DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 · “Passeio noturno I”, “Passeio noturno II”, de Rubem...
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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE
VOLU
ME I
ARTIGO PDE 2011: UM OLHAR PÓS-MODERNOS NOS CONTOS DE RUBEM
FONSECA E CAIO FERNANDO ABREU
Autor: Vânia Lúcia Bettazza1
Orientador: Luiz Carlos Simon2
Resumo
O presente artigo tem o propósito de apresentar uma avaliação da aplicabilidade do projeto “Um olhar pós-moderno nos contos de Rubem Fonseca e Caio Fernando Abreu”, na Escola Estadual Souza Naves, terceiro ano do Ensino Médio, em Rolândia. Para isso, inicialmente, alguns conceitos teóricos são apresentados em vista das recentes concepções de arte e cultura, bem como, o rompimento das fronteiras entre cultura erudita, cultura popular e cultura de massa. A partir desse entrelaçamento entre os vários saberes, designado por muitos teóricos como próprio da cultura pós-moderna, sobre a qual elencamos algumas considerações, partimos para um breve conceito da ficção contemporânea, seguido de um estudo sobre o narrador pós-moderno segundo Silviano Santiago, autor apresentado aos alunos cuja teoria foi reconhecida na maioria dos contos trabalhados. Ao final, apresentamos os caminhos percorridos pela Unidade Didática, o processo de conhecimento e reconhecimento dos alunos atrelado à compreensão da linguagem literária dos contos que trazem expressões populares e marcas da oralidade na escrita, observação que gerou estranhamento, mas que, ao mesmo tempo, proporcionou aos alunos identificarem uma sociedade áspera, indiferente e violenta. Para o encaminhamento da unidade didática foram utilizados os contos “Hoje não é dia de rock”, “Luz e sombra”, “Aqueles dois” e “Além do ponto”, de Caio Fernando Abreu, e “Almoço na serra no domingo de carnaval”, “Jogo do morto”, “O outro”, “Passeio noturno I”, “Passeio noturno II”, de Rubem Fonseca, pesquisas na biblioteca e em outros veículos midiáticos, debates, seminários, produção dos gêneros resenha e artigo de opinião. Palavras-chave: contos, narrador pós-moderno, ficção contemporânea, 1. Introdução
“Refletir sobre o ensino da Língua e da Literatura implica pensar também as
contradições, as diferenças e os paradoxos do quadro complexo da
contemporaneidade” (PARANÁ, 2008, p. 48). Desse modo, procurar compreender o
1 Mestrado em Letras, graduação em Letras, professora da Escola Estadual Souza Naves
2 Profª Dr. docente – IES: Universidade Estadual Londrina, Depto de Letras
que os alunos estão querendo dizer, por meio de manifestações como recusa,
murmurações e desinteresse diante das aulas de leitura literária, pode abrir caminho
para uma readequação do ensino da literatura e uma reflexão sobre as práticas
pedagógicas. Os alunos – leitores em formação – necessitam de docentes com,
cada vez mais, uma sólida formação sobre as teorias de leitura e literatura. No
entanto, por inúmeros problemas que norteiam o sistema educacional brasileiro,
nem sempre o professor consegue exercer a função de pesquisador e educador.
Tais dificuldades se agravam quando o assunto é literatura contemporânea, em
especial, textos narrativos de autores como Rubem Fonseca e Caio Fernando
Abreu.
Esses autores conseguem se debruçar sobre a temática urbana fazendo o uso,
através de seus personagens, de uma linguagem rude, objetiva, direta, mediante um
estilo baseado na intensidade da ação e na tensão interna da narrativa. Trazem,
com essa linguagem, cenas da violência urbana - reflexo dos problemas sociais e
culturais advindos das grandes metrópoles – e a temática homossexual, ainda
considerada um tabu nas salas de aula. Ainda que a escola seja vista como uma
instituição a serviço da sociedade com grandes responsabilidades, dentre as quais,
a de fazer do aluno um cidadão afinado “com a contemporaneidade” (BRASIL, 1999,
p.22), determinados assuntos geram tumultos em alunos, mais especificamente
entre pais e professores.
Na tentativa de unir questões ainda distantes é que nasceu o projeto, seguido da
Unidade Didática Um olhar pós-moderno nos contos de Rubem Fonseca e Caio
Fernando Abreu, aplicada no Colégio Estadual Souza Naves, em Rolândia, aos
alunos do 3º ano, do Ensino Médio.
O presente artigo tem como objetivo apresentar alguns conceitos que envolvem o
prefixo pós, tão controverso entre os teóricos, em seguida aspectos da ficção
contemporânea e o narrador pós-moderno segundo Silviano Santiago. Ao final, há
uma abordagem sobre o projeto e a avaliação da aplicabilidade em sala de aula.
2. Um pouco de teoria
2.1 Prefixo “pós”: sinônimo de junção
Falar em uma cultura pós-moderna ou uma pós-modernidade por referência a um
período histórico não tem acalmado os debates ou delimitado o espaço entre um
termo e outro, especialmente se pensarmos que a tendência contemporânea se
caracteriza em abolir limites.
