CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF...

41
AS REPERCUSSÕES SUBJETIVAS ORIUNDAS DO INGRESSO DE UM USUÁRIO NO PROGRAMA DE PROTEÇÃO Autor: Marcelo Moraes Moreira Orientadora: Anelise Pereira Sihler CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS: PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA A VÍTIMAS E COLABORADORES DA JUSTIÇA. UCB VIRTUAL

Transcript of CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF...

Page 1: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

AS REPERCUSSÕES SUBJETIVAS ORIUNDAS DO INGRESSO DE UM USUÁRIO NO PROGRAMA DE PROTEÇÃO

Autor: Marcelo Moraes Moreira

Orientadora: Anelise Pereira Sihler

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS: PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA A VÍTIMAS E COLABORADORES DA JUSTIÇA.

UCB VIRTUAL

Page 2: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

MARCELO MORAES MOREIRA

AS REPERCUSSÕES SUBJETIVAS ORIUNDAS DO INGRESSO DE UM USUÁRIO

NO PROGRAMA DE PROTEÇÃO

Monografia apresentada ao Programa de Pós-

Graduação Lato Sensu em Direitos Humanos:

Proteção e Assistência a Vítimas e a

Colaboradores da Justiça da Universidade

Católica de Brasília, como requisito parcial

para obtenção do Certificado de Especialista

em Direitos Humanos.

Orientadora: Professora Anelise Pereira Sihler,

Graduada em Pedagogia, Pós-graduada em

Psicologia e Mestra em Tecnologia da

Informação e Comunicação em EaD.

Belém

2009

Page 3: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

Dedico este trabalho a todas as pessoas envolvidas

com o sistema de proteção PROVITA:

representantes dos Conselhos Deliberativos,

integrantes das Entidades Gestoras, Equipes

Técnicas e de Monitoramento, Parceiros/as da

Rede Solidária e especialmente aos Usuários/as

dessa política, que são indubitavelmente o nosso

ponto de partida e de chegada.

Page 4: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela oportunidade da vida.

Aos meus pais pela educação propiciada, pelos ensinamentos e pelo afeto sincero.

A todas as pessoas da SDDH pela rica convivência e apoio.

Aos colegas da Equipe Técnica do PROVITA/PA pelas fantásticas trocas de experiências e

conhecimento.

Aos colegas da Equipe de Monitoramento pela grande aprendizagem técnica e política. Ao

Paulo pela dedicada companhia e cuidados constantes.

E especialmente a todos os/as usuários/as do PROVITA pelas surpreendentes e incessantes

lições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional.

Page 5: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

“não me preocupo tanto com novas formas de

subjetividade, mas com novas formas de

sociabilidade, porque é nelas que uma

subjetividade é modelada e plasmada”

Marilena Chauí.

Page 6: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

RESUMO

MOREIRA, Marcelo Moraes: As Repercussões Subjetivas Oriundas do Ingresso de um

Usuário no Programa de Proteção. 2009. 40 pág. Monografia apresentada ao Programa de

Pós-Graduação Lato Sensu em Direitos Humanos: Proteção e Assistência a Vítimas e a

Colaboradores da Justiça da Universidade Católica de Brasília, 2009.

O presente trabalho aborda as repercussões subjetivas que se originam quando do ingresso das

pessoas (denominados usuários) no programa de proteção à testemunha ameaçada –

PROVITA. Elementos como a morosidade da justiça em apurar as denúncias realizadas pelas

testemunhas e a longa permanência dos usuários no programa, a qual muitas vezes resulta no

estabelecimento de uma relação de dependência com essa política de proteção, corroborada

pela vivência excessiva sob rígidas regras de segurança, são enfatizados nessa discussão para

que se facilite o entendimento sobre as novas formas de pensar, de sentir e de agir no mundo

que essas pessoas experimentam. A descrição sobre o funcionamento do programa e o modo

como alguns dos seus procedimentos interferem no gozo pleno dos direitos humanos, também

são objetos de investigação dessa pesquisa.

Palavras-chave: Subjetividade. Saúde Mental. Direitos Humanos. Proteção à Testemunha.

Justiça.

Page 7: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

ABSTRACT

MOREIRA, Marcelo Moraes. The subjective repercussions from a user in ingress protection program. 2009. 40 page. Monograph presented to post-graduate programme Lato Sensu in human rights: protection and assistance to victims and collaborators of Justice of the Catholic University of Brasilia, 2009. This work covers the subjective impact that originate at the ingress of people (users) in the protection program threatened witness – PROVITA. Factors such as the length of Justice in clearing the complaints made by witnesses and the long stay of users in the programme, which often results in the establishment of a dependency relationship with this policy of protection, corroborated by experiencing excessive under strict security rules are emphasized in this discussion to facilitate understanding of the new ways of thinking, feeling and act in the world these people experience. The description on the functioning of the programme and how some of its procedures interfere in full enjoyment of human rights, are also research that search objects.

Keywords: Subjectivity. Mental Health. Human Rights. Protection of witness. Justice.

Page 8: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 8

OBJETIVOS .............................................................................................................................................. 11

JUSTIFICATIVA ........................................................................................................................................ 11

QUESTÕES-PROBLEMAS .............................................................................................................. 12

REVISÃO DA LITERATURA ............................................................................................................ 13

CAPÍTULO I: O Programa brasileiro de Proteção às Testemunhas Ameaçadas e os Direitos Humanos

................................................................................................................................................................ 13

CAPÍTULO II: Saúde mental versus morosidade da justiça .................................................................... 19

CAPÍTULO III: O processo de inserção social e a superação da tutela do modelo de proteção ............ 22

CAPÍTULO IV: As repercussões subjetivas produzidas pelo PROVITA ................................................... 26

METODOLOGIA .......................................................................................................................... 31

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS .................................................................................................... 32

CONCLUSÃO .............................................................................................................................. 36

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................... 38

Page 9: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

9

Introdução:

Este tema é bastante pertinente quando reconhecemos a necessidade de

investigar os reflexos do modelo de proteção adotado pelo PROVITA na saúde

mental dos usuários. Esperamos, de fato, conseguir desenvolve-lo e propor algumas

contribuições ao acompanhamento técnico de usuários deste programa.

Saúde mental não deve ser entendida como simplesmente a ausência ou

prevenção da doença mental ou sob qualquer outra forma excessivamente limitada

(que classifica, categoriza, individualiza, etc.), mas enquanto uma concepção mais

ampla e contextualizada, que inclua qualidade de vida emocional, as relações macro

e micropolíticas de um indivíduo e todas as interações deste com o mundo.

O PROVITA foi criado em 1996, com o propósito primeiro de resguardar os

testemunhos relevantes e imprescindíveis ao deslinde de crimes hediondos e de

grandes repercussões. Este Programa existe, hoje, em dezoito unidades da

federação e mobiliza uma rede de parceiros constituída por ONGs defensoras de

Direitos Humanos, conselhos de classes profissionais, sindicatos de várias

categorias, lideranças de movimentos sociais, dentre outros. Além da luta contra a

impunidade, as várias formas de violência e a contribuição para o implemento da

justiça, o programa busca também a inserção e a autonomia social, a fim de oferecer

condições de independência aos usuários quando de sua saída do Programa, pela

provisoriedade da proteção de acordo com o que rege a Lei 9.807/99, que

regulamenta o PROVITA.

Ora, para oferecer proteção eficaz, a estratégia primeira adotada pelo referido

programa é o remanejamento imediato dos denunciantes do local onde ocorreu o

fato delituoso, ou seja, saída do local com o qual geralmente se tem criada uma forte

identidade. Obviamente, os usuários experimentam uma perda significativa neste

processo, posto que sua história de vida reconhecida, sua cultura e a convivência

com sua família expandida, lhes são bruscamente ceifadas em nome da segurança

e em caráter provisório. Sim, porque tão logo os fatos sejam apurados, os

denunciados sejam adequadamente punidos e o risco cesse, estas pessoas poderão

“retornar” à normalidade de suas vidas. Infelizmente, na prática, o processo não é

tão fluente assim.

Page 10: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

10

É importante informar que o que determina a colocação dos usuários numa

das redes estaduais componentes do Sistema de Proteção é o elemento segurança.

Outras características também são observadas como: hábitos, preferências,

adaptação a condições climáticas diferentes a que estão acostumados, etc. Mas não

é possível permitir ao usuário que a sua opinião ou desejo seja integralmente

considerado, pois a segurança e a preservação da sua vida é que devem

majoritariamente nortear os procedimentos adotados. Desta forma, não é possível,

por exemplo, concordar com a vontade do usuário em ser abrigado numa

comunidade onde ele tenha vínculos familiares ou de amizade, os quais por sua vez

tenham ligação com pessoas do local onde ocorreram os fatos denunciados e com

as ameaças.

Podemos inferir que a saúde mental dessas pessoas tem correlação direta

com alguns elementos no processo de proteção, a exemplo da morosa apuração

dos fatos, visto que o “marco” da mudança abrupta de suas vidas é a denúncia que

realizam judicialmente que, de certa forma, “cerceará” sua dinâmica de vida por um

longo período e a perda de autonomia em razão de um processo de dependência do

usuário com o programa.

