Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro - viex-americas.com do Direito Ambiental... · Direito...

25
Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro Compêndio 2013

Transcript of Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro - viex-americas.com do Direito Ambiental... · Direito...

Page 1: Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro - viex-americas.com do Direito Ambiental... · Direito Ambiental Brasileiro Rodrigo Sucesso Diretor Divisão de Meio Amebiente VIEX Américas

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

Compêndio 2013

Page 2: Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro - viex-americas.com do Direito Ambiental... · Direito Ambiental Brasileiro Rodrigo Sucesso Diretor Divisão de Meio Amebiente VIEX Américas

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

Rodrigo Sucesso Diretor Divisão de Meio Amebiente

VIEX Américas

A Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro é uma iniciativa que visa catalizar o conhecimento dos mais importantes atores envolvidos com a temática ambiental nacional.O encontro anual representa a conclusão dos pensamentos jurídicos sobre os acontecimentos do ano que se encerra e uma análise profissional das mudanças regulatórias e conjunturais que podem influenciar investimentos e resultados de empresas. Neste compêndio você encontrará algumas amostras dos pensamentos e conclusões daqueles que contribuem para a construção do direito ambiental brasileiro e de um ambiente jurídico propício ao desenvolvimento sustentável da economia e da sociedade.Essas inestimáveis contribuições são fruto do empenho e da generosidade dos conselheiros e oradores que dedicaram seu tempo, conhecimento e rede de relacionamentos para que esta iniciativa se tornasse realidade.

Rodrigo Sucesso

Seja bem-vindo

Faça parte desta Cúpula

Visitewww.cupuladodireito.com.br

e participe de um privilegaido fórum digital de debates sobre as diversas vertentes do direito ambiental brasileiro.

Page 3: Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro - viex-americas.com do Direito Ambiental... · Direito Ambiental Brasileiro Rodrigo Sucesso Diretor Divisão de Meio Amebiente VIEX Américas

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

Conselho Consultivo

Agradecimentos

Werner Grau Neto Alexandre SionAna Luci Grizzi

Andréa VulcanisBruno Sabbag Carlos UmiltaDiane RangelÉdis Milaré

Gabriele TusaKaren Alvarenga de Oliveira

Lina Pimentel Garcia

Marcelo FeitosaMarco Antônio Fujihara Maurício Moura Costa Mauro O’ de Almeida

Nelson BugalhoOlavo Vianna

Rômulo Alexandre SoaresSimone Nogueira

Walter José Senise Warwick Manfrinato

Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, Ministério do Meio Ambiente, Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, Secretaria do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos do Estado de Goiás, Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado do Espírito Santo, Tribunal Regional Federal, CETESB, Natura, BVRio, Philips do Brasil, Pinheiro Neto Advogados, Siqueira Castro Advogados, Milaré Advogados, Ludovino Lopes Advogados, Key Associados, Mattos Filho Advogados, MLVV Advogados, Veirano Advogados, Plant Inteligência Ambiental, MMK Advogados, Ferrous Resources do Brasil, Albuquerque Pinto Advogados, Sion Advogados, abinee, Instituto Ethos, Prefeitos e Gestões, Sociedade Rural Brasileira, ABRAMPA, AIDIS, abema, Câmara de Comércio Brasil-Alemanha SP/RJ, ABCE, idesam, envolverde e Guia das Cidades Digitais.

Page 4: Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro - viex-americas.com do Direito Ambiental... · Direito Ambiental Brasileiro Rodrigo Sucesso Diretor Divisão de Meio Amebiente VIEX Américas

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

4

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

O Brasil enfrenta, hodiernamente, grandes desafios para a continuidade de seu crescimento, desafios esses que se apresentam de forma paradoxal.

Por um lado, o Poder Público se vê às voltas com a necessidade preemente de se manterem os níveis de crescimento econômico, empregabilidade e desenvolvimento tecnológico, de outro lado, o mesmo Poder Público, por órgãos diversos e em decorrência de uma cultura belicosa instaurada desde as Ordenações, transforma qualquer investimento em setores relevantes da economia em “cavalo de batalha”, transformando em litígios assuntos que poderiam se resolver pelo bom senso e a razoabilidade.

Neste ambiente, os Administradores Públicos acabam por se ver em uma situação similar à de Dâmocles: por um lado, detêm o poder para dar seguimento a empreendimentos de relevo e de grande importância, de outro lado, têm os órgãos de fiscalização e controle, sempre a ameaçá-los com a perspectiva de responsabilização ambiental e mesmo criminal por danos que se verifiquem em tais empreendimentos.

São exatamente esses os pontos a serem abordados neste artigo.

I – Da judicialização dos processos de licenciamento

Antes de se abordar a questão da judicialização dos procedimentos de licenciamento ambiental, impõe-se apresentar os fundamentos jurídico-positivos do instituto, bem como seu conceito, construído doutrinariamente.

O fundamento primário do Licenciamento Ambiental encontra-se positivado no art. 225, §1º, incisos III, IV, VI e VII, E §§2° e 6°, da Constituição Federal:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

(...)

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

(...)

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

(...)

§ 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.

(...)

§ 6º - As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.

Destaque-se que o art. 225 cumulado com o art. 5º, § 2º, da Constituição da República, alçou o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado ao direito fundamental do indivíduo e da coletividade. Em contrapartida, deu ao Estado a prerrogativa de proteger o meio ambiente, concretizando-se, assim, o paradoxo entre o direito e o dever, também tratado como a dupla funcionalidade da proteção ambiental pela doutrina1.

A legislação infraconstitucional, por seu turno, consigna um dos fundamentos infraconstitucionais do instituto do licenciamento, que por ser compatível

Licenciamento Ambiental: a judicialização dos processos e a posição dos Administradores

Alexandre Oheb SionAdvogado com formação em Direito e Administração de Empresas, Mestre em Direito Internacional Comercial (L.LM) pela Universidade da Califórnia, Estados Unidos. Especialista em Direito Constitucional. Pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil (FGV).

Profissional com sólida experiência no apoio à implantação e operação de grandes empreendimentos de infraestrutura no Brasil.

Foi advogado interno (2001 a 2011) da Vale, MMX e Anglo American, tendo ocupado nestas duas últimas empresas funções executivas na área jurídica. Nos últimos anos foi o Head do Jurídico Regulatório do grupo Anglo American no Brasil, respondendo por Meio Ambiente, Mineração, Ferrovia, Porto e Energia.

Presidente da Comissão de Direito de Infraestrutura da OAB/MG.

Coordenador do Grupo de Trabalho Jurídico do Sindiextra – Sindicato da Indústria Mineral do Estado de MG.

Membro das Comissões de Direito Minerário e Direito de Energia da OAB/MG.

Membro da Comissão de Empresários para o Meio Ambiente da FIEMG (2010-2012).

Membro da Comissão de Advocacia Corporativa da OAB/MG (2010-2012).

Membro da Comissão Jurídica do Ibram – Instituto Brasileiro de Mineração.

Professor universitário de Direito Ambiental em cursos de Graduação e Pós-Graduação desde 2004. Palestrante atuante em diversas capitais e autor de uma variedade de artigos jurídicos.

Sócio-fundador do Sion Advogados. [email protected]

Por Alexandre Sion, Giovanni Peluci e Maria Carolina Faria Dutra

1 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER,Tiago. Direito Ambiental: fundamentos do direito ambiental. Édis Milaré, Paulo Affonso Leme Machado organi-zadores. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2011. Coleção doutrinas essenciais, v. 1. p. 866.

Page 5: Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro - viex-americas.com do Direito Ambiental... · Direito Ambiental Brasileiro Rodrigo Sucesso Diretor Divisão de Meio Amebiente VIEX Américas

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

5

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

com a novel Constituição Federal, foi recepcionado, mantendo-se hígido o fundamento legal definido no art. 2º, da Lei 6.938/81:

Art. 2º. A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios:

I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo;

II - racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar;

III - planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais;

IV - proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas;

V - controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras;

VI - incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos ambientais;

VII - acompanhamento do estado da qualidade ambiental;

VIII - recuperação de áreas degradadas;

IX - proteção de áreas ameaçadas de degradação;

X - educação ambiental a todos os níveis do ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente.

Com fulcro no arcabouço normativo demonstrado, a Resolução CONAMA n° 237/1997 definiu o Licenciamento Ambiental no seu art. 1°, Inciso I:

Art. 1º - Para efeito desta Resolução são adotadas as seguintes definições:

I - Licenciamento Ambiental: procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso.(...)

Por fim, e com vistas a fixar em definitivo o conceito de Licenciamento Ambiental, a Lei Complementar n° 140 de 08 de dezembro de 2011 o definiu em seu art. 2°, inciso I:

Art. 2° Para os fins desta Lei Complementar, consideram-se:

I - licenciamento ambiental: o procedimento administrativo destinado a licenciar atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental;(...)

Fixado o conceito positivado pelo Legislador, e sem adentrar de forma profunda na celeuma atinente ao exercício da competência (atribuição) para

o licenciamento, pode-se afirmar que a Lei Complementar n° 140/2011 adotou o mesmo critério constitucionalmente adotado pela Constituição Federal para o estabelecimento das Competências Legislativas, qual seja, o critério do interesse.

Assim, estabelece-se, via de regra, que os licenciamentos que envolvam interesses de mais de um Estado ou que de qualquer forma interessem à nação inserem-se na competência licenciadora da União; os licenciamentos que envolvam os interesses de um Estado ou de algumas regiões de um Estado inserem-se na competência licenciadora do Estado respectivo, e, por fim, os licenciamentos de interesse local inserem-se na competência licenciadora dos Municípios. O estabelecimento dessa divisão de atribuições contribuiu para a minimização de problemas que sempre afligiram todos aqueles que militam na seara do Direito Ambiental, uma vez que como não havia lei, até a publicação da Lei Complementar n° 140/2011, a divisão das atribuições para o licenciamento vinha regulada pela Resolução CONAMA n° 237 de 1997, que trazia consigo a pecha de não se constituir lei.

Nada obstante a solução desse problema de atribuições, ainda hoje nos vemos à volta com um problema cultural em nossa praxe jurídica.

O Brasil e os operadores do Direito aqui formados e que aqui militam trazem consigo uma cultura do conflito, atuando, na maior parte das vezes com a subversão de um ditado comum: é melhor uma boa demanda que qualquer espécie de acordo.

Destaque-se que, no Brasil, os empreendedores sofrem o combate, por vezes desarrazoado, outras, desproporcional, de entes públicos (Ministério Público, Órgãos de Fiscalização) e/ou privados (ONG’s), quando pretendem obter autorizações e/ou licenças que os habilitem ao desenvolvimento de atividades que gerem maior ou menor impacto ao meio ambiente.

Frise-se que, em regra, é praticamente impossível o desenvolvimento de algumas atividades econômicas sem impactos significativos ao meio ambiente. É o caso das grandes obras de infraestrutura, necessárias a um número extenso de atividades econômicas.

A ocorrência desses impactos ambientais é previamente ponderada pelo nosso ordenamento, ao reconhecer, por primeiro, a necessidade do desenvolvimento de determinadas atividades econômicas – o que faz ao autorizá-las, desde que observados e atendidos certos requisitos – e, de outro lado, estabelece como contrapartida o dever de os empreendedores atuarem de forma a mitigar os impactos ambientais, bem assim a compensá-los, na medida estabelecida em lei.

Não obstante tenha o ordenamento pátrio, no que concerne às atividades que impactam o meio ambiente, estabelecido um arcabouço suficiente à tutela dos interesses difusos em jogo, é comum que alguns dos órgãos públicos dotados de atribuição específica para a tutela do meio ambiente optem por levar a questão “Licenciamento” à apreciação do Poder Judiciário, na tentativa de, por meio de interpretações, por vezes, desfocadas, inovar o regramento relativo ao procedimento de licenciamento, criando e/ou impondo obrigações que não encontram fundamento na disciplina ambiental pátria.

Essa cultura, por si só é prejudicial ao desenvolvimento econômico do País e ao bom atendimento dos interesses públicos, haja vista exacerbar de forma incompreensível as posições que, se por um lado se mostram aparentemente

Licenciamento Ambiental: a judicialização dos processos e a posição dos Administradores

Page 6: Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro - viex-americas.com do Direito Ambiental... · Direito Ambiental Brasileiro Rodrigo Sucesso Diretor Divisão de Meio Amebiente VIEX Américas

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

6

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

(ao observar despretensioso) antagônicas (Ministério Público, Órgãos de Fiscalização, ONG’s x Empreendedor), têm o mesmo objetivo: que os interesses públicos sejam atendidos.

E essa cultura de enfrentamento do conflito, vem sendo, historicamente, adotada como regra pelos entes públicos e privados vinculados à tutela do meio ambiente.

Esse posicionamento belicoso acabou sendo fortalecido pelas nossas leis de processo, que influenciadas pelas ideias de Mauro Cappelletti e Bryant Garth, estabeleceram instrumentos de tutela coletiva dos interesses ambientais. O exemplo mais significante no que concerne à tutela coletiva do Direito Ambiental é a criação do microssistema de tutela coletiva implementada pelas Leis 7.347/852 e 8.078/903.

Ademais, o próprio Código de Processo Civil sofreu alterações para contemplar, de forma positiva, a possibilidade da utilização de tutelas inibitórias, com a modificação do §4º do art. 461, trazida pela Lei 8.952/94.

