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“...DAR RUM AO ORIXÁ...” ritmo e rito nos candomblés ketu-nagô Edilberto José de Macedo Fonseca Partindo de um dos elementos do fazer musical do conjunto instrumental percussivo dos candomblés da nação ketu-nagô, os toques do instrumento idiofônico , este trabalho busca mostrar como a prática musical assume caráter inalienável às práticas ritualísticas que expressam todo o sistema de cren- ças. Palavras-Chave RELIGIÃO, CANDOMBLÉ, MÚSICA, ETNOMUSICOLOGIA. FONSECA, Edilberto José de Macedo. “...Dar rum ao orixá...”: ritmo e rito nos candomblés ketu-nagô. Textos escolhidos de cultura e arte populares, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, p. 101-16, 2006.

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FONSECA, Edilbero José de Macedo. “...Dar rum ao orixá...”

“...DAR RUM AO ORIXÁ...”ritmo e rito nos candomblés

ketu-nagô

Edilberto José de Macedo Fonseca

Partindo de um dos elementos do fazer musical do conjuntoinstrumental percussivo dos candomblés da nação ketu-nagô,os toques do instrumento idiofônico gã, este trabalho buscamostrar como a prática musical assume caráter inalienável àspráticas ritualísticas que expressam todo o sistema de cren-ças.

Palavras-ChaveRELIGIÃO, CANDOMBLÉ, MÚSICA, ETNOMUSICOLOGIA.

FONSECA, Edilberto José de Macedo. “...Darrum ao orixá...”: ritmo e rito nos candomblésketu-nagô. Textos escolhidos de cultura e artepopulares, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, p. 101-16,2006.

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Textos escolhidos de cultura e arte populares, v. 3, n. 1, 2006.

Pedindo licença1

Ao longo desses cinco séculos, o pro-cesso civilizatório brasileiro pôs em con-tato etnias diversas, gerando inúmerasmanifestações socioculturais com carac-terísticas particulares. Uma marca dis-tintiva da cultura brasileira é a sua vari-edade, fruto de expressões culturais ge-radas a partir de reelaborações de práti-cas trazidas de várias partes do mundo.

Línguas, culinária, indumentárias,crenças, danças e músicas são apenasalguns elementos da bagagem dos gru-pos africanos que aqui chegaram. Ape-sar da repressão da cultura hegemônicaescravocrata, os escravos souberam pre-servar e forjar formas de sobrevivênciade suas manifestações.

Por meio da música dos batuques edos cantos dos escravos eram contadashistórias passadas, ricas memórias dedeuses e ancestrais glorificados que per-maneciam vivos nos mitos. A religiosi-dade dos grupos buscava sobrevivênciaapoiada no que tinham em comum, e oritmo dos tambores tratou de amalga-mar as diferenças.

Ao chegarem aqui, esses grupos ét-nicos – chamados nações – que possuí-am traços culturais distintos encontra-ram, por sua vez, todo um universo in-dígena fragmentado em etnias tambémvariadas, detendo seu conjunto de mitose rituais. Nesse encontro de visões demundo, religiosidades particulares e ori-ginais foram sendo modeladas.

Candomblé é um nome dado a for-mas de expressão religiosa que se de-senvolveram a partir de matrizes afri-

canas. Espalhadas pelo país, as casas deculto praticam diferentes modalidadesrituais e litúrgicas como: candomblé decaboclo, jêje, angola, ketu-nagô, macum-ba, xangô de Recife, batuque do Sul etambor-de-mina. De modo geral, basei-am-se em modalidades ritualística espe-cíficas que, mesmo apresentando dife-renças litúrgicas em função de particu-laridades históricas e locais, expressamligação a uma ancestralidade míticaoriunda de determinada matriz étnica.

Tratando das particularidades do fa-zer musical em contexto ritual, o etno-musicólogo John Blacking afirma que aanálise cultural de uma sociedade

não é descrever simplesmente obackground cultural da músicacomo comportamento humano, eentão passar a analisar peculia-ridades de estilo em termos de rit-mo, tonalidade, timbre, instru-mentação, freqüência de interva-los ascendentes e descendentes,e outras terminologias essencial-mente musicais, mas descreverambas, a música e sua base cul-tural, como partes inter-relacio-nadas de um sistema total.(Blacking apud Carvalho, 1991:22)

O conjunto orquestral nos candom-blés ketu-nagô é formado por trêsatabaques (do grave para o agudo: rum,rumpi e lé) e um gã ou agogô (com umaou duas campânulas, respectivamente).Dessa forma, seria importante pergun-tar se os ritmos executados pelo conjun-to orquestral não guardam, em sua es-truturação e organização, marcas distin-tivas de uma visão de mundo que se

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manifestam no discurso litúrgico e ritu-al, sendo os ritmos uma afirmação des-se discurso.

