Curso Federal 12

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SEGUE A RELAÇÃO DAS MATÉRIAS DO MÓDULO XII: DIREITO CIVIL – PARTE GERAL DIREITO CIVIL - FAMÍLIA DIREITO CIVIL - SUCESSÕES DIREITO CIVIL – CONTRATOS DIREITO CIVIL - OBRIGAÇÕES DIREITO CIVIL - DIREITO DAS COISAS ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DIREITO COMERCIAL – TOMO I DIREITO COMERCIAL – TOMO II DIREITO PROCESSUAL CIVIL – TOMO I DIREITO PROCESSUAL CIVIL – TOMO II DIREITO PROCESSUAL CIVIL – TOMO III LEGISLAÇÃO PENAL DIREITO PENAL – PARTE GERAL – TOMO I DIREITO PENAL – PARTE GERAL – TOMO II DIREITO PENAL ESPECIAL I DIREITO PENAL ESPECIAL II DIREITO PROCESSUAL PENAL I DIREITO PROCESSUAL PENAL II DIREITO CONSTITUCIONAL DIREITO ADMINISTRATIVO DIREITO TRIBUTÁRIO TESTES

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SEGUE A RELAÇÃO DAS MATÉRIAS DO MÓDULO XII:

DIREITO CIVIL – PARTE GERAL DIREITO CIVIL - FAMÍLIA DIREITO CIVIL - SUCESSÕES DIREITO CIVIL – CONTRATOS DIREITO CIVIL - OBRIGAÇÕES DIREITO CIVIL - DIREITO DAS COISAS ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DIREITO COMERCIAL – TOMO I DIREITO COMERCIAL – TOMO II DIREITO PROCESSUAL CIVIL – TOMO I DIREITO PROCESSUAL CIVIL – TOMO II DIREITO PROCESSUAL CIVIL – TOMO III LEGISLAÇÃO PENAL DIREITO PENAL – PARTE GERAL – TOMO I DIREITO PENAL – PARTE GERAL – TOMO II DIREITO PENAL ESPECIAL I DIREITO PENAL ESPECIAL II DIREITO PROCESSUAL PENAL I DIREITO PROCESSUAL PENAL II DIREITO CONSTITUCIONAL DIREITO ADMINISTRATIVO DIREITO TRIBUTÁRIO TESTES

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DIREITO CIVIL PARTE GERAL

TOMO I

CURSO A DISTÂNCIA MÓDULO XII

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1CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO CIVIL - PARTE GERAL – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

BENS PÚBLICOS

Dispõe o art. 98 do CC que “são públicos os bens do domínio nacional pertencente às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem”.

O dispositivo em apreço não espelha o real conceito de bem público, pois só considera como tal os bens de domínio nacional, quando, na verdade, para ser público, basta que o bem pertença a uma pessoa jurídica de direito público interno (União, Estados, Municípios, Distrito Federal, autarquias e fundações públicas).

Além disso, não é verdade que os demais bens sejam particulares. Ora, como salienta Washington de Barros Monteiro, muitas coisas existem, no mar e em terra, que não pertencem a ninguém (os animais bravios, enquanto entregues à sua natural liberdade, as pérolas que jazem no fundo dos mares, os tesouros, as águas pluviais não captadas, as coisas abandonadas, as “res nullius” etc).

Acrescente-se, ainda, que os bens pertencentes às sociedades de economia mista e empresas públicas são também considerados bens públicos de uso especial, quando essas entidades forem prestadoras de serviços públicos. Igualmente, os bens das concessionárias prestadoras de serviço público. A propósito, salienta Maria Sylvia Zanella Di Prieto:

“Com relação às entidades da Administração Indireta com personalidade de direito privado, grande parte presta serviços públicos; desse modo, a mesma razão que levou o legislador a imprimir regime jurídico publicístico aos bens de uso especial, pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno, tornando-os inalienáveis, imprescritíveis, insuscetíveis de usucapião e direitos reais, justifica a adoção de idêntico regime para os bens de entidade da Administração Indireta afetados à realização de serviços públicos. É precisamente essa afetação que fundamenta a indisponibilidade desses bens, com todos os demais corolários. É sabido que a Administração Pública está sujeita a uma série de princípios, dentre os quais o da continuidade dos serviços públicos. Se fosse possível às entidades da Administração Indireta, mesmo empresas públicas, sociedades de economia mista e concessionárias de serviços públicos, alienar livremente esses bens, ou se os mesmos pudessem ser penhorados, hipotecados, adquiridos por usucapião, haveria uma interrupção do serviço público. E o serviço é considerado público precisamente porque atende às necessidades essenciais da coletividade. Daí a impossibilidade da sua paralisação e a sua submissão ao regime jurídico publicístico”.

Assim, podemos conceituar os bens públicos como sendo aqueles pertencentes a uma pessoa jurídica de direito público, qualquer que seja a sua afetação, e os pertencentes a pessoas jurídicas de direito privado quando afetados à prestação de serviços públicos.

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DIREITO CIVIL - PARTE GERAL – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

Os bens públicos podem ser: a. de uso comum do povo: são aqueles cujo acesso é permitido a todos. O

art. 99, I do CC fornece-nos os seguintes exemplos: rios, mares, estradas, ruas e praças. Trata-se de um rol meramente exemplificativo, pois qualquer bem que, por lei ou natureza, destina-se ao uso coletivo, é considerado bem de uso comum do povo. O uso, aliás, pode ser gratuito ou retribuído, conforme preceituar a lei da pessoa política a cuja administração pertencerem (art. 103).

b. de uso especial: são os usados pela Administração Pública para atingir seus fins. O art. 99, II, do CC cita como exemplo os edifícios ou terrenos destinados às repartições públicas. Outros exemplos: veículos oficiais; navios de guerra; terras dos silvícolas; cemitérios públicos; teatros públicos; aeroportos públicos etc.

c. dominiais ou dominicais: são os que não tem destinação pública, e, por isso, integram o patrimônio disponível do Poder Público, podendo ser aplicado inclusive para a obtenção de renda. Exemplos: imóveis não utilizados pela Administração Pública; terrenos da marinha, terras devolutas, salvo as necessárias à proteção dos ecossistemas, pois estas são bens públicos de uso especial. Os bens dominiais são também chamados de bens do patrimônio privado do Estado.

Os bens públicos apresentam as seguintes características: a. inalienabilidade; b. imprescritibilidade; c. impenhorabilidade; d. impossibilidade de oneração.

INALIENABILIDADE

Vimos que os bens públicos de uso comum são aqueles que, por lei ou pela natureza, podem ser utilizados por todos em igualdade de condições.

Os bens públicos de uso comum por sua própria natureza, como os mares, os rios, as praias etc., são absolutamente inalienáveis, pois são insuscetíveis de valoração econômica.

Em contrapartida, os bens públicos de uso comum por força de lei, como as praças e as estradas, outrossim, os bens públicos de uso especial, são relativamente inalienáveis.

Com efeito, só serão inalienáveis enquanto conservarem essa qualificação de bem de uso comum ou de uso especial (art. 109). Esses bens podem ser alienados, se forem desafetados.

Desafetação é a retirada da finalidade pública do bem, transformando-o em bem público dominical. Assim, uma lei municipal pode determinar o fechamento da praça, ordenando a sua alienação.

Quanto aos bens dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei.

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A alienação dos bens públicos, consoante preceitua o art. 17 da Lei 8.666/93, depende dos seguintes requisitos: a. demonstração de interesse público; b. prévia avaliação; c. licitação; d. autorização por lei, se for bem imóvel. Tratando-se de imóvel da União,

além da lei, é ainda necessário decreto do Presidente da República (Lei 9.636/98).

IMPRESCRITIBILIDADE

Os bens públicos, seja qual for a sua natureza, são imprescritíveis, no sentido de serem insuscetíveis de usucapião (art. 102).

IMPENHORABILIDADE

A execução contra a Fazenda Pública deve ser feita mediante precatório, conforme preceitua o art. 100 da CF, processando-se nos moldes do art. 730 do CPC, sendo, pois, proibida a penhora de seus bens.

IMPOSSIBILIDADE DE ONERAÇÃO

Os bens públicos não podem ser objeto de hipoteca, penhor etc.

O penhor e a hipoteca não podem ser admitidos sequer por lei, pois o bem empenhado ou hipotecado, no caso de inadimplência, podem vir a ser penhorados na futura execução, burlando, destarte, a norma do art. 100 da CF que proíbe a penhora do bem público.

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QUESTÕES

1. O que são bens públicos? 2. O que são bens particulares? 3. Os bens das concessionárias de serviços públicos são públicos? 4. O que são bens públicos de uso comum do povo? O uso desses bens é

sempre gratuito? 5. O que são bens públicos de uso especial? 6. O que são bens públicos dominiais? 7. Quais as características dos bens públicos? 8. Os bens públicos de uso comum do povo podem ser alienados? 9. Quais os requisitos para a alienação do bem público? 10. Por que os bens públicos são imprescritíveis? 11. Qual o procedimento da execução contra a Fazenda Pública? 12. Os bens públicos podem ser hipotecados e empenhados?

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DIREITO CIVIL DIREITO DE FAMÍLIA

CURSO A DISTÂNCIA MÓDULO XII

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DIREITO CIVIL – FAMÍLIA – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

PODER FAMILIAR

CONCEITO

Poder familiar é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais em relação à pessoa e ao patrimônio dos filhos menores, que não estejam emancipados, com o intuito de protegê-los. O Código de 1916 usava a expressão pátrio poder, enfatizando o lado paterno. Diante da igualdade entre os pais, o legislador optou pelo termo “poder familiar”, que, por sinal, não exprime bem o conteúdo do instituto, cujo escopo é a proteção do menor. Mais adequada seria a expressão “poder de proteção”.

TITULARIDADE DO PODER FAMILIAR

O poder familiar é exercido pelos pais, em conjunto e igualdade de condições. Na hipótese de divergência, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo. É certo, pois, que art. 1.631 preceitua que “durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais”. Todavia, por força da igualdade entre os filhos, o exercício do poder familiar também competirá aos pais ainda quando não haja casamento nem união estável. Na falta ou impedimento de um dos pais, o outro exercerá com exclusividade o poder familiar. Finalmente, cumpre acentuar que o poder familiar é concedido, pela lei, exclusivamente aos pais, não se estendendo suas prerrogativas aos tutores e curadores.

NATUREZA JURÍDICA

O poder familiar é um múnus público, irrenunciável, imprescritível e indelegável, imposto pelo Estado, aos pais, com fito de zelar pelo porvir dos filhos.

CONTEÚDO

O poder familiar confere aos pais uma série de direitos e deveres quanto à pessoa e aos bens dos filhos menores.

O PODER FAMILIAR QUANTO À PESSOA DOS FILHOS

Dispõe o art. 1.634 que: “Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:I. dirigir-lhes a criação e educação”. Compreende-se aqui o dever de

subsistência material do filho e a sua respectiva educação, sob pena de cometer os delitos de abandono material e abandono intelectual, previstos nos arts. 244 e 246 do CP, respectivamente;

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DIREITO CIVIL – FAMÍLIA – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

II. “tê-los em sua companhia e guarda”. A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram o poder familiar, mas apenas a guarda dos filhos, que é deferida a apenas um dos genitores. O outro, porém, tem o direito de tê-los em sua companhia, exercitando o direito de visita;

III. “conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem”;IV. “nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro

dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar”. Trata-se da chamada tutela testamentária;

V. “representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assistí-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento”;

VI. “reclamá-los de quem ilegalmente os detenha”. Nesse caso, ação cabível é a busca e apreensão;

VII. “exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição”. Anote-se, porém, que até os 16 anos é vedado o trabalho fora do lar (art. 403 da CLT), salvo na condição de aprendiz, desde que o menor já tenha atingido 14 anos (CF, art. 7º, XXXIII). Quanto ao trabalho noturno, é vedado até os 18 anos (CLT, art. 404).

O PODER FAMILIAR QUANTO AOS BENS DOS FILHOS

O novo Código passou a disciplinar esse assunto no subtítulo II do Título II, que cuida do Direito Patrimonial. Todavia, por razões didáticas, abordaremos a matéria no capítulo pertinente ao poder familiar. Com efeito, dispõe art. 1.689: “O pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar: I. são usufrutuários dos bens dos filhos; II. têm a administração dos bens dos filhos menores sob a sua autoridade.” O usufruto atribui aos pais a propriedade das rendas produzidas pelo patrimônio dos filhos. Trata-se de um usufruto universal, porque recai sobre todo o patrimônio do menor; e legal, porque estabelecido pela própria lei, prescindindo-se do registro. No Código de 1916, o viúvo, ou a viúva, com filhos do cônjuge falecido, que se casava antes de fazer o inventário, perdia o direito a esse usufruto (art. 225). O novo Código não repete esse dispositivo, de modo que, por esse fato, não há mais a perda do usufruto. Por outro lado, aos pais ainda competem administrar os bens dos filhos menores. Não podem, porém, alienar, ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse da prole, mediante ordem judicial (art. 1.691). Observe-se que, para alienação, basta o alvará judicial, prescindindo-se da hasta pública. Sempre que no exercício do poder familiar colidir o interesse dos pais com o do filho, a requerimento deste ou do Ministério Público, o juiz lhe dará curador especial (art. 1.692).

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DIREITO CIVIL – FAMÍLIA – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

Excluem-se do usufruto e da administração dos pais (art. 1.693):I. os bens adquiridos pelo filho havido fora do casamento, antes do

reconhecimento; II. os valores auferidos pelo filho maior de dezesseis anos, no exercício de

atividade profissional e os bens com tais recursos adquiridos;III. os bens deixados ou doados ao filho, sob a condição de não serem

usufruídos, ou administrados, pelos pais;IV. os bens que aos filhos couberem na herança, quando os pais forem

excluídos da sucessão. Trata-se, aqui, dos bens ereptícios, que são aqueles excluídos do herdeiro indigno. Nesse e nos outros casos, os bens serão administrados pelo outro genitor. Se este já morreu ou for incapaz, o juiz deverá nomear um curador especial para administrar esses bens.

SUSPENSÃO E DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR

A suspensão e a destituição consistem na interrupção do poder familiar em face de uma conduta grave dos pais. Dependem de decisão judicial. O procedimento pode ser instaurado mediante requerimento de qualquer parente ou do Ministério Público. Na verdade, a suspensão e a destituição são impostas para proteger o menor, e não tanto para punir os pais. Não obstante a suspensão ou destituição, uma vez cessadas as causas que motivaram essas medidas, o genitor poderá requerer ao juiz seja reinvestido novamente no poder familiar. No período de suspensão ou destituição, o genitor perde todos direitos em relação ao filho, inclusive o usufruto legal. Sobre a distinção entre a suspensão e a destituição do poder familiar, podemos esclarecer o seguinte: a. a suspensão é reservada aos fatos menos graves; a destituição ou perda,

aos mais graves;b. a suspensão pode recair apenas sobre um dos filhos; a destituição, devido

à sua gravidade, deve estender-se a toda a prole;c. a suspensão pode abranger apenas algumas prerrogativas do poder

familiar; a destituição, atinge a todas; d. a suspensão é uma faculdade do juiz, que pode optar por outra solução; a

destituição é dever do juiz, que não pode deixar de decretá-la quando caracterizada uma das hipóteses previstas em lei;

e. a suspensão pode ser decretada liminarmente (art. 157 do ECA); a destituição só se perfaz com o trânsito em julgado da sentença;

f. a suspensão pode ser por tempo determinado ou indeterminado; a destituição será sempre por tempo indeterminado.

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DIREITO CIVIL – FAMÍLIA – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

Cumpre observar que a sentença que decretar a perda ou suspensão do poder familiar será averbada à margem do registro de nascimento da criança ou adolescente. Quanto às causas de suspensão, o Código as descreve genericamente. São as seguintes (art. 1.637): a. se o pai ou mãe abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles

inerentes ou arruinando os bens do filho; b. se o pai ou mãe forem condenados por sentença irrecorrível, em virtude de

crime cuja pena exceda a dois anos de prisão. Em relação à perda ou destituição do poder familiar, o art. 1.638 elenca as seguintes causas:I. castigar imoderadamente o filho. O “jus corrigendi” moderado é permitido

aos pais;II. deixar o filho em abandono. O abandono, como esclarece Silvio

Rodrigues, compreende o descaso intencional pela sua criação, educação e moralidade. A falta ou carência de recursos financeiros não constitui motivo suficiente para a perda ou suspensão do poder familiar (art. 23 do ECA);

III. praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;IV. incidir, reiteramente, nas faltas previstas no artigo antecedente, isto é,

nas causas ensejadoras da suspensão do poder familiar. Essa hipótese foi introduzida pelo novo Código.

O art. 22 do ECA também elenca como causa de destituição o fato de o genitor descumprir as determinações judiciais. Mas, para a mesma hipótese, também se refere à suspensão. Tudo dependerá da gravidade do fato.

EXTINÇÃO DO PODER FAMILIAR

A extinção do poder familiar emana diretamente da lei, prescindindo-se de qualquer pronunciamento judicial. Nada tem a ver com a prática de conduta grave. As hipóteses estão relacionadas à extinção da personalidade, à aquisição da capacidade e com a adoção. Com efeito, dispõe o art. 1.635 que se extingue o poder familiar:I. pela morte dos pais ou do filho; II. pela emancipação, nos termos do art. 5º, parágrafo único; III. pela maioridade; IV. pela adoção. O art. 1.635 ainda acrescenta que a destituição do poder familiar também é causa da sua extinção. Trata-se, a nosso ver, de inadequada inovação do Código, porque a extinção propriamente dita é sempre definitiva, ao passo que na destituição ainda é possível o restabelecimento do poder familiar.

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DIREITO CIVIL – FAMÍLIA – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

QUESTÕES

1. O que é poder familiar? 2. Quem é titular do poder familiar? 3. Qual a natureza jurídica do poder familiar? 4. Qual o conteúdo do poder familiar quanto à pessoa dos filhos? 5. Qual a conseqüência penal da violação do dever de ação e educação dos

filhos menores? 6. A separação judicial e o divórcio alteram o poder familiar? 7. É possível o trabalho do menor? 8. Qual o conteúdo do poder familiar quanto aos bens dos filhos menores? 9. Quais as características do usufruto dos pais? 10. Os pais podem alienar os bens dos filhos menores? 11. Quando o Juiz nomeia curador ao filho menor? 12. Todos os bens dos filhos menores são objetos de usufruto e

administração pelos pais? 13. O que são bens ereptícios? 14. Qual a distinção entre suspensão e destituição do poder familiar? 15. Quais as causas de suspensão do poder familiar? 16. Quais as causas de destituição do poder familiar? 17. O que é extinção do poder familiar e quais as suas causas?

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DIREITO CIVIL DIREITO DAS SUCESSÕES

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DIREITO CIVIL – SUCESSÕES – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

REDUÇÃO DAS DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS

Da intangibilidade da legítima resulta que a parte do testamento que a exceder deve ser objeto de redução. A nulidade recai apenas sobre o excesso, mantendo-se a validade do restante do testamento. A parte do testamento que excede à legítima é chamada de excesso inoficioso.

Havendo acordo entre os interessados, a redução efetua-se nos próprios autos do inventário. Se alguém impugná-la, aí então deve efetivar-se mediante ação autônoma, chamada ação de redução ou expletória ou de suplemento da legítima. A questão não pode ser discutida em ação de nulidade de testamento.

A ação de redução pode ser movida pelo: (a) herdeiro necessário; (b) sucessor do herdeiro necessário, caso este já tenha falecido; (c) credores do herdeiro necessário ou de seus sucessores, se aquele é falecido; (d) cessionário dos herdeiros necessários.

Trata-se de ação de natureza divisível, de modo que a sentença só beneficiará o autor da ação. Não há lei atribuindo a este a qualidade de substituto processual dos demais.

A ação de redução deve ser proposta em face dos herdeiros testamentários. Se houver mais de um, a redução será proporcional ao quinhão de cada um. Se a redução imposta aos herdeiros instituídos for insuficiente, a ação também poderá ser proposta em face dos legatários, reduzindo-se os legados na proporção do seu valor.

Essa ordem de redução pode ser alterada pelo testador, porque a matéria não é de ordem pública (§ 2º do art. 1.967).

Por outro lado, quando o legado consistir em prédio divisível, far-se-á a redução dividindo-o proporcionalmente (art. 1.968). Recaindo, porém, o excesso inoficioso sobre imóvel indivisível, o legatário, se o excesso não exceder a um quarto do valor do prédio, poderá ficar com o prédio e repor em dinheiro a diferença aos herdeiros. Se, ao revés, exceder a um quarto, o legatário deixará o imóvel inteiro para a herança, ficando com o direito de pedir aos herdeiros, em dinheiro, a parte do imóvel que não excedeu à legítima. Finalmente, se o legatário for também herdeiro necessário, poderá ficar com o imóvel, ainda que o excesso seja superior a um quarto do imóvel, repondo a diferença em dinheiro. Essa faculdade conferida ao herdeiro necessário só é assegurada se a legítima mais a parte subsistente do legado forem de importância igual ou superior ao valor do prédio (§ 2º do art. 1.968).

REDUÇÃO DAS DOAÇÕES INOFICIOSAS

Dispõe o art. 549: “Nula também é a doação quanto à parte que exceder à de

que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.”

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Esse dispositivo estabelece a igualdade entre os poderes do doador e do testador. Tanto na doação quanto no testamento impõem-se o respeito à legítima.

Busquemos, com exemplo, clarear o assunto. O pai, que tem dois filhos e um patrimônio de R$

100.000,00, poderá doar, para um terceiro, no máximo R$ 50.000,00, que é a parte disponível. Entretanto, para um dos filhos poderá doar até R$ 75.000,00, sendo R$ 50.000,00 referente ao disponível e R$ 25.000,00 consistente na legítima do próprio filho. Não há nulidade porque, por testamento, ele poderia dispor dos R$ 75.000,00 em favor de um dos seus filhos, de modo que poderá fazer o mesmo por meio de doação.

Anote-se, por outro lado, que o excesso de doação é apurado levando-se em conta o valor do patrimônio do doador ao tempo da doação, e não ao tempo da abertura da sucessão. O posterior empobrecimento do doador não anula as doações feitas quando ainda era homem rico.

Na hipótese de doações sucessivas, o ponto de partida é sempre a primeira doação. Soma-se ao patrimônio atual as doações anteriores. Do resultado obtido deduzem-se as doações anteriores, sendo que essa diferença é a que poderá ser objeto de novas doações.

Tome-se o seguinte exemplo: o sujeito, que tem dois filhos e um patrimônio de R$ 100.000,00, doou R$ 20.000,00 para seu sobrinho. Depois disso, ganhou na loteria mais R$ 200.000,00. Do seu patrimônio atual, que é de R$ 280.000,00, poderá doar R$ 130.000,00. Com efeito, se nunca tivesse feito doação, seu patrimônio atual seria de R$ 300.000,00, dos quais poderia doar R$ 150.000,00. Como já doou R$ 20.000,00, poderá ainda doar R$ 130.000,00.

Questão interessante é a referente ao enriquecimento do doador após as doações inoficiosas. Uns entendem que as doações anteriores continuam nulas, porque a inoficiosidade é apurada ao tempo da liberalidade;

Outros, acertadamente, sustentam a convalidação da doação, aplicando-se analogicamente o disposto no § 2º do art. 1.268.

Finalmente, a ação de querela inoficiosa pode ser proposta apenas pelos herdeiros necessários em face do donatário. Na hipótese de várias doações inoficiosas feitas a herdeiro necessário, em diferentes datas, serão elas reduzidas a partir da última, até a eliminação do excesso (§ 4º do art. 2.002). Se houver, porém, várias doações inoficiosas feitas em favor de quem não seja herdeiro necessário, persiste ainda a polêmica. Para uns, a redução deve recair sobre a última, depois a penúltima e assim por diante. Para outros, a redução deve ser proporcional,recaindo sobre todas as doações inoficiosas. Filiamo-nos ao primeiro sistema, aplicando por analogia o § 4º do art. 2002. Acrescente-se, ainda, que embora o art. 549 declare nula a doação, prevalece a opinião de que o ato é apenas anulável (nulidade

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relativa), porque a questão é patrimonial. Trata-se de um defeito de linguagem do legislador. O prazo para a propositura da ação, de acordo com Silvio Rodrigues, é de quatro anos, por força do art. 178 do CC.

Prevalece a opinião de que a ação pode ser proposta durante a vida do doador. Não tem cabimento aguardar a sua morte, como sustentam alguns, sob o pretexto de que não se pode litigar sobre herança de pessoa viva. Ora, na referida ação não se pleiteia a herança de pessoa viva, mas tão-somente a anulação de um ato jurídico, tanto é que, uma vez anulada a doação, o bem retornará para o patrimônio do doador. Acrescente-se, ainda, que se o donatário alienar o bem a terceiro de boa-fé não haverá mais como anular o ato, tendo em vista o princípio da relatividade dos contratos. Portanto, a tese de que ação só pode ser proposta após a morte do doador mostra-se incompatível com a realidade jurídica.

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QUESTÕES

1. O que é excesso inoficioso? 2. A redução testamentária pode ser feita nos próprios autos do inventário? 3. O que é ação de redução ou ação expletória? 4. Quem pode mover a ação de redução? 5. A ação de redução é divisível ou indivisível? 6. Em face de quem é movida a ação de redução? 7. Como é feita a redução no legado de imóvel indivisível? 8. O pai, que tem dois filhos e um patrimônio de R$100.000,00, poderá doar

quanto para um terceiro e quanto para um dos filhos? 9. Como se apura o excesso de doação? 10. Como se apura o excesso nas doações sucessivas? 11. O enriquecimento do doador após as doações inoficiosas convalidam a

liberalidade? 12. Quem pode mover a querela inoficiosa de doação? 13. Em face de quem é movida a aludida ação? 14. A ação pode ser proposta em vida? 15. É possível a anulação da doação inoficiosa se o bem doado já foi

alienado a terceiro?

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DIREITO CIVIL CONTRATOS

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DIREITO CIVIL - CONTRATOS – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

COMPRA E VENDA

CONCEITO

Compra e venda, conforme Orlando Gomes, é o contrato pela qual uma das partes se obriga a entregar uma coisa à outra com fim de aliená-la, recebendo, como contraprestação, determinada soma de dinheiro ou valor fiduciário equivalente.

No Brasil, adota-se o sistema romano ou alemão, segundo o qual o contrato de compra e venda, por si só, não transfere a propriedade da coisa, mas simplesmente gera a obrigação de transferi-la. De conformidade com esse sistema, a transferência da propriedade depende da tradição da coisa, consubstanciada na entrega, quando se relacionar à bem móvel, ou registro do título aquisitivo, quando for imóvel. Só a partir da tradição é que nasce o direito real, com eficácia “erga omnes”.

A propósito, salienta Maria Helena Diniz, “se houve contrato e pagamento de preço sem entrega do bem, o comprador não é proprietário, de modo que, se o vendedor o alienar novamente a terceira pessoa, o primitivo comprador não terá direito de reivindicá-lo, mas apenas de exigir que o vendedor lhe pague as perdas e danos (RF 142:293)”.

Por outro lado, no sistema francês ou da unidade formal, o contrato por si só, é suficiente para transferência do domínio, independentemente da tradição da coisa, tendo, pois, efeito translativo da propriedade. Em duas hipóteses excepcionais, adota-se no Brasil, esse sistema, a saber: a. compra e venda de títulos da dívida pública da união, dos Estados e do

Município (art. 8° do Decreto–lei 3.545/41); b. alienação fiduciária em garantia (art. 1.361 do CC).

Há ainda o sistema soviético ou misto, segundo o qual, tratando-se de coisas infungíveis, o contrato é suficiente para a transferência do domínio, todavia, quanto às coisas fungíveis, determinadas apenas pelo gênero, é preciso a tradição para a transferência do domínio. Esse sistema não é adotado no Brasil, em nenhuma hipótese.

Na verdade, no tocante aos imóveis, o nosso sistema, como salienta Ademar Fioranelli, encontra ainda muito distante do alemão, uma vez que, entre nós, o registro gera ou estabelece mera presunção júris tantum e não jure et de jure, como aquele, o Torrens, que é um registro especial disciplinado nos arts. 277 a 288 da Lei 6.015/73. Anota-se ainda que o art. 167, inciso I, n. 29 da Lei 6.015/73, contempla o registro da compra e venda pura e da condicional. De qualquer maneira, no Brasil, o contrato gera só a obrigação de transferir o domínio, não tendo assim efeito translativo da propriedade.

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NATUREZA JURÍDICA

O contrato de compra e venda apresenta os seguintes caracteres:a. bilateral ou sinalogmático, porque geram obrigações para ambas as

partes;b. oneroso, porque ambas as partes auferem vantagens e ônus; c. consensual, em relação aos bens móveis, porque se forma com o simples

acordo de vontades; d. solene ou forma, em relação aos bens imóveis, porque só se forma

validamente com a lavratura da escritura pública. Como veremos, em determinados casos, a venda de bens móveis também exige a forma solene, embora, em regra, a forma seja livre;

e. comutativo, porque terá equivalência das proibições, que são certas e inalteráveis. Excepcionalmente, como já vimos, pode ser aleatório, como na “emptio spei” e “emptio rei speratae”, pois, nesses dois contratos, uma das prestações pode falhar, havendo, pois, para uma ou ambas as partes o risco de ganho ou perda.

ELEMENTO DO CONTRATO

A compra e venda, para existir, requer a presença de três elementos:a. coisa ou objeto; b. preço; c. consentimento.

Assim, a res, pretium et consensus deriva do art. 482 do dispondo que “a compra e venda, quando pura, considerar-se-á obrigatória e perfeita, desde que as partes acordarem no objeto e no preço”. Assim, realizado o acordo o contrato está formado, vedando-se, em regra, o arrependimento. A compra e venda de imóveis, no plano da validade, exige ainda um quarto elemento, qual seja, a escritura pública. Esta, porém, não é elemento da compra e venda, mas sim requisito de sua validade. Salienta-se, outrossim, que determinados bens móveis só podem ser alienados por escritura pública, como as licenças ou contratos para explorar a distribuição e venda de jornais (Dec-lei n° 4826/42), bem como a venda de navios e de aeronaves. Há ainda outras vendas solenes, envolvendo bens móveis, como a alienação fiduciária em garantia e o contrato sob reserva de domínio, sendo que ambos exigem a forma escrita.

A venda de imóveis, como vimos, exige escritura pública, devidamente lavrada por ato notorial. Todavia, pode ser celebrada por instrumento particular, a aquisição da casa própria financiada pelo SFH, destinada à moradia (art. 61, §5°, da Lei 4.380/64), se, porém, o destino não for à moradia, será necessária a escritura pública.

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Em sentido amplo, a expressão escritura pública compreende também os títulos judiciais de arrematações, adjudicação, homologação da separação consensual, etc, pois têm o mesmo valor probante que os atos notoriais. Entretanto, conforme ensiná-nos Ademar Fioranelli, se a transmissão de domínio do bem imóvel estiver documentada em título judicial, deve ser encaminhado na qualificação do instrumento – se ocorreu o recolhimento do imposto de transmissão inter vivos, caso a guia não integre o mesmo instrumento, bem como as demais exigências legais. A jurisprudência pacífica que os títulos de origem judicial não se forram à necessidade de sujeição aos princípios próprios da legislação dos registros públicos e, em particular, do registro imobiliário. Também é de exigir, sempre, o original dos instrumentos, sejam eles públicos, particulares ou judiciais, consoante regra contida no art. 221 da lei 6.015/73.

A COISA OU OBJETO

A compra e venda incide solene bens corpóreos, porque os incorpóreos, a rigor, são objetos de cessão de crédito, cuja regulamentação encontra-se nos arts. 286 a 298 do CC, aplicando-se-lhe também as normas da compra e venda.

Além disso, a coisa deve revestir-se de três características: a. existência potencial; b. individualização; c. disponibilidade jurídica.

O primeiro requisito, existência potencial da coisa, deve ser analisado no momento da celebração do contrato. Este será nulo, se nesse momento a coisa já havia perecido totalmente, ainda que ela existisse antes da celebração do negócio. Se, porém, ao tempo da celebração do contrato, a destruição for parcial, a questão não é de nulidade, mas de resolução contratual ou arbitramento do preço, podendo ainda o comprador pleitear as perdas e danos, se houver má-fé do vendedor. Salienta-se, porém, a validade da compra e venda, ainda que a coisa já tenha perecido ao tempo da celebração do negócio, quando se tratar do contrato aleatório previsto nos art 461 do CC. Convém também frisar que o Código Civil se contenta com a existência potencial, admitindo a compra e venda de coisa futura, isto é, que possa vir a existir, como os frutos de uma colheita. Em tal situação, se da coisa nada vier a existir, a compra e venda ficará sem efeito, a não ser se tratar do contrato aleatório do tipo emptio spei, previsto no art. 458 do CC. A propósito, dispõe o art. 483 do CC: “a compra e venda pode ter objeto coisa atual ou futura. Nesse caso, ficará sem efeito o contrato se esta não vier a existir, salvo se a intenção das partes era concluir contrato aleatório”.

O segundo requisito consiste na individualização da coisa. Urge que esta seja determinada, ou então determinável ao tempo do cumprimento da obrigação. Se o gênero for determinado, como, por exemplo,

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a venda de um animal, o negócio é nulo, pois o vendedor poderia entregar até um mosquito. Será, porém, válido, a venda de um cavalo, mesmo sem declinar-lhe a espécie.

O terceiro requisito diz respeito à disponibilidade jurídica da coisa. Nesse aspecto, cumpre analisar: a. a venda de coisa inalienável; b. a venda de coisa insuscetível de apropriação; c. a venda de coisa alheia; d. a venda de coisa litigiosa.

A venda de coisa inalienável é nula, pouco importa se a inalienabilidade emana da lei, ou da vontade da parte. A cláusula de inalienabilidade voluntária só pode ser inserida em doação, testamento e no bem de família do Código Civil. Nesses casos, deve ser averbada no Registro de imóveis (art. 167, II, n.11, da LRP). Aludida cláusula não pode ser inserida no contrato de compra e venda nem no compromisso de compra e venda, por falta de previsão legal. Em certas hipóteses, a inalienabilidade emana da lei, como no usufruto, uso e habitação (arts. 1.93, 1.13, 1.16), que, por isso, não podem ser objetos de compra e venda.

Igualmente, é nula a venda da coisa insuscetível de apropriação pelo homem, como o ar, a luz solar, etc. nesses casos, há uma indisponibilidade natural da coisa.

Por outro lado, a venda de coisa alheia não é nula, mas apenas anulável, pois se convalidar na hipótese de o alienante vier a adquirir o seu domínio. Com efeito, dispõe o § 1° do art. 1.268 do CC que “se o adquirente estiver de boa-fé e o alienante adquirir depois a propriedade, considera-se realizada a transferência desde o momento em que ocorreu a tradição”. Denota-se que se a venda fosse nula não poderia se convalidar, razão pela qual o ato é apenas anulável. Se, porém, as partes já sabem desde o início que a coisa é alheia, o negócio não será compra e venda, e sim uma promessa de fato de terceiro. Se o proprietário não anuir à venda, o promitente responderá por perdas e danos (art. 439 do CC).

Finalmente, no tocante à venda de coisa litigiosa, isto é, sub-judice, torna-se perfeitamente possível, desde que o comprador esteja ciente desse fato. Caso lhe tenha sido omitido o negócio poderá ser anulado por dolo, além de o vendedor responder pelo crime de estelionato (art. 171, §2°, CP). Acrescenta-se, ainda, que o adquirente não pode ingressar na ação, substituindo o alienante, salvo se a parte contrária concordar (art. 42, §1° do CPC). Assim, não obstante a alienação, o vendedor continua no processo, podendo o comprador ingressar como assistente, independentemente de concordância da parte contrária. Todavia, a sentença proferida entre as partes originárias estende os seus efeitos ao adquirente ou concessionário, conforme preceitua o § 3° do art. 42 do CPC.

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O PREÇO

O preço é elemento essencial à compra e venda. Sem o preço a compra e venda são inexistentes.

O preço deve conter os seguintes requisitos: a. pecuniariedade; b. seriedade; c. determininabilidade.

Com efeito, o preço tem que ser em dinheiro ou valor fiduciário representativo de dinheiro como cheque, nota promissória, letra de câmbio e duplicata. Quanto aos títulos da dívida pública a ação de S/A, pode figurar como preço, sem que se desconfigure a compra e venda; outros autores, ao revés, salientam que o contrato deixa de ser compra e venda e passa a ser um contrato inominado. Se, porém, o preço for convencionado em prestação de serviço, é pacífico que não haverá compra e venda, e sim um contrato inominado.

Acrescenta-se ainda que se parte do pagamento for em dinheiro e a outra parte em coisa diversa, como, por exemplo, automóvel, o negócio continuará sendo uma compra e venda, desde que o pagamento principal, de maior valor, tenha sido em dinheiro. Se, ao contrário, a troca representar a parte mais uma expressiva do negócio, aplicar-se-ão as regras do contrato de permuta.

De fato, não obstante a disposição contratual contida no art. 481, determinando o pagamento em dinheiro, seguramente tal regra. Como salienta Ademar Fioranelli, não será inflexível ou absoluta a ponto de impedir que o pagamento não possa ser feito de outra forma. O ajuste deve ser avençado em dinheiro, mas o pagamento – que é a execução do contrato – poderá ser avençado de maneira diversa. Observa Pontes de Miranda, que se a contraprestação for parte em dinheiro e parte em outro bem vendível, tem de se indagar qual à parte de maior valor, para apurar se está configurada a compra e venda ou a permuta.

Quanto à quitação, não é requisito necessário para a lavratura ou registro da escritura pública de compra e venda. Assim, não se deve confundir o preço com o pagamento. Aliás, conforme ensina Agostinho Alvim, “se o comprador pago com moeda falsa ou dinheiro recolhido, ou cheque sem fundo, preço houve; o que não houve foi o pagamento. O vendedor será credor do preço, se não preferir atacar o ato por outros defeitos”. Assim, a falta de pagamento não autoriza a anulação do negócio, mas apenas a cobrança do débito. Portanto, após a lavratura da escritura pública, o vendedor só poderá pleitear a rescisão de compra e venda, alegando falta de pagamento, quando inserida expressamente a cláusula resolutiva de pacto comissório. Se não constar essa cláusula, o vendedor deverá contentar-se com a simples cobrança, pois, como vimos, o pagamento não é requisito do aperfeiçoamento da compra e venda, mas tão-somente a sua forma de execução.

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Por isso, como observa novamente Ademar Fiorenelli, “ao ser redigido o registro da compra e venda, deverá ser inserido o preço da transação sem qualquer menção à forma de pagamento ou títulos cambiais vinculados. Seria prática ilegal a gravar de ônus ou impor restrição ao registro”. É claro que as escrituras públicas, que é diferente do registro, deverão mencionar a forma de pagamento. Todavia, tenha ou não havida quitação, a escritura de compra e venda, deve ser lavrador e registrado, pois a forma de pagamento não interfere na transmissão do domínio.

O segundo requisito do preço é a seriedade. Assim, o preço dever ser real, isto é, representar uma verdadeira contraprestação à entrega da coisa. Se for fictício, isto é, de valor irrisório, é nula a venda, que, no entanto, poderá ser convertida em doação. Saliente-se, outrossim, que o preço não precisa ser justo, correspondente ao real valor da coisa. Mas se a desproporção for gritante, a compra e venda poderá ser anulada, com base na lesão, na hipótese do vendedor ter alienado o bem sob promenta necessidade, ou por inexperiência (CC, art. 157). Assim, o preço desproporcional, por si só, não é causa de anulação da compra e venda, é mister ainda a situação de necessidade ou inexperiência do vendedor.

Por outro lado, preço deve ainda ser determinado ou determinável. O preço determinável é o fixado após a celebração do contrato. Tal ocorre, por exemplo, quando a sua fixação fica a cargo de um terceiro, ou, então, à taxa da bolsa de valores de certo e determinado dia e lugar, ou, ainda, em função de índices e parâmetros, desde que suscetíveis de objetiva determinação. No tocante à fixação do preço por terceiro, se este não puder ou não quiser fixá-lo, a venda ficará sem efeito, saldo quando acordarem os contratantes designar outra pessoa (art. 485 do CC). A decisão do terceiro, fixando o preço, é irrevogável, pois é como se houvesse sido fixado pelos próprios contratantes, a não ser se houver erro, dolo, coação ou se o terceiro ultrapassar os limites da sua incumbência. No caso de vinculação de preço à bolsa de valores, em havendo oscilação, deverá ser feito pelo valor médio do dia. Em relação aos índices de indexação, o Plano Real proíbe a utilização da moeda estrangeira.

Quanto à venda convencionada sem a fixação do preço ou de critérios para sua determinação, se não houver tabelamento oficial, entende-se que as partes se sujeitaram ao preço corrente nas vendas habituais do vendedor, conforme preceitua o art. 488 do CC. Na falta de acordo, por ter havido diversidade de preço, prevalecerá o termo médio (parágrafo único do art. 488). Denota-se, portanto, que se as partes não convencionarem o preço, a lei supre a omissão, sujeitando-se ao preço corrente, se não houver tabelamento oficial. E, na dúvida sobre o preço acordado, o juiz ordenará que prevaleça o termo médio, isto é, se o vendedor alega que duzentos e o comprador cem, prevalecerá o valor médio, qual seja, cento e cinqüenta.

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Observa-se ainda que nulo é o contrato de compra e venda, quando se deixa ao arbítrio exclusivo de uma das partes a fixação do preço (art. 489 do CC). Essa cláusula “pague o que quiser” equivale a uma condição potestativa, pois o preço fica no arbítrio exclusivo de uma das partes, revertendo-se de nulidade absoluta (art. 122 do CC).

Finalmente, ressalvada a hipótese de lesão, lícita é a fixação do preço em valor abaixo do mercado. O Oficial de Registro de Imóveis não poderá impugnar o valor, sob pena de violação do princípio da autonomia da vontade. Ademais, não há lei proibindo que a venda do imóvel seja inferior ao valor estabelecido pra fins fiscais. Entretanto, o valor arbitrado pelas partes, não será levado em conta par o cálculo do imposto, custas e emolumentos, que tomarão como base o valor venal do imóvel.

CONSENTIMENTO

O consentimento deve recair sobre a coisa, o preço e demais cláusulas contratuais.

Os menores de 16 anos devem ser representados e os maiores de 16 e menores de 18 anos, assistidos, pelos seus representantes legais. Quando esses menores, púberes e impúberes, figurarem como vendedores de bens imóveis, será necessária a autorização judicial, mesmo que representados ou assistidos pelos pais ou tutor (art. 1691 do CC). Sem o alvará judicial não poderá ser lavrada a escritura pública da compra e venda. Tratando-se, porém, de atos de mera administração de bem imóvel pertencente ao menor, como, por exemplo, o registro de um contrato de locação, não haverá necessidade de alvará judicial, bastando à presença dos pais.

A alienação de bem imóvel de menor, ainda que sob tutela, não exige hasta pública. Basta o alvará judicial (art. 1750 do CC). Em caso de os pais permutarem imóvel com o filho menor, é necessário, para se obter o alvará judicial, a nomeação de um curador especial para representar o incapaz, dado a colidência de interesses. Anota-se que o tutor o curador não podem adquirir imóveis do incapaz (art. 497 do CC).

Por outro lado, a pessoa casada não pode alienar ou grava de ônus os bens imóveis da sua propriedade, sem a autorização do outro cônjuge (art. 1647, I, do CC). Ainda que haja promessa de doação em favor do filho, devidamente homologada no processo de separação consensual do casal, não pode ser dispensada a outorga do Cônjuge, exigindo-se, portanto, o comparecimento dos ex-cônjuges para a lavratura da escritura pública de doação.

O bem gravado com cláusula de incomunicabilidade exige também a outorga do cônjuge para ser alienado.

Tratando-se de estrangeiro também é exigível a outorga do cônjuge, ainda que o direito de seu país dispense essa autorização. Com efeito, de acordo com o art. 8º da LICC, para qualificar os bens e regular as relações a ele concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que

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estiver situado. Conseqüentemente, é nula a venda de bem imóvel situado no Brasil, pelo marido sem o consentimento da mulher, ainda que se trate de casal estrangeiro.

Saliente, porém, que o Código Civil de 2002 dispensa a autorização do cônjuge em duas situações. A primeira ocorre no regime de separação absoluta de bens (art. 1647, I do CC). A segunda no regime de participação final nos aqüestos, desde que comunicado expressamente no pacto antenupcial a livre disposição desses bens (art. 1656 do CC).

Finalmente, o art. 66 da Lei 11.101/2005 (nova Lei de Falências) preceitua que, após a distribuição do pedido de recuperação judicial, o devedor não poderá alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo permanente, salvo evidente utilidade reconhecida pelo juiz, depois de ouvido o Comitê, com exceção daqueles previamente relacionados no plano de recuperação extrajudicial, conforme determinação do art. 166 do referido diploma.

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QUESTÕES

1. O que é compra e venda? 2. O que é o sistema romano ou alemão? 3. O que é sistema francês da unidade formal? 4. Em que hipótese é adotado no Brasil o sistema da unidade formal? 5. Em que consiste o sistema soviético? 6. Há algum registro que gera presunção absoluta de propriedade? 7. Qual a natureza jurídica do contrato de compra e venda? 8. Quais os elementos do contrato de compra e venda? 9. Cite três vendas solenes de bens móveis? 10. Em que hipótese a compra e venda de imóveis pode ser por instrumento

particular?11. Em sentido amplo, como deve ser interpretada a expressão “escritura

pública”?12. Os títulos judiciais sujeitam-se aos princípios de registros públicos? 13. Quais as características da coisa que é objeto de compra e venda? 14. Em que consiste a existência potencial? 15. O perecimento da coisa ao tempo da celebração do contrato gera qual

conseqüência?16. Explique o requisito da individualização da coisa. 17. É válida a venda de coisa inalienável? 18. Quando pode ser inserida a cláusula de inalienabilidade? 19. A venda de coisa alheia é nula ou anulável? 20. É possível a venda de coisa litigiosa? Em caso positivo, o vendedor

continua no processo? 21. Na compra e venda, quais as características do preço? 22. O preço só pode ser em dinheiro? 23. Se parte do pagamento for em dinheiro e a outra parte em coisa, o

negócio será uma compra e venda? 24. A quitação é requisito para a lavratura da escritura de compra e venda? 25. A falta de pagamento autoriza a anulação de compra e venda ou a sua

rescisão? 26. O que significa preço real? 27. O preço precisa ser justo? 28. O que significa preço determinável? 29. É possível delegar a um terceiro a fixação do preço de compra e venda? 30. Qual a conseqüência de a venda ser convencionada sem a fixação do

preço ou de critérios para a sua determinação? 31. É válida a cláusula “pague o que quiser”? 32. O preço pode ser fixado abaixo do valor de mercado? Em caso positivo,

como se calcula o imposto de transmissão? 33. Quais os requisitos para o menor alienar bem imóvel?

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DIREITO CIVIL OBRIGAÇÕES

CURSO A DISTÂNCIA MÓDULO XII

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TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES

INTRODUÇÃO

O Código Civil de 2002, depois das modalidades das obrigações, disciplina a sua transmissibilidade e, por último, cuida do adimplemento e efeitos das obrigações. No Código de 1916, a cessão de crédito situava-se por último, isto é, após os efeitos das obrigações.

TIPOS DE TRANSMISSÃO

Há dois tipos de transmissão: a. “mortis causa”: é regulada pelo direito das sucessões. Pode ser a título

universal, quando se defere a herança ao herdeiro; e a título singular, quando se nomeia legatário.

b. “inter vivos”: é regulada pelo direito das obrigações, no capítulo em análise, operando-se sempre a título singular ou particular.

CONTEÚDO

A transmissibilidade das obrigações compreende o estudo da cessão de crédito, da cessão de débito ou assunção de dívida e da cessão de contrato.

CESSÃO DE CRÉDITO

CONCEITO

A cessão de crédito é o negócio jurídico em que o credor de uma obrigação transfere os seus direitos a outra pessoa, independentemente da anuência do devedor.

A cessão de crédito é similar à compra e venda. Esta, porém, versa sobre bens corpóreos; ao passo que a cessão tem por objeto o crédito, que é um bem incorpóreo, isto é, imaterial.

O credor que realiza a cessão é denominado cedente; o terceiro que adquiriu o crédito é o cessionário; e o devedor, cuja anuência é dispensável, é o cedido.

REQUISITOS DE VALIDADE

A cessão de crédito, como os demais negócios jurídicos em geral, para ser válida, depende da capacidade das partes, da licitude do objeto e da forma legal.

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Quanto à capacidade, cumpre ressaltar que o falido e o inventariante só podem realizar a cessão de crédito mediante autorização do juiz. Igualmente, os pais e o tutor só podem ceder crédito do menor com autorização judicial (arts. 1691, 1748 e 1749,III), sendo certo que a aludida cessão jamais poderá ser gratuita; a cessão gratuita não pode ser autorizada pelo juiz.

O cessionário também deve ser capaz. Quanto ao tutor não pode ser cessionário do pupilo, ainda que haja alvará judicial (art. 1749,III).

Por outro lado, em relação ao objeto da cessão, em regra, pode referir-se a qualquer crédito, conste ou não de um título, ainda que antes do vencimento. Excepcionalmente, porém, veda-se a cessão de certos créditos. Com efeito, não podem ser cedidos: a. os créditos incessíveis por natureza. Compreendem os direitos

personalíssimos, por exemplo, o nome civil, e os créditos de caráter assistencial, como, por exemplo, o direito aos alimentos (art. 1707). A restrição à cessão de crédito alimentar, a nosso ver, refere-se apenas ao crédito atual, isto é, às prestações vincendas; nada obsta a cessão das prestações em atraso, que pode revelar-se vantajosa ao alimentado. Também é incessível por natureza, a obrigação de fazer quando infungível a prestação; os benefícios da justiça gratuita; e o crédito atual, a receber do INSS, atinente à indenização por acidente do trabalho, tendo em vista o seu caráter assistencial, mas nada obsta a cessão do crédito em atraso, e do crédito a receber do empregador, em razão do acidente laborativo. De fato, nada obsta a cessão do direito de haver indenização em razão de delito ou ilícito civil, à exceção das verbas de caráter alimentar.

b. os créditos incessíveis por força de lei. Exemplos: o direito de preferência ou preempção (art. 520); o empregado não pode ceder o seu crédito de salário que tem a receber do empregador (art 462 CLT.), o nome empresarial (art. 1164).

c. os créditos incessíveis por convenção entre as partes. Essa cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação (art. 286).

Finalmente, no tocante à forma, a cessão é negócio não-solene, sendo regida pelo princípio da liberdade das formas, aperfeiçoando-se com o simples consentimento das partes (cedente e cessionário). Em algumas hipóteses, porém, a cessão é negócio jurídico solene, exigindo forma especial, tal ocorre, por exemplo, com a cessão de direitos hereditários e a cessão de crédito hipotecário, que devem ser realizados por escritura pública (arts. 1793 e 289).