No processo de triagem dessa política de proteção, isto é, nos primeiros

contatos entre os possíveis usuários e os membros das equipes, surgem aspectos

que devem ser minuciosamente trabalhados a fim de que se estabeleçam os

parâmetros dessa relação que durará todo o período de proteção. Transparência,

ética, confiança, nível de interação, respeito à diversidade e principalmente o

exercício do poder que transversaliza tal relação, são elementos que, quando

corretamente identificados, podem indicar o melhor caminho para a execução de

uma proteção realmente eficaz. O desafio é priorizar análises contextuais do outro

(usuário) e de si (equipe técnica), e descobrir tais aspectos.

Ora, tanto a descrença na justiça quanto a hipotrofia da capacidade autônoma

dos usuários gera dificuldades enormes para se alcançar êxito na proteção. Neste

ponto, podem ser observadas algumas mudanças em certos conceitos que os

protegidos têm construídos antes de seu ingresso no PROVITA.

Segundo Deleuze (1994 apud Brasil, 2002, p. 157), “um acontecimento é

aquilo que movimenta, altera, interrompe o fluxo da história, produz diferenças”. Ou

Page 11: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

11

seja, não é um simples episódio, mas algo que promove mudanças, que tem a

capacidade de transformar, de criar novas formas de ser, a partir de um sentido

novo.

Obviamente, ninguém sai incólume dessa experiência (de ser protegido).

Novas subjetividades surgem a partir de fatos tão marcantes vividos em anos de

proteção. A restrição de uma série de direitos das testemunhas sob proteção, em

nome da vida (um dos direitos mais fundamentais), também pode gerar frustração,

pessimismo, comprometer a resiliência das pessoas e provocar a desistência

deliberada e intempestiva do Programa, o que pode expô-las aos riscos gerados por

sua denúncia.

De acordo com Vera Vital Brasil (2002) “Subjetividades são modos variados

de viver, pensar, sentir, perceber, agir no mundo, em permanente mutação. A

subjetividade é produzida e modelada no registro do social através de processos

históricos”. Nesta perspectiva, é interessante considerar o entendimento sobre

territórios existenciais, enquanto espaços/configurações constituídos por vários

componentes da vida de uma pessoa como suas relações sociais, sua cultura, seu

meio ambiente, sua maneira de ser, construindo assim uma existência. Desta

maneira, entrar em um programa de proteção com esta dinâmica significa construir e

desconstruir territórios sistematicamente. Segundo o dizer de Guattari (1986), “o

desmanchamento de territórios existenciais constituídos (desterritorialização) e a sua

recomposição a partir de novos códigos (reterritorialização) servem para possibilitar

transformações e construir histórias de vida”.

Estes conceitos devem contribuir para o embasamento de um tema complexo

e importante como este, considerando seus desdobramentos no acompanhamento

qualificado dos usuários, bem como sua interferência para o processo da proteção.

Page 12: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

12

Objetivo Geral:

Identificar subjetividades produzidas nos usuários que ingressam no

Programa de Proteção e, assim, nortear o acompanhamento técnico propondo a

revisão de procedimentos e estratégias, a fim de auxiliar os protegidos na superação

das dificuldades e do sofrimento psíquico inerentes à dinâmica da proteção.

Objetivos Específicos:

1. Promover o aprimoramento técnico enquanto um processo sistemático para o

atendimento qualificado das demandas cotidianas apresentadas pelos usuários.

2. Facilitar o processo de adaptação, bem como de inserção social dos protegidos,

propiciando um atendimento que valorize a autonomia e a gradativa independência

dos usuários pelo Programa.

Justificativa:

O acompanhamento técnico de usuários sob a proteção do PROVITA se

revela como complexa tarefa, vez que condições externas e internas, objetivas e

subjetivas interferem continuamente às estratégias de intervenção que visam facilitar

o processo de adaptação, dificultando sobremaneira sua execução.

Partindo-se de um obrigatório distanciamento do local onde os indivíduos

mantêm forte identidade, o resultado inevitável (variando apenas em sua

intensidade) é o sofrimento psíquico. As perdas materiais e subjetivas são uma

conseqüência certa desse quadro e a sua superação impõe às equipes técnicas o

desenvolvimento de estratégias, a partir do desvelamento de aspectos subjacentes,

dos novos paradigmas criados e das subjetividades produzidas.

A falta de cumprimento do objetivo principal, qual seja a efetivação da justiça

e a quebra do ciclo de impunidade vigente, e a ausência do Estado na forma de

políticas públicas limitadas e ineficientes, contribuem sobremaneira para o

recrudescimento do sofrimento advindo de toda essa situação. Constitui-se um

enorme paradoxo a indevida apuração das denúncias ou a provisoriedade da

proteção com a aposta de que a inserção social se dará num contexto tão adverso

de inexistentes serviços públicos suficientes a tal processo.

Desta maneira, a intenção é oferecer subsídios a constante avaliação e

revisão das intervenções técnicas e, assim, contribuir para a qualificação do

Page 13: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

13

acompanhamento de usuários acolhidos e, conseqüentemente, do modelo PROVITA

de proteção.

Questões-problemas:

1. O andamento processual, onde figuram testemunhas sob ameaça, não possui a

celeridade necessária se considerarmos as expectativas negativas, principalmente

de quem aguarda (usuário do programa) a conclusão do processo para re-estabilizar

a sua vida, isto é, para retomar sua rotina, tida como tranqüila. Esta situação,

denúncia versus morosidade, claramente paradoxal, certamente mobilizará os

sujeitos envolvidos em sua saúde mental, chocando-se com alguns de seus

paradigmas e concepções.

Este quadro em análise suscita um problema: Tal situação pode gerar descrença no

sistema judiciário? No Programa de Proteção? No Estado como um todo?

2. Outro elemento citado à proposta deste estudo pode ser descrito como um

processo de perda gradativa de autonomia e, conseqüente, expansão de uma

relação de dependência. Em que pese o acompanhamento técnico ir à contramão

desse movimento, muitos usuários percebem que a responsabilidade sobre suas

vidas não está mais em suas mãos, mas na de terceiros, pois o Estado,

“representado” pelas equipes técnicas, surge como o garantidor e provedor

exclusivo de suas necessidades (de ordem econômica, psicológica e social). Este

processo de dependência às vezes é inconsciente, mas outras vezes não, pois pode

ser uma atitude de manipulação e até acomodação.

Então identificamos outro problema: Por que o Estado é visto como um ente

tutelador pelo usuário? De que forma o modelo de proteção do PROVITA contribui

para essa percepção?

Page 14: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

14

Revisão da literatura

Capítulo I: O Programa brasileiro de Proteção às Testemunhas Ameaçadas e

os Direitos Humanos

O programa de proteção as testemunhas no Brasil surgiu em 1996 a partir da

pressão e investimento de uma sociedade civil organizada exausta em suas

tentativas de contribuir para a efetivação da justiça. É que sem a retaguarda

necessária ninguém se dispunha, à época, em testemunhar. Logo, este fato

contribuía sobremaneira para o recrudescimento da impunidade, além de entravar

processos judiciais por falta de testemunhos relevantes.

Então, baseada em experiências exitosas de países da Europa e da América

do Norte, a sociedade civil apresentou uma proposta – criteriosamente adaptada à

realidade brasileira – ao Estado (Ministério da Justiça) que encampou a idéia e hoje

já são 18 unidades da federação que executam regularmente programas estaduais

de proteção.

Além da participação efetiva da sociedade civil na execução da proteção, o

fato do PROVITA estar baseado nas diretrizes dos Direitos Humanos, coloca esse

programa em posição diferenciada dos diversos existentes no globo, inclusive na

América Latina, pois é o modelo recomendado pela ONU para criação de programas

dessa natureza. Trata-se indubitavelmente de um modelo mais democrático e que

permite um maior exercício do controle social, pois dispõe à sociedade civil uma

participação mais ampliada e direta. A concepção de Direitos Humanos na qual se

pretende assentar essa política de proteção está bem definida na proposição de

Carbonari (2006):

Direitos humanos, além de se constituírem em horizonte ético reconhecido por diferentes culturas, constitui-se também em conteúdo político capaz de potencializar ações e congregar esforços em vista de traduzir para o cotidiano da humanidade, em sua pluralidade e diversidade históricas, as condições para fazer com que a dignidade humana seja ponto de partida inarredável e princípio orientador das ações.

O Programa possui como marco legal a Lei Federal nº 9.807/99 e o Decreto

3.518/00. Ademais, a Constituição brasileira e o Código Penal e Processual Penal,

Page 15: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

15

além de inúmeras leis estaduais1, também constituem os instrumentos legais que

legitimam o programa de proteção as testemunhas.

Sucintamente, as medidas protetivas consistem na retirada da testemunha e

familiares (se for o caso) do local onde ocorreram os fatos delituosos e em

providenciar sua(s) inserção em comunidades seguras, contudo, distantes da terra

natal. Estes núcleos são acompanhados por profissionais que monitoram o processo

de adaptação nesses novos espaços, atentando para o chamamento da justiça, já

que sua denúncia é imprescindível para o deslinde de crimes de grande monta.

Os casos sob acompanhamento podem ser classificados em estaduais,

federais e permutas. Os primeiros representam as demandas geradas por cada

Estado, ou seja, referem-se às denúncias locais. Os segundos ocorrem no território

de Estados que não possuem programa de proteção. Essas situações são

devidamente analisadas e encaminhadas a alguma rede, conforme a intervenção de

instâncias nacionais componentes do Sistema PROVITA2. Mais adiante falaremos

especificamente dessas instâncias. A última categoria refere-se à cooperação mútua

entre as redes estaduais de proteção, o que, aliás, é uma excelente estratégia de

segurança, devido às “continentais” dimensões do território brasileiro. Desta forma,

promove-se o intercâmbio de testemunhas entre as regiões nacionais e aumenta-se

a margem de segurança/proteção às mesmas.

