Cultura e Educação no Brasil Contemporâneo
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EDUCAO E CULTURA NO BRASIL CONTEMPORNEO 1
Introduo
Este paper tem como objetivo fazer uma reflexo sobre as possveis articulaes
entre a educao escolar e a educao miditica no Brasil. A proposta nasceu da
necessidade de melhor contextualizar o papel das mensagens da cultura das mdias para
amplos segmentos da populao brasileira fugindo dos juzos de valor. Estigmatizado e
muitas vezes visto como pura manipulao creio que o contedo proposto pelas mdias h
muito vem ajudando a construir a formao cultural do brasileiro. Em outras palavras, o
contexto desta discusso nasceu da necessidade de fundamentar a hiptese de que os
produtos e mensagens miditicas podem servir como fonte de capital cultural, podem ser
usados como veculos difusores de um saber que em condies propcias de socializao
passam a atuar como elementos distintivos.
Em artigo anterior, Setton (2004) considerou a possibilidade de pensar a educao
popular no Brasil como um bloco de cultura hbrido, profundamente marcado pelas
influncias da cultura escolar e miditica. Servindo-se da idia de cultura enquanto
processo, afirmou que a cultura popular ou cultura de massa, em muitos momentos se
confundem, pois ambas, juntamente com a cultura dos segmentos escolarizados, formam
um bloco maior. Neste sentido, proponho dimensionar a fora, o alcance e o limite destas
duas formas de educao. Acredito que pensar a histria da escolarizao articulada
histria da indstria de bens simblicos no Brasil ajudaria a conceber a especificidade de
parte da educao e da cultura de nosso pas.
Sobre educao em geral e no Brasil
Em seu conhecido Educao e Sociologia , Durkheim apresenta uma discusso sobrea funo da educao. Para ele, a educao a ao exercida, pelas geraes adultas, sobre as
geraes que no se encontrem preparadas para a vida social; tem por objetivo suscitar e
desenvolver, na criana, certo nmero de estados fsicos, intelectuais e morais, reclamados pela
sociedade poltica, no seu conjunto, e pelo meio especial a que a criana, particularmente, se
destine. (Durkheim,1978: 41)
1 Trabalho apresentado no NP -11 Comunicao educativa no XXVIII Encontro dos Ncleos de Pesquisa daINTERCOM. Setton, Maria da Graa, FE-USP, professora doutora em sociologia.
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Assim, para Durkheim a educao uma prtica reclamada pela sociedade em seu
conjunto e pelo ambiente particular em que a criana se encerra. Ou seja, para o autor no
existiria um modelo nico de educao, um modelo ideal, apropriado por todos os homens,indistintamente. Ao contrrio, nestas reflexes chama ateno para o fato de que a
educao uma prtica histrica e social, portanto obedece aos limites culturais e as
demandas sociais de seu tempo. Mais que isso, Durkheim afirma que os sistemas
educativos podem ser vistos como um conjunto de atividades e de instituies, lentamente
organizadas no tempo, solidrios com outras instituies sociais, que a educao exprime e reflete,
instituies essas, por conseqncia, que no podem ser mudadas vontade, mas s com a
estrutura mesma da sociedade. Neste sentido poderia afirmar que o conjunto de instituies
educativas, formais ou informais - entre elas as miditicas-, construdas ao longo da histria
da sociedade brasileira serve como elemento regulador do qual no podemos escapar sem
vivas resistncias. So produtos da vida em comum e exprimem as necessidades da
sociedade. So na maior parte, obras das geraes passadas (Durkheim, 1978:35-37).
Mais recentemente, Bernard Charlot, em seu livro Da relao com o saber,
contribui para melhor circunstanciar o sentido da palavra educao. Para ele educao
uma produo de si por si mesmo, mas esta autoproduo s possvel pela mediao do outro e
com sua ajuda. Ningum poder educar-me se eu no consentir, de alguma maneira, se eu nocolaborar. Inversamente, porm eu s posso educar -me numa troca com os outros e com o mundo;
a educao impossvel, se a criana no encontra no mundo o que lhe permite construir-se
(Charlot,2000:54).
Complementando as idias de Durkheim, Charlot aponta alguns elementos
importantes do ato de educar que interessam para o desenvolvimento desta reflexo. O
primeiro deles se refere participao ativa do sujeito em sua dmarche educativa
desencadeada pelo coletivo. Em seguida, enfatiza a motivao, o estimulo interno e
necessrio para a efetiva apropriao dos ensinamentos propostos pelo exterior. Por fim,
Charlot chama ateno para a relao dialgica que se estabelece entre o educador e o
educando, a troca e uma certa dose de identificao e projeo entre os artfices deste
processo.
