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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA MESTRADO EM SOCIOLOGIA CULTURA DO TRABALHO E INTERAÇÃO NO SERVIÇO DE GARÇONS MARINA LEMES LANDEIRO Goiânia 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA

MESTRADO EM SOCIOLOGIA

CULTURA DO TRABALHO E INTERAÇÃO

NO SERVIÇO DE GARÇONS

MARINA LEMES LANDEIRO

Goiânia

2012

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1. Identificação do material bibliográfico: [x ] Dissertação [ ] Tese

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Autor (a): Marina Lemes Landeiro

E-mail: [email protected]

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Vínculo empregatício do autor

Agência de fomento: Capes Sigla: Capes

País: Brasil UF: GO CNPJ:

Título: Cultura do trabalho e interação no serviço de garçons

Palavras-chave: Cultura do trabalho; interação em serviços; tipologia metodológica; trabalho

em serviços; bares restaurantes; garçons

Título em outra língua: Culture of work and interaction in service waiter

Palavras-chave em outra língua: Culture of work; interaction services; methodological typol-

ogy; service work; bar restaurants. waiters

Área de concentração: Sociologia

Data defesa: (dd/mm/aaaa) 29/08/2012

Programa de Pós-Graduação: Programa de Pós-Graduação em Sociologia

Orientador (a): Jordão Horta Nunes

E-mail: [email protected]

Co-orientador

(a):*

E-mail: *Necessita do CPF quando não constar no SisPG

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________________________________________ Data: 20/11/2012

Assinatura do (a) autor (a)

1 Neste caso o documento será embargado por até um ano a partir da data de defesa. A extensão deste prazo suscita

justificativa junto à coordenação do curso. Os dados do documento não serão disponibilizados durante o período de

embargo.

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MARINA LEMES LANDEIRO

CULTURA DO TRABALHO E INTERAÇÃO

NO SERVIÇO DE GARÇONS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Sociologia como requisito parcial para a obtenção do título de mestre em sociologia. Orientador: Jordão Horta Nunes

Goiânia

2012

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

GPT/BC/UFG

L254c

Landeiro, Marina Lemes.

Cultura do trabalho e interação social no serviço de garçons

[manuscrito] / Marina Lemes Landeiro. – 2012.

xi, 143 f. : il., tabs.

Orientador: Prof. Dr. Jordão Horta Nunes.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Goiás,

Faculdade de Ciências Sociais, 2012.

Bibliografia.

Inclui lista de tabelas.

Anexos.

1. Garçom – Interação social. 2. Cultura do trabalho. I.

Título.

CDU:642.6:3

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MARINA LEMES LANDEIRO

CULTURA DO TRABALHO E INTERAÇÃO

NO SERVIÇO DE GARÇONS

Dissertação defendida e aprovada em vinte e nove de agosto de 2012, pela

banca examinadora constituída pelos professores:

______________________________________________________

Jordão Horta Nunes (Orientador) – Universidade Federal de Goiás

______________________________________________________

Revalino Antônio de Freitas – Universidade Federal de Goiás

______________________________________________________

Thomas Patrick Dwyer – Universidade Estadual de Campinas

Goiânia

2012

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AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador Jordão Horta Nunes por me assistir em todo o

processo de aprendizagem, que inclui duas orientações de iniciação científica e

o mestrado. Também quero agradecer a todo apoio oferecido durante esta

jornada e, sobretudo, agradeço pelo empenho para desempenhar o seu

trabalho, o que tem consequências fundamentais em nossas trajetórias.

Agradeço aos professores Revalino de Freitas e Cleito dos Santos por

colaborar com o desenvolvimento deste trabalho a partir de observações e

sugestões feitas na defesa de qualificação e também em outros momentos,

como as reuniões do Nest e apresentações de trabalho.

Ao professor Thomas Dwyer sou grata pelo estímulo e orientação em

uma importante fase da consolidação deste trabalho: a finalização do projeto e

a formulação do desenho de pesquisa.

Aos meus amigos Lúbia Dutra e Marcos Reis por me acompanhar,

confortar e incentivar durante o período do mestrado e pelas conversas e

conselhos dados em momentos imprescindíveis. E também ao meu amigo

Juciano Rodrigues, agradeço pela companhia e diversas dicas e diálogos sobre

a temática.

Algumas pessoas foram fundamentais para pesquisa. Devo mencionar

os companheiros de trabalho de campo que em diversos momentos me

acompanharam e colaboraram com a atividade, afinal uma mulher jovem e

sozinha em bares ainda causa certa estranheza. Seguindo ordem cronológica e

considerando os mais frequentes agradeço a: Marcello Garbelim; Lucas

Machado, Lúbia Dutra e ao Caio Stuart. Agradeço também ao Marcelo Batalha

pela ajuda e companhia no período em que estive em campo em Campinas.