Para garantir esse funcionamento o PROVITA possui uma estrutura que

garante o exercício da parceria entre o Estado e a sociedade civil organizada, por

meio de instâncias com papéis e objetivos definidos.

A CENTRAL Nacional, instância responsável pela organização e

monitoramento dos casos federais e das permutas exerce um dos papéis mais

estratégicos do Sistema, pois é responsável pela Identificação da rede estadual que

acolherá, mais apropriadamente, os núcleos sob proteção. Este trabalho exige

habilidade para entrecruzar informações – necessidades dos usuários versus as

condições estruturais de cada rede – para, desse modo, facilitar o processo de

adaptação.

1 A exceção do programa de proteção sul-matogrossense, todos os demais programas possuem legislação

estadual. 2 Chamarei assim o conjunto das 18 redes estaduais de proteção e as demais instâncias como Conselhos

Deliberativos, CGPT, Equipe Central, de Monitoramento, etc.

Page 16: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

16

O trabalho da CENTRAL, principalmente a execução do programa federal de

proteção (que cuida dos casos federais), não pode ser exercido sem a interação

com outra importante instância que é a Coordenação Geral de Proteção as

Testemunhas – CGPT. A CGPT está inserida na Secretaria Especial de Direitos

Humanos da Presidência da República – SEDH/PR e tem dentre outras atribuições,

coordenar o Sistema PROVITA, a equipe de monitoramento (esta em conjunto com

a Sociedade Civil), além de obter e repassar informações sobre andamentos

processuais dos casos em proteção e sobre os familiares dos usuários em seus

locais de origem.

Outra instância que desempenha importante tarefa nessa estrutura é a Equipe

Nacional de Monitoramento, a qual é formada por técnico/as oriundos de programas

estaduais e que apresentam destaque e acúmulo no desempenho de suas

atividades, além de outros critérios específicos. Suas funções incluem a fiscalização

e supervisão dos procedimentos técnicos e, ainda, a difusão de boas práticas, a

partir do intercâmbio de intervenções exitosas no âmbito do Sistema.

Finalmente os Conselhos Deliberativos são colegiados constituídos por

instituições de segurança pública e justiça, secretarias estaduais, além de entidades

de Direitos Humanos. Têm como função precípua a análise dos pedidos de ingresso

ou de exclusão de testemunhas. Mas também, tem a responsabilidade de

acompanhar a adaptação, via relatório técnico, dos casos em proteção e, ainda,

determinar os tetos para gastos com os protegidos.

Obviamente, toda essa estrutura que visa primordialmente a segurança dos

usuários, impele estas pessoas a viverem sob rigorosas regras de segurança, o que

produz um claro cerceamento em suas vidas. Ou seja, o modelo de funcionamento

do programa brasileiro de proteção a testemunhas, em nome da vida e da

preservação da integridade física, restringe alguns direitos previstos na Declaração

de 1948.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, a Constituição

Federal de 1988 (a chamada “Constituição Cidadã”), além dos pactos internacionais

sobre os direitos civis e políticos e sobre os direitos econômicos, sociais e culturais

(ambos de 1966 e ratificados pelo governo brasileiro em 1992), “ditam” as regras

sociais, no sentido de legislar sobre a ordem, os relacionamentos nos espaços

Page 17: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

17

coletivos e a interação entre os cidadãos e o Estado. Na prática dos deveres e no

usufruto dos direitos, estes documentos servem como importantes balizadores de

uma ampla organização social.

A partir de alguns artigos da Declaração Universal é possível identificar como

a dinâmica do PROVITA, paradoxalmente à sua proposta basilar, limita e interfere o

gozo pleno dos direitos dos usuários:

“Ninguém será sujeito a interferência na sua vida privada, na sua família,

no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques a sua honra e

reputação. Todo homem tem direito à proteção da lei contra tais

interferências ou ataques” (Art. 12). É inviolável o sigilo da correspondência

e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas,

salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei

estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal

(Art. 5º, Inciso XII, CF/88). O monitoramento da vida pessoal e social dos

usuários, as visitas domiciliares freqüentes e a leitura de correspondências

(recebidas e enviadas) são atividades cotidianas das equipes que

acompanham os usuários, inclusive com previsão dessa atividade em Termo

de Compromisso assinado pelos protegidos no seu ingresso. Obviamente que

tais medidas representam a manutenção da segurança e visam controlar os

contatos e preservar o sigilo quanto à localização das redes de proteção.

Entretanto, por mais pedagógico que seja o investimento técnico no

esclarecimento da importância de tais ações, elas não deixam de ser

invasivas e desconfortantes para os usuários.

“Todo o homem tem direito à liberdade de locomoção e residência

dentro das fronteiras de cada Estado” (Art. 13). É livre a locomoção no

território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da

lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens (Art.5º, Inciso XV,

CF/88). A limitação sobre o livre trânsito de pessoas sob proteção também é

uma medida restritiva, contudo necessária à preservação da vida. Os usuários

não podem sair de seus locais de proteção (cidade) sem a prévia consulta e

avaliação das equipes técnicas, pois uma exposição desnecessária, além de

fragilizar a segurança, pode resultar no imediato remanejamento para um

novo local, o que por sua vez representa novo rompimento com os laços

Page 18: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

18

sociais já estabelecidos e no surgimento de crise, comum aos processos de

mudanças abruptas.

“Todo o homem tem o direito de tomar parte no governo de seu país

diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos”

(Art. 21, Inciso I). A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e

pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei

(Art.14, CF/88). Infelizmente, o exercício do voto é vetado para quem está

sob ameaça e em proteção, devido à possibilidade de rastreamento por parte

dos algozes. Parece muito contraditório se investir maciçamente em conquista

de cidadania e promoção social e, por outro lado, a cada novo pleito eleitoral

impedir os usuários de exercerem seu direito de participar da escolha de

nossos governantes. Todavia, mais uma vez, o aspecto segurança à vida é

imperativo neste processo, já que através do domicílio eleitoral e da votação

regular nas eleições, é possível identificar a rede de proteção e, assim,

ameaçar a integridade física dos protegidos.

“Todo o homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a

condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o

desemprego” (Art. 23, Inciso I). É livre o exercício de qualquer trabalho,

ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei

estabelecer (Art.5º, Inciso XIII, CF/88). Outro grande nó do programa de

proteção a testemunhas é a limitação no exercício de atividade laborativa

formal com o devido registro em carteira profissional, devido à possibilidade

de localização pelo número do Programa de Integração Social – PIS/PASEP

(contribuição social de natureza tributária), a partir do acesso do cadastro de

qualquer agência da caixa econômica federal. Este processo é mais simples

do que se imagina, já que pelo número do Cadastro de Pessoa Física é

possível identificar o registro profissional, caso o usuário tenha sua carteira

assinada. Esta é mais uma contradição que precisa de uma intervenção

estratégica para assegurar a sigilosidade desse cadastro, vez que um dos

aspectos fundamentais que caracterizam um processo de autonomia

ordenado é a conquista de um trabalho formal, regular, que ofereça ao

trabalhador/trabalhadora um salário sistemático, além dos demais benefícios

necessários à sua manutenção e a de sua família.

Page 19: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

19

Ao que transparece nessa correlação entre o que preconiza a Declaração de

1948 e a Constituição Federal de 1988 com o modus operandi do PROVITA, não há

outra maneira conhecida de se preservar a ameaçada integridade física dos

usuários, senão sob essa indelével dinâmica de proteção. É neste contexto adverso

e, digamos, alucinante, que as equipes precisam espraiar o seu saber e lançarem-se

aos desafios impostos. Primeiro virá o desafio técnico de uma atuação dentro da

perspectiva da interdisciplinaridade, para que se atinja, a partir do entrecruzamento

das ciências participantes do processo, um novo entendimento que indique o

caminho das intervenções e resoluções.

Em seguida, porém tão indispensável quanto, a abordagem do usuário para

além das questões exclusivamente sociais, mas na sua totalidade, buscando o

rompimento com o ciclo de submissão e passividade que o tornam tão frágil nas

suas relações com o mundo. Isto é, pretende-se o gozo da cidadania, no sentido

proposto pelo Professor Coutinho (1994):

É a capacidade conquistada por alguns indivíduos, ou (no caso de uma democracia efetiva) por todos os indivíduos, de se apropriarem dos bens socialmente criados, de atualizarem todas as potencialidades de realização humana abertas pela vida, a social em cada contexto historicamente determinado.

Page 20: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

20

Capítulo II: Saúde mental versus morosidade da justiça.

Falar sobre saúde mental é abordar um complexo tema. Relacioná-lo a

fatores como a lentidão da justiça torna-o ainda mais complexo. É importante nortear

essa discussão a partir de algumas concepções, a fim de dar base à relação da

saúde mental com o programa de proteção.

Na conceituação da OMS, saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social que não se caracteriza unicamente pela ausência de doenças. Singer (1987) acredita que esta formulação inclui as circunstâncias econômicas, sociais e políticas, como também a discriminação social, religiosa ou sexual; as restrições aos direitos humanos de ir e vir, de exprimir livremente o pensamento... Este conceito reconhece como paradoxal alguém ser reconhecido com saúde mental, quando é afetado por pobreza extrema, discriminação ou repressão. O autor argumenta que, nesse sentido, a formulação da OMS relaciona a saúde da pessoa com o atendimento de suas necessidades e as possibilidades do sistema sócio-econômico e sociopolítico em atendê-las.

