DANIEL CEFAI - Como Nos Mobilizamos

download DANIEL CEFAI - Como Nos Mobilizamos

of 38

Transcript of DANIEL CEFAI - Como Nos Mobilizamos

Como nos mobilizamos? A contribuio de uma abordagem pragmatista para a sociologia da ao coletivaDaniel CefaDirecteur dtudes da cole des Hautes tudes en Sciences Sociales (Paris) Traduzido por: Bruno Cardoso

Este artigo analisa a pertinncia de pesquisas pragmticas feitas na Frana desde os anos 1980 e de ideias do pragmatismo americano para uma sociologia das mobilizaes coletivas, a partir de quatro pontos: 1) O desenvolvimento de uma sociologia dos regimes de ao e de procedimentos hermenuticos; 2) A reativao da noo de pblico; 3) A concepo das redes e das organizaes como arenas de experincia e de ao; 4) O enriquecimento da abordagem instrumental da cultura por uma concepo centrada na formao de experincias individuais e coletivas. Palavras-chave: pragmatismo, mobilizaes coletivas, Escola de Chicago, sociologia francesa, pblico

This paper investigates the relevance of pragmatic studies conducted in France since the 1980s and of American pragmatist ideas regarding the sociology of collective movements based on four points: 1) the development of a sociology of regimes of action and hermeneutic procedures; 2) the revival of the notion of the public; 3) the conception of networks and organizations as arenas of experience and action; 4) the development of the instrumental approach to culture via a conception centered on the formation of individual and collective experiences. Keywords: pragmatism, collective mobilizations, Chicago School, French sociology, public

C

omo nos mobilizamos? Nossa hiptese neste texto ser mostrar que a gnese de novas perspectivas em cincias sociais na Frana desde os anos 1980 permite reformular certo nmero de questes no mbito da sociologia das mobilizaes coletivas. Ela se apoia na multiplicidade de experimentaes ocorridas: economia das convenes, gramtica da justicao e sociologia dos regimes de engajamento, antropologia das cincias e da tcnica e antropologia dos atores-rede, cincias cognitivas, pesquisa pragmatista sobre os pblicos, etnometodologia, anlise conversacional, hermenutica narrativa...1 Por mais divergentes que tenham sido essas experimentaes que foram rpido demais reunidas sob o ttulo de sociologia pragmtica ou praxeolgica todas participaram de uma refundao controversa das cincias sociais na Frana. Curiosamente, a sociologia dos movimentos sociais se manteve pouco receptiva a esse movimento.

Recebido em: 06/10/08 Aprovado em: 18/02/09

1 Das quais encontramos bom eco nos lanamentos anuais da coleo Raisons Pratiques, das ditions de lcole de Hautes tudes en Sciences Sociales.

11

Nosso objetivo no ser exaustivo no recenseamento dessas opes tericas e empricas: o percurso aqui apresentado pessoal, outros so possveis. E seria impossvel explorar todos em um artigo. Assim sendo, no mximo indicaremos um itinerrio de leitura. O leitor notar, em todo caso, o lugar central que ocupa a herana pragmatista, em particular a de John Dewey, mas tambm a de William James ou de George Herbert Mead, com, ao fundo, ressonncias fenomenolgicas. Esse dilogo, que conduz a reelaborar os temas da experincia e da situao, de um lado, e do coletivo e do pblico, de outro, no partilhado por todos os autores que reivindicam uma abordagem pragmtica ou praxeolgica. Nosso objetivo, ento, ser lanar algumas questes aos modelos da ao, da organizao e da cultura da ao coletiva, tal como so elaborados, de modo predominante nas cincias sociais e polticas, expondo-os ao olhar desse corpus de literatura, francfona essencialmente, que emergiu nos anos 1980 indo, aqui e ali, buscar na herana pragmatista novas perspectivas de questionamento.

Estudar diferentes modalidades de engajamento situado As teorias da ao racional e da mobilizao dos recursos colonizaram profundamente o modo de pensar dos socilogos da ao coletiva. Isso se deu, alis, em uma verso bem pobre dessas abordagens, que tendia a reduzir todas as iniciativas de mobilizao coletiva a clculos de interesse, material ou simblico. Recursos, coeres e oportunidades foram transformados em parmetros que os atores manipulam para maximizar a utilidade, a eccia e a rentabilidade de suas aes. Entretanto, preciso que tenhamos cuidado para no sermos simplistas: os modelos que analisam os dilemas da ao coletiva, de Coleman a Axelrod, de Lichbach a Heckathorn, tm fora explicativa para certo nmero de situaes concretas. Mas em todo caso, quem triunfou e colonizou essa literatura foi a retrica da economia, do empreendimento e do empreendedor, da estratgia de rentabilizao de interesses predeterminados e de capitais disponveis.12 DILEMAS Como nos mobilizamos? Daniel Cefa

Deste ponto de vista, o que aprendemos com as novas sociologias da ao? a) Progressivamente, o repertrio de modelizaes da ao foi sendo enriquecido. Outros modos de engajamento, formas de experincia e regimes de ao se impuseram pesquisa. Aps sua ruptura com Alain Touraine, para quem a questo da cultura e da identidade dos Novos Movimentos Sociais (NMS) era central, Louis Qur garimpou os arredores do agir comunicacional de Habermas (1987) (que havia, ele prprio, se inspirado, dentre outros, em Mead), trabalhou sobre a semntica e a hermenutica da ao, segundo Ricur (1977, 1986), e sobre os procedimentos de categorizao dos etnometodlogos (GARFINKEL, 2007 [1967]). Levemos em conta quer as condies de uma deliberao pblica visando atingir solues razoveis, quer as atividades de configurao narrativa das aes, quer ainda as atividades dos membros para coproduzir um sentido situado, estamos diante claramente de maneiras de fazer referncia realidade e de modelar racionalidades e legitimidades que as sociologias da ao coletiva pouco levaram em conta seno recentemente, em tentativas de recruzamento com as abordagens da democracia deliberativa. E numerosos debates sobre a ao, tomando emprestado tanto de Wittgenstein quanto de Davidson, de Von Wright a Apel, estavam a pleno vapor na Frana no fim dos anos 1980. Essa retomada das questes da filosofia analtica e da filosofia prtica impulsionou diferentes programas de sociologia moral, como, por exemplo, no Centre de Sociologie de ltique, de Pharo (1985), que se interrogava sobre a lgica dentica das aes sua qualificao em termos de interdio, facultatividade, autorizao e obrigatoriedade conduzindo a formas de desaprovao, de denncia, de reivindicao e de mobilizao, ou seja, emergncia de um senso cvico 2. Qur, no Centre dtude des Mouvements Sociaux, mantinha distncia da noo de movimento social e louvava uma praxeologia da opinio pblica (1990), juntando-se logo interrogao de Descombes sobre os coletivos e rearticulando a pesquisa sobre as mobilizaes em torno da experincia de problemas pblicos.Daniel Cefa Como nos mobilizamos?

2 No orginial, sens civique. Em francs, a ambiguidade do termo sens mais gritante que em portugus: ele claramente alude a sentido (semiolgico) e senso (como uma faculdade cognitiva). Traduzimos o termo com esta ltima forma, mas primordial ter em mente a dimenso semitica do termo (uma vez que o que est em jogo tambm uma discusso sobre linguagem). (N.E.)

DILEMAS

13

b) Por outro lado, Luc Boltanski e Laurent Thvenot fundam em 1985 o Groupe de Sociologie Politique et Morale (GSPM). Seus esforos se concentram em um projeto de investigao gramatical das formas de justicao, de denncia ou de reivindicao em pblico (BOLTANSKI, 1984). O livro De la Justication (1991) prope uma sociologia das provas e fornece ferramentas de descrio e anlise das aes em pblico. Sua tipologia das cidades domstica, industrial, mercantil, cvica, da inspirao e da opinio foi criticada porque engessaria a indeterminao das situaes em uma armadura estrutural e que se prestaria a usos dogmticos. Contudo, mais do que se deter em uma tipologia das cidades, a obra convida a investigar os momentos de prova, nos quais tornada sensvel a complexidade dos contextos de experincia e de ao. Nesses momentos de tenso, de conito ou de crise em torno de situaes problemticas, operaes de ajuste a uma realidade e de coordenao das tarefas se pem a nu e podem ser vistas. Nessa perspectiva, os atores no obedecem a uma lgica da ao: em suas operaes de apreciao e de julgamento sobre a ao que convm (THVENOT, 1990), agem em vrios mundos (DODIER, 1991), que se esbarram ou se compem uns com os outros. Eles o fazem encontrando apoios pragmticos (DODIER, 1993) em seu ambiente, a m de agir de modo pertinente, coerente e consequente. Corcuff (1991) aplicou essa perspectiva em uma pesquisa sobre o sindicalismo ferrovirio. c) A questo de base no recai mais sobre os determinantes estruturais e os clculos racionais da ao: substitui a platitude da ao instrumental por arquiteturas complexas da situao, da pessoa e do coletivo. O pluralismo de ordens normativas no regime de justia foi reforado por um pluralismo de regimes de ao: o regime de justia (que funda uma poltica justicada) caminha, em LAction au Pluriel, de Thvenot (2006), ao lado de um regime de ao familiar (que funda uma poltica do prximo) e um regime de ao planejada (que funda uma poltica racional). Os pesquisadores do GSPM exploraram outros regimes de experincia e de ao o da compaixo na midiatizao do humanitrio, as de situaes-limite, sem justicao, da gape, do amor e da paz entre pessoas singulares ou, do lado oposto do espectro, da relao de foras e da lei do mais forte, como explorados por Boltanski (1990, 1993) e Boltanski e Chia14 DILEMAS Como nos mobilizamos? Daniel Cefa

pello (1999). Por outro lado, os orientandos de Thvenot se engajaram em uma pesquisa sobre as polticas do prximo, reabilitando formas de engajamento familiar no mundo, com frequncia desacreditadas na Frana em nome do interesse geral (TROM, 1999; ION, 2001) questionando a concepo republicana da cidadania. Como as ligaes que chamamos familiares, pessoais ou ntimas contribuem a fazer o comum e a fazer o pblico? Alm do trabalho inovador de Stavo-Debauge sobre as categorizaes tnicas, escreveram teses esclarecedoras, deste ponto de vista, Auray (2002) sobre o hacktivisme e o movimento do software livre, Doidy (2002) sobre o conito de planejamento em torno do tnel do Somport e sobre a Droit au Logement, uma associao de defesa dos moradores de rua. Lafaye (1996, 2001) props um papel de sntese entre os embasamentos de proximidade e as contestaes da ao pblica. Heterogeneidade dos regimes de ao que enriquece as teses da determinao estrutural e da escolha racional. Os atores no so mais apenas marionetes movidas por condies objetivas s quais obedecem, no so mais somente pequenos demiurgos que calculam, em termos de rentabilidade ou de produtividade. Eles so confrontados a mundos, dos quais provam a realidade e a justia em relao a suas maneiras de se engajar, so submetidos a coeres ecolgicas fortes, mesmo dispondo de uma margem de manobra que lhes confere alguma liberdade. E, sobretudo, dispem de uma capacidade de julgamento esttico, moral e poltico para um panorama do GSPM, ver Pattaroni (2001, 2005). Sua pesquisa imediatamente receptiva aos engajamentos de dever, de responsabilidade e de solidariedade, s preocupaes de si e do outro e aos ideais de bem-viver juntos em jogo nas aes coletivas assim como aos imperativos de justicao da ao em pblico (PHARO, 1985; QUR, 1990; BOLTANSKI e THVENOT, 1991).

