos com a retomada da autonomia e

do empoderamento que foram, provavelmente, construídos pelo convívio com a sociedade e

com a universidade.

Ao discutir sobre as experiências exitosas evidenciadas na RAPS local, aceitamos que

são as “ilhas de resistência” que dão o mote para a desconstrução das remanescências do

manicômio, rumo às boas práticas em saúde mental, à efetivação da RAPS em território e à

concretização da RPb. Boas práticas no sentido de unir informações sobre direitos humanos e

injustiças sociais, evidências científicas e experiências – principalmente a experiência das

pessoas com transtornos mentais e seus familiares – na consolidação de práticas que vem

dando certo no âmbito da saúde mental e coletiva, como propõem Thornicroft e Tansella

(2010).

Assim como os movimentos em prol de uma reforma psiquiátrica no Brasil

conclamaram “uma sociedade sem manicômios”, finalizamos esta primeira categoria

“gritando” pela integralidade do cuidado em saúde! Integralidade para enfrentar o

reducionismo que fragmenta o indivíduo em corpo/mente, que segmenta o sujeito em órgãos e

sistemas doentes – no caso, em “mente doente” – e reduz o cuidado em saúde mental aos

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aspectos psiquiátricos dessa condição, ao passo que supervaloriza o especialista e a

especialidade, que prioriza o psicotrópico em detrimento de outras estratégias de suporte

psicossocial. Integralidade para pensar a organização dos serviços, fazendo crescer o

acolhimento enquanto postura ética, estética e política e ampliando a clínica. Integralidade

para negar o recorte que reduz o indivíduo à “doença” e que o retira do contexto social-

econômico-cultural em que vive e realiza suas trocas.

A seguir, veremos os modos de articulação evidenciados na RAPS Natal/RN, tentando

compreender o círculo recursivo que se estabelece entre os referidos modos e as

características do cuidado em saúde mental produzido no cenário estudado.

5.2 SOBRE A ARTICULAÇÃO DA RAPS: O RELIGAR DE FIOS E DE “NÓS”

ALINHAVANDO A REDE

Com as estratégias adotadas para a realização desta pesquisa emergiram os principais

modos de articulação da RAPS Natal/RN. Foi possível evidenciar que os diversos atores,

serviços e setores se utilizam de diferentes estratégias para manterem conexões entre si,

conformando variadas engrenagens que, ocorrendo simultaneamente, fazem seguir o caminhar

do usuário pela rede, com vistas à continuidade do cuidado em território.

Observamos durante a circulação por serviços e estratégias da RAPS Natal/RN a

discrepância entre as duas pontas do sistema, no que se refere ao conhecimento sobre a rede e

seu funcionamento, assim como ao poder de decisão e ação em relação à linha de cuidado em

atenção psicossocial, ao estabelecimento de fluxos assistenciais, como também às iniciativas

para promoção da articulação da rede. De um lado a gestão municipal, mais especificamente a

coordenação municipal de saúde mental, e seus apoiadores, sendo a UAP/HUOL o principal

deles. Em outro extremo, os profissionais que estão desempenhando suas atividades nos

serviços de saúde, especialmente naqueles que compõem a APS. Percebemos que várias

iniciativas são disparadas pelos entes que estão no topo do sistema, porém essa potência vai se

fragmentando e ao entrar em contato com a complexidade dos diversos contextos assistenciais

acaba esmaecendo. Aceitamos que não só o poder hierárquico, mas também as afinidades

temáticas, aqui expressas na organização do trabalho e das redes pela especialidade

psiquiátrica, podem estar implicadas no cenário encontrado.

De modo geral, a imagem que os sujeitos da pesquisa têm em relação à RAPS

Natal/RN é de uma rede fragilizada por limitações relacionadas à sobrecarga dos serviços, à

burocratização das relações e à fragmentação da gestão da rede.

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Tudo é difícil porque a rede ela está muito sobrecarregada, tá muito furada

[risos discretos], tá muito fragilizada (T_Coral).

Ela [a rede] é frágil, é insipiente demais (D_Anjour).

A RAPS tá invisível? Não tá invisível. Ela está burocratizada, está

fragmentada na esfera Estadual, Ministério da Saúde na esfera federal,

UFRN, NESC11

, Saúde Coletiva, mas as pessoas não veem...

(U_Renascença)

A imagem de uma rede que “não dá certo” ou da incipiência, não apenas da RAPS,

mas do modelo de atenção em rede como um todo, não é exclusividade dos sujeitos da

presenta pesquisa, como é possível visualizar nos estudos que abordam a temática

desenvolvidos por Dimenstein et al. (2012) e por Silva e Mota (2016).

Em Dimenstein et al. (2012), pesquisa que se propôs a conhecer a configuração,

funcionamento e modos de acolhimento na RAPS de Natal-RN entre os anos de 2010-2012

com foco na atenção à crise, os autores comentam sobre a percepção que se tem da

desarticulação da rede, da falta de clareza e de propostas comuns de trabalho. Os autores

reconhecem em discursos como “a rede não existe; a rede é inoperante; não há integração”,

uma “dificuldade de conceber a rede não como algo etéreo e transcende, mas como uma

malha viva de articulação entre atores que se comprometem, trocam conhecimentos e pactuam

responsabilidades, logo, que todos fazem parte do cenário e são coparticipes” (DIMENSTEIN

et al., 2012 p. 108).

Silva e Mota (2016) realizaram investigação sobre o atual estágio das RAS no Brasil,

na qual buscaram avaliar o nível de interesse e participação dos gestores no processo de

regionalização da saúde, além de conhecer como eles avaliavam a qualidade e a oferta dos

serviços de saúde.

Com a pesquisa, constatou-se que, na verdade, os gestores estão mais interessados do

que envolvidos no processo de regionalização. Em relação à oferta e qualidade das ações

foram mais bem avaliadas a APS e a vigilância em saúde, sendo a RAPS e as demais redes

temáticas avaliadas de forma negativa tanto em relação à oferta/disponibilidade de serviços

quanto no que diz respeito à qualidade das ações desenvolvidas. Sobre a organização das

redes, evidenciaram como itens problemáticos a continuidade do cuidado e o fluxo de

informações dentro da região de saúde (o que não ocorre no tempo oportuno), além de

11

NESC: Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva. Entidade vinculada ao Departamento de Saúde Coletiva da

UFRN.

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dificuldades relacionadas ao estabelecimento de papeis e responsabilidades entre os

profissionais da saúde dentro das RAS, problemas de organização das ações e serviços de

saúde no formato de RAS, no seguimento de protocolos e diretrizes terapêuticas e na

participação em fóruns intersetoriais para enfrentamento dos Determinantes Sociais da Saúde.

Na conclusão, os autores pontuam como desafios para a regionalização da saúde os fluxos de

informação, a continuidade do cuidado, a participação dos gestores estaduais no processo e na

configuração das RAS, a atuação das Comissões Intergestores Regionais e o desconhecimento

de grande parte dos gestores sobre o Contrato Organizativo da Ação Pública da Saúde –

COAP (SILVA; MOTA, 2016).

Ao longo da pesquisa, evidenciamos a coexistência de dois modos de articulação que,

baseados em Almeida-Filho (2006), identificamos da seguinte maneira: o primeiro como

sendo o modo racional de produzir essas interconexões, ou seja, a implementação de sistemas

instituídos/institucionalizados para fins de articulação da rede; o segundo modo de

articulação, mas não necessariamente nesta ordem de importância, é marcado pelo “mundo-

pequenidade” dos atores envolvidos no processo. Esclarecemos que o “mundo-pequenidade”

se refere às engrenagens (in)visíveis utilizadas pelos atores – diretores, trabalhadores e

usuários – como estratégia de escape à burocracia inerente ao compartilhamento do cuidado,

facilitando, assim, a manutenção das interconexões necessárias ao estabelecimento da rede

(ALMEIDA-FILHO, 2006). Reconhecemos no “mundo-pequenidade” dos atores forças

instituintes que atuam nos e para os processos de articulação da RAPS.

Esses modos de articulação são a primeira vista antagônicos – se considerarmos o

nível de formalidade ou institucionalização aos quais estão subjugados –, porém identificamos

traços complementares entre eles, principalmente no que se refere ao componente

intersubjetivo que os permeiam. Esta é uma tendência que revela a dialogicidade desta rede,

que, em sua natureza, é essencialmente complexa.

Chama atenção o fato de esse ter sido um tópico discutido basicamente pelos técnicos

dos serviços participantes da pesquisa – diretores e trabalhadores. Apesar das tentativas de

introduzir a temática nas duas sessões de grupo focal com os usuários, percebemos que esta

ainda é uma discussão que está sob o domínio técnico, o que é compreensível se

considerarmos o histórico da saúde mental brasileira – e por que não dizer da formulação e

discussão de políticas públicas? – que ainda hoje mantem a sociedade em geral à margem do

processo. Questionamo-nos também se este seria um indício de uma prática, ainda

hegemônica, de manipulação dos corpos e das vidas por aqueles (os profissionais) que detêm

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o saber/poder sobre as situações de saúde-doença e sobre a organização dos sistemas e

serviços de saúde.

Ponderamos, em consonância com Quinderé, Jorge e Franco (2014), que os

movimentos de articulação das RAS são construídos cotidianamente com base no trabalho

vivo em ato. Assim sendo, a articulação das RAS é inerente aos processos de trabalho em

saúde, estando, por conseguinte, mais próxima do discurso dos trabalhadores. Dias, Freitas e

Gama (2013, p. 154) comentam que “rede de atenção em saúde é uma concepção utilizada por

profissionais da saúde, com referenciais não necessariamente compartilhados com os usuários

do sistema”, os quais colocam as demandas com base nas suas próprias concepções acerca do

processo saúde-doença e do papel do sistema como um todo em seu cotidiano.

Identificar o silêncio dos usuários sobre a temática nos diz que não estamos

implicando esses atores no manejo de sua existência-sofrimento, muito menos na construção

das RAS com o protagonismo proclamado em Leis e portarias ministeriais. Julgamos

pertinente pensar a articulação da rede também pela óptica dos usuários que são igualmente

importantes nesses movimentos de tessitura de redes, tanto pelo papel protagonista que, em

tese, assumem na organização dos sistemas de saúde – já que, em tese, é em virtude das

demandas dos usuários que se organizam os serviços – quanto pelas interconexões que

realizam durante o caminhar pelo território, nos encontros com os profissionais de saúde e

com a comunidade.

Iniciaremos a exposição e discussão dos resultados alocados nesta categoria

comentando os modos formais de articulação da RAPS evidenciados no cenário estudado.

Identificamos como estratégias formalizadas e instituídas para fins de interlocução entre os

elementos que compõem a referida rede temática de atenção à saúde o uso do Sistema

Nacional de Regulação (SISREG) e do apoio matricial em saúde mental.

Vejamos os recortes:

A gente tem que marcar pela regulação. Ele [o usuário] chega pra gente,

entrega a fichinha, a gente pega os dados dele e fica lá. Então é uma

dificuldade que a gente tem de marcar para a psiquiatria (D_Caseado).

O apoio matricial é o nosso “carro-chefe” pra fazer essa interação com os

profissionais da rede. A gente tenta fazer por ciclo na APS, cada unidade tem

uma peculiaridade que a gente vai descobrindo e vai fazendo uma análise

diagnóstica pra poder intervir (T_Abelha).

Existe regulação de leitos, paciente entra na UPA é leito de UTI? Você tem

que regular para hospital pelos serviços pré-hospitalares, esse existe desde a

criação da UPA... [Para os casos de urgência psiquiátrica] [Como] no

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momento eu não tenho um amadurecimento como nós temos dos leitos de

UPA é necessária uma comunicação de diretor para diretor (D_Aresta).

Debruçando-nos sobre estes recortes, destacamos três aspectos para debate.

Primeiramente, percebe-se mediante os relatos, que as formas de religação entre fios e nós

vão variar de acordo com os componentes da RAPS envolvidos nesse processo. Em se

tratando da busca de articulação entre os serviços da APS e os serviços da atenção

psicossocial especializada – CAPS – temos a utilização da marcação de consultas

psiquiátricas via SISREG e realização de matriciamento. Entre os componentes da Urgência e

Emergência e Atenção Hospitalar a articulação parece se estabelecer através de regulação de

leitos – através do SISREG ou via formulário de solicitação de leitos psiquiátricos enviados

para e-mail institucional (REGISTROS FEITOS EM DIÁRIO DE CAMPO, 2017) – e

encaminhamento via serviço pré-hospitalar, usando o protocolo de consultas construído para

este fim.

O fato de existirem diferenças no que se refere às características das conexões

estabelecidas intra/inter componentes da RAPS já era mencionado por Arruda et al. (2015) ao

comentarem que cada conexão estabelecida em uma rede de saúde tem peculiaridades e se

estruturam de acordo com características regionais, culturais e sociais. Acrescentamos que os

corpos de conhecimento e as práxis de cada profissional, de cada serviço e de cada setor, ou

até mesmo a posição que cada elemento assume dentro da rede também exercem influência

nesses modos de articulação – são projetos assistenciais diferentes, como pontua Lettiere

(2014), o que, por vezes, tensiona a dinâmica do trabalho em rede. Imaginamos tais relações

como fios de texturas diferentes tecendo um bordado final.

Um segundo aspecto que pontuamos diz respeito à dificuldade relatada na fala de

Caseado e que foi evidenciada também durante nossas visitas para observação da rotina em

serviços da RAPS Natal/RN. Na ocasião, ouvimos relatos sobre a escassez de vagas

disponibilizadas via SISREG para atendimento especializado em psiquiatria, o que cooperou

para a formação de uma demanda reprimida, com usuários em lista de espera por consulta

psiquiátrica desde o ano de 2016 (REGISTROS FEITOS EM DIÁRIO DE CAMPO, 2017).

O SISREG é um sistema de informações on-line disponibilizado pelo DATASUS para

o gerenciamento e operação das centrais de regulação. É um programa, um software, que

funciona por meio de navegadores instalados em computadores conectados à internet,

composto por três módulos independentes: a Central de Marcação de Consultas, cuja

funcionalidade é basicamente oferta de consultas e exames especializados e controle de fluxos

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assistenciais; a Central de Internação Hospitalar, que objetiva agendar, autorizar e

acompanhar a alocação e a disponibilidade de leitos, controlar o fluxo hospitalar e os limites

de solicitação de procedimentos; e Autorização de Procedimentos de Alta

Complexidade/Custo (APAC), que visa acompanhar encaminhamentos desse tipo de

procedimentos de saúde (CONASS, 2018; BRASIL, 2011b).

A regulação vem assumindo no cotidiano dos serviços e das RAS um sentido restrito à

regulação do acesso do usuário ao serviço de saúde. Sem a pretensão de penetrar os meandros

da regulação em saúde, interessa-nos comentar que, em tese, o processo regulatório atua sobre

o acesso dos cidadãos e sobre a oferta de serviços, subsidiando o controle sobre os prestadores

de serviços, seja para ampliar ou remanejar a oferta programada. A regulação do acesso deve

exercer também a função de orientar a programação da assistência, assim como o

planejamento e a implementação das ações necessárias para melhorar o acesso dos usuários

aos serviços de saúde especializados, isto porque se estabelece com base em protocolos

clínicos, linhas de cuidado e fluxos assistenciais definidos previamente. De tal modo, a

programação assistencial passa a se basear nas necessidades de saúde da população e não na

disponibilidade de oferta (BRASIL, 2011b).

Entretanto, o que se vê no cenário estudado é o acesso dos usuários aos serviços

especializados sendo regulado pela disponibilidade de oferta, ou pela falta dela. Como não há

oferta suficiente para a demanda, simplesmente os usuários ficam sem atendimento, gerando,

na APS, filas de espera para encaminhamentos. Para equilibrar esta tensão acarretada na rede,

profissionais – diretores e trabalhadores – acabam se utilizando dos vínculos interpessoais,

tendo o médico à frente da negociação, enquanto que os usuários findam por recorrer à porta

aberta do CAPS na perspectiva de terem sua demanda contemplada.

Unindo as discussões dos grupos focais às observações feitas durante a circulação pela

RAPS Natal/RN a impressão que se tem é que a atividade de regulação – exercida via

SISREG – vem atuando como uma espécie de “cancela” do sistema de saúde: abre passagem

quando há disponibilidade de oferta e fecha o acesso ao sistema quando já não há mais vagas

nas agendas dos profissionais especialistas. Com esta observação pretendemos alertar para a

regulação enquanto estratégia de planejamento, programação, avaliação e reorganização dos

sistemas de saúde e para o SISREG enquanto dispositivo de articulação da rede.

Ainda sobre a articulação da RAPS via SISREG, pensamos sobre as limitações dos

sistemas e aparatos computacionais quando estes passam a atuar como pontes entre um

usuário que apresenta uma necessidade de saúde específica e o profissional que irá suprir

aquela demanda – como é o caso da marcação de consultas via SISREG. Nesse processo

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reflexivo, interessa-nos pensar junto com Manuel Castells que, tendo como base sua

observação sobre a distância entre a globalização e a identidade, pondera que quando a rede

desliga o ser, este constrói seu significado sem a referência instrumental global (CASTELLS,

2005). Nesses termos, imaginamos que quando o software “desliga” o indivíduo, ou seja,

quando o SISREG fecha as possibilidades de continuidade no sistema de saúde mediante a

oferta dos serviços especializados, os sujeitos movimentam-se em busca de outras estratégias

de acesso, seja pelos vínculos interpessoais ou pela recriação de rotas alterando os fluxos

assistências.

