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Esta Revista nasceu em 1979 por iniciativa de 5 tuxauasÉ uma revista de: informação

formação e intercâmbio a serviço dos Povos Indígenas

Instrumento usado pelos mensageiros no Alto Amazonas. Com ele avisavam as aldeias quando

traziam notícias.

Correspondênciapara:Caixa Postal 41

CEP 66.017-970 - Belém - Pará - BrasilTelefone: (091) 3252 - 4164- Fax: (091) 3252 - 2312

E-mail: [email protected]: www.mutiraoamazonia.org.br

ISSN 1679-2335

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Publicação do Conselho Indigenista Missionário

CAPA E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA: ARTUR DIAS; CAPA: ARTUR DIAS, COM MONTAGEM DE FOTO DE REBECA SPIRES

2008! O ano está começando. O que vamos fazer para que este ano seja diferente dos outros? O que vamos contribuir para melhorar nos-so mundo?

2007: a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas fi-nalmente foi adotada pela ONU com a adesão da grande maioria das na-ções. Os Tupinikim e os Guarani de Espírito Santo comemoraram a de-claração de suas terras invadidas pela Aracruz Celulose. Porém, no mesmo ano registrou-se um número recorde de assassinatos de índios no Brasil. Passou mais um ano em que o povo Pataxó Hã Hã Hãe não pôde voltar a viver no seu próprio territó-rio no sul de Bahia. Na Raposa Serra do Sol em Roraima, os povos indí-genas não puderam usufruir de suas terras já homologadas porque, até o momento, o governo não foi capaz de retirar os arrozeiros que invadi-ram a área.

2007: Mudanças climáticas fo-ram o assunto da hora, e a redução da emissão de gases estufa foi exi-

gida novamente dos países indus-trializados (conforme o protocolo de Kyoto). Mas constatou-se que os pa-íses emergentes (incluindo o Brasil) têm aumentado muito a emissão destes gases.

2007: O PAC é anunciado e com ele projetos como a transposi-ção do Rio São Francisco e barragens nos rios Madeira (RO), Xingu (PA), Tibagi (PR) e Tocantins (MA), que favorecem grandes empresas cons-trutoras e priorizam o agronegócio e outros grandes empreendimentos. A mineração em terras indígenas está sendo discutida fora do âmbito do Estatuto dos Povos Indígenas.

2008: Que não seja assim! Vamos juntar as forças, vamos pen-sar e agir juntos. Já em janeiro es-tamos em plena atividade do Fórum Social Mundial 2008, cada lugar fazendo sua ação global no local. Durante este ano nos prepararemos para o grande encontro do FSM 2009 na Amazônia, em Belém do Pará. Nós podemos fazer uma diferença. Que 2008 seja o ano da virada!

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Nos dias 19 a 24 de outubro de 2007, rea-lizou-se na comunidade do Uxixiupiithëri

a Assembléia regional dos Yanomami, orga-nizada pela Associação HUTUKARA, que na região da missão Catrimani tem como ges-tor Tino yanomami.

Participaram na assembléia represen-tantes das 22 comunidades da região missão Catrimani. Estiveram presentes também al-guns gestores da Associação – HUTUKARA – vindos das várias regiões da área Yanomami (Dimini, Novo Dimini, Surukuku, Paapiú, Tototobí, Homoxi). Para este extraordinário evento todos os yanomami uniram forças e não pouparam esforços para percorrerem longas distâncias para ao local onde aconte-ceria a Assembléia.

UM EVENTO PARA RECORDAR!!!

Os Yanomami mostraram a capacidade de programação e or-ganização das próprias atividades. Souberam articular o evento, en-

trar em contato com várias en-tidades, como a Comissão Pro-Yanomami (CCPY), Fundação Nacional do Índio (Funai), Ministério Público Federal (MPF), Instituto Brasileiro

do Meio Ambiente (Ibama), Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e a Secretaria de Educação Estadual Cultura \ Desporto de Roraima (SECD). Convidaram também os aliados indígenas representados pelo CIR (Conselho Indígena de Roraima). Os yano-mami souberam superar dificuldades e jun-tos buscarem soluções para o bom êxito da Assembléia. Homens e mulheres envolve-ram-se e participaram ativamente nas falas durante a assembléia e nos momentos de falas culturais a noite.

Criado no ano de 2004, a Associação yanomami “Hutukara”, tem objetivos claros para realizar suas atividades: Defender sem-pre a terra indígena de todo invasor; apoiar a saúde yanomami; defender a cultura ya-nomami, suas festas e pajés; viver saudável na terra indígena; derrubar somente a mata necessária para fazer suas roças; continuar

As lideranças yanomami durante a Assembléia

Artigo e Fotos: Equipe Missionária da Missão Catrimani.

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com as práticas tradicionais de caça pesca e colheita; apoiar as curas tradicionais; defen-der o direito a uma educação diferenciada; defender os rios, animais, árvores e toda ri-queza da terra; criar laços de união entre o povo indígena.

Esta associação tem dado passos de crescimento na sua autonomia. No ano de 2007 iniciou a formação de 12 gestores que apóiam a coordenação sediada em Boa Vista, a partir das diferentes regiões da terra yanomami. Estes (gestores) são formados na identidade da asso-ciação, nas questões organizativas da mesma, nos objetivos a serem alcan-çados. O papel destes gestores é de servirem de ponte entre as regiões e a sede, de articularem as assembléias regionais que visam o conhecimento da associação e mostrar a importância da união dos yanomami como povo. A assembléia realizada na região da missão Catrimani foi uma a primeira dentro desse programa.