Ao tratar a questão da rítmica per-cussiva em seu livro The Music of Africa(1974), o musicólogo ganense J.Kwabena Nketia propôs uma abordagemda música negro-africana que causouimpacto sobre os estudos até então rea-lizados. Ele desenvolveu a noção dostimelines ou linhas-guia,2 que se tornoufundamental nesses estudos. Essas li-nhas de tempo funcionam como fórmu-las de organização rítmica, curtas, denotas simples, e que atuam como guias,sendo usados para tal, gãs, agogôs, si-nos ou mesmo palmas. Em várias cultu-ras africanas, formam a base rítmicasobre a qual a melodia e os toques ins-trumentais se realizam.

No candomblé as linhas-guia são exe-cutadas pelo gã ou agogô, que possui ostatus de “maestro” no conjunto orques-tral. Os toques do gã servem de base paraa prática dos atabaques e funcionamcomo ponto de orientação para a per-formance dos tocadores, os alabês eogãs.

Nesse sentido, junto com outros ele-mentos, os toques, ou linhas-guia, sãoparte de um conjunto de sistemas semân-ticos que integram e configuram os ri-tuais no candomblé. No entanto, em ne-nhum dos estudos feitos sobre músicade candomblé até hoje3 foi possível en-contrar uma clara tipificação das linhas-guia executadas pelo gã (ou agogô),como se organizam e se relacionam coma prática musical instrumental e, tam-bém, com os rituais.

Partindo da corriqueira expressãopresente no mundo dos candomblés“...dar rum ao orixá...”, tentarei, segun-do uma ótica etnomusicológica, traçarum perfil da relação entre ritual, narra-tiva mítica e música no contexto sócio-religioso, mostrando que

simbolicamente integrado a es-ses eventos, o fazer musical as-sume, assim, condição estrutu-rante na experiência religiosa, jáque por seu intermédio se dá acomunicação com os orixás (Fon-seca, 2002: 11).

Aspectos de uma cosmovisãonagô

Falando sobre os povos iorubanos quevisitou em suas viagens à África, PierreVerger argumenta em Notas sobre o cul-to aos orixás e voduns que:

No estágio atual de nossos conhe-cimentos é difícil determinar seexiste um fundo cosmogônicomuito antigo e coerente, comuma essas populações, e se esse sis-tema foi encoberto por tradiçõeslocais (...) Os pontos comuns eas diferenças entre os diversos ri-tuais precisam ser recuperadospor estudos paralelos sobre asmesmas cerimônias em diferen-tes lugares (...) Uma visão de con-junto, no atual estado das coisas,não faz ressaltar uma mitologiacom um panteão harmonioso ehierarquicamente organizado(2000: 15).

Vasta literatura sobre o tema vem sen-do produzida ao longo dos anos, haven-do inúmeras discordâncias por parte dos

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pesquisadores4 das religiões afro-brasi-leiras, parecendo ainda distante de umaunanimidade, um delineamento defini-tivo de uma cosmovisão magô.5

Os Nagô partem da idéia da divisãodo mundo segundo dois planos distin-tos, o aiê e o orum. O aiê é a própriarealidade concreta, física, incluindo ain-da toda a humanidade e os seres natu-rais. O orum é uma realidade paralelaao aiê, um espaço sobrenatural que nãose coloca no mesmo plano deste e é po-voado por habitantes que têm seu equi-valente no aiê. Aiê e orum são dois pla-nos de existência complementares eindissociáveis, formando instâncias pa-ralelas e possuidoras dos mesmos con-teúdos e representações materiais (San-tos, 1977: 53). Se o aiê é o mundo dahumanidade e dos seres vivos, o orum éo espaço dos orixás, seres ancestraisdivinizados que povoaram a Terra e re-presentam parte das forças da naturezacom as quais mantêm relações deinterdependência.

