CYBERPUNK_ ATITUDE NO CORAÇÃO DA CIBERCULTURA

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    CYBERPUK

    APROPRIAO, DESVIO E DESPESA A CIBERCULTURA[1]

    Andr Lemos

    O imaginrio cyberpunkmarca toda a cibercultura. O termo tem suas origens no movimentohomnimo de fico-cientfica que associa tecnologias digitais, psicodelismo, tecno-marginais, ciberespao,cyborgs e poderes miditico, poltico e econmico dos grandes conglomerados multinacionais. Alm da

    fico, todo o imaginrio da cibercultura vai ser alimentado pela ao dos cyberpunks reais, o undergroundda informtica com osphreakers, hackers, crackers, ravers, zippies, cypherpunks e otakus[2].Vejamos algumas definies do conceito:

    " uma emergente sub-cultura jovem, fusionando anti-autoritarismo punk com amor pelas tecnologias

    de ponta". "os soldados pioneiros do sculo XXI. Embarcando na nova fronteira eletrnica"[3].

    " um modo de vida centrado nas tecnologias computacionais, msica hardcore e agressividade

    adolescente. O cyberpunk nos d a habilidade de ser livre. A tecnologia pertence ao jovem e deve ser

    explorada em seu proveito. Esta a nova era... "[4].

    A fico cientfica cyberpunkaparece com um reflexo do que j acontecia no quotidiano. Por isso,seus expoentes dizem no falar do futuro, mas fazer uma pardia do presente. No entanto, fora da fico-

    cientfica, o imaginrio cyberpunk aparece em vrios formatos da cultura contempornea[5], sendo ohackinga ao comum a todos eles. Para R.U.Sirius, editor da revista californiana Mondo 2000, o hacking

    (como veremos, ao emblemtica da cibercultura) uma forma de "controlar nosso destino"[6].

    Podemos colocar nessa perspectiva, a atuao de artistas eletrnicos, os ativistas da fronteira eletrnica, oshackers e crackers. O underground high-tech uma atitude contra a tecnocracia que criou a informtica.

    Para Sirius, ele a expresso[7]"de uma nova formao social configurada eletronicamente chamadacibercultura (...) e que nos convida a cruzar o espao de dados, cavalgar a onda eletrnica, hip hop os

    seus laptops, passear na realidade virtual, projetar comidas e plugar em sincroenergticos e drogas

    inteligentes garantindo ampliar nossa potncia cerebral e nossa vida sexual"[8] .O cyberpunk tenta nos convencer de que estamos frente a uma revoluo cultural sem precedentes

    que une, de modo indito, a jovem cultura urbana e as tecnologias digitais: a cultura do caos e as novas

    tecnologias (Ruskoff[9]). A cibercultura, da qual o cyberpunk um dos timoneiros, o resultado de uma

    revoluo sem slogans, sem ideologias e sem emblemas histricos; uma rebelio intersticial na fronteiraeletrnica, aew Edge. A cibercultura permite, assim, a fuso entre aew Edgehigh-tech e aew Agenaturalista, espiritualista e hedonista. O cyberpunk filho direto da contracultura.

    A contracultura de anos 60, que fundia liberalismo e tecnologia (rock, vdeo e cinemaexperimentais...) rejeita, no plano global, o alargamento dos impactos da tecnologia na vida quotidiana.Embora a cultura cyberpunkpossa ser vista como herdeira da contracultura, ela no mais antitecnolgica,nostlgica. Na realidade, a celebrao das novas possibilidades abertas pelas tecnologias eletrnicas pode

    ser vista como uma alienao levada ao nvel de xtase[10]. O imaginrio cyberpunk impe, assim,uma viso ao mesmo tempo cnica e distpica em relao s possibilidades abertas pelas novas tecnologias.

    Aqui, o futuro no faz mais sentido e as grandes meta-narrativas desabaram. O lema dos cyberpunks : ainformao deve ser livre; o acesso aos computadores deve ser ilimitado e total. Desconfie das

    autoridades, lute contra o poder; coloque barulho no sistema, surfe essa fronteira, faa voc mesmo.A primeira expresso da cultura cyberpunk surge na fico-cientfica, caracterizando-se por uma

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    viso negra ou distpica do futuro. Dentro de uma viso conspiratria, que deve muito literatura americanado ps-guerra, a sociedade dominada por grandes corporaes que controlam a poltica e a economiamundial. As redes de computadores so o centro nervoso da vida social neste futuro pardia do presente.

    Para o que nos interessa aqui, o termo cyberpunk usado para designar a corrente ou movimentoda fico-cientfica dos anos 80, proposto por Gardner Dozois, editor da Isaac Asimov Magazine, a partirde uma histria homnima de Bruce Bethke a publicada. Antes de ser conhecido como cyberpunk, oMovimento, como tambm chamado, herdeiro daew Age de anos 60. Escritores como Bruce Sterling,

    Rudy Rucker, John Shirley, Pat Cadigan, entre outros, so os principais expoentes do gnero, influenciadospela literatura fantstica, policial e a fico-cientfica high-tech. O tema da tecnologia e sua relao estreitacom o quotidiano so recorrentes, perpassando todas as obras e unindo seus autores.