Introduzir a questo do pblico em contraponto de processo poltico A retomada da perspectiva pragmatista veio se inserir nessas interrogaes, ao menos por quatro razes. Realmente encontramos na obra de James, Mead e Dewey concepesDaniel Cefa Como nos mobilizamos? DILEMAS 15

3 Essa formulao se deve a uma conversa com Louis Qur e Cedric Terzi.

fortes da experincia e da ao. Eles tentaram elaborar uma reexo que partisse da experincia em cada uma das situaes e no de modelos intelectuais. Mead e Dewey nunca dissociaram a problematizao da ao de uma reexo sobre seus engajamentos cvicos e polticos, e este ltimo forjou um conceito de pblico que retornou recentemente ao centro dos debates (ZASK, 2003; CEFA e PASQUIER, 2003; STAVO-DEBAUGE e TROM, 2004; LATOUR, 2008). Se nos ativermos a este ltimo ponto, alis, a questo do pblico levanta problemas que esto ausentes das teorias do processo poltico. a) Um procedimento pragmatista se situa em um registro diferente daquele do processo poltico. Em vez de apresentar uma viso de simples exterioridade em relao ao que descreve, ele acompanha as experincias e as perspectivas dos atores. Se inspirando na herana de Park, Mead e Dewey, parte da ideia de que uma dinmica de mobilizao coletiva um processo de codenio e de codomnio de situaes problemticas. O desao descrever a mutao das experincias coletivas e dos meios institucionais, fazendo-os emergir das atividades enquanto estas se realizam. Como a trajetria de um problema pblico ordena um horizonte de engajamentos, de preocupaes, de sensibilizaes e de mobilizaes em seu entorno? Que processos de associao, de cooperao e de comunicao se constituem em torno desse problema pblico? Que montagens institucionais, jurdicas e polticas vo eventualmente dar uma soluo a ele? Como as arenas pblicas se articulam ao redor de dinmicas de constituio de problemas pblicos, das quais participam as mobilizaes coletivas? A questo menos a do pblico e seus problemas que do problema e de seus pblicos3. Nesses processos de publicizao, os indivduos so com frequncia separados dos papis, dos estatutos, das opinies e das convices que normalmente tm: as lgicas de ao ultrapassam os mercados, os campos ou os setores em que esto geralmente contidas, passando por cima de suas fronteiras, por meio de um fenmeno que as teorias do comportamento coletivo qualicavam de contgio ou propagao. Mais do que ser coagido por estruturas de oportunidade poltica, o pblico redene o horizonte de possveis. o que chamamos uma arena pblica (CEFA, 2002).Como nos mobilizamos? Daniel Cefa

16

DILEMAS

b) Essas questes desembocam em uma nova: o que poltico e o que no ? Um procedimento pragmatista se parece muito com a denio dada por McAdam, Tarrow e Tilly (2001, p. 5) ou Tilly (2003) de poltica conituosa ou contenciosa (contentious politics)4. O horizonte do viver-junto e do bem-viver-junto no para de se recongurar ao se confrontar com atos de resistncia, protesto, desobedincia e crtica, de denncia e reivindicao, ou simplesmente, sem carregar necessariamente essa valncia negativa, de investigao, experimentao, cooperao e inovao. As fronteiras do que poltico e do que no so incessantemente deslocadas em particular as do pessoal e do poltico. Por outro lado, o reconhecimento de uma multiplicidade de esferas de justia por Walzer havia encontrado um prolongamento na tipologia das cidades de Boltanski e Thvenot (1991): descobria-se que mltiplas gramticas de justicao poderiam ser compostas em reivindicaes coletivas, algumas a priori antitticas a um regime cvico-republicano. Desde ento, alguns programas de pesquisa, que recorreram tanto fenomenologia quanto ao pragmatismo sobre as polticas do prximo (THVENOT e BREVIGLIERI, 2010), sobre a estetizao dos espaos pblicos (LOLIVE, 2006) ou sobre a militncia dos experts naturalistas (MICOUD, 2007) mostraram como as aes coletivas, articuladas em torno de engajamentos tocantes sensibilidade, desenham de maneira nova guras da res publica. Em outra linha, aprofundando as ecopolticas, que pem o meio ambiente no centro das polticas pblicas, indo at o limite da simetrizao entre humanos e no humanos, as cosmopolticas de Latour (1999) repatriaram a natureza no corao da plis. Temos aqui uma multiplicidade de temticas, em que todas fazem eco a formas emergentes de experincia do poltico. c) No mesmo movimento, o poder no entendido somente como relao de dominao e de subordinao, nem de normalizao e de resistncia. tambm entendido como potncia de instituio de capacidades e de direitos (do lado do Estado) e como potncia de agir em acordo (do lado do pblico). Os dispositivos de ao pblica (TROM e LABORIER, 2003), por exemplo, no encerram apenas os sujeitos em dispositivos de assuDaniel Cefa Como nos mobilizamos?

4 A poltica contestatria consiste em uma atividade de reivindicao, coletiva e pblica, em um processo do qual uma das partes necessariamente o Estado definido como uma organizao que exerce o controle sobre a mais forte concentrao de meios de coero em um territrio.

DILEMAS

17

jeitamento, de disciplina, de controle e de normalizao. Eles instauram novos direitos e delegam novos poderes, corrigem e reparam injustias de tratamento, trabalhando para restituir a cada um chances igualitrias de xito. A potestas in populo, que Hannah Arendt (1972) identificou nas mobilizaes do movimento dos direitos civis, esse exerccio de um poder coletivo, que subverte os ambientes tcnicos, jurdicos, institucionais e polticos, se refora de uma forma de empowerment, capacitao feita da autonomia, do acesso dignidade e responsabilidade e da retomada do controle sobre sua prpria vida (DE MUNCK e ZIMMERMANN, 2009). As investigaes de Barbot (2002) sobre as associaes de luta contra a AIDS ou de Callon e Rabeharisoa (1999) sobre a Associao Francesa contra as Miopatias, mostraram como o estatuto do paciente e a experincia da doena se transformaram ao longo dessas mobilizaes coletivas. As experimentaes dos fruns hbridos, ainda que nem sempre digam respeito ao campo decisrio, se articulam com frequncia com empreendimentos associativos e restituem aos cidados uma parte de deliberao at ento reservada aos eleitos e aos experts (CALLON, LASCOUMES e BARTHE, 2001). Claro que nem tudo so flores, e algumas manifestaes, sem chegar a defender causas antidemocrticas, podem conduzir a formas de bloqueio das instituies democrticas e minar os mecanismos de regulao ou de representao (ROSANVALLON, 2006). Temos ento, em todo caso, certo nmero de elementos que impem a transformao das teses dominantes sobre o processo poltico.

Apreender as redes e as organizaes como contextos de experincia e de ao se realizando As organizaes de movimentos sociais durante muito tempo foram tratadas como infraestruturas materiais de mobilizao, mquinas de guerra mais ou menos eficazes contra o adversrio, ou jazidas de capital social para se investir e rentabilizar. Essa viso se complexificou com o tempo. Elas so tambm meios de sociabilidade, nos quais emergem ocasies de encontro que moldam as for18 DILEMAS Como nos mobilizamos? Daniel Cefa

mas de coexistncia. So agenciamentos de objetos, normas e pessoas que ordenam o que os membros podem fazer, ver ou dizer. Elas constituem conjunturas prticossensveis, que fixam hbitos de cooperao e de conflito e que fornecem parmetros de experincia cognitiva e normativa5. Elas so indissociavelmente vetores de concentrao de capitais materiais e humanos, incubadoras de redes de ativistas, chocadeira de empreendimentos de militncia, geradores de energia simblica, instncias de representao coletiva. Certo nmero de trabalhos nesse mbito de estudo pode se posto em dilogo com uma abordagem mais pragmtica e pragmatista. Podemos inicialmente pensar as organizaes como reagrupamentos, mais ou menos uidos, em torno de situaes problemticas a serem resolvidas, que pem em jogo uma experincia criadora uma ideia antecipada por pragmatistas como Follett em The New State (1998). Tentando encontrar solues, ao longo do tempo, elas se transformam internamente ou transformam seu ambiente. possvel que busquem nos repertrios de formas organizacionais disponveis e se inspirem para criar um novo tipo, como Clemens (1997) mostrou em relao s suffragettes, que hesitaram entre as opes do clube, do parlor meeting, da charitable society e do partido poltico. Elas experimentam esquemas de circulao de informaes, de repartio de poderes e de diviso de tarefas, de cooperao entre operadoras, de distribuio de direitos e concentrao de decises. Mas, ao fazerem essas escolhas organizacionais, determinam imediatamente os tipos de experincias e reivindicaes, de alianas e conitos, de tip de aes e margens de manobra que tero. Era o que acontecia com a aplicao prtica de princpios de democracia participativa pelas organizaes da new left nos anos 1960, estudadas por Poletta (2002). As organizaes, por sinal, tm cada vez mais o estatuto de ns de redes de interaes informais entre uma pluralidade de indivduos, de grupos ou associaes, envolvidos em um conito cultural ou poltico, e partilhando uma identidade coletiva (DIANI, 1992, p. 13). Friedberg (1992) props falar de aes organizadas, resultantes instveis de interaes tomadas em uma ordem local, cujos membros, que perseguem nalidades no necessariamente compatveis, veem-se em situaes deDaniel Cefa Como nos mobilizamos?