Na África, ainda hoje, os orixás sãocultuados dentro de uma mesma famí-lia, clã ou linhagem, de modo geral res-tritos a uma cidade ou região específica.No Brasil, em virtude da escravidão, sualigação com determinada cidade, linha-gem ou família se perdeu, conservando-se, no entanto, a separação espacial dascasas de culto, para cada orixá, dentrodos terreiros. Para os Nagô, no entanto,o culto aos orixás se diferencia do cultoaos ancestrais mortos, espíritos dos se-res humanos, chamados eguns.

Os orixás possuem poder frente à for-ça primordial do universo, o axé, poden-

do domesticá-la e compartilhá-la parafins de ações benéficas para com os ali-ados e destrutivas para com os inimi-gos. Axé é a força mística que movimentao universo, princípio dinâmico que tor-na possível todo o processo de realiza-ção da vida. É uma força que pode sertransmitida, conduzida, acumulada eperdida, podendo estar presente emsubstratos materiais e simbólicos. Por setratar de uma força primordial, o axépode enfraquecer ou mesmo desapare-cer. Cumpre então, aos homens, habi-tantes do aiê, fixar, manter vivo e reno-var o axé, que pode ser encontrado nassubstâncias que animam seres de todosos reinos naturais: mineral, vegetal eanimal.

Os orixás têm como característica to-mar a cabeça da pessoa, o orí, tomando-a pelo estado de transe, ou, no dizer dopovo-de-santo, fazer dele “seu cavalo, afim de montá-lo”. A iniciação é o pro-cesso pelo qual, em circunstâncias es-peciais, serão estabelecidos padrõesmíticos de comportamento que permiti-rão ao fiel desenvolver reflexos cultu-ralmente condicionados. Babamim, pai-de-santo de um dos terreiros no qual re-alizei minhas pesquisas, costuma dizerque “iniciação é ter cultura no corpo”.

Em linhas gerais, então, é possívelresumir o sistema de crenças do candom-blé ketu-nagô a partir de seis princípiosbásicos:

1. A crença em um deus supremo eabsoluto , Olorum, Obatalá ouOlodumarê, criador de todos os seres domundo. Não sendo adorado por meio deculto é, porém, freqüentemente lembra-

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do no dia-a-dia do adepto e de toda acomunidade.

2. A crença de que os desígnios deOlorum são ditados pelo oráculo divi-natório de ifá, o jogo dos búzios. Todosos passos da vida devem ser ditados porOrumilá,6 orixá da adivinhação. Nenhu-ma decisão importante deve ser tomadasem sua consulta.

3. A crença na existência de espíritosancestrais divinizados, forças da natu-reza detentoras de axé, princípio dinâ-mico da vida, força espiritual de trans-formação. Caracterizados por objetos eelementos materiais, representam a for-ça divina, chamados, por algum estudi-osos, de fetiches.7 A esses espíritos de-vem ser feitas oferendas e sacrifíciosperiódicos, os ebós, como forma de pro-ver, manter e renovar o axé.

4. A crença na eficácia de substânci-as de origem mineral, vegetal e animalque, utilizadas ritualisticamente, possu-em a força mística, o axé.

5. A crença no transe místico como aforma, por excelência, de comunicaçãoentre deuses e homens, sendo que é pormeio dos processos iniciáticos que suascabeças – o orí, ou orixá pessoal – sãopreparadas a fim de que se tornem veí-culos de expressão dos orixás no aiê.

6. A crença na morte como um re-nascimento, um eterno retorno, parte dadinâmica entre os planos natural e so-brenatural, que gera a possibilidade deinvocação do espírito dos mortos, oseguns. Como há sempre uma correspon-dência entre elementos do aiê e do orum,a morte restitui à terra os elementos delaretirados, pela passagem de uma exis-

tência individualizada para uma gené-rica (Santos, 1977).

Mito e rito: a música comointermediação

Se o sistema de crenças nagô parteda divisão entre o orum e o aiê, as rela-ções entre essas duas instâncias se da-rão por meio de um contrato de trocas,no qual a música tem papel fundamen-tal.

Tanto o mito quanto o rito colo-cam no centro das atenções aquestão do contrato. Esse contra-to refere-se ao circuito de trocasentre dimensões cósmicas doorum e o aiê. Trocas necessáriase incontornáveis, pois só elas per-mitem reproduzir a vida, evitan-do a fatalidade da corrupção. São,além disso, trocas assimétricas,dada a desigualdade das partes.As regras que tipificam esse gê-nero de contrato são marcadas,no entanto pela mais estrita for-malidade (Vogel et alli, 1998:49).