Por estes motivos estas designações têm causado muitos desconfortos a
teóricos e pesquisadores que tratam do tema, tanto em termos de conteúdo e nível
intelectual, como aquilo que envolve sua própria denominação. Linda Hutcheon
(1991, p.36) afirma que as contradições e os debates começam pela definição do
prefixo „pós‟, “um enorme palavrão de três letras”.
Se partíssemos unicamente da análise deste prefixo, elegeríamos este
movimento ou momento após um rompimento com o seu antecessor, com uma
ruptura, uma interrupção de algo que estava estabelecido. O que não ocorreu de
fato.
Tivemos um processo desencadeado, principalmente, a partir das revoluções
industriais, substanciado pela indústria cultural, o que proporcionou uma mudança
de sensibilidade, um rompimento de fronteiras e uma transformação cultural que
pode, como afirma Hyussen (1992, p.20), estar sob o termo pós-modernismo sendo
“pelo menos por enquanto, inteiramente adequado”.
2.2 Alguns conceitos importantes
O termo “pós-modernismo” teve sua origem na América Hispânica, na década
de 30 e, segundo Anderson (1999, p.9-10), foi um termo utilizado por Frederico Onis
(postomodernismo), com um valor conotativo que difere do dos dias atuais. Onis o
utilizou para imprimir um refluxo conservador dentro do próprio modernismo. Só vinte
anos depois, o termo surgiu no mundo anglófono, referindo-se a uma categoria de
época não estética.
Na década de 50, Irving Howe e Harry Levin empregam o termo “pós-
modernismo” como indicação extremamente depreciativa, alegando ser o momento
menos e não mais moderno, visto que todos os ideais propostos pelo liberalismo e
pelo socialismo não haviam sido alcançados. David Harvey (1993) considera o final
dos anos 50 como ponto de partida para um mapeamento do pós-modernismo e
afirma ter como marco “a fragmentação, a indeterminação e a intensa desconfiança
de todos os discursos” (1993, p.19), com uma “total aceitação do efêmero, do
fragmentário, do descontínuo e do caótico” (1993, p.49).
Essa aceitação, para Harvey, é vista de modo positivo, já que o pós-
modernismo não tem como intenção opor-se a nenhum conceito estabelecido. Toda
essa concepção heterogênea, segundo o autor, tem como fim a construção de uma
força libertadora para uma redefinição do discurso cultural. O crítico anuncia que,
para um retrato do pós-modernismo ter validade, há a necessidade de pensar sobre
o modo de experimentar, interpretar e ser no mundo.
Subirats (1991) concorda com o discurso de Harvey quanto à ausência de um
estilo específico ou de uma vontade para tal. Vale a mistura de formas construindo-
se, deste modo, um “ecletismo estilístico” (1991, p.100-1). Subirats afirma que “o não
estilo, a não arte é também uma forma de estilo do mesmo modo que a ausência de
perspectiva cultural que aí subjaz é também uma figura específica da cultura (pós)
moderna”.
Mesmo diante das negativas ou da total indiferença por achar-se que a
característica primordial é o “vale tudo”, o termo pós-modernismo já havia adquirido
certa força nos anos 70, momento em que, segundo Huyssen (1992, p.42) “a
retórica do vanguardismo” perde a força.
Esta tendência pós-modernista repensa os modos de negação e de crítica em
termos não-vanguardistas, visto que tendem a fazer as contradições conviverem em
consonância.
Embora os embates sobre o pós-modernismo estejam longe de um consenso
em virtude de estarem ainda acontecendo, o hibridismo cultural e a heterogeneidade
de estilos estão implícitos nesta tendência que traz consigo os avanços
proporcionados pela tecnologia, pela indústria cultural e pela globalização e deles se
beneficiam.
Este modo de olhar pós-modernista não pretende construir ideais impossíveis,
nem substituir o modernismo ou declarar-se autônomo. Hutcheon (1991, p.21)
afirma que ele se limita a questionar o modo como a verdade foi construída.
A autora declara que este processo não deve ser pensado como uma
negação do passado, mas que esse passado deve ser revisitado, não com nostalgia,
mas com um espírito crítico e, por vezes, irônico, ou seja, “ela [história] está sendo
repensada – como criação humana” (Hutcheon, 1991, p.34).
A crítica afirma que o pós-modernismo não caracteriza um “rompimento
simples e radical, nem uma continuação direta em relação ao modernismo, ele tem
esses dois aspectos e, ao mesmo tempo, não tem nenhum dos dois” (Hutcheon,
1991, p.36).
Corroborando este pensamento, Huyssen não vê o pós-modernismo,
também, como uma oposição ou negação ao modernismo e afirma que o pós-
modernismo não torna o modernismo obsoleto, mas se apropria de suas várias
estéticas e estratégias, utilizando-as e “fazendo-as trabalhar em novas
constelações” (1992, p.75).
