Curso de Direito Penal - Vol. 1 - forumdeconcursos.com · com o objetivo de disponibilizar...

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  • (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Capez, FernandoCurso de direito penal,volume 1, parte geral :(arts. 1 a 120) /Fernando Capez. 16.ed. SoPaulo : Saraiva, 2012.1. Direito penal I. Ttulo.

    CDU-343

    ndice para catlogo sistemtico:1. Direito penal 343

    Diretor editorial Luiz Roberto CuriaDiretor de produo editorial Lgia Alves

  • Editor Thas de Camargo RodriguesAssistente editorial Aline Darcy Flr de SouzaProdutora editorial Clarissa Boraschi Maria

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    Data de fechamento daedio: 22-11-2011

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  • A meu pai, Amin Capez, cuja coragem, determinao, dedicao e honestidade construram o exemplo que procuro seguir

    em todos os dias de minha vida.A minha me, Suraia Capez, a quem tudo devo, por sua

    renncia, sacrifcio e afeto, os quais jamais conseguirei retribuir na mesma intensidade.

    A meu amigo e professor Damsio de Jesus, que sonhou em escrever um livro e criou um marco na histria do Direito Penal; um

    dia pensou em ensinar e se transformou em um jurista renomado internacionalmente.

  • Se voc conhece o inimigo e conhece a si mesmo, noprecisa temer o resultado de cem batalhas.

    Sun Tzu, A arte da guerra

  • SOBRE O AUTOR

    Fernando Capez Bacharel em Direito pela Faculdade deDireito da Universidade de So Paulo (USP). Mestre em Direito pelaFaculdade de Direito da Universidade de So Paulo (USP). Doutorem Direito pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo(PUCSP).

    Ingressou no Ministrio Pblico em 1988 (aprovado em 1lugar), onde integrou o primeiro grupo de Promotores responsveispela defesa do patrimnio pblico e da cidadania. Combateu aviolncia das torcidas organizadas e a mfia do lixo.

    professor da Escola Superior do Ministrio Pblico de SoPaulo. , tambm, professor convidado da Academia de Polcia deSo Paulo, da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro e da EscolaSuperior do Ministrio Pblico do Rio Grande do Sul, Santa Catarina,Paran, Rio de Janeiro, Esprito Santo, Alagoas, Sergipe, Bahia,Amazonas, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Amap, Rondnia eGois.

    palestrante nacional e internacional.Tem inmeros livros publicados, nos quais aborda temas

    como interpretao e aplicao de leis penais, crimes cometidoscom veculos automotores, emprego de arma de fogo, interceptaotelefnica, crime organizado, entre outros.

    autor da Coleo Direito Simplificado, publicada pelaEditora Saraiva. tambm coordenador da Coleo EstudosDirecionados, publicada pela mesma Editora, que abrange osdiversos temas do Direito, destacando-se a praticidade do sistema deperguntas e respostas, que traz, ainda, grficos e esquemas, bemcomo da Coleo Pockets Jurdicos, que oferece um guia prtico eseguro aos estudantes que se veem s voltas com o exame da OAB eos concursos de ingresso nas carreiras jurdicas, e cuja abordagemsinttica e a linguagem didtica resultam em uma coleo nica eimprescindvel, na medida certa para quem tem muito a aprenderem pouco tempo.

  • NDICE

    Sobre o AutorNota do AutorPrefcio1. Introduo

    1.1. Da concepo do Direito Penal1.2. Da funo tico-social do Direito Penal1.3. Objeto do Direito Penal1.4. O Direito Penal no Estado Democrtico de Direito

    1.4.1. O perfil democrtico do Estadobrasileiro. Distino entre Estado de Direito eEstado Democrtico de Direito1.4.2. Princpios penais limitadoresdecorrentes da dignidade humana

    1.5. Os limites do controle material do tipo incriminador1.6. Da Parte Geral do Cdigo Penal: finalidade

    2. Fontes do Direito Penal2.1. Fonte formal imediata2.2. Fontes formais mediatas

    3. Interpretao da lei penal4. Analogia5. Princpio da legalidade6. Irretroatividade da lei penal7. Leis de vigncia temporria8. Tempo do crime e conflito aparente de normas9. Territorialidade da lei penal brasileira10. Extraterritorialidade da lei penal brasileira11. Eficcia de sentena estrangeira12. Do lugar do crime13. Contagem do prazo14. Teoria do crime15. Fato tpico

    15.1. Conduta15.1.1. Da conduta omissiva15.1.2. Sujeitos da conduta tpica15.1.3. Objeto jurdico e objeto material

    15.2. Resultado15.3. Nexo causal15.4. Tipicidade

    16. O tipo penal nos crimes dolosos17. O tipo penal nos crimes culposos18. Crime preterdoloso19. Erro de tipo

  • 20. Crime consumado21. Tentativa (conatus)22. Desistncia voluntria e arrependimento eficaz23. Arrependimento posterior24. Crime impossvel25. Classificao dos crimes26. Ilicitude27. Estado de necessidade28. Legtima defesa29. Estrito cumprimento do dever legal30. Exerccio regular de direito31. Culpabilidade

    31.1. Imputabilidade31.2. Potencial conscincia da ilicitude31.3. Exigibilidade de conduta diversa

    32. Concurso de pessoas33. Comunicabilidade e incomunicabilidade de elementares ecircunstncias34. Da sano penal35. Das penas privativas de liberdade36. Das penas restritivas de direitos37. Da pena de multa38. Das medidas de segurana39. Da aplicao da pena40. Da reincidncia41. Suspenso condicional da pena42. Livramento condicional43. Efeitos da condenao44. Reabilitao45. Concurso de crimes

    45.1. 1Concurso material ou real45.2. 1Concurso formal ou ideal45.3. 1Crime continuado

    46. Limites de penas47. Ao penal48. Causas de extino da punibilidade

    48.1. Morte do agente (inciso I)48.2. Anistia, graa e indulto (inciso II)48.3. Lei posterior que deixa de considerar o fatocriminoso -1abolitio criminis48.4. Renncia ao direito de queixa48.5. Perdo do ofendido48.6. Perempo48.7. Retratao do agente48.8. Casamento do agente com a vtima e casamento davtima com terceiro

  • 48.9. Perdo judicial48.10. Decadncia48.11. Prescrio

    48.11.1. Prescrio da pretenso punitiva(PPP)48.11.2. Prescrio da pretenso executria(PPE)

    48.12. Prescrio na legislao especialBibliografia

  • NOTA DO AUTOR

    O CDIGO CIVIL DE 2002 E SEUS REFLEXOS NO CDIGOPENAL

    O novo Cdigo Civil, em seu art. 5, estatuiu que amenoridade cessa aos 18 (dezoito) anos completos, quando a pessoafica habilitada prtica de todos os atos da vida civil. Isto significaque, a partir de sua entrada em vigor, adquire-se a plena capacidadepara a prtica de qualquer ato jurdico aos 18, e no mais aos 21anos. Com isso, no se pode mais continuar falando em representantelegal para quem j completou a maioridade civil, na medida em que,atingida a maioridade, cessa a menoridade. Se o sujeito estcompletamente apto para expressar livremente sua vontade nomundo jurdico, no h mais como trat-lo como um incapaz. Destaforma, no caso do maior de 18 e menor de 21 anos, a expressorepresentante legal tornou-se incua, vazia, sem contedo. umrepresentante que no tem mais a quem representar. Em nota 10edio do nosso Curso de processo penal, sustentamos oentendimento de que a Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, queentrou em vigor no dia 11 de janeiro de 2003, instituindo o novoCdigo Civil, provocou sensvel modificao no quadro decapacidades estabelecidas pelo Cdigo de Processo Penal.

    Por essa razo, tendo o acusado atingido a maioridade civil,no h mais necessidade de nomeao de curador para o seuinterrogatrio, nem subsiste a figura do representante legal paraoferecer a queixa ou a representao, alm do que somente oofendido poder exercer ou renunciar ao direito de queixa ou derepresentao, bem como conceder o perdo ou aceit-lo. Se plenamente capaz, no tem mais representante legal, nem precisaser assistido.

    Especificamente no que toca aos arts. 65 e 115 do CdigoPenal, no entanto, entendemos que nenhum deles foi atingido pelareforma da legislao civil. O primeiro trata da circunstnciaatenuante genrica do menor de 21 anos na data do fato. O segundoreduz pela metade o prazo da prescrio da pretenso punitiva eexecutria, quando o agente for, ao tempo do crime, menor de 21anos. Em ambos os casos, no existe nenhuma relao entre a idademencionada pelos dispositivos e a plena capacidade para a prtica deatos jurdicos. Independentemente de o agente ser relativa ouplenamente capaz, de ter ou no representante legal, o legisladorpretendeu conceder-lhe um benefcio, devido sua pouca idade.

  • Prova disso o fato de os arts. 65 e 115 estenderem as mesmasbenesses ao maior de 70 anos na data da sentena. Tanto o menor de21 quanto o maior de 70 so plenamente capazes para os atos da vidacivil, includos a os de natureza processual. Apenas por um critriodo legislador, uma opo poltica sua, tais agentes, por inexperinciade vida ou senilidade, foram merecedores de um tratamento penalmais ameno. Assim, no h que se falar em derrogao dessesdispositivos.

  • PREFCIO

    Este Curso de direito penal que estou tendo a honra deprefaciar constitui no s um sedimentado fruto de longos anos detrabalho profissional e docente, seno sobretudo o coroamento deuma das mais brilhantes carreiras no campo jurdico. Com estilodireto e facilmente compreensvel, Fernando Capez, semelhanado seu consagrado Curso de processo penal e comprovando uma vezmais seu indiscutvel talento, acaba de nos brindar com uma obracompleta sobre a Parte Geral do Direito Penal. Nenhum dos maisimportantes institutos dessa rea da Cincia Criminal deixou de sertratado com a devida maestria e leveza de sempre. um livro,portanto, dirigido a todos os que militam no campo penal, aosestudantes dos cursos de Direito e, particularmente, aos que esto sepreparando para concursos pblicos de ingresso nas mais variadascarreiras jurdicas.

    Para mais alm da clareza e objetividade, o livro um slidoManual de utilidade inquestionvel, seja pela atualidade do seucontedo, que est em perfeita consonncia tanto com as maisrecentes modificaes legais como com as modernas tendncias dascincias penais globalmente consideradas (gesamteStrafrechtswissenschaft), seja pela extenso e bem selecionadajurisprudncia. Com tudo isso se chegou a um valioso eimprescindvel instrumento de trabalho, que est predestinado aservir de verdadeiro guia tanto nas atividades forenses como nasacadmicas, destacando-se aquela especfica fase preparatriaintermediria entre o fim do curso universitrio e o princpio de umabem-sucedida carreira profissional.

