Curso de Direito Artigo de...

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1 Curso de Direito Artigo de Revisão O DIREITO DE GREVE DO SERVIDOR PUBLICO E AS SANÇÕES PENAIS E ADMINISTRATIVAS THE SERVER STRIKE RIGHT PUBLIC AND CRIMINAL PENALTIES AND ADMINISTRATIVE Augusto Cesar Correia 1 , Marcelo Calvet 2 1 Aluno do Curso de Direito 2 Professor Doutor do Curso de Direito Resumo O presente trabalho, pretende abordar o direito de greve do servidor publico brasileiro e os possíveis desdobramento quanto as punições administrativas e penais. O conteúdo do inciso VII do artigo 37 da Constituiçao da Republica Federativa de 1988 garantiu o exercício do direito de greve pelos servidores públicos civis, a ser regulamentado mediante lei específica, porém esta lei nunca foi elaborada. Por conseguinte a conclusão inicial inclusive do STF foi a de que o exercício do direito de greve pelos funcionários públicos carecia de regulamentação e assim, diversas greves foram declaradas inconstitucionais no Brasil. A Lei ordinária específica sobre direito de greve existente desde 1989 (a Lei nº 7.783/89), a qual estabelece critérios regulamentares do movimento paredista; trata do direito de greve de forma ampla, fala trabalhadores em geral, não restringindo sua abrangência aos trabalhadores da iniciativa privada o entendimento tecnicamente correto é o de que foi recepcionada pelo novo texto constitucional, tornando-se aplicável também a todos os servidores públicos. Por outro lado, mesmo que se entenda que a Lei no 7.783/89 seja norma dirigida apenas aos empregados da iniciativa privada e, em face da inexistência de norma específica para servidor público, ela pode ser aplicada por analogia. Palavras-Chave: estado; greve; servidor publico; direito, punição. Abstract This work aims to address the right to strike of Brazilian public server and the possible deployment as administrative and criminal punishments. The contents of paragraph VII of Article 37 of the Constitution Federal Republic 1988 guaranteed the exercise of the right to strike by civil servants, to be regulated by specific law, but this law was never developed. Therefore the initial conclusion - including the Supreme Court - was that the exercise of the right to strike by civil servants lacked regulation and so many strikes were declared unconstitutional in Brazil. The specific existing common law on the right to strike since 1989 (Law No. 7.783 / 89), which sets out regulatory criteria paredista movement; deals with broadly the right to strike, speaks workers in general, not restricting its scope to private sector workers - the technically correct understanding is that was welcomed by the new constitutional text, making it applicable also to all public servants. Moreover, even assuming that the Law 7.783 / 89 standard is directed only to employees of the private sector and, given the lack of specific standards for public servant, it can be applied by analogy. Keywords: state; strike; public server; law, punishment. ____________________________________________________________________________________________ Contato: [email protected] INTRODUÇÃO Aspectos conceituais ao Direito de Greve A greve é um ato social que ocorre a partir do momento em que o Estado deixa de cumprir a sua obrigação de pacificador social. É um fenômeno que existe em decorrência das forças invisíveis de coerção social. Por este motivo, muitos juristas entendem que não é possível alçá-la a um direito. “Carnelutti afirma que a greve seria um ato antijurídico, análogo à guerra, pelo qual o Estado pretende garantir, por mesmo e freqüentemente contra o direito, o triunfo de suas pretensões. O direito de guerra é a negação do direito e como o direito subjetivo não pode existir senão como resultado do direito objetivo. A fórmula do direito de guerra ou direito de greve contém uma „contradictio in adjecto‟”.

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Curso de Direito Artigo de Revisão

O DIREITO DE GREVE DO SERVIDOR PUBLICO E AS SANÇÕES PENAIS E ADMINISTRATIVAS THE SERVER STRIKE RIGHT PUBLIC AND CRIMINAL PENALTIES AND ADMINISTRATIVE

Augusto Cesar Correia

1, Marcelo Calvet

2

1 Aluno do Curso de Direito 2 Professor Doutor do Curso de Direito

Resumo O presente trabalho, pretende abordar o direito de greve do servidor publico brasileiro e os possíveis desdobramento quanto as punições administrativas e penais. O conteúdo do inciso VII do artigo 37 da Constituiçao da Republica Federativa de 1988 garantiu o exercício do direito de greve pelos servidores públicos civis, a ser regulamentado mediante lei específica, porém esta lei nunca foi elaborada. Por conseguinte a conclusão inicial – inclusive do STF – foi a de que o exercício do direito de greve pelos funcionários públicos carecia de regulamentação e assim, diversas greves foram declaradas inconstitucionais no Brasil. A Lei ordinária específica sobre direito de greve existente desde 1989 (a Lei nº 7.783/89), a qual estabelece critérios regulamentares do movimento paredista; trata do direito de greve de forma ampla, fala trabalhadores em geral, não restringindo sua abrangência aos trabalhadores da iniciativa privada – o entendimento tecnicamente correto é o de que foi recepcionada pelo novo texto constitucional, tornando-se aplicável também a todos os servidores públicos. Por outro lado, mesmo que se entenda que a Lei no 7.783/89 seja norma dirigida apenas aos empregados da iniciativa privada e, em face da inexistência de norma específica para servidor público, ela pode ser aplicada por analogia. Palavras-Chave: estado; greve; servidor publico; direito, punição.