Habermas (Apud Huyssen, 1992, p.50) não apresenta a mesma convicção
dos autores acima e é um dos fortes adversários do pós-modernismo. Faz críticas
severas em uma conferência em 1980, declarando que a dificuldade em definir o
pós-modernismo está no fato de que não consegue dar conta de questões culturais
do capitalismo, nem tão-pouco, dos sucessos e fracassos do modernismo.
Leyla-Perrone Moisés (1998, p.35) contesta não só o pós-modernismo,
afirmando que as obras teóricas sobre o assunto, ao invés de esclarecê-lo,
contribuem para aumentar as dúvidas, mas estende suas críticas a Hutcheon,
segundo a qual, ao apresentar-se de maneira imparcial, com fortes evidências de
simpatia ao pós-modernismo, revela a impossibilidade de determinar uma poética
para a pós-modernidade.
Quanto à chegada de uma pós-modernidade no sentido histórico - se é que
há uma possibilidade em separar pós-modernidade de pós-modernismo - Lyotard
(1986) entende que ela está relacionada com o surgimento de uma sociedade pós-
industrial, juntamente com novas tecnologias de comunicação. O crítico afirma: “o
saber muda de estatuto ao mesmo tempo em que as sociedades entram na idade
dita pós-industrial e as culturas na idade dita pós-moderna” (1986, p.3). Momentos
que tiveram a colaboração e a admiração dos meios tecnológicos através do poder
da publicidade e da mídia eletrônica que intensificaram e disseminaram os
movimentos e as contendas, provocando alterações no modo de pensar e viver nas
sociedades.
Douglas Kellner (2001) relata as comoções ocorridas desde a década de 60 na
cultura e na sociedade de todo o mundo. Estas mudanças, segundo o teórico,
tendem a provocar longos tumultos, desafiando formas já estabelecidas de
sociedade e cultura produzindo “novas contra-culturas e formas alternativas de vida”
(2001, p.25).
Podemos perceber que as discussões sobre questões pós-modernas não
podem ser reduzidas a explicações redutivas e simplistas, nem tão-pouco ser
divididas em aspectos socioeconômicos ou manifestação cultural. Devemos
entender que o universo pós-moderno não é composto de delimitações, mas de
junção, de hibridismos. “É um construto cultural e teórico” (Kellner, 2001, p.71) no
qual não cabe mais a separação entre arte e vida, ou seja, “na verdade, não há uma
teoria pós-moderna, ou uma só definição de pós-modernidade como época histórica
ou de pós-modernismo em artes” (Kellner, 2001, p.71).
Desse modo, a arte deixou de ser compreendida apenas como uma simples
questão estética determinada por um grupo de intelectuais e pesquisadores e
integra-se com os mais diversos contextos.
Todo este repensar referente à arte e cultura e suas integrações com o que é
local e/ou com o que é globalizado implica reflexões de todas as espécies e áreas
do conhecimento. Independentemente da designação que se queira dar, o
importante é compreender que, a partir do reconhecimento da indústria cultural, uma
alteração substancial nas sociedades pôde ser observada, e o que fica evidente nas
últimas décadas é que alguns valores perpetuados passam por uma revisão.
Assim, pensar os binômios pós-modernidade e pós-modernismo, este como
uma condição socioeconômica e aquele como uma manifestação cultural, não fecha
a questão, pois como já abordamos, a contemporaneidade está composta por
miscigenações. Importante é pensar que esta tendência contemporânea multiforme
aponta para a necessidade de rever os próprios sistemas de pensamento e
organização, não apenas para problematizar, mas para abrir novos caminhos, visões
e, consequentemente, modos de agir.
3. A ficção pós-moderna
Com o final do século XX, a ficção passa a apresentar-se com uma
pluralidade de tendências de modo mais intenso. Há o ressurgimento do romance
policial, histórico e as formas do gênero biográfico com incorporação da mídia, com
ênfase no cotidiano e incursões no fantástico.
Pode-se observar, a partir deste período, uma mudança no modo de pensar a
literatura em que características como a velocidade e inferência de imagens, cenas
de filmes e propagandas passam a fazer parte da linguagem literária.
Flora Süssekind afirma que “ora trechos de filmes, outdoors, notícias de
jornal, ora o rádio, a TV, a publicidade, figuras da mídia [...] se cruzam com os
personagens anônimos de uma ficção” (1993, p.240). Este cruzamento para a autora
recebe o nome de metamídia.
Expressões populares e marcas da oralidade na escrita chegam até o leitor
que, por vezes, se sente agredido não só pelas expressões populares aplicadas à
linguagem, mas também pelo modo como as imagens são formadas através desta
linguagem que revela uma sociedade áspera, indiferente e violenta, causando uma
sensação de estranhamento no leitor. Estamos diante de uma ficção que propõe
problemas e nem sempre apresenta as soluções, tão pouco reflexões profundas
para servir de exemplos, com caráter de conselho. Há, neste momento, “o que
Stanley Fish denominou de apresentação literária “dialética”, uma apresentação que
perturba os leitores, forçando-os a examinar seus próprios valores, conceitos e
crenças, em vez de satisfazê-los ou mostrar-lhes complacência” (Hutcheon, 1991:9)
É a partir desta sensação causada no leitor que se pode pensar não em uma
aceitação e passividade, mas isto pode deflagrar uma reflexão sobre os próprios
valores e a própria conduta de indiferença em face dos absurdos cotidianos.