O terceiro ponto que colocamos em discussão emerge da fala de Aresta. Neste

fragmento, o sujeito comenta como se dá a articulação entre a UPA e os demais serviços das

redes e explica como acontece quando se trata de casos de urgência psiquiátrica. Sobre essa

passagem, um ponto de estranhamento: se existe em nível municipal uma pactuação e um

fluxo implementado de atenção à urgência psiquiátrica desencadeada pelo uso de SPA que

inclui a UPA como ponto de atendimento, por que persiste a diferenciação explicitada na fala

de Aresta? Seriam, então, os rótulos que determinam os modos de articulação da rede?

Na fala do sujeito da pesquisa está implícito um dos gargalos da RAPS que se refere à

participação do componente Urgência e Emergência na atenção à crise psiquiátrica. Durante a

circulação em território observando e conhecendo rotinas e atores em interconexões, já

despertávamos para a diferença existente entre a UPA, as USF, os CAPS, a enfermaria de

saúde mental alocada no hospital geral no que se refere às lógicas organizacionais, ao perfil

dos trabalhadores, à estrutura física e ambiência. Começamos a pensar como seria possível

fazer fluir uma linha de cuidado através de micro e macro espaços marcados por diferenças

expressivas, numa rede de fios interrompidos. Na subcategoria 5.2.2 Os nós da rede,

aprofundaremos a discussão sobre a problemática da urgência/emergência no contexto da

atenção psicossocial em rede. A priori, admitimos ser fundamental buscar a

complementaridade nas diferenças, reconhecendo a intersetorialidade – dentro e fora do setor

saúde – como imperativo para a articulação das RAS.

Tomando por base os excertos de falas apresentados a seguir, há que se problematizar

o matriciamento enquanto instrumento potente para articulação da rede. Vejamos:

Ano passado [2016] foi meio que uns rumores que o tratamento deles

[usuários da saúde mental] seria feito dentro da unidade [UBS] também.

Como é que vocês chamam quando a unidade [UBS] faz parte desse

tratamento terapêutico? (T_Folha).

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Eu acredito que o matriciamento tem que começar com a psicoeducação para

eles entenderem como é esse público, como é essa rede de saúde mental pra

depois a gente começar a discutir os casos, mas infelizmente acontece o

contrário (T_Matiz).

Você está legal aí ela [a psiquiatra do CAPS] dá pra você [uma ficha de

encaminhamento] discriminando tudo que você está tomando, aí você vai pra

UBS do bairro e o clínico geral pega, olha sua ficha aí faz a receita pra você

pegar e eu pego no CAPS o medicamento (U_Rococó).

Fragmento do diálogo que aconteceu em uma das sessões de grupo focal:

– Você sabe o que é matriciamento? Eu confesso que é grego. Parece palavra

lá do alto planejamento (U_Renascença)

– Você vai continuar seu tratamento sem precisar de tá com o psiquiatra todo

tempo, aí você vai pra o clínico geral (U_Rococó)

– Mas o clínico geral não é psiquiatra (U_Haste)

–Ele vai fazer só sua receita dos medicamentos pra você ir pegar ou então

comprar porque tá cheio demais o CAPS, tá muito cheio (U_Rococó)

– Aí pega e empurra pra clínico geral tratar (U_Corrente).

Sobre as falas de trabalhadores e usuários apresentadas acima, o primeiro aspecto que

pontuamos refere-se à dificuldade que os profissionais têm de compreender o matriciamento,

o que se expressa na fala de Folha, mas que não é exclusividade deste sujeito. Durante o

período de circulação pelo território ficou evidente a fragilidade, especialmente na APS, em

relação ao saber e ao fazer que envolvem o apoio matricial, apesar de reconhecerem a

necessidade de tal prática para o cuidado em saúde mental no território (REGISTROS

FEITOS EM DIÁRIO DE CAMPO, 2017).

Um segundo tópico que enfatizamos nesta discussão, refere-se à dificuldade que os

usuários têm de entender o que é o matriciamento e de reconhecer a importância dessa prática

e do compartilhamento entre APS-CAPS para a continuidade do cuidado em território,

evitando reinternações e potencializando outros espaços do cuidado para além dos serviços

especializados em saúde mental. No fragmento de diálogo entre diversos usuários durante

uma das sessões de grupo focal é possível perceber, além de equívocos relacionados à lógica

do apoio matricial em saúde mental, o caráter medicalizador e a reprodução de uma lógica

medicalizante nas ações compartilhadas entre a APS e o CAPS, como vimos também na

categoria 5.1. Este fragmento nos reporta à primeira categoria de análise apresentada como

resultado desta pesquisa, quando debatíamos sobre os traços da medicalização e a

supervalorização da especialidade médico-psiquiátrica evidenciados no cuidado produzido em

território no contexto estudado.

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O terceiro aspecto está relacionado à fragilidade – para não dizer negligência – do

componente educativo do matriciamento, situação que fica evidente na fala de Matiz e que

podemos perceber também nas entrelinhas da transcrição do diálogo entre os usuários

participantes da pesquisa.

A partir dos discursos dos sujeitos, interessa-nos pensar sobre o matriciamento em

saúde mental sob dois ângulos distintos entre si, porém interligáveis e inter-relacionáveis. De

um lado, a relação de apoio/suporte técnico-pedagógico que se estabelece entre as equipes

multiprofissionais. De outro, a forma como essa relação, que é ao mesmo tempo clínico-

assistencial e técnico-pedagógica, se materializa em ações voltadas para os usuários dos

serviços da saúde e se traduzem nos modos como os sujeitos vivenciam tal experiência.

Assim sendo, reconhecemos que o matriciamento, sob a perspectiva de serviços e de técnicos,

implica educação permanente, compartilhamento de saberes e de responsabilidades,

construção coletiva de projetos terapêuticos; para o usuário, resulta em compartilhamento do

cuidado, livre circulação pelos serviços da rede com potencialização de outros espaços de

cuidado, além de educação popular em saúde para subsidiar a compreensão da lógica

organizacional do cuidado em território.

O matriciamento ou apoio matricial constitui-se em um novo modo de produzir saúde

no território, no qual duas ou mais equipes – a equipe de saúde referência (equipe matriciada)

e a equipe especializada (equipe matriciadora) – trabalham na construção coletiva de projetos

terapêuticos junto à população. O apoio matricial em saúde mental deve combinar elementos

de atenção clínica com características pedagógicas, a fim de estimular o raciocínio, o diálogo

e o compartilhamento de saberes, evitando a prescrição de condutas por parte da equipe

especializada e proporcionando um espaço de estímulo ao crescimento das competências da

ESF relacionadas à saúde mental. Quando desenvolvido nesses termos, o apoio matricial se

constitui em ferramenta de transformação, tanto do processo saúde-doença quanto da

realidade das equipes e das comunidades, principalmente pela possibilidade de se realizar uma

clínica ampliada e a integração dialógica entre distintas especialidades e profissões

(CHIAVERINI, 2011).

Neste ponto, julgamos pertinente relatar a experiência vivenciada durante a circulação

em território, na qual tivemos a oportunidade de participar de uma reunião de matriciamento

realizada em um dos DS da cidade, na qual estavam presentes representantes de CAPS,

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CREAS, NASF e Núcleo de Atenção à Saúde (NAS12

) do respectivo DS. As reuniões de

matriciamento do DS em questão acontecem sempre uma vez ao mês no auditório de um

CAPS. Durante as reuniões, são realizadas atividades como partilha e discussão de casos com

sugestões para possíveis resoluções das problemáticas elencadas, considerando os recursos

disponíveis no território. Percebemos que o matriciamento, apesar de sua importância

incontestável para a articulação da RAPS, é um dispositivo ainda subutilizado em Natal/RN,

tendo, cada DS, uma dinâmica própria para a sua realização. Ao final da reunião ficamos a

nos questionar o porquê desses encontros se realizarem entre as paredes do serviço

especializado. Acreditamos que esse momento que é tão rico deveria estar mais próximo da

rotina e do espaço físico das USF e do contexto territorial dos usuários. Outro aspecto que

pontuamos nesta experiência específica (e que não podemos afirmar se acontece com

frequência no cenário estudado) é a lacuna deixada pelos serviços de atenção básica

(USF/UBS), ou seja, pelos serviços que, em tese, seriam o público-alvo do matriciamento

(REGISTROS FEITOS EM DIÁRIO DE CAMPO).

São várias as barreiras enfrentadas por atores e serviços para a implementação do

apoio matricial em saúde mental, em que pese sua potencialidade enquanto articulador das

RAS. Uma das dificuldades enfrentadas é relatada por Chiaverini (2011) e refere-se à

desconstrução do que os profissionais da ESF entendem por saúde mental, para que assim seja

possível desvincular as práticas de saúde mental das atitudes voltadas para a doença mental –

diagnóstico, consultas especializadas e medicação. É preciso reconhecer também que tanto o

profissional matriciador quanto os matriciados são fontes de educação para a população,

desmistificando a loucura no imaginário social, promovendo a ressocialização da pessoa com

transtornos mentais, potencializando o acesso aos serviços de saúde e a adesão ao tratamento

(CHIAVERINI, 2011). Quando este componente pedagógico é negligenciado, como vimos na

fala de Matiz, o matriciamento deixa de ser realizado em plenitude, o que, certamente, traz

implicações para a articulação da rede.

Em se tratando do cenário municipal, Britto (2014), ao analisar as ações desenvolvidas

pelo NASF referentes ao apoio matricial em saúde mental, atenta para dificuldades

relacionadas à insuficiência de recursos humanos e de serviços substitutivos de saúde mental,

em que pese a relevância do matriciamento como instrumento de trabalho que influi

ativamente sobre crenças, valores e costumes de indivíduos e coletividades. A autora também

12

O Núcleo de Atenção à Saúde é um serviço que na época estava em construção e foi criado na perspectiva de

trabalhar junto com o NASF oferecendo suporte às equipes de saúde da família e às unidades básicas de saúde.

Naquele momento (julho de 2017), contava com psicólogo, assistente social, fisioterapeuta e enfermeiro.

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comenta sobre a prática incipiente do diálogo interdisciplinar e do compartilhamento de

consultas e de visitas domiciliares por equipes multiprofissionais na atenção básica de

Natal/RN devido ao estigma da loucura no ideário social. A autora pondera que a

insuficiência de ações de educação permanente destinadas à qualificação em saúde mental

contribuem para a insegurança em relação ao acolhimento e acompanhamento de usuários,

enfatizando que as incertezas acerca do saber/fazer apoio matricial em saúde mental

fragilizam a integração dos profissionais e dos serviços. Por fim, reconhece que as ações do

NASF Natal/RN ainda não compõem um elo estruturado junto às RAS, há fragilidade nas

discussões sobre apoio matricial e escassez de profissionais que desempenham a referida

prática (BRITO, 2014).

Em estudo sobre as ações de saúde mental realizadas por equipes de APS em todo

território nacional, Dimenstein et al. (2018) constatam que o matriciamento, apesar de

referido, não é operacionalizado em mais de 50% das equipes, seja nas UBS, NASF ou por

iniciativa dos CAPS. O agendamento e acompanhamento de casos de saúde mental pelos

serviços da APS não acontece, o que sinaliza para a falta de um cuidado regular e continuado

em território. Esse quadro se agrava nas áreas consideradas como vazios assistenciais que,

para os autores, são aquelas áreas sem nenhum serviço substitutivo de saúde mental. De tal

modo,

“o apoio matricial, que se revelou como uma ferramenta pouco utilizada na

qualificação clínica e suporte técnicopedagógico, poderia constituir-se como

um dispositivo potente para que as equipes se desintoxicassem do discurso

sedativo e saíssem da passividade fatalista, do dogmatismo insuportável, do

empobrecimento das intervenções, e dos estereótipos que tornam os

profissionais impermeáveis à alteridade singular tão recorrente nos serviços

de saúde” (DIMENSTEIN et al., 2018, p. 83).

Considerando as falas dos sujeitos da pesquisa e o diálogo com a literatura da área, nos

inquietam os prejuízos que compreensão e prática distorcidas do apoio matricial podem trazer

ao processo de articulação da RAPS. Pelo que foi possível evidenciar ao longo da pesquisa,

esses déficits tem a ver com a (re)criação de rotas assistenciais que se estabelecem mais pela

falta de conhecimento sobre a lógica organizacional da atenção em rede – que menospreza a

prática do cuidado compartilhado e promove fluxos truncados que circulam os serviços

especializados – do que pela atitude empoderada de indivíduos que desenham eles próprios os

caminhos que os conduzem ao cuidado integral. Há que se considerar também nessa trama a

construção de vínculos entre os profissionais e entre estes e os usuários, a integração (ou não)

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de serviços em rede e as implicações para a qualidade do cuidado em nível de APS, situações

que, em última instância, podem influenciar a articulação da RAPS.

Ao discutirmos sobre as estratégias formais de articulação da RAPS Natal/RN, vimos

que tanto o SISREG quanto o matriciamento em saúde mental apresentam fragilidades, sendo,

por vezes, subutilizados. A incipiência no desenvolvimento e aplicação das referidas

estratégias minimizam suas potencialidades e fragilizam a própria integração e articulação dos

serviços em rede.

O segundo modo de articulação evidenciado no contexto da RAPS Natal/RN diz

respeito às engrenagens (in)visíveis, às estratégias de cunho intersubjetivo que se propõem a

religar fios e nós promovendo a tessitura da rede e a continuidade do cuidado em território – é

o “mundo-pequenidade” dos atores da RAPS. Pelo que foi possível inferir, são essas

estratégias as predominantes no cotidiano da referida rede.

O “mundo-pequenidade” é a propriedade das redes reais, ou seja, aquelas encontradas

na natureza, na sociedade ou construídas como obra humana, de criar atalhos ou formas de

encurtar distâncias entre vértices da sua malha, tornando assim o “mundo pequeno”

(ALMEIDA-FILHO, 2006). Implica a construção de conexões que permitem atalhos sem

critérios fixos de planejamento e constituem formas eficientes e não organizadas de se chegar

à finalidade ou ao destino, se esforçando para manter os pontos conectados contra todas as

chances de queda e de ruptura. Atalhos como o “mundo-pequenidade” apresentam

propriedades e obedecem a regras que os tornam capazes de cumprir certas funções do

sistema que se pensava ser possível apenas de um modo racional e planejado (ALMEIDA-

FILHO, 2006). Nesta pesquisa, compreendemos o “mundo-pequenidade” como um atalho que

se expressa/materializa através do vínculo interpessoal entre os atores da RAPS, o uso de

tecnologias da comunicação e a realização de fóruns, reuniões e capacitações.

Estratégias como contato telefônico, troca de mensagens via aplicativo de internet para

smartphones, fóruns, reuniões e debates emergiram como alternativas desenvolvidas pelos

atores para transpor as barreiras burocráticas impostas pela própria instituição, a indefinição

de fluxos assistenciais e as dificuldades provenientes de uma estrutura operacional

precarizada. “Captamos” nessas estratégias algo em comum: a intencionalidade da

comunicação, seja pela aproximação física entre pessoas ou pelas facilidades proporcionadas

pelo mundo virtual. São recursos informais de comunicação, mas que se tornam

institucionalizados, a exemplo do whatsapp e de outros recursos disponíveis nos smartphones

para promoção da articulação da rede. Sobre este aspecto mencionamos o aplicativo para

celular desenvolvido pelo Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde da UFRN em

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parceria com o HUOL para Gestão e Matriciamento Aplicado, o GEMA, que até o final do

período de construção de dados desta pesquisa encontrava-se em movimentos iniciais para

implementação.

Vejamos os fragmentos a seguir:

Lá no CAPS nós fazemos através de contato telefônico [ligação e via

whatsapp] e por escrito, faz os dois caminhos. A gente se articula bastante

através dos vínculos pessoais que a gente têm, mas que não deveria ser, a

gente utiliza porque é um instrumento importante (D_Brocatelo).

Reuniões de compartilhamento de cuidado onde a gente discute caso a caso,

a gente chama pra compartilhar com os outros serviços da RAPS – UBS,

CAPS, SAD [Serviço de Atenção Domiciliar] – pra tá discutindo caso,

fazendo o PTS do paciente, programando alta (T_Cordonê).

[Com] o HMN a gente só consegue [articular] quando é de médico para

médico... isso é o que vai truncando o meio do caminho (T_Abelha).

A AB precisa conhecer quem tá no serviço especializado e o serviço

especializado conhecer quem tá na AB, porque [quando] a gente conhece

quem são as pessoas que estão naquele lugar tudo se torna mais „fácil‟ [tom

de voz receoso]. (T_Escada).

Analisando as falas dos sujeitos, vimos em Brocatelo e em Escada os vínculos

interpessoais assumirem papel fundamental nas interconexões entre os serviços. Em Abelha,

mais do que afinidades entre pares, descortina-se a “velha” hierarquia que concentra sob o

domínio do médico o poder que o coloca como articulador da rede. Em Cordonê, um breve

relato de uma experiência que se revela como uma potencialidade no cenário local,

principalmente porque não depende de um vínculo interpessoal pré-estabelecido para

acontecer, ao contrário, revela-se espaço potente para o compartilhamento de saberes e

construção coletiva de projetos terapêuticos que findam por proporcionar a aproximação entre

técnicos de diversos serviços e setores.

