ção-redução, freqüentemente não se tem a preocupação

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48 QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 22, NOVEMBRO 2005 Um estudo sobre oxidação enzimática A seção “Experimentação no ensino de Química” descreve experimentos cuja implementação e interpretação contribuem para a construção de conceitos científicos por parte dos alunos. Os materiais e reagentes usados são facilmente encontráveis, permitindo a realização dos experimentos em qualquer escola. Neste número a seção apresenta dois artigos. EXPERIMENTAÇÃO NO ENSINO DE QUÍMICA Recebido em 20/9/04, aceito em 23/5/05 N o ensino do conceito de meca- nismos de reações de oxida- ção-redução, freqüentemente não se tem a preocupação em asso- ciar os conteúdos das disciplinas do ensino em geral com fenômenos que podemos observar no cotidiano, mui- tas vezes esclarecedores, como o es- curecimento de tecidos vegetais e a sua preservação na presença de al- gumas substâncias antioxidantes e/ ou condições experimentais que per- mitem maior conservação dos mes- mos. As reações de oxi-redução envol- vem perda e ganho de elétrons, onde as espécies que ganham elétrons so- frem redução e as que perdem, so- frem oxidação. A Eq. (1) exemplifica um processo redox: (1) onde o cobre sofre oxidação, perden- do 2 elétrons que são transferidos ao oxigênio, que é então reduzido, for- mando óxido de cobre(II). O oxigênio é o agente oxidante da reação e o cobre, o agente redutor. O escurecimento de frutas, legu- mes, tubérculos, entre outros, é ini- ciado pela oxidação enzimática de compostos fenólicos naturais na pre- sença da enzima polifenol oxidase (PFO) e oxigênio molecular, formando quinona. As quinonas podem sofrer polimerização, formando pigmentos escuros insolúveis, denominados me- laninas, ou podem reagir não enzima- ticamente com outros compostos fenólicos, aminoácidos e proteínas, formando também as melaninas - Figura 1 (Araújo, 1995). A reação de poli- merização pode ocorrer por adição ou condensação, unindo as espécies chamadas mono- méricas, formando cadeias maiores, os polímeros. Simplifi- cadamente: monômeros:....+ A + A + A + .... polímero:...-(A-A-A)-.... No caso estudado do escureci- mento de frutas, a melanina é resul- tante do processo de polimerização das espécies monoméricas (por ex. quinonas). A reação de escurecimento em frutas, vegetais e sucos de frutas é um dos principais problemas na in- dústria de alimentos. Estima-se que em torno de 50% da perda de frutas tropicais no mundo é devida à enzima polifenol oxidase (Araújo, 1995). Enzimas como polifenol oxidases, pepsinas, peroxidases e invertase fi- caram conhecidas na metade do sé- culo 19. Em especial, a enzima polifenol ox- idase foi descoberta em 1895 por Bour- quelot e Bertrand, em grande quantidade em cogumelos, onde se verificou a ocor- rência da oxidação de certos compostos na presença de oxigênio molecular (Zawistowski et al., 1991). A PFO está presente em algumas bactérias e fungos, na maioria das plantas, em alguns artrópodes e ma- míferos. Em todos esses casos, a en- zima está associada com a pigmen- tação escura do organismo. Ela está presente especialmente, em concen- Lucinéia Cristina de Carvalho, Karina Omuro Lupetti e Orlando Fatibello-Filho A reação de escurecimento em frutas, vegetais e sucos de frutas é um dos principais problemas na indústria de alimentos. A ação da polifenol oxidase, enzima que provoca a oxidação dos compostos fenólicos naturais presentes nos alimentos, causa a formação de pigmentos escuros, freqüentemente acompanhados de mudanças indesejáveis na aparência e nas propriedades organolépticas do produto, resultando na diminuição da vida útil e do valor de mercado. Neste trabalho propõe- se um experimento didático para a observação do escurecimento de frutas e a prevenção da oxidação enzimática na presença de alguns agentes inibidores como ácido ascórbico e ácido cítrico. escurecimento de frutas, inibição enzimática, antioxidantes O escurecimento de frutas é iniciado pela oxidação enzimática de compostos fenólicos naturais na presença da enzima polifenol oxidase e oxigênio molecular, formando quinona

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QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 22, NOVEMBRO 2005Um estudo sobre oxidação enzimática

A seção “Experimentação no ensino de Química” descreve experimentos cuja implementação e interpretação contribuempara a construção de conceitos científicos por parte dos alunos. Os materiais e reagentes usados são facilmente encontráveis,permitindo a realização dos experimentos em qualquer escola. Neste número a seção apresenta dois artigos.