Durante a assembléia os yanoma-mi evidenciaram temas relevantes como

territorialidade (demarcação, invasão dos fa-zendeiros, garimpeiros, pescadores), Educação e Saúde. Alguns yanomami assim falaram:

Sobre a saúde Márcio yanomami (Yorikio) diz: “Eu quero dizer ao sr. Eurico (ex-chefe do Distrito sanitário yanomami), que eu sei muito bem o trabalho de vocês, a mensagem que chega aqui na nossa ter-ra, diz que vocês estão roubando dinheiro. Espero que vocês escutem o que está acon-

Abertura da Assembléia Regional 2007

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tecendo aqui na floresta, Nós precisamos de ajuda. Gostaria de pedir que os funcionários ajudassem na formação dos nossos AIS nas questões práticas na comunidade. É só assim que vão poder exercer o que aprendem nas oficinas realizadas na missão Catrimani”.

Apoiando a fala de Márcio, Motoxima (Xexinapiitheri) assim se expressa sobre a relação entre a terra e a saúde: “Como é que vocês vão deixar meus filhos morrer? Nossos filhos estão doentes, se não cuidarem nossa terra todos vão morrer de doenças; eu estou preocupada com esta situação”.

Pensando no futuro do seu povo e na responsabilidade das entidades, o tuxaua José (Demini) afirma: “Nós yanomami ain-

da temos crianças. Todos nós queremos viver bem com saúde e não queremos acabar. Estamos trabalhan-do também para as crian-ças que ainda vão nascer, por isso nós não queremos a presença desses fazendei-ros, pescadores. Esses des-troem a terra e também tra-zem doenças. Nós yanomami sempre falamos disso para as autoridades, estas sem-pre tomam nota mas quando saem daqui esquecem tudo; espero que depois desta as-sembléia de 2007 vocês não

esqueçam o que falamos”.Estas falas foram reforçadas pelo sr.

Terêncio Salomão Mantuca (Wapixana), Vice-coordenador do CIR, dizendo: “Estamos aqui para defender nossa terra, floresta, identida-de cultural, a saúde para todos. Esses que estão aqui são nossos parceiros. Os fazen-deiros vêm para destruir. Estamos aqui com nossos aliados para defender nossos direitos e por isso vamos também recorrer a ajudas internacionais que querem apoiar a popula-ção indígena. Eu sou índio e defendo os ín-dios, quero falar fora que nós existimos aqui. Temos que trabalhar juntos como parentes contra os que querem nos destruir e não nos querem ver unidos”.

alguns jovens durante a assembléia.

as lideranças se preparam para acolher os con-vidados

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As entidades convidadas puderam es-cutar, presenciar e vivenciar de perto as pre-ocupações, anseios e lutas dos yanomami pelos seus direitos na garantia do bem co-mum das suas terras e vidas. Esclareceram como estão trabalhando para apoiar a causa indígena yanomami, mostraram disposição em colaborar sempre mais e adiantaram vá-rias propostas boas a serem encaminhadas ás devidas autoridades. Citamos apenas al-gumas:

A Secretaria Estadual de Educação dis-se que está disposta a melhorar a qualidade da educação indígena. O estado tem recur-sos para isso.

Sobre o garimpo, o Ibama tem sua responsabilidade ambiental mas para entrar na área tem que entrar em contato com a Funai. Para isso o Ibama já tem algumas ho-

alguns amigos presentes à Assembléia

Parabéns comunidade Ofaié pela che-gada do novo reforço de esperança

na luta pelo fortalecimento desse povo. A pequena Emilly é filha de Agnaldo e Kiníe (Cleonice), neta de um grande líder Ofaié. (Há pouco tempo o povo Ofaié foi amea-çado de extinção por ser tão poucos. Por isso a chegada da Emílly é tão significante para este povo.)

ras de helicópteros para identificar e ajudar a retirada dos garimpeiros.

Sobre as pistas ilegais nas áreas, já fo-ram identificadas pistas ilegais e já estão se organizando para fazer vistoria nessas pis-tas clandestinas.

Sobre a aviventação na terra indígena Yanomami, sentar junto com os yanomami e outras entidades (CCPY) ver quais os lu-gares onde não é clara a delimitação, tentar redesenhar e delimitar essas áreas e, por fim, manter a vigilância. Para a realização desta proposta se sugere que a Hutukara, CCPY, e todos os parceiros comprometidos com a causa yanomami se reúnam façam o projeto e encaminhem para a Funai Brasília, lá se liberem recursos para Funai de Boa vis-ta.

Um dos assuntos que mereceram a atenção de todos é sobre o esclarecimen-to da Associação HUTUKARA aos paren-tes yanomami que ainda não conheciam. Sentiram-se animados, felizes de fazerem parte desta associação e que a responsabi-lidade é de todos para que essa cresça e se fortifique. Sentiram-se fortalecidos na pró-pria identidade de povo que luta e busca os seus direitos, respeitando também os pró-prios deveres.

Artigo elaborado pela Equipe Missionária da Missão Catrimani.

Partiu JORGE TERENA.( 21.11.53 – 09.11.07)Cavaleiro do Pantanal, conselheiro dos po-derosos, solidário, afetivo e festivo, amigo, irmão, pai, companheiro e parente. Poí Caxé, Boinún! (Até outro Sol, irmão!)

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O que você está fazendo para melhorar o mundo este ano?

de nós, só um pouquinho. Será que pode-mos fazer uma diferença? Nós acreditamos que sim! Destacamos estes cartazes que re-cebemos do Grupo de Mulheres Indígenas - GRUMIN. São uma criação de Fabio Yabu, e sua reprodução é livre. Podem ser vistos no site www.mudeomundo.com.br. Eles trazem idéias simples e fáceis de pôr em prática. E se muitos de nós o fizermos, 2008 pode se tornar o ano da virada, o ano em que os hu-manos começaram a reverter o processo da destruição de nossa Mãe Natureza.

Mais do que nunca todo mundo fala da terra, do planeta, do ar, da água. Parece

que os humanos finalmente começam a to-mar consciência do prejuízo que vêm cau-sando para nossa Mãe Natureza – e para nós todos. Pois, como o cacique Seattle dizia: “Tudo que fere a terra fere os filhos da ter-ra”.