    A obra foi inteiramente estruturada, quer para atender necessidade de qualquer operador jurdico em seu dia a dia, querpara constituir uma interessante alternativa para aqueles que,premidos pelos mltiplos compromissos da vida moderna, nocontam com grande disponibilidade de tempo. Excelente contedo,fcil acesso a cada uma das matrias mais relevantes da Parte Geraldo Direito Penal, coordenada sistematizao e pragmatismo naexposio das ideias. Com essas caractersticas marcantes, no hdvida que este livro ir ocupar o seu devido espao no cenriojurdico nacional, fundamentalmente porque escrito por um dos maisnotveis professores na rea de concursos pblicos.

    Para alm de desfrutar de uma lcida inteligncia eadmirvel agilidade mental, Fernando Capez conta com invejvelexperincia docente, tendo lecionado com brilhantismo mpar noComplexo Jurdico Damsio de Jesus no s a disciplina de Direito

  • Penal como tambm a de Direito Processual Penal. Tem ainda avirtude de aliar a essa profcua atividade de ensino um conhecimentotcnico-jurdico por todos reconhecido, conhecimento esse reveladono s no fato de ter sido o primeiro colocado em seu concurso deingresso, seno e sobretudo no desempenho dirio das suas mltiplasfunes de Promotor de Justia.

    Atuando em defesa da cidadania, da moralidade pblica e datranquilidade de todos, notabilizou-se como um dos mais dignos erespeitados representantes do Ministrio Pblico paulista, que delecertamente deve orgulhar-se.

    Sendo criador de um dos mais eficientes mtodos de estudo,autor de inmeros trabalhos (de Direito Penal, Processo Penal, leisespeciais, lei de execuo penal etc.) voltados primordialmente paraos candidatos que se preparam para o ingresso em concursospblicos, professor monitor da Escola Superior do Ministrio Pblico,palestrante nato, coordenador de cursos de ps-graduao, no hcomo deixar de admitir seu extraordinrio cabedal para editar estacompleta e transcendental obra de Direito Penal, Parte Geral, queseguramente ter a aceitao merecida de todos.

    So Paulo, outubro de 1999.Luiz Flvio Gomes

  • 1. INTRODUO

    1.1. Da concepo do Direito PenalO Direito Penal o segmento do ordenamento jurdico que

    detm a funo de selecionar os comportamentos humanos maisgraves e perniciosos coletividade, capazes de colocar em riscovalores fundamentais para a convivncia social, e descrev-los comoinfraes penais, cominando-lhes, em consequncia, as respectivassanes, alm de estabelecer todas as regras complementares egerais necessrias sua correta e justa aplicao.

    A cincia penal, por sua vez, tem por escopo explicar a razo,a essncia e o alcance das normas jurdicas, de forma sistemtica,estabelecendo critrios objetivos para sua imposio e evitando, comisso, o arbtrio e o casusmo que decorreriam da ausncia de padrese da subjetividade ilimitada na sua aplicao. Mais ainda, busca ajustia igualitria como meta maior, adequando os dispositivos legaisaos princpios constitucionais sensveis que os regem, no permitindoa descrio como infraes penais de condutas inofensivas ou demanifestaes livres a que todos tm direito, mediante rgido controlede compatibilidade vertical entre a norma incriminadora e princpioscomo o da dignidade humana.

    1.2. Da funo tico-social do Direito PenalA misso do Direito Penal proteger os valores fundamentais

    para a subsistncia do corpo social, tais como a vida, a sade, aliberdade, a propriedade etc., denominados bens jurdicos. Essaproteo exercida no apenas pela intimidao coletiva, maisconhecida como preveno geral e exercida mediante a difuso dotemor aos possveis infratores do risco da sano penal, massobretudo pela celebrao de compromissos ticos entre o Estado e oindivduo, pelos quais se consiga o respeito s normas, menos porreceio de punio e mais pela convico da sua necessidade ejustia.

    A natureza do Direito Penal de uma sociedade pode seraferida no momento da apreciao da conduta. Toda ao humanaest sujeita a dois aspectos valorativos diferentes. Pode ser apreciadaem face da lesividade do resultado que provocou (desvalor doresultado) e de acordo com a reprovabilidade da ao em si mesma(desvalor da ao).

  • Toda leso aos bens jurdicos tutelados pelo Direito Penalacarreta um resultado indesejado, que valorado negativamente,afinal foi ofendido um interesse relevante para a coletividade. Issono significa, porm, que a ao causadora da ofensa seja,necessariamente, em si mesma sempre censurvel. De fato, no porque o resultado foi lesivo que a conduta deva ser acoimada dereprovvel, pois devemos lembrar aqui os eventos danosos derivadosde caso fortuito, fora maior ou manifestaes absolutamenteinvoluntrias. A reprovao depende no apenas do desvalor doevento, mas, acima de tudo, do comportamento consciente ounegligente do seu autor.

    Ao ressaltar a viso puramente pragmtica, privilegiadora doresultado, despreocupada em buscar a justa reprovao da conduta,o Direito Penal assume o papel de mero difusor do medo e dacoero, deixando de preservar os valores bsicos necessrios coexistncia pacfica entre os integrantes da sociedade poltica. Aviso pretensamente utilitria do direito rompe os compromissosticos assumidos com os cidados, tornando-os rivais e acarretando,com isso, ao contrrio do que possa parecer, ineficcia no combateao crime. Por essa razo, o desvalor material do resultado s podeser coibido na medida em que evidenciado o desvalor da ao.Estabelece-se um compromisso de lealdade entre o Estado e ocidado, pelo qual as regras so cumpridas no apenas por coero,mas pelo compromisso tico-social que se estabelece, mediante avigncia de valores como o respeito vida alheia, sade, liberdade, propriedade etc.

    Ao prescrever e castigar qualquer leso aos deveres tico-sociais, o Direito Penal acaba por exercer uma funo de formaodo juzo tico dos cidados, que passam a ter bem delineados quais osvalores essenciais para o convvio do homem em sociedade.

    Desse modo, em um primeiro momento sabe-se que oordenamento jurdico tutela o direito vida, proibindo qualquer lesoa esse direito, consubstanciado no dever tico-social no matar.Quando esse mandamento infringido, o Estado tem o dever deacionar prontamente os seus mecanismos legais para a efetivaimposio da sano penal transgresso no caso concreto,revelando coletividade o valor que dedica ao interesse violado. Poroutro lado, na medida em que o Estado se torna vagaroso ou omisso,ou mesmo injusto, dando tratamento dspar a situaesassemelhadas, acaba por incutir na conscincia coletiva a poucaimportncia que dedica aos valores ticos e sociais, afetando acrena na justia penal e propiciando que a sociedade deixe derespeitar tais valores, pois ele prprio se incumbiu de demonstrar suapouca ou nenhuma vontade no acatamento a tais deveres, atravs desua morosidade, ineficincia e omisso.

    Nesse instante, de pouco adianta o recrudescimento e a

  • draconizao de leis penais, porque o indivduo tender sempre aodescumprimento, adotando postura individualista e canalizando suafora intelectual para subtrair-se aos mecanismos de coero. O queera um dever tico absoluto passa a ser relativo em cada casoconcreto, de onde se conclui que uma administrao da justia penalinsegura em si mesma torna vacilante a vigncia dos deveres sociaiselementares, sacudindo todo o mundo do valor tico. Desse contedotico-social do Direito Penal resulta que sua misso primria no atutela atual, concreta dos bens jurdicos, como a proteo da pessoaindividualmente, a sua propriedade, mas sim, como ensina HansWelzel, ...asegurar la real vigencia (observancia) de los valores deacto de la conciencia jurdica; ellos constituyen el fundamento msslido que sustenta el Estado y la sociedad. La mera proteccin debienes jurdicos tiene slo un fin preventivo, de carcter policial ynegativo. Por el contrario, la misin ms profunda del Derecho Penales de naturaleza tico-social y de carcter positivo1.

    Para Welzel, ...ms esencial que el amparo de los bienesjurdicos particulares concretos es la misin de asegurar en losciudadanos el permanente acatamiento legal ante los bienesjurdicos; es decir, la fidelidad frente al Estado, el respeto de lapersona2.

    Em spera crtica concepo simblica e promocional doDireito Penal, Welzel lembrou a Ordenana de 9 de maro de 1943,expedida pelo Ministro da Justia do Reich visando reduzir o nmerode pessoas no pertencentes raa ariana na Alemanha,descriminalizou-se o aborto praticado por estrangeiras, punindo-seapenas o cometido por alems. Aqu se demonstraron visiblementelos lmites del pensar utilitario3. O aborto era incriminado no porcausa de seu contedo moralmente reprovvel, nem passou a serpermitido devido adequao ao novo sentimento social de justia;muito ao contrrio, foi largamente empregado como meio derealizao da poltica racista e discriminatria do regime nazista.Como esperar, assim, acatamento espontneo a uma norma criadacom propsitos amorais? Diferentemente dessa desprezvel visoutilitria, o Direito Penal deve ser compreendido no contexto de umaformao social, como matria social e poltica, resultado de umprocesso de elaborao legislativa com representatividade popular esensibilidade capaz de captar tenses, conflitos e anseios sociais.

    1.3. Objeto do Direito Penal

  • No tocante ao seu objeto, tem-se que o Direito Penal somentepode dirigir os seus comandos legais, mandando ou proibindo que sefaa algo, ao homem, pois somente este capaz de executar aescom conscincia do fim. Assim, lastreia-se o Direito Penal navoluntariedade da conduta humana, na capacidade do homem paraum querer final. Desse modo, o mbito da normatividade jurdico-penal limita-se s atividades finais humanas. Disso resulta a exclusodo mbito de aplicao do Direito Penal de seres como os animais,que no tm conscincia do fim de seu agir, fazendo-o por instinto,bem como dos movimentos corporais causais, como os reflexos, nodominveis pelo homem.

    Conclui-se, portanto, na lio de Welzel, que o objeto de lasnormas penales es la conducta humana, esto es la actividad opasividad corporal del hombre sometida a la capacidad de direccinfinal de la voluntad. Esta conducta puede ser una accin, esto es, elejercicio efectivo de actividad final, o la omisin de una accin, estoes, el no ejercicio de una actividad final posible. Para las normas delDerecho Penal la accin est con mucho en primer plano, mientrasque la omisin queda notoriamente en un segundo plano4.

    1.4. O Direito Penal no Estado Democrtico de Direito

    1.4.1. O perfil democrtico do Estado brasileiro. Distino entreEstado de Direito e Estado Democrtico de Direito

    A Constituio Federal brasileira, em seu art. 1, caput, definiuo perfil poltico-constitucional do Brasil como o de um EstadoDemocrtico de Direito. Trata-se do mais importante dispositivo daCarta de 1988, pois dele decorrem todos os princpios fundamentaisde nosso Estado.

