Das arquibancadas para a internet; o fã-ativismo do torcedor são ...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
Comunicação Social
Jéssica Malta Couto
DAS ARQUIBANCADAS PARA A INTERNET: O fã-ativismo do torcedor são-paulino
nas redes sociais
Belo Horizonte
2013
Jéssica Malta Couto
DAS ARQUIBANCADAS PARA A INTENET: O fã ativismo do torcedor são-paulino
nas redes sociais
Monografia apresentada ao Curso de Comunicação
Social – Publicidade da Universidade Federal de
Minas Gerais, como requisito parcial para o título de
Bacharel em Comunicação Social – Publicidade.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Geane Carvalho Alzamora
Co-orientadora: Prof.ª Mª. Natália Moura Pacheco
Cortez
Belo Horizonte
2013
Jéssica Malta Couto
DAS ARQUIBANCADAS PARA A INTERNET: O fã ativismo do torcedor são-paulino
nas redes sociais
Monografia apresentada ao Curso de Comunicação
Social – Publicidade da Universidade Federal de
Minas Gerais, como requisito parcial para o título de
Bacharel em Comunicação Social – Publicidade.
__________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Geane Carvalho Alzamora (Orientadora)
__________________________________________________
Prof.ª Mª. Natália Moura Pacheco Cortez (Co-orientadora)
___________________________________________________
Professor Dr. Carlos Frederico Brito D‟Andrea
___________________________________________________
Professor Me. Tiago Barcelos Pereira Salgado
Belo Horizonte, 5 de dezembro de 2013
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, por me iluminar e me dar força durante esse percurso.
Aos meus pais pelo apoio, amor e carinho.
Às minhas avós pela atenção, pelo amor e pelo exemplo que representam para mim.
Aos meus irmãos por estarem ao meu lado e serem tão importantes em minha vida.
À Shai pela paciência e pelo amor.
À Vitória pela ajuda e pela amizade.
À Binha por ser minha irmã de coração, ao Alisson por ser meu tio com jeito de irmão.
À Geane e a Natália pela paciência, pela fundamental ajuda, pelo incentivo e apoio.
E a todos de que de alguma forma se fizeram presentes durante este processo.
“Aqui é trabalho, Meu Filho!”
Muricy Ramalho.
Belo Horizonte
2013
RESUMO
No ano de 2013, o São Paulo Futebol Clube viveu um momento conturbado, tanto no âmbito
político como no âmbito esportivo. O presente estudo tem como objetivo compreender em
que medida a atividade comunicacional gerada pelos torcedores são-paulinos em sites de
redes sociais se insere no contexto do fã ativismo e como o contexto sociopolítico do clube
permeia essa atividade comunicacional. Para a consecução do objetivo proposto, são
consideras as noções de Cultura de Convergência, Cultura Participativa, Inteligência Coletiva
e fandom como operadores analíticos a fim de investigar como se desenvolveram as
atividades dos torcedores são-paulinos nos sites Twitter, Facebook e Youtube.
Palavras-chave: fandom, fã ativismo, cultura de convergência, futebol, São Paulo
ABSTRACT
In 2013, the soccer team São Paulo went through a troubled time, both in the political sphere
as in sports. This paper has the intent to understand how the communicational activity
generated by the Sao Paulo‟s fans is related with the context of fan activism and how the
sociopolitical context of the team permeates this communicational activity. To achieve the
proposed objective, the concepts of Convergence Culture, Participatory Culture, Collective
Intelligence and fandom were considered as analytical operators to investigate how the
activity of the Sao Paulo‟s fans was developed.
Keywords: fandom, fan ativism, convergence culture, soccer, Sao Paulo
LISTA DE IMAGENS
Figura 1 – Notícia fictícia do site Olé Brasil -------------------------------------------------------- 23
Figura 2: Vídeo sátira da TV Olé Brasil ------------------------------------------------------------- 24
Figura 3: Vídeo com lances do atacante Welliton, contratação do São Paulo ------------------ 25
Figura 4 – Livro Whisky com Bolachas, feito por um perfil falso da internet ----------------- 26
Figura 5 – Fanpage de humor futebolístico no Facebook ----------------------------------------- 27
Figura 6 – Fansite sobre o Cruzeiro Esporte Clube ------------------------------------------------ 27
Figura 7 – Torcedores cruzeirenses pedem a volta de Alex --------------------------------------- 28
Figura 8: Matéria escrita pelo Neto, comentarista da Band --------------------------------------- 35
Figura 9 – Postagem na fanpage Movimento Fora Juvenal Juvêncio ---------------------------- 43
Figura 10 – Tag #ForaJuvenal entre os assuntos mais comentados no Twitter ---------------- 47
Figura 11 – Fanpage do Movimento Fora Juvenal Juvêncio -------------------------------------- 48
Figura 12 – Vídeo com fatos e números sobre a gestão do clube -------------------------------- 49
Figura 13 – Evento criado para a organização do protesto conta a diretoria ------------------- 53
Figura 14: Imagem do painel interativo da Allianz Arena ---------------------------------------- 55
Figura 15 – Informações do criador do site Crise no São Paulo ---------------------------------- 56
Figura 16: Tweet que indicava o que seria feito no Morumbi ------------------------------------ 57
Gráfico 1 – Horário em que ocorreram os Trending Topics -------------------------------------- 59
Gráfico 2 – Dias em que os Trending Topics foram alcançados --------------------------------- 60
Gráfico 3 – Temas que motivaram os Trending Topics ------------------------------------------- 61
Gráfico 4 – Frequência da tag #AquiÉTrabalhoMeuFilho ---------------------------------------- 63
Gráfico 5 – Nuvem de hashtags ----------------------------------------------------------------------- 64
SUMÁRIO
1. Introdução -------------------------------------------------------------------------------------------- 08
2. A cultura fã no futebol ------------------------------------------------------------------------------ 11
2.1 A cultura dos fãs: convergência, participação e inteligência coletiva -------------- 11
2.1.1 Cultura participativa -------------------------------------------------------------------- 16
2.1.2 Inteligência Coletiva -------------------------------------------------------------------- 18
2.2 Os fãs de futebol no ambiente digital --------------------------------------------------- 20
2.2.1 Produções de Torcedores --------------------------------------------------------------- 21
2.2.2 O Fã ativismo nas redes sociais ------------------------------------------------------- 27
3. São Paulo: das glórias passadas aos tempos difíceis -------------------------------------------- 30
3.1 Breve História do Clube ------------------------------------------------------------------ 30
3.2 O clube em 2013 --------------------------------------------------------------------------- 34
4. O fandom são-paulino nas redes sociais ---------------------------------------------------------- 39
4.1 O fandom são-paulino -------------------------------------------------------------------- 39
4.2 A inteligência coletiva no fandom são-paulino ---------------------------------------- 44
4.3 Redes sociais como plataformas de participação da torcida ------------------------- 45
5. O fã ativismo são-paulino -------------------------------------------------------------------------- 50
5.1 Aspectos Metodológicos ----------------------------------------------------------------- 50
5.2 A atividade comunicacional gerada ----------------------------------------------------- 52
5.3 O fandom em atividade: o que motivou a torcida? ----------------------------------- 58
6. Conclusão --------------------------------------------------------------------------------------------- 65
Referências Bibliográficas ----------------------------------------------------------------------------- 68
8
1. Introdução
No primeiro semestre de 2013, o São Paulo F.C.1 viveu um período conturbado,
marcado pelo mau desempenho esportivo e consequentes críticas à administração do clube,
além de um conflituoso ambiente político, impulsionado pela proximidade das eleições para a
presidência do clube – marcadas para abril de 2014. Em meio a esse contexto, a torcida são-
paulina discutiu e desenvolveu ações relacionadas ao clube, visíveis principalmente em sites
de redes sociais, como Twitter, Facebook e Youtube.
Sendo assim, destaca-se como objetivo dessa pesquisa investigar em que medida a
atividade comunicacional dos torcedores são-paulinos – definida pelos Trending Topics e
conteúdos observados nos sites Facebook e Youtube – se insere no contexto de fã ativismo, e
de que modo o contexto sociopolítico do clube permeou tal atividade comunicacional.
A pesquisa teve como foco a atividade da torcida no Twitter, mensurada e observada
através dos Trending Topics relacionados ao São Paulo. O caráter de discussão, próprio do
Twitter, e a facilidade de mensuração das discussões – por meio dos os Trending Topics, que
se referem aos assuntos mais comentados nesse ambiente – foram os principais motivadores
para a escolha desse site. Facebook e Youtube foram observados a partir das relações entre as
discussões presentes no Twitter e suas conexões com os conteúdos criados nos sites Facebook
e Youtube. A partir dessa relação, foi observado que as redes se complementavam,
constituindo partes da mesma discussão, mas com conteúdos específicos de cada um dos sites.
Partindo da identificação do futebol como um esporte fortemente midiatizado e
também do caráter ativo da torcida, os torcedores foram entendidos como fãs, baseando-se, na
compreensão apresentada por Jenkins (2008). A relação entre os fãs e o futebol, tem como
base a pesquisa desenvolvida por Hunt, Bristol e Barshaw (1999) que caracteriza os tipos de
fãs de futebol, que permitiu categorizar os torcedores são-paulinos.
Atuando de forma coletiva, engajados e reunidos por valores em comum, os torcedores
são-paulinos constituíam uma comunidade. Como fãs, a comunidade formada pelos
torcedores foi analisada sob a perspectiva do fandom, termo que designa as comunidades de
fãs presentes, principalmente, na internet (JENKINS, 2009).
Para investigar o desenvolvimento e a participação dessas comunidades na internet, foi
importante não só descrever o contexto vivido pelo clube – por meio da busca de notícias e
1 Abreviação para São Paulo Futebol Clube.
9
reportagens em sites esportivos brasileiros e no site oficial do São Paulo – mas também,
compreender a atividade comunicacional do fandom em questão por meio do contexto de
participação e as especificidades da ação da torcida nos ambientes e em suas conexões – nesse
sentido, a Cultura de Convergência (JENKINS, 2009) foi utilizada como conceito central da
pesquisa.
Para Jenkins (2009) a convergência refere-se a um contexto caracterizado pelo fluxo
de conteúdos em diversas plataformas de mídia, pela cooperação de múltiplos canais
midiáticos e pelo comportamento do público, que passa a buscar formas de entretenimento em
diversos lugares. É importante destacar que, como o próprio autor afirma, a convergência se
concretiza através da participação ativa do público. É nesse contexto, portanto, que a
atividade dos fãs se desenvolve, já que os mesmos não apenas se apropriam das tecnologias,
mas configuram uma nova forma de ação em relação aos conteúdos midiáticos.
O conceito de convergência não implica apenas na atividade fã, mas também da base
para a criação dos fandoms, já que por definir esse novo contexto, aponta também as
transformações que permitem essa união de indivíduos – como o encurtamento de distâncias e
a facilidade de reunião entre pessoas com os mesmos interesses, permitidos através da
internet.
Em uma cultura da convergência, todos os indivíduos são participantes, o conceito de
Cultura Participativa relaciona-se a isso, já que é um contexto que incentiva a ampla
participação e a criatividade alternativa – ações evidentes nas comunidades fãs. A discussão e
troca de informações, também são atividades comuns nos fandoms. É por meio das discussões
e interações entre os membros, que as relações se tornam mais fortes e os conteúdos mais
visíveis, dada a lógica de conexões que rege os ambientes da Internet. Essas atividades
constituem a Inteligência Coletiva, que para Jenkins (2009) refere-se à capacidade das
comunidades de alavancarem a expertise combinada de seus membros.
A pesquisa organiza-se em seis capítulos, sendo o primeiro e o sexto, introdução e
conclusão, respectivamente. No seguindo capítulo, encontra-se a revisão das teorias que dão
base ao trabalho – definição de fã e fandom, Cultura da Convergência (JENKINS, 2009),
Cultura Participativa (JENKINS, 2009), Inteligência Coletiva (JENKINS, 2009) e Fã-
ativismo (JENKINS, 2012). No terceiro capítulo, é discutido o momento do clube, através de
uma breve apresentação de sua história e da situação vivida no ano de 2013. No quarto
capítulo, as noções de fandom, inteligência coletiva e cultura participativa são aplicadas ao
10
contexto são-paulino, discutindo, também, os sites de redes sociais em que se desenvolveu a
atividade comunicacional da torcida. No quinto capítulo são apresentados os aspectos
metodológicos utilizados na observação e coleta de dados e, em seguida, é descrita a atividade
comunicacional da torcida, levando-se em conta o contexto são-paulino e as noções de fã
ativismo.
A coleta manual dos Trending Topics e a observação das discussões desenvolvidas e
seus desdobramentos nos outros sites de rede social forneceram os dados empíricos para a
pesquisa. Relacionados às informações obtidas sobre o momento vivido pelo São Paulo, que
se deu por meio da pesquisa de reportagens, notícias e o acompanhamento de jogos e
coletivas de imprensa, foi possível compreender a relação entre o contexto sociopolítico e as
discussões e conteúdos criados pelos torcedores. Foi notável a influência da imprensa na
discussão dos torcedores, tanto em relação aos jogos televisionados – que motivavam
discussões – quanto ás notícias, entrevistas e reportagens sobre o clube.
A revisão teórica possibilitou não só compreender o contexto em que se insere a
atividade dos torcedores, mas também compreender a natureza dessas atividades. Notou-se
que a reunião e a interação coletiva entre os membros impulsionaram as discussões e
tornaram os conteúdos criados visíveis nos sites de redes sociais observados e, também, na
própria imprensa. Desenvolveu-se, desse modo, o ativismo do torcedor são-paulino,
impulsionado pelo próprio contexto vivido pelo clube. Nesse sentido os torcedores
desenvolveram discussões, ações e conteúdos sobre o clube, conectando os ambientes
mencionados, ampliando a visibilidade das questões levantadas a partir da organização do
fandom.
11
2. A cultura fã no futebol
De acordo com Monteiro (2007), o termo fã tem seu primeiro registro no final do
século XIX, em jornais da época – sendo utilizado para denominar seguidores de equipes
esportivas, já que o esporte havia se consagrado como uma forma de entretenimento
comercial. Para entender o futebol como um entretenimento comercial, pode-se fazer uma
analogia com os espetáculos de teatro. Ao comprar ingressos para uma partida, o torcedor
compra o direito de assistir ao espetáculo – que no caso do futebol, é a própria partida.
Atualmente, outro exemplo que reforça o caráter comercial do futebol como forma de
entretenimento, é a venda de cotas de transmissão para as emissoras de televisão. No ano de
2012, a prorrogação de contratos de transmissão, custou para a Rede Globo, cerca de 30
milhões de reais, valor pago a cada clube pelo direito da transmissão das partidas até 20172.
Durante muito tempo, os fãs foram vistos através de estereótipos negativos, que os
colocavam como indivíduos tão emocionalmente envolvidos com seus objetos de idolatria
que seriam incapazes de distinguir a realidade da ficção, e que, por investirem tanto tempo
nesses objetos, deixariam de viver sua vida em função do que idolatram, não tendo, portanto,
“vida própria”. (JENKINS apud BANDEIRA, 2008). No contexto atual de convergência
midiática os fãs são vistos por outros aspectos. Percebe-se, através de estudos sobre as
práticas e organizações dos fãs, a importante relação entre os avanços tecnológicos e a forma
pela qual os fãs recepcionam os conteúdos de seus objetos de idolatria.
2.1 A cultura dos fãs: convergência, participação e inteligência coletiva
Jenkins (2009) define a convergência como um processo que se refere ao:
fluxo de conteúdos através de múltiplas plataformas de mídia, à cooperação de
múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos
meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca de experiências de
entretenimento que desejam (JENKINS, 2009, p. 29).
Segundo o autor, o conceito de convergência consegue definir transformações tecnológicas,
mercadológicas, culturais e sociais e não deve ser compreendido como um processo apenas
tecnológico, mas também como uma transformação cultural, visto que, a circulação de
conteúdos – por diferentes sistemas de mídia, sistemas administrativos de mídias concorrentes
e fronteiras nacionais – depende fortemente da participação ativa dos consumidores
1 Radar Online, Revista Veja. Disponível em http://veja.abril.com.br/blog/radar-on-line/futebol/globo-prorroga-
contratos-de-nove-grandes/#.T_9NVCfczjE.twitter. Acesso em 08 de setembro de 2013.
12
(JENKINS, 2009). Em outras palavras, a convergência não se encerra nas possibilidades
permitidas pelos avanços tecnológicos, ela se concretiza apenas com a participação dos
consumidores nesses ambientes convergentes. A convergência, de acordo com Jenkins (2009),
ocorre dentro dos cérebros de consumidores individuais e em suas interações com os outros.