A situação é grave. Muitos dizem que não tem retorno, que o caminho da destrui-ção é irreversível. Mas... se a gente começas-se a mudar um pouquinho? Cada um/ uma

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Os cartazes falam mais para pessoas da cidade. Quem está na cidade que preste atenção e faça sua parte. Mas as idéias va-lem para todos nós. Às vezes, por morar e cultivar a terra no meio do mato, pensamos que já estamos fazendo tudo certo para a natureza. Porém, muitas aldeias precisam aprender como lidar com com madeireiros que destroem a mata ou com compradores de animais silvestres. Às vezes há descuido com os rios e lagos, jogando objetos, dei-xando o mercúrio contaminar ou o óleo dos motores. Em algumas áreas indígenas agro-tóxicos são utilizados ao ponto de matar a terra. Talvez tenhamos deixado uma barra-

ÁGUA: Cuide bem dos rios e

lagos. Deixa a mata às bei-ras para protegê-los do sol e da erosão e para que frutos caiam para os peixes come-rem. Não jogue nada no rio que peixe não pode comer. Nunca jogue lixo na água. Proteja também a água de-baixo da terra. Não jogue óleo queimado ou construir privados nas proximidades dos poços. Mantenha os po-ços cobertos.

gem ser construída em nossa área, ou uma estrada passar por ela – sem reagir.

Leia com atenção a sugestão em cada um destes cartazes. E responda: O que você está fazendo em 2008 para nosso mundo?

Nesta edição do Mensageiro, vocês lêem nas páginas 14-15 uma ação positi-va de crianças Tembé no alto Rio Guamá. Mandem uma reportagem de sua aldeia, ou do seu bairro, ou de sua escola. Contem para os parentes com palavras, fotos e desenhos as suas preocupações e suas ações positi-vas. Vamos somar forças e trocar idéias.

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CARNE:A floresta amazônica está sendo derru-

bada, mesmo durante o período de chuvas, num ritmo acelerado que assusta. O espaço devastado é ocupado por criações de gado e plantações de soja. Para as populações tra-dicionais, a mata é importante porque for-nece a caça. Existem alternativas de fontes de proteínas, como a criação de animais de pequeno porte, que não ocupam tanto espa-ço, como porcos, bodes, galinhas, etc.

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LUZ:Economize a luz. Olhe

menos televisão. Além da economia na energia, sobra mais tempo para ler bons livros e para conversar com os amigos e parentes.

10 janeiro / fevereiro 2008

PAPEL:Este é um apelo pela flo-

resta. Já falamos muito sobre a importância da floresta em pé. Quando é necessário cortar uma árvore, fale com ela primeiro e plante outra da mesma espécie no seu lugar. Muitos projetos de reflorestamento plantam só um tipo de árvore, como euca-lipto e pinho que são plantadas em grande quantidade para fa-zer papel. Em umas regiões do Brasil são estranhas para nos-sas matas e mesmo onde são nativas, grandes extensões de um só tipo de árvore não sus-tentam o ecossistema nativo. Nossos pássaros, borboletas e outros animais precisam da diversidade de nossas matas. Exijam que as repartições pú-blicas (secretarias de educação e saúde, FUNAI, FUNASA...) uti-lizem somente papel reciclado. Organize a reciclagem de papel no seu lugar.

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11janeiro / fevereiro 2008

CARROS:São os maiores responsáveis pelo aquecimento

global que está ameaçando muitas formas de vida na Terra. Vamos deixar os carros e camionhetes em casa e utilizar meios alternativos e coletivos de transporte.

ALIMENTOS ORGÂNICOS:Se já esqueceu, re-

aprenda com os sábios como cultivar a terra sem recorrer a fertilizantes químicos e inseticidas tó-xicos.

1� janeiro / fevereiro 2008

PLÁSTICOS:Sacos plásticos

e garrafas plásticas, copos e pratos des-cartáveis – todo tipo de plástico se torna um problema gra-víssimo para nossos tempos. O mundo se afoga em lixo. Rejeite estes produtos, e quando os tiver, pro-cure como reutilizá-los para não deixá-los na natureza. O seu grupo de mulheres poderia confeccionar sacolas para compras feitas de pano com um desenho pintado na frente que cons-cientize outros sobre os cuidados com a terra. Mesmo ven-dendo barato, você ganha um pouco de renda enquanto aju-da o mundo. E os sa-cos plásticos que es-tão por aí? Em vez de jogar fora, corta em tiras e com crochê ou tricô faça tapetes ou sacos de compras.

MUNDO SUSTENTÁVEL:Como nossos parentes indígenas

Mohawk: a cada compra, a cada decisão, pense no impacto que terá para a sétima geração depois de você. Vamos pensar no futuro dos bisnetos de nossos bisnetos.

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Oi, pessoal que está lendo! Nós somos crianças do povo Tembé. Moramos na

aldeia Pynawa, que fica na Terra Indígena Alto Rio Guamá.

Na nossa aldeia nós brincamos de vô-lei, peteca, futebol e pira. Também ajuda-mos nossos pais em casa e na roça.

Aqui não tem energia elétrica, mas tem água encanada para as cinco casas e a en-fermaria.

série também decidiram contribuir na recuperação de de sua natureza: estão ajudando a recolher o lixo que havia no igarapé, e durante as aulas, aprendem sobre educação ambiental. Vale a pena registrar essa iniciativa, conforme a carta, a seguir:

A Terra Indígena Alto Rio Guamá, do povo Tem-bé, Estado do Pará, já sofreu muito com as inva-sões, mas hoje se recupera da destruição, com ajuda de muitos amigos e grande esforço da co-munidade. As crianças Tembé que fazem a terceira

A gente estuda numa casa que o Nivaldo1 emprestou2 até a SEDUC construir a escola. Passamos para a 3ª série.

Na nossa aldeia tem um igarapé cha-mado Bacaba que nós usamos pra lavar roupa, louça, tomar banho, brincar, pescar e acampar. O igarapé não é muito sujo porque nós limpamos, quando não são as crianças são os adultos.