No que se refere em especial escola sabemos o quanto difcil determinar, em
consenso, sua funes educativas. Para o interesse desta reflexo, vale lembrar, no entanto,
que a escola seleciona apenas uma verso autorizada da cultura e/ou dos saberes. E, neste
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sentido, da mesma forma que seleciona faz esquecer parte de uma memria scio-cultural.
Ou seja, ao se produzir uma tradio de contedo escolar temos que realizar,
simultaneamente, uma enorme perda, bem como uma reinterpretao daquilo que conservado pela instituio escolar. Assim, preciso salientar, o que se transmite na escola
apenas uma parte do que foi produzido pela humanidade (Forquin,1992). No obstante,
segundo Forquin, para transmitir tal contedo a escola precisa, sobretudo reestruturar e
reorganizar os saberes. Precisa desenvolver mtodos de transposio didtica dos contedos
pois a transmisso no direta. Precisa se armar de dispositivos mediadores da
aprendizagem. E nesta transposio acaba por impor disposies cognitivas especficas. Ou
seja, saberes e modos de configurar o julgamento em um modelo que podemos designar
como um modelo escolar de pensamento. Pode-se afirmar que a escola ento responsvel
pela produo de uma cultura, uma dinmica de organizao cognitiva que lhe prpria.
Isto , uma cultura derivada, resultado de compilaes, exerccios sistemticos e
reiterativos de recursos mentais.
Desta feita importante salientar, a escola produtora e criadora de configuraes
cognitivas e de formas de pensar originais um verdadeiro habitus na conceituao de
Bourdieu - que lhes do uma certa especificidade. Em outras palavras, a transposio
didtica e sua rotinizao acadmica so responsveis por uma relao com o conhecimento
e a informao que exigem exerccios mentais complexos, derivados de mecanismos
operatrios comparativos e/ou de snteses, prprios ao ambiente escolar. Neste sentido, este
habitus escolar, frutos de uma seleo e transposio a partir de um corpus de cultura
especfico, fazem da escola uma instituio autnoma, matriz de saberes singulares,
produtora de formas tpicas de atividade intelectual que habilitam os indivduos a partilhar
formas de raciocnio caractersticos. No caso especfico do Brasil sabemos que desde seu
descobrimento a tarefa de implantao e de universalizao da educao escolar foiproblemtica. No procede aqui contar em detalhes a histria da implantao de nosso
sistema de ensino. Contudo, cabe ressaltar que embora ainda hoje no chegue a ser
universal, houve uma multiplicidade de modelos de escolarizao ao longo de nossa
histria. Como bem aponta Faria Filho & Vidal Ao analisar o processo de escolarizao
(primria) no Brasil, atentando para as questes referentes aos espaos e tempos escolares e
sociais temos a possibilidade de interrogar o processo histrico de sua produo, contribuindo
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para descobrirmos infinitas possibilidades de viver e, dentro da vida, formas infinitas de fazer a e
do fazer-se da escola e de seus sujeitos (Faria Filho & Vidal,2000:21). A respeito da
evoluo do ensino mdio, nosso intuito, no entanto, ao citar a existncia desses colgios, apenas sinalizar que todas essas iniciativas so representativas de uma forma escolar com um
objetivo bem definido: a educao da elite. Esta educao permaneceu no pas, mesmo com a
Repblica, at a promulgao da nossa primeira Lei de Diretrizes de Bases da Educao
Nacional e m 1961. Mas, entre os colgios de ontem e os colgios de hoje, h todo um percurso que
tornou essas instituies, trofu de um ensino privado de elite...(Nunes,2000:40).