    Estado Democrtico de Direito muito mais do quesimplesmente Estado de Direito. Este ltimo assegura a igualdademeramente formal entre os homens, e tem como caractersticas: (a)a submisso de todos ao imprio da lei; (b) a diviso formal doexerccio das funes derivadas do poder, entre os rgos executivos,legislativos e judicirios, como forma de evitar a concentrao dafora e combater o arbtrio; (c) o estabelecimento formal degarantias individuais; (d) o povo como origem formal de todo equalquer poder; (e) a igualdade de todos perante a lei, na medida emque esto submetidos s mesmas regras gerais, abstratas eimpessoais; (f) a igualdade meramente formal, sem atuao efetivae interventiva do Poder Pblico, no sentido de impedir distoressociais de ordem material.

  • Embora configurasse relevantssimo avano no combate aoarbtrio do absolutismo monrquico, a expresso Estado de Direitoainda carecia de um contedo social.

    Pela concepo jurdico-positivista do liberalismo burgus,ungida da necessidade de normas objetivas inflexveis, como nicomecanismo para conter o arbtrio do Absolutismo monrquico,considerava-se direito apenas aquilo que se encontrava formalmentedisposto no ordenamento legal, sendo desnecessrio qualquer juzo devalor acerca de seu contedo. A busca da igualdade se contentavacom a generalidade e impessoalidade da norma, que garante a todosum tratamento igualitrio, ainda que a sociedade seja totalmenteinjusta e desigual.

    Tal viso defensiva do direito constitua um avano e umanecessidade para a poca em que predominavam os abusos e mimosdo monarca sobre padres objetivos de segurana jurdica, demaneira que se tornara uma obsesso da ascendente classe burguesaa busca da igualdade por meio de normas gerais, realando-se apreocupao com a rigidez e a inflexibilidade das regras. Nessecontexto, qualquer interpretao que refugisse viso literal do textolegal poderia ser confundida com subjetivismo arbitrrio, o quefavoreceu o surgimento do positivismo jurdico como garantia doEstado de Direito. Por outro lado, a igualdade formal, por si s, como tempo, acabou revelando-se uma garantia incua, pois, emboratodos estivessem submetidos ao imprio da letra da lei, no haviacontrole sobre seu contedo material, o que levou substituio doarbtrio do rei pelo do legislador.

    Em outras palavras: no Estado Formal de Direito, todos soiguais porque a lei igual para todos e nada mais. No plano concretoe social no existe interveno efetiva do Poder Pblico, pois este jfez a sua parte ao assegurar a todos as mesmas chances, do ponto devista do aparato legal. De resto, cada um por si.

    Ocorre que as normas, embora genricas e impessoais,podem ser socialmente injustas quanto ao seu contedo. perfeitamente possvel um Estado de Direito, com leis iguais paratodos, sem que, no entanto, se realize justia social. que no existediscusso sobre os critrios de seleo de condutas delituosas feitospelo legislador. A lei no reconhece como crime uma situaopreexistente, mas, ao contrrio, cria o crime. No existe necessidadede se fixar um contedo material para o fato tpico, pois a vontadesuprema da lei dotada de poder absoluto para eleger como tal o quebem entender, sendo impossvel qualquer discusso acerca do seucontedo.

    Diante disso, pode-se afirmar que a expresso Estado deDireito, por si s, caracteriza a garantia incua de que todos estosubmetidos ao imprio da lei, cujo contedo fica em aberto, limitadoapenas impessoalidade e no violao de garantias individuais

  • mnimas.Por essa razo, nosso constituinte foi alm, afirmando que o

    Brasil no apenas um Estado de Direito, mas um EstadoDemocrtico de Direito.

    Verifica-se o Estado Democrtico de Direito no apenas pelaproclamao formal da igualdade entre todos os homens, mas pelaimposio de metas e deveres quanto construo de uma sociedadelivre, justa e solidria; pela garantia do desenvolvimento nacional;pela erradicao da pobreza e da marginalizao; pela reduo dasdesigualdades sociais e regionais; pela promoo do bem comum;pelo combate ao preconceito de raa, cor, origem, sexo, idade equaisquer outras formas de discriminao (CF, art. 3 , I a IV); pelopluralismo poltico e liberdade de expresso das ideias; pelo resgateda cidadania, pela afirmao do povo como fonte nica do poder epelo respeito inarredvel da dignidade humana.

    Significa, portanto, no apenas aquele que impe a submissode todos ao imprio da mesma lei, mas onde as leis possuamcontedo e adequao social, descrevendo como infraes penaissomente os fatos que realmente colocam em perigo bens jurdicosfundamentais para a sociedade.

    Sem esse contedo, a norma se configurar como atentatriaaos princpios bsicos da dignidade humana. A norma penal,portanto, em um Estado Democrtico de Direito no somenteaquela que formalmente descreve um fato como infrao penal,pouco importando se ele ofende ou no o sentimento social dejustia; ao contrrio, sob pena de colidir com a Constituio, o tipoincriminador dever obrigatoriamente selecionar, dentre todos oscomportamentos humanos, somente aqueles que realmente possuemreal lesividade social.

    Sendo o Brasil um Estado Democrtico de Direito, porreflexo, seu direito penal h de ser legtimo, democrtico e obedienteaos princpios constitucionais que o informam, passando o tipo penala ser uma categoria aberta, cujo contedo deve ser preenchido emconsonncia com os princpios derivados deste perfil poltico-constitucional. No se admitem mais critrios absolutos na definiodos crimes, os quais passam a ter exigncias de ordem formal(somente a lei pode descrev-los e cominar-lhes uma penacorrespondente) e material (o seu contedo deve ser questionado luz dos princpios constitucionais derivados do Estado Democrtico deDireito).

    Pois bem. Do Estado Democrtico de Direito partemprincpios regradores dos mais diversos campos da atuao humana.No que diz respeito ao mbito penal, h um gigantesco princpio aregular e orientar todo o sistema, transformando-o em um direitopenal democrtico. Trata-se de um brao genrico e abrangente, quederiva direta e imediatamente deste moderno perfil poltico do

  • Estado brasileiro, a partir do qual partem inmeros outros princpiosprprios afetos esfera criminal, que nele encontram guarida eorientam o legislador na definio das condutas delituosas. Estamosfalando do princpio da dignidade humana (CF, art. 1, III).

    Podemos, ento, afirmar que do Estado Democrtico deDireito parte o princpio da dignidade humana, orientando toda aformao do Direito Penal. Qualquer construo tpica, cujocontedo contrariar e afrontar a dignidade humana, sermaterialmente inconstitucional, posto que atentatria ao prpriofundamento da existncia de nosso Estado.

    Cabe ao operador do Direito exercer controle tcnico deverificao da constitucionalidade de todo tipo penal e de todaadequao tpica, de acordo com o seu contedo. Afrontoso dignidade humana, dever ser expurgado do ordenamento jurdico.

    Em outras situaes, o tipo, abstratamente, pode no sercontrrio Constituio, mas, em determinado caso especfico, oenquadramento de uma conduta em sua definio pode revelar-seatentatrio ao mandamento constitucional (por exemplo, enquadrarno tipo do furto a subtrao de uma tampinha de refrigerante).

    A dignidade humana, assim, orienta o legislador no momentode criar um novo delito e o operador no instante em que vai realizar aatividade de adequao tpica.

    Com isso, pode-se afirmar que a norma penal em um EstadoDemocrtico de Direito no somente aquela que formalmentedescreve um fato como infrao penal, pouco importando se eleofende ou no o sentimento social de justia; ao contrrio, sob penade colidir com a Constituio, o tipo incriminador deverobrigatoriamente selecionar, dentre todos os comportamentoshumanos, somente aqueles que realmente possuam lesividade social.

    imperativo do Estado Democrtico de Direito a investigaoontolgica do tipo incriminador. Crime no apenas aquilo que olegislador diz s-lo (conceito formal), uma vez que nenhuma condutapode, materialmente, ser considerada criminosa se, de algum modo,no colocar em perigo valores fundamentais da sociedade.

    Imaginemos um tipo com a seguinte descrio: manifestarponto de vista contrrio ao regime poltico dominante ou opiniocontrria orientao poltica dominante: Pena 6 meses a 1 anode deteno.

    Evidentemente, a par de estarem sendo obedecidas asgarantias de exigncia de subsuno formal e de veiculao em lei,materialmente este tipo no teria qualquer subsistncia por ferir oprincpio da dignidade humana e, consequentemente, no resistir aocontrole de compatibilidade vertical com os princpios insertos naordem constitucional.

    Tipos penais que se limitem a descrever formalmenteinfraes penais, independentemente de sua efetiva potencialidade

  • lesiva, atentam contra a dignidade da pessoa humana.Nesse passo, convm lembrar a lio de Celso Antnio

    Bandeira de Mello: Violar um princpio muito mais grave do quetransgredir uma norma. A desateno ao princpio implica ofensano apenas a um especfico mandamento obrigatrio, mas a todo osistema de comandos. a mais grave forma de ilegalidade ouinconstitucionalidade, conforme o escalo do princpio atingido,porque representa ingerncia contra todo o sistema, subverso deseus valores fundamentais, contumlia irremissvel a seu arcabouolgico e corroso de sua estrutura mestra5.

    Aplicar a justia de forma plena, e no apenas formal,implica, portanto, aliar ao ordenamento jurdico positivo ainterpretao evolutiva, calcada nos costumes e nas ordensnormativas locais, erigidas sobre padres culturais, morais e sociaisde determinado grupo social ou que estejam ligados ao desempenhode determinada atividade.

    Os princpios constitucionais e as garantias individuais devematuar como balizas para a correta interpretao e a justa aplicaodas normas penais, no se podendo cogitar de uma aplicaomeramente robotizada dos tipos incriminadores, ditada pelaverificao rudimentar da adequao tpica formal, descurando-sede qualquer apreciao ontolgica do injusto.

    Da dignidade humana, princpio genrico e reitor do DireitoPenal, partem outros princpios mais especficos, os quais sotransportados dentro daquele princpio maior, tal como passageirosde uma embarcao.

    Desta forma, do Estado Democrtico de Direito parte oprincpio reitor de todo o Direito Penal, que o da dignidade humana,adequando-o ao perfil constitucional do Brasil e erigindo-o categoria de Direito Penal Democrtico. Da dignidade humana, porsua vez, derivam outros princpios mais especficos, os quaispropiciam um controle de qualidade do tipo penal, isto , sobre o seucontedo, em inmeras situaes especficas da vida concreta.

    Os mais importantes princpios penais derivados da dignidadehumana so: legalidade, insignificncia, alteridade, confiana,adequao social, interveno mnima, fragmentariedade,proporcionalidade, humanidade, necessidade e ofensividade.