Assim, a doença não resulta apenas de uma contradição entre o homem e o meio natural, mas também, necessariamente, da contradição entre a pessoa e o meio social. Pensar a questão da saúde mental é, antes de tudo, pensar sobre o homem e sobre sua condição de “ser” e “estar-no-mundo”. Aristóteles, precursor da psicologia, definiu o homem como um ser racional, destinado a viver em sociedade. Diz Mounier que o primeiro movimento que revela um ser humano, na primeira infância, é um movimento em direção ao outro. Essa necessidade de relação com outros é descrita por Fromm (1981) como um imperativo do qual depende a saúde mental dos homens. As concepções filosóficas de Marx (1986) definem o homem como um conjunto das relações sociais, tendo como atividade vital o trabalho. Para o autor, o conceito de homem sadio baseia-se na liberdade e independência, sendo, ao mesmo tempo, ativo, relacionado e produtivo (FILHA, et al., 2003).

Diante do descrito acima, começamos a correlacionar os rebatimentos do

modelo de proteção do PROVITA na saúde mental dos usuários. Em que pese a

clara necessidade em preservar a vida, enquanto um dos direitos mais

fundamentais, o processo de proteção não é tranqüilo.Talvez a fase inicial da

proteção descreva um pouco a complexidade a que nos referimos.

Os usuários quando ingressam na proteção precisam utilizar “estórias de

cobertura” (algo que proteja sua identidade) que justifiquem a sua chegada numa

nova comunidade. Afinal, trata-se de um “forasteiro” com sotaque e hábitos

diferentes das pessoas daquele local, então, o que ele faz aqui?

Esta estratégia distancia e limita as interações sociais, pois é arriscado

manter intimidade com as pessoas originárias em função do risco de ser desvelada

sua real condição (testemunha protegida). Ademais, fica difícil construir relações

Page 21: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

21

estáveis e sadias se, aprioristicamente, estas tem um limite imposto pelo fator

segurança, onde não há total independência para se envolver com as pessoas.

É essencial que se traga para essa discussão aspectos norteadores da

intervenção profissional, a fim de que as estratégias tenham embasamento técnico

adequado e sustentem atendimentos qualificados.

Segundo a abordagem proposta por Regina Benevides (2002a, p. 174-175),

fica óbvia a necessidade de primar por análises técnicas criteriosas e contextuais:

Em primeiro lugar, cabe lembrar que o termo saúde mental vem, na maior parte das vezes, atrelado à idéia de promoção de saúde mental. Tal noção, veiculada por muito tempo e ainda hoje presente no cenário das práticas psi, está associada à uma concepção de prevenção da doença mental. Para prevenir é necessário que se tenha uma definição do que é certo ou errado, do que é doente ou são, normal ou patológico, tornando possível estabelecer medidas de prevenção da doença mental e, conseqüentemente, promoção de saúde mental. Isto pressupõe uma espécie de lista de características a serem atingidas em menor ou maior grau, menor ou maior quantidade de itens. Observe-se que os termos – saúde e doença – são apresentados como pólos de uma linha contínua em que quantidades de distúrbios podem ser mensurados e qualificados segundo seu grau de periculosidade e desagregação mental [...] se o profissional acredita numa concepção de saúde mental como a que delineamos acima, em que padrões já pré-definidos estipulam comportamentos normais X anormais, etc., as técnicas de que se servirá estarão voltadas para uma investigação sobre o indivíduo, sua história, sua estrutura mental, a configuração de sua família... enfim, fatores referidos ao sujeito.... No campo das práticas psi, os efeitos dessas assertivas implementaram uma visão positivista, classificatória e despolitizada, anistórica, reafirmando a dicotomia indivíduo/coletivo implantada.

Desta maneira, a prática das equipes técnicas deve considerar o contexto no

qual está inserido esse indivíduo, a partir da dinâmica de proteção imposta e sob

uma condição que o vulnerabiliza, a fim de que se façam análises mais precisas de

uma determinada realidade. Um relato deve ser ouvido como um enunciado

sociopolítico, produzido num determinado período e não como um processo

individual e que mobiliza um sujeito em seu sistema pessoal de valores.

Assim, qual deve ser o rebatimento da falta de apuração devida das

denúncias que representam o marco da mudança brusca na vida dos usuários?

Considerada como uma ação que contribui para um sentimento de desesperança, a

morosidade da justiça fomenta a impunidade e desperta nos usuários

questionamentos quanto à credibilidade do Poder Judiciário. Segundo o Relatório do

Tribunal de Contas da União (2005, p.38) “o sistema de justiça não dá a devida

prioridade para os processos que envolvem testemunhas protegidas (pois) a matéria

Page 22: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

22

não está regulamentada no ordenamento jurídico [...] Para priorizar tais processos,

seria preciso que o Código de Processo Penal contivesse dispositivo específico”.

Muitas testemunhas protegidas denunciam violências que sofreram e, por

esta razão, têm clara a expectativa de resolução de seus processos. A lentidão

judiciária brasileira tornou-se uma cultura no âmbito do Poder Judiciário e da

sociedade como um todo. Os excessivos números de processos em detrimento do

déficit no número de magistrados, além de vários recursos e medidas jurídicas que

muitas vezes são utilizadas para postergar prazos, carentes de uma reforma

imediata, são os principais responsáveis pelo emperramento processual, fato que

dificulta sobremaneira o implemento da justiça e torna mais verossímil um velho dito

popular que diz que “a única justiça certa é a divina, pois a dos homens é falha”.

Informações como esta devem levar a refletir sobre a carga de sofrimento

psíquico e o culto a total descrença na justiça que deve compor o imaginário dos

usuários, até porque estes são diretamente atingidos por este processo perverso de

omissão e negligência judiciária.

Benvenuto (2005, p.19) sintetiza bem este pensamento quando afirma que:

O Poder Judiciário brasileiro está passando por um momento de turbulências, em que estão sendo apontados, entre outras, sua ineficiência e sua distância dos setores sociais mais necessitados. Num contexto de globalização acirrada em que todas as prioridades públicas se voltam ao cumprimento das metas econômicas, o que está sendo questionado é o papel do judiciário enquanto garantidor dos direitos de todos os cidadãos, levando em consideração sua construção histórica como instituição protetora dos direitos das faixas mais elitistas da sociedade.

Como utilizar os mecanismos de proteção e promoção de direitos humanos já

conquistados considerando estes fatos? O objetivo primeiro da proteção às

testemunhas no Brasil é a efetivação da justiça e a luta conta a impunidade, a partir

do resguardo da prova testemunhal. Sobre este aspecto, os ministérios públicos

estadual e federal, além do tribunal de justiça, são constantemente acionados para o

cumprimento de seu papel. Inclusive, via representantes destas instituições no

Conselho Deliberativo do PROVITA, as equipes técnicas cobram atualizações

jurídicas por meio de inúmeros documentos (relatórios, ofícios, tabelas jurídicas,

etc.).

Page 23: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

23

Capítulo III: O processo de inserção social e a superação da tutela do modelo

de proteção.

Inicialmente, faz-se necessário definir o que as equipes técnicas classificam

como “inserção social”. Viver de forma autônoma pressupõe aprioristicamente,

atividade laborativa remunerada e adaptação à dinâmica da comunidade na qual se

está inserido. Para o cumprimento desses critérios é necessário investimento

técnico. Qualificar profissionalmente os usuários, motivá-los à retomada de seus

estudos, encaminhá-los para os serviços públicos que promovam o desenvolvimento

social do cidadão, via aprendizagem técnica e, ainda, tentar incluí-los em políticas

locais de habitação, contribuem para o alcance da autonomia social e,

posteriormente, para a independência total do programa tão logo sejam efetivamente

desligados do programa. Este conjunto de ações e características formatam a idéia

de inserção social que as equipes estaduais diuturnamente intentam propiciar aos

usuários do PROVITA.

Também é necessário considerar aspectos subjetivos que transversalmente

perpassam o processo de inserção, pois a maioria do público protegido pelo

PROVITA advém de classes sociais baixas e, portanto, é essencial que se

considerem as dificuldades de acesso à educação, ao desenvolvimento de

habilidades e as diversas violações de direitos na sua história, fato que exigirá um

investimento técnico específico e mais pormenorizado. É importante, ainda,

considerar o desejo dos usuários, já que se não houver a compreensão do usuário

sobre o processo de autonomia – talvez porque não perceba sua importância – não

será possível garantir sua aderência a tal proposta e, logo, o processo pode ser

inviabilizado. Sem a devida atenção a estas questões as equipes tendem ao

insucesso.

De maneira sintética, pode-se dizer que o programa protege uma prova

testemunhal. Entretanto, esta “prova” é uma vida humana, e como tal, precisa ser

atendida em todas as suas necessidades: sociais, culturais, econômicas e etc. Não

podemos nos esquecer que a permanência no PROVITA é provisória e quando esta

se encerrar, como e aonde o usuário irá se manter? Desta forma as organizações

não-governamentais que gerenciam o acompanhamento dos usuários, preocupam-

se com a reparação e/ou promoção dos direitos destes.