Nesse contrato, necessário e não ne-gligenciável, coloca-se uma verdade ins-crita na narrativa mítica, sobre a qualse baseia toda a visão de mundo. Umexemplo é a oferenda propiciatória co-nhecida como o padê de Exu,8 que apa-rece num mito transcrito em Mitologiados orixás por Reginaldo Prandi:

Bem no princípio, durante a cri-ação do Universo, Olofim-Olodumare reuniu os sábios doorum para que o ajudassem nosurgimento da vida e no nasci-

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mento dos povos sobre a face daterra. Entretanto, cada um tinhauma idéia diferente para a cria-ção, e todos encontravam alguminconveniente nas idéias dos ou-tros nunca entrando em acordo.Assim surgiram muitos obstácu-los e problemas para executar aboa obra a que Olofim se propu-nha. Então, quando os sábios e opróprio Olofim já acreditavamque era impossível realizar tal ta-refa, Exu veio em auxíl io deOlofim-Olodumare. Exu disse aOlofim que para obter sucesso emtão grandiosa obra era necessá-rio sacrificar 101 pombos comoebó. Com o sangue dos pombosse purificariam as diversas anor-malidades que perturbam a von-tade dos bons espíritos. Ao ouvi-lo, Olofim estremeceu, porque avida dos pombos está muito li-gada a sua própria vida. Mesmoassim, pouco depois sentenciou:“Assim seja, pelo bem de meusfilhos”. E pela primeira vez se sa-crificaram pombos. Exu foi gui-ando Olofim por todos os luga-res onde se deveria verter o san-gue dos pombos, para que tudofosse purificado e para que seudesejo de criar o mundo assimfosse cumprido. Quando Olofimrealizou tudo o que pretendia,convocou Exu e lhe disse:Muito me ajudaste e eu bendigoteus atos por toda a eternidade.Sempre serás reconhecido, Exu,serás louvado sempre antes do co-meço de qualquer empreitada(2001: 44).

Assim, o cumprimento dos sacrifíci-

os propiciatórios para Exu tem, aqui, ajustificativa para todo um código de prá-ticas, usos e possibilidades. É o mito tor-nando-se carregado de força culturalquando vivenciado pela comunidade.Porém, o contrato de trocas que se cir-cunscreve no mito só é observado namedida em que a estrita observância for-mal dos ritos é garantida.

Fernando Ortiz, em La Africanía dela Música Folklórica de Cuba (1965:300), cita Milligan para dizer que “semmúsica o negro africano não pode viver,morrer ou ser enterrado”. No candom-blé praticamente todas as etapas da vidada comunidade são conduzidas pelamúsica. Dessa maneira, o fazer musicalno candomblé se apresenta como peça-chave, integrando-se simbolicamente àcena ritual. Mas como o fazer musicalse coloca nesse contrato ritual de tro-cas? Como os diversos ritmos tocadospelo gã e os atabaques aí atuam?

De modo geral, podemos dizer queos rituais do candomblé são comporta-mentos formalmente estabelecidos demaneira cerimonial e que têm como ob-jetivo cumprir determinadas etapas re-lacionadas ao sistema de crenças, atu-ando no sentido de afirmar forçasemotivas que interligam deuses e ho-mens, integrando o indivíduo à comu-nidade-de-santo. Alguns rituais, por se-rem secretos, estão fechados à partici-pação dos não iniciados; os ritos públi-cos, porém, são abertos e franqueados àparticipação de todos.

José Jorge de Carvalho (1991) em umde seus estudos sobre o xangô do Reci-fe, propõe três níveis de análise do re-

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pertório musical para os diversos con-textos rituais,9 que livremente enuncioaqui como:

- os tipos de rituais e seus respectivosrepertórios,

- as características musicais do reper-tório de cada ritual, e

- similaridades musicais do repertó-rio de rituais distintos.

Fixando-me aqui na primeira e na ter-ceira das abordagens analíticas citadas,e tendo também como referência o queescreve Bastide (1978) sobre as festaspúblicas, enumero os seguintes momen-tos rituais: (1) o sacrifício, (2) a oferen-da, (3) o padê de Exu, (4) o chamadodos deuses, (5) as danças preliminares,(6) A dança dos deuses e (7) os ritos desaída e de comunhão. Para todos essesmomentos, existe um repertório mais oumenos específico que pode variar depen-dendo do caráter da festa e do orixá sau-dado.