EXPERIMENTAÇÃO NO ENSINO DE QUÍMICA

Recebido em 20/9/04, aceito em 23/5/05

No ensino do conceito de meca-nismos de reações de oxida-ção-redução, freqüentemente

não se tem a preocupação em asso-ciar os conteúdos das disciplinas doensino em geral com fenômenos quepodemos observar no cotidiano, mui-tas vezes esclarecedores, como o es-curecimento de tecidos vegetais e asua preservação na presença de al-gumas substâncias antioxidantes e/ou condições experimentais que per-mitem maior conservação dos mes-mos.

As reações de oxi-redução envol-vem perda e ganho de elétrons, ondeas espécies que ganham elétrons so-frem redução e as que perdem, so-frem oxidação. A Eq. (1) exemplificaum processo redox:

(1)

onde o cobre sofre oxidação, perden-do 2 elétrons que são transferidos aooxigênio, que é então reduzido, for-mando óxido de cobre(II). O oxigênioé o agente oxidante da reação e ocobre, o agente redutor.

O escurecimento de frutas, legu-mes, tubérculos, entre outros, é ini-ciado pela oxidação enzimática decompostos fenólicos naturais na pre-sença da enzima polifenol oxidase(PFO) e oxigênio molecular, formandoquinona. As quinonas podem sofrerpolimerização, formando pigmentosescuros insolúveis, denominados me-laninas, ou podem reagir não enzima-ticamente com outros compostosfenólicos, aminoácidos e proteínas,formando também as melaninas -Figura 1 (Araújo, 1995).

A reação de poli-merização podeocorrer por adiçãoou condensação,unindo as espécieschamadas mono-méricas, formandocadeias maiores, ospolímeros. Simplifi-cadamente:

monômeros:....+ A + A + A + .... →polímero:...-(A-A-A)-....

No caso estudado do escureci-

mento de frutas, a melanina é resul-tante do processo de polimerizaçãodas espécies monoméricas (por ex.quinonas).

A reação de escurecimento emfrutas, vegetais e sucos de frutas éum dos principais problemas na in-dústria de alimentos. Estima-se queem torno de 50% da perda de frutastropicais no mundo é devida à enzimapolifenol oxidase (Araújo, 1995).

Enzimas como polifenol oxidases,pepsinas, peroxidases e invertase fi-caram conhecidas na metade do sé-

culo 19. Em especial,a enzima polifenol ox-idase foi descobertaem 1895 por Bour-quelot e Bertrand, emgrande quantidadeem cogumelos, ondese verificou a ocor-rência da oxidaçãode certos compostos

na presença de oxigênio molecular(Zawistowski et al., 1991).

A PFO está presente em algumasbactérias e fungos, na maioria dasplantas, em alguns artrópodes e ma-míferos. Em todos esses casos, a en-zima está associada com a pigmen-tação escura do organismo. Ela estápresente especialmente, em concen-

Lucinéia Cristina de Carvalho, Karina Omuro Lupetti e Orlando Fatibello-Filho

A reação de escurecimento em frutas, vegetais e sucos de frutas é um dos principais problemas na indústria de alimentos.A ação da polifenol oxidase, enzima que provoca a oxidação dos compostos fenólicos naturais presentes nos alimentos,causa a formação de pigmentos escuros, freqüentemente acompanhados de mudanças indesejáveis na aparência e naspropriedades organolépticas do produto, resultando na diminuição da vida útil e do valor de mercado. Neste trabalho propõe-se um experimento didático para a observação do escurecimento de frutas e a prevenção da oxidação enzimática na presençade alguns agentes inibidores como ácido ascórbico e ácido cítrico.

escurecimento de frutas, inibição enzimática, antioxidantes

O escurecimento de frutasé iniciado pela oxidaçãoenzimática de compostos

fenólicos naturais napresença da enzimapolifenol oxidase eoxigênio molecular,formando quinona

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trações altas, em cogumelos, batata,pêssego, maçã, banana, manga,abacate, folhas de chá e café (Araújo,1995).

Várias maneiras de inibição dapolifenol oxidase são conhecidas.Essa inibição é desejável e muitas ve-zes necessária para evitar o apareci-mento de sabor desagradável e toxi-dez, como também por questõeseconômicas. Três componentes de-vem estar presentes para que a rea-ção de escurecimento enzimáticoocorra: enzima, substrato e oxigênio.No caso de ausência ou bloqueio daparticipação de um destes na reação(seja por agentes redutores, diminui-ção de temperatura ou abaixamentode pH), a velocidade de reação dimi-nui significativamente. Sendo o escu-recimento enzimático uma reaçãooxidativa, ele pode ser retardado utili-zando-se agentes químicos que se-jam capazes de bloquear a reação.Essas substâncias atuam diretamen-te sobre a enzima ou sobre os inter-mediários da reação de formação dopigmento - Figura 1 (Araújo, 1995).