Um pouco de histria
No perodo, que se prolonga da proclamao da Repblica at meados dos anos 40,
ainda que a educao escolar apresentasse uma estrutura sistmica mais definida e
desenvolvida, possvel afirmar que herdamos, do modelo anterior, uma tradio elitista de
estudo. A partir de Vargas, com uma marcante administrao centralizada, mantivemos o
sistema dualista de ensino. Ou seja, os grupos escolares com ensino elementar sob
responsabilidade dos estados e, um ensino mdio e tcnico sob a responsabilidade do
governo federal. Segundo Farias Filho e Vidal, apesar de os primeiros grupos escolares
terem sido construdos, em So Paulo, na ltima dcada do sculo XIX, ainda nos anos 20 e30 do sculo XX, a construo de tais espaos era reclamada em boa parte das capitais das
demais unidades da Federao (Farias Filho & Vidal, 2000:21). Tidos como modelos, os
grupos escolares, contudo, tiveram uma histria muito diferenciada nos diversos estados
brasileiros. Infelizmente, apresentados como prtica e representao que permitiam aos
republicanos romper com o passado imperial, os grupos escolares projetaram para o futuro
e projetaram um futuro republicano que no se realizou. Se tinham como inteno
reconciliar o povo com sua nao, plasmando uma ptria ordeira e progressista, os nmeros
apresentados demonstram o contrrio. J no final dos anos 40, das 6.700.000 crianas em
idade escolar, apenas 3.200.000 estavam matriculadas. Das 44.000 unidades escolares em
funcionamento, somente 6.000 foram construdas para a funo de escola e pertenciam ao
governo(...). Os melhores edifcios e a ma ioria das matrculas encontravam-se nas cidades. De
fato, afirmavam que praticamente toda a populao em idade escolar (7 a 12 anos) no acolhida
pela escola localizava-se nas zonas rurais (Farias Filho & Vidal:2000:31).
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Relativo a este perodo, (ps-Repblica at os anos 50), importante lembrar
tambm que se mantm as barreiras para o ingresso no ensino secundrio, este sendo
privilgio para as elites. O exame de admisso foi por algumas dcada a linha divisria decisivaentre a escola primria e a escola secundria. Funcionou como um rito de passagem cercado de
significados e simbolismos, carregado de conflitos para os adolescentes.... (Nunes:2000:45).
Para os interesses desta reflexo, importante reiterar, contudo, que o ensino
universalizado, ainda que fosse demanda de setores da populao, manteve uma estrutura
educacional elitista. Ou seja, amplos segmentos ainda no eram alfabetizados no perodo.
expressivo o ndice de 56,1% analfabetos, em 1940. Do total da populao, apenas 7,3%
estavam matriculados no ensino fundamental e 0,6% matriculados no ensino mdio
(IBGE,1953).
Mais recentemente, dos anos 50 at o momento atual, em linhas gerais, vemos a
continuidade do enfrentamento entre ideais educativos que privilegiam a democratizao do
acesso escola, projeto partilhado por segmentos liberais e, por outro lado, os
conservadores, que defendem a liberdade do ensino e a iniciativa privada. Em relao
fora destes primeiros interesses, observa-se uma significativa expanso do nvel de ensino
mdio com o estabelecimento de ginsios nas localidades onde este era inexistente. No
obstante, na expanso ainda influram as disparidades regionais e a ao da iniciativa privada
(...) A regio sudeste, em comparao as demais regies do pas, era a mais beneficiada em termos
de educao secundria. Assim que esta regio possua, em 1960, 60% da matrcula total do
ensinosecundrio, 56% do total de estabelecimentos do pas, 43,76% da populao total, 13,36%
de matricula mdia em relao populao adolescente.No segundo caso, a ao privada era
preponderante nos anos 60, embora no to marcante quanto nos anos 40, quando perfazia um
total de 73,3% em contraposio atuao pblica reduzida a uma percentagem de 26,7%
(Nunes:2000:46).
Vrios substitutivos nas leis de diretrizes de bases nos anos 1955 a 1964 ainda
revelam uma tendncia privatista, portanto de orientao elitista. Prevalece, neste perodo,
o conflito entre ensino pblico e ensino privado travado entre partidrios (liberais e
pioneiros) de uma escola leiga e gratuita para amplos segmentos da populao e interesses
do setor privado (catlicos-conservadores) que culminou em estatsticas significativas. Ou
seja, se em 1962, o percentual de matrculas na rede pblica de 82%, com um total de
bolsas de 18%; em 1965, a relao de 63% na rede pblica e de 37% para as bolsas de
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estudos financiadas pelo poder pblico (Hilsdorf,2003; Nunes,2000). Contudo, foroso
lembrar a expanso da escola pblica, a partir da dcada de 60. Segundo ampla bibliografia
esta expanso feita a partir de critrios extra educativos, ou seja, um eufemismo paracaracterizar critrios educativos populistas. Neste sentido, caberia citar ainda algumas
medidas postas em prtica, entre os anos 50 e 60, que caracterizam a perda de qualidade do
ensino pblico. Destaco, a reduo dos perodos letivos, o aumento do nmero de alunos
por classe, a instalao do regime de promoo automtica, a construo de escolas em
galpes de madeira, com mveis de caixote, entre outras. Todas elas medidas que no
contaram com o apoio do Poder Legislativo nem de educadores, mas que se tornaram
permanentes.
