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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4 Cadernos PDE VOLUME I

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

2009

Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE

VOLU

ME I

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A PRESENÇA UCRANIANA NO OESTE DO PARANÁ:

Estudo das relações culturais e de trabalho a partir da

construção e manutenção do imaginário de um grupo étnico

Autor: Pedro Litvin1

Orientador: Nilceu Jacob Deitos2

Resumo

A presente pesquisa fez um estudo da etnia ucraniana no Oeste do Paraná, mais precisamente na cidade de Cascavel e comunidades menores pertencentes à Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro presentes nos municípios da região: Centralito e Sapucaia em Cascavel, Iza-Cuê em Cafelândia, Ouro Preto em Toledo, Rio das Antas em Braganey e a comunidade da cidade de Foz do Iguaçu. A produção da pesquisa demonstrou a partir deste projeto, a influência das representações culturais e religiosas ucranianas estabelecidas nas relações sociais e relações de trabalho nas comunidades ucranianas de Cascavel e região Oeste do Paraná, no período das cinco últimas décadas, na construção e manutenção do imaginário religioso ucraniano. Ao investigar e pesquisar sobre a presença ucraniana no Oeste do Paraná aborda-se um tema importante que é a possibilidade de dar visibilidade a grupos étnicos presentes na formação dos povos do Paraná e provoca a reflexão do aluno enquanto indivíduo que faz parte de uma cultura, de um grupo étnico e que pode ser pensado e pesquisado na perspectiva histórica. A partir de uma abordagem da história oral, de conceitos como memória, representação e imaginário faz aparecer na abordagem empírica que é a visualização dos ucranianos no Oeste do Paraná.

Palavras-chave: Etnia ucraniana; Relações culturais; Relações de trabalho; Imaginário 1 Introdução

Ao abordar o tema etnias, deve-se ter a consciência de que estamos falando

de nossas famílias e de nós mesmos, pois se buscarmos em nossas raízes

perceberemos que pertencemos a um grupo étnico. Fazemos parte de um processo

migratório, que na região Oeste do Paraná, deu-se de maneira efetiva a partir da

década de 1930. Por essa razão, podemos dizer que esse é um tema de difícil

discussão, pois sempre vamos deixar transparecer um pouco de nossos sentimentos

e emoções.

1 Pós Graduado História, Graduado Filosofia – Unioeste – Professor Col. Est. São Cristóvão, SEED/PDE 2009.

2 Doutor em História, Professor Unioeste.

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O Paraná é formado por várias etnias. Ao longo do século XIX e parte do

século XX, o governo federal e, principalmente, os Estados da região Sul, adotam

como prioridade número um, promover a ocupação efetiva de seus territórios,

considerada necessária não apenas para garantir a soberania nacional como para a

sua valorização econômica. É a lógica capitalista do progresso. Para o cumprimento

desse objetivo, a imigração passou a ser vista como componente essencial para o

preenchimento de “vazios demográficos”, pois os sujeitos existentes neste espaço

(indígenas) não serviam para o fim capitalista, que é o progresso, o desenvolvimento

da região. Assim, alemães, italianos, poloneses, ucranianos entre outros passam a

fazer parte desse processo de ocupação, de colonização destas terras. Por esta

razão, “o espaço colonial é entendido por aquele espaço projetado e estabelecido a

partir da estruturação da pequena propriedade da terra na qual os imigrantes,

trazidos da Europa, e seus descendentes se instalaram, viveram e migraram”

(GREGORY, 2002, p.15).

Contrariando esta expectativa, Gregory (2002) afirma que a colonização

européia do sul do Brasil seguiu uma lógica diferente de outras regiões do país, pois

aqui conviveram, lado a lado, grandes e pequenos proprietários. Baseada na grande

propriedade (capitanias hereditárias, sesmarias e as datas de terras), fruto do Antigo

Sistema Colonial, instalaram-se os grandes proprietários. Contudo, a grande

maioria, que veio para cá, tornou-se proprietária de um pequeno lote de terra para

desenvolver a região, povoando-a, e para prover a subsistência de sua família.

Estes receberam ou adquiriram os lotes do poder público ou de empresas

particulares, sendo, na região Oeste, a colonizadora Maripá a mais conhecida.

Assim, as atividades de colonização na região envolveram colonizadores e

colonizados. Estabeleceu-se, deste modo, duas frentes de colonização de um lado

os colonizadores com o capital e de outro os colonos com a mão-de-obra e efetiva

ocupação da terra.

Os colonos vindos em sua maioria do Rio Grande do Sul e Santa Catarina

eram principalmente italianos e alemães. Entretanto, no decorrer do processo

migratório, outras descendências migraram para a região oeste do Paraná, entre

estas, o povo ucraniano.

Este trabalho de pesquisa objetivou, por meio de uma nova perspectiva

histórica, dar visibilidade a esse grupo étnico, os ucranianos, a partir das memórias,

representações, construção do imaginário, situando a comunidade ucraniana da

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região Oeste do Paraná no espaço e no tempo. Espacialidade esta, construída por

meio das relações culturais e de trabalho.

Neste sentido, a pesquisa foi desenvolvida a partir de três perspectivas de

ação pedagógica. A primeira contemplou a abordagem temática da migração e

etnias, partindo do pressuposto que cada aluno da série do ensino médio em que a

ação foi realizada faz parte de um processo migratório, senão ele, seus pais, avós.

Ou seja, a constituição demográfica do Oeste do Paraná, é marcada pela presença

migratória de povos de diversas etnias. No Oeste do Paraná, surgem os caboclos,

sulistas, nortistas. A ação pedagógica consistiu em fazer com que os alunos se

percebessem como integrantes do processo migratório e pertencentes a uma etnia.

A segunda foi caracterizada pela abordagem da cultura ucraniana no Oeste

do Paraná, mais acentuadamente em Cascavel e seus distritos. Ao apresentar as

características da cultura ucraniana, mostrando historicamente como se constituiu,

no processo de ocupação da terra, como busca de sustentação das famílias e,

posteriormente a integração no espaço urbano, a abordagem mostrou aspectos da

cultura do trabalho, da cultura religiosa, da cultura artística, da cultura gastronômica

e outras. A atividade pedagógica neste momento, foi a realização de entrevistas de

pessoas pertencentes à comunidade ucraniana. Esta atividade foi desenvolvida

pelos alunos do 1º Ano A e do 1º Ano D do período da manhã, do Colégio Estadual

São Cristóvão. Estes alunos, por meio do trabalho de campo (a entrevista), tinham

como objetivo maior demonstrar os aspectos culturais desta comunidade, para que

isso se efetivasse, trabalharam com a transcrição da entrevista e apresentação da

mesma.

Esta atividade foi orientada pelo professor proponente, o qual capacitou os

alunos envolvidos na pesquisa apresentando-lhes uma abordagem introdutória da

Cultura Ucraniana. Num segundo momento, acompanhou e orientou a construção

da atividade de campo, ou seja, o roteiro de entrevista, e, ainda, como se daria o

processo de transcrição, uma vez que o objeto de estudo deu-se a partir da História

Oral tornando, inclusive, esta pesquisa, em fontes documentais. E finalmente, na

apresentação dos alunos, para que o trabalho ocorresse de forma organizada e bem

sistematizada.