Ao Caio Stuart quero agradecer por estar ao meu lado e por me fazer

feliz.

Também devo agradecer aos diversos colaboradores desta pesquisa, a

maior partes deles não é possível nomear, afinal foram muitos os informantes,

colegas e entrevistados. Agradeço também aos tantos clientes e consumidores

que se dispuseram a dialogar comigo. Ao Bruno Ribeiro, jornalista de

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Campinas, pela entrevista concedida. Sou grata ao professor Antônio Edmilson

Rodrigues (PUC – Rio de Janeiro) pela esclarecedora conversa que tivemos no

I Seminário Internacional do Bar Tradicional. E de modo geral, agradeço a

todos os membros dos estabelecimentos que pesquisei: garçons, cumins,

gerentes, maîtres, proprietários, balconistas, funcionários da limpeza, do bar,

da copa, da cozinha, seguranças, caixas, dentre outros. Muito obrigada por me

receberem.

Para finalizar agradeço a Capes pela bolsa de estudos concedida e por

possibilitar através do Programa de Cooperação Acadêmica Novas Fronteiras

(Procad – NF), o proveitoso intercâmbio acadêmico com a Unicamp.

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EPÍGRAFE

“Saber administrar a relação do presente com o passado, a tradição e a

mudança, é uma tarefa que cabe tanto à nossa geração, quanto às

precedentes. Executá-la de forma razoável e equilibrada é, em primeiro lugar,

uma marca de inteligência”.

História da alimentação – J. L.Flandrin e M. Montanari

“My interest in those happy gathering places that a community

may contain, those “homes away from home” where unrelated people relate, is

almost as old as I am”.

The great good place, Ray Ondenburg

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RESUMO

O aumento das atividades de serviços é uma importante mudança no mundo do trabalho. Esta modificação atinge especialmente indivíduos com pouca qualificação e baixa escolaridade. Os afetados tendem a ocupar cargos em serviços pessoais, em outros termos, são aqueles que atendem a demanda individual, como a ocupação de garçom. As relações estabelecidas em serviços pessoais suscitam identidades ocupacionais e identidades sociais específicas que necessitam análises. O objeto de pesquisa da dissertação é o trabalho de garçons, contudo privilegia o triângulo de poder “gestor/trabalhador/consumidor” nas situações de trabalho. O objetivo da pesquisa é analisar sociologicamente o serviço de garçons em bares restaurantes de duas cidades brasileiras: Campinas – SP e Goiânia – GO. O suporte teórico utilizado é da sociologia do trabalho em serviços. A análise articula: a) cultura do trabalho e; b) interações entre garçons e clientes/consumidores em estabelecimentos específicos. A metodologia privilegia a abordagem qualitativa e a triangulação de dados. Observações e entrevistas foram realizadas. O critério de escolha dos bares restaurantes parte da construção inicial de tipos ideais, que opõem inicialmente estabelecimentos “tradicionais” e “modernos”. Duas tipificações descritivas foram elaboradas ao longo da pesquisa de campo. As tipificações descritivas compõem a caracterização dos estabelecimentos. Uma referente à cultura do trabalho (familiar ou empresarial); a outra referente à interação entre garçons clientes e consumidores (informais ou formais). A partir do serviço de garçom a pesquisa evidencia mudanças quanto: as formas de direção e aos modos de interação que correspondem à vida em uma sociedade do consumo. Palavras-chave: Cultura do trabalho; interação em serviços; tipologia metodológica; trabalho em serviços; bares restaurantes; garçons.

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ABSTRACT

The increase of service activities is an important change in the labour world. This change affects particularly people with low qualification and education. Those affected tend to occupy jobs in personal services, in other words, are whose that attend individual demand, as in waiter occupations. The relations in personal services raise occupational identities and social identities that require specific analysis.The dissertation´s research object is the waiter´s work, but favors the power triangle "manager / worker / consumer" in work situations. The aim is to analyze sociologically the service of waiters in bars restaurants bars at two Brazilian cities: Campinas - SP and Goiânia - GO. The theoretical support comes from the sociology of service work. The analysis articulates: a) culture of work and b) interactions between waiters and customers / consumers in individual establishments. The methodology centers on the qualitative approach and data triangulation. Systematic Observations and interviews were employed. The requirements for selection of bar restaurants departs from the former construction of ideal types, which initially opposed the "traditional" and "modern" establishments. Two descriptive typifications were developed based on field research. Descriptive typifications compose a characterization of the establishments. One refers to work culture (family or business), the other mentions the interactions between waiters, clients and consumers (formal or informal). From the waiter service the investigation shows changes in direction ways and interaction modes that correspond to life in a consumer society. Keywords: Culture of work; interaction services; methodological typology, service work, bar restaurants, waiters.

