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58 TOC 181 COLABORAÇÃO IPCA A contabilidade na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia 9 >4?/ ^OW `SXNY K ]MKVSdK\ Y M_WZ\SWOX^Y ZOVY] /]^KNY]WOWL\Y] NK] NS\O^S`K] MYX^KLSVヒ]^SMK] O a compatibilidade das leis internas com os tratados e princípios europeus. Prevê-se que, no futuro, a sua intervenção seja reforçada. Por Suzana Fernandes da Costa* | Artigo recebido em março de 2015 A harmonização da contabili- dade e do direito contabilís- tico na União Europeia é um processo dinâmico que tem vindo, fundamentalmente, a fazer-se atra- vés de diretivas 1 e regulamentos. 2 Há, no entanto, uma relevantíssima jurisprudência do Tribunal de Justi- ça da União Europeia (TJUE) nestas matérias, que importa conhecer. O regime jurídico do TJUE consta dos artigos 251.º a 281.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE) e tem permitido ao Tribunal a assunção de crescentes competên- cias, fundamentalmente em nome da liberdade de estabelecimento. As decisões do TJUE ocorrem em di- versos tipos de processo, desde logo processos de reenvio prejudicial, 3 resultantes da remessa de questões pelos tribunais nacionais. O Tribunal decide ainda as ações por incumpri- mento (por exemplo, quando um país não transpõe atempadamente uma diretiva) e os recursos de anulação de atos das instituições europeias ou ações por omissão dessas entidades. Um dos acórdãos mais significativos na construção do direito contabilísti- co europeu foi proferido no caso BIAO (processo C-306/99). Nesta decisão, o TJUE seguiu a jurisprudência ante- riormente fixada no caso Dzodi (C- 297/88) e considerou-se competente para apreciar, de forma lata, questões relativas à interpretação da quarta diretiva sobre as contas anuais. 4 No ponto 90 do acórdão afirma o Tribu- nal que «no caso em apreço, embora as questões sejam relativas à situação fiscal interna e pareçam, à primeira vista, estranhas ao direito comuni- tário, os problemas de interpretação deste que o órgão jurisdicional na- cional pretende resolver têm a ver, na verdade e fundamentalmente, com a perspetiva contabilística im- posta pela quarta diretiva, sobretudo no que respeita à tomada em consi- deração de perdas eventuais resul- tantes de uma garantia concedida relativamente a um crédito cujo fu- turo era ainda incerto na data de en- cerramento do balanço da sociedade em causa no litígio principal. Não se trata, portanto, nem de um proble- ma hipotético nem de uma questão que não tem qualquer relação com a realidade ou o objeto desse litígio.» Em consequência deste entendimen- to o TJUE considerou admissíveis as questões colocadas pelo tribunal de Hamburgo sobre a interpretação da quarta diretiva. 5 Importante é também o acórdão Tomberger (processo C-234/94), onde o tribunal declara que o respeito pelo princípio da imagem fiel é o ob- jetivo principal da quarta diretiva. 6 Outro acórdão relevante na constru- ção do direito contabilístico europeu

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COLABORAÇÃO IPCA

A contabilidade na jurisprudência

do Tribunal de Justiça

da União Europeia

a compatibilidade das leis internas com os tratados e princípios europeus. Prevê-se que, no futuro, a

sua intervenção seja reforçada.

Por Suzana Fernandes da Costa* | Artigo recebido em março de 2015

A harmonização da contabili-

dade e do direito contabilís-

tico na União Europeia é um

processo dinâmico que tem vindo,

fundamentalmente, a fazer-se atra-

vés de diretivas1 e regulamentos.2

Há, no entanto, uma relevantíssima

jurisprudência do Tribunal de Justi-

ça da União Europeia (TJUE) nestas

matérias, que importa conhecer. O

regime jurídico do TJUE consta dos

artigos 251.º a 281.º do Tratado de

Funcionamento da União Europeia

(TFUE) e tem permitido ao Tribunal

a assunção de crescentes competên-

cias, fundamentalmente em nome da

liberdade de estabelecimento.

As decisões do TJUE ocorrem em di-

versos tipos de processo, desde logo

processos de reenvio prejudicial,3

resultantes da remessa de questões

pelos tribunais nacionais. O Tribunal

decide ainda as ações por incumpri-

mento (por exemplo, quando um país

não transpõe atempadamente uma

diretiva) e os recursos de anulação

de atos das instituições europeias ou

ações por omissão dessas entidades.