Mais recentemente, nas dcadas de 80 e 90, estudos revelam a perda de
oportunidades educacionais e rebaixamento no padro da escolarizao. Ou seja, uma
brutal excluso escolar e social: no Brasil, em 1980, quase 60% da populao era constituda de
pobres (39%) e de indigentes (17%) e a permanncia dos ingressantes no sistema escolar no se
alterou de forma expressiva. A rigor, houve perda das oportunidades educacionais e rebaixamento
no padro da escolarizao da populao brasileira. Caiu a freqncia e permanncia na escola
elementar, comparativamente quela do perodo Vargas (Hilsdorf,2003:127-128).
A herana educativa das mdias
Para contextualizar a presena no Brasil de um mercado de bens simblicos, desde o
inicio do sculo, seria interessante recorrer mudana gradual mas, inexorvel de uma
sociedade agrria para uma sociedade urbana afinada ao estilo de uma cultura moderna. O
Brasil, embora distante dos plos de deciso e voltado para uma economia de exportao,
no passou insensvel aos ventos da modernidade. As elites do Rio de Janeiro, So Paulo e
demais capitais litorneas sempre foram suficientemente informadas e se deixaram levar
pelos encantos da Segunda Revoluo Industrial - a chamada Revoluo Cientfico-
Tecnolgica. Num ambiente marcado pela extenso e intensidade das rpidas mudanas nas
formas de conduta, o brasileiro mdio, das zonas urbanas, aos poucos foi se adaptando ao
novo modo de vida baseado no avano da cincia e da tecnologia. Esta tarefa coube em
grande parte s elites. E, foram elas que em um movimento lento, mas constante,
disponibilizaram para as grandes massas a convivncia com as mdias. Muito j se escreveu
sobre os investimentos do setor da indstria da cultura em nosso pas. Miceli (1984), Ortiz
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(1988), Sevcenko (2004), entre outros, atestaram em suas pesquisas o quanto o brasileiro,
desde meados do sculo passado, mas principalmente com os governos militares, viu-se
submetido a uma nova ordem social e cultural. Na esteira destes investimentos sabido queentre 1970-1973, a indstria de transformao cresce a nveis espantosos, sendo que os
setores que mais se destacam so o eletrnico (28%) e o automobilstico (25%), vetores
expressivos de nossa modernidade em construo. Mais recentemente, Setton (2004) pde
afirmar que, se por um lado, na dcada de 50, as emisses de rdio j estavam praticamente
generalizadas em territrio nacional, se o cinema levava multides s salas de projeo e se
a difuso televisiva dava seus primeiros passos, por outro lado, neste mesmo perodo,
metade da populao brasileira era ainda analfabeta. Contudo, creio que seria esclarecedor
reiterar que se sabido que na dcada de 70 em diante o impulso nas inverses financeiras
estatais e privadas - na esfera do mercado de cultura foram as mais expressivas at ento,
desde o incio do sculo o brasileiro urbano convivia com as mdias.
Para os interesses desta reflexo, uma leitura mais apurada sobre a histria da
cultura no Brasil, apreende uma certa tradio de nossas mdias na prescrio de padres de
conduta para os segmentos urbanos. Por exemplo, em relao ao mercado de bens
impressos, Hallewell (1985) afirma que a primeira editora brasileira, nos idos de 1862,
ostentava ttulos de grande apelo educativo como Dicionrio de Medicina Domstica,
Sucintos Conselhos s Jovens Mes para o Tratamento Racional de seus Filhos, entre
outros. Sevcenko (2004,2004a), tambm considera esta nossa particularidade. A partir de
farta documentao histrica, afirma que a imprensa, o rdio, o cinema e a publicidade, h
muito vinham servindo como fonte de informao e prescrio de costumes. Analisando as
crnicas de Machado de Assis e Joo do Rio, o autor apreende um novo estilo de vida, que
se expande pelo mundo ocidental, e o papel dos novos veculos miditicos no Brasil como
responsveis pela circulao e legitimao de uma nova cultura. De uma certa forma, asmdias como fonte de um tipo de educao prescritiva dos valores da moda, de como estar e
ser moderno, estavam presentes no cotidiano de parcelas significativas da populao
brasileira, desde o incio do sculo XX. Ser moderno implicava alguma identificao com a
tecnologia e uma atitude cosmopolita. Neste sentido, como fonte de divulgao os censores
da correo, os ditadores da moda, proclamando seus decretos pelos jornais e revistas
mundanas preencheram espaos deixados pela escola servindo desde ento como fonte de
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assimilao de valores. O que passa por gosto na verdade a moda, que deve mudar sempre
para impedir a emulao e, por meio dela, qualquer indesejvel identificao. Prevalece agora no
o desejo de estar identificado, pelas suas vestes, adereos e apetrechos, com um meio socialhomogneo, com um padro funcional ou com um estrato cultural. O momento o de afinar-se com
o tempo, com as notcias rpidas, com a circunstncia europia atualizada pelo dernier bateau ou,
em breve, a americana do ltimo filme (Sevcenko:2004a:537-538).