    O ambiente tecno-urbano, catico, unindo viso distpica do futuro e altas tecnologias caracteriza oimaginrio cyberpunk. A tecnologia torna-se o dispositivo pelo qual os piratas de dados atingem seusobjetivos (penetrar sistemas, colocar vrus, destruir dados sensveis). Nas suas histrias existe sempre um

    sistema que domina a sociedade, grandes corporaes atuando como imprios religiosos[11] que voampliando, atravs de redes telemticas, seus domnios. O ltimo passo realizado na distopia cyberpunk apenetrao ou colonizao do corpo humano. Surge, aqui, a banalizao dos cyborgs, hbridos com prteses

    as mais diversas, como Case ou Molly, personagens centrais deeuromancer.A fico cyberpunk retrata as sociedades ps-industriais avanadas, onde a economia, a cultura, o

    saber j foram, h muito, traduzidos em informaes binrias. O ambiente retratado mostra como "o poder de agora em diante aquele do saber, da informao: redes interligadas que tecem uma teia de

    aranha telemtica ao redor do globo"[12]. O estilo cyberpunk visto por crticos como a apoteose do

    ps-moderno, um representante central do imaginrio da cibercultura dos anos 80[13].O prefixo cibervem de ciberntica, a cincia do estudo do controle de processos de comunicao

    entre homens e mquinas, homens e homens, e mquinas e mquinas. O punkrevela a atitude, a fora da ruano que nela h de mais trgico, imediato e violento. Os cyberpunks so outsiders, criminosos, visionrios da

    tecnologia. Eles encarnam, na fico e na vida real, uma atitude de apropriao vitalista da tecnologia. Ouniverso de sua fico est, justamente, na conjuno social do reino da tecnologia de ponta, daracionalidade, da hard-science, com o lado subterrneo, hedonista, tribal da sociedade de hoje. Como parteda cibercultura, o estilo cyberpunkaponta para uma sinergia entre as tecnologias digitais do ciberespao e asocialidade contempornea.

    Sendo assim, se no h mais utopia possvel, isto no implica, entretanto, uma homogeneizao e umcontrole total da vida social. Se a modernidade criou o imaginrio da tcnica infalvel e positiva, apontandopara o futuro, a cibercultura est ancorada no presente. A ma mordida do Macintosh o smbolo dofracasso do homem individualista, emancipado, racional e objetivo. Em lugar de ser o momento do

    desencanto radical do mundo esboado por Orwell, o verdadeiro ano de 1984 parece ser uma espcie dere-encantamento da tecnologia contempornea. Neuromancer de William Gibson[14] , assim, o trabalhoque melhor reflete a cultura tecno-urbana dos anos 80. O livro populariza o movimento cyberpunk nafico-cientfica. E, o mais importante, ele vai formar e ampliar o imaginrio da cibercultura. No vou mealongar muito, pois essa temtica foi desenvolvida em um outro trabalho. O objetivo aqui relacionar ocyberpunk s noes de apropriao, despesa improdutiva desvios de comportamento.A RUA E A TECOLOGIA. OS CYBERPUKS REAIS

    A formao do underground high-tech diretamente influenciada pela contracultura americana e

    pela consolidao da sociedade dos meios de comunicao de massa. O desenvolvimento das tecnologiasde comunicao micro-eletrnicas, assim com a atitude sociocultural dos anos 60-70, contribuem para aemergncia de dois fenmenos muito importantes para a consolidao da cultura cyberpunk: osphreakers eos hackers, os primeiros e verdadeiros cyberpunks da rua. R.U.Sirius explica: "as primeiras pessoas a se

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    identificarem como cyberpunks foram hackers adolescentes relacionados aos personagens dos

    mundos criados nos livros de William Gibson, Bruce Sterling, John Shirley, e outros"[15].Os ltimos ataques contra os gigantes do e-business, no comeo de 2000, e o crescimento

    exponencial de ataque de hackers brasileiros, j em 2001, com os recentes ataques a Nasdaq, Dell,Ministrio da Defesa e Nike, so exemplares. Importa aqui a compreenso de que os verdadeiros hackers,ao contrrio dos marginais ou vndalos, buscam desmascarar a falta de segurana de sistemas e revelar opapel das novas tecnologias de informao na sociedade globalizada. A idia bsica no recusar, masdispor da tecnologia para combater, em pequenas guerrilhas, as derrapagens do sistema global.

    A atitude cyberpunk , assim, negativa em dois nveis: o pessimismo (em relao ao futuro, asideologias) e o descontentamento para com a tecno-estrutura. Ela no , contudo antitecnolgica. O tecno-anarquismo (grupos comoLegion of Doom, Hacktic, CCC, L0ft, entre outros) uma forma de negao dopoder da tecnocracia e uma maneira de afirmar, de forma positiva, a vitalidade social atravs das novastecnologias. O intenso e imediato prazer em tempo real, o desprezo pelo futuro, a aventura e a conquista denovos territrios simblicos, a anarquia do ciberespao, as agregaes sociais, todas caractersticas dacibercultura, mostram o vitalismo social contemporneo no corao da tecnologia digital. Vejamos algumasdefinies sobre cyberpunks no newsgroup alt.cyberpunk:

    Tue, 21 Dec 1993 18:39:20 GMT

    alt.cyberpunk

    > You cannot be a cyberpunk and at the same time agree that

    > certain information should be banned, censored or outlawed.

    Date: Mon, 10 Jan 1994 05:44:16 GMT

    >I totally disagree. I think cyberpunks truly enjoy the idea of living

    >in a 'Blade-runnerish' future, but they know that in reality, its not

    >going to largely happen. However, in Blade-runner & the lik e, we really

    >never got to see what the rest of the world was like. The cyberpunkers of course will >choose to live in the cities, (LA,

    Tokyo, Y etc.)

    Your cpunk may live in a fictional world, mine doesnt, and Im sure that many out there will say that there life is not

    fictional. It is more like the ideas of the hackers of California and Berkley. To bring tech to the people, and put the

    power in the hands of the masses thru technology.