    De pouco adiantaria assegurar ao cidado a garantia desubmisso do poder persecutrio exigncia prvia da definiolegal, se o legislador tivesse liberdade para eleger de modoautoritrio e livre de balizas quais os bens jurdicos merecedores deproteo, ou seja, se pudesse, a seu bel-prazer, escolher, sem limitesimpostos por princpios maiores, o que vai ser e o que no vai sercrime.

    O Direito Penal muito mais do que um instrumento

  • opressivo em defesa do aparelho estatal. Exerce uma funo deordenao dos contatos sociais, estimulando prticas positivas erefreando as perniciosas e, por essa razo, no pode ser fruto de umaelucubrao abstrata ou da necessidade de atender a momentneosapelos demaggicos, mas, ao contrrio, refletir, com mtodo ecincia, o justo anseio social.

    Com base nessas premissas, deve-se estabelecer umalimitao eleio de bens jurdicos por parte do legislador, ou seja,no todo e qualquer interesse que pode ser selecionado para serdefendido pelo Direito Penal, mas to somente aquele reconhecido evalorado pelo Direito, de acordo com seus princpios reitores.

    O tipo penal est sujeito a um permanente controle prvio (exante), no sentido de que o legislador deve guiar-se pelos valoresconsagrados pela dialtica social, cultural e histrica, conformada aoesprito da Constituio, e a um controle posterior, estando sujeito aocontrole de constitucionalidade concentrado e difuso.

    A funo da norma a proteo de bens jurdicos a partir dasoluo dos conflitos sociais, razo pela qual a conduta somente serconsiderada tpica se criar uma situao de real perigo para acoletividade.

    De todo o exposto, podemos extrair as seguintesconsideraes:

    1. O Direito Penal brasileiro somente pode ser concebido luzdo perfil constitucional do Estado Democrtico de Direito, devendo,portanto, ser um direito penal democrtico.

    2. Do Estado Democrtico de Direito parte um gigantescotentculo, a regular todo o sistema penal, que o princpio dadignidade humana, de modo que toda incriminao contrria aomesmo substancialmente inconstitucional.

    3. Da dignidade humana derivam princpios constitucionais doDireito Penal, cuja funo estabelecer limites liberdade deseleo tpica do legislador, buscando, com isso, uma definiomaterial do crime.

    4. Esses contornos tornam o tipo legal uma estrutura bemdistinta da concepo meramente descritiva do incio do sculopassado, de modo que o processo de adequao de um fato passa asubmeter-se rgida apreciao axiolgica.

    5. O legislador, no momento de escolher os interesses quemerecero a tutela penal, bem como o operador do direito, noinstante em que vai proceder adequao tpica, devem,forosamente, verificar se o contedo material daquela condutaatenta contra a dignidade humana ou os princpios que dela derivam.Em caso positivo, estar manifestada a inconstitucionalidadesubstancial da norma ou daquele enquadramento, devendo serexercitado o controle tcnico, afirmando a incompatibilidade vertical

  • com o Texto Magno.6. A criao do tipo e a adequao concreta da conduta ao

    tipo devem operar-se em consonncia com os princpiosconstitucionais do Direito Penal, os quais derivam da dignidadehumana que, por sua vez, encontra fundamento no EstadoDemocrtico de Direito.

    1.4.2. Princpios penais limitadores decorrentes da dignidade humanaNo Estado Democrtico de Direito necessrio que a conduta

    considerada criminosa tenha realmente contedo de crime. Crimeno apenas aquilo que o legislador diz s-lo (conceito formal), umavez que nenhuma conduta pode, materialmente, ser consideradacriminosa se, de algum modo, no colocar em perigo valoresfundamentais da sociedade.

    Da dignidade nascem os demais princpios orientadores elimitadores do Direito Penal, dentre os quais merecem destaque:

    a) Insignificncia ou bagatela: originrio do Direito Romano,e de cunho civilista, tal princpio funda-se no conhecido brocardo deminimis non curat praetor. Em 1964 acabou sendo introduzido nosistema penal por Claus Roxin, tendo em vista sua utilidade narealizao dos objetivos sociais traados pela moderna polticacriminal.

    Segundo tal princpio, o Direito Penal no deve preocupar-secom bagatelas, do mesmo modo que no podem ser admitidos tiposincriminadores que descrevam condutas incapazes de lesar o bemjurdico.

    A tipicidade penal exige um mnimo de lesividade ao bemjurdico protegido, pois inconcebvel que o legislador tenhaimaginado inserir em um tipo penal condutas totalmente inofensivasou incapazes de lesar o interesse protegido.

    Se a finalidade do tipo penal tutelar um bem jurdico,sempre que a leso for insignificante, a ponto de se tornar incapaz delesar o interesse protegido, no haver adequao tpica. que notipo no esto descritas condutas incapazes de ofender o bemtutelado, razo pela qual os danos de nenhuma monta devem serconsiderados fatos atpicos.

    O Superior Tribunal de Justia, por intermdio de sua 5Turma, tem reconhecido a tese da excluso da tipicidade noschamados delitos de bagatela, aos quais se aplica o princpio dainsignificncia, dado que lei no cabe preocupar-se com infraesde pouca monta, insuscetveis de causar o mais nfimo dano coletividade6.

  • O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, assentou algumascircunstncias que devem orientar a aferio do relevo material datipicidade penal, tais como: (a) a mnima ofensividade da condutado agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ao, (c) oreduzidssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) ainexpressividade da leso jurdica provocada7. Assim, j seconsiderou que no se deve levar em conta apenas e to somente ovalor subtrado (ou pretendido subtrao) como parmetro paraaplicao do princpio da insignificncia. Do contrrio, por bvio,deixaria de haver a modalidade tentada de vrios crimes, como noprprio exemplo do furto simples, bem como desapareceria doordenamento jurdico a figura do furto privilegiado (CP, art. 155, 2). (...) O critrio da tipicidade material dever levar emconsiderao a importncia do bem jurdico possivelmente atingidono caso concreto. No caso em tela, a leso se revelou significanteno obstante o bem subtrado ser inferior ao valor do salrio mnimo.Vale ressaltar que h informao nos autos de que o valor subtradorepresentava todo o valor encontrado no caixa, sendo fruto dotrabalho do lesado que, passada a meia-noite, ainda mantinha otrailer aberto para garantir uma sobrevivncia honesta8.

    No se pode, porm, confundir delito insignificante ou debagatela com crimes de menor potencial ofensivo. Estes ltimos sodefinidos pelo art. 61 da Lei n. 9.099/95 e submetem-se aos JuizadosEspeciais Criminais, sendo que neles a ofensa no pode ser acoimadade insignificante, pois possui gravidade ao menos perceptvelsocialmente, no podendo falar-se em aplicao desse princpio.

    O princpio da insignificncia no aplicado no plano abstrato.No se pode, por exemplo, afirmar que todas as

    contravenes penais so insignificantes, pois, dependendo do casoconcreto, isto no se pode revelar verdadeiro. Andar pelas ruasarmado com uma faca um fato contravencional que no pode serconsiderado insignificante. So de menor potencial ofensivo,submetem-se ao procedimento sumarssimo, beneficiam-se deinstitutos despenalizadores (transao penal, suspenso condicional doprocesso etc.), mas no so, a priori, insignificantes.

    Tal princpio dever ser verificado em cada caso concreto, deacordo com as suas especificidades. O furto, abstratamente, no uma bagatela, mas a subtrao de um chiclete pode ser. Em outraspalavras, nem toda conduta subsumvel ao art. 155 do Cdigo Penal alcanada por este princpio, algumas sim, outras no. um princpioaplicvel no plano concreto, portanto. Da mesma forma, vale notarque o furto de um automvel jamais ser insignificante, mesmo que,diante do patrimnio da vtima, o valor seja pequeno quandocotejado com os seus demais bens. A respeito do furto, vale trazer baila alguns julgados do Supremo Tribunal Federal: tratando-se de

  • furto de dois botijes de gs vazios, avaliados em 40,00 (quarentareais), no revela o comportamento do agente lesividade suficientepara justificar a condenao, aplicvel, destarte, o princpio dainsignificncia9. Da mesma maneira, a conduta perpetrada peloagente tentativa de furto qualificado de dois frascos de xampu, novalor total de R$ 6,64 (seis reais e sessenta e quatro centavos) ,insere-se na concepo doutrinria e jurisprudencial de crime debagatela (STJ, 5 Turma, HC 123.981/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, j .17-3-2009, DJe, 13-4-2009). E, ainda: A subtrao de gnerosalimentcios avaliados em R$ 84,46, embora se amolde definiojurdica do crime de furto, no ultrapassa o exame da tipicidadematerial, uma vez que a ofensividade da conduta se mostrou mnima;no houve nenhuma periculosidade social da ao; a reprovabilidadedo comportamento foi de grau reduzidssimo e a leso ao bemjurdico se revelou inexpressiva, porquanto os bens foramrestitudos10.

    Com relao aplicao desse princpio, nos crimes contra aadministrao pblica, no existe razo para negar incidncia nashipteses em que a leso ao errio for de nfima monta. o caso dofuncionrio pblico que leva para casa algumas folhas, um punhadode clips ou uma borracha, apropriando-se de tais bens. Como oDireito Penal tutela bens jurdicos, e no a moral, objetivamente ofato ser atpico, dada a sua irrelevncia11. No crime de lesescorporais, em que se tutela bem indisponvel, se as leses foreminsignificantes, como mera vermelhido provocada por um belisco,tambm no h que se negar a aplicao do mencionado princpio.

    Na hiptese de crime de descaminho de bens, seroarquivados os autos das execues fiscais de dbitos inscritos comoDvida Ativa da Unio inferiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais) (cf.art. 20 da Lei n. 10.522/2002, com a redao determinada pela Lei n.11.033/2004). Assim, no caso de o dbito tributrio e a multa noexcederem a esse valor, a Fazenda Pblica est autorizada a serecusar a efetuar a cobrana em juzo, sob o argumento de que airrisria quantia no compensa a instaurao de um executivo fiscal,o que levou o Superior Tribunal de Justia a considerar atpico o fato,por influxo do princpio da insignificncia12.

    H, finalmente, julgado da Suprema Corte no sentido de que,em matria ambiental, surgindo a insignificncia do ato em razo dobem protegido, impe-se a absolvio do acusado13. De formacontrria, j se decidiu que a preservao ambiental deve ser feitade forma preventiva e repressiva, em benefcio de prximasgeraes, sendo intolervel a prtica reiterada de pequenas aescontra o meio ambiente, que, se consentida, pode resultar na suainteira destruio e em danos irreversveis14.

  • b) Alteridade ou transcendentalidade: probe a incriminaode atitude meramente interna, subjetiva do agente e que, por essarazo, revela-se incapaz de lesionar o bem jurdico. O fato tpicopressupe um comportamento que transcenda a esfera individual doautor e seja capaz de atingir o interesse do outro (altero).