Ainda segundo o autor, o cientista político Ithiel de Sola Pool pode ser definido como
o profeta da convergência. Seu livro Technologies of Freedom (1983) foi provavelmente o
primeiro a apresentar a convergência como um poder de transformação dentro das indústrias
midiáticas. Segundo esse autor:
um processo chamado “convergência de modos” está tornando imprecisas as
fronteiras entre os meios de comunicação, mesmo entre as comunicações ponto a
ponto tais como correio, o telefone e o telégrafo, e as comunicações de massa, como
a imprensa, o rádio e a televisão. Um único meio físico – sejam fios, cabos ou ondas
– pode transportar serviços que no passado eram oferecidos separadamente. De
modo inverso, um serviço era oferecido por um único meio – seja a radiodifusão, a
imprensa ou a telefonia – agora pode ser oferecido de várias formas físicas
diferentes. Assim, a relação um a um que existia entre um meio de comunicação e
seu uso está se corroendo. (POOL, 1986:112 apud JENKINS, 2009:37).
Ao contrário do que era esperado pelo paradigma da revolução digital, as novas mídias não
substituem as antigas, elas interagem entre si, o que caracteriza o paradigma da convergência.
Como afirmado por McLuhan (1988), as novas tecnologias recuperam algo já presente em
outro meio. Os meios de comunicação não morrem, nem desaparecem, a lógica empreendida
nesses meios continua a existir, mas passa a ser acessada de diferentes maneiras.
Na cultura da convergência, as separações entre os meios são derrubadas o que faz
com que o mesmo conteúdo flua por canais diferentes, assumindo diferentes formas de
recepção. Mais do que mudanças tecnológicas, a convergência representa uma mudança nas
relações entre as tecnologias existentes, as indústrias, os mercados, os gêneros e o público.
Ela altera a lógica de operação da indústria midiática e a lógica pela qual os consumidores
processam a notícia e o entretenimento. A convergência não é algo que vai acontecer no
futuro, nós já vivemos numa cultura da convergência. (JENKINS, 2009).
Os celulares nos permitem enviar e-mails, fotos, acessar redes sociais, gravar vídeos e
músicas, entre outras atividades. Por meio do computador podemos assistir canais de
televisão, seriados, partidas de futebol, nos comunicar através de vídeo e áudio. Esses
dispositivos desprendem-se das características de um mero telefone, ou um mero computador,
13
tornando-se importantes ferramentas na recepção, na apropriação e, também, na produção de
conteúdos. O conceito de convergência vai além da convergência de diversos meios em
apenas um – Falácia da Caixa Preta3 – ele representa uma mudança na forma de consumo dos
indivíduos, suas interações sociais e suas relações com as tecnologias contemporâneas.
De acordo com Jenkins (2009), a convergência também precisa ser vista a partir de
dois processos: um corporativo e outro alternativo. As mudanças ocorrem tanto de cima para
baixo (empresas de mídia-consumidores) quando de baixo para cima (consumidores-mídia).
Do lado corporativo as indústrias estão aprendendo a acelerar e multiplicar o fluxo de
conteúdos através de diferentes canais a fim de reforçar a relação com o público, expandir as
possibilidades de lucro e os mercados. Do lado alternativo os consumidores estão aprendendo
a controlar o fluxo de conteúdo nas múltiplas tecnologias disponíveis, tornando seu papel
mais ativo nas esferas de produção e circulação de conteúdos. Esses processos são
simultâneos, ao mesmo tempo em que a indústria estuda como agir de acordo com as
mudanças no público, os sujeitos apropriam-se da tecnologia em busca de novas experiências,
como discute Silveira (2009).
O acompanhamento de uma partida de futebol através do computador, por exemplo,
pode acontecer por diversas plataformas simultaneamente. O indivíduo pode receber a
imagem do jogo por stream (transmissão de eventos em tempo real pela internet), ouvir a
narração através de uma web rádio, seja ela oficial ou não oficial, comentar e acompanhar
comentários sobre a partida nas redes sociais. Mais do que a capacidade do computador de
abarcar essas diferentes formas de acompanhamento, existe uma mudança na cultura do
indivíduo, que não satisfeito em acompanhar o jogo apenas por um canal, busca acompanha-la
através de outros canais. Essa atitude reflete o caráter migratório do público, que oscila entre
diversos canais em busca de novas experiências de entretenimento. A convergência representa
essa mudança cultural, já que os consumidores passam a ser incentivados a procurar novas
informações e fazer conexões em meio a diversos conteúdos, como propõe Jenkins (2009).
Segundo esse autor, a convergência ocorre quando as pessoas tomam o controle das
mídias, e, ao tomar esse controle, os resultados podem ser incrivelmente criativos. Os avanços
tecnológicos permitem uma facilidade no acesso, no armazenamento, na distribuição, na
apropriação e na produção de conteúdos. A convergência, portanto, impacta na forma como
3 Neste fenômeno, acredita-se que todos os conteúdos de mídia irão fluir por um único aparelho. (JENKINS,
2009 p. 42).
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consumimos os meios de comunicação. Fãs de determinados seriados, por exemplo, podem
capturar amostras de diálogos no vídeo, resumir episódios, transmiti-los ao vivo através do
stream, legendá-los, criar fanfictions, produzir seus próprios filmes por meio de fragmentos
da série, entre outras coisas, e distribuírem todos esses conteúdos por meio da internet.
Nesse contexto, Jenkins (2008) afirma que as comunidades de fãs são as primeiras a
adotar e usar criativamente as mídias emergentes. Eles “são o segmento mais ativo do público
das mídias, aquele que se recusa a simplesmente aceitar o que recebe, insistindo no direito de
se tornar um participante pleno” (Jenkins, 2008, p.181). De acordo com o autor, os fãs
produtores, fomentam um tipo de ataque surpresa à cultura de massa, apoderando-se de seus
materiais e desafiando as autoridades autorais e a propriedade intelectual. Para Kelly (2004)
os fãs de todos os lugares do mundo atuam como uma guerrilha do consumo, transformando a
recepção do entretenimento em produção. (KELLY apud CORREA, SANTOS, GARCIA,
PERSIGO. 2013).
A criação de fanfilms pode ser utilizada como exemplo da transformação da recepção
em produção. Essas produções feitas por fãs podem ter diversos temas, desde série de TV e
filmes a jogadores de futebol. No caso das séries de TV, esses vídeos são construídos através
de fragmentos da série, fragmentos de entrevistas, bastidores, entre outros materiais
audiovisuais relacionados ao tema abordado no vídeo. Entre os temas mais comuns, estão os
vídeos dos shippers, que são fãs que admiram o relacionamento, principalmente o amoroso,
de certos personagens fictícios. Esses relacionamentos não precisam existir na ficção, basta
que o fã “torça” por esse casal. Desta configuração surgem não só as produções em vídeo,
mas também fanfiction, fanarts, entre outras produções fã.
A internet tem um importante papel na atividade dos fãs, neste contexto, ela surge
como um potencializador dessas atividades, já que, além de permitir uma ampla camada de
interações, configura-se como uma plataforma de armazenamento e divulgação de conteúdos,
possui um alcance global, permitindo que as distâncias sejam encurtadas, facilitando o
encontro entre pessoas com os mesmos gostos e interesses. Nesse contexto desenvolvem-se as
comunidades de fãs, conhecidas também como fandom.
O fandom é um termo que surge da união das palavras inglesas – fan (fã) e kingdom
(reino). É usado para designar comunidades de fãs de um determinado produto cultural e estão
presentes, principalmente, na internet. Segundo Jenkins (2006b), essas comunidades são
caracterizadas por um sentimento de camaradagem e solidariedade entre os membros. Elas
15
representam mais que um grupo de amigos com os mesmos interesses, representam um grupo
de amplitude global, ativo, envolvido, consumidor e produtor de conteúdos (SOUZA e
MARTINS, 2012). O senso de comunidade encontrado no fandom vem da união de
indivíduos com o mesmo interesse e que valorizam a reunião, o debate de ideias, o
compartilhamento de conhecimentos e experiências que transformam reações pessoais entre
os indivíduos e o objeto em interações sociais, tanto entre os fãs, quanto entre os fãs e os
produtores (ESTEVAO, 2011). O fandom também é visto por Jenkins (2006), como um
veículo para grupos subculturais4 marginalizados (mulheres, jovens, gays e outros), que abre
espaço para seus consentimentos culturais dentro de representações dominantes. O fandom é
uma forma de apropriação e releitura de textos de mídia, de maneira que ele sirva a diversos
interesses, é uma forma de transformar a cultura de massa em cultura popular (JENKINS,
2006, p. 40).
Para Abercrombie e Longhurst (1998, p. 141) existem diferentes níveis de paixão e
envolvimento nas atividades dos fãs. Os níveis de engajamento com a mídia variam entre
consumidor e pequeno produtor (aqueles que comercializam suas produções de fã com os
próprios fãs). Por outro lado, o envolvimento dos fãs varia entre entusiástico e fã. Sandvoss
(2005) define os fãs de uma maneira mais inclusiva. Para o autor, o fandom é o consumo
regular e emocionalmente envolvido de algum produto midiático. (SULLIVAN, 2013).
De acordo com Fiske (2002), os fãs criam uma cultura com seus próprios sistemas de
produção e distribuição. Para o autor, o fenômeno do fandom está associado a produções
culturais mais relacionadas à sociedade – como os esportes, as séries de televisão, atores ou
atrizes, gêneros musicais, entre outros. Para discutir as características principais do fandom, o
autor propõe três categorias – Discriminação e Distinção, Produtividade e Participação, e
Acúmulo de Capital. A primeira categoria refere-se à preocupação da cultura dos fãs em se
definir claramente os limites que pertence ou não a sua esfera cultural. Os limites definidos
pelas diferenças culturais estabelecem uma distinção entre os membros da comunidade e a
sociedade em geral quanto ao grau de influência cultural. O autor argumenta que a cultura dos
fãs influencia o comportamento, os valores e autoestima dos fãs de determinado produto
cultural (JORGE; NAVIO, 2013).
4 O termo subcultura refere-se ao conjunto de particularidades culturais de um grupo que se distancia do modo
de vida dominante, sem se desprender dele.
16
Na segunda categoria proposta, Fiske (2002) divide a produtividade dos fãs em três
categorias – produtividade semiótica, produtividade enunciativa e produtividade textual. A
produtividade semiótica refere-se à criação de identidade social a partir das fontes semióticas
dos produtos culturais, a produtividade enunciativa remete a transformação pública dos
significados criados pelos fãs após sua divulgação e a produtividade textual relaciona-se a
produção e circulação de textos e narrativas em relação ao objeto do fandom (JORGE;
NAVIO, 2013).
A última categoria proposta pelo autor diz respeito à acumulação de capital. No
contexto do fandom, essa acumulação refere-se a uma acumulação de capital cultural5². Os fãs
procuram aumentar esse capital através da produção de textos, da organização e participação
de eventos e pela criação de seus próprios conteúdos. A acumulação de conhecimento sobre o
objeto de fandom, antes dos outros, é entendida como uma forma de poder. Esses indivíduos
são denominados experts. (JORGE; NAVIO, 2013).
O avanço dos estudos sobre fãs nas ultimas décadas, direcionou-se para a exploração
das atividades dos fãs como práticas de pessoas comuns, fugindo da visão negativa e
estereotipada, e observando a maneira como essas práticas se inserem no cotidiano (GRAY,
SANDVOSS E HARRINGTON, 2007). Ser fã tornou-se uma prática mais normalizada, na
medida em que, nos ambientes virtuais, se torna acessível para mais indivíduos, e também, na
medida em que suas práticas passam a fazer parte do cotidiano de quem participa dessas
comunidades (JORGE e NAVIO, 2013).
2.1.1 Cultura participativa
De acordo com Jenkins (2009), o momento atual de transformações midiáticas
reafirma o direito dos indivíduos de contribuírem ativamente com sua cultura. É um contexto
que incentiva a ampla participação e a criatividade alternativa, que se se relaciona a essa
capacidade dos fãs de criarem seus próprios conteúdos, o alternativo, neste contexto,
relaciona-se a criações não oficiais, em outras palavras, criações alternativas às criações
oficiais. Na cultura de convergência, todos são participantes – mas os níveis da participação e
sua influência são diferentes. O autor considera importante a distinção entre interatividade e
participação, por serem palavras usadas muitas vezes indistintamente. Em seu livro, Cutura
5 Termo cunhado por Pierre Bordeau (1979) que se refere ao conjunto de recursos, competências e apetências
disponíveis e mobilizáveis em matéria de cultura dominante ou legítima.
Disponível em http://www.infopedia.pt/$capital-cultural;jsessionid=+0OqgUEU7D4IvWr-CffAAA__. Acesso
03 de novembro de 2013.
17
da Convergência, o autor compreende como interatividade o modo como as tecnologias são
planejadas para responder ao feedback do consumidor. As restrições da interatividade são,
portanto, tecnológicas. Por outro lado, a participação é moldada por protocolos culturais e
sociais, sendo mais ilimitada e menos controlada pelos produtores de mídia e mais controlada
pelos consumidores de mídia. Neste sentido, Jenkins (2009 p. 189-190) cita o exemplo do
cinema, em que a participação do espectador é moldada pela tolerância do público, que pode
aceitar ou não, que o filme seja comentado durante a seção.
A expressão cultura participativa, surge nesse contexto de participação, e relaciona-se
às transformações no papel dos consumidores em relação aos meios de comunicação.
Atualmente, os papéis dos produtores e dos consumidores não devem ser vistos
separadamente, ambos devem ser considerados como participantes interagindo de acordo com
um novo conjunto de regras (JENKINS, 2009, p. 30). Para Ricardo Oliveira (2010, p. 4) o
poder de elaborar e transmitir conteúdos não é mais um privilégio exclusivo dos grandes
conglomerados midiáticos, os consumidores passam a ser atuantes nas mídias (OLIVEIRA
apud SOUZA; MARTINS, 2012).
Segundo Souza e Martins (2012) a cultura participativa é resultado de duas tendências
contemporâneas – a convergência midiática e a apropriação tecnológica por parte do público –
representando um convite aos fãs e consumidores em geral a produzir e difundir novos
conteúdos a partir da adaptação e conformação de produtos culturais, que podem ter fins
lucrativos – como a criação de novos objetos para a série de jogos The Sims, que são
comercializados em sites destinados apenas a esse tipo de produto – e também conteúdos sem
fins lucrativos, como alguns vídeos, recapitulações de temporadas de seriados, entre outros.
Vista principalmente no ambiente online, a apropriação tecnológica é o suporte da
maioria dos fandoms e suas produções. Com a possibilidade de se exibir trabalhos construídos
de forma caseira, uma nova tendência para a valorização da criatividade e da expressão
pessoal é gerada. De acordo com Jenkins (2008), a internet facilita a visibilidade dessas
produções alternativas. Nesse contexto, a produtividade do fã representa uma rejeição à ideia
de que o produto oferece apenas a visão de seus produtores, podendo ter sua visão expandida,
através das criações dos fãs que, em alguns casos, podem surgir como uma criação de novas
histórias, a partir da história presente em um livro, a expansão da história de determinados
personagens, entre outros (VARGAS apud SOUZA; MARTINS, 2012).
18
De acordo com Fiske (2002), a participação dos fãs também pode ser vista como uma
forma de resistência política, feita através do estabelecimento de um senso de propriedade
sobre seu produto midiático favorito e do engajamento dos fãs na construção de várias
interpretações para esses produtos. Segundo o autor, os fãs desenvolvem sua própria
identidade em relação aos produtos midiáticos que consomem.
A internet, segundo Jenkins (2009), é um lugar de experimentação e inovação. Nesse
ambiente os amadores podem sondar o terreno, desenvolver novos métodos e temas e criar
materiais que podem atrair seguidores. A mídia absorve os métodos mais viáveis
comercialmente, seja por meio da contratação de novos talentos e pelo desenvolvimento de
trabalhos com bases nesses materiais ou por meio da imitação da mesma estética e temática.
Ela pode também fornecer inspiração para outros empreendimentos amadores impulsionando
a cultura popular em novas direções. Em um contexto como esse, os trabalhos dos fãs não
podem ser mais encarados apenas como derivados de materiais comerciais, mas sim como
trabalhos que também são passíveis de apropriações e reformulações, tanto da indústria
midiática – através da criação de conteúdos em resposta às produções ou aos desejos dos fãs –
como dos próprios fãs (Jenkins, 2009 p. 207).
Fernandez e Falchetti (2011) demonstram como ocorre a apropriação de conteúdos
produzidos por fãs pelos próprios fãs, ao afirmarem que a internet confere espaço para que
outros usuários criem obras como resposta às obras já divulgadas, sem a necessidade de negar
ou excluir informações anteriores. De acordo com os autores, a cultura participativa garante
constante alteração e evolução de obras difundidas na internet. No ambiente digital, essas
obras se inter-relacionam, dialogam-se, separam-se, se reconstroem e voltam a dialogar. Os
usuários, mesmo sendo de diferentes lugares, são capazes de se encontrar graças a seus
interesses em comum e, a partir disso, podem trabalhar colaborativamente na construção de
novas obras. A construção está sempre em mudança, nunca se concretiza (FERNANDEZ;
FALCHETTI, 2011).