O ressurgimento de alguns gêneros literários - com a reutilização do romance
policial e do melodramático, da linguagem acadêmica, jornalística, tecnicista ou
artística - não apenas desloca as características destas formas e traze-as para a
narrativa contemporânea, mas perturba os leitores, não satisfazendo as exigências
propostas, muitas vezes, no início da narrativa, como fazia costumeiramente.
Este estranhamento causado no leitor é o que Aguiar e Silva (1990, p.727)
define como romance aberto. Nesse caso, não se elucida sobre o destino das
personagens ou o epílogo da diegese. O leitor experimenta uma sensação de vazio,
de desilusão diante do final deste tipo de romance, “pois sente falta do já
mencionado capítulo conclusivo” (Aguiar e Silva 1990, p.728), diferentemente do
romance fechado que propõe um enigma inicial que vai se desenrolando até o
esclarecimento, saciando a curiosidade do leitor.
Irlemar Chiampi afirma que há uma reciclagem dos gêneros massivos “em
oposição à teoria frankfurtiana sobre a indústria cultural no capitalismo, segundo o
qual, os bens culturais são sistemática e programadamente explorados com fins
comerciais para induzir ao relaxamento, à distração, à diversão”, (1996, p. 84) mas,
segundo a crítica, o romance se apropria dos gêneros da cultura de massa para
promover a chamada “despragmatização3” e posterior “repragmatização”4 (1996, 78-
9).
Mesmo que tentássemos uma classificação rígida para as obras do final do
século XX, ou buscássemos normas estabelecendo “hierarquias de valor estético”
(Chiampi, 1996, p.76), tal classificação seria imprecisa “pois estamos e pertencemos
ao momento analisado” (Connor, 1992, p.13). Além disso, temos a heterogeneidade
do público leitor, a miscigenação dos gêneros, a influência da mídia, a mixagem de
linguagens (Chiampi, 1996, p.7), o ecletismo estilístico, entre muitos outros fatores
que poderíamos aqui levantar. Mas não há lugar para ingenuidade nessa aparente
desordem, porquanto “por trás da simplicidade de uma trama melodramática, do
machismo de um tango ou da ingenuidade de uma letra de bolero, há mensagens
subliminares que atestam as crises e os conflitos sociais” (Chiampi, 1996, p.76).
É o que declara Irlemar Chiampi relatando o que identificaram os romancistas
latino-americanos dos anos 70-90, no momento em que realizaram uma leitura mais
atenta desses discursos.
Vemos que os vários campos do saber estão interligados e que a literatura,
como afirma Barthes, (apud Perrone-Moisés, 1988, p.210) “sabe muito sobre os
homens” e que toda esta transformação que estamos observando e vivenciando não
demonstra perda ou extravio da literatura, mas uma dessacralização.
3. O narrador pós-moderno e os contos contemporâneos na escola
3 Despragmatização:produção textual em que os materiais reciclados são despojados de seu contexto original
para serem inseridos em um novo contexto, ganhando outra função. 4 Repragmatização:incorporação daqueles materiais em um novo contexto.
Como vimos, há uma substancial mudança acompanhada de inquietude no
modo de ver e conceber a cultura e as artes, e nisso está inclusa a Literatura. A
ficção, como já abordamos, em especial a partir de 1950, apresenta uma temática
urbana, recheada de violência, com a presença de um narrador nada convencional
que vai de encontro com a definição Benjaminiana (1993), cuja característica
primordial era um narrador que soubesse com maestria trocar por palavras
experiências vividas, com domínio das ações, segurança e objetividade.
Se temos questões tão polêmicas e inquietantes no modo de conceber a arte
e a cultura, teremos, consequentemente, um narrador que irá repercutir essa
inquietude através do modo de narrar. Silviano Santiago, em Nas malhas da Letra,
faz um estudo sobre o narrador pós-moderno e afirma que o narrador pós-moderno
é um jornalista, “só transmite pelo narrar a informação” (2002, p.45). Não descreve
sua própria experiência; simplesmente narra a ação estando fora dela. É a posição
do narrador diante do que é narrado, nem sempre seguro, nem sempre objetivo,
nem sempre com um ordenamento linear, contenta-se em lançar um olhar e revesti-
lo de palavras, sem julgamento ou condenação.
No entanto, através da caracterização desse narrador pós-moderno,
percebemos a complexidade do mundo e o constante entrecruzamento de diversos
níveis de percepção – cenas produzidas no inconsciente, nos desejos humanos que
se misturam com cenas criadas pela mídia. A impressão dada ao leitor é de um
completo caos. Mas isso também não é incômodo ao narrador já que ele não para
de conduzir o leitor nesse suposto caos.