A gente mudou muito porque nós não

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nos preocupávamos com o lixo, tinha até uma sacola no igarapé pronta para isso, às vezes ficava muito cheia e derramava, rasgava, o cachorro mexia, caia na água. Agora o lixo fica em casa e não tem mais sacola no igarapé, a gente roçou a beira e lim-pou o caminho.

Na nossa aldeia tinha muito lixo, mas nós es-tamos limpando, são sacolas, cabo de pirulito, papéis, panos, ferro velho, vidro, bor-racha, isopor, alu-mínio, embalagens usadas, tudo espa-lhado pela terra e isso é risco para nossa saúde porque lixo chama mui- tos bichos perigosos que trazem doenças, como leptospirose, dengue e o tétano.

É o ser humano que polui a terra, a água e o ar, mas também deve limpar. Nós estamos limpando esse lixo que não fomos só nós que jogamos. Antes de nós quem morava aqui eram os posseiros, quando saíram ficou

muito entulho. Se agente limpar todos

os dias o lixo vai acabando, mas é preciso não jogar

sujo na terra.A gente leva dois

carros de mão, quan-do enchem a gen-

te joga num bu-raco3. A gente

não queima por que a

fumaça fura4

o céu e se furar a

terra vai ficar

muito quente5 , os rios vão secar, os pei-xes vão morrer, as plantas vão murchar e

morrer, as caças vão morrer de fome e as pessoas não vão ter mais água nem co-

mida.A terra é importante para os ín-

dios, os não-índios e para todos os seres vivos. Não podemos mal-

tratar os animais, derrubar as árvores se não for preciso,

espalhar o lixo, senão um dia nós não teremos a Terra

limpa como era antes.

Assinam:Cheilane Tainá; Ítalo Júnior; Joel

Soares, Maria Alessandra, Mayra Tembé6.

1. Liderança da aldeia2. A gente usa a sala da casa desde 2005 de modo provisório.3. Poços sem proteção que foram deixados pelos posseiros que viviam na área indígena.4. Referência ao buraco na camada de ozônio do planeta.5. Efeito estufa6. Alunos da profª Carla Nilce que desen-volveu trabalho de educação ambiental junto as crianças da aldeia Pinawa com o apoio voluntá-rio do educador Luciney Vieira

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“Esta é a primeira vez que um prêmio é conferido a um brasileiro legítimo e ori-ginário desta terra amazônica, é uma pes-soa sofrida, que sofreu agressões físicas e ameaças de morte... aí está a importân-cia desta premiação” lembrou Dom Erwin Kraütler, Presidente do Conselho Indigenista Missionário, premiado no ano de 2006. O mesmo fez uma revisão histórica da luta indígena e indigenista. Lembrou também que, vitórias importantes, como a atual le-gislação Indigenista da Constituição Federal foi resultado da luta dos Povos Indígenas. Alertou que o problema é colocar as leis em prática, pois os governos anteriores e o atu-al governo insistem em buscar outros meios (Decretos) que cumprir os preceitos consti-tucionais. A prova disso é a não demarca-ção das terras indígenas como previa a lei; os decretos que interferem nos processos de demarcação; entre outros, as reduções de territórios indígenas, mesmo homologa-dos. Dom Erwin Kraütler concluiu dizendo que, a palavra-chave dos Povos Indígenas e de seus aliados hoje é RESISTÊNCIA, não de braços cruzados, mas ativa e de luta.

Além de Dom Erwin , o representante do Ministério Público Federal, Dr. Ubiratan Cazzeta, confirmou o desrespeito às popu-lações indígenas não somente no campo dos

A luta dos Povos Indígenas da Região Oeste do Pará, es-pecificamente da Região de Santarém, Belterra e Aveiro, foi reconhecida e premiada com o troféu “José Carlos Castro” de Direitos Humanos na pessoa do Cacique Odair Borari, mas conhecido como Dadá. A sole-nidade de premiação promo-vida pela OAB – Seção Pará e CJP Norte II (Comissão Justiça e Paz) aconteceu no dia 10 de dezembro no auditório da CNBB, em Belém e contou com a presença de várias entidades e Movimentos Sociais.

Texto e Fotos: Claudemir Monteiro

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direitos territoriais, mas também nas políti-cas públicas. Alertou que o Estado Brasileiro não compreendeu até hoje a especificidade dos direitos indígenas para educação, para a saúde, de tal forma distorce a sua fun-ção repassando responsabilidades da ques-tão indígena para os municípios, tal como vem acontecendo no processo da FUNASA em que busca aproximar os municípios da atenção a saúde indígena. a Cargill e a Alcoa, que entram e roubam

nossa Amazônia...” Terminou suas palavras dizendo: “...as áreas indígenas estão pedin-do socorro, estão roubando nossas terras e precisamos de apoio da sociedade para enfrentar essa situação”.

A resposta veio da presidente da OAB Dra. Ângela Sales: “Dadá, você como caci-que de seus guerreiros, pode contar conos-co na sua luta”.

Além de Odair Borari, receberam cer-tificados de reconhecimento de lutas pe-los Direitos Humanos: André, da Pastoral do Menor, do Município de Abaetetuba; a Sra. Maria, do Município de Prainha; Padre Sérgio, da CPT e Dra. Maria Eunice Begôt, nutricionista da Santa Casa de Misericórdia e Banco de Leite Materno e Hospital amigo da Criança, pelo UNICEF, de Belém.

Odair Borari na ocasião da premiação definiu que o governo Lula não está cor-respondendo aos os interesses dos Povos Indígenas, não só no Pará como em todo o Brasil. Está fazendo exatamente o que con-traria os Povos Indígenas em beneficio dos grupos econômicos interessados em roubar e explorar as terras indígenas. “Eles nos cha-mam de invasores, mas invasor mesmo são

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Durante toda a semana de 23 a 26 de janeiro de 2008, a cidade de Belém promoveu uma série de atividades em vista de se preparar para o Fórum Social Mundial de 2009, que pela segunda vez vem para a Amazônia. As fotos que ilustram esta matéria são da manifestação em Belém, tiradas por Rebeca Spires, do MENSAGEIRO.