Abstract This work aims to address the right to strike of Brazilian public server and the possible deployment as administrative and criminal punishments. The contents of paragraph VII of Article 37 of the Constitution Federal Republic 1988 guaranteed the exercise of the right to strike by civil servants, to be regulated by specific law, but this law was never developed. Therefore the initial conclusion - including the Supreme Court - was that the exercise of the right to strike by civil servants lacked regulation and so many strikes were declared unconstitutional in Brazil. The specific existing common law on the right to strike since 1989 (Law No. 7.783 / 89), which sets out regulatory criteria paredista movement; deals with broadly the right to strike, speaks workers in general, not restricting its scope to private sector workers - the technically correct understanding is that was welcomed by the new constitutional text, making it applicable also to all public servants. Moreover, even assuming that the Law 7.783 / 89 standard is directed only to employees of the private sector and, given the lack of specific standards for public servant, it can be applied by analogy. Keywords: state; strike; public server; law, punishment. ____________________________________________________________________________________________

Contato: [email protected]

INTRODUÇÃO Aspectos conceituais ao Direito de Greve

A greve é um ato social que

ocorre a partir do momento em que o

Estado deixa de cumprir a sua obrigação

de pacificador social. É um fenômeno que

existe em decorrência das forças

invisíveis de coerção social. Por este

motivo, muitos juristas entendem que não

é possível alçá-la a um direito.

“Carnelutti afirma que a greve seria um ato antijurídico, análogo à guerra, pelo qual o

Estado pretende garantir, por sí mesmo e freqüentemente contra o direito, o triunfo de suas pretensões. O direito de guerra é a negação do direito e como o direito subjetivo não pode existir senão como resultado do direito objetivo. A fórmula do direito de guerra ou direito de greve contém uma „contradictio in adjecto‟”.

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O exercício da força é contrário

ao direito, para o qual não importa o grau

persuasivo do mais forte, e sim a razão

daquele que tem o direito.

Em que pesem estas

considerações sociais sobre a greve, é

certo que os ordenamentos jurídicos de

vários países passaram a admitir a greve

como um direito. E, sendo um direito, será

passível de regulamentação, ainda que

alguns defendam a inexistência de

controle sobre a greve.

O conceito de greve dependerá

de cada ordenamento jurídico. Será

considerado um direito ou uma liberdade,

se for admitida. Contudo, se a sociedade

proibi-la, será um delito punível.

Os doutrinadores conceituam a

greve conforme o elemento que

pretendem realçar. O conceito abaixo traz

um enfoque sociológico, reconhecendo a

greve nas seguintes situações sociais:

“Greve é toda interrupção de trabalho, de caráter temporário, motivada por reivindicações suscetíveis de beneficiar todos ou parte do pessoal e que é apoiada por um grupo suficientemente representativo da opinião obreira”.

Partindo de um enfoque jurídico,

os autores abaixo conceituam a greve das

seguintes formas:

“É a recusa coletiva e combinada

de trabalho, manifestando a intenção dos assalariados de se colocarem provisoriamente fora do contrato, a fim de assegurar o sucesso de suas reivindicações.”

“Greve é uma declaração sindical

que condiciona o exercício individual de um direito coletivo de suspensão temporária do trabalho, visando à satisfação de um interesse profissional.”

“A greve é considerada, em nossa legislação, como a suspensão coletiva, temporária pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços

ao tomador.”

“Greve é o abandono temporário e concertado do trabalho, numa ou mais empresas, estabelecimento ou serviço de qualquer natureza ou finalidade, para a defesa de interesses profissionais econômicos e sociais comuns aos trabalhadores.”

Pode-se extrair algumas

características do objeto em estudo. A

greve se manifesta a partir de uma

vontade coletiva. Será sempre

impulsionada por interesse de um grupo

de pessoas ligadas por uma situação

profissional. Assim, não será possível a

existência de greve de uma única pessoa.

Tampouco, vai-se estar diante de

interesses que não sejam profissionais.

Infere-se, ainda, que a greve

importa em suspensão, recusa,

interrupção ou abandono de uma

atividade profissional. Não obstante, a

interrupção parcial não descaracteriza o

movimento paredista. São inúmeros os

exemplos de greves parciais,

principalmente se leva em conta que

atualmente deve-se manter as atividades

essenciais em funcionamento. Cite-se

também, o exemplo da “greve tartaruga”

realizada pelos metalúrgicos do ABC

Paulista, na década de 80. Ela consistia

na diminuição do ritmo da produção ou na

paralisação de setores estratégicos da

linha de produção.

Outro elemento presente nos

conceitos de greve é o tempo. A greve

não deve ter duração permanente. Caso

contrário, é abandono de emprego. Ela

pode ter prazo indeterminado, mas os

trabalhadores deverão retornar ao

trabalho assim que a greve terminar.

Por fim, a greve terá como

reivindicação a satisfação de um direito

ou a defesa de um interesse relacionado

à categoria profissional dos trabalhadores

parados. Destarte, a greve de

solidariedade não costuma ser, posto que

o interesse não se restringe à categoria

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profissional paralisada, mas à satisfação

de interesses políticos ou relacionados a

outros trabalhadores.

Aspectos Históricos do Direito de

Greve

Como todo direito conquistado

por uma sociedade, o direito de greve no

Brasil nem sempre foi concedido ao

servidor público. Na história das

constituições brasileiras, ora se proibiu a

greve, como ocorreu na Carta de 1937,

ora se permitiu seu gozo apenas ao

trabalhador da iniciativa privada. Foi

somente com a Constituição de 1988, que

se deu a positivação do direito de greve

do servidor público civil.

Contudo, o legislador constituinte

de 1988 deixou o legislador ordinário

incumbido de regulamentar o inciso VII do

art.37 da CF/88, devido à necessidade de

conciliar o direito de greve com os

princípios da Administração Pública.