EFICÁCIA PERANTE TERCEIROS

Vimos que entre as partes, isto é, cedente e cessionário, a cessão não depende de forma especial. Mas, para valer perante terceiros, dispõe o art. 288 do Código Civil, urge que a cessão seja celebrada por

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instrumento público ou por instrumento particular revestido das formalidades do § 1º do art. 654, sendo certo que o art. 129, n. 9º, da Lei 6.015/73, exige ainda que o instrumento seja inscrito no Registro Público. Em suma, a eficácia perante terceiros depende do registro da cessão no Registro Público.

EFICÁCIA PERANTE O DEVEDOR

A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada (art. 290, 1ª parte).

Antes de ter conhecimento da cessão, o devedor pode efetuar o pagamento ao antigo credor (cedente), porque a cessão ainda não lhe diz respeito (art. 292). Após a notificação, o pagamento só é válido se for feito ao cessionário.

No instante em que é notificado, esclarece Sílvio Rodrigues, “o devedor pode opor, tanto ao cedente como ao cessionário, as exceções que lhe competirem; assim sendo, poderá alegar que já pagou a dívida, que ela se compensou, ou a existência de vícios, tais como o erro, dolo ou coação. Se o não fizer nesse momento, não poderá fazê-lo mais tarde, porque seu silêncio equivale à anuência com os termos do negócio e revela seu propósito de pagar ao cessionário a prestação objeto da cadencia”.

Conquanto a lei não exija forma especial, recomenda-se que a notificação seja feita por escrito, com o intuito de facilitar a sua prova. Acrescente-se, ainda, que a notificação pode ser judicial ou extrajudicial.

Dispensa-se a notificação em duas hipóteses: a. quando o devedor declara por escrito, público ou particular, que está ciente

da cessão (art. 290, 2ª parte). b. títulos ao portador, isto é, transferíveis por simples tradição manual.

Por outro lado, o devedor que é notificado de mais de uma cessão, deverá efetuar o pagamento ao cessionário que lhe apresentar, além do título da cessão, o título da obrigação cedida (art. 292). Anote-se que o credor não pode ceder o crédito mais de uma vez, mas se o fizer valerá a cessão feita ao cessionário a quem se fez a entrega do título (tradição), conforme preceitua o art. 291, salvo quando o crédito constar de escritura pública, pois, nesse caso, prevalecerá a prioridade da notificação (art. 292, última parte), devendo o devedor efetuar o pagamento ao cessionário da primeira notificação.

Finalmente, não concordamos com Sílvio Rodrigues, quando sustenta que a eficácia da cessão perante o devedor depende não só da notificação como também da transcrição do instrumento no Registro, invocando, para tanto, o disposto no art. 288 do Código Civil. Ora, aludido preceito legal refere-se a terceiros, e não a devedor; quanto a este último a eficácia depende apenas da sua notificação (art. 290).

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EFEITOS DA CESSÃO

A cessão de crédito produz duplo efeito. O primeiro consiste na transferência do crédito com todas as

suas garantias e acessórios. Se, por exemplo, o crédito estava guarnecido por uma fiança, esta acompanhará o crédito cedido. Igualmente, se guarnecido por hipoteca, mas, nesse caso, a cessão deve efetivar-se por escritura pública, cabendo ao cessionário o direito de averbar a cessão no registro do imóvel (art. 289). Acrescente-se ainda que a cessão implica também na transferência do direito de ação referente ao resguardo do respectivo crédito. No penhor, o cedente é obrigado a entregar o objeto empenhado ao cessionário.

O segundo efeito da cessão consiste na obrigação de o cedente responder pela existência do crédito à época do negócio. Assim, se o crédito for nulo ou falso, o cedente deve indenizar o cessionário. Em duas hipóteses, porém, o cedente não responde pela existência da dívida. A primeira diz respeito à cessão gratuita, salvo se o cedente proceder de má-fé (art. 295, 2ª parte); a segunda ocorre na cessão legal, cuja transferência do crédito opera-se por força de lei. Essa última exceção, que constava no 1.076 do Código de 1916, não foi repetida pelo Código de 2002, mas sua vigência decorre da lógica, pois o cedente não pode ser responsável pela transferência de um crédito que se opera por força de lei.

CESSÃO “PRO SOLUTO” E “PRO SOLVENDO”

Na cessão “pro soluto”, o cedente responde somente pela existência do crédito; na “pro solvendo”, o cedente responde pela existência do crédito e pela solvência do devedor.

No silêncio do negócio jurídico, a cessão é “pro soluto”, de modo que o cedente não é responsável pelo pagamento da dívida. Nada obsta, porém, a estipulação expressa da cláusula “pro solvendo”, e, nesse caso, o cedente torna-se também responsável pela solvência do devedor no instante da cessão, distinguindo-se do avalista, pois este responde também pela insolvência do devedor verificada após o aval. Anote-se, ainda, que, estipulada a cláusula “pro solvendo”, o cedente responde apenas pela importância que recebeu do cessionário, com os respectivos juros, e não por todo o valor do crédito, devendo ainda ressarcir o cessionário das despesas da cessão e com a cobrança (art. 297).

Finalmente, cumpre não confundir cessão “pro soluto” e “pro solvendo” com pagamento “pro soluto” e “pro solvendo”, efetuado com título de crédito. O pagamento “pro soluto” é aquele em que a simples transferência do título de crédito implica em quitação da dívida, ao passo que no pagamento “pro solvendo” a quitação só se perfaz com o desconto do título. Assim, o pagamento de aluguel com cheque sem fundo, no sistema “pro

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soluto”, é suficiente para quitar o débito, facultando-se ao credor apenas a cobrança do cheque, e não mais do aluguel; no sistema “pro solvendo”, a quitação depende do desconto do título, remanescendo o débito do aluguel na hipótese de o cheque não ter fundo. No Brasil, o pagamento com título de crédito é “pro solvendo”, efetuando-se, portanto, sob condição suspensiva.

CESSÃO DE CRÉDITO PENHORADO

O crédito, uma vez penhorado, não pode mais ser transferido pelo credor que tiver conhecimento da penhora (art. 298, 1ª parte). De fato, a cessão do crédito, após a penhora, configura fraude à execução. Anote-se, porém, que antes da penhora, a cessão será igualmente ineficaz na hipótese de insolvência do cedente, configurando-se fraude contra credores ou fraude de execução; se, porém, o cedente for solvente, a cessão feita antes da penhora é plenamente eficaz.

O devedor, enquanto não notificado da penhora, poderá efetuar o pagamento ao credor; mas, após a notificação, deverá consignar o pagamento em juízo, sob pena de ser compelido a pagar de novo.

ESPÉCIES DE CESSÃO DE CRÉDITO

A cessão de crédito pode ser convencional, legal e judicial. A cessão convencional ocorre por acordo entre o cedente e

o cessionário, aplicando-se as regras da compra e venda, quando onerosa (art. 498); quando gratuita assemelha-se à doação.

A cessão legal é a que ocorre “ipso jure”, independentemente de qualquer declaração de vontade do cedente. Nessa cessão, o cedente, isto é, o credor originário não responde pela existência da dívida e muito menos pela solvência do devedor. São duas as hipóteses de cessão legal. A primeira diz respeito à sub-rogação legal, prevista no art. 346. Ora, a nosso ver, sub-rogação é diferente de cessão. A segunda compreende a cessão dos acessórios em conseqüência da cessão da obrigação principal (art. 287). De fato, salvo disposição em contrário, na cessão de um crédito abrange-se todos os seus acessórios, como juros, cláusula penal, hipoteca, fiança etc. Assim, se a hipoteca ou os juros são nulos, o cedente não tem qualquer responsabilidade. O que importa é a validade da obrigação principal.

Finalmente, a cessão judicial, também chamada de cessão necessária, é a que se opera por sentença adjudicatória do crédito em favor do cessionário na hipótese de recusa do cedente em formalizar a cessão.

CESSÃO FIDUCIÁRIA E CESSÃO PARA COBRANÇA

Na cessão fiduciária, o cessionário assume a obrigação de entregar ao cedente o que recebeu do devedor.

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Na cessão para cobrança, o cedente apenas autoriza o cessionário a cobrar a dívida em seu próprio nome. Distingue-se da representação, pois nesta a cobrança é feita em nome do próprio cedente.

Anote-se que na cessão para cobrança, o crédito é transferido ao cessionário apenas para fins de cobrança, de modo que o crédito passa a ter dois titulares, o cessionário para o fim de cobrança, e o cedente para outros fins. Diferentemente, na cessão fiduciária, o cessionário passa a ser o titular exclusivo do crédito.

CESSÃO DE CRÉDITO E NOVAÇÃO SUBJETIVA ATIVA

Na novação subjetiva ativa, o primitivo credor extingue a obrigação com o devedor, em troca deste contrair com outro credor com débito de igual valor. Exige-se, pois, o consentimento do devedor. Verifica-se, portanto, a extinção da obrigação anterior em face da constituição de uma nova obrigação. Na cessão de crédito, ao revés, é o mesmo crédito que é transmitido com todos os seus acessórios, independentemente do consentimento do devedor.

CESSÃO DE CRÉDITO E SUB-ROGAÇÃO

Na sub-rogação, o credor originário é satisfeito em razão do pagamento efetuado pelo terceiro. Extingue-se, portanto, a dívida em relação ao credor originário. Tal ocorre, por exemplo, quando o avalista efetua o pagamento do débito. Note-se que a sub-rogação pressupõe pagamento, ao passo que a cessão de crédito ocorre antes da realização do pagamento. Na cessão de crédito, o cedente é responsável pela existência do crédito ao tempo em que lho cedeu; na sub-rogação não há essa responsabilidade.

ENDOSSO E CESSÃO DE CRÉDITO

Endosso é o ato cambiário que opera a transferência de um título de crédito à ordem.

O endosso produz três efeitos: a. transferência da titularidade do crédito do endossante para o endossatário; b. o endossante responde pela existência do título; c. o endossante se vincula ao pagamento do título, isto é, pela solvência do

devedor, salvo se o endosso contiver a cláusula “sem garantia”. Na cessão de crédito, ao revés, o cedente não responde

pelo pagamento do título, isto é, pela solvência do devedor. Enquanto o cedente só responde pela existência do título

perante o cessionário, o endossante responde pela existência do título perante os demais endossatários subseqüentes.

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A cessão de crédito deve ser comunicada ao devedor; o endosso não.

O devedor não pode argüir contra o endossatário as defesas pessoais atinentes aos outros co-obrigados do título, por força do princípio da autonomia e independência das obrigações cambiais. Em contrapartida, o devedor pode argüir contra o cessionário, quando notificado, as defesas pessoais pertinentes ao cedente.

Finalmente, há dois tipos de endosso, que produzem efeitos de cessão civil de crédito, porque o endossante não responde pela solvência do devedor. O primeiro é o endosso de título “não à ordem”; o segundo é o endosso tardio ou póstumo, que é o realizado após o protesto do título ou após o decurso do prazo do protesto.

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QUESTÕES

1. Quais os tipos de transgressão da obrigação? 2. O que é cessão de crédito? 3. Quais os nomes das partes envolvidas na cessão de crédito? 4. Qual a distinção entre cessão de crédito e compra e venda? 5. Quando há necessidade de autorização judicial para a realização da

cessão de crédito? 6. Quais os créditos que não podem ser cedidos? 7. A cláusula proibitiva da cessão de crédito pode ser oposta a terceiro? 8. Qual o requisito necessário para a cessão de crédito ter eficácia perante

terceiros? 9. Qual o requisito necessário para a cessão de crédito ter eficácia perante

o devedor? 10. Em que hipóteses dispensa-se a notificação do devedor? 11. O devedor que é notificado de mais de uma cessão, deverá efetuar o

pagamento a quem? 12. Quais os efeitos da cessão de crédito? 13. Em que hipóteses o cedente não responde pela existência da dívida? 14. O que é cessão pro soluto?15. O que é cessão pro solvendo?16. O que é pagamento pro soluto?17. O que é pagamento pro solvendo?18. O crédito penhorado pode ser cedido? 19. Quais as espécies de cessão de crédito? 20. O que é cessão convencional? 21. O que é cessão legal? 22. O que é cessão judicial ou necessária? 23. O que é cessão fiduciária? 24. O que é cessão para cobrança e como se distingue da representação e

da cessão fiduciária? 25. Qual a distinção entre cessão de crédito e novação subjetiva ativa? 26. Qual a distinção entre cessão de crédito e sub-rogação? 27. O que é endosso e quais os seus efeitos? 28. Qual a distinção entre endosso e cessão de crédito? 29. Quando o endosso produz efeitos de cessão de crédito?

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AQUISIÇÃO PELA USUCAPIÃO

Usucapião é o modo originário de aquisição da propriedade e de outros direitos reais (usufruto, uso, habitação, enfiteuse e servidão) pela posse prolongada da coisa.

Etimologicamente, a palavra é feminina (a usucapião), mas tem sido empregada no masculino (o usucapião), inclusive pelas leis. Preferiu o novo Código Civil o gênero feminino.

Discute-se se a usucapião é modo originário ou derivado de aquisição de propriedade. Trata-se, na verdade, de modo originário de adquirir a propriedade, pois a coisa não é transmitida ao usucapiente pelo seu predecessor, não havendo qualquer vínculo entre eles. E, como não ocorre ato de transmissão, inadmissível a cobrança do respectivo imposto (ITBI inter vivos). Como conseqüência de ser considerado modo originário, extinguem-se os direitos reais que oneravam o bem antes do início do prazo prescricional, desaparecendo, por exemplo, a hipoteca. Não pode prevalecer a opinião de Philadelpho de Azevedo, segundo o qual a hipoteca não é extinta, pois é registrada, presumindo-se que o adquirente sabia de sua existência. Ora, o credor hipotecário quedou-se inerte, deixando de interromper a prescrição aquisitiva, razão pela qual não tem cabimento salvaguardar os seus direitos. Carvalho Santos ressalva a manutenção da hipoteca na usucapião ordinária, pois este exige justo título e boa-fé, descaracterizando-se a boa-fé diante da publicidade do registro. Cremos deva ser extinta a hipoteca, ainda que se trate de usucapião ordinária, porquanto a manutenção dos direitos reais é incompatível com a forma originária de aquisição da propriedade, que deve ser entregue ao usucapiente límpida, livre de qualquer direito real, diante da inexistência de vínculo jurídico com o anterior proprietário.

O Código Civil francês disciplina a usucapião como modalidade de prescrição. É a denominada prescrição aquisitiva, segundo a qual o decurso do tempo cria o direito em favor do novo titular, ao contrário da prescrição extintiva, pela qual o decurso do tempo extermina o direito de ação.

O Código Civil pátrio, porém, disciplina a usucapião como instituto autônomo, apesar de sua afinidade com a prescrição, a ponto de o art. 1.244 estender-lhe as causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição. Assim, não é possível usucapir bem pertencente à absolutamente incapaz, pois contra ele não corre prescrição. Igualmente, na constância da sociedade conjugal, o cônjuge não pode usucapir bem do outro, pois a prescrição encontra-se suspensa.

A usucapião não se presta apenas à aquisição do direito de propriedade (arts. 1.238 e 1.260 do CC), mas também à aquisição dos direitos reais de servidão, usufruto, uso, habitação e superfície.

Examinaremos apenas a usucapião como modo originário de aquisição do domínio.

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Todos os bens podem ser objeto de usucapião, exceto os bens públicos e as coisas fora do comércio, como o ar atmosférico. Aliás, a Excelsa Corte editou a Súmula 340: “Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião”. Quanto ao bem gravado com cláusula de inalienabilidade, Carvalho de Mendonça sustenta que não pode ser objeto de usucapião, asseverando que a simples inalienabilidade acarreta a imprescritibilidade.Uma outra corrente, acertadamente, sustenta que não se confunde inalienabilidade com imprescritibilidade, admitindo-se, destarte, a usucapião. Com efeito, a inalienabilidade é uma proibição ditada ao proprietário, e não uma qualidade da coisa, ao passo que a usucapião é um modo originário de aquisição da propriedade que se realiza até contra a vontade do dono.

É pacífico que o bem pertencente a absolutamente incapaz não pode ser objeto de usucapião, conforme vimos anteriormente. Quanto ao bem imóvel pertencente à relativamente incapaz, vale ressaltar que é legalmente inalienável, salvo mediante ordem judicial, razão pela qual alguns autores sustentam a inadmissibilidade da usucapião, mas outros admitem a prescrição aquisitiva.

A usucapião, em todas as suas espécies, exige posse justa, exercida com ânimo de dono, prolongada durante certo lapso de tempo, de maneira mansa, pacífica e ininterrupta.

Posse justa é a que não apresenta os vícios da violência, clandestinidade ou precariedade. Assim, o comodatário que ao término do contrato se recusa a devolver o bem nunca poderá usucapi-lo, pois o vício da precariedade não se convalida. Os vícios da violência e clandestinidade, conforme já dito, se convalidam, a partir de então começa a fluir o prazo da usucapião.

A posse ad usucapionem é a exercida com ânimo de dono (animus domini). A posse em nome alheio, como a do locatário ou arrendatário, não conduz à usucapião, por mais prolongada que seja. Não se exige opinio domini, isto é, a crença, certa ou errada de que se é o dono da coisa ou do direito.

O período de posse necessário à aquisição do domínio varia conforme a espécie de usucapião. O possuidor que perdeu a posse, vindo a recuperá-la dentro de ano e dia, pela força ou via judicial, poderá juntar, para efeito de usucapião, a posse do usurpador, mas não se somarão as posses se a recuperação da coisa ocorrer após o decurso de ano e dia.

A posse deve ser mansa, pacífica e ininterrupta. Posse mansa e pacífica é aquela exercida sem oposição por

parte do proprietário do bem. É a estabelecida sem o exercício de violência. É mansa e pacífica a posse se houve interrupção por

outrem, que não o dono? Sim, pois do contrário haveria injustiça em se beneficiar o proprietário inerte com atos de terceiros não interessados, permitindo, assim, que se invalidasse a posse por quem estivesse agindo sem

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qualquer propósito legítimo. Assim, a posse mansa e pacífica significa a ausência de litígio judicial contra o proprietário. Se houver litígios com terceiros, continua sendo mansa e pacífica com relação ao proprietário.

Ocorrendo de o possuidor perder a posse, após ter preenchido o lapso temporal e demais requisitos necessários à usucapião, poderá ingressar normalmente com a ação, citando-se pessoalmente o possuidor atual do bem, sob pena de nulidade do processo (Súmula 263 do STF). Alguns autores exigiam que o usucapiente, antes do ajuizamento da ação de usucapião, recuperasse a posse, por via da ação de reintegração de posse, reivindicatória ou publiciana. Na ação publiciana, oriunda do direito romano, o autor visa obter a restituição da coisa e assim chegar à usucapião, sendo praticamente idêntica à ação de reintegração de posse.

A posse ad usucapionem é interrompida da mesma forma como se interrompe a prescrição, basicamente a notificação judicial e a citação. Enquanto a posse mansa e pacífica é a que se estabelece e se exerce sem uma interrupção fática, a posse ininterrupta é ausência de interrupção civil ou jurídica. A interrupção civil da posse do prescribente é relativa, pois só aproveita ao que a promoveu. A interrupção feita por terceiro não beneficia o proprietário. Com efeito, a prescrição interrompida por uma pessoa não beneficia a outra, salvo quando se tratar de direitos e obrigações indivisíveis (art. 204 do CC). Assim, se a usucapião for interrompida por condômino ou compossuidor pro indiviso todos os demais condôminos ou compossuidores se beneficiarão diante da indivisibilidade.

A sentença de reconhecimento da usucapião tem natureza declaratória, pois o domínio é conferido pela posse prolongada sem oposição e não pela sentença. Esta se limita a declarar uma situação jurídica já existente, tanto é assim que a usucapião pode ser alegada em matéria de defesa (Súmula 237 do STF). Se, por exemplo, o proprietário ingressar com a ação reivindicatória do bem, o possuidor, que tenha consumado o tempo de posse necessário, pode, na contestação, argüir a usucapião, gerando, destarte, a improcedência da ação. Depois da contestação, ainda é possível alegar usucapião em defesa, pois é matéria de ordem pública, passível de argüição a qualquer tempo à semelhança da prescrição, mas o tema não é pacífico, porquanto valiosas opiniões sustentam que o momento máximo para argüição de usucapião é a contestação, sob pena de renúncia abdicativa tácita, restaurando-se o direito do proprietário. Em recurso especial ou extraordinário, contudo, não é possível argüir usucapião se a matéria não foi prequestionada anteriormente.

Transitada em julgado a sentença prolatada na ação de usucapião, o próximo passo é registrá-la no Registro Imobiliário (arts. 167, I, n. 28, da Lei 6.015/1973). Observe-se que o domínio é adquirido independentemente da sentença ou do registro, servindo este apenas para regularizar a situação do imóvel e permitir, assim, a eventual alienação, ou hipoteca.

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No Brasil, existem as seguintes espécies de usucapião:

a. usucapião extraordinária; b. usucapião ordinária; c. usucapião urbana; d. usucapião especial ou pró-labore; e. usucapião de aeronaves; f. usucapião coletiva.

Na usucapião extraordinária não se exige justo título e nem boa-fé. Basta a posse justa com o ânimo de dono, exercida, de maneira mansa, pacífica e ininterrupta, durante 15 anos, se bem imóvel, e cinco anos, se móvel. O prazo poderá ser reduzido a 10 anos, “se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo” (art. 1.238, parágrafo único, do CC).

Na usucapião ordinária exige-se justo título e boa-fé, mas o tempo de posse é reduzido para 10 anos para os bens imóveis e a três anos para os bens móveis. O Código Civil não faz mais distinção no prazo quando ele corre contra ausentes e contra presentes, mas o prazo será de cinco anos “se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico” (art. 1.242, parágrafo único, do CC).

Enquanto a boa-fé relaciona-se com a aquisição da posse, que consiste na crença do possuidor na legitimidade de sua posse, por ignorar o vício ou obstáculo que impede a aquisição, o animus dominirelaciona-se com o exercício da posse e consiste na posse da coisa com a intenção de dono. Nítida, portanto, a distinção entre boa-fé e animus domini.Observe-se que na usucapião extraordinária há presunção absoluta de boa-fé, ao passo que na usucapião ordinária, o justo título já é uma presunção relativa de boa-fé.

Na usucapião ordinária, não há necessidade de a boa-fé existir durante todo o decurso do lapso prescricional, como preconiza o sistema canônico, pois o Brasil filiou-se ao sistema romano, que exige a boa-fé apenas no início da prescrição (art. 1.202 do CC). Anote-se, ainda, que a posse pode começar de má-fé e depois se tornar de boa-fé, cabendo ao possuidor, como esclarece Pontes de Miranda, provar a boa-fé superveniente, mas, nesse caso, não se aproveita o tempo anterior.

Justo título é o documento que seria capaz de transferir o domínio, se proviesse do verdadeiro dono do bem, ou estivesse isento de defeitos ou vícios. É, pois, o documento formalmente adequado para transferir o domínio, mas que deixa de produzir tal efeito em virtude de não ser o transmitente o dono da coisa ou lhe faltar o poder de alienar. Exemplos: aquisição a non domino; cônjuge que aliena imóvel sem autorização do outro;

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procurador com procuração falsa; alienante relativamente incapaz etc. Em princípio, o justo título compreende os atos anuláveis. Modernamente, está superada a corrente que só considerava justo título aquele que estivesse registrado. Todavia, para a usucapião ordinária, com o prazo reduzido a cinco anos, como foi visto, o Código Civil exige um documento que tenha sido efetivamente registrado, embora cancelado depois o registro, e decorrente de uma aquisição onerosa. O título inexistente ou que contém nulidade absoluta impede a usucapião ordinária, pois não se trata de justo título, devendo o usucapiente optar pela via extraordinária.

A usucapião urbana ou pro moradia, prevista no art. 183 da CF, é para aquele que possuir como sua área urbana de até 250 metros quadrados, utilizando-a para sua moradia ou de sua família. O tempo de posse necessária à usucapião é de cinco anos. Não se exige justo título e nem boa-fé. O usucapiente não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Mister que o imóvel usucapiendo se destine à residência do usucapiente ou de sua família. O imóvel objeto da usucapião deve estar localizado em área urbana e não exceder a 250 metros quadrados. O usucapiente não pode ter sido beneficiado antes com esta modalidade de usucapião. Portanto, aludida usucapião não será reconhecida ao mesmo possuidor mais de uma vez (art. 1.240, § 2.º, do CC). O novo Código Civil reproduziu, no art. 1.240, as disposições constitucionais para esta espécie de usucapião. O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil (art. 1.240, § 1.º, do CC).

O Estatuto da Cidade (Lei 10.257, de 10.07.2001) também regulou a usucapião urbana especial (art. 9.º), para a qual exige os mesmos requisitos. Acrescentou a possibilidade de o herdeiro legítimo continuar a posse do de cujus, para efeito de usucapião, “desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão” (§ 3.º), seguindo o que já preconizava a doutrina e reconhecia a jurisprudência. Salvo nesta hipótese, não se admite a soma de posses na usucapião urbana, porquanto a lei exige que a posse seja pessoal. Também admitiu a alegação de usucapião como matéria de defesa, valendo a sentença que o reconhecer como título para registro no Cartório de Registro de Imóveis (art. 13) e determinou a observância do rito sumário na ação de usucapião (art. 14). O art. 11 do Estatuto da Cidade ainda determina que “na pendência de ação de usucapião especial urbana, ficarão sobrestadas quaisquer outras ações, petitórias ou possessórias, que venham a ser propostas relativamente ao imóvel usucapiendo”.

A usucapião especial ou pro labore ou rural, prevista no art. 191 do CF, é para aquele que possuir como sua área de terra, em zona rural, não superior a 50 hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia. O tempo de posse necessário à usucapião é de cinco anos. É preciso que torne a terra produtiva com o seu trabalho (funçãosocial de propriedade) e a utilize como moradia habitual, propiciando-se,

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destarte, a fixação do homem no campo. O usucapiente não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural, mas não impede a usucapião que já tenha sido beneficiado em outra oportunidade por esta modalidade de aquisição. O novo Código Civil reproduziu, no seu art. 1.239, as disposições constitucionais para esta espécie de usucapião. Na usucapião pro labore, torna-se inadmissível a soma de posses, pois a lei exige a posse pessoal do possuidor, e não de meros prepostos, consistente no ato de tornar produtiva a terra e nela fazer a sua moradia. Portanto, o lapso de tempo necessário à usucapião só se inicia quando o possuidor instala sua moradia e passa a cultivar a terra, tornando-a por qualquer modo produtiva. Assim, o art. 1.243 do CC, que prevê a soma de posses às usucapiões, deve ser interpretado restritivamente, excluindo-se do âmbito de sua incidência as duas modalidades de usucapião especial (urbana e rural), pois, para essas espécies, a Magna Carta exige uma posse pessoal. Não se pode reconhecer a usucapião pro labore quando a ocupação incide sobre área superior ao limite de 50 hectares estabelecido na Constituição Federal. A usucapião especial rural poderá ser invocada como matéria de defesa, valendo a sentença que a reconhecer como título para transcrição no Registro de Imóveis (art. 7.º da Lei 6.969/1981). O rito é o sumário (art. 5.º da sobredita Lei).

A usucapião de aeronave exige justo título, boa-fé e cinco anos de posse (art. 116, III, da Lei 7.565/1986).

O Estatuto da Cidade, Lei 10.257/2001, também criou a usucapião coletiva (art. 10): “As áreas urbanas com mais de 250 metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são suscetíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural”. Admitiu a soma da posse para a usucapião, contanto que ambas sejam contínuas (art. 10, § 1.º), e reconheceu a legitimidade para a propositura dessa ação, como substituto processual, da associação de moradores da comunidade, desde que regularmente constituída e explicitamente autorizada pelos representados (art. 12, III). Trata-se de usucapião dirigida à regularização da situação de ocupações urbanas, como as favelas. São, pois, requisitos da usucapião coletiva: a) área urbana com mais de 250 metros quadrados; b) posse de cinco anos ininterruptos, mansa, pacífica e com animus domini; c) existência no local de família de baixa renda, utilizando o imóvel para moradia; d) impossibilidade de identificação da área de cada possuidor; e) que os usucapientes não sejam proprietários de outro imóvel, urbano ou rural. A ação pode ser proposta: a) pelo possuidor, isoladamente ou em litisconsórcio; b) pelos possuidores, em composse; c) por associação de moradores da comunidade, regularmente constituída. É discutível a legitimidade do Ministério Público, pois a lei não lhe atribui expressamente direito à propositura da ação, mas a sua intervenção é obrigatória em qualquer ação de usucapião. Na sentença, o juiz atribuirá uma fração do terreno igual a cada possuidor, independentemente da dimensão do

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terreno de cada um, caso não exista acordo escrito dos possuidores (art. 10, § 3.º). A sentença terá como efeito a constituição de um condomínio especial e indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação de 2/3 dos condôminos no caso de urbanização posterior (art. 10, § 4.º).

O procedimento especial previsto nos arts. 941 a 945 do CPC é restrito à ação de usucapião de bens imóveis, cujo rito é o ordinário ou sumário, dependendo do valor da causa. O parágrafo único do art. 943 do CPC, que determinava a observância do rito ordinário, qualquer que fosse o valor da causa, foi revogado pela Lei 8.951, de 13.12.1994, de tal modo que o rito a ser observado passou a ser o ordinário ou sumário, conforme o valor da causa. Vale ressaltar que a Lei 8.951/1994 suprimiu também a exigência da audiência de justificação de posse.

O procedimento da ação de usucapião das coisas móveis pode também ser ordinário ou sumário, conforme o valor da causa. É que o art. 275, II, a, do CPC, que determinava a observância obrigatória do rito sumário, independentemente do valor da causa, foi revogado pela Lei 9.245/1995.

O procedimento da ação de usucapião especial é o sumário (art. 5.º da Lei 6.969/1981).

O foro competente para a ação de usucapião é o do local onde está situado o imóvel (art. 95 do CPC).

O juízo competente é a Vara de Registros Públicos, se não houver essa vara especializada, distribuir-se-á ação a uma das varas cíveis da comarca.

Caso a União, justificadamente, ingresse no processo, a competência passará a ser da Justiça Federal. Ingressando nos autos o Estado-membro ou Município, a ação será processada na Vara da Fazenda Pública Estadual ou Municipal, se houver. Se na mesma ação ingressar a União, Estado-membro e Município, a competência será da Justiça Federal.

O usucapiente exporá na petição inicial o fundamento do pedido. E, juntando a planta do imóvel, requererá a citação daquele em cujo nome estiver registrado o imóvel usucapiendo, bem como os confinantes e, por edital, dos réus em lugar incerto e não sabido e dos eventuais interessados (art. 942 do CPC). É essencial a juntada da planta do imóvel, pois não podem ser usucapidos os bens que não possam ser perfeitamente individualizados. De fato, não é possível posse sobre coisa indeterminada, incerta, vaga, em que se desconhece até onde se estendem os atos processuais. Urge, portanto, se descrevam as características e as confrontações do imóvel, juntando-se ainda a respectiva planta.

Proprietário do imóvel, réus certos e seus confinantes são litisconsortes passivos necessários.

Dispõe o art. 943 do CPC que serão intimados (e não citados) por via postal, para que manifestem interesse na causa, os representantes da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios ou do Território onde se situe o imóvel.

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8CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO CIVIL – DIREITO DAS COISAS – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

O representante do Ministério Público (Curador de Registros Públicos) também é intimado para intervir no processo, pena de nulidade (art. 944 do CPC). Atua como custos legis (fiscal da lei), podendo opinar contra ou a favor do pedido.

Aos réus ausentes, incertos e desconhecidos, citados por edital, caso não ofereçam contestação, o juiz nomeará curador especial, função exercida por advogado e não mais pelo Promotor de Justiça.

Por outro lado, cumpre frisar que as causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição também se aplicam à usucapião (art. 1.244 do CC). Assim, não corre o prazo de usucapião contra os absolutamente incapazes (art. 198, I, do CC).

Discute-se se o condômino pode usucapir. Lafayette responde negativamente, invocando o princípio da imprescritibilidade do condomínio, mas a doutrina dominante admite a usucapião, desde que o condômino exerça a posse com exclusividade, sobre uma parte ou a totalidade do bem, revelando, por atos exteriores, a qualidade de possuidor pro suo. Todavia, na dúvida, presume-se que a posse é exercida em nome de todos os demais condôminos, inviabilizando a usucapião. Saliente-se, ainda, que o condômino, em regra, só pode invocar a usucapião extraordinária, pois o título que o beneficia também beneficia os demais condôminos. Excepcionalmente é possível a usucapião ordinária, desde que seja baseada em outro título.

Por outro lado, o espólio, pelos seus co-herdeiros, também pode requerer a usucapião, desde que o de cujus não tenha renunciado expressa ou tacitamente a prescrição aquisitiva.

A usucapião pode ser invocada não só pelo usucapiente, mas também por seus sucessores legítimos ou testamentários. Igualmente pelos seus credores e demais interessados. Com efeito, dispõe o art. 193 do CC, aplicado analogicamente, que “a prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita”. Ademais, o art. 191 do CC salienta que a renúncia da prescrição só valerá quando não prejudicar terceiros. Portanto, o terceiro interessado, isto é, aquele a quem a renúncia prejudica, pode anulá-la e invocar usucapião em nome do possuidor.

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9CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO CIVIL – DIREITO DAS COISAS – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

QUESTÕES

1. O que é usucapião? 2. Qual a distinção entre prescrição aquisitiva e extintiva? 3. A usucapião serve para adquirir outros direitos reais além da

propriedade? 4. Quais os bens que podem ser objeto de usucapião? 5. Quais os requisitos gerais da usucapião? 6. O que é ação publiciana? 7. A sentença de usucapião é declaratória ou constitutiva? 8. Quais os requisitos da usucapião extraordinário? 9. Quais os requisitos da usucapião ordinário? 10. O que é usucapião urbano e quais os seus requisitos? 11. O que é usucapião coletivo? 12. O que é usucapião especial? 13. A usucapião pode ser alegado em matéria de defesa? 14. Qual o prazo para usucapião de aeronave? 15. Qual o rito da ação de usucapião? 16. Qual o foro e o juízo competente para a ação de usucapião? 17. Quando a justiça federal será competente para julgar usucapião? 18. Quem são os réus da ação de usucapião? 19. Qual a posição do Ministério Público na ação de usucapião? 20. Quais as causas de suspensão e interrupção da usucapião?

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ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

CURSO A DISTÂNCIA MÓDULO XII

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1CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – PROFº FAUSTO JUNQUEIRA DE PAULA

REMISSÃO

A remissão é disciplinada nos artigos 126, 127 e 128 do Estatuto da Criança e do Adolescente da seguinte forma:

Art. 126. Antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato infracional, o representante do Ministério Público poderá conceder a remissão, como forma de exclusão do processo, atendendo às circunstâncias e consequências do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional.

Parágrafo único. Iniciado o procedimento, a concessão da remissão pela autoridade judiciária importará na suspensão ou extinção do processo.

Art. 127. A remissão não implica necessariamente o reconhecimento ou comprovação da responsabilidade, nem prevalece para efeito de antecedentes, podendo incluir eventualmente a aplicação de qualquer das medidas previstas em lei, exceto a colocação em regime de semiliberdade e a internação.

Art. 128. A medida aplicada por força da remissão poderá ser revista judicialmente a qualquer tempo, mediante pedido expresso do adolescente ou de seu representante legal, ou do Ministério Público.

Assim sendo, a natureza jurídica da remissão é mista, de perdão quando aplicada isoladamente ou mitigação dos efeitos do ato infracional, quando acompanhada de medida sócio-educativa.

A concepção da remissão, conforme insculpida no Estatuto da Criança e do Adolescente, deu-se no art.11 do texto das Regras Mínimas Uniformes das Nações Unidas para Administração da Justiça de Menores, documento internacionalmente conhecido como Regras de Beijing ou de Pequim.

A remissão concedida pelo Ministério Público constitui medida excludente do processo, ao passo que a remissão concedida pelo Magistrado, durante o processo, levará a sua suspensão ou extinção. Acarretará a extinção do processo quando aplicada isoladamente ou acompanhada de medida instantânea (p.ex:advertência) e ocasionará a suspensão do processo quando vier acompanhada de medida cuja execução se protraia no tempo (p.ex: liberdade assistida), ao final extinguindo-se o feito de qualquer forma.

Extrai-se dos dispositivos legais que tratam do assunto no Estatuto da Criança e do Adolescente que a remissão será aplicada nos atos infracionais de pequeno potencial ofensivo, levando-se ainda em conta as condições pessoais favoráveis do adolescente considerado seu autor. É que, não implicando no reconhecimento ou comprovação da responsabilidade e nem prevalecendo para efeitos de antecedentes, a remissão constitui benesse a ser concedida a adolescentes que praticaram atos de pouca

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ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – PROFº FAUSTO JUNQUEIRA DE PAULA

gravidade e que possuam condições pessoais favoráveis, sendo descabida sua aplicação em casos de crimes graves ou onde seja constatado que o adolescente possui envolvimento com a delinquência de modo mais profundo.

Desde a edição do Estatuto da Criança e do Adolescente a jurisprudência e a doutrina debatem o instituto da remissão, notando-se que desde o início de sua vigência houve larga evolução no seu entendimento e por conseguinte, na aceitação dos seus efeitos e na ampliação dos seus limites.

Com efeito, logo acoimou-se de inconstitucional a remissão por ofensa ao devido processo legal, notadamente quando vinha acompanhada de medida e aplicada na fase pré-processual pelo Ministério Público. Também se sustentava ofensa ao princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição, pois a matéria alcançada por esta última forma de remissão era excluída da apreciação meritória do Poder Judiciário.

A verdade é que a redação dos dispositivos legais que regulam a remissão não primam pela exatidão dos termos (concessão - dando a idéia de unilateralidade que não se aceita), ao contrário, provoca incerteza e insegurança quanto ao escopo da lei. Planejada como forma de imprimir celeridade e racionalização no atendimento pelo sistema de justiça, já que trata-se de forma de desjudicialização ou de antecipação do desfecho processual, a remissão não era usual, pois somente era aceita pura e simples e a remissão judicial muitas vezes era ignorada pela Magistrado.

Passados alguns anos de debates e confrontações sobre tão crucial tema, hoje os Tribunais Superiores e a doutrina pacificaram parte importante da questão, concluindo que a remissão está ligada a idéia de justiça consensual ou de desformalização da justiça, não se podendo prescindir de uma transação entre o Ministério Público e o adolescente e seu defensor.

Fez-se uma releitura dos dispositivos que tratam o assunto para entender que a remissão para exclusão do processo deve ser proposta pelo Ministério Público para que o adolescente suposto autor do fato eventualmente aceite, só assim levando-se a homologação judicial. Em juízo, igualmente, somente seria possível a remissão mediante acordo entre as partes.

A verdade é que com a edição da lei federal nº 9.099/95, cinco anos depois do Estatuto da Criança e do Adolescente, a doutrina e a jurisprudência brasileira compreenderam os efeitos e a necessidade prática da mitigação do princípio da legalidade – obrigatoriedade – da ação, a partir da busca de soluções consensuadas para a reparação dos males causadas pela criminalidade leve.

Neste sentido, preleciona o Professor Antonio Scarance Fernandes :

“A Lei 9.099/95 representou verdadeira revolução no sistema brasileiro, libertando a justiça para o consenso em matéria penal, sendo, em virtude disso, aplaudida pela grande maioria dos estudiosos e dos operadores do direito. Insere o Brasil entre os países que adotam o modelo consensual de justiça criminal, na linha do que vinha sendo estimulado pela doutrina.”

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3CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – PROFº FAUSTO JUNQUEIRA DE PAULA

Foi o Estatuto da Criança e do Adolescente que inseriu pela primeira vez no ordenamento jurídico nacional – no campo do combate a criminalidade – um importante instituto que leva a mitigação do princípio da obrigatoriedade, permitindo ao Ministério Público o estabelecimento de uma política criminal de combate a delinquência juvenil. A resistência brutal a mudança também prendeu-se ao fato de que ela se dava em uma lei de quilate supostamente inferior, pois lidava com os “menores infratores”, historicamente alijados das grandes controvérsias jurídicas, nunca tendo despertado o interesse dos processualistas (até porque o diploma legal que regulava o assunto era esdrúxulo no que se refere as normas de processo e procedimentos).

Na fase pré-processual a remissão muito se assemelha a transação penal insculpida no artigo 76 da Lei 9.099/95, enquanto a remissão judicial, embora tendo os mesmo efeitos, difere-se por ser aplicada durante o processo, aproximando-se da suspensão condicional prevista no artigo 88 da legislação mencionada.

Com estes contornos novos a remissão tendo sido instrumento de pragmatismo e celeridade no atendimento ao adolescente considerado autor de ato infracional, prestigiando a concentração dos atos, a celeridade e a oralidade para possibilitar maior eficiência na atuação da Justiça da Infância e da Juventude e a consequente pacificação dos conflitos, tudo em perfeita harmonia com as garantias processuais e os princípios constitucionais do processo.

SISTEMA PROCESSUAL DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Diante do instituto da remissão – extrajudicial e judicial – e da atenuação do princípio da legalidade, curial indagar diante de qual modelo de sistema processual teria sido acolhido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

Na leitura vestibular que fazia a jurisprudência e a doutrina, quando se pensava na remissão como um instrumento unilateral de perdão, ora às mãos do Ministério Público ora às mãos da Autoridade Judiciária, havia na espécie afronta mortal contra o sistema acusatório, pois tanto na etapa pré-processual como durante o processo o Estado, por seu respectivo órgão – Promotor de Justiça ou Juiz de Direito – sem o menor respeito a ampla defesa ou ao contraditório, poderia conceder o perdão ou impor uma medida aflitiva não privativa de liberdade, a título de mitigação dos efeitos do ato infracional, sem outorga do suposto autor do fato ou do réu.

O adolescente submetido a persecução sócio-educativa não tinha direito ao contraditório e a ampla defesa e deveria dar-se por satisfeito se o Estado abrisse mão da acusação impondo-lhe medida mais branda do que a privativa de liberdade. Desse modo, provar sua inocência ou buscar a

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ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – PROFº FAUSTO JUNQUEIRA DE PAULA

aplicação de medida que lhe parecia mais adequada não era possível. Sob os auspícios deste entendimento, o processo mais se afeiçoa ao sistema inquisitivo, onde são suprimidas as garantias processuais, ficando tudo a cargo o Estado. A função do Ministério Público ao conceder remissão se desfigurava de sua missão constitucional e mesmo a autoridade judiciária, concedendo remissão sem a necessária aquiescência das partes, se investia de poder absoluto que desprezava a necessidade de provocação para agir.

Com o atual entendimento que se empresta ao tema somente será possível remissão com ou sem medida inclusa, mediante aceitação do adolescente e seu defensor. Assim já se pronunciou diversas vezes a jurisprudência e a doutrina:

“O legislador adotou a remissão com duplo significado: perdão puro e simples ou mitigação das consequências do ato infracional, conforma venha ou não acompanhada de medida. A remissão será transacional quando incluir a aplicação de medida, pressupondo-se neste caso, a aquiescência do adolescente, beneficiado com a exclusão, suspensão ou extinção do processo. Havendo relutância do adolescente ou de seu representante legal em aceitar a medida sócio-educativa preconizada pelo representante do Ministério Público, este oferecerá representação (art.180, III, c/c art.182, caput).”

Ainda na mesma obra literária, cita jurisprudência: “O Estatuto da Criança e do Adolescente instituiu a ação de

pretensão sócio-educativa, atribuindo-a ao Ministério Público, a quem conferiu o critério de oportunidade, autorizando o dominus litis a transacionar em torno de medidas que não impliquem em restrições à liberdade pessoal – A remissão não se caracteriza pela imposição, mas pelo ajuste, com aceitação voluntária de medida de proteção ou sócio-educativa – Pode haver remissão independentemente do devido processo legal, já que o instituto objetiva exclusão, suspensão ou extinção do processo sim exame do mérito (JC – Justiça Catarinente 71/260)”.

O Egrégio Superior Tribunal de Justiça já firmou posicionamento no sentido de que é possível a cumulação da remissão do processo, concedida pelo Ministério Público, com a aplicação de medida sócio-educativa aplicada pelo Julgador. Seguem as ementas:

“Estatuto da Criança e do Adolescente. Recurso Especial. Remissão e Medida Sócio-educativa. A remissão concedida pelo “parquet” pode vir a ser acompanhada de medida provisória sócio-educativa aplicada pelo juiz, observado o disposto no art. 127 do ECA. Recurso conhecido e provido (Resp 156.176 – SP, Rel. Min. Felix Fischer, DJ de 18.05.1998).” ............................................................................................................................

“Processo Penal. Estatuto da Criança e do Adolescente. Remissão concedida pelo Ministério Público cumulada com medida sócio-educativa de liberdade assistida. Homologação pelo Magistrado.

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ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – PROFº FAUSTO JUNQUEIRA DE PAULA

Compatibilidade. Incidência da súmula 108, do STJ. Cumprimento da medida. (Resp 157.012 – SP, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ de 07.12.1998).”............................................................................................................................

“Penal. Estatuto da Criança e do Adolescente (lei nº 8069/90). Art.127. Remissão. Medida sócio-educativa. Cumulação. Ausência de constrangimento ilegal. (Resp 191.175 – SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ de 04 de 10.1999).

Na Câmara Especial do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo o entendimento do assunto desenvolveu-se – finalmente – pela mesma senda:

“MENOR – Ato infracional – Furto – Remissão concedida pelo Ministério Público com proposta de cumulação com medida sócio-educativa de advertência – Decisão que homologou tão somente a remissão, entendendo inadmissível tal cumulação – Recurso do Ministério Público – Respeito ao devido processo legal verificado – Ausência de irregularidade na cumulação de medida, que pode ser concedida segundo previsão legal – Inteligência do artigo 127 do ECA – Hipótese dos autos que recomenda a cumulação – Personalidade do adolescente, que trabalha, está integrado à sua família e não apresenta qualquer antecedente infracional aponta a suficiência da advertência como medida a ser aplicada – Recurso provido.(TJSP – Apelação Cível nº 044.011-0/2-00 – Rel. Oetterer Guedes, 01.10.98).”

No atual entendimento predominante nos tribunais superiores e na doutrina da infância e juventude, a remissão se compatibiliza com os princípios e garantias constitucionais do processo, mitigando tão somente o princípio da legalidade da ação, vale dizer, atenuando a obrigatoriedade do oferecimento da ação sócio-educativa pública, na medida em que possibilita o juízo de oportunidade, devidamente regrado nas normas sobreditas do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Não acredito que a mera atenuação da obrigatoriedade da ação seja suficiente para descaracterizar o sistema acusatório acolhido em Estatuto da Criança para atendimento do jovem infrator da norma penal. Tal e qual ocorreu por ocasião da edição da Lei 9.099/95, e nem por isso entende-se que o sistema processual penal para crimes de pequeno potencial ofensivo é o acusatório. Sobre o assunto abordam DEMERCIAN e MALULY:

“Finalmente, a recente Lei dos Juizados Especiais Criminais mitigou o alcance do princípio da legalidade, quando se tratar de infração penal de menor potencial ofensivo. Nesse caso, o Promotor de Justiça, em vez que oferecer a denúncia e dar início à ação penal, pode propor ao autor do fato um acordo (transação penal), a teor do art. 76 da Lei nº 9.099/95, que, aceito, resultará na exclusão do processo.” (grifo do autor).

Toda a doutrina referente a transação penal da lei 9.099/95 pode ser trasladada para a espécie em tela, pois a interpretação

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ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – PROFº FAUSTO JUNQUEIRA DE PAULA

jurisprudencial mais moderna praticamente iguala tal providência com a remissão. Julio Fabbrini Mirabete preleciona, nesta senda, que notadamente no que toca ao sistema acusatório a doutrina tem procurado distinguir certos princípios característicos, porém, a ausência ou atenuação de alguns deles não o descaracterizam.

Seja na fase pré-processual ou na fase processual a remissão somente será admitida quando apresentada à homologação judicial como forma de transação entre as partes, restando absolutamente preservado o sistema acusatório, não havendo confusão das pessoas participante do actum trium personarum, estando em pé de igualmente o autor e o réu, mantendo-se imparcial o órgão julgador.

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7CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – PROFº FAUSTO JUNQUEIRA DE PAULA

QUESTÕES

1. O que é remissão? 2. Qual é a natureza jurídica desse instituto? 3. Em que momentos e quem pode conceder a remissão? 4. Em que consiste a remissão concedida pelo Ministério Público? 5. Em que consiste a remissão concedida pelo Magistrado? 6. Em que hipóteses implicará em extinção do processo? 7. Em que casos a remissão ocasionará a suspensão do processo? 8. Em que tipo de atos infracionais será aplicada a remissão? 9. A remissão é unilateral ou bilateral? Explique. 10. Como está sendo vista hoje pelos Tribunais Superiores esse instituto do

ponto de vista processual?11. A aplicação da remissão fere o principio do devido processo legal?

Explique.12. Pode-se falar, no caso, em mitigação do princípio da obrigatoriedade? 13. Há diferenças e semelhanças entre esse instituto e o da transação penal

do art. 76 da Lei n. 9.099/95? 14. Sintetize a matéria estudada neste módulo tendo em vista o instituto da

remissão e o modelo de sistema processual aceito na doutrina e jurisprudência que teria sido aceito pelo ECA.

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DIREITOCOMERCIAL

TOMO I

CURSO A DISTÂNCIA MÓDULO XII

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DIREITO COMERCIAL I - PROF. SÍLVIO ANTÔNIO MARQUES

SOCIEDADE LIMITADA

ORIGEM

A sociedade limitada é o tipo societário empresarial contratual em que todos os sócios respondem limitadamente ao total do capital social subscrito, enquanto não integralizado.

Trata-se de sociedade que surgiu na Alemanha, no final do século XIX (1892), e que possibilitou aos pequenos e médios comerciantes que constituíssem um tipo societário em que os sócios tivessem responsabilidade limitada. Muitos entendiam que era inconveniente a responsabilidade ilimitada das sociedades em comandita simples e das sociedades em nome coletivo. As sociedades anônimas já existiam, mas sua formação era demorada e exigia sempre o aporte de muito capital. Após a Alemanha, vários países adotaram-na, como Portugal (1901), Áustria (1906), Inglaterra, com o nome de private companies (1907), e o Brasil (Decreto n. 3.708/1919). O Código Civil de 2002 atualmente é o único diploma que trata da sociedade limitada no Brasil (antes denominada sociedade por quotas de responsabilidade limitada).

Algumas legislações, como as da França, Chile, Argentina e México, determinam que a sociedade limitada não pode ter mais de cinqüenta sócios. No caso da legislação francesa, se a sociedade limitada passar a ter mais de cinqüenta associados, deverá, no prazo de dois anos, ser transformada em sociedade anônima (Lei n. 66-537, de 24 de julho de 1966, art. 36). A Lei de Sociedades Limitadas da Colômbia, por sua vez, fixa o número máximo de sócios em vinte e cinco pessoas. No Brasil não há limites quanto ao número máximo de sócios nesse tipo societário.

A sociedade limitada é regida pelos arts. 1.052 a 1.057 do Código Civil, podendo adotar como diploma supletivo a Lei das Sociedades Anônimas (n. 6.404/1976), se previsto expressamente no contrato social, ou as regras da sociedade simples, no silêncio do instrumento contratual (art. 1.053 e parágrafo único do Código Civil).