88 países realizaram esta semana ações de mobilização global que culminaram com manifestações de rua no dia 26 de janeiro, enfati-zando o multiculturalismo. O multiculturalismo traz a idéia de uma convivência harmônica entre os diversos grupos étnico-culturais. Incorpora a aceitação da diversidade étnico-cultural e lingüística em uma sociedade pluricultural. Articula e permite o diálogo entre os di-versos grupos da sociedade. Nessa perspectiva os movimentos so-ciais e os lutadores e lutadoras do povo são importantes por forçar os Estados a reconhecer a existência de outras formas de fazer polí-tica, cultura e expressões religiosas.

O MUNDO MELHOR – JÁ!

FEM – Fórum Econômico MundialNa última semana de janeiro o mundo inteiro este-

ve de olho em Davos (uma cidadezinha nos Alpes Suíços) onde governantes de países do mundo inteiro se reuniram no Fórum Econômico Mundial. Eles se dizem em busca de soluções econômicas para os problemas do mundo, supos-tamente livres e independentes de interesses políticos, par-tidários ou nacionais. Este ano, o secretário geral da ONU, Ban Ki-moon alertou o grupo que uma prioridade urgente para o mundo é água. A pergunta do WEF (Fórum Econômico Social) está aberta para todos participarem na resposta: “Na sua opinião, o que é que países ou empresas ou indivíduos

tem que fazer para que o mundo seja melhor em 2008?”Com esta pergunta, parece que melhorar o mundo é uma simples

questão de unir os contrários: índios e madeireiros, grandes corpora-ções empresariais e movimentos de trabalhadores... Até o Bradesco já anunciou sua intenção de investir na Amazônia, pela sua preser-vação! Mas... de que ponto de vista é que enxergam os dirigentes políticos e empresariais do mundo? Continuam a acreditar que será por meio do dinheiro que vão se acabar os problemas dos massacres na África, da destruição das florestas, do aquecimento global.

Nunca nos esqueçamos, porém: essa tragédia humana e am-biental faz parte do “desenvolvimento capitalista” que jamais se pre-ocupou com os milhões de excluídos da sociedade ou com o risco

de esgotamento dos recursos naturais. Pensar em alianças com setores políticos que já mostraram sua face destruido-ra é “dançar conforme a música”. As alternativas precisam ser pensadas fora deste redemoinho em que afunda a socie-dade humana.

1� janeiro / fevereiro 2008

FSM – Fórum Social MundialMas a solução para o mundo não se encontra so-

mente no econômico. E como o povo sabe disso, come-çou-se fazer – na mesma data do fórum de Davos – o Fórum Social Mundial. O FSM é um espaço de debate democrático de idéias, aprofundamento da reflexão, formulação de propostas, troca de experiências e ar-ticulação de movimentos sociais, redes, ONGs e ou-tras organizações da sociedade civil que se opõem ao neoliberalismo e ao domínio do mundo pelo capital e por qualquer forma de imperialismo. Após o primeiro encontro mundial, realizado em 2001, se configurou como um processo mundial permanente de busca e construção de alternativas às políticas neoliberais. Para ser de fato processo permanente, depende de nós, o povo.

O FSM não pode manter um encontro mundial a cada ano, mas precisamos ser ativos o tempo todo. Este ano de 2008 durante a semana de 21 a 26 de janeiro sabe-se de mais de 430 atividades em 85 países. (Vejam no site: www.wsf2008.net). Pessoas, movimentos e organizações de todo o pla-neta estão exigindo o fim do “velho” mundo, marca-do por imperialismo, sexismo, colonialismo e outras formas de opressão. Fazemos isso através de ações em defesa dos Direitos Humanos ao equilíbrio am-biental; de aulas de fotografia e plantio de árvores até ações diretas contra redes de “fast food” e outros expoentes do poder corporativo; de festivais de instalação de software livre até festas e videoconferências.

26 de janeiro foi escolhido para manifestações em todo mundo, onde os povos do planeta afirmarão que é possível um outro mundo: com justiça, liberdade e paz. Belém-Pará, eleita como sede do FSM em 2009 mostrou que a Amazônia também luta e acredita que “Um outro mundo é possível!”

1�janeiro / fevereiro 2008

O FAOR é o Fórum da Amazônia Oriental que reúne cerca de 300 entidades en-

tre ONGs, sindicatos, associações e movi-mentos Sociais que atuam nos 04 estados da Amazônia Oriental: Maranhão, Tocantins, Amapá e Pará.

O objetivo do Fórum é articular as lutas das entidades que o compõem, em favor de um desenvolvimento democrático, ou seja, com a participação do povo da Amazônia e Sustentável, que significa dizer, sem agres-sões ao meio ambiente e as populações que vivem na região. A conferência abordou os mais graves problemas que a Amazônia so-fre.

Um dos debates tratou discriminação e desrespeito aos direitos das populações negras e indígenas, situação provocada pelo modelo de desenvolvimento de nosso país. Tal modelo de desenvolvimento não poderia resultar em outra coisa que não a violência tanto contra os territórios indígenas, quanto contra a pessoa do próprio índio, como ficou bem demonstrado na fala do seu Antônio do povo Apinayé.

Antônio denunciou a violência constan-te que os povos indígenas sofrem, enfatizan-do o grande número de indígenas assassina-dos em 2007, a maioria em Mato Grosso do Sul. Ele destacou a situação do povo Krahô – Kanela no Tocantins, que sofreram duran-te três décadas de massacre e maus tratos

O Fórum da Amazônia Oriental reuniu-se de 5 a 8 de dezembro na cidade de Palmas, Estado do Tocantins

Reportagem e fotos: Maria Istélia Coelho Folha e Luiz Cláudio Brito Teixeira

por parte do governo Brasileiro, e que hoje após luta dos aliados e pressão política ao governo, conseguiram rea-ver parte do seu território.