Esse processo, ou seja, a observação instalada e transferida em uma
linguagem transgressora e mordaz chega ao leitor de maneira brutal, que se sente
incomodado e com um sentimento de repulsa. Visto isso, fica claro que o narrador
ao transmitir as ações e os fatos não pretende criar um intercâmbio de experiências,
apenas expor a ação enquanto um espetáculo a que assiste, ou seja, “é a
experiência proporcionada por um olhar lançado” (SANTIAGO, 1989, P.38). Não
julga nem condena, parte esta que fica aos cuidados do leitor.
Todas as características elencadas são facilmente detectadas nas ficções
contemporâneas, em especial, nas obras de Rubem Fonseca e Caio Fernando
Abreu, autores escolhidos para a produção e execução, no 3º ano do Ensino Médio,
da Unidade Didática: Um olhar pós-moderno nos contos de Rubem Fonseca e Caio
Fernand Abreu. Tais escritores trazem para a narrativa, como já abordamos,
aspectos um tanto inovadores. A temática urbana presente nas obras dos autores
referidos é transmitida ao leitor através de seus personagens/narradores por uma
linguagem áspera, por vezes depressiva e solitária, adequada à velocidade, ao
estresse e à incapacidade de compreender e ser compreendido diante do mundo
contemporâneo.
Parafraseando Aguiar e Silva, o escritor, de forma consciente e eficiente,
escolhe sua linguagem e esta linguagem de modo algum é inocente e além do mais,
tem um fim em si mesma: “o de criar uma emoção que fica dentro da memória do
leitor” (1990, p.567).
Através de todas estas transformações, das quais não podemos ficar imunes,
os desafios são muitos e exigem qualificações cada vez mais amplas e não tão
restritas e exageradamente especialistas como vinha acontecendo em um passado
bem recente. Propor ações para o ensino neste início de século XXI requer certos
cuidados e muita atenção aos apelos deste tempo. Rever as formas de pensar,
sentir e atuar sobre esta realidade pode ser um início menos drástico.
3.2 O desafio do contemporâneo na instituição escolar
Conforme exposto anteriormente, muitas obras contemporâneas, recheadas
de uma linguagem transgressora e mordaz associada à cenas pouco convencionais
para uma ficção, estão presentes na sala de aula visto que os vestibulares da região
e Brasil afora exigem a leitura de determinados títulos. Após o contato com as
obras, percebemos que há um grande interesse dos alunos por conhecerem outras
obras de ficção com as mesmas características já levantadas. Contudo, percebemos
que a maioria dos docentes do Ensino Médio apresenta certas dificuldades e
constrangimentos para desenvolver um trabalho significativo com os alunos, cuja
proposta seria de reverter a primeira impressão causada, ou seja, a apologia ao
sexo e à violência.
Após muita leitura, os contos “Hoje não é dia de rock”, “Luz e sombra”,
“Aqueles dois” e “Além do ponto”, de Caio Fernando Abreu, e “Almoço na serra no
domingo de carnaval”, “Jogo do morto”, “O outro”, “Passeio noturno I”, “Passeio
noturno II”, de Rubem Fonseca, foram selecionados para serem trabalhados na
Unidade didática já mencionada anteriormente, tais contos são portadores de
inúmeras discussões porque trazem temas polêmicos como a violência, a
segregação do homem na sociedade, a homossexualidade e uma linguagem
contundente, dentre outras características que agridem os parâmetros sociais
vigentes. Percebemos durante o processo de contato dos alunos com os referidos
contos, e outros escolhidos por eles, que se estabeleceu um despertar quanto à
percepção das múltiplas leituras já que a obra literária está impregnada de aspectos
sociais, políticos e ideológicos, bem como, a compreensão de que a literatura está
inserida no contexto sociocultural e que a globalização nos impulsiona a alterar e
ampliar o campo de visão para poder entendê-la.
4. A Unidade didática na sala de aula: desafios e resultados
Para um primeiro contato dos alunos com os contos chamados “brutalistas”,
estes foram levados à biblioteca para que pesquisassem e lessem contos dos
autores Rubem Fonseca e Caio Fernando Abreu. Em seguida foram discutidas a
linguagem contida nos contos, o desfecho e as características dos narradores
encontrado nos mesmos.
Ficou evidente que esse contato inicial gerou um certo questionamento seguido
de estranhamento, como prevíamos. Muitos alunos perguntavam se, em especial os
contos de Rubem Fonseca, poderiam ser considerados textos literários, ou se a
linguagem era adequada a textos literários. Outros comentavam que as famílias
iriam ficar horrorizadas se soubessem que estavam lendo “aquilo”, mas acharam os
contos ótimos; outros, ainda, comentavam que os escritores eram doentes,
psicopatas ou outras patologias. Uma observação interessante é que os meninos
demonstravam certa aversão à maioria dos contos de Caio Fernando Abreu por se
tratar da temática homossexual, já as meninas se compadeciam dos personagens e
compreendiam questões como a solidão e a clausura da vida moderna.