Durante a circulação pela RAPS Natal/RN tivemos a chance de presenciar uma sessão

de compartilhamento do cuidado como a que é mencionada por Cordonê. Participaram do

momento a equipe multiprofissional composta por residente de psiquiatria, profissional de

educação física, psicóloga e terapeuta ocupacional, além da assistente social de um CAPS (de

outro município) com o qual o cuidado seria compartilhado. Na ocasião, aconteceu o relato do

caso do usuário e a exposição das necessidades gerais e específicas daquele indivíduo. O

CAPS, por sua vez, expressou as dificuldades em lidar com aquela demanda em particular,

mas comprometeu-se com o cuidado territorial. As equipes fizeram pactuações e assumiram o

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compromisso de manter contato periodicamente para informar a situação do usuário. As

orientações para a alta hospitalar envolveram, além da medicação, a indicação de busca de

apoio social e de medidas de proteção da vida (o sujeito em questão tinha tentado suicídio) e o

reforço da importância da continuidade do tratamento. Julgamos esta estratégia adotada pela

equipe de Cordonê potente para a articulação do cuidado em rede territorial, mais uma ilha de

resistência que vem sendo bordada entre as remanescências do manicômio (REGISTROS

FEITOS EM DIÁRIO DE CAMPO).

A experiência relatada por Cordonê, juntamente com outras estratégias que vem sendo

desenvolvidas no município – fórum municipal intersetorial e capacitações disparadas pela

SMS em parceria com a UAP/HUOL e pelas sedes de DS – emergem no cenário estudado

como práticas inovadoras que apostam na potência do encontro entre os atores para a

construção de redes regionalizadas de saúde. São experiências como essas que reforçam a

potência do encontro nos fazem relembrar Merhy (2007) ao defender que a mudança no modo

de produzir saúde no Brasil – e, acrescentamos, de organizar serviços e modelos de atenção –

perpassa pela tarefa coletiva de trabalhadores no sentido de mudar o cotidiano do seu modo de

operar o trabalho no interior dos serviços de saúde.

Estudo realizado com trabalhadores da RAPS oriundos das diversas regiões do Brasil e

que objetivou conhecer a articulação entre os pontos da RAPS no cuidado às situações de

crise em saúde mental, verificou diferentes formas de articulação entre os diversos pontos da

referida rede temática. Com a pesquisa, concluiu-se que existe uma preocupação crescente

entre diretores e trabalhadores com o estabelecimento de novas estratégias para qualificação

do cuidado, através da realização de encontros em que os profissionais discutem novas

maneiras de prestar assistência ao indivíduo com sofrimento psíquico, além de criar meios

para que o trabalho se articule em rede (ANDRADE; ZEFERINO; FIALHO, 2016).

Vale ressaltar a dificuldade de acesso a informações para se problematizar e discutir

sobre a RAPS, assim como sobre a (des)articulação da rede. Isto porque grande parte das

pesquisas que se propõem a analisar ou avaliar a rede em questão, o fazem de modo

segmentado, estratificado por linha de cuidado (atenção à crise ou ao transtorno do espectro

autista, por exemplo), por componentes da rede (mais especificamente a inter-relação entre

APS e CAPS), por origem da demanda (drogadição ou transtorno mental), por faixa etária

(infanto-juvenil ou adulto); ou ainda por diagnóstico (destaque para a esquizofrenia e os

transtornos de humor e de ansiedade).

Debruçando-nos sobre as falas de Brocatelo e de Escada reconhecemos também a

representatividade dos vínculos interpessoais para os movimentos de articulação da RAPS

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Natal/RN, o que nos impulsionou a pensar sobre a importância das (inter)subjetividades para

a concretização das RAS em território. Sobre este aspecto, Dimenstein et al. (2018) comentam

que os problemas vivenciados na efetivação das redes de saúde em todo território nacional,

dentre elas a RAPS, estão além das determinações macroestruturais. Cogitam os autores, que

a formação de vínculos, o acolhimento, a continuidade de cuidados, a competência cultural

dos profissionais – e certamente a articulação entre atores e setores –, requerem operações nos

domínios moleculares da sensibilidade.

Respeitando a subjetividade como um dos fios implicados na e para a tessitura das

RAS por um lado, e reconhecendo que a articulação da RAPS se faz também pelo encontro

entre os seus atores – gestores, trabalhadores e usuários – por outro, dirigimos nosso olhar

para o micro espaço, o espaço “interseçor” que circunscreve esse encontro de e para produção

da RAS, dentre elas a RAPS. Esclarecemos que o espaço “interseçor” ao qual nos referimos é

abordado por Merhy (2007, p. 87) que, sob inspiração deleuziana, usa o termo para “designar

o que se produz nas relações entre “sujeito”, no espaço das suas interseções, que é um produto

que existe para os “dois” em ato e não tem existência sem o momento da relação em processo,

e na qual os inter se colocam como instituintes na busca de novos processos”.

Ali, naquele espaço “interseçor” que se forma no encontro entre profissionais de

diferentes serviços – já que falamos em articulação de redes de saúde – e usuários,

reconhecemos a coexistência de duas dimensões: a que compete aos trabalhadores e suas

intencionalidades e finalidades e aquela que compreende o usuário e suas demandas de saúde

e de cuidado. Nesse momento de encontro e de negociação um jogo de produção de redes e de

compartilhamento do cuidado põe em confronto, nem sempre conflituoso, os sujeitos

enredados nessa trama.

Estaria no espaço “interseçor” da produção das redes a justificativa para a força do

“mundo-pequenidade” dos atores em face da articulação da RAPS Natal/RN? Imaginamos

que por trás dessa tendência de se buscar inter-relações com aquelas pessoas com as quais se

tem mais afinidade, com as quais se compartilham opiniões, experiências e modos de

conceber o cuidado psicossocial, estaria camuflado o desejo de produzir confrontos

“harmoniosos” e minimizar desgastes. Cogitamos ainda que, em prol da tranquilidade de uma

inter-relação que se estabelece entre pares, se permita perpetuar a autoridade e o poder do

discurso médico como regulador/articulador da rede reduzindo conflitos e tensões.

Reforçamos a importância dos recursos comunicacionais, especialmente aqueles

promotores de conexões virtuais, para a redução de distâncias e favorecimento de encontros

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diante das incompatibilidades de agendas e rotinas. Todavia, ressaltamos que o virtual não

pode prescindir o real, o encontro presencial entre os atores.

Questionamos também a supervalorização dos vínculos e afinidades interpessoais

como estratégia para promover articulação da RAPS, pois aí está implícita a fuga das tensões

e dos embates, por vezes necessários para fazer fluir a rede. É preciso enaltecer a potência do

encontro como espaço para criação de vínculos entre trabalhadores e gestores e não o

caminho inverso, em virtude do qual se coloca as afinidades interpessoais como agenciadoras

dos encontros em saúde.

Surgiu durante as sessões de grupo focal a preocupação com a formação de parcerias

intersetoriais para responder a contento às necessidades suscitadas pelas peculiaridades e

complexidade da demanda, apontando para a necessidade de articulação para além do setor

saúde em prol da continuidade do cuidado em saúde mental no território. Preocupação que já

era cogitada na categoria 1.

A articulação a gente o tempo todo tenta provocar e somos provocados

também pelos outros pontos da RAPS... com a rede intersetorial também, por

que essas crianças e adolescentes também estão circulando em outros

territórios institucionais da assistência, da justiça, e por serem demandas

com a complexidade que vai além da questão da saúde se a gente não fizer

isso às vezes é como se estivesse “enxugando gelo” (D_Treliça).

A gente fala da RAPS voltado pra o lado do SUS, mas acontece que o SUAS

é muito importante também. Tem casos, às vezes, que é muito mais a

vulnerabilidade familiar e social do que o próprio transtorno que você

consegue estabilizar. Então precisa muitas vezes do CRAS pra dar esse

suporte (T_Cordonê).

Entre nós da própria RAPS é mais fácil ter essa articulação já que a gente

fala a mesma língua, mais [do que] as outras assistências. Acho que essa

articulação é um pouco ainda distante talvez pelo desenho da rede, a gente

realmente precisaria ter uma aproximação maior (D_Margarida).

As falas de Treliça, de Cordonê e de Margarida nos chamam a atenção para três níveis

de articulação inerentes ao modelo de atenção à saúde em redes, as quais comentamos

separadamente por questões didáticas, mas que reconhecemos como interligadas e inter-

relacionadas, atuando de maneira conjunta para a construção das RAS em território.

O primeiro ponto refere-se à articulação entre os serviços especializados em saúde

mental (SRT, CAPS, Hospital psiquiátrico de referência) para o cuidado continuado ao

indivíduo com transtorno mental ou abuso de álcool e outras drogas. Essa faceta da

articulação fica evidente quando Margarida comenta que “entre nós da RAPS” se fala “a

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mesma língua”. Neste nível de articulação parece ser mais fácil manter as interseções e os

vínculos interpessoais se constroem pela própria afinidade/proximidade temática que

transversaliza os processos de trabalho. Neste mesmo recorte, ainda reconhecemos a redução

da RAPS ao componente especializado da rede, seja ele de média ou alta densidade

tecnológica.

A segunda face desse processo articulatório pode ser reconhecida na interconexão que

se estabelece entre os componentes da RAPS, levando-se em consideração todos os serviços

que a compõem. Entram em contato serviços e atores com lógicas e inclinações terapêuticas

diferentes, num movimento que exige um exercício maior de intersetorialidade, aumentando a

complexidade da articulação. Destaque para os serviços de urgência/emergência como nós/elo

de ligação entre a RAPS – em resposta à atenção à crise psiquiátrica desencadeada por surto

psicótico, abstinência ou overdose – e a Rede de Atenção à Urgência (RAU). Um ponto em

comum entre duas redes temáticas de atenção à saúde, um componente que religa duas lógicas

organizacionais, vulnerabilidades e agravos distintos entre si, mas que se entrecruzam para

oferecer atenção integral aos indivíduos.

A terceira vertente refere-se à articulação entre os serviços da saúde e os da assistência

social, que mesmo não estando legalmente incluídos na RAPS, são fundamentais para a

continuidade do cuidado em rede e que têm representatividade considerável na realidade local

– CRAS e CREAS. Aumenta ainda mais a complexidade da articulação da rede e a exigência

intersetorial agora rompe o domínio da saúde.

Apesar da relevância das parcerias intersetoriais para a continuidade do cuidado em

território, como visto na fala de Treliça e de Cordonê, esse tipo de conexão encontra-se

burocratizada, o que impede que as necessidades dos sujeitos sejam supridas em tempo hábil,

fazendo os trabalhadores recorrerem às estratégias informais de articulação. Vejamos os

fragmentos a seguir:

Interessante que quando a instituição entra em contato com um desses

centros – o CREAS e o CRAS – às vezes é mais difícil do que se ele [o

usuário] fosse pessoalmente lá (T_Abelha).

Às vezes a gente liga pra o CAPS, é mais fácil. Mas quando a gente liga pra

assistência eles dizem „Ah não, vocês têm que mandar um ofício pra ir e pra

voltar pra secretaria‟ e aí já passou [o tempo] (T_Cordonê).

As falas de Abelha e Cordonê corroboram relatos que ouvimos durante a circulação

em território a respeito da dificuldade de acesso e de estabelecimento de parcerias com os

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serviços da assistência social. Fato preocupante, principalmente se considerarmos a

representatividade que os serviços vinculados a este setor vêm conquistando no contexto da

atenção psicossocial, especialmente nas regiões onde não há serviço substitutivo de saúde

mental. Nestes casos, parece ficar mais evidente o uso (e a necessidade?) de iniciativas

informais de articulação mediadas pelos vínculos interpessoais entre os trabalhadores.

Consideramos animador encontrar evidências do reconhecimento da importância de

parcerias intersetoriais no cuidado em saúde mental. Entretanto, diante do cenário analisado

concordamos com Lettiere (2014) ao afirmar que o caminho que conduz à intersetorialidade

esbarra na diversidade interna de conhecimentos estruturados em disciplinas específicas,

assim como dos compromissos e projetos profissionais desarticulados. Reconhecemos nas

disciplinas/no saber disciplinar outra face dos muros mentais que cerceiam a livre circulação

pelas RAS dos usuários “marcados” pelo diagnóstico psiquiátrico e que findam por encurralar

o usuário da saúde mental entre “guetos” especializados. A este respeito, retomamos Paiva,

Ramos e Guimarães (no prelo) e questionamos se ao invés da efervescência de movimentos

intersetoriais estaríamos diante da guetização de serviços e sujeitos, ainda que se tenha

“integração” como diretriz.

No contexto estudado, existe um fluxo de encaminhamento para

documentos/solicitações entre os setores da saúde e da assistência social, mas por ser um

caminho demorado muitas vezes não consegue suprir as necessidades das pessoas e dos

serviços (REGISTROS FEITOS EM DIÁRIO DE CAMPO). Devido a esta dificuldade, os

funcionários burlam, por vezes, o sistema e apelam para as articulações informais, aquelas

parcerias que se dão “mais pela amizade do que pelo fluxo” da rede de atenção, como no

recorte abaixo:

Dependendo da boa vontade dos funcionários, às vezes a gente consegue via

servidor, [se] conhecer alguém. Quando você conhece você liga direto pra o

coordenador do CRAS, é mais fácil. „A gente vai e depois vocês fazem essa

parte [burocrática]‟, adiantam (T_Abelha).

Partindo destes recortes, pretendemos pensar sobre a intersetorialidade tanto dentro

quanto fora do setor saúde e sua importância para a articulação da RAPS e,

consequentemente, para a continuidade do cuidado. Destacamos, ainda, a representatividade

do “mundo-pequenidade” dos atores no processo de articulação intersetorial, ponderando os

riscos de se depender da “boa vontade” dos profissionais para religação de serviços e setores.

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Para caminhar pelos trilhos da intersetorialidade, julgamos pertinente refletir sobre

este que é um conceito polissêmico. Começamos por admitir que a intersetorialidade não é

antagônica da setorialidade, ao contrário, fortalece as políticas particulares ou setoriais,

universalizando-as pela reciprocidade que se estabelece entre elas. Em linhas gerais, a

compreensão deste conceito perpassa dois pontos principais: 1) intersetorialidade enquanto

dispositivo de gestão para atuar sobre os determinantes sociais da saúde; neste sentido,

representa uma estratégia de articulação entre “setores” sociais diversos e especializados

numa nova lógica de gestão que transcende um único “setor” da política social; 2)

intersetorialidade enquanto um processo revolucionário de ruptura com a tradição

fragmentada da política social divida em setores; neste sentido, representa uma ruptura

epistemológica com os modelos disciplinares que promove a reorientação de “conceitos,

valores, culturas, institucionalidades, ações e formas de prestação de serviços, além de um

novo tipo de relação entre Estado e cidadão” (AKERMAN et al., 2014; PEREIRA, 2014, p.4).

Para Junqueira (2000), a ação intersetorial surge como uma nova possibilidade para

resolver os problemas que incidem sobre uma população em um determinado território, pois

aponta para uma visão integrada dos problemas sociais, assim como para suas possíveis

soluções. A intersetorialidade é uma nova maneira de abordar os problemas sociais que

incorpora a ideia de integração, de território, de equidade e de direitos sociais. Daí porque

Almeida-Filho (2000) reconhece a intersetorialidade como uma estratégia potente de

interferência em problemáticas complexas.

A intersetorialidade constitui uma concepção que deve informar uma nova maneira de

planejar, executar e controlar a prestação de serviços, para garantir um acesso igualitário aos

desiguais. Isso significa alterar toda forma de articulação dos diversos segmentos da

organização governamental e de seus interesses. Assim sendo, a intersetorialidade busca

superar a fragmentação das políticas, ao considerar o cidadão na sua totalidade

(JUNQUEIRA, 2000).

Interessa-nos também pensar a intersetorialidade enquanto uma das dimensões da

integralidade, o que já era comentado por Ayres (2011) ao reconhecer dentre os campos

retóricos da integralidade o eixo das articulações entre saberes e práticas. O referido autor

identifica no eixo das articulações “os graus e modos de composição de saberes

interdisciplinares, equipes multiprofissionais e ações intersetoriais no desenvolvimento das

ações e estratégias de atenção à saúde”. Articulações estas que se desenvolvem com o

propósito de fomentar melhores condições para uma resposta efetiva às necessidades de saúde

em uma perspectiva ampliada, ou seja, que não se restrinjam, e sem negligenciar, aspectos

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como prevenção, correção e recuperação de distúrbios morfológicos ou funcionais do

organismo (AYRES, 2011, p. 42).

Pensando o contexto do cuidado em saúde mental de base territorial, resgatamos

Viegas e Penna (2015) para relembrar que o cuidado integral em saúde perpassa pela

articulação em forma de rede entre todos os níveis de atenção à saúde e com os demais setores

governamentais e não governamentais, em prol da garantia e proteção da saúde como direito

social instituído.

Com base no exposto e apoiados em Ayres (2011) e em Viegas e Penna (2015),

identificamos a intersetorialidade como um dos pilares da integralidade e condição sine qua

non para a articulação das RAS e para a continuidade do cuidado em saúde mental no

território.

Inspirados na trindade “indivíduo-espécie-sociedade” anunciada por Morin (2012) na

qual as instâncias ligadas em trindade são inseparáveis e cada termo gera e regenera o outro,

ousamos aceitar no “anel reflexivo” entre integralidade-compartilhamento do cuidado-

intersetorialidade, a trindade da RAS, e por extensão da RAPS. Reconhecemos, então, na

“trindade da RAS” o princípio orientador dos artesãos do SUS nos movimentos de tessitura

das redes.

Sendo assim, para fazer avançar a articulação intersetorial como condição fundamental

à concretização da RAPS, é preciso enveredar pelo caminho da intersetorialidade como

ruptura com a tradição das políticas organizadas/divididas por setores e avançar em direção de

uma “interdependência generosa em que a intersetorialidade não é apenas a instalação de

arranjos multisetoriais, mas a decisão ético-política deliberada de que o Estado e sua gestão e

políticas servem ao interesse comum” (AKERMAN et al., 2014, p. 4298). Pensando as

dificuldades de articulação intersetorial evidenciadas no cenário estudado, julgamos ser

preciso transitar pelos micro e macro espaços das políticas de saúde, assistência e seguridade

social e estimular uma cultura da intersetorialidade que transcenda o domínio teórico para

atingir o campo prático de atuação profissional rumo a um “agir intersetorial”.