A falta de assistência à saúde com aumento na mortalidade infantil é notória. Antônio denunciou a situa-ção nas aldeias do seu povo Apinayé no Estado de Tocantins onde as con-dições de higiene são muito precárias, sendo que adultos, crianças e animais convivem no mesmo ambiente, be-bendo e utilizando água dos mesmos córregos, para todas as atividades da comunidade.

A conferência debateu ainda os grandes projetos da PAC, do hidro e

agro-negócio, do descaso com a legislação entre assuntos de interesse de todos, indí-genas ou não. Para nós ficou claro que é ne-cessário que a sociedade Nacional e o Estado brasileiro revejam as nossas relações com os povos indígenas, na direção do respeito às suas culturas, aos seus modos de exis-tência e ao seu protagonismo na construção do presente e do futuro, rompendo definiti-vamente com o preconceito, o ódio e a dis-criminação, raízes principais das violências contra as comunidades indígenas em nosso país.

�0 janeiro / fevereiro 2008

Cláudio, Gilson, Marcelo, Marina, Márcio, Francisco, César, Edson, Mário, Valdir, Lucas, Ademir... são alguns dos 48 nomes de indígenas Guarani-Kaiowá assassinados no ano de 2007.

Pessoas que sonhavam com dias melho-res, mortos agora, vítimas da violência cometi-da contra os povos indígenas em Mato Grosso do Sul.

Os nomes falam, lembram pessoas que co-nhecemos, põem em evidência a humanidade e a materialidade das vidas que foram roubadas. Ao lermos os casos de assassinatos noticiados pelos jornais, esses nomes já não nos são indi-ferentes, especialmente quando se descrevem as condições das mortes: espancamentos, cor-pos mutilados por inúmeras facadas ou tiros, enforcamentos, assassinatos praticados diante de crianças...

Todos esses nomes pertencem a pessoas que compartilhavam a vida com outras, eram parte de uma família, de uma comunidade, de um povo, de uma rede de relações que há muito

Pelo menos 76 indígenas foram assassinados no Brasil em 2007 de acordo com levantamento do Cimi, ainda não concluído. O número supera em quase 60% os dados de 2006 que já foi o pior da década! Isso deveria nos chocar, isso deveria nos questionar. Não são meras estatísticas. São amigos, parentes, vidas preciosas, pessoas que conhecemos e com que vivemos. Iara Tatiana Bonin destaca os Guarani Kaiowá e nos coloca questionamentos e desafios. Obrigada Iara!

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Fotos: Egon Heck

está ameaçada. E a ameaça é a omissão do poder público, a falta de terra, a fal-ta de perspectivas, a ausência de justiça e de direitos. A vida dos Guarani-Kaiowá está ameaçada pelo confinamento de uma imensa população em pequenas áreas, que por sua vez é resultado de uma insa-ciável sede de produção, de lucrativida-de, de acumulação que nos torna cegos para as injustiças decorrentes do modelo de desenvolvimento que adotamos como único e inquestionável.

Os Guarani-Kaiowá enfrentam a es-cassez, a fome, a violência, o descaso, o

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preconceito, e esta é uma rotina que torna impossível manter laços de solidariedade, e vivenciar certos costumes que regulam as relações sociais nestas comunidades.

Se a desnutrição infantil, no esta-do do Mato Grosso do Sul, noticiada com destaque, parecia abalar aquela sensação de que vivemos num país de fartura e de democracia, as notícias de assassinatos indígenas que nos chegam desse mesmo lugar parecem não produzir o mesmo efei-to.

É necessário sacudirmos a poeira que recobre o que chamamos de justiça

e reconhecer que a violência que assola a vida indígena tem causas implicadas diretamente com nossas vidas, com nosso modelo de socie-dade e com as escolhas que temos feito em termos sociais e políticos. Temos tudo a ver com essa lista de nomes de mortos. Temos também tudo a ver com os desvios de recur-sos, restringindo sempre mais os investimentos em questões sociais, entre elas a demarcação das terras indígenas. Afinal, todos nós parti-cipamos da consolidação de certas formas de governo, falando ou ca-lando, e desse modo legitimamos certas estratégias políticas e aca-tamos a omissão de tantos direitos sociais.

Se as vítimas indígenas em Mato Grosso do Sul têm nomes, os agressores também têm! Não se trata de responsa-bilizar apenas a mão que empunhou a arma. Trata-se de atribuir responsabili-dades principalmente, ao poder público, ao Estado brasileiro e ao Governo Federal pela negligência e pelo descaso que leva ao não cumprimento dos direitos constitu-cionais dos povos indígenas. Se a respon-sabilidade em demarcar terras indígenas suficientes e adequadas fosse efetivamen-te assumida pelo Governo Federal, talvez

estes cruéis assassinatos não aconteces-sem. Isso porque, ao assegurar o resta-belecimento das condições de vida e de dignidade desta população, seria possí-vel vislumbrar um futuro pelo qual vale a pena viver e lutar.

Foram assassinados rapazes e mo-ças, homens e mulheres Kaiowá e, diante dessa dor, não podemos mais escapar à pergunta: qual a parte que nos cabe nes-te grande genocídio? Quais são os valo-res que cultivamos? Quem são as pessoas que contam e pelas quais nos mobilizamos para assegurar a vida? Devemos nos sentir

responsáveis, como pessoas e como cida-dãos, pelas grandes injustiças cometidas contra aqueles que se tornam cada vez mais vulneráveis, em especial os povos indígenas para quem reservamos áreas cada vez menores, e de quem a cada dia subtraímos mais e mais as condições de bem viver. Mas, acima de tudo, deve-mos atribuir respon-sabilidade àqueles que, ao assumir o governo, assumiram a inegável atribuição de zelar pelo bem de todos, e de cada um.