5 Ver, por exemplo, o conceito de estilos de grupo de Eliasoph e Lichterman (2003) e Lichterman (2005), que acentuou as atividades de fazer sentido (meaning-making activities). Ele d conta de uma cultura em ao e em interao cujas normas discursivas, as ligaes internas e as fronteiras externas esto sempre se fazendo e que permite reconhecer maneiras tpicas de compreender, interagir ou comunicar.

DILEMAS

19

tenso entre objetivos intermedirios e ltimos, entre grandezas de escala territorial ou temporal ou entre segmentos locais, tnicos ou prossionais. Nessas aes organizadas, entrelaam-se diversos processos de coordenao e de competio em torno de frmulas estratgicas e de convenes coletivas (ORLAN, 1994), e se compem regimes de engajamento, racionalidades e legitimidades mltiplas (THVENOT, 1993, 2006). Outra ideia, defendida inicialmente por Gusfield (1981), na tradio de Park e Blumer, que essas organizaes devem ser ressituadas em ambientes fluidos e difusos, feitos de encadeamentos de interao entre contextos de experincia, engendrando imperceptveis mutaes da moralidade e das crenas, e no apenas em torno dos eixos lineares de estratgias organizacionais, orientadas para seus objetivos e medindo sucesso e fracasso da eficcia de seus golpes. A modelizao das organizaes de movimentos sociais como empresas, operando no mercado da reivindicao social, tinha negligenciado as pesquisas sobre o comportamento coletivo correntes de opinio, modas ou rumores aos quais Gusfield se refere. Mais uma vez, essas ideias acabaram triunfando, contra as resistncias das abordagens estruturais e racionais. A anlise de redes transformou a viso que tnhamos das estruturas de mobilizao e abriu caminhos para explorar esses processos de difuso. Desde os anos 1970, era diagnosticado que certos movimentos sociais no estavam mais to encerrados em organizaes centralizadas e hierarquizadas, que se tornavam reticulares, acfalas ou policentradas. Melucci (1996) prosseguiu nos anos 1980: as mutaes das reas de movimento mostravam a interferncia das identidades coletivas e a desafeio s organizaes militantes em um mundo ps-moderno. Ele decifrava os desafios simblicos como cdigos culturais que, segundo dizia, fundavam uma outra poltica, mais centrada em apostas da vida cotidiana e nos jogos do si. Poderamos ler os trabalhos mais recentes de Ion (2001) sobre o engajamento distanciado ou libertado, ou aqueles de Boltanski e Chiapello (1999) sobre a crtica esttica em um mundo conexionista, como um eco longnquo dessas perspectivas e em ruptura com elas.20 DILEMAS Como nos mobilizamos? Daniel Cefa

Uma via interessante para uma abordagem pragmatista a tomada por Mische (2008), que parece responder crtica relacional e cultural da anlise estrutural das redes de Emirbayer e Goodwin (1994). Mische d corpo a uma viso deweyana dos pblicos. As redes sobre as quais ela pesquisou se reconguram por meio de rupturas em equilbrios situacionais. Elas podem ser abaladas por eventos que venham desfazer e refazer as ligaes que as compem; reformam-se em torno de dinmicas de denio e resoluo de situaes problemticas. Mische mostrou, em sua pesquisa sobre as redes de organizao quando das lutas pelo impeachment de Collor de Mello em 1992, no Brasil, como as frentes de aliana e de oposio no cessaram de se decompor e se recompor. Esses atores coligados em pblicos partidrios devem responder aos desaos de seus adversrios, a suas estratgias de desestabilizao e de diviso, contestar as operaes de contrainformao, de crtica ou de descrdito que neles miram. Eles devem enfrentar insatisfaes da base, reticar o tiro aps inverses de aliana e antecipar as consequncias de suas escolhas estratgicas. Devem se inteirar de relatrios de pesquisa que mudam a denio da situao, romper ou reforar os laos em funo da capacidade de seus porta-vozes de estar na mesma frequncia, conseguir surfar em uma onda de simpatia inesperada que d a partida em sua ao. Devem ainda produzir plataformas programticas que permitam que atores to diferentes quanto clubes de patres, associaes de estudantes, sindicatos marxistas ou coordenaes catlicas, participem... As configuraes de tomadas de posio pblicas passam por operaes de separao dos atores de suas redes de posies e pela remodelagem de suas paisagens organizacionais, que se temporalizam correlativamente aos debates que fixam as linhas reivindicativas e aos eventos que sem cessar abalaram essas redes anti-Collor. Temos j aqui um belo conjunto de questes, sadas desses mbitos to inovadores que so a sociologia das organizaes e a anlise de redes no insistiremos em suas anidades possveis com uma teoria do pblico. Mas o que as novas sociologias da ao trouxeram de novo sobre essas questes? Vamos enunciar trs pontos.Daniel Cefa Como nos mobilizamos? DILEMAS 21

6 Moluscos utilizados na alimentao, em especial na culinria francesa, na qual tm lugar de destaque. Em portugus tambm so conhecidos como vieiras. (N.T.)

a) Organizaes e redes preexistem ao coletiva e so componentes do agenciamento que as caracteriza. O conceito de agenciamento importante aqui. A ao coletiva vertebrada pelos agenciamentos comportando pessoas e objetos, ferramentas e falas, rituais e smbolos; ela armada por rotinas e hbitos, ordenada por divises do trabalho, reparties de poder e distribuies do saber, xadas em ambientes de objetos, dispositivos sociotcnicos e circuitos operacionais. No podemos, ento, ater-nos a anlises em termos de consenso das representaes (a harmonia de convices ideolgicas), de congruncia das motivaes (a compatibilidade entre fatores psicolgicos de mobilizao) ou de agregao de engajamentos (a sincronia de intenes estratgicas) para dar conta da constituio de coletivos. Desse ponto de vista, a contribuio das cincias cognitivas a respeito do lugar dos objetos (DODIER, 1995; CONEIN e THVENOT, 1997) aperfeioou o questionamento pela losoa a respeito do lugar desmesurado conferido aos sujeitos, indivduos e coletivos. A ao coletiva tambm afetada por seus agenciamentos. A noo de agenciamento particularmente atuante nas mobilizaes sociotcnicas. As redes de viglia e alerta descritas por Chateauraynaud e Torny (1999) so integralmente atuantes, e emergem e se estabilizam por meio de processos de denio e de resoluo de situaes problemticas, como os riscos de terremoto ou de inundao. As coquilles Saint-Jacques6, os pescadores e os cientistas estudados por Callon (1985) cooperam em estratgias de mobilizao, visando o desenvolvimento econmico na baa de Saint-Brieuc. Os hacktivistes de Auray (2002) fomentam subverses tcnicas, ticas e polticas, colaborando em comunidades virtuais com seus equipamentos e softwares. A inteligncia cooperativa, como dizia Dewey (2003), o que sustenta, distribui e congura a experincia dos atores, o que comanda tambm as modalidades de engajamento na ao coletiva e o que pereniza as invenes e emergncias da vida dos pblicos. b) Em segundo lugar, da mesma forma que falamos de navegao por regimes de ao e de justicao, podemos explorar a navegao por tramas reticulares ou montagens organizacionais, em determinada situao. Os coletivos so embaralhados, compsitos, hbridos ou mistos (THVENOT, 1993 e 2006; DODIER, 1991 e 1993; LAFAYE,Como nos mobilizamos? Daniel Cefa

22

DILEMAS

1996; DUPUY e LIVET, 1997). Sem dvida, eles funcionam de modos que podem ser familiares, empresariais, burocrticos, tnico-religiosos ou cvicos... e podem ainda se relacionar a outros princpios, ticos e polticos, de organizao. Inmeras dinmicas de ao se entrelaam, dependendo de se um coletivo age como uma empresa lucrativa em um mercado de bens e servios, engajado em uma competio pelo lucro, a depender de uma clientela de compradores; ou como uma agncia pblica, obedecendo a regras institucionais, legais, estatsticas e administrativas, trabalhando para o bem-estar de seus usurios. Esse coletivo pode ainda desempenhar o ofcio de meio de sociabilidade, produzindo o entre-si, facilitando os encontros, catalisando as simpatias e garantindo as solidariedades, forjando experincias comuns que podem ir at a comunidade de destino. Pode talhar a vida cotidiana de rituais, comandar a eleio de anidades, a representao de si, as relaes com os outros e os lugares de vida e ditar o que bom ou ruim de se dizer, em que se acreditar e a se fazer. Esse coletivo pode, enm, se transformar em pseudo ou criptopartido, assegurando a lealdade dos eleitos, inltrando algum em uma legenda existente ou fundando seu prprio grupamento poltico; ou ainda, pode pretender encarnar uma inspirao divina, defender a verdadeira religio, perseguir o cumprimento de uma profecia, agregar is entusiasmados por uma promessa de salvao, em nome de uma teologia da protestao ou da prosperidade, e fundar uma nova igreja. Contudo, mais do que xar tipologias de organizaes, um procedimento pragmtico ou praxeolgico centralizar o trabalho descritivo e analtico em modalidades de engajamento em situaes. Ele mostrar, por exemplo, como algumas fraes do movimento evanglico no Brasil ou islmico na Frana se compem entre diferentes regimes de ao, segregando seus pblicos, mantendo linguagens duplas ou triplas, gerando tenses no seio de seu pessoal e assegurando equilbrio entre meios e finalidades... A pragmtica dos regimes de ao uma incitao a desenvolver o esforo de descrever e analisar, em situao, a grande confuso de lgicas de racionalidade e de legitimidade que se imbricam em seus cursos de ao, e de decifrar os modos de organizao da experincia de seus atores e espectadores.6

Daniel Cefa

Como nos mobilizamos?