A terceira foi a reflexão a partir de uma perspectiva não mais informativa,

mas formativa, que envolveu a análise filosófica acerca do conceito do “Outro”, na

dimensão da alteridade. Para esta abordagem, utilizou-se o filósofo Levinas que faz

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importantes considerações sobre as relações humanas, especificamente no

surgimento do “Outro” e uma nova posição frente a este aspecto.

As atividades de implementação foram realizadas no colégio Estadual São

Cristóvão/Cascavel e em curso ministrado a outros professores de história via

plataforma virtual. As atividades de pesquisa foram realizadas em comunidades

ucranianas do Oeste do Paraná: Cascavel, Toledo, Foz do Iguaçu, Braganey e

Cafelândia, pertencentes a Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro de Rito

Ucraíno-Católico – Cascavel - PR.

1.1 Ucranianos no Paraná

Conforme Litvin (1998), vários foram os motivos que levaram o povo

ucraniano a emigrar para terras distantes. As más condições sócio-econômicas do

final do século XIX, sem dúvida contribuíram muito para este novo desafio. Na

Ucrânia, essas condições ficaram ainda mais confusas e complexas, visto que o

território ucraniano sofreu diversas invasões, o que resultou em constantes

transformações de suas fronteiras. Entretanto, deixar para trás os entes queridos, a

pátria amada, as tradições, a cultura, enfim um conjunto de representações de

mundo que dava sentido e segurança ao “modo vivendis”, certamente deixou

marcas profundas na sensível alma dos emigrantes ucranianos. “... chorávamos e

sentíamos saudades da querida terra, a qual nós nunca esqueceremos, embora aqui

viveremos e morreremos...” (O GRILO apud LITVIN, 1998, p. 17).

A historiografia paranaense faz pouca ou quase nenhuma menção sobre a

imigração ucraniana. Talvez por considerar um contingente de imigrantes pouco

expressivo ou por considerá-la de pouca relevância no contexto sócioeconômico

paranaense. O Pe. Haneiko (1985) manifesta sua repulsa às expressões de alguns

cronistas que, segundo ele, tentaram denegrir o trabalho dos imigrantes ucranianos.

Para estes cronistas, a contribuição do povo ucraniano para o progresso do país foi

insignificante. Entretanto, para Haneiko, faltou uma análise mais séria deste povo e

um estudo do espaço geográfico que ocuparam. Apesar dos problemas enfrentados

no início da imigração, ressalta o ucraniano como um povo heróico, batalhador e que

venceu os desafios, tendo hoje pessoas de destaque na sociedade brasileira.

Wachowicz (1972) faz uma pequena menção no seu livro História do

Paraná sobre a imigração ucraniana no Paraná. Segundo ele, os ucranianos

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chegaram a partir de 1881, estabelecendo-se na região de Rio Claro, Antônio Olinto,

Senador Correia, Cruz Machado, Prudentópolis e outros. Seguiam, e continuam a

seguir, a religião católica ou ortodoxa.

Quanto aos alunos envolvidos na pesquisa demonstraram também ter pouco

ou nenhum conhecimento sobre a cultura ucraniana. Mesmo residindo no bairro São

Cristóvão, local em que a pesquisa foi realizada, a maioria dos alunos não

conheciam a Igreja ucraniana situada no bairro e muito menos os aspectos culturais

da etnia. Durante a implementação, tiveram grande interesse pela cultura ucraniana,

principalmente no aspecto religioso, chamou-lhes a atenção, sobretudo, os rituais,

pois diferem dos da igreja latina. Para os alunos, a religião ucraniana seria uma

espécie de seita, ou uma religião muito antiga, pois causou espanto ao saberem que

o Pe., ainda, reza a missa de costas para os fiéis.

Segundo alguns estudiosos ucranianos, houve basicamente três etapas da

imigração ucraniana para o Brasil. A 1ª etapa do final do século XIX até a 1ª Guerra

Mundial; a 2ª no período de entreguerras e a 3ª após a 2ª Guerra Mundial. Em 1891

as primeiras levas de imigrantes ucranianos chegam ao Estado do Paraná.

Presume-se que em 1897 já havia mais de 20 mil ucranianos no Estado.

Estabeleceram-se primeiramente nos arredores de Curitiba e nos anos seguintes em

Prudentópolis e Marechal Mallet.

Entre os anos de 1908 e 1914 houve outra grande remessa de imigrantes

da Ucrânia a este Estado. Aproximadamente 18.500 pessoas deixam para trás sua

Pátria em busca de dias melhores. O processo imigratório se insere na emergência

e consolidação do capitalismo. Há a transição do regime de trabalho escravo para o

trabalho livre com o surgimento de uma classe média rural. Incentivados pelo

governo brasileiro, que oferecia algumas regalias aos imigrantes para atrair

trabalhadores para a agricultura e para a construção da estrada de ferro Paraná-

Santa Catarina-Rio Grande do Sul.

...a política imigratória brasileira se insere nessa emergência e consolidação do capitalismo, uma vez que os imigrantes ucranianos são chamados a criar uma agricultura de abastecimento e fornecer trabalhadores para as grandes obras públicas. (BOLETIM INFORMATIVO DA CASA ROMÁRIO MARTINS, 1995 apud LITVIN, 1998, p. 19).

Vale destacar que neste ano de 2011, os ucranianos estão comemorando

120 anos de imigração para o Brasil. Ocorrerão diversas atividades culturais nas

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comunidades ucranianas de Santa Catarina, São Paulo e principalmente no Paraná

onde se concentra em torno de 400 mil ucranianos. Em novembro, teremos a

finalização das comemorações em Cascavel com um grande festival de danças.

Está previsto entre outras atrações a presença de um grupo folclórico da Ucrânia o

qual fará apresentações no Teatro Emir Sfair.

No Paraná, encontramos descendentes de ucranianos espalhados por

todas as regiões. Prudentópolis, onde aproximadamente 75% da população é

descendente de ucranianos, constitui-se no principal centro cultural-religioso. Ali

estão os maiores centros de formação religiosa do rito ucraniano: o Seminário Menor

São José, onde funcionava o antigo 1º grau, o Colégio da Congregação das Irmãs

Servas de Maria Imaculada e o Colégio das Catequistas do Sagrado Coração de

Jesus. Ali, situa-se, também, a Igreja de São Josafat. Curitiba destaca-se pelas

Igrejas e grupos folclóricos: o Barvinok e o Poltava. Nesta cidade situa-se, ainda, a

sede da Eparquia do Rito Ucraniano Católico no Brasil – São João Batista -, tendo

como Eparca Emérito D. Efraim Basílio Krevey e os Seminários Maiores São Basílio

Magno e São Josafat. Outras cidades, também, receberam os ucranianos:

Apucarana, Ponta Grossa, Mallet, Dorizon, Ivaí, Irati, Pato Branco, Pitanga, Paulo

Frontim, Roncador, União da Vitória e Cascavel.

Junto com os primeiros imigrantes não deixaram de vir os padres. Havia a

necessidade do acompanhamento espiritual destas almas. O mundo sócio-cultural-

religioso construído na terra de origem deve, de certa maneira, perpetuar, dar

sustentação, segurança ao imigrante nesta terra desconhecida. E nada melhor do

que a religião com os seus membros, através dos ritos, das igrejas, do simbólico

para proporcionar um mundo mais seguro. Nota-se em todas as localidades onde há

ucranianos uma marcante presença religiosa. Na maioria das comunidades, há a

Igreja e a presença das irmãs ou catequistas cuidando da vida espiritual da

comunidade, dando aulas, catequese, cuidando de asilos, trabalhando em hospitais

e outros.