Page 24: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

24

Para tal, estas entidades buscam oferecer subsídios que promovam a

inserção social do usuário do PROVITA. O conjunto de ações descrito anteriormente

(retomada e/ou a conclusão de estudos dos usuários, a sua qualificação profissional

e etc.) precisa obviamente da retaguarda de políticas públicas, dos serviços

oferecidos por instituições privadas e da cooperação de organizações não

governamentais parceiras, para assegurar sua efetivação. Assim, a mobilização de

redes de serviços estatais e redes sociais darão a retaguarda essencial ao tão

almejado processo de inserção dos usuários sob proteção. Obviamente, a relação

da sociedade civil com o Estado, no caso da gestão do PROVITA não está de

acordo com os princípios que caracterizam uma parceria de fato, a partir de uma

ordem paritária e horizontal. Trata-se de uma relação historicamente tensa e não

seria diferente na concretização desse programa.

Aqui é necessário lembrar que o lugar ocupado pela sociedade civil no

PROVITA dá-se em função de uma enorme lacuna deixada pelo Estado. Ora, se o

Estado constitui-se como o principal violador de Direitos Humanos – quer

diretamente, pela ação de agentes de segurança envolvidos nos crimes

denunciados e/ou em ameaças às testemunhas, quer “indiretamente” a partir da

ação morosa da justiça ou de serviços públicos ineficientes – a sociedade civil

organizada surge, então, como o ente com mais legitimidade e credibilidade para

conduzir o acompanhamento dos usuários sob ameaça.

Logo, percebemos que se trata de um trabalho árduo. Outro elemento

dificultador refere-se ao contexto circundante do processo de proteção. Afinal, os

usuários estão abrigados em cidades brasileiras que por sua vez, estão expostas às

mazelas que bem conhecemos: políticas públicas insuficientes, violência urbana

crescente, altos índices de desemprego. Ademais, devemos considerar a relação

entre o competitivo mercado de trabalho versus a baixa escolaridade/qualificação e

pouca experiência profissional comprovada dos usuários. Algumas vezes, a inserção

(verdadeiramente autônoma) não é alcançada. Ou seja, neste acompanhamento vão

surgindo as dificuldades, resultantes principalmente de uma história de vida

ordinariamente violada em seus direitos.

Desta forma, com um acompanhamento técnico mais ampliado (para além do

simples resguardo da “prova testemunhal”) se pretende dar a atenção necessária ao

que preconizam os diversos documentos formulados à adequada manutenção da

Page 25: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

25

dignidade humana. Estamos falando da necessidade de se investir num trabalho

embasado técnica e politicamente, de cunho educativo, pedagógico mesmo, com

fins de promoção social e de cidadania, como tão bem nos esclarece Demo:

No fenômeno da exclusão social, a substância mais característica é política, não propriamente econômica, já que, mais que não ter, está em jogo não ser. A exclusão mais comprometedora não é aquela ligada ao acesso precário a bens materiais, mas aquela incrustada na repressão do sujeito, tendo como resultado mais deletério a subalternidade” (1988, p. 106, grifo nosso).

Outro aspecto interessante que deve ser considerado no planejamento da

intervenção refere-se ao que pode ser descrito como um processo de perda

gradativa de autonomia e, conseqüente, expansão de uma relação de dependência.

Os técnicos buscam contrapor esse movimento, porém muitos usuários delegam ao

Estado a responsabilidade sobre suas vidas, talvez por acreditarem que esse ente é

seu devedor, em função de sua contribuição com a justiça. Também, não se pode

negar que esta dependência pode ser gerada pela equipe técnica, refém de um ciclo

do “tudo deve atender, suprir, obter, satisfazer...”, colocando (ou cristalizando) os

usuários na condição de desvalidos, submissos e incapazes. São extremos

perigosos, mas ainda bastante presentes na relação entre equipes e usuários.

Parece que o modelo de proteção também, subseqüentemente,

institucionaliza os usuários, pois de certa maneira há certa padronização das ações

habituais e controle, em função do cerceamento imposto pelo conjunto de normas de

segurança que constitui o modo da proteção.

De maneira sintética, este é um conceito proposto pela enciclopédia virtual

Wikipédia (2009) sobre Instituição Total:

É aquela que controla ou busca controlar a vida dos indivíduos a ela submetidos substituindo todas as possibilidades de interação social por "alternativas" internas. O conjunto de efeitos causados pelas instituições totais nos seres humanos é chamado de institucionalização (grifo nosso).

Este termo surge na Inglaterra no período pós-revolução industrial, com o

advento de uma série de instituições que ascenderam para atender a demanda de

inúmeras categorias/classes vulneráveis, geradas pelas mudanças sociais

desordenadas e econômicas daquele período. Então, foram criadas ou ampliadas

instituições de educação, saúde, assistência social, abrigos. Ou seja, orfanatos,

manicômios, asilos, dentre outras. Algumas características das denominadas

instituições totais como desrespeitos aos direitos humanos, cerceamento de

Page 26: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

26

liberdade e confisco de objetos pessoais, rigorosas regras disciplinares, modelo de

gestão baseados na hierarquia e punição, etc., podem dar a idéia de quais são os

possíveis desdobramentos à saúde mental dos internos dessas organizações. Desta

forma, parece existir uma correlação (ou uma pré-disposição) entre a proposta de

proteção do PROVITA e o sofrimento ou dificuldades conseqüentes desse processo.

Não se trata de mera especulação pessimista, mas de apresentar elementos para

nortear intervenções técnicas mais eficientes e contextualizadas, considerando os

desafios descritos no acompanhamento técnico de testemunhas ameaçadas.

Page 27: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

27

Capítulo IV: As repercussões subjetivas produzidas pelo PROVITA.

Ao chegar ao capítulo final do presente trabalho, noto que falar sobre as

subjetividades produzidas nos usuários que aderem ao Programa de Proteção, é

uma atividade difícil, pois não se trata de tema de simples descrição. Entretanto,

percebo que ao longo dos outros capítulos este assunto foi bastante abordado

quando discorri sobre a saúde mental dos usuários e o seu processo de inserção

social.

Sabemos que o sujeito se constitui, se constrói em sua interação com o

mundo circundante, sendo que experiências semelhantes podem produzir variadas

sensações/percepções/apreensões dependendo de quem as sofre. Reforçando essa

observação, Almeida (2002) nos alerta, baseada nas suas pesquisas sobre Violência

e Subjetividade que “um primeiro ponto a ser discutido refere-se às formas de

apreensão das distintas modalidades de violência por diferentes sujeitos. Mais do

que isto: é preciso tematizar a possibilidade destas formas de violência produzirem

determinados sujeitos (p. 45)”

Tedesco (2006) em sua pesquisa sobre a prática clínica e os processos de

subjetivação, descreve o seguinte:

[...] falar de subjetividade é falar de uma maquínica, de um processo de produção dirigido à geração de modos de existências, ou seja, modos de agir, de sentir, de dizer o mundo. É analisar um processo de produção que tem a si mesmo, o sujeito, como produto. Precisamos entender a subjetividade ao mesmo tempo como processo e produto. Como produto reencontramos a noção de sujeito, objeto de estudo das ciências humanas, figura cujos limites são delineados por regularidades garantidas por princípios gerais de funcionamento. No entanto, lembrados por Scherér (1998) concordamos que „seria um erro não reconhecer que esta forma regular corresponde apenas a um instante único da subjetividade, um momento de um processo maior, uma fase de uma atividade contínua de produção de si (p. 64).

Isto é, não é possível entender esse conceito se não considerarmos o sujeito

em sua totalidade, de forma ampliada, seu movimento constante e sua localização

num contexto, pois “o eu, a identidade é produto das interações de corpo e da

consciência com o mundo, o que por sua vez é conseqüência da relação dialética

histórica entre objetividade e subjetividade num contexto social (Maheirie, 2002)”.

É imprescindível para esse trabalho lembrarmos que o ambiente onde o

usuário do programa de proteção está inserido é visto como hostil, principalmente

pelo fato do mesmo não manter nenhuma identidade com o local e por experimentar

Page 28: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

28

inúmeras perdas (materiais e imateriais). Ser remanejado de sua cidade natal e

alijado da convivência das pessoas que compõem seu circulo familiar e social é uma

idéia extremamente desconfortante. Essa nova dinâmica de vida, delimitada por

regras de segurança, parecem afunilar a vida dos usuários, acanhando-a em sua

amplitude e impondo uma rotina diferenciada.

Como os profissionais das equipes poderão planejar um

atendimento/acompanhamento ante a esse contexto e a partir dessa realidade de

perda criada pelo modelo de proteção PROVITA? É óbvio que não se pode incorrer

numa abordagem aos usuários enquanto “vítimas” irremediáveis de um sistema

perverso, pois é necessário considerar a vida pregressa dos que ingressam na

proteção, afinal a permanência no Programa não representa toda a gama de

experiências vividas na sua existência.

Para que se inicie esse tracejamento do atendimento é interessante citar o

que, com muita propriedade, coloca Piovesan quando se refere à necessidade de

reconstrução do valor dos Direitos Humanos, face às atrocidades da 2ª grande

guerra: “Diante da ruptura, há a necessidade de reconstrução (2004, p.44)”. Então,

esse seria o primeiro passo a ser (digamos) investido pelos profissionais que

compõem as equipes técnicas, ou seja, a capacidade de superação do ser humano.

