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    DA ONTOLOGIA DAPOLIS EM PLATO

    Amrico Pereira

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    FICHA TCNICA

    Ttulo: Da ontologia da polis em Plato.Autor: Amrico PereiraColeco: LUSOSOFIA:PRESS EnsaiosDirecco: Jos M. S. Rosa & Artur MoroDesign da Capa: Antnio Rodrigues TomComposio & Paginao: Jos M. S. RosaUniversidade da Beira InteriorCovilh, 2011

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    DA ONTOLOGIA DA POLISEM PLATO

    Amrico PereiraUniversidade Catlica Portuguesa

    Lisboa

    Este estudo o primeiro de uma srie de quatro sobre a ontologia da po-lis, como vista por Plato. Os trs que se seguem so: o desenvolvimento dapolis, a perverso da polis, a possvel morte da polis. Para o geral desteestudo, interessa directamente o texto que medeia entre as cotas 368e e 383c,final do Livro II da Politeia. Para o presente primeiro estudo, interessa o textosituado entre 368e e 370c. Foram utilizados os textos originais das edies dasBelles Lettres e da Loeb Classical Library e respectivas tradues: PLATON,La Rpublique, vol. I, texto estabelecido e traduo por mile Chambry, comIntroduo dAuguste Dis, Paris, Les Belles Lettres, 1989, CLIV + 140 + 140pp.; PLATO, Republic, Books 1-5, traduo de Paul Shorey, Harvard UniversityPress, Cambridge, Massachusetts, London, England, 2003, LIV + 535 pp. Aestas verses, acrescenta-se a verso portuguesa: PLATO, A Repblica, intro-duo, traduo e notas de Maria Helena da Rocha Pereira, Lisboa, FundaoCalouste Gulbenkian, [1980], LVIII + 500 pp.

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    ContedoPARTE I O NASCIMENTO DA POLIS 5

    Introduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51. Acto humano e virtudes . . . . . . . . . . . . . 52. O modelo paradigmtico da polis . . . . . . . 303. A ontologia da polis e o nascimento da polis 394. Detalhe do nascimento da polis . . . . . . . . 615. O nascimento da economia . . . . . . . . . . . . 74

    Concluso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97

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    PARTE I

    O NASCIMENTO DA POLIS

    INTRODUO1. Acto humano e virtudes

    Como maior discpulo de Scrates de Atenas, Plato no deixoude ser profundamente marcado pelo convvio com o mestre, conv-vio certamente atento, quer na forma do seu exemplo de vida, emperene esforo filosfico, quer na forma do seu supremo exemplode morte, e de morte como homem no apenas filsofo, isto , ummero amigo ou amante de Sofia, a Sabedoria, mas como homemj sbio, pois soube precisamente aplicar os princpios filosficos,que descobrira e ensinara, sua mesma aco, propriamente tr-gica, aquando da ocorrncia de seu julgamento pelos representan-tes do povo de Atenas e consequente sentena e cumprimento damesma.

    Mostrou, deste modo, que, efectiva e concretamente, mesmo acondio trgica do ser humano pode servir como matria e forma

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    para uma libertao, no da tragdia, que, como condio possveldo mesmo ser humano, necessria, mas do aviltamento, da hete-ronomia, da perda de dignidade, da perda da fundamental liberdadetica, propriedades irredutveis do acto, propriamente humano, decada ser humano.

    j o sentido da pessoa, em sua grandeza ontolgica prpria,irredutvel, em sua grandeza tica, baseada nesta mesma grandezaontolgica, e dela permanentemente transformadora na carne desua aco, que aqui se manifesta, embora o conceito de pessoa, en-quanto tal, ainda no esteja propriamente formulado. Este sentidopessoal prprio do indivduo humano, alicerado na sua diferencia-lidade possvel e diferena concreta, desempenha um papel ontol-gico fundamental na construo da polis, em concomitncia coma construo individual prpria, autnoma, ntima e manifesta, decada ser humano, no todo comum e necessariamente comunitrioda polis, enquanto propriamente polis e no simples agregadoqualquer de indivduos humanos quaisquer.

    A vida e morte de Scrates marcaram definitiva e profunda-mente Plato, sobretudo por causa do modo injusto e infame comofoi assassinado pelo poder, dito democrtico, de Atenas: que malprofundo roa esta cidade para que fosse capaz de matar o quede melhor em si possua o mesmo Scrates , precisamente emnome do que pensava ser o melhor para ela? Como no reconhecera bondade dos actos do mestre? Que profunda estupidez tica epoltica era esta, que fez com que os seres humanos, responsveispelo bem da cidade, no conseguissem perceber o bem presente emseu seio e os levou, mesmo perante o manifesto bem da posio po-ltica (cvica) de Scrates, a escolher o mal?