Reportando-se a Berger, podemos dizer que havia a necessidade de

“nomizar” a nova realidade, ou seja, reconstruí-la a partir da cosmovisão ucraniana

para que desse sentido ao imigrante. E a religião, presta-se a este papel, o de impor

uma ordem significativa à realidade. “A religião é a ousada tentativa de conceber o

universo inteiro como humanamente significativo” (BERGER, 1985, p. 41).

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Pe. Burko informa que os imigrantes na nova Pátria não tinham a quem

recorrer, nem mesmo a cônsules ou embaixadores, pois segundo ele,

Únicas pessoas que se preocupavam com a sua sorte e lhes serviam de guias, de companheiros e mesmo de pais, eram os sacerdotes, os zelosos missionários ucranianos, que quase desde os primeiros anos de imigração, seguindo também para o Brasil, aqui os assistiam, confortando-os espiritual e moralmente, e, na medida do possível, também materialmente (BURKO, 1963, p. 53).

Esta preocupação demonstra por um lado a pretensão dos padres de

manter, de sustentar o capital religioso adquirido na terra de origem, uma vez que,

sem o acompanhamento religioso, corria-se o risco de perder as almas para outra

Igreja. Como menciona Teodoro Hanicz: “A Igreja tem interesse em manter o capital

simbólico e afirmar a eficácia desse capital em vista de sua própria manutenção e

perpetuação. Ela usa o sistema religioso e cultural para a sua própria legitimação.”

(HANICZ, 1996, p. 10-11). Por outro lado, ajudava os imigrantes a enfrentar o novo

mundo a partir da sua cosmovisão, pois como assinala Berger (1985) o homem não

consegue viver no caos. A religião servia, assim, para dar sustentação ao “novo”

mundo construído e vivido. A mudança espacial produziu um caos na vida do

imigrante e a religião, o acompanhamento espiritual ao menos amenizava este caos

inicial.

De certa forma, podemos estabelecer uma analogia entre a imigração

ucraniana e as demais. Notamos nos imigrantes alemães e italianos características

específicas. Estes no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e posteriormente aqui na

região Oeste, construíram núcleos de povoamento. Dessa forma, temos nestes

estados cidades típicas alemãs ou italianas. Blumenau, Brusque, Marechal Cândido

Rondon são exemplos típicos. Quanto aos ucranianos, ocorreu algo semelhante em

algumas localidades, por exemplo, Prudentópolis no Paraná. Entretanto, de maneira

geral notamos uma dispersão do povo em várias regiões e sua integração ao povo

paranaense.

1.2 Ucranianos em Cascavel e Região

A historiografia da região Oeste retrata a ocupação da mesma através das

obrages, no período anterior à colonização. As obrages eram empresas de

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exploração de produtos nativos. Era a exploração depredatória das matas e da erva-

mate pelas grandes empresas estrangeiras, que empregavam os mensus como

mão-de-obra praticamente escrava. Os mensus eram trabalhadores paraguaios, que

trabalhavam braçalmente e eram pagos mensalmente. Esta atividade econômica

perdurou por mais ou menos meio século. Do final do séc. XIX até as décadas de 30

e 40 do séc. XX, quando efetivamente começou a ocupação destas terras a partir da

participação de empresas colonizadoras.

A partir da década de 1940, iniciou-se efetivamente o processo de

colonização da região oeste. São três frentes de ocupação e colonização: a primeira

a partir do terceiro planalto paranaense, a segunda chamada frente sulista: de Santa

Catarina e do Rio Grande do Sul e a terceira do Norte do Paraná: a frente cafeeira.

Assim, começa a colonização através das companhias particulares, constituindo-se

núcleos populacionais como Toledo, Marechal Cândido Rondon, Cascavel e outros.

De início optou-se geralmente pelo regime de pequenas propriedades e pela

policultura. Temos, então:

a partir de 1940, gaúchos e catarinenses, sobretudo os primeiros, vindo do sul, penetraram e se instalaram na nossa região: o oeste paranaense. É a frente sulista. (...) Desta forma, podemos afirmar que o Oeste é sem dúvida a região síntese do Paraná, isto é, foi aqui que se encontraram migrantes das mais diversas regiões, não só paranaenses, mas de todo território nacional (WACHOWICZ,1982, apud CALLAI, 1983 p. 140).

Segundo Gregory (2002), o modelo de colonização do Oeste do

Paraná teve suas raízes na Europa Rural. Os lotes longos, subindo o rio para as

partes mais altas, geralmente tendo uma estrada, ou “estradão” como, comumente,

conhecido pelos migrantes de Ouro Preto/Toledo. O “estradão” era o limite entre os

lotes de terra e utilizados na maioria das vezes como estrada principal por onde

passavam linhas de ônibus. Uma estrada secundária passava pelas propriedades,

ligando as casas dos colonos. Formava-se assim a chamada “espinha de peixe”.

Este modelo transplantado da Alemanha para o Brasil, que norteou de início as

antigas colônias do sul do Brasil, foi adotado, também, nas novas colônias do Oeste

do Paraná.

Outra característica da colonização do Oeste é o chamado assentamento

disperso diferente do assentamento aglomerado típico das aldeias indígenas ou dos

celós (Ucrânia). Neste, as instalações são próximas e junto há a infra-estrutura de

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serviços, escola, igreja entre outros. Ao redor da aldeia ou celó estão as áreas

cultivadas. Já, no assentamento disperso, as residências estão separadas umas das

outras, ou seja, cada colono constrói dentro da sua área, lote a sua residência e

outros estabelecimentos, (galpões, chiqueiro, estrebaria entre outros).

Há que se ressaltar que os autores que tratam da imigração do Oeste do

Paraná, não citam a chegada dos ucranianos a essa região. Encontramos apenas

em Sperança que ao tratar da imigração polonesa cita os ucranianos como um povo

eslavo:

A imigração polonesa ao Paraná e Santa Catarina também se foi desenvolver com maior fluência a partir de 1920. Os poloneses traziam algum dinheiro, vinham por decisão própria e se dispunham a plantar cereais principalmente milho, e criar suínos. Sem qualquer auxílio ou conhecimento do governo, acabaram, como os outros eslavos – caso dos ucranianos – impondo seu trabalho e seus costumes pelo interior da região Oeste (SPERANÇA,1992, p. 78).

Os ucranianos do Oeste residentes na cidade de Cascavel – PR, cerca de

150 famílias, habitam, principalmente, no Bairro São Cristóvão, onde se situa,

também, a Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Grupos menores estão

espalhados em 6 localidades da região: Centralito cerca de 34 famílias e

Sapucaia/Cascavel 43 famílias; Iza-Cuê/Cafelândia 27 famílias; Ouro Preto/Toledo

13 famílias; Rio das Antas/Braganey cerca 34 famílias; Foz do Iguaçu cerca de 20

famílias3. Estes vivenciam e recriam o universo simbólico ucraniano dos seus

antepassados.

Pelas entrevistas, percebe-se que a imigração ucraniana na região Oeste

não chega num mesmo período, nem provém do mesmo local. Podemos caracterizá-

la como uma migração dispersa. O ano de 1945 marca a chegada da família

Kachuba. Provenientes de Santa Catarina buscavam aqui construir uma vida nova.