Após todo esse desconforto necessário e proposital, pudemos ir para a sala de
aula e avaliar melhor as primeiras impressões dos alunos através de algumas
questões propostas:
a) Quais foram as sensações do grupo ao concluir a leitura?
b) Leia para a sala um parágrafo que chamou a atenção.
c) O desfecho estava dentro das expectativas?
d) Façam um levantamento de alguns tipos humanos presentes no conto.
Para a apresentação das questões montamos uma espécie de plenária e,
assim, puderam organizar os conceitos imediatos e perceber que aquelas narrativas
apresentam fragmentos de personagens que estão à margem da sociedade.
Passaram a identificá-los a caminho de casa, nos veículos de comunicação, nos
ônibus, postos de saúde, programas sensacionalistas que abordam o crime. Todas
essas observações foram registradas pelos alunos e deram sentido ao texto literário.
Tal encaminhamento desencadeou uma atitude crítica a partir do ato de ler o texto e
o mundo. O resultado nos remete ao ensino da literatura que se torna imprescindível
para que esta tão buscada formação de um leitor crítico se concretize e adquira a
competência de preencher os vazios do texto.
A próxima proposta da unidade didática Um olhar pós-moderno nos contos de
Rubem Fonseca e Caio Fernando Abreu consistiu na leitura dos contos “Passeio
noturno I”, “Passeio noturno II”, “O outro”, de Rubem Fonseca. Surgiram novos
comentários, no entanto, com um olhar mais atento e menos superficial. Observou-
se que as diferenças sociais, os diferentes tipos de desrespeito (econômico, social,
conjugal, familiar) podem ser motivos geradores de violência e que há uma busca
constante de dispositivos que buscam o bem-estar imediato, independentemente do
emprego da força, agressividade ou morte do outro, que passa a ser, naquele
momento, o motivo central dos conflitos interiores. Após as discussões elencadas,
os alunos responderam a questão abaixo e, em seguida, leram a reportagem do
jornal “O Globo”, de 27/11/2007, intitulada: Mendigos tiram sossego de esquina do
Jardim Botânico.
Questão: Podemos perceber que há vários elementos caracterizadores (e
possíveis geradores de violência) da vida urbana com os quais o protagonista
anônimo dos contos convive. Quais são?
A reportagem acima, segundo os alunos, poderia ser confundida com um
conto de Rubem Fonseca, pois trazia o medo dos moradores seguido do desejo de
retirá-los urgentemente do local, pois não era uma área apropriada; e a decisão dos
mendigos de incomodar com “som de pagode”, “sexo” e, se necessário declararam
que iriam “explodir tudo”. Mais uma vez pudemos avaliar os motivos geradores da
violência e a destruição do outro como forma imediata de resolver os conflitos e
evitar qualquer tipo de impasse. Concluídas as relações entre ficção e realidade,
cujo principal objetivo foi demonstrar que a arte pode ter a função de formadora e,
ao mesmo tempo, modificadora da percepção, é que se passou a um estudo sobre o
narrador pós-moderno, segundo Silviano Santiago e Walter Benjamin. Alguns
fragmentos de textos teóricos foram utilizados para diferenciar tais narradores.
Durante a explicação sobre o narrador repórter, muitos alunos já identificaram nos
contos lidos.
Questões propostas
1 – Ao analisar ambas as posições dos críticos acima, em qual delas podemos
situar os contos de Rubem Fonseca?
2 - No narrador-protagonista dos contos “Passeio noturno I” e “Passeio
noturno II” percebemos a união entre o criminoso e o executivo. São duas
vozes um tanto opostas em um mesmo narrador. Como podemos explicar essa
duplicidade?
3 - O Jaguar preto de para-choques salientes, reforço especial duplo de aço
cromado e capô aerodinâmico proporciona ao protagonista uma sensação de
prazer, poder e domínio e o torna único já que “não existe outro carro igual ao
seu no Rio”. No entanto, essa máquina serve para substituir outras relações
importantes – esposa e filhos - mas esvaziadas de significados. Como você
explica tal atitude?
Os conceitos teóricos transferidos aos alunos contribuíram para um
amadurecimento do estudo e consequentemente uma releitura mais atenta aos
contos trabalhados e a outros que venham a ter contato. Expressões como
“literatura brutalista” e “narrador pós-moderno” passaram a fazer parte do
vocabulário da sala com um significado menos superficial incorporando, assim,
novas experiências de leitura e compreensão.
As próximas atividades estiveram concentradas nos contos, já mencionados,
de Caio Fernando Abreu. A primeira proposta solicitada aos alunos foi que
diferenciassem, através de uma pesquisa na internet, tolerância de indiferença. Os
contos já lidos desse autor no início da aplicação da unidade didática foram
retomados e a percepção inicial de rejeição e compaixão se manteve.
Definidos e compreendidos os substantivos tolerância e indiferença,
passamos à leitura e estudo do conto “Aqueles dois”. Através de uma breve resenha
crítica os alunos comentaram o conto e, ao mesmo tempo, se posicionaram quanto
ao suposto relacionamento homossexual e afirmaram que não houve, por parte dos
personagens (funcionários da repartição), tolerância nem indiferença, pois ambos os
personagens acabaram sendo demitidos.