A utilização de substâncias ácidasem tecidos vegetais é uma outra for-ma de inibiçãodessa reação. Osácidos que são nor-malmente utilizadosestão entre aquelesde ocorrência natu-ral, como cítrico, as-córbico e málico. Em geral, sua açãodá-se pelo abaixamento do pH dotecido, diminuindo assim a veloci-dade da reação de escurecimento.O pH ótimo de atuação da PFO estáentre 6 e 7, e abaixo de 3 não há ne-nhuma atividade enzimática. A vita-mina C (ácido ascórbico) é utilizadapara a prevenção do escurecimentoem frutas e vegetais, pois na presen-

ça desse ácido, os compostos dotipo o-quinona são reduzidos para aforma fenólica (Figura 1).

Assim, o objetivo deste trabalhofoi desenvolver um método simplese didático para demonstrar o escu-recimento de frutas causado pelaação enzimática e a utilização de áci-dos cítrico e ascórbico para preven-ção desse escurecimento.

Material e reagentesPara este estudo foram utilizadas

banana nanica (Musa ssp), maçã(Malus sp) e pêra (Pyrus communis).Foram também utilizados pratos, con-ta-gotas, faca e copos descartáveis.Os reagentes utilizados na prevençãodo escurecimento foram suco de umlimão Taiti e vitamina C (por ex. Redo-xon®). Tanto o material como os rea-gentes empregados são de fácil aqui-sição e de baixo custo.

ProcedimentoPrimeiramente, dividiu-se a turma

de 15 alunos do Ensino Médio em trêsgrupos de cinco para melhor realiza-ção da atividade proposta.

A solução de vitamina C (ácido as-córbico) foi prepa-rada dissolvendo-seuma pastilha (1 g devitamina C) em 40 mLde água.

O suco de limãofoi preparado com um

limão Taiti puro, ou seja, sem água.As frutas foram lavadas e secas.

Em seguida, cortaram-se três fatiasde cada fruta de mais ou menos 5 mmde espessura e estas foram coloca-das nos pratos. Em uma das fatiasde cada fruta, não se adicionou ne-nhuma solução, ficando esta comoparâmetro de comparação para oescurecimento enzimático. Às outras

duas fatias, foi adicionado com umconta-gotas o suco de limão ou asolução de vitamina C (até o totalrecobrimento da superfície), respec-tivamente. Aguardou-se aproximada-mente 20 minutos para a observaçãodo fenômeno de escurecimento.

Durante o tempo de espera, osalunos foram questionados sobre oque aconteceria e também esclareci-das algumas dúvidas sobre o assuntoabordado.

Em seguida, explicou-se o proces-so de inibição enzimática ocorridonas fatias das frutas contendo sucode limão e vitamina C e o escureci-mento enzimático ocorrido na fatiasem as soluções dos antioxidantes.

O estudo foi realizado duranteuma aula de 50 minutos.

Questões para discussãoApós o procedimento experimen-

tal foi aplicado o seguinte questionáriocontendo perguntas sobre o assuntoabordado:

1. Onde a enzima PFO pode serencontrada?

2. Quando e como ocorre o escu-recimento?

3. Existem maneiras de se retardaro escurecimento nos alimentos? Seexistirem, cite-as.

4. Quais as vantagens e as des-vantagens de se utilizar antioxidantes(ou conservantes) nos alimentos?

*5. Por que, nas saladas de frutas,a banana e a maçã não escurecemtão rapidamente como acontecequando expostas ao ar?

*6. Dê possíveis razões para o fatodo tomate, da vagem e do pepino nãoescurecerem quando cortados e ex-postos ao ar.

*As perguntas 5 e 6 são suges-tões para aplicação de novos ques-tionários, não tendo sido abordadasnessa aula prática.

Resultados e discussãoPôde-se observar após os 20 mi-

nutos de espera que as fatias dos fru-tos sem as soluções de suco de li-mão ou vitamina C ficaram escureci-das devido à atuação da enzima poli-fenol oxidase na presença do oxigê-nio atmosférico. As fatias recobertas

Figura 1: Reação de oxidação de compostos fenólicos catalisada pela polifenol oxi-dase.

Três componentes devemestar presentes para que areação de escurecimento

enzimático ocorra: enzima,substrato e oxigênio

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com as soluções dos antioxidantespermaneceram com a coloraçãoinalterada como pode ser observadona Figura 2.