Abriram-se, destarte, dois caminhos para a judicialização dos procedimentos de licenciamento, haja vista que, ao Ministério Público, aos entes públicos e a alguns entes privados4, abriu-se a larga porta das ações coletivas, em específico, a se considerar a configuração do direito ao meio ambiente hígido (Art. 225, CF/88) como um direito difuso.

Outrossim, a criação de mecanismos de efetividade do processo, bem assim a consagração das tutelas inibitórias e de remoção do ilícito também no âmbito do processo civil clássico armaram as instituições privadas (ONG’s) de mecanismos suficientemente hábeis a levar os procedimentos de licenciamento, ainda que sem a intervenção dos órgãos públicos legitimados à propositura das ações coletivas, às esferas judiciais.

Restou, criado, portanto, o arcabouço técnico-normativo que a priori foi pensado como instrumento de Acesso à Justiça, que atuaria como facilitador da tutela não apenas do patrimônio público, mas do meio ambiente, assegurando assim a efetivação do direito fundamental ao meio ambiente sadio e equilibrado, conforme preconiza o art. 225 da Constituição Federal.

Ocorre que este mesmo arcabouço normativo, que tem efeitos sumamente benéficos se considerarmos a necessidade de instrumentos de tutela específica de direitos massificados, é, algumas vezes, utilizado de forma distorcida, fazendo com que procedimentos de licenciamento que deveriam seguir a celeridade esperada para a viabilidade de empreendimentos de cunho econômico e efetivo retorno à Sociedade através da geração de riqueza e bem-estar social, sejam inseridos na espiral morosa na qual nossos Tribunais se veem imersos.

Este mau uso do instrumento culmina em consequências nefastas. Um dos usos indevidos que muitas vezes se observa se refere aos Termos de Ajustamento de Conduta, que, inúmeras vezes, são utilizados como mecanismos de “pressão” sobre os empreendedores, distorcendo-se a finalidade para a qual o instituto foi pensado, a começar pela denominação que se dá usualmente ao documento.

O § 6° do art. 5° da Lei 7.347/85 assevera que os “órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais(...).”

Note-se que a lei, ao utilizar a terminologia Compromisso, deixa claro que se trata de instrumento que deve reduzir a escrito o acordo entre duas partes, no qual se assume um compromisso de agir de uma ou outra forma a fim de adequar determinadas condutas à lei. Não há que se falar em “Termo”, que se traduz em terminologia que denota uma imposição, como se houvesse uma culpa a ser confessada e faltas a serem expurgadas. Ademais, repise-se o que é decorrência do próprio texto da lei: a responsabilidade pela recuperação de danos causados prescinde de culpa (Art. 14, Lei 6.938/81), é objetiva, não havendo que se falar em “confissão de culpa”, nem tampouco ajustamento de conduta pretensamente inadequada.

Assim, o Compromisso de Ajustamento da Conduta deve representar o encontro das vontades do Poder Público e do Empreendedor em ver sanado o eventual prejuízo acarretado ou que se presuma possa vir a ser causado, estabelecendo as condições objetivas em que tal recuperação se fará.

Há que se pontuar, que conquanto seja necessária a existência de mecanismos de tutela processual dos direitos ambientais, tais mecanismos devem ser manejados com razoabilidade, ponderando-se os diversos interesses em jogo em cada empreendimento que se pretende levar a efeito (empregos, bem-estar social, impactos ambientais, desenvolvimento econômico).

Emblemáticos, neste sentido, foram os comentários feitos pela Presidente Dilma Roussef ao comentar os indicativos de paralisação de obras feitos recentemente pelo Tribunal de Contas da União. Segundo reportagem da Folha de São Paulo, a Presidente foi enfática ao dizer que é um absurdo a paralisação de obras no Brasil, porque depois de paralisada a obra ninguém repara o custo. Se houve algum erro por parte de algum agente que optou por promover a paralisação, não haverá quem repare5.

A estigmatização dessa cultura de judicialização dos procedimentos de licenciamento ambiental afastam e desestimulam os investidores, desaceleram o mercado e podem causar prejuízos imensuráveis aos empreendedores que investem valores bilionários para a implantação da sua atividade.

Entende-se, nesta perspectiva, que muito mais adequado e produtivo que a judicialização dos procedimentos de licenciamento, seria o estabelecimento de canais efetivos de diálogo que tornem possível a interlocução entre os diversos envolvidos, chegando a acordos (reais) que possam assegurar o pleno desenvolvimento econômico do País, sem desconsiderar a sua sustentabilidade sob uma perspectiva da tutela ambiental.

II – Responsabilização dos Agentes Públicos responsáveis pela concessão de licenciamento como elemento dificultador do licenciamento

Considerando-se a submissão do Poder Público aos princípios constitucionais consignados no art. 37 da Constituição Federal, há que se concordar que os Agentes Públicos – cidadãos que, obedecidos os critérios legais de investidura,

2 Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e dá outras providências. 3 Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. 4 Empresas públicas, Sociedades de Economia Mista e Associações, conforme o art. 5º, incisos IV e V da Lei 7.347/85. 5 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/11/1368536-dilma-rebate-tcu-e-afirma-que-e-absurdo-paralisar-obras.shtml. Acesso em 14/11/2013. 6 GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 9 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004.

Licenciamento Ambiental: a judicialização dos processos e a posição dos Administradores

Page 7: Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro - viex-americas.com do Direito Ambiental... · Direito Ambiental Brasileiro Rodrigo Sucesso Diretor Divisão de Meio Amebiente VIEX Américas

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

7

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

concretizam a vontade do Estado – a eles devem obediência.

Os cinco princípios fundamentais (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência) são plenamente aplicáveis neste contexto, contudo, interessa-nos na exposição do tema aqui proposto, analisar o princípio da legalidade.

Segundo o princípio a Administração Pública e, por consequência, seus agentes têm sua atuação atrelada ao quanto disposto em lei, o que significa dizer que “qualquer ação estatal sem o correspondente calço legal, ou que exceda ao âmbito demarcado pela lei, é injurídica e expõe-se à anulação”6.

Assim, sendo ilegal a atuação, consequência automática é a responsabilização dos Agentes Públicos que tenham atuado em desconformidade com a lei.

Este o contexto jurídico no qual se insere a atuação dos Agentes Públicos que, sobre serem assoberbados com inúmeras atribuições, devem cuidar para atuar em conformidade com a legislação vigente no País. Essa observância ao arcabouço normativo nacional se mostra uma tarefa árdua, na medida em que a sanha legislativa do próprio Poder Público é responsável por uma inflação legislativa que torna humanamente impossível o conhecimento de todas as leis.

O licenciamento ambiental se insere entre as atribuições dos Agentes Públicos, que sob o regime jurídico de direito público são encarregados de analise de laudos, estudos ambientais, documentos e relatórios a fim de conceder ou não licença aos empreendedores para o desenvolvimento de suas atividades.

Neste processo, as pressões sofridas pelos Agentes Públicos vêm de todos os flancos: empreendedores querem a liberação rápida dos licenciamentos; as comunidades afetadas cobram posições do Poder Público e o estabelecimento de medidas que as beneficiem; e, por fim, o Ministério Público exige a atuação com perfeição e conhecimento profundo de uma legislação, como já dito, que sofre inflação constante.

Além dessa pressão absurda, deve-se registrar que a atuação dos Agentes Públicos no licenciamento de atividades esbarra na falta de estrutura técnica dos órgãos de licenciamento, que inúmeras vezes se veem às voltas com a análise de pedidos de licenças e/ou autorizações que demandariam um conhecimento técnico-profissional de que não dispõem, não tendo sequer estruturas de apoio que os possam secundar nesta tarefa.

Como se vê, longe de atuarem em um ambiente ideal, os Agentes Públicos responsáveis pelo licenciamento de atividades atuam sob pressão constante, decorrente de diversos fatores, mantendo-se em situação permanente de alerta.

Note-se que ao menor deslize esses Agentes Públicos podem ter sua vida completamente desestruturada, uma vez que podem sofrer responsabilização pelo licenciamento que concedam em três âmbitos: administrativo (cujas sanções podem chegar à demissão), civil (pagamento de indenizações por vezes exorbitantes) e penal (Lei 9.605/98).

A responsabilização no âmbito penal é a que mais causa espécie, haja vista que o tipo penal consignado na Lei 9.605/98, em seu art. 677 (concessão de

licença, autorização ou permissão em desacordo com as normas ambientais) admite a responsabilização em caso de culpa do agente.

Em poucas letras, isso significa que o Agente Público tem a obrigação de conhecer profundamente a estrutura normativa relacionada ao licenciamento de forma integral, não havendo a possibilidade de alegar que uma portaria, por mais obscura que seja, não era de seu conhecimento, na medida em que o tipo se refere à concessão de licença em desacordo com as normas ambientais, conceito esse que é de uma amplitude absurda e faz comum, na prática ambiental do Brasil, criação de procedimentos e/ou obrigações por meio de portarias e/ou instruções, sem o menor constrangimento com a inconstitucionalidade de que são eivadas.

Um dos pontos cuja mudança é fundamental para o alívio da carga que pende sobre os ombros dos Agente Públicos é o parágrafo único do artigo 67 da Lei 9.605/98. O dispositivo tipifica a conduta, ainda que culposa, de conceder licença, autorização ou permissão em desacordo com as normas ambientais, para as atividades, obras ou serviços cuja realização dependa de autorização do Poder Público.

É desarrazoado imputar pena ao Agente Público que, culposamente conceda licença em desacordo com as normas ambientais, ainda mais se considerarmos a inflação legislativa que acomete nosso Poder Legislativo, bem assim o exercício intenso de um poder normativo pelos órgãos de fiscalização ambiental que, muitas vezes, não tem qualquer fundamento, fatores que falam contra a presunção absoluta de conhecimento das leis.

A tipificação da conduta culposa de concessão de licença em desconformidade com a legislação importa em violação do princípio da intervenção mínima, haja vista que o direito penal é medida de ultima ratio, só devendo atuar quando os demais ramos do direito não forem suficientes à disciplina social.

Ora, toda essa carga sobre os ombros dos Agentes Públicos responsáveis pelo licenciamento em nada contribui para a otimização dos processos de licenciamento, fazendo com que tais processos tenham um curso lento, atrasando investimentos e prejudicando o desenvolvimento de atividades que são de importância capital para um país no estágio de desenvolvimento em que o Brasil se encontra.

III – Conclusão

Em conclusão, há que se concordar que o estabelecimento de canais efetivos de diálogo que tornem possível a interlocução entre os diversos envolvidos no licenciamento é muito mais adequado e produtivo que a judicialização dos procedimentos de licenciamento. Desta forma, asseguraremos o pleno desenvolvimento econômico do País, sem desconsiderar a sua sustentabilidade sob uma perspectiva da tutela ambiental.

Ademais, há que se estruturar uma forma de reduzir a carga que pende sobre os ombros dos Agentes Públicos responsáveis pelo licenciamento, na medida em que não representa nenhuma contribuição positiva para a otimização desses processos. Assim, seria possível imprimir uma maior celeridade aos procedimentos de licenciamento, permitindo a expansão das atividades que são

7 Art. 67. Conceder o funcionário público licença, autorização ou permissão em desacordo com as normas ambientais, para as atividades, obras ou serviços cuja realização depende de ato autorizativo do Poder Público:Pena - detenção, de um a três anos, e multa.Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de três meses a um ano de detenção, sem prejuízo da multa.

Licenciamento Ambiental: a judicialização dos processos e a posição dos Administradores

Page 8: Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro - viex-americas.com do Direito Ambiental... · Direito Ambiental Brasileiro Rodrigo Sucesso Diretor Divisão de Meio Amebiente VIEX Américas

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

8

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

de importância capital para um país no estágio de desenvolvimento em que o Brasil se encontra, sem descurar da necessidade de cuidados com o meio ambiente.

Por fim, considerando a necessidade de redução da carga que pende sobre os Agentes Públicos responsáveis pelo licenciamento, impõe-se a revogação do parágrafo único do art. 67 da Lei 9.605/98. Isso porque há clara violação do princípio da intervenção mínima, de forma a se assegurar aos Agentes Públicos um ambiente mais equilibrado no qual possam desenvolver suas atividades e atribuições no licenciamento.

Licenciamento Ambiental: a judicialização dos processos e a posição dos Administradores

Page 9: Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro - viex-americas.com do Direito Ambiental... · Direito Ambiental Brasileiro Rodrigo Sucesso Diretor Divisão de Meio Amebiente VIEX Américas

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

9

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

As Leis n.º 12.651/2012 e 12.727/2012, que dispõem sobre a proteção da vegetação nativa, revogando o Código Florestal (Lei n.º 4.771/1965), são resultado de 12 anos de exaustivos e aclamados debates em todo o Brasil. Em que pesem os argumentos favoráveis e contrários com relação à elaboração legislativa do novo marco legal, o “Novo Código Florestal Brasileiro”1 está em um momento de consolidação na interpretação e aplicação de seus dispositivos legais, cujo desfecho é essencial para o agronegócio brasileiro.

A novel legislação permite a continuidade da atividade agropecuária e o desenvolvimento sustentável brasileiro, ao entender a convivência necessária entre o meio ambiente e a produção rural, além de dar um tratamento diferenciado aos agricultores familiares. Ademais, o novo Código Florestal prevê instrumentos importantíssimos para as políticas agrária e ambiental do Brasil. Protelar a aplicação imediata da desse novo marco legal significa desconsiderar seu processo democrático de elaboração legislativa, bem como as profundas mudanças ocorridas no meio rural brasileiro durante as últimas décadas.