A presena da imagem em movimento, ou seja, o cinema, foi tambm notavelmente
educativa neste perodo. A energia eltrica, gerada em escala industrial no Rio e em So
Paulo, a partir de 1907, introduz novos hbitos na sociedade. E o cinema o principal
deles. Segundo relatos de um cronista da poca j em 1896, Cinematgrafos... o delrio
atual. Toda a cidade quer ver o cinematgrafos (...) Na avenida Central, com entrada
paga, h dois, trs e a concorrncia to grande que a polcia dirige a entrada e fica a
gente esperando um tempo infinito na calada (1907 Joo do Rio - cronista). Atestando
a presena do novo entretenimento das massas, o poeta Blaise Cendrans, j tinha notado a
influncia das imagens de Hollywood em nosso meio: eu estava no Brasil na poca em que o
filme Platine blonde foi exibido ( em fins dos anos 20), de forma que pude presenciar que o filme foi
de fato um tremendo sucesso no Rio de Janeiro, pois em menos de uma semana todas as lindas
mulatas e negras caprichosas que saem de suas casas ao pr-do-sol para passear na avenidaCentral, se exibindo e gozando de brisa fresca vinda da orla do mar, na praia do Flamengo,
haviam descolorido seu cabelo e maquiado o rosto com tons cor-de-rosa
(Sevcenko,2004a:600).
pouco divulgado tambm que j nas dcadas de 10 e 20, do sculo passado, a
produo cinematogrfica nacional, embora pequena em relao estrangeira, tinha uma
produo mdia de 12 filmes por ano. Nas dcadas de 40 e 50 a presena dos estdios da
Atlntida e Companhia Cinematogrfica Vera Cruz, nicas produtoras de filmes
comerciais de destaque, foram responsveis pela produo de quase 90 filmes. Vale citar
algumas personalidades eminentes como Oscarito, presente em 34 chanchadas, Grande
Otello e depois Mazzaropi que durante geraes foram dolos do grande pblico. Para
melhor caracterizar este perodo, lembro que se nas telas, predominavam as chanchadas, e
se estas eram desprezadas como produtos de baixa qualidade, uma coisa no se podia negar.
At aquela data, o cinema brasileiro nunca conseguira atrair, com tal mpeto e regularidade,
a ateno e o entusiasmo do grande pblico. Em 1950 tivemos 180 milhes de
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espectadores. Como primeira mdia de massa no Brasil, o rdio, surgiu em 1925 e foi at o
incio da dcada de 30 uma mdia restrita a um pblico de elite. Por volta de 1935 at 1954,
no obstante, o rdio se profissionaliza e se populariza. Ou seja, com um cartereminentemente popular, investe em programas de auditrio que deixaram marcas nas
geraes de nossos avs. A Radio Nacional (1936) e Mayrink Veiga (1930) no Rio de
Janeiro e/ou as rdios Bandeirante e Tupi, em So Paulo, contriburam para a formao da
nossa moderna tradio miditica, desde o perodo Vargas (Albin,2003). Para dimensionar
a fora da radiodifuso basta mostrar a evoluo do nmero de emissoras. Em 1940,
tnhamos 76 emissoras, em 1945, 117 e, em 1950, o expressivo nmero de 243 empresas
emissoras. Seja nas zonas urbanas ou rurais o rdio j nesta poca fazia parte da vida dos
brasileiros. Nos anos 40 e 50, estudiosos atestam que o rdio era a grande janela para o
mundo. Trazia para quase todos os lares as ltimas notcias, moldava a opinio pblica,
vendia produtos, lanava modas, e alimentava sonhos dos ouvintes...Quem no se lembra,
da gerao de nossos pais ou avs, de Linda Batista que nos anos de 1937 a 1948 recebeu
as homenagens de Rainha do Rdio, ou ento Emilinha Borba, Marlene, entre outras;
Francisco Alves, o Rei da Voz , cantor que mais gravou em 78 rotaes ou Orlando Silva ,
o Cantor das Multides bem como os Programas de Csar de Alencar na Radio Nacional.