2.1.2 Inteligência Coletiva
De acordo com Jenkins (2009), a era da convergência das mídias permite modos de
audiência comunitários ao invés de modos mais individualistas. Neste contexto, os produtos
midiáticos fornecem material para discussões. A famosa conversa na hora do cafezinho,
apontada pelo autor, ganha um espaço de discussão ampliado no ambiente virtual. Nesse
contexto de espaços de discussão surgem exemplos como fóruns de discussão, e redes sociais
19
como Twitter e Facebook são fortalecidas, por também, também ampliarem esses espaços. A
possibilidade de compartilhar comentários, ideias, notícias, opiniões e conhecimentos é uma
abertura para esses espaços de discussão.
Nesse contexto virtual, desenvolve-se o que pode ser chamado de inteligência coletiva.
Para definir a inteligência coletiva, Pierre Lévy (2007), parte do princípio de que “se os outros
são fonte do conhecimento, a recíproca é imediata” (LÉVY, 2007, p. 28), a inteligência
coletiva, é, portanto, “uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada,
coordenada e mobilizada em tempo real” (2007, p. 30). Ainda segundo o autor, na internet, a
expertise dos indivíduos é subordinada a objetos e fins comuns. Baseando-se na definição de
Lévy (2007), Jenkins (2009), define a inteligência coletiva como a capacidade das
comunidades virtuais de alavancarem a expertise combinada de seus membros. Mas como
essa inteligência coletiva é construída? De onde ela parte?
Para Jenkins (2009), a nova cultura do conhecimento surge em um momento em que
nossos vínculos sociais estão se modificando, sendo menos limitados à geografia física. A
partir disso surgem novas comunidades, “definidas por afiliações voluntárias e táticas,
reafirmadas através de envolvimentos emocionais e empreendimentos intelectuais comuns”
(2009, p. 57). Em outras palavras, o encurtamento das distâncias, proporcionado pela
internet, facilita o encontro e o agrupamento de pessoas com os mesmos gostos, interesses e
objetivos. Desse agrupamento surgem novas comunidades, que discutem, produzem e
combinam seus conhecimentos de acordo com objetivos e fins comuns, elas se mantem
através dessas atividades de produção e troca de conhecimento. Para Mascarenhas e Tavares
(2010), essas comunidades de conhecimento são incitadas por laços sociais e, ao mesmo
tempo, colaboram com o fortalecimento social na internet.
É bom destacar que inteligência coletiva e inteligência compartilhada têm significados
distintos. Segundo Lévy (2007), o conhecimento compartilhado refere-se a informações tidas
como verdadeiras e conhecidas pelo grupo inteiro, já a inteligência coletiva refere-se à soma
de todas as informações retidas pelos indivíduos, que podem ser acessadas em resposta a uma
pergunta específica. O conhecimento é coletivo, já que não se encontra em apenas um
indivíduo e é compartilhado com outros, ou seja, parte de todos os membros. O conhecimento
surge nessas comunidades por meio de uma troca mútua, numa relação na qual todos têm algo
a oferecer.
20
A prática de inteligência coletiva pode ser observada principalmente em fóruns de
discussão. Antes de comprar uma guitarra, por exemplo, é possível que se encontre fóruns
relacionados ao assunto contendo tópicos sobre os melhores modelos para iniciantes, guitarras
com melhor custo-benefício, dicas sobre os acessórios, comparações entre tipos e modelos e
outros inúmeros assuntos. Neste caso, estão representadas diversas opiniões, cada uma delas
relacionada a um ponto específico. Existe também a possibilidade de se criar tópicos, tirar
suas dúvidas e ajudar a tirar dúvidas de outra pessoa. A inteligência coletiva se trata dessa
construção de um conhecimento que parte da troca de informações entre os indivíduos, da
contribuição de cada um.
Sendo assim, a inteligência coletiva não se consolida na posse do conhecimento, mas
sim no processo social que envolve a aquisição desse conhecimento, um processo dinâmico e
participativo que continuamente testa e reafirma laços sociais do grupo social, como discute
Jenkins (2009). Para Lévy (2007), o ideal dessa inteligência é a valorização técnica,
econômica, jurídica e humana de uma inteligência que distribuída em toda parte, é capaz de
desencadear uma dinâmica positiva de reconhecimento e de mobilização de competências.
2.2 Os fãs de futebol no ambiente digital
Segundo Rocco (2006), a popularização do futebol no Brasil aconteceu a partir de
1930, quando atingiu todas as classes brasileiras, tornando-se um fenômeno de massa. Com a
popularização do esporte, as torcidas começam a se desenvolver e no ano de 1939, a primeira
torcida organizada foi fundada, a Grêmio São Paulino, que no ano seguinte, passou a se
chamar Torcida Uniformizada do São Paulo. Porém, o ato de torcer envolve diversas formas e
níveis de consumo e envolvimento, assim como as torcidas organizadas se desenvolvem em
grupos, os torcedores comuns – aqueles que não fazem parte de torcidas organizadas – e mais
engajados desenvolvem-se em comunidades, geralmente encontradas no ambiente digital, já
que é uma ambiente que facilita o encontro ente os torcedores.
Em 1999, Hunt, Bristol e Barshal (1999) desenvolveram uma pesquisa que classifica
os diferentes tipos de fãs do esporte, levando em conta os graus de envolvimento e
comprometimentos dos fãs, e também, variáveis geográficas e temporais. Os fãs são divididos
em quatro categorias – fãs temporários e geográficos, fãs devotos, fãs fanáticos e fãs
disfuncionais. A categoria dos fãs temporários e geográficos baseia-se no tempo em que a
pessoa tem um comportamento fã com o esporte. Podemos citar, como exemplo dessa
categoria, indivíduos que se interessam por futebol durante a Copa do Mundo, neste período o
21
indivíduo consome o esporte, acompanha as partidas, mas com o término da competição,
perde o interesse pelo esporte. Os fãs devotos não possuem limitações, sua motivação e
envolvimento pelo time permanecem mesmo com o passar do tempo e mesmo com mudanças
geográficas que o impeçam de acompanhar as partidas de perto. Os fãs disfuncionais têm o
time como seu principal método de identificação e como algo vital para sua existência.
Exemplos desse grupo são torcedores violentos, capazes inclusive, de matar por motivos
relacionados ao time. Os fãs fanáticos possuem um envolvimento emocional maior que o
apresentado nos fãs devotos e menor que os fãs disfuncionais. Esses fãs tem um forte
engajamento com seus clubes, participam de discussões, vão aos jogos, acompanham notícias,
consomem diversos produtos licenciados e relacionados ao time.
Os torcedores fanáticos buscam diferentes formas de experienciar seu clube, o advento
da internet abre inúmeras possibilidades a esses torcedores, que munidos não apenas de um
número amplo de informações em tempo real, são capazes de se reunirem em comunidades de
torcedores, que assim como eles, são engajados, discutem, produzem e compartilham suas
produções e conhecimentos.
2.2.1 Produções de Torcedores
A cultura de convergência representa mudanças tanto nas relações sociais, como nas
relações entre os consumidores e os produtos midiáticos. Nesta lógica, os consumidores,
munidos de inúmeras ferramentas de produção e divulgação, transformam a forma de
recepcionar e consumir os produtos midiáticos. A produção amadora tem amplo espaço na
internet, muito pelas facilidades de divulgação e compartilhamento das produções, mas
também, pela liberdade de se experimentar novas técnicas e novos temas. O futebol, como
forma de entretenimento, ganha espaço nos meios virtuais através de diversas produções feitas
por torcedores. Esses conteúdos podem ser relacionados a diversos temas, dirigentes de
futebol, jogadores e os próprios clubes – tanto de forma específica como de forma geral. As
possibilidades de formatos também são diversas, variando desde portais de notícias a páginas
de humor. Abaixo seguem alguns exemplos de conteúdos produzidos por torcedores.
Em seu perfil no Twitter, com mais de dois mil seguidores, o blog canelada6 se intitula
como “um blog de futebol, mas de torcedor para torcedor”. Na página do blog, as notícias são
segmentadas tanto pelos clubes, quanto pelas colunas especiais do site. Contando com a
contribuição de cerca de dois torcedores de cada um dos 23 clubes apresentados no site, o
6 Twitter Blog Canelada. Disponível em https://twitter.com/blogcanelada
22
blog se compromete em divulgar a opinião do torcedor, fato que é afirmado em um dos
trechos do “Manifesto Canelada7”, presente em na seção de mesmo nome:
Ao assistir um jogo de futebol, todos tentam entender algo. Por que a bola não
entra? Por que nosso time está jogando assim, e não assado? (...) Para cada uma
dessas perguntas existem pelo menos umas cinco respostas respeitáveis e diferentes,
isso sem falar nas „não respeitáveis‟ (...) E aí tem o narrador que solta uma pérola, o
repórter de campo que complementa, e o torcedor que acredita cegamente, deixa de
ter sua própria opinião para ter a opinião do comentarista, que por sua vez falou
aquilo no calor do jogo com apenas a primeira impressão em mente. Ossos do ofício,
mas a verdade é que cada pessoa, profissional ou não, tem um opinião a ser dada
sobre futebol. E a opinião do torcedor? (...) Essa é só a mais importante de todas. A
mais passional, e por isso a mais honesta. A mais parcial, e por isso a mais intensa.
Torcedor quer saber o que seu comentarista de confiança tem a dizer, mas ele é bom
mesmo em torcer! Se for pra defender seu time, seu ídolo e sua torcida, ele sabe
achar uma brecha no assunto para assegurar um raciocínio como uma verdade
absoluta com validade até o próximo jogo.
A internet hoje nos apresenta uma nova forma de comunicação que nem é mais tão
nova assim. O mundo mudou. A imprensa descarrega suas informações muitas vezes
até tendenciosas e corrompidas, mas o torcedor só pode comentar o que foi dito ou
escrito com o amigo do trabalho, com o pessoal do bar ou com a família em alguns
casos. Na internet isso não cabe! O torcedor tem que ter sua voz! (Manifesto
Canelada in: Blog Canelada)
O “Manifesto Canelada” também explica as práticas do site, que refletem a produção
de novos conteúdos a partir da apropriação de conteúdos midiáticos já existentes:
Nós não informamos, mas sim usamos a informação. Somos torcedores. O jornalista
publica uma matéria e nós comentamos, e quem lê nossos comentários, comenta
também. O Canelada é um refugio on-line para torcedores que querem dar sua
opinião altamente e assumidamente parcial.
O torcedor não vai encontrar no Canelada um profissional tentando ou fingindo ser
imparcial. O torcedor que visita o Canelada encontrará outro torcedor sendo parcial
assim como ele, tentando arrumar sempre o melhor ponto de vista que faça bem para
seu time, mesmo que seja em críticas.
A parcialidade no Canelada é assumida! (Manifesto Canelada in: Blog Canelada)
7 Manifesto Canelada. Disponível em http://canelada.com.br/manifesto-canelada/
23
E ao final do texto, o manifesto coloca o blog como um ambiente dos torcedores, onde eles
têm liberdade para participarem e interagirem uns com os outros:
No Canelada, você vai xingar o seu técnico que insiste em escalar o Pedrão,
zagueiro de uma perna só e míope. No Canelada, você vai brigar com o outro
torcedor que escreve, o Caneleiro. Afinal, como ele pode ter uma opinião dessas e
torcer pro mesmo time que você? Safado! No Canelada você vai torcer. É pra isso
que ele existe. O Canelada é a mesa de seu boteco preferido, a esquina de sua rua e
até a arquibancada do estádio de seu time. O Canelada é onde se fala de bola, mas
não com a boca, e sim com o coração.
Seja bem vindo, puxe uma cadeira e vai sentando pois o papo aqui só acaba quando
o juiz apita. Ou não…
Construído a partir de notícias fictícias, o site Olé do Brasil8 é um portal de notícias
com teor humorístico e crítico. Possuindo, em sua conta no Twitter, mais de 27 mil seguidores
e 104 mil likes no Facebook. O seu sucesso, provavelmente, se deve por refletir uma prática
muito comum entre os torcedores: “a gozação”. Provocar torcedores adversários com piadas
faz parte do consumo do esporte.
Figura 1 – Notícia fictícia do site Olé Brasil
Fonte: Olé do Brasil, 20139.
8 Olé do Brasil. Disponível em http://oledobrasil.com.br/
9 Captura da imagem. Disponível em <http://oledobrasil.com.br/torcida-do-corinthians-cria-bandeirao-com-o-
rosto-do-arbitro-paulo-cesar-de-oliveira/>. Acesso em 05 de set. de 2013.
24
A TV Olé, produzida também pelo site, mostra notícias em vídeo, também fictícias e
com teor humorístico e crítico presentes nas notícias escritas. O exemplo abaixo revela uma
crítica à relação entre a Rede Globo e o Corinthians e entre o clube e a arbitragem brasileira.
Figura 2: Vídeo sátira da TV Olé Brasil
Fonte: Olé do Brasil, 201310
.
A relação entre as produções de torcedores e as redes sociais não é restrita apenas da
divulgação de outras páginas, pois, nesses ambientes surgem diversos tipos de conteúdos, que
variam desde produções audiovisuais a páginas e perfis de personagens fictícios baseados em
jogadores, dirigentes, técnicos, e outros indivíduos relacionados ao esporte. No Youtube, por
exemplo, existem inúmeros exemplos de produções de torcedores. Práticas comuns são as
produções de vídeos com melhores momentos de jogos e vídeos homenagem feitos a
jogadores. Outra prática interessante é a produção de vídeos com melhores momentos de
recém-contratados pelos clubes. Neste último caso, os torcedores criam esses vídeos a partir
de fragmentos de partidas disputadas pelo jogador, a fim de apresentar aos outros torcedores
seu estilo de jogo e seus melhores momentos. Essa prática é comum quando o jogador
contratado é desconhecido por grande maioria da torcida. Um exemplo recente desse tipo de
conteúdo, é o vídeo produzido pelo canal Soberano FC11
, que mostra os melhores lances do
jogador Welliton, nova contratação do São Paulo F.C. e ainda pouco conhecido no país.
10
Captura de imagem. Tv Olé disponível em < http://oledobrasil.com.br>. Acesso em 05 de set. de 2013. 11
Vídeo sobre o atacante Welliton. Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=xvrvgg-Ea4o
25
Figura 3: Vídeo com lances do atacante Welliton, contratação do São Paulo
Fonte: Youtube, 2013.
Esse vídeo é um exemplo da prática da inteligência coletiva, já que é uma troca de
conhecimento, tanto do criador quando dos indivíduos que o assistem e comentam, já que
esses comentários, em sua maioria, partem de análises feitas a partir do vídeo e opiniões sobre
como o jogador pode ajudar ou não no clube, se existe espaço para sua titularidade, entre
outros comentários relacionados à vinda do jogador.
Outro exemplo bastante comum que encontramos nas redes sociais, tanto Facebook
quanto Twitter, é a criação de personagens fictícios baseados em jogadores, técnicos,
dirigentes e outros indivíduos relacionados ao futebol. Também chamados de fakes, esses
personagens ganham notoriedade nesses ambientes virtuais12
por tratarem o esporte através de
críticas bem humoradas e sátiras. Como exemplo desses personagens, temos o perfil feito
como uma sátira do atual presidente do São Paulo Juvenal Juvêncio13
, com mais de 56 mil
likes em sua fanpage no Facebook e 26 mil seguidores no twitter, o criador do personagem
foi responsável pela produção do primeiro livro escrito por um perfil falso da internet,
chamado de Wisky com Bolachas.
12
A criação desses perfis, se dá, principalmente em redes sociais que priorizam a construção de um perfil
pessoal, por isso a escolha de exemplos que desenvolvem-se no Twitter e no Facebook. 13
Perfil fake. Disponível em https://twitter.com/jjuvencio e https://www.facebook.com/jjuvenciospfc?fref=ts.
Acesso 05 set. 2013.
26
Figura 4 – Livro Whisky com Bolachas, feito por um perfil falso da internet
Fonte: Divulgação do livro.
As redes sociais possuem outros inúmeros exemplos de produção de torcedores, que
vão desde páginas relacionadas aos clubes e aos jogadores, a páginas de humor que fazem
piada sobre os acontecimentos no futebol de uma maneira geral, ou páginas específicas sobre
clubes, muitas vezes criadas por torcedores do time rival. Neste sentido, o ambiente virtual
permite que a rivalidade seja levada também em um tom de brincadeira, representada muitas
vezes por essas páginas de humor, presentes tanto no Facebook, quanto no Twitter.
Figura 5 – Fanpage de humor futebolístico no Facebook
Fonte: Facebook14
, 2013.
14
Captura de imagem. Humor esportivo, disponível em <https://www.facebook.com/humoresportivo?fref=ts>.
Acesso em 05 set. 2013.