Estabeleceram-se na localidade de Centralito/Cascavel onde permaneceram até a

década de 1990. Outras famílias chegaram oriundas de outras localidades. É o caso

da família Hotz, que chega por volta de 1949, proveniente de Prudentópolis – PR. Já

a família Gilnek, também proveniente de Prudentópolis, estabelece-se em Cascavel

em 1962. Nas outras localidades a chegada é um pouco posterior, a partir da

3 Este número de famílias de cada comunidade foi retirado das fichas cadastrais preenchidas por ocasião da visita

do Padre na benção das casas em 2010. Mas segundo o pároco, Padre Josafat Gaudeda, várias famílias visitadas

com água benta não são ucranianas, pertencem ao rito latino, entretanto, participam das celebrações e outras

atividades da comunidade ucraniana.

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década de 1950 e 1960. “Nós chegamos aqui em Rio das Antas em 1956. Era tudo

mato, mas aos poucos começou a derrubada”4. “Saímos de alto Piquiri e fomos atrás

dos Terliuk em Ouro Preto. Chegamos aqui em Toledo em 1965. Era tudo mato. Aí

compramos dez alqueires e começamos a derrubada”5 .

Vieram à procura de melhores condições de vida. Algumas estabeleceram-

se na cidade e outras no campo. No relato, percebe-se momentos difíceis da viagem

e chegada na nova terra.

Quando nós viemos de mudança, nós viemos de caminhão de Santa Catarina uma semana. Era uma estradinha. Muito sofrimento. E eu com uma tropa de piazada, e eu chorava e agora, aonde eu vou padre?... (choro). As crianças choravam....(A.K. 05/98 apud LITVIN, 1998, P. 21).

O relato não apenas nos coloca a difícil situação da chegada dos

ucranianos, mas também o sentimento de insegurança perante a nova situação. A

estrutura familiar, social ficou abalada pela nova condição de existência.

A vinda para a região significou um profundo rompimento com a vida

anterior, com o mundo construído e deixou marcas naqueles que empreenderam

esta viagem. O sofrimento pelo que estavam deixando e a ansiedade pelo que

deveriam encontrar marcam os relatos daqueles que emigraram. No depoimento de

M.P. que aos 3 anos de idade emigra da Ucrânia para o Brasil, percebe-se as

dificuldades da viagem, da passagem das famílias por várias localidades até se

instalar na comunidade de Sapucaia, Cascavel – PR. Relembra a trajetória da

família, a chegada em Sapucaia e os primeiros tempos de dificuldades.6 Muitos

reconstroem no novo lar certas marcas trazidas da casa de origem: retratos de

família, imagens religiosas, enfim tudo aquilo que possa fazer relembrar o lugar de

origem. Outros, por questões econômicas, melhores condições de vida enfrentaram

este desafio, mas na esperança de um dia voltar à terra de origem. Dona Maria

relata que sempre pensou um dia retornar à terra natal – Prudentópolis – PR. “Nós

viemos para Cafezal e depois Toledo atrás dos Terliuk, pois falavam que aqui tinha

mais condições, mas um dia se possível voltarei para Prudentópolis, pois lá é minha

terra.”7

4 Entrevista de V.C. concedida ao autor em março de 2010.

5 Entrevista de M.L.K. concedida ao autor em outubro de 2009.

6 Entrevista de M.P. concedida ao autor em agosto de 2009.

7 Entrevista de M.L.K. concedida ao autor em outubro de 2009.

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Diante deste contexto, surge a necessidade da construção da comunidade.

A religião, o rito e as tradições aparecem como necessidade vital ou como uma

nomização – algo que dá sentido ao mundo ucraniano. “Chegamos e ficamos

desorientados, demos com o burro n'água, pois não havia missa ucraniana. Não

havia onde benzer Páscoa.” (N.G. 05/98 apud LITVIN,1998, p. 25). Aqui podemos

nos reportar a Peter Berger quando fala da ameaça da anomia. “Assim viajar onde

não havia comunidade... era não só ritualmente impossível como inerentemente

anômico...” (BERGER, 1985, p. 63). Esta constatação aplica-se às primeiras famílias

ucranianas que aqui chegaram, encontrando uma realidade diferente. Uma realidade

que ameaçava o seu mundo e consequentemente urgia a construção de uma

“estrutura de plausibilidade”, onde encontrassem segurança. Isto é, uma realidade

semelhante a que viviam antes. Uma reconstrução do mundo através do seu

imaginário. Este fator, sem dúvida, motivou os ucranianos a se organizarem para

construir a comunidade. Assim poderiam, não só manter os elementos próprios de

sua cultura: religião, rito, tradições, como também buscar uma saída para o caos

que os rondava.

Deste modo, cada comunidade pesquisada construiu uma igreja na

localidade. A igreja é o centro. É por meio dela que se mantêm os traços culturais e

o imaginário religioso ucraniano. Nas entrevistas e na convivência no meio

ucraniano se percebe que sem a presença da Igreja, das celebrações litúrgicas no

rito ucraniano não haveria a comunidade e seus descendentes, hoje, não se

reconheceriam como ucranianos.

Entretanto, é oportuno fazer uma discussão de como a religião Ucraíno-

Católica manteve-se e mantém-se firme, viva, no povo ucraniano, apesar das

transformações sócio-econômica-culturais no oeste paranaense. Ou seja, fazer um

panorama da mesma em meio às transformações da região, percebendo as suas

mudanças e permanências. Perceber como o imaginário religioso dos ucranianos

portou-se em meio às variações da realidade no decorrer das últimas décadas, bem

como, quais elementos deram-lhe suporte/sustentação. Nesta problemática, estão

incluídas as questões da continuidade e da descontinuidade de certos elementos

culturais, bem como a influência da modernidade no seio da comunidade.

Observamos na região Oeste, a partir da década de 1970, uma profunda

transformação sócio-econômica. A agricultura começa a tomar novos contornos. O

trabalho braçal passa a dar lugar às máquinas. A mecanização das propriedades

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traz para alguns a modernização, bem como a oportunidade de através das

modernas técnicas, produzir mais num espaço menor e obviamente obter mais lucro.

Para outros, no entanto, ocorreria a expulsão da zona rural, pois a máquina muito

mais “eficiente” substituiria a mão de obra braçal. É o fenômeno da modernização e

como consequência acontece o êxodo rural.

Essa prática modernizadora da agricultura veio redefinir o espaço social.

Trouxe consigo sérias consequências para a região. As cidades começaram a

inchar, esvaziando o campo. Surgem as favelas nas periferias das cidades. Surge

um novo linguajar no campo. Implementos, máquinas, inseticidas, tipos de sementes

e adubos são assuntos corriqueiros entre os agricultores. A monocultura da soja-

trigo traz uma nova linguagem, uma nova cultura, um novo jeito de ser, de se

relacionar, enfim um novo perfil do homem oestino. No dizer de Valdir Gregory “A

vida no meio das lavouras de soja é sojal.” (GREGORY, 1996 apud LITVIN, 1998, p.

37).

O homem do Oeste já não é um produtor familiar, para subsistência, ou

produtor para o mercado local, mas um produtor mundial, isto é, produz agora para o

mercado mundial. Embora se constate a existência de diversas formas de produção

no campo. Pois, o próprio capitalismo cria e recria diferentes formas de produção.