��janeiro / fevereiro 2008

Querem calar a voz do povo Xukuru. E a forma como se faz isso, mostra a intolerância e o autoritarismo de uma elite que domina o nordeste do Brasil: Estão colocando o poder judiciário para prender e intimidar lideranças indíge-nas. Dessa vez, o alvo foi José Agnaldo Gomes de Souza, professor indígena; integrante da COPIPE – Comissão dos Professores Indígenas de Pernambuco; vereador pelo PT em Pesqueira.José Agnaldo foi o terceiro indígena dessa etnia, cuja prisão temporária foi decretada pela juíza federal Ivana Mafra Ma-rinho, em um mês, a pedido do Delegado da Polícia Federal Marcos Cotrin, acusado de planejar o homicídio do indíge-na José Lindomar de Santana, em agosto de 2007.O esforço dos Xukuru de exigir apuração completa e isenta dos crimes contra os indígenas e/ou atribuídos aos mesmos, e a postura de total colaboração de Agnaldo, que atendeu a todas as intimações da polícia federal, demonstram inexis-tir qualquer interesse de obstaculizar a atuação do aparelho de segurança e justiça, ou receio em torno do resultado da apuração.Agnaldo, que ficou preso de onze de dezembro passado, a treze de janeiro deste ano, publicou esta Carta, para que seu povo e os aliados da causa indígena sigam em sua luta, mesmo que as piores forças venham a atingi-los.

Caruaru, 06 de janeiro de 2008.

“Povo Xukuru do Ororuba, guerreiros e guerreiras Xukuru, que a força encantada do reino do Ororu-

ba, esteja com todos e todas neste momento.Escrevo-lhes da prisão, onde com muita dignidade, ten-to resistir, como fez meu povo, durante estes 507 anos. Estou sofrendo muito - não apenas pelo fato de estar preso, mas por conta de que me tiraram do meio do meu povo, dos costumes e tradições do povo Xukuru; não per-mitiram que este ano, eu pudesse estar recebendo com vocês, as forças encantadas do reino do Ororuba. No entanto, não me tiraram algumas coisas que conside-ro essencial: a minha dignidade, o meu amor pelo meu povo, o meu compromisso com a construção do projeto de futuro do meu povo que significa a construção de um mundo melhor sem opressores e oprimidos.Aqueles que nos perseguiram no passado, através dos nossos antepassados, ainda hoje nos perseguem repre-sentados pelas elites de Pesqueira, pelos que detêm o

poder e, com ele, conseguem manipular alguns descom-prometidos com a luta do nosso povo e que só pensam em tirar proveito próprio.Estão cada vez mais tentando atrapalhar o trabalho que nossas lideranças vêm buscando desenvolver. No entan-to, esses, que se unem para destruir o povo Xukuru, encon-tram pela frente muitos obstáculos e eis alguns deles:1° Nossas lideranças não se vendem, apesar de terem difi-culdades financeiras.2° Somos um povo numeroso e unido, consciente de nos-sos direitos e não nos deixamos manipular.3° Nosso povo conta com uma estrutura de organização sólida, como o CISXO, COPIXO, conselho de lideranças - associação.4° Temos um cacique dinâmico que trabalha e nos deixa trabalhar e um pajé que nos ajudou a enxergar e valorizar a força encantada do reino do Ororuba.5° Temos uma mediunidade preparada para juntos que-brarmos todas as forças contrárias a nossas lutas.Gostaria de, aqui da prisão, pedir a união de toda força encantada. Agradecer os apoios, as demonstrações de confiança em mim e no companheiro Rinaldo. Quero ainda afirmar que sou inocente e que acredito na justiça divina. Estou cheio de esperanças que em breve estarei de volta para continuar a luta por dias melhores junto ao meu povo. No entanto, sei que estou pagando um preço alto por estar à frente, junto às demais lideranças, das lutas e conquistas que temos… portanto, esse preço eu pago com muita dignidade e peço apenas, nesse momento tão difícil, que as forças continuem unidas, acreditando na nossa inocência.Mas gostaria de dizer ainda, pra finalizar:Pessoas estão morrendo em nosso território nos últimos anos e a maioria delas através de emboscadas, todas no território Xukuru e isso precisa ter fim. Chico Quelé foi a primeira vitima depois de Xikão. Quem está por trás des-sas mortes, destes crimes hediondos, precisa pagar por eles, pois se não, inocentes acabam pagando sem dever. Nossa grande luta é pela vida, como nos orienta nosso pai Tupã, da qual seremos sempre os grandes promoto-res e promotoras. Chega de impunidade! Chega de per-seguição às lideranças e ao povo Xukuru!Agradeço especialmente aos nossos parceiros, pela arti-culação, pelo credito no nosso trabalho.Nosso povo é forte e junto comigo continuara resistindo e como disse um grande líder indígena somos milhões e mesmo que todo o universo seja destruído, nós vivere-mos para sempre. Salve as forças encantadas do reino do Ororubá! Salve as matas, as pedras e água! Salve a união e a força de todo o povo Xukuru!Um beijo no coração de todo o meu povo e um feliz ano novo cheio de paz e harmonia para todos e todas.”

Do amigo aprisionado,Agnaldo Xukuru

Fotos: Pe. Carlo Paris

�� janeiro / fevereiro 2008

O Povo Maraguá reaparece com toda for-ça. É um povo de origem Aruak, de forte

influência Tupi que agora mora na floresta equatorial no município de Nova Olinda do Norte no estado do Amazonas. Hoje eles fa-lam o idioma Nhengatu, no dialeto Maraguá, de origem Tupi. Isso porque antigamen-te o povo Maraguá habitavam a região do Rio Mamurú, dividindo o território com os Sateré e Arapium do rio Abacaxis. É um povo herdeiro da rica cultura tapajoara que, ao ser expulso de seu território original por guerras e por usinas francesas de destilaria de pau-rosa, acabou por ter alguns de seus membros incorporados aos seus vizinhos

Apresentando...