DILEMAS

23

7 Thvenot se engajou nesse tipo de programa de comparao com a Rssia e os Estados Unidos: ver o resultado de uma cooperao de pesquisadores franceses e americanos em Lamont e Thvenot (2000). Entretanto, todos os trabalhos de antropologia, sociologia ou poltica comparada se chocam com os mesmos problemas de traduo.

c) Enm, h uma pluralidade de gramticas do eu, do tu e do ns, de maneiras de fazer os coletivos e de representar os coletivos que mudam de uma sociedade civil e poltica para outra. Quando se fala em arenas pblicas, estamos no direito de imaginar um espao acessvel a todos, sem restrio, e no aproprivel, em oposio a um espao comunitrio, em que os atores aparecem uns para os outros e se revelam, se descobrem e se transformam arriscando sua exposio pblica. Pode-se ainda conceber um lugar da ao coletiva (QUR, 1992, 1995 e 1996; JOSEPH, 2007), onde as condies transcendentais de igualdade e de pluralidade so mais ou menos respeitadas e cujos protagonistas lutam visando o bem pblico, em nome do interesse geral. Contudo, as coisas so sensivelmente mais complicadas nos fatos. Se no pretendemos estigmatizar o particularismo, o corporativismo ou o comunitarismo das aes coletivas, nos mundos russos, chineses ou brasileiros, ou simplesmente nos mundos prossionais, tnicos ou religiosos, ao lado de casa, necessrio seguir minuciosamente, sem a priori normativo, os encadeamentos de atividades que conduzem formao de coletivos, de problemas e de causas. As dinmicas de mobilizao, correlativas a dinmicas de problematizao e de publicizao, pem em prtica regimes de ao e de justicao cuja comensurabilidade no depende de si prprios. As categorias do privado, do comum e do pblico, do pessoal e do poltico no so exportveis enquanto tais, e quando parecem ser, podem esconder falsos cognatos7. Um exemplo dentre muitos outros que impe prudncia metodolgica: o uso da expresso organizaes comunitrias, comum a Estados Unidos, Qubec e Brasil, remete a modalidades de estar junto, de identicar indivduos e de se associar em coletivos, de fazer o comum, de transigir com poderes, de carregar interesses, de se referir a direitos, de pedir e prestar contas, que tm pouco a ver umas com as outras. Todas as pesquisas sobre a constituio de uma sociedade civil mundial, que somam organizaes associativas de todos os tipos no intuito de medir e comparar os setores tercirios de diferentes pases, passam por cima dessas distines gramaticais e terminam por misturar alhos com bugalhos. A investigao deve cultivar uma sensibilidadeComo nos mobilizamos? Daniel Cefa

24

DILEMAS

interpretativa e pragmtica aos idiomas do engajamento e aos dispositivos polticos, jurdicos, institucionais, teolgicos e administrativos aos quais faz referncia, todos de grande heterogeneidade. Em contraponto, deve ser empreendida como fez Lichterman (1996), ao se debruar sobre as formas teraputica ou religiosa da poltica pessoal nos Estados Unidos, ou como fez Gonzalez (2009), em seu trabalho sobre os processos de individuao e comunitarizao nas mobilizaes evanglicas na Sua, ou seja, fazendo aparecerem guras variadas da pessoa e de seus direitos, partilhas entre o que do domnio do pblico e do privado, e modos de conceber a comunidade cidados, habitantes ou crentes. Essa abordagem gramatical nos torna sensveis multiplicidade do que provoca interesse em uma ao coletiva: o que mantm juntas as pessoas, ao que elas se prendem e o que as faz se prenderem.

Romper com uma viso instrumental e estratgica da cultura pblica e da experincia coletiva Para iniciar, passemos rapidamente pela rejeio, nos anos 1970, da questo do sentido, central nos estudos de comportamento coletivo (collective behavior) dos herdeiros da tradio de Chicago, atentos aos smbolos, imagens, identidades e emoes (CEFA, 2007). O fetichismo de um homo oeconomicus tinha ento posto em curto-circuito toda dimenso cultural que parecia o privilgio dos europeus, Alain Touraine, Claus Offe ou Alberto Melucci. Essa discusso reapareceu nos anos 1980 nos Estados Unidos e um domnio da sociologia cultural (cultural sociology) se desenvolveu. Para alguns, o caso de descobrir estruturas culturais, seguindo a via de Durkheim ou Parsons (Alexander) ou de Bourdieu (DiMaggio ou Lamont). Para outros, por vezes os mesmos, uma concepo estratgica da cultura como caixa de ferramentas (Swidler) que permitiu contrariar as vises excessivamente deterministas do culturalismo. Mas a frame analyis de Snow e seus orientandos que conquistou um lugar importante no estudo dos movimentos sociais ao preo de uma transformao da noo goffmaniana de quadro (frame) em repertrio deDaniel Cefa Como nos mobilizamos? DILEMAS 25

recursos cognitivos, no qual os lderes de organizaes vo vasculhar para montar estratgias de comunicao no jogo de suas alianas e oposies (CEFA, 2001, 2002 e 2007). Essa viso das coisas suscitou uma polmica no mbito do estudo dos movimentos sociais, do qual um dos pontos culminantes foi o artigo de Jasper e Goodwin (1999) que atacava abertamente os atalhos estruturais e estratgicos das teorias da mobilizao de recursos e do processo poltico. Desde ento, muitas perspectivas de pesquisa surgiram, recorrendo a noes tomadas de emprstimo narratologia, dialgica ou retrica. Mais recentemente, Eliasoph e Lichterman (2003) desenvolveram uma conceituao mais situada da cultura, como fbrica de sentido na ao e na interao, e entraram em dilogo com os trabalhos franceses de sociologia pragmtica. Alm dessas anlises, podemos igualmente tentar, em uma perspectiva pragmatista, forjar um conceito de experincia que inclua as dimenses da afetividade e da sensibilidade, da memria, da imaginao e do projeto. A experincia com frequncia indevidamente recolhida no polo subjetivo da ao. Porm, segundo James (2007), ela precede bifurcao entre sujeito e objeto, e , segundo Dewey (1993), uma transao entre organismos e entre esses organismos e seu meio, que tem valor de uma operao de prova: ela transforma simultaneamente a situao que submetida comprovao e os sujeitos a ela submetidos. A experincia tida em um misto de sofrer e agir (QUR, 2003). Nossa hiptese que o desao principal de muitas mobilizaes coletivas o de engajar o devir coletivo e pblico de um uxo de experincia. Quando Dewey (2003) descreve a emergncia do coletivo de exploradores, investigadores e experimentadores que forma um pblico, faz referncia a essa dimenso experiencial, indissociavelmente afetiva, cognitiva e normativa, ancorada no presente, mas abrindo para horizontes de passado e presente, em que convices pessoais vo se formar, se reforar e se exprimir em um processo de coletivizao e de publicizao de um caso, de um problema ou de uma causa. A experincia coletiva e pblica decorrente no a soma ou integrao de uma srie de experincias individuais e privadas. O prprio de uma mobilizao no totalmente rotineira que26 DILEMAS Como nos mobilizamos? Daniel Cefa

ela abala o consenso presumido da experincia do senso comum e pe prova a atitude natural dos indivduos que a compem. Ela deve ento produzir os termos de sua inteligibilidade e de sua legitimidade para os auditrios aos quais se enderea, para os membros que a compem e para os adversrios contra os quais luta. A constituio de um desao de mobilizao, de protesto e de conito acompanha a articulao de uma arena pblica, para onde apontam os atores coletivos e onde emergem novos universos de sentido senso comum, mesmo se controverso. O que isso quer dizer mais precisamente? Quando indivduos se fazem consumidores, habitantes ou cidados, mulheres, desempregados ou imigrantes ilegais, por meio de suas denncias e reivindicaes, devem prestar contas (account) do que fazem, de por que o fazem e em vista do qu o fazem. Certo nmero de ativistas trabalharam na constituio de uma linguagem comum, na enunciao de repertrios de identidade coletiva e na confeco de modos de engajamento pblico. A tarefa das primeiras feministas foi, assim, descobrir pontos comuns situao das mulheres, conferir a disputas privadas um alcance pblico e converter mal-estares pessoais em causas coletivas. As ativistas que vm em seguida no inventam abruptamente os papis que desempenham, mas habitam universos de sentidos que lhes so legados, reorganizando-os em favor dos novos desafios que se apresentam. Da mesma forma, pode-se identificar os conflitos com alguns elementos do movimento dos imigrantes ilegais, porque eles reativam uma experincia coletiva e pblica sedimentada nas aes precedentes. Eles remanejam essa experincia nas provas das peripcias da ao em curso, aumentam-na por meio de pesquisas, experimentaes e discusses, enriquecem-na com esforos analticos ou estticos, inventando novos formatos de ao se houver necessidade. O que chamamos de cultura pblica8 o fundo comum que d forma e material s mobilizaes coletivas. Essa cultura pblica pode entrar em hibernao ou transbordar de um movimento a outro (TAYLOR, 2005) mais especificamente, ser transmitida e aprendida, retomada e distorcida, aplicada e recriada, desviaDaniel Cefa Como nos mobilizamos?

8 Essa noo de cultura pblica tem significado diferente do que foi apresentado por Gusfield (2009 [1981]), que conduz uma anlise ritual e mitolgica da cincia e do direito maneira de Kenneth Burke e Victor Turner. Nosso fio condutor a questo das condies de possibilidade da experincia democrtica e republicana.