No entanto, o espaço da produção é organizado segundo a lógica do capital

internacional e não a partir da necessidade local. Com modernas técnicas produz

mais numa área menor. O capitalismo exige cada vez mais produtos da região. O

oestino passa a ser dependente do capital mundial, produzindo a monocultura,

ficando assim, dependente também da cidade, necessitando cada vez mais de

produtos da mesma.

De certo modo, o espaço urbano passa a ser valorizado em detrimento do

espaço rural. Morar na cidade passa a ser sinal de status social. As cidades passam

a oferecer certos atrativos à população. Produtos industrializados juntamente com

produtos do campo tomam conta de lojas, prateleiras de mercados. Os produtos,

outrora produzidos para subsistência familiar, agora, são expostos à venda para os

agricultores. As cidades concentram serviços e progressivamente se tornam centros

administrativos. Por isso, passam a ser vistas, principalmente pelos jovens, como

possibilidade de trabalho e ascensão social. Surgem novas relações:

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O desenvolvimento das relações capitalistas de produção campesina no Extremo Oeste do Paraná integrou o campo, a partir da década de 70, através da produção e exportação agrícola, ao mercado mundial. Junto a esse processo desencadeou a urbanização e a agroindustrialização que acentuaram a divisão entre as classes, criaram outras relações familiares, sociais e de produção (SCHREINER, 1996, p. 41).

Entretanto, conclui o mesmo autor:

O processo de modernização da agricultura mesmo modificando substancialmente as relações sociais e de produção no campo e na cidade não anulou totalmente a cultura campesina. A não anulação da cultura anterior deu-se porque houveram resistências e rearticulações culturais fomentadas pelos próprios sujeitos e em consonância com os seus referenciais culturais (SCHREINER, 1996, p. 41).

Quero crer que, um dos referenciais culturais bastante forte do ucraniano, é

a religião. Em meio a esse carrossel de transformações ela permaneceu sólida na

sua base, embora com mudanças periféricas. A religião ajudou os ucranianos a

superar os impactos avassaladores da cultura capitalista. Embora alguns elementos

culturais percam a sua originalidade, passem por um processo transformativo, há

outros que perduram, constituindo um ponto de apoio, dando suporte, sustentação

ao imaginário da comunidade. Entre eles está a religião católica que dá sustentação

à cultura ucraniana. Serve de referencial aos indivíduos neste momento crucial de

mudanças drásticas na realidade cultural da região.

Vale destacar aqui que, os ucranianos da região Oeste são católicos, isto é,

tem seu Patriarca na Ucrânia, mas este ligado ao Papa. Há, no Paraná, algumas

comunidades de ucranianos Ortodoxos, que tem como chefe o Patriarca de Moscou.

Os alunos, na fase de implementação do Projeto, tiveram certa dificuldade e

interesse deste entendimento. No Itinerante 2010 do NRE/Cascavel, foram

trabalhadas a História Local e Oral com estudos sobre a etnia ucraniana numa das

oficinas de história. Nessa oficina, os professores puderam conhecer melhor a

cultura ucraniana a partir de discussões e apresentação do material coletado e

produzido na pesquisa sobre a etnia.

A cultura do campesinato, voltada para a preservação das tradições e

costumes das etnias instaladas na região, sofrem o impacto da cultura capitalista. O

capitalismo começa a redefinir o espaço social, a alterar o pensamento, o modo de

ser e viver, as relações sociais, trazendo uma nova visão de mundo, enfim criando

uma nova realidade cultural. A mecanização, o uso de máquinas e implementos em

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substituição ao trabalho braçal, o surgimento da agroindústria são situações que

produzem, sem dúvida, mudanças no modo de ser, de agir, de se relacionar e de

organizar a sociedade.

1.3 O Imaginário Religioso Ucraniano

Ao tratar das representações culturais e religiosas, no estudo da história

cultural da comunidade ucraniana, parte-se do pressuposto de que a percepção da

questão religiosa - elemento cuja característica agregadora é bastante perceptível

neste grupo étnico - é eminentemente um problema cultural, pois produz e reproduz

“imagens”, representações que não estão deslocadas do “todo social”. Atuam no

sentido da construção e reconstrução de uma cultura de “manutenção” de uma

hegemonia social.

Desta maneira, entende-se que todos os sujeitos participantes das relações

culturais e de trabalho no espaço do Oeste do Paraná desenvolveram uma

representação sobre os processos de que participaram independente do papel que

tenham desempenhado nos acontecimentos. Mesmo aqueles que foram de certa

maneira excluídos do processo que tiveram papel secundário ou os sujeitos ocultos

na história, produziram e de algum modo preservaram memórias, conhecimentos,

impressões que merecem registro e análise.

É nesta perspectiva histórica que se desenvolveu o projeto de pesquisa PDE

2009, considerando que estudar história é também ouvir a voz de pessoas

consideradas de pouca expressão na sociedade, mas que possuem a sua história,

ou seja, analisar a história a partir da vivência concreta. Por meio das entrevistas

destes indivíduos, tomou-se conhecimento das memórias em relação ao processo

de construção e manutenção do imaginário cultural religioso produzido no Oeste do

Paraná.

Deste modo, o projeto de História Oral teve a sua fundamentação

historiográfica, isto é, esteve situado em uma ampla visão de produção histórica.

Tendo um direcionamento das questões sobre os ucranianos, o historiador

estabeleceu seu grupo de colaboradores que foram entrevistados. No caso

específico optou-se por entrevistar 2 pessoas de cada comunidade, de preferência

as mais antigas do local, para que se pudesse perceber a chegada dos ucranianos

na região, a construção e a manutenção do mundo ucraniano no transcorrer dos

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anos. O material gravado, com a devida autorização do entrevistado, foi utilizado no

decorrer do trabalho, na produção didático-pedagógica e na implementação do

projeto.

Entende-se a História Oral como um processo que ocorre a partir de um

pressuposto formulado pelo pesquisador, tem sequência no diálogo com os

entrevistados e a formulação do trabalho que tenta mostrar a história a partir da

vivência concreta dos sujeitos. Sobre o caráter dialógico do trabalho com a História

Oral, nos reportamos em Portelli quando afirma que

Por outro lado, historiadores que trabalham com história oral estão cada vez mais cientes de que ela é um discurso dialógico, criado não somente pelo que os entrevistados dizem, mas também pelo que nós fazemos como historiadores – por nossa presença no campo e por nossa apresentação do material. A expressão “história oral”, por conseguinte, contém uma ambivalência que (...) refere-se simultaneamente ao que os historiadores ouvem (as fontes orais) e ao que dizem ou escrevem. Num plano mais convincente, remete ao que a fonte e o historiador fazem juntos no momento de seu encontro na entrevista (PORTELLI, 2001, p.10).

Fica claro a preocupação com a subjetividade em História Oral, considerando

que o depoimento oral carrega consigo interpretações pessoais do entrevistado,

causadas pela emoção, sentimentos, fantasias e pela intenção consciente ou não de

omitir, acrescentar ou oferecer versões diferentes dos fatos ocorridos. O projeto de

pesquisa tentou captar nas entrevistas, nos depoimentos as diferentes formas pelas

quais as pessoas imprimem significados aos fatos que dizem respeito ao universo

simbólico ucraniano.