Coube, portanto, ao Congresso Nacional

editar lei complementar (conforme a

redação original do dispositivo) e,

posteriormente, lei específica (como

determinou a EC n. 19/98), restando claro

que tanto o legislador constituinte, assim

como o reformador diferenciaram o direito

de greve dos trabalhadores privados, do

direito de greve do servidor público.

Descumprindo o que fora

determinado pela Constituição de 1988, o

Poder Legislativo não só se constituiu em

mora, como sua omissão gerou uma

problemática social, haja vista que os

movimentos grevistas deflagrados,

perduram, não raro, por meses, causando

imenso prejuízo à economia. Ademais, a

própria sociedade, por sofrer com a alta

carga tributária imposta não

necessariamente apoia a greve no setor

público. Nas palavras de Ives Gandra

Martins “tem-se falado muito, nos

Tribunais, em direito dos servidores.

Infelizmente, não se tem falado no direito

da sociedade de receber serviços

públicos, principalmente quando paga a

mais alta carga tributária dos países

emergentes em todo o mundo (…)”.

Frise-se, ainda, que há

verdadeiros embates doutrinários e

jurisprudenciais concernentes à eficácia

do direito de greve do servidor público e,

consequentemente, um questionamento

quanto à eficácia das normas

constitucionais. Afinal de contas, qual o

valor das mesmas?

Ocorre que a inércia de quase

vinte anos do Congresso Nacional em

regulamentar o direito de greve levou o

STF, em decisão tomada em 2007, a

conhecer dos Mandados de Injunção

(Mis) 670, 708 e 712 e aplicar por

analogia a Lei nº. 7783/89, que cuida do

exercício do direito de greve no setor

privado. Em princípio, essa lei não

poderia ser aplicada ao servidor público,

conforme prescreve seu art. 16. Merece

destaque o voto do Ministro Gilmar

Ferreira Mendes nos autos do MI 708,

onde foi proposta a aplicação da Lei.

Nº.7.783/89, no que couber, sendo

facultado ao juízo competente impor um

regime mais severo à greve do servidor

público, devido aos serviços e atividades

essenciais desempenhados.

O atual entendimento do STF

(desde 2007) se fundamentou no

Mandado de Injunção, cujo objetivo é

suprir a omissão do legislador, quando a

falta de norma impede o exercício de

direitos e liberdades constitucionais.

Anteriormente, o STF assumia a atitude

tímida quanto a esse remédio jurídico

constitucional, declarando apenas a mora

do poder responsável pela omissão.

DIREITO DE GREVE DO SERVIDOR

PUBLICO

Limitações Constitucionais

O direito de greve está inserido

na Constituição Brasileira de 1988 no

Título II, que trouxe o gênero DOS

DIREITOS E GARANTIAS

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FUNDAMENTAIS, do qual derivam as

seguintes espécies, quais sejam, a)

DIREITOS INDIVIDUAIS E COLETIVOS,

b) DIREITOS SOCIAIS (art. 7 a 11, onde

se encontra o direito à greve), c)

DIREITOS À NACIONALIDADE (art. 12) e

os d) DIREITOS POLÍTICOS (art. 14 a

17).

Visto que o direito de greve é um

direito fundamental, e que a Constituição

preconiza o direito à igualdade, poder-se-

ia argumentar que o direito de greve não

permite distinção entre o trabalhador do

setor privado e o do setor público.

Contudo, o princípio da igualdade deve

ser visto com cautela, pois a constituição

pode dispor em contrário. É possível

discriminar sem ferir os interesses

constitucionais, desde que a

desequiparação não atinja de modo atual

e absolutamente um só indivíduo e que as

situações ou pessoas desequiparadas

pela regra de direito sejam efetivamente

distintas entre si. Tem que existir, em

abstrato, uma correlação lógica entre os

fatores diferenciais existentes e a

distinção de regime jurídico em função

deles, estabelecida pela norma juridical e

por fim, que haja o vínculo de correlação

supra-referido, seja pertinente em função

dos interesses constitucionalmente

protegidos, isto é, resulte em

diferenciação de tratamento jurídico

fundamentada em razão

Ao se diferenciar a greve do setor

público do setor privado, não se considera

um indivíduo isolado, mas um grupo de

servidores públicos que, por sua vez,

possui características distintas dos

trabalhadores da iniciativa privada.

Não raro, defende-se que os

direitos fundamentais são absolutos.

Todavia, aceitam-se limitações aos

mesmos, mormente quando conflitam

com outros também fundamentais. Nesse

caso, a solução pode vir expressa, como

prescreve o art. 5, XLVII, ou caberá ao

intérprete decidir qual direito deve

seguindo a regra da máxima observância

dos direitos fundamentais envolvidos,

julgando-a com a sua mínima restrição.

As leis infraconstitucionais não podem

cercear os direitos fundamentais, mas

funcionam como regulamentações para

sua concretização, expressando o modo

de aplicá-los, como no caso das normas

de eficácia limitada e de eficácia contida.”

Com efeito, o direito de greve é

passível de limitação por estar inserido no

mesmo título da Constituição que

assegura outros direitos e garantias

fundamentais, como o direito à vida, à

liberdade, à igualdade, entre outros.

A greve, mormente nos serviços

essenciais, deverá ser exercida em

harmonia com os interesses da

coletividade, para evitar que os interesses

de grupos determinados se sobreponham

ao direito coletivo difuso, que se refere a

toda comunidade.

Entretanto, consideramos que as

condições impostas pela regulamentação

devem ser razoáveis, de tal natureza que

não constituam uma limitação às

possibilidades de ação das organizações

sindicais, sendo aceitáveis a obrigação de

dar um prévio aviso, a obrigação de

recorrer a procedimentos de conciliação e

arbitragem, a adoção de medidas para

respeitar os regulamentos de segurança e

prevenção de acidentes, a obrigação de

garantir um serviço mínimo à coletividade,

limitado às operações estritamente

necessárias, para não comprometer a

vida, a segurança ou a saúde das

pessoas no conjunto ou em parte da

populaçã.