Não há um acordo sobre o sistema declassificação do repertório do candom-blé dentro da literatura especializada. Doque pude pesquisar, e partindo da clas-sificação proposta pela etnomusicólogaAngela Lühning (1990), é possível sub-dividir os repertórios, de acordo com suafuncionalidade:

- Cantigas de xirê: entoadas durantea primeira parte da festa. Geralmente sãocantadas de três a sete cantigas para cadaorixá.

- Cantigas de rum, de orô ou de fun-damento: entoadas quando os orixás jáse manifestaram. Repertório com o qualse tem um zelo especial, pois podem des-pertar o orixá nos adeptos. No início de

sua dança, cada orixá é saudado com trêscantigas na entrada (primeira de rum) ena saída (cantigas de maló ou unló10),interpoladas por toques instrumentais derum, ou dar rum ao orixá.11

- Cantigas de folhas ou de Sassain:16 cantigas que louvam as folhas e plan-tas com poderes especiais.

- Cantigas de bori, de matança e depadê: repertório específico entoado du-rante esses rituais.

- Cantigas de iaô: entoadas nas saí-das do iaô (noviço) de seu ritual de ini-ciação.

- Cantigas de axexê: entoadas duran-te os rituais fúnebres que falam dos mor-tos e dos ancestrais.

- Rezas: cantigas laudatórias entoa-das quase sempre sem acompanhamen-to instrumental. Podem, em certas cir-cunstâncias, ser realizadas em posiçãoagachada sobre uma esteira com a cabe-ça tocando a terra, denotando reveren-cia e respeito aos orixás.

- Cantigas de entrada: entoadas quan-do da entrada dos orixás paramentadosno barracão.

- Cantigas de comida: cantadas du-rante os rituais que envolvem distribui-ção de comida.

- Cantigas de procissão: cantadas du-rante as procissões, incluindo aí as re-zas.

- Rodas: cantigas que aparecem noxirê, em ordem fixa, contam históriasmíticas e estão relacionadas a um orixáem especial.

É fácil compreender então como, nomundo dos candomblés, a música é umdos elementos simbólicos do contrato

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religioso de trocas, sendo, em determi-nados momentos, o principal de todos.Sua participação como elemento opera-cional inscreve-se não só numa visão demundo particular, mas torna-se, muitasvezes, a própria razão de ser dessa vi-são. Como quer Merriam (apud Nettl,1983: 131), não se trata, então, só de“música na cultura” mas também de“música como cultura”, pois sem ela ocontrato com os deuses está inviabilizadoe, portanto, também, todo o éthos da co-munidade.

Se triangularmos as noções de MarcelMauss em Ensaio sobre a dádiva (1974),John Blacking em How Musical isMan?(1995) e o fazer musical dos ter-reiros, veremos que a concepção das tro-cas, como retribuição das dádivas rece-bidas, está presente no contexto dos can-domblés e relaciona-se com a função ri-tual de certos toques percussivos dentrodos repertórios.

O que norteou e abriu caminho paraessa especulação foi a expressão corri-queiramente usada pelos alabês: dar rumao orixá. A palavra dar, aplicada a umcontexto ritual específico que envolveum fazer musical particular, evoca essepossível pacto implícito de trocas, abor-dado por Mauss. Ele chama de “fenô-menos sociais totais” as relações insti-tucionais (religiosas, jurídicas, econômi-cas e morais) em suas formas contratuaisde produção, consumo, prestação e dis-tribuição num sistema econômico. Afir-ma que

as relações desses contratos e tro-cas entre homens e desses con-tratos e trocas entre homens e

deuses esclarecem todo um ladoda teoria do sacrifício (1974: 62).

Já Blacking, utilizando-se do exem-plo da etnia venda, categoriza e contrastadois tipos de música, ao dizer que:

O valor da música, eu creio, épara ser percebido em termos daexperiência humana envolvidaem sua criação. Há uma diferen-ça entre música para ser ocasio-nal e música que intensifica aconsciência humana, músicasimplesmente para ter e músicapara ser (1973: 50).

A “descida” do orixá é alguma coisade extrema importância para a comuni-dade, algo que potencializa e desenca-deia fortes emoções. Como uma oferen-da, a vinda dos deuses é retribuída coma dádiva de dar rum ao orixá, que res-ponde com sua dança, tendo sua vozinvocada pelos tambores. Ora, se comoensinam os alabês, o dar rum ao orixá éo momento ritual de maior excelênciada prática percussiva, a concretização docontrato de trocas entre homens e deu-ses tem, no fazer musical, seu principalmediador simbólico, funcionando, as-sim, como “música de ser”.