Assim como as fontes orais, as demais categorias documentais que embasam

as pesquisas históricas: o documento escrito, os mapas, as fotografias, os

monumentos entre outros, também tiveram uma intencionalidade ao serem

produzidos e correm os mesmos riscos de estarem impregnados de subjetividades,

silêncios, acréscimos e outras variantes sobre a verdade que diz representar.

Quanto à riqueza do subjetivo em História Oral, Portelli ressalta que

A história oral e as memórias, pois, não nos oferecem um esquema de experiências comuns, mas sim um campo de possibilidades compartilhadas, reais ou imaginárias. A dificuldade para organizar estas possibilidades em esquemas compreensíveis e rigorosos indica que, a todo o momento, na mente das pessoas se apresentam diferentes destinos possíveis. Qualquer sujeito percebe estas possibilidades à sua maneira, e se orienta de modo diferente em relação a elas (PORTELLI, 1999, p.72).

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Segundo Sahlins, “a história é ordenada culturalmente de diferentes modos

nas diversas sociedades, de acordo com os esquemas de significação das coisas”

(SAHLINS, 1990, p. 08). Para a comunidade ucraniana quais são os esquemas de

significação? O que lhe é peculiar no universo simbólico? Ela age, se organiza a

partir de que representações de mundo? Que perfil tem este povo ucraniano? A

partir das memórias como este povo cria e recria suas representações de mundo?

Para Berger “a cultura consiste na totalidade dos produtos do homem”

(BERGER, 1985, p.19). Estes podem ser materiais ou não. Em meio a eles

encontramos a própria religião. Esta surge como uma força capaz de evitar o caos,

tornando plausíveis e duradouras as construções sociais da realidade. A religião

inclui as construções culturais num mundo mais abrangente, atingindo a escala do

sagrado, que legitima, justifica e explica as precárias construções humanas. “A

religião é o empreendimento humano pelo qual se estabelece um cosmos sagrado”

(BERGER, 1985, p. 38). Pode-se, então, ressaltar que determinadas representações

religiosas, respondem a determinadas concepções de mundo, de sociedade e de

homem.

Pesavento (1995), ao dar ênfase à concepção histórico cultural, explora

outra dimensão do vivido, o outro lado do real, ou seja, o imaginário. Segundo ela,

houve uma ruptura do conhecimento a partir do racionalismo de Descartes. Assim, o

conhecimento do senso comum, opiniões, tradição, imaginação foram desprezados,

relegados para o segundo plano pelos detentores do saber sistematizado, científico,

racional. O imaginário era fruto do erro, uma espécie de estágio inferior do

conhecimento. Enfim, não se poderia dar crédito, pois não era científico. Esta falsa

perspectiva percorreu todas as ciências inclusive a história. Esta pretendia ser

objetiva, factual, concreta, baseada na realidade dos fatos. Mas o que vem a ser o

real? “O real é ao mesmo tempo, concretude e representação” (PESAVENTO, 1995,

p. 16).

Para Roger Chartier, as lutas de representações, ou seja, as construções

simbólicas do mundo, tem tanta importância quanto as lutas do mundo prático,

embora, também, estas nos são dadas enquanto construção de representações.

As lutas de representação têm tanta importância como as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo, (pessoas do mesmo grupo) tenta impor, a sua concepção do mundo social, os valores que são os seus, e o seu domínio (CHARTIER, 1990).

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Segundo Baczko (1985), é através dos imaginários sociais que uma

coletividade designa sua identidade; elabora certa representação de si. É por meio

do imaginário de uma sociedade que podemos identificar um vasto sistema

simbólico que as coletividades produzem e através do qual elaboram os seus

próprios objetivos.

É interessante perceber a dinâmica da ocupação do espaço. O espaço não é

algo natural, um dado estático, é construído, dinamizado na relação homem x

homem, homem x natureza. Percebe-se um planejamento sistemático e racional da

organização do espaço na colonização do Oeste do Paraná. O assentamento

disperso, diferente do assentamento aglomerado separa, de certo modo, os

descendentes das etnias da região. Entretanto, os ucranianos do Oeste procuram

manter as tradições, recriar o seu modo de ser, mesmo inseridos em outra realidade,

pois o imaginário criado no país de origem (Ucrânia) continuou vivo nas gerações,

sustentado pela presença marcante da igreja ucraniana. Dentre as tradições ainda

presentes estão: grupo folclórico Sonhachnek, as celebrações da semana Santa, a

Benção da Páscoa, as Celebrações de Natal dentre outras.

De acordo com Pesavento (1992), o imaginário social se expressa por

símbolos, ritos, crenças, discursos e representações. Esses símbolos só se tornam

parte de um imaginário social a partir do momento em que ele se caracteriza como

sendo comum à sociedade. O símbolo deve representar algo para o grupo, e não

somente para quem o “criou”, ele deve representar algo significativo para a

coletividade.

Os imigrantes ucranianos procuram por meio do imaginário reorganizar o

seu mundo social e religioso a partir das experiências culturais de seu país de

origem e das experiências que a nova terra lhes oferecia. Aqui, eles recriam o seu

universo social e religioso vivido outrora. Recriando este espaço, os imigrantes

estavam construindo o seu mundo, a partir dos simbolismos, das celebrações, dos

ritos.

O imaginário ucraniano se constitui em torno do imaginário religioso. Este

está presente na vida cotidiana do ucraniano, amparando a realidade, dando

sustentação e manutenção da comunidade. Este se expressa sob diversos modos e

nas múltiplas representações do real. Entretanto, para manter este imaginário foram

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criadas instituições (igreja, escola, comunidade) que reforçam as representações,

que sustentam o imaginário do ucraniano.

O campo da memória se constrói a partir dos acontecimentos e dos fatos que,

também, se transformam em elementos que dão base ao processo histórico. A

memória resgata as reações ou o que está submerso no desejo e na vontade

individual e coletiva. A memória dos descendentes está mais ligada ao aspecto

religioso, visto ser um elemento marcante na vida do ucraniano. Lembram da

primeira Igreja, dos primeiros padres que vieram rezar missa, das celebrações

importantes. No ambiente virtual tive algumas professoras da rede que eram

descendentes de ucranianos. Resolveram fazer o curso para conhecer melhor a

cultura, trocar informações e algumas até para relembrar o passado dos pais e avós

que celebravam a Páscoa e o Natal no rito ucraniano.

A memória coletiva ou individual, ao reelaborar o real, adquire uma

dimensão centrada em uma construção imaginária e nos efeitos que essa

representação provoca social e individualmente. Neste sentido, o tempo da memória

se distingue da temporalidade histórica, haja vista, que sua construção está

associada ao vivido, como dimensão de uma elaboração da subjetividade coletiva e

individual, associada a toda uma dimensão inconsciente.

A historiografia atual está profundamente interessada em estudar a

memória. Considera-se que o passado não vem até nós tal como as coisas

aconteceram, mas por meio de memórias. Estas memórias coletivas ou individuais

são compartilhadas no grupo ou servem de fonte para a pesquisa historiográfica:

Entretanto, o passado já nos chega enquanto discurso, uma vez que não é possível restaurar o real já vivido em sua integridade. Neste sentido, tentar reconstruir o real é reimaginar o imaginado, e caberia indagar se os historiadores, no seu regate do passado, podem chegar a algo que não seja uma representação (...) (PESAVENTO, 1995, p. 16).