Em face do exposto acima, vê-se

que as primeiras limitações ao direito de

greve encontram-se na própria

constituição, independentemente desse

direito ser exercido pala iniciativa privada

ou no serviço público. Seguindo, a ordem

constitucional, a Lei 7.783/89, que

regulamentou a greve no setor privado,

corrobora algumas dessas restrições.

Está expressamente previsto no art. 6º §

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1º que nem empregados nem

empregadores poderão usar meios que

violem ou constranjam os direitos e

garantias fundamentais inseridos na

Constituição.

Igualmente, a greve não pode

violar o direito à vida, à liberdade, à

segurança e à propriedade, pois se

estaria afrontando o art. 5º, caput da Lei

Maior. Para que não haja excessos aos

limites constitucionais, o art. 6º § 3º da Lei

7.783/89 dispõe que não poderão ser

empregados quaisquer atos que causem

ameaça ou dano à propriedade ou

pessoa.

O exercício do direito de greve

também deverá respeitar a liberdade de

pensamento (art. 5º, VI da CF/88), e,

portanto, veda-se coagir aqueles que não

queiram aderir ao movimento. De igual

monta, deve-se preservar a moral e a

imagem das pessoas, assim como seu

direito de livre locomoção (art. 5º, XV, da

CF/88).

O Direito de greve do Servidor Publico

a luz da doutrina e da jurisprucendia

Muito já se debateu acerca da

classificação das normas constitucionais,

porém, nem toda norma positivada na Lei

Maior goza de aplicabilidade imediata, eis

que algumas dependem de

regulamentação infraconstitucional.

Definir a eficácia e,

consequentemente, a aplicabilidade do

art. 37, VII da CF/88 é de suma

importância, pois dependendo da

interpretação dada, o direito de greve do

servidor público pode ser exercido sem

regulamentação infraconstitucional.

Cumpre distinguir entre eficácia e

aplicabilidade. As normas constitucionais

de eficácia plena e aplicabilidade

imediata, são aquelas que podem

produzir todos os efeitos essenciais,

relativamente aos interesses,

comportamentos e situações que o

legislador constituinte, direta e

normativamente quis regular.

As normas constitucionais de

eficácia contida e aplicabilidade imediata,

são passíveis de restrição. Sua eficácia e

aplicabilidade não dependem da

regulamentação do legislador ordinário,

por isso sofrem limitações futuras.

Já as normas constitucionais de

eficácia limitada ou reduzida, possuem

aplicabilidade mediata

Diante da classificação das

referidas normas, passa-se a apresentar

doutrinariamente as interpretações

doutrinárias e jurisprudenciais dadas ao

art. 37, VII da CF/88. Não há unanimidade

quanto à eficácia do art. 37, VII da CF/88,

defendendo uma corrente que a norma é

de eficácia limitada, ao passo que outra

advoga pela eficácia contida. Descarta-se

a possibilidade da norma gozar de

eficácia plena, visto que o dispositivo faz

referência expressa à atuação futura do

legislador.

José Afonso da Silva conclui pala eficácia limitada e, portanto, não- aplicabilidade do direito de greve enquanto não sobrevier norma regulamentadora. Aduz o autor que:

“(...) quanto à greve, o texto constitucional não avançou senão timidamente, estabelecendo que o direito de greve dos servidores públicos será exercido nos termos e nos limites definidos em lei complementar, o que, na prática, é quase o mesmo que recusar o direito prometido; primeiro porque se a lei não vier, o direito inexistirá; segundo porque vindo, não há parâmetro para o seu conteúdo, tanto pode ser mais aberta, como mais restritiva.”

Por sua vez, Maria Silvia Zanella

di Pietro, defende que o direito à livre

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associação é auto-aplicável, enquanto o

direito de greve do servidor público

depende de lei.

Defendendo a eficácia contida do

artigo em epígrafe cite-se, por exemplo,

Celso Antônio B. de Melo, esclarecendo

que:

“Tal direito existe desde a promulgação da Constituição. Deveras, mesmo a falta de lei, não se lhes pode subtrair um direito constitucionalmente previsto, sob pena de admitir-se que o Legislativo ordinário tem o poder de, com sua inércia até o presente, paralisar a aplicação da Lei Maior, sendo, pois, mais forte do que ela. Entretanto, é claro que, para não decair da legitimidade da greve, os paredistas terão de organizar plantão para atender determinadas situações: as de urgência ou que, de todo modo, não possam ser genérica e irrestritamente subtraídas à coletividade sem acarretarem danos muito graves ou irreparáveis. De fato, a atual Constituição não é individualista e expressamente prestigiou os chamados direitos coletivos e

Em suma, se o direito de greve

do servidor público tiver eficácia limitada,

subordinar-se-á à edição da lei específica.

Por outro lado, se tiver eficácia contida, o

direito terá aplicação imediata, podendo a

legislação futura vir a restringir o seu

alcance.

O STF entendeu nos MIs 20/DF e

438/GO que a norma inscrita no art. 37,

VII, da CF, é de eficácia limitada,

desprovida, consequentemente, de auto-

aplicabilidade, dependendo da edição de

lei infraconstitucional.