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 - PIB PERCAPITA DE GOIÂNIA E CAMPINAS E DAS SUAS

REGIÕES METROPOLITANAS.....................................................................p.14

QUADRO 2 – COMBINAÇÃO DE ESTABELECIMENTOS SEGUNDO AS

TIPIFICAÇÕES DESCRITVAS.......................................................................p.44

QUADRO 3 – TIPOLOGIA PARA A CULTURA DO

TRABALHO.....................................................................................................p.49

QUADRO 4 – CLASSIFICAÇÃO DOS ESTABELECIMENTOS SEGUNDO A

TIPOLOGIA DE CULTURA DO TRABALHO..................................................p.61

QUADRO 5 – TIPOLOGIA DE FRENKEL et. al.

(1999)..............................................................................................................p.87

QUADRO 6 – TIPOLOGIA PARA AS INTERAÇÕES ENTRE GARÇONS

CLIENTES E CONSUMIDORES....................................................................p.89

QUADRO 7 – CARACTERIZAÇÃO DOS BARES RESTAURANTES SEGUNDO

AS TIPOLOGIASELABORADAS....................................................................p.90

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

Campo de pesquisa: a sociologia do trabalho de serviços..................p.01

Objeto de pesquisa: o trabalho de garçons em bares restaurantes....p.03

Procedimentos metodológicos.............................................................p.07

Estrutura da dissertação......................................................................p.11

Empiria nas duas cidades....................................................................p.12

Campinas e Goiânia.............................................................................p.13

1 SOCIEDADE DE SERVIÇOS: SOCIOLOGIA E PERSPECTIVAS

1.1 A sociedade pós-industrial: pontos de vista...................................p.20

1.2 Sociologia do trabalho em serviços................................................p.31

2 CULTURA DO TRABALHO: O SERVIÇO DE GARÇONS EM BARES

RESTAURANTES

2.1Os bares restaurantes como locais de análise...............................p.38

2.2 Recurso metodológico: os tipos ideais e os tipos descritos...........p.41

2.3 Cultura do trabalho: familiar e empresarial....................................p.44

2.4 Bares restaurantes e cultura do trabalho.......................................p.51

2.4.1 Bares restaurantes de Campinas................................................p.51

2.4.2 Bares restaurantes de Goiânia....................................................p.56

2.4.3 Cultura do trabalho: o serviço de garçons em bares

restaurantes....................................................................................................p.61

2.5 Considerações finais......................................................................p.81

3 INTERAÇÕES EM SERVIÇOS: O JOGO DE CINTURA DOS GARÇONS

3.1 Os terceiros lugares.......................................................................p.82

3.2 Interações em serviços formais e informais...................................p.86

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3.3 À maneira de Erving Goffman: as regiões na perspectiva de análise

dramatúrgica.................................................................................................p. 90

3.4 Interações em serviços: garçons de bares restaurantes..............p. 95

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................p.123

5 REFERÊNCIAS..................................................................................p.127

6 ANEXOS

ANEXO A – Termo de anuência concedendo a realização da pesquisa

no estabelecimento

ANEXO B - Termo de consentimento livre e esclarecido

ANEXO C – Termo de assentimento de participação como sujeito de

pesquisa

ANEXO D – Roteiro de entrevista para garçons

ANEXO E – Roteiro de entrevista para proprietários de estabelecimentos

ANEXO F – Letra da música “Conversa de Botequim” (Noel Rosa e

Vadico)

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INTRODUÇÃO

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Campo de pesquisa: a sociologia do trabalho de serviços

A terciarização constitui uma importante mudança no mundo do trabalho.

Trata-se de um processo gradual que convergiu para o aumento das atividades

de serviços (ALMEIDA, 2004). Os avanços tecnológicos da terceira revolução

industrial e o desenvolvimento econômico propiciaram o descarte de boa parte

da mão de obra do meio agropecuário e industrial e que, devido à ampliação da

produção e demandas, em parte foi acolhida pelo setor de serviços (MORAIS,

2006). Pochmann (2006) também pondera o aumento da média da expectativa

de vida como outro aspecto que contribui para a concentração de trabalho em

serviços.