    Ningum pode ser punido por ter feito mal s a si mesmo.No h lgica em punir o suicida frustrado ou a pessoa que se

    aoita, na lgubre solido de seu quarto. Se a conduta se esgota naesfera do prprio autor, no h fato tpico.

    Tal princpio foi desenvolvido por Claus Roxin, segundo o quals pode ser castigado aquele comportamento que lesione direitos deoutras pessoas e que no seja simplesmente pecaminoso ou imoral. conduta puramente interna, ou puramente individual sejapecaminosa, imoral, escandalosa ou diferente , falta a lesividadeque pode legitimar a interveno penal15.

    Por essa razo, a autoleso no crime, salvo quando houverinteno de prejudicar terceiros, como na autoagresso cometidacom o fim de fraude ao seguro, em que a instituio seguradora servtima de estelionato (CP, art. 171, 2, V).

    No delito previsto no art. 28 da Lei n. 11.343, de 23 de agostode 200616, poder-se-ia alegar ofensa a este princpio, pois quem usadroga s est fazendo mal a prpria sade, o que no justificaria umaintromisso repressiva do Estado (os drogados costumam dizer: seeu uso droga, ningum tem nada a ver com isso, pois o nicoprejudicado sou eu).

    Tal argumento no convence.A Lei n. 11.343/2006 no tipifica a ao de usar a droga,

    mas apenas o porte, pois o que a lei visa coibir o perigo socialrepresentado pela deteno, evitando facilitar a circulao dasubstncia entorpecente pela sociedade, ainda que a finalidade dosujeito seja apenas a de uso prprio. Assim, existetranscendentalidade na conduta e perigo para a sade dacoletividade, bem jurdico tutelado pela norma do art. 28.

    Interessante questo ser a de quem consome imediatamentea substncia, sem port-la por mais tempo do que o estritamentenecessrio para o uso. Nesta hiptese o STF decidiu: no constituidelito de posse de droga para uso prprio a conduta de quem,recebendo de terceiro a droga, para uso prprio, incontinenti aconsome17. Neste caso no houve deteno, nem perigo social,mas simplesmente o uso. Se houvesse crime, a pessoa estaria sendocastigada pelo Poder Pblico, por ter feito mal sua sade e a demais ningum. No se pode confundir a conduta de portar para usofuturo com a de portar enquanto usa. Somente na primeira hipteseestar configurado o crime do art. 28 da Lei de Drogas. Quem detm

  • a droga somente durante o tempo estritamente necessrio em que aconsome limita-se a utiliz-la em prejuzo de sua prpria sade, semprovocar danos a interesses de terceiros, de modo que o fato atpicopor influxo do princpio da alteridade.

    O princpio da alteridade veda tambm a incriminao dopensamento (pensiero non paga gabella) ou de condutas moralmentecensurveis, mas incapazes de penetrar na esfera do altero.

    O bem jurdico tutelado pela norma , portanto, o interesse deterceiros, pois seria inconcebvel provocar a intervenincia criminalrepressiva contra algum que est fazendo apenas mal a si mesmo,como, por exemplo, punir-se um suicida malsucedido com penapecuniria, corporal ou at mesmo capital.

    c)Confiana: trata-se de requisito para a existncia do fatotpico, no devendo ser relegado para o exame da culpabilidade.

    Funda-se na premissa de que todos devem esperar por partedas outras pessoas que estas sejam responsveis e ajam de acordocom as normas da sociedade, visando a evitar danos a terceiros. Poressa razo, consiste na realizao da conduta, na confiana de que ooutro atuar de um modo normal j esperado, baseando-se na justaexpectativa de que o comportamento das outras pessoas se dar deacordo com o que normalmente acontece.

    Por exemplo: nas intervenes mdico-cirrgicas, o cirurgiotem de confiar na assistncia correta que costuma receber dos seusauxiliares, de maneira que, se a enfermeira lhe passa uma injeocom medicamento trocado e, em face disso, o paciente vem afalecer, no haver conduta culposa por parte do mdico, pois nofoi sua ao mas sim a de sua auxiliar que violou o dever objetivo decuidado. O mdico ministrou a droga fatal impelido pela natural eesperada confiana depositada em sua funcionria.

    Outro exemplo o do motorista que, trafegando pelapreferencial, passa por um cruzamento, na confiana de que oveculo da via secundria aguardar sua passagem. No caso de umacidente, no ter agido com culpa18.

    A vida social se tornaria extremamente dificultosa se cada umtivesse de vigiar o comportamento do outro, para verificar se estcumprindo todos os seus deveres de cuidado; por conseguinte, norealiza conduta tpica aquele que, agindo de acordo com o direito,acaba por envolver-se em situao em que um terceiro descumpriuseu dever de lealdade e cuidado.

    O princpio da confiana, contudo, no se aplica quando erafuno do agente compensar eventual comportamento defeituoso deterceiros. Por exemplo: um motorista que passa bem ao lado de umciclista no tem por que esperar uma sbita guinada do mesmo emsua direo, mas deveria ter se acautelado para que no passasse toprximo, a ponto de criar uma situao de perigo19. Como atuou

  • quebrando uma expectativa social de cuidado, a confiana quedepositou na vtima qualifica-se como proibida: o chamado abusoda situao de confiana.

    Deste modo, surge a confiana permitida, que aquela quedecorre do normal desempenho das atividades sociais, dentro dopapel que se espera de cada um, a qual exclui a tipicidade daconduta, em caso de comportamento irregular inesperado deterceiro; e a confiana proibida, quando o autor no deveria terdepositado no outro toda a expectativa, agindo no limite do que lheera permitido, com ntido esprito emulativo.

    Em suma, se o comportamento do agente se deu dentro doque dele se esperava, a confiana permitida; quando h abuso desua parte em usufruir da posio que desfruta incorrer em fatotpico.

    d) Adequao social: todo comportamento que, a despeito deser considerado criminoso pela lei, no afrontar o sentimento socialde justia (aquilo que a sociedade tem por justo) no pode serconsiderado criminoso.

    Para essa teoria, o Direito Penal somente tipifica condutas quetenham certa relevncia social. O tipo penal pressupe uma atividadeseletiva de comportamento, escolhendo somente aqueles que sejamcontrrios e nocivos ao interesse pblico, para serem erigidos categoria de infraes penais; por conseguinte, as condutas aceitassocialmente e consideradas normais no podem sofrer este tipo devalorao negativa, sob pena de a lei incriminadora padecer do vciode inconstitucionalidade.

    Por isso que Jakobs afirma que determinadas formas deatividade permitida no podem ser incriminadas, uma vez que setornaram consagradas pelo uso histrico, isto , costumeiro,aceitando-se como socialmente adequadas20.

    No se pode confundir o princpio em anlise com o dainsignificncia. Na adequao social, a conduta deixa de ser punidapor no mais ser considerada injusta pela sociedade; nainsignificncia, a conduta considerada injusta, mas de escassalesividade.

    Critica-se essa teoria porque, em primeiro lugar, costume norevoga lei, e, em segundo, porque no pode o juiz substituir-se aolegislador e dar por revogada uma lei incriminadora em plenavigncia, sob pena de afronta ao princpio constitucional daseparao dos poderes, devendo a atividade fiscalizadora do juiz sersuplementar e, em casos extremos, de clara atuao abusiva dolegislador na criao do tipo.

    Alm disso, o conceito de adequao social um tanto quantovago e impreciso, criando insegurana e excesso de subjetividade naanlise material do tipo, no se ajustando por isso s exigncias da

  • moderna dogmtica penal.Entretanto, foroso reconhecer que, embora o conceito de

    adequao social no possa ser aceito com exclusividade, atualmente impossvel deixar de reconhecer sua importncia na interpretaoda subsuno de um fato concreto a um tipo penal. Atuando ao ladode outros princpios, pode levar excluso da tipicidade.

    e) Interveno mnima:21: assenta-se na Declarao deDireitos do Homem e do Cidado, de 1789, cujo art. 8 determinouque a lei s deve prever as penas estritamente necessrias.

    A interveno mnima tem como ponto de partida acaracterstica da fragmentariedade do Direito Penal. Este seapresenta por meio de pequenos flashs, que so pontos de luz naescurido do universo. Trata-se de um gigantesco oceano deirrelevncia, ponteado por ilhas de tipicidade, enquanto o crime umnufrago deriva, procurando uma poro de terra na qual se possaachegar.

    Somente haver Direito Penal naqueles raros episdios tpicosem que a lei descreve um fato como crime; ao contrrio, quando elanada disser, no haver espao para a atuao criminal. Nisso, alis,consiste a principal proteo poltica do cidado em face do poderpunitivo estatal, qual seja, a de que somente poder ter invadida suaesfera de liberdade, se realizar uma conduta descrita em umdaqueles raros pontos onde a lei definiu a existncia de uma infraopenal.

    Ou o autor recai sobre um dos tipos, ou se perde no vazioinfinito da ausncia de previso e refoge incidncia punitiva.

    O sistema , portanto, descontnuo, fragmentado (um tipoaqui, um tipo ali, outro l e assim por diante).

    Por outro lado, esta seleo, a despeito de excepcional, feitasem nenhum mtodo cientfico, atendendo apenas aos reclamosmomentneos da opinio pblica, da mdia e das necessidadesimpostas pela classe dominante, conforme bem ressaltou JuarezTavares, em cida crtica ao sistema legiferante: Analisandoatentamente o processo de elaborao das normas incriminadoras, apartir primeiramente do dado histrico e depois do objetivo jurdicopor elas perseguido, bem como o prprio enunciado tpico das aesproibidas ou mandadas, chega-se concluso inicial, embora trgica,de que efetivamente, na maioria das vezes, no h critrios para essaelaborao. Isto pode parecer panfletrio, primeira vista, masretrata fielmente a atividade de elaborao legislativa. Estudos deHaferkamp na Alemanha e Weinberger na Frana demonstram que,com a institucionalizao do poder poltico, a elaborao das normasse expressa como evento do jogo de poder efetuado no marco dasforas hegemnicas atuantes no Parlamento. A norma, portanto,deixaria de exprimir o to propalado interesse geral, cujasimbolizao aparece como justificativa do princpio representativo

  • para significar, muitas vezes, simples manifestao de interessespartidrios, sem qualquer vnculo com a real necessidade danao22.

    Alm disso, as descries so abstratas, objetivas eimpessoais, alcanando uma gigantesca gama de situaes bemdiversas entre si. Os tipos nesse sistema fragmentrio transportamdesde gravssimas violaes operadas no caso concreto at nfimasagresses. Quando se descreve como infrao penal subtrair para siou para outrem coisa alheia mvel, incrimina-se tanto o furto decentenas de milhes de uma instituio bancria, com nefastasconsequncias para milhares de correntistas, quanto a subtrao deuma estatueta oca de gesso em uma feira de artesanato.