O contrato social deverá ser elaborado conforme o art. 53 do Decreto n. 1.800/1996 e poderá mencionar, no que couber, as indicações previstas no art. 997 do Código Civil.

Não pode haver na sociedade limitada sócios de serviços, que contribuem apenas com trabalho. Todos os sócios devem participar com dinheiro ou bens na formação do capital social.

As obrigações e direitos dos sócios são, na sua generalidade, semelhantes aos dos sócios da sociedade simples, já mencionados alhures.

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DIREITO COMERCIAL I - PROF. SÍLVIO ANTÔNIO MARQUES

RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS

Na sociedade limitada todos os sócios têm responsabilidade restrita ao total do capital. A sociedade em si tem responsabilidade ilimitada por dívidas dela, enquanto os sócios respondem pela integralização das quotas apenas. A responsabilidade, contudo, é solidária entre os sócios até a integralização, conforme art. 1.052 do Código Civil:

“Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.”

Se em determinada sociedade limitada há, por exemplo, três sócios e o primeiro subscreveu quotas no valor de R$ 100 mil, o segundo R$ 50 mil e o terceiro R$ 2 mil, todos, inclusive o minoritário, responderão solidariamente pela integralização do total do capital social (R$ 152 mil). A responsabilidade por dívidas sociais, contudo, pode ser “zero”, caso todos os sócios tenham integralizado suas respectivas quotas.

Além da possibilidade da propositura de ação para obrigar os sócios a integralizarem o capital social, nos seguintes casos há responsabilidade pessoal dos sócios, notadamente dos administradores: I. Desconsideração da personalidade jurídica (disregard of legal entity,

teoria da penetração ou teoria do superamento da pessoa jurídica) – se os sócios fraudarem os credores, valendo-se da separação patrimonial, o juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica, atingindo seus bens pessoais, conforme art. 50 do Código Civil, art. 28 do Código de Defesa do Consumidor (n. 8.078/1990), art. 18 da Lei Antitruste (n. 8.884/1994) e art. 4º da Lei Ambiental (n. 9.605/1998). A doutrina divide essa teoria em: a) teoria maior - quando há fraude e a pessoa jurídica é usada como anteparo para evitar a responsabilização dos sócios; b) teoria menor -quando a lei amplia as possibilidades de desconsideração, prevendo casos em que não há fraude (como, por exemplo, quando há apenas prejuízo ao consumidor).

II. Dívidas fiscais – de acordo com art. 135, II, do Código Tributário Nacional, são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, inclusive das sociedades limitadas. Nesse caso, os administradores somente responderão se houver sonegação, que ocorre quando a sociedade desvia dinheiro do pagamento de tributos para outras finalidades, e não em caso de inadimplemento, que se verifica quando a sociedade simplesmente não possui dinheiro.

III. Dívidas perante o Instituto Nacional da Seguridade Social (art. 13 da Lei n. 8.620/1993) – o titular da empresa individual e o sócio da sociedade

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3CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO COMERCIAL I - PROF. SÍLVIO ANTÔNIO MARQUES

limitada respondem solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social.

IV. Dívidas trabalhistas - a Justiça do Trabalho, apesar da inexistência de lei específica, tem garantido aos trabalhadores o direito de atingirem o patrimônio dos sócios de quaisquer sociedades.

V. Responsabilidade por excessos – nos termos do art. 1.080 do Código Civil, as deliberações que infringirem o contrato ou a lei tornam ilimitada a responsabilidade dos sócios que expressamente a aprovarem.

Por força do art. 82 da Lei n. 11.101/2005, a responsabilidade pessoal dos sócios de responsabilidade limitada, dos controladores e dos administradores da sociedade falida, estabelecida nas respectivas leis, será apurada no próprio juízo da falência, independentemente da realização do ativo e da prova da sua insuficiência para cobrir o passivo. A ação de responsabilização obedecerá ao rito ordinário, previsto no Código de Processo Civil (arts. 282 e seguintes), e deverá ser proposta pelo Administrador Judicial antes da ocorrência do prazo prescricional, que é de dois anos contados do trânsito em julgado da sentença de encerramento da falência.

DAS QUOTAS

Quota é a participação de cada sócio na sociedade limitada, assim como nas demais sociedades contratuais, conforme previsto no contrato social.

As quotas podem ser iguais ou desiguais, cabendo uma ou diversas a cada sócio. Como ensina Ricardo Negrão1, “dizem-se iguais ou desiguais porque um sócio pode adquirir um número diferente do que outro vier a adquirir”.

Se a contribuição para a formação do capital social não for feita em dinheiro, todos os sócios respondem solidariamente pela exata estimação de bens conferidos ao capital social, até o prazo de cinco anos da data do registro da sociedade, sendo vedada contribuição que consista apenas em prestação de serviços (art. 1.055 §2º do Código Civil). Somente a sociedade simples admite sócio que contribua apenas com serviços (arts. 997, V, e 1.007, do Código Civil).

Em relação à sociedade a quota é indivisível, exceto para efeito de transferência. Havendo condomínio, somente o condômino representante ou inventariante do sócio falecido pode exercer os direitos inerentes à quota. Os condôminos de quota indivisa respondem solidariamente pelas prestações necessárias à sua integralização.

Se um sócio da sociedade limitada tornar-se remisso, por não ter integralizado totalmente sua quota, os demais poderão:

1 Op. cit. v. 1, p. 355.

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DIREITO COMERCIAL I - PROF. SÍLVIO ANTÔNIO MARQUES

I. cobrar-lhe indenização. II. excluí-lo do quadro societário. III. reduzir-lhe a quota ao montante já realizado (integralizado).IV. tomar-lhe a quota. V. transferir suas quotas a terceiros.

Nos três primeiros casos haverá redução do capital social, exceto se os demais sócios suprirem o valor da quota (art. 1.004, parágrafo único, e art. 1.031 §1º do Código Civil). Nos dois últimos casos o sócio remisso também será excluído, mediante a devolução do que tiver integralizado, deduzidos os juros da mora, as prestações estabelecidas no contrato mais as despesas (art. 1.058).

A aquisição de quotas pela própria sociedade, que era prevista no art. 8º do Decreto n. 3.708/1919, não é mais possível, em qualquer caso, pois o novo Código Civil não prevê tal hipótese.

Nos termos do art. 1.026, parágrafo único, do Código Civil, o credor individual do sócio pode fazer recair a execução ou o cumprimento da sentença ou do acórdão sobre os lucros dele na sociedade ou sobre a parte que lhe caberia em caso de liquidação, admitindo-se, ainda, que esta seja requerida, caso a sociedade ainda não esteja dissolvida. Com tal solução, ensina José Maria Trepat Cases2, fica resolvida a divergência doutrinária e jurisprudencial sobre a penhorabilidade das quotas, que não é mais possível. Mas, segundo Sérgio Campinho3, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, ainda é cabível a penhora de quotas de sociedade limitada de capital, pois o dispositivo citado, aplicável inicialmente às sociedades simples, estabelece que o credor “pode”, e não que ele deve utilizar as prerrogativas do art. 1.026, parágrafo único, do Código Civil. Em caso de liquidação das quotas, o sócio será excluído de pleno direito da sociedade (art. 1.030 parágrafo único do Código Civil).

Se não houver disposição contratual diversa, o sócio pode ceder sua quota a quem seja sócio, independentemente da audiência dos demais, ou a estranho, desde que não haja oposição de sócios que representem mais de um quarto do capital social. A sociedade limitada será “de pessoas” se o contrato social estipular que cada sócio somente pode alienar suas quotas com a anuência dos outros e será “de capital” se não exigir. A sociedade limitada, enfim, pode ser de pessoas ou de capital, conforme o contrato social.

Com a finalidade de resguardar interesses de terceiros, os sócios serão obrigados à reposição dos lucros e das quantias retiradas, a qualquer título, ainda que autorizados pelo contrato, quando tais lucros ou quantias se distribuírem com prejuízo do capital (art. 1.059 do Código Civil).

2 Código Civil Anotado, p. 691. 3 O Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil, p. 186.

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DIREITO COMERCIAL I - PROF. SÍLVIO ANTÔNIO MARQUES

NOME EMPRESARIAL

A sociedade limitada pode adotar como nome empresarial firma (razão social) ou denominação, de acordo com o contrato social.

Caso utilize firma (razão social), necessário se faz incluir a partícula “E Companhia” (ou “& Cia”), se pelo menos o nome de um dos sócios não constar no nome empresarial, e, em todos os casos, a palavra final “Limitada” (ou “Ltda.”), conforme art. 1.158 do Código Civil. Caso seja omitida a expressão “Limitada” (ou Ltda.), responderão solidária e ilimitadamente os administradores que assim empregarem a firma ou a denominação da sociedade (art. 1.158 § 3º do Código Civil).

Nos termos do Código Civil, o uso da firma ou denominação social é privativo dos administradores que tenham os necessários poderes, previstos no contrato social (art. 1.064 do Código Civil).

ADMINISTRAÇÃO DA SOCIEDADE

A sociedade limitada pode ser administrada por sócio ou não-sócio, conforme previsto no contrato social ou instrumento separado. A nomeação e a destituição têm quoruns diversos.

NOMEAÇÃO DE ADMINISTRADOR

O administrador sócio pode ser designado pela maioria dos membros da sociedade no momento da elaboração do contrato social, ou posteriormente, em ato separado, que deve ser averbado perante a Junta Comercial, sem alteração contratual. Os sócios podem, ainda, modificar o contrato social, para que na alteração a ser arquivada conste o nome de outro administrador sócio ou para substituir administrador não sócio designado originariamente, mas neste caso o quorum é de três quartos do capital social. Nos termos do art. 53, III, “d”, do Decreto n. 1.800/1996, o contrato social deve indicar o administrador ou representantes.

O administrador não-sócio somente pode ser designado, se o contrato social permitir, pela unanimidade dos sócios, enquanto o capital social não estiver totalmente integralizado, e por dois terços, no mínimo, após a integralização (art. 1.061 do Código Civil).

A investidura no cargo do administrador designado em ato separado será realizada mediante termo de posse no livro de atas da administração, que deverá ser assinado nos trinta dias seguintes à designação, sob pena ineficácia. O administrador, nos dez dias seguintes ao da investidura, deve requerer a averbação do ato de sua nomeação perante a Junta Comercial.

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6CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO COMERCIAL I - PROF. SÍLVIO ANTÔNIO MARQUES

DESTITUIÇÃO DO ADMINISTRADOR

A destituição do administrador sócio será efetivada mediante o voto de membros que representem 2/3 do capital, no mínimo, caso ele tenha sido nomeado no contrato social (art. 1.063 §1º do Código Civil), ou da maioria, caso ele tenha sido designado em ato separado (arts. 1.076, II, e 1.071, III, do Código Civil).

A destituição do administrador não sócio também será realizada pela maioria dos sócios, independentemente se ele foi nomeado no contrato ou em ato separado (art. 1.076, II, e art. 1.071, III, do Código Civil).

A cessação do exercício do cargo de administrador, seja pela renúncia, destituição, expiração do prazo ou morte, deve ser averbada na Junta Comercial, mediante requerimento apresentado nos dez dias seguintes ao da ocorrência.

FISCALIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO

O Código Civil de 2002 garante o direito de fiscalização da administração da sociedade limitada, que pode ser exercido diretamente por qualquer sócio (1.020/1.021), ou mediante um Conselho Fiscal, formado por três ou mais membros, sócios ou não (arts. 1.066/1.070).

FISCALIZAÇÃO DIRETA PELO SÓCIO

Na sociedade limitada, os sócios que têm mais quotas geralmente exercem a administração social, e os outros que têm menos quotas apenas exercem direitos comuns ou respondem pelas obrigações inerentes à sua condição de sócios minoritários, tais como participação nos lucros ou perdas, participação no acervo em caso de liquidação, fiscalização da administração e outros.

A fiscalização direta da sociedade limitada, própria de pequenas empresas, pode ser exercida pelos sócios minoritários e pelos sócios majoritários que não administram a sociedade, ou ainda pelos sócios que exerçam a administração de apenas alguns setores da sociedade e têm interesse de fiscalizar os atos de outros sócios. Trata-se de direito que não pode ser restringido ou excluído pelo contrato social.

O sócio pode, a qualquer tempo ou em épocas próprias, examinar os livros e documentos, e o estado do caixa e da carteira da sociedade.

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DIREITO COMERCIAL I - PROF. SÍLVIO ANTÔNIO MARQUES

FISCALIZAÇÃO PELO CONSELHO FISCAL

O contrato social pode instituir Conselho Fiscal, composto de três ou mais membros e respectivos suplentes, sócios ou não, residentes no País, eleitos na assembléia anual (art. 1.078 do Código Civil). Trata-se de novidade instituída pelo novo regime, pois o Conselho Fiscal era previsto apenas para as sociedades por ações.

De acordo com o art. 1.066 § 1º do Código Civil, não podem fazer parte do Conselho Fiscal: I) as pessoas impedidas por lei especial, tais como os funcionários públicos, os magistrados, membros do Ministério Público etc.; II) os condenados a pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos (como, por exemplo, aqueles condenados por pena de suspensão dos direitos políticos, nos termos do art. 12 da Lei n. 8.429/1992, que trata da improbidade administrativa), por crime falimentar, de prevaricação, corrupção, concussão, peculato, ou por crime contra a economia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra as normas de defesa da concorrência, contra as relações de consumo, a fé pública ou a propriedade, enquanto perdurarem os efeitos da condenação; III) os membros dos demais órgãos da sociedade (especialmente da administração) ou de outra por ela controlada, os empregados de quaisquer delas ou dos respectivos administradores, o cônjuge ou parente destes até o terceiro grau.

Os sócios minoritários, que representarem pelo menos um quinto do capital social (20%), têm o direito de eleger, separadamente, um dos membros do Conselho Fiscal e o respectivo suplente.

O membro ou respectivo suplente eleito, assinando termo de posse lavrado no Livro (obrigatório) de atas e pareceres do Conselho Fiscal, ficará investido nas suas funções, que exercerá, salvo cessação anterior, até a subseqüente assembléia anual. Se o termo não for assinado nos trinta dias seguintes ao da eleição, esta se tornará sem efeito.

A remuneração dos membros do Conselho Fiscal será fixada, anualmente, pela assembléia dos sócios que os eleger (art. 1.068 do Código Civil). Apesar da omissão legal, caso as decisões dos sócios sejam tomadas em reunião caberá a esta fixar a remuneração dos conselheiros.

São deveres dos membros do Conselho Fiscal, individual ou conjuntamente: I - examinar, pelo menos trimestralmente, os livros e papéis da sociedade e o estado da caixa e da carteira, devendo os administradores ou liquidantes prestar-lhes as informações solicitadas; II - lavrar no livro de atas e pareceres do Conselho Fiscal o resultado dos exames que realizar; III - exarar no mesmo livro e apresentar à assembléia anual dos sócios parecer sobre os negócios e as operações sociais do exercício em que servirem, tomando por base o balanço patrimonial e o de resultado econômico; IV - denunciar os erros, fraudes ou crimes que descobrirem, sugerindo providências úteis à sociedade; V - convocar a assembléia dos sócios se a Diretoria retardar por mais de trinta dias a sua convocação anual, ou sempre

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DIREITO COMERCIAL I - PROF. SÍLVIO ANTÔNIO MARQUES

que ocorram motivos graves e urgentes; VI - praticar, durante o período da liquidação da sociedade, os atos de fiscalização; VII) outras atribuições previstas em lei ou no contrato social (art. 1.069 do Código Civil).

Por expressa disposição legal, as atribuições e poderes conferidos pela lei ao Conselho Fiscal não podem ser outorgados a outro órgão da sociedade, principalmente à administração. Ademais, a responsabilidade de seus membros obedece à regra que define a dos administradores (arts. 1.070 e 1.016 do Código Civil).

No exame de livros, balanços e contas, o Conselho Fiscal poderá escolher para assisti-lo contabilista legalmente habilitado, mediante remuneração aprovada pela assembléia dos sócios.

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DIREITO COMERCIAL I - PROF. SÍLVIO ANTÔNIO MARQUES

QUESTÕES

1. Como deverá ser elaborado o contrato da Sociedade Limitada? 2. Na Sociedade Limitada pode haver sócios de serviços? Por quê? 3. Quais as obrigações e direitos dos sócios da Sociedade Limitada? 4. Qual a abrangência da responsabilidade dos sócios na Sociedade

Limitada?5. Em que casos os sócios respondem pessoalmente pelas dívidas da

Sociedade Limitada? 6. O que é quota na Sociedade Limitada? 7. Por que se fala em quotas iguais ou desiguais na Sociedade Limitada? 8. Como respondem os sócios se a contribuição para a formação do capital

não for feita em dinheiro? 9. O sócio pode ceder sua quota a quem seja sócio independentemente de

audiência dos outros? Em que hipóteses? 10. Por que se afirma que a Sociedade Limitada pode ser de pessoas ou de

capital? Explique. 11. É possível a penhorabilidade das quotas na Sociedade Limitada?

Explique.12. O que acontece com o sócio se houver liquidação das quotas a

requerimento do credor? 13. Qual nome empresarial pode adotar a Sociedade Limitada? 14. A Sociedade Limitada pode ser administrada por não-sócio? Explique. 15. Qual o requisito para que a Sociedade Limitada possa ser administrada

por não-sócio? 16. Como se efetivará a destituição do administrador sócio? 17. Como se efetivará a destituição do administrador não-sócio? 18. Qual o ato formal que terá que ser cumprido após a destituição de um ou

de outro? 19. Como se dará a fiscalização da administração da Sociedade Limitada? 20. Qual a composição do Conselho Fiscal na Sociedade Limitada? 21. Quais as atribuições desse Conselho Fiscal?

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DIREITOCOMERCIAL

TOMO II

CURSO A DISTÂNCIA MÓDULO XII

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1CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO COMERCIAL II - PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

VISÃO GLOBAL DO PROCEDIMENTO FALIMENTAR.

O procedimento falimentar desenvolve-se em três fases, a saber:a) fase pré-falencial: é a que medeia entre a petição inicial e a sentença de

falência. Nessa fase, ainda não há falência, mas apenas expectativa de o devedor vir a falir, justificando-se assim a sua disciplina na lei de falência, outrossim, a possibilidade de ajuizamento das medidas cautelares eventualmente necessárias.

b) fase falencial: é a que medeia entre a sentença que decreta falência e a sentença que a encerra. É, pois, a única fase em que realmente há falência, iniciando-se a ação falencial propriamente. Nessa fase, desenvolve-se uma sindicância comercial, com o objetivo do conhecimento da situação patrimonial do devedor, apurando-se o ativo e realizando-se o passivo, efetuando-se o pagamento dos credores. Além disso, em inquérito policial, e não mais no processo falimentar, ao contrário da legislação anterior, investiga-se a ocorrência de crime falimentar.

c) fase pós-falencial: é a que se desenvolve após o trânsito em julgado da sentença de encerramento da falência. Destacam-se dois institutos: a extinção das obrigações e a reabilitação do falido. Nessa fase já não há mais falência.

CONCEITO DE FALÊNCIA

A falência é um engenho jurídico complexo, podendo ser conceituada sob três aspectos: processual, material e econômico. Sob o prisma processual, a falência é um processo judicial de execução coletiva, em grupo, modernamente chamado de concurso de credores, em face de um devedor empresário ou sociedade empresária. É sabido que o patrimônio do devedor responde por suas dívidas. Assim, enquanto o devedor for solvente, a execução sofrida por ele deve ser individual, isto é, movida por um determinado credor. Tornando-se, porém, insolvente, a execução individual revela-se injusta, porquanto os credores mais pacientes, que se abstiveram de mover eventual ação, bem como os credores com créditos ainda não vencidos, são preteridos porque o credor que primeiro move a execução se beneficia com exclusividade do restante do patrimônio do insolvente. É isto, a igualdade dos credores, que justifica a execução coletiva, na qual rateia-se proporcionalmente o patrimônio do devedor em favor de todos os credores da mesma categoria. Assim, na falência, ao invés de um único credor receber tudo, todos recebem um pouco, de forma proporcional ao seu crédito. Sob o aspecto material, a falência, inaugurada a partir da sentença que a decreta, consiste num conjunto de normas jurídicas especiais, que afasta a incidência das normas comuns aos demais devedores. De fato, a

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DIREITO COMERCIAL II - PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

falência cria uma situação jurídica nova, conferindo ao empresário ou a sociedade empresária um novo status, o estado de falido, justificando-se uma disciplina especial. A prescrição, por exemplo, quando o falido figura como devedor, é suspensa com a decretação da falência, retomando o seu fluxo só após o trânsito em julgado da sentença de encerramento da quebra. Outro exemplo marcante diz respeito aos juros, legais ou contratuais, que deixam de fluir após a sentença de falência, suspendendo-se, enquanto que para os devedores não falidos a fluência dos juros se estende até a data do pagamento. Finalmente, sob o aspecto econômico, revela-se a falência como sendo um saneamento da atividade econômica. Se bem que as desvantagens da falência são evidentes: o devedor é privado dos seus bens, os credores talvez não recebam a integralidade de seus créditos, os empregados, em regra, terão os contratos de trabalho rescindidos e o Fisco, por sua vez, perderá um contribuinte, sofrendo queda na arrecadação dos impostos. Por isso, a falência é uma medida excepcional, decretável só quando for inevitável. Para afastá-la, a lei criou o instituto da recuperação judicial da empresa, que a lei anterior chamava de concordata.

FORMAS DE EXECUÇÃO COLETIVA.

A execução coletiva, isto é, o concurso de credores, apresenta duas espécies: a) insolvência civil (artigo 748 do CPC): ocorre em relação aos devedores não

empresários. Estes não podem falir. b) falência (Lei 11.101/2005): ocorre em relação aos devedores empresários

individuais ou sociedades empresárias. Estes nunca se sujeitam à insolvência civil.

Em ambas as hipóteses, a execução coletiva caracteriza-se pela pluralidade de credores, cuja satisfação dos créditos recai sobre todos os bens do devedor. Dentre as diferenças entre os dois institutos acima, destacam-se a recuperação judicial ou extrajudicial do falido e a extinção das obrigações. Com efeito a recuperação judicial ou extrajudicial homologada pelo juiz beneficia apenas os devedores empresários, sendo, pois, um instituto especifico da lei de falências. Consiste na remição parcial das dívidas ou na prorrogação do prazo de pagamento. Em contrapartida, os devedores não empresários, sujeitos à insolvência civil, não gozam deste benefício, mas desfrutam de um instituto similar, a denominada “concordata branquinha”, prevista no artigo 783 do CPC, consistente num acordo entre o devedor e todos os credores, homologado pelo juiz, que possibilita a prorrogação do prazo de pagamento ou então representa o perdão parcial das dívidas.

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DIREITO COMERCIAL II - PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

A extinção das obrigações do falido, por sua vez, opera-se quando este reúne patrimônio suficiente para o pagamento de mais de 50% do passivo quirografário, além do adimplemento dos credores preferenciais. Feito este pagamento, as obrigações do falido são extintas e nenhum credor poderá cobrar a diferença na hipótese de o falido, futuramente, vir a aumentar o seu patrimônio. Não é que o falido tenha que pagar apenas 50% dos credores quirografários. Se der para pagar quantia maior, paga-se. Mas se o patrimônio apurado comportar apenas o pagamento de 50% dos quirografários, além dos credores preferenciais, extinguem-se as suas obrigações. Se, ao revés, o patrimônio apurado serviu para pagar quantia inferior a 50% dos credores quirografários, o falido continuará obrigado a pagar a totalidade dos créditos, que poderão ser pleiteados pelos credores na hipótese de ele no futuro sofrer aumento patrimonial, ganhando, por exemplo, na loteria.

Em contrapartida, na insolvência civil não há esse benefício de extinção das obrigações pelo pagamento de mais de 50% dos credores quirografários; só se extinguem as obrigações se houver pagamento total, ressalvando-se, porém, que após o decurso do prazo de cinco anos, a contar do encerramento do processo de insolvência civil, haverá a prescrição, nos termos do artigo 748 do CPC.

PRESSUPOSTOS DA FALÊNCIA.

São três os pressupostos da falência, a saber:a) devedor empresário individual ou sociedade empresária; b) insolvência, no sentido jurídico, e não necessariamente econômico. A

insolvência jurídica, conforme veremos, consiste na impontualidade ou execução forçada ou prática de ato de falência.

c) Sentença de falência.

DEVEDORES SUJEITOS À FALÊNCIA

A falência atinge apenas os empresários individuais ou sociedades empresárias, ainda que irregulares, isto é, sem o registro na junta comercial.

As sociedades simples e as sociedades cooperativas, outrossim, a sociedade que tenha por objeto atividade rural não empresarial, não podem falir.

Cumpre ainda esclarecer que, na conceituação do empresário, vigora o critério real e não o meramente formal. De acordo com o critério real, empresário é o que explora uma atividade econômica de forma empresarial, ainda que destituído de registro na junta comercial. Pelo critério formal, para ser empresário, basta o registro na junta comercial. Ora, se não obstante o registro, a atividade exercida for civil, o devedor não poderá falir, conforme bem salienta Rubens Requião.

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DIREITO COMERCIAL II - PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

DEVEDORES QUE NUNCA PODEM FALIR

As hipóteses de exclusão absoluta da falência, isto é, empresários e sociedades empresárias que nunca podem falir, são as seguintes:a) empresas públicas (artigo 2º, I, da LF); b) sociedades de economia mista (artigo 2º, I, da LF); c) câmaras ou prestadores de serviços de compensação e de liquidação

financeira (artigo 194 da LF). Os credores de uma empresa pública ou sociedade de

economia mista podem pleitear o respectivo crédito, quando houver insolvência, junto à pessoa jurídica de direito público controladora (União, Estado Membro, Município ou Distrito Federal). Saliente-se ainda que, segundo Silvio Marques, aludidas entidades submetem-se à execução coletiva do Código de Processo Civil, isto é, à insolvência civil.

Referentemente às Câmaras ou prestadores de serviços de compensação e liquidação financeira, suas obrigações são apuradas e cumpridas de acordo com os seus respectivos regulamentos, aprovados pelo Banco Central.

DEVEDORES QUE SÓ PODEM FALIR EM CERTAS HIPÓTESES

Alguns devedores são parcialmente excluídos da falência, a saber:a) companhias seguradoras (Decreto-lei 73/66, artigo26). Adotam a forma de

S/A. Submetem-se à liquidação compulsória ou extrajudicial, que é um procedimento especial de execução concursal, promovido por uma autarquia federal, isto é, pela Susep (Superintendência de Seguros Privados). Apenas na hipótese de frustração é que é cabível o pedido de falência, formulado pelo liquidante nomeado pela Susep, vedando-se ao credor a elaboração de requerimento de falência. Frustra-se a liquidação extrajudicial quando o patrimônio ativo arrecadado não for suficiente para o pagamento da metade dos credores quirografários. Na mesma situação encontram-se as entidades abertas da Previdência Complementar (LC 109/01, artigo 73). Igualmente, as empresas administradores de consórcios de bens duráveis, fundos, mútuos e outros atos similares (lei 5768/71), outrossim, as sociedades de capitalização (Decreto-lei 261/67).

b) Instituições Financeiras (Lei 6024/74). Enquanto a Instituição Financeira estiver no exercício normal de suas atividades, a sua falência pode ser requerida normalmente, por qualquer credor. Se, porém, houver sido decretada a sua intervenção ou liquidação extrajudicial, pelo Banco Central, a falência só poderá ser requerida a pedido do interventor, no caso de intervenção extrajudicial, ou a pedido do liquidante, no caso de liquidação extrajudicial, exigindo-se ainda a autorização do Banco Central.

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DIREITO COMERCIAL II - PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

Portanto, uma vez decretada a intervenção ou liquidação extrajudicial, o credor perde a legitimidade para requerer a falência da Instituição Financeira. Em situação idêntica encontra-se também as sociedades empresárias arrendadoras (leasing), conforme resolução do Banco Central nº 2309/96.

COMPETÊNCIA

A falência e a recuperação judicial devem ser requeridas na comarca do principal estabelecimento do devedor, junto à Justiça Estadual. O juízo, isto é, a vara competente é definida pela legislação estadual. A comarca de São Paulo têm três varas privativas da massa falida, mas os foros regionais da cidade de São Paulo não têm competência para a apreciação de pedido de falência ou de recuperação judicial.

Entende-se por principal estabelecimento aquele onde se concentra o maior volume de negócios da empresa. Trata-se de um conceito econômico. Nada obsta que o principal estabelecimento recaia sobre uma filial, caso o volume de negócios desta supere o da matriz. Atente-se que o principal estabelecimento não é necessariamente aquele que figura como sendo a sede social da empresa, nem aquele que apresenta o maior volume administrativo ou que seja fisicamente o maior.

JUÍZO UNITÁRIO

O juízo falimentar é unitário no sentido de atrair para si todos os pedidos posteriores de falência ou recuperação judicial. Assim, o juízo para o qual foi distribuído o primeiro pedido de falência ou recuperação judicial torna-se prevento, passando a ter “vis atrativa” sobre os pedidos posteriores. Note-se, porém, que o pedido de homologação de plano de recuperação extrajudicial não tem o condão de prevenir a competência, pois trata-se de jurisdição voluntária.

JUÍZO UNIVERSAL

O juízo falimentar é universal, isto é, atrai para si todas as ações movidas em face da massa falida. Assim, por exemplo, uma eventual ação de indenização por acidente de veículo, em que a massa falida figura como ré, deve ser proposta no juízo falimentar. Caso a ação já esteja em andamento, o processo é deslocado para o juízo falimentar.

Abrem-se, no entanto, as seguintes exceções ao juízo universal, a saber: a) Ações em que a massa falida figura como autora ou litisconsorte ativa.

Assim, quando, por exemplo, a massa falida mover alguma ação de indenização, o foro competente é o normal, isto é, o domicílio do devedor ou outro eventualmente previsto na lei.

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DIREITO COMERCIAL II - PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

b) Ações que versam sobre quantia ilíquida, iniciadas antes da sentença de falência. Estas ações não são atraídas para o juízo falimentar.

c) Ações trabalhistas. A definição da existência do crédito trabalhista é da competência da Justiça do Trabalho, conforme artigo 114 da CF. Todavia, uma vez apurada a existência do crédito, a cobrança deve ser feita no juízo falimentar, mediante habilitação do credor trabalhista.

d) Ações de execuções tributárias. A execução do crédito tributário, ou outro crédito da Fazenda Pública, devidamente inscrito na dívida ativa, é feita no foro do juízo falimentar (artigo 187 do CTN e lei 6830/80). Aliás, tanto a definição quanto a satisfação, isto é, a cobrança, são feitas fora do juízo falimentar. Assim, a Fazenda Pública, para receber o seu crédito, não precisa se habilitar na falência, diferentemente do credor trabalhista. Aliás, as execuções movidas pela Fazenda Pública em face da massa falida não são sequer suspensas.

e) Ações em que a União é parte. As ações em que a União figura como parte, seja na qualidade de autora, ré ou terceiro interveniente, são da competência da Justiça Federal. Não são atraídas para o juízo falimentar. Exemplo: ação de indenização movida pela União em face da massa falida, por acidente de veículos.

f) Ações de execuções individuais com hasta pública já designada. Em regra, todas as execuções contra a massa falida, são suspensas quando se decreta a falência, salvo a execução fiscal, isto é, movida pela Fazenda Pública, e a execução ajuizada por credor particular, cuja a hasta pública já estava designada antes da sentença de falência. Nesse caso, devido ao adiantado estado do processo, concretiza-se o leilão, se for bem móvel, ou a praça, se for bem imóvel, mas o valor apurado é enviado ao juízo falimentar, não se destinando, portanto, ao exeqüente. Se, no entanto, a hasta pública realizar-se antes da sentença de falência, daí sim o valor apurado pertencerá ao exeqüente, remetendo-se o eventual saldo para o juízo falimentar, mas se o valor for insuficiente, o exeqüente pode ainda habilitar-se no juízo falimentar para receber a diferença.

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7CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO COMERCIAL II - PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

QUESTÕES

1. Quais são as fases do procedimento falimentar? 2. Em todas essas fases existe falência? 3. O que é fase pré-falencial? 4. O que é a fase falencial? 5. O que é a fase pós-falencial? 6. Sob o prisma processual, o que é falência e qual o princípio que justifica

a sua existência? 7. Sob o prisma material, o que é falência? Cite duas peculiaridades da

obrigação do falido.8. Sob o prisma econômico, o que é falência? Quais as suas

desvantagens?9. Quais são as espécies de execução coletiva? 10. Qual a diferença entre falência e insolvência civil? 11. O que é concordata branquinha? 12. O falido que pagar mais de 50% do passivo quirografário tem as suas

obrigações extintas? 13. Quais são os pressupostos da falência? 14. Quais são os devedores sujeitos a falência? 15. Qual a diferença entre o critério real e o critério formal? 16. Quais os devedores que nunca podem falir? 17. Quais os devedores que só podem falir em certas hipóteses? 18. As companhias seguradoras podem falir? Em caso positivo, quem pode

requerer a sua falência? 19. As instituições financeiras podem falir? Em caso positivo, o credor pode

requerer a sua falência? 20. Qual é o foro competente para falência? Qual é o juízo competente? E

qual a justiça competente? 21. O que é principal estabelecimento? 22. O que é juízo unitário? E como se caracteriza? 23. O que é juízo universal? 24. Quais as exceções ao juízo universal da falência? 25. Qual o foro competente para as ações em que a massa falida figura

como autora? 26. Qual órgão jurisdicional competente para as ações trabalhista movidas

contra a massa falida? 27. Há algum crédito que pode ser cobrado fora do juízo falimentar? 28. Qual a diferença entre a execução individual com praça já designada e a

execução individual com praça já realizada ao tempo da sentença de falência?

29. As ações que a União figuram como parte tramitam no juízo falimentar?

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DIREITOPROCESSUAL CIVIL

I

CURSO A DISTÂNCIA MÓDULO XII

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1CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO PROCESSUAL CIVIL I – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

CITAÇÃO

CONCEITO

A citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender (art. 213). A falta ou nulidade de citação fere o princípio do contraditório. Apesar do Código de Processo Civil apontar para a invalidade do processo no caso de citação viciada, é preciso registrar que a doutrina amplamente entende tratar-se de verdadeira inexistência jurídica. Diante da inexistência do processo, ação cabível, em caso de trânsito em julgado da sentença, não é a ação rescisória, mas a declaratória de inexistência (“querela nullitatis insanabilis”). Acrescente-se, ainda, que todos os tipos de processo e procedimento exigem a citação, pois é por intermédio dela que se triangulariza a relação processual e se concretiza o contraditório.

Todavia, o §1º do art. 214 ressalva que o comparecimento espontâneo do réu supre a falta de citação. Urge, porém, que o réu tenha pleno conhecimento da demanda para que o seu comparecimento espontâneo possa suprir a falta da citação. Se o réu comparecer apenas para alegar a nulidade da citação, sendo esta decretada, considera-se feita a citação na data da intimação do advogado da decisão que decretou a nulidade. Se, porém, além de argüir a nulidade de citação em preliminar de contestação, ele, ao mesmo tempo adentrar no mérito, supre-se a nulidade do ato citatório, pois a impugnação do mérito revela amplo conhecimento de demanda.

MODALIDADES DE CITAÇÃO

A citação é real quando se tem certeza de que o ato citatório chegou ao conhecimento do réu. Aludida citação pode ser:a. pelo oficial de justiça; b. pelo correio. A citação ficta é a que não é recebida diretamente pelo réu, não se tendo certeza de que o ato citatório chegou ao seu conhecimento. Pode ser: a. por edital; b. com hora certa. Em regra, a citação é feita pelo correio. As demais formas de citação dependem de certos requisitos exigidos por lei.

A doutrina ainda classifica a citação em: a. direta: é a que recai sobre o réu ou seu representante legal. Se o réu for

absolutamente incapaz, a citação recai sobre o seu representante legal (pai, tutor ou curador), mas se for relativamente incapaz, a citação passa a ser bifronte, só se aperfeiçoando se forem citados o réu e o seu

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2CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO PROCESSUAL CIVIL I – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

representante legal. Sempre que colidir o interesse do incapaz com o do seu representante legal, o juiz nomeará um curador especial que receberá a citação para o incapaz.

b. indireta: é a que recai sobre outra pessoa que, por força de lei ou contrato, tenha poderes para receber o ato citatório. O advogado, por exemplo, pode receber a citação, desde que a procuração lhe dê poderes específicos para recebê-la.

CITAÇÃO PELO OFICIAL DE JUSTIÇA

Na citação real feita pelo oficial de justiça, o réu, ao ser citado, recebe a contrafé, isto é, a cópia da petição inicial. O réu deve apor o seu “ciente”, mas a sua recusa é irrelevante, pois o oficial certificará esse fato. Far-se-á a citação pessoalmente ao réu, ao seu representante legal ou ao procurador legalmente autorizado. Estando o réu ausente, a citação far-se-á na pessoa de seu mandatário, administrador, feitor ou gerente, quando a ação se originar de atos por eles praticados (art. 215, § 1º, do CPC). O locador que se ausentar do Brasil sem cientificar o locatário de que deixou na localidade, onde estiver situado o imóvel, procurador com poderes para receber citação, será citado na pessoa do administrador do imóvel encarregado do recebimento dos alugueres.

No tocante à citação das pessoas jurídicas, deve recair sobre a pessoa que tenha poderes para representá-la, exigindo-se, para tanto, o exame do seu estatuto ou contrato social. O processualista Marcus Vinicius Rios Gonçalves refere-se a inúmeras decisões no sentido de que é válida a citação feita na pessoa daquele que se apresenta como gerente ou administrador da empresa e recebe a contrafé sem negar essa qualidade. Tem-se assim dada por válida a citação da empresa na pessoa daquele que aparenta ter poderes para recebê-la, ainda que não os tenha efetivamente. A citação efetuar-se-á em qualquer lugar em que se encontre o réu. Não se fará, porém, a citação, salvo para evitar o perecimento do direito, nas seguintes hipóteses previstas no art. 217, a saber: I. a quem estiver assistindo a qualquer ato de culto religioso, devendo

aguardar o término da cerimônia; II. ao cônjuge ou a qualquer parente do morto, consangüíneo ou afim, em

linha reta, ou na linha colateral em segundo grau, no dia do falecimento e nos sete dias seguintes;

III. aos noivos, nos três primeiros dias de bodas; IV. aos doentes, enquanto grave o seu estado. Também não se fará a citação, quando se verificar que o réu é demente ou está impossibilitado de recebê-la. O oficial de justiça passará certidão, descrevendo minuciosamente a ocorrência. O juiz nomeará um médico, a fim de examinar o citando. O laudo será apresentado em cinco

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL I – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

dias. Reconhecida a impossibilidade, o juiz dará ao citando um curador, observando, quanto à sua escolha, a preferência estabelecida na lei civil. A nomeação é restrita à causa. A citação será feita na pessoa do curador, a quem incumbirá a defesa do réu. Tal hipótese se verifica quando o réu ainda não está interditado. Por outro lado, se o réu se encontrar noutra comarca, far-se-á a citação por carta precatória. Todavia, nas comarcas contíguas, de fácil comunicação, e nas que se situem na mesma região metropolitana, o oficial de justiça poderá efetuar citações ou intimações em qualquer delas. As cartas têm caráter itinerante, isto é, o juízo deprecado, verificando a impossibilidade de praticar o ato, remeterá diretamente a precatória ao juízo que pode praticá-lo, ao invés de devolver ao juízo de origem. Se o réu residir fora do Brasil, será citado por carta rogatória. Todavia, se não houver Convenção, o país a cumpre se quiser; se não cumprir, o réu será citado por edital. A propósito, o Brasil só cumpre a carta rogatória vinda do exterior após o “exequatur” do presidente do STF. Este, em seguida, a remete ao juiz federal do Estado, que, após cumprir o ato a devolve ao STF que a remeterá ao país de origem. Finalmente, nas ações de competência originária do Tribunal, o réu é citado por carta de ordem. Trata-se de uma determinação do Tribunal ao juízo da Comarca onde reside o réu.

CITAÇÃO PELO CORREIO

Na citação pelo correio também é remetida ao citando cópia da petição inicial. A citação pelo correio independe de requerimento da parte, mas há casos em que é inaplicável, e ao autor se reconhece o direito de afastá-la, desde que solicite a citação por uma das outras formas. A carta será registrada para entrega ao citando, exigindo-lhe o carteiro, ao fazer a entrega, que assine o recibo. Sendo o réu pessoa jurídica, será válida a entrega a pessoa com poderes de gerência geral ou administração. Diversas decisões consideram válida a citação da pessoa jurídica pela simples entrega da carta no estabelecimento empresarial, mesmo quando o aviso de recebimento seja assinado por preposto. Tais decisões, porém, não se aplicam às pessoas físicas, pois nesse caso a carta deve ser entregue ao destinatário ou réu, sob pena de nulidade de citação. A citação será feita pelo correio, para qualquer comarca do País, exceto (art. 222): a. nas ações de estado; b. quando for ré pessoa incapaz; c. quando for ré pessoa de direito público; d. nos processos de execução. Todavia, admite-se a citação pelo correio na

execução fiscal da dívida ativa movida pela Fazenda Pública (art. 8º da Lei 6830/80).

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL I – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

e. quando o réu residir em local não atendido pela entrega domiciliar de correspondência;

f. quando o autor a requerer de outra forma. Por ser mais rápida, a citação pelo correio tornou-se a

preferida do legislador, podendo ser feita ainda que o réu seja domiciliado em outra comarca.

Assim, no silêncio, a citação é pelo correio, salvo se o réu requerer que ela se faça por oficial de justiça.

A citação pelo correio será instruída com cópia da petição inicial, isto é, a contrafé, que será entregue ao citando.

CITAÇÃO POR EDITAL

A citação por edital só é feita quando não for possível a citação real. Com efeito, dispõe o art. 231 que far-se-á a citação por edital:I. quando desconhecido ou incerto o réu; como, por exemplo, a ação

possessória contra diversos invasores desconhecidos. Trata-se de desconhecimento subjetivo, isto é, desconhece-se o réu.

II. quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontrar. Aqui o desconhecimento é objetivo, ou seja, o réu é conhecido, contudo não se sabe aonde se encontra. O juiz só deve deferir a citação por edital quando o réu houver sido procurado em todos os endereços constantes dos autos e não houver outros meios de localizá-lo. No caso de ser inacessível o lugar em que se encontrar o réu, a notícia de sua citação será divulgada também pelo rádio, se na comarca houver emissora de radiodifusão. Na execução fiscal, prevista na Lei 6830/80, o executado que reside fora do Brasil é citado por edital, e não por carta rogatória.

III. nos casos expressos em lei. Às vezes o réu tem endereço certo, mas a lei ordena a citação por edital. Exemplo: no inventário, o herdeiro que reside fora da comarca é citado por edital, ainda que tenha endereço certo. Nas ações divisórias e demarcatórias, os réus que residem fora da comarca também são citados por edital.

Considera-se inacessível, para efeito de citação por edital, o país que recusar o cumprimento de carta rogatória. Na citação por edital são publicados três editais, sendo uma vez no órgão oficial e pelo menos duas vezes no jornal local. Não são possíveis as três publicações no mesmo dia, a não ser que sejam feitas em jornais distintos. Entre o primeiro e o último edital não pode ultrapassar o prazo máximo de 15 dias, sob pena de nulidade absoluta da citação, ensejando até a propositura de ação rescisória.Todas essas formalidades são para preservar a garantia constitucional do contraditório. A publicação será feita apenas no órgão oficial quando a parte for beneficiária da Assistência Judiciária.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL I – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

O juiz fixa nos editais um prazo, que pode variar de 15 a 60 dias. Após o término deste prazo, que começa a fluir a partir da publicação do primeiro edital, inicia-se o prazo para o réu oferecer a contestação. Se não constar no edital aquele prazo, a citação é nula. Finalmente, se o autor requereu dolosamente a citação por edital, fora dos casos previstos em lei, incorrerá em multa de cinco vezes o salário mínimo, que reverterá em favor do citando.

CITAÇÃO COM HORA CERTA

A citação com hora certa é para as hipóteses em que o oficial de justiça suspeita que o réu esteja se ocultando maliciosamente. Após a terceira tentativa de citação pessoal, persistindo essa suspeita de ocultação, o oficial de justiça deverá intimar qualquer pessoa da família, ou em sua falta a qualquer vizinho, que, no dia imediato, voltará, a fim de efetuar a citação, na hora designada. No dia e hora designados, o oficial de justiça, independentemente de novo despacho, comparecerá ao domicílio ou residência do citando, a fim de realizar a diligência. Se o citando não estiver presente, o oficial de justiça procurará informar-se das razões da ausência, dando por feita a citação, ainda que o citando se tenha ocultado em outra comarca. Da certidão da ocorrência, o oficial de justiça deixará contrafé com a pessoa da família ou com qualquer vizinho, conforme o caso, declarando-lhe o nome. Feita a citação com hora certa, o escrivão enviará ao réu carta, telegrama ou radiograma, dando-lhe de tudo ciência.

Convém destacar os dois requisitos indispensáveis à citação com hora certa: a) fundada suspeita de que o réu esteja se ocultando. O juiz decidirá se

procede ou não a desconfiança do oficial de justiça. b) que o oficial de justiça tenha procurado o réu, por três vezes, em seu

domicílio ou residência sem o encontrar. Essas diligências do oficial de justiça podem ser feitas no mesmo dia ou em dias distintos.

Não basta tenha o oficial procurado o réu por três vezes, pois o oficial ainda deve informar na certidão a fundada suspeita de que o réu esteja se ocultando. Se o juiz considerar infundada a suspeita do oficial, a citação é nula, devendo ser renovado o ato citatório.

Saliente-se, outrossim, que compete ao oficial de justiça, e não ao advogado do autor, avaliar se é ou não o caso de realizar a citação com hora certa.

EFEITOS DA CITAÇÃO

INTRODUÇÃO

A citação produz efeitos processuais e materiais.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL I – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

Os efeitos processuais são a prevenção, litispendência e a litigiosidade da coisa. Os efeitos materiais são a constituição do devedor em mora e a interrupção da prescrição. A citação válida, ainda que ordenada por juiz incompetente, produz os efeitos materiais. Os efeitos processuais só se produzem quando a citação válida for ordenada por juiz competente. A citação nula não produz efeitos materiais ou processuais, ainda que ordenada por juiz competente.

PREVENÇÃO

A citação válida torna prevento o juízo, vale dizer, fixa a competência de um determinado juízo em face de outros. Essa regra tem aplicação nos seguintes casos: a. ações conexas. São as que têm o mesmo pedido ou a mesma causa de

pedir. Podem ser reunidas perante um único juízo para julgamento simultâneo. Se as ações conexas tramitam em comarcas diferentes, o juízo prevento é aquele onde se realizou por primeiro a citação válida (art. 219). Se, porém, tramitarem na mesma comarca, o juízo prevento é aquele que despachou em primeiro lugar (art. 106), sendo certo que há discussão se basta qualquer despacho ou se é necessário o despacho determinando a citação, sendo o melhor entendimento esse segundo. Portanto, a citação válida só torna prevento o juízo quando as ações conexas tramitarem em comarcas diferentes, porquanto tramitando as ações na mesma comarca, a prevenção se dá pelo despacho que ordenou a citação, conforme dispõe o art. 106 do CPC.

b. se o imóvel se achar situado em mais de um Estado ou Comarca, o juízo prevento é o competente sobre a totalidade do imóvel.

LITISPENDÊNCIA

A citação válida induz litispendência. Com efeito, a partir da citação válida, se o autor ajuizar novamente a mesma ação o segundo processo deve ser extinto sem julgamento do mérito, por força do art. 267, inc. V, do CPC. Se, porém, a citação no segundo processo concretizou-se mais rapidamente que a do primeiro, este que deverá ser extinto sem julgamento do mérito.

LITIGIOSIDADE DA COISA

A citação válida torna litigiosa a coisa. Disso resultam dois efeitos: a) a alienação do bem pelo devedor após a citação caracteriza fraude

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL I – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

de execução, de modo que o bem pode ser penhorado, ainda que em poder de terceiro; b) nada obsta a alienação da coisa litigiosa, desde que o vendedor comunique esse fato ao comprador. Se vender a coisa, silenciando que é litigiosa, cometerá delito de estelionato. A alienação da coisa não altera a legitimidade das partes, vale dizer, o alienante continua no processo; o adquirente só poderá substituí-lo se a parte contrária concordar. Se esta discordar, o adquirente poderá intervir no processo como assistente do alienante. De qualquer maneira, a sentença, proferida entre as partes originárias, estende os seus efeitos ao adquirente (art. 42).

CONSTITUIÇÃO DO DEVEDOR EM MORA

A citação válida constitui o devedor em mora, fluindo, a partir daí, os juros. Na verdade, essa regra só é aplicada quando o valor da dívida é ilíquido ou incerto, sendo o seu valor declarado no processo. Tratando-se de dívida líquida e certa, a mora ocorre a partir do vencimento do débito. Acrescente-se ainda que nas obrigações resultantes de atos ilícitos extracontratuais, como, por exemplo, reparação de danos por acidente de trânsito, a mora se configura desde a data do fato. Quanto à correção monetária, nas execuções de título de dívida líquida e certa incide a partir do vencimento; nos demais casos a partir do ajuizamento da ação.

CAUSAS INTERRUPTIVAS DA PRESCRIÇÃO

De acordo com o art. 202 do CC, a prescrição é interrompida pelo despacho do juiz que ordena a citação do devedor. Aludido despacho, porém, só tem o condão de interromper a prescrição se o autor promover a citação nos dez dias subseqüentes a esse despacho (§2º do art. 219 do CPC). Não sendo citado o réu, o juiz prorrogará o prazo até o máximo de 90 (noventa) dias (§3º do art. 219 do CPC). Concretizada a citação dentro desse prazo de 100 dias a prescrição considerar-se-á interrompida desde o despacho do juiz ordenando a citação. Saliente-se, contudo, que esse despacho interrompe a prescrição ainda que tenha sido ordenado por juiz incompetente, sob a condição, porém, de a citação operar-se validamente, pois a citação nula impede a interrupção da prescrição, ainda que o despacho citatório haja sido ordenado por juiz competente. O art. 202, I, do Código Civil, ao referir-se ao despacho do Juiz como ato interruptivo da prescrição, deve ser interpretado restritivamente, aplicando-se apenas às comarcas de vara única. Tratando-se de comarca com mais de uma vara cível, a propositura da ação verifica-se com a distribuição e não com o despacho que ordena a citação (art. 263 do CPC).