Interessa-nos também, comentar a participação da (inter)subjetividade nos

movimentos de intersetorialidade reconhecidos no cenário estudado, que resvala nos riscos de

se depender da “boa vontade” ou da “amizade” dos profissionais para fazer fluir a RAPS.

Mais uma vez evocamos Ayres (2011) e suas discussões sobre as dimensões da integralidade,

mais especificamente no tocante à qualidade e natureza das interações intersubjetivas no

cotidiano das práticas de cuidado. Nesta perspectiva, busca-se “a construção de condições

efetivamente dialógicas entre os sujeitos participantes dos encontros relacionados à atenção à

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saúde, sejam pessoa a pessoa, sejam na perspectiva de equipes/comunidades, sem o que as

aspirações dos eixos anteriores não podem ser realizadas” (AYRES, 2011, p. 42).

Discutiremos a seguir, as principais problemáticas evidenciadas ao longo do nosso

caminhar pela RAPS Natal/RN que se levantam como fatores dificultadores da integração e

articulação dos serviços em rede.

5.2.1 Os nós da rede

Ao aprofundar o olhar sobre a articulação da RAPS Natal/RN, evidenciamos a

presença de nós atravancando os movimentos de tessitura da rede. Salientamos que a palavra

nós está considerada aqui em seu sentido figurado como sendo “aquilo que causa dificuldade,

embaraço, empecilho” (HOUAISS; VILLAR, 2009). São pontos de tensão dignos de destaque

e que envolvem a estrutura operacional da RAPS Natal/RN e os componentes APS, Urgência

e Emergência e o CAPS.

Tendo o Pensamento Complexo como suporte para compreensão dos achados,

percebemos que estes nós afloram como que num tecido de acontecimentos que comporta

ações, interações, retroações, determinações, acasos e que parecem apresentar certa

recursividade entre si e entre eles e a articulação da RAPS. Entretanto, por questões didáticas,

apresentaremos separadamente cada um desses pontos de tensão, buscando contemplar em

cada um deles os elementos constitutivos desse tecido complexo.

5.2.1.1 Estrutura operacional

Iniciamos a apresentação dos resultados alocados nesta subcategoria com as

problemáticas que, em conjunto, conformam o nó equivalente à estrutura operacional da

RAPS.

A gente tem déficit de profissionais, um processo seletivo que está o tempo

todo se renovando ou não. Nisso a gente capacita, coloca a pessoa dentro do

contexto da saúde mental e quando dá um ano o contrato acaba. Quanto o

serviço perde nessa rotatividade de profissionais?! (T_Abelha).

No distrito em que eu trabalho é uma das carências que eu acho

extremamente importante é a falta de um CAPS AD onde o índice de

substância psicoativa só aumenta diariamente e a gente não tem esse

dispositivo (D_Brocatelo).

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Nós temos um vazio hoje de 34 médicos, [profissionais] já estão pra se

aposentar não só na atenção médica, especialista e generalista, mas também

cirurgiões dentistas, atendentes de saúde bucal, técnicos de enfermagem,

enfermeiros, então a tendência é complicar (D_Areia).

Não tem vaga, não tá atendendo, vai pra um canto, vai pra outro, aí depois

você chega lá aí o médico atende você, mas não tem o remédio e tem que

comprar, é muito caro, você não está em condição, se frita porque pra entrar

no alto custo é difícil... você vai para uma consulta com uma médica, quando

você volta já é outro médico (U_Rococó).

Eu acho que a gente tem que ter esse profissional com perfil de saúde

pública e que ele faça parte da rede. Lá meus médicos são todos de

cooperativa, eles não têm essa sensibilidade de matriciamento, eles não têm

essa sensibilidade de reunião, não criam vínculo entre profissional e usuário

(D_Anjour).

Nos recortes acima, temos expostos problemas que perpassam desde vazios

assistenciais e capacidade instalada até a dificuldade de acesso a serviços e medicação,

englobando toda uma problemática relacionada a recursos materiais e humanos que toca

também os determinantes sociais da saúde. São problemáticas que emergem, não

necessariamente por causa do processo de regionalização – visto que algumas delas já são

temas recorrentes nas discussões da área –, mas que ficam mais evidentes e ganham “novos”

contornos e consequências diante de tal processo. No que tange às problemáticas que

envolvem a estrutura operacional da RAPS, muitas vertentes podem ser exploradas.

Entretanto, para esta discussão optamos por nos ater àquelas levantadas pelos sujeitos durante

as sessões de grupos focais como problemáticas que tangenciam a articulação da RAPS

Natal/RN.

As falas de Abelha e de Areia trazem à tona uma série de dificuldades vivenciadas

pelos serviços da RAPS, seja em nível de atenção primária ou nos componentes

especializados da referida rede. Reconhecemos que muitas dessas problemáticas estão inter-

relacionadas, retroagindo umas sobre as outras. Por exemplo, a nosso ver, o déficit de

profissionais nos serviços influencia e é influenciado pelas inconsistências das equipes,

principalmente de APS. Estas problemáticas, por sua vez, estão relacionadas com a

precarização dos vínculos empregatícios na saúde e consequente rotatividade profissional,

situação que se agrava pela tentativa de retomada neoliberal, com minimização de postos de

trabalho assegurados via concursos públicos para a área da saúde e ampliação de vagas por

apadrinhamento político (que ficam à mercê de campanhas eleitorais e obras/projetos

eleitoreiros).

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Brocatelo coloca em pauta a dificuldade relacionada à capacidade instalada (ou seria

ausência dela?), referente ao serviço especializado para atendimento à demanda de álcool e

outras drogas. Problemática real, elencada por outros participantes durante as sessões de

grupo focal e evidenciada durante a circulação pela RAPS Natal/RN. No entanto, se

procurarmos referências nacionais de avaliação da cobertura assistencial de serviços de

atenção psicossocial especializada encontraremos em informativo eletrônico produzido pela

Coordenação Geral de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas uma leitura otimista do cenário

brasileiro. De acordo com o referido material, constata-se na atualidade uma cobertura

assistencial considerada “muito boa” tanto em nível nacional quanto estadual, sendo a

referência potiguar superior a média nacional – 0,92 e 0,86 CAPS/100 mil hab.,

respectivamente (BRASIL, 2015a).

Buscando uma maior aproximação ao cenário estudado fomos pesquisar no rol de

diretrizes, objetivos, metas e indicadores (TABNET/DATASUS) o indicador de cobertura

CAPS para o ano de 2015. Lá constatamos que na sétima região de saúde do RN, a região

metropolitana (na qual está alocado o município de Natal), a cobertura era equivalente a 0,78

CAPS/100 mil hab. – menor do que o parâmetro estadual, mas ainda assim considerada

“muito boa”. Afunilando a busca, encontramos para o município de Natal/RN a média de 0,57

CAPS/100 mil hab., referência bem menor do que o parâmetro regional, mas considerada

“boa” pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2018).

Observamos com essa busca preliminar que quanto mais nos aproximamos do cenário

municipal mais o indicador “Cobertura CAPS” diminuiu. Conversando com técnicos e

usuários dos serviços de saúde participantes desta pesquisa, percebemos que os vazios

assistenciais ficam mais evidentes, principalmente se considerarmos a relação entre as

características populacionais e a capacidade instalada por DS no município em questão

(destaque para os DS Norte I e II e, no caso específico de atenção psicossocial especializada

em álcool e drogas, para o DS Oeste). Questionamo-nos, então, sobre os critérios

considerados para a elaboração destes parâmetros de avaliação a respeito da cobertura de

atenção psicossocial especializada – a falácia da adequação da cobertura CAPS é abordada em

Gonçalves et al. (2010) e comentada por Lejderman (2010).

A expansão/ampliação da cobertura assistencial não é negada, mas colocamos em

questão se aquilo que o Ministério da Saúde considera como “muito bom” é capaz de atender

satisfatoriamente à demanda dos usuários por ações e serviços de saúde. Por outro lado,

cogitamos se a maneira como esses serviços especializados são utilizados pela população e

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pelos próprios trabalhadores do serviço especializado (o que é mais grave), teria contribuição

para essa sensação de vazio assistencial e de superlotação dos serviços especializados.

A fala de Rococó alerta para a dificuldade de acesso às ações e serviços de saúde seja

em nível primário, especializado ou alta complexidade, sentida pelos usuários da RAPS

Natal/RN. Interessante perceber que, mesmo sem a intenção de fazê-lo, a fala de Rococó vai

ao encontro das situações de vazio assistencial, inconsistências das equipes e rotatividade de

profissionais, fatores sinalizados também pelos técnicos que participaram da pesquisa. Soma-

se à fragilidade no acesso a falta de medicação na rede, agravada pela condição

socioeconômica precária de grande parte dos usuários da saúde mental brasileira. Silva e

Mota (2016) em pesquisa realizada com gestores de diversos municípios brasileiros já

elencavam como um dos desafios para a regionalização da saúde o acesso às ações e serviços.

Ao comentar sobre o perfil profissional para atuar na saúde pública, está implícita na

fala de Anjour a importância da formação em saúde em consonância com os princípios do

SUS e com preceitos da RPb, assim como com o novo modelo de atenção e de trabalho em

rede. Lobosque (2011) traz contribuições para a discussão desta temática ao abordar as

dificuldades de se atingir um nível avançado de formação para atuar no campo da saúde

mental coletiva, o que a autora justifica pela distância ainda existente entre a Reforma

Psiquiátrica e a universidade. Neste cenário, destaca a Lobosque, a educação permanente

desponta como indispensável aos gestores e trabalhadores para que problematizem as

situações inusitadas dentro das práticas que exercem nos serviços de saúde. Acrescentamos a

importância da sensibilização para os princípios doutrinários do SUS – Universalidade,

Integralidade e Equidade – para superar a lógica de mercado que ainda permeia os

procedimentos em saúde/saúde pública.

Ainda sobre a formação/educação para a área da saúde, resgatamos Ceccim e

Feuerwerker (2004) e a emblemática imagem do quadrilátero da formação para a área da

saúde que, apesar de reconhecidamente difícil de ser aceita e implantada como política de

educação, merece ser pensada e discutida como alternativa para uma formação condizente

com o sistema de saúde brasileiro. Ensino/gestão setorial/práticas de atenção/controle social

conformam o quadrilátero da formação em saúde, uma “teoria-caixa de ferramentas” que

almeja construir uma educação responsável pela transformação na realidade, pela negociação

e pactuação de processos, por convocar protagonismos e detectar a paisagem interativa e

móvel de indivíduos, coletivos e instituições, como cenário de conhecimentos e invenções.

“No quadrilátero estão aspectos éticos, estéticos, tecnológicos e organizacionais, operando em

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correspondência, agenciando atos permanentemente reavaliados e contextualizados”

(CECCIM; FEUERWERKER, 2004, p. 59).

Outro aspecto que destacamos na fala de Anjour tem a ver com a incompatibilidade

entre o perfil profissional do “médico de cooperativa” – figura comum nos serviços de saúde

pública do município e do estado do RN – e aquele necessário ao desenvolvimento da atenção

psicossocial em rede. A associação de médicos em cooperativa vem despontando no Brasil e

no RN como uma “alternativa” – questionável, diga-se de passagem – assumida pelo governo

para continuar arcando com as despesas para manutenção da oferta de serviços e do quadro de

funcionários. Por outro lado, as cooperativas médicas atraem o profissional por oferecer

melhores salários para o desempenho das mesmas atividades desenvolvidas pelo trabalhador

concursado. O resultado é uma prática regida pela lógica de mercado e a negligência de ações

fundamentais ao processo de trabalho e ao cuidado compartilhado em rede. Admitimos que

esta seja uma problemática que merece ser estudada com mais afinco em outros estudos, por

ora, nos interessa comentar que esta é uma dificuldade que vem sendo sinalizada no cenário

local, impactando, inclusive, nos processos de trabalho e nos concursos públicos realizados

para o provimento de vagas em serviços públicos municipais e estaduais.

E o que tais problemáticas reconhecidas como um dos nós da RAPS Natal/RN tem a

ver com os modos de articulação desenvolvidos no cenário em análise? A nosso ver, as

situações anteriormente comentadas – vazios assistenciais (escassez de profissionais, equipes

e/ou serviços), precarização dos vínculos trabalhistas e dificuldades de aceso a ações e

serviços – conformam uma trama complexa que resulta em encaminhamentos desnecessários

e/ou equivocados que priorizam os serviços especializados – CAPS e hospital psiquiátrico ,

com consequente superlotação destes serviços, ausência de vínculos entre profissionais e entre

estes e os usuários, o que pode trazer implicações para a adesão e a continuidade do

tratamento. Admitimos que as situações enunciadas influenciam-se mutuamente e,

retroagindo, potencializam-se contribuindo para a desarticulação da rede e prejudicando a

continuidade do cuidado em território.

5.2.1.2 A APS e o compartilhamento do cuidado em saúde mental

O segundo nó ao qual nos referimos diz respeito à fragmentação encontrada na rede

em contraposição a necessidade de uma ética de compartilhamento do cuidado e do trabalho

em rede que transversaliza a APS, o componente da Urgência e Emergência e o CAPS.

Iniciamos a discussão pela APS, mais especificamente a UBS/ESF, comentando sobre a

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dificuldade deste componente da rede em acolher a demanda da saúde mental. Tal realidade é

constatada nos relatos abaixo:

A gente sente dificuldade de chegar, parar um pouco com a UBS pra fazer as

reuniões, mas a diferença é nítida quando se tem um diretor que tem essa

abertura pra saúde mental, a conversa flui muito mais (T_Abelha).

Eu não tinha como fazer [grupos terapêuticos], eu não tinha um psicólogo,

eu não tinha um assistente social... (D_Caseado).

A gente vê a necessidade de esclarecimento das pessoas em relação à saúde

mental porque está muito obscuro para muitos, falo isso dentro da minha

própria unidade. E lá na unidade a dificuldade dentro dessa comunicação

ainda existe com o CAPS ou com o CRAS também (T_Folha)

Eu acreditava mais se existisse isso, uma ação que estivesse dentro da

agenda da AB pra saúde mental (T_Escada).

Eles do CAPS estão indo nos postos de saúde, vai em todas as UBS dizer

explicar que a gente tá matriciado, todas essas coisas. Porque a gente é uma

dificuldade, eles não querem aceitar. Aí agora o CAPS foi fazer essa reunião

com a diretora das UBS (U_Rococó).

A problemática da APS no contexto das RAS já é assunto debatido em diversos

materiais encontrados na literatura da área, a exemplo do estudo de Dimenstein et al. (2012).

Os autores comentam sobre dificuldades relacionadas à implantação do matriciamento – como

evidenciamos na pesquisa em tela e discutimos anteriormente – e sobre o desenvolvimento de

ações compartilhadas pelas equipes da ESF, NASF e serviços substitutivos nos territórios de

vinculação dos usuários, além de indícios da precariedade em cobrir as necessidades de

suporte em saúde mental apresentadas pelas equipes da ESF que, diga-se de passagem,

crescem a cada dia.

As falas dos participantes da pesquisa apontam para a hesitação da UBS em acolher os

usuários que apresentam transtorno mental, para a dificuldade sentida pelos profissionais do

serviço especializado – CAPS – em adentrar a rotina e a agenda da UBS para a realização do

apoio matricial (subtende-se) e para o desconhecimento das equipes das UBS em acolher e

realizar atividades voltadas para a prevenção e promoção da saúde mental. Problemáticas que

têm como pano de fundo a contradição entre a fragmentação encontrada em ações e serviços

de saúde e a necessidade do compartilhamento do trabalho e do cuidado impulsionada pelo

estabelecimento das RAS.

Em estudo que buscou investigar, em todo território nacional, as ações de saúde

mental realizadas por equipes de atenção primária em locais sem serviço substitutivo de saúde

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mental, Dimenstein et al. (2018) constataram a falta de capacitação dos profissionais para

realizar o acolhimento ao usuário que demanda cuidados em saúde mental. Os autores

identificaram, ainda, que menos da metade das equipes incorpora em suas agendas atividades

em saúde mental e que as consultas não são planejadas de acordo com as necessidades dos

usuários, com indícios de pouca penetrabilidade das ações de saúde mental desenvolvidas

pelas equipes da atenção primária. Observando estes achados ficamos a nos questionar se nos

locais onde não há serviço substitutivo – e teoricamente a APS teria uma maior

responsabilização com o acompanhamento territorial do usuário da saúde mental – o cenário é

esse, imaginamos como deve estar naquelas localidades que dispõem de serviços

especializados como o CAPS, os quais são incumbidos, muitas vezes, da responsabilidade

praticamente total com esse público em particular.

Chiavagatti et al. (2012) ao analisarem, via Projetos Terapêuticos Singulares, as

formas de articulação entre os CAPS e os serviços da APS em 23 cidades da Região Sul do

Brasil, identificaram que na organização da rede as relações entre as ações do serviço de

saúde mental e as ações da APS aparecem mais como princípios teóricos do modelo de

atenção psicossocial em rede do que como detalhamento explícito de como estas ações

ocorreriam na prática. Os autores ainda pontuam que as sugestões de movimentações

expressas pelos profissionais nos PTS não são suficientes para gerar articulação entre os

diversos serviços da rede de atenção. Concluem alertando para a articulação de saberes – entre

APS e CAPS, imaginamos nós – como estratégia para atender adequadamente à complexidade

da demanda de quem procura ajuda nesses dois serviços. Articulação esta que poderia se dar

pelo matriciamento em saúde mental, mas que atualmente apresenta-se como uma prática

incipiente como abordado no início da discussão desta segunda categoria.