27
Fora das redes sociais temos os exemplos de fansites criados para os clubes, alguns
delas reunindo a história dos times, outros com um intuito maior de informar e opiniar sobre
temas recorrentes relacionados ao clube. A presença de fóruns de discussão também é notável
na internet.
Figura 6 – Fansite15 sobre o Cruzeiro Esporte Clube
Fonte: Cruzeiro Online, 2013.
2.2.2 O Fã ativismo nas redes sociais
O fã ativismo, de acordo com Jenkins (2012), se refere às formas de engajamento que
emergem de dentro da própria cultura fã, geralmente em resposta aos interesses
compartilhados pela própria comunidade de fãs (JENKINS apud VIMIEIRO 2013). Segundo
Kliger-Vilenckin et al. (2012), o fã ativismo traz tanto elementos do fandom quanto
elementos tradicionalmente atribuídos ao voluntariado e ao ativismo. De acordo com os
autores, o fã ativismo pode ser entendido como uma prática incorporada nas comunidades,
criada e mantida através das experiências compartilhadas pelos fãs e pelo desejo que eles têm
de ajudar. O fã ativismo traz consigo o poder do fandom em conectar, engajar e mobilizar os
membros.
15
Captura de imagem. Cruzeiro Online, disponível em <http://cruzeiroonline.blogspot.com.br/>. Acesso em 05
set. 2013.
28
No universo dos fandom, o ativismo está presente desde o surgimento das
comunidades de fãs, já que elas começam a ser organizar como resposta dos fãs ao
cancelamento de suas séries preferidas. Neste contexto, as comunidades de fãs surgiram para
alavancar esforços em uma tentativa de influenciar as redes de televisão quanto ao futuro das
séries. O fã ativismo é um comportamento também presente nas comunidades dos fãs de
futebol, neste caso, o engajamento pode vir como apoio a seus clubes ou jogadores e também
como críticas, tanto ao clube quanto a pessoas relacionadas ao esporte. Como exemplo de
apoio, temos a campanha feita pelos torcedores do Atlético Mineiro, que criaram a tag
#YesWeCAM, em alusão à frase da campanha eleitoral do presidente Barack Obama, Yes We
Can, e à sigla do clube, CAM (Clube Atlético Mineiro), como demonstração do apoio da
torcida durante a disputa da Libertadores16
. Como apoio das campanhas a favor de jogadores,
podemos citar a campanha feita pela torcida cruzeirense, que pediu a volta do ex-jogador do
clube, Alex. Campanha que teve espaço também nas ruas, onde cerca de três mil torcedores
caminharam da Praça Sete, no centro de Belo Horizonte, até a sede do Clube, no bairro Barro
Preto.
Figura 7 – Torcedores cruzeirenses pedem a volta de Alex
Fonte: Rodrigo Franco, 201317
.
A campanha #ForaRicardoTeixeira, que teve como plataforma principal o Twitter,
diferente das campanhas de apoio, é um do exemplos do engajamento dos torcedores por
melhorias no esporte. Depois de episódios suspeitos, investigações e CPIs do Futebol que
16
Principal competição de futebol da América Latina. 17
Imagem disponível em <http://globoesporte.globo.com/futebol/times/cruzeiro/noticia/2012/10/centenas-de-
cruzeirenses-vao-ruas-de-bh-para-pedir-o-retorno-de-alex.html>. Acesso em 05 set. 2013.
29
apontavam irregularidades no mandato do ex-presidente da CBF (Confederação Brasileira de
Futebol), fãs de futebol ao redor do país mobilizaram-se numa campanha que pedia a saída de
Ricardo Teixeira da entidade de futebol brasileira, ganhando força a partir de uma entrevista
dada à revista Piauí, em que ele afirmava “estar cagando para as denúncias”, as manifestações
ganharam mais força tanto nos ambientes online, quanto nos estádios brasileiros. (PINHEIRO
apud VIMIEIRO, 2013).
Como podemos notar, existem situações que geram a participação ativista dos fãs de
futebol, seja para apoiar ou criticar seus clubes e instituições relacionadas ao esporte.
Situações como crises, permanências ou retornos de ídolos e grandes disputas de título
impulsionam discussões e, em alguns casos, o resultam em uma busca mais ativa pela
mudança.
30
3. São Paulo: das glórias passadas aos tempos difíceis
No ano de 2013, o São Paulo viveu um momento complicado. A crise, reforçada com
eliminações em competições do primeiro semestre, não se restringiu apenas ao âmbito
esportivo, se estendendo também aos âmbitos políticos e administrativos. E por isso, é
apontada como uma das piores crises de toda história do clube.
A questão política é conturbada desde as últimas eleições do São Paulo, que ocorreram
após uma reformulação do estatuto do clube, que permitiu a candidatura de Juvenal Juvêncio
– o estatuto, até então, permitia apenas uma reeleição e o presidente já havia cumprido dois
mandatos consecutivos pelo clube. Essa decisão chegou a ser contestada judicialmente, mas o
mandato, iniciado em 2011, segue em vigor. Atualmente, com novas eleições próximas –
marcadas para abril de 2014 – a política voltou a ganhar destaque, somada aos maus
resultados do clube e aos erros cometidos administrativamente – como o aumento de dívidas,
contratações de jogadores que não deram certo, entre outros – que formam o contexto do
momento vivido pelo São Paulo.
Para entender a crise, é importante descrever a história do clube, a fim de compreender
porque ela é tratada com tais proporções e, compreender também, o percurso de
acontecimentos que levaram o clube a ter sua gestão, antes considerada como modelo, tão
criticada.
3.1 Breve História do Clube
Fundado em 27 de janeiro de 1930, o São Paulo Futebol Clube, conhecido neste
período como São Paulo Futebol Clube da Floresta, surgiu da união entre dois clubes
paulistas – o Club Athlético Paulistano, importante clube na era do amadorismo do futebol
brasileiro, e a Associação Atlética Palmeiras. O São Paulo foi formado, a partir desta união,
pelos jogadores do C. A. Paulista e contava com as estruturas da Associação Atlética
Palmeirense, dente elas o estádio Chácara da Floresta – daí o nome de São Paulo Futebol
Clube da Floresta, ou simplesmente, São Paulo da Floresta.
O fim do São Paulo da Floresta se deu em um contexto que envolvia conflitos entre o
futebol amador e o futebol profissional, conflitos de bastidores relacionados à liberação de
jogadores para a Copa do Mundo de 1934 e uma crise financeira, pelas dívidas contraídas
31
pelo clube. De acordo com o historiador, Thomaz Mazzoni (1950)18
, a crise foi apenas um
pretexto para a fusão com o Clube de Regatas Tietê, já que o montante da dívida, na época
214 contos de réis, poderia ser facilmente pago com a venda de dois ou três jogadores do
clube. A união dos times, portanto, teria sido motivada por questões políticas, já que muitos
colaboradores do time não concordavam com a adesão à Liga Paulista de Futebol (LPF) e a
consequente subordinação às regras da Confederação Brasileira de Desportos (CBD). Em uma
assembleia, que contava apenas com os sócios considerados fundadores do clube, cerca de
250, a fusão foi aprovada e no dia 14 de maio de 1935 o departamento de futebol do clube foi
oficialmente extinto. Após a fusão com o C.R. Tietê, antigos sócios, que não aceitaram a
extinção do time, organizaram-se e criaram Grêmio Tricolor, que foi responsável, pela
fundação do São Paulo Futebol Clube, mantendo o mesmo escudo e as três cores – resultantes
da união entre o C. A. Paulistano, que era alvinegro, e a Associação Atlética Palmeirense, que
sustentava as cores vermelha e branca.
Os primeiros anos do São Paulo foram difíceis, o clube era fraco tecnicamente e não se
destacava tanto no cenário esportivo, conquistando em seus dois primeiros anos, o oitavo e o
sétimo lugar, respectivamente, no Campeonato Paulista de 1936 e 1937. Em 1938 ocorreu
uma nova fusão, desta vez com o clube Estudante Paulista, fundado em maio de 1935 por
dissidentes do antigo São Paulo da Floresta. O clube voltava de uma excursão feita no Peru e
no Chile, em uma situação que beirava a falência, já que o empresário do time havia fugido
com todo dinheiro arrecadado. Com a união dos clubes o São Paulo herdaria a dívida, mas
poderia contar com os jogadores do Estudante Paulista, que eram mais fortes tecnicamente, e
ficaria com o estádio Antônio Alonso. Por ter mais tradição e uma torcida já formada, o nome
São Paulo Futebol Clube prevaleceu e a fusão foi confirmada.
Com a criação do Estádio do Pacaembu, em 1941, o futebol paulista passou a ter o
maior e mais moderno estádio da América Latina, na época com capacidade para 70 mil
torcedores. No mesmo ano o São Paulo conquistaria o primeiro título oficial no estádio, em
um torneio inicial do Campeonato Paulista, ficando em sexto no lugar ao final do
campeonato. O crescimento do time veio com o tempo. A contratação de Leônidas da Silva, o
Diamante Negro, é considerada como um divisor de águas na história do clube, que passava a
contar com um grande jogador da época. O título do Campeonato Paulista veio em 1943, e
também nos anos 1945, 1946, 1947, 1948 e 1949.
18
Informação retirada do Site oficial do Clube. Disponível em <http://www.saopaulofc.net/>
32
Os anos 50 vieram com o sonho da construção de um estádio que pertencesse ao clube,
que tinha passado a mandar os jogos no Canindé a partir de 1944. O projeto dos dirigentes era
construir o maior estádio particular do mundo, o terreno, que suportava esse grande projeto,
foi encontrado no final de 1951, no bairro Morumbi, na época uma região pouco habitada de
São Paulo. Em agosto do ano seguinte, precisamente no dia 15, o então presidente, Cícero
Pompeu de Toledo assinou o contrato de construção do estádio. Durante este período o
futebol ficou em segundo plano, toda a renda do clube e o dinheiro arrecadado – com a venda
do estádio do Canindé, a venda de jogadores e de cadeiras cativas no novo estádio – foi
direcionada para a construção. Apesar disso, o São Paulo conquistou os títulos do
Campeonato Paulista de 1953 e 1957.
O estádio foi inaugurado no dia 2 de outubro de 1960, ainda não terminado – com
menos da metade do anel superior completo. Com os recursos ainda voltados para o término
da construção do estádio, o futebol continuou em segundo plano e o clube passou 13 anos sem
conquistar títulos. O estádio foi concluído em 1970 e, assim, o clube pôde voltar sua atenção
ao futebol. Novos jogadores foram contratados, e no mesmo ano, o São Paulo conquistava
mais um titulo do Campeonato Paulista. Em 1971, o clube também conquistou o Campeonato
Paulista, o vice-campeonato brasileiro e a vaga na Copa Libertadores do ano seguinte,
conquistando o quarto lugar, em sua primeira participação. Em 1975 outra conquista do
Campeonato Paulista, e dois anos depois, a conquista inédita do Campeonato Brasileiro.
Os anos 80 começaram com o bicampeonato paulista, em 1980 e 1981, e um vice-
campeonato brasileiro, também em 81. Desses títulos surgiram os apelidos de Máquina
Tricolor e Tricolaço. Porém, os anos seguintes não foram tão bons, com dois vice-
campeonatos seguidos diante do rival Corinthians, o São Paulo passou por uma reformulação,
a partir de 1984, vieram novos jogadores, Falcão contratado pelo clube, Silas e Müller, das
categorias de base. Com essa reformulação, o clube conquistou o bicampeonato brasileiro, em
1986, e o Campeonato Paulista de 1986 e 1987. Em 1988, o time não conquistou títulos, no
ano seguinte, apesar do início pouco animador, o time conquistou o Campeonato Paulista.
Apesar de começar mal, a década de 90 foi vitoriosa, pelo menos até 1994 – período
que ficou conhecido como a Era Telê – em uma alusão ao técnico Telê Santana, que
comandou o time nestes anos. Em 1991, o time conquistou o Campeonato Paulista e o
Campeonato Brasileiro, este último garantia uma vaga para a disputa da Taça Libertadores, no
ano seguinte. E essa foi a prioridade da diretoria, que definiu a disputa como a principal
33
daquele ano. O clube conquistou o título, em um jogo que contava com mais de 105 mil
torcedores no Morumbi e outros 15 mil torcedores nos arredores do estádio. Com o título da
Libertadores, que garantia a chance de disputar o Mundial de Interclubes, o São Paulo de Telê
conquistou, em um jogo contra o Barcelona, o título de melhor time do mundo, ainda no ano
de 1992. No ano seguinte, o clube repetiu o feito, se sagrando bicampeão da Libertadores e do
Mundial Interclubes. Em 1994, último ano sob o comando do técnico Telê Santana, o clube
foi campeão da Copa Conmebol, com o time que ficou conhecido como Expressinho –
contava com jogadores juniores e reservas do São Paulo. O afastamento do técnico Telê, por
motivos de saúde, e sua substituição definitiva, em 1996, declarou o fim da Era Telê. Entre
1996 e 2004 passaram pelo clube catorze técnicos, conquistando poucos títulos, dentre eles o
Campeonato Paulista de 1998 e 2000, a Taça Rio-São Paulo em 2001 e o Supercampeonato
Paulista em 2002.
Após um período de dez anos, o clube voltou a participar da Libertadores em 2003,
sendo eliminado na semifinal. Outra eliminação, também na semifinal, no ano seguinte,
rendeu uma reformulação no time. Sob o comando do técnico Leão, o time conquistou o
Campeonato Paulista de 2005, porém, sua permanência não durou, e após o a conquista do
título, e com a Libertadores já em andamento, Leão pediu demissão e fui substituído pelo
técnico Paulo Autuori, que deu continuidade ao trabalho, conquistando a Libertadores e o
Mundial de Clubes. Com a saída de Paulo Autuori, que passou a treinar o Kashma Antlers no
Japão, o técnico Muricy Ramalho foi contratado. Dando continuidade a era vencedora do
clube, Muricy foi responsável pelo feito inédito de conquistar o tricampeonato brasileiro
consecutivamente, nos anos de 2006, 2007 e 2008.
Mesmo conquistando três títulos brasileiros, a derrota na final em 2006 e as seguidas
eliminações na Libertadores, em 2007, 2008 e 2009, fizeram com que o comando do time
fosse trocado. Com o técnico Ricardo Gomes o clube conquistou novamente a vaga na disputa
da Libertadores, e, no ano seguinte, foi eliminado mais uma vez, o que ocasionou outra troca
de comando. Sérgio Baresi, técnico das categorias de base, foi o escolhido, mas após
resultados ruins, o técnico foi demitido depois de catorze jogos sob o comando do clube.
Paulo César Carpegiani assumiu a equipe, mas o objetivo de conquistar a vaga na
Libertadores 2011 não foi alcançado, o time ficou apenas em nono lugar no Campeonato
Brasileiro e o comando da equipe foi trocado no final da temporada de 2011. Emerson Leão
assumiu o comando, mas após as eliminações no Campeonato Paulista e na Copa do Brasil,
34
também foi demitido. Ney Franco assumiu o cargo, conquistando a vaga da Libertadores e o
título inédito da Copa Sul-americana no final de 2012.19
3.2 O clube em 2013
O ano de 2013 se iniciou com as disputas do Campeonato Paulista e da Pré-
Libertadores, competição que antecede a primeira fase da Copa Bridgestone Libertadores. No
Campeonato Paulista, o clube fechou a primeira fase em primeiro lugar, mas foi eliminado
nas quartas-de-finais pelo rival Corinthians. A campanha na Pré-Libertatores foi melhor,
garantindo ao clube o acesso à fase de grupos da competição. Já na fase de grupos, o São
Paulo voltou a apresentar maus resultados. Sem conquistar vitórias em jogos disputados fora
do Morumbi, o clube precisou de uma combinação de resultados – uma vitória contra o
Atlético Mineiro no Morumbi e derrota do The Stongest, time argentino – para seguir na
competição.
Seguindo na competição, o São Paulo enfrentou novamente o Atlético Mineiro, agora
pelas oitavas-de-final, sendo derrotado nos dois jogos disputados nessa fase. Na primeira
partida, disputada no Morumbi, o time foi derrotado pelo placar de 2 a 1. Na segunda partida,
disputada no Estádio Independência, o São Paulo sofreu uma goleada, perdendo de 4 a 1 e
sendo eliminado da competição. A má campanha e a eliminação do time acarretaram no
afastamento de sete jogadores que compunham a equipe reserva do São Paulo. A decisão de
afastar os jogadores, divulgada na mídia através de uma lista com os nomes dos afastados, foi
contestada, tanto pela imprensa como pela torcida20.
As principais críticas foram direcionadas à diretoria do clube e à escolha dos
jogadores, já que grande parte dos jogadores escolhidos pouco participou ou sequer participou
de jogos pelo clube, inclusive dos jogos que acarretaram a eliminação e, anteriormente, a
fraca campanha na Libertadores. O contra-argumento utilizado pela diretoria para explicar o
afastamento foi de que os jogadores pouco se esforçaram nos treinos, não conquistando,
portanto, as vagas do time titular.