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL I – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

Desse modo, continua em vigor o disposto no §1º do 219 do CPC: “a interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação”. Noutras palavras, efetuada a citação válida, dentro do prazo máximo de 100 dias, a interrupção da prescrição retroage à data da distribuição da ação, nas comarcas de mais de uma vara, ou à data do despacho judicial que a ordenou, nas comarcas de vara única. Convém ainda esclarecer que, não se efetuando a citação dentro do prazo de 100 dias, haver-se-á por não interrompida a prescrição, conforme preceitua o §4º do art. 219 do CPC, a não ser que a demora tenha sido por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, consoante Súmula 106 do STJ. A citação válida feita em processo depois anulado ou então extinto sem julgamento do mérito mantém o seu efeito interruptivo da prescrição, pois a propositura da ação demonstra inequivocamente que o autor não está inerte. Frise-se, ainda, que a citação deve ser válida; se for nula, não ocorrerá a interrupção da prescrição. Ressalte-se, contudo, que nas ações movidas contra a Fazenda Pública, a citação inicial não interrompe a prescrição quando, por qualquer outro motivo, o processo tenha sido anulado, conforme dispõe o art. art. 7º do Decreto 20.910/32. Por fim, cumpre destacar que a lei nº 11.280/06, alterou o parágrafo 5º do artigo 219, acima mencionado, permitindo que o juiz pronuncie de ofício a prescrição em qualquer hipótese, seja sobre direitos patrimoniais ou não.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL I – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

QUESTÕES

1. O que é citação? 2. O comparecimento espontâneo do réu sempre supre a falta de citação?3. Quais as modalidades de citação? 4. Qual a diferença entre citação direta? 5. A citação só pode recair sobre o réu? 6. Estando o réu ausente, sobre quem recai a citação? 7. Como é citado o locador que se ausenta do Brasil? 8. Quais as hipóteses em que o réu não pode ser citado? A proibição é

absoluta?9. Como se faz a citação do doente mental? 10. Como é citado o réu que se encontra noutra Comarca? 11. O que é o caráter itinerante das cartas precatórias? 12. Como é citado o réu que reside fora do Brasil? 13. Como se cumpre a carta rogatória? 14. O que é carta de ordem? 15. Sendo o réu pessoa jurídica como é feita a citação pelo correio? 16. Quais as hipóteses de inadmissibilidade da citação pelo correio? 17. Quando é feita a citação por edital? 18. Como é feita a citação por edital? 19. Qual o prazo fixado pelo Juiz na citação por edital? 20. Quando começa a fluir o prazo para a contestação na citação por edital? 21. Qual a conseqüência de o réu requerer dolosamente a citação por edital,

fora dos casos previstos em lei? 22. O que é citação com hora certa? 23. Quais os efeitos processuais e materiais da citação? 24. Quais os efeitos da prevenção advinda com a citação? 25. Qual o efeito da litispendência? 26. Qual o efeito da litigiosidade da coisa? 27. O bem litigioso pode ser alienado? 28. Qual o efeito da constituição do devedor em mora? 29. A citação interrompe a prescrição?

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL I – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

QUESTÕES COMPLEMENTARES:

1. Sobre quem deve recair a situação da pessoa jurídica? 2. Qual a diferença entre a citação direta e indireta? 3. A citação é requisito de existência ou de validade do processo? Qual é a

importância dessa discussão? 4. Qual modalidade de citação é a regra do Direito Brasileiro? 5. O fato de o oficial de justiça ter procurado o réu por três vezes já autoriza

a citação com hora certa? 6. A citação válida é sempre decisiva para tornar prevento o juízo? 7. Os juros sempre fluem a partir da citação? 8. O que é citação bifronte? 9. Como se cita o incapaz?

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DIREITOPROCESSUAL CIVIL

II

CURSO A DISTÂNCIA MÓDULO XII

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL II – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

AÇÃO RESCISÓRIA

CONCEITO

A ação rescisória é a que tem por objetivo a desconstituição de uma sentença ou um acórdão de mérito acobertados pela coisa julgada material. A sentença ou o acórdão de mérito, ainda que nulos ou injustos, surtem efeitos jurídicos, de modo que, após o trânsito em julgado, o único meio de desconstituí-los é através da ação rescisória.

NATUREZA

Trata-se de uma ação desconstitutiva, pois rescindir significa desfazer a imutabilidade da sentença ou acórdão gerados pela coisa julgada.

PRAZO

O prazo para sua propositura é de dois anos do trânsito em julgado para ambas as partes. Trata-se de prazo decadencial, e, por isso, não se suspende nem se interrompe. Em havendo, porém, interesse de absolutamente incapaz o prazo permanecerá suspenso, por força do art. 198, inc. I, do CC. Já se decidiu que o prazo de dois anos somente começa a correr do primeiro dia útil seguinte do trânsito em julgado da sentença ou do acórdão rescindendos. Após o decurso do prazo de dois anos, ocorre a coisa julgada soberana, que não pode ser objeto de ação rescisória. Saliente-se que antes do trânsito em julgado torna-se inadmissível a propositura de ação rescisória. Todavia, para o seu ajuizamento, não é necessário que a parte tenha esgotado todos os recursos, pois basta o trânsito em julgado (Súmula 514 do STF).

PRESSUPOSTO

O pressuposto para a propositura da ação rescisória é a existência de uma sentença ou de um acórdão de mérito transitados em julgado. As sentenças terminativas do art. 267 do CPC não fazem coisa julgada material, razão pela qual não podem ser rescindidas, mesmo porque não há interesse de agir, tendo, em vista, que a parte pode renovar a demanda. Igualmente, não cabe ação rescisória nas sentenças prolatadas em procedimento de jurisdição voluntária (separação judicial amigável, arrolamento sumário etc), nesses casos, são cabíveis ações anulatórias, perante o juízo de primeiro grau, dentro do prazo de um ano.

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2CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO PROCESSUAL CIVIL II – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

Tratando-se de sentença inexistente, prolatada por quem não é juiz, torna-se desnecessário o ajuizamento de ação rescisória, pois qualquer juiz pode afastá-la. Se a sentença for inexistente é cabível a ação declaratória de inexistência da sentença (“querela nullitatis insabilis”). Sobredita ação, aliás, não se submete a prazo decadencial algum, podendo ser ajuizada em todas as hipóteses de violação dos pressupostos processuais de existência. Outro requisito básico para que a ação rescisória seja admitida é a invocação de algum dos motivos elencados no art. 485 do CPC.

LEGITIMIDADE

A ação rescisória pode ser ajuizada: a. pelas partes originárias ou sucessores. Assim, o espólio da parte vencida

tem legitimidade para ajuizar a ação rescisória. Igualmente, a pessoa jurídica que incorporou a pessoa jurídica vencida na demanda, tendo em vista a sua qualidade de sucessora “inter vivos”. Ressalte-se, porém, que na ação rescisória baseada em confissão viciada por erro, dolo ou coação, a legitimação é apenas do próprio confitente e só se transfere para os herdeiros se o falecimento ocorrer após a propositura da ação (art. 352, parágrafo único).

b. pelos terceiros juridicamente interessados, que é aquele que poderia ter ingressado no processo como assistente. Todavia, como observa Vicente Greco Filho, esse terceiro, por meio da ação rescisória, não pode obter, além da rescisão um provimento autônomo para si, por exemplo, perdas e danos, porque senão haveria a supressão de um grau de jurisdição. A propósito, cumpre lembrar que este terceiro não é atingido pela coisa julgada, porque esta, em razão de seus limites subjetivos, só alcança as partes, razão pela qual ele deverá demonstrar o seu interesse jurídico na rescisão. Quanto ao Ministério Público, só poderá ajuizar a ação

rescisória em duas hipóteses: a. quando não foi ouvido no processo cuja intervenção era obrigatória; b. colusão entre as partes, conforme veremos logo adiante. A legitimidade do

MP não é exclusiva, porque a ação rescisória também pode ser proposta por qualquer das partes ou terceiro juridicamente interessado.

Saliente-se, contudo, que a ação rescisória é movida em segundo grau, por Procuradores de Justiça, no âmbito estadual, ou por Procuradores Regionais Federais, no âmbito federal, e não por Promotores ou Procuradores da República, pois estes atuam em primeiro grau. Acrescente-se, ainda, que além dessas duas hipóteses, o Ministério Público pode propor a ação rescisória quando atuar no processo como sendo autor da ação. Quando a ação rescisória é ajuizada pelo

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3CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO PROCESSUAL CIVIL II – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

Ministério Público, as partes na ação principal figuram como réus na ação rescisória, instaurando-se em litisconsórcio passivo necessário.

Convém salientar que o juiz corrupto ou impedido, que prolatou a sentença rescindenda, não é réu na ação rescisória, mas pode atuar como assistente, porque tem interesse em se previnir de eventual responsabilidade civil, administrativa ou penal.

COMPETÊNCIA

A ação rescisória é ajuizada diretamente no Tribunal. No caso de ação rescisória de sentença, o Tribunal competente é aquele a quem caberia o julgamento de eventual apelação. No caso de ação rescisória de acórdão, a competência é do próprio Tribunal que o prolatou. Se, porém, o Tribunal não apreciou o mérito do recurso, a eventual ação rescisória, deverá tomar por base a sentença ou o acórdão que realmente acolheu ou rejeitou o mérito da ação. Assim, por exemplo, se o STJ não conheceu o recurso especial, a eventual ação rescisória deverá ser ajuizada perante o Tribunal que proferiu o acórdão recorrido.

FUNDAMENTOS PARA AÇÃO RESCISÓRIA

O art. 485 do CPC prevê o rol taxativo das hipóteses em que a sentença ou acórdão de mérito podem ser rescindidos. Conquanto o dispositivo em apreço refira-se apenas à sentença de mérito a doutrina, de forma unânime, sustenta o cabimento da ação contra acórdão de mérito, pois a expressão sentença está empregada em sentido amplo. É rescindível a sentença quando:

SE VERIFICAR QUE FOI DADA POR PREVARICAÇÃO, CONCUSSÃO OU CORRUPÇÃO DO JUIZ

Esses delitos encontram-se nos arts. 319, 316 e 317 do CP, respectivamente. A prova da conduta criminosa do magistrado pode ser feita na própria ação rescisória, de modo que não é necessário a instauração de processo criminal ou ação penal. Se, porém, foi condenado criminalmente, a existência do delito faz coisa julgada no cível. Se, ao revés, foi absolvido criminalmente por inexistência do fato, a ação rescisória não pode ser aceita, em razão da coisa julgada, mas poderá ser aceita quando a absolvição criminal basear-se em insuficiência de provas. Nos juízos colegiados, Barbosa Moreira entende ser necessário que o voto do magistrado que praticou a conduta ilegal seja decisivo no resultado do julgamento, porque, se não o foi, o resultado final não ficou prejudicado. Noutras palavras, se o acórdão foi unânime ou por maioria, é cabível a ação rescisória, excluindo-se, porém, esta ação quando

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL II – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

no acórdão não-unânime o juiz corrupto votou vencido Tratando-se de sentença prolatada por juiz corrupto, mas que foi objeto de recurso procedente, sendo, pois, substituída pelo acórdão, não é cabível a ação rescisória. Mas este posicionamento, sustentado por Barbosa Moreira, é impugnado por Bueno Vidigal, que admite a ação rescisória porque a prestação jurisdicional encontra-se maculada. Anote-se ainda que não é qualquer sentença do juiz corrupto que pode ser rescindida, mas tão somente aquela em que ele efetivamente se corrompeu. Se a sentença do juiz corrupto ou peitado for justa, isto é, de acordo com a prova dos autos, ainda assim a ação rescisória deve ser julgada procedente, e, se for o caso, no próprio juízo rescisório, o Tribunal julga novamente a causa, podendo este julgamento ser idêntico ao da sentença desconstituída.

PROFERIDA POR JUIZ IMPEDIDO OU ABSOLUTAMENTE INCOMPETENTE

O impedimento é pautado por situações objetivas, sob as quais não pairam dúvidas, como, por exemplo, o fato do juiz ser irmão de uma das partes. O juiz impedido não pode exercer a jurisdição. As causas de impedimento estão no art. 134 do CPC. A suspeição, ao revés, é subjetiva, baseada em suposições, que carecem de demonstração, como, por exemplo, o fato do juiz ser amigo ou inimigo de uma das partes. As causas de suspeição estão no art. 135 do CPC. A suspeição do juiz não enseja a propositura de ação rescisória, ainda que a parte tenha conhecimento do fato após o trânsito em julgado. Também pode ser rescindida a sentença prolatada por juiz absolutamente incompetente. Tal qual o impedimento, a incompetência absoluta pode ser argüida em qualquer tempo ou grau de jurisdição, inclusive mediante ação rescisória. Há um defeito de redação, pois o Código de Processo Civil usa a expressão “juiz absolutamente incompetente quando o correto é juízo”. Tratando-se, porém, de incompetência relativa, deve ser argüida no prazo da contestação, em peça separada desta, sob pena de preclusão. Portanto, não servindo de fundamento para ação rescisória.

RESULTAR DE DOLO DA PARTE VENCEDORA OU DE COLUSÃO ENTRE AS PARTES A FIM DE FRAUDAR A LEI

No Direito Civil, o dolo é a atuação de má-fé no processo, violando os deveres de lealdade e boa-fé. Trata-se do dolo processual, isto é, o dolo praticado por atos de litigância de má-fé no transcorrer do processo. Tal ocorre, por exemplo,

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5CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO PROCESSUAL CIVIL II – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

quando uma das partes induz a outra a reconhecer o pedido. É necessário que exista nexo causal entre o dolo e o resultado da sentença. Equipara-se ao dolo da parte, o dolo de seu representante ou advogado. A colusão, por outro lado, consiste no conluio entre as partes para obter um fim ilícito. As partes utilizam-se do processo para obter alguma vantagem fraudulenta. Exemplo: o marido ajuíza ação de anulação de casamento em face da esposa, narrando falsamente erro sobre a identidade, sendo certo que ambos haviam combinado a comprovação fraudulenta dos fatos, com intuito de anularem o casamento. Nesse caso, tendo em vista a má-fé de ambas as partes, e, por conseqüência, o desinteresse de elas ajuizarem ação rescisória, a lei conferiu legitimidade ao Ministério Público.

OFENDER A COISA JULGADA

Há ofensa à coisa julgada quando o autor repete a mesma ação que já havia sido definitivamente julgada anteriormente. Nesse caso, a segunda sentença, conquanto transitada em julgado, deverá ser rescindida, prevalecendo a primeira.

Se, porém, essa segunda sentença não for rescindida em dois anos, fazendo também coisa julgada soberana, alguns processualistas sustentam que ela deve prevalecer ainda que seja contraditória com a primeira sentença, como se fosse uma lei posterior revogando anterior. Já se decidiu, entretanto, pela prevalência da primeira sentença, tendo em vista a nulidade da segunda à medida que violou a coisa julgada. Ademais, se prevalecesse a segunda sentença, o autor estaria sendo beneficiado pela própria torpeza.

Anote-se que a ofensa à coisa julgada se dá quando a segunda demanda for idêntica à primeira ou então diversa, mas a ela subordinada. Se, por exemplo, A vence a ação de cobrança em face de B, sendo que esta mesma ação já havia sido julgada improcedente anteriormente, ter-se-á a repetição de ações idênticas. Se, no entanto, uma sentença declarou inexistente uma obrigação de pagar dinheiro, ofende a coisa julgada sentença posterior que determine o réu a pagar os juros devidos em razão dessa obrigação, caracterizando-se, nesse exemplo de Alexandre Câmara, a existência de demandas subordinadas.

Não há, porém, ofensa à coisa julgada se a segunda sentença contraria fundamentos da primeira. Ex.: a primeira sentença, na fundamentação da ação de cobrança, julgou certo documento nulo, ao passo que na ação declaratória de existência de documento, este foi julgado válido.

VIOLAR LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI

Violar a lei significa ignorá-la ou interpretá-la de maneira totalmente equivocada. A interpretação razoável da lei não autoriza a

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL II – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

propositura da ação rescisória. A propósito, dispõe a Súmula 343, STF: “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos Tribunais”. Cumpre observar que a violação de súmula, por si só, é insuficiente para a propositura da ação rescisória, pois súmula não é lei. Se, porém, o entendimento estampado na súmula era pacífico, sobre ele não recaía nenhuma divergência, daí sim é cabível a ação rescisória, pois, nesse caso, a interpretação da lei terá sido totalmente equivocada.

Finalmente, a violação de lei, que autoriza a propositura da ação rescisória, pode recair sobre lei processual, como, por exemplo, a sentença extra ou ultra-petita, ou sobre lei de direito material, como a decretação do despejo da ex-companheira do locatário que abandonou o imóvel, por não considerá-la sucessora, infringindo-se assim o disposto no art. 12 da Lei de Locação.

SE FUNDADO EM PROVA CUJA FALSIDADE TENHA SIDO APURADO EM PROCESSO CRIMINAL, OU SEJA PROVADO NA PRÓPRIA AÇÃO RESCISÓRIA

A falsidade pode recair sobre prova testemunhal, pericial, documental etc. Urge, no entanto, que essa falsa prova tenha sido decisiva em relação ao processo. Se, abstraindo essa prova, o resultado teria sido o mesmo, pelo fato de a sentença ter se fundamentado também em outras provas, não será cabível ação rescisória. A falsidade pode ser apurada em processo criminal ou na própria ação rescisória. Se a prova falsa foi fundamento para apenas um dos pedidos, a rescisão será parcial. Os pedidos que não se fundaram na prova falsa não podem ser rescindidos.

DEPOIS DA SENTENÇA O AUTOR OBTIVER DOCUMENTO NOVO, CUJA EXISTÊNCIA IGNORAVA, OU DE QUE NÃO PODE FAZER USO, CAPAZ, POR SI SÓ, DE LHE ASSEGURAR PRONUNCIAMENTO FAVORÁVEL

Documento novo, no sentido empregado pelo dispositivo em análise, é o que já existia ao tempo da ação, mas a parte dele não pôde fazer uso, quer porque o desconhecia, quer porque não o possuía. Se, contudo, a não apresentação se deu por negligência das partes ou de seu advogado, a ação rescisória não poderá ser proposta. Saliente-se que a parte poderá ajuizar ação de perdas e danos contra seu advogado, se por culpa deste o documento não foi juntado aos autos. Convém esclarecer que o documento novo, que enseja a propositura da ação rescisória, deve ser relevante a ponto de alterar por si só o resultado do julgamento.

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Finalmente, o documento produzido após a sentença não autoriza o ajuizamento da ação rescisória. O que autoriza a ação rescisória é o documento novo obtido após a sentença ou acórdão rescindendos.

HOUVER FUNDAMENTO PARA INVALIDAR CONFISSÃO, DESISTÊNCIA OU TRANSAÇÃO EM QUE SE BASEOU A SENTENÇA.

Esse dispositivo é muito criticado, por não ter previsto o reconhecimento do pedido, nem a renúncia, outrossim, por fazer menção à desistência, cuja sentença que a acolhe é de natureza terminativa, insuscetível de ação rescisória. Na verdade, a expressão confissão deve ser interpretada extensivamente para abrange também o reconhecimento do pedido, pois a sentença que o acolhe é de mérito (art. 269, II, do CPC). No tocante à confissão, enquanto a sentença não transitar em julgado, para anulá-la, a parte pode move ação anulatória ou, então, impugná-la por meio de recurso. Se, porém, a sentença já transitou em julgado, será cabível a ação rescisória, desde que o julgamento tenha se baseado exclusivamente na sobredita confissão. Quanto à desistência da ação, evidentemente não pode ser objeto de ação rescisória, porque a sentença que a acolhe é terminativa não se submetendo à coisa julgada material (art. 267, inc. III, do CPC). Na verdade o CPC quis referir-se à desistência do direito, isto é, à renúncia, pois, nesse caso, a sentença faz coisa julgada material, pois é considerada de mérito por força do art. 269, inc. V, do CPC, sendo, pois, passível de ação rescisória. A propósito, o dispositivo em apreço foi extraído do Código de Processo Civil Português de 1.939 que denominava a renúncia de desistência do pedido. Em relação à transação, a sentença também é considerada de mérito, impugnável por via de ação rescisória. Se a transação ainda não foi homologada por sentença, será cabível a ação anulatória interposta em 1º grau. Não obstante a omissão da lei, a doutrina entende que a sentença que homologa o reconhecimento do pedido após o trânsito em julgado é atacável por ação rescisória, conforme já salientamos acima.

Finalmente, o art. 486 do CPC dispõe que nos atos jurídicos que não dependem de sentença ou em que esta for meramente homologatória a ação cabível é a ação anulatória, ao invés a ação rescisória. Sendo assim, cumpre indagar, a sentença que homologa, transação, reconhecimento do pedido e renúncia é impugnável, após o trânsito em julgado, por ação rescisória ou pela ação anulatória, cuja propositura é em 1º grau, no prazo de 01 ano.

Uma primeira corrente, defendida por Alexandre Câmara, sustenta que é a ação rescisória, sob pena de consagrar-se uma superabundância de meios de impugnação, reservando-se a ação anulatória aos casos que ainda não transitaram em julgado.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL II – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

Uma outra corrente, defendida por Luiz Guilherme Marioni, diz que se a sentença for meramente homologatória, não tendo nenhuma carga decisória, cabível é a ação anulatória, porque tal sentença não declarou o direito no caso concreto. Se, ao revés, a sentença que homologa esses atos não for meramente homologatória, contendo, pois, uma carga decisória, fundamentando-se, pois, nesses atos, cabível é a ação rescisória.

FUNDADA EM ERRO DE FATO, RESULTANTE DE ATOS OU DOCUMENTOS DA CAUSA

Há erro de fato quando a sentença admitir um fato inexistente ou então considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido. O erro de fato consiste na análise equivocada de uma determinada prova. Tal ocorre, por exemplo, quando o juiz, numa ação de cobrança, deixa de levar em consideração a quitação juntada pelo réu na contestação, ou, então, baseia-se num recibo que, na verdade, não constava nos autos. O erro de fato, como ensina Barbosa Moreira, refere-se, apenas, a questões não resolvidas pelo juiz. Trata-se de uma questão que passou despercebida pelo magistrado, pois se sobre esse fato instalou-se uma controvérsia entre as partes, por exemplo, argüição de nulidade do recibo, obrigando o juiz a decidir num ou noutro sentido, já não será cabível ação rescisória. Finalmente, se o erro de fato não influenciou no julgamento não há falar-se em ação rescisória.

PROCEDIMENTO DA AÇÃO RESCISÓRIA

A petição inicial deve obedecer aos requisitos do art. 282 do CPC. O autor pode formular apenas o pedido da rescisão ("iudicium rescidens"), requerendo o desfazimento do julgamento, ou, então, pode cumular o pedido com o pedido de novo julgamento ("iudicium rescisorium"). Este último pedido só é julgado se o primeiro for acolhido. Trata-se de uma cumulação sucessiva. Nas hipóteses em que o pedido de rescisão for insuficiente para resolução da lide, a doutrina sustenta a obrigatoriedade da cumulação do pedido do novo julgamento, preconizando, inclusive, o indeferimento da petição inicial. Em certos casos, porém, basta o pedido de rescisão, como, por exemplo, a violação da coisa julgada. Ao meu ver, porém, o pedido de novo julgamento é sempre faculdade do autor, nos casos em que for cabível, pois este pode ter se desinteressado de obter uma solução judicial da lide.

Alexandre Câmara sustenta que na ação rescisória de sentença prolatada por juízo absolutamente incompetente, o tribunal não poderia efetuar novo julgamento. Este deverá remeter os autos ao juízo

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL II – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

competente para que julgue novamente a causa. Noutras hipóteses, porém, é pacífico que o novo julgamento pelo tribunal é lícito, porque, diante da competência originária desfrutada por este, não há falar-se em violação do duplo grau de jurisdição, mesmo porque este já se exauriru com o julgamento anterior. O autor ainda deverá que depositar 5% sobre o valor da causa, a título de multa, a ser revertido em favor do réu, caso a ação seja, por unanimidade de votos, declarada inadmissível ou improcedente. Esse depósito é um pressuposto processual, que visa desestimular a propositura de ações rescisórias por mero capricho. Além dessa multa, o autor ainda arcará com custas, despesas processuais e honorários advocatícios caso a ação seja julgada improcedente. Se o autor não efetua o depósito de 5% a ação rescisória será indeferida liminarmente. Estão dispensados desse depósito: a. a União, os Estados e os Municípios; b. o Ministério Público; c. beneficiários da justiça gratuita O relator, sorteado, ao receber a inicial assinalará um prazo flexível, de 15 a 30 dias, cuja duração é fixada pelo relator. Geralmente é fixado em 20 dias. Trata-se de um prazo especial, razão pela qual se a Fazenda Pública figurar com ré, não terá prazo em quádruplo. No prazo da contestação, o réu pode apresentar as exceções de incompetência, impedimento e suspeição, outrossim, oferecer a reconvenção, mas esta deve consistir também numa ação rescisória. De fato, a reconvenção é cabível no caso de sucumbência recíproca.

Após a contestação, a ação rescisória segue o rito ordinário, mas o julgamento antecipado da lide, conquanto admissível, não pode emanar de decisão isolada do relator, mas sim do tribunal. Anote-se, porém, que não é possível o julgamento antecipado da lide com base na revelia, pois os efeitos desta não se verificam à vista do caráter indisponível do direito. É sim possível o julgamento antecipado com base nas outras matérias do art. 330 do CPC. Saliente-se, ainda, que o Ministério Público deve intervir obrigatoriamente nas ações rescisórias, devido ao interesse público da lide (art. 82, inc. III, do CPC). O juiz que participou do acórdão rescindendo não está, em razão disso, impedido de julgar a ação rescisória (Súmula 252 do STF). Finalmente, a propositura da ação rescisória não suspende a execução da sentença ou acórdão rescindendo, pois se trata de uma execução definitiva. Todavia, nos casos imprescindíveis, para evitar dano irreparável ou de incerta reparação, desde que haja verossimilhança nos pressupostos da ação rescisória poderá ser concedida medida cautelar ou

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL II – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

antecipatória de tutela, suspendendo a execução da decisão que se pretende rescindir, conforme artigo 489 do CPC, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 11.280/06.

RECURSOS CABÍVEIS

O acórdão que julga a ação rescisória pode ser impugnado por embargos de declaração e embargos infringentes. Este último recurso só é cabível em relação a acórdãos não unânimes que tenham julgado procedente a ação rescisória.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL II – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

QUESTÕES

1. Qual o objetivo da ação rescisória? 2. Qual a natureza jurídica da ação rescisória? 3. Qual o prazo de sua propositura? 4. Qual a natureza deste prazo? 5. O que é coisa julgada soberana? 6. Que tipo de sentença pode ser objeto de ação rescisória? 7. Como se desconstitui uma sentença inexistente? 8. Quem tem legitimidade para ajuizar a ação rescisória? 9. O Ministério Público pode mover ação rescisória? 10. No caso de confissão viciada, quem pode mover a ação rescisória? 11. A sentença prolatada em procedimentos de jurisdição voluntária pode

ser objeto de ação rescisória? 12. De quem é a competência para o julgamento de ação rescisória? 13. Quais os fundamentos para a propositura da ação rescisória? 14. Quais os crimes que ensejam a propositura da ação rescisória? Como

é feita a prova do delito?É rescindível acórdão que teve a participação de juiz corrupto?

15. O impedimento, a suspeição e a incompetência, ensejam a propositura de ação rescisória?

16. O que é colusão? 17. Se a segunda sentença violar a coisa julgada, prevalece a primeira ou a

segunda?18. A violação de Súmula ou a interpretação equivocada da lei ensejam ação

rescisória? 19. A sentença que se funda em prova falsa pode ser objeto de ação

rescisória? 20. O que é documento novo? 21. A sentença que homologa a desistência de ação é passível de ação

rescisória? 22. A confissão nula enseja a propositura de ação rescisória? 23. O que é erro de fato? 24. Quais os pedidos que podem ser formulados na ação rescisória? 25. Qual o meio pelo qual a lei desestimula a propositura de ação rescisória? 26. O depósito de 5% (cinco por cento) sobre o valor da causa é exigido em

todas as ações rescisórias? 27. Qual o prazo para a contestação da ação rescisória?

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL II – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

QUESTÕES COMPLEMENTARES:

1. A sentença que homologa transação, renúncia, reconhecimento do pedido, ou que se baseia em confissão nula, uma vez transitada em julgado, pode ser objeto de ação rescisória, ou da ação anulatória do art. 486 do CPC?

2. É cabível o julgamento antecipado da lide na ação rescisória? 3. O réu, na ação rescisória, pode apresentar reconvenção? 4. O Tribunal que julga a ação rescisória sempre tem competência para

julgar novamente o pedido? 5. Quais os recursos cabíveis do acórdão que julga a ação rescisória? 6. O juiz corrupto figura como réu na ação rescisória? 7. O desembargador que participou do julgamento do acórdão rescindido

pode participar do julgamento da ação rescisória? 8. A sentença justa prolatada por juiz corrompido pode ser objeto de ação

rescisória? 9. Quando há ofensa à coisa julgada? 10. A violação de que tipo de lei autoriza a propositura de ação rescisória? 11. O autor da ação rescisória pode requerer a tutela antecipada, consistente

na suspensão da execução da sentença ou acórdão rescindendo?

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DIREITOPROCESSUAL CIVIL

III

CURSO A DISTÂNCIA MÓDULO XII

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1CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO PROCESSUAL CIVIL III - EXECUÇÃO – PROFº EDUARDO FRANCISCO DOS SANTOS JR

EMBARGOS À EXECUÇÃO OU EMBARGOS DO DEVEDOR

Este meio de defesa ficou restrito a execução fundada em título extrajudicial e a execução contra a Fazenda Pública, ainda que fundada em título judicial.

Os embargos estão regulados nos artigos 736 a 747 do CPC e tem a natureza de ação autônoma de conhecimento, incidental e prejudicial à execução.

Trata-se de ação autônoma de conhecimento, pois através dela pretende o embargante obter uma sentença capaz de evitar a satisfação do direito do credor. É incidental, porque tal ação é exercida no próprio processo de execução, durante o seu curso. É prejudicial vez que seu resultado pode afetar e até impedir a execução de atingir o seu objetivo. Em razão dessa prejudicialidade, deve ser decidido antes do encerramento da execução.

Apesar de ser uma ação incidental, e por isso ser distribuída por dependência, os embargos não são mais autuados em apenso, mas sim em apartado, por isso devem vir instruídos com cópia das principais peças do processo de execução, autenticadas ou declaradas autênticas pelo advogado.

Passaram a ser atuados em apartado porque em regra não têm efeito suspensivo, de modo que a execução deve prosseguir sem embaraço.

Da mesma forma, não se exige prévia segurança do juízo (art. 736 do CPC), podendo ser oferecidos independentemente de penhora, depósito ou caução, justamente porque não tem efeito suspensivo automático (art. 739-A). Excepcionalmente o juiz poderá conceder efeito suspensivo, sendo necessário quatro requisitos cumulativos: a)que o juízo esteja garantido por penhora, depósito, caução ou seguro garantia bancária; b)a relevância dos fundamentos trazidos pelo executado nos embargos; c)risco de dano irreparável ou de difícil reparação decorrente do prosseguimento da execução; d)pedido do embargante.

A decisão que concede o efeito suspensivo pode ser alterada ou revogada, sempre que se alterarem ou cessarem as circunstâncias que a determinaram.

Em regra, o efeito suspensivo obtido por um executado não beneficia os demais, salvo quando os fundamentos que ensejaram a suspensão forem comuns, tal como ocorre quando os embargos atacam um título. Nesse caso, como os argumentos são comuns a todos os executados até mesmo quem não embargou será beneficiado com o efeito suspensivo obtido pelo embargante.

Aqui, aplicando a doutrina majoritária e a jurisprudência predominante do STJ anterior à reforma, deve ser admitida possibilidade de

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL III - EXECUÇÃO – PROFº EDUARDO FRANCISCO DOS SANTOS JR

requerer o efeito suspensivo mesmo ao executado que não teve seus bens atingidos pela penhora. Basta que o juízo esteja garantido (e os demais requisitos) ainda que por penhora que recaia sobre bem pertencente a outro litisconsorte.

De outro lado, o efeito suspensivo pode ser concedido apenas em relação a parte da execução. Nesse caso, quanto à parte não suspensa, a execução terá curso normal.

O prazo para os embargos passou a ser de 15 dias e corre de forma independente para os executados, contados da juntada do mandado de citação (art. 738), salvo se os executados forem cônjuges, nesse caso, o prazo será um só contado a partir da juntada da citação do último. Mesmo que os litisconsortes tenham advogados diferentes não se aplica o art. 191. Observa-se que a juntada será feita com a primeira via do mandado, tão logo concluída a citação de cada executado, correndo desde cada juntada, o prazo de embargos, independentemente de penhora.

Quando a execução se processar através de carta precatória, a citação feita pelo juízo deprecado deve ser comunicada imediatamente ao juízo deprecante, inclusive por meios eletrônicos, e o prazo para embargos inicia-se a partir da juntada da comunicação ao juízo deprecante (e não mais da juntada da carta precatória que retornou).

Em relação à competência, o juízo da execução tem competência funcional para o julgamento dos embargos.

Quando a execução se processar através de carta precatória os embargos podem ser oferecidos tanto no juízo deprecante quanto no juízo deprecado, mas a competência para julgá-los é do juízo deprecante.

Excepcionalmente, quando os embargos versarem apenas sobre penhora, avaliação ou alienação dos bens (nesse caso embargos de 2ª fase) eles podem ser ajuizados e decididos no juízo deprecado. Nos demais casos, quando forem outros os argumentos dos embargos, os embargos podem ser apresentados no juízo deprecante ou no deprecado, mas serão sempre decididos pelo juízo deprecante.

No caso de citação ficta do executado, a Súmula 196 do STJ prevê que se o devedor permanecer revel, será nomeado curador especial com poderes para apresentar embargos.

Por se tratar de ação, os embargos são oferecidos através de petição inicial, a qual deve observar todos os requisitos do art. 282 e 39, I, podendo ser rejeitados liminarmente nos casos previstos no art. art. 739 do CPC quando:1) forem intempestivos; 2) quando for inepta a petição inicial; 3) quando forem manifestamente protelatórios; 4) Quando o devedor alegar excesso de execução e não indicar o valor que entende devido, salvo se houver outros argumentos (art. 739-A, § 5º).

Além disso, a inicial também poderá ser indeferida nas hipóteses do art. 295 do CPC.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL III - EXECUÇÃO – PROFº EDUARDO FRANCISCO DOS SANTOS JR

Recebidos os embargos, o exeqüente embargado será intimado, para apresentar resposta no prazo de 15 dias. O prazo é de 15 dias se inicia a partir da intimação do exeqüente que será feita através de seu advogado, em regra pela imprensa.

No caso de não oferecimento da resposta no prazo legal, há divergência na doutrina, entendendo Barbosa Moreira e Arakén de Assis que haverá o efeito da revelia. Inclusive, Carreira Alvim, após a Lei nº 11.382/06, argumenta que a nova redação do art. 740 faz menção ao art. 330, o que afirma a possibilidade de julgamento antecipado, nos embargos, quando houver revelia, a qual só ocorrerá quando o embargado for intimado pessoalmente por mandado e pelo oficial de justiça.

De outro lado, Paulo Henrique dos Santos Lucon e Humberto Theodoro, este mesmo após a reforma, defendem que não se aplica os efeitos da revelia, em razão da certeza que decorre do título que não pode ser afastada por simples omissão do embargado.

Decorrido o prazo de resposta aos embargos, o juiz verificará se é o caso de julgamento conforme o estado do processo (art. 329 e 330 do CPC) ou se é necessário designação de audiência de instrução, decidindo em seguida.

Contra a decisão proferida nos embargos, o recurso cabível é a apelação. De fato, trata-se de sentença, com ou sem resolução do mérito. Como os embargos estão em autos apartados, a apelação não terá nenhum óbice procedimental. Tal apelação não tem efeito suspensivo (art. 520, V).

Os embargos podem ter como conteúdo qualquer matéria que se mostre útil para a defesa do executado, conforme se extrai do art. 745, V do CPC. Além disso, poderá o embargante alegar a nulidade da execução, por não ser executivo o título apresentado; penhora incorreta ou avaliação errônea; excesso de execução ou cumulação indevida de execuções; o direito de retenção por benfeitoria necessárias ou úteis nos casos de execução para entrega de coisa certa.

Como se vê, o direito de retenção passou a ser matéria dos embargos à execução, eis que a Lei nº 11.382/06 revogou o art. 744 do CPC que previa os embargos de retenção.

Na prática, a alteração foi de nomenclatura, pois os embargos de retenção por benfeitorias, sempre foram e continuam sendo uma espécie de embargos à execução, que só é possível na execução de título extrajudicial de entrega de coisa. Portanto, os embargos à execução para a entrega de coisa certa baseada em título extrajudicial, quando versarem sobre direito de retenção por benfeitorias (art. 745, IV) serão na essência, embargos de retenção, sendo necessário que o executado indique as benfeitorias realizadas, o estado anterior e atual da coisa, o custo das benfeitorias e seu valor atual e a valorização da coisa em razão das benfeitorias.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL III - EXECUÇÃO – PROFº EDUARDO FRANCISCO DOS SANTOS JR

Na resposta aos embargos que versam sobre direito de retenção, o exeqüente pode requerer a liquidação dos frutos e danos devidos pelo executado, postulando a compensação do valor dos mesmos com as benfeitorias.

Nesse caso, será instaurado um procedimento de liquidação incidente, com a nomeação de perito, se necessário, fixando o juiz prazo breve para a entrega do laudo. Apurados os valores, será feita a compensação, depositando o exeqüente a diferença ou, quando houver saldo a seu favor, após obter a entrega do bem, poderá nos próprios autos executar o valor que lhe é devido.

De qualquer modo, mesmo que concedido efeito suspensivo aos “embargos de retenção”, o exeqüente poderá, a qualquer tempo, requerer que seja imitido na posse da coisa, prestando caução ou depositando o valor devido pelas benfeitorias ou resultante da compensação.

EMBARGOS AO ATO EXPROPRIATÓRIO OU EMBARGOS DE SEGUNDA FASE

Trata-se dos embargos à arrematação, à adjudicação ou à alienação por iniciativa particular, regulamentados pelo art. 746 do CPC. São chamados embargos de segunda fase, porque podem ser opostos no momento processual posterior àquele em que é possível a utilização dos embargos à execução.

O Prazo para oferecer os embargos de segunda fase é de 5 dias, contados da adjudicação, alienação ou arrematação dos bens do devedor.

Embora na maioria das vezes se preste a atacar o ato expropriatório, o objeto desses embargos, que é mais limitado que dos embargos à execução, é qualquer nulidade do processo executivo ou a ocorrência de causa extintiva ou modificativa da obrigação desde que supervenientes à penhora. Em suma, qualquer matéria relevante à defesa do executado, desde que superveniente à penhora ou aos embargos à execução, que podem ser opostos antes da penhora, poderá ser veiculada através desses embargos.

Como o acolhimento dos embargos resulta na nulidade do ato expropriatório, a lei permite, quando oferecidos embargos de segunda fase, que o terceiro adquirente do bem expropriado desista da aquisição. O direito de desistir é um direito potestativo e o juiz deve deferir de plano o pedido de desistência com a imediata liberação do depósito feito pelo adquirente.

Se, ao final, os embargos forem declarados manifestamente protelatórios, será imposta ao embargante uma multa não superior a 20% sobre o valor da execução, em favor de quem desistiu da aquisição, ou seja, ao terceiro que de boa-fé adquiriu em juízo o bem

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL III - EXECUÇÃO – PROFº EDUARDO FRANCISCO DOS SANTOS JR

expropriado e viu o negócio frustrado em razão do risco decorrente do oferecimento dos embargos.

SUSPENSÃO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO

A suspensão do processo é chamada pela doutrina de “crise do processo”, pois a regra é o prosseguimento do feito. A suspensão do processo de execução é regulamentada pelos artigos 791 a 793 do CPC.

Segundo prevê o art. 791, suspende-se a execução: I – quando recebidos os embargos, se concedido efeito suspensivo, observando-se os limites dos embargos e do efeito suspensivo; II – se houver morte ou incapacidade das partes, de seus representantes ou procuradores; se houver acordo entre as partes; ou se houver exceção de incompetência, impedimento ou suspeição; III –se o devedor não possuir bens penhoráveis.

Quando o credor concordar em conceder prazo para que o devedor cumpra voluntariamente a obrigação, o juiz suspenderá a execução durante o prazo concedido. Findo este prazo e informando o credor que a obrigação foi satisfeita, a execução será extinta (art. 794, I).

Caso o prazo se expire, sem o cumprimento da obrigação pelo devedor, o processo de execução retomará o seu curso (art. 792, parágrafo único)

Suspensa a execução devem ser observadas as regras e prazos relativos a suspensão do processo previstos para no Livro I do Código, inclusive quanto a proibição de se praticar quaisquer atos processuais, sendo permitido ao juiz determinar providências urgentes para evitar o perecimento de direitos.

EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO

Conforme prevê os arts. 794 e 795 do CPC, a execução, como os demais processos, é extinta por sentença. Tal sentença não julga o mérito da execução, tendo o papel de apenas encerrar a execução, por isso não faz coisa julgada material.

Como o mérito da execução é a satisfação do credor, é correto dizer que a extinção da execução pode se dar com ou sem a satisfação do crédito.

O art. 794, através de uma redação bastante criticada pela doutrina, elenca em seus incisos hipóteses de extinção do processo executivo, porém, trata-se de rol meramente exemplificativo.

O inciso I prevê a extinção quando o devedor satisfaz a obrigação. Trata-se da hipótese de extinção ordinária ou normal da execução, que ocorre com qualquer hipótese de satisfação do credor seja por ato do executado, de terceiros ou através do uso dos meios executivos.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL III - EXECUÇÃO – PROFº EDUARDO FRANCISCO DOS SANTOS JR

Os incisos II e III tratam de hipóteses de autocomposição. A extinção nesses casos e em qualquer outro que não o do inciso I será uma extinção anômala. Trata a lei da hipótese em que o devedor obtém, “por transação ou por qualquer outro meio a remissão total da dívida” e a hipótese de o credor renunciar ao crédito. A crítica que se faz é a de que a transação é uma forma de extinção das obrigações diferente da remissão, que significa perdão, e não um meio de se alcançar esta. De qualquer forma, deve-se compreender que haverá extinção da execução sempre que ocorrer uma causa extintiva da obrigação, que ocorre quando há transação, novação, remissão ou renúncia ao crédito.

Quanto à remissão são necessárias ainda algumas palavras. A remissão de obrigação ou de dívida é o perdão dado pelo credor ao devedor. Ela não se confunde com a remição da execução, que ocorre quando o devedor paga ou consigna o valor devido, dando causa à extinção da execução.

Além das hipóteses previstas no art. 794, também são hipóteses de extinção a desistência, a carência de ação e a falta ou o desaparecimento de pressuposto da tutela executiva.

Como ensina Dinamarco, as hipóteses de extinção da execução podem ser verificadas pelo juiz a pedido ou de ofício, no próprio processo executivo ou através dos embargos do executado.

De fato, até a adjudicação ou a alienação dos bens, o devedor pode remir a execução pelo pagamento ou pela consignação. Trata-se de remição da execução. Que é igual a pagamento.

Também existia a remição de bens que era o resgate do bem adjudicado ou arrematado por pessoas próximas do devedor (cônjuge, ascendente e descendente), a qual não existe mais. Os parentes do devedor, atualmente, só podem adjudicar o bem com preferência, em igualdade de condições (pelo valor da avaliação).

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7CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO PROCESSUAL CIVIL III - EXECUÇÃO – PROFº EDUARDO FRANCISCO DOS SANTOS JR

QUESTÕES

1. Qual a diferença entre embargos à execução e impugnação ao cumprimento da sentença?

2. Elas podem ser ajuizadas, mesmo após oferecidos e decididos os embargos à execução?

3. Existe procedimento especial de embargos de retenção? 4. Como se alega o direito de retenção na execução de título extrajudicial? 5. O que são embargos de segunda fase? Como na praxe eles são

chamados?6. Quando ocorre a suspensão da execução? 7. O que é extinção normal e extinção anômala da execução? 8. Qual a diferença entre remissão da dívida e remição da execução? 9. Existe remição de bens? Explique.

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LEGISLAÇÃO PENAL

CURSO A DISTÂNCIA MÓDULO XII

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1CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL – PROFº ADRIANO RICARDO CLARO

Lei n. 9.503/97 – Código de Trânsito Brasileiro (continuação).

LESÃO CORPORAL CULPOSA

Art. 303. Praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor:

Penas - detenção, de seis meses a dois anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Parágrafo único. Aumenta-se a pena de um terço à metade, se ocorrer qualquer das hipóteses do parágrafo único do artigo anterior.

Ao crime sob comento cabem as mesmas observações genéricas feitas ao homicídio culposo, inclusive no tocante às causas de aumento da pena. Abaixo, seguem as observações específicas.

Objetividade jurídica: a saúde e a integridade física da pessoa. Pouco importa a gravidade da lesão para a configuração do delito, por se tratar de crime culposo, aonde o resultado não é querido. A gravidade das lesões poderá, todavia, ser considerada na aplicação da pena (conseqüências do crime).

Sujeito ativo: o condutor do veículo. Sujeito passivo: qualquer pessoa. Elemento objetivo do tipo: “praticar lesão corporal” constitui

o núcleo do verbo reitor. Melhor seria “ofender a integridade corporal ou saúde de outrem”, ou “lesionar”. Trata-se de tipo penal aberto, vez que a conduta culposa fica sujeita a um juízo de valoração do juiz.

Elemento subjetivo do tipo: a culpa estrita.Consumação: com a ocorrência de lesões corporais. Tentativa: inadmissível, por se tratar de crime culposo. Concurso de crimes: a regra aplicável, em se tratando de

crimes com a mesma objetividade jurídica é a da absorção do mais leve pelo mais grave, excetuado o concurso formal quando houver várias vítimas de lesões (atropelamento com cinco feridos). Outrossim, os crimes de dano efetivo, deveriam absorver os de dano potencial/perigo concreto (lesão corporal culposa e racha), ainda que mais gravemente punidos. Em relação à embriaguez ao volante, atualmente, com a Lei n. 11.275/06, este aspecto tornou-se causa de aumento de pena no crime de lesão corporal culposa, o que acarreta a configuração apenas do crime de dano em estudo. No caso de bens jurídicos diversos, haverá concurso material (lesão corporal culposa e fraude processual; lesão corporal culposa e violação da suspensão de dirigir). Também haverá concurso material quando as condutas ocorrerem em contextos fáticos distintos (abuso da velocidade perto de uma escola e atropelamento com ferido três quadras deste local). Sempre é cauteloso fazer uma análise minuciosa do caso concreto.

Prisão em flagrante: é admissível, quando o condutor do veículo não prestar socorro. Neste caso, não é possível a simples elaboração do termo circunstanciado (artigo 301, do CTB).

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2CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL – PROFº ADRIANO RICARDO CLARO

Arrependimento posterior: cabível. Inclusive, a reparação do dano, antes do recebimento da denúncia, constitui renúncia ao direito de representação (artigo 74, parágrafo único, da Lei 9.099/95). O arrependimento posterior após o recebimento da denúncia e antes da sentença de primeira instância, configura atenuante genérica (artigo 65, III, “c”, do Código Penal).

Pena: é importante observar que o crime de lesão corporal culposa como crime de trânsito (6 meses a 2 anos de detenção) é mais gravemente apenado que o crime de lesão corporal dolosa do Código Penal (3 meses a 1 ano de detenção), dando lugar a críticas severas quanto à inversão da perspectiva valorativa que deve existir na proteção de bens jurídicos no Direito Penal.

Causas de aumento de pena: são as mesmas já estudadas no homicídio culposo (a pena é aumentada de um terço à metade, se o agente):

I. não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação; II. praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada; III. deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à

vítima do acidente; IV. no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de

transporte de passageiros. V. estiver sob a influência de álcool ou substância tóxica ou entorpecente de

efeitos análogos.

Ação penal: pública condicionada à representação, face ao disposto no artigo 291, parágrafo único do CTB, c.c. artigo 88, da lei 9.099/95. Importante observação em relação à ação penal no crime complexo: o crime de lesão corporal culposa, cometido na direção de veículo automotor (CTB, art. 303), por motorista desprovido de permissão ou de habilitação para dirigir, absorve o delito de falta de habilitação ou permissão tipificado no art. 309 do Código de Trânsito Brasileiro. Com a extinção da punibilidade do agente, quanto ao delito tipificado no art. 303 do Código de Trânsito Brasileiro (crime de dano), motivada pela ausência de representação da vítima, deixa de subsistir, autonomamente, a infração penal prevista no art. 309 do CTB (crime de perigo). O mesmo raciocínio é aplicado nas hipóteses em que o crime de lesão corporal é aumentado pela omissão de socorro e pela embriaguez no volante. Seria uma exceção à regra do artigo 101, do Código Penal. Precedentes de ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal e da doutrina. O Superior Tribunal de Justiça tem a mesma posição. O Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, porém, vinha julgando de forma oposta, entendendo que a falta de representação por crime de lesão corporal culposa no trânsito, não obsta o processamento de crime de direção sem habilitação.

Juizado Especial Criminal: Trata-se de infração penal de menor potencial ofensivo (Lei 10.259/01). Aplica-se a Lei 9.099/95: cabe a

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composição dos danos civis, a transação penal e a suspensão condicional do processo, nesta ordem sucessiva.

OMISSÃO DE SOCORRO

Art. 304. Deixar o condutor do veículo, na ocasião do acidente, de prestar imediato socorro à vítima, ou, não podendo fazê-lo diretamente, por justa causa, deixar de solicitar auxílio da autoridade pública:

Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa, se o fato não constituir elemento de crime mais grave.

Parágrafo único. Incide nas penas previstas neste artigo o condutor do veículo, ainda que a sua omissão seja suprida por terceiros ou que se trate de vítima com morte instantânea ou com ferimentos leves.

Objetividade jurídica: a vida e a incolumidade física das pessoas.

Sujeito ativo: o condutor do veículo automotor envolvido em acidente de trânsito (desde que não tenha agido com culpa). Outros motoristas não envolvidos no acidente, condutores de outras espécies de veículos que não automotor, ocupantes do próprio veículo acidentado e pedestres poderão incorrer no crime comum de omissão de socorro (artigo 135, do Código Penal).

Note-se a discrepância de punição para o condutor (sem culpa) que não socorre e para as demais pessoas (igualmente sem culpa) que deixam de socorrer. Estas respondem por crime menos grave.

Sujeito passivo: qualquer pessoa. Elemento objetivo do tipo: deixar de prestar socorro sem

risco pessoal ou deixar de solicitar auxílio à autoridade, quando não socorrer. Trata-se de crime omissivo próprio.

Elemento subjetivo do tipo: o dolo. Consumação: verifica-se no momento da omissão. Tentativa: inadmissível. Crime unissubsistente: ou socorre

ou não socorre. Confronto: Se o condutor que omitiu socorro tiver agido com

culpa, responderá ou por homicídio culposo ou por lesão corporal culposa, com a causa de aumento de pena do inciso II, do parágrafo único, do artigo 302 (ou 303), do CTB. Neste caso, absorve-se o crime descrito no artigo 304, do CTB.

Hipóteses em que a lei diz que a omissão de socorro também resta caracterizada: a. Socorro de terceiro: 1ª figura do parágrafo único do artigo 304. Somente de

aperfeiçoa se o condutor tiver deixado de socorrer em decorrência de fuga do local. Quando terceiro se adianta e socorre a vítima, logo após o acidente, não configura o crime.

b. Morte instantânea: 2ª figura do parágrafo único do artigo 304. Trata-se de crime impossível por impropriedade absoluta do objeto.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL – PROFº ADRIANO RICARDO CLARO

c. Vítima com lesões leves: 3ª figura do parágrafo único do artigo 304. Configura o delito apenas no caso de a vítima precisar de efetivo socorro, ainda que as lesões sejam leves.