    Tue, 21 Dec 1993 18:45:11 GMT

    alt.cyberpunk

    Flux 1 parmi 10

    Article 794 Re: A Call to Arms

    [email protected]

    sHrOom at The MacInteresteds of ashville, Tn.

    > Well what's your definition? Come on, put it out on the street. Or isn't

    > that information free?My belief is that information should be free

    If you have to break the law to learn, then do i t.

    Os cyberpunks reais no so homogneos. O ncleo comum das tribos eletrnicas a mistura de

    fascinao, de apropriao, de diverso e de impertinncia em relao s tecnologias do ciberespao.Segundo afirmam os prprios cyberpunks, eles procuram o prazer, o conhecimento e a comunicaoatravs do uso intensivo das tecnologias do ciberespao e de uma crtica feroz ao desenvolvimentotecnolgico. O discurso parece ser: queremos o ciberespao, mas no o Rwindow$, queremos Internet,mas no vigilncia eletrnica e spams, queremos informao livre, mas no sites inseguros que

    possam ferir a nossa privacidade, etc...Podemos ver o fenmeno como um processo social onde a socialidade[16] se d atravs da

    apropriao destas novas tecnologias. E isto para o melhor (a efervescncia comunal, o compartilhar desentimentos, a informao altrusta, etc.) ou para o pior (criminalidade, ausncia de contato fsico, terrorismo,

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    vrus, pedofilia, etc.). A gerao dos anos 80 ir popularizar o conceito atravs dos media de massa(jornais, revistas, TV), definindo-os como os piratas das redes de computadores. A percepo social serelaborada de tal forma, que os hackers no sero mais vistos como exploradores do ciberespao, mas como

    intrusos maliciosos e perversos[17].O filme War Games (1983) ajuda na formao desta cultura dos hackers dos anos 80. Pela primeira

    vez, o grande pblico via o phone phreaking, o hacking, asocial engineeringe outras prticas que jestavam nas ruas. Antes, em 1982, o filme Blade Runner d a esttica do movimento. Vejamos algunsdepoimentos de hackers conhecidos:- Michael Synergie (hacker): "Eu sou um dependente, um junkie sensrio. Eu quero incentivos, eimediatamente. Quando eu penetro os sistemas de computador eu no olho nada: correio pessoal,

    artigos, notas, programas, etc. Eu preciso aprender. Eu sou um o pesquisador de cabea e eu preciso

    saber tudo que eu posso".

    - The Mentor (membro doLegion of Doom)., Esse o nosso mundo. O mundo de eltrons, beleza ebaud. Usamos os servidores existentes sem pagar e eles nos identificam como criminosos. s

    exploramos... e voc diz que ns somos os criminosos. s existimos sem distinguir a cor da pele, anacionalidade, a religio... e voc diz que ns somos os criminosos. Voc constri algumas bombas

    atmicas, voc faz a guerra, voc mata, voc mente e voc tenta nos convencer que para nossa

    felicidade, novamente, ns que somos os criminosos. Meu crime a curiosidade. Meu crime julgar

    as pessoas pelo o que elas dizem ou pensam (...). Eu sou um hacker e esse meu manifesto. Voc pode

    parar um de ns, mas voc no nos pode parar tudo" .

    - Emmanuel Goldstein (Editor da Revista 2600): os hackers so aqueles que fazem muitas perguntas eaqueles que no acreditam na obedincia s regras todo o tempo. Se algum dissesse: nunca faa

    isso, eles no aceitam e vo fazer o que proibido fazer".

    - Rop Gonggrijp (membro do Grupo tecnoanarquista holands HACTIC) - o verdadeiro papel doshackers poltico, quer dizer so as pessoas que fazem progredir a informtica. Os hackers esto

    lutando para conectar qualquer pessoa fora da tecnocracia. Eles so os atores da passagem da

    tecnocultura a cibercultura.

    O Esprito da Cibercultura: entre apropriao, desvio e despesa improdutiva.

    O hacking o smbolo maior da cibercultura, podendo ser visto pela tica da astcia dos usos

    (Perriault), do desvio (Becker) e da despesa improdutiva (Bataille). Neste sentido, as novas tecnologias dacibercultura esto em relao estreita com a dinmica social contempornea. Vamos mostrar que estadinmica estabelece-se quando a micro-informtica apropriada pela vida social, alimentando as indstriasdo virtual. Esta apropriao se d como um mtodo de improvisao, onde os desvios do uso soresponsveis pelos desenvolvimentos na indstria da informtica e por sua popularizao. Assim, asociedade da informao entra numa fase de excesso e de profuso desenfreada de informaes.

    A forma como os media tradicionais tratam o fenmeno do hackingrefora a infantilizao destacultura, como um modo torn-la trivial e com isso neutraliz-la. Como vimos, o hackerpode ser visto comoum ativista que mistura negligncia e interesse, marcado por uma nova relao entre a contracultura e astecnologias micro-eletrnicas. Se a contracultura de anos 70 foi baseada, como mostra Ross, numa

    tecnologia do folclore (orientalismo, misticismo, idias antitecnolgicas, natureza) a cibercultura seria umacultura baseada numa espcie de folclore da tecnologia (realidade virtual, ciberespao, ps-humanismo).Para Ross, a cultura contempornea deve ser capaz "de re-escrever os programas culturais ereprogramar os valores sociais que fazem o terreno das novas tecnologias; um conhecimento hacker,