Em linhas gerais, o novo Código Florestal estabelece, dentre outras, exigências diferenciadas para a preservação e recomposição das áreas de florestas e matas nativas de acordo com o módulo fiscal de cada imóvel rural. Além disso, a legislação florestal ainda inovou ao criar o Cadastro Ambiental Rural (“CAR”), o Programa de Regularização Ambiental (“PRA”), o Programa de Apoio e Incentivo à Preservação do Meio Ambiente, além de prever outras normas que beneficiam o produtor rural e o meio ambiente.

Não obstante a relevância da Área de Preservação Permanente (“APP”)2, em especial em lagos e lagoas naturais, nascentes e olhos d’água, encostas e topos de morro, iremos tratar, especificamente, sobre as inovações e benefícios da regularização ambiental do imóvel rural quando feita através da compensação da área de Reserva Legal florestal em outro imóvel rural, bem como sobre o CAR.

I – REGULARIZAÇÃO DA RESERVA LEGAL

A princípio, os proprietários e posseiros de imóveis

rurais cuja área de Reserva Lega florestal seja inferior ao previsto no Código Florestal, devem providenciar sua regularização ambiental no órgão ambiental competente. Para essa regularização, a lei prevê três mecanismos para cumprimento, a saber: (i) a recomposição; (ii) a regeneração; ou (iii) a compensação da área de Reserva Legal.

Primeiramente, cabe ressaltar que a área de Reserva Legal Florestal3 deverá ser registrada no órgão ambiental competente por meio de inscrição do imóvel rural no CAR. Essa inscrição, por sua vez, desobriga a averbação do percentual mínimo da área de Reserva Legal Florestal no Registro de Imóveis.

Ao optar pela compensação de sua área de Reserva Legal Florestal em imóvel rural alheio, o produtor rural agrega valor econômico ao seu imóvel na medida em que pode utilizar todo o potencial agrossilvipastoril de seu imóvel, na medida em que não precisa se preocupar com os altos custos para manutenção da vegetação. Ademais, a compensação da Reserva Legal Florestal desobriga o produtor rural a promover a recomposição durante anos. Em outras palavras, o “déficit” de Reserva Legal em um determinado imóvel pode ser suprido através da atribuição do regime de especial proteção de área de Reserva Legal florestal excedente em outro imóvel. Dessa forma, o produtor rural consegue conciliar seus interesses econômicos com a preservação do meio ambiente.

Além disso, há inegável ganho ambiental decorrente dessa operação, uma vez que áreas utilizadas para fins compensatórios asseguram a prestação e manutenção dos serviços ambientais essenciais, na medida em que estimula a utilização de mecanismos que valorizam as florestas e outras formas de vegetação ainda existentes em imóveis rurais, além de propiciar a formação de áreas contínuas e de maior extensão submetidas ao regime de especial proteção ambiental, o que pode contribuir para os objetivos de conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e da biodiversidade.

II – CADASTRO AMBIENTAL RURAL

Considerado como um dos grandes avanços da nova legislação florestal, o CAR é um registro público

A regularização ambiental de imóveis rurais de acordo com o Novo Código Florestal

André Marchesin

Advogado em Furlanetto Bertogna – Sociedade de Advogados, escritório boutique com atuação focada em Direito Ambiental, Agrário, Registrário e Imobiliário.

Bacharel em Direito pela PUC-SP, 2011.

Atua no contencioso e consultivo ambiental.

[email protected]

1 Nomenclatura consagrada pela agora revogada Lei n.º 4.771/1965. 2 Área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com fundação ambiental e ecológica. 3 Área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, com função de assegurar o uso econômico sustentável dos recursos naturais, proteger a fauna e a flora e contribuir na conservação da biodiversidade. Área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, com função de assegurar o uso econômico sustentável dos recursos naturais, proteger a fauna e a flora e contribuir na conservação da biodiversidade.

Page 10: Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro - viex-americas.com do Direito Ambiental... · Direito Ambiental Brasileiro Rodrigo Sucesso Diretor Divisão de Meio Amebiente VIEX Américas

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

10

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

eletrônico, de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais. O CAR ainda é responsável por impor à União, Estados e ao Distrito Federal, a implantação de Programas de Regularização Ambiental, com objetivo de adequação dos imóveis rurais aos termos da legislação ambiental vigente.

Ao reunir as principais informações de cada imóvel rural em seu aspecto ambiental, o CAR é um instrumento que poderá auxiliar as futuras políticas públicas, seja no âmbito da agricultura, seja para fins de conservação ambiental, dentre outras, uma vez que todas as propriedades rurais, sejam elas grandes, médias ou pequenas, são obrigadas a estarem inscritas nesse cadastro em até um ano após a sua implementação. Além disso, o CAR é um sistema de informação capaz de auxiliar na detecção de problemas ambientais, buscar alternativas para sua solução, avaliar e monitorar as medidas adotadas pelos órgãos ambientais e possibilitar o controle social na medida em que a sociedade tenha acesso a esse conjunto de dados e informações.

Não obstante as vantagens ambientais decorrentes da implementação do CAR, ele irá impactar financeiramente o agronegócio, porque após 2017, os agentes financeiros só concederão crédito rural para aqueles que estiverem inscritos no CAR.

Por fim, merece destaque o papel do CAR na desburocratização do cumprimento das obrigações ambientais. Vale dizer, o CAR irá contribuir para tornar mais simples e célere o processo de regularização ambiental quando comparada à sistemática então adotada pelo Código Florestal revogado. Pelo CAR, estamos dando mais um passo para erradicar a “cultura do balcão” nos órgãos administrativos, promovendo maior segurança aos produtores rurais, além de concentrar nos próprios órgãos ambientais as informações relativas às áreas de Reserva Legal florestal do imóvel rural, evitando eventuais dificuldades fundiárias e registrais quando do cumprimento das obrigações ambientais.

III – CONSIDERAÇÕES FINAIS

As inovações apresentadas pelo novo Código Florestal demonstram ser de grande relevância para o agronegócio, pois são capazes de conciliar o interesse econômico dos produtores rurais e a proteção do meio ambiente. Nesse contexto, as formas regularização ambiental, em especial a compensação de Reserva Legal Florestal, e o CAR, demonstram ser formas seguras e eficientes para atender ao disposto na legislação ambiental. Essas medidas demonstram ser capazes de desburocratizar e simplificar o processo de regularização ambiental dos imóveis rurais. Além disso, os instrumentos e regras previstas no novo Código Florestal revelam ser uma maneira ágil e eficiente para delimitarmos as Áreas de Preservação Permanente, as áreas de Reserva Legal Florestal e os remanescentes de vegetação nativa localizados no interior de todos os imóveis rurais, em especial nas propriedades privadas. Este novo marco legal, além de incentivar o cumprimento da legislação ambiental, está contribuindo para uma melhor compreensão de todo o patrimônio florestal do país.

A regularização ambiental de imóveis rurais de acordo com o Novo Código Florestal

Page 11: Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro - viex-americas.com do Direito Ambiental... · Direito Ambiental Brasileiro Rodrigo Sucesso Diretor Divisão de Meio Amebiente VIEX Américas

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

11

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

A economia verde e o novo Código Florestal

Karen Alvarenga de Oliveira Windham-BellordÉ Doutora e mestre em Economia Agrária pela Universidade de Cambridge, Inglaterra, Mestre em Direito Ambiental e Conservação pela Universidade de Kent, Inglaterra, Mestre em Direito Tributário pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da UFMG.

Possui ampla experiência em assuntos relacionados a questões ambientais e minerárias, contratos, fusões e aquisições, tanto no Brasil como no exterior. Em 2005, foi assessora jurídica do Presidente da Fundação Estadual de Meio Ambiente de Minas Gerais para assuntos relacionados à cooperação internacional e ambiental.

Foi consultora do Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável, prestando serviços a várias agências das Nações Unidas em convenções internacionais relacionadas à mudança climática, créditos de carbono, biodiversidade, água, florestas e químicos.

Atualmente é Gerente Geral do Jurídico da Ferrous Resources do Brasil S/A.

[email protected]

www.ferrous.com.br

1 Publicada em 18.10.2012 com a Lei 12.727/12 que altera a Lei 12.651/12 (Novo Código Florestal) e seu Decreto regulamentador n.7.830/12. 2 MENDES; SEROA DA MOTTA, 1997.3 GRANZIERA, 2009.4 A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981) estabelece uma lista de instrumentos ambientais incluindo incentivos econômicos (art. 9.º, III, da Lei 6.938/1981), licenciamento ambiental, padrões e zoneamentos ambientais, avaliação de impactos, áreas protegidas, responsabi-lidade civil por dano, sanções administrativas e penais, produção e circulação de informações ambientais. 5 JURAS, 2009. 6 Lei estadual 3.135/2007, do Amazonas, Lei estadual 8.995/2008, do Espírito Santo, Lei estadual 15.133/2010, de Santa Catarina e Lei estadual 55.947/2010, de São Paulo.

A última versão do Novo Código Florestal1 regulamenta a forma com que instrumentos econômicos poderão ser utilizados dentro da política brasileira florestal para implementar seus objetivos. Analisando o parágrafo 4º do art. 41 do Novo Código Floretal, este artigo tratará da importância de mecanismos econômicos combinado com elementos de comando-e-controle para implementação de políticas públicas ambientais. Os instrumentos econômicos, desde 1993, tem sido analisados pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente como opções mais eficientes para o alcance dos objetivos a serem alcançados com tais políticas. Estes instrumentos econômicos com a preparação para a Rio+20 evoluíram para representarem a nova fase do desenvolvimento sustentável com a introdução da nova expressão “Economia Verde”.

A economia verde deriva do Princípio 16 da Declaração do Rio de Janeiro, assinada em junho de 1992 durante a Comissão das Nações Unidas para o Desenvolvi-mento Sustentável que preconiza que “as autorida-des nacionais devem esforçar-se para promover a internalização dos custos de proteção do meio ambiente e o uso dos instrumentos econômicos, levando-se em conta o conceito de que o poluidor deve, em princípio, assumir o custo da poluição, tendo em vista o interesse público, sem desvirtuar o comércio e os investimentos internacionais”.

Como explicam Benjamin (1993) e Prestes (2011), o princípio do poluidor-pagador é o fundamento para a internalização de todos os custos de proteção ambiental e utilização de recursos naturais, que têm sido historicamente encarados como dádivas da natureza, de uso gratuito ou custo marginal zero.

Para realizar a internalização destes custos, a melhor estratégia é combinar os tradicionais instrumentos de regulação direta (também conhecidos como comando e controle) e indireta (instrumentos de mercado). Assim, políticas ambientais mais efetivas surgem da combinação de padrões de emissão de poluentes, licenciamentos, estudos de impacto, zoneamento, sanções administrativas e penais (comando-e-controle) com incentivos econômicos, subsídios, tributos, sistema de cobrança pelo uso de recursos ambientais, sistemas

de depósito e retorno, certificados transacionáveis, seguro e caução ambiental2. Esta combinação tem mais chances de obter sucesso em induzir comportamentos desejados para alcançar os objetivos da política nacional de meio ambiente3.

A legislação brasileira até os anos de 1980 primava pelo comando-e-controle4, trazendo pouquíssimos exemplos de aplicação de instrumentos econômicos para motivar pessoas físicas e jurídicas a promover o desenvolvimento sustentável5. Todavia, esta tendência tem se modificado com a utilização de tais instrumentos em legislações federais, estaduais e municipais.

Outro princípio utilizado para internalizar as externalidades é o princípio do protetor-recebedor. Já aplicado em legislações estaduais6, ele objetiva compensar aqueles que protegem o meio ambiente através de pagamentos por serviços ambientais7.

O art. 41 parágrafo 4º do Novo Código Florestal cria os Títulos de Carbono e Cotas de Reservas Legais, mecanismo de comércio de crédito de carbono. Os desafetados8 de tais títulos temem a internacionalização das propriedades em território brasileiro através da possibilidade de negociação de tais títulos em Bolsas de Valores ou de Commodities.

Para analisarmos tais críticas precisamos antes de realizar um breve histórico sobre o uso de instrumentos econômicos em políticas ambientais e a combinação de regras de comando-e-controle com mecanismos de mercado para a efetiva proteção florestal. A proposta brasileira para a Rio+209, apresentada pela Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, em 01/11/2012, fundamentou-se em em oito pontos:

1. Criação de um programa socioambiental global, para superar a pobreza extrema no mundo e garantir a todos qualidade ambiental, segurança alimentar, moradia adequada e acesso a água limpa

2. Adoção de um programa de economia verde incisiva

3. Realização de um pacto global para produção e consumo sustentáveis

Page 12: Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro - viex-americas.com do Direito Ambiental... · Direito Ambiental Brasileiro Rodrigo Sucesso Diretor Divisão de Meio Amebiente VIEX Américas

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

12

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

4. Estabelecimento de repositório de iniciativas para dinamizar os mecanismos nacionais e de cooperação internacional, inclusive a utilização de recursos dos organismos multilaterais

5. Celebração de um protocolo internacional para a sustentabilidade do setor financeiro

6. Estabelecimento de novos indicadores para mensuração do desenvolvimento

7. Implementação de um “pacto pela economia verde inclusiva” com estímulo à divulgação de relatórios e índices de sustentabilidade por empresas estatais, bancos de fomento, patrocinadoras de entidades de previdência privada, empresas de capital aberto e empresas de grande porte.

8. Promover a “estrutura institucional do desenvolvimento sustentável”.

Durante os dias 13 a 22.06.2012, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (CNUDS ou Rio+20) se reuniu para “garantir um compromisso renovado em nome do desenvolvimento sustentável, avaliando o progresso obtido até o presente e as lacunas remanescentes na implementação dos resultados das maiores cúpulas de desenvolvimento sustentável, abordando desafios novos e emergentes”10.