“Mandado de Injunção coletivo- Direito de Greve do Servidor Público Civil-

Evolução do constitucionalismo brasileiro- Modelos normativos no direito comparado- Prerrogativa jurídica assegurada pala Constituição (art. 37, VII)- Impossibilidade de seu exercício antes da edição de lei complementar –Omissão Legislativa –Hipótese de sua configuração-Reconhecimento do Estado de mora do Congresso Nacional-Impetração por entidade de classe -Admissibilidade-Writ concedido” (MI 20-4-DF, j.19-05-94, Rel. Min. Celso de Melo, in LTr 58-06/647).

Já a jurisprudência do STJ é

bastante oscilante, ora atribuindo ao

direito de greve eficácia contida, ora

eficácia limitada.

Competência para edição da lei

especifica

A redação original do art. 37, VII

da Constituição de 1988 dispunha que:

“O direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei complementar.”

Posteriormente, a Emenda

Constitucional 19/98 alterou a redação do

dispositivo, passando a não mais exigir lei

complementar, e sim, lei específica.

A nova redação veio,

indubitavelmente, para facilitar a edição

de uma lei que disciplinasse o direito de

greve do servidor público, haja vista que

da promulgação da Constituição à edição

da EC n.19, havia um lapso temporal de

10 (dez) anos. Ora, não mais se requereu

o quórum de lei complementar, ou seja, a

maioria absoluta dos membros de ambas

as Casas Legislativas, mas o exigido para

a aprovação de lei ordinária. Contudo,

mesmo diante da exigência de um

quórum facilitado, a referida lei nunca foi

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editada.

Independentemente de ser uma

lei uniforme para todos os entes da

federação, ou lei editada por cada um dos

entes federados, a lei específica deverá

regular matéria de Direito Administrativo,

pois tratará da greve do servidor público.

Solução dos conflitos ao Direito de

Greve dos Servidores Publicos

A Constituição de 1988, em seu

art. 114 dizia que competia à Justiça do

Trabalho processar e julgar as ações

oriundas da relação de trabalho,

abrangidos os entes de direito público

externo e da administração pública direta

e indireta da União, dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios.

A EC n. 45/04, que dentre as

mudanças trazidas, ampliou a

competência da Justiça do Trabalho,

manteve a redação anterior, passando

para o inciso I do art. 114, assim como

acrescentou a competência da Justiça do

Trabalho para processar e julgar “as

ações que envolvam o exercício do direito

de greve. (art. 114, II)”

Todavia, o Supremo Tribunal

Federal, em 1º de janeiro de 2005

concedeu liminar, com efeito ex-tunc, na

ação Direta de Inconstitucionalidade

3395-6, dando a interpretação no sentido

de excluir qualquer interpretação que

atribuísse à Justiça do Trabalho

competência para julgar causas entre o

Poder Público e seus servidores, devido à

relação estatutária entre esses.

O direito de greve é assegurado a

todos os servidores públicos, quaisquer

litígios sobre a legitimidade, ou não, do

exercício desse direito dever ser

submetidos à justiça trabalhista, inclusive

quando se tratar de greve de servidores

estatutários, pois que nenhuma distinção

o dispositivo fez quanto à natureza dos

grevistas.

Em outra ocasião, o STF, em

sede de ADIn julgou inconstitucional a

alínea “e” do art. 240 da Lei 8.112/90, que

tratava da competência da Justiça do

Trabalho para julgar dissídios individuais

e coletivos envolvendo servidores

públicos.

Portanto, quanto a competência

para decidir sobre a greve de servidores

públicos não será da Justiça do Trabalho.

Essa só terá competência quando a

Administração Pública tiver empregados.

Nesse sentido, serão da competência da

Justiça Federal as questões atinentes aos

servidores públicos federais, e competirá

à Justiça Comum as questões que

envolvam servidores estaduais, distritais e

municipais.

A Lei 7.783/1989 e o Direito de Greve

do Servidor Publico

Durante muitos anos, não se

vislumbrava a possibilidade de se aplicar

a Lei 7.783/89 à greve do servidor

público, pelas razões abaixo expostas.

Primeiramente, frise-se que a

redação original do art. 37, VII da

Constituição de 1988 previa a edição de

lei complementar. A lei 7.783/89 não goza

de status de lei complementar, e sim, de

lei ordinária. Ademais, mesmo que a EC

n. 19/98 tenha deixado de exigir lei

complementar, passando a mencionar lei

específica (entenda-se ordinária), o art.

16 da Lei 7.783/89 dispõe que “para os

fins previstos no art. 37, VII da

Constituição, lei complementar definirá os

termos e os limites em que o direito de

greve poderá ser exercido”. Isso implica

em dizer que, além de na época haver a

exigência de lei complementar, a Lei

7.783/89 foi editada para regular a greve

na iniciativa privada, e não no serviço

público.

Ressalte-se, ainda, que o próprio

art. 2º da Lei 7.783/89, ao conceituar

greve, refere-se ao empregador. Portanto,

trata-se de uma relação jurídico-laboral

decorrente do regime trabalhista, regida

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pelo contrato de trabalho e subordinada à

Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Ora, o ente público não é empregador,

havendo, portanto, entre ele e o servidor

público relação estatutária, e não

contratual. Assim, o servidor público, por

ser legalmente investido em cargo

público, possui uma relação jurídica com

a Administração (direta, autárquica e

fundacional) institucional e não contratual.

Impende ressaltar que a

Constituição de 1988, ao dispor sobre o

direito de greve, colocou de um lado os

empregados da iniciativa privada e de

outro os servidores públicos. Os

primeiros são regidos pelo art. 9º da

Constituição Federal, tendo seu exercício

regulado pela Lei 7.783/89. Por sua vez,

encontra-se referência aos últimos no art.

37, VII da CF/88. Resta saber, contudo,

quem são os servidores públicos, ou seja,

aqueles que gozam de legitimidade para

exercer o direito de greve no serviço

público.