sabida, pois, a importncia da indstria fonogrfica na construo de nosso imaginrio
social. Na interpretao e/ou exaltao de um tipo brasileiro bomio e brejeiro e/ou da
mulata dengosa a produo cultural do incio e meados do sculo notvel marcando
presena em nosso cancioneiro popular. Mais explicitamente, por volta dos anos 40,
apropriando-se do potencial pedaggico da MPB, Getlio Vargas faz uso das mdias,
principalmente o rdio, investindo em uma imagem do operrio trabalhador. Uma breve
incurso no universo musical atesta estas hipteses (Albin, 2003). Sem nostalgia, mas
procurando investigar nossa familiaridade com a produo miditica, o que interessasalientar que a msica, o humor e a radionovela estiveram presentes nos lares brasileiros
muito antes que a escola deixasse suas marcas. Deve-se salientar tambm que neste
perodo, entre 60 e 70, o desenvolvimento da indstria da comunicao multiplicou os
jornais, as revistas ilustradas, as caricaturas e os cartazes publicitrios. Renomados
escritores e artistas plsticos logo se puseram a servio do cinema, da imprensa e das
primeiras agncias de publicidade.
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Mais recentemente, nos anos 2000, dando continuidade a esta tradio de entreter e
educar das mdias, segundo o Anurio Estatstico de Mdia (2003), comercializamos 931
ttulos de revistas, sendo os que mais se destacam so os 370 ttulos relativos a revistas quepoderiam ser qualificadas tambm como paradidticas. Ou seja, revistas de vulgarizao
de saberes e competncias, conselhos, dicas de estilos de vida variados, competindo com
orientaes que poderiam ser adquiridas na escola tal como verificado por Sevcenko no
incio do sculo. No rdio comercial notvel esta mesma tendncia. Uma srie de vinhetas
que disponibilizam informaes e saberes especializados est a todo tempo atingindo um
pblico diversificado, sem falar na programao propriamente educativa (Setton:2004). No
que se refere TV, a tendncia se mantm. Estudiosos da teledramaturgia (Ortiz, Ramos
Ortiz, Borelli,1989), vm assinalando h muito o quanto a fico televisiva vem ao longo
de sua histria construdo e veiculado uma viso sobre a realidade do brasileiro, seus
valores e necessidades. Seja na produo de minisries, seriados ou novelas, a histria do
pas contada e reinterpretada, deixando espao tambm para a proposio de questes
candentes do Brasil moderno, seja ele urbano ou rural. Por outro lado, ainda hoje,
possibilitando o acesso a comportamentos e modelos de conduta a partir de celebridades,
a programao da TV, ao mesmo tempo que integra a todos a um ideal de civilizao,
possibilita a uma multido o acesso a um cdigo de conduta que at pouco tempo era
restrito aos segmentos privilegiados. As emisses religiosas (5.365hs), as emisses que
investem nas entrevistas (2.790hs), ou as emisses de entretenimento variado que
provocativamente denomino paradidticas Note e anote, Neurnios, Mochilo, Fica
comigo, Vida e sade, Mestre Cura, Turismo na TV (14.200hs), grande parte destinadas ao
pblico jovem e feminino, especificamente, podem revelar uma identificao do pblico
com uma sede de saberes e informaes que a sociedade lhes cobra. Em um dilogo
crescente entre a necessidade de informar-se, de estar por dentro das dicas do bem viver, deuma certa arte de viver valorizada socialmente, a grande maioria da clientela televisiva,
engrossa os ndices de audincia de uma programao que oferece a preos mdicos e sem
cobrana, uma educao que se vende partir da emoo e da diverso. Programas
religiosos promovendo a vida asctica, regrada e disciplinada e programas paradidticos
que prescrevem, estimulando a conduta correta para mulheres e jovens, expressam a meu
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ver uma demanda que h muito a escola e demais agentes tradicionais da educao
deixaram de promover (Setton,2004: 63-64).