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    capaz de gerar novas narrativas populares ao redor de usos alternativos da ingenuidade

    humana"[18]. a partir da idia do hackingque se forma o imaginrio da cibercultura. Notamos a popularizao e

    at mesmo a trivializao deste imaginrio onde a mxima : tudo pode na Internet, a Rede livre, ainformao deve ser livre, a privacidade um direito inalienvel, etc. O acesso s redes decomputadores, realidade virtual, aos jogos eletrnicos, s imagens de sntese, s manipulaes digitais namsica eletrnica, vo exprimir este esprito transgressor e desviante como forma de apropriao, chegandoa sua disseminao pelo corpo social, atingindo, mesmo indiretamente, todas as pessoas que tm acesso snovas tecnologias. A cibercultura a popularizao da atitude dos cyberpunks, tendo no hackingseuemblema fundamental. Este a expresso de uma astcia do quotidiano, permitindo a apropriao social datecnologia em um contexto de desvios e excessos.Apropriao

    Podemos dizer que a cibercultura nasce pela apropriao tecnolgica. Como afirma Castells, acibercultura, ou a sociedade informacional, fruto da sinergia da Big Science, dos militares e do

    underground[19]. A cibercultura , diferentemente da atmosfera eletro-mecnica do comeo do sculo XX,favorvel a novas formas de apropriao social dos objetos tecnolgicos. O quotidiano o terreno onde sedesenvolve uma maneira, seno inteiramente nova, ao menos inusitada, de relao entre os homens e atecnologia: a atitude cyberpunk (raiz da cibercultura) expresso desta batalha contraditria entre oshomens e seus artefatos.

    Estamos no corao da sociedade ps-industrial, associando assepsia cientfica e tecnolgica aocaos urbano e ao lado dionisaco da socialidade contempornea. Assim sendo, o imaginrio tecnolgico dacibercultura parece estar em ruptura com os paradigmas que legitimaram o imaginrio da modernidade. Paraos principais expoentes da cibercultura, como vimos, o hackingmostra a apropriao quotidiana da tcnicano presente, sem engajamento perene ou idia de utopia tecnolgica.

    As novas possibilidades oferecidas pela revoluo da informtica permitem que a rua possainfluenciar os destinos da tecnologia. Podemos dizer que h um processo de diferenciao social produzidopor micropoderes, por aes de grupos ativistas (hackers, cypherpunks, zippies, ravers, etc.) que vocompor o mosaico de foras entre a tecnologia e a vida social. Ao desencantamento do mundo (MaxWeber), os cyberpunks propem a seguinte soluo: "sobreviver graas a truques (hacks), piratarias,

    trfico de signos, de linguagens, de conexes"[20]. A anlise da lgica dos usos, desenvolvida porJacques Perriault, ser til aqui para entendermos a cibercultura e, mais especificamente, a real participaodos cyberpunks.

    De acordo com Perriault, o uso dos objetos tecnolgicos no apenas tributrio das estratgias de

    empreendimentos de acordo com a objetividade da funo do objeto, ou de acordo com uma racionalidadetcnica intrnseca aos modos de usar (manuais tcnicos). Sua hiptese de que os usurios tm uma

    estratgia de utilizao dessas mquinas de comunicao"[21]. A sociologia dos usos visa, assim,entender o modo pelo qual usamos os objetos tcnicos no quotidiano, descrevendo uma perspectiva queflutua entre a etnometodologia e a psicologia. Talvez seja mais apropriado falar em astcia dos usos, j queeste termo, mais aberto ao imprevisto, escapa idia de lgica, como sustenta Perriault. Sabemos, com

    De Certeau[22], como os usurios inventam o quotidiano, como eles investem contedos simblicos,imprimindo seus traos na mais banal ao do dia a dia. No h uma lgica, mas antes uma dialgicacomplexa (Morin) entre os objetos, os usos e as obrigaes funcionais destes mesmos objetos.

    A apropriao tem sempre uma dimenso tcnica (o treinamento tcnico, a destreza na utilizao doobjeto) e uma outra simblica (uma descarga subjetiva, o imaginrio). A apropriao assim, ao mesmotempo, forma de utilizao, aprendizagem e domnio tcnico, mas tambm forma de desvio (deviance) emrelao s instrues de uso, um espao completado pelo usurio na lacuna no programada pelo

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    produtor/inventor, ou mesmo pelas finalidades previstas inicialmente pelas instituies[23].Pela apropriao est em jogo um certo esvaziamento do totalitarismo do objeto. Como mostra

    Schwach[24], a sociologia do uso tem por objetivo descortinar o usurio sob o ponto de vista psicolgico esociolgico, com o mrito de ter retirado desses estudos os preconceitos anti-tecnolgicos. Sabemos que ouso de um objeto tecnolgico, do mais simples aos mais complexos, nunca est dado, sendo, tambm,determinado por suas utilizaes. Os socilogos do uso trabalham com ideais tipo weberianos, estando

    mais interessados em descries ancoradas, em geral, sobre a vida social e psquica de cada usurio. Ascategorias scio-econmicas rgidas identificam os usos de acordo com velhos diagramas que noconsideram nem subjetividade, nem s influncias psicolgicas, nem as mudanas culturais mais sutis. Deacordo com Schwach, necessrio deixar as portas abertas a um transdisciplinaridade em trs nveis: afuncionalidade tcnica, os mecanismos psicolgicos de apropriao, e o fazer coletivo, sociolgico.

    Segundo Perriault haveria uma linhagem que uniria as mquinas de comunicao aos seus respectivosusos. Esta linhagem marcada, em toda a histria dos media, por um desejo de simulao. A ciberculturaestaria, dessa forma, marcada pelas tecnologias da simulao, proporcionando o sentimento dedescolamento do aqui e agora, do espao e do tempo. As tecnologias do virtual seriam ento um resultadodesse desejo onde o uso das mquinas de comunicao favorece a criao de redes de sociabilidade

    (...)".[25]Sendo assim, ao analisar os usurios, devemos superar a perspectiva do uso correto ou no dasmquinas de comunicao, marcados para sempre pelo estigma do consumidor passivo e envolvido por umarede de estratgias dos produtores. Devemos v-lo como agente. Hoje, se observarmos a dinmica social daInternet, poderemos identificar, na evoluo do uso das mquinas de comunicar, uma certa busca detactilidade, reforando ainda mais a apropriao social destas.