DILEMAS

27

da ou santificada, apropriada e reinvestida de um novo sentido. Ela se realiza em um trabalho de cooperao e de competio em que, correlativamente defesa de seus interesses e reivindicao de seus direitos, atores deliberam racionalmente e razoavelmente, configuram explicaes e interpretaes, mas tambm exprimem e simbolizam emoes, projetam imaginrios e utopias. A ao coletiva se organiza, ento, organizando seus ambientes. E produz, simultaneamente, critrios de experincia que vo permitir a seus atores que se orientem, compreendam o que fazem e o que as circunstncias fazem deles. Desse modo, controlam tanto mal quanto bem as situaes com que tm que lidar, mediando processos de investigao, de experimentao e deliberao; e pilotam as operaes de coordenao com seus parceiros e seus adversrios, em um espectro que vai do uso da fora persuaso. Uma ao coletiva uma arquitetura mvel de contextos de sentido, mais ou menos prximos ou distantes, privados ou pblicos, pessoais ou tpicos, que articulam diferentes grandezas de escala espacial e temporal e que so percebidos pelos atores como acessveis a suas interaes ou coercitivos como sistemas ou destinos. Essa perspectiva de sociologia compreensiva no se coloca contra as anlises estruturais, da mesma forma que no negligencia as pesquisas macrossociolgicas sobre diferentes instncias de poder ou as pesquisas macro-histricas sobre processos de longue dure. Ela se esfora em reenquadr-los do ponto de vista dos atores, se assegurando de que possuem pertinncia em seus contextos de experincia. Por vezes consegue fazer aparecer dilemas da ao racional, efeitos de agregao de estratgias, janelas de oportunidade poltica, frentes entre blocos de redes ou tenses entre lgicas de organizao, cujos atores, longe disso, no so conscientes. Porm, o sentido que os atores agregam a suas prprias aes, para falar como Weber, ou a definio dos atores para suas prprias situaes, para falar como Thomas, continua como o campo ltimo do socilogo. o corrimo mais seguro contra as projees tericas ou ideolgicas. As perspectivas do pesquisador devem ser devedoras em relao s dos atores.28 DILEMAS Como nos mobilizamos? Daniel Cefa

Essas atividades de fazer sentido no so, ento, inventadas a cada vez. Elas tm um carter tpico, em parte xado pela instituio, o direito e o decoro, e em parte ajustado por um jogo de prescries e sanes mais difusas. Podemos aqui mencionar trs tentativas, desenvolvidas na Frana, de controlar essa dimenso de tipicidade. a) Um esforo foi realizado para livrar a compreenso das razes de agir das marcas de uma psicologia das motivaes pessoais. Partindo dos estudos de Burke (1945) e de Wright Mills (1940) sobre o carter situado e pblico das razes e motivos e os encadeando a reexes etnometodolgicas sobre os accounts e wittgensteinianas sobre as descries (TROM, 2001; OGIEN, 2007), foi repensado o estatuto dos materiais discursivos aos quais o pesquisador tem acesso. Os motivos no so impulsos ntimos, mas maneiras tpicas de dizer o que se quer fazer ou o que se fez, em contextos de variados graus de publicidade. A compreenso no se exerce em atitudes e opinies que os atores operariam em seu foro interior, mas em justicaes, em releituras ou em anncios que organizam a experincia que os atores tm da situao e de suas intenes respectivas. Os motivos so atos de enunciao em pblico que reordenam a ordem da interao. b) No mesmo lo, outros exploraram gramticas do falar em pblico e agir em pblico. As performances dos atores devem respeitar na prtica certo nmero de condies de felicidade para serem recebveis inteligveis e aceitveis junto aos seus destinatrios, seus aliados e adversrios (BOLTANSKI, 1984; TROM, 1999; CARDON e HEURTIN, 1999; LEMIEUX, 2009). Seguir essas regras do jogo no abole o carter aberto, indexical e temporal das atividades de fazer sentido o fazer coletivo pode fazer fogo de qualquer lenha, abrindo oportunidades e agarrando as circunstncias, s vezes com grande inventividade. Porm, essas presses gramaticais por exemplo, os regimes da crtica, da opinio e da partilha (CARDON, HEURTIN e LEMIEUX, 1995) se no levadas em conta, conduzem desqualicao de uma denncia ou ao descrdito de uma reivindicao pelo pblico. Elas tratam tanto da pertinncia dos tpicos de engajamento quanto da adequao de papis de participao e da correo das frmulas de expresso (BERGER, 2009).Daniel Cefa Como nos mobilizamos? DILEMAS 29

c) Outros, enm, pesquisaram elementos de reexo na dramaturgia, na retrica e na narratologia da ao coletiva, onde Danto e Ricur, Goffman, Turner e Guseld, Burke, White e Perelman foram referncias maiores (GUSFIELD, 2009; RICUR, 1983). Os atores buscam nesses repertrios dramticos de performances, retricas de topoi e narrativas (CEFA, 2009), com o que dar forma a suas atividades de crtica, denncia e reivindicao. Essas modalidades de representao, por meio de argumentos e narrativas, comandam maneiras tpicas de atuar, de persuadir e de contar diante de pblicos. Trata-se, mais uma vez, de atos de publicizao que, alm de moldarem os meios de pertinncia, as paisagens de experincia e as perspectivas de ao dos protagonistas, se oferecem aprovao ou crtica dos pblicos. Contudo, a identicao dessas trs maneiras tpicas de aplicar as formas vocabulrios de motivos, gramticas do falar em pblico, repertrios dramticos, retricas e narrativas no esgota a reexo sobre o processo de publicizao da ao coletiva. Duas temticas esto hoje na ponta da reexo nesse domnio, e no por acaso: a afetividade e a temporalidade so, sem dvida, as questes mais exigentes, tanto do ponto de vista de sua conceitualizao, verdadeiro quebra-cabeas losco, quanto do ajuste de dispositivos de pesquisa. Em que uma abordagem pragmatista pode, mais uma vez, nos ser til? A afetividade, inicialmente. Durante muito tempo, as crticas da anlise racional e da anlise estrutural foram limitadas defesa das temticas da cultura e da identidade. Porm, as emoes da ao coletiva foram ainda mais negligenciadas. Recentemente, elas retornaram com fora no ambiente das pesquisas (GOODWIN et al., 2001). Com grande frequncia, infelizmente, por meio do esquema da manipulao de aparncias a impression management em estratgias de comunicao pblica, de organizao de reunies ou de comunicaes a auditrios. A questo j havia sido levantada na Frana, do ponto de vista terico, por autores como Livet (2002) e Thvenot (1994, 1997) ou Paperman e Ogien (1995), que tinham dado um passo alm da oposio entre razo e paixo, cognio e afeio. Essa questo havia sido levantada bem antes ainda, quan30 DILEMAS Como nos mobilizamos? Daniel Cefa

do Park convidava a uma meteorologia das atmosferas pblicas, com suas variaes climticas e seus movimentos baromtricos, ligando essa preocupao pela Stimmung investigao da opinio pblica e do comportamento coletivo. No lugar de tcnicas de gesto dos sentimentos alheios, as paixes e afetos reencontram sua dimenso do estar passvel a eventos (QUR, 2003) ou de afeio por situaes (CEFA e LAFAYE, 2001): emoo, mal-estar ou pnico, euforia, asco ou entusiasmo, que tocam a moral, as afetividades e as sensibilidades coletivas, in situ. O sentido do bem, do direito e da justia, o sentido da honra, a paixo pela igualdade ou o dio de classe so, antes de tudo, sentimentos morais. Toda mobilizao coletiva pontuada por experincias de indignao e revolta, solidariedade ou debandada, alegria ou decepo a prpria apatia no existe sem pathos. As emoes, mantendo-se fechadas em um crculo privado ou buscando um alcance coletivo e uma ressonncia pblica, so o que h de mais difcil em descrever: a soberba ridicularizada, a sede de vingana, a preocupao com a verdade, o desejo de liberdade, o orgulho nacional, o dio racial... e, ainda mais simplesmente, as manifestaes expressivas em dadas situaes, com tudo que podem ter de imperceptvel. A etnograa deve ento ganhar uma qualidade literria, sem, no entanto, renunciar disciplina da observao e da descrio. Breviglieri (2009) talvez o mais sensvel a algumas dessas situaes de pr prova afetivas. Mais radicalmente, no se trata simplesmente de reabilitar um objeto at ento negligenciado pela pesquisa ou pela anlise, mas de transformar a denio da ao coletiva. A afetividade no um tema entre outros. Ela o que faz com que haja experincia, tanto perceptiva quanto cognitiva ou moral. No uma colorao de estados de fato ou de estados de conscincia. Ela o que garante nosso contato com os outros e com as coisas, e o que mantm unidas as situaes nos situando nelas. A ao coletiva no est toda no agir, mas tambm no sofrer e no compartilhar. Ela tem uma dimenso de afeio e paixo coletiva. Mais do que serem propulsados em direo a um ponto estratgico, os membros que se engajam so afetados por situaes em que contribuem para denir e dominar; eles soDaniel Cefa Como nos mobilizamos? DILEMAS 31

passveis, expostos a eventos que os abalam e os tiram da rota, remanejando seus critrios de compreenso e reorganizando seus horizontes de inteligibilidade. Aqum das estratgias racionais ou das determinaes estruturais, a ao coletiva se deixa abalar pelos eventos, que por vezes s afetam particulares, mas podem ganham outra amplitude e concernir a pessoas bem distantes daquelas que so diretamente tocadas (DEWEY, 2003), levando-as a formar uma experincia comum, a se indignarem em conjunto e a se mobilizarem em pblico. Essas dinmicas de rearticulao dos campos de experincia e dos horizontes de expectativa (KOSELLECK, 1997) alteram o sentido do que capital, recurso, coero ou oportunidade. Uma boa explicao compreensiva no pode fazer malabarismos com essas categorias como se fossem portadoras de um sentido estvel, com validade transituacional. Elas levam em conta a gramtica da ao, engajam disposies de atores e dispositivos de ao. Requerem regimes de experincia. O termo experincia pode aqui ser entendido de trs maneiras, nas quais a cada vez nos encontramos afetados de modo diferente: a) a experincia como prova esttica: os sentidos afetivos (pathos) e estticos (aisthesis) so o que, abaixo das argumentaes e dos julgamentos, nos do acesso ao mundo, articulaes da experincia que fazem com que estejamos em contato direto e ativo com as situaes porque elas nos tomam; b) a experincia como experimentao prtica: o reconhecimento do real provado pelos testes que podemos submeter s situaes e pelos resultados aos quais ns devemos nos submeter, fazendo crescer nossa capacidade de ao e nos dobrando a uma realidade transcendente; e c) a experincia como troca interativa: nosso acesso verdade, ao bem e ao direito nunca solitrio, passa por interaes com os outros e com as coisas, via processos de cooperao e de comunicao, que por vezes tomam a forma de verdadeiras deliberaes, em que nos expomos aos pontos de vista dos outros. Nossa experincia do engajamento tem uma dimenso sensual, experimental e interacional. E as categorias de ao coletiva (capital, recurso, coero, oportunidade...) precisam a cada vez ser recapturadas a partir de sua base nos contextos de sentido dos atores.32 DILEMAS Como nos mobilizamos? Daniel Cefa