    Que relao existe entre o ser humano e o bem? Qual o estatutodo bem? Qual o estatuto ontolgico do bem?,1 questo que ser aprincipal e determinante de toda a reflexo tica e poltica, de ora

    1 Ver nosso estudo, Do indizvel bem, alegoricamente dito: as grandes ima-gens do bem na Politeia de Plato, publicado on-line em www.lusosofia.net.

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    em diante, sem cuja resoluo a aco humana se degrada em meraaco ou de autmatos mecnicos ou de bestas com figura exteriorhumana.2

    Toda a filosofia platnica, directa ou indirectamente, em todasas suas variantes reflexivas, vai ser uma busca de respostas funda-mentais para estas questes, toda ela vai ser ultimamente viradapara a procura do sentido do bem-comum da cidade, bem-comumque nunca ser o bem de alguns, de um apenas, de uma minoria oumaioria, mas de todos os que quiserem na cidade viver, segundoo mesmo bem-comum da e para a cidade, bem-comum que obem de todos, integradamente, compreendendo harmonicamente obem pessoal de cada um. Esta necessria harmonia sinfonial daaco humana, dificlima de atingir, o nico modo que permite cidade cumprir-se na sua misso prpria de ser o lugar real dareal possibilidade de existncia propriamente humana para os se-res humanos, para cada um e todos, concomitantemente. No hqualquer outro lugar possvel.3

    2 Condio moderna, por excelncia, abandonado o horizonte do bem comoparadigma teleolgico fundamental para a aco humana, tanto individual comocolectivamente considerada, isto , tanto tica como poltica. Com um discursomanifestamente assertivo como paladino da liberdade e independncia e autono-mia do ser humano, a modernidade pouco mais tem feito do que minar a mesmagrandeza ontolgica do mesmo ser humano, numa srie de redues do prpriodo ser humano a outras realidades menores, todas elas prprias de coisas inertesou de bestas. Relativamente s formas tradicionais de reduo, nomeadamenteas que tudo de bom no ser humano atribuam aos deuses, as formas moder-nas pecam por falta de dignidade ontolgica: mesmo que tudo seja uma terrveliluso, no ser melhor a iluso de que somos do estofo dos deuses do que doestofo das bestas ou dos calhaus. A escolher... Para muitos, tanto monta.

    3 Muita da terrvel dureza platnica no que diz respeito defesa do bem-comum da cidade e da cidade como bem-comum diz respeito sua intuio deque no h substituto possvel para a cidade, como este lugar nico de possibili-dade de florescimento propriamente humano do ser humano potencial. Destruira cidade, destruir a nica possibilidade da humanidade; enfraquecer a cidade, diminuir a grandeza do possvel propriamente humano ontologicamente infor-mador do possvel ser humano. Assim, a cidade ou tem amigos, literalmente, ou

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    tica e politicamente, mas tambm em todas as outras disci-plinas ancilares do servio ao bem-comum, o grande interlocutorde Plato no vai ser qualquer filsofo seu contemporneo (nemmesmo Demcrito de Abdera) ou qualquer filsofo anterior, mas afigura, por si prprio inventada, como figura dramtica de seu di-logo A Repblica, Trasmaco, o defensor da tirania. Nele, Platoencontra o prottipo do anti-Plato, de tudo o que teoricamentede fundamental se pode afirmar contra a sua posio de integralservio ao bem-comum.

    Depois do Trasmaco do estilete de Plato, nada mais de funda-mentalmente novo foi aportado para combater as ideias de Platoa este respeito. Mesmo no plano da aco, perdida a genuna gran-deza de homens como Alexandre Magno e suas tentativas cpiasmais prximas, outros homens, menores, como um Napoleo ouum Hitler ou um Estaline, mais no so do que demonstraes con-cretas degradadas e auspiciosamente falhadas do tirano prototpicode Trasmaco.

    As teses de Trasmaco tm a grande virtude de sua fora e vi-vacidade, de sua grandeza de sem-vergonha, de manifestar umavontade de poder, latente no mais profundo do ser de muitos sereshumanos, mas de que apenas alguns tm a coragem de dar contapblica, preferindo os outros uma duplicidade radical entre a ra-pacidade que os habita eticamente e a santidade que politicamentemanifestam. A besta dplice, padro tico-poltico de Mandeville,

    inimigos, literalmente: aos primeiros, paga o seu amor com a possibilidade deser; aos segundos, paga como sempre se paga ao literal inimigo, com a distnciaou a morte. O que a cidade no pode permitir a presena em seu seio de seusinimigos. Mesmo na viso crist, nica que procura superar esta lgica radical,no dissolvendo o amor de terceiros a inimizade prpria de algum para coma cidade, a nica possibilidade reside na hiptese de que o amor que reine nacidade tendencialmente crist ajude a converter o inimigo em amante. Se assimno for, pelo menos um dos dois perecer. H, pois, uma inelutvel dimensotrgica prpria da cidade, em sua mesma estrutura, estrutura baseada na mesmaontologia humana.

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