Os alunos mostraram-se bastanteinteressados e receptivos com rela-ção ao experimento. Com relação aoquestionário aplicado, a Tabela 1apresenta as porcentagens de acer-tos de cada questão abordada,observando-se que houve um bomentendimento com relação à origemda enzima, às maneiras de se retar-dar o escurecimento enzimático e àsvantagens de se utilizar agentesantioxidantes.

Considerações finaisApesar de vários trabalhos publi-

cados salientarem a fundamentalimportância das atividades experi-mentais no ensino de Química,pode-se constatar que a grandemaioria dos professores não asoportunizam a seus alunos (Pimen-tel e Chaves, 1997). A maioria delesrelata que não as fazem por falta de

ReferênciasARAÚJO, M.A. Química de alimentos.

Teoria e prática. Viçosa: Imprensa Uni-versitária da Universidade Federal deViçosa, 1995. p. 247.

PIMENTEL, N.L. e CHAVES, M.H.O.Uma proposta metodológica para o en-sino de ácidos e bases numa aborda-gem problematizadora. Atas do I Encon-tro Nacional de Pesquisa em Ensino deCiências (I ENPEC). Águas de Lindóia,1997. p. 374-385.

ZAWISTOWSKI, J.; BILIADERIS, C.G.

Abstract: A Study on the Enzymatic Oxidation and the Avoidance of Fruit Browning for High-School Teaching – The browning reaction in fruits, vegetables and fruit juices is one of the main problemsin the food industry. The action of polyphenol oxidase, enzyme that causes the oxidation of natural phenolic compounds present in food, leads to the formation of dark pigments, commonlyaccompanied by undesirable changes in the appearance and the organoleptic properties of the product, resulting in the decrease of its shelf life and market value. In this paper a didactic experimenton the observation of fruit browning and the avoidance of enzymatic oxidation by some inhibitor agents like ascorbic acid and citric acid is proposed.Keywords: fruit browning, enzymatic inhibition, antioxidants

Tabela 1: Porcentagens de acerto de cadaquestão abordada.

Pergunta Acerto / %

1 100

2 50

3 92

4 100(V) 10(D)*

*(V) são as vantagens e (D) as desvan-tagens.

Figura 2: Fotos das frutas maçã,pêra e banana após 20 minutosde oxidação enzimática na ausên-cia (a) e presença de antioxidan-tes ácido ascórbico (b) e ácidocítrico (c).

e ESKIN, N.A.M. Polyphenol oxidases.Em: ROBISON, D.S. e ESKIN, N.A.M.(Eds.). Oxidative enzymes in foods.Winnipeg: Elsevier, 1991. p. 217-273.

Para saber maisLEHNINGER, A.L. Princípios de Bio-

química. 2a ed. Trad. W.R. Loodi e A.A.Simões. São Paulo: Savier, 1986. p. 154.

LUPETTI, K.O. Utilização da polifenol oxi-dase e peroxidase de tecidos vegetais emprocedimentos analíticos de interesse far-macêutico. Dissertação de Mestrado. São

Carlos, UFSCar, 2000. p. 5-14 e 36-42.LUPETTI, K.O.; CARVALHO, L.C.;

MOURA, A.F. e FATIBELLO-FILHO, O.Análise de imagem em Química Analítica:Empregando metodologias simples e di-dáticas para entender e prevenir o escu-recimento de tecidos vegetais. QuímicaNova, v. 28, p. 548-554, 2005.

Na Internethttp://www.sbq.org.br/dcurriculares/

mec/conteudos.htmwww.mec.gov.br

laboratório e/ou por faltade reagentes. Porém, mui-tas práticas podem ser rea-lizadas até mesmo em salade aula e reagentes podemser substituídos por produ-tos encontrados em casaou comprados no comér-cio local. Alguns conceitosmuitas vezes não abor-dados em sala de aulapoderiam ser ensinadosobtendo uma boa recep-t iv idade, uma vez quefazem parte do cotidianodo aluno, como foi de-monstrado neste experi-mento.

Lucinéia Crist ina de Carvalho(lucineiacristina@ yahoo.com.br) él icenciada em Química pelaUniversidade Federal de São Carlos(UFSCar). Karina Omuro Lupetti(kar inalupett [email protected]) ébacharel em Química, mestre edoutora em Química Analítica pelaUFSCar. Orlando Fatibello-Filho([email protected]), licenciado emQuímica pela UFSCar, mestre emFísico-Química e doutor em QuímicaAnalítica pela USP, é docente doDepartamento de Química daUFSCar.