Agravamento da pena pelo resultado: o resultado morte ou lesões corporais de natureza grave como causa de aumento de pena, previsto no parágrafo único do artigo 135, do Código Penal, aqui não tem aplicação.

Ação penal: pública incondicionada. Juizado Especial Criminal: Trata-se de infração penal de

menor potencial ofensivo. Aplica-se a Lei 9.099/95. Prisão em flagrante: é admissível, pois o artigo 301, do CTB

refere-se à omissão de socorro pelo condutor em “casos de acidentes de trânsito de que resulte vítima”. Neste caso, não é possível a simples elaboração do termo circunstanciado (artigo 301, do CTB), sendo necessária a instauração de inquérito policial.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL – PROFº ADRIANO RICARDO CLARO

QUESTÕES

1. No lesão corporal culposa do CTB, cabe a suspensão do processo do art. 89 da Lei n. 8.099/95? Por quê?

2. Qual a objetividade jurídica do crime de LCC do CTB? 3. Quem é o sujeito ativo do crime de LCC do CTB? 4. Qual é o elemento objetivo do tipo penal de LCC do CTB? 5. Qual é o elemento subjetivo do tipo de LCC do CTB? 6. Se o sujeito ativo estiver empurrando o veículo em via pública e por culpa

vier a causar lesões corporais na a vítima pratica o crime de LCC do CTB?

7. E se deixar mal “brecado” o veículo e este vier a deslizar causando ferimentos numa pessoa?

8. Como se analisa a questão do concurso de crimes quando houver LCC e outros crimes do CTB?

9. E se houver lesão corporal com embriaguez, abuso de velocidade ou racha

10. É possível a prisão em flagrante ao condutor autor de LCC do CTB? Em que casos?

11. Aplica-se o juizado especial criminal? Em que hipóteses? 12. Como se procede a ação penal nesse crime? 13. Qual a objetividade jurídica do crime do art. 304 do CTB? 14. Quem é são) o(s) sujeito(s) ativos desse crime? 15. É um crime culposo ou doloso? Explique. 16. Esse tipo penal admite a tentativa? Por quê? 17. E se o condutor que omitiu o socorro tiver agido com culpa, qual o crime

que pratica? 18. Em que situações se aplica a 1ª figura do parágrafo único do art. 304 do

CTB?19. Se a vítima tiver morte instantânea (2ª figura do parágrafo único) há

crime? Explique. 20. E se a vítima sofrer lesões leves (3ª figura) há crime? 21. Como se procede a ação penal nesse crime? 22. Cabe prisão em flagrante?

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DIREITO PENAL PARTE GERAL

TOMO I

CURSO A DISTÂNCIA MÓDULO XII

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DIREITO PENAL GERAL I – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

TEORIA DA TIPICIDADE

INTRODUÇÃO

Os tipos legais de crime estão descritos na Parte Especial do Código Penal e na legislação penal extravagante.

Tipo legal é a descrição abstrata do crime feita pelo legislador. No homicídio, o tipo legal está redigido assim: “Matar alguém: Pena — reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos”.

Tipicidade é a mera adequação entre a conduta da vida real e o tipo legal. Há, por exemplo, tipicidade se “A” mata “B”, pois a conduta de “matar alguém” subsume-se no tipo legal previsto no art. 121 do CP.

EVOLUÇÃO DOUTRINÁRIA

O conceito moderno de tipicidade é fruto das idéias de Beling, que, em 1906, desenvolveu a sua famosa teoria dogmático-jurídica. Antes disso, conferia-se à tipicidade uma amplitude exagerada. Tipicidade compreendia: a materialidade do fato delituoso (corpus delicti), a ilicitude, a culpabilidade e o conjunto de pressupostos da punibilidade. Na prática, transferia-se a análise da tipicidade para o campo processual, condicionando a sua existência à prolação de uma sentença condenatória.

Beling, porém, restringiu o vocábulo Tatbestand aos elementos descritivos do crime. Encarou a tipicidade como mero juízo de subsunção do fato concreto ao tipo legal. Desse modo, a existência da tipicidade passou a depender apenas da correspondência entre o fato da vida real e o tipo legal. Com isso a materialidade, a antijuridicidade, a culpabilidade e a punibilidade foram expurgadas do juízo da tipicidade.

Os ensinamentos de Beling possibilitaram a separação de três juízos distintos: o da tipicidade, o da antijuridicidade e o da culpabilidade.

No juízo da tipicidade verifica-se apenas a adequação do fato concreto ao tipo legal. No juízo da antijuridicidade verifica-se se o fato típico encontra-se acobertado por alguma excludente da ilicitude. E no juízo da culpabilidade analisa-se se o autor do fato típico e ilícito merece a aplicação da pena.

O mérito de Beling, de separar a tipicidade da antijuridicidade, acabou, por ironia, enfraquecendo a sua doutrina, diante da absoluta falta de liame que passou a existir entre a tipicidade e a antijuridicidade.

Não se pode, porém, negar que se deve a Beling a autonomia do conceito de tipo e de tipicidade, desvinculando-a da idéia de corpus delicti para colocá-la entre os elementos do fato punível.

Max Ernst Mayer, retomando os estudos de Beling, aprimorou a teoria da tipicidade, conferindo-lhe a função de indício da

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DIREITO PENAL GERAL I – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

antijuridicidade. Desde então, todo fato típico, até prova em contrário, presume-se antijurídico. Essa concepção aproximou a tipicidade da antijuridicidade, sanando o vício inicial da doutrina de Beling, que posteriormente também veio a anuir às idéias de Mayer. Aludida doutrina é conhecida como teoria da tipicidade indiciária ou teoria Beling-Mayer.

A introdução dos elementos normativos do tipo foi outro avanço proporcionado por Mayer, que mais uma vez contrariou as idéias de Beling, já que este expurgava da tipicidade qualquer elemento atinente à ilicitude ou culpabilidade, alojando em seu interior apenas os elementos puramente descritivos do crime. Esse exagero da doutrina de Beling, de excluir da tipicidade tudo o que não for pura descrição, foi severamente criticado por Mayer.

A evolução do conceito de tipicidade não se encerrou com a doutrina de Mayer, porque com a teoria finalista a tipicidade ganhou mais dois elementos, quais sejam, o dolo e a culpa.

Convém ainda registrar a chamada teoria da tipicidade conglobante. De acordo com essa corrente, a tipicidade não se esgota na tipi-cidade legal, sendo ainda complementada pela antinormatividade. A tipicidade legal seria a mera adequação do fato concreto ao tipo legal, ao passo que a antinormatividade se traduziria na proibição da conduta pelo restante das normas do ordenamento jurídico. As normas jurídicas, explica Raul Eugenio Zaffaroni, árduo defensor dessas idéias, não vivem isoladas, mas num entrelaçamento em que umas limitam as outras, e não podem ignorar-se mutuamente. Se a conduta aparentemente proibida pela norma penal é admitida por outra norma, que a ordena ou a fomenta, isto é, incentiva sua realização, não haverá tipicidade penal. Assim, o oficial de justiça que cumpre o mandado de penhora não viola a norma do art. 155, do CP (“não furtarás”), porque uma outra norma ordena que ele assim proceda. Igualmente, o médico que realiza a cirurgia no paciente com o consentimento deste não viola a norma do art. 129 do CP, visto que cirurgias com finalidades terapêuticas são incentivadas pelo ordenamento jurídico. De acordo com os princípios que regem a tipicidade conglobante, após a verificação da adequação do fato concreto ao tipo legal, urge ainda, para que a tipicidade penal se complete, que o fato não tenha sido ordenado ou incentivado por outras normas do ordenamento jurídico. Assim, de acordo com essa concepção, o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular do direito funcionam como causas de exclusão da tipicidade, pois o direito ordena e fomenta, respectivamente, a sua realização. Já a legítima defesa e o estado de necessidade excluem a antijuridicidade, porque o direito apenas permite, mas não fomenta e muito menos ordena a sua realização. Não concordamos, porém, com a teoria da tipicidade conglobante. Com efeito, não vislumbramos razão plausível para se excluir a tipicidade das condutas amparadas pelo exercício regular do direito e pelo estrito cumprimento do dever legal e mantê-las no estado de necessidade e na legítima defesa, tendo

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DIREITO PENAL GERAL I – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

em vista que todas essas condutas encontram-se amparadas pelo ordenamento jurídico. Não aceitamos a distinção entre tipicidade legal e tipicidade penal. A nosso ver, tipicidade é a mera adequação do fato concreto ao tipo legal. Indagações acerca da obrigatoriedade, fomentação ou permissão da conduta típica por outras normas do ordenamento jurídico pertencem ao terreno da antijuridicidade. A teoria da tipicidade conglobante apregoa idéias similares à teoria dos elementos negativos do tipo, merecendo as mesmas críticas formuladas logo abaixo.

Outra concepção que merece registro é a denominada teoria dos elementos negativos do tipo, segundo a qual as causas de justificação funcionam como elementos negativos do tipo legal. De acordo com essa doutrina, a tipicidade é a ratio essendi (razão de ser) da antijuridicidade. Reconhecida a tipicidade, resultará também reconhecida a antijuridicidade. Excluída a tipicidade, resultará também excluída a antijuridicidade. É como se o tipo legal de homicídio expressasse os seguintes dizeres: “Matar alguém, salvo em legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular do direito”. Essa doutrina, que é sustentada por Hellmuth von Weber, procura fundir os conceitos de tipo e ilicitude, representando parcial retrocesso ao período pré-Beling, não oferecendo nenhuma vantagem à sistematização do conceito de crime.

A nosso ver, a concepção ideal para a tipicidade decorre da conjugação da teoria da tipicidade indiciária, desenvolvida por Beling e Mayer, mesclada com as idéias finalistas. Assim, a tipicidade é o juízo de subsunção do fato concreto aos elementos normativos, objetivos e subjetivos do tipo legal. Ausente um desses elementos, exclui-se a tipicidade. Esta também é excluída na hipótese de ausência de dolo ou culpa, porque o dolo e a culpa também são elementos do tipo legal. O inconveniente da teoria de Beling-Mayer, de analisar o dolo e a culpa na culpabilidade, portanto, fora da tipicidade, é retificado pela teoria finalista, que antecipa a análise desses dois elementos, inserindo-os no tipo legal. Ousamos também tecer outra crítica à teoria de Beling-Mayer, quando considera a tipicidade indício da antijuridicidade, sem ressalvar as excludentes do exercício regular do direito e do estrito cumprimento do dever legal. A nosso ver, a tipicidade funciona como indício da antijuridicidade apenas na legítima defesa e no estado de necessidade. Nesse aspecto, aproximamo-nos da teoria da tipicidade conglobante, mas dela divergimos, porque, para nós, o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular do direito são causas de exclusão da antijuridicidade, e não da tipicidade. Todavia, em relação a essas duas excludentes, a tipicidade não deve funcionar como indício da antijuridicidade, porque é o próprio direito que ordena ou fomenta a realização da conduta, sendo incoerente a presunção da ilicitude. No plano prático, a adoção dessa teoria, que podemos denominar tipicidade indiciária temperada, implica a instauração de inquérito policial, a despeito da inequívoca demonstração da legítima defesa e do estado de necessidade, porque a tipicidade, nesses dois

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DIREITO PENAL GERAL I – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

casos, funciona como indício da antijuridicidade, de modo que a prova contrária deve ser devidamente colhida, a fim de se afastar essa presunção. Em contrapartida, o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular do direito, desde que evidenciados de antemão, obstam a instauração do inquérito policial, porque, nessas duas hipóteses, a tipicidade deixa de ser indício da antijuridicidade.

TIPICIDADE E ANTIJURIDICIDADE

Vimos que com a tipicidade presume-se a antijuridicidade. Trata-se de presunção relativa, juris tantum, que é eliminada pela presença de alguma excludente da ilicitude (p. ex.: legítima defesa, estado de necessidade etc.). Se “A” mata “B” em legítima defesa, o fato reveste-se de tipicidade, porquanto subsume-se no tipo legal do art. 121 do CP, todavia, não há antijuridicidade em face da justificativa prevista no art. 25 do mesmo Código.

Desse modo, pode haver tipicidade sem antijuridicidade; basta a presença de alguma justificativa do art. 23 do CP. Pode também haver antijuridicidade extrapenal sem tipicidade, como, por exemplo, furto de uso ou dano culposo. Inadmissível, porém, a antijuridicidade penal desvestida de tipicidade.

AUSÊNCIA DE TIPICIDADE

Há exclusão da tipicidade quando a conduta da vida não se encontra descrita em nenhum tipo legal. A ausência de tipicidade conduz à exclusão do crime. Não há crime sem tipicidade. Vejamos alguns exemplos de falta de tipicidade: crime impossível, prostituição, suicídio, furto de uso, autolesão, dano culposo etc.

ADEQUAÇÃO TÍPICA

Vimos que a tipicidade é mero juízo de subsunção entre a conduta da vida real e o tipo legal. A tipicidade depende da existência da adequação típica, que é justamente o enquadramento do fato concreto em um tipo legal. A inadequação típica provoca a atipicidade do fato.

Podemos dizer que haverá tipicidade quando houver adequação típica.

O problema da adequação típica, porém, nem sempre é resolvido por uma simples operação mecânica de enquadrar o fato concreto no tipo legal. Dificuldades surgem porque o tipo legal não se confunde com o fato concreto; aquele aloja em seu interior apenas a síntese da conduta criminosa, não abarcando as múltiplas variedades presentes em cada fato concreto. Alguns fatos concretos subsumem-se em mais de um tipo legal, surgindo, então, o denominado conflito aparente de normas, cuja solução requer ampla cognição dos princípios que disciplinam esse fenômeno jurídico.

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Muitas vezes também o tipo legal se compõe não só de elementos meramente descritivos, alojando em seu texto elementos normativos, que demandam indagações de ordem cultural e jurídica, além de elementos subjetivos, atinentes ao estado anímico do agente. Assim, um ferimento doloso, consoante o animus do agente, pode ser enquadrado como tentativa de homicídio ou lesão corporal. Podemos ainda lembrar as dificuldades apresentadas no enquadramento típico da tentativa. Nem sempre é simples a distinção entre atos preparatórios e executórios. O enquadramento típico dos crimes omissivos impróprios, dos crimes de forma livre e do partícipe também tende a tornar-se complexo.

A importância da adequação típica transcende os limites do direito penal, projetando seus efeitos no campo do direito processual penal, pois é a partir de um fato típico que se fundamenta a instauração do inquérito policial. A ação penal, consubstanciada na denúncia ou queixa, deve também conter a “exposição do fato criminoso”, consoante determina o art. 41 do CPP, justamente para permitir ao juiz a análise da existência ou não de adequação típica, rejeitando a denúncia ou queixa na hipótese de inadequação típica (art. 42, I, do CPP).

Sob duas formas apresenta-se a adequação típica: a. adequação típica de subordinação imediata; b. adequação típica de subordinação mediata ou ampliada.

Na adequação típica de subordinação imediata, a conduta da vida real se amolda diretamente em um tipo legal, sem que haja necessidade do auxílio de qualquer outra norma jurídica. Exemplo: “A” subtrai bens de “B”. O fato se enquadra diretamente na figura típica do furto (CP, art. 155).

Na adequação típica de subordinação mediata (ampliada ou por extensão), a conduta da vida real não se enquadra de imediato no tipo legal, sendo necessário, para complementar a tipicidade, a interposição de outra norma penal. A conjugação dessas duas normas integraliza o tipo legal, conferindo-lhe a amplitude suficiente para abarcar a conduta da vida real. É o que ocorre com a tentativa, a participação e os crimes omissivos impróprios.

Na tentativa, há uma ampliação temporal do tipo legal, que, por força da norma do art. 14, II, do CP, compreende em seu texto o período anterior à consumação, no qual o agente realiza os atos executórios do crime. Nota-se, por exemplo, que o art. 121 do CP não descreve a conduta de “tentar matar”, que só é incorporada ao texto legal graças à norma prevista no art. 14, II, do mesmo estatuto. Por isso a denúncia do Ministério Público deve enquadrar o fato no art. 121 c/c o art. 14, II, ambos do CP.

Na participação há uma ampliação espacial e pessoal do tipo legal, que, por força da norma do art. 29 do CP, aumenta o seu texto para compreender as condutas das pessoas que, de qualquer modo, concorrem para a realização do crime. Note-se, por exemplo, que o tipo legal não descreve a conduta de “mandar matar”, que só é incorporada ao seu texto legal graças à norma prevista no art. 29. Por isso que a denúncia do Ministério Público deve enquadrar o fato no art. 121 c/c o art. 29, ambos do Código Penal.

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DIREITO PENAL GERAL I – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

No tocante à co-autoria, nem sempre se invoca o art. 29 do CP. Se ambos os co-autores realizam diretamente todos os elementos do crime, o enquadramento típico é de subordinação imediata. Tome-se o seguinte exemplo: “A” e “B” esfaqueiam a vítima provocando sua morte. Esse fato se enquadra diretamente na norma do art. 121 do CP, sem necessidade de se invocar o art. 29, pois ambos realizaram o verbo “matar”, tornando-se desnecessária a invocação do art. 29 do Código. Se, no entanto, cada co-autor executa diretamente apenas uma parcela dos elementos do tipo, o enquadramento típico passa a ser de subordinação mediata. Por exemplo: “A” aponta a arma para a vítima, enquanto isso “B” subtrai os seus bens. Ambos são co-autores, pois realizaram diretamente os elementos do crime de roubo. “A” concretizou o verbo “constranger”, contido implicitamente no art. 157 do CP, e “B” o verbo “subtrair”. Nesse caso, urge invocar o art. 29 do CP, pois a conduta de cada um, isoladamente, não se amolda na redação do art. 157 do mesmo Código. Apenas o somatório das duas condutas provoca a coincidência entre o fato concreto e o tipo legal.

Por outro lado, nos crimes omissivos impróprios (comissivos por omissão), há uma ampliação da conduta descrita na figura típica, que, por força do art. 13, § 2º, do CP, passa a compreender em seu texto a omissão, isto é, o descumprimento indevido do dever de agir. Assim, por exemplo, a conduta da mãe que dolosamente deixa de alimentar o próprio filho, que morre de inanição, enquadra-se nos arts. 121 c/c o art. 13, § 2º, a, ambos do Código Penal.

Essas normas previstas nos arts. 13, § 2º, 14, II, e 29 do CP são denominadas integrativas ou de extensão, ou complementares de tipicidade.

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7CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO PENAL GERAL I – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

QUESTÕES

1. O que é tipo legal? 2. O que é tipicidade? 3. Como se chegou ao conceito moderno de tipicidade? 4. Por que se afirma que com esse conceito baseado nos ensinamentos de

Beling se possibilitou a separação dos juízos de tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade?

5. O que se verifica especificamente no juízo de tipicidade? 6. O que se analisa no juízo de antijuridicidade? 7. Em que consiste o juízo de culpabilidade? 8. O que se entende por tipicidade legal? 9. O que é tipicidade conglobante? 10. Dentro dessa teoria (tipicidade conglobante), como ficariam o estrito

cumprimento do dever legal e o exercício regular do direito? 11. E a legítima defesa e o estado de necessidade? 12. Qual a crítica que se faz à teoria da tipicidade conglobante? 13. Em que consiste a teoria dos elementos negativos do tipo? 14. Qual a crítica que se faz a essa teoria? 15. O que é tipicidade indiciária temperada? 16. Pode haver tipicidade sem antijuridicidade? Explique. 17. Em que hipóteses haverá ausência de tipicidade? 18. O que é adequação típica? 19. O que é adequação típica de subordinação imediata? 20. O que é adequação típica de subordinação mediata (ampliada ou por

extensão)? Cite exemplos. 21. Que tipo de adequação típica encontramos no mandante do homicídio?

Por quê? 22. Nesse caso como deve proceder o Ministério Público na descrição e

enquadramento do fato na denúncia? 23. O que são normas integrativas ou de extensão ou complementares de

tipicidade? Dê exemplos.

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DIREITO PENAL PARTE GERAL

TOMO II

CURSO A DISTÂNCIA MÓDULO XII

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1CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO PENAL PARTE GERAL II – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA

INTRODUÇÃO

A falência do sistema penitenciário, que, além do alto custo ao Estado, ainda constitui verdadeiro laboratório de fabricação de delinqüentes, tem transformado o sursis num dos engenhos mais altos da moderna evolução ética, política e científica da justiça penal.

O sursis evita o cumprimento de penas de curta duração, alforriando os pequenos delinqüentes da promiscuidade existente nos presídios. Ainda permite uma melhor ressocialização, pois mantém o condenado em seu meio familiar e social.

Originário da França (1884) e adotado inicialmente na Bélgica (1888), o sursis, que suspende a execução da pena, foi introduzido no Brasil pelo Decreto n. 16.588, de setembro de 1924, no governo do Presidente da República Arthur da Silva Bernardes. De lá para cá tem sofrido algumas modificações.

SISTEMAS

No estudo do sursis, três sistemas merecem destaque: a. Sistema anglo-americano (probation system): o juiz reconhece a

culpabilidade do acusado, mas deixa de fixar-lhe a pena, submetendo-o a um período de prova durante o qual, tendo assegurada a sua liberdade, assume o compromisso de bem conduzir-se na vida social. Vindo a apresentar má conduta no transcorrer do período de prova experimental, reinicia-se o julgamento, com a prolação da sentença penal condenatória. Nesse sistema, que vigorou na Inglaterra entre 1847 e 1908, suspende-se a ação penal após o réu ter sido declarado culpado, prolatando-se a sentença apenas na hipótese de ele apresentar má conduta social.

b. Sistema do probation of first offenders act: o juiz suspende a ação penal e permite a liberdade do réu sem declará-lo culpado. O acusado, durante o período de prova, deve revelar boa conduta, caso contrário, reinicia-se a ação penal. Esse sistema substituiu o probation system, entrando em vigor, na Inglaterra, em 1º de janeiro de 1908.

c. Sistema franco-belga ou europeu-continental: o acusado é processado e devidamente julgado, aplicando-se-lhe a pena correspondente ao delito. E, uma vez condenado, o juiz suspende a execução da pena, submetendo-o a um período de prova durante o qual deve apresentar bom comportamento, sob pena de revogação do benefício.

O Código Penal adotou o sistema franco-belga, pois o sursis, previsto nos arts. 77 a 82, suspende a execução da pena.

Entretanto, o art. 89 da Lei n. 9.099/95 adotou o sistema do probation of first offenders act, já que no aludido sursis o juiz suspende a ação penal sem reconhecer a culpabilidade do acusado.

Por ora, limitar-nos-emos à análise do sursis do Código Penal.

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2CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO PENAL PARTE GERAL II – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

No Código Penal, sursis é a suspensão condicional da execução da pena privativa de liberdade, ficando o condenado, durante o período da suspensão, sujeito a observação e ao cumprimento das condições legais e judiciais.

Ocorrendo a revogação do sursis, o réu deverá cumprir integralmente a pena que estava suspensa. Se, porém, expira-se o prazo do período de prova, sem que haja revogação, considerar-se-á extinta a pena privativa de liberdade (CP, art. 82).

No estudo do sursis, diverge a doutrina a respeito de sua natureza jurídica.

Nègre, Gary e Ugo Conti, noticia Ugo Auler, afirmam que se trata de um sub-rogado penal, atribuindo-lhe o caráter de “pena moral”, representada pela admoestação implícita na sentença que lhe dá aplicação.

De outro lado, acha-se a concepção que vislumbra no sursisuma condição resolutória do direito de punir do Estado (Henri Locard, Soler, Whitaker e Magalhães Noronha). Essa concepção não pode ser acolhida porque, com a prolação da sentença condenatória, que inflige ao acusado a respectiva pena, o Estado exerce o seu direito de punir, permanecendo em suspenso apenas a execução da pretensão punitiva.

A essas duas correntes podemos acrescentar uma terceira, proposta por Nélson Hungria, no sentido de que o sursis é uma causa condicionada de extinção da punibilidade.

Tomando partido nesse debate, entendemos que o sursissimples, previsto no § 1º do art. 78 do CP, tem natureza eclética: é pena e ao mesmo tempo causa sub conditione de extinção da punibilidade. Efetivamente, nesse sursis, no primeiro ano do período de prova, o condenado deverá prestar serviços à comunidade ou submeter-se à limitação de fim de semana. É, pois, inegável o seu caráter de pena (verdadeira, e não moral), sobretudo durante esse primeiro ano, quando ocorre a mera substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos. Mas, ao mesmo tempo, o sursis simples assume o perfil de causa sub conditione de extinção da punibilidade, incidente sobre a pena de prisão, visto que esta é extinta após o término do período de prova sem revogação. Trata-se de causa extintiva da punibilidade não catalogada no art. 107 do CP, cujo rol é exemplificativo.

Por outro lado, no sursis especial o condenado não presta serviços à comunidade nem submete-se à limitação de fim de semana. Portanto, o instituto em análise não apresenta caráter de pena, e, sim, de causa sub conditione de extinção da punibilidade. Poder-se-ia objetar que o condenado é submetido a condições que, de certa maneira, afetam a sua liberdade, conferindo ao instituto o caráter de pena. Ledo engano, pois essas condições não estão catalogadas como pena.

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3CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO PENAL PARTE GERAL II – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

Esse breve comentário, feito na 1ª edição deste livro, sobre a natureza jurídica do sursis especial era válido até o advento da Lei n. 9.714/98, que incluiu entre as penas restritivas de direitos a proibição de freqüentar determinados lugares (art. 47, IV, do CP), alterando a natureza jurídica do sursis especial, que, desde então, passou a ter também natureza eclética, à medida que a proibição de freqüentar determinados lugares insere-se entre as condições obrigatórias desse sursis.

Finalmente, tratando-se de causa sub conditione de extinção da punibilidade, notadamente da pretensão executória, ingressa no rol dos chamados direitos públicos subjetivos de liberdade do réu. Não se cuida de simples faculdade, mas de dever atribuído ao juiz, que é obrigado a conceder o benefício ao acusado que preenche os requisitos legais.

ESPÉCIES

O nosso Código prevê duas espécies de sursis: o simples e o especial.

No sursis simples, o condenado, no primeiro ano do período de prova, presta serviços à comunidade ou submete-se à limitação de fim de semana (§ 1º do art. 78). A escolha por uma outra medida cabe ao juiz. Aplica-se esse sursis quando o réu deixa, sem motivo, de reparar o dano ou quando as circunstâncias do art. 59 lhe forem desfavoráveis.

No sursis especial, o réu não presta serviços à comunidade nem se submete a limitação de fim de semana. Em contrapartida, sujeita-se às condições do § 2º do art. 78. Ingressa nesse sursis o réu que houver reparado o dano, salvo impossibilidade de fazê-lo, desde ainda que as circunstâncias do art. 59 lhe sejam inteiramente favoráveis.

A OPÇÃO DO MAGISTRADO PELO SURSIS SIMPLES É PREJUDICIAL AO RÉU, E, POR ISSO, É DE RIGOR A SUA FUNDAMENTAÇÃO, SOB PENA DE NULIDADE

MOMENTO DA CONCESSÃO DO “SURSIS”

A sentença ou acórdão que aplica pena privativa de liberdade igual ou inferior a dois anos deve pronunciar-se, motivadamente, sobre a suspensão condicional, quer a conceda, quer a denegue (art. 157 da LEP). Portanto, o sursis é analisado na sentença ou acórdão. Trata-se de matéria a ser decidida no processo de conhecimento. Se a pena aplicada é igual ou inferior a dois anos, a sentença deve pronunciar-se sobre o sursis,independentemente de pedido das partes, ainda que para negá-lo. A omissão deve ser suprida por embargos declaratórios. E se a parte perder o prazo dos embargos, resta-lhe ainda a apelação, sendo que, nesse caso, por economia processual, os tribunais, em vez de anular a sentença, têm-se pronunciado sobre o sursis. Entendemos, porém, que se deva anular a sentença, devolvendo os autos para o juiz sentenciar novamente o feito, evitando, com

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4CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO PENAL PARTE GERAL II – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

isso, a supressão de um grau de jurisdição. Por outro lado, se o processo transitar em julgado sem a apreciação do sursis, é cabível habeas corpus para anular a sentença. Note-se, contudo, que o habeas corpus não é meio hábil para se obter a concessão do sursis.

O juízo da execução, em regra, não pode conceder sursis.Trata-se de matéria a ser decidida no processo de conhecimento. Todavia, nada obsta que o juiz ou tribunal delegue à fase executória a apreciação do benefício (arts. 66, III, d, e 156 da LEP). Tal é possível quando o processo não contém elementos suficientes para se apurar se o réu preenche ou não os requisitos necessários à concessão do benefício, notadamente em relação à questão da reincidência em crime doloso. Ainda com base no art. 66, III, d,da LEP, o juízo da execução poderá concedê-lo quando, em razão de algum fato superveniente à sentença, cessar o motivo que impedia a sua concessão. Suponha-se que o réu, por revisão criminal, venha a ser absolvido da condenação anterior que o tornava reincidente em crime doloso. Nesse caso, diante da cessação do motivo inibidor do sursis, o próprio juízo da execução poderá concedê-lo. Outra hipótese de sursis pelo juiz da execução verifica-se com a superveniência de lei mais benéfica, admitindo esse benefício a casos até então não abrangidos. De fato, aplicação da novatio legis in mellius é atribuição do juiz da execução, conforme art. 66, I, da LEP.

Cumpre ainda rematar que a sentença concessiva do sursisdeve fixar o regime de pena, consoante ordem estabelecida nos diversos incisos do art. 59 do Código.

REQUISITOS

Para obter o sursis, o acusado deve atender a certos requisitos de ordem objetiva e subjetiva.

Os requisitos objetivos, isto é, os pertinentes à qualidade da pena, são os seguintes: a. A pena deve ser privativa de liberdade (reclusão, detenção e prisão

simples). Vê-se assim que o sursis não se estende às penas restritivas de direitos nem à multa (art. 80). Também não existe sursis para as medidas de segurança; aliás, seria mesmo desnecessário, porque o tratamento ambulatorial na prática atinge a mesma finalidade do sursis. Anote-se ainda que a pena de reclusão, desde o advento da Lei n. 6.416/77, também admite o sursis. O STJ, acertadamente, já decidiu pela concessão de sursis em crimes hediondos, porquanto o beneficio não é vedado pela Lei 8.072/90.

b. A pena concreta, isto é, fixada na sentença, deve ser igual ou inferior a dois anos. Todavia, tratando-se de condenado maior de setenta anos de idade, ou com problemas de saúde, a pena pode ser igual ou inferior a quatro anos (§ 2º do art. 77, com nova redação dada pela Lei n. 9.714, de

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5CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO PENAL PARTE GERAL II – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

25-11-1998). Tal idade é apurada ao tempo da sentença ou acórdão, por analogia com os arts. 65, I, e 115 do CP. Quanto ao novo sursishumanitário previsto para o condenado em que as razões de saúde justifiquem a sua concessão, o legislador não exige que a doença seja contagiosa. Basta, portanto, que se trate de uma doença grave, cuja cura seja incompatível com a permanência do condenado no presídio. Nos crimes de imprensa e contra o meio ambiente, o sursis pode ser concedido às condenações de até três anos (art. 72 da Lei n. 5.250/67 e art. 16 da Lei n. 9.605/98).

a. Que não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 do CP (art. 77, III). Percebe-se que o juiz deve analisar a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, concedendo o sursis somente na hipótese de não ser indicada ou cabível a substituição. Na prática, porém, o sursis especial mostra-se mais vantajoso que a pena restritiva de direitos.

Por outro lado, os requisitos subjetivos são os que dizem respeito aos antecedentes e às qualidades pessoais do acusado. São os seguintes:a. O réu não pode ser reincidente em crime doloso. Verifica-se tal

reincidência quando, após o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória por crime doloso, o réu vem a cometer outro crime doloso. Se o crime anterior é doloso e o posterior culposo, ou vice-versa, ou, então, quando os dois delitos são culposos, admite-se, em princípio, a concessão do sursis. Já o reincidente em crime preterdoloso não pode obter o sursis, pela razão simples de que no crime preterdoloso a conduta inicial é dolosa. Na verdade, ele é reincidente em crime doloso. O § 1º do art. 77 prevê que a condenação anterior a pena de multa não impede a concessão do benefício. Trata-se de exceção à regra de que o reincidente em crime doloso não pode obter o sursis. Aliás, o dispositivo em apreço, introduzido na reforma penal de 1984, apenas repetiu os dizeres da Súmula 499 do STF.

b. Que a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias do crime, autorizem a concessão do benefício (art. 77, II). Há um eufemismo nesse requisito, que, na verdade, quis aludir à ausência de periculosidade. Todavia, os maus antecedentes, por si sós, não inviabilizam o sursis. Aliás, como vimos, até o réu reincidente, desde que não o seja em crime doloso ou preterdoloso, pode obter o sursis. Curial, para a concessão do benefício, que o juiz examine o senso de disciplina e responsabilidade do criminoso, notadamente a sua periculosidade. Anote-se que a revelia do réu não figuar entre os fatores impeditivos do sursis.

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6CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO PENAL PARTE GERAL II – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

CONDIÇÕES

No sursis simples, a condição legal, isto é, obrigatória, é a prestação de serviços à comunidade ou limitação de fim de semana, durante o primeiro ano do período de suspensão (§ 1º do art. 78 do CP).

No sursis especial, as condições legais, a serem cumpridas cumulativamente, no primeiro ano do período de prova, são as seguintes: a) proibição de freqüentar determinados lugares; b) proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz; c) comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades. Essas três condições, que antes podiam ser alternativas, com o advento da Lei n. 9.268/96, passaram a ser cumulativas.

Além das condições legais, o juiz, a seu critério, pode fixar as chamadas condições judiciais, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do condenado (art. 79).

Anote-se, ainda, que as condições legais têm duração limitada ao primeiro ano do prazo (§§ 1º e 2º do art. 78). Se, portanto, o juiz não fixar as condições judiciais decorrido o primeiro ano, o sursis ficará sem condições, porque as condições legais têm duração limitada ao primeiro ano do período de prova.

As condições, como já dito, sejam legais, sejam judiciais, devem ser adequadas ao fato e à situação pessoal do condenado. Não podem ser ociosas, vexatórias, nem afrontar direitos constitucionais.

Ociosa é a condição inútil, pela simples razão de que a sua obrigatoriedade já é imposta por outras leis. Exemplos: não dirigir embriagado ou não andar armado. Também é ociosa a condição de efetuar o pagamento das custas do processo, pois a própria lei impõe essa obrigação ao condenado. O não-pagamento das custas não pode dar causa à revogação do sursis, já que o direito prevê os mecanismos próprios de cobrança. Observe-se, porém, que, no Estado de São Paulo, o assunto não se reveste de interesse prático, pois há isenção de custas processuais.

Vexatória é a condição humilhante. Por exemplo: fazer reda-ção sobre os perigos de dirigir embriagado. É claro que o caráter humilhante deve ser analisado à luz do caso concreto, atentando-se, principalmente, à situação pessoal do condenado. Sem dúvida, é humilhante obrigar um médico a realizar serviços de faxina, ao passo que, para um trabalhador braçal, essa mesma condição não se apresenta vexatória.

A condição também não pode infringir os direitos individuais do condenado, que a Magna Carta assegura em termos peremptórios. Com efeito, já se decidiu, acertadamente, pela inconstitucionalidade das seguintes condições: não dirigir veículos; não freqüentar ou freqüentar cultos religiosos; doar sangue; contribuir para instituição de caridade. De fato, à exceção das condições previstas no § 1º do art. 78, as demais não podem ter caráter de pena.

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7CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO PENAL PARTE GERAL II – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

A fixação das condições é tarefa do juiz sentenciante, salvo quando o sursis é concedido pelo tribunal. Este pode delegar ao juízo da execução a incumbência de estabelecer as condições do benefício e a de realizar a audiência admonitória (§ 2º do art. 159 da LEP).

PERÍODO DE PROVA

Período de prova é o lapso de tempo fixado na sentença concessiva do sursis, dentro do qual o condenado deverá revelar bom comportamento e cumprir as condições que lhe foram impostas.

Esse período tem quantidade fixa. No caso de crime, a pena é suspensa, por dois a quatro anos (art. 77 do CP); no caso de contravenção, por um a três anos (art. 11 da LCP). Tratando-se, porém, de sursis etário, o período de prova é de quatro a seis anos. Note-se que se o réu for maior de 70 anos, mas a condenação for igual ou inferior a dois anos, o período de prova é o comum, isto é, de dois a quatro anos, para crime, e de um a três anos, para contravenção. O longo período, quatro a seis anos, só se justifica quando o acusado maior de 70 anos for condenado a pena que seja superior a dois e não exceda a quatro anos de prisão. A mesma explicação é válida para o sursis concedido ao condenado que apresenta problemas de saúde.

Deve ser fundamentada a decisão que fixa o período de prova acima do mínimo. Inicia-se o período de prova com a audiência admonitória ou de advertência, realizada pelo juiz, após o trânsito em julgado da sentença condenatória. A audiência é feita pessoalmente pelo juiz, e não por serventuários da justiça. O acusado é advertido das conseqüências de nova infração penal e do descumprimento das condições impostas (art. 160 da LEP). Como se vê, nessa audiência o juiz realiza função administrativa, e não propriamente jurisdicional.

FISCALIZAÇÃO DO “SURSIS”

A fiscalização do cumprimento das condições estabelecidas pelo juiz será atribuída ao Serviço Social Penitenciário, Patronato, Conselho da Comunidade ou instituição beneficiada com a prestação de serviços (§ 3ºdo art. 158 da LEP). A supervisão da fiscalização é acometida ao Conselho Penitenciário ou ao Ministério Público, ou a ambos.

Na falta de legislação, o juiz da execução providenciará a regulamentação necessária à fiscalização e inspeção.

O beneficiário deve comparecer periodicamente à entidade fiscalizadora para comprovar a observância das condições a que está sujeito, justificando ainda a sua ocupação (§ 4º do art. 158 da LEP). O não-cumprimento dessa obrigação, porém, a menos quando fixada como condição judicial, não é causa de revogação do sursis.

A entidade fiscalizadora deverá comunicar imediatamente ao órgão da inspeção qualquer fato capaz de provocar a revogação do benefício, a prorrogação do prazo ou a modificação das condições (§ 5º do art. 158 da LEP).

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8CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO PENAL PARTE GERAL II – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

QUESTÕES

1. Por que se afirma que o sursis é “um dos engenhos mais altos da moderna evolução ética, política e científica da justiça penal” ?

2. Quais os sistemas que merecem destaque ao estudarmos o sursis?3. Quais as características do sistema anglo-americano conhecido como

probation system?4. Qual a diferença desse sistema com o do “probation of first offenders act”

que o sucedeu? 5. Em que consiste o sistema franco-belga ou europeu continental? 6. Qual sistema adotou o nosso Código Penal? 7. Há alguma exceção no sistema penal brasileiro? Qual? 8. Qual a natureza jurídica do sursis, suspensão condicional da execução

da pena privativa de liberdade? 9. Desde essa perspectiva (da natureza jurídica) há diferença entre o sursis

do art. 78, § 1º do CP e o sursis especial do § 2º? Explique. 10. Quais as diferenças mais marcantes entre o sursis simples e o especial? 11. Qual o momento da concessão do sursis?12. Pode o juízo de execução conceder o sursis?13. Quais os requisitos objetivos para a concessão do sursis?14. Quais são os requisitos subjetivos? 15. O que é sursis etário? 16. Qual é a condição obrigatória no sursis simples?17. O que são condições judiciais? 18. Qual o princípio que deve reger a aplicação das condições tanto legais

quanto judiciais? 19. O que é condição vexatória? 20. O que é período de prova no sursis?21. O que é audiência admonitória? 22. A quem compete a fiscalização do cumprimento do?

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DIREITO PENAL ESPECIAL

I

CURSO A DISTÂNCIA MÓDULO XII

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1CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO PENAL PARTE ESPECIAL I – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

CRIMES CONTRA A HONRA

CONCEITO

Honra, segundo definição de Euclides Custódio Silveira, “é o conjunto de dotes morais, intelectuais, físicos, e todas as demais qualidades determinantes do apreço que cada cidadão desfruta no meio social em que vive”.

A doutrina costuma distinguir entre honra subjetiva e honra objetiva.

Honra subjetiva é o sentimento de dignidade ou decoro que cada pessoa possui a respeito de si própria. A estima própria, revelada pelo senso de dignidade e decoro, traduz a exata noção de honra subjetiva. Dignidade é o atributo moral, ao passo que decoro compreende os dotes intelectuais e físicos. Assim, haverá ofensa à dignidade quando se atribuir a alguém as qualidades de desonesto, desleal, velhaco etc. O decoro será violado quando se imputar as qualidades de ignorante, coxo, louco, etc.

Honra objetiva é a reputação, a boa fama que cada pessoa desfruta no meio social em que vive. É ultrajada quando se imputar a alguém a prática de um fato determinado.

A ofensa à honra subjetiva constitui delito de injúria, ao passo que a violação da honra objetiva caracteriza crime de calúnia ou difamação.

Na injúria, o agente atribui à vítima uma qualidade negativa (por exemplo, ladrão). Não lhe imputa fato determinado.

Na calúnia e na difamação, o agente atribui à vítima um fato determinado. É calúnia, por exemplo, dizer falsamente que fulano furtou o veículo de beltrano. É difamação dizer que uma certa mulher mantém caso amoroso com outra.

DISPONIBILIDADE DO BEM JURÍDICO TUTELADO

O bem jurídico honra é disponível. Exclui-se o crime se a vítima anuir à ofensa. Não há delito, por exemplo, na hipótese de o noivo que, desejando livrar-se da noiva, autoriza um amigo a injuriá-lo, difamá-lo ou caluniá-lo na frente dela e da família.

Anote-se que o representante legal do menor ou do incapaz não pode por ele consentir.

O caráter disponível do bem jurídico levou o Código Penal a estabelecer, como regra, a ação penal privada para os crimes contra a honra, permitindo-se, assim, a extinção da punibilidade pela renúncia ao direito de queixa e pelo perdão ao ofensor, nos termos do art. 107, V, do Código.

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2CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO PENAL PARTE ESPECIAL I – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

CALÚNIA

CONCEITO

Dispõe o art.138 do Código Penal : “Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido

como crime: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e

multa“.O § 1º acrescenta que: “Nas mesmas penas incorre quem ,

sabendo falsa a imputação, apropala ou divulga “. Como se vê, calúnia é a falsa atribuição a alguém de fato

definido como crime.

SUJEITO ATIVO

Trata-se de crime comum, pois pode ser praticado por qualquer pessoa.

SUJEITO PASSIVO

Caluniar é imputar a alguém um crime. Magalhães Noronha, adepto da teoria tripartida, entende que

menor de 18 anos e doente mental não praticam crime. Por conseqüência, não podem ser caluniados. Para o ilustre penalista, o fato criminoso a eles atribuído caracteriza delito de difamação.

Filiamo-nos à corrente bipartida. O menor de dezoito anos e o enfermo mental, cometem crime. Este é fato típico e antijurídico. A culpabilidade não é elemento do delito; funciona apenas como pressuposto de aplicação da pena. Aliás, como ensina Soler: “Dizer de um menino de treze anos, que cometeu determinado roubo, com conhecimento da falsidade do fato, é tanto calúnia, como dizê-lo de um maior”.

No tocante à pessoa jurídica, deixando de lado a discussão doutrinária acerca da sua capacidade penal para delinqüir, matéria afeta à Parte Geral, o certo é que, no Brasil, prevalece a teoria da ficção, excluindo-se a responsabilidade penal das pessoas jurídicas. Se não pode cometer crime, a falsa imputação de fato definido como crime não constitui calúnia contra a pessoa jurídica, podendo a imputação configurar calúnia contra os seus dirigentes.

É, porém, admissível a calúnia contra a pessoa jurídica em quatro hipóteses: 1) na lei de imprensa (art. 20 c/c o art. 23, III, da Lei n. 5.250/67); 2) crimes contra a ordem econômica e financeira; 3) crimes contra a economia popular; 4) crimes contra o meio ambiente.

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3CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO PENAL PARTE ESPECIAL I – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

De fato, a Constituição Federal de 1988, nos arts. 225, § 3º,e 173, § 5º, aceitando parcialmente a teoria da realidade ou organicista, conferiu à pessoa jurídica capacidade penal ativa nos crimes contra a ordem econômica e financeira, economia popular e meio ambiente, a serem definidos pela legislação ordinária. Sobrevindo a lei definidora da capacidade penal da pessoa jurídica para cometer estes delitos, a imputação falsa de um desses comportamentos caracterizará calúnia.

No presente momento, porém, o único delito que a pessoa jurídica pode cometer é o ambiental, previsto na lei nº 9.605/98. Quanto aos crimes ambientais, portanto, a pessoa jurídica pode figurar como sujeito passivo do crime de calúnia .

ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO

Os núcleos do tipo são: imputar, propalar e divulgar. Imputar é atribuir a alguém alguma coisa. Na calúnia, o

verbo imputar é reservado ao autor original do fato ofensivo. Se, por exemplo, digo que vi fulano furtando o carro do vizinho, estarei lhe imputando um fato criminoso. Imputar é, pois, atribuir o fato pela primeira vez. Está previsto na cabeça do art. 138 do Código Penal, assim redigido:

“Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena — detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa”.

Os outros dois núcleos do tipo constam do § 1º, que assim dispõe:

“Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga”.

Nos verbos propalar e divulgar o agente repete o que ouviu. Propalar é o relato oral, ao passo que divulgar é o relato

escrito ou por qualquer outro meio que não seja verbal. Urge, ainda, destacar a presença de dois elementos

imprescindíveis à caracterização da calúnia: falsidade da imputação e fato tido como crime.

A falsidade da imputação pode recair sobre o fato ou autoria. Haverá calúnia quando se atribuir a alguém a prática de crime inexistente (falsidade sobre o fato) ou quando atribuir crime existente, porém, cometido por outra pessoa (falsidade sobre a autoria).

Mister a imputação falsa de fato criminoso. A imputação de fato contravencional (por exemplo, dizer que fulano é dono de uma banca de jogo do bicho) não caracteriza calúnia, mas difamação. Com efeito, no delito de denunciação caluniosa, previsto no art.339 do CP, o código admite expressamente a prática de contravenção ( § 2º ), ao passo que no crime de calúnia há uma lacuna, sendo vedada a analogia “ in malam partem “ .

Convém ainda esclarecer que a falsidade sobre circunstâncias do crime não constitui calúnia, pois a lei só incrimina como tal a imputação falsa

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de um crime, e não de mera circunstâncias de um crime. Assim, dizer que o fulano cometeu um furto mediante escalada, quando na verdade ele cometeu um furto simples, não constitui calúnia. Ao revés, dizer que ele cometeu um roubo, quando na verdade foi furto, constitui crime de calúnia, diante da falsa imputação de um crime diverso do efetivamente cometido.

Também não há calúnia na imputação de um fato típico. Exemplo: Dizer falsamente que A matou B em legítima defesa. Esta exclui o crime, inviabilizando a configuração da calúnia.

A imputação falsa de um fato criminoso, mas cuja punibilidade encontra-se extinta, configura calúnia, tendo em vista que a punibilidade não é elemento do crime. Há, por exemplo, calúnia quando se imputa falsamente a alguém um fato criminoso já prescrito. Tratando-se, porém, de extinção da punibilidade em razão de “abolitio criminis” e anistia, não há falar-se em calúnia, porque essas duas causas, catalogadas como extintivas da punibilidade, no art.107, incisos II e III do CP, a rigor, extinguem a tipicidade, fazendo com que o crime desapareça.

Por outro lado, não se pode olvidar que na calúnia o fato imputado, além de falso e criminoso, deve ser determinado.

Mas, no expressivo dizer de Magalhães Noronha, não se deve confundir a determinação do fato com a forma da imputação, que, além de direta, pode ser reflexa ou implícita, como acontece nos exemplos de Hungria, quando se diz que um juiz foi subornado para decidir daquela maneira (há calúnia reflexa contra o vencedor da causa), ou alterando com um exator de rendas, afirma o agente: “Eu nunca andei desfalcando os cofres públicos”.

Entende-se determinado o fato em que se permite a individualização do crime imputado. Não precisa ser pormenorizado, minucioso. Entretanto, os fatos enunciados de modo vago e genérico não constituem calúnia, podendo configurar injúria. Dizer, por exemplo, que fulano é ladrão, caracteriza injúria. Diferentemente, constitui calúnia dizer que fulano se apoderou da herança dos seus irmãos.

ELEMENTO SUBJETIVO

Trata-se de crime doloso. Não se pune a calúnia culposa, que poderá ter repercussão no campo da responsabilidade civil.

Reina controvérsia sobre a exata noção da extensão do dolo nos crimes contra a honra.

De um lado, a força opinativa de Manzini, no sentido de que basta a vontade consciente e livre de imputar o fato ofensivo à honra, não se exigindo a intenção de lesar ou ofender a honra alheia.

De outro lado, a genialidade de Nélson Hungria, exigindo para a caracterização do delito a intenção de lesar ou ofender a honra alheia, ainda que isso não se verifique.

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De fato, não pode haver calúnia sem animus calumniandi.O propósito de ofender é indispensável à caracterização dos

crimes contra a honra. Esse ensinamento é aceito tranqüilamente pela doutrina e jurisprudência.

A expressão ofensiva dita sem intenção de ofender, mas com o propósito de caçoar ou pilheriar, não constitui delito. Por exemplo, dizer que fulano furtou o pijama do presidente da República.

O crime de calúnia, no caput do art. 138 do Código, na modalidade imputação, admite o dolo direto e eventual.

O dolo é direto caracterizando-se quando o agente faz a imputação sabendo de sua falsidade; eventual se, malgrado a dúvida quanto à falsidade, mesmo assim realiza a imputação.

Urge, porém, salientar que nas modalidades propalar e divulgar, a lei exige o dolo direto ao empregar a expressão “sabendo falsa a imputação”; é mister que o agente tenha certeza da falsidade. Se for praticada com dolo eventual, como, por exemplo, na dúvida quanto à falsidade, o agente propala ou divulga o fato caluniador, o crime não se configurará.

CONSUMAÇÃO

Os crimes contra a honra são formais ou de consumação antecipada, não exigindo a efetiva lesão à honra. Basta que a conduta seja manifestada com o propósito ofensivo à honra.

No tocante à calúnia, consuma-se quando a imputação é conhecida por alguém, que não o sujeito passivo.

Imputando o fato diretamente à vítima, sem ser ouvido por uma terceira pessoa, não haverá delito de calúnia, mas sim injúria, tendo em vista o propósito de ofender apenas a honra subjetiva.

Não se pode perder de vista que, no crime de calúnia, o bem jurídico tutelado é a honra objetiva, isto é, a reputação que cada cidadão desfruta na sociedade. Se a calúnia imputada permaneceu apenas entre o agente e a vítima, não caindo no domínio de outras pessoas, descaracteriza-se o delito, que não pode ser punido nem na forma tentada, salvo se a divulgação do fato fazia parte da intenção do agente, só não ocorrendo por circunstâncias alheias à sua vontade, quando então haverá tentativa de calúnia.