O acompanhamento técnico intenta dar o suporte necessário, facilitando a inserção

social e a ressignificação do episódio de violência que culminou com o ingresso do

usuário no PROVITA, de acordo com os estudos da Psicóloga Regina Benevides

(op. cit.):

[...] a reorganização da vida do usuário (por ele próprio) e a reconstrução de seus novos territórios existenciais – estes se referem à maneira de ser do sujeito, ao corpo, ao meio ambiente, ou seja, a todos os componentes que desenham uma existência – através da dimensão de alteridade encontrada no plano do coletivo, a qual nos força constantemente à abertura para outros modos de experimentar a realidade (2002b, p. 217).

Ou seja, é necessário identificar os desejos dos usuários. O que pretendem?

O que preferem? Quais possibilidades sua capacidade de superação lhes sugere? É

sabido que o desejo humano coloca o homem em movimento constante,

transcendendo-o desde sua origem, por tratar-se do impulso ao que não se possui

ou ao que não se é. E como é difícil coincidir o que se busca com o fato alcançado,

o ser humano continua nesse processo sistematicamente por toda a sua vida.

Portanto, esse movimento deve ser considerado pelas equipes técnicas.

Page 29: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

29

Outro paradigma quebrado e que, conseqüentemente, constitui-se como

elemento gerador de novas subjetividades refere-se à lentidão da justiça na

apuração das denúncias das testemunhas ameaçadas. Ora, falar de combate à

impunidade é falar de promoção de direitos humanos e, obviamente, isto deve ser

concretizado por meio da efetivação da justiça.

Contudo, trato aqui de um poder judiciário historicamente moroso e que não

vem correspondendo a sua função essencial. Em um artigo intitulado “A crise do

judiciário no Brasil”, o sociólogo José Eduardo Faria (2005) nos afirma o seguinte:

[...] Considerado o mais atrasado poder da república, ele é visto como um inepto prestador de um serviço essencial por parte da sociedade. É visto ainda, pelos demais poderes, como uma instituição perdulária e insensível ao equilíbrio das finanças públicas, porque seus gastos com obras de discutível utilidade e suas sentenças, além de comprometer uma política econômica voltada a dar estabilidade monetária e bloquear iniciativas governamentais, travariam a reforma do Estado. [...] A „crise da justiça‟ se traduz pela ineficiência com que o judiciário desempenha três funções básicas a instrumental, a política e a simbólica (Santos et. al., 1996). Pela primeira função, o Judiciário é o principal locus de resolução dos conflitos. Pela segunda, ele exerce um papel decisivo como mecanismo de controle social, fazendo cumprir direitos e obrigações, reforçando estruturas de poder e assegurando a integração da sociedade. Pela terceira, dissemina sentido de eqüidade e justiça na vida social, socializa as expectativas dos atores na interpretação da ordem jurídica e calibra os padrões vigentes de legitimidade na vida pública (p. 23-24, grifos nossos).

Na realidade, a idéia aqui é confrontar funções idealizadas com a realidade

vigente. Entretanto, tais constatações não devem colocar a justiça numa posição de

total falência, até porque a intenção é encontrar formas de superação das

dificuldades existentes. Outrossim, não é possível imaginar uma sociedade sem um

ordenamento jurídico, tampouco acreditar pretensamente em civilidade sem o

amparo e a vigilância da instituição justiça.

Na história do programa de proteção, os tribunais de justiça estaduais sempre

figuraram entre as instituições mais ausentes das reuniões sistemáticas produzidas

pelos Conselhos Deliberativos, conforme informação da Equipe Nacional de

Monitoramento. Ademais, sua participação nas discussões sobre os reflexos do

emperramento processual sempre foram aspectos centrais das capacitações

nacionais, por representar um grande nó ao desenvolvimento e eficácia da proteção,

vez que no cotidiano do acompanhamento técnico, fica óbvio que o que

sustenta/mantém os usuários no programa de proteção não é a ação processual a

Page 30: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

30

qual estão vinculados, mas a sensação de segurança que experimentam. Ou seja,

pode-se constatar que a credibilidade no trabalho do Judiciário é mínima.

O advogado Gustavo Ungaro, que já foi gerente nacional do PROVITA nos

anos 1999/2000, fez a seguinte citação num artigo sobre o Programa: “[...] o

sentimento de que pessoas não são punidas quando lesam outras, por exemplo, ou

a convicção de que nada acontecerá se houver a prática de um crime – pode

comprometer a confiança na justiça (2001, p. 42)”

Tal descrença motiva as pessoas a se apegarem demasiadamente à proteção

do PROVITA, inclusive crendo que seu testemunho faz do Estado um devedor seu,

o que resulta numa dependência quase total do aparato estatal para sua

sobrevivência. Isto sugere que os usuários também barganham com a justiça, numa

relação utilitária, exatamente como se sentem quando o andamento processual de

suas denúncias simplesmente não caminha.

Para ratificar esta afirmação, trago para essa discussão uma observação de

Almeida (2001, P. 12), onde a autora descreve que o rompimento abrupto no curso

da vida dos usuários dessa política de proteção os coloca ante aos novos elementos

que precisam ser adotados para garantia da continuidade de suas histórias: “é a

partir da dor como geradora de um lugar social, que esses sujeitos, ao se

confrontarem com situações-limite, buscam negociar suas novas condições de vida,

passam a contrair novas relações que atravessarão novas culturas”.

Quanto ao aspecto tutelador dessa proteção – que a meu ver fomenta uma

relação de dependência, a qual aniquila a autonomia das testemunhas ameaçadas –

este também constitui-se em nova subjetividade que permeará a vida dos usuários,

não só durante a proteção efetiva, mas os acompanhará por muito tempo em suas

trajetórias.

O modelo de proteção cria essa condição de incapacidade parcial, por vários

elementos: 1) as regras de segurança não permitem o livre acesso ao trabalho

formal; 2) muitas vezes a aquisição de documentação (por exemplo, carteira de

habilitação) não pode ser realizada; 3) há restrições de atendimentos em unidades

públicas de saúde no caso de procedimentos mais complexos, como exames

especializados ou cirurgias; 4) é vedada a livre participação em certames para vagas

em cargos públicos. Enfim, esse rol poderia ser bastante extenso, porém já é

Page 31: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

31

possível alcançar a idéia central de limitações de direitos em função da preservação

da integridade física dos usuários, posto que quaisquer ações que identifiquem o

nome da testemunha num banco de dados ou cadastro, bem como denuncie sua

localização geográfica são radicalmente proibidas. As restrições listadas acima são,

para a maioria dos cidadãos brasileiros, atividades cotidianas e imprescindíveis para

garantir autonomia econômica, social e emocional. Como os usuários do PROVITA

podem ao mesmo tempo construir independência sem ferir a segurança? Este

desafio é enfrentado diuturnamente pelas equipes técnicas que exploram diversas

estratégias de intervenção, criam projetos sócio-político-pedagógicos e, ainda,

consideram a carga de habilidades (ou de deficiências), aptidões, identidades e

expectativas dos usuários, além de contarem com a retaguarda de uma ampla rede

de parceiros solidários, a fim de garantirem (ou ao menos pretenderem) o

cumprimento de um processo de inserção e autonomização social.

Page 32: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

32

Metodologia:

A presente pesquisa será encaminhada baseada em análises documentais e

bibliográficas pertinentes à temática suscitada, em acordo ao que tão bem nos

esclarece Salomon (1999) sobre pesquisa bibliográfica: “É o conjunto de obras

derivadas sobre determinado assunto, escritas por vários autores, em épocas

diversas, utilizando todas ou parte das fontes”. Assim, como o programa de proteção

é uma política relativamente nova, mas que já possui um significativo material escrito

produzido, é possível analisar tais documentos, correlacionando-os com a

experiência profissional desenvolvida em uma década no PROVITA/PARÁ.

Trata-se de uma pesquisa com abordagem qualitativa – a partir da definição

proposta por Denzin and Lincoln (1994; apud Creswell, 1998, p. 14): “Pesquisa

qualitativa tem vários focos, envolvendo a interpretação numa abordagem natural do

assunto. [...] o pesquisador estuda as coisas em seus ambientes naturais, tentando

dar sentido ou interpretar um fenômeno do jeito que as pessoas o vêem”. Baseado

nessa concepção, este trabalho parte da análise da relação indissociável entre a

subjetividade humana e o mundo objetivo e, visa a interpretação de fenômenos

produzidos nessa interação, buscando revelar seus significados.

A opção por esta modalidade de pesquisa deve-se pela dificuldade em

quantificar o objeto em foco e pela facilidade de acesso à significativa documentação

produzida em anos de acompanhamento/atendimento de usuários do PROVITA.

São inúmeros os textos, relatórios técnicos e artigos que abordam em seu

bojo, dentre outras questões, o modo como os protegidos percebem sua condição e

se colocam ante a dinâmica imposta pelo atual modelo de proteção às testemunhas

no Brasil.

Dessa forma, o universo pesquisado será a documentação produzida pela

equipe técnica do PROVITA/PA em 10 anos de efetivo exercício e na bibliografia

científica sobre as teorias que sustentam essa pesquisa como, subjetividade

humana, saúde mental e Direitos Humanos.

Page 33: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

33

Discussão dos Resultados:

Sabemos que o programa de proteção as testemunhas, em nome da

preservação da integridade física, remaneja os usuários para local distante de sua

terra natal e, para mantê-los sob proteção, restringe aos mesmos alguns direitos a

fim de garantir-lhes segurança. Tais ações, obviamente, influenciam/interferem no

modo como essas pessoas sentem e percebem o mundo.