Já em outros momentos rituais, comono caso das cantigas que se relacionamcom ritos de iniciação de iaô, de matan-ça ou mesmo de padê, o objetivo é fazercom que elas garantam o fluxo do axé,das energias sobrenaturais manipuladasdurante o processo ritualístico.

Uma linha-guia executada pelo gãpode ter múltiplos significados na me-dida em que se relaciona com osatabaques – especialmente o rum – demaneira diversa, em função da divinda-

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de e do momento em que acontece. Oque tentei discutir até aqui foi o substratoconceitual no qual se dá a ocorrência daslinhas-guia e como se articulam comtoda uma maneira particular de viven-ciar e sentir o mundo.

Tipificando as linhas-guiaO fato de transcorrer no tempo faz

da música arcabouço que sincroniza otempo ritualístico por meio de disposi-tivos formais de organização temporal,como repetição, circularidade, variação,contraste. Se os tambores no candomblésão a própria voz dos orixás, é por meiode seus variados toques que o discursosimbólico se fará articulado e inteligí-vel.

Simha Arom em Polyphonies etPolyrythmies instrumentales d’AfriqueCentrale (1985: 393) descreve a estru-turação temporal da realização rítmicanominando os mesmos três parâmetros:valor operacional mínimo, pulsação eperíodo. Gerhard Kubik (apud Lühning,1979) adota outra nomenclatura paraesses mesmos parâmetros: pulsação ele-mentar (valor operacional mínimo), beat(pulsação) e ciclo ou cifra formal (perí-odo). Utilizarei a nomenclatura propos-ta por Arom, substituindo valor opera-cional mínimo por batida, que é um dosnomes utilizados pelos alabês.

Antes de tudo cabe ressaltar, contu-do, que a tentativa de reduzir a estrutu-ra rítmica das linhas-guia a fórmulas deorganização sob bases aritméticas podeservir para uma análise de eficácia li-mitada, pois não contempla certa forma

de percepção e expressão rítmica elabo-rada a partir de vivências aurais maiscomplexas. O enquadramento das li-nhas-guia em uniformidades matemáti-cas não reflete os aspectos mais sutis desua realização. Assim, minha utilizaçãodas nomenclaturas expostas por Arom eKubik tem mais o objetivo de criar umdiálogo analítico do que tomá-las comocategorias absolutas e definitivas.

Batidas são unidades que funcionamcomo pulsação mental de fundo, sepa-radas por distâncias iguais, possuindocaracterística cíclica, circular e constan-te. Diferem da pulsação, que pode nãoser expressa acusticamente, sendo, mui-tas vezes, marcada pelos passos da dan-ça. O período se caracteriza por agregarbatidas, formando uma seqüência fixarepetida inúmeras vezes. São unidadesformadas por um conjunto regular debatidas que indicam a recorrência de umtema, de um motivo rítmico e/ou meló-dico. Esses períodos podem ter dimen-sões variadas, ocorrendo em 8, 12, 16,24, podendo ir até mesmo a 40 (Lühn-ning: 1990).

Dentro do período, ou cifra formal, éque as articulações rítmicas do rum sedesenvolverão estabelecendo o jogo sim-bólico do fazer musical. Como cabe daro rum devido a cada um dos orixás, es-tes responderão de forma particular aosdiversos toques desse atabaque. Cabelembrar que os toques de rum são dese-nhos rítmicos variados e específicos quese diferenciam de acordo com a divin-dade, o momento ritual e as nações àsquais pertençam: Jêje, Ketu, Nagô eIjexá.

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Quadro 1Linhas-guia de 6 e 8 batidas

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Quadro 2Linhas-guia de 12 e 16 batidas

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Em seu estudo sobre o processo deaprendizagem de fórmulas de orienta-ção rítmicas segundo sílabas mnemôni-cas, Kubik propõe uma notação em que“x” representa articulação de som, e “.”,ausência de articulação, num fluxo cons-tante de batidas, o que chamou de nota-ção de impacto. As fórmulas a seguir re-produzem a proposta de Kubik (1979,110) para duas importantes fórmulasmnemônicas presentes na música daÁfrica Ocidental e Central, de 12 e de16 pulsos:

A fórmula rítmica de 12 pulsaçõesVersão a:(12) [x . x . x x . x . x . x] (sete batidas)Versão b:(12) [x .x . x . . x . x . .] (cinco batidas)