A temporalidade, em seguida. A pesquisa deve se sensibilizar emergncia temporal das aes coletivas. Ela deve escolher terrenos que lhe assegurem o acesso a tais corpos de materiais. Muitas linhas de pesquisa j seguiram nessa direo. Podem tratar de trajetrias biogrcas, de pessoas ou de organizaes: Fillieule (2001, 2005) se engajou na criao de um programa de investigao tentando casar a anlise de bandos etrios em organizaes e a anlise de trajetrias de engajamento e desengajamento. Jasper (1997), sobre os tocadores de alarme nas indstrias de risco, ou Auyero (2003), sobre uma piquetera na Patagnia e uma revolta em Santiago (Chile), tambm recolocaram os acidentes da experincia moral, encarnada em cursos existenciais, no corao da mobilizao. Em um livro crucial, pouco lido pelos socilogos, sobre as trajetrias de operrios de um bairro de Turim, Gribaudi (1987) seguiu bandos de amigos e parentes de vrias geraes, reinscrevendo-os em relao a projetos familiares e pessoais de migrao urbana e ascenso social e reconstituindo suas redes egocentradas: a passagem do comunismo ao fascismo explicada a partir de escolhas biogrcas em ambientes polticos em mutao. Esse modelo de uxo e de estratos de experincia que se entrecruzam, correlativamente a provas, sucessivas ou simultneas, de socializao, poderia enriquecer a anlise biogrca das mobilizaes. Mais uma vez, as abordagens pragmticas e pragmatistas abriram alguns canteiros de obra. A ateno foi transferida dessas carreiras pessoais ou organizacionais para carreiras de problemas pblicos, em torno dos quais se articulam diferentes conguraes de arenas pblicas. Chateauraynaud e Torny (1999) fazem-no sua maneira, quando examinam os dossis sobre prons, sobre amianto e sobre energia nuclear. Eles constituem, assim, sries longitudinais de arquivos que analisam, em seguida, por meio dos softwares Prospero ou Marlowe. Terzi (2003), por sua vez, trabalhou sem tratamento computacional sobre um enorme material de imprensa a respeito do caso da espoliao do dinheiro dos judeus na Sua durante a Segunda Guerra Mundial. Ele se ateve exclusivamente, pondo entre parnteses todo o empreendimento de histria social, a dar conta da dinmica interna da controvrsia,Daniel Cefa Como nos mobilizamos? DILEMAS 33

da organizao de sequncias de reformulao e de disputa, de emergncia de novas categorias e intrigas (TERZI e BOVET, 2005) mostrando a constituio desse caso pblico durante muitas dcadas. Outros trabalhos fundados na pesquisa etnogrca, tanto quanto na pesquisa em documentos ou entrevistas, igualmente restituram a gnese das arenas pblicas, em toda a sua complexidade: o de Lolive (1997 e 1999) sobre as contestaes contra o TGV Mediterrneo, ou o de Dodier (2003) sobre a histria das mobilizaes em torno da epidemia da AIDS. Mas a temporalidade pode ainda estar desconectada do suporte biogrco das pessoas e da mdia durao dos casos pblicos. A curto prazo, a pesquisa pode seguir a temporalidade de momentos de prova que provocam mobilizaes repentinas sejam eventos como a profanao do cemitrio de Carpentras (BARTHLMY, 1992) ou de disputas, como os casos Calas e do Chevalier de la Barre (CLAVERIE, 1994 e 1998). Ela pode ainda tomar a forma das controvrsias que estudantes da cole des Mines e da Science-Po pesquisam atualmente, seguindo os passos do empreendimento de Latour desde seu estudo sobre a pasteurizao da Frana (LATOUR, 1984) com a anlise dos dispositivos de ao pblica, um novo cruzamento entre as concepes de sociologia das organizaes, das cidades de justicao e das cincias e das tcnicas (LOLIVE, 1999). O reconhecimento da passividade dos atores e o rearmamento de suas capacidades morais e polticas permitiram repatriar nas cincias sociais a questo da razo prtica, ao encontro de uma concepo estreita da estratgia. A questo da temporalidade das aes coletivas no se constri somente por meio de mapas (QUR e PHARO, 1990; LADRIRE et al., 1993). Ela se faz navegando visualmente na grande confuso, esforando-se para ligar as contingncias que lhe acontecem e s quais submetida, tentando retraar e relanar linhas de ao, enfrentando situaes que lhe fogem do domnio. E ela no simplesmente uma questo de referencial cognitivo no mundo: atravessada por provas de direito e de dever, de obrigao e de responsabilidade, em relao a humanos e no humanos deuses ou animais, lugares ou coisas. Alm do mais, ela se desdobra temporalmen34 DILEMAS Como nos mobilizamos? Daniel Cefa

te, o que significa que a dissecao da ao coletiva em elementos, estruturais ou conjunturais, no nos entrega seu segredo. Algumas vezes ela vivida como uma rotina que segue seu ritmo mdio, outras na figura do evento que irrompe e que preciso enfrentar. O curso da ao no uniforme. Ele semeado de arapucas, interrompido por peripcias e giros imprevisveis, exposto a maquinaes e armadilhas, relanado por manobras e projetos. Com frequncia toma direes imprevistas, sai do rumo das expectativas de seus agentes, bifurca-se em vrias possibilidades, impe que se pesem prs e contras. D a impresso de se acelerar sem permitir tempo de reflexo ou de, ao contrrio, promover o aprisionamento em uma armadilha sem sada. Adquire a aparncia de uma avenida ou, ao contrrio, a de um impasse. Recorrendo s virtudes antigas da coragem (virt), da inteligncia situada (metis) e da prudncia prtica (phronesis), aqueles que portam e do suporte ao coletiva podem aproveitar sua chance, influir no destino em sua boa ou sua m sorte, desvelar no existente o horizonte do possvel, sabendo que nunca anteciparo completamente o efeito do que empreendem. O preo da liberdade de agir repousa na imprevisibilidade de seus resultados e de suas consequncias o que cada vez mais constatam pesquisas sobre os movimentos sociais (GIUGNI et al., 1999). E o savoir-faire dos lderes de organizaes reside talvez tanto nessa arte do julgamento prtico quanto na tecnologia da gesto. Esses diferentes elementos perturbam a compreenso que podemos ter do que est em jogo em uma ao coletiva, para alm do jogo de foras e interesses: um sentido da realidade, do direito e da justia (COTTEREAU, 1992, 1999). A entrada principal no campo ento a da experincia, particular, coletiva e pblica. A existncia de uma cultura pblica, que emerge por meio do trabalho de mobilizao e que, alm dele, se estabiliza em certo nmero de mediaes convencionais e institucionais, autoriza a constituio de uma experincia coletiva e o exerccio de um julgamento de senso comum. A cultura pblica no mais somente uma caixa de ferramentas: ela prearticula as estruturas deDaniel Cefa Como nos mobilizamos? DILEMAS 35

9 As relaes de fora, centrais para Callon e Latour, tinham praticamente desaparecido no programa de pesquisa sobre as formas de justificao em pblico do GSPM, que tomava seu caminho oposto. Elas foram reintroduzidas por Boltanski e Chiapello (1999), mas as encontramos tambm sob outras formas em pesquisas sobre a violncia poltica ou sobre as assimetrias de tomada (CHATEAURAYNAUD, 2006 e 2008).

horizonte da vida coletiva, fornece-lhe seus materiais de experincia e torna possvel a articulao de uma arena pblica na qual estejam disponveis os critrios do verdadeiro e do falso, do real e do imaginrio, do existente e do possvel, do justo e do injusto, do direito e do errado, do legtimo e do ilegtimo. A ao coletiva encontra necessariamente seus apoios nessa cultura pblica que, sendo partilhada por seus membros, lhe fornece opes de tomada de partido, atribui lugares em arenas de batalha e indicam as boas formas expressivas. Ela pode se engajar na lgica dos grupos de presso lobistas ou na da confrontao guerreira, em que vence o mais forte fora e interesse remetem a gramticas do confronto e da negociao, que tambm tm suas regras do jogo 9. Ela pode se aproximar de uma concepo da deliberao pblica, quando a argumentao, a investigao ou a experimentao fornecem fatos e argumentos visando convencer racionalmente e razoavelmente: novas modalidades de participao de cidados e de cooperao com eleitos e especialistas so assim reivindicadas. Mas a nfase da investigao nesses modos de existncia da cultura pblica no deve nos fazer perder de vista as multiplicidades de provas da vida cotidiana e sua ressonncia na experincia coletiva, em diferentes cenrios pblicos, que contribuem igualmente para articular a ao coletiva. Os movimentos sociais, pr ou contra aborto, eutansia, biogentica, paridade entre homens e mulheres, direitos dos animais ou proteo do meio ambiente formulam suas denncias e reivindicaes se apoiando nesse pano de fundo. Assim sendo, identificam-se, coordenam-se e co-agem, alm de, endereando-se s afetividades, s sensibilidades e compreenso de seu pblico, mexerem com os critrios da experincia dos particulares, na esfera da relao ntima ou do colquio pessoal. Eles redefinem as situaes, reelaboram vises do mundo e redesdobram convices e identidades. Os movimentos sociais so analisadores, catalisadores e aceleradores da formao dessa cultura pblica, e, como contraponto, do que se costumava chamar transformaes de moralidade, usos e costumes.Como nos mobilizamos? Daniel Cefa

36

DILEMAS

guisa de concluso Esperamos, com esta demasiado breve apresentao, ter dado uma ideia da fecundidade, e da pluralidade, das abordagens pragmticas e praxeolgicas, aqui enquadradas em uma perspectiva pragmatista, para o estudo da ao coletiva. Muitos perguntam, legitimamente, por que sua recepo para problematizar as mobilizaes coletivas no foi maior na Frana (e em outros pases). Vrias respostas podem ser esboadas. Inicialmente, uma representao estreita das mobilizaes coletivas conduziu a que se desse nfase aos dilemas da escolha racional ou dinmica dos movimentos sociais, proibindo-se que outros objetos fossem considerados enquanto eles proliferavam, por exemplo, no mbito da sociologia das cincias e das tcnicas. Em seguida, a agenda de pesquisa cou articulada em torno de grandes modelos. Na lngua francesa, as heranas touraineana, de incio, e, depois, bourdieusiana, dividiram o l, enquanto, a partir dos anos 1990, o Grupo de estudos e pesquisa sobre as mutaes da militncia realizou na Frana um trabalho importante de transplante e adaptao de pesquisas americanas. Outra razo poderia ser que os autores aqui apresentados se preocupavam bem pouco com a recepo e a retomada de suas pesquisas no mbito da sociologia das mobilizaes coletivas: seus objetos tericos e empricos, seus parceiros e seus adversrios de controvrsia estavam em outro lugar. No m das contas, foi apenas recentemente que suas ideias comearam a circular mais e ser aplicadas por outros pesquisadores alm de seus orientandos. Na Frana, essa difuso foi facilitada pelo fato de que algumas inimizades acadmicas se atenuam com o tempo. A mudana de geraes deveria permitir que os desaos da pesquisa e da anlise prevalecessem sobre as lealdades pessoais e os apegos dogmticos.