Durand (2001), entende o imaginário como um museu mental no qual estão

expostas todas as imagens passadas, presentes e as que ainda são produzidas pela

sociedade. Não podemos então, tentar entender a construção/transformação da

identidade étnica ucraniana apenas em terras oestinas, visto que essa construção já

esteve presente num passado mais distante. Mas o propósito da pesquisa foi

explicar como essa transformação ocorreu no processo de migração na região

oeste, na construção e manutenção das comunidades ucranianas e em seu contato

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um com o outro, alemães, italianos, poloneses bem como com os “caboclos

brasileiros”.

1.4 Aspectos da Cultura Ucraniana

Em sua maioria os ucranianos preservam suas práticas culturais: festas

religiosas, participação nas celebrações religiosas, grupo folclórico, língua. Como

festa típica é realizada, em setembro, a festa da Padroeira e das sementes.

Algumas comunidades dos outros municípios, também, mantêm suas festas típicas:

Sapucaia, Centralito, Foz do Iguaçu e Iza-Cuê fazem a festa dos seus padroeiros.

As celebrações religiosas (missas) realizadas durante a semana e aos domingos de

manhã, às 08h00min, são celebradas em ucraniano.

Devido à perda gradativa da língua, por parte dos descendentes, a Santa

Missa foi traduzida para o português e é celebrada na quarta-feira e no sábado à

noite. Nas comunidades do interior, as missas são celebradas geralmente uma vez

por mês e na língua portuguesa. O grupo folclórico Sonhachnek mantém as

tradições realizando apresentações folclóricas na comunidade e região. Em agosto,

é realizado o jantar típico ucraniano com apresentação do grupo folclórico. Conforme

Boruszenko, a dança popular ucraniana é uma das mais antigas expressões desta

cultura,

a dança popular é uma das mais antigas expressões de um povo, e se origina geralmente nas manifestações do antigo culto religioso, em particular do ligado às mutações da natureza. As danças ucranianas revelam tendências para o ar livre, próprio das planícies da Ucrânia, e movimentos rotativos com formação de várias figuras, com freqüência de linhas geométricas. Caracterizam-se essas danças pelo seu ritmo vibrante, de coragem e confiança, e pela alegria exuberante (BORUSZENKO,1995,p.33).

A língua ucraniana é ensinada na catequese aos sábados e em 2006 iniciou-

se uma turma de ucraniano por meio do Centro Estadual de Línguas Estrangeiras

Modernas (CELEM) no Colégio São Cristóvão com duração de 3 anos. A dificuldade,

entretanto, da manutenção da língua é que nas famílias não se pratica mais. Os

diálogos na família e as relações sociais são todas em português.

Num estudo sobre o bilinguismo português/ucraniano, Mezavila ressalta a

perda do contato com a língua nas gerações “meus pais falam com a gente que é

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filho em ucraniano (...), mas com os netos é em português” (D.H.,01/2007 apud

MEZAVILA, 2007, p.105). Isto ocorre devido à “circularidade cultural” ser

basicamente em português: trabalho, escola, lazer bem como pelo crescente

número de casamentos interétnicos. Ressalta, ainda, que a língua permanece de

forma mais intensa no espaço religioso e o papel da Igreja como presença marcante

na manutenção da língua. “A igreja, nessa comunidade, é o meio mais eficaz de

manutenção da língua. Sem ela, a língua ucraniana, provavelmente, teria

desaparecido” (MEZAVILA, 2007, p.131).

A catequese é administrada aos sábados pela manhã. Dentro deste trabalho

são realizadas aulas de ucraniano, despertando interesse pelo idioma, como

também são realizados mensalmente encontros de formação para catequistas e

pais, passeios, gincanas e confraternizações visando à interação entre as crianças e

familiares. As comunidades menores também procuram manter elementos da cultura

ucraniana, embora tenham mais dificuldades, devido ao processo do êxodo rural, da

saída dos jovens para estudar nos grandes centros entre outros. Esses elementos

têm influência direta ou indireta nas mudanças e permanências dos aspectos

culturais ucranianos. Está implícita a questão da continuidade e descontinuidade de

certos elementos culturais.

Os ucranianos que aqui chegaram a partir de 1940 constroem e reconstroem

o seu mundo basicamente em torno do elemento religioso. A memória da religião

dos seus antepassados esteve sempre viva, presente no cotidiano. A busca por um

mundo religioso ucraniano foi incessante. Nas comunidades pesquisadas percebe-

se o empenho na construção da Igreja que se torna o centro da comunidade.

Entretanto, percebemos nas últimas décadas transformações sócio-econômica-

culturais no oeste paranaense e a influência da modernidade no seio das

comunidades.

Percebe-se atualmente que as fronteiras identitárias sofrem constantes

ataques com o processo de globalização, que tende a fazer uma homogeneização

das identidades étnicas. Há certa crise, já que cada vez mais as fronteiras

identitárias de determinado grupo vêm perdendo espaço para uma “identidade

global”. Temos que perceber, porém, que o processo de globalização não tem

destruído e homogeneizado completamente as culturas e as identidades locais, pois

entra em cena a chamada identidade de resistência que também vêm ganhando

força, principalmente pela necessidade desses grupos resguardarem valores que

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traduzem o espírito desse viver em comunidade, de se identificar como grupo e no

grupo.

As (des)continuidades referentes à cultura desses grupos étnicos estão

ligadas também à saída de indivíduos do campo a caminho da cidade. Enquanto

voltados quase que somente para a família, esses indivíduos compartilhavam no dia

a dia os valores culturais e religiosos. Estes usos e costumes faziam parte do

cotidiano da comunidade. Entretanto, nas comunidades interioranas nota-se um

esvaziamento dos colonos de descendência ucraniana. Estabeleceram-se nessas

comunidades no início da colonização várias famílias ucranianas onde foi construída

a igreja para a celebração da missa ucraniana. Hoje, as poucas famílias que ficaram

no local tentam manter as tradições e os costumes. No entanto, o esvaziamento do

campo, devido ao processo de mecanização, é sentido pelos moradores. Percebe-

se esta preocupação no relato da Sra. I. H. de Rio das Antas. “No início eram 60

famílias ucranianas, hoje restam apenas 8 famílias”8 .

1.5 A Presença do Outro

Para conseguir manter relações com seus semelhantes e também com o

“outro”, os homens criaram meios comuns de comunicação, produzindo assim uma

maneira de se identificar como membros de um grupo e também de ser identificados

como componentes desse grupo. Esses meios comuns de comunicação podem ser:

a linguagem, o folclore, as representações coletivas, as imagens e os símbolos.

Essas imagens e símbolos podem ser os mecanismos utilizados para a criação de

uma identidade étnica. Desta forma, podemos compreender a dificuldade que o

indivíduo sente ao se distanciar de seu grupo e ao se aproximar de outro, visto que

as coletividades tendem a formar um modo de identificação que serve para aceitar

ou rejeitar um novo indivíduo.