Maria Silvia Zanella di Pietro

anota que a Constituição de 1988 ora

emprega a expressão “servidor público”

em sentido amplo, ora em sentido menos

amplo. No primeiro, designa todas as

pessoas físicas que prestam serviços ao

Estado e às entidades da Administração

Indireta, com vínculo empregatício,

enquanto no segundo, exclui os que

prestam serviços às entidades com

personalidade jurídica de direito privado.

A par desses, existem preceitos

aplicáveis ao que exercem funções

legislativas e jurisdicionais e àqueles que

exercem função pública sem vínculo

empregatício.

Diante do exposto, a doutrina

administrativista brasileira entendeu por

bem falar em “agente público” para se

referir a “todos os que, por qualquer

vínculo ou atividade, exerçam uma função

ou atividade pública, pouco importando

que seja episódica ou definitiva,

remunerada ou gratuita. O importante é

que, com sua ação, influencie a

Administração Pública e colabore para a

realização se seus fins” .

Saliente-se que os servidores

estatutários, ao serem nomeados,

ingressam no serviço público, ocupando

um cargo público e, portanto, submetem-

se ao regime estatutário. Já os

empregados públicos são ocupantes de

emprego público e, por conseguinte, são

contratados sob o regime da legislação

trabalhista (CLT). Por sua vez, os

servidores temporários, como o próprio

nome indica, exercem função temporária

de excepcional interesse público e são

submetidos ao regime jurídico

administrativo da lei prevista no art. 37,

IX, da CF/88.

Quanto aos militares, frise-se que

esses prestam serviço ao Estado e se

sujeitam a um regime jurídico próprio. (art.

42,§1º e 142, §3º, X da CF/88).

Por fim, os particulares em

colaboração com o Poder Público que são

“todos aqueles que sem perderem sua

qualidade de particulares, exercem

função pública, ainda que, em alguns

casos, apenas em caráter episódico”.

Podemos citar como exemplo: jurados,

mesários, os que exercem serviços

notariais e de registro, concessionários e

permissionários, entre outros.

Com a devida vênia, preferimos

retirar, também, do rol dos legitimados à

greve do servidor público, os agentes

políticos, conforme posicionamento do

STF .Ë bem verdade que há semelhanças

entre os membros da magistratura e do

ministério público com os servidores

públicos, afinal de contas todos vinculam-

se ao Estado, permanentemente, em

decorrência de aprovação em concurso

público e são remunerados pelos cofres

públicos. Entretanto, a forma de

investidura e a natureza estatutária não

são suficientes para igualá-los aos

servidores públicos.

Insta frisar que os membros da

9

magistratura têm a função de dizer o

direito em última instância e, portanto,

exercem uma função essencial à

soberania, além de se submetem à Lei

Orgânica da Magistratura. Já os membros

do Ministério Público zelam pelo respeito

aos Poderes Públicos e também são

regidos por um estatuto próprio. Assim,

devido às funções constitucionais que

exercem, sem falar nas prerrogativas a

eles garantidas, optamos por não

classificá-los com meros servidores

públicos.

O óbice em aplicar a lei 7.783/89

ao setor público vai além de determinar

quem é o servidor público. Alguns

princípios administrativos, princípios

esses que orientam os atos

administrativos, sempre foram invocados

impedindo a aplicação da lei do setor

privado. Dentre outros, merecem

destaque o princípio da continuidade do

serviço público e o princípio da

legalidade.

O princípio da continuidade do

serviço público enseja que, se os serviços

públicos buscam atender aos reclamos

dos indivíduos em determinados setores

sociais, sendo esses, não raro,

necessidades inadiáveis, tais serviços

não podem ser interrompidos. A greve,

portanto, seria um fenômeno peculiar ao

setor privado.

Em face disso, ao se garantir o

direito de greve no inciso VII, do art, 37,

relativizou-se o princípio em comento. A

dificuldade repousa, ainda, em

harmonizar direitos contrapostos. Assim,

o direito de greve é exercitável desde que

a coletividade não sofra prejuízos

irreparáveis.

No tocante ao princípio da

legalidade, reza o postulado que toda

atividade administrativa deve ser

autorizada por lei, caso contrário é ilícita.

Ora, se os direitos e deveres dos

servidores públicos são determinados em

lei, como reivindicar, por meio da greve,

melhores condições de trabalho? Se não

há norma específica, como prevista na

constituição, como o direito de greve pode

ser exercido?

PENALIDADES DO SERVIDOR

PUBLICO

Remuneração durante a greve

Questão que sempre foi objeto de

grande discussão diz respeito à

remuneração do servidor público durante

a greve.

Diante da mora do Poder

Legislativo em regulamentar o direito de

greve do servidor público o Presidente da

República editou o decreto n. 1.480, de

03/05/95. Em suma, previu o referido

decreto que as faltas decorrentes de

participação de servidores públicos

federais em greve não poderão ser objeto

de abono, compensação, cômputo, para

fins e contagem de tempo de serviço ou

de qualquer vantagem que o tenha por

base, podendo até ensejar a demissão do

chefe imediato ou dos ocupantes de

cargos ou funções comissionadas.

Frise-se que muitos alegam a

inconstitucionalidade do decreto 1.480/95

por restringir o direito de greve do

servidor público, pressionando-o a não

suspender suas atividades ao descontar

os dias parados. Contudo, a

inconstitucionalidade não reside no

desconto da remuneração, pois como

explicado anteriormente, não há direito

fundamental absoluto, ou seja, que não

seja passível de relativização. Ao servidor

público é garantido o direito de greve,

cabendo a uma lei específica

regulamentar seus limites.