19
Ver referências bibliográficas. 20
. Matéria escrita por um torcedor, no blog Canelada. Disponível em <http://canelada.com.br/sao-paulo/a-lista-
do-jj/>. Acesso em 05 de set. de 2013.
35
Figura 8: Matéria escrita pelo Neto, comentarista da Band
Fonte: Blog do Neto21
, 2013.
A eliminação também fez com que a diretoria do São Paulo entrasse em atrito com o
jogador Luís Fabiano, sendo contestado por suas lesões e por seu temperamento em campo,
que acarretava em diversas suspensões, o deixando fora de partidas importantes. Neste
período, a diretoria chegou a cogitar a venda do jogador, principal atacante do elenco. A
torcida contestou essa decisão, pedindo pela permanência do jogador através das redes
sociais. Depois de algumas reuniões com a diretoria, o próprio jogador chegou a anunciar,
também pelas redes sociais, que continuaria no clube.
No Campeonato Brasileiro, apesar do bom início, vencendo os dois jogos iniciais, um
deles por 5 a 1 contra o Vasco, o São Paulo não fez uma boa campanha. Antes da pausa,
ocorrida para a disputa da Copa das Confederações, o time acumulou maus resultados. A
torcida, que já cobrava o técnico desde a eliminação na Copa Libertadores, pediu a troca de
comando durante a pausa, porém o técnico Ney Franco foi mantido no cargo.
Com o final da Copa das Confederações, o São Paulo teria, de imediato, duas
competições pela frente – o Campeonato Brasileiro, que voltava após a pausa, e a Recopa Sul-
Americana, disputa entre o campeão da Libertadores de 2012 e o campeão da Sul-Americana
do mesmo ano. O clube havia se credenciado para a disputa da Recopa após o título da Sul-
21
Captura de imagem. Matéria disponível em <http://blogdoneto.blogosfera.uol.com.br/2013/05/10/lista-de-
dispensas-do-tricolor-foi-covarde-e-sem-sentido/>. Acesso em 05 de set. de 2013.
36
Americana e, enfrentaria o rival Corinthians, campeão da Libertadores. Com derrotas no
Brasileiro e a derrota no primeiro jogo disputado pela Recopa, o comando do clube foi
trocado. Apesar dos pedidos por Muricy, que já havia treinado o clube, o técnico escolhido
pela direção foi Paulo Autuori, que havia comandado o São Paulo em 2005, conquistando os
títulos da Libertadores e do Mundial de Clubes. Apesar da troca de comando, o time não
conquistou a Recopa. E com mais uma derrota, somou durante esse período a pior sequência
de toda sua história - foram oito derrotas consecutivas, sendo duas na Recopa e seis no
Campeonato Brasileiro, e onze jogos sem vencer. Durante esse período mais um jogador foi
afastado do time, o zagueiro Lúcio, que apesar da experiência, acumulava fracas atuações e
problemas disciplinares.
Na excursão, planejada desde o início do ano, que contava com a participação em três
competições internacionais – Copa Audi, na Alemanha, Copa Eusébio, em Portugal, e a Copa
Suruga, no Japão – o time também não deve boas atuações, ampliando a sequência sem
vitórias para catorze jogos, quebrando o jejum na Copa Eusébio, vencendo o Benfica por 2 a
0. Na Copa Suruga, competição que fechava a excursão, uma nova derrota e mais um título
perdido.
Com o retorno do elenco ao Brasil, o time voltou a disputar o Campeonato Brasileiro,
os resultados conquistados por Paulo Autuori não foram suficientes para tirar o São Paulo da
zona do rebaixamento, onde permaneceu por doze rodadas. E após dois meses de trabalho, o
comando de técnico foi substituído pelo comando de Muricy Ramalho, que já havia sido
pedido pela torcida anteriormente.
O mau momento do clube, não ficou apenas restrito ao campo. Na véspera das eleições
para a escolha do novo presidente do clube – marcadas para abril de 2014 – o São Paulo
também convive com uma conturbada situação política e administrativa. No dia 20 de julho,
em um dos jogos válidos pelo Campeonato Brasileiro, a torcida havia marcado um protesto
que seria realizado antes do jogo, tendo como foco principal a atual diretoria do clube. Porém,
o protesto que havia sido organizado por torcedores comuns, ou seja, aqueles que não
participam de torcidas organizadas, foi impedido por membros das organizadas, que em maior
número, vetaram as críticas ao presidente Juvenal Juvêncio e direcionaram o protesto aos
jogadores.
No dia seguinte, em um churrasco na sede social do clube, membros da Torcida
Independente, uma das organizadas do São Paulo, foram acusados de agredirem sócios que
37
apoiavam a oposição – neste churrasco, os opositores vestiam camisas pretas, em forma de
protesto contra a diretoria do clube. Houve também uma discussão entre um dos opositores e
o próprio Juvenal Juvêncio, divulgada em um vídeo pela internet. Na segunda-feira, dia 22 de
julho, os sócio-torcedores do clube receberam uma nota da Torcida Independente que
esclarecia o ocorrido e fazia críticas ao candidato de oposição, Marco Aurélio Cunha, através
do e-mail oficial do programa sócio-torcedor, o que fez com que muitos sócio-torcedores
cancelassem o programa. De acordo com o “Movimento Por Um Futebol Melhor”, programa
que contabiliza o número de sócio-torcedores dos clubes, em 20 dias, o São Paulo perdeu
cerca de dois mil adeptos ao programa sócio-torcedor do clube22
.
Os bastidores do São Paulo também tiveram momentos conturbados no primeiro
semestre de 2013. A saída do técnico Ney Franco e as consequentes críticas feitas pelo goleiro
Rogério Ceni, não foram bem recebidas pelo ex-treinador, que rebatou fazendo fortes críticas
ao goleiro. Adalberto Baptista, na época diretor de futebol do time, também criticou o goleiro,
e ídolo do clube. As críticas feitas pelo diretor não foram bem recebidas pela diretoria e pela
torcida. Adalberto, pressionado, se demitiu do cargo.
A briga política também fez com que os bastidores do clube ganhassem destaque na
mídia. Júlio Casares, vice-diretor de marketing do São Paulo, fez críticas ao candidato de
oposição, Marco Aurélio Cunha, e chegou a discutir com o mesmo em um programa de
televisão – nesta ocasião Marco Aurélio Cunha estava presente no programa e Júlio Casares
participou pelo telefone.
A situação política do São Paulo não é complicada apenas internamente, a relação com
outros clubes brasileiros também é conturbada. Dirigentes das categorias de base de alguns
dos principais clubes brasileiros - dentre eles Botafogo, Flamengo, Fluminense, Vasco,
Atlético-MG, Cruzeiro, Goiás, Sport e Vitória – chegaram a se unir e organizar um boicote ao
São Paulo, sob a acusação de que o clube teria aliciado jogadores da base de outros clubes. A
intenção do boicote era cancelar a participação na Copa São Paulo de Juniores, caso o clube
confirmasse sua participação. A decisão, porém, foi adiada após o posicionamento do clube,
que se comprometeu a estudar as acusações feitas pelos outros clubes.
O São Paulo foi, durante grande parte da sua história, reconhecido como um exemplo
de modelo administrativo a ser seguido, com uma ótima estrutura esportiva – possuindo o
22
Dados retirados de matéria publicada no site brasileiro da ESPN, no dia 23 de julho de 2013.
http://www.espn.com.br/noticia/344152_afundado-na-crise-sao-paulo-perde-quase-2-mil-socios-em-20-dias
38
Estádio Cícero Pompeu de Toledo, o Centro de Treinamento de Barra Funda, o Centro de
Formação de Atletas Laudo Natel, conhecido como Cotia, por causa da região em que localiza
e o Núcleo de Reabilitação Esportiva Fisioterápica e Fisiologica, o Reffis. Porém, durante os
últimos anos, o time não vem conseguindo bons resultados. A administração, antes modelo de
eficiência, vem sido criticada pelas atitudes tomadas, como a demissão de importantes
profissionais da equipe técnica e médica do clube e pelo endividamento contraído e ampliado
nos últimos anos. Rocco (2013) considera a gestão do clube como a principal culpada pela
fase vivida atualmente:
Práticas ditatoriais, apego ao poder, negociatas com jogadores, aproximação com
empresários unicamente interessados em faturar, vaidades e um descaso com as
“coisas” do clube, colocaram o Tricolor na pior crise esportiva e administrativa da
sua longa história. (...)
O “exemplar” modelo de gestão Tricolor não cumpre, então, os preceitos básicos
que caracterizam uma boa administração. O avanço no resultado econômico, com o
aumento da receita, não gerou reflexos na melhoria do resultado financeiro (o
endividamento aumentou), tampouco trouxe títulos para o Morumbi (ROCCO,
2013)
Nesse contexto, a torcida que já demonstrava sua participação nos estádios, através de
cantos e gritos relacionados ao time, da exaltação do clube ou jogadores através de bandeiras,
ou das manifestações de protesto, tem seu espaço de discussão ampliado na internet. A
facilidade e a rapidez na divulgação de informações, o encurtamento de distâncias, que
permite o encontro de inúmeros torcedores sem a necessidade de um espaço físico, são uma
das características que impulsionam as discussões nos ambientes digitais, ampliando,
portanto, o espaço de discussão e participação da torcida.
39
4. O fandom são-paulino nas redes sociais
Como apresentado no capítulo anterior, a crise vivida pelo São Paulo em 2013 envolve
um momento político complicado, impulsionado pela proximidade das eleições para a
presidência do clube, marcadas para abril de 2014, péssimos resultados conquistados nas
primeiras competições disputadas no ano e um ambiente administrativo conturbado, marcado
por episódios de atrito entre jogadores e comissão técnica, e atritos entre diretores do clube e
jogadores.
Durante esse período, foi observada a atividade dos torcedores são-paulinos nas redes
sociais, partindo principalmente da observação dos Trending Topics no Twitter e de seus
desdobramentos no Facebook e Youtube – buscados por meio da observação das tags que
figuraram entre os assuntos mais comentados no site. Notou-se, que nesse período a torcida
demonstrou seu descontentamento com a situação vivida pelo clube e seu apoio tanto aos
jogadores quanto ao time em geral. Alguns protestos chegaram a extrapolar os ambientes
digitais, acontecendo também nos estádios e fora deles. As campanhas de apoio, também não
se restringiram a esses ambientes. Uma delas incentivava a presença da torcida nas partidas
disputadas pelo time em seu estádio, gerando resultado tanto no aumento da presença de
torcedores quanto no próprio clube, que em resposta reduziu dos ingressos.
O desenvolvimento dessas ações e a visibilidade que tiveram só foram possíveis
graças ao esforço coletivo dos torcedores – participando de discussões, desenvolvendo e
divulgando ações relacionadas ao clube e ao momento vivido por ele. Neste sentido, pode-se
afirmar que para que esse esforço se tornasse coletivo ele precisou se desenvolver entre
pessoas que tivessem objetivos, valores e interesses em comum. Portanto, nota-se que as
ações dos torcedores foram motivadas e desenvolvidas dentro de uma comunidade, que
partilhava o amor pelo clube e também às preocupações relacionadas ao momento vivido pelo
São Paulo.
4.1 O fandom são-paulino
O fandom é o termo utilizado para se designar comunidades de fãs, visíveis
principalmente na internet. O senso de comunidade encontrado no fandom vem da união de
indivíduos que compartilham o mesmo interesse e que valorizam a reunião, a discussão, o
compartilhamento de conhecimentos e experiências (ESTEVÃO, 2011). Esse tipo de
40
comportamento também pode ser observado nos fãs de futebol, no caso desta pesquisa,
especificamente nos torcedores são-paulinos.
A comunidade são-paulina surge da união de indivíduos que compartilham a paixão
pelo clube – os torcedores. Como sabemos, a internet facilita o encontro de indivíduos com
mesmos interesses e valores. Portanto, munidos das tecnologias que facilitam essa reunião e
encontro, os torcedores reúnem-se, também, em ambientes digitais – não apenas nos estádios,
bares ou em rodas de amigos.
Porém, não basta que os indivíduos compartilhem interesses para que se desenvolva
uma comunidade fã. Existe nessas comunidades uma forma de atividade comum aos
indivíduos participantes. Recorrendo ao que foi afirmado anteriormente, notamos que os fãs
constituintes dessas comunidades valorizam a reunião, a discussão e o compartilhamento de
ideias e de experiências.
No caso são-paulino, a experiência compartilhada relaciona-se diretamente ao clube.
Partidas disputadas, vindas de jogadores, trocas de técnico, destaques negativos ou positivos
do time, entre outras coisas, direcionam o que é discutido, o que é planejado e também a
forma como esses acontecimentos são entendidos e recebidos pela torcida. Em redes sociais
como Facebook e Twitter, por exemplo, observam-se manifestações de comemoração em
vitórias, de descontentamento em derrotas, de apoio ou simplesmente demonstrações de
paixão ao clube.
A experiência compartilhada durante a disputa de títulos pode desenvolver-se nos
ambientes digitais de diversas maneiras. Nesses momentos é comum que a experiência do
torcedor seja compartilhada antes – com conteúdos que demonstrem apoio, amor ao clube -,
durante – com comentários sobre a disputa, demonstrações de apoio, reclamações, entre
outros – e depois – também com comentários, demonstração de apoio ou indignação (que
costumam depender do resultado conquistado), entre outros. Percebe-se, portanto, que as
experiências vividas pelos torcedores também os unem e motivam a interação, discussão e
criação de conteúdos, campanhas, ações, etc.
Nota-se que grande parte da definição do fandom é apontada pelas características dos
participantes que constituem a comunidade de fãs. É a participação dos fãs que molda o
fandom e que o define como tal. Partindo disso, torna-se importante definir o perfil do
torcedor são-paulino que participa dessas comunidades. Como apontado por Hunt, Bristol e
41
Barshal (1999), existem diferenças entre os níveis de torcedores e seu envolvimento com o
clube. De acordo com a pesquisa desenvolvida pelos autores, os fãs de futebol são divididos
em quatro categorias, que levam em conta não só o envolvimento com os times, mas também
variáveis geográficas e temporais.
As categorias apontadas pela pesquisa de Hunt, Bristol e Barshalw (1999) dividem os
fãs em fãs geográficos e temporários, fãs devotos, fãs fanáticos e fãs disfuncionais. A
categoria de fãs fanáticos é a que representa os torcedores com o comportamento mais
semelhante aos indivíduos que fazem parte de comunidades de fãs. De acordo com Hunt,
Bristol e Barshal (1999), os fãs dessa categoria tem um forte engajamento com seus clubes,
participam de discussões, acompanham notícias e vão aos jogos, além de consumirem
produtos licenciados e relacionados ao clube.
No caso da torcida são-paulina, foi observado um forte engajamento e discussão de
temas relacionados ao clube, motivado principalmente pelo momento conturbado vivido pelo
São Paulo. Como observamos na própria definição de fandom, os indivíduos que formam
essas comunidades valorizam a discussão, a troca de conteúdos e conhecimentos entre os
membros, tendo, portanto um forte engajamento com seus objetos de fandom. Características
que observamos também na categoria de fãs fanáticos, proposta por Hunt, Bristol e Barshal
(1999). É importante destacar que, os fãs devotos, também possuem um grande envolvimento
com o clube e, assim como os fãs fanáticos, esse envolvimento não possui limitações. Porém,
apesar do grau de envolvimento, essa categoria não possui um engajamento forte com o clube,
distanciando-se, portanto, da prática dos membros de comunidades de fãs.
Uma característica importante do fandom apontada por Jenkins (2006b) é de que são
comunidades caracterizadas por um sentimento de solidariedade e camaradagem. No caso
são-paulino, percebemos um esforço em se desenvolver e divulgar ações relacionadas ao
clube, tanto para apoiar quanto para criticar. Neste sentido, a solidariedade desenvolveu-se
não apenas entre os membros, mas em um esforço coletivo em prol do São Paulo. Na situação
da crise, que colocava o objeto do fandom em risco, o fã ativismo do torcedor ganhou força.
Mas esse desenvolvimento só foi possível graças à outra característica importante presente
nas comunidades dos fãs – a força das conexões presentes entre os membros.
De acordo com Recuero (2009), as conexões presentes nas comunidades de fãs são
construídas através de laços sociais, que são formados a partir da interação entre os
indivíduos. A interação entre os torcedores são-paulinos se deu, em primeira instância,
42
ancorada nas próprias características de dois, dos três ambientes observados – Twitter e
Facebook. Como redes sociais, a lógica desses ambientes por si só prioriza a interação através
de trocas de mensagens, conteúdos ou participação de discussões. Porém, podemos apreender
que em uma interação mais direcionada – como o ativismo dos torcedores são-paulinos – as
características dos ambientes foram aliadas à própria vontade do torcedor de participar,
discutir, interagir e se reunir. Como foi observado no caso dos protestos marcados através do
Facebook em que tanto os usuários, como os criadores do evento, convidaram mais e mais
participantes, demonstrando não só a participação dos torcedores, mas também, como a
interação entre eles foi importante para que o protesto se espalhasse e se tornasse visível para
mais usuários.