Vale destacar deste modo a presença do “outro”, do diferente, no caso das

etnias do polonês, do alemão, do italiano ou dos “Kabucre” como são chamados os

caboclos brasileiros pelos descendentes. Mas quem é este Outro? O Outro, para

Levinas, é alguém que não poderá ser representado por um conceito, o Outro é o

infinito, o ilimitado. O rosto do Outro não cabe em uma compreensão mental a partir

8 Entrevista de I.H.C. concedida ao autor em setembro de 2009.

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de conceitos, de meus referenciais. Qualquer tentativa de conceituar o Outro,

descrevê-lo, afasta-se da possibilidade de olhá-lo como é. Deve-se perceber o Outro

na sua alteridade:

Descrevo a ética, é o humano enquanto humano. Penso que a ética não é uma invenção da raça branca, da humanidade que leu os autores gregos nas escolas e que seguiu certa evolução. O único valor absoluto é a possibilidade humana de dar, em relação a si, prioridade ao outro. (LEVINAS, 2005, p.149).

Traça-se aqui a reflexão a partir de uma perspectiva não mais informativa,

mas formativa, que envolve a análise filosófica acerca do conceito do “Outro”, na

dimensão da alteridade. Analisar o Outro a partir da situação de cada um enquanto

membro que possui pertencimento, e o Outro, enquanto pertencimento diferente.

Trata-se de apontar para o aspecto construtivo da “riqueza” de vários grupos étnicos

que convivem numa mesma espacialidade, como o aspecto negativo, em que a

convivência entre diferentes pode provocar: como ações preconceituosas, de

separação, de exclusão, de segregacionismo. O que parece pertinente é fazer com

que cada um possa participar de uma abordagem reflexiva, onde o que se reflete é a

si mesmo na relação com o Outro. Na implementação, além do aspecto de

conhecimento e respeito pela etnia do outro, procurou-se analisar o “outro” enquanto

colega de sala de aula. Através da exposição das idéias do Filósofo Levinas e de um

questionário, levantando aspectos do Bullyng, procurou-se conscientizar da

necessidade da compreensão do Outro, de um novo olhar sobre o ser humano para

melhorar as relações humanas e evitar futuramente uma sociedade da barbárie.

Num estudo sobre Prudentópolis, onde se concentra o maior contingente

populacional de ucranianos no Paraná, Ramos (2009) aponta uma fronteira étnica e

identitária nas relações entre ucranianos, poloneses e brasileiros. Cada grupo

estabelece seu próprio tipo ideal e através dele forma representações

preconceituosas daqueles que não compartilham de seu modo de ser, de sua

cosmovisão. As etnias ucraniana e polonesa se apropriando de um imaginário criado

em terras européias, o qual será reascendido com a presença do “outro”. Essa

manifestação de desprezo pelo “outro” nem sempre ocorreu de maneira agressiva,

pelo menos não através do contato físico. Ela, muitas vezes, podia ser percebida em

gestos, termos pejorativos, causos, recusas de ajuda, utilização da língua

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estrangeira, enfim, todos os meios que possam distanciar, ou pelo menos,

diferenciar o “outro”.

No Oeste, quase não se nota essas desavenças. Talvez por ser um grupo

pouco expressivo em termos de quantidade, muitas vezes confundido com

poloneses, o que para alguns denigre a imagem do ucraniano, consideram um certo

preconceito com relação a sua etnia, quando recebem o termo pejorativo “polaco”,

para outros era até “normal", pois meu pai era conhecido na época de sitiante em

Ouro Preto (Toledo) de “João Polaco”, o que nunca reclamou do termo. Tentava-se

explicar que éramos ucranianos, mas as pessoas pouco ligavam ou não entendiam.

Lembrando que na época, a Ucrânia pertencia à antiga União das Repúblicas

Socialistas Soviéticas (URSS) e era de fato pouco conhecida.

Vale ressaltar que, nas entrevistas realizadas com descendentes da etnia

ucraniana, não se percebeu esta hostilidade entre as etnias. Havia até respeito entre

as etnias e no depoimento do Sr. J.M. Havia muita cooperação no trabalho na roça.

“Todos se ajudavam. A gente fazia um mutirão pra ajudar os vizinhos”9. A troca de

dia era prática comum entre vizinhos. Reuniam-se moradores da localidade para

colherem a roça. Depois, este sitiante, como forma de pagamento, ajudava a colher

as roças daqueles que ajudaram.

Num estudo sobre a língua, Mezavilla aponta “certa aproximação e ao

mesmo tempo uma separação entre as etnias polonesa e ucraniana” (MEZZAVILA,

2007, p. 96). Quanto à culinária para alguns descendentes de ucranianos há a

separação tanto no léxico, quanto no modo de preparo como é o caso do Perohê,

que em polonês é Pierogi. Outros, entretanto, não fazem esta diferença e dizem ser

a mesma coisa.

Ainda segundo a autora, as diferenças acentuam-se quanto às práticas

culturais e religiosas. Os ucranianos que participaram da pesquisa enfatizaram ser a

cultura ucraniana bastante diferente da polonesa em especial nas celebrações da

igreja. Destacaram, especialmente, as tradições de Natal e Páscoa, pois os

ucranianos ainda mantêm as tradições dos seus antepassados. No Natal há todo um

preparo especial de 12 pratos típicos e as tradicionais canções das Kolhades e na

Páscoa faz-se a benção dos alimentos e as brincadeiras e cantigas de roda Hailkas.

Concluindo a autora ressalta que

9 Entrevista de J.M. concedida ao autor em agosto de 2009.

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há um misto de aproximação e de separação entre as duas etnias, bem como de respeito. Porém, de modo algum se percebe a igualdade entre ambas as etnias, ou seja, sempre há a supervalorização da etnia da qual os entrevistados são descendentes, em detrimento da outra, à qual não se sentem pertencentes (MEZZAVILA, 2007, p. 101).

1.6 Considerações finais

As comunidades ucranianas do Oeste do Paraná inseridas no contexto

sócio-econômico da região, fazem parte do contexto internacional de produção e

organização do espaço. Entretanto, apesar destas pressões do contexto social

maior, as comunidades mantêm suas tradições, bem como alguns elementos

culturais que a identificam na sociedade. “Os imigrantes, em geral, mantém alguma

ligação com a cultura e sociedade de origem, por maiores que sejam as pressões no

sentido de assimilação” (SEYFERTH, 1990, p. 79).

Os elementos que dão sustentação ao imaginário são colocados à prova no

processo transformativo da região. Numa discussão com historiadores que

investigaram a história regional do Oeste do Paraná, percebe-se que uns acreditam

num impacto maior da cultura capitalista sobre as culturas locais, étnicas. Outros

levam a crer que apesar dos estragos da dita “modernização”, as comunidades

encontraram forças para resistirem e nos seus elementos mais significativos tiveram

êxito, ou seja, sobreviveram ao que parecia inevitável: a perda total da identidade

cultural.

Coaduna-se com estas reflexões Schallenberger quando ressalta que:

A solidariedade étnica e a identidade cultural, marcada pela tradição religiosa e pela prática da mesma língua constituiram-se elementos fundamentais para o enfrentamento dos desafios que a situação do meio impunha (SCHALLENBERGER, 1994, p. 50).

Outras abordagens podem ser exploradas. Outros elementos podem ser

considerados, levando-se em conta a riqueza e a complexidade das relações de

trabalho e culturais. Quero crer, no entanto, que para o propósito do PDE os

elementos abordados foram suficientes para perceber, a partir da concretude e

principalmente a partir do imaginário religioso ucraniano como se deu a construção

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das comunidades ucranianas no Oeste do Paraná e os elementos que lhe deram e

dão sustentação.

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