A fórmula rítmica de 16 pulsaçõesVersão a:(16) [x . x . x . xx . x . x . xx .] (novebatidas)Versão b:(16) [x . x . x . x . . x . x . x . .] (setebatidas)

Essas categorias esquemáticas pro-postas por Arom e Kubik parecem termuita semelhança com a idéia dedivisibilidade da escrita musical tradi-cional, já que a idéia de valor operacio-nal mínimo ou pulsação elementar, mes-mo aproximando-se do que alguns

alabês chamam eventualmente de bati-da, não aparece como uma categoria vi-gente entre os alabês no candomblé. Oque se subentende desse conceito pro-posto por Arom e Kubik é que essas sub-divisões seriam, em última análise, o querealmente orienta os tocadores.

Nos quadros 1 e 2, baseado nos con-ceitos desenvolvidos até aqui, proponhoentão uma tipificação das linhas-guiaexecutadas pelo gã nos candomblé ketu-nagô no Rio de Janeiro:

O toque do Foribale manifesta sim-bolicamente o mesmo que o paô.12 A en-trada na comunidade de um ogã, pessoailustre e respeitada, é saudada com oForibale. Por se tratar de um rufar dosatabaques, qualquer tentativa de nota-ção sempre será uma redução esquemá-tica do efeito conseguido na prática.

Com exceção do Ijexá ou Jexá, e emalguns casos o Aguerê, essas linhas-guiasão tocadas pelos atabaques menores,rumpi e lé, com fórmulas complemen-tares na mão esquerda, desdobrada emunidades menores, como no exemplo aseguir (quadro 4) da linha-guia de 12batidas.

O Corrido ou Massá, denominaçãogenérica utilizada por alguns alabêspara designar esse toque, parece ser uti-lizado para acompanhar cantigas de to-

Quadro 3Fontes pesquisadas

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FONSECA, Edilbero José de Macedo. “...Dar rum ao orixá...”

dos os orixás. Mesmo sendo essa linha-guia a mais produtiva dos toques execu-tados, possui andamento, toques de rume características litúrgicas próprias. OAlujá de Xangô ou Oguelê de Obá, sãoapenas dois exemplos disso, sendo co-mum ouvir alabês se referirem a essetoque como um Alujá de Ogum, porexemplo.

Outro padrão rítmico adotado de for-ma genérica e igualmente muito difun-dido é aquele que utiliza a linha-guiado Aguerê (xx. . xxx .), que também apa-rece em cantigas de inúmeros orixás.Pode aparecer na variação Korin ewe ouAguerê de Ossain (xx . . x . x .) ocorren-do igualmente como toque de acompa-nhamento ou solo. As cantigas para esseorixá constituem-se em ofós, encanta-mentos, e funcionam como desencadea-dores do processo de liberação do axécontido nas plantas.

ArremateNesse pequeno trabalho procurei es-

tabelecer bases para uma reflexão sobrealguns aspectos da presença do fazermusical dos tambores dentro das comu-nidades do candomblé ketu-nagô no Riode Janeiro, a partir da expressão “...darrum ao orixá...” francamente utilizada

entre os mestres tocadores nos terreiros.Relacionar etnomusicologicamente o

fazer musical ao contexto ritual em queocorre é antes de tudo reconhecer umcampo de conexões simbólicas que ex-trapolam o corpus tanto do ritual, comoencadeamento de procedimentos litúr-gicos, como da música enquanto fenô-meno articulado segundo leis próprias.

O contrato estabelecido entre deusese homens realizado por meio dos toquesdos tambores correlaciona-se a conjun-tos simbólicos com múltiplas vocações.Assim, sem a tentativa de compreensãode uma visão de mundo como força sub-jacente à prática ritualística descrita nosmitos, essa correlação seria inócua, tor-nando-se uma mera descrição formal deaspectos dos ritos ou da prática musi-cal.

No mundo dos candomblés, se o de-sigual contrato de trocas entre a enormeforça dos deuses e a singela dádiva doshomens se dá por meio de um conjuntode símbolos, é pelo fazer musical que,por excelência, isso acontece. Todos osprincipais procedimentos litúrgicos só sepodem realizar tendo a música, em suasdiversas modalidades, como veículo en-tre o mundo ordinário, a terra ou aiê, eo extraordinário, o céu ou orum.