O “Futuro que Queremos” documento final11 das negociações oficiais da Rio+20, que aconteceu de 13 a 22 de junho de 2012 e contou com a participação de representantes de 191 Estados-Membros das Nações Unidas, incluindo 79 chefes de Estado. Este documento reflete sobre a economia verde como instrumento de erradicação da pobreza e promoção de desenvolvimento sustentável. Explica que a expressão economia verde engloba a otimização de atividades que façam uso racional e equitativo dos recursos naturais (socialmente inclusivo), com baixas emissões de gases causadores do efeito estufa (economia descarbonizada), minimizando os impactos ao meio ambiente.

O Documento de Contribuição Brasileira à Conferência Rio+20 é claro ao estabelecer que:“A economia verde, assim, deve ser um instrumento da mobilização pelo desenvolvimento sustentável e esse vínculo pode ser feito por meio do entendimento de ‘economia verde’ como um programa para o desenvolvimento sustentável, ou seja: um conjunto de iniciativas, políticas e projetos concretos que contribuam para a transformação das economias, de forma a integrar desenvolvimento econômico, desenvolvimento social e proteção ambiental (BRASIL, 2011, p. 23).”

Em preparação para a Rio+20, foi criado em dezembro de 2011, no Estado do Rio, um programa chamado Bolsa Verde (BVRio), para o desenvolvimento de um mercado de ativos ambientais para promover a economia verde no Estado12. A BVRio foi constituída como uma associação civil sem fins lucrativos que comercializará créditos de carbono e de reposição florestal, possibilitando que empresas cumpram com as exigências da legislação florestal através da compra de créditos de terceiros que possuam áreas reflorestadas. Um dos objetivos do programa é que as empresas que consigam cumprir

as metas de redução ou de reflorestamento tenham um valor patrimonial acrescido, portanto, por um elemento de mercado introduzido pela criação da Bolsa.

Assim, o parágrafo 4º do art. 41 do Novo Código Florestal se utilizado dos elementos positivos do instrumento econômico seguindo as diretrizes do documento final da Rio+20 e concretizando as propostas brasileiras que formam apresentadas na Conferência.

Importante observar que existem na legislação brasileira vários exemplos de aplicação da economia verde, tais como: Decreto 7.619/2011 que regulamenta a redução no IPI para empresas que comprarem resíduos sólidos recicláveis de cooperativas de catadores de lixo; instrumentos municipais e estaduais de pagamento por serviços ambientais (PSA) são meios eficazes de se conservar as águas dos rios, a partir da preservação da vegetação13.

Assim, a inserção de ativos econômicos na política florestal e sua negociação em bolsa de valores não tem o condão de transformar as florestas brasileiras em patrimônio estrangeiro e sim de valorar os serviços ambientais prestados pelo nosso ecossistema.

BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Documento de contribuição brasileira à Conferência RIO+20. Brasília: Governo Federal, 2011.

BENJAMIN, Antonio Herman V. O princípio poluidor-pagador e a reparação do dano ambiental. In: ______ (coord.). Dano ambiental: prevenção, reparação e repressão. São Paulo: Ed. RT, 1993.

DELGADO, Guilherme Costa. Economia verde-financeira associada ao novo código florestal aumenta caos fundiário e ambiental. Disponível em [http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=7374:manchete130712&catid=34:manchete]. Acesso em 02.12.2012

TEIXEIRA, Gerson. Novo Código Florestal na estrutura agrária brasileira. Disponível em [http://www.ecodebate.com.br/2012/09/27/novo-codigo-florestal-na-estrutura-agraria-brasileira-artigo-de-gerson-teixeira/]. Acesso em 02.12.2012.

GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito ambiental. São Paulo: Atlas, 2009.

JURAS, Ilidia da Ascenção Garrido Martins. Uso de instrumentos econômicos para a gestão ambiental: países da OCDE e América Latina. Estudo maio/2009. Brasília: Câmara dos Deputados, 2009.

MEA (MILLENNIUM ECOSYSTEM ASSESSMENT). Ecosystem and human well-being: Summary for decision makers. Washington: Island Press, 2005. Disponível em: [www.maweb.org/documents/document.446.aspx.pdf]. Acesso em: 04.01.2012.

MENDES, Francisco Eduardo; SEROA DA MOTTA, Ronaldo. Instrumentos econômicos para

A economia verde e o novo Código Florestal

7 Os serviços ambientais englobam atividades desenvolvidas pelos ecossistemas e biodiversidade que fornecem, e.g., abastecimento de água, comida, madeiras e fibras; regulação climática; prevenção de enchentes e doenças; água de qualidade; formação do solo, fotossíntese e ciclo de nutrientes; e lazer, prazer estético e espiritualidade (MEA, 2005, p. 9). Vários Estados brasileiros já editaram legislação para a promoção de paga-mentos aos municípios pela prestação por eles, através de atividades de conservação, de serviços ambientais. Um exemplo clássico é o ICMS Ecológico do Estado de Minas Gerais, através da Lei estadual 13.803/2000, de Minas Gerais, que transfere uma fatia maior do ICMS (que não dizem respeito ao critério de valor agregado) para municípios que tratam o esgoto sanitário e dispõem adequadamente o lixo.8 DELGADO, 2012. 9 Brasil, 2011.10 § 20, a, da Res. AGNU 64/236, de 24.12.2009. 11 Informações sobre o documento “O futuro que queremos”. Disponível em: [http://www.rets.org.br/sites/default/files/O-Futuro-que-queremos1.pdf]. Acesso em: 02.12.201.12 As informações sobre a Bolsa Verde do Rio foram retiradas da página eletrônica do Governo do Estado do Rio de Janeiro. Disponível em: [www.rj.gov.br/web/sea/exibeconteudo?article-id=721860]. Acesso em: 06.01.2012.13 Para maiores detalhes sobre o PSA no Brasil, Windham-Bellord e Lima Mafia (2012).

Page 13: Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro - viex-americas.com do Direito Ambiental... · Direito Ambiental Brasileiro Rodrigo Sucesso Diretor Divisão de Meio Amebiente VIEX Américas

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

13

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

A economia verde e o novo Código Florestal

o controle ambiental do ar e da água: uma resenha da experiência internacional. Texto para Discussão. n. 479. Rio de Janeiro: Ipea, maio 1997.

PRESTES, Vanessa Buzelato. Tributação e políticas públicas ambientais no sistema constitucional brasileiro. Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico. vol. 35. ano VI. p. 53-72. Porto Alegre: Magister, abr.-maio 2011.

SEROA DA MOTTA, Ronaldo. Manual para valoração econômica de recursos ambientais. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, 1998.

______. Regulação e instrumentos baseados no mercado: aspectos conceituais. In: ______; YOUNG, Carlos Eduardo Frickmann (coords.). Instrumentos econômicos para a gestão ambiental no Brasil. Rio de Janeiro: 1997.

WINDHAM-BELLORD, K. A. e LIMA MAFIA, J. Economia verde e pagamentos por serviços ambientais: uma contribuição brasileira. São Paulo: Revista dos Tribunais, maio/2012, vol. 919

Page 14: Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro - viex-americas.com do Direito Ambiental... · Direito Ambiental Brasileiro Rodrigo Sucesso Diretor Divisão de Meio Amebiente VIEX Américas

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

14

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

Na última semana, festejamos o primeiro quarto de século da Constituição de 1988. A maioria das análises ressaltou a excelência de suas disposições normativas, que asseguram os direitos e garantias fundamentais do cidadão, em particular a sua mais plena liberdade de iniciativa, e até mesmo sobre a ordem econômica, a soberania alimentar o direito humano fundamental ao meio ambiente equilibrado, comprovando harmonicamente que os princípios agrários e ambientais coexistem em meio a grandes desafios de ordem jurídica.

No nosso arcabouço jurídico, felizmente, a proteção ambiental, ganhou status constitucional em capítulo próprio, inserido no Título da designada “Ordem Social”, além de outros dispositivos constitucionais em matéria de proteção ambiental, relacionando a tutela ecológica com inúmeros outros temas constitucionais de grande importância. De acordo com a visão prevalecente, Constituição atribuiu à proteção ambiental, e - pelo menos em status de direito fundamental do indivíduo e da coletividade, além de consagrar a proteção ecológica como um dos objetivos ou tarefas fundamentais do Estado brasileiro.

Também ganhou reconhecimento, confirmando a sua especialidade, bem como a usa autonomia científica e legislativa, e assim foi consagrado pelo texto de 1988, com significativa previsão, dedicando-se um capítulo inteiro para a sua regulação, o Direito Agrário, sob a chancela Da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária. (arts. 184 a 191). Segundo a doutrina, o fundamento constitucional do Direito Agrário, visa à realização da justiça social por meio da reformulação do sistema fundiário com base na função social da propriedade. Regulamentar as relações jurídicas que têm como base as atividades agrárias, regulamentando a distribuição de terra entre o Estado e os proprietários rurais, torna-se a sua alma. Disciplinar as relações jurídicas decorrentes da produção, armazenamento, comercialização e financiamento do complexo agroindustrial, dentro do amplo processo de modernização da agricultura, passa ao Direito do Agronegócio, espécie de sub ramo do Direito Empresarial.

A temática torna-se especialmente interessante para o País haja vista que grande parte territorial sua é capaz de abrigar agronegócios e à constante tensão nestas áreas, já que não se pode debater a questão agrária dissociada da questão ambiental.

Logo, eis que exsurge à seguinte indagação: é possível crescer as fronteiras agrárias do País, se

desenvolver sustentavelmente e não agredir o meio ambiente nacional?

Apesar de encarar o desenvolvimento sustentável como o grande desafio da humanidade, penso que sim. Ainda mais no Brasil, um país de dimensões continentais, com uma grande intensidade de atividades agrícolas aonde 62% do seu território geográfico encontra-se preservado com uma das legislações ambientais mais avançadas e restritivas do planeta.

Além disso, possuímos, historicamente, uma exuberante produção de alimentos com indicadores elevados de sustentabilidade e preservação ambiental. Desenvolvimento econômico equilibrado representa fator condicionante para o cumprimento das normas constitucionais, num país cuja dependência do agronegócio é fundamental para a sobrevivência da balança comercial, podendo chegar a representar quase metade da expansão do PIB nacional. Desde então, discorrer sobre a Constituição Federal de 1988 após os 25 anos de sua entrada em vigor converte-se em oportunidade para debatermos o crescimento sustentável da nação numa gama de direitos possível concretização: a constituição ganha traços e lentes agroambientais.

Nesta senda, sob a ótica constitucional, agricultura e desenvolvimento sustentável, o manejo e a conservação da base de recursos naturais brasileiros por intermédio de mudanças tecnológicas, de maneira a garantir a obtenção e a satisfação contínua das necessidades humanas para as presentes e futuras gerações, passa a ser o grande desafio da atual Constituição chamada de Cidadã, que depois da sua edição, foi emendada 74 vezes, mas jamais descurou-se na sua gênese de encarar com respeito e pioneirismo a importância das atividades agrárias para a sobrevivência do País.

25 ANOS DE CONSTITUIÇÃO CIDADÃ E AGROAMBIENTAL

Marcelo FeitosaNascido em Goiânia/GO, em 28 de julho de 1981;

Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) em 2005;

Especialista em Direito Público pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus (FDDJ-São Paulo);

Especialista em Direito Público e Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB);

Mestrando em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás (UFG);

Membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB-GO (2006-2009/2009-2012);

Conselheiro Municipal do Meio Ambiente do Município de Goiânia (2008-2010);

Conselheiro Estadual do Meio Ambiente do Estado de Goiás (2009-2011/2012-2014);

Conselheiro Estadual do Conselho Estadual de Mineração Suplente (2012-2014);

Conselheiro Seccional da OAB-GO (2013-2015);

Membro do Grupo Oficial de Reforma do Código Florestal de Goiás (2011-2013);

Relator oficial da Comissão de Reforma do Novo Código Florestal de Goiás (2011-2013);

Áreas de atuação: Direito Ambiental, Urbanísitico, Agroambiental e Conflitos Agrários;

Atua em todo o Estado de Goiás.

[email protected]

Page 15: Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro - viex-americas.com do Direito Ambiental... · Direito Ambiental Brasileiro Rodrigo Sucesso Diretor Divisão de Meio Amebiente VIEX Américas

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

15

de

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

A partir da visão de que mecanismos de mercado são instrumentos eficientes de execução de políticas públicas ambientais e de desenvolvimento sustentável foi criada a BVRio, uma bolsa de valores ambientais de abrangência nacional idealizada em conjunto com o setor empresarial, setor público e terceiro setor.

A legislação ambiental estabelece uma série de obrigações a empresas e indivíduos (reciclagem, manutenção de reserva legal, redução de emissões, etc.). Ao permitir que essas obrigações possam ser cumpridas por meio de créditos ou cotas (que chamamos, em conjunto, de “ativos ambientais”), obtém-se uma maior eficiência no cumprimento dessas obrigações, com ganhos para particulares e para o governo, com uma melhor alocação de recursos para a economia em geral e benefícios para o meio ambiente. Empresas ou indivíduos que, em razão de sua especialização ou vantagem comparativa, tenham um menor custo em realizar determinada atividade ou serviço ambiental (reciclagem, provisão de reserva legal, etc.) poderão receber créditos por essa atividade ou serviço. Esses créditos podem ser vendidos àqueles que teriam um custo mais elevado na realização direta da sua obrigação ambiental. Cria-se assim um mercado de ativos ambientais que, além de estimular uma mudança cultural, relativamente às questões ambientais (onde um “passivo” ambiental passa a ser tratado como “ativo”), fomenta diversas outras atividades econômicas assessórias (provedores de serviços e tecnologia).