    O tipo do furto uma nuvem incriminadora na imensido docu de atipicidade, mas o mtodo abstrato, que tem a vantagem daimpessoalidade, tem o desconforto de alcanar comportamentos detoda a ordem, mesmo contando com descrio taxativa.

    A imperfeio no decorre da construo abstrata do tipo,mas da fragmentariedade do sistema criminalizador, totalmentedependente de previses genricas, abstratas e abrangentes,incapazes de, por si ss, distinguirem entre os fatos relevantes e osirrelevantes que nela formalmente se subsumem.

    Alm de defeituoso o sistema de criao normativa e daexcessiva abrangncia dos modelos objetivos, os quais no levam emconsiderao a disparidade das situaes concretas, concorre ainda apanaceia cultural que faz surgir, dentro do mesmo pas, inmerasnaes, com costumes, tradies e conceitos bem diversos, massubmetidas mesma ordem de incriminao abstrata.

    Nesse triplo problema dficit do sistema tipificador,diversidade cultural e abrangncia demasiada de casosconcretamente diversos, mas abstratamente idnticos , insere-se ocarter fragmentrio do Direito Penal, fincando a questo: Comosolucionar, por meio de descries pontuais e abstratas, todos osvariados problemas reais?

    A resposta se impe, com o reconhecimento prvio daexistncia da fragmentariedade e da necessidade de empregarcritrios reparadores das falhas de todo o sistema, dentre os quais ainterveno mnima.

    Somente assim ser possvel compensar o alcanceexcessivamente incriminador de hipteses concretas toquantitativamente diversas do ponto de vista da danosidade social.

    A interveno mnima tem, por conseguinte, dois destinatriosprincipais.

    Ao legislador o princpio exige cautela no momento de elegeras condutas que merecero punio criminal, abstendo-se deincriminar qualquer comportamento. Somente aqueles que, segundo

  • comprovada experincia anterior, no puderam serconvenientemente contidos pela aplicao de outros ramos do direitodevero ser catalogados como crimes em modelos descritivos legais.

    Ao operador do Direito recomenda-se no proceder aoenquadramento tpico, quando notar que aquela pendncia pode sersatisfatoriamente resolvida com a atuao de outros ramos menosagressivos do ordenamento jurdico. Assim, se a demisso com justacausa pacifica o conflito gerado pelo pequeno furto cometido peloempregado, o direito trabalhista tornou inoportuno o ingresso dopenal. Se o furto de um chocolate em um supermercado j foisolucionado com o pagamento do dbito e a expulso doinconveniente fregus, no h necessidade de movimentar amquina persecutria do Estado, to assoberbada com acriminalidade violenta, a organizada, o narcotrfico e as dilapidaesao errio.

    Da interveno mnima decorre, como corolrio indestacvel,a caracterstica de subsidiariedade. Com efeito, o ramo penal s deveatuar quando os demais campos do Direito, os controles formais esociais tenham perdido a eficcia e no sejam capazes de exerceressa tutela. Sua interveno s deve operar quando fracassam asdemais barreiras protetoras do bem jurdico predispostas por outrosramos do Direito. Pressupe, portanto, que a interveno repressivano crculo jurdico dos cidados s tenha sentido como imperativo denecessidade, isto , quando a pena se mostrar como nico e ltimorecurso para a proteo do bem jurdico, cedendo a cincia criminala tutela imediata dos valores primordiais da convivncia humana aoutros campos do Direito, e atuando somente em ltimo caso (ultimaratio)23.

    Se existe um recurso mais suave em condies de solucionarplenamente o conflito, torna-se abusivo e desnecessrio aplicar outromais traumtico.

    A interveno mnima e o carter subsidirio do Direito Penaldecorrem da dignidade humana, pressuposto do Estado Democrticode Direito, e so uma exigncia para a distribuio mais equilibradada justia.

    f) Proporcionalidade: alm de encontrar assento naimperativa exigncia de respeito dignidade humana, tal princpioaparece insculpido em diversas passagens de nosso TextoConstitucional, quando abole certos tipos de sanes (art. 5, XLVII),exige individualizao da pena (art. 5, XLVI), maior rigor paracasos de maior gravidade (art. 5, XLII, XLIII e XLIV) emoderao para infraes menos graves (art. 98, I). Baseia-se narelao custo-benefcio.

    Toda vez que o legislador cria um novo delito, impe um nus sociedade, decorrente da ameaa de punio que passa a pairar

  • sobre todos os cidados.Uma sociedade incriminadora uma sociedade invasiva, que

    limita em demasia a liberdade das pessoas.Por outro lado, esse nus compensado pela vantagem de

    proteo do interesse tutelado pelo tipo incriminador. A sociedade vlimitados certos comportamentos, ante a cominao da pena, mastambm desfruta de uma tutela a certos bens, os quais ficaro sob aguarda do Direito Penal.

    Para o princpio da proporcionalidade, quando o custo formaior do que a vantagem, o tipo ser inconstitucional, porquecontrrio ao Estado Democrtico de Direito.

    Em outras palavras: a criao de tipos incriminadores deveser uma atividade compensadora para os membros da coletividade.

    Com efeito, um Direito Penal democrtico no pode conceberuma incriminao que traga mais temor, mais nus, mais limitaosocial do que benefcio coletividade.

    Somente se pode falar na tipificao de um comportamentohumano, na medida em que isto se revele vantajoso em uma relaode custos e benefcios sociais. Em outras palavras, com atransformao de uma conduta em infrao penal impe-se a todacoletividade uma limitao, a qual precisa ser compensada por umaefetiva vantagem: ter um relevante interesse tutelado penalmente.

    Quando a criao do tipo no se revelar proveitosa para asociedade, estar ferido o princpio da proporcionalidade, devendo adescrio legal ser expurgada do ordenamento jurdico por vcio deinconstitucionalidade. Alm disso, a pena, isto , a resposta punitivaestatal ao crime, deve guardar proporo com o mal infligido aocorpo social. Deve ser proporcional extenso do dano, no seadmitindo penas idnticas para crimes de lesividades distintas, oupara infraes dolosas e culposas.

    Exemplo da aplicao do princpio da proporcionalidadeocorreu no julgamento de uma Ao Direta de Inconstitucionalidade,na qual o Supremo Tribunal Federal suspendeu, por liminar, osefeitos da Medida Provisria n. 2.045/2000, que proibia o registro dearmas de fogo, por considerar no haver proporcionalidade entre oscustos sociais como desemprego e perda de arrecadao tributria eos benefcios que compensassem o sacrifcio24.

    Necessrio, portanto, para que a sociedade suporte os custossociais de tipificaes limitadoras da prtica de determinadascondutas, que se demonstre a utilidade da incriminao para a defesado bem jurdico que se quer proteger, bem como a sua relevnciaem cotejo com a natureza e quantidade da sano cominada.

    g) Humanidade: a vedao constitucional da tortura e detratamento desumano ou degradante a qualquer pessoa (art. 5, III), aproibio da pena de morte, da priso perptua, de trabalhos

  • forados, de banimento e das penas cruis (art. 5, XLVII), o respeitoe proteo figura do preso (art. 5, XLVIII, XLIX e L) e aindanormas disciplinadoras da priso processual (art. 5, LXI, LXII,LXIII, LXIV, LXV e LXVI), apenas para citar alguns casos,impem ao legislador e ao intrprete mecanismos de controle detipos legais.

    Disso resulta ser inconstitucional a criao de um tipo ou acominao de alguma pena que atente desnecessariamente contra aincolumidade fsica ou moral de algum (atentar necessariamentesignifica restringir alguns direitos nos termos da Constituio equando exigido para a proteo do bem jurdico).

    Do princpio da humanidade decorre a impossibilidade de apena passar da pessoa do delinquente, ressalvados alguns dos efeitosextrapenais da condenao, como a obrigao de reparar o dano naesfera cvel, que podem atingir os herdeiros do infrator at os limitesda herana (CF, art. 5, XLV).

    h) Necessidade e idoneidade: decorrem da proporcionalidade.A incriminao de determinada situao s pode ocorrer

    quando a tipificao revelar-se necessria, idnea e adequada ao fima que se destina, ou seja, concreta e real proteo do bem jurdico.

    Quando a comprovada demonstrao emprica revelar que otipo no precisava tutelar aquele interesse, dado que outros camposdo direito ou mesmo de outras cincias tm plenas condies defaz-lo com sucesso, ou ainda quando a descrio for inadequada, ouainda quando o rigor for excessivo, sem trazer em contrapartida aeficcia pretendida, o dispositivo incriminador padecer deinsupervel vcio de incompatibilidade vertical com os princpiosconstitucionais regentes do sistema penal.

    Nenhuma incriminao subsistir em nosso ordenamentojurdico, quando a definio legal revelar-se incapaz, seja pelocritrio definidor empregado, seja pelo excessivo rigor, seja aindapela afronta dignidade humana, de tutelar concretamente o bemjurdico.

    Surge, ento, a necessidade de precisa definio do bemjurdico, sem o que a norma no tem objeto e, por conseguinte, nopode existir. Um tipo sem bem jurdico para defender como umprocesso sem lide para solucionar, ou seja, um nada.

    O conceito de bem jurdico , atualmente, um dos maioresdesafios de nossa doutrina, na busca de um direito protetivo egarantista, e, portanto, obediente ao Estado Democrtico de Direito.

    i) Ofensividade, princpio do fato e da exclusiva proteo dobem jurdico: no h crime quando a conduta no tiver oferecido aomenos um perigo concreto, real, efetivo e comprovado de leso aobem jurdico.

    A punio de uma agresso em sua fase ainda embrionria,embora aparentemente til do ponto de vista da defesa social,

  • representa ameaa proteo do indivduo contra uma atuaodemasiadamente intervencionista do Estado.

    Como ensina Luiz Flvio Gomes, o princpio do fato nopermite que o direito penal se ocupe das intenes e pensamentos daspessoas, do seu modo de viver ou de pensar, das suas atitudes internas(enquanto no exteriorizada a conduta delitiva)...25.

    A atuao repressivo-penal pressupe que haja um efetivo econcreto ataque a um interesse socialmente relevante, isto , osurgimento de, pelo menos, um real perigo ao bem jurdico.

    O princpio da ofensividade considera inconstitucionais todosos chamados delitos de perigo abstrato, pois, segundo ele, no hcrime sem comprovada leso ou perigo de leso a um bem jurdico.No se confunde com princpio da exclusiva proteo do bemjurdico, segundo o qual o direito no pode defender valoresmeramente morais, ticos ou religiosos, mas to somente os bensfundamentais para a convivncia e o desenvolvimento social. Naofensividade, somente se considera a existncia de uma infraopenal quando houver efetiva leso ou real perigo de leso ao bemjurdico. No primeiro, h uma limitao quanto aos interesses quepodem ser tutelados pelo Direito Penal; no segundo, s se consideraexistente o delito quando o interesse j selecionado sofrer um ataqueou perigo efetivo, real e concreto.