    Como descrevemos em outro trabalho[26], a tactilidade social potencializada pela micro-eletrnicapode ser comprovada pelas inmeras agregaes sociais. Ela fruto de uma utilizao no programada dasnovas tecnologias, e no um projeto de instncias superiores. Vrias ferramentas disponveis na Internetforam criadas por usurios de forma a potencializar o lado tctil das novas tecnologias. Assim, o expoente daracionalidade cientfico-militar transforma-se numa busca planetria por informao e contato. Parece que aafirmao dos processos irracionais (a festa, a violncia, a paixo) encontra-se potencializada pelos novosrecursos tecnolgicos.

    Desvio e OutsidersPodemos considerar os expoentes da cibercultura sob o prisma do desvio social, pela tica do

    outsider ou, como prope Howard Becker[27], pela lgica da devience (desvio). Os outsiders dacibercultura vo operar um desvio na lgica da produo e consumo das novas tecnologias contemporneas.

    Embora minoritrios, sua influncia no menor, sendo mesmo dominante no uso dos internautas hoje: decerta forma, todos encarnamos o esprito do hacking, ao lutarmos contra os spams, contra a invaso deprivacidade, pela liberdade de expresso no ciberespao, contra a censura, etc.

    Becker lana a hiptese segundo a qual os cientistas (sociais e bio-mdicos) criariam umaconcepo artificialista e, ao mesmo tempo, elitista do desvio social. Esta maneira de enquandra-loscomo outsiders ou desviantes, j que estes pensam o desvio a partir das seguintes premissas: os desviantesso aqueles que no fazem parte da mdia, da normalidade social. Assim, os desviantes so doentes(portadores de uma patologia) que no se integram s regras gerais da normalidade social. Mas estanormalidade no , por assim dizer, natural. Ela no , necessariamente, patolgica neste sentido, nemproduto de uma enfermidade mental, mas um constructo, uma teoria.

    A funo de um grupo social, ou de uma organizao, definida em um contexto histrico-poltico eno pela natureza intrnseca do grupo. Entender o fenmeno da deviance, de acordo com Becker, requeraceitar que a viso funcional inoperante, limitando a compreenso do fenmeno. A deviance produto dasociedade, uma falha na obedincia s regras impostas. Os grupos sociais criam a deviance, fazendo suas

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    prprias regras. Nesse sentido, a deviance no uma qualidade do ato, mas a conseqncia da aplicaode regras comuns a grupos tidos como tal. A esto os outsiders.

    Um ato considerado como anticonvencional em relao a outros de acordo com a reao, tendopor parmetro as regras gerais da moral e dos bons costumes. No entanto, variaes desta percepo sedo em funo do tempo (a ocorrncia e a freqncia de atos), do grau do ato (a relao entre quem cometeo ato e o que suposto de ser um ato anticonvencional), e das conseqncias sociais do ato. A deviance um processo de interao entre pessoas (ou grupos), entre aqueles que cometem um ato e os outros que os

    julgam, no sendo, assim, um problema natural ou patolgico, mas um conflito poltico-social.Becker prope ento algumas categorias para os atos de desvios. H o anticonvencional que visto

    como tal, mas, em verdade, obedece a regras do grupo. Estes so os conformados anticonvencionais (porexemplo, criminosos que so vistos como tal, mas no se importam). O desviante puro aquele querealmente est fora das regras impostas, mas que mantm, de forma conveniente, seu desvio no segredo

    (fumadores de maconha, por exemplo)[28].Podemos aplicar a anlise de Becker aos desviantes da cibercultura, aos hackers e outros outsiders

    da era da informao, aos cyberpunks em geral. Estes so anticonvencionais em relao aos analistasprofissionais. Mais ainda, hackers ou crackers tambm so considerados como desviantes por seus pares.

    Umhackerconsidera um crackerdesviante, mas no se enquadra enquanto tal. Alguns atos so levados emconta sem que a pessoa saiba que tal ato proibido ou anticonvencional. Os primeiros hackers afirmam quesuas aes foram realizadas na pura legalidade, que no fazem nada de doloso e que, em uma sociedadecientfica, tecnolgica e de informao, o desejo de saber (os sistemas de computador), de liberdade (deinformao) e de apropriao (da tcnica) no podem ser vistos como ilegais ou anticonvencionais.

    De acordo com Becker, um anticonvencional algum que no vive de acordo com as regras damaioria do seu grupo social. Os hackers esto nesta categoria de desviantes, estranhos aos programadoresprofissionais, legisladores e polticos. Eles no se vm como criminosos mas "como exploradores em um

    mundo eletrnico cujas regras no so claras"[29]. Os cyberpunks no compartilham posies do grupo

    dominante (a tecnocracia) e a imagem que lhes oferece os mass media.De fato, o desenvolvimento do viver em sociedade institudo por um jogo progressivo de atos prs

    e contra as normas e instituies. As leis e as regras morais evoluem neste embate e, por isso, caracterizam-se como um processo aberto, sendo fruto de lutas e processos sociais complexos. No caso de hackers,suas aes so atos de diferenciao, de destaque, para uma elite de infonautas ( assim que um hackeradmitido e, sendo brilhante, adquire um status de mestre). A deviance ciberntica tem um valor simblico.De acordo com Becker, esse curso inicitico realizado dentro de um grupo organizado, como os BBSSpiratas, por exemplo. Os grupos ou tribos tendem a reforar a deviance porque isto os une. Ao mesmotempo, o discurso dos paladinos da era da informao mostra como esses grupos tendem, tambm, a

    racionalizar as suas prticas e a encontrar justificativas plausveis, tentando escapar do rtulo de outsider.Becker chama isto de razo ego-justificada ou ideologia.