Entretanto as mudanças no mercado de trabalho são abrangentes e não

atingem a todos de modo equivalente. Além da perda da importância relativa

do setor agropecuário e industrial no mercado de trabalho duas direções

caracterizam o trabalho no setor. Uma delas é articulada a serviços modernos,

de alta tecnologia e que exige profissionais qualificados; outra, em

contraposição, emerge como uma perspectiva de sobrevivência e requer pouca

qualificação.

Distintos posicionamentos e orientações sobre a sociedade de serviços

surgem. Alguns autores têm visões otimistas, outros a analisam criticamente.

Há também aqueles que examinam diferentes aspectos e ponderam pontos

positivos e negativos da mesma.

Fato é que a heterogeneidade caracteriza o setor de serviços. Apesar de

o setor absorver força de trabalho excedente e excluída do mercado nota-se

que os menos favorecidos socialmente, aqueles com baixa escolaridade e

pouca qualificação, são os mais atingidos com as mudanças no mercado de

trabalho. Seja em segmentos tradicionais, ou a partir do processo de

terciarização de algumas atividades ou pelo crescimento do setor informal (Cf.

MELO, 1998 e MORAIS, 2006), cada trabalhador, segundo seu feitio, se insere

socioeconomicamente no tecido social. Muitos deles ficam à margem dos

benefícios e seguridades sociais proporcionados pela formalidade. Entretanto,

sob tais circunstâncias encontram abrigo contra o desemprego e alternativas

de sobrevivência.

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Os trabalhadores de baixa qualificação exercem atividades

desprivilegiadas e que praticamente não logram reconhecimento social.

Compreendem esses serviços àqueles relacionados, principalmente, aos

serviços pessoais, ou seja, aqueles que atendem a demanda individual1:

manutenção e reparação, limpeza e conservação, serviços de alimentação,

serviços domésticos, serviços de beleza, dentre outros.

Além disso, eles devem se adequar às mutáveis formas de organização

do trabalho e de contratação nesses setores, como o emprego em tempo

parcial, o trabalho temporário, o emprego terceirizado etc. Somado a isso, no

dia a dia de serviço têm de conviver com diversas disparidades sociais

(tecnológicas, econômicas, culturais).

Contudo, mesmo com a expressividade econômica e as distinções

ocupacionais e identitárias que caracterizam o trabalho em serviços, estudos

científicos sobre o setor são recentes e escassos na literatura. A sociologia do

trabalho privilegiou por muito tempo o setor produtivo e os estudos sobre

acerca da organização do trabalho. As pesquisas feitas sobre o setor de

serviços são realizadas, sobretudo na área da economia, na tentativa de defini-

lo, quantificá-lo ou mapeá-lo. A área da administração também contribui para a

compreensão do setor, especialmente porque preconiza o atendimento ao

cliente, faceta eminente às prestações de serviços. Por sua vez, a literatura

estrangeira, inclusive sociológica, aponta para outra direção, o setor de

serviços atualmente é mais estudado que o setor produtivo. E as abordagens

de análise são distintas da sociologia do trabalho clássica, esta mais

influenciada pelo marxismo prioriza o aspecto da produção, pois atendem às

especificidades do mundo dos serviços, que transcendem os condicionamentos

do setor produtivo.

As consequências sociais da sociedade de serviços requerem outras

análises, especialmente quando se considera as relações sociais de serviços

1 A classificação das atividades de serviços é orientada pela demanda de serviços, ela

foi elaborada por Browning e Singelmann - 1978, e mais tarde aprimorada por Elfring - 1988. Quatro tipos de serviços são qualificados: serviços produtivos atendem a demanda das empresas durante o processo produtivo (serviços bancários, jurídicos, comunicação); serviços distributivos atendem a demanda das empresas após o processo produtivo finalizado (transporte, armazenagem, comércio); serviços sociais atendem a demanda coletiva (educação, saúde, lazer); e serviços pessoais (alimentação, hotelaria, domésticos), (Cf. MELO, 1998).

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numa sociedade de consumo. No que se refere ao trabalho em serviços, por

exemplo, presume-se certa cultura do trabalho que implica em identidades

ocupacionais/profissionais específicas, bem como práticas de consumo

relacionadas com importantes nuanças no que se refere à relação: entre

trabalhador de serviços e gestores de empresas prestadoras de serviços e

entre trabalhador de serviços e consumidores.