De fato há inconstitucionalidade,

visto que o Decreto. n. 1.480/95 deveria

regulamentar uma lei, ou seja, a lei de

greve do servidor público. Ora, a

Constituição Federal de 1988 previu uma

lei, em sentido formal, que exige

discussão e votação no Congresso

10

Nacional. Se a lei não existe, não há que

se falar em decreto.

A Constituição não fez qualquer distinção

entre os servidores públicos civis efetivos

e os servidores ocupantes de cargo em

comissão, sendo certo que as funções de

confiança devem ser, por força da

Emenda Constitucional n.19/98, ocupadas

exclusivamente por servidores de cargos

efetivos.

Em suma, há

inconstitucionalidade no decreto n.1.480

por ferir o princípio da igualdade entre os

servidores públicos, e não no desconto

dos dias parados.

O Superior Tribunal de Justiça,

bem antes da decisão do STF em 2007,

reconheceu a liberdade de exercício da

greve, entretanto entendeu que devem

ser descontados os dias de ausência do

servidor grevista. É o que se depreende

da leitura da seguinte ementa:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROFESSORES ESTADUAIS. GREVE. PARALISAÇÃO. DESCONTO DE VENCIMENTOS. O direito de greve assegurado na Carta Magna aos servidores públicos, embora pendente de regulamentação (art. 37, VII), pode ser exercido, o que não importa na paralisação dos serviços sem o consequente desconto da remuneração relativa aos dias de falta ao trabalho, à míngua de norma infraconstitucional definidora do assunto. Recurso desprovido.”

Rescisão de Contrato

Em face da omissão do

Congresso Nacional, em fazer aprovar lei

específica sobre o exercício da greve no

Serviço Público, em decisão proferida no

Mandado de Injunção 708/DF, o STF

estabeleceu que a Lei 7.783/89, que

regulamenta o direito de greve na

iniciativa privada, é aplicável às greve dos

servidores públicos.

Art. 9º. É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. § 1º - A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. § 2º - Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,moralidadepublicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Por outro lado, a relação jurídica

que liga o Poder Público e os titulares de

cargo público, não é de índole contratual,

mas estatutária, institucional.’

Por consequência, em caso de

greve no serviço público, não se haveria

de falar em suspensão de contrato de

trabalho do servidor disciplinado pela Lei

n. 8.112/1990, pois o servidor estatutário

não firma contrato de trabalho com a

11

administração, mas investe-se em cargo

público, após formalidades previstas em

lei, assinando, sim, termo de posse, tendo

ainda sua vida funcional regrada em

deveres e direitos previstos em estatuto

próprio, isto é, a referida lei.

Todavia, esse não foi o

entendimento abraçado pelo STF, pois ao

proferir a decisão no Mandado de

Injunção mencionado, não ressalvou a

aplicação ao servidores públicos da

suspensão do contrato de trabalho

prevista no artigo 7º da 7.783/1989 em

caso de ocorrência de greve.

É o artigo em comento da Lei de Greve

(Lei 7.783/89):

Art. 7º Observadas as condições previstas nesta Lei, a participação em greve suspende o contrato de trabalho, devendo as relações obrigacionais, durante o período, ser regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho.

Ademais, é um importante trecho

da citada decisão do STF:

“Nesse contexto, nos termos do art. 7o da Lei no 7.783/1989, a deflagração da greve, em princípio, corresponde à suspensão do contrato de trabalho. Como regra geral, portanto, os salários dos dias de paralisação não deverão ser pagos, salvo no caso em que a greve tenha sido provocada justamente por atraso no pagamento aos servidores públicos civis, ou por outras situações excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa da suspensão do contrato de trabalho (art. 7o da Lei no 7.783/1989,).”

Assim, tanto do artigo 7º da lei

destacado, como do próprio julgamento

do STF, extraem-se elementos que

demonstram que o corte de ponto não

pode ser praticado de forma

indiscriminada como orienta a circular

aqui em estudo, pois se por um lado o

artigo 7º diz que relações obrigacionais

do contrato de trabalho, entre as quais a

de pagar salários, durante o período de

greve devem ser regidas pelo acordo,

convenção, laudo arbitral ou decisão da

Justiça, por um outro lado, a decisão do

STF aponta que situações como o não

pagamento de salário ou outras

excepcionais são autorizativos para o não

corte do ponto.

Além disso, o corte do ponto, ou o

seu não corte, como decorre do texto do

artigo 7º da Lei 7.783/89 deve ser objeto

de negociação (acordo) e se esse

frustrar-se de decisão da Justiça (STJ em

meu entendimento). Há a possibilidade

das partes acordarem o pagamento de

salários durante a greve, caracterizando

interrupção do contrato de trabalho, e não

suspensão. Inexistindo acordo entre as

partes, caberá a Justiça decidir. Além

disso, somente se a greve for

considerada abusiva, os salários não

devem ser pagos. Nessa linha, tem -se

posicionado o Tribunal Superior do

Trabalho, em julgamentos proferidos em

greves do setor privado.

Assim, entende-se que somente

após a declaração pela Justiça da

abusividade e/ou ilegalidade do

movimento grevista se faz possível o

corte de ponto e/ou suspensão da

remuneração dos servidores.

Conquanto, mesmo assim para

que ele ocorra, tendo em vista os

princípios que regem à Administração

Pública, se faz necessária que sejam

observados os princípios do devido

processo legal, do contraditório e da

ampla defesa, com a instauração do

competente processo administrativo

(inteligência do art. 5°, inciso LV, da

Constituição Federal, assegura

12

expressamente o direito ao contraditório e

ampla defesa no processo administrativo).

Além disso, a Lei nº 8.112/90

(Regime Jurídico Único), através do art.