Nesse sentido, a BVRio, em cooperação com as autoridades competentes, atua na modelagem e criação de ativos ambientais que possam contribuir para o cumprimento mais eficiente da legislação ambiental. Dentre os mercados que a BVRio está atualmente atuando podemos destacar os seguintes:

• Mercados Florestais - Cotas de Reserva Ambienta e de reposição florestal: De acordo com a legislação florestal brasileira, todos os imóveis rurais devem manter uma parte de sua área com cobertura de vegetação nativa (a chamada “reserva legal”, que pode variar entre 20% e 80% da área do imóvel, conforme o bioma e a região em que se localize). Em princípio, o proprietário rural que tem um déficit deve recompor a cobertura florestal (que é um processo longo e custoso), e o proprietário que tem um excedente pode desmatar esse excedente florestal (o que representa uma perda imediata de cobertura florestal). As Cotas de Reserva Ambiental permitem que seja feita uma compensação entre excedentes e déficits, com benefícios ambientais e econômicos.

Uma outra obrigação legal é a reposição florestal, ou seja, a compensação da extração de florestas por plantio florestal, a qual também pode ser atendida por meio de créditos.

• Mercados de Logística Reversa: A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) estabelece que comerciantes, distribuidores, fabricantes e importadores de determinados produtos (pneus, óleos lubrificantes, pilhas e baterias, agrotóxicos, lâmpadas fluorescentes, produtos eletroeletrônicos) devem implementar sistemas de logística reversa e reciclagem para os respectivos resíduos e embalagens. A logística reversa envolve a coleta e restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, e tem como etapa final a destinação final ambientalmente adequada do resíduo. A BVRio desenvolveu um sistema de Créditos de Logística Reversa de Embalagens, e de Créditos de Destinação Final Adequada de Pneus. No primeiro caso, cooperativas de catadores podem emitir créditos de logística reversa relacionados ao material coletado, triado e restituído ao ciclo produtivo. No segundo caso, empresas recicladoras de pneus podem receber um crédito pela destinação adequada dos pneus. Em ambos os casos, esses créditos permitiriam o cumprimento das obrigações impostas pela PNRS de forma eficiente.

De modo a proporcionar liquidez, transparência de preços, a BVRio provê uma plataforma de negociação onde oferta e demanda dos ativos ambientais possam se encontrar de modo mais eficiente e seguro. Espera-se, deste modo, atingir diversos objetivos de natureza econômica e ambiental, incluindo o fomento da economia verde e a implementação de políticas públicas ambientais de modo mais eficiente, tanto para o setor público quanto para o setor empresarial, com benefícios para o meio ambiente e para a economia em geral.

A BVRio e o Mercado de ativos ambientais no Brasil

Mauricio de Moura CostaDoutor em Direito Econômico pela Universidade de Paris II, tem 20 anos de atuação em direito comercial e econômico, com experiência nas áreas de fusões e aquisições, banco e finanças, mercado de capitais e contratos comerciais em geral. Nos últimos 10 anos atuou como executivo em finanças ambientais. É membro fundador e diretor da Bolsa de Valores Ambientais BVRio e presidente da E2 Brasil Sócio Ambiental. Foi diretor para a América do Sul da EcoSecurities. [email protected]

Page 16: Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro - viex-americas.com do Direito Ambiental... · Direito Ambiental Brasileiro Rodrigo Sucesso Diretor Divisão de Meio Amebiente VIEX Américas

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

16

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

Com o advento do novo Código Florestal surgem algumas questões que merecem ser debatidas. Neste breve artigo o foco será a compatibilidade de alguns dispositivos com a Constituição e sua incidência imediata, buscando trazer alguns esclarecimentos sobre a aplicação da importante norma pelos Tribunais de Justiça de São Paulo e de Minas Gerais.

Antes de adentrar diretamente ao tema, convém lembrar que a Constituição Federal de 1988 consagrou de forma ampla a defesa do meio ambiente, como verdadeiro direito fundamental de terceira geração, conforme decidiu o STF (Pleno ADInMC 3.450/DF).

Houve pelo constituinte a inclusão da defesa do meio ambiente como um dos princípios constitucionais da ordem econômica (Art. 170, VI da Constituição), a qual é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios, além da defesa do meio ambiente: a) soberania nacional, b) propriedade privada, c) função social da propriedade, d) livre concorrência, e) defesa do consumidor, f) redução das desigualdades regionais e sociais, g) busca do pleno emprego, h) tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País; i) livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei (incisos do art. 170 da Constituição).

O Supremo Tribunal Federal efetua uma interpretação sistemática da Constituição ao decidir que o “princípio da livre iniciativa, inserido no caput do art. 170 da CF, nada mais é do que uma cláusula geral cujo conteúdo é preenchido pelos incisos do mesmo artigo” (AC-MC 1.657/RJ), desprezando a interpretação de dispositivos de forma isolada, aplicando-se a interpretação sistemática ou de acordo com o princípio da unidade da Constituição. Portanto, aplicável à ponderação efetuada pelo STF no julgamento da já citada ADI 3.540-MC no qual houve aplicação de critérios de superação do estado de tensão entre valores constitucionais relevantes.

Em 2012, surge o novo Código Florestal (Lei nº 12.651 com alterações pela Lei nº 12.727, de 2012) que

veicula novo regime jurídico, trazendo importantes novidades favoráveis ao proprietário e ao possuidor, em relação ao Código Florestal de 1965 (Lei nº 4.771), revogado. Dentre elas apontamos algumas apenas, considerando os limites do presente artigo:

1 Quanto à reserva legal:

1.1 Permitiu o novo diploma seja nela computada a área de preservação permanente (art. 15), desde que: a) este benefício não implique a conversão de novas áreas para o uso alternativo do solo; b) a área a ser computada esteja conservada ou em processo de recuperação, conforme comprovação do proprietário ao órgão estadual integrante do Sisnama; e c) o proprietário ou possuidor tenha requerido inclusão do imóvel no Cadastro Ambiental Rural - CAR, nos termos do precitado Código. Observe-se que este cômputo aplica-se a todas as modalidades de cumprimento da Reserva Legal, abrangendo a regeneração, a recomposição e a compensação (art. 15, § 3º do Código Florestal com a redação dada pela Lei nº 12.727, de 2012);

1.2 Autorizou sua exploração econômica (Art. 17, § 1º do Código), mediante manejo sustentável, previamente aprovado pelo órgão competente do Sisnama, de acordo com as modalidades previstas no art. 20.

1.3 Dispensou os proprietários e possuidores, que realizaram supressão de vegetação nativa respeitando os percentuais de Reserva Legal previstos pela legislação em vigor à época em que ocorreu a supressão, de promoverem a recomposição, compensação ou regeneração para os percentuais exigidos na nova Lei (Art. 68 do Código Florestal), consagrando o direito adquirido. Para esses fins, permitiu aos proprietários ou possuidores de imóveis rurais provar essas situações consolidadas por documentos tais como a descrição de fatos históricos de ocupação da região, registros de comercialização, dados agropecuários da atividade, contratos e documentos bancários relativos à produção, e por todos os outros meios de prova em direito admitidos (§ 1º do Art. 68 do Código Florestal).

1.4 Dispensou a obrigação de sua averbação no Cartório de Registro de Imóveis, determinando o

Novo Código Florestal: constitucionalidade e incidência imediata

Olavo Augusto Vianna Alves FerreiraDoutor em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2008), Mestre em Direito do Estado Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2002.

Procurador do Estado de São Paulo n. V. Foi membro eleito do Conselho Superior da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Foi Professor de direito constitucional do Curso LFG, professor convidado de cursos de pós-graduação (PUC-COGEAE, UFBA, Escola Superior do Ministério Público, JUSPODIVM,FAAP e USP-FDRP), orientador da pós-graduação da Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Autor de livros jurídicos . Avaliador de Cursos de Direito e IES: DESIGNADO PELO MINISTRO DA EDUCAÇÃO PORTARIA No- 1.137, DE 10 DE SETEMBRO DE 2010

[email protected]

Por Alexandre Abrahão Andrade, Advogado sócio do escritório Marcussi Advogados Associados e especialista em Direito Processual Civil pela FAAP; Débora Cristina Fernandes Ananias Alves Ferreira, Juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e especialista em Direito Civil e Processual Civil e Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira

Page 17: Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro - viex-americas.com do Direito Ambiental... · Direito Ambiental Brasileiro Rodrigo Sucesso Diretor Divisão de Meio Amebiente VIEX Américas

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

17

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

dever de efetuar o “registro da Reserva Legal no CAR” (Cadastro Ambiental Rural, cf. art. 18, § 4º da Lei em comento), garantindo a gratuidade do ato ao produtor ou proprietário que, no período entre a data da publicação da Lei e o registro no CAR, proceder à averbação (Redação dada pela Lei nº 12.727, de 2012).

2 No que concerne à área de preservação permanente, adotou a Lei os seguintes critérios para sua delimitação:

2.1 Quanto às faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de:

a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura;

b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;

c) 100 (cem) metros, para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura;

d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;

e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;

2.2 Quanto às áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais, em faixa com largura mínima de:

a) 100 (cem) metros, em zonas rurais, exceto para o corpo d’água com até 20 (vinte) hectares de superfície, cuja faixa marginal será de 50 (cinquenta) metros;

b) 30 (trinta) metros, em zonas urbanas;

2.3 Quanto às áreas no entorno dos reservatórios d’água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d’água naturais, na faixa definida na licença ambiental do empreendimento;

2.4 Quanto às áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros;

2.5 Quanto às encostas ou partes destas com declividade superior a 45°, equivalente a 100% (cem por cento) na linha de maior declive;

2.6 Quanto às restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;

2.7 Quanto aos manguezais, em toda a sua extensão;

2.8 Quanto às bordas dos tabuleiros ou chapadas, até a linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais;

2.9 Quanto ao topo de morros, montes, montanhas e serras, com altura mínima de 100 (cem) metros e inclinação média maior que 25°, as áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a 2/3 (dois terços) da altura mínima da elevação sempre em relação à base, sendo esta definida pelo plano horizontal determinado por planície ou espelho d’água adjacente ou, nos relevos ondulados, pela cota do ponto de sela mais próximo da elevação;

2.10 quanto às áreas em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação;

2.11 Quanto às veredas, a faixa marginal, em projeção horizontal, com largura mínima de 50 (cinquenta) metros, a partir do espaço permanentemente brejoso e encharcado.

Atente-se que não será exigida Área de Preservação Permanente no entorno de reservatórios artificiais de água que não decorram de barramento ou represamento de cursos d’água naturais.

Há outras alterações, as quais serão objeto de outros estudos, mas resta apurar a constitucionalidade das citadas acima e sua incidência, segundo o Judiciário.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em diversos julgados, reconheceu a constitucionalidade do novo Código Florestal, tanto que nem instaurou incidente de declaração de inconstitucionalidade (art. 97 da Constituição), determinando sua aplicação imediata, até mesmo na fase de execução de coisa julgada com fundamento na lei anterior, dentre eles destacamos:

i) Obrigação do proprietário e ou possuidor de elaborar o projeto e instituir a área de reserva legal, com possibilidade de sobreposição ou acréscimo de área de preservação permanente (Apelação nº 9280102-91.2008.8.26.0000, Apelação nº 9159624-20.2009.8.26.0000, Apelação nº 9175623-13.2009.8.26.0000, Apelação nº 9093095-53.2008.8.26.0000, Embargos de Declaração nº 0004101-92.2009.8.26.0575, Apelação nº 0007053-25.2004.8.26.0347);

ii) Aplicação imediata dos novos critérios de medição da área de preservação permanente (Apelação nº 9090620-27.2008.8.26.0000);

iii) Aplicação do novo Código Florestal mesmo após o trânsito em julgado, em execução de sentença (Embargos de Declaração nº 0004680-76.2010.8.26.0196, Embargos de Declaração nº 0044168-73.2012.8.26.0000, Apelação nº 0014925-79.2005.8.26.0566);

iv) Aplicação do novo Código Florestal quanto à possibilidade de uso sustentável e exploração de baixo impacto ambiental em imóvel urbano quase inteiro em área de preservação permanente junto a curso d’água, já que a intervenção destinada à agricultura familiar de subsistência (Apelação nº 0156643-11.2008.8.26.0000);

v) Indeferimento de tutela antecipada, com fundamento no atual Código Florestal que estabelece novos parâmetros para a instituição da reserva legal, além de permitir a prova de que a supressão se deu conforme legislação vigente à época, hipótese que desobrigaria a recomposição. (Agravo de Instrumento nº 0044216-32.2012.8.26.0000, Agravo de Instrumento nº 0112446-29.2012.8.26.0000);

vi) Improcedência do pedido em ação civil pública, aplicando, para tanto, a nova Lei Florestal, quanto à área de preservação permanente e reserva legal, declarando a incidência imediata e revogando a multa (Apelação nº 0002074-75.2000.8.26.0374);

vii) Incidência imediata da dispensa de averbação da reserva no cartório de registro de imóveis, desde que inscrita no CAR (Embargos de Declaração nº 0008315-63.2011.8.26.0541, Apelação nº 0009245-52.2009.8.26.0153);

Novo Código Florestal: constitucionalidade e incidência imediata

Page 18: Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro - viex-americas.com do Direito Ambiental... · Direito Ambiental Brasileiro Rodrigo Sucesso Diretor Divisão de Meio Amebiente VIEX Américas

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

18

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

viii) Acolhimento dos embargos de declaração pelo Tribunal, devendo o MM. Juiz de primeira Instância ser comunicado imediatamente deste julgamento, para que tome a decisão que lhe aprouver, tendo como principal destaque a adaptação da liminar ao Novo Código Florestal (Embargos de Declaração nº 0285394-11.2011.8.26.0000; Embargos de Declaração nº 0000011-12.2008.8.26.0111);e

ix) Aplicação do novo Código Florestal, quanto a construções permitidas em área de preservação permanente, consoante o artigo 61-A, § 12, da nova legislação, desde que se comprove que não causam risco à vida ou à integridade física das pessoas (Apelação nº 000499-21.2007.8.26.05060).