Daniel Cefa

Como nos mobilizamos?

DILEMAS

37

Referncias

ARENDT, Hannah. (1972), Du mensonge la violence. Paris, Calmann-Lvy. AURAY, Nicolas. (2002), De lthique la politique: lInstitution dune cit libre. Multitudes, no 8. AUYERO, Javier. (2003), Contentious Lives: Two Argentine Women, Two Protests, and the Quest for Recognition. Durham e Londres, Duke University Press. BARBOT, Janine. (2002), Les malades en mouvements. La mdecine et la science lpreuve du sida. Paris, Balland. BARTHLMY, Michel. (1992), vnement et espace public: lAffaire Carpentras. Quaderni, no 18, p. 125-140. BERGER, Mathieu. (2009), Rpondre en citoyen ordinaire: Enqute sur les engagements profanes dans un dispositif durbanisme participatif Bruxelles. Tese (doutorado), Bruxelas, Universit Libre de Bruxelles. BOLTANSKI, Luc. (1990 [1984]), La dnonciation publique, Em: LAmour et la justice comme comptences. Paris, Mtaili. ________. (1993), La Souffrance distance: Morale humanitaire, mdias et politique. Paris, Mtaili. ________ [e] THVENOT, Laurent. (1991), De la justication: Les conomies de la grandeur. Paris, Gallimard. ________ [e] CHIAPELLO, ve (1999), Le nouvel esprit du capitalisme. Paris, Gallimard. BREVIGLIERI, Marc. (2009), Linsupportable: Lexcs de proximit, latteinte lautonomie et le sentiment de violation du priv. Em: BREVIGLIERI, Marc, Claudette Lafaye [e] Daniel Trom (orgs.). Comptences critiques et sens de la justice. Paris, Economica.38 DILEMAS Como nos mobilizamos? Daniel Cefa

BURKE, Kenneth. (1945), Introduction: The ve key terms of dramatism. Em: A Grammar of Motives. Berkeley, University of California Press, pp. xv-xxiii. CALLON, Michel. (1986), lments pour une sociologie de la traduction: La domestication des coquilles Saint-Jacques dans la Baie de Saint-Brieuc. LAnne sociologique, no 36, pp. 169-208. ________ [e] RABEHARISOA, Vololona. (1999), Le pouvoir des malades: LAssociation franaise contre les myopathies et la recherche. Paris, Presses de lcole des Mines. ________, LASCOUMES, Pierre [e] BARTHE, Yannick. (2001), Agir dans un monde incertain: Essais sur la dmocratie technique. Paris, Seuil. CARDON, Dominique [e] HEURTIN, Jean-Philipppe. (1999), La critique en rgime dimpuissance: Une lecture des indignations des auditeurs de France-Inter, Em: FRANOIS, Bastien [e] rik Neveu (orgs.). Espaces publics mosaques. Transformations de lespace public. Rennes, PUR. CARDON, Dominique, HEURTIN, Jean-Philipppe [e] LEMIEUX, Cyril. (1995), Parler en public. Politix, no 31, pp. 5-19. CEFA, Daniel. (2001), Les cadres de laction collective: Dnitions et problmes. Em: CEFA, Daniel [e] Danny Trom. Les formes de laction collective: Mobilisations dans des arnes publiques. Paris, Editions de lcole des Hautes tudes en Sciences Sociales, pp. 51-97. ________. (2002), Quest-ce quune arne publique? Quelques pistes pour une approche pragmatiste, Em: CEFA, Daniel [e] Isaac Joseph. LHritage du pragmatisme: Conits durbanit et preuves de civisme. Paris, ditions de lAube, pp. 51-82. ________. (2007), Pourquoi se mobilise-t-on? Les thories de laction collective. Paris, La Dcouverte.Daniel Cefa Como nos mobilizamos? DILEMAS 39

________. (2009), Boire ou conduire, il faut choisir! La fabrique des problmes publics posfcio a GUSFIELD, Joseph. La cul, ture des problmes publics. Paris, Economica, pp. 219-318. ________ [e] JOSEPH, Isaac (orgs.). (2002), LHritage du pragmatisme. Paris, ditions de lAube. ________ [e] TROM, Danny (orgs.). (2001), Les formes de laction collective: Mobilisations dans des arnes publiques. Paris, ditions de lcole des Hautes tudes en Sciences Sociales. ________ [e] LAFAYE, Claudette. (2001), Lieux et moments dune mobilisation collective: Le cas dune association de quartier. Em: CEFA, Daniel [e] Danny Trom. Les formes de laction collective: Mobilisations dans des arnes publiques. Paris, ditions de lcole des Hautes tudes en Sciences Sociales, pp. 195-228. CHATEAURAYNAUD, Francis. (2006), Les asymtries de prise: Des formes de pouvoir dans un monde en rseaux. Paris, GSPR-EHESS. ________. (2008), Des disputes ordinaires la violence politique: Lanalyse des controverses et la sociologie des conits. Paris, GSPR-EHESS. ________ [e] TORNY, Didier. (1999), Les sombres prcurseurs: Une sociologie pragmatique de lalerte et du risque. Paris, ditions de lcole des Hautes tudes en Sciences Sociales. CLAVERIE, lisabeth. (1994), Procs, affaire, cause: Voltaire et linnovation critique. Politix, no 26, pp. 76-86. ________. (1998), La naissance dune forme politique: lAffaire du Chevalier de la Barre. Em: ROUSSIN, Philippe (org.). Critique et affaires de blasphme lpoque des Lumires. Paris, Honor Champion. CLEMENS, Elisabeth. (1997), The peoples lobby: Organizational innovation and the rise of interest group politics in the United States 1890-1925. Chicago, University of Chicago Press.40 DILEMAS Como nos mobilizamos? Daniel Cefa

CONEIN, Bernard [e] THVENOT, Laurent (orgs.). (1997), Cognition et information en socit. Paris, ditions de lcole des Hautes tudes en Sciences Sociales. CORCUFF, Philippe. (1991), Constructions du mouvement ouvrier: Activits cognitives, pratiques unicatrices et conits dans un syndicat de cheminots. Tese (doutorado), cole des Hautes tudes en Sciences Sociales. COTTEREAU, Alain. (1992), Esprit public et capacit de juger: La stabilisation dun espace public en France aux lendemains de la Rvolution. Em: COTTEREAU, Alain [e] Paul Ladrire (orgs.). Pouvoir et lgitimit. Paris, ditions de lcole des Hautes tudes en Sciences Sociales, pp. 239-273. ________. (1999), Dnis de justice, dnis de ralit: Remarques sur la ralit sociale et sa dngation. Em DULONG, Renaud [e] Pascale Gruson (orgs.). LExprience du dni. Paris, ditions de la Maison des Sciences de lHomme, pp. 159-178. DE MUNCK, Jean [e] ZIMMERMANN, Bndicte. (2009), La libert au prisme des capacits. Paris, ditions de lcole des Hautes tudes en Sciences Sociales. DEWEY, John. (1993 [1938]), Logique: La thorie de lenqute. Paris, PUF. ________. (2003 [1927]), Le public et ses problmes. Pau, Publications de lUniversit de Pau/Tours/Farrago/Leo Scheer. DIANI, Mario. (1992), The concept of social movement. Sociological Review, no 40, pp. 1-25. ________ [e] McADAM, Doug (orgs.). (2003), Social Movements and Networks. Oxford, Oxford University Press. DODIER, Nicolas. (1991), Agir dans plusieurs mondes. Critique, nos 529-530, pp. 428-458. ________. (1993), Les appuis conventionnels de laction: lments de pragmatique sociologique. Rseaux, no 62, pp. 65-85.Daniel Cefa Como nos mobilizamos? DILEMAS 41

________. (1995), Les hommes et les machines: La conscience collective dans les socits technicises. Paris, ditions Mtaili. ________. (2003), Leons politiques de lpidmie de sida. Paris, ditions de lcole des Hautes tudes en Sciences Sociales. DOIDY, ric. (2002), La vulnrabilit du sujet politique: Rgimes de proximit dans les arnes dengagement public. Tese (doutorado), cole des Hautes tudes en Sciences Sociales. DUPUY, Jean-Pierre [e] LIVET, Pierre (orgs.). (1997), Les limites de la rationalit: Rationalit, thique et cognition. Paris, La Dcouverte. ELIASOPH, Nina [e] LICHTERMAN, Paul. (2003), Culture in interaction. American Journal of Sociology, Vol. 4, no 108, pp. 735-794. EMIRBAYER, Mustafa [e] GOODWIN, Jeff. (1994), Network analysis, culture, and the problem of agency. American Journal of Sociology, Vol. 99, no 6, pp. 1411-1454. FILLIEULE, Olivier. (2001), Post-scriptum: Propositions pour une analyse processuelle de lengagement individuel. Revue Franaise de Science Politique, Vol. 51, nos 1-2, pp. 199-217. ________. (2005), Temps biographique, temps social et variabilit des rtributions. Em: FILLIEULE, Olivier (org.). Le dsengagement militant. Paris, Belin, pp. 17-47. FOLLETT, Mary Parker. (1998 [1918]), The new state: Group organisation, the solution of popular government. Filadla, Pennsylvania University Press. FRIEDBERG, Erhard. (1992), Les quatre dimensions de laction organise. Revue Franaise de Sociologie, Vol. 33, no 4, pp. 531-557. GARFINKEL, Harold. (2007 [1967]), Recherches en ethnomthodologie. Paris, PUF.42 DILEMAS Como nos mobilizamos? Daniel Cefa