O argumento para este trabalho baseia-se na tentativa de desvelar aspectos

subjacentes dos usuários na sua relação com o PROVITA e com as equipes

técnicas que os acompanham. É no meio dessa complexa dimensão humana que

tentarei trazer comentários que contribuam para a discussão acerca da temática.

Por tratar-se de uma pesquisa qualitativa, com análise documental e

bibliográfica (além da vivência profissional enquanto membro da equipe técnica do

PROVITA/PARÁ) os resultados ou constatações serão analisados a partir do que

propõem as questões-problemas, quais sejam: morosidade da justiça, tutela do

Estado e as conseqüências dessas situações na saúde mental dos protegidos.

Quanto ao aspecto jurídico suscitado, pode-se constatar que a descrença no

judiciário é um fato junto aos usuários quando estes ficam sob proteção por um

tempo médio bem acima do prazo legal de 2 anos, conforme preconiza a Lei Federal

9.807/99 em seu art. 11. Ora, a permanência prolongada dá-se também pela

ausência de uma movimentação processual célere, satisfatória. Os usuários

descredibilizam a justiça porque vêem em sua denúncia (testemunho) o marco que

determinou uma mudança brusca e avassaladora em suas vidas, mas apesar disso,

não são priorizadas pelo sistema judiciário.

Trata-se de um processo que lhes traz, em algum grau, sofrimento psíquico.

Pode-se perceber, portanto, que há comprometimento no grau de resiliência dos

usuários, em virtude da lentidão da justiça.

Nos domínios das ciências humanas e da saúde, o conceito de resiliência faz referência à capacidade do ser humano responder de forma positiva às situações adversas que enfrenta, mesmo quando estas comportam risco potencial para sua saúde e/ou seu desenvolvimento. Esta capacidade é considerada por alguns autores como uma competência individual que se constrói a partir das interações entre o sujeito, a família e o ambiente. (Silva, et. al., 2003).

Page 34: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

34

Obviamente, nem todos que experimentam situações calamitosas e negativas

ou que crescem em ambientes adversos necessariamente desenvolverão problemas

emocionais. A psicologia reconhece que o ser humano tem grande capacidade de

adaptação e de superação de dificuldades. Contudo, a desvalorização da denúncia

de uma testemunha que sofre perdas materiais e imateriais com essa ação,

logicamente reverbera na estrutura emocional desse indivíduo, desencadeando

quadros de adoecimento como, depressão, estresse pós-traumático e até surtos

psicóticos; além disso, quadros de dependência alcoólica e de outras drogas

também tendem a se agravar com a mudança súbita que os usuários são

submetidos.

Outra conseqüência da falta de efetivação de justiça é o recrudescimento do

sentimento de impunidade. Esta constatação alinha-se com o pensamento de

Bekerman (2000, p. 110 apud Mourão, 2002, p. 55) “a impunidade produz

subjetividade”:

A autora aponta, não uma correlação, mas uma justaposição entre impunidade e violação de direitos humanos, como „faces da mesma moeda‟, constituindo um sistema perverso cujo núcleo seria um Estado não cumpridor de seu papel. Os crimes de poder (e de seus agentes), instalados nesse contexto de impunidade – por meio de novos e inúmeros aparatos de controle – seriam sustentados e legitimados, em última análise, pelo próprio poder.

Quando o tempo legal não é respeitado e os usuários não percebem um

andamento processual adequado, com o razoável cumprimento dos prazos, ocorre

também uma tendência à acomodação e à submissão de uma tutela do Estado que

“ora exerce sua proteção”, fato que culmina num dificultoso processo de autonomia

social e futura independência do Programa.

Não existe um estudo quantitativo sobre o número de usuários que

conseguem encampar um grau de autonomia que o desvencilhe economicamente

do PROVITA dentro desse prazo, mas o acompanhamento técnico, o qual é objeto

de análise constante seja nas reuniões semanais de planejamento das equipes seja

nas capacitações nacionais anuais, nos fornece dados empíricos que apontam um

alto índice de dependência da maioria dos usuários com os recursos financeiros

dispensados pelo programa e com a equipe que os acompanha.

Os usuários recebem um subsídio financeiro mensal, que deveria servir como

uma complementação de suas rendas. Todavia, a maioria não consegue exercer

Page 35: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

35

atividade laborativa remunerada, por vários fatores tais como: falta de qualificação

profissional, riscos à segurança, acomodação, dentre outras. O fator acomodação

(que é que nos interessa nessa discussão) resulta, em grande parte, do período

excessivamente prolongado de permanência no PROVITA, fruto da morosidade

judicial, e que faz um claro contraponto à provisoriedade do processo de proteção,

característica que deveria funcionar como um estímulo à busca da autonomização

dos usuários, por demarcar o prazo para a cessação da proteção e do repasse de

recursos. Assim, o programa parece desvirtuar-se de sua essência, sendo que o

destaque recai sobre o seu aspecto assistencial, o qual deveria ser, ordinariamente,

secundário nesse processo, pois como nos adverte Demo (2002) “É este o drama da

assistência: fabrica beneficiários, ou, pelo menos, confirma a situação de

beneficiário. Na dialética contrária e complexa entre assistência e emancipação, esta

começa a surgir quando se consegue dispensar a ajuda”.

Ademais, outra faceta do descumprimento de papel da justiça sobre os

usuários é a “herança” da institucionalização, enquanto um processo experimentado

por pessoas que são submetidos ao controle excessivo de instituições nas quais

estão inseridos. Simbolicamente, o PROVITA cria “grades de proteção”, que são

formas de controle sobre os protegidos, por meio de rígidas regras de segurança em

nome da preservação da vida, enquanto bem maior. Ora, a submissão a uma

dinâmica diferenciada por um período maior do que o necessário (ou o suportável),

também é um dos saldos de um sistema judiciário deficitário, do qual dependem os

usuários desse programa.

É preciso registrar também que, apesar de minoritariamente, existem ótimas

experiências exitosas, frutos de intervenções técnicas qualificadas, onde usuários

são beneficiados por ações transformadoras em suas vidas. Com o aprimoramento

profissional, muitas famílias de protegidos ascendem socialmente, tornando-se

empreendedoras de pequenos negócios comerciais, porém grandes em matéria de

promoção social e de fortalecimento da cidadania. Outros se tornam ferrenhos

defensores dos direitos humanos, talvez por se “impregnarem” com essa temática, a

partir da vivência constante com os diversos movimentos sociais que compõem e

sustentam a estrutura da rede solidária de proteção. Há ainda os que apreendem a

importância dos estudos, dos cuidados com a saúde pessoal e coletiva, do respeito

Page 36: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

36

à diversidade humana e os demais valores solidários que contribuem para a

instauração de uma sociedade verdadeiramente mais democrática.

Pode-se concluir que os efeitos do não cumprimento dos objetivos do

PROVITA, quais sejam a efetivação da justiça e a desconstrução de uma vigente

“cultura” de impunidade, além do aspecto tutelador gerado pelo Estado quando não

cumpre com sua atribuição histórica de administrador dos deveres e direitos dos

cidadãos, são preocupantes. Contudo, reitero que é importante lembrar que essa

percepção não deve significar a falência do PROVITA, pois como já destacado ao

longo desse trabalho, seus objetivos e ações intentam atender a uma demanda

coletiva nobre, reclamando arraigadamente respeito e valorização da dignidade

humana.

Page 37: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

37

Conclusão

É óbvio o fato de que subjetividades negativas são criadas a todo o instante

em nossas vidas. Temos a demonização do mulçumanismo gerada pela campanha

impetrada pelo governo Norte Americano à época dos atentados terroristas de 11 de

setembro de 2001; a criação de figuras como “os perigosos opositores subversivos”

nos “anos de chumbo”; o mito das “classes perigosas” que apregoa que

marginalidade está associada à pobreza e à raça negra; e atualmente, nos

deparamos com a moderna campanha de criminalização dos movimentos sociais,

encampada principalmente pela mídia, que nos faz lembrar o que acertadamente

coloca Cecília Coimbra “a mídia produz subjetividade por meio de esquemas

dominantes de significação e interpretação do mundo (2001, grifo nosso)”.

De acordo com a proposição inicial desse trabalho, acredito que as questões-

problemas suscitadas e que nortearam as discussões desse estudo foram bastante

debatidas. Elementos como o processo de perdas de referências, experimentado

pelos usuários a partir do seu remanejamento; o modelo tutelador de proteção que

gera dependência e dificulta a autonomia social e econômica dos mesmos; além da

recorrente lentidão do Judiciário, são indubitavelmente questões que

transversalizam a dinâmica de vida das pessoas sob proteção, determinando novas

formas de perceber e de sentir o mundo.

As novas subjetividades criadas a partir da experiência de ingressar no

PROVITA e a quebra e construção de novos paradigmas nesse processo são

colocadas principalmente com uma referência negativa. São oriundas de situações,

e episódios até traumatizantes, pois advém da violência que os usuários denunciam

ou pela negligência estatal em acolhê-los adequadamente, fatos que se desdobram

em significativo sofrimento.

Entretanto, não se trata, porém, com essa discussão de sugerir a inviabilidade

dessa política de proteção e assistência a vítimas e testemunhas, mas de propor o

enfrentamento de suas fragilidades, com o fito de superá-las.