Não extintos e sim dispersos em busca da sobrevivência

Este artigo é baseado em depoimentos de:Amadeu Reis – 74 anos,

Belmiro Reis – 75, Verônica Reis – 60,Maria da Glória–63,Ezequiel Reis – 80,

Ozias Glória – coordenador do histórico,Genésio Freitas – falecido,

Eliseu Reis – 67,Mateus Matos – 62,Jorge Freire – 59,

Abelardo Silva - 85.

O primeiro à esquerda é Ozias Glória, escritor e articulador do povo Maraguá, formado em Geografia pela USP. Eles mostram a cerâmica fabricada pelo povo Maraguá.

Fotos: Christopher Six

��janeiro / fevereiro 2008

Sateré-Mawé, e outros espalhados em di-versos lugares. Daí em diante passaram ao anonimato e foram dados como extintos.

São originários dos rios Mamuru e Mariakawã nos municípios de Parintins e Juruti, mas migraram em 1860 para o Paraná do Limão por ocasião da guerra da Cabanagem. Perderam seu território tra-dicional por força de perseguição militar e tiveram que dividir para sobreviver. Alguns deles eram cabanos e, pela rendição impos-ta, tiveram que jurar obediência ao governo branco e renegar sua identidade indígena.

Em 2005, começaram a lutar pelo re-conhecimento de seus direitos e sua identi-dade. Finalmente a identidade Maraguá sai do anonimato. Os remanescentes sabem da importância de sobreviver e os descenden-tes de Teodoro e Manuel reiniciam a história contemporânea de uma comunidade forte e orgulhosa de seu passado.

População: Hoje os Maraguá somam 550 pessoas. Quase a metade vive nas ci-dades de Manaus, Boa Vista do Ramos e Barreirinha. Os outros estão em três aldeias. Duas às margens do paraná do Urariá e uma no curso médio do rio Abacaxis. Todas três pertencem ao município de Nova Olinda do Norte. Território: A área das três aldeias é

dividida com a população ribeirinha. Porém, há um sério movimento para o reconheci-mento de uma única área para os Maraguá e assim a reunificação dos integrantes des-se povo. A área em questão seria as terras do médio rio Abacaxis no município de Nova Olinda do Norte, onde há terras do gover-no há décadas habitadas por Maraguá e há poucos moradores não-maraguás. Assim, é viável e fácil tornar esta uma área indígena. Além do mais, desde 1700 nota-se a exis-tência de indígenas Maraguá na região do Rio Abacaxis.

Organização social:Clãs: Os Maraguá de hoje são dividi-

dos em clãs que representam cada família e que são simbolizados por animais: Aripunã – vespa, Tawató – gavião, Yaguareté – onça, Cukuyê – cobra sucuri, Pirakê – peixe elétri-co, Ag’wã – mutum, Piraguá – boto.

Tuxawa e Mirixawa: Cada família principal ou clã tem um tuxawa, o respon-sável pela comunidade. Este é um cargo vi-talício que passa de pai para filho, sempre o filho mais velho. O mirixawa é um tipo de assistente ao Tuxawa. Ele responde pela co-munidade na ausência do tuxawa e é res-ponsável pela organização social da comu-

Jorge Freire – Pescador da aldeia Novo

Horizonte Rio Abacaxis, Nova Olinda do Norte

Cacique Jair ao lado do seu ir-mão Misael extraindo mel da abelha sem ferrão no tempo da cheia na aldeia Novo Horizonte Rio Abacaxis Nova Olinda do Norte.

�� janeiro / fevereiro 2008

nidade. Tiramói: Muito respeitados são os sá-

bios ou patriarcas chamados Tiramói.Presidente: Este cargo não é vitalício,

nem tradicional. Trata-se da pessoa respon-sável pela representação da comunidade entre os não-índios. O presidente pode ser admitido ou demitido pela vontade da co-munidade.

Pajé: Esta é a pessoa que cuida dos doentes de maneira tradicional. É um cargo que passa de pai para filho, porém hoje tem apenas um pajé entre os Maraguá.

Associação: A associação foi criada re-centemente para representar os Maraguá: Associação Geral do Povo Maraguá – AGPM.

Cultura:Oral: Apesar da perda do território e a

miscigenação com não-índios, a cultura oral dos Maraguá permanece muito rica. Através do projeto: “de volta às origens”, organizado por professores e líderes, mitos e histórias são relembrados e fortalecidos. Em breve uma seleção de histórias tradicionais será publicada pela editora Martins Fontes de São Paulo.

Festas: As festas principais dos Maraguá são: Andory Gwyá – uma festa de confraternização que representa a união dos Maraguá e sua família, e Kory Adjapy, festa dos clãs, - um torneio onde praticam vários esportes e brincadeiras como: natação, arco e flecha, luta corporal, etc.

Material: Entre os Maraguá, há exce-

lentes ceramistas que fabricam todo tipo de potes e panelas atualmente. Antigamente fabricavam um tipo de lamparina de barro. Também confeccionam vários tipos de tece-lagem e adornos plumários.

Educação e projeto cultural:O projeto “de volta às origens”, que

procura valorizar a cultura que restou após muito tempo tido como povo extinto, ajuda a reavivar cantos, danças e tradições orais. Juntamente a isso, nas escolas ensinam a língua maraguá. As crianças aprendem e passam a amar a tradição de seus pais valo-rizando a etnia. Hoje o idioma Maraguá não é mais uma língua de somente alguns, mas de todos os Maraguá.

Parabéns a este povo lutador! Vejam o que podemos aprender com eles!

1° curso de Direitos Indígenas na aldeia Novo Horizonte Rio Abacaxis.

Lamparina antiga, de cerâ-mica, usada pelos Maraguá. Descoberta na aldeia Pilão

��janeiro / fevereiro 2008