Da mesma forma, no Tribunal de Justiça de Minas Gerais verificamos a aplicação do novo Código Florestal, reconhecendo, portanto, a sua constitucionalidade e aplicabilidade imediata:

i) “O Novo Código Florestal, instituído pela Lei nº12.651/2012, previu a obrigatoriedade do registro de todos os imóveis rurais no Cadastro Ambiental Rural e, consequentemente, a dispensa da inscrição no Cartório de Registro de Imóveis. O pedido de condenação à averbação de área de reserva legal no Serviço de Registro de Imóveis deve ser julgado improcedente, diante da superveniência de lei que afasta esta exigência” (Apelação Cível 1.0702.09.566738-3/001 5667383-37.2009.8.13.0702 7; no mesmo sentido da aplicação da nova Lei: processo nº 1.0479.10.0096904/001; Apelação Cível nº. 1.0713.11.002160-5/001;e Agravo de Instrumento 1.0702.12.014907-6/001, dentre outros).

ii) Reconheceu sua retroatividade, na área penal, quanto a desmatamento em área de preservação permanente, tipo definido no artigo 38 da Lei nº 9.605/98, aplicando-se a novatio legis in mellius (Apelação Criminal 1.0628.08.012322-5/001 0123225-04.2008.8.13.0628).

As decisões citadas consagraram a tese da constitucionalidade e incidência imediata do novo Código Florestal, impondo-se a sua efetiva aplicação pelo Judiciário, mesmo diante da coisa julgada e, a nosso ver, pelas mesmas razões, aplicável diante do ato jurídico perfeito (termo de ajustamento de conduta feito perante o Ministério Público).

Novo Código Florestal: constitucionalidade e incidência imediata

Page 19: Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro - viex-americas.com do Direito Ambiental... · Direito Ambiental Brasileiro Rodrigo Sucesso Diretor Divisão de Meio Amebiente VIEX Américas

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

19

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

A Constituição descreveu a proteção do meio ambiente em seu artigo 225, determinando ao poder público e à coletividade o dever de preserva-lo para as presentes e futuras gerações. Além disso, consignou que as condutas e atividades consideradas lesivas sujeitam os infratores a responderem nas esferas penal, administrativa e civil.

Em que pese haver previsão constitucional de responsabilização nas três esferas, não havia, ainda, à época, regulamentação quanto aos crimes e infrações administrativas. A Lei 6.938/81, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, não supria essa lacuna apesar de seu importante papel de aplicação no âmbito da responsabilidade reparatória (civil).

Foi apenas em 1998, com a publicação da Lei 9.605, que passou a vigorar no país uma norma específica sobre os crimes e infrações administrativas ao meio ambiente. Esta lei foi regulamentada pelo Decreto 6.514/08, o qual inseriu, definitivamente, um procedimento próprio para apuração das infrações ao meio ambiente.

Com a publicação do Decreto 6.514/08 o processo administrativo federal para apuração das infrações ao meio ambiente ganhou contornos próprios. A partir de então, a autoridade administrativa, para aplicar a julgar as sanções descritas no artigo 3º, deverá levar em consideração diversas previsões normativas específicas.

Primeiramente, após constatar uma infração ao meio ambiente, a autoridade deve lavrar o chamado auto de infração, que dentre outras especificidades descritas no artigo 4º, deve aplicar a sanção levando em considerações as atenuantes e agravantes da pena. Cientificado da autuação, o administrado tem prazo de 20 dias para oferecer defesa.

O Decreto garante ao autuado a produção de todas as provas que tenha alegado em sua defesa (art. 118). Por outro lado, permite que a autoridade julgadora requisite a produção de provas necessárias à sua convicção (art. 119). O administrado, antes do julgamento de sua defesa, tem ainda prazo máximo de 10 dias para apresentar alegações finais (art. 122).

Da decisão, que deve ser motivada, rebatendo os argumentos aduzidos na defesa e indicando todos fatos e fundamentos jurídicos em que se

baseia, o autuado pode ainda apresentar recurso administrativo em 20 dias (art. 127). São duas as esferas recursais: para a autoridade superior e para o CONAMA (art. 130).

As notificações que sejam endereçadas ao autuado deverão cumprir os passos descritos no artigo 96, por meio do qual, o administrado será intimado, primeiramente, de forma pessoal ou por intermédio de seu advogado. Em não sendo cumprida, expede-se carta registrada com aviso de recebimento e, em terceiro lugar, estando o infrator em lugar incerto, não sabido ou se não for localizado no endereço, é notificado por edital.

Todas essas previsões foram indicadas expressamente no texto legal em respeito ao primado do contraditório e da ampla defesa, que apesar de ser indicado no artigo 95, sua aplicação já era implícita, já que a própria Constituição Federal determinou, em seu art. 5º, LV, que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Conforme ensina Freitas (2010, p. 219), no processo administrativo regulado pelo decreto em apreço, “não poderá a administração restringir-lhe o direito de defesa sob pena de infringir a norma constitucional do devido processo legal e, com isso, acarretar a nulidade do procedimento administrativo”. Esta brevíssima análise da inserção do meio ambiente na Constituição Federal, garante referencial teórico para ingressar na análise dos precedentes firmados sobre o assunto.

Conforme preceitua o artigo 95 do Decreto 6.514/08, o processo administrativo para apuração de infrações ao meio ambiente é norteado por diversos princípios, dentre os quais se destaca o contraditório e a ampla defesa. Em que pese sua indicação expressa, o que se percebe, na prática, é que diversos procedimentos desconsideram a sua aplicação, resultando em verdadeiro cerceamento de defesa ao autuado.

Neste exato sentido, é possível destacar que a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul se deparou com um auto de infração lavrado sem a indicação do prazo para o administrado apresentar defesa. Para o Tribunal, o auto de infração apresentado é nulo e ineficaz, por violação ao contraditório e à ampla defesa1.

O cerceamento de defesa no processo administrativo ambiental

Rafael Antonietti MatthesAdvogado e consultor nas áreas de Direito Ambiental e Registral do escritório Furlanetto Bertogna Sociedade de Advogados.

Possui título de mestre em Direito Ambiental pela Universidade Católica de Santos, de especialista em Direito Tributário pela Rede de Ensino LFG e em Direito Internacional pela PUC/SP. Atualmente, cursa graduação tecnológica em Gestão Ambiental pela Universidade Metodista de São Paulo.

É professor convidado nos cursos de Especialização em Direito Ambiental na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo - FDSBC e nas Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU, professor de Direito Ambiental e de Direito Tributário na Universidade Anhanguera e professor de Direito Ambiental e de Direito Tributário no curso preparatório para o Exame da Ordem dos Advogados do Brasil na Rede de Ensino LFG.

Em 2012, foi consultor voluntário em Sustentabilidade na RIO+20 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD.

É autor de diversos artigos, do livro “Panorama Jurídico Ambiental no Mercosul” e coator da obra “Direitos Humanos em Desenvolvimento”, com o capítulo “Controle dos Impactos Ambientais de Grandes Projetos”.

[email protected]

1 TJRS – Apelação Cível 70019020387 – 2ª Câmara Cível – Relator Desembargador Roque Volkweiss. Julgado em 09/04/2008.

Page 20: Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro - viex-americas.com do Direito Ambiental... · Direito Ambiental Brasileiro Rodrigo Sucesso Diretor Divisão de Meio Amebiente VIEX Américas

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

20

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região – TRF3, por sua vez, julgou demanda em que o agente do IBAMA, ao descrever a violação cometida, enunciou nos autos de infração, como causa que o conduziu à aplicação das medidas punitivas, o desmatamento de “floresta nativa de domínio de mata atlântica”. Ocorre, contudo, que após análise das provas periciais, restou demonstrado que a área estava inserida no bioma cerrado2.

Aplicando a teoria dos motivos determinantes3, a Desembargadora Federal Mairan Maia entendeu pela nulidade dos autos de infração aplicados, já que, em suas palavras: “são inválidos os atos administrativos lavrados por vício quanto à motivação”.

Apesar de não se tratar de um caso de índole ambiental, o Superior Tribunal de Justiça também já se manifestou sobre a nulidade dos processos administrativos, quando houver violação ao contraditório e a ampla defesa. Decisão, esta, que pode ser utilizada como paradigma em todos os demais procedimentos administrativos.

De acordo com a Primeira Turma, ao analisar demanda em que a parte não foi regularmente notificada, entendeu pela nulidade do processo administrativo, já que “a notificação administrativa deve observar as exigências legais, de molde a afastar qualquer dúvida razoável de que o objetivo do ato foi alcançado”4. É exatamente esta a determinação contida no artigo 96 do Decreto 6.514/08.

Apesar dos precedentes favoráveis, a comprovação de que o processo administrativo é nulo não se traduz em uma tarefa fácil. Pelo contrário! Isso porque, os atos administrativos gozam de presunção de legitimidade e de veracidade e, para os tribunais, a legitimidade será desconstituída apenas se a parte fizer prova inequívoca de três aspectos: (a) inexistência dos fatos descritos no auto de infração; (b) atipicidade da conduta ou (c) vício em um de seus elementos componentes (sujeito, objeto, forma, motivo e finalidade)5.

A despeito de todo e qualquer procedimento administrativo ter que respeitar os ditames constitucionais, o que se percebe na prática é que as sanções vêm sendo aplicadas sem levar em considerações garantias básicas do administrado, como, por exemplo, o contraditório e a ampla defesa. Em razão do patente cerceamento de defesa, os Tribunais nacionais foram convocados a se manifestarem sobre a matéria. Deparando-se, por vezes, com um aparente conflito entre a proteção do meio ambiente e a garantia do contraditório, as decisões oscilam. Por vezes, tem-se o reconhecimento da nulidade, por vezes, tem-se a primazia da presunção de legitimidade em favor dos autos de infração.

Conforme indicado na inicial, o presente se trata de um simples ensaio sobre uma pesquisa que ainda está em andamento. Todavia, desde já é possível perceber a importância da participação dos aplicares do Direito, com vistas a

afastar supostos abusos das autoridades administrativas e garantir a todos os cidadãos o devido processo legal.

Referências bibliográficas

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 14ªed. São Paulo: Malheiros, 2004.

FREITAS, Vladimir Passos de. Direito Administrativo e Meio Ambiente. 4ªed. Curitiba: Juruá, 2010.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14ªed. São Paulo: Malheiros, 2012.

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: A Gestão Ambiental em Foco.7ªed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

O cerceamento de defesa no processo administrativo ambiental

2 TRF3 – Apelação Cível 1404325 – 6ª Turma – Relatora Mairan Maia. Julgado em 27/01/2011.3 Conforme Celso Antônio Bandeira de Mello, o motivo é “o pressuposto de fato que autoriza ou exige a prática do ato. É, pois, a situação do mundo empírico que deve ser tomada em conta para a prática do ato” (2002, pp. 350/351). 4 STJ - RESP/RS 379.332 – 1ª Turma - Relator Ministro José Delegado - julgado em 19/02/02.5 TRF3 – Apelação Cível 304987 – 6ª Turma – Relatora Mairan Maia. Julgado em 31/05/2012.

Page 21: Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro - viex-americas.com do Direito Ambiental... · Direito Ambiental Brasileiro Rodrigo Sucesso Diretor Divisão de Meio Amebiente VIEX Américas

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

21

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

Entre 2002 e 2003 o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA deu um passo à frente no debate em torno da proteção das dunas desprovidas de vegetação nativa, noutras palavras, dunas móveis, publicando duas Resoluções: a Resolução CONAMA 303/2002 que definiu as dunas como Área de Preservação Permanente - APP e a Resolução CONAMA 341/2003 que caracterizou como de interesse social a implantação de atividades ou empreendimentos turísticos sustentáveis em dunas móveis.

A Lei Federal 12.651/2012, popularmente conhecida como novo Código Florestal, ao consolidar o tema sobre APP trouxe para o seu texto a extensa sistematização feita pelo CONAMA na Resolução 303/2002 mas omitiu da lista de APP a referência explícita as dunas. Assim, deu dois passos atrás, pois resgata a insegurança jurídica da antiga lei ambiental de 1965 e alterações, em torno das dunas móveis, na medida em que também fez a alteração de competência para fins definição de novas APP e do que venha a ser caracterizado como sendo de interesse social.

A fim de explicar passo a passo o raciocínio acima, é essencial detalhar a evolução legislativa em torno das APP desde a publicação da Lei Federal 4.771/1965, até à sua final caracterização com a recente publicação da Lei Federal 12.651/2012.