É possível que o país promova a revisão legislativa necessária para auxiliar

no desemperramento da máquina judiciária e, ainda, fortaleça suas políticas

públicas, a fim de garantir a inclusão social cidadã das centenas de pessoas que se

dispõem a colaborar para o advento de uma justiça mais eficiente, com reflexos

Page 38: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

38

altamente positivos para toda a sociedade brasileira. Ora, mobilizar o Sistema de

Justiça e de Segurança Pública, enquanto entes responsáveis por alavancar

estratégias e ações que confrontem o crescente índice de violência vigente e o

perverso ciclo de silenciamento e impunidade bastante difuso na sociedade

brasileira atual, tornam o PROVITA um poderoso instrumento nesse processo.

Seria imperdoável se não se comentasse também sobre os avanços desse

programa: Inúmeras vidas protegidas; famílias assistidas em suas necessidades

materiais e sociais; atuação técnica interdisciplinar a partir do diálogo entre a

Psicologia, o Serviço Social e o Direito; a apreensão pelos usuários de valores

cidadãos e de direitos antes desconhecidos; mobilizações de várias instituições

públicas e não governamentais em torno de nobres objetivos comuns (combate à

violência e efetivação da justiça). Além disso, a garantia de participação efetiva e

sistemática da Sociedade Civil Organizada é uma proposta inovadora em nível

mundial junto a programas dessa natureza, posto que a ONU faz referências

positivas ao programa brasileiro e, inclusive, recomenda esse modelo a países da

América Latina que pretendem criar programas de proteção, principalmente por seu

aspecto democrático e por nunca ter registrado nenhuma perda de vida humana que

lhe é confiada à proteção.

É importantíssimo que se destaquem dois aspectos bastante positivos

alcançados pelo PROVITA ao longo de 13 anos de existência em nosso país:

primeiro é o de vir cumprindo com a proposição de uma ampla discussão acerca dos

direitos humanos. Isto pode ser constatado nos seminários transnacionais, nas

legislações específicas criadas, dentre outras atividades. O segundo reside na

construção de uma rede solidária que reúne parceiros bastante credibilizados na

área e que apesar de sua “invisibilidade”, auxiliam potencialmente na difusão da

cultura de combate à impunidade e realização da justiça em nosso país.

Para concluir, é interessante trazer para o texto a afirmação de Paoli (1997, p.

250): “[...] esses direitos (humanos) supõem a consideração da violência como

intrinsecamente ligada a uma política ampla, que se imprime na forma administrativa

do governo, nas relações de desigualdade e conflito, nos indivíduos, nas

mentalidades, nas heranças históricas”.

Page 39: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

39

Referências Bibliográficas ADORNO, Sérgio. Direitos Humanos e Violência Social. In: Seminário do Núcleo de Atendimento às Vítimas de Crimes Violentos, 5., 2005, Belo Horizonte. Coletânea do V Seminário: Construção da Cidadania: Desdobramentos dos Atendimentos às Vítimas de Violência. Belo Horizonte: Life empresarial, 2005, 179 p. ALMEIDA, S. S. Ética e Institucionalidade. Revista Direitos Humanos do GAJOP, Recife, nº 7, p. 7-13, jan./jul. 2001. _____________. Violência e Subjetividade. In: RAUTER, C. et. al. (Orgs.). Clínica e Política: subjetividade e violação dos direitos humanos. Equipe clínico-grupal, grupo tortura nunca mais – RJ. Instituto Franco Basaglia/Editora TeCorá. Rio de Janeiro: 2002. _____________. Violência urbana e constituição de sujeitos políticos. In: PEREIRA, C. A. M. et. al. (Orgs.). Linguagens da violência. Rio de Janeiro: Rocco, 2000. BENEVIDES, R. “De vítima a testemunha, de testemunha a cidadão: crises e identidades” e “Saúde mental: a importância de se assegurarem direitos”. In: RAUTER, C. et. al. (Orgs.). Clínica e Política: subjetividade e violação dos direitos humanos. Equipe clínico-grupal, grupo tortura nunca mais – RJ. Instituto Franco Basaglia/Editora TeCorá. Rio de Janeiro: 2002. BENVENUTO, Jayme Lima Jr. (Org.). Independência dos Juízes no Brasil: Aspectos relevantes, casos e recomendações. Recife, Editora Bagaço, 2005. BRASIL, Vera Vital. Ferramentas para uma prática clínica voltada para os direitos humanos: a operação histórica. In: RAUTER C.; PASSOS E.; BARROS R. B. (Orgs). Clínica e política: subjetividade e violação de direitos humanos. Equipe clínico-grupal, GTNM-RJ. Instituto Franco Basaglia/Editora TeCorá, RJ:2002. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. CARBONARI, P. C. Realização dos Direitos Humanos: coletânea de referências. Editora IFIBE, Passo Fundo/RS, 2006. CARVALHO, M. C. R. et. al. Manual para Apresentação de Trabalhos Acadêmicos da Universidade Católica de Brasília. 2º edição revisada e ampliada, Brasília, 92 p., 2008.

Page 40: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

40

COIMBRA, C. M. B. Operação Rio: o mito das classes perigosas. Rio de Janeiro: Oficina do autor; Niterói: Intertexto, 2001. COUTINHO, C. N. Notas sobre a modernidade. In: Praia Vermelha: Estudos de política e teoria social. Publicação semestral do Programa de Pós-graduação da Escola de Serviço Social da UFRJ. Vol I, Número I, Rio de janeiro, 1997. CRESWELL, J. W. Metodologia de pesquisa. Editora Artmed, 2ª edição, Nebraska, 2007. DELEUZE, G. Lógica do sentido. São Paulo: Perspectiva, 1994. DEMO, P. Pobreza Política. In: Poema Pedagógico: Ensaios de Pedagogia do Excluído. Publicação do Serviço de Educação e Organização Popular-SEOP. Reproarte gráfica, Petrópolis, RJ, 1999. ________. Educação pelo avesso: assistência como direito e como problema. Editora Cortez, 2ª edição, SP, 2002. FARIA, José Eduardo. A crise do Judiciário no Brasil. In: BENVENUTO, Jayme Lima Jr. (Org.). Independência dos Juízes no Brasil: Aspectos relevantes, casos e recomendações. Recife, Editora Bagaço, 2005. FILHA, M.O.F.; SILVA, A.T.M.C.; LAZARTE, R. Saúde Mental e Pobreza no Brasil: desafios atuais. Disponível em HTTP://www.consciencia.net/hoje/busca.html. Acessado em 16/08/2009. GUATTARI, F.; ROLNIK S. Micropolítica: cartografias do desejo. Rio de Janeiro: Vozes, 1986. KAAS, Leila. Paulo Freire, o educador brasileiro autor do termo Empoderamento, em seu sentido transformador. Acessado no dia 14 de julho de 2009. Disponível em http://www.fatorbrasis.org/arquivos/Paulo_Freire. Acessado em 04/07/2009. MAHEIRIE, Kátia. Constituição do Sujeito, Subjetividade e Identidade. In: Interações. Vol. VII, nº 13. P. 31-44, Jan./Jun. 2002. Disponível em http://pepsic.bvs-psi.org.br.pdf. Acessado no dia 12/07/2009. MOURÃO, J. C.; JORGE, M. A.; FRANCISCO, S. A. Violência organizada, impunidade e silenciamento. In: RAUTER C.; PASSOS E.; BARROS R. B. (Orgs).

Page 41: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS ... · PDF filelições de vidas passadas nessa uma década de atividade profissional. ... Direitos Humanos, ... O desafio

41

Clínica e política: subjetividade e violação de direitos humanos. Equipe clínico-grupal, GTNM-RJ. Instituto Franco Basaglia/Editora TeCorá, RJ:2002. ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Nova Iorque, ONU, 1948 PAOLI, Maria C. O coletivo, o social e os direitos do indivíduo. In: ARAÚJO, A. M. C. (Org.). Trabalho, Cultura e Cidadania. São Paulo, Scritta Ed., 1997. PIOVESAN, Flávia; GOTTI, A. Passos; MARTINS, J. Senne. A Proteção Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. In.: LIMA, J. B. (Org.) – Direitos Humanos, Econômicos, Sociais e Culturais. Recife, publicação Plataforma Interamericana de Direitos Humanos, Democracia e desenvolvimento, 2004. SALOMON, D. V. Como fazer uma monografia. Editora Martins Fontes, SP, 1999. SILVA, M. R. S. et. al. Resiliência: concepções, fatores associados e problemas relativos à construção do conhecimento na área. Disponível em http://sites.ffclrp.usp.br/paideia/artigos/26/02.htm. Acessado no dia 14/09/2009. TEDESCO, Silvia. As práticas do dizer e os processos de subjetivação. In: Interação em psicologia, UFF, Rio de Janeiro, 2006. TCU/Tribunal de Contas da União – Secretaria de Fiscalização e Avaliação de Programas de Governo. Relatório de Avaliação de Programa: Programa de Assistência a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas. Relator Auditor Lincoln Magalhães da Rocha, Brasília/DF, 2005. UNGARO, Gustavo. Acesso à Justiça: proteção a testemunhas no Brasil. Revista Direitos Humanos do GAJOP, Recife, nº 7, p. 41-44, jan./jul. 2001. WIKIPEDIA, Enciclopédia brasileira. Disponível em HTTP://pt.wikipedia.org/wiki/instituição_total. Acessado em 23/08/2009.