Como podemos notar a interação entre os torcedores foi crucial para que a
comunidade são-paulina se tornasse cada vez maior e, também, para que os conteúdos
discutidos e criados se tornassem mais visíveis, não só entre a comunidade, mas também entre
todo o ambiente – como o caso dos Trending Topics alcançados. As conexões entre os
usuários, oriundas da interação e suas relações nas redes também foram importantes, já que
tornaram possíveis o desenvolvimento de ações como a tag #TodosAoMorumbi. A tag criada
por um torcedor passou a ser replicada e utilizada pelos membros que faziam parte de sua
rede (seus seguidores) e, a partir daí, outros usuários que faziam parte das redes dos que
haviam replicado a tag, passaram a utilizá-la também, fazendo com que a tag fosse um dos
assuntos mais comentados no site23
. Além disso, a tag também gerou uma resposta do próprio
clube, que apoiando a iniciativa de convocar os torcedores a comparecerem aos jogos,
abaixou o preço dos ingressos criando a campanha #3cores1sóTorcida.
O ambiente em que essa participação se desenvolve, não apenas facilita a interação24
–
seja por de discussões ou mesmo compartilhamentos, replicações e criação de conteúdos –,
como também delineia a forma pela qual as interações se desenvolvem e o formato dos
produtos replicados, compartilhados e criados. A observação do fandom são paulino foi
voltada para sua participação nas três principais redes sociais utilizadas no Brasil – Facebook,
Twitter e Youtube – e, as especificidades de cada uma dessas redes moldaram as formas de
interação entre os torcedores.
23
A Tag #TodosAoMorumbi alcançou os Trending Topics na noite de 18 de agosto, por volta das 20h 30
minutos. 24
Segundo Primo (1995), a interação é uma “ação entre”, na qual o foco é voltado para a relação estabelecida
entre os próprios interagentes.
43
É importante destacar que, apesar de ser reconhecido como uma rede social, o Youtube
possui uma lógica distinta às demais observadas, sendo utilizado principalmente como
plataforma para a hospedagem de conteúdos audiovisuais. Apesar de permitir a criação de
perfis de usuários, do acompanhamento de canais e conteúdos específicos, o Youtube foi
utilizado, pela torcida são-paulina, como um complemento ao que vinha sido desenvolvido,
não gerando discussões significativas no ambiente observado, mas sim nos ambientes em que
os conteúdos hospedados nele eram divulgados. Além de vídeos que continham os melhores
momentos dos jogos disputados pelo time, bastante divulgados e presentes nas redes sociais,
vídeos que relatavam as disputas políticas no clube também foram divulgados e discutidos
pela torcida. Além do vídeo da confusão na sede social do clube – que relatava a discussão
entre membros da oposição e presidente Juvenal Juvêncio e seus apoiadores – o vídeo25
,
recuperado de uma transmissão da TV Gazeta26
, também gerou discussão entre a torcida. Esse
vídeo continha uma discussão, ocorrida ao vivo em um programa esportivo, entre Júlio
Casares, apoiador da situação e vice-presidente de marketing do clube, e Marco Aurélio
Cunha, um dos principais articuladores da oposição são-paulina.
Figura 9 – Postagem na fanpage Movimento Fora Juvenal Juvêncio
Fonte: Facebook27
, 2013.
Esse percurso e fluidez dos conteúdos entre as redes sociais foram possíveis porque
existe uma lógica de compartilhamento entre as redes. Essa lógica está presente tanto nas
próprias interfaces – como o Youtube, que permite o compartilhamento do vídeo em diversas
25
Vídeo da discussão entre Júlio Casares e Marco Aurélio Cunha. Disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=YsqkkoiBL1c&sns=tw. Acesso em 19 de novembro de 2013. 26
Rede de televisão brasileira, fundada em 1970. 27
Captura de imagem. Postagem disponível em
<https://www.facebook.com/MovimentoForaJuvenalJuvencio/posts/528211143919146>. Acesso em 05 de set.
de 2013.
44
redes sociais – quanto na própria mente dos usuários. É comum que, ao gostar ou achar
interessante um vídeo, notícia ou outro conteúdo, o usuário o compartilhe em suas redes
sociais, divulgando-o para os outros usuários que formam sua “rede”. É uma lógica que parte
do próprio usuário – lógica que permitiu a interligação entre redes que não são interligadas
pela interface, como o Twitter o Facebook.
4.2 A inteligência coletiva no fandom são-paulino
Como foi observado, um dos principais movimentos do fandom são-paulino foi a
discussão dos acontecimentos relacionados ao clube. Novos conteúdos eram gerados, a partir
do que era discutido entre os torcedores – tanto nos próprios ambientes em que ocorria a
discussão, quanto em outros ambientes também apropriados pelos torcedores. Nesse sentido,
notamos o movimento da torcida na troca de opiniões e conhecimentos relacionados a um
objetivo – um exemplo é o caso da criação da tag #crisenosaopaulo e o site com a contagem
regressiva para o rebaixamento do clube. Ao ser divulgado no Twitter, o site e a tag passaram
a ser replicados pelos rivais e, também, discutidos entre os torcedores são-paulinos.
Uma das primeiras atitudes tomadas pelos torcedores foi descobrir quem havia criado
o site, já que isso não estava especificado na página. Com a descoberta do criador, seus dados
passaram a ser replicados entre diversos usuários são-paulinos. À medida em que a discussão
fluía, mais dados eram descobertos – um deles, inclusive, apontava que o criador do site era
torcedor do Palmeiras, um dos clubes rivais do São Paulo.
Essa troca de informações, conhecimentos e opiniões é uma atividade presente no
fandom. E é disso que se trata a inteligência coletiva, esse movimento de construção de
conhecimento, através da troca de informações e conhecimento pelos próprios indivíduos.
Não se trata de um conhecimento consolidado, mas sim do processo de aquisição de
conhecimento que, segundo Jenkins (2009), é dinâmico, participativo e reafirma os laços
sociais do grupo social. No caso do fandom do São Paulo, notamos a importância da
discussão entre os membros – na medida em que participaram, discutiram e se envolveram
com os acontecimentos do clube, não só novos conteúdos surgiram, mas também se tornaram
visíveis nos ambientes em que eram divulgados.
Esse movimento de construção de conhecimento, discussão de opiniões, tornou o
fandom são-paulino forte. A participação dos torcedores, principalmente na discussão de
assuntos relacionados ao time, gerou conteúdos que influenciaram não só a torcida, mas
45
também o próprio clube – que em resposta, criou também conteúdos baseados nas demandas
dos torcedores, como ingressos mais baratos, hashtags e produtos relacionados ao que era
discutido. Foi perceptível, portanto, uma troca de informações e conhecimento, não só entre a
torcida, mas também entre o clube e a torcida – que observava o que era discutido e produzia,
quase numa dinâmica de participação com a torcida, conteúdos desejados pelos torcedores.
Um movimento também interessante, entre o clube a torcida, foi a criação de um
aplicativo que personalizava os avatares28
– tanto do Facebook quanto do Twitter – em apoio
a campanha #3cores1sóTorcida – fazendo com que, o apoio ao clube, e a adesão à campanha,
inicialmente criada pela torcida, fosse demonstrada visualmente – tanto pelo perfil dos
torcedores, como pelo perfil oficial do clube.
4.3 Redes sociais como plataformas de participação da torcida
Existem situações que motivam as discussões e geram uma participação mais ativista
dos torcedores. O mau momento vivido pelo São Paulo impulsionou não só a discussão, mas
também a organização de ações e a produção de conteúdos que representavam a insatisfação
da torcida e que demonstravam seu apoio ao clube. A cobertura feita pela imprensa, que
divulgou a situação tanto política e administrativa quanto esportiva, e a transmissão das
partidas também impulsionaram essas ações. Esse comportamento participativo configura o
que é entendido como cultura participativa, já que os torcedores também passam a produzir
seus próprios conteúdos e a divulgá-los.
Como Jenkins (2009) afirma, a internet facilita a visibilidade desses conteúdos
alternativos, neste caso, dos conteúdos produzidos pelos torcedores. Nesse contexto de crise,
as redes sociais se tornaram importantes plataformas, não apenas para a hospedagem dos
conteúdos criados pelos torcedores, mas também para a divulgação e ampliação do espaço de
discussão da torcida. As estruturas desses ambientes e sua abrangência permitem que esse tipo
de atividade se desenvolva nesses locais. Uma característica importante a ser destacada é que
estes ambientes permitem um contato “mais direto” com outros usuários, além de darem a
liberdade, na maioria dos casos, aos próprios usuários a escolherem quem e o que fará parte
de suas “redes”.
De acordo com Marteleto (2001, p. 72), as redes sociais “representam um conjunto de
participantes autônomos reunindo ideias e recursos em torno de valores compartilhados”
28
Aplicativo para o Twitter. Disponível em: http://twibbon.com/support/eu-vou-com-f%C3%A9/twitter
46
(MARTELETO apud TOMAÉL; ALCARÁ; CHIARA 2005). É neste sentido, apontado pela
autora, que se desenvolve a participação dos torcedores. Eles são os participantes que reúnem
ideias e recursos em torno do valor compartilhado, que neste caso, é o clube. Os conteúdos e
ações produzidas pela torcida desenvolveram-se principalmente no Facebook, Youtube e
Twitter, que, segundo pesquisa feita em 2012 pelo CNT/MDA, são as redes sociais mais
utilizadas no país. Mais do que a popularidade, as características das interfaces desses sites
permitiram o desenvolvimento desse tipo de atividade nesses ambientes.
O Twitter possui uma interface que prioriza conteúdos textuais curtos, o que
possibilita a discussão, a troca e o acompanhamento de informações. Ao seguir, bloquear ou
deixar de seguir algum perfil o usuário constrói sua própria rede de acordo com os seus
interesses, ou seja, uma característica do Twitter é a possibilidade de se segmentar os assuntos
a serem acompanhados de acordo com os perfis escolhidos para seguir. Outra forma de
segmentar os assuntos é através da utilização de tags, com elas o usuário pode acompanhar o
que tem sido falado sobre determinado assunto e emitir a sua opinião. Além disso, o usuário
também é capaz de observar quais são os temas mais falados naquele momento através dos
Trending Topics, podendo também participar da discussão usando alguma das tags
representadas nessa seção do site ou também criar suas próprias tags e, a partir delas, gerar
discussões – o que dependerá da participação de outros usuários.
Já o Youtube prioriza os conteúdos audiovisuais, permitindo que a discussão se
desenvolva no espaço dedicado aos comentários. Assim como o Twitter, o Youtube permite
uma segmentação de acordo com as preferências do usuário, que pode pesquisar os conteúdos
através de palavras-chave ou através o título do conteúdo buscado, e se inscrever em canais
específicos, recebendo, assim, as atualizações feitas naqueles canais. Um importante aspecto
do Youtube, observado na pesquisa, é o seu papel como plataforma de hospedagem de vídeos.
O conteúdo do site foi utilizado como complemento a argumentos discutidos pela torcida ou,
em alguns casos, como o motivo para a discussão – como foi observado na divulgação do
vídeo da confusão ocorrida em um churrasco na sede social do clube29
.
O Facebook, por outro lado, permite a hospedagem de conteúdos visuais, audiovisuais
e textuais. Além disso, é possível criar tanto perfis pessoais quanto fanpages. A segmentação,
assim como acontece no Twitter e no Youtube, também está presente no Facebook. Neste
29
Vídeo da confusão na sede social do clube. Disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=qSqOoZSLxW0. Acesso em 17 de setembro de 2013.
47
caso, ela ocorre de duas formas: o usuário acompanha as publicações dos usuários que fazem
parte da sua rede, àqueles que foram adicionados à lista de amigos ou os perfis assinados, e as
publicações das fanpages que o usuário curtiu – ao curtir uma página o usuário passa a
receber as atualizações dela.
As características presentes nas interfaces das redes sociais observadas foram
importantes na definição de como os conteúdos feitos pelos torcedores se desenvolveram
nesses ambientes, além disso, as possibilidades de segmentação presentes nos três sites
propiciaram o encontro entre os torcedores, seja comentando em páginas do Facebook ou
organizando protestos, seja em uma discussão no Twitter ou assistindo e comentando o vídeo
e divulgando-o para outros usuários. Além disso, pode ser observado que essas redes se
complementaram, fazendo com que os conteúdos, mesmo não prioritários daquele ambiente
circulassem por eles.
Em algum desses casos essa interligação foi permitida pela própria interface. Como o
Youtube, que permite que o vídeo seja compartilhado em diversas plataformas, desde blogs a
redes sociais – fator que reforçou o seu uso como um complemento ou motivo para a
discussão, ampliando-a para os ambientes em que era compartilhada. Por outro lado, a
interligação entre o Twitter e o Facebook foi mais complementar e partiu dos próprios
usuários, neste caso, os resultados das discussões desenvolvidas no Twitter geravam
conteúdos que passavam a ser divulgados no Facebook. As interfaces de cada ambiente e sua
apropriação pelos torcedores permitiu que o uso do Twitter, Facebook e Youtube se
configurasse dessa maneira.
Figura 10 – Tag #ForaJuvenal entre os assuntos mais comentados no Twitter
Fonte: Dados da pesquisa.
Os protestos contra a presidência do clube, por exemplo, desenvolveram-se no Twitter
através de uma tag usada e criada pelos torcedores, já no Facebook eles se desenvolveram
48
através da criação de fanpages e da organização de protestos que aconteceriam fora dos
ambientes virtuais. Conteúdos divulgados no Youtube, também complementavam essas ações,
tanto no Facebook como no Twitter. Em algum dos casos, como já citado, os conteúdos se
tornavam pauta das discussões nas outras redes sociais.
Figura 11 – Fanpage do Movimento Fora Juvenal Juvêncio
Fonte: Facebook30
, 2013.
Como podemos perceber, os ambientes propiciaram não só o desenvolvimento dos
conteúdos, mas também a complementação e união das redes sociais para que esses conteúdos
circulassem e tivessem maior alcance, aumentando assim o volume de participação e de
discussão entre os torcedores. Na medida em que os conteúdos eram compartilhados e
passavam a circular por mais ambientes, eles tomavam proporções maiores, sendo, em alguns
casos, pauta também da mídia esportiva brasileira.
A confusão na sede social é um exemplo. Filmado por uma das pessoas presentes no
churrasco, o vídeo que continha uma discussão entre oposição e situação – incluindo o próprio
presidente do clube, Juvenal Juvêncio – foi postado na internet. Já nesse ambiente, passou a
ser compartilhado e replicado, alcançando cada vez mais usuários e gerando discussão entre a
torcida. Por se tratar de um tema delicado e também, por ter acontecido em um momento
complicado do clube – que na época ainda acumulava derrotas nos campeonatos disputados –
o vídeo, já replicado entre os torcedores, virou pauta dos principais portais esportivos e
30
Captura de imagem. Fanpage disponível em <https://www.facebook.com/MovimentoForaJuvenalJuvencio>
Acesso em 24 de nov. de 2013.
49
programas de televisão dedicados ao esporte. O vídeo legendado31
, exibido em uma matéria
no programa Jogo Aberto, da Band, também foi hospedado por torcedores no Twitter e
replicado nas redes sociais, alcançando ainda mais usuários.
Figura 12 – Vídeo com fatos e números sobre a gestão do clube
Fonte: elaborado pela autora32
.
Nota-se que os ambientes observados tornaram-se plataforma para o desenvolvimento
da atividade dos torcedores e que as características presentes em cada uma das redes sociais
observadas facilitaram não apenas o desenvolvimento e divulgação dos conteúdos, mas
também nortearam o formato dos conteúdos e a forma como foram utilizadas.
31
Vídeo exibido no Jogo Aberto, programa esportivo da Band. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=xQvTf_QTV1w 32
Captura de imagem. Vídeo disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=Yn4og2UEjeM> Acesso em
24 de nov. de 2013.
50
5. O fã ativismo são-paulino
Como foi abordado, de acordo com Jenkins (2012), o fã ativismo se refere às formas
de engajamento que emergem de dentro da própria cultura fã em resposta a interesses
compartilhados pelos fãs. Além disso, o autor aponta que a própria infraestrutura presente nas
práticas e relações dos fãs é utilizada por eles nessas atividades. A participação dos são
paulinos se desenvolveu nesse sentido. O ativismo dos torcedores surgiu em resposta ao
momento vivido pelo clube e teve como principais plataformas o Twitter, o Facebook e o
Youtube.
Como Jenkins (2012) aponta, os fãs utilizam estruturas já presentes em suas práticas e
relações. O Twitter, por exemplo, é um ambiente de comum discussão sobre futebol, como
aponta a pesquisa feita em 2012, pela consultoria E.Life33
. O esporte é segundo assunto que
mais influencia o que chega aos Trending Topics, sendo o futebol responsável por mais de
40% dos assuntos relacionados à categoria Esporte. É importante destacar, que a pesquisa foi
feita em 2012, em um período em que as Olimpíadas também eram comentadas nas redes
sociais, mas mesmo assim, o futebol se manteve à frente, sendo o assunto mais comentado de
sua categoria.