Na modernidade, valorização social e condições sociais estão atreladas;

a incompatibilização entre esses fatores pode acarretar problemas individuais,

na esfera do reconhecimento na acepção de Honneth, referente à comunidade

de valores e à solidariedade, ou seja, às capacidades individuais avaliadas

intersubjetivamente (HONNETH, 2003). Nunes (2011) destaca distintas formas

de reconhecimento da sociedade do trabalho para a sociedade do consumo, se

antes o trabalhador era reconhecido pelo trabalho, agora aspectos do

reconhecimento “Correspondem a relações de crédito, serviços pessoais,

aquisição ou locação de bens e, sobretudo, aos serviços mais diversos

(médico-odontológicos, de turismo, educacionais, desportivos, artísticos,

sexuais etc.)” (p.16).

Objeto de pesquisa: o trabalho de garçons em bares restaurantes A pesquisa que originou esta dissertação foi precedida por duas

investigações na área de serviços, em nível de iniciação científica, no período

de agosto de 2007 até julho de 2009. A primeira teve como objeto a atividade

de mototáxis em Goiânia focando nas identidades sociais dos trabalhadores.

Depois foi desenvolvida uma pesquisa sobre o trabalho de garçons, com

caráter mais exploratório, motivando o tema que foi proposto no projeto de

mestrado.

O trabalho de garçons2 foi privilegiado por alguns motivos. A atividade

que presume interação face a face com os clientes corre risco de

2 Segundo a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) os trabalhadores na família

ocupacional de garçons “atendem os clientes, recepcionando-os e servindo refeições e bebidas em restaurantes, bares, clubes, cantinas, hotéis, eventos e hospitais; montam e desmontam praças, carrinhos, mesas, balcões e bares; organizam, conferem e controlam materiais de trabalho, bebidas e alimentos, listas de espera, a limpeza e higiene e a segurança do local de trabalho; preparam alimentos e bebidas, realizando também serviços de vinhos”.

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desvalorização e de perda identitária ocupacional. Em termos conjunturais,

pode-se dizer que muitas vezes os serviços de alimentação são efetivados

através do autoatendimento, descartando não só o trabalhador de serviços,

mas também a necessidade do serviço prestado. O autosserviço é consumado

quando o consumidor produz o serviço desejado, ele presta o serviço para si

mesmo (Cf. TÉBOUL, 1999). Outra diferença identificada é quando a prestação

é servida e quando a prestação é vendida, como no caso dos fast foods, self-

service ou drive thru. Em alguns estabelecimentos também acontece de os

garçons serem substituídos por modelos e hostesses3.

Além de estes serviços adotarem princípios racionais na realização do

trabalho, como a divisão do trabalho, a automação e a informatização também

já estão presentes nos mesmos. O sociólogo inglês, Ritzer (1995) escreve

sobre este tema e cunha o conceito de McDonaldização, “processo pelo qual

os princípios dos restaurantes de comida rápida estão vigorando e invadindo

um número crescente de setores da sociedade americana assim como do resto

do mundo”4 (RITZER, 1995, p. 20). Fischler utiliza o conceito de

McDonaldização cunhado por Ritzer. Segundo ele a desestruturação dos

hábitos alimentares colabora com o processo de McDonaldização, a seguir o

autor corrobora com o ponto de vista apresentado por Ritzer:

Industrialização racionalização, funcionalização crescentes: desde o final do século XIX essa tripla dimensão aparece, sem qualquer dúvida, de maneira ofuscante nas modificações que perturbaram nossa alimentação. Da produção ao consumo, passando pelo abastecimento, sua realidade é incontestável (1998, p. 845).

No que se trata do controle dos trabalhadores em estabelecimentos de

alimentação normalmente há funcionários específicos para supervisionar o

serviço prestado por garçons. Os maîtres têm essa função; basicamente eles

assumem posição de chefia e são responsáveis por planejar a rotina de

trabalho, coordenar e treinar e equipes de estabelecimentos. É comum que os

maîtres tenham sido garçons no passado e tenham alçado tal posição ao longo

3 O colunista da Folha de São Paulo, André Barcinski, expressa essa situação “Perdi a

conta de quantas vezes fui atendido em algum restaurante por um (a) modelo que passou mais tempo fazendo o cabelo que decorando o cardápio. Daí você faz qualquer pergunta que está fora do roteiro e eles se descabelam e correm para perguntar ao maître” (BARCINSKI, 2011). 4 A tradução foi feita pela autora do espanhol para o português.

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de sua trajetória ocupacional. Dentro da estrutura de estabelecimentos de

alimentação também existem os chefes de fila, eles são responsáveis por:

recepcionar clientes, averiguar o nível de satisfação do cliente, fechar contas e

organizar a lista de espera.