Finalmente é preciso ver, ainda, que

Quadro 4Fórmula complementar

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Textos escolhidos de cultura e arte populares, v. 3, n. 1, 2006.

“o mundo em que nasce o candomblé éo mundo das representações dos valoresda sociedade ‘branca’ hegemônica”(Fonseca, 2002: 43), o que faz com quetoda a questão cosmológica do candom-blé se coloque dentro da perspectiva his-tórica de interação social que forjou opovo brasileiro, fenômeno que relacio-nou forças advindas de diferentes ma-trizes étnicas e sociais, cada qual, aindahoje, buscando afirmar identidades cul-turais próprias. Uma questão de cidada-nia, mas essa já é uma outra história.

NOTAS1 Este trabalho aborda alguns aspectos que

apresento em minha dissertação demestrado O Toque do Gã: tipologia pre-liminar das linhas-guia do candombléKetu-Nagô no Rio de Janeiro, defendidaem 2003 sob orientação do Prof. Dr. LuizPaulo Sampaio. Agradeço ao PPGM-Pro-grama de Pós Graduação em Música daUNIRIO e à Capes - Coordenação de Aper-feiçoamento de Pessoal de Nível Superi-or pelo apoio na pesquisa.

2 Linha-guia, como utilizarei aqui, é a tra-dução proposta por Carlos Sandroni (2001)para o conceito de timeline (também cha-mado de referente de densidade) criadopor J. Kwabena Nketia em The Music ofAfrica (Nketia, 1974: 131).

3 Barros (1999), Lühnning (1990), Carva-lho (1984), Cossard-Binon (1967),Alvarenga (1946), Herskovitz &Waterman (1949), Merrian (1956), paracitar apenas alguns.

4 Sobre a cosmovisão das religiões afro-bra-sileiras consultar Verger (2000), Santos

(1977), Bastide (1978), Rodrigues (1953),Ramos (1934), Querino (1938), entre ou-tros.

5 Nome dado, no Brasil, ao grupo dos escra-vos sudaneses procedentes do país ioru-ba. Nome dado pelos daomeanos aos po-vos que falavam o ioruba, tanto na Nigériacomo no Daomé, Togo e arredores, e queos franceses chamavam nagô (Cacciatore,1988:178).

6 Do ioruba: “Somente os Céus sabem quemserá salvo” (Cacciatore, 1988: 198).

7 “Fétiche, é, aliás, a traducção francesa queos commerciantes do Senegal fizeram dapalavra feitiço . Costuma-se empregarcomo aliás o fez Nina Rodrigues, fetiche,fetichismo, para evitar a confusão com osignificado popular feitiço, feitiçaria. Al-guns autores fazem derivar a palavra feti-che do latim factitus, no sentido de en-canto magico. De Brosses a considera nosentido de coisa feita (chose fée,enchantée...) fazendo-a derivar da raiz la-tina Fatum, fanum, fari” (Ramos, 1934:28).

8 Rito que é desempenhado no início dascerimônias do candomblé em homenagema Exu, considerado necessário como ritopropiciatório, pois as primícias sacrificiaisdevem caber àquele que é, além deprimogênito da criação, o portador titularde qualquer oferenda. Seu não-cumpri-mento implica perturbação de toda a or-dem ritual (Vogel, 1998: 202).

9 Em Estéitca da opacidade e da transpa-rência. Mito, música e ritual no culto doxangô e na tradição erudita ocidental.Carvalho (1991) estipula esses níveis deanálise para a música em contexto ritualsegundo a seguinte classificação: “(1) Ostipos de rituais e os tipos de cantos, (2) Ascaracterísticas musicais de cada ritual, e

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FONSECA, Edilbero José de Macedo. “...Dar rum ao orixá...”

(3) Dividido pelo ritual, unido pela músi-ca.”

10 Cacciatore cita uma provável tradução deaunló: “aiyún” – indo: “ló” – partir (par-tindo) (1988: 56).

11 Tocar os atabaques para o orixá dançar,em festa pública, com suas roupas e ape-trechos rituais (Cacciatore 1988: 100).

12 Palmas utilizadas como comunicaçãoquando as palavras não podem ser usadas,ou ainda têm o sentido de saudação aosorixás, isto é, uma espécie de aplauso (Pes-soa de Barros: 1999, 178).

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Edilberto José de Macedo Fonseca é mú-sico, pesquisador e doutorando em músicapela Universidade do Rio de Janeiro-UNIRIO.

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