Como observado, o futebol já é um assunto de comum discussão em redes sociais,
aliado a isso, o momento conturbado vivido pelo São Paulo impulsionou ainda mais a
discussão e participação da torcida nas redes sociais. Durante o período de observação, notou-
se uma forte ligação entre que era divulgado na imprensa e os assuntos que eram discutidos
pelos torcedores pelo Twitter e seus desdobramentos em outras redes sociais.
Tornou-se evidente, portanto, não só o engajamento da torcida, em acompanhar as
notícias e discuti-las, mas também o caráter midiático do futebol, que possui uma enorme
divulgação e presença na mídia brasileira, tanto na transmissão de partidas, como na
transmissão de programas que discutam e noticiem os acontecimentos relacionados ao
esporte. Esse caráter midiático reforça, também, a compreensão de parte da torcida como um
fandom, já sua atividade é relacionada ao que é transmitido e divulgado sobre o São Paulo.
5.1 Aspectos Metodológicos
A atividade comunicacional dos torcedores são-paulinos foi observada a partir do
Twitter e seus desdobramentos no Facebook e Youtube. O Twitter foi escolhido por permitir a
33
Pesquisa disponível em: http://www.slideshare.net/Elife2009/estudo-elife-trending-topics-3-trimestre2012
51
visualização dos assuntos mais comentados durante todo o dia, facilitando não só a coleta de
dados, mas também a observação e a mensuração da atividade da torcida, visto que os temas
mais discutidos e citados figuram em uma seção especial do site – os Trending Topics. Os
desdobramentos no Facebook e Youtube foram observados através do próprio Twitter, já que,
apresentados em conteúdos audiovisuais, textuais ou na organização de campanhas e eventos,
eram divulgados e discutidos no próprio site.
A observação ocorreu entre 10 de julho de 2013 e 8 de novembro de 2013. Durante
esse período, foram anotados os Trending Topics do Brasil referentes ao São Paulo, desde
jogadores à comissão técnica e administrativa do time, em diferentes horas do dia. Além
disso, a observação também buscou, através da leitura e acompanhamento das discussões, os
desdobramentos significantes que tais discussões poderiam ter em outras redes sociais – como
a tag #ForaJuvenal e a organização do protesto através do Facebook.
Após o término da observação foi construída uma linha do tempo que buscava
relacionar o que havia ocorrido com o clube com as hashtags encontradas nos Trending
Topics brasileiros. Para a análise dos dados coletados, os Trending Topics foram divididos em
nove categorias que separavam os temas de acordo com seus objetivos e conteúdos. A
categoria Incentivo, uniu os Trending Topics que representavam o apoio da torcida ao time.
Na categoria Jogadores, como o próprio nome sugere, foram relacionados os Trending Topics
que continham o nome de jogadores do time. A categoria Técnicos e ex-técnicos reuniu os
assuntos que se referiam aos comandantes e ex-comandantes do time. A categoria Placares de
Jogo reuniu Trending Topics que consistiam no placar literal do jogo, como por exemplo, São
Paulo 2 x 1 Fluminense. A categoria Time reuniu os Trending Topics que falavam do clube
em geral, representados pela sigla SPFC, entre outros. A categoria Rivais reuniu Trending
Topics relacionados aos rivais, sejam criados por eles para zombar do clube ou criados pelos
próprios torcedores são-paulinos para zombar de seus rivais. A categoria Homenagem reuniu
assuntos que tinham como objetivo homenagear jogadores ou técnicos. A categoria Estádio
reuniu os Trending Topics que continham os nomes dos estádios em que o São Paulo
disputava as partidas. A categoria Diretoria reuniu os assuntos relacionados à diretoria do
clube. E por fim, a categoria Disputas/Campeonatos reuniu Trending Topics relacionados às
disputas e campeonatos os quais o São Paulo participou. A mensuração desses assuntos foi
feita a partir da observação e separação dos Trending Topics apresentados nos dias
observados.
52
Uma nuvem de tags também foi criada, a partir de todas as palavras-chave e hashtags
observadas. Além disso, foram produzidos também outros dois gráficos, relacionados aos dias
em que o São Paulo ou termos relacionados alcançaram os Trending Topics – o primeiro
dividia os dias em dias em que o São Paulo disputava alguma partida e alcançou os Trending
Topics e os dias em que não havia partidas, mas os Trending Topics também foram
alcançados. A observação da ocorrência de Trending Topics relacionados aos jogos
disputados em dias anteriores ou seguintes às disputas motivou a criação de um segundo
gráfico, que mensurava as ocorrências nas vésperas e nos dias seguintes aos jogos – que
geralmente ocorriam de madrugada.
A análise da frequência das tags utilizadas pelos torcedores foi feita através do site
topsy.com34
, que permite a mensuração dos tweets que contém determinada hashtag, a
mensuração do tweet mais influente – em número de replicações – e também a análise da
frequência da hashtag pesquisada. Os gráficos foram produzidos através do site infogr.am35
.
5.2 A atividade comunicacional gerada
Em meio ao contexto conturbado vivido pelo São Paulo, a torcida desenvolveu
discussões, campanhas e ações, que demonstravam tanto o apoio ao time, quanto a crítica a
certas questões do clube. A atividade comunicacional da torcida, portanto, foi compreendida
como os conteúdos gerados pelos torcedores nos sites de redes sociais observados em meio ao
contexto vivido pelo clube durante o período de observação.
No dia 10 de julho de 2013, além do jogo disputado contra o Bahia pelo Campeonato
Brasileiro e o estádio vazio, a torcida pediu a volta do treinador Muricy, mesmo após a
confirmação do retorno do técnico Paulo Autuori. Essas questões refletiram diretamente nos
Trending Topics da noite desse dia, dentre os assuntos mais comentados estavam Paulo
Autuori, Morumbi e Muricy. A chegada do treinador e os jogos seguintes disputados pelo São
Paulo também movimentaram o Twitter, assuntos relacionados ao clube também chegaram
aos Trending Topics nos dias 11, 14 e 16 de julho.
Apesar da insatisfação da torcida com a direção do clube, às manifestações só
começaram a ganhar visibilidade por causa dos maus resultados conquistados pelo time em
campo. Durante a disputa da Recopa Sul-Americana, tendo a segunda partida ocorrida em 17
34
Ferramenta disponível em: http://topsy.com/ 35
Ferramenta disponível em: http://infogr.am/
53
de julho, a torcida demonstrou seu apoio através da tag #AvanteMeuTricolor, alusão a uma
música cantada pela torcida nos estádios. Neste dia, ocorria também a disputa da final da
Libertadores, entre Atlético Mineiro e Olímpia, o que fez com que os torcedores
diferenciassem a tag #EuAcredito, já presente nos Trending Topics e utilizada pelos
torcedores atleticanos, surgindo outra tag de apoio ao time - #EuAcreditoSPFC. Com a
derrota e a consequente perda da Recopa, os torcedores protestaram contra a já criticada
diretoria, através da tag #ForaJuvenal. Apesar de já ser um tema recorrente nas discussões dos
torcedores – existem registros de protestos contra o presidente Juvenal Juvêncio também em
201236
- os protestos de 2013 só ganharam força após os maus resultados conquistados pela
equipe nos campeonatos disputados.
Os protestos contra a diretoria também se desenvolveram fora do Twitter. Através da
criação de um evento no Facebook, torcedores organizaram uma manifestação marcada para o
dia 20 de julho – dia em que o time jogaria no Morumbi, pelo Campeonato Brasileiro. A
manifestação, sem o apoio das organizadas, recebeu a adesão de torcedores comuns, porém já
no estádio, torcedores organizados, em maior número, impediram manifestações contra a
diretoria e direcionaram as críticas aos jogadores. Manifestações ocorreram também dentro do
Morumbi, durante a derrota por 3x0 para o Cruzeiro, parte da torcida gritava “Fora Juvenal”,
em protesto à situação do time e à diretoria37
.
Figura 13 – Evento criado para a organização do protesto conta a diretoria
Fonte: Facebook38
, 2013.
36
Vídeo de um dos protestos ocorridos em 2012, contra o presidente Juvenal Juvêncio:
http://www.youtube.com/watch?v=cTMnY--hvFU 37
Torcida pedindo a saída de Juvenal, durante o jogo disputado no dia 20 de julho:
http://globotv.globo.com/globocom/tempo-real/v/torcida-do-sao-paulo-protesta-e-pede-saida-de-
juvenal/2705831/ 38
Captura de imagem. Imagem disponível em <http://saopaulofc.com.br/38898/noticias/torcida-do-sao-paulo-
fara-protesto-antes-do-jogo-contra-o-cruzeiro/>
54
No dia seguinte, dia 21 de julho, em um evento de confraternização na sede social do
clube, membros da oposição – trajados de preto em protesto à gestão do clube – entraram em
atrito com o presidente Juvenal Juvêncio. A confusão foi filmada por um dos torcedores
presentes no local e hospedada no Youtube. O vídeo também foi divulgado pela TV e em
portais esportivos do Brasil. A presença de torcidas organizadas, que já haviam impedido os
protestos no dia anterior, foi denunciada. Na segunda-feira, dia 22 de julho, um email com a
versão dos fatos da Torcida Independente, uma das organizadas são-paulinas, foi enviado
através do mailing e da conta oficial do programa sócio-torcedor do clube. Além de relatar o
ocorrido, o comunicado atacava o, até então, candidato de oposição Marco Aurélio Cunha.
Nesse contexto, campanhas que incentivavam o cancelamento do programa sócio-torcedor
foram criadas e divulgadas, além da insatisfação com o ocorrido com o email do programa, os
torcedores também reivindicavam o direito a voto na escolha do presidente do clube.
A confusão ocorrida na sede social do clube também motivou outros tipos de ações,
além dos protestos que já ocorriam e que ganharam ainda mais força, torcedores criaram um
abaixo-assinado39
no site Avaaz, no dia 23 de julho. O abaixo-assinado tinha como objetivo
juntar cinco milhões de assinaturas que seriam entregues ao Conselho Deliberativo do clube,
em busca do Impeachment do presidente Juvenal Juvêncio, mas houve pouca adesão, e o
número estipulado não foi alcançado.
Em campo a situação também continuou complicada, no dia 24 de julho, após outra
derrota, o São Paulo chegou a uma sequência de onze jogos sem vitória. A torcida protestou
novamente no estádio pedindo a saída do presidente Juvenal Juvêncio. Nas redes sociais, a
discussão sobre a situação do time se manteve, Luís Fabiano expulso durante a partida ficou
entre os assuntos mais comentados do Twitter. No dia seguinte, mais um acontecimento
movimentou a torcida. Adalberto Baptista, que na época ocupava o cargo de diretor de
futebol, pediu demissão do cargo. O diretor estava sendo pressionado, tanto internamente
como por torcedores, suas críticas ao ídolo e goleiro Rogério Ceni não foram aceitas tanto
internamente, quanto pela torcida são-paulina. O dirigente já havia sido alvo de críticas, suas
contratações e negociações eram um dos alvos. Sua passagem como dirigente também havia
ficado marcada pelo episódio em que deixou de acompanhar o time em um importante jogo da
Libertadores para disputar uma corrida de Porshe, na Europa – fato que lhe rendeu apelidos,
entre a torcida, como Porshista, Adalberto Porshe Baptista ou simplesmente Porshe.
39
Petição disponível em:
https://secure.avaaz.org/po/petition/Impeachment_do_Presidente_do_Sao_Paulo_Juvenal_Juvencio/?aGKxtdb
55
A excursão para a Europa, ocorrida entre o final de julho e inicio de agosto, também
movimentou a torcida. A crise esportiva foi ampliada. Com as derrotas na Copa Audi,
disputada na Alemanha, o time chegou a catorze partidas sem vencer. A disputa também ficou
marcada pelo placar interativo que divulgava mensagens enviadas por torcedores com a tag
#HelloAudiCup. Uma das mensagens exibidas enviada pelo usuário @DarkFabuloso, um
perfil fake do Twitter, continha uma ofensa ao lateral do São Paulo, Douglas. A imagem
ganhou fama na internet, inicialmente divulgada pelas redes sociais, principalmente o Twitter.
A mensagem virou assunto de diversos canais e sites esportivos brasileiros.
Figura 14 – Imagem do painel interativo da Allianz Arena
Fonte: Site ESPN Brasil, 2013. 40
A vitória do segundo torneio disputado na Europa, a Copa Eusébio, também foi
comentada no Twitter. Mas a movimentação maior aconteceu no dia 6 de agosto, quando o
ex-técnico Ney Franco, resolveu rebater as críticas feitas pelo goleiro Rogério Ceni. Em suas
declarações, o ex-técnico acusou o goleiro e ídolo da torcida de minar contratações, como a
do meio-campo Paulo Henrique Ganso e, também, por jogar por marcas individuais e não
pelo coletivo. A entrevista, dada ao jornal O Globo, fez com que o ex-técnico figurasse entre
os assuntos comentados durante grande parte do dia, Rogério Ceni e Ganso também ficaram
entre os assuntos mais comentados. A resposta às declarações de Ney Franco veio no dia
40
Imagem disponível em <http://www.espn.com.br/post/345959_painel-na-allianz-arena-mostra-ofensa-a-
douglas-feita-por-fake-de-luis-fabiano>. Acesso em 17 de setembro de 2013.
56
seguinte. Após uma nova derrota, na disputa da Copa Suruga no Japão, o goleiro Rogério
Ceni afirmou que se tivesse toda a influência apontada pelo ex-treinador, ele já teria sido
demitido há muito tempo. O Twitter mais uma vez foi palco para a discussão entre os
torcedores, o meia Paulo Henrique Ganso, que marcou um dos gols na partida, figurou entre
os assuntos comentados em grande parte do dia, o São Paulo também apareceu através de sua
sigla SPFC e o técnico Ney Franco, agora criticado por Rogério Ceni, também foi um dos
assuntos mais comentados.
De volta ao Brasil, o time continuou conquistando maus resultados no Campeonato
Brasileiro. Buscando o maior apoio da torcida, foi criada a campanha #TodosAoMorumbi,
que incentivava a presença da torcida nos jogos disputados no Morumbi. Em resposta a essa
convocação, o São Paulo criou a campanha #3cores1SóTorcida, abaixando o preço dos
ingressos para incentivar ainda mais a presença dos torcedores. A campanha surtiu efeito, a
média de público do São Paulo teve um aumento significativo.
O momento de crise também fez com que torcedores rivais criassem conteúdos para
zombar do clube. Um deles era um site que, intitulado de Crise no São Paulo, continha um
relógio com a contagem regressiva para a queda do clube a série B. A hashtag
#crisenosaopaulo, relacionada ao site, alcançou os Trending Topics no dia 13 de agosto.
Nesse mesmo período, a torcida se movimentou em busca de informações do criador do site.
As informações descobertas foram divulgadas e replicadas por diversos perfis do Twitter e
também em fanpages do Facebook.
Figura 15 – Informações do criador do site Crise no São Paulo
Fonte: Twitter, 2013.
57
A má fase do clube continuou preocupando os torcedores, os jogos se mantiveram
entre os assuntos mais comentados do Twitter. O time acumulou outra sequência negativa,
ficando 12 jogos sem vencer no Campeonato Brasileiro. Apesar da evolução do time, pênaltis
e finalizações perdidas preocupavam os torcedores. No dia 24 de agosto, um perfil de um dos
fóruns de torcedores são-paulinos – o Arquibancada Tricolor – divulgou no Twitter que algo
seria feito no Morumbi antes da partida. No dia seguinte, durante a transmissão, foi mostrada
a escada que ligava o vestiário são-paulino ao campo, a pedido do Repórter Bandana, um dos
criadores do fórum, um dos funcionários havia colocado sal grosso nas escadarias. O time
conquistou a vitória, assuntos relacionados ao jogo chegaram aos Trending Topics e, além de
um vídeo41
divulgado no Youtube – que mostrava a distribuição de sal grosso também entre os
torcedores – a história também esteve presente em portais e programas esportivos brasileiros.
Figura 16 – Tweet que indicava o que seria feito no Morumbi
Fonte: elaborado pela autora.
Apesar do sal grosso, o time não conseguiu manter uma boa sequência no Campeonato
Brasileiro. A torcida continuava a participar pelas redes sociais, fazendo com que os assuntos
relacionados às partidas disputadas pelo São Paulo continuassem a figurar entre os Trending
Topics. No dia 7 de setembro Rogério Ceni completava 23 anos jogando pelo São Paulo, no
Twitter o ídolo foi homenageado com a tag #M1TO23anos42
, que permaneceu nos Trending
41
Vídeo disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=MmUpqrZVInY 42
O jogador é conhecido como M1TO entre os torcedores são-paulinos, o número um em referência a camisa
um, usada pelo goleiro.