Para pensarmos sobre a problemática da APS no contexto da atenção à saúde em rede,

que como vimos não é exclusividade do cenário estudado, julgamos pertinente revisitar as

premissas básicas das RAS, especialmente no que se refere ao papel desenvolvido pela APS

para, a partir de então, ensaiarmos possíveis respostas às questões sinalizadas pelos sujeitos da

pesquisa.

A APS é colocada, em Mendes (2011), como o centro de comunicação das RAS, o nó

intercambiador de onde são coordenados os fluxos do sistema de atenção à saúde. Entretanto,

a compreensão e o reconhecimento do protagonismo da atenção primária no contexto da

atenção em rede envolvem questões políticas, culturais e técnicas. Certamente, a hegemonia

(ainda persistente) dos sistemas fragmentados de atenção à saúde, voltados prioritariamente

para a atenção às condições agudas e à agudização das condições crônicas, está na base da

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desvalorização da APS. O que é fortalecido por um sistema de pagamento por procedimentos

baseado na densidade tecnológica dos diferentes serviços (MENDES, 2011).

No âmbito da saúde mental, a portaria 3.088/2011 reconhece como responsabilidades

das UBS o desenvolvimento de ações de promoção de saúde mental, prevenção e cuidado dos

transtornos mentais, ações de redução de danos e cuidado para pessoas com necessidades

decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, compartilhadas, sempre que necessário,

com os demais pontos da rede (BRASIL, 2011a). A este respeito, Chiaverini (2011)

argumenta que o indivíduo com transtorno mental, ainda que grave, deve ter seu espaço de

cuidado e de atenção na APS, devendo os profissionais de saúde da família compreender que

a contribuição com à adesão ao tratamento, o próprio acolhimento, os cuidados clínicos e a

inserção na comunidade são ações que podem e devem ser realizados pela equipe da ESF.

Apesar da concordância de que a APS é o centro de comunicação das RAS e

ordenadora do cuidado do cidadão, muitas são as evidências de que esse nível de atenção não

vem sendo qualificado para cumprir essa função de forma adequada, em que pese o

crescimento do aporte de recursos despendidos pela União para este fim. O que acontece é

que a implantação de programas para qualificação da APS – a exemplo do Programa de

Requalificação das Unidades Básicas de Saúde, do Programa de Saúde na Escola, das

Academias da Saúde, do Programa de Melhoria do Acesso e Qualidade (PMAQ), do Brasil

Carinhoso, do aumento das equipes do NASF, do Telessaúde/Telemedicina, do Programa de

Valorização da Atenção Básica (PROVAB) e do Mais Médicos – tem sido realizada de forma

desarticulada, o que contribui para a perpetuação de um modelo de saúde fragmentado,

contrariando as premissas de organização das RAS (BRASIL, 2015b). Nesses casos,

pensamos que para potencializar essas iniciativas seria interessante transpor a lógica de

atuação por programas – que pressupõe uma “sequência pré-estabelecida de ações encadeadas

e acionadas por um signo ou sinal” – para serem desenvolvidas enquanto estratégias de

qualificação da APS. Reconhecendo que as estratégias (re)produzem-se “durante a ação,

modificando, conforme o surgimento dos acontecimentos, a conduta desejada”, julgamos que

esta seria uma forma potente de lidar com o cenário da saúde coletiva que envolve incertezas

e mudanças constantes (ALMEIDA, 2012, p. 59).

Além das dificuldades já elencadas, acrescentamos o precedente que se abre com a

própria portaria 3.088/2011, facultando a ordenação do cuidado em saúde mental ao CAPS

como é possível perceber na transcrição do artigo 7o inciso 3

o: “a ordenação do cuidado estará

sob a responsabilidade do Centro de Atenção Psicossocial ou da Atenção Básica, garantindo

permanente processo de cogestão e acompanhamento longitudinal do caso” BRASIL (2011a,

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tl.1). Acreditamos ser necessária uma releitura da própria PNSM e de sua base jurídica, no

sentido de se atualizar discursos e compreensões tendo como norte o novo modelo de atenção

à saúde em rede.

Em artigo que discute sobre o papel da APS na construção de redes temáticas de

saúde, Cecílio et al. (2012) iniciam reconhecendo-a como centro de comunicação das redes

temáticas, como reguladora do acesso e utilização dos serviços necessários para a

integralidade do cuidado. A discussão gira em torno de três achados principais: a rede básica

como posto avançado do SUS que contempla referências positivas sobre a APS de produção

de valores de uso mesmo para os pacientes utilizadores de serviços de alta complexidade; a

rede básica vista como lugar de coisas simples onde se discute a negligência do caráter

complementar da APS para assumir uma posição subalterna em relação aos serviços de saúde

e profissionais que operam com maior densidade tecnológica; há uma impotência

compartilhada entre usuários e equipes quando se trata da rede básica funcionar como

coordenadora do cuidado, em que se discute a existência de indícios de que ela não reúne

condições materiais (tecnológicas, operacionais, organizacionais) e simbólicas (valores,

significados e representações) de deter a posição central da coordenação das redes temáticas

de saúde.

Concordamos com Cecílio et al. (2012) que o usuário real desloca-se pelas RAS

movido por necessidades de saúde por vezes “distorcidas” pela reprodução ideológica que a

medicina tecnológica, em parceria com o complexo médico-industrial, vai produzindo na

sociedade e é partir de tal julgamento que vai produzindo significados para a rede básica real,

muito além de todos os modelos idealizados do seu funcionamento. E essa construção social e

cultural das necessidades de saúde e dos formatos de atenção tem representatividade

considerável quando está em pauta o cuidado em saúde mental. Assim se vincula o “doido” ao

CAPS ou ao hospital psiquiátrico.

Por fim, revendo as características do cenário estudado nesta pesquisa imaginamos que

a forma como o cuidado em saúde mental vem sendo desenvolvido – fragmentado, com

ênfase na medicação e na consulta médico-psiquiátrica – não provoca a APS, especialmente a

UBS/ESF, para a necessidade de articulação com os demais pontos da RAPS para o

seguimento territorial desses indivíduos. Primeiro porque este componente parece não estar

implicado nesse cuidado. Segundo porque para produzir um cuidado com essas características

basta a consulta com o especialista e a renovação da receita pelo médico da APS.

Para que a APS conquiste de fato a posição de centralidade que lhe é conferida na

constituição de redes de cuidado, o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde concorda que

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é fundamental a incorporação de processos educacionais potentes voltados para trabalhadores

e usuários de forma contínua e simultânea em todo o País que possibilitem a transformação de

realidades. Além disso, reconhecemos a relevância da participação das Secretarias estaduais e

municipais de saúde na implantação das RAS e na inovação das práticas em saúde/saúde

mental coletiva (BRASIL, 2015b).

5.2.1.3 A Urgência e Emergência no contexto da RAPS

Ao analisarmos a RAPS Natal/RN com foco para a articulação da rede em prol da

continuidade do cuidado em território, de antemão já imaginávamos a relevância do

componente da Urgência/Emergência no contexto da atenção em saúde mental em rede e de

base territorial. Isto porque, partimos do entendimento de que os modos de atenção à crise são

fundamentais para evitar/minimizar o “circuito psiquiátrico” que finda por enaltecer o hospital

psiquiátrico como caminho prioritário, quiçá exclusivo, para resolução dos casos.

A atenção à crise psiquiátrica é considerada um desafio para a atenção psicossocial,

seja ela desencadeada por transtorno mental ou por abuso de SPA. Quando compreendemos a

urgência/emergência enquanto componente da RAPS, subentendemos que está implícita nessa

relação de pertencimento a articulação entre uma série de serviços e setores com inclinações

terapêuticas e perfis profissionais distintos, além da necessidade de comunicação e de co-

responsabilização, o que complexifica a questão.

É sabido que a diminuição dos leitos psiquiátricos em nível nacional não é

acompanhada pela ampliação dos serviços substitutivos de suporte à crise. Tal fato, segundo

Dimenstein et al. (2012, p. 102), “vêm produzindo espaços lacunares na atenção ao usuário

em crise, vazios para os quais a principal resposta da RAPS, especialmente em Natal, tem

sido o encaminhamento ao hospital psiquiátrico”. E isso nós vimos esquematizado no desenho

da rede (página 74).

Com a realização da pesquisa em tela evidenciamos as ações de urgência/emergência

resumidas ao pronto socorro do hospital psiquiátrico, com pouca participação do SAMU, e

atuação limitada das UPAs ao atendimento à crise decorrente de SPA. Vejamos o que dizem

os sujeitos do estudo:

Uma paciente provavelmente teve um AVC no CAPS e não tinha nada pra

essa paciente. A gente tentou primeiro regular pra o Hospital Municipal [que

tem leitos de clínica médica para usuários da saúde mental] e não conseguiu,

ligou pra o SAMU e [disseram] que não iam sem regulação, o nosso serviço

não é agente regulador... de colega para colega a médica conseguiu a vaga

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no Walfredo, escutou muito porque o cara de lá [o médico] questionou a

avaliação dela... Enfim, conseguiu a vaga, ligou pra o SAMU que chegou

duas horas depois. É uma rede muito fragilizada nesse sentido, esse é um

caso muito claro que a gente não conseguiu um serviço de retaguarda que é o

SAMU a gente não conseguiu uma resposta rápida (T_Abelha).

O que mais pode potencializar o paciente a chegar na UPA é o SAMU, mas

o SAMU já amanhece o dia [com] a média de 50% das ambulâncias presas

com cotas, além do paciente de saúde mental não ser a prioridade do

SAMU [que] é trauma. E a própria população acho que não enxergou muito

isso porque vai muito pouco paciente [de saúde mental] pra UPA

(D_Aresta).

Os recortes apresentados nos possibilitam a análise da situação sob dois pontos de

vista. O primeiro advém da fala de Aresta e refere-se ao atendimento à urgência psiquiátrica

nas UPAs e aos aspectos culturais da comunidade em relação ao “lugar” da atenção à crise.

Em Aresta, comenta-se sobre a dificuldade operacional do SAMU – um dos serviços

que conformam o componente Urgência/Emergência – em atender os chamados da população

ou dos serviços, o que em parte tem a ver com a precariedade da assistência hospitalar no

município em questão. Concordamos que o número reduzido de macas e, consequentemente,

de ambulâncias disponíveis, é um fator complicador para o suporte pré-hospitalar. Entretanto,

na sequência da fala, o sujeito acrescenta à problemática o fato da prioridade do SAMU ser

trauma. Assim sendo, podemos inferir que além de lidar com a oferta reduzida de

ambulâncias, os usuários com necessidades relacionadas à saúde mental estariam em

desvantagem na “competição” por atendimento em relação aos casos de trauma.

Jardim e Dimenstein (2008) já alertavam para a resistência, em todo território

nacional, do SAMU em prestar socorro aos casos que envolvem psiquiatria. Segundo as

autoras, as equipes de SAMU se recusam a atender os casos de pessoas em sofrimento mental

agudo, com utilização de imobilização mecânica como punição, procedimento que traz a

marca dos métodos clássicos empregados costumeiramente pelos hospitais psiquiátricos.

Neste aspecto, concordamos com Dimenstein et al. (2012) quando afirmam que o modo de

funcionamento do SAMU e a fragilidade da participação do hospital geral no processo de

reforma psiquiátrica configuram-se como poderosos obstáculos na atenção à crise.

Outro ponto colocado por Aresta é a pouca procura da comunidade por ações de

atenção à crise psiquiátrica na UPA. Em uma das visitas à unidade, as informações repassadas

por profissionais que lá atuam dão conta de que na UPA em questão é raríssimo o

atendimento por condição psiquiátrica. Os casos que aparecem estão ligados à abstinência de

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drogas, tentativas de suicídio ou condições de clínica médica em usuários com diagnóstico

psiquiátrico (REGISTROS FEITOS EM DIÁRIO DE CAMPO, 2017). Mas não seriam essas,

condições psiquiátricas? Pelo que se pode inferir, a transversalidade das “condições

psiquiátricas” parece ser algo ainda obscuro para os profissionais da UPA.

Certamente, tal cenário tem a ver com o fluxo pactuado e implementado em nível

municipal que inclui a UPA como opção de atendimento à crise apenas em casos de abuso de

substâncias psicoativas. Além disso, imaginamos que este é um indício das remanescências do

manicômio no cenário local que ainda tem no hospital psiquiátrico o lugar do atendimento à

crise.

De maneira geral, constatamos com esta pesquisa que a participação da UPA no

cuidado em saúde mental vem melhorando, ainda que esteja voltada, com maior frequência,

para à atenção à crise desencadeada pelo abuso de álcool e outras drogas. Melhoria que

aconteceu principalmente pela pactuação e implementação do fluxo da urgência e pela força

do trabalho da coordenação de saúde mental do município. Entretanto, reconhecemos que a

situação para atendimento à urgência proveniente do transtorno mental ainda é crítica e

resume-se ao PS/HJM, como foi exposto na figura 3 – desenho da RAPS Natal/RN.

O segundo tópico que pretendemos trazer à luz do debate emerge da fala de Abelha e

nos possibilita ampliar a discussão e pensar não apenas a atenção à crise psiquiátrica, mas

uma outra faceta da urgência/emergência que seria a retaguarda clínica para o usuário que,

tendo transtorno mental, apresenta co-morbidades. Tal situação já foi mencionada na

categoria 1 e agora aparece novamente, só que dessa vez sinalizando para a maneira como os

serviços se articulam (ou seria se desarticulam?) para atender à demanda.

À análise preliminar, percebemos mais uma vez a força do “mundo-pequenidade”, dos

vínculos interpessoais dos atores da rede promovendo/facilitando a articulação entre atores e

setores – como disse Abelha, “de colega para colega, a médica conseguiu a vaga no

Walfredo” –, cenário que também foi evidenciado durante a circulação pela rede. Na ocasião,

nos deparamos com a dificuldade em manter a articulação entre serviços via SISREG e/ou

usando o protocolo de consultas especializadas construído para orientar os encaminhamentos.

Diante dessa dificuldade, a equipe acaba criando caminhos alternativos, a exemplo do

telefone com auxílio do serviço social e da regulação entre médicos (REGISTROS FEITOS

EM DIÁRIO DE CAMPO, 2017). Tais problemáticas constroem barreiras e dificultam, ainda

mais, a articulação entre os componentes da RAPS, alertando para os prejuízos de se depender

de estratégias informações para estabelecimento de interconexões.

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A discussão sobre a situação colocada por Abelha perpassa por dois pontos

principais, ainda que seja tangenciada por outras tantas questões. O primeiro deles diz respeito

à visão fragmentada dos profissionais da urgência/emergência (postura que não é exclusiva

deste componente, obviamente), como já abordado na categoria 1, especialmente em relação

ao sentimento de pertença à RAPS e de co-responsabilização pelo cuidado continuado em

território, além da participação do referido componente na minimização das internações e

reinternações psiquiátricas.

Outro aspecto que pontuamos está relacionado à posição que o componente da

urgência e emergência – ao qual estão vinculados a UPA, o SAMU, as Unidades de

Acolhimento, as salas de estabilização, os prontos socorros e as UBSs – assume enquanto elo

de ligação entre duas redes temáticas de atenção à saúde – a RAPS e a RAU. A primeira vista,

a impressão que se tem é que o fato de estar na interseção entre essas duas redes ao invés de

religar fios em linhas de cuidado, parece que promove a separação entre eles.

Para uma melhor compreensão do componente de urgência/emergência enquanto

nó/espaço de ligação entre as referidas redes temáticas julgamos pertinente abordar, ainda que

superficialmente, as premissas básicas de cada uma delas.

A RAU foi instituída no ano de 2011 através da portaria no 1.600/2011. Em seu artigo

2o apregoa a garantia da universalidade, equidade e integralidade no atendimento às urgências

clínicas, cirúrgicas, gineco-obstétricas, psiquiátricas, pediátricas e às relacionadas a causas

externas (traumatismos, violências e acidentes). Apesar da garantia de equidade e

integralidade no atendimento, o artigo 3o

inciso 4o apresenta

como linhas de cuidado

prioritárias na RAU a cardiovascular, a cerebrovascular e a traumatológica (BRASIL, 2011c).

Revisitando a portaria 3.088/2011, que instituiu a RAPS, encontramos estabelecido no artigo

8o

inciso 1o

que os pontos de atenção de urgência e emergência são responsáveis, em seu

âmbito de atuação, pelo acolhimento, classificação de risco e cuidado nas situações de

urgência e emergência das pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades

decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas (BRASIL, 2011a).

Entretanto, apesar de reafirmar em seu texto a responsabilidade do SAMU com a

urgência psiquiátrica, o que vemos é a dificuldade de fazer valer na prática dos profissionais e

no cotidiano da RAPS estes preceitos.

Reconhecendo a implicação dos serviços de urgência e emergência com o usuário que

apresenta demanda psiquiátrica por um lado, e o relato feito por Abelha a respeito da situação

de uma usuária do CAPS que, ao que tudo indica, apresentou um AVC – condição que se

encontra dentro das linhas de cuidado prioritárias da RAU– ficamos a nos questionar se o

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lugar de onde partiu a solicitação – o CAPS – e o diagnóstico psiquiátrico que “acompanha”

aquela usuária atrapalhou a condução do caso? Será que a universalidade, equidade e

integralidade no atendimento às urgências apregoadas pela RAU são de fato exercidas no dia-

a-dia dos serviços?