    Despesa e ExcessoUma outra noo importante para compreendermos a cibercultura a noo de despesa (dpense)

    e de excesso, particularmente com respeito aos cyberpunks. Trata-se aqui do excesso de informao, tofalado, causado pela popularizao global da Internet. A sociedade contempornea institui-se como umadisseminao virtica de dados binrios sob diversas formas:samplings musicais, vrus, pirataria, colagensdigitais, etc.

    G. Bataille[30] vai mostrar que uma sociedade s existe se deixar um espao reservado paradespesas improdutivas, para perdas e excessos. Esta noo de excesso est na contramo do moralismomoderno, j que a acumulao capitalista e produtivista a norma. Segundo Bataille, no h nada que nospermita definir o que til aos homens, j que os julgamentos, em geral, repousam sobre a produtividadesocial que, por sua vez, baseia-se no princpio em que todos os esforos e atividades devem ser redutveis s

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    necessidades materiais de produo e de conservao. Os prazeres furtivos, como a arte ou os jogos, soento concesses, tendo um papel subsidirio na vida social. Como mostra Bataille, "nesse sentido tristedizer que a humanidade consciente continua sendo minoria: ela reconhece o direito a adquirir, a

    conservar, ou a consumir racionalmente, mas ela exclui, em princpio, a despesa improdutiva"[31].Para Bataille, h duas formas de consumo: uma primeira, considerada til, direcionada para a

    continuao da vida e das atividades de produo, e uma segunda, representada pelas atividadesimprodutivas, festivas, orgisticas, excessivas. Esse autor prope, ento, que esta atividade improdutivaassuma seu carater nobre e seja vista, como mostram socilogos e antroplogos em estudos sobre as mais

    diversas sociedades primitivas, como um excesso que garante o verdadeiro cimento social[32].A noo de despesa como perda ligada, aqui, noo de sacrifcio e destruio, fonte das coisas

    sagradas, dos jogos agonsticos e da arte em geral. Podemos ver no Potlatch essa caracterstica dosacrifcio, do dom e da destruio, j que a festa das ilhas polinsias o contrrio do princpio deconservao: ela coloca um fim estabilidade das fortunas tal qual existia no interior da economia

    totmica, onde a posse era hereditria"[33].Bataille usa o termo consumao para fazer referncia ao ato de consumir a histria e a vida. no

    excesso que encontramos vida no planeta, j que vivemos graas s energias emanadas do Sol, aquele qued sem nada receber, permitindo a efervescncia e a multiplicao das formas de vida em toda a suadiversidade. As noes de despesa e sacrifcio esto na contramo das concepes racionalistas eeconmicas do sculo XVII, sendo que, no limiar do sculo XXI, a cibercultura parece crescer nesseexcesso. No toa que Bataille vai afirmar "o dio despesa a razo de ser e a justificao da

    burguesia: ele , ao mesmo tempo, o princpio de sua assustadora hipocrisia"[34].A cibercultura fornece vrios exemplos de uma despesa excessiva, no acumulativa e irracional de

    bits. Por isso a atual febre dos Portais que tentam, desesperadamente, filtrar a informao e retirar o usuriodo excesso[35]. Assim, danar por horas em festas tecno, viajar por vnculos banais e efmeros do

    ciberespao, produzir vrus, penetrar sistemas de computador, trocar informao frvola em bate papos egrupos temticos, etc., refletem essa orgia de signos que preenchem nossa realidade quotidiana desse fim desculo. Muitos intelectuais contemporneos criticam a Internet justamente por esse carater frvolo, dedespesa e excesso improdutivo. Esse esprito conservador est na contramo das prticas sociais dacibercultura.

    A despesa , como prope Baudrillard, aquilo que vai evitar, por introduzir pequenos desastres, odesastre total de uma racionalizao da vida social, o deserto tecnolgico do real. A despesa eletrnica dacibercultura a possibilidade final de resistncia ditadura da tecnocracia, priso e lgica da utilidade eda acumulao eficaz. Nesse sentido, no a falta, nem o excesso, mas a abundncia preservada e sem

    distribuio que representa problemas para o homem e para o planeta.No que concerne a cibercultura, toda a ao de cyberpunks consiste em gastar o mximo deinformao e colocar excessos no sistema. Contra o segredo e a acumulao da informao, os cyberpunkspropem a orgia de dados, a dana de bits pelo ciberespao, a contaminao improdutiva de vrus, o transe,a colagem, as piratarias. Como afirma Bataille, a consumao intil " o que me agrega (...). A

    consomao a via pela qual seres separados comunicam"[36].Concluso. Do Cybernanthrope ao Cyberpunk

    Segundo Henri Lefebvre[37], a vida social caracteriza-se por um conjunto de instncias diferentes,

    em que os poderes constitudos como a igreja, o Estado, a famlia, o exrcito sempre tentaram combaterelementos residuais que causam resistncia ao sistema homogeneizante. Se utilizarmos essa perspectiva deanlise, podemos dizer que a cibercultura foi criada por uma espcie de resistncia ao poder da tecnocracia,tratando-se mesmo de uma diferenciao em relao utilizao da tecnologia. Aqui, as aes doscyberpunks so exemplares e vo lutar contra o que Lefebvre chama de cybernanthrope.