Somado a isso, por vezes, os serviços de alimentação são realizados

em não lugares (Cf. AUGÉ, 1994; BAUMAN, 2001), locais preenchidos por

estranhos, onde não há incentivos para haver trocas identitárias, são pontos de

passagem: como hotéis, shopping-centers, lojas de conveniência, galerias,

aeroportos, dentre outros. Segundo Bauman os não lugares são:

Ostensivamente públicos mas enfaticamente não-civis: desencorajam a idéia de ‘estabelecer-se’ , tornando a colonização ou a domestificação do espaço quase impossível (...). O que quer que aconteça nesses “não-lugares”, todos devem sentir-se como se estivessem em casa, mas ninguém deve se comportar como se verdadeiramente em casa (2001, p. 119-120).

Na modernidade os consumidores vangloriam os novos

estabelecimentos. O último bar do momento é desejado pelos consumidores.

Isso sugere algumas questões: os consumidores se relacionam com os

trabalhadores dos estabelecimentos ou trata-se apenas de encontros

esporádicos; se existe relacionamento será que ele é importante para os

consumidores afinal a evasão dos estabelecimentos é notável; será que os

trabalhadores também migram atrás das novidades e maiores lucros; é

possível que os trabalhadores destes locais fiquem a margem das relações de

consumo efetivadas; será que se trata de empreendedores que

continuadamente mudam de lugares e criam outros ambientes para atrair

eternos consumidores esporádicos?

Fato é que “novos bares” localizados em setores nobres, que

concentram esse tipo de lugar, são aclamados. A dinâmica dos

estabelecimentos é previsível. Quando um estabelecimento se torna comum

outro “mais novo” assume os poderes do antigo e se torna o point da vez, onde

todos querem estar para serem vistos. Bauman explícita o desenvolvimento

disto na sociedade de consumidores ao afirmar que os consumidores se

tornam também mercadorias:

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Ninguém pode se tornar sujeito sem antes virar mercadoria, e ninguém pode manter segura sua subjetividade sem reanimar, ressuscitar e recarregar de maneira perpétua as capacidades esperadas e exigidas de uma mercadoria vendável (2008, p. 20).

A atividade de garçom também é estigmatizada pela realização de um

trabalho que demanda certo esforço físico e é geralmente realizada em

momentos de lazer ou descanso dos consumidores, mas também de familiares

e amigos. E o significado cultural da confraternização de pessoas ao comerem

e beberem juntos é inegável. O ritual explicita relações de confiança e aliança.

Althoff destaca a ideia ao afirmar que, na Idade Média, “a refeição era

reconhecida e utilizada como um sinal de criação ou de reconhecimento de um

laço social”. E os garçons comumente participam trabalhando desse tipo de

ritual, enquanto são ausentes de eventos similares organizados por familiares e

amigos, devido ao horário de trabalho alternativo e elevada carga horário de

trabalho 5.

Outro fator que contribui para a desvalorização da atividade

desempenhada decorre da prática de um trabalho imaterial, ou seja, em que

não há produção de bens6.

O foco do projeto de pesquisa é o trabalho de garçons; contudo,

privilegia-se o triângulo de poder desenvolvido entre “gestores, trabalhadores e

consumidores” nas situações de trabalho. Pode-se constatar a existência de

três focos de poder que caracterizam os serviços interativos: o primeiro é

referente à gestão e o controle dos trabalhadores; o segundo é referente às

experiências e estratégias dos trabalhadores nos serviços interativos e; o

5 No Brasil as refeições têm sua importância de confraternização. Entretanto cada

cultura assume a alimentação de sua maneira. Fischler aborda o tema: “a forma como os americanos se relacionam com a alimentação constitui uma fonte de espanto constante para os europeus: o tempo de comer não é isolado, delimitado; não existe necessariamente por si mesmo, como tal. É possível trabalhar e comer ao mesmo tempo, comer e empreender, aparentemente, qualquer outra atividade. Na velha Europa, a refeição é (era) um tempo e um espaço ritualizados, protegidos contra a desordem e as instruções: o decoro proibia telefonar na hora as refeições ou, mais ainda, de fazer uma visita” (1998, p. 852). 6 Não há um consenso na literatura a respeito de uma distinção pronunciada entre

serviços e produção. Autores inspirados na orientação marxista tendem a aproximar serviços de produção. Ruy Braga, por exemplo, sustenta que serviço é um tipo de produção, é uma forma imaterial de “produtividade” (BRAGA, 2006). Para Dal Rosso (2008) serviços que exigem capacidades intelectuais, culturais e afetivas são imateriais e produtores de valor. Já os serviços marcados pela materialidade, pelo emprego do trabalho físico e corporal, se assemelham ao trabalho industrial no sentido de sua materialidade.