143, preceitua que "A autoridade que tiver

ciência de irregularidade no serviço

público é obrigada a promover a sua

apuração imediata, mediante sindicância

ou processo administrativo disciplinar,

assegurada ao acusado ampla defesa”.

Ademais, para aplicar punição

aos servidores com base em seu estatuto

(Lei 8.112/90, arts. 116, X, e 117, I), o

administrador público precisa,

necessariamente, apurar os fatos, para

que seja possível definir a tipificação

exata da suposta irregularidade praticada,

o que se dará mediante a instauração de,

no mínimo, uma sindicância interna.

Realizada esta, ainda segundo o que diz

a lei, poderá dela resultar, conforme o art.

145 daquele diploma: (a) o arquivamento

do processo; (b) advertência ou

suspensão por 30 dias; ou (c) a

instauração de processo administrativo-

disciplinar.

Nessa linha de raciocínio, mesmo

que se conclua que houve irregularidade

na conduta do profissional, as penas

identificadas pelo art. 127 do Estatuto do

Servidor Público não mencionam, em

qualquer dos incisos, a penalidade de

corte na remuneração do agente.

Some-se a isso a condição

imperativa de identificar individualmente

cada servidor, cada conduta e cada

penalidade a ser aplicada, de modo a

possibilitar a instauração do contraditório

e assegurar o constitucional exercício do

direito de defesa.

A suspensão da remuneração

dos servidores, caso ocorra, elevará a

Administração à condição arbitrária e

ilícita de definir bons e maus servidores, e

a aplicar a penalidade que bem lhe

aprouver, ainda que sem qualquer

amparo legal e sem assegurar aos

atingidos sequer o direito de defesa.

A ofensa ao princípio da

legalidade, desta forma, é flagrante,

restando proibida o corte de ponto na

forma orientada pela AGU.

Ademais, não se pode perder de

vista o teor do artigo 6º da Lei 7.783/89.

Ele estabelece, em seu parágrafo

segundo, ser vetado aos empregadores a

adoção de meios para constranger o

servidor ao comparecimento ao trabalho,

bem como capazes de frustrar a

divulgação do movimento.

Não há dúvidas que a adoção

indiscriminada do corte de ponto é

intimidar, é constranger aos servidores a

não aderirem ou a não mais participarem

da greve.

E assim sendo, o corte de ponto

na vigência do movimento grevista é uma

medida extrema e deve ser adotada com

reservas, em casos excepcionais, quando

frustrarem as negociações sobre o tema

e, ainda, houver declaração judicial de

ilegalidade do movimento paredista.

Deste modo, cortes do ponto

indiscriminados de servidores em greve, é

uma prática ilegal e abusiva, violando o

direito de greve dos servidores públicos

previsto na Constituição Federal e na Lei

nº 7783/1989, podendo, inclusive, em

resultar em responsabilidade pessoal dos

seus dirigentes.

Conclusão

Portanto, mesmo com uma

poderosa arma para lutar contra a

inoperância do Legislativo, o STF limitou-

se a utilizar o MI, com efeitos meramente

declaratórios, deixando o servidor público,

por exemplo, a mercê do legislador

ordinário para exercer o direito de greve.

Primeiro, porque em se tratando

de um instrumento jurídico novo, o MI

13

gerava questionamentos sobre o seu real

alcance. Segundo, porque tanto a

doutrina quanto a jurisprudência

dominantes apontavam para a

necessidade de comutação da norma

constitucional, já que essa era de eficácia

limitada. Ë bom, também, que a Lei

7.783/89, em seu art. 16 impedia a sua

aplicação à greve do serviço público,

diante das inúmeras peculiaridades que a

situação encerra. Por fim, regulamentar o

direito de greve não é função do judiciário

e, portanto, estar-se-ia ferindo a

separação dos poderes.

Todavia, a jurisprudência evoluiu

e conferiu ao MI caráter constitutive. Fez

valer a decisão não somente para o caso

concreto como modificou o texto da lei

para servir à situação não regulamentada.

Ao adaptar o texto da Lei

7.783/89, conferindo eficácia erga omnes,

o STF legislou e exorbitou de sua

competência.

É de bom alvitre ressaltar que, no

ímpeto de elaborar um novo texto legal,

no qual se tentou adequar a lei da

iniciativa privada à greve do servidor

público, algumas questões deixaram de

ser contempladas, gerando novos e

inquietantes debates.

Afinal de contas, são tantos os

projetos de lei tramitando no Congresso,

que diante de inúmeras greves,

inevitavelmente deflagradas, sem as

devidas balizas que a situação requer, em

breve, fatalmente, chegar-se-ia à

normatização adequada.

Por fim, mister se faz esclarecer

que, qualquer lei que venha a disciplinar o

direito de greve do servidor público não

deve tratá-lo como análogo ao direito de

greve da iniciativa privada. A situação não

é a mesma, nem tampouco as

consequências sofridas pela sociedade.

Outrossim, não se deve pensar que a

solução repousa em conferir tratamento

mais rígido e considerar todo serviço

público atividade essencial. É preciso,

preliminarmente, delimitar quem é o

servidor público, real legitimado à lei de

greve junto à Administração Pública. A

par disso, é fundamental harmonizar o

direito de greve conferido pelo constituinte

às peculiaridades do serviço público, esse

constituído de várias esferas que

reclamam distinção.

O tema em questão, apesar de

estar inserido no Direito Administrativo, o

estudo interdisciplinar com o Direito do

Trabalho contribui para se obter melhor

conhecimento do assunto e, assim,

alcançar a tão sonhada lei. Essa deverá

regular a matéria de maneira mais ou

menos rígida, mas nunca suprimir o

direito de greve do servidor publico.

14

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