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    Usando a terminologia de Lefebvre, a grande figura da modernidade foi o cybernanthrope, que no um rob, mas o humano robotizado. O cybernanthrope , para o socilogo francs, o tecnocrata preso auma fascinao cega pela tcnica e a sua correlata racionalidade instrumental. O rob , como em um jogode espelho, o trabalho do cybernanthrope, no o prprio cybernanthrope.

    As tecnologias modernas reforam a requisio energtica da natureza, o controle da vida social pelaadministrao racional a cargo de especialistas tcnicos, a padronizao dos costumes, a convico emideologias progressistas e a percepo do destino histrico. A figura que comanda esse espetculo ocybernanthrope. Filho da tecnologia moderna, no sendo o autmato, mas o homem automatizado que,cego, s v o mundo pelo prisma autocentrado de sua razo onipotente. O cybernanthrope ento ooposto da figura que poderamos identificar como a mais emblemtica da cibercultura, o cyberpunk.

    O cybernanthrope quer o controle, a restrio, a estabilidade. Ele assptico, austero, objetivo,racional. Como explica Lefebvre, "o cybernanthrope ignora o desejo. Se ele o reconhece para eludi-lo.

    O dionisaco lhe estranho"[38]. Em oposio, o cyberpunk parece mais preso a uma certa magia dainformtica do que rigidez racionalista, mais dionisaco do que apolneo. Um hacker, embora seja umviciado em artefatos tcnicos complexos, no est muito preocupado em seguir as regras do sistema. Ocyberpunk aceita a cultura tcnica do cybernanthropes no que ela tem de mais radical. O desespero

    bvio: se no podemos escapar ao mundo tecnolgico, devemos tornar as tecnologias ferramentas deprazer, de comunicao e de conhecimento. esta a mensagem dos cyberpunks contra os robotizadoscybernanthropes.

    As novas tecnologias da cibercultura devem nos ajudar a fazer diariamente de nossa vida uma obrade arte, aqui e agora; a tecnologia deve tornar-se um instrumento fundamental de compartilhamento deexperincias, de prazer esttico e de busca de informao multimodal e multidirecional. Oscybernanthropes, ao contrrio, tm uma misso histrica, enquanto que os cyberpunks navegam nopresente mais urgente. Podemos dizer que a estratgia do cyberpunk, atravs das suas diversas aes, serassim "fundada sobre as perturbaes da ordem e dos equilbrios cybernanthrpicos. Ele dever

    perpetualmente inventar, se inventar, se re-inventar, queimar as pistas e os mapas docybernanthrope, decepcion-lo e surpreend-lo. Para vencer, e mesmo para engajar-se na batalha,

    ele s pode valorizar suas imperfeies: desequilbrios, problemas, esquecimentos, lacunas, excessos,

    desejos, paixo, ironia..."[39].A cibercultura, com o arqutipo do hacker-cyberpunk, substitui a tecnocultura moderna com o seu

    especialista-cybernanthrope. a rua que vai dar formas ao novo sistema tcnico da cibercultura. Esta aexpresso do uso subversivo da tecnologia e, conseqentemente, produto de uma atitude ativa em relaoaos dispositivos tcnicos. Este fenmeno est presente em todas as aes da vida diria, marcando a falnciados cybernanthropes, superado pela despesa improdutiva de dados, pela apropriao social e pelos

    desvios. Este o estilo atual da cibercultura.

    Sobre o autor:Andr Lemos doutor em sociologia pela Universit Paris V, Sorbonne, Professor da Faculdade deComunicao da UFBa. Atualmente desenvolve a pesquisa A Cibercultura no Brasil. Aspectos da CulturaCyberpunk com apoio do CNPq. Tem vrios artigos publicados no Brasil e no exterior sobre a temtica dacibercultura e prepara o livro Cibercultura. Tecnologia e Vida Social na Cultura Contempornea,atualmente em produo na Editora Sulina, Porto Alegre. atual coordenador do Centro de Estudos e

    Pesquisa em Cibercultura, Ciberpesquisa (http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa ).

    [1] Este artigo faz parte da pesquisa A Cibercultura no Brasil, Aspectos da Cultura Cyberpunk, coordenada pelo autor com apoio do

    CNPq. As citaes foram traduzidas pelo autor.

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    [2] Para descrio ver Lemos, Andr., Cultura Cyberpunk., in Textos, n. 29, Facom/UFBa, 1993.

    [3] em e-mail para o newsgroup alt.cyberpunk ([email protected])

    [4] em e-mail para o newsgroup alt.cyberpunk ([email protected])

    [5] Alm dos livros de fico-cientfica, as revistas so resp onsveis pela disseminao desse imaginrio tecnolgico, principalmente as

    pioneiras Boing Boing, Hactick, 2600, Reality Hackers e depois Mondo 2000, Black Ice ou a brasileira Barata Eltrica. Uma das mais

    expressivas do movimento a californiana Mondo 2000, criada em 1989 por Queen M e R.U.Sirius, descendente direto das antigas

    High Frontiers e Reality Hackers. Mondo 2000 a bblia dos cyberpunks e uma das p rimeiras a mostrar os vnculos entre a fico-

    cientfica e a vida real

    [6]Rucker, R., Sirius, R.U., Mu, Q.(Ed), Mondo 2000., A Users Guide to the New Edge., N.Y., Harpercollins Publishers, 1992., p. 13.[7] O nmero especial Mondo 2000., Users Guide for a New Edge uma espcie de bblia da cibercultura, uma enciclopdia produzida

    em 1992, com todos os t emas caros a esse estilo tecnolgico atual: cyberpunk, fico-cientfica, realidade virtual, tecno-paganismo, smart

    drugs, vrus, ciberespao, nano-tecnologias, multimdia, cibersexo, cincia ps-moderna (fractal, complexidade, caos), moda, etc.