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7

terceiro ao poder dos clientes durante os serviços interativos (Cf. MCCAMMON

e HOLLY, 2000).

Basicamente o objetivo da pesquisa é o de analisar sociologicamente o

serviço de garçons em bares restaurantes de duas cidades brasileiras, a cidade

de Goiânia – GO e a de Campinas – SP, tendo como suporte a sociologia do

trabalho. Pretendeu-se identificar em estabelecimentos específicos

(selecionados segundo alguns critérios) e analisar de modo articulado: a) a

cultura do trabalho (Cf. BENSON, 1988) de cada bar restaurante pesquisado e;

b) as interações entre garçons e clientes/consumidores. Propõe-se relacionar

situações sociais e cultura do trabalho por meio da análise dos ambientes de

trabalho, trajetórias ocupacionais e práticas discursivas de trabalhadores, além

de suas interações com clientes e consumidores.

Procedimentos metodológicos A metodologia usada preconiza a abordagem qualitativa. Trata-se de

uma triangulação de dados (Cf. FLICK, 2004), de uma metodologia que

emprega vários métodos de análise qualitativos. Além disso, uma abordagem

teórica não é unicamente privilegiada no texto, que decorre de contribuições de

diferentes tendências, como o interacionismo simbólico, a sociologia crítica dos

serviços e a sociologia francesa.

Os estabelecimentos pesquisados foram caracterizados e selecionados

tendo como base dois tipos ideais: bar tradicional e bar moderno, tipos

construídos com base na leitura de cadernos especializados de gastronomia,

acervos de hemeroteca das cidades, informações obtidas com moradores da

cidade, conversas exploratórias com responsáveis e trabalhadores dos bares

restaurantes e consideráveis horas de observações diretas em diversos

estabelecimentos. A descrição dos estabelecimentos escolhidos e comentários

sobre os tipos ideais elaborados, bem como os tipos descritivos construídos

serão apresentados no início da parte dois da dissertação. A observação em

cada um dos quatro bares restaurantes pesquisados das duas cidades ocupou

cerca de uma semana e entre duas a cinco horas por dia de observação.

Durante este período foram: presenciadas e observadas as rotinas de trabalho

dos locais; foram realizadas as entrevistas com trabalhadores e proprietários

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dos estabelecimentos e capturadas imagens do local e dos trabalhadores, nos

estabelecimentos que facultaram esse tipo de registro observacional.

Convém mencionar que, desde a realização do projeto desenvolvido

como bolsista de iniciação científica em 2009, vários bares da cidade de

Goiânia foram visitados e alguns botequins cariocas famosos e até centenários.

Houve também a realização de entrevistas com garçons atuantes nas cidades

de Goiânia e Rio de Janeiro, além de visitas a outros estabelecimentos na

cidade de São Paulo. Essa trajetória também amparou a escolha dos

estabelecimentos pesquisados.

A realização da pesquisa nos estabelecimentos depende da assinatura

do termo de anuência (anexo A) dos responsáveis pelo local. A anuência

concede o direito de realizar o projeto naquele local, atendendo as solicitações

requeridas pela pesquisadora. O documento exigido pela Comissão de Ética

está em anexo (anexo B).

As entrevistas são realizadas apenas com alguns garçons e com os

proprietários de estabelecimento quando são presentes na dinâmica do local,

ou seja, quando dirigem o estabelecimento, estando quase sempre no bar

restaurante. A escolha dos entrevistados é relativamente intencional, segue o

procedimento que Glaser e Strauss denominaram amostragem teórica, ou seja,

as decisões amostrais são realizadas segundo a análise do material coletado e

também a partir de critérios relacionados às teorias adotadas, visando obter os

maiores insights (FLICK, 2004, p. 79). Contudo, as entrevistas dependem da

disponibilidade e vontade de voluntários.

As entrevistas apenas são realizadas com o assentimento de cada

informante em relação ao termo de compromisso exigido pela Comissão de

Ética (anexo C). São entrevistas semiestruturadas, ou seja, o pesquisador

conduz a entrevista a partir de um roteiro orientador pré-elaborado. As

entrevistas realizadas privilegiam experiências individuais e estimulam o

desenvolvimento de narrativas biográficas e narrativas episódicas, “o elemento

central dessa forma de entrevista é o convite periódico à apresentação de

narrativas e situações”, é uma maneira de apreender a “construção social da

realidade durante a apresentação das experiências” dos informantes (FLICK,

2004, p.118 e p. 122). Nada obstante os pontos levantados pelo pesquisador é

que direcionam as narrações.