Neste sentido, semelhante escola, considero que a dimenso pedaggica dasmdias pode ser caracterizada a partir de dois elementos. O contedo e os dispositivos
didticos de transmisso. Igual aos contedos escolares como se esse contedo expresso
pelas mdias tambm fosse submetido a um prvio trabalho de seleo. Escolhem-se
informaes, narrativas e/ou saberes que a sociedade de uma certa forma demanda. Em
outras palavras, para se conquistar audincias ou um pblico consumidor fiel a seus
produtos, a cultura da mdia deve se preocupar em exercer um trabalho contnuo de escuta,
deve estar aberta a travar dilogos com o coletivo. Lembrando Durkheim, preciso reiterar
que os sistemas educativos, entre eles as mdias, oferecem o que a sociedade enquanto
coletivo elegeu como valor, como expresso de suas necessidades e interesses temporais e
histricos. No entanto, preciso lembrar ainda as contribuies de W. Benjamim (1983).
Ele nos fala de um novo sensorium. Ou seja, uma nova maneira de se apropriar da cultura
que se despreende de seus usos tradicionais e rituais. O autor chama ateno para o fato de
que as mudanas na estrutura da produo da cultura, mudam a estrutura da percepo e da
compreenso humana. Isto , afirma que a sensibilidade cognitiva est condicionada
necessariamente pela histria, considera que a percepo humana muda dialeticamente de
acordo com as novas condies de produo e transmisso das expresses culturais. Seriam
a fotografia e o cinema exemplos caractersticos desta nova mobilizao dos bens da
cultura, no Brasil, j no incio do sculo. Atualizando o debate, poderia pensar ento que
estas e outras profuses de imagens provenientes da TV, computadores e outdoors,
impuseram uma nova forma de receber e perceber as representaes do mundo a partir da
difuso contnua de expresses simblicas. Isto , outras linguagens e contedos que
exploram novos tipos de comportamento sensitivo, explorando mudanas no processo deaprendizado do homem. Neste sentido, penso que as transformaes nas tcnicas de
reproduo da cultura no Brasil, desde o incio do sculo, puderam abrir brechas para o
surgimento de uma tradio com os recursos visuais e sonoros em nosso meio. Ou seja, a
difuso das tecnologias no Brasil parece ter oferecido condies de apropriaes e usos
variados de um mesmo objeto a informao e um certo tipo de saber que nas sociedades
tradicionais tinha na escola a nica forma de veiculao.
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Ou seja, considero que no Brasil, a tcnica da reproduo da cultura ou da imagem
aguou nossa sensibilidade, ampliou nossa esfera do conhecimento e possibilidades de
compreenso do mundo. Posto isso, atualizou os usos dos bens da cultura, retirou do sabercristalizado em objetos de pouca circulao, seu carter aristocrtico atribuindo-lhe um
carter dinmico e necessariamente hbrido. Ao sair da esfera de um uso nico nossa
produo cultural mudou sua funo. No mais sagrada e isolada afeita ao
reconhecimento de alguns poucos privilegiados. Neste sentido, as tecnologias mudaram o
carter e o estatuto da arte/cultura, pois elas agora podem ter seu uso generalizado, no
entanto mltiplo e singular, ou seja, variado de acordo com as particularidades e interesses
dos indivduos que a consomem.
Consideraes finais O objetivo deste paper foi articular duas instncias de socializao - a educao
escolar e a cultura miditica. Na realidade fiz um breve exerccio de mostrar os
investimentos, a materialidade de dois campos que coexistem na histria da formao
cultural do brasileiro, h pelo menos um sculo. Assim registrei que s na dcada de 60
tivemos um sistema escolar voltado para as massas. Alm disso, chamei ateno para o
crescimento da educao escolar e sua perda de qualidade a medida em que esta se
democratizava. Em sntese, afirmei que nosso sistema escolar, ao longo da histria
permaneceu dualista e elitista. Ou seja, mantivemos uma educao formal dirigida para as
massas, com expressivo investimento estatal, mas, de baixa qualidade. As avaliaes
atestam o fracasso de uma universalizao do ensino em bases slidas. Altas taxas de
analfabetismo funcional so objeto de anlises constantes. A educao escolar, aquela
produtora de habitus ou ethos escolar parece ainda privilgio das elites.