TENTATIVA

A figura da tentativa é perfeitamente admissível nos crimes plurissubsistentes.

Os crimes formais e os de mera conduta, a exemplo dos materiais, também admitem a tentativa.

A calúnia é tentada quando a imputação não se torna conhecida de outrem por circunstâncias alheias à vontade do agente. Por

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exemplo, “A “envia a “B” missiva caluniosa contra “C”, mas por uma circunstância qualquer, a carta é extraviada e acaba chegando às mãos do próprio “C”. A calúnia é tentada. Seria consumada se tivesse chegado às mãos de “B”.

No tocante à calúnia por meio de telegrama, torna-se impossível a tentativa pelo conhecimento inevitável do funcionário encarregado de emiti-lo.

CALÚNIA CONTRA OS MORTOS

Dispõe o § 2º do art. 138 que é punível a calúnia contra os mortos.

O sujeito passivo do delito não é o morto, mas os seus parentes. A honra é um direito personalíssimo. Os mortos não têm direito. Não existe honra do morto. A calúnia contra os mortos atinge a honra dos parentes vivos. Quanto ao morto, pode se dizer que a sua memória foi atingida.

A queixa só poderá ser intentada pelo cônjuge, ascendente, descendente ou irmão, nos termos do art. 31 do Código de Processo Penal, aplicável analogicamente à espécie. Não havendo esses parentes, o fato permanecerá impune, pois ninguém mais estará legitimado a propor a ação penal privada.

Estranhamente, o Código Penal não pune a injúria e difamação contra os mortos.

A Lei de Imprensa, acertadamente, pune a calúnia, difamação e injúria contra os mortos (art. 24 da Lei n. 5.250/67).

EXCEÇÃO DA VERDADE

Exceção da verdade é a defesa apresentada pelo acusado para demonstrar a veracidade da imputação, propalação ou divulgação.

A calúnia é, por essência, a imputação falsa de um crime. É natural o interesse social em não deixar impune o autor do crime. Assim, a lei penal admite a exceção da verdade, permitindo que o caluniador demonstre que é verdade o que disse.

A procedência da exceção da verdade exclui o crime de calúnia, gerando, por conseqüência, a absolvição do agente, por ausência de tipicidade do fato, erigindo a antiga vítima à condição de criminosa, devendo o juiz sentenciante, após o trânsito em julgado, remeter as cópias ao Ministério Público para eventual propositura da ação penal.

Em regra, a calúnia admite a exceção da verdade como meio de defesa utilizado para exclusão do crime.

Excepcionalmente, porém, o Código proíbe a prova da verdade, em três hipóteses previstas no § 3º do art. 138. Nessas três

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hipóteses do § 3º do art. 138 do Código Penal, ainda que verdadeira a imputação, o crime de calúnia não será excluído. Nota-se, então, a possibilidade da calúnia incidir sobre o fato verdadeiro nessas três hipóteses em que a lei proíbe a exceção da verdade.

A primeira ocorre quando o fato imputado constituir delito de ação privada e o ofendido não houver sido condenado por sentença transitada em julgado. A vedação da exceptio veritatis é explicada pelo princípio da disponibilidade da ação penal privada, que pode ou não ser ajuizada, consoante a exclusiva vontade do ofendido ou de seu representante legal. Se, por exemplo, uma moça é corrompida sexualmente pelo namorado, para evitar o streptus judicii, amiúde mais danoso que o próprio delito, a lei deixa ao seu alvedrio a propositura da queixa-crime. Se optou pelo silêncio, deixando de propor a ação penal, o fato estará imune a qualquer investigação criminal. Por isso, o agente que imputar o crime de corrupção de menores ao namorado da moça, vindo a ser processado por calúnia, não poderá provar a veracidade da imputação. Se, porém, a ação penal privada pelo delito de corrupção de menores estiver em andamento, estaremos diante de uma questão prejudicial, de modo que o juiz poderá suspender o processo de calúnia e aguardar o desfecho da ação penal que envolve o delito de corrupção de menores, aplicando-se por “analogia in bonam partem” o disposto no art.92 do CPP. Na hipótese de condenação pelo crime de corrupção de menores haverá absolvição quanto ao crime de calúnia .

A segunda hipótese em que não se admite a exceção da verdade é quando a ofensa for irrogada contra o presidente da República, ou chefe de governo estrangeiro. Justifica-se a proibição pela alta relevância política desempenhada pelo presidente da República, que não pode ficar à mercê de qualquer acusação, devendo ter tranqüilidade para desempenhar a contento o seu governo. No tocante ao chefe de governo estrangeiro, expressão que abrange o primeiro-ministro e o presidente, a proibição encontra suas raízes na política de diplomacia que deve reinar nas relações internacionais. O festejado jurista Vicente Greco Filho sustenta que a proibição da exceção da verdade é inconstitucional, por violar o princípio do Estado Democrático do Direito, previsto no art.1º da CF. Data venia, não há falar-se em inconstitucionalidade, porque é a própria Magna Carta que prevê a imunidade do Presidernte da República, que não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções ( § 4º do art. 86 da CF). A exceção da verdade violaria flagrantemente essa norma constitucional. Ademais, a acusação contra o Presidente da República só pode ser admitida após a deliberação de 2/3 da Câmara dos Deputados, conforme reza o art.86 da CF, de modo que a “exceptio veritatis” também implicaria em infringência a esse preceito constitucional.

A terceira hipótese de proibição da demonstratio veri se dá quando o ofendido tiver sido absolvido por sentença transitada em julgado do

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fato criminoso que lhe é imputado. O escopo da vedação é o respeito à coisa julgada. Realmente, se a Justiça já o declarou inocente, ainda que por insuficiência de provas, não tem sentido a reabertura das investigações, mesmo porque o art. 621 do Código de Processo Penal proíbe a revisão criminal pro societate. Assim, se A foi absolvido do crime de furto, por sentença já transitada em julgado, vindo a ser ofendido por esse fato, poderá processar o caluniador, proibindo a lei que este ingresse com a exceptioveritatis. Na hipótese de existência de decisão judicial declarando extinta a punibilidade, cremos que deva ser admitida a exceção da verdade. Com efeito, o § 3º, inciso III, do art.138 do CP veda a exceção da verdade quando o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível. A decisão que extingue a punibilidade não tem natureza absolutória, mas meramente declaratória. A ampliação da proibição consagraria a “analogia in malam partem “.

EXCEÇÃO DE NOTORIEDADE

Não há confundir exceção da verdade com exceção da notoriedade do fato.

A exceção de notoriedade, consistente na prova de que o fato anda na boca de toda gente, sendo conhecido por todos, não descaracteriza o delito, desde que o agente atue com dolo direto (certeza de falsidade) ou eventual (dúvida quanto à falsidade de imputação). Se, porém, a notoriedade do fato conduziu o agente a agir de boa-fé quanto à falsidade da imputação, na qual acreditava sinceramente ser verdadeira, descaracteriza-seo delito, em face do erro de tipo. Por outro lado, nas modalidades propalar e divulgar, caso a notoriedade do fato provoque a dúvida no espírito do agente, excluir-se-á o delito, uma vez que essas figuras típicas são incompatíveis com o dolo eventual.

CALÚNIA E DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA

Os delitos de calúnia e denunciação caluniosa têm um ponto em comum, qual seja, a falsa imputação de um fato criminoso. Todavia, distinguem-se nitidamente.

Com efeito, o crime de denunciação caluniosa, que também é denominado de calúnia qualificada, previsto no art.339 do CP, é a imputação falsa de um crime ou contravenção mais a efetiva instauração de investigação policial, de processo judicial, de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém. A calúnia, ao revés, é a mera imputação falsa a alguém de um fato criminoso, sem que, no entanto, seja instaurada investigação policial ou administrativa ou inquérito civil ou processo judicial ou ação civil de improbidade administrativa. Anote-se que a denunciação caluniosa abrange a imputação de crime ou contravenção, ao passo que a calúnia restringe-se a crime.

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Outras diferenças ainda podem ser apontadas. Na calúnia, em regra, a ação penal é privada. Na denunciação caluniosa, a ação penal é pública incondicionada. A calúnia do verbo imputar admite o dolo direto e o dolo eventual. A denunciação caluniosa admite tão somente o dolo direito, qual seja, a certeza da falsidade da imputação.

Distinção mais sutil é a que diz respeito à calúnia e tentativa de denunciação caluniosa, tendo em vista que em ambas não há a efetiva instauração do inquérito policial ou do processo judicial ou administrativo nem de inquérito civil ou ação civil por improbidade administrativa. Tudo depende do dolo do agente. Se a sua intenção era provocar a instauração de um desses procedimentos, haverá tentativa de denunciação caluniosa. Se não tinha essa intenção, responderá apenas por calúnia.

Por outro lado, não haverá denunciação caluniosa na hipótese de o agente lançar a calúnia, acreditando sinceramente que nenhum procedimento criminal será instaurado. Em tal situação, ainda que se instaure o inquérito policial, não haverá denunciação caluniosa, mas apenas o crime de calúnia. Com efeito, o delito de denunciação caluniosa exige uma duplicidade de dolo, a saber: a) dolo direto em relação à falsidade da imputação; b) dolo direto ou eventual em relação à instauração do procedimento. Na hipótese acima, ocorreu o dolo direto em relação à falsidade da imputação, mas a instauração do procedimento não foi dolosa, e sim culposa. A lei não incrimina a denunciação caluniosa culposa.

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DIREITO PENAL PARTE ESPECIAL I – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

QUESTÕES

1. Qual o conceito de honra? 2. Há distinção entre honra subjetiva e objetiva? 3. O que se entende por decoro? 4. O que é reputação? 5. Quando é que a honra objetiva é ultrajada? 6. Que crime pratica quem ofende a honra subjetiva? 7. Se ao gente chamar a vítima de “ladrão” que tipo de crime comete? 8. E se o agente afirmar falsamente que beltrano furtou o veículo de

cicrano que tipo de crime pratica? 9. Como opera a disponibilidade do bem jurídico tutelado nos crimes contra

a honra? Explique. 10. Como se concretizou essa disponibilidade no CP no que tange à ação

penal?11. O crime de calúnia quanto ao sujeito, é crime próprio ou comum? Por

quê?12. Como se resolve a questão do sujeito passivo no crime de injúria se for

menor de 18 anos? 13. E se for doente mental? 14. A pessoa jurídica pode ser sujeito passivo do crime de calúnia? 15. Há exceções? Quais? 16. Quais são os núcleos do tipo penal de calúnia? 17. Qual a diferença entre propalar e divulgar? 18. Além dos núcleos, quais os outros dois elementos imprescindíveis para

tipificar o delito de calúnia? 19. Como devem ser analisadas as circunstâncias do crime no que diz

respeito ao elemento falsidade? 20. E se o fato criminoso já tiver extinta a punibilidade, como fica a

imputação?21. O que se entende por fato determinado para efeitos de caracterização do

crime de calúnia? 22. Qual é o tipo de dolo no crime de calúnia? 23. E na modalidade de divulgar e propalar? 24. Quando se consuma o crime de calúnia? Cabe tentativa? 25. Quem é o sujeito passivo na calúnia prevista no § 2º do art. 138? 26. Qual a distinção fundamental entre os delitos de calúnia e denunciação

caluniosa previsto no art. 339 do Código Penal?

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DIREITO PENAL ESPECIAL

II

CURSO A DISTÂNCIA MÓDULO XII

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1CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO PENAL PARTE ESPECIAL II – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

ATO OBSCENO

CONCEITO

Dispõe o art. 233 do CP: “Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.”

OBJETIVIDADE JURÍDICA

O bem jurídico tutelado é a moral pública sexual.

SUJEITO ATIVO

Trata-se de crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa.

SUJEITO PASSIVO

O sujeito passivo é a coletividade e as pessoas que visualizaram o ato obsceno. Haverá crime único quando o ato obsceno é praticado na presença de inúmeras pessoas.

ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO

O núcleo do tipo é o verbo praticar, que significa realizar o ato. Por ato obsceno entende-se todo aquele ofensivo ao pudor do homem médio. Não precisa ter caráter sexual, mas deve estar relacionado aos órgãos sexuais. Exemplos: micção em lugar público, exibição de órgãos genitais, nudez etc. Não caracteriza o delito a exibição de revistas pornográficas ou a pronúncia de palavras libidinosas, porque a lei fala em ato libidinoso, excluindo outras manifestações. O delito só se caracteriza quando praticado num dos seguintes lugares: a. lugar público: é o acessível a todas as pessoas, de modo permanente e

absoluto. Exemplos: praças, ruas, praias etc.; b. lugar aberto ao público: é o acessível a qualquer pessoa, mediante

condições. Exemplos: cinema, teatro, tribunais etc. c. lugar exposto ao público: é o recinto privado, quando eventualmente existe

aí público, por exemplo, a casa particular onde se realiza leilão (Magalhães Noronha), abrangendo, outrossim, o recinto privado, cujo interior possa ser visualizado por inúmeras pessoas, como o quarto de um apartamento com

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DIREITO PENAL PARTE ESPECIAL II – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

a janela voltada para a via pública ou o quintal de uma residência. Até o interior de um automóvel pode ser considerado lugar exposto ao público, desde que possa ser presenciado por terceiros. Saliente-se, contudo, que o interior de um apartamento, apto a ser visualizado apenas por pessoas determinadas, como os moradores vizinhos, não caracteriza lugar exposto ao público, excluindo-se o delito, pois, por público, entende-se um número indeterminado de pessoas.

O delito só se caracteriza se o lugar, além de público, aberto ao público ou exposto ao público, for passível de visibilidade por ocasião da prática do ato, ainda que não haja a presença de pessoas, estas podem estar ausentes, mas é essencial para a tipificação do fato a possibilidade do ato ter sido presenciado por pessoas. Se a possibilidade de ver o ato for nula, como, por exemplo, pela escuridão completa e total, não se configura o crime, como bem observa Magalhães Noronha. Assim, não há falar-se em crime quando o ato obsceno é praticado em teatro que esteja fechado e deserto.

ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO

É o dolo, consistente na vontade de praticar o ato obsceno, consciente da publicidade do lugar. Não se exige a intenção de ofender o pudor público. O delito não é punido na forma culposa. O estado de necessidade exclui o crime, como no exemplo do seqüestrado, que é abandonado nu pelos seqüestradores, tomando o rumo de uma via pública em busca de socorro.

CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

O delito se consuma com a prática do ato obsceno, ainda que não seja visualizado por nenhuma pessoa. Trata-se de crime de perigo presumido. Quanto à tentativa, a doutrina dominante não admite, pois se trata de crime de perigo presumido. Todavia, o tema não é pacífico, sendo admitida por diversos penalistas, quando, por exemplo, o agente, segundos antes, é impedido de praticar o ato por circunstâncias alheias à sua vontade. Saliente-se que o estupro praticado em lugar público, caracteriza o concurso entre os delitos de estupro e atentado violento ao pudor.

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3CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO PENAL PARTE ESPECIAL II – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

QUESTÕES

1. Qual é o bem jurídico tutelado no ato obsceno? 2. O que é ato obsceno? 3. Quais os lugares que podem ser praticados o ato obsceno? 4. O que é lugar público? 5. O que é lugar aberto ao público? 6. O que é lugar exposto ao público? 7. Andar nu em apartamento caracteriza o crime de ato obsceno? 8. Se no lugar da prática do ato obsceno não havia ninguém, o delito se

caracteriza? 9. Quando se consuma o crime de ato obsceno? 10. Admite-se a tentativa do crime de ato obsceno?

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DIREITOPROCESSUAL

PENAL I

CURSO A DISTÂNCIA MÓDULO XII

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1CURSO À DISTÂNCIA – MÓDULO XII DIREITO PROCESSUAL PENAL I - PROFª. ROSANE CIMA CAMPIOTTO

COMPETÊNCIA

Competência, segundo a definição de Liebman, “é a quantidade de jurisdição cujo exercício é atribuído por lei a cada órgão ou grupo de órgãos”. Portanto, competência é a medida e o limite da jurisdição, ou seja, é a delimitação do poder jurisdicional. A Constituição Federal e a leis estabelecem a competência dos juízes e dos Tribunais, que se distribuem pelo território nacional, permitindo-lhes exercer suas atribuições jurisdicionais. O artigo 69, do Código de Processo Penal, inaugurando o tema “competência” estabeleceu que “Determinará a competência jurisdicional: I – o lugar da infração; II – o domicílio ou residência do réu; III – a natureza da infração; IV – a distribuição; V – a conexão ou continência; VI – a prevenção e VII – a prerrogativa de função”.

Analisando referido artigo, a doutrina afirma que as hipóteses contidas nos incisos I e II se referem à competência territorial, denominada competência “ratione loci”. Já, o inciso III, se refere à competência em razão da natureza do crime, chamada competência “rationemateriae”. Por fim, o inciso VII, se refere à competência por prerrogativa de função, estabelecida em função da pessoa, conhecida como competência “ratione personae”. No tocante ao inciso V, qual seja, a conexão e a continência, entende-se que não são, propriamente, critérios para fixação da competência, mas sim regras que ensejam a modificação da competência, atraindo para a competência de um juízo, crime que seria originariamente julgado por outro. A distribuição e a prevenção, por seu turno, previstas, respectivamente, nos incisos IV e VI, do citado artigo 69, não são consideradas critérios para fixação da competência, mas tão somente regras que auxiliam na determinação do juízo competente.

COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA NATUREZA DA INFRAÇÃO (RATIONE MATERIAE):

É a competência que leva em conta a natureza do crime praticado. Exemplo de competência “ratione materiae” verifica-se em relação aos crimes dolosos contra a vida, os quais, por força do artigo 5º, inciso XXXVIII, da Constituição Federal, são julgados pelo Júri popular. Em matéria penal, a Justiça brasileira pode ser dividida da seguinte forma: a) Justiça Especial, que se subdivide em Eleitoral e Militar, sendo que esta última pode ser Federal ou Estadual; e b) Justiça Comum, ou Ordinária, que se subdivide em Federal e Estadual.

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2CURSO À DISTÂNCIA – MÓDULO XII DIREITO PROCESSUAL PENAL I - PROFª. ROSANE CIMA CAMPIOTTO

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ELEITORAL

A justiça eleitoral tem competência para julgar os crimes eleitorais e também os crimes comuns, conexos aos crimes eleitorais. Todavia, tratando-se de conexão entre um crime doloso contra a vida e um crime eleitoral, prevalece na doutrina o entendimento de que deve haver a cisão dos processos, a fim de que o Tribunal do Júri julgue o crime doloso contra a vida, cabendo à justiça eleitoral o julgamento do crime eleitoral. Crimes eleitorais são aqueles previstos no Código Eleitoral (Lei 4737/65) e nas leis eleitorais esparsas (como, por exemplo, a Lei 9504/97 – que estabelece normas para eleições).

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR FEDERAL

A justiça militar federal se encontra dividida em 12 regiões. A 1ª instância da justiça militar federal é integrada por Auditorias ou Conselhos de Justiça Militar (que são órgãos colegiados compostos por um juiz togado e por juizes leigos, que são oficiais militares), e, na 2ª instância é integrada pelo Superior Tribunal Militar - STM. A competência da justiça militar federal está estabelecida no artigo 124, da Constituição Federal, segundo o qual: “Compete processar e julgar os crimes militares definidor em lei”. Crime militar definido em lei é aquele previsto no Código Penal Militar (Decreto-lei n.º 1001/69). Verifica-se, desta forma, que o legislador constituinte utilizou apenas o critério objetivo, exigindo tão somente que se trate de crime militar, bastando, assim, que esteja previsto no Código Penal Militar para ser da competência da justiça militar federal. Portanto, o crime militar pode ter sido praticado tanto por integrantes das Forças Armadas, quanto por civis, desde que cometam crime contra a instituição militar federal.

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL:

Encontra-se estabelecida no artigo 125 §§ 3º, 4º e 5º, da Constituição Federal. Os parágrafos 3º e 4º foram objeto de alteração através da Emenda Constitucional n.º 45/2004, sendo que o parágrafo 5º foi acrescido pela referida Emenda. Dispõe o artigo 125, § 3º, da Constituição Federal que: “LeiEstadual poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça, a Justiça Militar Estadual, constituída, em primeiro grau, pelos juízes de direito e pelos Conselhos de Justiça e, em segundo grau, pelo próprio Tribunal, ou por Tribunal de Justiça Militar em que o efetivo militar seja superior a vinte mil integrantes”.

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3CURSO À DISTÂNCIA – MÓDULO XII DIREITO PROCESSUAL PENAL I - PROFª. ROSANE CIMA CAMPIOTTO

Portanto, não existe justiça militar em todos Estados da Federação, já que a sua existência depende de Lei Estadual. Na 1ª instância, a justiça militar estadual é integrada por Conselhos de Justiça (que são órgãos colegiados compostos por um juiz togado e por juízes leigos, que são oficiais militares) e também por Juízes de Direito. Já, a 2ª instância é integrada pelo Tribunal de Justiça Militar (nos Estados em que o efetivo militar é superior a 20.000 integrantes), ou pelo Tribunal de Justiça (nos Estados em que o efetivo militar é inferior aquele limite). A competência da justiça militar estadual está prevista no artigo 125, § 4º, da Constituição Federal, que dispõe que “Compete à Justiça Militar Estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil,cabendo ao Tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças”. Observa-se, assim, que o legislador utilizou não apenas o critério objetivo (que seja crime militar), mas também o critério subjetivo (é necessário que o crime tenha sido praticado por militar). Antes da Emenda Constitucional n.º 45/04, cabia à justiça militar estadual apenas “processar e julgar e bombeiros militares, nos crimes militares definidos em lei” . Portanto, a Emenda, além de ampliar a competência da justiça militar estadual para o julgamento de ações de natureza civil, também excluiu, expressamente, da competência da justiça militar o julgamento do crime doloso contra a vida de civil, o qual será sempre de competência do Tribunal do Júri. Na verdade, tal regra já existia, por força da Lei n.º 9299/96, que acrescentou o parágrafo único ao artigo 9º do Código Penal Militar, e que determinava que, no caso de crime doloso contra a vida cometido contra civil, a competência seria do Tribunal do Júri, ainda que cometido em serviço. Do exposto, resulta que, para que haja a competência da justiça militar estadual é imprescindível que: 1. o fato esteja tipificado no Código Penal Militar (pois se não estiver previsto no Decreto-lei 1001/69, será crime comum, julgado pela justiça comum, como ocorre, por exemplo, em relação ao crime de abuso de autoridade, que está previsto na Lei 4898/65. Nesse sentido é a Súmula n.º 172 do Superior Tribunal de Justiça: “compete à justiça comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço”);2. tenha sido praticado por militar do Estado. Por esse motivo, o Guarda Civil Metropolitano (GCM) não pode ser julgado perante a justiça militar estadual. Também o civil, ainda que pratique crime contra a instituição militar estadual, jamais será julgado pela justiça militar estadual, como deixa claro a Súmula n.º 53, do Superior Tribunal de Justiça: “Compete à justiça comum estadual

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processar e julgar civil acusado da prática de crime contra instituições militares estaduais”.3. o fato tenha sido praticado numa das circunstâncias previstas no artigo 9º, do Código Penal Militar, dentre as quais a mais importante é a seguinte: “praticado em situação de atividade”. Portanto, é necessário que o agente esteja em serviço. Assim, se ele não estiver em serviço (se estiver em folga ou em situação de inatividade), ainda que com arma da corporação, o crime será da competência da justiça comum estadual. Caso haja conexão entre um crime militar e um crime comum, necessariamente, haverá a separação dos processos, conforme estabelece o artigo 79, inciso I, do Código de Processo Penal: “A conexão e a continência importarão unidade de processo e julgamento, salvo: I – no concurso entre a jurisdição comum e a militar”. Assim, a justiça militar julgará o crime de sua competência e a justiça comum, o crime comum. É o que prevê também a Súmula n.º 90, do Superior Tribunal de Justiça: “Compete à Justiça Estadual Militar processar e julgar o policial militar e à Comum pela prática do crime comum simultâneo àquele “. Segundo o § 5, do art. 125, da Constituição Federal: “Compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a presidência de juiz de direito, processar e julgar os demais crimes militares”. Portanto, em resumo, pode-se afirmar que: 1) se for crime doloso contra a vida de civil, praticado por militar, a competência será sempre do Tribunal do Júri; 2) se for crime militar, praticado contra civil (exceto o crime doloso contra a vida) será julgado pela justiça militar estadual, por meio dos juízes de direito; 3) se for crime militar que não tenha como vítima o civil, a competência será da justiça militar estadual, através dos Conselhos de Justiça. OBS: 1. O crime militar pode ser classificado em a) crime militar próprio e b) crime militar impróprio. Crime militar próprio é aquele que está previsto exclusivamente na legislação militar, sem equivalente na legislação comum (exemplos: crime de deserção, insubordinação, abandono de posto, etc.). Já, crime militar impróprio é aquele que possui equivalente na legislação comum, ou seja, está previsto no Código Penal comum e também no Código Penal Militar (exemplos: furto, roubo, estelionato, etc.). A importância dessa distinção resulta no fato de que, caso o réu seja condenado, na justiça militar, por crime militar próprio, não haverá reincidência, conforme estabelece o artigo 64, inciso II, do Código Penal: “para efeito de reincidência: II – não se consideram os crimes militares próprios e políticos”. 2. Outras súmulas aplicáveis à justiça militar:a) Súmula n.º 75 do Superior Tribunal de Justiça: “Compete à justiça comum

estadual processar e julgar o policial militar por crime de promover ou facilitar a fuga de preso de estabelecimento penal”

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b) Súmula n.º 78 do Superior Tribunal de Justiça: “Compete à justiça militar processar e julgar policial de corporação estadual, ainda que o delito tenha sido praticado em outra unidade da federação”.

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM FEDERAL:

Está estabelecida no artigo 109, da Constituição Federal. - 1ª hipótese: artigo 109, inciso IV, primeira parte, da Constituição Federal: “Aos juízes federais compete processar e julgar: IV – os crimes políticos ...” A Constituição Federal não definiu o que é crime político. Tais crimes estão previstos na Lei de Segurança Nacional (Lei n.º 7170/83). Antes da Constituição Federal os crimes políticos crimes eram julgados pela justiça militar. Segundo a doutrina, crimes políticos são aqueles praticados com motivação política ou os que violam as instituições políticas ou o regime democrático. Em caso de condenação, não haverá reincidência, nos termos do artigo 64, inciso II, do Código Penal. Ademais, uma vez proferida sentença pelo juízo federal, o recurso cabível será o recurso ordinário constitucional, no prazo de 5 dias, dirigido ao Supremo Tribunal Federal, conforme dispõe o artigo 102, II, “b”, da Constituição Federal. - 2ª hipótese: artigo 109, inciso IV, segunda parte, da Constituição Federal: “Aos juízes federais compete processar e julgar: IV - (...) as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral”. Assim, compete à justiça federal julgar crimes que atinjam diretamente a União, suas autarquias (tais como o INSS, a OAB, Universidades Federais), e empresas públicas federais (como, por exemplo, a CEF, ECT), inclusive quanto à fé pública de seus documentos. Também os crimes praticados em detrimento da justiça do trabalho são julgados pela justiça federal (como ocorre, por exemplo, nos crimes de falso testemunho, uso de documento falso e falsa perícia). Nesse sentido é a Súmula n.º 165, do Superior Tribunal de Justiça: “Compete à Justiça Federal processar e julgar crime de falso testemunho cometido no processo trabalhista”. Da mesma forma, compete à justiça federal processar e julgar os crimes praticados contra servidores públicos federais, no exercício de suas funções e com estas relacionados (como, por exemplo, a corrupção ativa e o homicídio, sendo este último julgado pelo Tribunal do Júri federal). É o que deixa claro a Súmula n.º 147, do Superior Tribunal de Justiça: “Compete à justiça federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário federal, quando relacionados com o exercício da função”).

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Compete, ainda, à justiça federal processar e julgar os crimes praticados por funcionários públicos federais contra a administração pública, uma vez que lesam os serviços da União, de suas autarquias ou empresas públicas. É o que ocorre, por exemplo, nos delitos de peculato, corrupção passiva, concussão, dentre outros.OBS: 1. A Constituição Federal expressamente excluiu da competência da justiça

federal, as contravenções penais, as quais serão sempre julgadas pela justiça estadual. É o que prevê a Súmula n.º 38, do Superior Tribunal de Justiça: “Compete à justiça comum estadual, na vigência da Constituição de 1988, o processo por contravenção penal, ainda que praticada em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades”.

2. Se o crime for praticado em detrimento de sociedade de economia mista, que tenha parte de seu capital composto por recursos federais (como por exemplo, o Banco do Brasil, a Petrobrás, dentre outros) a competência será da justiça estadual. Nesse sentido é a Súmula n.º 42, do Superior Tribunal de Justiça: “Compete à justiça comum estadual processar e julgar as causas cíveis em que é parte sociedade de economia mista e os crimes praticados e seu detrimento”.

3. Competência para processo e julgamento do crime contra a fauna: Antes da revogação da Súmula n.º 91, do Superior Tribunal de Justiça, ocorrida em dezembro de 2000, não havia dúvida. Com efeito, dispunha a referida Súmula que: “compete à justiça federal processar e julgar os crimes praticados contra a fauna”. Portanto, a competência para esse tipo de crime era da justiça federal. Todavia, com a revogação da mencionada Súmula, passou a predominar o entendimento de que a competência para o julgamento dos crimes contra a fauna é da justiça estadual.

Entretanto, vários autores e também a jurisprudência têm sustentado que, em algumas situações, subsiste a competência da justiça federal. Assim, se o crime foi praticado em terras pertencentes à União (como por exemplo, a pesca em mar territorial ou em rio federal ou a caça realizada na Floresta Amazônica, Mata Atlântica, Serra do Mar, Zona Costeira, Pantanal Matogrossense – que são considerados patrimônio Nacional, conforme artigo 225, § 4º da Constituição Federal) – a competência é da justiça federal. O mesmo ocorre se o crime foi cometido contra animal da fauna silvestre brasileira (que tem “habitat” no Brasil), pois o artigo 1º da Lei 5197/67 (que ainda está em vigor em relação a alguns artigos, já que não foi revogada expressamente) estabelece que os animais que constituem a fauna silvestre pertencem ao Estado brasileiro, portanto à União. - 3ª hipótese: artigo 109, inciso V: “Aos juízes federais compete processar e julgar: V - Os crimes previstos em Tratado ou Convenção Internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente”.

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Este inciso se refere aos chamados “crimes à distância” (também chamado de “crime de espaço máximo”), que são aqueles em que o iter criminis ocorre em mais de um país. Uma das hipóteses mais comuns de crime à distância é o crime de tráfico de drogas internacional. Neste caso, prevê o artigo 70 da Lei 11.343/2006 que a competência para o processo e julgamento é da justiça federal. Desta forma, diferentemente da antiga Lei de Tóxicos (Lei n.º 6.368/76), a Lei 11.343/2006 não mais previu a delegação de competência da justiça federal para a estadual, nas hipóteses em que o local do crime não é sede de vara federal. Também o tráfico internacional de pessoas, previsto no artigo 231, do Código Penal e o crime de envio de criança ou adolescente para o exterior, com inobservância de formalidades legais ou com o fito de obter lucro (artigo 239 da Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e Adolescente). Da mesma forma, conforme tem entendido a jurisprudência dominante dos Tribunais Regionais Federais, compete à justiça federal julgar o crime previsto no artigo 241 da Lei 8.069/90, praticado por meio da rede mundial de computadores, tendo em vista a possibilidade do crime produzir efeitos além do território nacional. - 4ª hipótese: artigo 5º, inciso V-A (acrescentado pela Emenda Constitucional n.º 45/04): “Aos juízes federais compete processar e julgar: V-A - as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo”.

Por seu turno, o § 5º, do art. 109 prevê que: “Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal”.

Portanto, a competência da justiça federal para julgamento das causas relativas a direitos humanos somente é possível quando houver grave violação a esses direitos, dependendo do julgamento, pelo Superior Tribunal de Justiça, de incidente de deslocamento de competência, suscitado pelo Procurador-Geral da República. Tal incidente pode ser instaurado em qualquer fase do inquérito ou do processo, sendo que a sua finalidade é assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos, de que o Brasil é parte. - 5ª hipótese: artigo 109, inciso VI, 1ª parte: “Aos juízes federais compete processar e julgar: VI - crimes contra a organização do trabalho (...)” Os crimes contra a organização do trabalho estão previstos no Código Penal, entre os artigos 197 a 207. Nem sempre ensejam a competência da justiça federal. É necessário verificar se a conduta do agente violou direitos coletivos dos trabalhadores. Somente se tiver ocorrido lesão à organização geral do trabalho, onde são atacados os direitos dos trabalhadores considerados como

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um todo, é que a competência será da justiça federal. A mera lesão a direitos individuais, de natureza patrimonial, enseja a competência da justiça comum estadual. Nesse sentido é a Súmula 115, do extinto Tribunal Federal de Recursos: “Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes contra a organização do trabalho, quando tenham por objeto a organização geral do trabalho ou direitos dos trabalhadores considerados coletivamente”. - 6ª hipótese: artigo 109, inciso VI, 2ª parte: “Aos juízes federais compete processar e julgar: VI - (...) nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira”. Os crimes contra o sistema financeiro nacional (chamados de “crime do colarinho branco”) estão previstos na Lei 7492/86, sendo que, por força do artigo 26 da Lei, são julgados pela Justiça Federal. Já os crimes contra a ordem econômica estão previstos na Lei 8176/91. Estes não são, como regra, julgados pela justiça federal, pois a Constituição Federal exige que haja previsão legal para que tais crimes sejam julgados pela justiça federal, e a Lei 8176/91 não previu regra de competência federal.- 7ª hipótese: artigo 109, inciso IX: “Aos juízes federais compete processar e julgar: IX - os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da justiça militar”. No tocante às embarcações, somente quando forem de médio ou grande porte. Já, no caso das aeronaves, o Superior Tribunal de Justiça entende que a competência será da justiça federal, ainda que, no momento do crime, se encontrem em pouso. - 8ª hipótese: artigo 109, inciso X: “Aos juízes federais compete processar e julgar: X - os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a execução de carta rogatória (...).” Na verdade, o Código Penal apenas prevê, em seu artigo 338, o crime de reingresso de estrangeiro expulso, sendo que a conduta de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, embora passível de deportação, não configura ilícito penal. Por outro lado, há o crime de ocultação de estrangeiro irregular, previsto no artigo 125, inciso XII, da Lei 6815/80 - Estatuto do Estrangeiro.

OBS:1. Crime praticado por índio ou contra índio: não obstante a tutela da União

aos índios, compete à justiça comum estadual processar e julgar crimes de homicídio e lesão corporal, ocorridos em área de reserva indígena, ainda que a vítima seja índio. O mesmo ocorre em relação ao crime cometido por índio, mesmo que fora da reserva. É o que prevê o Súmula n.º 140 do Superior Tribunal de Justiça: “Compete à justiça comum estadual processar e julgar crime em que o indígena figure como autor ou vítima”.

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Todavia, é mister ressaltar que, quando o crime atinge os direitos da comunidade indígena, há entendimento doutrinário no sentido de que a competência é da justiça federal, como ocorre, por exemplo, no crime previsto no artigo 58 da Lei 6.001/73 (Estatuto do Índio).

2. Outras Súmulas importantes relativas à competência da justiça federal: a) Súmula n.º 151, do Superior Tribunal de Justiça: “A competência para o

processo e julgamento por crime de contrabando ou descaminho define-se pela prevenção do Juízo Federal do lugar da apreensão dos bens”.

b) Súmula n.º 62, do Superior Tribunal de Justiça: “Compete à Justiça Estadual processar e julgar o crime de falsa anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, atribuído à empresa privada”.

c) Súmula n.º 104, do Superior Tribunal de Justiça: “Compete à justiça comum estadual processar e julgar o crime de falsificação e uso de documento relativo a estabelecimento particular de ensino”.

d) Súmula n.º 73, do Superior Tribunal de Justiça: “A utilização de papel moeda grosseiramente falsificado configura, em tese, o crime de estelionato, da competência da Justiça Estadual”.

e) Súmula n.º 107, do Superior Tribunal de Justiça: ”Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar crime de estelionato praticado mediante falsificação das guias de recolhimento das contribuições previdenciárias, quando não ocorrente lesão à autarquia federal”.

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL:

A justiça comum estadual tem competência residual, ou seja, todos os crimes que não forem de competência das justiças especiais (Eleitoral ou Militar) nem da justiça federal serão julgadas pela justiça estadual.

COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS:

A competência dos juizados especiais criminais está prevista no artigo 98, inciso I, da Constituição Federal, competindo-lhes o julgamento das infrações penais de menor potencial ofensivo. Existe juizado especial criminal tanto na justiça estadual quanto na justiça federal. Atualmente, por força da Lei 10.259/2001, que instituiu o juizado no âmbito da justiça federal, infração de menor potencial ofensivo é aquela que possui pena máxima menor ou igual a 2 (dois) anos.

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QUESTÕES

1. Defina o que é competência. 2. O que se entende por competência “ratione materiae”?3. Como se divide a justiça brasileira em matéria penal? 4. Qual é a competência da justiça eleitoral em matéria penal? E na

hipótese de conexão com crime doloso contra a vida? 5. Qual é a competência da justiça militar federal? Quais os critérios

utilizados pelo legislador constituinte para estabelecer a referida competência? Explique.

6. O civil pode ser responsabilizado criminalmente perante a justiça militar federal? Explique.

7. Qual é a competência da justiça militar estadual? Quais os critérios utilizados pelo legislador constituinte para estabelecer a referida competência? Explique.

8. O civil pode ser responsabilizado criminalmente perante a justiça militar estadual? Explique.

9. Crime doloso contra a vida de civil praticado por militar é julgado pela justiça militar? Explique.

10. A quem compete o julgamento do crime militar, praticado por militar, contra vítima civil? Explique.

11. Quais os requisitos necessários para que determinado crime seja julgado pela justiça militar estadual?

12. Qual é o juízo competente para o julgamento do crime comum conexo ao crime militar? Explique.

13. Distinguir crime militar próprio de crime militar impróprio. Qual a importância prática dessa distinção?

14. A quem compete o julgamento dos crimes políticos? O que é crime político? Onde estão previstos? Explique.

15. Qual é o juízo competente para o julgamento do crime praticado contra servidor público federal, no exercício de suas funções ou com estas relacionado?

16. Qual é o juízo competente para o julgamento do crime praticado por servidor público federal contra a administração pública?

17. Contravenção penal praticada em detrimento de bens, serviços ou interesses de União, suas autarquias ou empresas públicas são julgadas pela Justiça Federal? Explique.

18. A quem cabe o julgamento de crime praticado em detrimento de bens, serviços ou interesses de sociedade de economia mista, que tenha parte de seu capital composto por recursos federais? Explique.

19. Tratando-se de crime contra a fauna, a quem compete o seu julgamento? Explique.

20. A quem compete o julgamento dos crimes previstos em Tratado ou Convenção Internacional, quando, iniciada execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou vice-versa? Explique.

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11CURSO À DISTÂNCIA – MÓDULO XII DIREITO PROCESSUAL PENAL I - PROFª. ROSANE CIMA CAMPIOTTO

21. Tratando-se de crime em que há grave violação de direitos humanos é possível que a competência seja da justiça federal? O que é necessário, neste caso? Explique.

22. A quem compete o julgamento dos crimes contra a organização do trabalho? Explique.

23. A quem compete o julgamento dos crimes contra o sistema financeiro e contra a ordem econômico-financeira? Explique.

24. A quem compete o julgamento do crime cometido a bordo de navios ou aeronaves? Explique.

25. A quem compete o julgamento do crime praticado por índio ou contra índio? Explique.

26. Qual é a competência da justiça comum estadual? Explique. 27. Qual é a competência dos Juizados Especiais Criminais? Explique. 28. Assinale a alternativa incorreta:

a) Compete ao Tribunal do Júri da Justiça Estadual Comum julgar o crime de homicídio doloso cometido por militar contra civil

b) No que tange à competência da Justiça Militar Estadual, o juiz de direito julga singularmente os crimes militares cometidos contra civis e o Conselho de Justiça julga os demais crimes militares

c) Compete à Justiça Federal Comum, após a Constituição Federal de 1988, o processo por contravenção penal, praticada em detrimento de bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades

d) Compete à Justiça Estadual processar e julgar o crime de falsa anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, atribuído à empresa privada.

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DIREITOPROCESSUAL

PENAL II

CURSO A DISTÂNCIA MÓDULO XII

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1CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO PROCESSUAL PENAL – TOMO II – PROFª ROSANE CIMA CAMPIOTTO

PRISÃO TEMPORÁRIA

CONCEITO E PREVISÃO LEGAL

É modalidade de prisão cautelar, de natureza processual, decretada por juiz, durante o inquérito policial, cuja finalidade é possibilitar a investigação de crimes graves. Está prevista na Lei 7.960, de 21 de dezembro de 1989.

PRAZO

A prisão temporária, como o próprio nome diz, tem prazo certo de duração. Conforme dispõe o artigo 2º da Lei 7.960/89, a prisão temporária terá o prazo de 5 (cinco) dias, prorrogáveis por mais 5 (cinco), em caso de extrema e comprovada necessidade. Todavia, em se tratando de crime hediondo ou a este equiparado, o prazo da prisão temporária será de 30 (trinta) dias, prorrogáveis por igual período, em caso de extrema e comprovada necessidade, como deixa claro o artigo 2º, § 3º, da lei de crimes hediondos - Lei 8.072/90. Referidos prazo não devem ser computados no prazo fixado em lei para a conclusão do inquérito policial, em caso de indiciado preso.

FUNDAMENTOS DA PRISÃO TEMPORÁRIA

Segundo o artigo 1º, da Lei 7.960/89, a prisão temporária é cabível: I - quando imprescindível para as investigações do inquérito policial; II – quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade; III – quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos crimes de homicídio doloso, seqüestro ou cárcere privado, roubo, extorsão, extorsão mediante seqüestro, estupro, atentado violento ao pudor, rapto violento, epidemia com resultado de morte, envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte, quadrilha ou bando, genocídio (previsto nos artigos 1º, 2º e 3º, da Lei 2889/56), tráfico de drogas (artigo 12, da Lei 6368, de 21.10.1976) e crimes contra o sistema financeiro. Quanto à utilização de tais fundamentos para a decretação da prisão temporária, existem 4 posições na doutrina: a) a prisão temporária é possível em qualquer das 3 situações previstas em cada um dos incisos do artigo 1º, da Lei 7.960/89 (requisitos alternativos) – posição de Fernando da Costa Tourinho Filho e de Julio Fabbrini Mirabete; b) a prisão temporária somente poderá ser decretada se estiverem presentes, ao mesmo tempo, as 3 situações previstas nos incisos do artigo 1º, da Lei 7.960/89 (requisitos

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2CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO PROCESSUAL PENAL – TOMO II – PROFª ROSANE CIMA CAMPIOTTO

cumulativos) – posição de Antonio Scarance Fernandes; c) somente é possível se o crime for um daqueles previstos no inciso III do artigo 1º, e desde que, junto com tal situação, concorra qualquer das outras duas, previstas nos incisos I e II, do mencionado artigo – posição de Damásio de Jesus e Antonio Magalhães Gomes Filho e d) a prisão temporária é possível em qualquer das situações previstas no artigo 1º, desde que, juntamente com ela, estejam presentes os requisitos que autorizam a custódia preventiva – posição de Vicente Greco Filho.

PROCEDIMENTO DA PRISÃO TEMPORÁRIA

A prisão temporária pode ser decretada em razão de requerimento do Ministério Público ou de representação da autoridade policial, não podendo jamais ser decretada de ofício pelo juiz, sendo que, na hipótese de representação da autoridade policial, o juiz deve, antes de decidir, ouvir o órgão do Ministério Público, conforme dispõe o artigo 2º, § 1º, da Lei 7.960/89. Ao decidir sobre o pedido, o juiz deve apreciar a presença dos fundamentos de fato e de direito, motivando convenientemente a sua decisão. O prazo para que o juiz aprecie o pedido de prisão temporária é de 24 horas, contados do recebimento da representação ou do requerimento, de acordo com o artigo 2º, ª 2º, da Lei 7.960/89. Além disso, visando o cumprimento desse prazo, previu a lei, no seu artigo 5.º, que em todas as Comarcas e Seções Judiciárias deve haver um plantão permanente de 24 horas do Poder Judiciário e do Ministério Público, para apreciação dos pedidos de prisão temporária. Apesar da omissão da lei, entende-se que é possível a reconsideração da decisão que decretou a prisão temporária, quando se verificar que não é mais necessária. Exige a lei, no artigo 2º, § 4º, que o mandado de prisão temporária seja expedido em duas vias, uma das quais será entregue ao preso, quando de sua prisão, servindo como nota de culpa. Tão logo seja efetuada a prisão, deverá o executor advertir o preso do seu direito constitucional de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado, conforme previsto no artigo 2º, § 6º, da Lei 7.960/89. Ao decretar a prisão temporária, o juiz poderá (é faculdade) determinar que o preso lhe seja apresentado, solicitar informações e esclarecimentos da autoridade policial e submetê-lo a exame de corpo de delito. Tais providências podem ser determinadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento do membro do Ministério Público ou do advogado (artigo 2º, § 3º, da Lei 7.960/89).

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3CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO PROCESSUAL PENAL – TOMO II – PROFª ROSANE CIMA CAMPIOTTO

Uma vez decorrido o prazo da prisão temporária, o preso deve ser colocado imediatamente em liberdade, a não ser que tenha sido decretada a sua prisão preventiva, conforme deixa claro o artigo 2º, § 7º da Lei 7.960/89. A demora na liberação do preso enseja responsabilização por crime de abuso de autoridade, previsto no artigo 4º, alínea “e” da Lei 4898/65 (referida alínea foi acrescentada pelo art. 4º, da Lei 7960/89). Por fim, determina a lei, no seu artigo 3º, que o preso temporário permaneça separado dos demais detentos.

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4CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO PROCESSUAL PENAL – TOMO II – PROFª ROSANE CIMA CAMPIOTTO

QUESTÕES

1. O que é prisão temporária? Qual sua base legal? 2. Qual o prazo da prisão temporária? Referido prazo é computado para o

encerramento do inquérito policial? 3. Quais os fundamentos da prisão temporária? Como se posiciona a

doutrina acerca da utilização de tais fundamentos? Explique. 4. Quem pode requerer a decretação da prisão temporária? Pode ser

decretada de ofício pelo juiz? 5. Qual o prazo para que o juiz aprecie o pedido de prisão temporária? 6. A prisão temporária poderá ser decretada:

a. de ofício, pelo Juiz, durante o inquérito policial ou o processo b. de ofício, pelo Juiz, apenas durante o inquérito policial c. em face de representação da autoridade policial ou requerimento do

Ministério Público, em qualquer fase do inquérito ou processo d. em face de representação da autoridade policial ou requerimento do

Ministério Público, apenas durante o inquérito policial

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DIREITOCONSTITUCIONAL

CURSO A DISTÂNCIA MÓDULO XII

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1CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO CONSTITUCIONAL - PROF. CAIO MARCO BERARDO

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL1

Esse tipo de controle é realizado pelos Tribunais de Justiça locais. A Constituição Estadual poderá dispor a respeito do sistema, observando, no entanto, regras dispostas na Constituição Federal.

O objeto de controle se resume nas normas municipais e estaduais que ferem a Constituição Estadual. A regra do artigo 97 da Constituição Federal (reserva de plenário) deve ser respeitada.

No plano estadual pode haver tanto o controle direto quanto o indireto. Alexandre de Moraes observa o caso da norma repetida, referindo-se à lei estadual que colida ao mesmo tempo com as Constituições Estadual e Federal. Discorre o autor com excelência: “quando tramitam simultaneamente duas ações diretas de inconstitucionalidade, uma perante o Tribunal de Justiça local e outra em curso no Supremo Tribunal Federal, contra a mesma lei estadual impugnada em face de princípios constitucionais estaduais que são reprodução de princípios da Constituição Federal, suspende-se o curso da ação direta proposta perante o Tribunal estadual até o julgamento final da ação perante a Suprema Corte”2.

Nesse sentido: “Se a ADI é proposta inicialmente perante o tribunal de

justiça local e a violação suscitada diz respeito a preceitos da Carta da República, de reprodução obrigatória pelos Estados-Membros, deve o Supremo Tribunal Federal, nesta parte, julgar a ação, suspendendo-se a de lá; se além das disposições constitucionais federais há outros fundamentos envolvendo dispositivos da Constituição do Estado, a ação ali em curso deverá ser sobrestada até que esta Corte julgue em definitivo o mérito da controvérsia.3”

Sendo caso de lei municipal que afronte diretamente as Constituições Estadual e Federal, é cabível o controle direto apenas por parte dos Estados. Nessa hipótese, é exercido pelo Tribunal de Justiça local conforme artigo 125, § 2o da Constituição Federal.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu que não é possível o Tribunal de Justiça local controlar a constitucionalidade de leis municipais que afrontem a Constituição Federal. O guardião da Constituição Federal é o Pretório Excelsior. Através de liminar proferida em ADI suspendeu-se a eficácia do artigo 74, inciso XI da Constituição Paulista que atribuía ao Tribunal de Justiça esse tipo de competência.4

No entanto, nesse mesmo contexto, caso se trate de norma

1. A lei 9868/99 prevê a possibilidade do controle de constitucionalidade das leis ou atos normativos distritais em face da lei orgânica do Distrito Federal quando estas leis e atos abarcarem matéria de cunho estadual. No que diz respeito as leis municipais que afrontam a lei orgânica municipal nos vemos diante de um caso de legalidade cujas regras devem constar na lei orgânica de cada Município. 2

. MORAES, Alexandre de - Direito Constitucional. Atlas, 13a edição São Paulo, 2003, p.610. 3

. ADI 2.361-MC, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 11-10-01, DJ de 1º-8-03 4

. ADI 347-0/SP Relator Min. Paulo Brossard – citada por Alexandre de Moraes Direito Constitucional Atlas, 8a edição, 2000 p 583.

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DIREITO CONSTITUCIONAL - PROF. CAIO MARCO BERARDO

repetida, havendo possibilidade de recurso extraordinário, o caso será enviado ao Supremo Tribunal Federal que poderá apreciar a matéria e decidí-la de forma definitiva.

O recurso extraordinário só é cabível caso se trate de norma repetida; nas demais hipóteses a decisão é irrecorrível. Trata-se da questão da norma repetida no caso do controle direito, Assim decidiu o Supremo Tribunal Federal na Reclamação 383-SP 5.

“Reclamação com fundamento na preservação da competência do Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de inconstitucionalidade proposta perante o Tribunal de Justiça na qual impugna Lei Municipal sob a ofensa a dispositivos constitucionais estaduais que reproduzem dispositivos constitucionais federais de observância obrigatória pelos Estados. Eficácia jurídica desses dispositivos constitucionais estaduais. Jurisdições constitucionais dos Estados Membros. Admissão da propositura de ação direta de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça local, com possibilidade de recurso extraordinário se a interpretação da norma constitucional estadual, que reproduz a norma constitucional federal de observância obrigatória pelos Estados, contrariar o sentido e alcance desta. Reclamação conhecida, mas julgada improcedente” (STF, Pleno, relator Min. Moreira Alves 21/05/96)··

Evidentemente que, em se tratando de controle difuso (envolvendo caso concreto), é perfeitamente possível que o caso atinja o Supremo Tribunal Federal por meio de recurso extraordinário. Este, então, proferirá julgamento final ao decidir o mérito.