Ensaiamos uma resposta ao questionamento ora formulado partindo da própria portaria

3.088/2011. A referida portaria anuncia a necessidade de articulação entre os pontos de

atenção de urgência e emergência e os CAPS. Porém ao atribuir a estes a tarefa de

acolhimento e cuidado das pessoas em fase aguda do transtorno mental, finda por minimizar a

responsabilidade daqueles e potencializar (ainda mais) a figura do CAPS como o “lugar” de

atendimento ao portador de transtorno mental. Ponderamos, então, os limites das portarias que

pretendem conferir legitimidade jurídico-política as RAS, mas que, ao contrário, acabam

favorecendo um “esboço” de rede que deixa transparecer nas entrelinhas uma visão limitada

da articulação, que foca no componente especializado e, no caso da atenção psicossocial,

centraliza muitas ações no CAPS. Não negamos a potencialidade das redes temáticas, porém

colocamos em questão se no cerne dessa inovação não permaneceriam resquícios de uma

visão fragmentada de mundo, de corpo, de ciência e de cuidado, correspondendo cada

fragmento a uma linha de cuidado específica que ao invés de convergirem e se entrecruzarem

em virtude da demanda, se esfiapam interrompendo os fluxos.

Diante do exposto, pensamos que para fazer fluir as linhas de cuidado através de micro

e macro espaços marcados por diferenças expressivas, numa rede de fios interrompidos e,

indo além, para fazer fluir as linhas de cuidado sem interromper os fios da rede seja preciso

reformar o pensamento e construir uma “cabeça bem-feita” (a lá Edgar Morin), que nos

permita reconhecer no componente da urgência e emergência outras potencialidades além da

atenção à urgência psiquiátrica – que ainda aí encontra sérias limitações – e fortalecer outros

espaços de acolhimento à crise para além do hospital psiquiátrico.

Concordamos com Dimenstein et al. (2012) que é preciso investir tanto na

desconstrução do paradigma manicomial que sustenta as práticas de atenção nesse campo,

como também investir/apostar na reorganização de uma rede de cuidados que articule as RAS

em um todo – complexo, acrescentamos nós. Para tanto, admitimos como fundamentais a

integração e articulação dos setores

educativo, ocupacional, das redes de cuidado informais, grupos de autoajuda,

envolvendo usuários, suas famílias e as comunidades. Só assim poderemos

diminuir as referências aos especialistas e hospitais psiquiátricos e superar o

modo de atenção asilar, produtor de iatrogenia e exclusão social, na medida

em que se tecem planos de cuidado que abarcam tanto a atenção ao portador

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de transtornos mentais, quanto ao seu entorno familiar e social

(DIMENSTEIN et al., 2012, p 107).

Nosso intuito ao chamar atenção para esta problemática é fomentar uma cultura de

valorização do componente de urgência e emergência para além do suporte imediato de vida,

apostando no potencial de serviços como a UPA, o próprio CAPS III e as UBS (que também

são considerados pela portaria ministerial como ponto de atenção à urgência psiquiátrica) para

“balançar” a rede, como ouvimos de um dos atores da RAPS durante a construção dos dados.

Para conhecer o território e suas limitações, seja com base em levantamentos epidemiológicos

dos atendimentos realizados, seja pelo encontro com a população adscrita, atuando nos

diversos níveis de prevenção, promovendo saúde, inclusive mental, e potência de vida em

conjunto com a comunidade.

5.2.1.4 A dialógica do CAPS

Neste tópico, trazemos à luz do debate a dialogicidade expressa na relação

liberdade/aprisionamento que permeia a postura assumida pelo CAPS dentro da RAPS.

Obviamente, o aprisionamento ao qual nos referimos se trata de amarras subjetivas que

envolvem técnicos e usuários e influenciam a construção de vínculos e os itinerários

terapêuticos. Para esclarecermos melhor as ideias que pretendemos defender, iniciamos com a

exposição de relatos que apontam para a representatividade que o CAPS tem junto aos

sujeitos da pesquisa como um lugar de descobertas, aprendizado, valorização da vida e de

produção de subjetividades.

Hoje nós temos o terapeuta, tem os CAPS e os serviços pra dar sustentação a

nós, foi uma família que nós adquirimos que não existia. Nos internamentos

de antigamente [o que se via era] remédio demais, choque elétrico, amansa

leão (U_Nó Francês).

É muito humanizado, eles se incomodam com você, com a pessoa, não é

com a doença. Eu aprendi muito sobre minha doença com Dr. X. Ele me

ensinava „faça os outros lhe respeitarem!‟ (U_Rococó).

Eu aprendi isso no CAPS, o que eram minhas vozes, o que elas me diziam,

isso ajuda o paciente... Às vezes não é um bicho de sete cabeças, é algo que

aconteceu e pode melhorar (U_Ponto Cruz).

Eu não tinha vontade de sair da cama mesmo com remédio. Os técnicos do

CAPS começaram a ligar pra mim [perguntando] „como é que você está?‟ Aí

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eu disse: pera aí, eu tenho valor pra alguém! Me levantei e fui parar lá no

CAPS” (U_Corrente).

É inegável o avanço que a criação dos CAPS, e de todo aparato substitutivo ao

hospital psiquiátrico, promoveu no cuidado em saúde mental e na vida das pessoas com

transtornos mentais e de seus familiares. E essa ampliação de horizontes fica evidente quando

comparamos o cenário atual com o período em que esses indivíduos tinham como única opção

de tratamento a reclusão em hospitais psiquiátricos. A diferença fica clara na fala de Nó

Francês, indivíduo que viveu o internamento entre as décadas de 1970-1980 e que reviveu

durante as sessões de grupo focal algumas de suas memórias do manicômio.

Rococó, Ponto Cruz e Corrente enaltecem, em seus discursos, outra vertente de

avaliação deste tipo de serviço substitutivo: a humanização do cuidado em saúde mental. É o

sentir-se cuidado, reconhecer-se importante para alguém, experimentar o olhar do profissional

para a sua humanidade, que muitas vezes permaneceu escondida por detrás do diagnóstico, da

doença, dos sintomas psiquiátricos e do próprio pré-conceito. É a relação de autonomia e de

respeito que se vai construindo em processos de ensino-aprendizagem que, mais que

normatizações do como viver em sociedade, empoderam.

Os CAPS foram instituídos como dispositivo central e estratégico para a reorientação

do modelo assistencial em saúde mental, mediante a portaria ministerial no 336 no ano de

2002. De acordo com a referida portaria, constitui-se em serviço ambulatorial de atenção

diária que funciona segundo a lógica do território e prevê como atividades o atendimento

individual (medicamentoso, psicoterápico, de orientação, entre outros) e em grupos

(psicoterapia, grupo operativo, atividades de suporte social, entre outras), oficinas terapêuticas

executadas por profissional de nível superior ou nível médio, visitas domiciliares,

atendimento à família e atividades comunitárias enfocando a integração do paciente na

comunidade e sua inserção familiar e social (BRASIL, 2002).

Atualmente, o CAPS é o ponto de atenção psicossocial especializada na RAPS, é

constituído por equipe multiprofissional que atua sob a óptica interdisciplinar e realiza

atendimento às pessoas com transtornos mentais graves e persistentes e às pessoas com

necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, em sua área territorial, em

regime de tratamento intensivo, semi-intensivo, e não intensivo. As atividades no CAPS são

realizadas prioritariamente em espaços coletivos (grupos, assembleias de usuários, reunião

diária de equipe), de forma articulada com os outros pontos de atenção da rede de saúde e das

demais redes. O cuidado, no âmbito do CAPS, é desenvolvido por intermédio de Projeto

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Terapêutico Individual, envolvendo em sua construção a equipe, o usuário e sua família, e a

ordenação do cuidado estará sob sua responsabilidade ou da Atenção Básica, garantindo

permanente processo de cogestão e acompanhamento longitudinal do caso. De acordo com a

portaria 3.088/2011, o CAPS é responsável pela indicação do acolhimento, pelo

acompanhamento especializado durante este período, pelo planejamento da saída e pelo

seguimento do cuidado, bem como pela participação de forma ativa da articulação

intersetorial para promover a reinserção do usuário na comunidade (BRASIL, 2011a).

Como vimos, através do texto ministerial, o CAPS acumula funções e assume uma

centralidade incompatível com o modelo de atenção em rede.

Do modo como foi pensando e instituído no início dos anos 2000, representou grande

avanço na reorientação do modelo de assistência em saúde mental, transformando

significativamente as vidas e as experiências de cuidado dos usuários com necessidades

decorrentes de transtornos mentais. Entretanto, é preciso lançar um olhar crítico sobre a

postura que os CAPS vêm assumindo no contexto da atenção psicossocial e do cuidado

compartilhado e em rede, sendo a construção de vínculos não saudáveis entre técnicos e

usuários uma das problemáticas evidenciadas. Vejamos o que dizem os sujeitos da pesquisa:

O CAPS é onde o usuário construiu vínculo. Na hora em que existe a

possibilidade da gente partilhar o cuidado com outras instituições o usuário

sente porque já fica aquela ameaça. O paciente boicota pela insegurança de

sair desse serviço, de perder o especialista, de perder os atestados – os

ganhos secundários, terciários que a gente não tem como não considerar

(D_Brocatelo).

Lá no serviço a gente ainda tem pacientes que passam o dia todo e todos os

dias e [isso] não é algo saudável. Mas a gente tem feito nas nossas reuniões

colocações no sentido de propiciar a eles outros momentos, outras situações,

dividir com a rede porque essa é a proposta (T_Coral).

São os nossos grandes nós: esses usuários de muito tempo que não

conseguem se desvincular do serviço (T_Escada).

Pela voz dos técnicos da saúde mental inferimos que o CAPS no cenário estudado vem

se posicionando enquanto “o lugar” da construção de vínculos do usuário da saúde mental, o

que nos faz questionar sobre os outros recursos do território. Por que o usuário se sente

ameaçado em frequentar outros espaços de cuidado, como sugere Brocatelo?

Na tentativa de compreender a relação que os usuários mantem com os serviços

especializados de saúde mental e a dificuldade de compartilhamento do cuidado relatada por

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alguns sujeitos da pesquisa, consideramos interessante evocar as experiências da loucura

compartilhadas ao longo dos grupos focais.

Eu sou filho de pastor criado numa família evangélica e meu pai sempre

dizia que era demônio. Meu pai chamava uma ruma de gente e botava pra

orar na minha cabeça pra expulsar. Hoje em dia meu pai caiu uma ideia

depois que foi pra o CAPS, nas reuniões que a gente tem com a família

(U_Corrente).

O CAPS trata a gente feito gente, lá [na clínica X] eles tratam a gente feito

uns bichos, Deus me livre. Por isso que eu não quero internação, eu aceito o

tratamento, mas internada eu não quero ficar... (U_Rococó).

[O usuário fala] „Dra. você não sabe como a gente sofre, eles chama a gente

de todo tipo de coisa. Eu prefiro passar mal aqui porque vocês me conhecem

do que num canto que ninguém respeita a gente‟ e é verdade (T_Coral).

Agora, através da voz dos usuários, entramos em contato com experiências

traumáticas vivenciadas pelos sujeitos em diversos ambientes – doméstico/familiar, hospital

psiquiátrico e hospital geral. Por outro lado, é no espaço do CAPS que esses indivíduos

encontraram a oportunidade de desconstruir representações sociais da loucura no seio

familiar, com consequente melhoria das relações entre parentes, além do contato com uma

forma de fazer diferente. Ao nos depararmos com tais relatos, é fácil inferir o que alimenta a

relação de dependência, que por vezes ganha contornos de aprisionamento, entre os

indivíduos em experiência de sofrimento psíquico ou dependência química e o CAPS.

Outro fio a ser considerado nessa trama, diz respeito às dificuldades encontradas pelos

técnicos no território para que se consiga, de fato, compartilhar o cuidado do usuário da saúde

mental com outros pontos de atenção da rede, como fica claro nos relatos a seguir:

70% dos pacientes que eu tenho são pacientes do território que só deveriam

vir fazer uma avaliação de seis em seis meses e olhe lá. E aí o que é que

acontece? O CAPS fica abarrotado. A agenda fica cheia e o paciente que

chega precisando realmente de uma urgência não tem vaga (D_Anjour).

A gente ainda enxerga muitas barreiras pra que nosso usuário seja atendido

na rede. Eles [os usuários] chegam na UBS, às vezes tem o profissional

especializado, mas o profissional se recusa a atender porque diz que não tem

capacidade pra atender criança e adolescente... Então a gente criou isso na

cabeça de que, de fato, só a gente consegue resolver (T_Matiz).

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As problemáticas apresentadas por Anjour e Matiz, nos provocam certo

estranhamento. Reconhecemos, a princípio, dois tópicos dignos de serem colocados em

discussão.

Inicialmente, na fala de Anjour, nos inquieta que se mantenham entre as paredes do

CAPS usuários que poderiam estar seguindo acompanhamento territorial com suporte da

APS. Neste caso, parece que o serviço incorporou de modo um tanto equivocado seu rótulo de

“substitutivo” ao hospital psiquiátrico. Reconhecemos as dificuldades vivenciadas pela APS

no contexto da atenção psicossocial, muitas das quais já foram discutidas ao longo deste

trabalho. Entretanto, o que colocamos em questão é a postura dos profissionais do CAPS que,

ao invés de lançar mão de recursos como o matriciamento e outras estratégias para estimular o

compartilhamento do cuidado, acabam assumindo a demanda, privando, muitas vezes, outros

usuários mais necessitados de atendimento especializado.

O segundo tópico está posto na fala de Matiz e nos faz voltar ao questionamento que

fizemos no início deste trabalho. Na ocasião, perguntávamos se o serviço especializado em

saúde mental fechou-se em si mesmo ou se foi sitiado por velhas barreiras invisíveis que

isolam a doença mental entre as paredes, agora, do CAPS. O percurso que trilhamos até agora,

nos possibilita argumentar que o componente especializado da RAPS – o CAPS –, fechou-se

em si mesmo ao mesmo tempo em que foi fechado, sitiado, pelas ditas barreiras invisíveis que

circundam atores e instituições. Evocamos, então, Vasconcelos e Mendonça-Filho (2009, p.

188-189) para ponderar que “apesar de parecerem abertos, muros invisíveis, jalecos mentais

insistem em circunscrever os diferentes e as diferenças”, no caso o transtorno mental e o

indivíduo em sua existência sofrimento. Esta recursividade aparece de maneira nítida na fala

de Matiz quando coloca que “a gente criou isso na cabeça de que só a gente consegue

resolver” e é reforçada pela postura conivente de Anjour com o “abarrotamento” do CAPS.

Constatamos até aqui, a existência de uma dialógica entre liberdade e aprisionamento

que se estabelece no cerne do componente especializado da RAPS e envolve sujeitos e

práticas. Liberdade, uma das premissas básicas da atenção psicossocial, aqui comentada em

relação aos muros do manicômio e a possibilidade de convívio na/com a cidade. Sobre essa

questão, problematizamos o lugar e a postura do CAPS no cuidado psicossocial na atualidade,

considerando nesta trama, as tensões evidenciadas no cenário estudado. Para tanto,

assumimos, assim como Mattos (2006), o lugar híbrido de quem defende diante dos críticos e

critica na perspectiva de superar os desafios, de seguir fortalecendo não só o CAPS, como

também a RAPS, a RPb e o SUS.

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Para alcançarmos a tão sonhada concretização da RAPS e da RPb é preciso rever o

papel – e a sobrecarga – que o CAPS vem assumindo na atualidade, principalmente se

considerarmos o contexto da atenção psicossocial em rede. É mister reconhecer que ao se

restringir o cuidado às paredes do CAPS, este perde sua potência, se cronifica. Por outro lado,

centralizar a RAPS em um único componente/dispositivo a descaracteriza.

Vasconcelos e Mendonça-Filho (2009) argumentam que são quatro as formas de

cronificação que atravessam os CAPS: a cronificação dos usuários que se traduz na

dependência que estes desenvolvem em relação aos serviços, no aprisionamento que acontece

por muros invisíveis que impedem a inclusão do usuário na sociedade; a cronificação dos

profissionais quando não costumam colocar em análise seus modos de atenção e gestão; a

cronificação do cotidiano dos serviços que, através da promoção de uma “grade” de

atividades estereotipadas e com frequência inalterada, se preocupam mais em manter o

usuário “ocupado” do que em produzir sentido junto e com eles; e a cronificação dos

dispositivos em saúde mental produzida pela falta de conexão dentro da rede de saúde mental

e falta de articulação intersetorial. Pelo que se discutiu até aqui, julgamos estar diante de

CAPS cronificados em suas quatro dimensões de cronificação.

Lobosque (2011) e Lancetti (2016) reconhecem a centralização do CAPS em si mesmo

enquanto um dos grandes desafios deste serviço face à RPb. Os autores concordam que as

redes de atenção à saúde não devem ser organizadas em torno de um equipamento

centralizador, estendendo-se na tessitura de um espaço social para superar desafios. Além

disso, não se pode atribuir ao CAPS o papel de organizador do território. Dias, Freitas e Gama

(2013) reforçam que a noção de RAPS implica na diversificação de ofertas de cuidado e na

relativização dessa centralidade do CAPS na organização da saúde mental no território.

Questionamos então como estimular e potencializar o usuário para que ele construa

vínculos saudáveis tanto com o CAPS quanto com outros recursos terapêuticos?