GIUGNI, Marco, MCADAM, Doug [e] TILLY, Charles (orgs.). (1999), How social movements matter. Minneapolis, University of Minnesota Press. GOFFMAN, Erving. (1991 [1974]), Les cadres de lexprience. Paris, Minuit. GONZALEZ, Philippe. (2009), Voix des textes, voies des corps: Une sociologie du protestantisme vanglique, Tese (doutorado), Universit de Fribourg/cole des Hautes tudes en Sciences Sociales. GOODWIN, Jeff [e] JASPER, James M. (2004 [1999]), Caught in a Winding, Snarling Vine: The Structural Bias of Political Process Theory. Em: GOODWIN, Jeff [e] James M. Jasper (orgs.). Rethinking Social Movement: Structure, Meaning, and Emotion. Lanham, Rowman and Littleeld, pp. 3-30. GOODWIN, Jeff, JASPER, James M. [e] POLLETTA, Francesca (orgs.). (2001), Passionate politics: Emotions and social movements. Chicago, University of Chicago Press. GRIBAUDI, Maurizio. (1987), Itinraires ouvriers: Espaces et groupes sociaux Turin au dbut du XXe sicle. Paris, ditions de lcole des Hautes tudes en Sciences Sociales. GUSFIELD, Joseph. (1981), Social Movements and Social Change: Perspectives on Linearity and Fluidity. Em: KRIESBERG, Louis (org.). Social Movements, Conict, and Change, no 4, pp. 317-339. ________. (2009 [1981]), La culture des problmes publics. Paris, Economica. HABERMAS, Jrgen. (1987), Thorie de lagir communicationnel, tome 1: Rationnalit de laction et rationnalisation de la socit. Paris, Fayard. ION, Jacques. (2001), LEngagement au pluriel. Saint-tienne, Presses de lUniversit de Saint-tienne. JAMES William. (2007 [1912]). Essais dempirisme radical. Paris, Flammarion.Daniel Cefa Como nos mobilizamos? DILEMAS 43

JASPER, James. (1997), The Art of Moral Protest: Culture, Biography, and Creativity in Social Movements. Chicago, University of Chicago Press. ________. (2006), Getting your Way. Chicago, University of Chicago Press. JOSEPH, Isaac. (2007), LAthlte moral et lenquteur modeste. Paris, Economica. KOSELLECK, Reinhart. (1997), LExprience de lhistoire. Paris, Gallimard/Seuil. LADRIRE, Paul, PHARO, Patrick [e] QUR, Louis (orgs.). (1993), La thorie de laction. Paris, ditions du CNRS. LAFAYE, Claudette. (1996), Sociologie des organisations. Paris, Armand Colin. ________. (2001), Lancrage de proximit en politique(s): Mobilisations locales et contestations de laction publique. Revue de lInstitut de Sociologie, Universit Libre de Bruxelles, no 1-4, pp. 109-112. LAMONT, Michle [e] THVENOT, Laurent (orgs.). (2000), Rethinking Comparative Cultural Sociology. Cambridge/ Paris, Cambridge University Press/ditions de la MSH. LATOUR, Bruno. (1984), Les microbes, guerre et paix, suivi de Irrductions. Paris, Mtaili. ________. (1999), Politiques de la nature: Comment faire entrer les sciences en dmocratie. Paris, La Dcouverte. ________. (2008), Le fantme de lesprit public. Em: LIPPMANN, Walter. Le public fantme. Paris, Demopolis, pp. 3-44. LEMIEUX, Cyril. (2009), Le devoir et la grce. Paris, Economica. LICHTERMAN, Paul. (1996), The search for political community: American activists reinventing commitment. Nova York, Cambridge University Press.44 DILEMAS Como nos mobilizamos? Daniel Cefa

________. (2005), Elusive togetherness: Church groups trying to bridge Americas divisions. Princeton, Princeton University Press. LIVET, Pierre. (2002), motions et rationalit morale. Paris, PUF. LOLIVE, Jacques. (1997), La monte en gnralit pour sortir du Nimby: La mobilisation associative contre le TGV Mditerrane. Politix, no 39, pp. 109-130. ________. (1999), Les contestations du TGV Mditerrane. Paris, LHarmattan. ________. (2006), Des forums hybrides lesthtisation des espaces publics. Cahiers de Gographie du Qubec, no 50, 140, pp. 151-171. McADAM, Douglas, TARROW, Sidney [e] TILLY, Charles. (2001), Dynamics of contention. Cambridge, Cambridge University Press. MEAD, George-Herbert. (2006 [1934]), LEsprit, le soi et la socit. Paris, PUF. MELUCCI, Alberto. (1996), Challenging codes. Cambridge, Cambridge University Press. MICOUD, Andr. (2007), De lexpert-militant ltre vivant sensible. Em: Esthtique et espace public. Cosmopolitiques, no 15, p. 121-134. MISCHE, Ann. (2008), Partisan publics: Communication and contention across Brazilian youth activist networks. Princeton, Princeton University Press. OGIEN, Albert. (2007), Les formes sociales de la pense: La sociologie aprs Wittgenstein. Paris, Armand Colin. ORLAN, Andr (org.). (1994), Analyse conomique des conventions. Paris, PUF. PAPERMAN, Patricia [e] OGIEN, Ruwen (orgs.). (1995), La couleur des penses. Paris, ditions de lcole des Hautes tudes en Sciences Sociales.Daniel Cefa Como nos mobilizamos? DILEMAS 45

PATTARONI, Luca. (2001), Le geste moral: Perspective sociologique sur les modalits du vivre ensemble. Carnets de Bord, no 2, pp. 67-77. ________. (2005), Politique de la responsabilit: Promesses et limites dun monde fond sur lautonomie. Tese (doutorado), cole des Hautes tudes en Sciences Sociales/Universit de Genve. PHARO, Patrick. (1985), Le civisme ordinaire. Paris, Mridiens-Klincksieck. POLLETTA, Francesca. (2002), Freedom is an Endless Meeting: Democracy in American Social Movements. Chicago, University of Chicago Press. QUR, Louis. (1990), Lopinion: lconomie du vraisemblable. Introduction une approche praxologique de lopinion publique. Rseaux, no 43, pp. 33-58. ________. (1992), Lespace public: De la thorie politique la mtathorie sociologique. Quaderni, no 18. ________. (1995), Lespace public comme forme et vnement. Em: JOSEPH, Isaac (org.). Prendre place: Espace public et culture dramatique. Paris, Plan Urbain, pp. 93-110. ________. (1996), Lespace public comme lieu de laction collective, Mana, no 2. ________. (2003), La structure de lexprience publique dun point de vue pragmatiste. Em: CEFA, Daniel [e] Isaac Joseph (orgs.). LHritage du pragmatisme: Conits durbanit et preuves du civisme. Paris, LAube. ________. (1997), La situation toujours nglige?. Rseaux, no 85, pp. 163-192. ________ [e] PHARO, Patrick (orgs.). (1990), Les formes de laction. Paris, ditions de lcole des Hautes tudes en Sciences Sociales.Daniel Cefa Como nos mobilizamos? DILEMAS 46

RICUR, Paul. (1977), Le discours de laction. Em: TIFFENEAU, Dorian (org.). La smantique de laction. Paris, ditions du CNRS, p. 3-137. ________. (1983), Temps et rcit I. Paris, Seuil. ________. (1986), Du texte laction: Essais dhermneutique II. Paris, Seuil. ROSANVALLON, Pierre. (2006), La contre-dmocratie: La politique lge de la dance. Paris, Seuil. STAVO-DEBAUGE, Joan [e] TROM, Danny. (2004), Le pragmatisme et son public lpreuve du terrain: Penser avec Dewey contre Dewey. Em: KARSENTI, Bruno e Louis Qur (orgs.). La croyance et lenqute: Aux sources du pragmatisme. Paris, ditions de lcole des Hautes tudes en Sciences Sociales. TAYLOR, Verta. (2005 [1989]), La continuit des mouvements sociaux: La mise en veille du mouvement des femmes. Em: FILLIEULE, Olivier (org.). Le dsengagement militant. Paris, Belin, pp. 229-250. TERZI, Cdric. (2003), Quavez-vous fait de largent des juifs? Tese (doutorado), cole des Hautes tudes en Sciences Sociales/Universit de Fribourg. ________ [e] BOVET, Alain. (2005), La composante narrative des controverses politiques et mdiatiques: Pour une analyse praxologique des actions et des mobilisations collectives. Rseaux, Vol. 132, no 4, pp. 111-132. THVENOT, Laurent. (1990), Laction qui convient. Em: PHARO, Patrick [e] Louis Qur (orgs.). Les formes de laction. Paris, ditions de lcole des Hautes tudes en Sciences Sociales, pp. 39-69. ________. (1993), La trame des organisations. Em: GLOBOKAR, Tatjana (org.). Entreprise, socit, communaut. Paris, Autrement.Daniel Cefa Como nos mobilizamos? DILEMAS 47

________. (1999), Faire entendre une voix: Rgimes dengagement dans les mouvements sociaux. Mouvements, no 3, pp. 73-82. ________. (2006), LAction au pluriel: Sociologie des rgimes dengagement. Paris, La Dcouverte. ________ [e] BREVIGLIERI, Marc (orgs.). (2010), Politiques au regard du proche. Paris, Economica. TILLY, Charles. (1995), To explain political process. American Journal of Sociology, Vol. 100, no 6, pp. 1594-1610. ________. (2003), The politics of collective violence. Cambridge, Cambridge University Press. TROM, Danny. (1999), De la rfutation de leffet Nimby considre comme une pratique militante: Notes pour une approche pragmatique de lactivit revendicative. Revue Franaise de Science Politique, no 1, pp. 31-50. ________. (2001), Grammaire de la mobilisation et vocabulaires de motifs: Origines et actualit dune perspective. Em: CEFA, Daniel [e] Danny Trom. Paris, ditions de lcole des Hautes tudes en Sciences Sociales, pp. 99-134. ________ [e] LABORIER, Pascale (orgs.). (2003), Historicits de laction publique. Paris, PUF. WRIGHT MILLS, Charles. (1940), Situated Actions and Vocabularies of Motive. American Sociological Review, Vol. 5, no 6, pp. 904-913. ZASK, Jolle. (2003), La politique comme exprience (Introduction). Em: DEWEY, John. (2003 [1927]), Le public et ses problmes. Pau, Publications de lUniversit de Pau/Tours/Farrago/Leo Scheer.

48

DILEMAS

Como nos mobilizamos?

Daniel Cefa