Um dos acórdãos mais significativos

na construção do direito contabilísti-

co europeu foi proferido no caso BIAO

(processo C-306/99). Nesta decisão,

o TJUE seguiu a jurisprudência ante-

riormente fixada no caso Dzodi (C-

297/88) e considerou-se competente

para apreciar, de forma lata, questões

relativas à interpretação da quarta

diretiva sobre as contas anuais.4 No

ponto 90 do acórdão afirma o Tribu-

nal que «no caso em apreço, embora

as questões sejam relativas à situação

fiscal interna e pareçam, à primeira

vista, estranhas ao direito comuni-

tário, os problemas de interpretação

deste que o órgão jurisdicional na-

cional pretende resolver têm a ver,

na verdade e fundamentalmente,

com a perspetiva contabilística im-

posta pela quarta diretiva, sobretudo

no que respeita à tomada em consi-

deração de perdas eventuais resul-

tantes de uma garantia concedida

relativamente a um crédito cujo fu-

turo era ainda incerto na data de en-

cerramento do balanço da sociedade

em causa no litígio principal. Não se

trata, portanto, nem de um proble-

ma hipotético nem de uma questão

que não tem qualquer relação com a

realidade ou o objeto desse litígio.»

Em consequência deste entendimen-

to o TJUE considerou admissíveis as

questões colocadas pelo tribunal de

Hamburgo sobre a interpretação da

quarta diretiva.5

Importante é também o acórdão

Tomberger (processo C-234/94),

onde o tribunal declara que o respeito

pelo princípio da imagem fiel é o ob-

jetivo principal da quarta diretiva.6

Outro acórdão relevante na constru-

ção do direito contabilístico europeu

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é o DE+ES (processo C-257/97). Nes-te último, o Tribunal veio determi-nar que as provisões para encargos e riscos, previstas na quarta diretiva, «devem ser determinadas nas con-dições fixadas pelas diferentes regu-lamentações nacionais, desde que, todavia, as contas anuais deem uma imagem fiel do património, da si-tuação financeira e dos resultados da sociedade e que o montante das pro-visões não ultrapasse as necessidades da referida sociedade.»7

No caso Bloomsbury (C-510/12), a propósito do mesmo princípio da imagem fiel, o TJUE analisou uma questão prejudicial remetida por um tribunal belga, e concluiu que os n.ºs 3 e 4 e 5 do artigo 2.º, da quarta direti-va «não impõem que uma sociedade que adquira um ativo a título gratui-to inscreva esse ativo nas suas contas anuais pelo respetivo valor real.» Já no caso GIMLE, SA (c. C-322/12) o TJUE declarou que «o princípio da imagem fiel enunciado no artigo 2.°, n.os 3 a 5, da quarta diretiva 78/660/CEE do Conselho, de 25 de julho de 1978 (…) não permite derrogar o prin-cípio da valorimetria dos ativos com base no seu preço de aquisição ou no seu custo de produção, que figu-ra no artigo 32.° da mesma diretiva, em favor de uma avaliação com base no seu valor real, quando o preço de aquisição ou o custo de produção dos

referidos ativos for manifestamente inferior ao seu valor real.»

Obrigatoriedade de publicação

de contas anuais

Relativamente à obrigatoriedade de publicação de contas anuais mere-cem referência os processos Daihatsu (C-97/96)8 e Springer (C-435/02 e C- 103/03) que reconhecem de forma ampla o direito à consulta das contas anuais das sociedades, incluindo por eventuais concorrentes.9 Também no caso Mömax Logistik (C-528/12) o TJUE conclui que o artigo 57.° da quarta diretiva 78/660/CEE do Con-selho, de 25 de julho de 1978 (…) opõe-se à legislação de um Estado--membro que só dispensa uma em-presa filial das disposições da referida diretiva relativas ao «conteúdo, à fis-calização assim como à publicidade das contas anuais se a empresa-mãe estiver igualmente sujeita ao direito do referido Estado.» Em determinadas circunstâncias, o TJUE é chamado a interpretar as di-retivas contabilísticas em articula-ção com outras normas europeias. A título de exemplo refira-se o caso Property Development Company (C-16/14) em que se discute se os juros intercalares que se podem incluir no custo de fabrico segundo a quarta di-retiva formam parte da matéria cole-tável no sentido previsto no art.º 5.º,

n.º 6 da sexta diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977. Merece também referência o proces-so Édukövízig e Hochtief Solutions (C-218/11) onde se discutia se a ca-pacidade económica e financeira mí-nima dos candidatos a um concurso público podia ser dada apenas tendo por base um único dado do balanço, dado esse que podia ser influenciado por divergências entre os direitos na-cionais em matéria de contas anuais das sociedades.10