Tais impressões eram esperadas, pois no próprio ambiente escolar
presenciamos cenas conflitantes e, por vezes, recheadas de agressões física e
psicológica. O trabalho com o conto “Aqueles dois”, necessitou de outras leituras
como textos referentes ao Dia Internacional da tolerância, (16 de novembro,
2006). Foram utilizadas mensagens do Centro de Informação das Nações Unidas
em Portugal, e do Secretário geral da ONU Kofi Annan, do Centro Regional de
Informação da ONU em Bruxelas. Os textos acima já estavam na Unidade didática, o
que facilitou muito o andamento da proposta. Após os acalorados e produtivos
debates retornamos ao conto para uma análise menos superficial.
Iniciando com o título “Aqueles dois” e o subtítulo “História de aparente
mediocridade e repressão”, pudemos avaliar que o pronome aqueles instaura um
distanciamento de quem enuncia, além de relatar com detalhes uma experiência de
extrema discriminação sexual gerada por uma suposta relação homoafetiva.
Seguimos para o conto “Além do ponto” que apresenta um diálogo conflitante entre a
imaginação do narrador e a realidade, entre o desejo de se apresentar “ao outro” e a
imagem negativa que o protagonista tem de si mesmo. Tais contradições deixam
claro ao leitor a presença de um ser humano em um ambiente urbano caótico,
vivendo uma profunda crise de solidão e vazio existencial, intensificada pela
perspectiva “de dentro”, ou seja, agora temos um narrador em primeira pessoa
transitando pelas ruas e becos das grandes metrópoles.
O trabalho com esses dois contos proporcionou aos alunos uma percepção
diferente de ver e compreender alguns tipos humanos, por isso, um novo trabalho de
pesquisa foi proposto durante a semana: identificar os diferentes tipos humanos nos
contos contemporâneos já mencionados, analisá-los e relacioná-los com as
características de um narrador pós-moderno e com a presença desses personagens
nos veículos midiáticos. Os alunos deveriam prestar atenção nos programas de
humor veiculados pela tv, observar a representação de personagens homossexuais
apresentadas e preencher o quadro abaixo:
emissora
horário
nome da
personagem
descrição da
cena
características
físicas/psicológicas
reação do
público
Após o preenchimento da tabela algumas questões foram respondidas:
1 - As personagens veiculadas pela mídia se identificam com as personagens
apresentadas por Caio Fernando Abreu nos contos Além do ponto e Aqueles
dois? Quais as diferenças mais relevantes.
2 - Como você descreve o comportamento do público que assiste aos
programas humorísticos e as personagens do conto que trabalham na
repartição com Saul e Raul?
3- Pesquise sobre a vida de Caio Fernado Abreu e o período histórico em que
viveu.
O último conto trabalhado foi “Luz e Sombra”. Após a leitura, dois trechos
finais foram destacados de “Luz e sombra” e “Além do ponto” para uma análise
comparada, bem como, a identificação das características dos personagens nos
contos em contrapartida com os veículos midiáticos. São eles:
“Gritarei, então. Muito alto, com todas as minhas forças, durante muito
tempo. Não sei se foi esta a ordem, se será assim o depois. Mas sei com certeza
que nem você nem ninguém vai me ouvir.” (Luz e sombra)
“E bati, e bati outra vez, e tornei a bater, e continuei batendo sem me
importar que as pessoas na rua parassem para olhar (...) batendo batendo batendo
batendo batendo batendo batendo batendo batendo batendo batendo nesta porta
que não abre nunca.”(Além do ponto).
Já ao final da Unidade didática, mais uma produção – artigo de opinião – foi
solicitada. Tal produção deveria circular no ambiente escolar e contemplar os
seguintes tópicos:
experiência urbana – inadequação do sujeito nos grandes centros;
solidão gerada pelas metrópoles;
dificuldade no estabelecimento de relações interpessoais;
desumanização;
dificuldade de estabelecimento das relações;
experiências de desencontro e do estado de carência.
Além das atividades aqui listadas, outras propostas foram executadas pelos
alunos como entrevistas, aulas em vídeos, filmes e seminários que proporcionaram
ampliar o conhecimento e a compreensão do mundo que os envolve, bem como - e
o mais importante – despertar em vários alunos, ainda que de modo lento e
gradativo, o desejo pela leitura.
Mesmo diante dos contratempos, necessários para uma mudança, a
aplicação e execução das atividades deixou claro que a literatura tem uma força
especial; ela é portadora de inúmeras transformações socioculturais e ainda suscita
o prazer estético, ou seja, é possível “aprofundar, por meio da leitura literária, a
capacidade de pensamento crítico e a sensibilidade estética” (PARANÁ, 2008, p 54).
No entanto, o trabalho é lento e requer muita disposição e disponibilidade do
professor, o que nem sempre é possível diante da carga horária em sala com a qual
o professor se depara.
5. Conclusão
Cada vez que o reino humano me parece condenado ao peso,
digo para mim mesmo que à maneira de Perseu eu devia voar
para outro espaço. Não se trata absolutamente de fuga para o
sonho ou o irracional. Quero dizer que preciso mudar de ponto
de observação, que preciso considerar o mundo sob outra
ótica, outra lógica, outros meios de conhecimento e controle.