As APP na Lei Federal 4.771/1965 (redação original)

Em 1965, com a publicação da Lei Federal 4.771 assinada pelo presidente cearense General Castelo Branco, então denominada “novo Código Florestal” e que revogou o Código Florestal de 1934, é sistematizado um conjunto de normas de proteção ambiental, instruindo, logo no seu primeiro artigo, que as florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País,

exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação em geral e especialmente essa mesma lei estabeleceram3.

Do mesmo modo, sem que à época tivesse dado uma definição a APP, considerou no seu artigo 2º de preservação permanente, pelo só efeito dessa mesma lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas, dentre várias hipóteses, nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues.No artigo 3º, também em sua versão original, viria ainda a considerar de preservação permanentes, quando assim declaradas por ato do Poder Público, as florestas e demais formas de vegetação natural destinadas, dentre outras hipóteses, a fixar dunas.Em outras palavras, as dunas fixas, estabilizadas por vegetação nativa, eram APP. As dunas móveis, não.

Destaque-se aqui, por ser relevante aos objetivos deste artigo, que no âmbito da Lei Federal 4.771/1965, inclusive com as modificações que lhe foram introduzidas pela Medida Provisória 2.166/2001, a instituição de novas hipóteses de APP seriam válidas quando declaradas por ato do poder público.

Hipóteses de intervenção em APP na Lei Federal 4.771/1965 (redação original)

Por fim, definiu a Lei Federal 4.771/1965 também em seu art. 3º que as APP, em qualquer hipótese - quer as definidas pela própria lei, quer posteriormente arrestadas a tal condição por declaração de ato do Poder Público - eram integralmente protegidas, admitindo-se a sua supressão apenas mediante prévia autorização do Poder Executivo Federal, quando fosse necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social. Especificamente, a partir de 2001, com a publicação da Medida Provisória 2.166/2001, a vegetação nativa fixadora de dunas ou estabilizadora de mangues somente poderia vir a ser suprimida exclusivamente em caso de utilidade pública4.

Rômulo Alexandre SoaresFormado em Direito pela Universidade Federal do Ceará (1994), detendo também o título de mestre em negócios internacionais pela Universidade de Fortaleza (2004).

É sócio coordenador das áreas de práticas jurídicas relacionadas às indústrias do Turismo, Construção Civil do escritório de Fortaleza, com prática também nas áreas de direito ambiental, empresarial e de investimento externo direto. Sua prática na área de direito societário, inclui também assessoria na formalização de acordos de investimento com governos estaduais e agências de investimento.

Com relação a direito ambiental, Rômulo tem relevante experiência na condução do licenciamento de importantes projetos no Estado do Ceará e Rio Grande do Norte, integrando diversas equipes multidisciplinares para a elaboração de Estudos de Impacto ambiental de empreendimentos nos segmentos de geração e transmissão de energia e da indústria do turismo.

[email protected]

Por: Rômulo Alexandre Soares, Tadeu Dote Sá1 e Gabriela Romero Coelho2.

1 Geólogo, professor da Universidade de Fortaleza - UNIFOR / CCT - Engenharia Ambiental e Sanitária 2 Advogada Sênior da firma Albuquerque Pinto Advogados e Auditor Líder RAB/QSA para o Sistema de Gestão Ambiental. 3 A Medida Provisória 166/2001 acrescentou um novo parágrafo a esse artigo 1°, estabelecendo que “as ações ou omissões contrárias às disposições deste Código na utilização e exploração das florestas e demais formas de vegetação são consideradas uso nocivo da propriedade, aplicando-se, para o caso, o procedimento sumário previsto no art. 257, inciso II, do Código de Processo Civil”. 4 Art. 4º, § 5º da Lei Federal 4.771/1965.

A Proteção Jurídica Das Dunas Móveis No Novo Código Florestal: Um Passo Em Frente, Dois Passos Atrás.

Page 22: Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro - viex-americas.com do Direito Ambiental... · Direito Ambiental Brasileiro Rodrigo Sucesso Diretor Divisão de Meio Amebiente VIEX Américas

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

22

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

Em síntese, durante 36 anos estas foram as três únicas referências a dunas no Código Florestal, estando claro que as restingas fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues seriam, por si só, APP, bem como também também seriam APP as florestas destinadas a fixar dunas, neste caso, apenas se assim declaradas por ato do poder público. Em ambas as hipóteses, a sua supressão somente seria admitida nos casos de utilidade pública.

A alteração da definição de APP na MP 2.166/2001

Em 2001, no ambiente de abertura democrática e de novo marco constitucional, o então presidente Fernando Henrique Cardoso e seu Ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, promoveram uma relevante modificação no Código Florestal através da Medida Provisória 2.166/2001, alterarando-lhe os arts. 1°, 4°, 14, 16 e 44, e acrescentando-lhe uma série de outros dispositivos.

O novo texto do art. 1° do Código Florestal passou a trazer uma série de definições, dentre as quais, o que vem a ser APP, definindo no inciso II do acrescentado § 2° desse artigo, como áreas protegidas nos termos dos arts. 2° e 3° dessa mesma Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.Essa definição trouxe uma relevante modificação no que se entendia até então por APP, na medida em que não se tratava mais de proteger apenas a vegetação, uma vez que tais áreas poderiam ser cobertas ou não por vegetação nativa. Além disso, estendeu o papel dessas mesmas áreas, associando-as a funções ambientais até então não referidas na Lei, como a de preservar a paisagem e assegurar o bem estar das populações5.

Na mesma Medida Provisória é feita uma profunda revisão do que viria a ser APP, mas manteve-se, no que se refere às dunas, a mesma redação da Lei publicada em 1965, não e como APP, referindo-as apenas quando associadas a vegetação de restinga.

Hipóteses de intervenção em APP na Medida Provisória 2.166/2001

Quanto às hipóteses de intervenção em APP, também inovou a Medida Provisória, uma vez que, acertadamente, definiu o que são utilidade pública e interesse social e trouxe nova hipótese de intervenção em APP nos casos de baixo impacto ambiental.

Definiu-se como de utilidade pública a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária; b) as obras essenciais de infraestrutura destinadas aos serviços públicos de transporte, saneamento e energia e aos serviços de

telecomunicações e de radiodifusão6; e c) demais obras, planos, atividades ou projetos previstos em resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA7.

Por sua vez, definiu-se como de interesse social a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa, tais como: prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios com espécies nativas, conforme resolução do CONAMA; b) as atividades de manejo agroflorestal sustentável praticadas na pequena propriedade ou posse rural familiar, que não descaracterizem a cobertura vegetal e não prejudiquem a função ambiental da área; e c) demais obras, planos, atividades ou projetos definidos em resolução do CONAMA8.Note-se, por relevante aos argumentos desenvolvidos neste artigo, que o CONAMA passou a ter com a Medida Provisória 2.166/2001 competência para declarar outras hipóteses de atividades ou obras de utilidade pública e de obras, planos, atividades ou projetos de interesse social.

As APP na Resolução CONAMA 303/2002

Em 2002, competente para tratar das APP em face do que dispôs a MP 2.166/2001, o CONAMA aprovou a Resolução 303 dispondo sobre os parâmetros, definições e limites de APP, justificando tal iniciativa, dentre outros motivos, em face da sua competência legal9, da função socioambiental da propriedade10

e os princípios da prevenção, da precaução e do poluidor-pagador e, por fim, a necessidade de regulamentar o art. 2º da Lei Federal 4.771/1965, no que concerne às APP.

Para os efeitos dessa Resolução, adotou-se um conjunto de definições, dentre as quais nos deteremos apenas sobre duas: restinga e duna.

(a) RestingaA referida Resolução definiu como restinga, o depósito arenoso paralelo à linha da costa, de forma geralmente alongada, produzido por processos de sedimentação, onde se encontram diferentes comunidades que recebem influência marinha, também consideradas comunidades edáficas por dependerem mais da natureza do substrato do que do clima11.

Complementando tal definição, registrou que a cobertura vegetal nas restingas ocorrem em mosaico, e encontra-se em praias, cordões arenosos, dunas e depressões, apresentando, de acordo com o estágio sucessional, estrato herbáceo, arbustivos e abóreo, este último mais interiorizado.

5 Art. 2º, § 2º, II da Lei Federal 4.771/1965. 6 Redação dada pela Lei Federal 11.934/2009. 7 Art. 1º, § 2º, IV da Lei Federal 4.771/1965. 8 Art. 1º, § 2º, V da Lei Federal 4.771/1965. 9 Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, regulamentada pelo Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990. 10 Arts. 5º, inciso XXIII, 170, inciso VI, 182, § 2º, 186, inciso II e 225 da Constituição Federal. 11 Art. 2º, VIII da Resolução CONAMA 303/2002.

A Proteção Jurídica Das Dunas Móveis No Novo Código Florestal: Um Passo Em Frente, Dois Passos Atrás.

Page 23: Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro - viex-americas.com do Direito Ambiental... · Direito Ambiental Brasileiro Rodrigo Sucesso Diretor Divisão de Meio Amebiente VIEX Américas

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

23

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

(b) DunaDe igual forma, a Resolução também definiu duna como sendo uma unidade geomorfológica de constituição predominante arenosa, com aparência de cômoro ou colina, produzida pela ação dos ventos, situada no litoral ou no interior do continente, podendo estar recoberta, ou não, por vegetação12.(c) Definição de APP na Resolução CONAMA 303/2002Sem aqui se fazer juízo de mérito, acerca da sua legalidade ou não13, é fato que a referida Resolução CONAMA 303/2002 estabeleceu, em paralelo ao Código Florestal, o que se caracterizaria como APP, a exemplo do que já havia sido feito um ano antes pela Medida Provisória 2.166/2001.

No que se refere à restinga, complementou a definição do Código Florestal, instituindo-a como APP, quando situada em faixa mínima de trezentos metros, medidos a partir da linha de preamar máxima e, em qualquer localização ou extensão, quando recoberta por vegetação com função fixadora de dunas ou estabilizadora de mangues14.Entretanto, inovou mais ainda ao estabelecer indiscutivelmente a duna como APP no inciso XII do seu art. 3º, compreendendo, portanto, não mais apenas aquelas fixadas por vegetação nativa ou também denominadas dunas móveis, conforme previsto na Lei Federal 4.771/1965, mas daí para a frente também as dunas desprovidas de vegetação nativa, ou em termos populares, dunas móveis15.

Tal entendimento do CONAMA, quer no que se refere à restinga não fixadora de dunas ou estabilizadora de mangues, quer no que se refere às dunas móveis, causou expressivo impacto naquele ano de 2002, sobretudo nos estados costeiros possuidores de extensos campos de dunas, carentes de infraestrutura turística e interessados em atrair o turismo nacional e internacional, face à sua relevância para a geração de riqueza e distribuição de renda. Foi o que ocorreu, por exemplo, no Estado do Ceará.

A ocupação de dunas móveis nos casos de projetos turísticos sustentáveis declarados de interesse social - Resolução CONAMA 341/2003

Já era presidente do CONAMA a então Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, quando esse Conselho, um pouco mais de um ano após a vigência da Resolução CONAMA 303/2002, publicou a Resolução CONAMA 341/2003, dispondo agora sobre critérios para a caracterização de atividades ou empreendimentos turísticos sustentáveis como de interesse social para fins de ocupação de dunas originalmente desprovidas de vegetação, na Zona Costeira, suavizando

os efeitos da Resolução de 2002.

Recorde-se, por oportuno, que em face do que dispunha a Lei Federal 4.771/1965, conforme as alterações promovidas pela Medida Provisória 2.166/2001, o CONAMA detinha em 2003 poderes para definir como de interesse social demais obras, planos, atividades ou projetos que assim entendesse, permitindo, exceto no caso de dunas fixas, o uso de dunas móveis16.

Desta forma, a Resolução CONAMA 341/2003, sem revogar o que havia sido disposto na Resolução CONAMA 303/200217, flexibilizou o uso de dunas móveis para as atividades ou empreendimentos turísticos sustentáveis, desde que atendidas as diretrizes, condições e procedimentos estabelecidos nessa mesma Resolução.

Nos termos dessa Resolução, para que a atividade ou empreendimento turístico sustentável pudesse ser declarado de interesse social deveria obedecer a um conjunto de requisitos, dentre os quais18, ter abastecimento regular de água e recolhimento e/ou tratamento e/ou disposição adequada dos resíduos; não comprometer os atributos naturais essenciais da área, notadamente a paisagem, o equilíbrio hídrico e geológico, e a biodiversidade; promover benefícios socioeconômicos diretos às populações locais além de não causar impactos negativos às mesmas; garantir o livre acesso à praia e aos corpos d’água; haver oitiva prévia das populações humanas potencialmente afetadas em Audiência Pública; e ter preferencialmente acessos com revestimentos que permitissem a infiltração das águas pluviais19.

Outra relevante previsão da referida Resolução CONAMA 341/2003 foi a de que as dunas desprovidas de vegetação somente poderiam ser ocupadas com atividade ou empreendimento turístico sustentável declarado de interesse social em até vinte por cento de sua extensão, limitada a ocupação a dez por cento do campo de dunas, recobertas ou desprovidas de vegetação20.

Além disso, em síntese, a mencionada Resolução, estabeleceu que a identificação e delimitação, pelo órgão ambiental competente, das dunas passíveis de ocupação por atividade ou empreendimento turístico sustentável declarados de interesse social deveriam estar fundamentadas em estudos técnicos e científicos que comprovassem que a ocupação de tais áreas não comprometeria, dentre outros aspectos, a recarga e a pressão hidrostática do aquífero dunar nas proximidades de ambientes estuarinos, lacustres, lagunares, canais de maré e sobre restingas; a quantidade e qualidade de água disponível para usos múltiplos na região e a função da duna na estabilização costeira e sua beleza cênica21.