Também no processo 3D I (C-207/11), o TJUE veio afirmar que «os artigos 2.°, 4.° e 9.° da diretiva 90/434/CEE do Conselho, de 23 de julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum apli-cável às fusões, cisões, entradas de ativos e permutas de ações entre so-ciedades de Estados-membros dife-rentes, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem (…) a que uma entrada de ativos dê lugar a uma tributação da sociedade con-tribuidora pela mais-valia resultante desta entrada, salvo se a sociedade contribuidora inscrever no seu ba-lanço uma reserva específica, no montante da mais-valia apurada no quadro da referida entrada.»11

Verifica-se assim que o TJUE, no seu papel de defensor do direito da União Europeia, tem vindo a fiscalizar o cumprimento pelos Estados-mem-bros das diretivas contabilísticas e a

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compatibilidade das leis contabilísti-

cas internas com os tratados e prin-

cípios europeus.12 Prevê-se que, no

futuro, com a transposição da direti-

va 2013/34/EU do Parlamento Euro-

peu e do Conselho, de 26 de junho de

2013 e com a adoção de novos regu-

lamentos através do mecanismo do

endorsement, a intervenção do TJUE

saia ainda mais reforçada e o Tribunal

possa vir a desempenhar um papel

preponderante na construção do di-

reito contabilístico europeu.

*Advogada especialista em Direito Fiscal

Notas1 As principais diretivas foram a quarta

diretiva 78/660/CEE do Conselho, de 25

de julho de 1978, relativa às contas anuais

de determinadas formas de sociedades

(daqui em diante quarta diretiva), e a sé-

tima diretiva 83/349/CEE do Conselho,

de 13 de junho de 1983, relativa a contas

consolidadas. Merece também referência

a oitava diretiva 2006/43/CE do Parla-

mento Europeu e do Conselho, de 17 de

maio de 2006, relativa à revisão legal das

contas anuais e consolidadas. Entretan-

to, foi aprovada a diretiva 2013/34/EU do

Parlamento Europeu e do Conselho, de

26 de junho de 2013, que veio revogar as

anteriores diretivas contabilísticas e terá

de ser transposta pelos Estados-membros

até julho de 2015 (no processo C-508/13

atualmente em curso no TJUE discute-se a

legalidade de várias das suas disposições,

num processo interposto pela República

da Estónia).2 Merece particular referência o regula-

mento (CE) n.º 1 606/2002, de 19 de julho

de 2002, relativo à aplicação das normas

internacionais de contabilidade. Com ele,

tornou-se obrigatória a partir de 2005 a

adoção das IAS/IFRS aprovadas pelo me-

canismo do endorsement, nas contas das

sociedades com contas consolidadas, se

os seus valores mobiliários estiverem ad-

mitidos à negociação num mercado regu-

lamentado de qualquer Estado-membro

(art.º 4.º). Relativamente às contas indi-

viduais e às contas consolidadas de outras

sociedades, o art.º 5.º do regulamento

deixou a regulamentação para os legis-

ladores nacionais. O mecanismo do en-

dorsement prevê a intervenção de duas

entidades. Uma delas é uma entidade pri-

vada, independente, de natureza técnica:

o EFRAG - European Financial Reporting

Advisory Group. A outra é uma entidade

de natureza política: o ARC - Accounting

Regulatory Committee - Comité de Regu-

lamentação Contabilística, previsto no

artigo 6.º do regulamento 1 606/2002.

Quando a norma internacional é validada

por este mecanismo, é depois objeto de

um regulamento europeu, publicado no

Jornal Oficial da União Europeia, e só aí

adquire força obrigatória para as empre-

sas abrangidas pelo regulamento CE) n.º 1

606/2002 (sem prejuízo de normas inter-

nas que estendam a sua aplicação a outras

entidades). Para mais desenvolvimentos

sobre as fontes de direito contabilístico

europeu ver o nosso artigo «Novos rumos

do Direito Contabilístico: confronto entre

a Reforma Espanhola e o SNC português»

in Jornadas de Contabilidade e Fiscalidade

- Sistema de Normalização Contabilística,

ISCAP, Vida Económica, 2010. 3 Segundo o artigo 267.º do TFUE «o Tri-

bunal de Justiça da União Europeia é com-

petente para decidir, a título prejudicial:

a) Sobre a interpretação dos Tratados;

b) Sobre a validade e a interpretação dos

atos adotados pelas instituições, órgãos

ou organismos da União. Sempre que uma

questão desta natureza seja suscitada pe-

rante qualquer órgão jurisdicional de um

dos Estados-membros, esse órgão pode,

se considerar que uma decisão sobre essa

questão é necessária ao julgamento da

causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se

pronuncie. Sempre que uma questão des-

ta natureza seja suscitada em processo

pendente perante um órgão jurisdicional

nacional cujas decisões não sejam sus-

cetíveis de recurso judicial previsto no

direito interno, esse órgão é obrigado a

submeter a questão ao Tribunal. Se uma

questão desta natureza for suscitada em

processo pendente perante um órgão ju-

risdicional nacional relativamente a uma

pessoa que se encontre detida, o Tribunal

pronunciar-se-á com a maior brevidade

possível.» 4 O TJUE declarou então que «a quarta

diretiva 78/660 não exclui a inscrição no

passivo do balanço, ao abrigo do seu ar-

tigo 20.°, n.° 1, de uma provisão destinada

a cobrir as eventuais perdas ou dívidas re-

sultantes de um compromisso que figura

a seguir ao balanço nos termos do artigo

14.° da referida diretiva, desde que a perda

ou a dívida em questão possa ser qualifi-

cada, na data de encerramento do balan-

ço, de «provável ou certa.» O artigo 31.°,

n.° 1, alínea e), da mesma diretiva, não

exclui que, para garantir o respeito dos

princípios da prudência e da imagem fiel

do património, o modo de avaliação mais

adequado seja o que consiste em proceder

a uma apreciação global de todos os ele-

mentos relevantes. O TJUE concluiu ainda

que «em circunstâncias como as do pro-

cesso principal, o reembolso de um crédi-

to, ocorrido após a data de encerramento

do balanço (sendo esta a data pertinente

para a avaliação das rubricas do balan-

ço), não constitui um facto que obrigue

a uma reavaliação retroativa do valor de

uma provisão relativa a esse crédito ins-

crito no passivo do balanço. Todavia, o

respeito do princípio da imagem fiel do

património exige que se faça menção,

nas contas anuais, do desaparecimen-

to do risco a que se referia a provisão em

causa.» Oliveira Geraldes, J.: Da função

do balanço consolidado na concretiza-

ção da imagem verdadeira e apropriada

das sociedades comerciais, Relatório de

Mestrado, não publicado, FDUL, 2003,

pág. 46, afirma que este acórdão simbo-

liza «a silenciosa construção do direito do

balanço europeu.» O autor analisa o im-

pacto do acórdão BIAO no direito alemão,

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onde veio pôr em causa a «separação fun-

cional» entre os princípios contabilísticos

relacionados com o apuramento do lucro

e os relativos à informação societária.

Com efeito, o TJUE, num processo onde

estariam em causa aqueles princípios re-

lativos ao lucro, que até aí não admitiam

derrogações, aplicou o princípio da ima-

gem fiel com sentido derrogatório. Sobre

o caso BIAO ver também SCHÖN, W.:

“2e David Tillinghast lecture: 2e Odd

Couple: A Common Future for Financial

and Tax Accounting?”, Tax Law Review,

vol. 58/2005, pág. 126-128.5 Sobre este acórdão ver Herrera Mo-

lina, M. A. e Herrera Molina, P.M.,

«STJCE 7.1.2003, BlAO-Afribank, As.

C-306/99: Incidencia fiscal de las nor-

mas contables.», IEF, http://www.ief.

es/documentos/recursos/publicaciones/

fiscalidad_internacional/comenta-

rios/2003_07ene_herrera.pdf, acedido

em 12 de março de 2015. Os autores re-

ferem que a questão da legitimidade do

TJUE foi colocada pelo facto de o litígio se

referir a um imposto não harmonizado e

pelo facto de a diretiva contabilística em

questão não ser de aplicação obrigatória à

sociedade litigante.6 Neste acórdão estava em causa um pro-

blema de contabilização antecipada de

dividendos numa relação de grupo ou de

domínio, contabilização que o TJUE ad-

mitiu ser possível.7 Ver também DEÁK, D.: “Adoption of

International Accounting Standards and

Company Tax Harmonization: theoretical

considerations”, Liber Amicorum Jacques

Malherbe, Bruylant, Bruxelas, 2006, pág.