As imagens de leveza que busco não devem, em contato com
a realidade presente e futura, dissolver-se como sonhos...
(Calvino, 2001, p. 19).
Estamos em um mundo globalizado e denso de informações que requer do
profissional uma visão com possibilidades de múltiplas leituras e da escola uma
avaliação e reestruturação do seu próprio projeto educativo, projeto este que deve
inserir todas as instâncias que envolvem o processo educacional. Os incômodos e
desconfortos devem ser propulsores para a abertura de debates desafiadores e
pertinentes dentro da Escola Básica, entre os próprios docentes e entre docentes e
discentes. Para que tal envolvimento aconteça e produza alterações significativas é
mister a participação de uma estrutura que ultrapasse os muros escolares.
Compreender a literatura brutalista, as teorias que a envolvem através de
uma formação continuada desencadearia um processo de ensino/aprendizagem
menos conflitante, facilitaria a compreensão da obra por parte do professor e
capacitaria jovens para exercer uma interação crítica e formular um conhecimento
mais elaborado já que o texto literário está imerso em um contexto contemporâneo e
dele se utiliza.
Marisa Lajolo afirma: “ou o texto dá sentido ao mundo, ou ele não tem
sentido nenhum. E o mesmo se pode dizer de nossas aulas” (1997, p.15). Se o
professor der sentido ao seu trabalho de leitura em sala de aula, consequentemente
proporcionará uma atitude crítica a partir do ato de ler e isso irá construir, de modo
gradativo, um leitor capaz de ler as entrelinhas e preencher os vazios deixados pelo
próprio autor. O ensino da literatura se torna imprescindível para que esta tão
buscada formação de um leitor competente se concretize, pois o texto literário é “um
tecido com espaços vazados” (BROGATTO, 1995, p.14). Estando esse mecanismo
desencadeado veremos que, embora ele comece na escola, não irá, no dizer de
Lajolo (1997, p.7) “encerrar-se nela”.
Compreender as tendências da literatura contemporânea requer, também, um
conhecimento sobre arte e cultura e suas transformações através do tempo,
transformações estas que concedem a liberdade de misturar estilos e tendências e
exige um novo modo de ser, agir, pensar e perceber o tempo e o espaço, o luxo e o
consumo, confrontando diferentes ideologias, culturas e conceitos e alterando
setores e valores.
Canclini, ao referir-se à América Latina, afirma que isso ocorre em virtude da
imensa dificuldade em conseguirmos dar conta de nossas “culturas híbridas” (2000,
p.24). O crítico é otimista em relação ao desenraizamento de certos conceitos em
detrimento de uma reorganização da cultura que consiste em uma “troca de
experiências entre o culto, o popular e o massivo” (CANCLINI, 2000, p.28), o que
proporciona, segundo o autor, um caminhar mais democrático e descentralizado.
Afirma, ainda, que a oposição radical “entre o tradicional e o moderno, o culto, o
popular e o massivo” (2000:19) não satisfaz as exigências contemporâneas.
Tornar-se radicalmente contra ou a favor desse processo contemporâneo não
nos ajudaria a compreendê-lo, muito menos, criar uma teoria eficaz para o processo
educacional. Preferimos concordar com Beatriz Sarlo (1997) que procura observar
maneiras sábias de aproveitamento de toda uma emergente cultura
independentemente se popular, erudita, ou de massa. A autora afirma que a arte
tem trafegado em diversas faixas – cultura de massa, grandes tradições estéticas,
culturas populares, linguagem mais próxima do cotidiano, tensão poética, dimensões
subjetivas e privativas, paixões públicas. Com isto, procura abrir um campo de
discussão mais maleável afirmando que
Aí estão as pegadas, evidentes ou secretas, de experiências que todos compartilhamos mas, que por alguma razão, só alguns homens e mulheres transformam em matéria de um objeto estético. Assim transformados, permitem um conhecimento e um reconhecimento de condições comuns; são o que somos, mas de maneira mais tensa, mais precisa, mais nítida e também mais ambígua (SARLO,1997, p.126).
Cabe-nos, como profissionais da educação, conhecer, debater e organizar os
diversos conceitos de maneira que venham mostrar que secções estabelecidas
outrora se romperam dando lugar à “hibridização, mestiçagem, reciclagem” (SARLO,
1997, p. 101).
Mesmo que não tenhamos explicitadamente a disciplina de Literatura na
legislação, cabe ao docente, preparado e amparado pelo sistema educacional,
construir condições favoráveis que motivem o aluno para que tome consciência de
que a obra literária carrega consigo, como já afirmamos, o prazer estético e o
conhecimento de mundo. Assim, entenderá o verdadeiro sentido da literatura e
passará a apreciá-la e reconhecê-la como portadora de múltiplos significados. E
sendo essencial na educação de jovem, a literatura tornar-se-á, pelas mãos dos
docentes, uma realidade no Ensino Médio.
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