12 Art. 2º, X da Resolução CONAMA 303/2002. 13 REsp 994.881/SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, primeira turma, Superior Tribunal de Justiça, julgado em 16.12.2008. dj. 09.09.2009. “Pelo exame da legislação que regula a matéria (Leis 6.938/81 e 4.771/65), verifica-se que possui o Conama autorização legal para editar resoluções que visem à proteção do meio ambiente e dos recurso naturais, inclusive mediante a fixação de parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente, não havendo o que se falar em excesso regulamentar”. 14 Art. 3º, IX da Resolução CONAMA 303/2002. 15 Art. 2º, VIII da Resolução CONAMA 303/2002. 16 Art. 1º, § 2º, V da Lei Federal 4.771/1965. 17 Aliás, acresceu à CONAMA 303, dentre outros, um considerando, dispondo sobre a excepcional beleza cênica e paisagística das dunas, e a importância da manutenção dos seus atributos para o turismo sustentável. 18 Art. 2º da Resolução CONAMA 341/2003. 19 Art. 2º, §1º da Resolução CONAMA 341/2003. 20 Art. 2º, §2º da Resolução CONAMA 341/2003. 21 Art. 3º, §2º da Resolução CONAMA 341/2003.

A Proteção Jurídica Das Dunas Móveis No Novo Código Florestal: Um Passo Em Frente, Dois Passos Atrás.

Page 24: Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro - viex-americas.com do Direito Ambiental... · Direito Ambiental Brasileiro Rodrigo Sucesso Diretor Divisão de Meio Amebiente VIEX Américas

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

24

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

Por sua vez, a identificação e delimitação acima mencionadas deveriam ser apreciadas pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente com base no Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro, quando houvesse, e de acordo com o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro22, devendo, além do mais, a construção, instalação, ampliação e funcionamento de atividade ou empreendimento turístico sustentável em dunas móveis, serem precedidos obrigatoriamente de EIA/RIMA23 e, deste modo, considerar, em cada unidade de paisagem, entre outros aspectos, o impacto cumulativo do conjunto de empreendimentos ou atividades implantados ou a serem implantados em uma mesma área de influência, ainda que indireta.

Entre 2003 e 2012 passou-se por uma relativa convergência de interesses originariamente opostos. A publicação da Resolução CONAMA 341/2003 é fruto de um diálogo bem sucedido de dois lados distintos.

A ocupação de dunas móveis no novo Código Florestal de 2012

O debate em 2012 em torno do texto final do novo marco legal para o meio ambiente consolidado na Lei Federal 12.651 foi importante para promover uma ampla reflexão social sobre crescimento sustentável e trazer avanços e acordos importantes numa sociedade em amplo debate e numa economia que precisa ser expandida. Entretanto, no que se refere ao aproveitamento econômico na zona costeira, mais precisamente das áreas localizados em ambiente dunar, o texto final regrediu para um cenário de grande insegurança jurídica que havia sido superada com a publicação das Resoluções CONAMA 303/2002 e 341/2003.

O texto do novo Código Florestal é tabula rasa no que se refere a APP, uma vez que revogou a antiga Lei Federal 4.771/1965, a Resolução CONAMA 303/2002 e também a Resolução CONAMA 341/2003, conforme teremos oportunidade de tratar mais à frente.

A alteração da definição de APP na Lei Federal 12.651/2012

O texto da nova lei é praticamente o contido na antiga lei no que se refere à definição de APP e também o mesmo que constava da Resolução CONAMA 303/2002, quanto às áreas caracterizadas como APP, entretanto, com duas importantes exceções: as APP podem agora estar localizadas tanto em zonas rurais ou urbanas24 e as dunas não são mais explicitamente consideradas APP para os efeitos da referida lei.

Diz a nova lei que se considera APP, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos dessa mesma Lei, dentre outras25 (...) VI - as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues. A referência explícita em inciso individualizado que constava na Resolução CONAMA 341/2003 foi suprimida.

Do mesmo modo, no que se refere às outras hipóteses de APP quando

declaradas de interesse social, a nova Lei também omitiu a referência a dunas existente na legislação anterior26, passando, em alternativa, a constar, dentre outras hipóteses, serem declaradas como de interesse social aquelas entendidas como necessárias para, (...) II - proteger as restingas ou veredas27,

À primeira vista, pode-se argumentar que dunas móveis não seriam mais APP, uma vez que foi suprimida a referência expressa a dunas contida na legislação então em vigor até à promulgação da nova Lei, e aqui nos referimos à Resolução Conama 303/2002.

Entretanto, a questão não é simples, na medida em que a Lei Federal 12.651/1012 trás uma ligeira alteração na definição de restinga propriamente dita e da restinga enquanto APP.

A nova Lei define restinga como sendo um depósito arenoso paralelo à linha da costa, de forma geralmente alongada, produzido por processos de sedimentação, onde se encontram diferentes comunidades que recebem influência marinha, com cobertura vegetal em mosaico, encontrada em praias, cordões arenosos, dunas e depressões, apresentando, de acordo com o estágio sucessional, estrato herbáceo, arbustivo e arbóreo, este último mais interiorizado28.Do mesmo modo, a nova lei, conforme já transcrita acima, passou a qualificar como Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos dessa Lei (...) VI - as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues29.Note-se que o texto legal sobre APP não refere mais explicitamente, como na antiga lei (a vegetação) “em restinga, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues”; ou na Resolução CONAMA 303/2002, “nas restingas: (a) em faixa mínima de trezentos metros, medidos a partir da linha de preamar máxima; (b) em qualquer localização ou extensão, quando recoberta por vegetação com função fixadora de dunas ou estabilizadora de mangues”.

A associação da definição de restinga com a sua caracterização como APP certamente traz um debate profundo e extenso sobre qual foi o alcance e intenção da nova Lei Federal, ao suprimir a referência expressa a duna e ter modificado a definição de restinga e sua caracterização como APP.

A alteração de competência para caracterização de APP (a revogação da Resolução CONAMA 303/2002 pela Lei Federal 12.651/2012)

Não se pode dizer que, se a nova lei Lei Federal 12.651/2012 é omissa, a Resolução CONAMA 303/2002, não o é e, portanto, dunas (fixas e móveis) continuam sendo APP, em face do que dispõe o art. 3º da referida Resolução.

22 Art. 3º, §1º da Resolução CONAMA 341/2003. 23 Art. 4º da Resolução CONAMA 341/2003. 24 A Lei 4.771/1965, após ter sido alterada pela Lei 7.803/1989, passou a estabelecer no parágrafo único do seu art. 2º, que no caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, obervar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere o próprio artigo. 25 Art. 4º da Lei Federal 12.651/2012. 26 Art. 2º, X da Resolução CONAMA 303/2002. 27 Art. 6º da Lei Federal 12.651/2012. 28 Art. 3º, XVI da Lei Federal 12.651/2012. 29 Art. 4º, VI da Lei Federal 12.651/2012

A Proteção Jurídica Das Dunas Móveis No Novo Código Florestal: Um Passo Em Frente, Dois Passos Atrás.

Page 25: Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro - viex-americas.com do Direito Ambiental... · Direito Ambiental Brasileiro Rodrigo Sucesso Diretor Divisão de Meio Amebiente VIEX Américas

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

25

Cúpula do Direito Ambiental Brasileiro

Não se pode dizer isso, como já vimos equivocada referência30, pois entendemos que tal Resolução CONAMA 303/2002 foi revogada pela nova Lei Federal 12.651/2012, uma vez que não é mais o “ato do poder público”, mas sim “ato do Chefe do Poder Executivo” que pode declarar de interesse social outras áreas para fins de as caracterizar como APP, destinadas a uma ou mais funções indicadas no art. 6º da nova Lei31.

A alteração de competência para caracterização de obra ou atividade de interesse social para fins de ocupação de APP (A revogação da Resolução CONAMA 341/2002 pela Lei Federal 12.651/2012)

Do mesmo modo, não se pode afirmar que, ainda que as dunas sejam APP pela nova Lei, as mesmas podem ser ocupadas na forma já disciplinada pela Resolução CONAMA 341/2003, ou seja, nos casos de projetos turísticos sustentáveis declarados de interesse social por essa mesma Resolução.

Não se pode dizer isso, pois entendemos que tal Resolução CONAMA 341/2003 também foi revogada pela nova Lei Federal 12.651/2012, uma vez que não é mais o CONAMA, mas sim o Chefe do Poder Executivo Federal que agora pode declarar de interesse social outras atividades similares devidamente caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional à atividade proposta32.

Dunas móveis são APP pela Lei Federal 12.651/2012?

Concluímos pela explanação acima, que o novo marco legal ambiental surgido com a publicação da Lei Federal 12.651/2012 trouxe uma insegurança jurídica para a sociedade, pois não ficou claro se as dunas móveis não são mais consideradas APP ou, ao contrário, se permanecem sendo APP em face da definição do que venha a ser restinga e a caracterização desta como APP.

O fato é que a certeza trazida em 2002 pela Resolução CONAMA 303 de que dunas móveis seriam APP e, posteriormente, a pacificação trazida pela Resolução CONAMA 341/2003, mediante a autorização da ocupação de dunas móveis por atividades ou projetos turísticos sustentáveis, até o limite de 10% do campo de dunas, foi-se embora com a publicação da Lei Federal 12.651/2012.

Recomendações a título de conclusão deste artigo

Em que pese a dúvida se dunas móveis são APP ou não em face do que dispõem os art. 3º e 4º da Lei Federal 12.651/2012, filiamo-nos àquela corrente que entende que as dunas móveis desempenham relevante papel na formação e recarga de aquíferos, são de fundamental importância na dinâmica da zona costeira e no controle do processo erosivo e por isso devem ser qualificadas legalmente como APP.

Mas ao mesmo tempo, entendemos que não pode ser retirado do poder público, da própria sociedade e dos agentes econômicos, o aproveitamento turístico dos recursos naturais disponíveis, desde que tais ativos ambientais sejam utilizados de modo sustentável, a fim de se cumprir a necessidade emergente de gerar e distribuir riqueza e possibilitar a redução das profundas desigualdades regionais que dividem o Brasil do norte e do sul.

Neste sentido, entendemos que é apropriado compatibilizar ambos os aspectos

indicados acima pela via ditada pelos incisos VIII, alínea e, IX, alínea g, ambos do art. 3º, combinados com o art. 8º, todos da nova Lei Federal 12.651/2012, qual seja, por um lado, declarando-se as dunas como APP e, por outro, aproveitando-se o texto da revogada, mas rica Resolução CONAMA 341/2003, declarando-se, por ato do Chefe do Poder Executivo Federal, que são de interesse social, mediante procedimento administrativo específico aprovado pelos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, as atividades ou empreendimentos turísticos sustentáveis em dunas móveis, atendidas as diretrizes, condições e procedimentos a serem especificados na mesma ocasião pelo próprio Chefe do Poder Executivo Federal.

Quanto a tais condições e procedimento, entendemos também que aqueles já dispostos na Resolução CONAMA 341/2003, podem integrar o ato do Chefe do Poder Executivo Federal.

Assim sendo, a atividade ou empreendimento turístico sustentável para ser declarado de interesse social, além de ter que ser caracterizado e motivado em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional à atividade proposta, não poderá comprometer os atributos naturais essenciais da área, notadamente a paisagem, o equilíbrio hídrico e geológico, e a biodiversidade e deverá garantir benefícios socioeconômicos diretos às populações locais e o livre acesso de todos à praia e aos corpos d’água.

Do mesmo modo, as dunas desprovidas de vegetação nativa somente poderão ser ocupadas com atividade ou empreendimento turístico sustentável em até vinte por cento de sua extensão, limitada a ocupação a dez por cento do campo de dunas, recobertas ou desprovidas de vegetação nativa.

Por fim, a identificação e delimitação pelo órgão ambiental competente, das dunas móveis passíveis de ocupação por atividade ou empreendimento turístico sustentável declarados de interesse social, deverá estar fundamentada em estudos técnicos e científicos que comprovem que a ocupação de tais áreas não comprometerá, dentre outros aspectos, a recarga e a pressão hidrostática do aquífero dunar nas proximidades de ambientes estuarinos, lacustres, lagunares, canais de maré e sobre restingas; a quantidade e qualidade de água disponível para usos múltiplos na região, notadamente a consumo humano e dessedentação de animais; os bancos de areia que atuam como áreas de expansão do ecossistema manguezal e de restinga; os locais de pouso de aves migratórias e de alimento e refúgio para a fauna estuarina; e, por fim, a função das dunas na estabilização costeira e sua beleza cênica.

Tal ajuste por parte do Chefe do Poder Executivo Federal fará retornar o ambiente de acordo experimentado em 2003 com a publicação da Resolução CONAMA 341/2003, admitindo-se o uso sustentável de um importante ambiente costeiro nacional.

Do Contrário, retornaremos a 1965 e, novamente, a insegurança jurídica fará aflorar as mais diversas interpretações da norma ambiental, desde as mais restritivas até às mais permissivas, provocando um frustrante debate entre aqueles para os quais tudo pode e aqueles para os quais nada pode ser feito em dunas móveis.

A Proteção Jurídica Das Dunas Móveis No Novo Código Florestal: Um Passo Em Frente, Dois Passos Atrás.

30 http://4ccr.pgr.mpf.mp.br/atuacao/encontros-e-eventos 31 Art. 8º da Lei Federal 12.651/2012. 32 Art. 3º, IX, g da Lei Federal 12.651/2012.