EFEITOS DA INCONSTITUCIONALIDADE

EFEITOS VINCULANTE E ERGA OMNES

Esses efeitos estão previsto especificamente no § único do artigo 28 da lei 9868/99 “A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal”

Dizer que uma decisão tem efeito erga omnes é afirmar que poderá beneficiar todos aqueles que interessarem pelo resultado alcançado, enquanto isso o efeito vinculante significa que as esferas Federal, Estadual e Municipal do Poder Executivo e do Judiciário, exceto o STF

6, estão obrigadas a seguir o que ficou decidido pela Corte Suprema.

Observe-se que o Legislativo não é atingido pelos efeitos da

5. ARAUJO Luis Alberto e outro, Curso de Direito Constitucional Saraiva 5a edição São Paulo, 2001 p.59. 6. Carlos Veloso ADI 2675/PE

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declaração de inconstitucionalidade. Se assim não fosse, interferir-se-ia de maneira desarmônica na esfera de atuação do Poder Legislativo do Estado, impedindo-o de legislar novamente sobre a matéria, toda vez que esta Corte se manifestasse pela inconstitucionalidade de lei preexistente. Nesse sentido: “A instauração do controle normativo abstrato perante o Supremo Tribunal Federal não impede que o Estado venha a dispor, em novo ato legislativo, sobre a mesma matéria versada nos atos estatais impugnados, especialmente, quando o conteúdo material da nova lei implicar tratamento jurídico diverso daquele resultante das normas questionadas na ação direta de inconstitucionalidade” (Rcl nº 467, rel. Min. Celso de Mello, DJ de 09/12/1994).

O efeito vinculante é gerado pelas decisões definitivas proferidas em ADI, ADC e ADPF e o efeito erga omnes surge em todas as espécies de controle abstrato. Tratando-se de controle difuso, isto é, envolvendo um caso prático o efeito não será para todos (erga omnes) , mas sim somente para as partes envolvidas por isso é denominado “inter partes”.

De se esclarecer que, o STF não sofre os efeitos da vinculação da decisão da inconstitucionalidade ou constitucionalidade declarada, uma vez que é ele mesmo o responsável por decidir sobre o assunto. Caso contrário, seria reconhecer uma autovinculação, o que implicaria em uma estagnação das decisões, que em época posterior, mesmo consideradas ultrapassadas não seriam passíveis de revisão. Aliás, se observarmos bem a própria letra da norma indica que o STF está excluído sofrer os efeitos vinculantes, uma vez que proclama expressamente que tal efeito ocorrerá em relação aos demais órgãos do Judiciário.

O ARTIGO 52 X DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Trata-se de dispositivo similar ao artigo 91, IV da CF de 1934, época em que o Senado não integrava o Poder Legislativo, mas realizava apenas função de coordenação entre poderes.

Refere-se às hipóteses de controle difuso, no caso em que a questão atinge o Supremo Tribunal Federal por via de recurso extraordinário, ocasião em que este se pronunciará definitivamente sobre a constitucionalidade ou não da matéria alegada, respeitando inclusive a regra do artigo 97 da Constituição Federal.

Neste diapasão, nota-se que o artigo 52, X da Constituição Federal afirma ser competência privativa do Senado suspender através de Resolução, no todo ou em parte, a execução de lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho observa a desnecessidade da suspensão quando for o caso de controle direto, uma vez que o efeito da decretação da inconstitucionalidade além de erga omnes é imediato

7.

7. Curso de Direito Constitucional – 27a edição, 2001, p.42.

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Segundo Alexandre de Moraes8, tal suspensão se refere às leis federais, estaduais, distritais e municipais, declaradas definitivamente inconstitucionais perante a Constituição Federal pelo Supremo Tribunal Federal através da via difusa.

Caso se trate de decisão definitiva de inconstitucionalidade de leis municipais ou estaduais perante a Constituição Estadual proferida pelos Tribunais de Justiça dos Estados, Michel Temer defende a idéia de que a suspensão dessas normas se dará por parte da Assembléia Legislativa local.9

No tocante à obrigatoriedade do Senado suspender a lei declarada inconstitucional, Manoel Gonçalves Ferreira Filho entende que este está obrigado, não podendo ter o poder de manter a validade de uma norma que foi declarada inconstitucional pelo órgão máximo do Judiciário. No entanto, o próprio Senado, bem como o Supremo Tribunal Federal entendem que face ao princípio da separação dos poderes, não existe tal obrigatoriedade. Trata-se de discricionariedade política por parte da casa legislativa. Contudo, editada a Resolução, o Senado não a pode revogá-la de ofício. Tal impasse se dá justamente devido ao fato já mencionado de o Senado, originariamente, exercer a função de órgão de coordenação entre os poderes da República.

Michel Temer observa a letra do dispositivo atual e comenta a suspensão, no todo ou em parte, pelo Senado: “Terá o Senado a possibilidade de retirar parcialmente a eficácia de uma lei se o Supremo Tribunal Federal a declarou, no seu todo, inconstitucional?” e logo em seguida responde: “A nosso perceber, não pode. O Senado está adstrito a suspender a execução da lei na mesma extensão da declaração efetivada pelo Supremo Tribunal Federal”10.

Com relação aos efeitos da suspensão da eficácia da norma pelo Senado, serão erga omnes e ex nunc, não retroagindo.

EFEITO PRÓ-FUTURO

Também denominado prospectivo, o efeito pró-futuro surgiulegalmente no Brasil com a edição das Leis 9.868/99 (art.27) e 9.882/99 (art.11). Esses dispositivos possibilitam que o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, fixe um momento adequado, a partir do qual surtam efeitos as decisões proferidas na ação direta de inconstitucionalidade, e na decisão na argüição de preceito fundamental respectivamente. O motivo baseia-se em razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social. Constitui uma hipótese excepcional, já que a regra é o efeito ex tunc.

8. MORAES, Alexandre de - Direito Constitucional. Atlas, 13a edição São Paulo, 2003, p,624. 9. Elementos de Direito Constitucional, Saraiva, 7a edição, São Paulo, 1990. 10. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, op. cit. p.47.

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O efeito pró futuro não se confunde com o efeito ex nunc, que também é excepcional, vez que esse último tem eficácia a partir da publicação da decisão, enquanto aquele em um momento futuro fixado expressamente pelo Supremo Tribunal Federal, diverso da publicação da decisão (ex nunc).

Sobre o assunto leciona Canotilho: “É possível, por exemplo, fixar a inconstitucionalidade mas

com efeitos prospectivos ou pró futuro e não com efeitos retroactivos (como na nulidade absoluta). Nos tempos mais recentes a declaração de incompatibilidade tem evoluído no sentido de sentença de bloqueio da aplicação da lei inconstitucional. Isto significa que a declaração de incompatibilidade fundamenta a não aplicação da lei até a emanação de um novo atco legislativo11.

EFEITO REPRESTINATÓRIO

Represtinação é a retomada da eficácia de uma lei revogada em face da revogação da lei revogadora.

Se a lei A é revogada pela lei B e, posteriormente, a lei B é julgada inconstitucional, quais as conseqüências no mundo jurídico? Alexandre de Moraes afirma: “a declaração de inconstitucionalidade torna aplicável a legislação anterior, que havia sido revogada pela norma impugnada (efeitos repristinatórios). Os efeitos repristinatórios decorrem automaticamente da declaração de inconstitucionalidade proferida pelo STF, em face da expressa previsão legal, independentemente de previsão no acórdão”.

A princípio, a norma inconstitucional é nula desde o nascimento. Assim, por esse raciocínio percebe-se que ela não é apta para revogar validamente a lei anterior que tratava da mesma matéria.

Atualmente, esses efeitos se encontram positivados na Lei 9.868/99 (art.11 §2o), mas apenas quanto ao deferimento da cautelar. No entanto, tem-se entendido também que existem como regra, no que tange às decisões de mérito, nas ações de controle abstrato.

Devemos ainda, diferenciar efeito repristinatório e repristinação. Clèmerson Clève, estabelece a distinção:

“O efeito repristinatório é o fenômeno da reentrada em vigor da norma aparentemente revogada. Já a repristinação, instituto distinto, substanciaria a reentrada em vigor da norma efetivamente revogada em função da revogação (mas não anulação) da norma revogadora12”.

11. CANOTILHO, José Joaquim Gomes - Direito Constitucional, Almedina, 4° edição Coimbra, Portugal, p.923, apud Olavo Alves Ferreira, Controle de Constitucionalidade e seus efeitos, Método, 2003, p.78. 12. A fiscalização abstrata da Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 2a edição, Revista dos Tribunais, SãoPaulo, 2000, p. 250, nota de rodapé 259.

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CONSIDERAÇÕES GERAIS

ADC COMO ADI ÀS AVESSAS

Conforme exposto, antes da EC 03/95 existiam no direito brasileiro como instrumento de controle direto abstrato de constitucionalidade somente a ADI prevista no artigo 101 da CF, contendo expressamente um rol de legitimados, e a ADPF que, apesar de mencionada no mesmo dispositivo, dependia de regulamentação. A ADC, criada posteriormente, continha no início um rol menor de autores legitimados a propô-la, e quando foi disciplinada pela lei 9868/99, esse rol foi repetido ficando explicitado que caberia somente no caso de lei federal em face da Constituição Federal, o que por sinal foi muito lógico, vez que apenas poderiam propô-la o Presidente da República, as Mesas do Senado e da Câmara dos Deputados, e o Procurador Geral da República, todos autores universais atuantes na esfera federal.

Inicialmente, houve certa resistência em relação a utilização da ADC como instrumento de controle de constitucionalidade, ademais, o Pretório Excelsior não reconhecia o seu caráter dúplice e entendia que o indeferimento de uma ADI quanto ao mérito não implicaria necessariamente na constitucionalidade do ato normativo federal objeto da ação, da mesma forma que o indeferimento de uma ADC não corresponderia também à inconstitucionalidade da norma. Contudo, posteriormente, a Corte passou a entender ao contrário e, ao declarar a constitucionalidade do parágrafo único do art. 28 da Lei 9.868/99, reconheceu que, o caráter vinculante trazido pela ADC, seria válido para a também para a ADI.

Considerou-se que a ADC consubstancia uma ADI com sinal trocado e, tendo ambas caráter dúplice, seus efeitos são semelhantes. Vencidos os Ministros Moreira Alves, Ilmar Galvão e Marco Aurélio, que declaravam a inconstitucionalidade do mencionado dispositivo por ofensa ao princípio da separação de Poderes. (Lei 9.868/99, art. 28, parágrafo único: “A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.”). Rcl (AgR-QO) 1.880-SP, rel. Min. Maurício Corrêa, 6.11.2002. (RCL-1880)13

Mais recente ainda a seguintes decisões:“Aceita a idéia de que a ação declaratória configura uma ADI

com sinal trocado, tendo ambas caráter dúplice ou ambivalente, afigura-se difícil admitir que a decisão proferida em sede de ação direta de inconstitucionalidade seria dotada de efeitos ou conseqüências diversos

13. Informativo 289 do STF

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daqueles reconhecidos para a ação declaratória de constitucionalidade. Argumenta-se que, ao criar a ação declaratória de constitucionalidade de lei federal, estabeleceu o constituinte que a decisão definitiva de mérito nela proferida — incluída aqui, pois, aquela que, julgando improcedente a ação, proclamar a inconstitucionalidade da norma questionada — ‘produzirá eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo’ (Art. 102, § 2º da Constituição Federal de 1988). Portanto, sempre se me afigurou correta a posição de vozes autorizadas do Supremo Tribunal Federal, como a de Sepúlveda Pertence, segundo a qual, ‘quando cabível em tese a ação declaratória de constitucionalidade, a mesma força vinculante haverá de ser atribuída à decisão definitiva da ação direta de inconstitucionalidade.14”

“O Plenário desta colenda Corte, ao julgar a ADI 2.031, rejeitou todas as alegações de inconstitucionalidade do caput e dos §§ 1º e 2º do art. 75 do ADCT, introduzidos pela Emenda Constitucional 21/99. Isto porque as ações diretas de inconstitucionalidade possuem causa petendi aberta. É dizer: ao julgar improcedentes ações dessa natureza, o Supremo Tribunal Federal afirma a integral constitucionalidade dos dispositivos questionados (Precedente: RE 343.818, Relator Ministro Moreira Alves)

15.Assim, mesmo antes da Emenda 45/04, ambas as ações,

ADI e ADC, já eram praticamente idênticas, e depois tornaram-se mais ainda diante da equiparação dos rol de legitimados autorizados a propô-las. Nessa linha, atribuiu-se a outros autores que, antes só podiam propor ADI, (dentre os quais o Governador do Estado), a legitimação para indagar a constitucionalidade de um ato por meio de ADC.

Por outro lado, apesar dessa equiparação feita pela Emenda 45/04, ficou preservada a hipótese de a ADC poder ser proposta apenas em face de ato normativo ou lei federal, entretanto faz-se necessária uma análise mais apurada.

Apesar da emenda 45/04 não ter deixado claro que a ADC pode ser proposta em face de ato normativo Estadual, a interpretação não poderá ser outra, vez que, a partir do momento em que o Governador do Estado (ou DF), que já podia questionar a constitucionalidade de um ato estadual por meio de ADI, tornou-se legitimado para propor a ADC, poderá dela se utilizar para a mesma finalidade: saber se a norma estadual é ou não constitucional, afinal, depois de muita discussão o STF reconheceu que ambas as ações são praticamente a mesma coisa.

Não há lógica que o Chefe do Executivo de um Estado não possa provocar a Corte Constitucional para que se pronuncie a respeito da constitucionalidade de uma norma que se refere à organização e administração de seu Estado (uma norma estadual) e possa fazê-lo quanto a uma lei federal.

14. Rcl 2.256, voto do Min. Gilmar Mendes, julgamento em 11-9-03, DJ de 30-4-04 15. RE 431.715-AgR, Rel. Min. Carlos Britto, julgamento em 19-4-05, DJ de 18-11-05

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DIREITO CONSTITUCIONAL - PROF. CAIO MARCO BERARDO

Em que pese opiniões doutrinárias no sentido de isto não ser possível pela interpretação literal da lei, já que o artigo 102, I, a da CF atribui ao STF a função de julgar a ação declaratória de constitucionalidade apenas em face de ato normativo federal, entendemos cabível a ADC em relação à norma estadual. Não há razão para obstar que se proponha uma ADC envolvendo ato normativo Estadual diante da Constituição Federal, eis que ninguém mais que o STF é competente para apreciá-la.

Luis Alberto David Araujo defende que, apesar de tudo, a Emenda não mencionou expressamente o ato normativo estadual como objeto de controle da ADC, e não abstante a ampliação do rol de seus legitimados, não é possível ainda equiparar totalmente a ADI a ADC, pois, após a Emenda ser aprovada pelo Senado o tema foi enviado à Câmara dos Deputados para apreciação16, no sentido de se incluir o ato estadual como objeto da ADC, sendo que, somente quando o projeto for aprovado, isso poderá ser feito.

O PEC 358/2005 apresentado em 10/01/05 contendo as alterações realizadas pelo Senado que retornaram para a Câmara dos Deputados dá a seguinte redação ao parágrafo 2º do artigo 102 que versa sobre o assunto:

§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

Sem prejuízo da mais alta estima e admiração que nutrimos pelo brilhante constitucionalista, cremos não ser necessária a espera dessa inclusão, uma vez que, em se tratando do tema equiparação entre ADI e ADC, há precedentes no STF que dispensam que isso venha a ser inserido de forma expressa. A situação daqui é semelhante ao que ocorreu quando da interpretação do efeito vinculante, atribuído inicialmente de forma expressa somente a ADC, mas mesmo assim, antes da edição da EC 45/04 foi reconhecido à ADI, pelo STF.

Concluí-se, portanto que não foi a inserção expressa no corpo do diploma ou sua positivação que possibilitou tal interpretação.

O PAPEL DO ADVOGADO GERAL DA UNIÃO E DO PROCURADOR GERAL DA REPÚBLICA NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Para fins de esclarecimento, faremos uma análise paralela de como atuam essas duas figuras nos processos envolvendo controle de constitucionalidade.

16. A Reforma do Poder Judiciário e o Controle Concentrado de Constitucionalidade in Reforma do Judiciário Anotada e Comentada, Editora Método, São Paulo 2005, p.227

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DIREITO CONSTITUCIONAL - PROF. CAIO MARCO BERARDO

O PGR é legitimado para propor a ADC, e ADI, (essa última tanto de forma genérica - quanto omissiva), conforme o artigo 103 § 1º da CF, hipóteses em que figurará como autor da ação, devendo, contudo, atuar como fiscal da lei, em todos os processos que envolvam controle de constitucionalidade. Entretanto, o fato do PGR ser autor de uma ADI ou de uma ADC, não o obriga a defender o pedido feito inicial, pois, até o término da ação, pode opinar de forma contrária.

Há de se destacar que, não sendo o autor de uma das ações, o PGR deverá dar seu parecer em 15 dias, conforme artigo 8º da lei 9868/99, depois de prestadas as informações requisitadas pelo relator do processo às autoridades envolvidas no ato questionado, e de ter se manifestado o AGU.

No caso de ADPF a regra é semelhante, pois nos processos em que não tiver figurado como autor o PGR será ouvido no prazo de 05 dias (art.7º § único da Lei 9992/99).

Quanto ao papel do AGU, na ADI, é o de curador da norma cuja constitucionalidade se ataca, explicitando-se desde já que, conforme já decidiu o STF, ele não está obrigado a defender a constitucionalidade da norma17.

Tratando-se de ADI o AGU só atuará se a ação for proposta na modalidade comissiva (genérica), pois se for o caso de ADI por omissão, não existirá norma atacada, vez que esse tipo de ação visa justamente suprir a falta de uma norma18.

No caso de ADC, o STF entendia que não era necessária a manifestação do AGU, nesse tipo de ação, uma vez que, a princípio a constitucionalidade de uma lei é sempre presumida, o que dispensaria a sua defesa pelo AGU que, atuaria como curador de uma presunção já existente19.Contudo, face ao reconhecimento do caráter dúplice ADI/ADC, o STF tem concedido vista ao AGU para se manifestar em casos dessa espécie.

Na ADPF, a atuação do AGU é facultativa conforme disposto no art.5º § 2º da lei 9992/99, sendo o prazo de 5 dias comum com o das autoridades e com o PGR.

ADI ADI ADPF ADC

17. “O munus a que se refere o imperativo constitucional (CF, artigo 103, § 3º) deve ser entendido com temperamentos. O Advogado-Geral da União não está obrigado a defender tese jurídica se sobre ela esta Corte já fixou entendimento pela sua inconstitucionalidade.” (ADI 1.616, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 24/08/01) 18. (ADI 1.616, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 24-5-01, DJ de 24-8-01) 19. ADC 1/1 DF Ministro Moreira Alves.

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Genérica Omissiva

AGU

É o curadorda norma, mas pode manifestar-se pela suainconstitucionalidade.Manifesta-se em 15 dias,depois de ouvidasasautoridades (art.8º da lei 9868/99)

NãoAtua

Atua se o relator requisitar sua oitivaem um prazocomumde 05 diascom o PGR e asautoridades(art.5º § 2º da lei 9882/99)

No início eradispensada sua manifestação.Hoje o STF pede emalgunscasos o seuparecer.

PGR Custuslegis

Atua livremente. Tem vista dos autos e dá seu parecer em 15 dias, após ouvidas as autoridades e o AGU (art.8º da lei 9868/99)

Seráouvidoem 05 dias.(art.7º § único da lei9882/99)

Dá seu parecerem 15 dias,depois de ouvidasasautoridades e o AGU se for o caso.AGU (art.19 da lei9868/99)

PGR Autor

Apesar de ter ingressado com a ação pode opinar contra o que pediu na inicial.

AMICUS CURIAE

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DIREITO CONSTITUCIONAL - PROF. CAIO MARCO BERARDO

Amicus curiae, significa amigo da corte O instituto encontra suas raízes no Direito norte-americano.

No Brasil, nunca se permitiu intervenção de terceiros nas ações diretas de controle de constitucionalidade, o que está expressamente previsto nos artigos 7o e 18 da lei 9868/99. Entretanto, essa própria lei permitiu a utilização do amicus curiae. Esse instituto possibilita que terceiros se habilitem no processo abstrato de controle de constitucionalidade a fim de discutirem teses jurídicas de interesse coletivo (artigo 7o §2o da lei 9868/99).

O caso mais famoso que evolveu a figura do amicus curiaereferia-se a condenação de Clarence Gideon, sem assistência de advogado20.

Em nosso país, a apreciação sobre o cabimento do amicuscuriae, envolvendo órgãos ou entidades, é matéria de exclusiva competência do relator. Ele deverá, na sua decisão, levar em consideração apenas a relevância da matéria e a representatividade do postulante. Essa decisão é irrecorrível.

William Douglas observa: “trata-se, pois, de uma forma especialíssima de intervenção de terceiros, criando uma espécie de litisconsórcio facultativo que age em defesa de interesses transindividuais homogêneos que estão em jogo no controle abstrato, gerando, por conseqüência, uma evolução das formas de exercício da cidadania como modo de preservar-se a ordem constitucional democrática”.

Nesse sentido, foi a fundamentação de Celso de Mello: A intervenção de terceiros no processo da ação direta de

inconstitucionalidade é regra excepcional prevista no art. 7º, § 2º, da Lei 9.868/1999, que visa a permitir “que terceiros - desde que investidos de representatividade adequada - possam ser admitidos na relação processual, para efeito de manifestação sobre a questão de direito subjacente à própria controvérsia constitucional. - A admissão de terceiro, na condição de amicus curiae, no processo objetivo de controle normativo abstrato, qualifica-se como fator de legitimação social das decisões da Suprema Corte, enquanto Tribunal Constitucional, pois viabiliza, em obséquio ao postulado democrático, a abertura do processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade, em

20. Gideon foi condenado na Flórida, por ter invadido um domicílio para roubar, crime considerado grave. Recorreu da sentença ao Tribunal da Flórida, inclusive requerendo assistência jurídica gratuita, invocando a condição de indigente (indigenf). A Corte da Flórida negou-lhe a assistência jurídica gratuita sob o argumento de que só os acusados por crimes cuja pena poderia ser a de morte teriam direito a advogado dativo a ser designado por aquele Tribunal. Inconformado, Gideon fez sua própria defesa, sempre insistindo que a condenação de um réu sem advogado colidia com a Constituição e a Declaração dos Direitos (BillofRights). De modo obstinado, o réu passou a frequentar a biblioteca da penitenciária, acabando por preparar um recurso perante a Suprema Corte dos Estados Unidos. A Suprema Corte, então sob a presidência do lendário juiz Earl Warren, acabou por anular o julgamento de Gideon. O próprio Warren nomeou para a defesa de Gideon um dos mais proeminentes advogados da época: Abe Portas (que mais tarde viria a se tornar membro da Suprema Corte). A partir do caso Gideon, foi firmado o entendimento de que a assistência de um advogado é um direito fundamental de todo e qualquer acusado. (cf. William Douglas e outro, Controle de Constitucionalidade, Impetus, 3a edição, Rio de Janeiro, 2004, p.93).

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12CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO CONSTITUCIONAL - PROF. CAIO MARCO BERARDO

ordem a permitir que nele se realize, sempre sob uma perspectiva eminentemente pluralística, a possibilidade de participação formal de entidades e de instituições que efetivamente representem os interesses gerais da coletividade ou que expressem os valores essenciais e relevantes de grupos, classes ou estratos sociais. Em suma: a regra inscrita no art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99 - que contém a base normativa legitimadora da intervenção processual do amicus curiae - tem por precípua finalidade pluralizar o debate constitucional.” (ADI 2.130-MC, rel. min. Celso de Mello, DJ 02.02.2001).

Processo objetivo de controle normativo abstrato. Possibilidade de intervenção do amicus curiae: um fator de pluralização e de legitimação do debate constitucional.” (ADI 2.321-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 25-10-00, DJ de 10-6-05)

Atualmente prevalece a idéia tomada pelo STF, por maioria, resolvendo questão de ordem, entendeu permitir a sustentação oral na ação direta de inconstitucionalidade dos amici curiae”21

Compete ao Relator decidir por meio de despacho irrecorrível sobre a admissão do amici curiae em cada caso. De acordo com Gilmar Ferreira Mendes a manifestação dos interessados deve ocorrer no prazo das informações previstas nos artigos. 6º e 7º , § 2º , da Lei n. 9.868/1999, contudo, a regra não é absoluta pois em nome de relevante contribuição que a manifestação possa trazer para o julgamento da causa, admite-se mesmo que essa for posterior à tal prazo22.

PRECEITO FUNDAMENTAL

A Argüição de descumprimento de preceito fundamental já estava prevista desde a promulgação da CF de 1988, entretanto, foi regulamentada somente 11 anos depois. A lei 9882/99, que tratou do assunto, não conseguiu definir exatamente preceito fundamental. O diploma veio apenas regulamentar esse instrumento de controle23.

Sem mais delongas, transcreve-se aqui a lição de Luís Roberto Barroso24, que procura aclarar a definição do instituto:

“A expressão “preceito fundamental” importa no reco-nhecimento de que a violação de determinadas normas — mais comumente princípios, mas eventualmente regras — traz maiores consequências ou trau-mas para o sistema jurídico como um todo.

Embora conserve a fluidez própria dos conceitos indeterminados, e haja dificuldade em delimitar em abstrato o seu conteúdo, 21

. ADI 2.777, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 26-11-03, Informativo 331 22

. ADI 2.777, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 26-11-03, Informativo 331 23

. O procedimento da ADPF encontra-se descrito em item próprio. 24

. BARROSO, Luís Roberto, O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2004. p.222.

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existe um conjunto de normas que inegavelmente devem ser abrigadas no domínio dos preceitos fundamentais. Nessa classe estarão os fundamentos e objetivos da República, assim como as decisões políticas estruturantes, todos agrupados sob a designação geral de princípios fundamentais, objeto do Título I da Constituição (arts. l2 a 4Q). Também os direitos fundamentais se incluem nessa categoria, o que incluiria, genericamente, os individuais, coletivos, políticos e sociais (arts. 5° e s.). Aqui se travará, por certo, a discussão acerca da fundamentalidade ou não de determinados direitos contemplados na Constituição brasileira, não diretamente relacionados à tutela da liberdade ou do mínimo existencial. Devem-se acrescentar, ainda, as normas que se abrigam nas cláusulas pétreas (art. 60, § 42) ou delas decorrem diretamente. E, por fim, os princípios constitucionais ditos sensíveis (art. 34, VII), que são aqueles que por sua relevância dão ensejo à intervenção federal.

Não se trata de um catálogo exaustivo, como natural, mas de parâmetros a serem testados à vista das situações da vida real e das argüições que serão apreciadas pelo Supremo Tribunal Federal”.

BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE

A expressão bloco de constitucionalidade, do francês bloc de constitucionnalité, ou bloque de la constitucionalidad dos espanhóis, teve origem na doutrina administrativista francesa, com a criação inicial do que se chamou de “bloco da legalidade”, ou, como designou Hauriou, o “bloco legal”.

O bloco de constitucionalidade “se refere a uma densidade de princípios, acima mesmo da Constituição do país25”. A noção de bloco de constitucionalidade envolve uma criação de Direito Constitucional realizada pelo órgão encarregado do controle de constitucionalidade das leis.

A doutrina cita que o leading case que marcou a definição do bloco de constitucionalidade foi a decisão do Conselho Constitucional da França, de 16 de julho de 1971, que estabeleceu as bases do valor jurídico do Preâmbulo da Constituição de 1958, o qual inclui em seu texto o respeito tanto à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, como também ao Preâmbulo da Constituição de 1946 (que continha uma declaração de direitos econômicos e sociais). Este, por sua vez, faz referência aos princípiosfundamentais reconhecidos pelas leis da República. Ou seja, tudo estava integrado à Constituição Francesa26.

Ao dissertar sobre o tema, Canotilho utiliza a denominação parâmetro constitucional. A respeito do assunto leciona27:

25. COELHO, Bernardo Leôncio Moura, O Bloco de Constitucionalidade e a Proteção à Criança”, in Revista de Informação Legislativa, vol. 12 pág. 264 26. JOSINO NETO, Miguel. O bloco de constitucionalidade como fator determinante para a expansão dos direitos fundamentais da pessoa humana. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 61, jan. 2003. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3619>. Acesso em: 03 jan. 2005 27. op. cit. pag.889 890

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“Todos os actos normativos devem estar em conformidade com a Constituição. Significa isto que os actos legislativos e restantes actos normativos devem estar subordinados, formal, procedimental e substancialmente, ao parâmetro constitucional. Mas qual é o estalão normativo de acordo com o qual se deve controlar a conformidade dos actos normativos? As respostas a este problema oscilam fundamentalmente entre duas posições:

(1) parâmetro constitucional equivale à constituição escrita ou leis com valor constitucional formal, e daí que a conformidade dos actos normativos só possa ser aferida, sob o ponto de vista da sua constitucionalidade ou inconstitucionalidade, segundo as normas e princípios escritos da constituição (ou de outras leis formalmente constitucionais);

(2) parâmetro constitucional é a ordem constitucional global, e, por isso, o juízo de legitimidade constitucional dos actos normativos deve fazer-se não apenas segundo as normas e princípios escritos das leis constitucionais, mas também tendo em conta princípios não escritos integrantes da ordem constitucional global.

Na perspectiva (1) o parâmetro da constitucionalidade (=normas de referência, bloco de constitucionalidade) reduz-se às normas e princípios da constituição e das leis com valor constitucional; para a posição (2), o parâmetro constitucional é mais vasto do que as normas e princípios constantes das leis constitucionais escritas, devendo alargar-se, pelo menos, aos princípios reclamados pelo «espírito» ou pêlos «valores» que informam a ordem constitucional global.”

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E VONTADE POPULAR

Considere-se o seguinte: o controle de constitucionalidade exercido pelo Poder Judiciário, pode acarretar o afastamento da norma do mundo jurídico. Contudo, diversamente dos integrantes do Legislativo que são eleitos, representam o povo e confeccionam as leis conforme a sua vontade, os membros do Judiciário, responsáveis pelo controle da constitucionalidade, não são eleitos. Essa idéia poderia levar a conclusão de que, o ato de controle poderia estar colidindo com a vontade popular. O fenômeno é denominado dificuldade contramajoritária por Luís Roberto Barroso28.

Por outro lado, explica o autor que a Democracia não está baseada apenas no princípio da vontade majoritária, mas apóia-se também na busca da efetividade de direitos e garantias fundamentais e, a tutela desses valores é fundamento da legitimidade do exercício da jurisdição constitucional.

A democracia é o poder do povo, contudo, o sistema representativo não corresponde exatamente à vontade popular, assim, o 28

. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2004 p.266

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controle sobre o sistema político não implica necessariamente em um controle do poder do povo. Ademais, a democracia não se restringe à vontade da maioria, abrange também a preservação dos direitos de uma minoria vencida, o que leva crer que, o controle de constitucionalidade se resume em um mecanismo de proteção das garantias das minorias.

INSTRUMENTOS UTILIZADOS NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Logo a seguir, encontram-se esquematizados os principais instrumentos utilizados no controle de constitucionalidade, a Ação Direta de Inconstitucionalidade que passou a ser chamada por muitos de ADIN e pelo Supremo Tribunal Federal de ADI, a Ação Declaratória de Constitucionalidade que ganhou o apelido de ADECON e no Supremo Tribunal Federal de ADC, e a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental conhecida por todos como ADPF.

AÇÃO DIREITA DE INCONSTITUCIONALIDADE (ADI GENÉRICA) AUTORES (ART.103 DA C.F E ART.2O DA LEI 9868/99)

Os autores podem ser considerados neutros ou interessados. Os neutros também denominados universais são aqueles legitimados para qualquer causa. Já os interessados também chamados especiais devem demonstrar pertinência temática quanto ao assunto da norma cuja inconstitucionalidade está sendo indagada.

De acordo com o Supremo Tribunal Federal os partidos políticos, confederações sindicais e entidades de classe de âmbito nacional necessitam de patrocínio advocatício para ingressarem com a ação. Os demais entes previstos nos incisos I a VII do art. 103 da Constituição têm capacidade postulatória plena para a ajuizarem, independentemente da constituição de advogado.

São universais: • Presidente da República. • Procurador Geral da República. • Conselho Federal da OAB. • Partido Político com representação29 no Congresso. • Mesa do Senado Federal. • Mesa da Câmara dos Deputados.

29. Inicialmente o STF entendia que a legitimidade desapareceria se o partido perder seu representante no Congresso enquanto a ADI tramitasse, (Agravo Regimental na ADI 2202 – DF. Relator Ministro Celso de Mello) Recentemente surgiu outro entendimento no sentido de que o Partido Político não perde a legitimidade, após ajuizada a ação mesmo que deixe de ter representação no Congresso Nacional, pelo fato do exame desta condição da ação (legitimidade de parte) deve ser auferida no momento da propositura (ADI 2.159, Rel. Min. Gilmar Mendes c.f.. Informativo 356 do STF)

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São interessados: • Governador de Estado ou Distrito Federal. • Mesas Assembléia Estaduais ou Câmara Distrital. • Entidade de Classe de âmbito nacional30 e confederação31 sindical.

Objeto:• Lei32 ou ato normativo33 34 Federal ou Estadual ou Distrital de conteúdo

Estadual que ofenda a Constituição Federal (Esfera Federal). • Lei ou ato normativo Estadual ou Municipal ou Distrital que ofenda a

Constituição Estadual (Esfera Estadual).

Foro Competente • Supremo Tribunal Federal conforme art.102, I, a da C.F (Esfera

Federal).• Tribunal de Justiça Local conforme art.125 da C.F. (Esfera Estadual).

Medida Cautelar • Cabimento nos termos do art.102, I, p da C.F. e dos arts. 10 a 12 da lei

9868/99.• Concedida por maioria absoluta dos membros do Tribunal, ou pelo

relator em caso de recesso do Tribunal (art.10 a 12 da lei 9868/99).• Oitiva do AGU e PGR em 3 dias caso o relator entenda indispensável.

(art.10 §1o da lei 9868/99). • Facultada sustentação oral por parte dos representantes judiciais dos

requerentes e autoridades ou órgãos responsáveis. (art.10 §2o da lei 9868/99).

• Dispensável a oitiva dos representantes dos órgãos em caso de excepcional urgência. (art.10 §3o da lei 9868/99).

• Eficácia “erga omnes” e efeitos, em regra, “ex nunc” (art.11 §1o 1a parte da lei 9868/99).

30. Para se caracterizarem como de âmbito nacional as entidades de classe deverão estar presentes em pelo menos nove Estados da Federação e representar interesse de categoria profissional ou decorrente atividade econômica exercida por todos associados. Não se admite entidade de caráter híbrido, é necessária uma homogeneidade e amplitude geral da associação, devendo ela representar toda categoria e não somente parte dela. 31. Consideram-se Confederações, segundo o STF as moldadas na forma do artigo 535 da CLT (organizadas com no mínimo 03 Federações e sede na Capital da República). Não se caracterizam como legitimadas as Federações de âmbito nacional nem tão pouco as Centrais Sindicais ou Centrais de Trabalhadores. 32. Considera-se o sentido genérico de lei como objeto, compreendendo todas as espécies normativas contidas no rol do artigo 59 da C.F. Luiz Alberto David Araujo chama atenção para as Resoluções e Decretos Legislativos que não possuem cunho abstrato, sendo, portanto, de efeito concreto. Para o autor essa espécie normativa não está sujeita a controle de constitucionalidade abstrato. Trata-se apenas de um caso de legalidade. (ARAUJO, Luiz Alberto David e outro. Curso de Direito Constitucional., Saraiva 5a

edição. São Paulo, 2001 p.42/43). 33. O conceito de ato normativo envolve todos os instrumentos que possuem conteúdo abstrato mesmo que não constituam espécies normativas elencadas no rol do artigo 59 da C.F. São exemplos os regimentos internos dos Tribunais. Aliás a generalidade e a abstração são características que necessariamente devem estar presentes para que possa se falar em controle de constitucionalidade abstrato. O ato administrativo que possui forma de lei não está sujeito ao controle de constitucionalidade abstrato. (Gilmar Ferreira Mendes em Mandado de Segurança de Hely Lopes Meirelles, 26a edição, Malheiros, São Paulo, 2004, p.335).34. Desde que não sejam normas constitucionais originárias da Constituição Federal

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• Efeitos retroativos caso o Tribunal entenda necessário. (art.11 §1o 2a

parte da lei 9868/99). • Concedida torna aplicável a legislação anterior caso existente, salvo

manifestação em contrário. (art.11 §2o da lei 9868/99).

Processo, Decisão e Efeitos • O PGR deve ser intimado previamente (art.103 § 1o CF)35

• O AGU é citado para defender o ato atacado36 (art.103 § 3o CF) • Devem estar presentes pelo menos oito Ministros. (art.22 da lei

9868/99).• Seis Ministros devem se pronunciar no mesmo sentido (art.23 da lei

9868/99).• Comunicação à autoridade ou órgão responsável pelo ato (art.25 da lei

9868/99).• Decisão irrecorrível (cabe somente embargos de declaração)

Impossibilidade de ação rescisória (art.26 da lei 9868/99). • Eficácia erga omenes e efeito vinculante37 contra todos órgãos do

Poder Judiciário e a Administração Pública Federal Estadual e Municipal. (art.28 § único da lei 9868/99).

• Por decisão de 2/3 do Tribunal os efeitos podem ser restringidos, ou decidir que a declaração de inconstitucionalidade tenha efeito a partir do trânsito em julgado ou de qualquer momento por ele fixado, por razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social (art.27 dalei 9868/99).

• Decisão será publicada após 10 dias do transito em julgado em seção especial do Diário de Justiça da União (art.28 caput da lei 9868/99).

AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE (ADC ACRESCENTADA PELA EC 03/93)

AUTORES (ART.103, §4O 38 DA C.F E ART.13 DA LEI 9868/99). • Inicialmente os autores eram somente o Presidente da República, o

Procurador Geral da República e as Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados. A Emenda Constitucional 45/04 veio ampliar o rol e igualá-lo ao da ADI.

35. “Procuradoria Geral da República - Audição. O preceito inserto no § 1º do artigo 103 da Constituição Federal há de merecer interpretação teleológica. Visa ao conhecimento da matéria pelo Ministério Público, não implicando, necessariamente, seja-lhe enviado automaticamente todo e qualquer processo. O pronunciamento do Órgão pode ocorrer na assentada em que apreciado o recurso. Precedente: recurso extraordinário nº 177.137-2/RS, relatado pelo Ministro Carlos Velloso perante o Pleno, em 24 de maio de 1995.” (AI 158.725-AgR-ED, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 08/03/96) 36. “O munus a que se refere o imperativo constitucional (CF, artigo 103, § 3º) deve ser entendido com temperamentos. O Advogado-Geral da União não está obrigado a defender tese jurídica se sobre ela esta Corte já fixou entendimento pela sua inconstitucionalidade.” (ADI 1.616, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 24/08/01) 37. Inicialmente, o efeito vinculante foi trazido pela lei. Não constava no texto constitucional, sendo acrescentado pela Emenda Constitucional 45/04.38. Acrescentado pela EC 03/93.

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Objeto (art.103, §4o da C.F e art.13 da lei 9868/99). • Lei ou ato normativo Federal39 que ofenda a Constituição Federal

(Esfera Federal40) e comprovada controvérsia jurisprudencial que ponha em risco a presunção de constitucionalidade do ato (art.14, III dalei 9868/99).

Foro Competente (art.102, I, a da C.F) • Supremo Tribunal Federal (Esfera Federal41).

Medida Cautelar ( art.21 da lei 9868/99). • Cabimento nos termos da lei 9868/9942.• A Lei é omissa quanto a oitiva dos envolvidos. • Concedida por maioria absoluta dos membros do Tribunal. • Suspensão dos julgamentos por juízes e tribunais dos casos que

envolvam a norma questionada. • Validade por 180 dias da cautelar (art.21, § único da lei 9868/99).

Decisão e Efeitos • Devem estar presentes pelo menos oito Ministros. (art.22 da lei

9868/99).• Seis Ministros devem se pronunciar no mesmo sentido (art.23 da lei

9868/99).• Comunicação à autoridade ou órgão responsável pelo ato (art.25 da lei

9868/99).• Decisão irrecorrível (cabe somente embargo de declaração).

Impossibilidade de ação rescisória (art.26 da lei 9868/99). • Eficácia erga omnes e efeito vinculante43 contra todos órgãos do

Poder Judiciário e a Administração Pública Federal Estadual e Municipal. (art.102, § 2o da CF conforme EC 03/93 e art.28 § único dalei 9868/99).

• Por decisão de 2/3 do Tribunal, os efeitos podem ser restringidos, ou decidir que a declaração de inconstitucionalidade tenha efeito a partir do trânsito em julgado ou de qualquer momento por ele fixado, por razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social (art.27 dalei 9868/99).

39. Pela interpretação literal da lei controla-se apenas o ato normativo federal, mas após a edição da Emenda 4504, diante de uma interpretação lógica e sistemática concluí-se que é possível o controle de atos estaduais (vide item 6.9.1). 40. Alexandre de Moraes na obra Direito Constitucional 10a edição página 624, comenta o posicionamento da doutrina em relação à possibilidade da existência de ADC na esfera estadual, José Afonso da Silva se manifesta contra enquanto que Nagib Slaibi Filho a favor desde que obedecido o princípio do paralelismo. 41. nota supra 42. A Constituição Federal não prevê expressamente o julgamento do pedido de medida cautelar de ADC como fez com a ADI no art.102, I, “p”. 43. O art.102, § 2o da CF acrescentado pela EC 03/93 trouxe esses efeitos de forma expressa, diferentemente, quando se trata de ADI, os efeitos estavam previstos apenas na lei, até serem trazidos para a CF com a emenda 45/04.

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DIREITO CONSTITUCIONAL - PROF. CAIO MARCO BERARDO

• Decisão será publicada após 10 dias do trânsito em julgado em seção especial do Diário de Justiça da União (art.28 caput da lei 9868/99).

ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL ADPF (art.102, § 1o da C.F.)

ESPÉCIES

Mais uma vez, faz-se necessária a lição de Luis Roberto Barroso. O autor esclarece que a doutrina, de maneira praticamente unânime, tem classificado, a partir da Lei n. 9.882/99 dois tipos de argüição de descumprimento de preceito fundamental:

a) a argüição autônoma, na qual exige-se; (1) a ameaça ou violação a preceito fundamental e (2) um ato estatal ou equiparável capaz de provocá-la. Outrossim, exige-se o pressuposto geral da inexistência de qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade (o que lhe dá um caráter de subsidiariedade). Aqui o parâmetro de controle é mais restrito que na ADI, não é qualquer norma constitucional, mas apenas preceito fundamental — e o objeto do controle é mais amplo, pois não se limita aos atos normativos e estende-se aos três níveis de poder.

b) a argüição incidental que pressupõe, em primeiro lugar, a existência de um litígio, de uma demanda concreta já submetida ao Poder Judiciário. Seus outros requisitos, que são mais numerosos que os da argüição autônoma, incluem, além da subsidiariedade e da ameaça ou lesão a preceito fundamental15, a necessidade de que (1) seja relevante o fundamento da controvérsia constitucional e (2) se trate de lei ou ato normativo — e não qualquer ato do Poder Público.

Utiliza-se ainda a seguinte classificação:

ADPF Preventiva: Quando utilizada para prevenir uma lesão ocasionada por ato público, que resulta na violação de um preceito fundamental.

ADPF Repressiva: Quando serve para reparar uma lesão a preceito fundamental ocasionada por ato público.

ADPF Por equiparação: diz assim na hipótese em que existe não uma lesão ou perigo de lesão, mas quando há uma controvérsia presente na interpretação de uma dada questão.

Autores (art.2o da lei 9882/99) 44

• Presidente da República. • Procurador Geral da República. • Conselho Federal da OAB.

44. A lei dispôs como possíveis autores, os mesmos autores da ADI

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• Partido Político com representação no Congresso. • Mesa do Senado Federal. • Mesa da Câmara dos Deputados. • Governador de Estado ou Distrito Federal. • Mesas Assembléia Estaduais ou Câmara Distrital. • Entidade de Classe de âmbito nacional e confederação sindical.

Objeto (art.1o caput e §único, I da lei 9882/99)45

• Preceito fundamental resultante de ato do poder público. • Relevante fundamento de controvérsia constitucional sobre lei ou ato

normativo federal, estadual ou municipal distrital, incluídos os anteriores a Constituição Federal46.

Foro Competente (art.102, §1o da C.F.). • Supremo Tribunal Federal

Medida Cautelar ( art.5o da lei 9882/99). • Cabimento de pedido liminar nos termos da lei 9882/99. • Concedida por maioria absoluta dos membros do Tribunal, ou pelo

relator em caso de recesso do Tribunal (art.5o caput e §1o da lei 9882/99).

• Oitiva do AGU e PGR em 5 dias47 caso o relator entenda indispensável (art.5o §2o da lei 9882/99).

• Solicitação de informações as autoridades responsáveis pela prática do ato questionado em 10 dias (art.6o caput da lei 9882/99).48

• Facultada sustentação oral por parte dos representantes judiciais dos requerentes e autoridades ou órgãos responsáveis. (art.6 §2o da lei 9882/99).

• Oitiva das partes, requisição de informações, designação de peritos ou comissão para emitir pareceres, fixar data para declarações de pessoas com experiência e autoridade na matéria, se assim o relator entender necessário. (art.6 §1o da lei 9882/99)49.

• Eficácia “erga omnes” e efeito vinculante em regra. • O Supremo Tribunal Federal pode determinar a suspensão dos

julgamentos pendentes.

Decisão e Efeitos • Devem estar presentes pelo menos 2/3 dos Ministros (art.8o da lei

9882/99).

45. Não caberá ADPF quando houver outro meio de se sanar a lesividade (art.4o §1o da lei 9882/99) Assim sendo a ADPF possui caráter residual. 46. Em caso de indeferimento liminar da petição inicial pelo relator, por não entender presente um dos requisitos, caberá agravo do prazo de 5 dias. (art.4o §2o da lei 9882/99). 47. ATENÇÃO: o prazo para na ADI é diverso: 3 dias. 48. ATENÇÃO: procedimento diverso da ADI. 49. ATENÇÃO: procedimento diverso da ADI.

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DIREITO CONSTITUCIONAL - PROF. CAIO MARCO BERARDO

• Comunicação a autoridade ou órgão responsável pelo ato fixando-se condições e modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental (art.10 da lei 9882/99).

• O presidente do Tribunal determinará de imediato o cumprimento da decisão lavrando-se acórdão posteriormente (art.10, 1o da lei 9882/99).

• Eficácia erga omnes e efeito vinculante contra todos órgãos do Poder Público (art.10 § 3o lei 9882/99).

• Por decisão de 2/3 do Tribunal, os efeitos podem ser restringidos, ou decidir que a declaração de inconstitucionalidade tenha efeito a partir do trânsito em julgado ou de qualquer momento por ele fixado, por razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social (art.11 da lei 9882/99).

• Decisão será publicada dentro de 10 dias do trânsito em julgado em seção especial do Diário de Justiça da União (art.10, § 2o da lei 9882/99).

• Decisão irrecorrível (cabe somente embargos de declaração). Impossibilidade de ação rescisória (art.12 da lei 9882/99).

• Caberá reclamação contra o descumprimento da decisão na forma do regimento interno do STF (art.13 da lei 9882/99).

Recentemente, em 1º.6.2005 ao analisar a ADPF 72 QO/PA, de relatoria da Min. Ellen Gracie o SFT entendeu cabível a fungibilidade entre esta e a ADI50.

Tendo em conta o caráter subsidiário da argüição de descumprimento de preceito fundamental - ADPF, consubstanciado no § 1º do art. 4º da Lei 9.882/99, o Tribunal resolveu questão de ordem no sentido de conhecer, como ação direta de inconstitucionalidade - ADI, a ADPF ajuizada pelo Governador do Estado do Maranhão, em que se impugna a Portaria 156/2005, editada pela Secretária Executiva de Estado da Fazenda do Pará, que estabeleceu, para fins de arrecadação do ICMS, novo boletim de preços mínimos de mercado para os produtos que elenca em seu anexo único. Entendeu-se demonstrada a impossibilidade de se conhecer da ação como ADPF, em razão da existência de outro meio eficaz para impugnação da norma, qual seja, a ADI, porquanto o objeto do pedido principal é a declaração de inconstitucionalidade de preceito autônomo por ofensa a dispositivos constitucionais, restando observados os demais requisitos necessários à propositura da ação direta. Precedente citado: ADI 349 MC/DF (DJU de 24.9.90).

LEMBRETES

1. Qualquer norma de conteúdo abstrato, desde que não seja mandamento constitucional originário da Constituição Federal, está sujeita ao controle de constitucionalidade.

50. Informativo do STF

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DIREITO CONSTITUCIONAL - PROF. CAIO MARCO BERARDO

2. Não cabe ADI contra ato de efeito concreto, ainda que editados com força legislativa formal (ADI1789 DF 16.04.98).

3. Quando o STF julga procedente um pedido de ADI, está atuando como legislador negativo atípico. Caso julgue improcedente a ADC, em conseqüência do efeito dúplice, o STF está reconhecendo a inconstitucionalidade da norma questionada.

4. A ADI é imprescritível nos termos da Súmula 360 do Pretório Excelsior. Uma vez proposta, não se admite desistência da ação (art.169 §1o do R.I. do STF e art.5º da lei 9868/99).

5. A lei 9868/99 veda expressamente a intervenção de terceiros no controle direto de constitucionalidade, mas admite o litisconsórcio ativo se o relator entender possível, trata-se do instituto do amicus curiae.

6. Caso o ato normativo questionado seja revogado, a ação perde seu objeto.

7. A ação civil pública e a ação popular podem ser utilizadas como meios de controle de constitucionalidade direto desde que a decisão não produza efeitos erga omnes51 (RCL 1503 DF 21.03.2002).

8. Se o ato impugnado tiver natureza concreta, não é possível o controle concentrado pela ausência de generalidade e abstração (RCL 664 RJ 22.05.02).

9. Não cabe ADI contra atos puramente regulamentares, exceto os decretos autônomos, aqui se está diante de um caso de ilegalidade, Pois direito brasileiro não admite a inconstitucionalidade por derivação. (ADI 2387-DF 21.02.91). Em tal hipótese caberá ADPF.

Apenas as normas constitucionais derivadas e os atos normativos primários têm aptidão para justificar o acionamento do controle abstrato. Se um ato normativo não primário fere o texto constitucional, das duas uma: ou a lei que o regulamenta é inconstitucional, e como tal deve ser objeto de uma ação direta, ou houve exorbitância do poder de regulamentar e existe um conflito de ilegalidade entre o ato e a lei matriz.

10. Mesmo tendo a oportunidade de exercer o controle de constitucionalidade através do veto, se o chefe do Executivo assim não agir, poderá posteriormente propor ADI.