Paralelo a expanso do sistema de ensino, observei tambm um crescimentogradual, mas definitivo, de uma cultura da mdia de entretenimento com fortes
caractersticas prescritivas. Apontei a expanso de um mercado cultural que cresceu e
diferente do sistema escolar sofisticou seu padro de qualidade, alcanando de maneira
heterognea amplos segmentos da populao. Nossa telenovela exportada e estamos
acostumados a receber prmios internacionais no mercado publicitrio. Se pensarmos com
as categorias de Durkheim como se as mdias, neste caso especfico, a TV, o rdio, a
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indstria fonogrfica e a imprensa, como matrizes de cultura, dividissem e servissem
igualmente como a Escola, de agentes integradores de uma cultura e de uma lngua; ambas
matrizes de socializao que contriburam para a construo de uma formao cultural;instncias em que os brasileiros se viram e se reconheceram como povo. No obstante, para
finalizar gostaria de apontar um aparente paradoxo. Ao longo do texto selecionei uma srie
de elementos que podem ser lidos como contraditrios. Ou seja, tentei mostrar que o
processo de implantao do sistema formal de ensino no Brasil sempre se pautou pelos
interesses das elites. Nas tentativas de universaliza-lo, a partir dos anos 60, acabamos por
perpetuar as diferenas de instruo ao no investirmos na qualidade. Contudo, o ideal do
diploma e do conhecimento escolar sempre foi valorizado por amplos segmentos de nossa
populao. Chamei ateno tambm para o fato de que a cultura das mdias, no Brasil,
sempre se apresentou altamente prescritiva, portanto educativa. Nos programas de
entretenimento, nos informativos ou nas vinhetas do rdio um ideal de comportamento
sempre foi divulgado. Muitos ns, no cotidiano, imprimimos prticas disciplinadoras e
educativas na esfera da sade, na esfera do corpo, alimentao e at na esfera do turismo,
prticas estas que tivemos acesso pelas mdias. Mas porque efetivamente crer na
capacidade pedaggica das mdias? Como pode a mdia exercer seu papel de agente
educativo, podendo se transformar em recurso cultural distintivo, no Brasil? Seria na
simples transmisso de informaes e saberes? Creio que a simples difuso, no daria conta
da complexidade da atividade educativa. Como vimos no incio desta reflexo preciso
forjar as condies do processo educativo. Ter ou no ter acesso aos bens da cultura
escolar ou informal no nos fala sobre as possibilidades de transmisso, no nos ajuda a
compreender as condies que efetivamente propiciam a apropriao de disposies
culturais. Ou seja, como bem argumentou Durkheim e Charlot o processo educativo uma
ao exercida pelas geraes adultas sobre as geraes mais jovens, ao que tem comoobjetivo suscitar certos estados fsicos, intelectuais e morais reclamados pela sociedade
bem como a educao produo de si por si mesmo, auto-produo que s possvel pela
mediao do outro e com sua ajuda. Assim, o que estou afirmando que para as mdias
servirem como agncia educativa preciso que haja condies de socializao propcias
para que seu pblico esteja aberto para a ao de auto-educar-se a partir dos contedos
oferecidos por ela. Em outras palavras, o contedo que se transmite precisa fazer sentido
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para o pblico. Deve haver necessariamente uma relao de identificao, um uso prtico e
uma crena coletiva destes saberes, uma certa predisposio do ouvinte ou do telespectador
para a mensagem que est sendo veiculada. Creio que ao longo da sua histria o Brasilforjou um espao propcio para a emergncia das mdias como veculos educativos.
Contando com uma estrutura educacional frgil e incapaz de universalizar um saber escolar
de qualidade mas, hbil em divulgar a iluso distintiva dos diplomas, o brasileiro se serviu
das mdias como veculo educativo. Em um pas de 15% de analfabetos e ou do espantoso
ndice de quase 45% de analfabetos funcionais, o modelo escolar de divulgao do
conhecimento se expandiu pelas mdias sendo legitimamente aceito por amplos segmentos
da populao. Para ns a educao escolar ainda um elemento raro, e, portanto, elemento
de distino, veculo de ascenso e mobilidade social. Toda e qualquer estratgia educativa
bem vista por aqueles que so constantemente cobrados a estar afinados com as
tendncias do momento do mercado cultural ou do mercado de trabalho. Neste sentido, no
contexto brasileiro a educao midtica, no conceitual de Michel de Certeau (1994), pode
servir como ttica, como uma aliada da escola. Pode servir como instrumento de distino,
uma certa modalidade de recurso para aqueles que no tiveram acesso a uma bagagem
legtima de cultura e necessitam dela (Setton, 2004a). Creio que, antes de criticar ou
enaltecer as caractersticas das mdias, devemos analisar a indispensvel
complementariedade da cultura miditica e a cultura da instituio escolar, no Brasil.
Objetivamente no temos nenhuma razo para investir no antagonismo entre elas, elas
sempre estiveram presentes em nossa formao cultural. So diferentes, por isso
complementares. Embora convivam em constante tenso hora de pensarmos nas suas
possveis articulaes.
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