Vasconcelos e Mendonça-Filho (2009) acreditam ser preciso colocar em análise os

modos de funcionamento dos CAPS e os modos de elaboração do PTS para que se criem

projetos de vida que não passem necessariamente pelo CAPS, mas que se refiram a uma rede

intersetorial. Lancetti (2016), por sua vez, enumera como modos de “turbinar o CAPS”

atender à demanda de porta aberta, manter inter-relação com a ESF e desenvolver uma prática

dentro e fora do serviço, reconhecendo nas “bordas” dos serviços um espaço privilegiado de

produção de subjetividade cidadã. Nós, inspirados em Lancetti (2016), apostamos na

construção de uma rede peripatética que, ao se fazer passeando, assume a prerrogativa da

abertura do serviço para fora de seus muros. Uma rede que se faz pelos pés dos usuários que

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caminham em busca de cuidado e de exercitar sua cidadania e nos encontros dos profissionais

para compartilhamento do cuidado.

Pretendemos ao longo desta subcategoria pôr em questão dificuldades e empecilhos

evidenciados durante a realização desta pesquisa, que mantêm relação direta ou indireta com a

articulação da RAPS e, consequentemente, com o cuidado continuado em território.

Inspirados em documento da Organização Pan-Americana da Saúde que reconhece o SUS

enquanto “uma solução com problemas” e não um “problema sem solução” (OPAS, 2011),

reconhecemos então na RAS/RAPS uma alternativa para a reorientação do modelo de atenção

à saúde/saúde mental, identificando nesses nós a força motriz para o religamento necessário à

própria construção das redes.

Isto porque, ao reconhecermos nos nós ora abordados a expressão da desordem dentro

da rede, assumimos a importância desses tensionamentos para a organização e avanço da

RAPS. Tendo em vista que ordem/desordem, em sua complementaridade antagônica,

contribuem para a auto-organização dos sistemas, neste caso temos nos “nós da rede” o mote

para ensaiarmos os primeiros passos rumo à concretização, em território, da RAPS Natal/RN.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa se esforçou em desemaranhar fios e nós implicados na tessitura da

RAPS municipal e permitiu-nos reconhecer, no cenário local, mais a existência de um

continuum entre serviços do que de uma RAS propriamente dita. De maneira geral, a RAPS

Natal/RN encontra-se em processo de expansão que envolve ampliação da capacidade

instalada, (re)pactuação de fluxos assistenciais e o despertar para a importância das parcerias

intersetoriais no contexto da atenção psicossocial. Entretanto, foi no lidar teórico-prático com

o sujeito que sofre de transtorno mental, assim como nos movimentos de religação entre

atores, serviços e setores em prol da continuidade do cuidado em território que encontramos

limitações preocupantes.

Sobre a capacidade instalada, identificamos a criação de serviços como o Centro de

Convivência e Cultura – que vem revelando grande potencialidade no contexto local, apesar

de seu pouco tempo de funcionamento – e a Unidade de Acolhimento (ainda em fase de

construção até o final do período de circulação pela rede). Porém, ainda são evidenciados

vazios assistenciais que envolvem escassez de serviços e inconsistência de equipes,

principalmente no que se refere à APS e ao componente especializado da rede. São áreas

descobertas por equipes de ESF e de ACS, poucos NASF implantados para atender às

demandas dos DS, escassez de CAPS – ainda que pela avaliação ministerial o índice de

Cobertura CAPS/100 mil habitantes seja considerado “bom” – que se agrava nos DS Norte I e

II para atendimento a indivíduos com transtorno mental e no DS Oeste para atendimento para

vulnerabilidades decorrentes do abuso de álcool e outras drogas.

Reconhecemos nos fluxos assistenciais ou, melhor dizendo, na coexistência destes

uma limitação de importância considerável para a concretização da RAPS em território. Como

vimos, as pactuações entre coordenação municipal de saúde mental e serviços da rede

envolvem apenas o fluxo para urgência psiquiátrica, mais especificamente a crise

desencadeada por uso de SPA. Na ausência de um fluxo assistencial estabelecido, pactuado

entre os atores e implantado no cotidiano da rede, o que prevalece são encaminhamentos, por

vezes desresponsabilizados, orientados por inclinações/vocações terapêuticas e que, na

maioria das vezes, envolvem o componente especializado da rede – CAPS e hospital

psiquiátrico de referência.

Em se tratando de parcerias intersetoriais, aparecem com mais força na realidade

estudada os serviços da assistência social – CRAS e CREAS –, serviços socioeducativos

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voltados para crianças e adolescentes que cometem atos infracionais e que, na maioria das

vezes, estão em uso de SPA – CEDUC e CIAD –, igrejas e ONG´S. A participação de

instâncias para além do setor saúde é fundamental para o estabelecimento das RAS, tendo em

vista as múltiplas facetas dos processos saúde-doença e a complexa atmosfera que envolve os

usuários da saúde mental em sua existência-sofrimento.

Ao iniciarmos esta caminhada em busca da compreensão dos modos de articulação da

RAPS Natal/RN, partíamos do entendimento de que o lidar teórico-prático, ou seja, o modo

de compreender e de lidar (cuidar/tratar) com o sujeito que sofre de transtorno mental

influencia e é influenciado pelos modos de articulação da RAPS. Dito de outro modo,

reconhecíamos que os componentes da RAPS se articulam embalados pelas características do

cuidado que é produzido em território, mas também os próprios movimentos de

(des)articulação dessa rede podem influenciar o modo como se produz o cuidado em saúde

mental de base territorial. Esse jogo de produção da atenção à saúde mental em rede traz

implicações para a continuidade do cuidado em saúde mental no território e em perspectiva de

rede de atenção.

De tal modo, buscamos junto aos atores dessa rede – diretores, trabalhadores e

usuários – desvendar as características do cuidado produzido em território e evidenciamos em

meio às práticas desenvolvidas características como medicalização, fragmentação do sujeito e

das práticas, especialização não-comunicante e desacolhimento. Por outro lado, reconhecemos

que a articulação da rede em análise é pontual e prioriza os serviços que “falam a mesma

língua”, ou seja, os serviços especializados em psiquiatria/saúde mental, priorizando

estratégias informais para a tessitura da rede, em detrimento de estratégias formais de

articulação como o SISREG e o matriciamento em saúde mental.

Chamamos a atenção para a relação de recursividade que julgamos se estabelecer entre

o cuidado em território e a articulação da RAPS. De modo que, um cuidado pautado na

especialidade, na medicalização e na fragmentação é produto e produtor de uma rede que se

articula pontualmente, num alinhavo disparado por rótulos e intersubjetividades.

No âmbito da atenção à saúde em rede, reconhecemos avanços discretos desenhando o

cenário local que se materializam em iniciativas reconhecidas por nós enquanto “ilhas de

resistência” e que vêm sendo bordadas entre as remanescências do manicômio. Iniciativas de

compartilhamento do cuidado, ainda que disparadas por serviços especializados, e utilização

de estratégias de suporte psicossocial que envolvem técnicos, usuários e a gestão municipal

conferem fôlego ao modelo de atenção em rede que se tenta implantar.

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No entanto, percebemos que tais iniciativas ainda não são suficientes para dissipar os

“jalecos mentais”, os “muros imaginários” que obnubilam as consciências dos atores das RAS

e fazem persistir fluxos assistenciais labirínticos ao redor dos serviços especializados e

também emergir “rotas recriadas” que se delineiam mais pela dificuldade de acesso aos

serviços do que pelo empoderamento dos usuários.

Outra característica marcante no cenário estudado é a verticalização das iniciativas de

sensibilização dos atores para o cuidado psicossocial em rede e para a necessidade da

intersetorialidade para a resolução das demandas. Destacam-se as ações disparadas pela

coordenação municipal de saúde mental e pela UPA/HUOL, muitas das quais desenvolvidas

através de parceria entre as referidas instituições. A preocupação e a implicação da gestão

municipal na tessitura da raps são fundamentais para a regionalização da saúde e para a

concretização do modelo que se pretende implantar. Entretanto, reconhecemos que é preciso

descentralizar tais iniciativas para que a potência das ações não se dissipe à medida que forem

se aproximando do território. A nosso ver, interessante seria que essas ações se deslocassem

como que em uma via de mão-dupla, transitando livremente pelos diversos níveis de

densidade tecnológica e de poder – da gestão municipal para a comunidade e no sentido

inverso.

Com a pesquisa, identificamos uma série de problemáticas que envolvem a estrutura

operacional da rede, a APS e sua dificuldade de atender à demanda em saúde mental, os

CAPS e a dialógica liberdade/aprisionamento que transversaliza a função que este

componente vem desempenhando na atualidade da atenção em rede e, por fim, a problemática

da urgência e emergência no contexto da RAPS que, seja por inclinação terapêutica ou pela

inexistência de um sentimento de pertença a referida rede temática, dificulta a atenção à crise

e finda por fazer perpetuar o circuito psiquiátrico. São tensões que extrapolam as já

conhecidas e exaustivamente revisitadas ligações entre APS-CAPS ou entre os serviços de

urgência psiquiátrica e atenção à crise. São problemáticas que incidem e retroagem umas

sobre as outras, transversalizando toda malha de interconexões que conforma a RAPS

enquanto uma RAS.

Para avançarmos na concretização da RAPS Natal/RN em território e transpor o

labirinto pelo qual caminham usuários e trabalhadores, propomos algumas estratégias. Sem a

pretensão de lançar qualquer tipo de “protocolo” ou “guia”, nos esforçamos em pensar

algumas alternativas para que, em conjunto com os atores da rede, possam fazer avançar a

rede territorial de atenção ao sofrimento psíquico, álcool e outras drogas. São elas:

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Ampliar os fóruns municipais intersetoriais para toda a comunidade, encorajando a

participação das representações de bairros para que assim seja possível discutir

RAS/RAPS em comunidade;

Desenvolver estratégias de educação popular em saúde para construir junto com a

população um entendimento do cuidado compartilhado e em rede, desmistificando o

matriciamento em saúde mental e fortalecendo espaços de cuidado para além do

CAPS;

Implicar os serviços de urgência/emergência, especialmente UPA, SAMU, PS/HJM

no debate sobre o compartilhamento do cuidado em rede, estimulando uma cultura de

pertencimento à RAPS e reduzindo o protagonismo do HJM na atenção à crise;

Trabalhar junto com a APS e o CAPS estratégias para a continuidade do cuidado em

território dos usuários da saúde mental, com foco: na potencialização do

matriciamento; na desmistificação do CAPS como o lugar do “louco” e da “loucura”;

e no empoderamento da APS para a promoção da saúde mental e prevenção de

internações psiquiátricas;

Promover junto com os representantes dos CAPS estratégias de descronificação do

serviço, que envolvam: estímulo à independência e inserção social dos usuários; a

revisão dos modos de atenção e de gestão dentro do serviço; o desenvolvimento de

atividades que produzam sentido para e com os sujeitos; e a potencialização das inter-

relações com outros serviços da rede;

Fomentar, junto aos diretores de serviços, a compreensão da potência da regulação (e

não só do SISREG) enquanto estratégia para programação, planejamento, avaliação e

reorganização do sistema de saúde;

Envolver o usuário nos processos de compartilhamento do cuidado e de articulação da

RAPS, partindo do reconhecimento coletivo da existência de outra via de articulação

da rede que se dá pela livre circulação de usuários através das diversas possibilidades

de cuidado desenhadas em território.

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Para sairmos do “labirinto”, apostamos na trindade “integralidade-compartilhamento

do cuidado-intersetorialidade” como “fio de Ariadne”. Isto porque, acreditamos que quando

se cuida de maneira integral a intersetorialidade e a articulação para a continuidade do

cuidado se tornam condição sine qua non à prática. Quando se reconhece a necessidade de

compartilhamento do cuidado, aí está implícita a visão integral do sujeito e o reconhecimento

da limitação do serviço, e até mesmo do setor saúde, em dar conta do sujeito e sua essência

bio-psico-social-espiritual.

Reconhecemos como limitações da pesquisa em tela a pouca adesão dos

representantes da APS e a não inclusão de serviços que posteriormente tomamos

conhecimento de que desenvolviam atividades voltadas para os usuários da saúde mental no

contexto da ESF. Outro ponto que pode ter limitado o alcance da pesquisa foi o fato de termos

optado por realizar os grupos focais separados pela posição que o sujeito ocupa na RAPS.

Talvez, a junção dos diversos atores em um único grupo tivesse feito aparecer as relações e os

conflitos de poder entre estes. Ademais, a fluidez das “verdades” científicas, o volume de

referências bibliográficas e o hiato entre a formulação de políticas públicas e a concretização

destas no território nos fazem identificar no produto ora apresentado, apenas um retrato da

realidade local.

Faz-se necessário pontuar que assumimos, nesta tese, a política pública, no caso a

PNSM e a portaria 3.088/2011 que instituiu a RAPS, como referência atual para discussão

sobre a reorganização dos serviços de saúde mental pós RPb e não como um ideal a ser

atingido. Temos a clareza de que a “rede viva”, aquela que se constrói no cotidiano dos atores,

transcende a “letra da lei” que institui e normatiza equipes e serviços, ainda que se oriente por

ela. É provavelmente por este motivo que mudar o arranjo organizacional em conformidade

com as especificações ministeriais, por si só, não garante a mudança de paradigmas, de

processos de trabalho ou de relações interpessoais. Ao mesmo tempo, ponderamos que as

transformações no arranjo organizacional dos serviços brasileiros de saúde mental são um

indicativo de que deslizamentos teórico-conceituais estão presentes na atualidade,

tensionando as redes de produção de saúde e fazendo avançar a RPb.

Reforçamos o valor de se reconhecer pujança no inacabado, de se discernir a potência

da plasticidade no alinhavo de uma rede que se encontra em construção. Agora é o momento

de apostar na complementaridade entre as diferenças de atores, serviços e setores, para, a

partir das “ilhas de resistência” reconhecidas no território, religarmos saberes e práticas em

prol da RAPS e da RPb no cenário estudado.

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166

VASCONCELOS, M. F. F.; MENDONÇA-FILHO, M. Por uma genealogia das políticas de

inclusão de saúde mental contemporânea: da produção de políticas identitárias e de modos

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afetividade: narrativas e trajetórias de pesquisa [online]. Salvador: EDUFBA; São Cristóvão:

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VENTURINI, E. A linha curva: o espaço e o tempo da desinstitucionalização. Rio de

Janeiro: Editora Fiocruz, 2016.

VIEGA, L.P. A rede de serviços de atenção psicossocial na região sudeste da cidade de

São Paulo: potencialidades e limites. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade

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YASUI, S. Rupturas e encontros: desafios da Reforma Psiquiátrica brasileira. Rio de

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ZGIET, J. Reforma psiquiátrica e os trabalhadores da saúde mental – a quem interessa mudar?

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167

APÊNDICES

APÊNDICE A – Roteiro para realização de grupo focal

Projeto: Entre fios e nós: uma análise dos modos de articulação da rede de atenção

psicossocial de Natal/RN

Público-alvo: ___________________

Grupo Focal no: ___________________

Data: ___/___/___

Local: _______________________________________________________

Moderador: ____________________________

Relator: _________________________________________

Horário de início: ___/___ Horário de término: ___/___

I – FICHA PARA CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES

No Nome Sexo Profissão* Serviço no qual

trabalha*

Tempo de

serviço

*Preenchimento exclusivo nos grupos focais cuja população-alvo é composta por gestores e trabalhadores.

II – QUESTÕES DISPARADORAS

1. Como se dá o acompanhamento dos usuários que passam pelo serviço?

2. Existem estratégias para promover a interação entre profissionais e serviços?

III – QUESTÕES DISPARADORAS ADAPTADAS PARA O GRUPO FOCAL COM OS

USUÁRIOS

1a Sessão

1. O que fazem quando precisam de cuidados na área de saúde mental?

2a Sessão

1. Como é o tratamento de vocês hoje?

2. Qual a opinião de vocês sobre os serviços de saúde mental?

3. O caminhar pela rede – dificuldades vivenciadas no caminhar pelos serviços

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APÊNDICE B – Roteiro para observação descritiva

Itens verificados durante as visitas para observação descritiva:

- Acolhimento ao usuário;

- Caminhos percorridos por usuários e profissionais dentro da RAPS/Natal;

- Interlocuções entre esta rede temática e ações intersetoriais de suporte ao cuidado em saúde

mental.

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APÊNDICE C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

DEPARTAMENTO DE ENFERMAGEM

PROJETO DE PESQUISA

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – TCLE

Esclarecimentos

Este é um convite para você participar da pesquisa: Entre fios e nós: uma análise dos modos

de articulação da Rede de Atenção Psicossocial de Natal/RN, que tem como pesquisador

responsável Déborah Karollyne Ribeiro Ramos.

Esta pesquisa tem como objetivo geral analisar os modos de articulação entre os serviços que

compõem a Rede de Atenção Psicossocial do município de Natal/RN; e como objetivos

específicos: traçar um fluxograma da Rede de Atenção Psicossocial de Natal, relacionando

serviços, fluxos assistenciais e instâncias intersetoriais envolvidas; compreender os modos de

articulação entre os serviços que compõem a Rede de Atenção Psicossocial de Natal,

considerando potencialidades e limitações; e propor tecnologias alternativas de articulação,

atentando para as especificidades loco-regionais.

O motivo que nos leva a fazer este estudo é a representatividade da problemática da

desarticulação dos serviços como fator impactante no cotidiano da assistência à saúde mental

coletiva. Além disso, a possibilidade de contribuir com alternativas possíveis e criativas que

proporcionem transformações na realidade da saúde mental em Natal, podendo tais resultados

serem expandidos para outros locais do Brasil.

Caso você decida participar, você deverá responder às perguntas da entrevista em grupo

(grupo focal) nos autorizando a gravação do diálogo. Tal procedimento terá, em média, uma

hora e meia de duração. Os questionamentos postos no grupo se referem ao acompanhamento

dos usuários na Rede de Atenção Psicossocial e às estratégias de interação entre profissionais

e serviços de saúde mental.