11.Caso o chefe do Executivo sancione projeto de lei que deveria ter sido de sua iniciativa e não o fora, tal ato não supre o vício, sendo possível a alegação de inconstitucionalidade formal.

12. Não se admite o controle concentrado de constitucionalidade de norma quando, após a sua edição, há alteração do parâmetro constitucional, invocado ou não pelo requerente que compunha, necessariamente, o parâmetro de aferição da inconstitucionalidade. (ADI 2475-BA 15.05.02)

51. Rcl 2460 MC/RJ - vide Informativo 239 do STF – Ação Civil Pública e Controle Concentrado – decisão peculiar sobre o assunto.

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23CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO CONSTITUCIONAL - PROF. CAIO MARCO BERARDO

13. Em regra, os chefes do executivo e legislativo podem determinar o não cumprimento de uma norma que considerem inconstitucional, até que haja manifestação do Judiciário. O STF decidiu a questão ao julgar a ADI 221-93. Cabe observar que se trata de decisão antiga quando a composição da casa era totalmente diferente da atual52.

14. O Supremo Tribunal Federal decidiu que o Tribunal de Contas da União tem o condão de exercer o controle de constitucionalidade das leis e afastar a incidência das normas que julgar materialmente inconstitucionais. (Súmula 347: O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do poder publico).

15. Após a edição da Emenda 45/04, os autores da ADI e da ADC passaram a ser os mesmos.

16. Quando intimado para se manifestar em uma ADI o AGU não está obrigado a defender a constitucionalidade do ato atacado, podendo opinar pela sua inconstitucionalidade.

17. Mesmo que o PGR seja autor de uma ADI poderá ao final opinar pela constitucionalidade da norma que atacou.

18. Para o STF e para a maioria da doutrina a lei inconstitucional é nula, e não anulável53.

19. É possível controle incidental em sede de controle direto de constitucionalidade (STF Pleno, ADC 01/01 DF, Rel. Moreira Alves, D.O .Seção I, de 05/11/93)

CLASSIFICAÇÃO

� Material Formas de Manifestação � Formal

� Por Comissão Formas de Alegação � Por Omissão

52. Zeno Veloso, de forma contrária afirma não ser lícito ao Poder Executivo deixar de cumprir lei por entendê-la inconstitucional. (Controle Constitucional da Constitucionalidade, 3a edição, Del Rey, Belo Horizonte, 2003, p.322). No mesmo sentido, Gilmar Ferreira Mendes, fundamentando que devido a presunção de legalidade na norma e o dever de obediência às leis, os governantes não estão facultados a desobedecê-las uma vez que dispõem de mecanismos por meios dos quais podem questionar a inconstitucionalidade das leis. 53. Em sentido contrário, Regina Macedo Nery Ferrari e Gilmar Ferreira Mendes

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24CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO CONSTITUCIONAL - PROF. CAIO MARCO BERARDO

� Preventivo ou atípico Momento de Controle � Repressivo ou típico

� Jurisdicional ÓrgãosControladores � Político

� De Ação - Direto ou Concentrado

Vias de Controle � De Exceção - Indireto ou

Difuso

� Inter partes Efeitos da Decisão

� Erga Omnes

� Ex Tunc

� Ex Nunc

� Diferida ou Pro Futura Retroatividade

� Represtinatória

� ADC (Direto)

� ADPF (Direito)

Meios de Controle noDireito Brasileiro

� ADI (Direito) GenéricaPor omissão Interventiva

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25CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO CONSTITUCIONAL - PROF. CAIO MARCO BERARDO

� Mandado de Injunção (Indireto)

� Qualquer Ação (Indireto)

� Mandado de Segurança (controle preventivo Jurisdicional)

� Controle pelo legislativo - art.49, V

� Veto do Presidente da República

� Arquivamento de projeto pelas comissões

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26CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO CONSTITUCIONAL - PROF. CAIO MARCO BERARDO

QUESTÕES

1. Existe Controle de Constitucionalidade Direto por parte dos Estados? E por parte dos Municípios? Em caso positivo, quais os objetos de controle de cada um?

2. É possível Controle de Constitucionalidade Direto das Leis Municipais? E o difuso?

3. O que significam: efeito pró futuro e efeito represtinatório das normas constitucionais?

4. O que é reserva de plenário? 5. A cláusula de reserva de plenário é dispensável? 6. Quando uma norma é declarada inconstitucional pelo STF pela via difusa,

o Senado está obrigado a suspendê-la? 7. Que tipos de controle de constitucionalidade pode haver quanto aos atos

normativos? E quanto aos regulamentares? 8. Quais os autores da ADI, ADC e da ADPF? 9. Existe fungibilidade entre o ADI e a ADPF? 10. O que se quer dizer com caráter ambivalente da ADI? 11. A improcedência de uma ADI quanto ao mérito, significa

necessariamente que a norma é constitucional? 12. O que se entende por pertinência temática quanto ao controle de

constitucionalidade das leis? 13. Qual o papel do AGU no controle de constitucionalidade das leis no

Brasil?14. O que é “Amicus Curiae”?15. O que é Bloco de constitucionalidade? 16. O que é bloco de constitucionalidade?

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DIREITOADMINISTRATIVO

CURSO A DISTÂNCIA MÓDULO XII

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1CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO ADMINISTRATIVO – PROFª CRISTINA APARECIDA FACEIRA MEDINA MOGIONI

MODALIDADES

A licitação é o gênero de que são modalidades: a concorrência, a tomada de preços, o convite, o concurso, o leilão e o pregão.

A definição das modalidades de licitação é matéria de norma geral, de tal sorte que a competência acerca de sua definição é da União, vedando-se às pessoas políticas a criação de modalidade não prevista em legislação nacional, como também a combinação das modalidades existentes para surgimento de nova.

O artigo 22, § 8º, da Lei 8.666/93, veda a criação de modalidade não prevista no mesmo artigo, bem como a combinação das modalidades lá referidas. O artigo trata apenas das modalidades de concorrência, tomada de preços, convite, concurso e leilão. O pregão foi instituído inicialmente apenas para a União, através da medida provisória 2.026, de 04.04.2000, posteriormente convertida na Lei 10.520/02, estendendo-se sua abrangência para todas as demais pessoas políticas, como seria de rigor por ser matéria de norma geral.

CONCORRÊNCIA

Conforme o artigo 22, § 1º, da Lei de Licitação e Contratação, é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados que, na fase inicial de habilitação preliminar, comprovem possuir os requisitos mínimos de qualificação exigidos no edital para execução de seu objeto.

Geralmente é utilizada para contratos de grande valor, caracterizando-se basicamente pelos princípios da universalidade e da ampla publicidade.

A universalidade é resguardada porque a concorrência propicia a participação de quaisquer interessados que comprovem serem qualificados à execução de seu objeto.

A ampla publicidade está assegurada pela publicação do aviso do edital, com indicação do local para obtenção do edital completo, tanto no Diário Oficial, quanto em jornal de grande circulação no Estado, na região ou no Município em que se dará a contratação, conforme artigo 21 da Lei 8.666/93.

A concorrência também é cabível para a compra de bens imóveis; para a alienação de bens imóveis, ressalvados os casos de leilão, conforme artigo 19 da Lei 8.666/93; para concessão de direito real de uso; nas licitações internacionais, a menos que seja possível a tomada de preços ou o convite, conforme dispõe o art. 23, § 3º, da Lei 8.666/93; para o registro de preços, ressalvada a utilização do pregão, conforme os artigos 11 e 12 da Lei 10.520/02.

A Administração Pública pode optar pela concorrência para substituir a tomada de preços e o convite, segundo o artigo 23, § 4º, da Lei 8.666/93. O inverso, contudo, não é possível.

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DIREITO ADMINISTRATIVO – PROFª CRISTINA APARECIDA FACEIRA MEDINA MOGIONI

A concorrência é a modalidade cabível nas concessões de serviço público, de obra pública e nas contratações de parceria público-privada.

TOMADA DE PREÇOS

A legislação anterior, o Decreto-lei 2.300/86, tratava da tomada de preços como modalidade de licitação destinada apenas aos licitantes previamente cadastrados.

A legislação atual alterou a modalidade da licitação da tomada de preços, aproximando-a da concorrência ao permitir a participação de todos aqueles que preencham as condições necessárias ao cadastramento, desde que apresentem a documentação até o terceiro dia anterior à data do recebimento das propostas.

Assim dispõe o artigo 22, § 2º, da Lei 8.666/93: Tomada de preços é a modalidade de licitação entre interessados devidamente cadastrados ou que atenderem a todas as condições exigidas para cadastramento até o terceiro dia anterior à data do recebimento das propostas, observada a necessária qualificação.

Dessa forma, existindo licitantes não cadastrados previamente, mas que apresentem a documentação necessária ao cadastramento até a data estabelecida no artigo 22, § 2º, da Lei 8.666/93, a Comissão de Julgamento da tomada de preços deverá proceder ao exame da documentação, na fase de habilitação, o que torna o procedimento mais complexo. Existindo apenas licitantes cadastrados previamente, a fase de habilitação resumir-se-á na verificação dos dados constantes dos certificados de registro dos interessados, com eventual possibilidade de análise de documentação outra referente à real capacidade operativa e financeira exigida no edital, não suprida pelo certificado de registro cadastral.

A maioria dos doutrinadores entende que é a própria comissão de julgamento da licitação que deverá analisar os documentos para cadastramento para não atrasar o procedimento licitatório, o que ocorreria se a documentação fosse apresentada à comissão de cadastro, impondo à comissão de licitação que aguardasse a apreciação a documentação por aquela outra comissão.

Na prática, como observa Maria Sylvia Zanella Di Pietro, tem sido adotada a orientação de Tohshio Mukai, submetendo-se a análise da documentação à comissão de cadastro, com apresentação à comissão de julgamento da tomada de preços de um protocolo da primeira, suficiente para superar a fase de habilitação. Caso não chegue a bom termo o cadastramento do interessado perante a comissão de cadastro, a comissão de julgamento deverá inabilitá-lo por fato superveniente, com fundamento no artigo 43, § 5º, da Lei 8.666/93.

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3CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

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CONVITE

É a modalidade de licitação entre quaisquer interessados do ramo pertinente ao seu objeto, cadastrados ou não, escolhidos e convidados em número mínimo de três pela unidade administrativa (art. 22, § 3º), utilizada para contratos de pequeno valor.

A publicidade dá-se pela afixação do instrumento convocatório, chamado de carta-convite, em local apropriado, com o que eventuais interessados não convidados, mas cadastrados, poderão manifestar seu interesse em participar da licitação, desde que o façam com antecedência de até 24 horas da apresentação das propostas.

Dispensa-se, no convite, a publicação do instrumento convocatório em Diário Oficial ou jornal local.

A cada novo convite para objeto idêntico ou assemelhado, existindo na praça mais de três possíveis interessados, é obrigatório o convite a, pelo menos, mais um interessado, enquanto existirem cadastrados não convidados nas últimas licitações (art. 22, § 6º).

Marçal Justen Filho entende que se atende ao disposto no artigo a substituição, pela Administração, de um dos três destinatários do convite anterior, sem necessidade de se convidar quatro potenciais interessados. Isso para evitar que a Administração, ao realizar sucessivos convites no tempo, fosse obrigada a dirigir o convite a centenas de licitantes. Além disso, entende o autor que o dispositivo não confere aos convidados nos convites anteriores direito a ser convidado para os convites posteriores.

A não obtenção do número mínimo de licitantes, seja por limitações de mercado ou por desinteresse dos convidados, deverá estar devidamente justificada no processo, sob pena de repetição do convite (art. 22, § 7º).

COMPARAÇÃO ENTRE CONCORRÊNCIA, TOMADA DE PREÇOS E CONVITE

Destacam-se as seguintes diferenças entre a concorrência, a tomada de preços e o convite: 1ª. relativa ao vulto econômico da futura contratação: a concorrência é a

modalidade destinada à contratação de maior vulto econômico, a tomada de preços, para a contratação de vulto econômico médio e o convite para a contratação de menor vulto econômico, segundo os parâmetros estabelecidos no artigo 23, I e II da Lei. A recente Lei 11.107/05, que trata do consórcio público, alterou os limites do artigo 23, da Lei 8.666/93, quando se tratar de consórcio público formado por três entes da federação, estabelecendo que os valores mencionados no aludido dispositivo serão considerados em dobro e, quando se tratar de consórcio púbico formado por maior número (maior que três), os valores serão triplicados.

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4CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

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2ª. relativa à complexidade do procedimento: a complexidade do procedimento é diretamente proporcional ao vulto econômico da futura contratação, ou seja, a concorrência e a tomada de preços são procedimentos mais complexos do que o convite, e a concorrência é procedimento mais complexo do que a tomada de preços.

3ª. relativa à participação dos licitantes: da concorrência podem participar quaisquer interessados que preencham os requisitos do edital; na tomada de preços só podem participar os cadastrados e os que obtenham seu cadastramento com a antecedência prevista no artigo 22, § 2º, da Lei; no convite participam os escolhidos pela Administração e demais cadastrados que manifestem seu interesse nos termos do disposto no artigo 22, § 3º da Lei.

4ª. relativa à publicidade do edital: na concorrência e na tomada de preços o edital deve ser publicado na imprensa, enquanto que no convite ele é afixado em local próprio da repartição.

5ª. relativa ao prazo entre a publicação do aviso de convocação e o recebimento das propostas: na concorrência, o prazo mínimo é de 30 dias corridos, elevando-se para 45 dias, caso se trate de concorrência do tipo melhor técnica e técnica e preço ou se o futuro contrato for de empreitada integral. Na tomada de preços o prazo mínimo é de 15 dias corridos, aumentando-se para 30 dias nas licitações do tipo melhor técnica ou técnica e preço. No convite, o prazo mínimo é de cinco dias úteis, ao invés de corridos, como ocorre nas modalidades da concorrência e da tomada de preços (art. 21).

CONCURSO

Concurso é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, mediante a instituição de prêmios ou a remuneração aos vencedores, conforme critérios constantes do edital, segundo o que dispõe o artigo 22, § 4º, da Lei 8.666/93.

A publicidade do concurso dá-se pela publicação do edital com antecedência de pelo menos 45 dias da apresentação dos trabalhos (art. 22, § 4º, da Lei 8.666/93).

Cada concurso tem seu regulamento próprio, devendo o edital indicar o local em que poderá ser obtido.

O regulamento deverá indicar: I – a qualificação exigida dos participantes; II – as diretrizes e a forma de apresentação do trabalho; III – as condições de realização do concurso e os prêmios a serem concedidos (art. 52, § 1º, da Lei 8.666/93).

O julgamento do concurso é feito por comissão especial, integrada por pessoas de reputação ilibada e reconhecido conhecimento da matéria em exame, servidores públicos ou não (art. 51, § 5º).

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5CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO ADMINISTRATIVO – PROFª CRISTINA APARECIDA FACEIRA MEDINA MOGIONI

Caso o concurso verse sobre apresentação de projeto, o vencedor deverá autorizar a Administração a executá-lo quando julgar conveniente (§ 2º, do artigo 52, da Lei 8.666/93).

O concurso se exaure com a escolha do melhor trabalho e com a instituição ao vencedor do prêmio ou com o pagamento da remuneração previstos no edital. O vencedor do concurso não tem direito a ser contratado pela Administração. Aliás, tratando-se de projeto a ser executado pela Administração, deverá ser realizada licitação para tal finalidade, vedando-se a participação do vencedor do concurso, a não ser como consultor ou técnico, exercendo funções de fiscalização, supervisão ou gerenciamento, exclusivamente a serviço da Administração (art. 9º, parágrafo 1º, da Lei 8.666/93).

LEILÃO

É a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para a venda de bens móveis inservíveis para Administração ou de produtos legalmente apreendidos ou penhorados, ou para a alienação de bens imóveis prevista no art. 19, a quem oferecer o maior lance, igual ou superior ao valor da avaliação (art. 22, § 5º).

Tanto pode ser realizado para a alienação de bens móveis, incluindo-se também os semoventes, como igualmente para a alienação de bens imóveis, desde que nos casos do artigo 19.

Há impropriedade da lei ao admitir a alienação dos bens penhorados através de leilão, como modalidade de procedimento licitatório. A alienação de bens móveis penhorados passa-se em Juízo e, embora também receba o nome de leilão, não se trata de modalidade de licitação.

A esse respeito, há entendimento de que o legislador pretendia se referir a bens empenhados, em vez de bens penhorados. Sabe-se que o penhor é direito real de garantia previsto na lei civil, distinguindo-se da penhora, que é instrumento de direito processual. Exemplos de bens empenhados são as jóias entregues à Caixa Econômica Federal para garantia de contrato de mútuo, de sorte que, não devolvido o dinheiro emprestado, elas são levadas a leilão, modalidade de licitação, para pagamento do empréstimo. Outro entendimento é no sentido de que o legislador quis se referir a bens advindos de execução judicial ao mencionar os bens penhorados, possibilitando-se, por exemplo, que bens arrematados ou adjudicados em execução fiscal pudessem ser posteriormente leiloados nos termos da Lei 8.666/93.

Os bens imóveis passíveis de alienação mediante leilão são os provenientes de procedimentos judiciais ou de dação em pagamento (art. 19).

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6CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

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No leilão, os lances costumam ser verbais e sucessivos, vencendo o licitante que oferecer o maior deles.

A lei admite que se dispense a documentação relativa à habilitação dos licitantes, no todo ou em parte (art. 32, § 1º). Isso se justifica em razão de ser o leilão ato negocial instantâneo, ou seja, após o apregoamento, segue-se o pagamento à vista ou a prazo curto e a entrega do bem ao vencedor.

PREGÃO

O pregão foi criado pela Medida Provisória nº 2.026/00 e se destinava apenas à União, o que motivou opiniões doutrinárias pela inconstitucionalidade da referida MP, tendo em vista que a instituição de modalidade de licitação é matéria de norma geral e deveria constar de lei nacional, aplicável a todas as pessoas políticas, não apenas à União.

A lei 10.520/02 corrigiu a inconstitucionalidade que havia na medida provisória ao estabelecer a modalidade do pregão para todas as pessoas políticas.

Trata-se de modalidade de licitação para aquisição de bense serviços comuns qualquer que seja o valor estimado da contratação, efetivando-se a disputa por meio de propostas e lances em sessão pública.

O § 1º, do artigo 1º da lei em apreço diz que “Consideram-se bens e serviços comuns, para os fins deste artigo, aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado”, o que, todavia, nada esclarece.

Melhor seguir a conceituação proposta por Marçal Justen Filho, para quem o traço caracterizador de objeto comum “é a padronização de sua configuração, que é viabilizada pela ausência de necessidade especial a ser atendida e pela experiência e tradição do mercado” (RDA 221/12).

O procedimento do pregão é marcado pela inversão das fases de habilitação e classificação em relação à concorrência, à tomada de preços e ao convite, ou seja, por primeiro faz-se o julgamento e a classificação, passando-se, em seguida, à fase de habilitação.

Os interessados são convocados mediante publicação de aviso no Diário Oficial ou, se este não existir, em jornal de grande circulação local e, facultativamente, por meios eletrônicos e, conforme o vulto da licitação, também em jornal de grande circulação.

O prazo para apresentação das propostas inicia-se a partir da publicação do edital e não pode ser inferior a oito dias úteis.

No dia, hora e local designados, as propostas serão recebidas e abertas em sessão pública, devendo os interessados ou seus representantes se identificar e, se for o caso, comprovar a existência de poderes para formulação das propostas e para a prática de todos os demais atos do certame.

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7CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO ADMINISTRATIVO – PROFª CRISTINA APARECIDA FACEIRA MEDINA MOGIONI

Depois de aberta a sessão, as propostas são apresentadas por escrito, em envelope em que conste a menção ao objeto e ao preço oferecido.

Abertos os envelopes dos licitantes, faz-se uma verificação quanto à conformidade com os requisitos estabelecidos pelo instrumento convocatório.

Com o conhecimento das propostas, abre-se a oportunidade para que o proponente da oferta mais baixa e os que tenham apresentado ofertas até 10% superiores a ela, possam fazer sucessivos lances verbais, até a proclamação do vencedor. Caso não existam pelo menos três proponentes cujas ofertas se enquadrem nestas condições, os disputantes das melhores propostas, até o máximo de três, podem fazer lances verbais.

O critério para o julgamento e a classificação das propostas é o do melhor preço, desde que observados os prazos máximos de fornecimento, as especificações técnicas e parâmetros mínimos de desempenho e qualidade definidos no edital.

Após o julgamento e a classificação das propostas é que será aberto o envelope contendo os documentos de habilitação do melhor proponente, verificando a regularidade perante a Fazenda Nacional, a Seguridade Social, o FGTS e as Fazendas Estaduais e Municipais, quando for o caso, além das demais exigências de habilitação.

Na hipótese de inabilitação do melhor proponente, passa-se à análise da documentação relativa à habilitação do segundo melhor classificado e, assim sucessivamente, na hipótese de novas inabilitações.

Na esfera federal são dispensáveis os documentos que constem do Cadastro Unificado de Fornecedores – SICAF. Nas demais esferas, havendo sistemas semelhantes de cadastro, os documentos que dele constem também são dispensáveis. Em um e outro caso, assegura-se aos demais licitantes o direito de acesso dos dados constantes dos cadastros.

Atendidas as exigências constantes do edital, o licitante será declarado vencedor.

Proclamado o vencedor e decididos eventuais recursos contra esta decisão, segue-se a adjudicação ao vencedor e a homologação do julgamento pela autoridade competente, à qual também compete convocar o adjudicatário para assinar o contrato.

Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, o “pregão” é uma forma de leilão não para alienar, mas para adquirir “bens e serviços comuns”.

O autor destaca duas características muito salientes em relação às modalidades da concorrência, da tomada de preços e do convite; a primeira refere-se à inversão da fase de habilitação e da fase de julgamento já mencionada acima, enquanto que a segunda diz respeito à utilização do pregão qualquer que seja o valor do bem ou serviço a ser adquirido, a contrário das demais modalidades citadas em que o valor é determinante para escolha.

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8CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

DIREITO ADMINISTRATIVO – PROFª CRISTINA APARECIDA FACEIRA MEDINA MOGIONI

QUESTÕES

1. Quais são as modalidades de licitação? 2. Qual é a pessoa política que tem a competência para definir as

modalidades de licitação? 3. O que é concorrência? 4. Em que casos é utilizada a concorrência? 5. O que é tomada de preços? 6. Qual a orientação que tem sido adotada na prática relativamente a

licitantes não cadastrados previamente mas que apresentem a documentação necessária ao cadastramento no prazo legal?

7. O que é convite? 8. Como se dá a publicidade, no caso do convite? 9. Qual o procedimento a ser adotado a cada novo convite para objeto

idêntico ou assemelhado, existindo na praça mais de três possíveis interessados?

10. Quais são as diferenças entre concorrência, tomada de preços e convite? 11. O que é concurso? 12. O que deverá ser indicado no regulamento do concurso? 13. Como é efetuado o julgamento do concurso? 14. Como se dá a publicidade do concurso? 15. O que é leilão? 16. Quais os entendimentos doutrinários a respeito do leilão para a venda de

produtos penhorados? 17. O que é pregão? 18. Quais as opiniões doutrinárias sobre a Medida Provisória n.º 2.026/00

que criou o pregão? 19. Como foi corrigida a inconstitucionalidade da Medida Provisória acima

mencionada?20. Como se efetua o procedimento do pregão? 21. Como se convocam os interessados para o procedimento do pregão? 22. Qual é o critério para julgamento e classificação das propostas no

pregão?23. Quais as características do pregão em relação às modalidades da

concorrência, tomada de preços e do convite, segundo Celso A. Bandeira de Mello?

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DIREITOTRIBUTÁRIO

CURSO A DISTÂNCIA MÓDULO XII

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1CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII DIREITO TRIBUTÁRIO- PROFºs. GUILHERME ADOLFO DOS SANTOS MENDES e

DIMAS MONTEIRO DE BARROS

LEIS ORDINÁRIAS

A lei ordinária é o instrumento apto à instituição de tributos, excetuados os casos discriminados no item precedente, expressamente deixados à lei complementar. Também a ela cabe majorá-los ou reduzi-los, excetuados, além dos tributos dependentes de lei complementar, os que não se submetem, inteiramente, ao princípio da estrita legalidade e que por isto podem ter suas alíquotas elevadas ou reduzidas por ato do Poder Executivo. É função da lei ordinária, ainda, a cominação de penalidades às infrações à legislação tributária, bem como a disciplina das hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários previstas na lei complementar de normas gerais (apesar de ser este o entendimento usual, lembrar, apenas, que o STF, em decisão isolada, já declarou a constitucionalidade de lei ordinária do DF que estabelecia forma de extinção do crédito – dação em pagamento – à época não prevista em lei complementar).

Calha mencionar, ainda, a possibilidade de a medida provisória disciplinar todas as matérias deixadas pela CF à lei ordinária, com as limitações trazidas pela EC no 32. Também a lei delegada pode dispor sobre matéria tributária, atendidos os requisitos constitucionais. Das duas situações trataremos nos itens subseqüentes.

Transcrevemos, para melhor entendimento da matéria, o artigo 97 do CTN, que minudencia o conteúdo do princípio da legalidade:

Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: I – a instituição de tributos, ou a sua extinção; II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos arts. 21, 26, 39, 57 e 65; III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do §3o do art. 52, e do seu sujeito passivo; IV – a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos arts. 21, 26, 39, 57 e 65; V – a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.

§ 1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.

§ 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.

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2CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII DIREITO TRIBUTÁRIO- PROFºs. GUILHERME ADOLFO DOS SANTOS MENDES e

DIMAS MONTEIRO DE BARROS

A lei ordinária – conforme se extrai do sistema constitucional e dos incisos I a IV e dos §§ 1o e 2o do artigo supra transcrito – deve, via de regra, estabelecer todos os aspectos necessários à identificação do tributo: material (verbo da hipótese de incidência), subjetivo (sujeitos ativo e passivo), quantitativo (base de cálculo e alíquota), temporal (momento da ocorrência do fato gerador) e espacial (local de ocorrência, segundo eleição legal).

A possibilidade de correção monetária da base de cálculo do tributo deve estar prevista em lei, conforme entendimento dos nossos tribunais. Não se submete à reserva legal, entretanto, a determinação do indexador a ser utilizado.

Quanto às penalidades, lembremo-nos de que devem ser sempre fixadas, reduzidas ou dispensadas por lei, sejam decorrentes de descumprimento de obrigação tributária principal ou acessória.

As hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários são as constantes da lei complementar veiculadora de normas gerais de direito tributário (arts. 175, 151 e 156). Prevalece o entendimento de que à lei ordinária cabe, por exemplo, dispor sobre os parcelamentos, as isenções, etc., mas não criar novas hipóteses de extinção, exclusão ou suspensão do CT. Novamente, ressalvamos o entendimento contrário já esposado pelo STF.

LEIS DELEGADAS

A lei delegada está disciplinada pelo art. 68 da CF e é instrumento hábil à edição de normas tributárias, sempre que a matéria for, segundo a CF, disciplinável por lei ordinária.

MEDIDAS PROVISÓRIAS

Antes do advento da Emenda Constitucional 32/2001, em doutrina e jurisprudência discutiu-se exaustivamente o campo material passível de regulação por medida provisória. No ano de sua publicação, entretanto, era já pacífico o entendimento dos tribunais do país quanto à possibilidade de edição de tal espécie normativa em matéria tributária, inclusive na instituição ou majoração de tributo, excetuados os casos de reserva de lei complementar. O princípio da anterioridade considerava-se atendido desde que a primeira edição da MP se desse antes do término do exercício, pouco importando a sua conversão em lei para fins de determinação da data inicial de exigibilidade do tributo. A posição da jurisprudência consolidou-se apesar dos pungentes protestos de considerável parte da doutrina.

A nova redação do artigo 62 da CF levou à modificação do entendimento jurisprudencial acerca do tema. Em primeiro lugar, porque foi vedada a possibilidade de reedições de medidas provisórias: o novo texto da

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3CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII DIREITO TRIBUTÁRIO- PROFºs. GUILHERME ADOLFO DOS SANTOS MENDES e

DIMAS MONTEIRO DE BARROS

Constituição Federal estabelece a perda de eficácia de MP não convertida em lei no prazo de 60 dias, prorrogável uma única vez por igual período. Além disso, a EC no 32 pretendeu eliminar os debates quanto às matérias passíveis de disciplina pelo Presidente da República e, quanto à instituição ou majoração de impostos, restringiu a utilização desta espécie normativa:

Art. 62. (...) (...)§ 2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada.

Para os fins de atendimento ao Princípio da Anterioridade, portanto, passa a importar a data da conversão da MP em lei. As exceções constantes do dispositivo dizem respeito, logicamente, aos impostos não submetidos ao princípio, já comentados no tempo oportuno. Destaque-se ainda que a limitação acima não abarca as demais espécies tributárias (taxas, contribuições de melhoria, contribuições especiais e empréstimos compulsórios).

Vale ressaltar que nem mesmo a EC no 32 pacificou a doutrina: permanecem vozes a advogarem a imprestabilidade das medidas provisórias no Direito Tributário.

Importante, também, mencionar a impossibilidade de edição de MP na regulamentação de artigo da CF cuja redação tenha sido alterada por emenda promulgada no período entre 1o de janeiro de 1995 e 11 de setembro de 2001. A vedação é ditada pelo art. 246 da CF.

Agora, a EC no 42/2003 pode produzir novas discussões acerca da problemática da medida provisória. A denominada reforma tributária aperfeiçoou o conteúdo do princípio da anterioridade tributária, com a inserção de uma alínea “c” no inciso III do art. 150 da CF:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...)III - cobrar tributos: (...)c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;

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A pergunta que se pode colocar é: qual a data a ser considerada para a contagem do prazo de 90 dias instituído pelo dispositivo acima, no caso de instituição/majoração de imposto por medida provisória? A data de edição da MP ou de sua conversão em lei?

Uma medida provisória que instituísse tributo, editada em 03.10 e convertida em lei em 31.12, o faria exigível em 01.01 (contando-se os 90 dias a partir da edição) ou apenas em 31.03 (contando-se a partir da conversão em lei)? Note-se que, nas duas hipóteses, fica atendida a literalidade do art. 62, §2o. Consideramos correta, entretanto, a segunda delas (exigibilidade do tributo a partir de 31.03), uma vez que o novo dispositivo constitucional manda contar-se o prazo a partir da publicação da lei e por considerarmos essa interpretação a única compatível com os propósitos do art. 62 (submeter à conversão em lei o atendimento do princípio da anterioridade).

É possível, porém, que a jurisprudência se posicione no outro sentido, diante do já mencionado histórico de interpretação do instituto da medida provisória. Antes da EC no 32, conforme já dissemos, os tribunais consideravam atendido o Princípio da Anterioridade com a edição da MP antes do término do exercício, independentemente de sua conversão em lei. Foi necessária modificação constitucional, com a inauguração de texto expresso e inequívoco em sentido contrário, para que esse entendimento fosse afastado. Talvez nossas cortes tenham, agora, nova oportunidade de manifestar sua tendência a alargar o cabimento e a eficácia das medidas provisórias, sempre que não haja texto constitucional indisputavelmente restritivo.

DECRETOS LEGISLATIVOS

O decreto legislativo é o instrumento de exercício de competências privativas do Congresso Nacional e serve a dois distintos propósitos em matéria tributária: a) rege as relações decorrentes de medida provisória rejeitada ou que tenha perdido a eficácia e b) integra o processo de internalização das normas constantes de tratados internacionais.

Quanto à primeira das funções mencionadas, o artigo 62 da CF dispensa comentários:

Art. 62(...) (...)§ 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes.

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(...)§ 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas.

No que toca a internalização de tratados internacionais, o tema possui contornos um tanto mais complexos.

Os tratados e convenções (expressões empregadas como sinônimas em direito internacional), atos realizados entre Estados soberanos por seus órgãos competentes, com o objetivo de disciplinar matérias respeitantes às relações entre eles, entre um deles e os cidadãos do outro ou entre cidadãos de cada um, somente adquirem eficácia interna, no Brasil, após um procedimento de integração ao ordenamento jurídico nacional, que requer a conjugação de vontades dos Poderes Executivo e Legislativo.

O art. 84, VIII da CF estabelece a competência privativa do Presidente da República para celebrar tratados e o art. 49, I, a competência do Congresso Nacional para resolver definitivamente sobre tratados que acarretem encargos gravosos ao patrimônio Nacional.

Segundo o STF, “a recepção dos tratados internacionais em geral (...) celebrados pelo Brasil (...) depende, para efeito de sua ulterior execução no plano interno, de uma sucessão causal e ordenada de atos revestidos de caráter político-jurídico, assim definidos: (a) aprovação, pelo Congresso Nacional, mediante Decreto Legislativo, de tais convenções; (b) ratificação desses atos internacionais, pelo Chefe de Estado, mediante depósito do respectivo instrumento; (c) promulgação de tais acordos ou tratados, pelo Presidente da República, mediante decreto, em ordem a viabilizar a produção dos seguintes efeitos básicos, essenciais à sua vigência doméstica: (1) publicação oficial do texto do tratado e (2) executoriedade do ato de direito internacional público, que passa, então, – e somente então – a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno.” – STF, pleno, CR (AgRg) 8.279, Rel. Min. Celso de Mello, jun/1998.

O decreto legislativo, nesse iter, constitui a aquiescência do Congresso Nacional quanto aos termos do tratado, mas ainda não importa sua incorporação ao ordenamento interno, que depende do depósito e da edição de decreto presidencial.

Há, em doutrina, quem sustente a internalização pela simples edição de decreto legislativo.

TRATADOS INTERNACIONAIS

Estabelece o artigo 98 do CTN, em redação sobremaneira criticada:

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Art. 98. Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha.

Vale, aqui, repetirmos o entendimento do STF explicitado no item precedente, no sentido de não vigorarem no Brasil os princípios do efeito direito e da aplicabilidade imediata dos tratados e convenções: fonte formal de direito não é o tratado em si. Este apenas gera efeitos internos após o desenvolvimento do iter procedimental já mencionado e, portanto, não revoga nem modifica a legislação interna.

Mesmo incorporado ao ordenamento nacional, após a edição do decreto legislativo e do decreto presidencial, entretanto, o tratado não revoga a legislação interna segundo parte da doutrina, mas suspende sua eficácia, que se restabelece em caso de denúncia.

Ademais, de acordo com entendimento prevalecente entre nós, as disposições do tratado representam normas especiais a par das gerais já existentes, válidas apenas em casos específicos, motivo pelo qual as leis internas permaneceriam intocadas e voltariam a ser aplicadas integralmente em caso de denúncia da convenção.

Não se pode, assim, como faz o dispositivo ora em comento, dizer que os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna. O equívoco, porém, não parece parar nisso: também erra o CTN, quando afirma a necessidade de observância dos tratados pela legislação que lhes sobrevenha.

Isso porque, nos termos do entendimento francamente majoritário na jurisprudência e esposado pelo STF (embora em matéria não tributária), o tratado internacional incorporado à legislação interna não é a ela hierarquicamente superior; suas disposições, assim, podem validamente ser modificadas por lei posterior de caráter ordinário e eventuais conflitos são solucionados pelos tradicionais critérios cronológico e de especialidade. Se estão, como afirma o STF, no mesmo plano das leis ordinárias, os tratados não podem versar matéria constitucional, em contradição com o Texto Supremo, nem matérias reservadas à lei complementar.

Uma última questão merece análise: visto que na assinatura e internalização das convenções internacionais há participação apenas dos poderes da União, passou-se a discutir a possibilidade de essas convenções tratarem de tributos estaduais e municipais, sem com isso estar a União invadindo competência tributária constitucionalmente atribuída aos Estados e Municípios.

Parte da doutrina entende que o processo de celebração e incorporação do Tratado ao ordenamento nacional é efetivado pelo Estado Federal, detentor da soberania e apto a representar internacionalmente os componentes da Federação, e não pela União, que é um desses componentes, dotado simplesmente de autonomia. Inexistiria, assim, qualquer invasão de competência na hipótese aventada.

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Outros, contrariamente, aduzem a impossibilidade da celebração de tratados sobre temas de competência dos Estados e Municípios. O STJ já proferiu acórdão nesse sentido, declarando a impossibilidade de concessão de isenção de tributo estadual por tratado internacional.

RESOLUÇÕES DO SENADO

A Constituição outorga ao Senado Federal a competência para dispor, em Resolução, sobre as alíquotas do ICMS, do ITCD e do IPVA (EC 42/2003), impostos estaduais. A atribuição é coerente com o sistema constitucional, já que o Senado é a casa de representação dos Estados no Poder Legislativo Federal.

Transcrevemos os dispositivos pertinentes:

1 – quanto ao ICMS: Art. 155. (...) (...)§2o – (...) IV - resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação;V - é facultado ao Senado Federal: a) estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas, mediante resolução de iniciativa de um terço e aprovada pela maioria absoluta de seus membros; b) fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para resolver conflito específico que envolva interesse de Estados, mediante resolução de iniciativa da maioria absoluta e aprovada por dois terços de seus membros;

A parte final do inciso IV supra-transcrito (“e de exportação”) restou prejudicada com o advento da imunidade inserida no art. 155, §2o, X, “a” do texto constitucional pela EC 42/03.

2 – quanto ao ITCD Art. 155. (...) (...)§1o – (...) IV - terá suas alíquotas máximas fixadas pelo Senado Federal;

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3 – quanto ao IPVA Art. 155. (...) (...)§6o – (...) I - terá alíquotas mínimas fixadas pelo Senado Federal; (EC 42/2003)

A lei instituidora dos tributos deve conter a alíquota aplicável no Estado, sendo-lhe vedado atrelar o valor ao máximo ou mínimo fixado pelo Senado.

DECRETOS

Estabelece o art. 99 do CTN:

Art. 99. O conteúdo e o alcance dos decretos restringem-se aos das leis em função dos quais sejam expedidos, determinados com observância das regras de interpretação estabelecidas nesta Lei.

O Princípio da Legalidade Tributária impede que o Executivo, por Decreto ou outros atos normativos, como Portarias, Instruções, etc., estabeleça os aspectos da norma tributária impositiva ou regule os temas mencionados no artigo 97 do CTN, salvo as exceções constitucionais já tratadas.

Nos termos do art. 84, IV, da CF, compete privativamente ao Presidente da República sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução. Os decretos em matéria tributária, assim, somente podem minudenciar as leis com vistas a sua correta execução, diante da vedação constitucional à delegação legislativa e da impossibilidade de edição de regulamento autônomo.

A doutrina constitucional mais moderna e a jurisprudência mais recente, entretanto, têm ressaltado o fato de que execução não é necessariamente reprodução, afastando com isto os rigores da teoria da tipicidade cerrada e de certa forma ampliando os poderes do regulamento. Entende a jurisprudência que por decreto se podem estabelecer, por exemplo, índices de atualização monetária, vencimento e prazo de recolhimento de tributos.

NORMAS COMPLEMENTARES

O tema vem disciplinado no art. 100 do CTN:

Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos:

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I - os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas;II - as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, a que a lei atribua eficácia normativa;III - as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas;IV - os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Parágrafo único. A observância das normas referidas neste artigo exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo.

As normas complementares, necessário dizer, encontram seu espaço de atuação apenas nas matérias não submetidas à reserva legal.

Quanto ao parágrafo único, estabelece a impossibilidade de punição do contribuinte que tenha deixado de recolher tributo, amparado por disposição constante de norma complementar, ainda diante de posterior repúdio do fisco à norma.

O tributo deverá ser recolhido, uma vez que a atividade administrativa nesse campo é plenamente vinculada e que norma complementar não pode dispensar o pagamento, em oposição à lei. O contribuinte, entretanto, fica imune a penalidades e juros, por ter agido de conformidade com orientações do próprio credor, que não pode, sem grave violação do princípio da boa-fé, prejudicá-lo com sua repentina alteração de conduta.

O dispositivo, entretanto, vai além, ao impedir a correção monetária da base de cálculo do tributo devido e não pago. Parece-nos, aqui, estarmos diante de verdadeira dispensa de pagamento de tributo, uma vez que a correção monetária não constitui majoração de ônus, mas tão-somente garantia de manutenção do valor do crédito tributário. Pagar o tributo sem correção monetária, em economias inflacionárias, corresponde a pagar apenas parte dele, com evidente enriquecimento sem causa por parte do contribuinte.

Passamos a discorrer sobre cada uma das normas complementares.

ATOS NORMATIVOS EXPEDIDOS PELAS AUTORIDADES ADMINISTRATIVAS

Os atos normativos têm por função, tanto quanto os decretos, possibilitar a correta execução da lei, aplicando-se aqui os comentários já feitos no item precedente. São, porém, inferiores a eles, como decorrência da estrutura organizacional da administração pública, em que o Presidente é hierarquicamente superior aos Ministros de Estado e estes são

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10CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII DIREITO TRIBUTÁRIO- PROFºs. GUILHERME ADOLFO DOS SANTOS MENDES e

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superiores aos Secretários. Interessa, apenas, informar que os atos normativos mais utilizados pela autoridade tributária federal são as Portarias Ministeriais e as Instruções Normativas do Secretário da Receita Federal.

DECISÕES DOS ÓRGÃOS SINGULARES OU COLETIVOS DE JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA, A QUE A LEI ATRIBUA EFICÁCIA NORMATIVA

Nem todas as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa são normas complementares. Tais decisões geram efeitos unicamente no caso concreto, a menos que a lei expressamente lhes confira eficácia normativa.

As decisões da Secretaria da Receita Federal, proferidas em processos de consulta ou no contencioso administrativo, pelas Delegacias de Julgamento, não são dotadas de eficácia normativa. O mesmo se diga quanto às proferidas pelos Conselhos de Contribuintes.

No Estado de São Paulo, diferentemente, as decisões das Câmaras reunidas do Tribunal de Impostos e Taxas, quando aprovadas por maioria de 2/3, são de observância obrigatória pelos agentes fiscais de rendas. Em caso de não ser alcançada a maioria qualificada, o efeito normativo depende da homologação do decidido pelo Secretário da Fazenda.

AS PRÁTICAS REITERADAMENTE OBSERVADAS PELAS AUTORIDADES ADMINISTRATIVAS

O costume administrativo, da mesma forma que as demais normas complementares, não pode importar exigência de tributo ou de penalidade não previstos em lei. Passa a ser obrigatório na medida em que crie no espírito do contribuinte e dos próprios servidores uma legítima expectativa de sua manutenção.

OS CONVÊNIOS QUE ENTRE SI CELEBREM A UNIÃO, OS ESTADOS, O DISTRITO FEDERAL E OS MUNICÍPIOS

O dispositivo trata dos convênios de mútua assistência administrativa, passíveis de celebração pelas pessoas políticas, com o fito de promover a permuta de informações e de tornar mais eficaz e menos onerosa a fiscalização tributária.

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11CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII DIREITO TRIBUTÁRIO- PROFºs. GUILHERME ADOLFO DOS SANTOS MENDES e

DIMAS MONTEIRO DE BARROS

QUESTÕES

1. Qual é o instrumento apto à instituição de tributos? 2. Quais as funções da lei ordinária no tocante aos tributos? 3. Quais os aspectos necessários à identificação do tributo que devem ser

estabelecidos pela lei ordinária? 4. A edição de normas tributárias pode ser feita através de lei delegada? 5. Qual o entendimento jurisprudencial acerca da regulação de matéria

tributária por medida provisória antes e depois da EC n.º 32/2001? Como se considerava atendido o princípio da anterioridade?

6. É possível a edição de MP na regulamentação de artigo da CF cuja redação tenha sido alterada por emenda promulgada período entre 1º de janeiro de 1995 e 11 de setembro de 2001?

7. Qual é data a ser considerada para a contagem do prazo de 90 dias instituído pela letra “c” do item III do art. 150 da CF?

8. Para que serve o decreto legislativo? 9. O que são tratados e convenções e como adquirem eles eficácia interna? 10. Qual a posição da doutrina acerca da revogação da legislação interna

pelos tratados e convenções internacionais? 11. Qual a posição da doutrina acerca da possibilidade da celebração de

tratados sobre temas de competência dos Estados e Municípios? 12. Quais são as matérias que podem ser tratadas através de Resoluções do

Senado Federal? 13. Qual é a função dos Decretos? 14. O que são normas complementares? 15. Qual a função dos atos normativos expedidos pelas autoridades

administrativas?16. Pode o costume administrativo importar exigência de tributo ou de

penalidade não previstos em lei?

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1CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

TESTES

DIREITO CIVIL / PROCESSO CIVIL / DIREITO COMERCIAL

1. Assinale a alternativa INCORRETA: a. Os veículos oficiais são bens públicos de uso especial; b. Os terrenos da marinha são bens públicos dominiais; c. As terras dos silvícolas são bens públicos de uso comum do povo; d. Os mares e os rios são absolutamente inalienáveis.

2. Assinale a alternativa INCORRETA: a. O poder familiar é concedido exclusivamente aos pais; b. Os pais podem alienar os bens móveis dos filhos menores,

independentemente de alvará judicial; c. O procedimento de suspensão do poder familiar pode ser instaurado de

ofício;d. Os pais podem castigar moderadamente o filho menor.

3. Assinale a alternativa INCORRETA: a. A ação de redução pode ser movida por credor do herdeiro necessário; b. A ação de redução é divisível; c. A ordem de redução pode ser alterada pelo testador; d. Se o excesso for superior a ¼ do valor do imóvel indivisível, o legatário

poderá ficar com o prédio, desde que reponha a diferença em dinheiro.

4. Assinale a alternativa INCORRETA: a. A citação válida produz os efeitos materiais, ainda que ordenada por juiz

incompetente;b. No inventário, o herdeiro que vive fora da Comarca é citado por edital,

ainda que tenha endereço certo; c. Na execução fiscal, o executado que reside fora do Brasil é citado por

carta rogatória; d. A citação válida produz os efeitos processuais, ainda que ordenada por

juiz incompetente.

5. Assinale a alternativa INCORRETA: a. A propositura da ação rescisória não suspende a execução da sentença; b. Não se admite medida cautelar para obstar a execução da sentença

rescindenda; c. O “iudicium rescisorium” é um pedido obrigatório na ação rescisória; d. A sentença de separação judicial amigável não pode ser objeto de ação

rescisória.

6. Assinale a alternativa correta no que diz respeito à responsabilidade pessoal dos sócios na Sociedade Limitada: a. Respondem no caso de desconsideração de pessoa jurídica; b. Respondem pelas dívidas fiscais;

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2CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

TESTES

c. Respondem pelos débitos junto à Seguridade Social; d. Respondem pelas dívidas trabalhistas; e. Todas as alternativas estão corretas.

7. Assinale a alternativa INCORRETA: a. O procedimento comum é exclusivo das cautelares inominadas; b. Não é cabível reconvenção na ação cautelar; c. Se o réu não contestar a ação cautelar, ocorrerá o efeito da revelia, salvo

se for direito indisponível; d. Na ação cautelar é cabível o julgamento antecipado da lide, se não houver

necessidade de se produzir prova em audiência.

DIREITO PENAL / PROCESSO PENAL

8. Do ponto de vista da Teoria da Tipicidade assinale a alternativa INCORRETA:a. Para a tipicidade conglobante a tipicidade legal deve ser complementada

pela antinormatividade; b. Para a teoria dos elementos negativos do tipo as causas de justificação

funcionam como elementos negativos do tipo legal; c. Nos crimes de suicídio, furto de uso, autolesão e outros, pode-se afirmar

que apesar de haver tipicidade, não há crime por ausência de antijuridicidade;

d. No crime tentado a tipicidade se dá através da adequação típica de subordinação mediata ou ampliada.

9. Assinale a alternativa CORRETA: a. No sursis etário o período de prova de 4 a 6 anos só será aplicado quando

a pena for fixada acima de quatro anos; b. A audiência admonitória pode ser feita por serventuários da justiça que

utilizarão os modelos tradicionais utilizados nas varas de execução penal; c. O juízo de execução, em regra, não é competente para a aplicação do

sursis;d. A sentença que concede o sursis não pode fixar o regime de cumprimento

da penal pelo fato de que a pena está suspensa na sua execução.

10. Assinale a alternativa CORRETA: a. Nos dois crimes estudados não cabe a tentativa porque ambos são

culposos; b. Nos dois crimes estudados não cabe a tentativa porque em ambos há uma

omissão;c. Nos dois crimes estudados não cabe a tentativa porque um é doloso e

outro culposo; d. Nos dois crimes estudados não cabe a tentativa porque o primeiro é

culposo e o segundo, embora doloso, é omissivo próprio.

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3CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

TESTES

11. No que diz respeito à exceção da verdade é CORRETO afirmar: a. É a regra geral no crime de calúnia; b. Não é permitida quando a ação penal for pública e o ofendido for o

Governador do Estado; c. Permite-se quando a ofensa for contra o Presidente da República porque o

Estado tem o dever de apurar o crime; d. É vedada quando o fato imputado for de ação penal privada e o ofendido

não foi condenado por sentença irrecorrível.

12. Assinale a alternativa incorreta: a. O ato obsceno deve estar relacionado aos órgãos sexuais; b. A micção em lugar público é um ato obsceno; c. A exibição de revistas pornográficas em lugar público não é ato obsceno. d. Só é ato obsceno o de caráter sexual;

DIREITO TRIBUTÁRIO / DIREITO ADMINISTRATIVO / DIREITO CONSTITUCIONAL

13. Assinale a alternativa CORRETA: a. De acordo com o CTN todas as decisões dos órgãos singulares ou

coletivos de jurisdição administrativas são normas complementares das leis;

b. Os decretos em matéria tributária somente podem minudenciar as leis com vistas a sua correta execução, diante da vedação constitucional à delegação legislativa e da impossibilidade de edição de regulamento autônomo;

c. A possibilidade de correção monetária da base de cálculo do tributo e a determinação do indexador a ser utilizado devem estar previstos em lei;

d. O decreto legislativo é o instrumento de exercício de competências privativas do Senado Federal.

14. Assinale a alternativa CORRETA: a. A Administração Pública pode optar pela tomada de preços e pelo convite

para substituir a concorrência; b. Convite é a modalidade de licitação entre interessados devidamente

cadastrados ou que atenderem a todas as condições exigidas para cadastramento até o terceiro dia anterior à data do recebimento das propostas, observada a necessária qualificação;

c. Podem participar da tomada de preços quaisquer interessados que preencham os requisitos do edital;

d. O procedimento do pregão é marcado pela inversão das fases de habilitação e classificação em relação à concorrência, à tomada de preços e ao convite, ou seja, por primeiro faz-se o julgamento e a classificação, passando-se, em seguida, à fase de habilitação.

Page 211: Curso Federal 12

4CURSO A DISTÂNCIA – MÓDULO XII

TESTES

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

15. Assinale a alternativa CORRETA: a. Somente o Ministério Público pode oferecer a remissão; b. A remissão pode ser concedida também pelo juiz desde que o processo já

se tenha iniciado; c. A remissão é considerada hoje uma simples mitigação dos efeitos do ato

infracional;d. A remissão pode ser aplicada a quaisquer atos infracionais

independentemente da gravidade desde que seguido o devido processo legal.

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GABARITO MÓDULO XII

1- c 2- c 3- d 4- d 5- c

6- e 7- a 8- c 9- c 10- d

11- a 12- d 13- b 14- d 15- b