58
Topics durante todo o dia. No Facebook as fanpages também se mobilizaram criando e
divulgando conteúdos e imagens que homenageassem o ídolo da torcida.
No dia 8 de setembro, em disputa pelo Campeonato Brasileiro, o time sofreu uma nova
derrota. A torcida se manteve engajada, e temas relacionados à partida também figuraram
entre os Trending Topics. No dia seguinte, a torcida se manifestou novamente. O anúncio da
volta do técnico Muricy, que já tinha seu nome gritado durante diversos jogos do campeonato,
movimentou a torcida. Em alusão ao canto “O campeão voltou”, famoso durante o
tricampeonato brasileiro conquistado sob o comando do técnico, a torcida criou a tag
#OMuricyVoltou. A apresentação oficial também movimentou a torcida, Muricy figurou entre
os temas mais comentados durante o período da coletiva. O efeito da volta do treinador
também foi visto em campo, além da vitória conquistada no primeiro jogo sob o comando do
técnico, todos os ingressos disponíveis para o jogo foram esgotados.
A campanha do clube no campeonato melhorou e, consequentemente, os protestos
contra a diretoria e alguns jogadores tiveram uma grande diminuição. No período em que
Muricy assumiu o time até o último dia de observação, 8 de novembro, os assuntos discutidos
pelos torcedores que chegaram aos Trending Topics foram estritamente relacionados às
partidas e ao âmbito esportivo do clube. Durante esse período, o ex-diretor de futebol
Adalberto Baptista, assumiu um cargo administrativo no clube. A volta do dirigente foi
criticada, mas com proporções menores às observadas durante os períodos mais críticos do
time, quando a diretoria era fortemente criticada, tanto nas redes sociais quanto nos estádios.
5.2 O fandom em atividade: o que motivou a torcida?
Um comportamento comum entre os torcedores de futebol deixa evidente a lógica de
convergência na qual se inserem as atividades observadas. Durante a transmissão de jogos as
redes sociais, principalmente as que possuem um formato que permita a divulgação de
conteúdos textuais – como o Facebook e o Twitter – podem se tornar plataformas para a
discussão, compartilhamento de comentários e até expressão de apoio ou crítica ao time.
Nesse caso, percebemos não só o aparato tecnológico facilitando essa atividade, mas também
a própria vontade do torcedor em compartilhar seus comentários e pensamentos sobre temas
relacionados à partida a qual acompanha.
59
Esse comportamento, de se comentar, discutir, demonstrar apoio ou protestar durante
os jogos foi expressivo na participação dos torcedores são-paulinos. Durante o período de
observação, grande parte da movimentação dos torcedores, representado através da coleta dos
Trending Topics relacionados ao São Paulo, ocorreu durante os períodos em que os jogos
aconteceram – os horários das partidas variam das 16h às 18h, das 18h e 30 mim às 20h 30
min, das 21h às 23h e das 21h 50 min às 23h 50 min. Como podemos notar no gráfico abaixo,
a maior parte dos Trending Topics foi alcançada das 16h ás 18h e das 21h às 00h. A única
ocorrência de Trending Topic observada entre às 7h e às 10h aconteceu durante a transmissão
da Copa Suruga, que devido ao fuso horário japonês, foi transmitida ás 8h da manhã.
Gráfico 1 – Horário em que ocorreram os Trending Topics
Fonte: elaborado pela autora.
A análise dos dias em que os Trending Topics foram alcançados também reforça a
percepção de que a participação dos torcedores foi motivada principalmente pelos jogos
disputados pelo time, dentre os 35 dias em que o clube teve algum tema relacionado nessa
seção do Twitter, 21 foram em dias em que o clube disputaria uma partida. Dos 14 dias
restantes, sete representavam temas relacionados a partidas que seriam ou que tinham sido
disputadas, ocorrendo na véspera deles ou na madrugada seguinte – esse caso foi comum em
jogos disputados à noite, já que terminam por volta das 23h 50 min.
60
Gráfico 2 – Dias em que os Trending Topics foram alcançados
Fonte: elaborado pela autora.
Apesar de o São Paulo ter vivido um período conturbado politicamente, foram, em
grande maioria, os resultados e acontecimentos esportivos que motivaram a discussão dos
torcedores e, também, às próprias críticas feitas às questões políticas e administrativas do
time. O #ForaJuvenal, por exemplo, ocorreu após a perda do título da Recopa para o rival
Corinthians, no dia 18 de julho, madrugada seguinte à disputa. Além desses acontecimentos, a
participação e discussão dos torcedores foram motivadas pelo que era divulgado a respeito do
time. Entrevistas e notícias que afetavam ou colocavam em risco valores, ideias e
pensamentos compartilhados pelos torcedores, ganhavam proporções maiores. A entrevista
dada pelo ex-técnico Ney Franco é um desses casos. A crítica feita ao goleiro Rogério Ceni
gerou muita discussão entre os torcedores, temas relacionados a esse acontecimento figuraram
entre os Trending Topics durante boa parte do dia. Por se tratar de um ídolo, considerado um
dos maiores de toda a história do clube, as críticas feitas a ele não foram bem recebidas pela
torcida. O teor das acusações feitas pelo ex-técnico, também foi responsável por essa
proporção que a entrevista tomou, já que além de atingirem o ídolo da torcida, também
colocavam em dúvida o amor e o respeito do jogador pelo clube, fatores que a torcida exalta
no jogador. Outro exemplo ocorreu no último dia de observação, 8 de novembro, quando foi
61
noticiado que o zagueiro Antônio Carlos, que vinha se destacando nas últimas partidas, seria
desfalque para o jogo disputado no dia seguinte, 9 de novembro.
Gráfico 3 – Temas que motivaram os Trending Topics
Fonte: elaborado pela autora.
Os assuntos que mais motivaram a torcida a discutir também reforçam a ideia de que,
apesar do contexto político conturbado, o esporte em si é o que mais motivou o torcedor. O
que é refletido também nas campanhas desenvolvidas. O protesto contra a diretoria ocorreu
fora do Morumbi em um período em que o time acumulava maus resultados. Os protestos
ocorridos dentro do estádio também, e se iniciavam, geralmente, após ou nos minutos finais
de jogos em que o time era derrotado. Percebemos a motivação esportiva também nas
campanhas de apoio, a campanha #TodosAoMorumbi incentivava justamente a presença da
torcida no Morumbi. Ao verem a situação complicada do clube, a baixa presença de
torcedores, os são-paulinos resolveram incentivar a presença, para que em campo, o time
fosse “empurrado” pela torcida. O próprio clube aderiu à campanha, criando uma versão
chamada “Três cores, uma só torcida”43
, sendo batizada nas redes sociais através da hashtag
#3Cores1SóTorcida. Além disso, foram criados também aplicativos simples, em que o usuário
do Twitter e Facebook poderia adicionar uma moldura especial na foto, em apoio à campanha
43
Campanha Três cores, uma só torcida. http://www.saopaulofc.net/noticias/noticias/torcida/2013/8/13/tres-
cores,-uma-so-torcida/
62
e ao time. O clube também abaixou o preço dos ingressos, que passaram a custar entre R$2,00
e R$ 30,00.
A discussão dos torcedores também foi relacionada aos jogadores e suas atitudes. A
forma como o jogador joga, se ele se destaca ou compromete o time, influencia na discussão
dos torcedores. Dentre os jogadores são-paulinos, o meio-campo Paulo Henrique Ganso foi o
que mais figurou entre os Trending Topics, aparecendo nessa seção em seis dias com o termo
“Ganso”. O motivo dessas aparições foi, na grande maioria dos casos, relacionado ao seu
desempenho dentro de campo. A única oportunidade em que sua atuação não foi motivação
para a discussão, foi no episódio da crítica feita pelo ex-técnico Ney Franco, em que o jogador
era citado. Os outros jogadores que também figuraram nos Trending Topics, também seguem
a mesma motivação, com exceção do goleiro Rogério Ceni, que foi homenageado ao
completar vinte três anos de clube. Porém, as outras ocorrências seguem relacionadas aos
jogos, o que mais uma vez, reforça a percepção de que a torcida costuma discutir as partidas
disputadas pelo São Paulo.
O apoio da torcida também foi um tema recorrente durante os jogos. Além da
campanha de incentivo à presença no Morumbi, a torcida também demonstrou apoio em
alusões a cantos da torcida, como representado na hashtag #AvanteMeuTricolor e em alusões
a outras tags, como a #EuAcreditoSPFC. Existiram ocorrências também de hashtags que
tinham como objetivo homenagear jogadores e técnicos, como o caso do goleiro Rogério Ceni
e também ao anúncio do retorno do técnico Muricy, em que, em mais uma alusão aos cantos
da torcida, foi criada a tag #OMuricyVoltou.
Acompanhando o movimento já constante no Twitter, o clube também desenvolveu
uma tag a partir de um bordão do técnico Muricy, #AquiÉTrabalhoMeuFilho, muito utilizada
também pela torcida, principalmente após os jogos disputados pelo time. Como pode ser
notado no gráfico abaixo, os principais picos ocorrem em dias em que o time disputou alguma
partida. No dia 9 de novembro, que representa o maior pico com mais de 1.500 tweets com a
hashtag, o São Paulo, que se encontrava ainda em situação complicada no Campeonato
Brasileiro, havia derrotado o Cruzeiro, líder do campeonato. Além disso, a frase dita pelo
técnico durante a coletiva, também movimentou os comentários dos torcedores e as
63
replicações no Twitter. O tweet44
com a frase, postado pela conta oficial do clube, foi o mais
influente com a hashtag, tendo 433 retweets.
Gráfico 4 – Frequência da tag #AquiÉTrabalhoMeuFilho
Fonte: Site de análise Topsy.
Nota-se que a relação entre o que é divulgado e transmitido pela imprensa e o que é
discutido pelos torcedores é bem estreita. Apesar de ter sido observado que os resultados
obtidos pelo time foram, em grande parte, responsáveis pela discussão e pela ação dos
torcedores. Nota-se que, muito do que foi discutido também partiu de notícias e reportagens
sobre o clube. Além disso, se nos atentarmos para o fato de que os jogos também são
televisionados, essa relação se torna ainda mais estreita. O clube viveu uma situação difícil,
mas para que ela fosse discutida, a torcida precisou tomar conhecimento do que estava
acontecendo, seja por meio de reportagens, seja por meio da transmissão de jogos, seja pela
própria discussão e divulgação de conteúdos nas redes sociais.
A análise das palavras representadas na nuvem de hashtags também reforça o a
observação da ligação entre o que a torcida discutiu e o que foi transmitido e divulgado pelos
diferentes meios. Podemos concluir, portanto, que as redes sociais se tornaram plataformas
que desenvolvem também uma nova maneira de torcer – observamos isso nas alusões aos
cantos da torcida representados nas hashtags – e também de discutir sobre o time, o que há
44
Tweet do perfil oficial do São Paulo. Disponível em
https://twitter.com/saopaulofc/status/388146730803683328
64
anos atrás se desenvolvia em uma roda de amigos, passa a ter uma amplitude um alcance bem
maior. Na internet, as discussões ganham força devido ao alcance maior que permite. Além
disso, a facilidade de reunião e de encontro de pessoas com interesses comuns também facilita
essa “nova forma de torcer” representada nos ambientes virtuais.
Gráfico 5 – Nuvem de hashtags
Fonte: elaborado pela autora.
A participação da torcida são-paulina se desenvolveu nesse contexto, em que a reunião
de membros, o encontro de indivíduos com interesses e valores semelhantes é facilitado. Os
aparatos tecnológicos, as redes sociais utilizadas, aliados ao pensamento mais participativo do
torcedor constituíram a comunidade fã são-paulina e sua, consequente, movimentação nos
ambientes digitais.
65
6. Conclusão
A presente pesquisa teve como objetivo compreender em que medida a atividade
comunicacional dos torcedores são-paulinos em sites de redes sociais se insere no contexto de
fã ativismo e de que modo o contexto sociopolítico do clube permeou tal atividade
comunicacional. A comunidade dos torcedores são-paulinos foi analisada sob a perspectiva do
fandom, podendo ser caracterizada, a partir daí, quanto sua estrutura e seu funcionamento.
Para tal relação foi importante fundamentar teoricamente a definição de fãs e sua relação com
o futebol, baseadas na conceituação de Jenkins (2009) e na pesquisa de Hunt Bristol e
Barshaw (1999).
Partindo dessa compreensão, foi possível reconhecer a estrutura de comunidade de fãs
presente nas relações entre os torcedores são-paulinos, visto que os conteúdos se
desenvolveram em redes sociais e que, para que se tornassem visíveis, foi necessária a
participação e o engajamento coletivo dos torcedores. Os conceitos de Convergência (Jenkins,
2009), Cultura Participativa (Jenkins, 2009) e Inteligência Coletiva (Jenkins, 2009) deram
base para a compreensão do contexto em que a atividade e a comunidade dos torcedores são-
paulinos se desenvolveram e também a compreensão da própria atividade desenvolvida pelos
torcedores.
Como Jenkins (2012) aponta, o fã ativismo surge nas próprias comunidades fãs.
Relacionado ao contexto de convergência no qual as comunidades de fãs se inserem, e no qual
a comunidade de torcedores são-paulinos também foi inserida, o fã ativismo dos torcedores
foi percebido na própria atividade comunicacional gerada por eles. O ativismo do torcedor
são-paulino se desenvolveu na medida em que foram criadas ações, discussões e conteúdos
em prol do clube. Desse modo, a torcida demonstrou sua opinião, suas preferências – como o
pedido pela volta do técnico Muricy – e o seu apoio através de tags, campanhas e ações.
A partir dessa análise, foi possível compreender a importância das discussões
observadas no Twitter, já que, a partir delas, a atividade comunicacional da torcida se tornava
visível nesse ambiente – através dos Trending Topics – e também, alavancavam a criação de
conteúdos e ações não só no Twitter, mas também nos sites Facebook e Youtube – como a
organização de protestos, campanhas, criação e divulgação de vídeos. Portando, notou-se que
a configuração de comunidade são-paulina e sua ação coletiva, foram fundamentais para o
desenvolvimento da atividade comunicacional da torcida, visto que, quanto mais participantes
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na discussão, mais visível ela se tornava, como observado nos temas que alcançavam os
Trending Topics.
Aprofundando-se na análise dos conteúdos gerados, foi possível notar sua relação com
o contexto vivido pelo clube, sendo ancorada principalmente, pela presença do clube na
imprensa. Os conteúdos e discussões gerados pelos torcedores tratavam-se de comentários
sobre as partidas – que são televisionadas, transmitidas por rádio e também por stream na
internet – sobre coletivas de imprensa, trocas de técnicos – amplamente divulgadas em portais
esportivos – entrevistas com jogadores, ex-técnicos, entre outros.
Além disso, a observação sistemática dos ambientes – principalmente do Twitter, foco
principal da pesquisa – permitiu a compreensão das especificidades de cada site de rede social
e forma pelas quais as atividades se desenvolveram em cada um desses ambientes. O caráter
de discussão presente no Twitter e a possibilidade de observação dos assuntos mais
comentados, através dos Trending Topics foram um dos aspectos motivadores para o enfoque
nesse site de rede social.
Foi observada, sob o ponto de vista do Twitter, a relação complementar entre as
discussões desenvolvidas nesse site e seus desdobramentos no Facebook e Youtube. Sendo
notada, portanto, a utilização do Youtube como uma plataforma de divulgação de vídeos, que
de acordo com o conteúdo complementava ou pautava as discussões dos torcedores. Já a
utilização do Facebook teve um teor de reunião e organização de torcedores, através da
divulgação de campanhas, criação de fanpages e a organização dos protestos contra a diretoria
do clube.
A partir dessa pesquisa foi possível compreender como a atividade dos fãs pode ser
relacionada ao torcedor de futebol. Sob a perspectiva do ativismo, foi possível observar como
se desenvolveu na questão dos torcedores são-paulinos, suas relações com a situação do clube
e, também a influência desses conteúdos não só na comunidade dos torcedores são-paulinos,
mas no clube e na própria imprensa brasileira, que divulgou algumas das ações da torcida,
como os protestos nos portões do Morumbi e também dentro do estádio.
A pesquisa, porém, não deve se encerrar na observação do Twitter, a capacidade de
reunião de pessoas e organização presente no Facebook, como observado na organização dos
protestos e divulgação de campanhas, demandam aprofundamentos. Além disso, sua relação
estrita com a cultura fã, percebida na criação das fanpages e dos conteúdos presentes nelas,
67
também é um tema interessante a ser estudado. A relação entre o Youtube e a criação dos
torcedores também é um ponto a ser estudado posteriormente, já que os conteúdos são
variados, indo desde criações relacionadas estritamente ao fandom, quanto conteúdos com
teor mais informativo – como resumos de jogos, vlogs opinativos, entre outros.
68
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