    Nesse sentido, a sempre precisa lio de Luiz Flvio Gomes:A funo principal do princpio da exclusiva proteo de

    bens jurdicos a de delimitar uma forma de direito penal, o direitopenal do bem jurdico, da que no seja tarefa sua proteger a tica, amoral, os costumes, uma ideologia, uma determinada religio,estratgias sociais, valores culturais como tais, programas degoverno, a norma penal em si etc. O direito penal, em outraspalavras, pode e deve ser conceituado como um conjunto normativodestinado tutela de bens jurdicos, isto , de relaes sociaisconflitivas valoradas positivamente na sociedade democrtica. Oprincpio da ofensividade, por sua vez, nada diz diretamente sobre amisso ou forma do direito penal, seno que expressa uma forma decompreender ou de conceber o delito: o delito como ofensa a umbem jurdico. E disso deriva, como j afirmamos tantas vezes, ainadmissibilidade de outras formas de delito (mera desobedincia,simples violao da norma imperativa etc.). Em face do expostoimpende a concluso de que no podemos mencionar tais princpiosindistintamente, tal como vm fazendo alguns setores da doutrina eda jurisprudncia estrangeira26.

    A funo principal da ofensividade a de limitar a pretensopunitiva estatal, de maneira que no pode haver proibio penal semum contedo ofensivo a bens jurdicos.

    O legislador deve se abster de formular descries incapazes

  • de lesar ou, pelo menos, colocar em real perigo o interesse tuteladopela norma. Caso isto ocorra, o tipo dever ser excludo doordenamento jurdico por incompatibilidade vertical com o TextoConstitucional.

    Toda norma penal em cujo teor no se vislumbrar um bemjurdico claramente definido e dotado de um mnimo de relevnciasocial, ser considerada nula e materialmente inconstitucional.

    O intrprete tambm deve cuidar para que em especficocaso concreto, no qual no se vislumbre ofensividade ou real risco deafetao do bem jurdico, no haja adequao na descrio abstratacontida na lei.

    Em vista disso, somente restar justificada a interveno doDireito Penal quando houver um ataque capaz de colocar emconcreto e efetivo perigo um bem jurdico.

    Delineando-se em termos precisos, a noo de bem jurdicopoder exercer papel fundamental como mecanismo garantidor elimitador dos abusos repressivos do Poder Pblico.

    Sem afetar o bem jurdico, no existe infrao penal.Trata-se de princpio ainda em discusso no Brasil.Entendemos que subsiste a possibilidade de tipificao dos

    crimes de perigo abstrato em nosso ordenamento legal, comolegtima estratgia de defesa do bem jurdico contra agresses emseu estgio ainda embrionrio, reprimindo-se a conduta, antes queela venha a produzir um perigo concreto ou um dano efetivo. Trata-se de cautela reveladora de zelo do Estado em protegeradequadamente certos interesses. Eventuais excessos podem, noentanto, ser corrigidos pela aplicao do princpio daproporcionalidade27.

    j) Princpio da auto responsabilidade: os resultados danososque decorrem da ao livre e inteiramente responsvel de algum spodem ser imputados a este e no quele que o tenha anteriormentemotivado. Exemplo: o sujeito, aconselhado por outro a praticaresportes mais radicais, resolve voar de asa-delta. Acaba sofrendoum acidente e vindo a falecer. O resultado morte no pode serimputado a ningum mais alm da vtima, pois foi a sua vontadelivre, consciente e responsvel que a impeliu a correr riscos.

    k) Princpio da responsabilidade pelo fato: o direito penal nose presta a punir pensamentos, ideias, ideologias, nem o modo de serdas pessoas, mas, ao contrrio, fatos devidamente exteriorizados nomundo concreto e objetivamente descritos e identificados em tiposlegais. A funo do Estado consiste em proteger bens jurdicos contracomportamentos externos, efetivas agresses previamente descritasem lei como delitos, bem como estabelecer um compromisso ticocom o cidado para o melhor desenvolvimento das relaesintersociais. No pode castigar meros pensamentos, ideias,

  • ideologias, manifestaes polticas ou culturais discordantes,tampouco incriminar categorias de pessoas. Os tipos devem definirfatos, associando-lhes penas, e no estereotipar autores. NaAlemanha nazista, por exemplo, no havia propriamente crimes,mas criminosos. Incriminavam-se os traidores da nao ariana eno os fatos eventualmente cometidos. Eram tipos de pessoas, no decondutas. Castigavam-se a deslealdade com o Estado, asmanifestaes ideolgicas contrrias doutrina nacional-socialista,os subversivos e assim por diante. No pode existir, portanto, umdireito penal do autor, mas sim do fato.

    l) Princpio da imputao pessoal: o direito penal no podecastigar um fato cometido por quem no rena capacidade mentalsuficiente para compreender o que faz ou de se determinar deacordo com esse entendimento. No pune os inimputveis.

    m) Princpio da personalidade: ningum pode serresponsabilizado por fato cometido por outra pessoa. A pena nopode passar da pessoa do condenado (CF, art. 5, XLV).

    n) Princpio da responsabilidade subjetiva: nenhum resultadoobjetivamente tpico pode ser atribudo a quem no o tenha produzidopor dolo ou culpa, afastando-se a responsabilidade objetiva. Domesmo modo, ningum pode ser responsabilizado sem que renatodos os requisitos da culpabilidade. Por exemplo: nos crimesqualificados pelo resultado, o resultado agravador no pode seratribudo a quem no o tenha causado pelo menos culposamente.Tome-se o exemplo de um sujeito que acaba de conhecer umhemoflico e, aps breve discusso, lhe faz um pequeno corte nobrao. Em face da patologia j existente, a vtima sangra at morrer.O agente deu causa morte (conditio sine qua non), mas noresponde por ela, pois no a causou com dolo (quem quer matarcorta a artria aorta, no o brao), nem com culpa (no tinha comoprever o desfecho trgico, pois desconhecia a existncia do problemaanterior). a inteligncia do art. 19 do CP.

    o) Princpio da coculpabilidade ou corresponsabilidade:entende que a responsabilidade pela prtica de uma infrao penaldeve ser compartilhada entre o infrator e a sociedade, quando essano lhe tiver proporcionado oportunidades. No foi adotado entre ns.

    1.5. Os limites do controle material do tipo incriminadorComo se percebe, imperativo do Estado Democrtico de

    Direito a investigao ontolgica do tipo incriminador. Crime no apenas aquilo que o legislador diz s-lo (conceito formal), uma vezque nenhuma conduta pode, materialmente, ser considerada

  • criminosa se, de algum modo, no colocar em perigo valoresfundamentais da sociedade.

    Imaginemos um tipo com a seguinte descrio: manifestarponto de vista contrrio ao regime poltico dominante ou opiniocapaz de causar melindre nas lideranas polticas. Por evidente, apar de estarem sendo obedecidas as garantias formais de veiculaoem lei, materialmente esse tipo no teria qualquer subsistncia, porferir o princpio da dignidade humana e, assim, no resistir aocontrole de compatibilidade vertical com os princpios insertos naordem constitucional. Na doutrina no existe divergncia a respeito.A polmica circunscreve-se aos limites desse controle por parte doPoder Judicirio. Entendemos que, a despeito de necessria, averificao do contedo da norma deva ser feita em carterexcepcional e somente quando houver clara afronta Constituio.

    Com efeito, a regra do art. 5, XXXIX, da ConstituioFederal, segundo a qual no h crime sem lei anterior que o defina,nem pena sem prvia cominao legal, incumbiu, comexclusividade, ao legislador a tarefa de selecionar, dentre todas ascondutas do gnero humano, aquelas capazes de colocar em risco atranquilidade social e a ordem pblica. A isso se convencionouchamar funo seletiva do tipo.

    A misso de detectar os anseios nas manifestaes sociais especfica de quem detm mandato popular. Ao Poder Legislativocabe, por conseguinte, a exclusiva funo de selecionar as condutasmais perniciosas ao convvio social e defini-las como delitos,associando-lhes penas. A discusso sobre esses critrios escapa formao predominantemente tcnica do Poder Judicirio. Da porque, em ateno ao princpio da separao dos Poderes, nsito emnosso Texto Constitucional (art. 2 ), o controle judicial deconstitucionalidade material do tipo deve ser excepcional e exercidoem caso de flagrante atentado aos princpios constitucionais sensveis.No padecendo de vcios explcitos em seu contedo, no cabe aomagistrado determinar o expurgo do crime de nosso ordenamentojurdico, sob o argumento de que no reflete um verdadeiro anseiopopular. O controle material , por essa razo, excepcional e deveser feito apenas em casos bvios de afronta a direitos fundamentaisdo homem.

    1.6. Da Parte Geral do Cdigo Penal: finalidadeAo se analisar o Cdigo Penal brasileiro, verifica-se que a sua

    estrutura sistemtica possibilita, desde logo, vislumbrar os princpioscomuns e as orientaes gerais que o norteiam. a denominadaParte Geral. Nela constam os dispositivos comuns incidentes sobre

  • todas as normas. Na concepo de Welzel28, a finalidade da ParteGeral do Cdigo Penal assinalar as caractersticas essenciais dodelito e de seu autor, comuns a todas as condutas punveis.

    Assim que toda ao ou omisso penalmente relevante uma unidade constituda por momentos objetivos e subjetivos. Arealizao dessas condutas percorre diferentes etapas: a preparao,a tentativa e a consumao. A comunidade pode valorar taiscondutas como jurdicas ou antijurdicas, culpveis ou no. Elas estorelacionadas inseparavelmente com seu autor, cuja personalidade,vontade e conscincia imprimem sua peculiaridade. Expor essesmomentos a misso da Parte Geral, competindo, por sua vez, Parte Especial delimitar as classes particulares de delitos, como ohomicdio, o estupro, o dano etc.

    Miguel Reale Jnior acentua a funo restritiva da ParteGeral, ao fixar certos limites de incidncia das normasincriminadoras e das sanes. E, referindo-se ao ensinamento deRomagnosi, sustenta que a liberdade legal depende da fixao dequais so as aes verdadeiramente criminosas, tarefa quecompreende no s a especificao de quais so os atos que podem abuon diritto cair sob sano, mas tambm dos limites dentre os quaiso delito tem existncia e os quais, ao se ultrapassar, deixam de existire nem punir se possa. Esta finalidade ao ver de Romagnosi no apenas um objeto importantssimo mas primrio para o legisladorque comanda e para os cidados que obedecem29.

    2. FONTES DO DIREITO PENAL

    Conceito: Fonte o lugar de onde o direito provm.

    Espciesa) De produo, material ou substancial: refere-se ao rgo

    incumbido de sua elaborao. A Unio a fonte de produo doDireito Penal no Brasil (CF, art. 22, I).