    [8]Sobchack, Vivian., New Age Mutant Ninja Hackers: Reading Mondo 2000. , in Dery, M. Flame Wars. The Discourse of

    Cyberculture., The South Atlantic Quarterly.,

    92 :4, Fall 1993. , op.cit., p. 570.

    [9] Ruskoff, D. Um Jogo Chamado Futuro. Como a Cultura dos Garotos pode nos ensinar a sobreviver na era do caos., RJ, Editora

    Revan, 1999.

    [10]Sobchack, Vivian., New Age Mutant Ninja Hackers: Reading Mondo 2000. , in Dery, M . Flame Wars. op.cit., p. 576.

    [11]Schneider, Eric., in FAQ Cyberpunk de 04/02/94. Veja verses atualizada da FAQ via ftp em

    .[12]Bonnefoy, Jean., Cyberpunk mtait Compt. , Prefcio em Sterling, B., Les Mailles Du Rseaux 1. , Paris, Denol, 1990., p.13.

    [13]The Boston Globe, 24 novembre 1992., Living Arts, pp. 29-32.

    [14]Em Agripp a (O livro dos M ortos), Gibson faz um livro que seria emblemtico da cibercultura: virus, imediatismo, destruio de

    dados. O seu contedo est em cartas codificadas. Nas ltimas pginas h um disquete que contm um texto de William Gibson. Assim

    que o disco ativado, quer dizer lido por um computador, um virus causa a destruio do texto. A idia do livro , assim, a mesma do

    desaparecimento, do efmero, do instantneo. Assim, "the books nonappearance is linked to the disappearance of the world...".

    Schwenger, Peter., Agripp a, or, The Apocalypt ic Book. , in Dery, M., op.cit., p . 620.

    [15]R.U.Sirius, MU, Queen., Mondo 2000. A Users... , op.cit., p.64.

    [16] Sobre a cibersocialidade ver Lemos, Andr., Ciber-Socialidade. Tecnologia e Vida Social na Cultura Contempornea. In, Bentz, I.,

    Rubim, A ., Pinto, J . M. (org)., Prticas Discursivas na Cultura Contempornea., Ed. Unisinos, So Leopoldo, 1999.

    [17]Hafner,K.; Markoff ,J., Cyberpunk. Outlaws and Hackers on the Computer Frontier., N.Y., Touchstone, 1991., p. 11.[18]Ross, A., Hacking Away at the Counterculture. , in Penley, C., Ross, A., Technoculture. Minneapolis, University of Minneapolis

    Press, 1992., p.132.

    [19]Castels, M., The Information Age: Economy, Society and Culture. Volume I. The Rise of the Network Society., Massachusetts,

    Blackwell, 1996.

    [20]Ciccone, A., Mouvement Cyberpunk., in Actuel, n15, Paris, Mars 1992., p.94.

    [21]Perriault J., La Logique de LUsage., Essais sur les M achines Communiquer., Paris, Flammarion, 1989, p.13.

    [22] Podemos ver o M initel como fruto dessa ap ropriao social. O Minitel foi concebido como um anurio eletrnico. A p artir de vrias

    utilizaes no previstas, como a comunicao entre usurios e o p redomnio do uso ertico (no que ficou conhecido como Minitel

    Rose), o M initel, de instrumento ap olneo transformou-se em ferramenta de agregao social e de prticas hedonistas. Ver Lemos, A.,

    The Labyrinth of Minitel., in Shields, R. (ed). Cultures of Internet. Sage, Londres, 1996.

    [23] A antropologia e sociologia comeam a se interessar pelos usos da tecnologia no ps-guerra. Em 1965, P. Bourdieu mostra que o uso

    da mquina fotogrfica no s era determinado atravs de suas possibilidades tcnicas (maqunicas) mas tambm pelo meio de imerso.

    No mesmo sentido, Dell Hymes analisa o uso do computador (numa viso antrop olgica) notando que o disposit ivo muito mais um

    "sy mbole de forces ultrieures" do que um instrumento racional seguindo uma lgica simples. De acordo com Perriault, a compreenso

    desta lgica de usos dos objetos tcnicos pe o homem, e no a mquina, no centro da investigao.

    [24] Ver Schwach., V., M icropsy chologie des rapport s homme/machine dans la vie quotidienne. Thse dEtat, Universit de Strasbourg,

    1995.

    [25]Perriault, J., La Logique... , op.cit., p .197-198.

    [26] Ver Lemos, A ., Ciber-socialidade..., op.cit.

    [27] Becker, Howard S., Outsiders. Studies in the Sociology of Deviance. , Macmillan, 1966

    [28]Becker, Howard S., Outsiders., op.cit., p.10.

    [29]Hafner,K.;Markoff,J., Cyberpunk... , op.cit., p .12.

    [30] Bataille, Georges., La Part Maudite., Paris, Editions de Minuit, 1967.

    [31]Idem, p.25.

    [32]Idem, p.27.

    [33]Idem, p.34.

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    [34]Idem, p.38.

    [35] Sobre excesso ver o Manifesto Morte aos Portais. Lemos, A ., Morte aos Portais, in http://www.pilula.com.br/morteaosportais.

    [36]Idem, p.103.

    [37] Lefebrve, H., La Vie Quotidienne dans le M onde Moderne., Paris, Gallimard, 1968.

    [38]Lefebvre, H., op.cit., p. 197.

    [39]Lefebvre, H., op.cit., p. 212-3.

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