Durante a realização da entrevista grupal a previsão de riscos é mínima e refere-se,

basicamente, a possibilidade de constrangimento decorrente de algum dos questionamentos

colocados ao grupo. Os desconfortos que por ventura surjam durante sua participação nesta

pesquisa poderão ser minimizados através do respeito ao seu silêncio, acatando, se for o caso,

seu desejo de retirar-se do ambiente.

Participando desta pesquisa você terá como benefício a possibilidade de debater e

compreender melhor os modos de articulação da Rede de Atenção Psicossocial de Natal, além

de poder contribuir para a melhoria da qualidade da assistência à saúde mental.

Em caso de algum problema que você possa ter, comprovadamente relacionado com a

pesquisa, você terá direito a assistência gratuita que será prestada pela pesquisadora

responsável.

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Durante todo o período da pesquisa você poderá tirar suas dúvidas ligando para Déborah

Ramos através do telefone (84)999099131 ou pelo e-mail [email protected].

Você tem o direito de se recusar a participar ou retirar seu consentimento, em qualquer fase da

pesquisa, sem nenhum prejuízo para você.

Os dados que você irá nos fornecer serão confidenciais e serão divulgados apenas em

congressos ou publicações científicas, não havendo divulgação de nenhum dado que possa lhe

identificar.

Esses dados serão guardados pelo pesquisador responsável por essa pesquisa em local seguro

e por um período de 5 anos.

Se você tiver algum gasto pela sua participação nessa pesquisa, ele será assumido pelo

pesquisador e reembolsado para você.

Se você sofrer algum dano comprovadamente decorrente desta pesquisa, você será

indenizado.

Qualquer dúvida sobre a ética dessa pesquisa você deverá entrar em contato com o Comitê de

Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Onofre Lopes, telefone: 3342-5003, endereço:

Av. Nilo Peçanha, 620 – Petrópolis – Espaço João Machado – 1° Andar – Prédio

Administrativo - CEP 59.012-300 - Nata/Rn, e-mail: [email protected].

Este documento foi impresso em duas vias. Uma ficará com você e a outra com Déborah

Karollyne Ribeiro Ramos (pesquisadora responsável).

Consentimento Livre e Esclarecido

Após ter sido esclarecido sobre os objetivos, importância e o modo como os dados serão

coletados nessa pesquisa, além de conhecer os riscos, desconfortos e benefícios que ela trará

para mim e ter ficado ciente de todos os meus direitos, concordo em participar da pesquisa

“Entre fios e nós: uma análise dos modos de articulação da Rede de Atenção Psicossocial

de Natal/RN”, e autorizo a divulgação das informações por mim fornecidas em congressos

e/ou publicações científicas desde que nenhum dado possa me identificar.

_______________________________________________

Assinatura do participante da pesquisa ou de seu representante legal

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Declaração do pesquisador responsável

Como pesquisador responsável pelo estudo “Entre fios e nós: uma análise dos modos de

articulação da Rede de Atenção Psicossocial de Natal/RN”, declaro que assumo a inteira

responsabilidade de cumprir fielmente os procedimentos metodológicos e direitos que foram

esclarecidos e assegurados ao participante desse estudo, assim como manter sigilo e

confidencialidade sobre a identidade do mesmo.

Declaro ainda estar ciente que na inobservância do compromisso ora assumido estarei

infringindo as normas e diretrizes propostas pela Resolução 466/12 do Conselho Nacional de

Saúde – CNS, que regulamenta as pesquisas envolvendo o ser humano.

Natal, (data).

_______________________________________________

Déborah Karollyne Ribeiro Ramos

Enfermeira COREN PB 287.515

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APÊNDICE D – Rede de Atenção Psicossocial da cidade do Natal/RN considerando capacidade instalada por Distrito Sanitário e parcerias

intersetoriais

Distrito Sanitário Bairro Serviço Endereço

Norte 1 Lagoa Azul USF Cidade Praia Rua São Caetano, 520, Cj. Cidade Praia,

Lagoa Azul.

USF Guamoré Avenida Guaratinguetá, 03, Cj. Gramoré,

Lagoa Azul.

USF Nova Natal Rua do Pastoril, s/n, Cj. Nova Natal,

Lagoa Azul.

USF Nova Natal I Rua dos Aboios s/n, Cj. Nova Natal,

Lagoa Azul.

USF Nova Natal II Rua Tatiara, 3169, Lagoa Azul.

USF Nordelândia Avenida Maria Araújo, 1021, Lot. Boa

Esperança, Lagoa Azul.

USF José Sarney Rua dos Lírios, 231, Lot. José Sarney,

Lagoa Azul.

CRAS Lagoa Azul Av. Guaratinguetá, 682, Cj. Guamoré,

Lagoa Azul.

Pajuçara USF Parque das Dunas Avenida Mar Mediterrâneo, 101, Cj.

Parque das Dunas, Pajuçara.

USF Pajuçara Rua Maracaí, 01, Pajuçara.

USF Vista Verde Rua Linda Batista,

18, Cj. Vista Verde, Pajuçara.

USF Pompeia Avenida Gov. Antônio de Melo Sousa,

2405, Cj. Parque da Floresta, Pajuçara.

UPA – Pajuçara Avenida Moema Tinôco, 3393, Pajuçara.

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CRAS Pajuçara Rua Flor do Paraíso, 319, Lot. Dom

Pedro I, Pajuçara.

Redinha USF África Avenida João

Medeiros Filho, 02, Redinha.

USF Redinha Rua do Campo,02 – Redinha velha –

Redinha.

USF Alto da Torre Rua Construtor Severino Bezerra, 843 A,

Redinha.

NASF África Avenida João Medeiros Filho, 02,

Redinha.

CRAS África Rua Conselheiro Tristão, 1002,

Comunidade África, Redinha.

Norte 2 Nossa Sra. da Apresentação USF Planície das Mangueiras Rua Nova Granada, s/n, Cj. Planície das

Mangueiras, Nossa Sra. Da

Apresentação.

USF Parque dos Coqueiros Rua das pedrinhas, s/n, Cj. Parque dos

Coqueiros, Nossa Sra. da Apresentação.

USF Vale Dourado

CRAS Na. Sra. Apresentação Rua Rizomar, 391, Nossa Senhora da

Apresentação.

Hospital Maria Alice Fernandes (ainda não

habilitado)

Av. Pedro Álvares Cabral, Cj. Parque dos

Coqueiros, Nossa Sra. da Apresentação.

Potengi USF Potengi Avenida Itapetinga,02, Cj. Santarém,

Potengi.

USF Soledade I Rua Santanó polis, 2852, Potengi.

USF Soledade II Rua Serra Negra, 2000, Cj. Soledade II,

Potengi.

USF Panatis Rua das Pimenteiras, s/n, Cj. Panatis II,

Potengi.

USF Santa Catarina Rua Aracati, 271, Cj. Panatis III, Potengi.

USF Santarém Avenida Rio doce, 12, Cj. Santarém,

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174

Potengi.

NASF Santarém Avenida Rio doce, 12, Cj. Santarém,

Potengi.

Central de Gestão em Saúde do Distrito

Sanitário Norte I

Av Dr joão Medeiros, s/n, Potengi.

CAPS AD II Travessa Macaé, 120, Potengi. (Endereço

temporário)

CEI (Policlínica Asa Norte) Avenida Dr Joao Medeiros, s/n, Cj. Santa

Catarina, Potengi.

Unidade Psiquiátrica de Custódia e

Tratamento

Rua Iguatu, s/n, Cj. Santarém, Potengi.

UPA – Potengi Avenida Senhor do Bonfim, s/n, Cj.

Santa

Catarina, Potengi.

CRAS Salinas Av. Dro. João Medeiros Filho, 4570,

Potengi.

CREAS Santarém - Equipe de abordagem

social

Av. Dr. João Medeiros Filho, 4570,

Potengi.

Centro Educacional Pe. João Maria –

CEDUC Pe. João Maria*

Avenida das Fronteiras, 1.626 – Conjunto

Santa Catarina, Potengi – Natal/RN

Igapó USF Bela Vista Rua Bela Vista, 1245, Igapó.

USF Igapó Rua são tiago, 01, Igapó.

Central de Gestão em Saúde Distrito

Sanitário Norte II

Rua Antônio Galdino, s/n, Igapó.

Salinas - -

Leste Santos Reis - -

Rocas USF Rocas Rua Francisco Bicalho, s/n, Rocas.

Centro de Convivência (Centro Integrado

de Serviços de Saúde – unidade pescadores)

Av. Duque de Caxias, 5, Rocas.

Praia do Meio USF Brasília Teimosa Rua Miramar, 32, Praia do Meio.

Areia Preta SMS – Nível Central (Central de Gestão em Rua Fabrício Pedroza, 915, Areia Preta.

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175

Saúde)

Petrópolis Unidade Familiar Comunitária Avenida Nilo peçanha, 613, Petrópolis.

CAPS III Rua Mipibu, 404, Petrópolis.

HUOL Av Nilo Peçanha, 620, Petrópolis.

Hospital Municipal de Natal Rua Joaquim Manuel, 655, Petrópolis.

CREAS Petrópolis - Equipe de abordagem

social

Rua Trairi, 526, Petrópolis.

Centro de Referência em Práticas

Integrativas e Complementares - CERPIC

Rua Tuiuti, 173, Petrópolis.

Tirol

UBS São João Avenida Romualdo Galvão, 891, Tirol.

CnaR – Equipe São João Avenida Romualdo Galvão, 891, Tirol.

CAPS AD III Rua Açu, nº 418, no Tirol. (Endereço

temporário)

SRT Rua Almeida Castro, 1119, Tirol.

Centro de Reabilitação Infantil - CRI Av. Alexandrino de Alencar, 1900, Tirol.

Ribeira Centro de Especialidades Integradas – CEI

I (Antiga Policlínica Dr. José Carlos

Passos)

Rua Augusto Severo, S/N - Ribeira

Central de Gestão em Saúde - Leste Praça Augusto Severo, s/s, Ribeira.

Albergue Municipal José Augusto da

Costa*

Rua Câmara Cascudo, 176, Ribeira.

Cidade Alta Central de Regulação de Natal Rua João Pessoa, 324, Cidade Alta.

Centro de Referência de Atenção ao Idoso Rua Apodi, 228, Cidade Alta.

Alecrim UBS Alecrim Avenida Presidente Bandeira, 935,

Alecrim.

USF Guarita Rua Presidente Sarmento, 1955, Alecrim.

USF Passo da Pátria Travessa Gardenia, s/n, Alecrim.

Centro de Especialidades Integradas – CEI

II

Av. Fonseca e Silva, 1129, Alecrim.

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Barro Vermelho CRAS Passo da Pátria Rua Ernani da Silveira, 1610, Barro

Vermelho.

Centro POP* Rua Ernani da Silveira, 988, Barro

Vermemlho.

Lagoa Seca UBS Lagoa Seca Rua Padre Antônio, s/n, Lagoa Seca.

Mãe Luíza Unidade Mista Mãe Luíza Rua João XXIII, Mãe Luiza.

USF Aparecida Rua Guanabara, 1050, Mãe Luiza.

CnaR – Equipe Mãe Luíza Rua Guanabara, 1050, Mãe Luiza.

CRAS Mãe Luíza Rua Guanabara, 816, Mãe Luíza.

Oeste OBS: Estes serviços, apesar

de estarem situados no Bairro

de Lagoa Nova (Distrito

Sanitário Sul) eles fazem

parte do Distrito Sanitário

Oeste

CAPS II Oeste – Lagoa Nova Rua Murilo Melo, 1924, Lagoa Nova.

SRT – Lagoa Nova Av. Miguel de Castro, 714, Lagoa Nova.

Nordeste USF Bairro Nordeste Rua Alto da Bela Vista, s/n, Bairro

Nordeste.

Quintas USF Monte Líbano Rua Matuzalem, s/n, Quintas.

UBS Quintas Travessa Luiz Sampaio, 712, Quintas.

Bom Pastor USF Bom Pastor Rua Augusto Calheiros, 01, Bom Pastor.

USF Novo Horizonte Rua dos Paiatís, 128, Bom Pastor.

Dix-sept Rosado SAMU – Coordenação Urgência e

Emergência

Rua dos Potiguares, 300, Dix-sept

Rosado.

Nazaré USF Nazaré Rua Rubens Mariz, 447, Nazaré.

NASF Nazaré Rua Rubens Mariz, 447, Nazaré.

Central de Gestão em Saúde Oeste Rua Rubens Mariz, 734, Nazaré.

CREAS Nazaré – Equipe de Abordagem

Social

Rua Abílio Deodato do Nascimento,

2117, Nossa Sra. de Nazaré.

Centro Educacional Nazaré – CEDUC

Nazaré*

Rua Tiradentes, 455 – Nazaré –

Natal/RN.

Felipe Camarão Unidade Mista de Felipe Camarão* Rua da Tamarineira, 25, Felipe Camarão.

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USF Felipe Camarão II Rua Santa Cristina, s/n Felipe Camarão.

USF Felipe Camarão III Rua Itamar Maciel, 360, Felipe Camarão.

USF KM 06 Avenida Cap. Mor Gouveia, s/n, KM 06,

Felipe Camarão.

Cidade da Esperança CAPSi Avenida Cap Mor Gouveia, s/n, Cidade

da Esperança.

Unidade de Acolhimento (em fase de

construção)

Avenida Cap Mor Gouveia, s/n, Cidade

da Esperança.

Posto de Saúde Terminal Rodoviário Av. Cap Mor Gouveia, 1237, Cidade da

Esperança.

UPA – Cidade da Esperança Avenida Paraíba, s/n, Cidade da

Esperança.

CEI Oeste (Policlínica Cid. Da Esperança) Avenida Capitão Mor Gouveia, S/N – Cidade da Esperança – Natal/RN

Centro Integrado de Atendimento ao

Adolescente acusado de Ato Infracional –

CIAD Natal*

Avenida Capitão Mor Gouveia, S/N – Cidade da Esperança – Natal/RN

Cidade Nova USF Cidade Nova Rua Laranjal, 47, Cidade Nova.

CRAS Felipe Camarão Travessa Getúlio Vargas, s/n, Cidade

Nova.

Guarapes USF Guarapes Rua Lagoa Seca, s/n, Guarapes.

CRAS Guarapes Rua da Ribeira, 09 A, Guarapes.

Sul Nova Descoberta UBS Nova Descoberta Rua Xavier da Silveira, s/n, Nova

Descoberta.

Hospital Colônia Dr. João Machado Av Alexandrino de Alencar, 1378, Cj.

Morro Branco, Nova Descoberta.

Lagoa Nova Casa de Saúde Natal Av. Romualdo Galvão, 1402, Lagoa

Nova.

Central de Gestão em Saúde Distrito

Sanitário Sul

Rua Francisco Borges de Oliveira, 1317,

Lagoa Nova.

Candelária UBS Candelária Rua Nossa Senhora da Candelária, 3402,

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Candelária.

Capim Macio UBS Mirassol Rua das Orquídeas, 779, Cj. Mirassol,

Capim Macio.

Associação dos Pais e Amigos dos Autistas

do RN – APAARN

Av. Miguel Alcides de Araújo, 1881,

Capim Macio.

Clínica Santa Maria Rua Américo Soares Wanderley, Capim

Macio.

Ponta Negra USF Ponta Negra Rua José Medeiros, 01, Ponta Negra.

CnaR – Equipe Ponta Negra Rua José Medeiros, 01, Ponta Negra.

CRAS Ponta Negra Rua Aparecida Bem vinda, 123, Vila de

Ponta Negra, Ponta Negra.

CREAS Ponta Negra – Equipe de

abordagem social

Rua Aparecida Bem Vindo, 123, Vila de

Ponta Negra, Ponta Negra.

Pitimbu Unidade Mista de Cidade Satélite Rua das Carnaúbas, 02, Pitimbu.

UBS Cidade Satélite (Pitimbu) Rua Serra do Piracambu, 02, Pitimbu.

Ambulatório de Cidade Satélite Rua Pastor Isaías Batista, 1353, Pitimbu.

UPA Cidade Satélite Av. dos Xavantes, 1228-1306, Pitimbu.

SRT Rua Comandante Monteiro Chaves,

2053, Cj. Cidade Satélite, Pitimbu. Centro Educacional Nazaré – CEDUC

Pitimbu*

Neópolis UBS Jiqui Rua União dos Palmares, 11, Cj. Jiqui,

Neópolis.

UBS Pirangi (Cj. Pirangui) Av São Miguel dos Caribes, s/n, Cj.

Pirangui, Neópolis.

CEI Sul (Neópolis) Av. Airton Senna, s/n, Neópolis.

Ambulatório de Prevenção e tratamento de

Tabagismo, Alcoolismo e outras

drogadições

Av. São Miguel dos Caribes, s/n, Cj.

Pirangi, Neópolis.

Parque das Dunas Zona de Proteção Ambiental -

Planalto USF Planalto Rua Comunidade Shalon, 15, Planalto.

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USF Enfermeira Rosângela Lima Rua Santa Beatriz, s/n, Planalto.

USF Nova Cidade Rua Horácio Dantas, s/n, Cj. Nova

Cidade, Planalto.

CRAS Planalto Rua Monte Rei, 550, Planalto.

*As igrejas e a Universidade constituem parcerias intersetoriais que estão disponíveis (e espalhadas) em todos os bairros de todos os Distritos

Sanitários.

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ANEXOS

ANEXO A – Carta de Anuência do HUOL

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181

ANEXO B – Carta de Anuência da SMS/Natal

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ANEXO C - Parecer Consubstanciado do Comitê de Ética em Pesquisa do HUOL