    Obs.: de acordo com o pargrafo nico do art. 22 daConstituio, lei complementar federal poder autorizar os Estados-Membros a legislar em matria penal sobre questes especficas.Trata-se de competncia suplementar, que pode ou no lhes serdelegada. Questes especficas significam as matrias relacionadasna lei complementar que tenham interesse meramente local. LuizVicente Cernicchiaro observa que os Estados no podem legislar

  • sobre matria fundamental de Direito Penal, alterando dispositivos daParte Geral, criando crimes ou ampliando as causas extintivas dapunibilidade j existentes, s tendo competncia para legislar naslacunas da lei federal e, mesmo assim, em questes de interesseespecfico e local, como a proteo da vitria-rgia na Amaznia30.

    b) Formal, de cognio ou de conhecimento: refere-se aomodo pelo qual o Direito Penal se exterioriza.

    Espcies de fonte formala) Imediata: lei.b) Mediata: costumes e princpios gerais do direito.

    Diferena entre norma e leiNorma: o mandamento de um comportamento normal,

    retirado do senso comum de justia de cada coletividade. Exemplo:pertence ao senso comum que no se deve matar, roubar, furtar ouestuprar, logo, a ordem normal de conduta no matar, no furtar, eassim por diante. A norma, portanto, uma regra proibitiva noescrita, que se extrai do esprito dos membros da sociedade, isto , dosenso de justia do povo.

    Lei: a regra escrita feita pelo legislador com a finalidade detornar expresso o comportamento considerado indesejvel e perigosopela coletividade. o veculo por meio do qual a norma aparece etorna cogente sua observncia. Na sua elaborao devem sertomadas algumas cautelas, a fim de se evitarem abusos contra aliberdade individual. Assim, devem ser observados os princpiosmaiores da Declarao Universal dos Direitos do Homem e doCidado, de 26 de agosto de 1789. Dentre esses encontram-se o dareserva legal, segundo o qual no h crime sem lei que o descreva, eo da anterioridade, que exige seja essa lei anterior ao fato delituoso.

    Ao legislador, portanto, no cabe proibir simplesmente aconduta, mas descrever em detalhes o comportamento, associando-lhe uma pena, de maneira que somente possam ser punidos aquelesque pratiquem exatamente o que est descrito. A lei , porimperativo do princpio da reserva legal, descritiva e no proibitiva.A norma sim que probe. Pode-se dizer que enquanto a norma,sentimento popular no escrito, diz no mate ou matar umaconduta anormal, a lei opta pela tcnica de descrever a conduta,associando-a a uma pena, com o fito de garantir o direito deliberdade e controlar os abusos do poder punitivo estatal (mataralgum; recluso, de 6 a 20 anos). Assim, quem mata algum agecontra a norma (no matar), mas exatamente de acordo com adescrio feita pela lei (matar algum).

  • 2.1. Fonte formal imediata a lei.Partes: preceito primrio (descrio da conduta) e

    secundrio (sano).Caracterstica: no proibitiva, mas descritiva (tcnica de

    descrever a conduta, associando-a a uma pena, preconizada por KarlBinding, criador do tipo penal, que o modelo ou molde dentro doqual o legislador faz a descrio do comportamento consideradoinfrao penal). Exemplo: o molde (tipo) do crime de furto encontra-se no art. 155, caput, do Cdigo Penal: subtrair, para si ou paraoutrem, coisa alheia mvel.

    Classificao: a lei penal pode ser classificada em duasespcies: leis incriminadoras e no incriminadoras. Estas, por suavez, subdividem-se em permissivas e finais, complementares ouexplicativas. Assim:

    a) Leis incriminadoras: so as que descrevem crimes ecominam penas.

    b) Leis no incriminadoras: no descrevem crimes, nemcominam penas.

    c) Leis no incriminadoras permissivas: tornam lcitasdeterminadas condutas tipificadas em leis incriminadoras. Exemplo:legtima defesa.

    d) Leis no incriminadoras finais, complementares ouexplicativas: esclarecem o contedo de outras normas e delimitamo mbito de sua aplicao. Exemplo: arts. 1, 2 e todos os demais daParte Geral, exceo dos que tratam das causas de excluso dailicitude (legtima defesa, estado de necessidade, exerccio regular dedireito e estrito cumprimento do dever legal).

    Caractersticas das normas penais1) Exclusividade: s elas definem crimes e cominam penas.2) Anterioridade: as que descrevem crimes somente tm

    incidncia se j estavam em vigor na data do seu cometimento.3) Imperatividade: impem-se coativamente a todos, sendo

    obrigatria sua observncia.4) Generalidade:tm eficcia erga omnes, dirigindo-se a

    todos, inclusive inimputveis.5 Impessoalidade: dirigem-se impessoal e indistintamente a

    todos. No se concebe a elaborao de uma norma para punirespecificamente uma pessoa.

  • Normas penais em branco (cegas ou abertas)Conceito: so normas nas quais o preceito secundrio

    (cominao da pena) est completo, permanecendo indeterminado oseu contedo. Trata-se, portanto, de uma norma cuja descrio daconduta est incompleta, necessitando de complementao por outradisposio legal ou regulamentar.

    Classificaoa) Normas penais em branco em sentido lato ou homogneas:

    quando o complemento provm da mesma fonte formal, ou seja, alei completada por outra lei. Exemplo: art. 237 do Cdigo Penal(completado pela regra do art. 1.521, I a VII, do novo Cdigo Civil).

    b) Normas penais em branco em sentido estrito ouheterogneas: o complemento provm de fonte formal diversa; a lei complementada por ato normativo infralegal, como uma portariaou um decreto. Exemplo: crime definido no art. 2, VI, da Lei n.1.521/51 e as tabelas oficiais de preos; art. 33 da Lei de Drogas ePortaria do Ministrio da Sade elencando o rol de substnciasentorpecentes.

    Norma penal em branco em sentido estrito e princpio dareserva legal: no h ofensa reserva legal, pois a estrutura bsicado tipo est prevista em lei. A determinao do contedo, em muitoscasos, feita pela doutrina e pela jurisprudncia, no havendomaiores problemas em deixar que sua complementao seja feitapor ato infralegal. O que importa que a descrio bsica estejaprevista em lei.

    c) Normas penais em branco ao avesso: so aquelas em que,embora o preceito primrio esteja completo, e o contedoperfeitamente delimitado, o preceito secundrio, isto , a cominaoda pena, fica a cargo de uma norma complementar. Se ocomplemento for um ato normativo infralegal, referida norma serreputada inconstitucional, pois somente a lei pode cominar penas31.

    2.2. Fontes formais mediatasSo o costume e os princpios gerais do direito.a) Costume: consiste no complexo de regras no escritas,

  • consideradas juridicamente obrigatrias e seguidas de modoreiterado e uniforme pela coletividade. So obedecidas com tamanhafrequncia, que acabam se tornando, praticamente, regrasimperativas, ante a sincera convico social da necessidade de suaobservncia.

    Diferena entre hbito e costume: no hbito, inexiste aconvico da obrigatoriedade jurdica do ato.

    Elementos do costumeObjetivo: constncia e uniformidade dos atos.Subjetivo: convico da obrigatoriedade jurdica.

    Espcies de costumeContra legem: inaplicabilidade da norma jurdica em face

    do desuso, da inobservncia constante e uniforme da lei.Secundum legem: traa regras sobre a aplicao da lei

    penal.Praeter legem: preenche lacunas e especifica o contedo

    da norma.Obs. 1: o costume contra legem no revoga a lei, em face do

    que dispe o art. 2, 1, da Lei de Introduo ao Cdigo Civil (Dec.-lei n. 4.657/42), segundo o qual uma lei s pode ser revogada poroutra lei. No caso da contraveno do jogo do bicho, h umacorrente jurisprudencial que entende que o costume revogou a lei.Sustenta que com o costume contra legem a proibio caiu no desuso.O procedimento normal passou a ser o de jogar no bicho, o que fezdesaparecer a norma proibitiva, que era o mandamento de umaconduta outrora normal. A violao constante da proibio levouuma conduta anormal a ser considerada normal. Desaparecendo anormalidade da proibio, extingue-se a norma e, com ela, ocontedo da lei. Essa posio minoritria e pouco aceita. Nessesentido: O sistema jurdico brasileiro no admite possa uma leiperecer pelo desuso, porquanto, assentado no princpio dasupremacia da lei escrita (fonte principal do direito), suaobrigatoriedade s termina com sua revogao por outra lei. Noutrostermos, significa que no pode ter existncia jurdica o costumecontra legem32.

    Obs. 2: o costume no cria delitos, nem comina penas(princpio da reserva legal).

    b) Princpios gerais do direito: quando a lei for omissa, ojuiz decidir o caso de acordo com a analogia, os costumes e os

  • princpios gerais de direito (LICC, art. 4). Trata-se de princpios quese fundam em premissas ticas extradas do material legislativo.

    Obs.: a analogia no fonte formal mediata do Direito Penal,mas mtodo pelo qual se aplica a fonte formal imediata, isto , a leido caso semelhante. De acordo com o art. 4 da Lei de Introduo aoCdigo Civil brasileiro, na lacuna do ordenamento jurdico, aplica-seem primeiro lugar outra lei (a do caso anlogo), por meio daatividade conhecida como analogia; no existindo lei de casoparecido, recorre-se ento s fontes formais mediatas, que so ocostume e os princpios gerais do direito.

    Formas de procedimento interpretativoa) Equidade: o conjunto das premissas e postulados ticos,

    pelos quais o juiz deve procurar a soluo mais justa possvel do casoconcreto, tratando todas as partes com absoluta igualdade. A palavraprovm do latim oequus, que significa aquilo que justo, igual,razovel, conveniente.

    b) Doutrina: deriva do latim doctrina, de docere (ensinar,instruir). Consiste na atividade pela qual especialistas estudam,pesquisam, interpretam e comentam o Direito, permitindo aosoperadores um entendimento mais adequado do contedo dasnormas jurdicas.

    c) Jurisprudncia: a reiterao de decises judiciais,interpretando as normas jurdicas em um dado sentido euniformizando o seu entendimento.

    3. INTERPRETAO DA LEI PENAL

    Conceito: a atividade que consiste em extrair da normapenal seu exato alcance e real significado.

    Natureza: a interpretao deve buscar a vontade da lei,desconsiderando a de quem a fez. A lei terminada independe de seupassado, importando apenas o que est contido em seus preceitos.

    Espcies

    1) Q uanto ao sujeito que a elaboraa) Autntica ou legislativa: feita pelo prprio rgo

    encarregado da elaborao do texto. Pode ser: contextual, quando

  • feita dentro do prprio texto interpretado (CP, art. 327), ou posterior,quando a lei interpretadora entra em vigor depois da interp