284 e 285.8 No processo Daihatsu o TJUE declarou

que «o artigo 6.° da Primeira Diretiva

68/151/CEE do Conselho (…) deve ser in-

terpretado no sentido de que se opõe à le-

gislação de um Estado-membro que ape-

nas concede aos sócios, aos credores, bem

como ao órgão central de representação

dos trabalhadores ou ao órgão de repre-

sentação dos trabalhadores da sociedade

o direito de exigir a aplicação da sanção

prevista por esse ordenamento nacional

para o caso de incumprimento, por parte

de uma sociedade, das obrigações em

matéria de publicidade das contas anuais

impostas pela Primeira Diretiva 68/151.»9 No processo Springer o TJUE concluiu

que a diretiva 90/605/CEE do Conselho,

de 8 de novembro de 1990, que moderni-

zou as diretivas contabilísticas e aumen-

tou os deveres de publicidade das contas

anuais, na medida em que veio permitir

que qualquer pessoa tenha a possibilidade

de consultar as contas anuais e o relatório

de gestão das formas de sociedades que

ela visa, sem ter de comprovar um direito

ou um interesse que necessite de prote-

ção, podia validamente ser adotada com

base no artigo 54.°, n.° 3, alínea g), do

Tratado CE.10 Decidiu o TJUE que «os artigos 44.°,

n.° 2, e 47.°, n.° 1, alínea b), da direti-

va 2004/18/CE do Parlamento Europeu

e do Conselho, de 31 de março de 2004,

relativa à coordenação dos processos de

adjudicação dos contratos de empreitada

de obras públicas, dos contratos públicos

de fornecimento e dos contratos públicos

de serviços, devem ser interpretados no

sentido de que uma entidade adjudicante

está autorizada a exigir um nível mínimo

de capacidade económica e financeira

com referência a um ou vários elementos

específicos do balanço, desde que estes

sejam objetivamente adequados a dar in-

formação sobre esta capacidade por parte

de um operador económico e que este

nível esteja ajustado à importância do

contrato em questão, no sentido de que

constitui objetivamente um indício posi-

tivo da existência de uma base económi-

ca e financeira bastante para levar a bom

termo a execução deste contrato, sem,

todavia, ir além do que é razoavelmente

necessário para esse fim. O requisito de

um nível mínimo de capacidade econó-

mica e financeira não pode, em princí-

pio, ser afastado unicamente pelo motivo

de este nível dever ser justificado com

referência a um elemento do balanço a

respeito do qual podem existir divergê-

ncias entre as legislações dos vários Es-

tados-membros.»11 Há um conjunto relevante de processos

no TJUE relativos à aplicação de sanções

pelos Estados pela não publicação de

contas. Sobre essa problemática veja-se

o processo Texdata Software (C-418/11),

Berlusconi (C-387/02) e Momblano (C-

52/03). No primeiro, o TJUE aceitou a

aplicação pelas autoridades alemãs de

uma sanção pecuniária pela falta de pu-

blicação atempada das contas anuais de

uma sucursal, mesmo sem notificação

prévia à sociedade-mãe. Nestes últimos,

o TJUE concluiu que «a primeira diretiva

68/151/CEE do Conselho, de 9 de março

de 1968 (…) não pode, enquanto tal, ser

invocada pelas autoridades de um Estado

membro contra réus no âmbito de proce-

dimentos penais, uma vez que uma dire-

tiva não pode, por si só e independente-

mente de uma lei interna adotada por um

Estado membro para a sua aplicação, ter

por efeito determinar ou agravar a res-

ponsabilidade penal dos réus.» 12 Para mais desenvolvimentos sobre

a forma com o TJUE tem vindo emitir

acórdãos sobre a matéria contabilísti-

ca ver Saldanha Sanches, J.L.: «Os IAS/

IFRS como fonte de direito …» op. cit.,

pág. 190, Schön, W.: “International Ac-

counting Standards – a „Starting Point“

for a Common European Tax Base?”,

International Bureau of Fiscal Documen-

tation, 2004, Band 44, S. 426–440, pág.

12-13, e Lutterman, C.: “Accounting as

the Documentary Proof of Good Corpo-

rate Governance” em German Corporate

Governance in International and European

Context, Springer Berlin Heidelberg,

2007. Para um comentário sobre os

principais acórdãos do TJUE em matéria

contabilística até 2004, ver Vargas Vasse-

rot, C.: “El derecho de sociedades comu-

nitario y la jurisprudencia del TJCE en la

interpretación de las Diretivas de Socie-

dades” RDS, n.º 22/2004, pág. 330-334.