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9

A duração das entrevistas foi variada, em torno de aproximadamente

quarenta minutos a uma hora e meia. O roteiro de entrevistas (anexo D e E) foi

construído com base no referencial teórico-metodológico e em vista dos dados

já obtidos.

As entrevistas foram realizados empregando um gravador digital, no

local de trabalho, em um ponto mais discreto, antes ou no início da abertura do

estabelecimento, o que ocorria em torno de 9:00h para os locais que abrem de

manhã e em torno de 16:00h para os lugares que abrem à tarde. Nesse

período os trabalhadores ficavam responsáveis por montar o “salão”. O termo é

utilizado para se referir à área onde os consumidores se acomodam. Montar o

salão quer dizer, organizar mesas e cadeiras e utensílios que serão utilizados

pelos garçons e clientes nas praças (guardanapeira, pimenteira, entre outros),

passar álcool nos pratos e talheres etc. O usual é a organização entre os

garçons para que um possa realizar a entrevista, enquanto outros continuam o

trabalho.

Após a realização das entrevistas as observações, anotações no

caderno de campo e o registro de imagens eram elaborados.

Quinze entrevistas foram feitas em Campinas, duas com proprietários,

duas com ex-garçons dos estabelecimentos pesquisados e onze com garçons.

Em Goiânia, doze entrevistas foram realizadas, duas foram com proprietários

de estabelecimentos e dez com garçons7. A codificação das entrevistas foi feita

no aplicativo de análise de dados qualitativos, Atlas.ti (Analysis of. Qualitative

Data)8. Nomes fictícios para os estabelecimentos pesquisados e para os

entrevistados foram criados e substituídos nas transcrições para que suas

identidades fossem resguardadas.

A observação consistiu outra estratégia metodológica utilizada. A partir

desta, uma perspectiva externa descritiva de situações sociais9, torna-se

7 Além dessas entrevistas, durante o período da iniciação científica, doze entrevistas

com garçons foram feitas em outros estabelecimentos de Goiânia e seis entrevistas foram realizadas na cidade do Rio de Janeiro. 8 O software foi desenvolvido por Muhr e “baseia-se na abordagem da teoria

fundamentada e da codificação teóricasegundo Strauss” (FLICK, 2009, p. 325). O aplicativo processa outros arquivos além dos textuais, como imagens, sons e gráficos. 9 Erving Goffman define situação social como “um ambiente que proporciona

possibilidades mútuas de monitoramento, qualquer lugar em que um indivíduo se encontra acessível aos sentidos nus de todos os outros que estão 'presentes', e para quem os outros indivíduos são acessíveis de forma semelhante” (1999).

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possível perceber além do nível da fala dos informantes e alcançar informações

pouco relatadas ou desconsideradas e até mesmo opostas aos discursos e

práticas vivenciadas.

A riqueza em termos qualitativos que a observação oferece deve ser

ponderada perante a complexidade do ato de realizá-la. Flick (2004), em

referência à Friedrichs (1973), aponta para importantes dimensões da

observação: a) observação secreta e observação pública; b) observação não

participante e observação participante; c) observação sistemática e observação

não-sistemática e; d) auto-observação e observar os outros. São comuns nas

observações de pesquisadores os aspectos das dimensões se mesclarem em

diferentes momentos, porém a reflexão sobre estas nuanças são pouco

contempladas no período de análise.

No caso, as observações empreendidas ao longo da pesquisa de campo

variaram conforme o estágio da pesquisa. No início tratava-se de observações

exploratórias, por isso, eram secretas e não sistemáticas. A partir da anuência

concedida pelos estabelecimentos selecionados as observações passaram a

ter caráter público; todos os trabalhadores sabiam da presença de uma

pesquisadora e minimamente possuíam ciência das intenções em foco. Os

clientes e consumidores que se indagavam sobre a curiosa presença podiam

também ter conhecimento a respeito.

As observações são sistematizadas ao longo de uma semana, em

horários e dias semelhantes, preponderantemente nos mesmos locais do

estabelecimento e foram registradas em caderno de campo. As observações

ora podem ser enquadradas como não-participantes, ora como participantes,

seja atuando como pesquisadora, seja como consumidora. Por isso, em parte a

presença da observadora no ambiente de trabalho é também contemplada na

análise, bem como o processo de negociação de espaço da pesquisadora

durante a pesquisa e a confiança desenvolvida (Cf. BEAUD e WEBER, 2007).

A ideia é problematizar a presença da observadora em campo, a relação entre

pesquisadora e pesquisados, enfim o processo de observação com um todo.

(Cf. MELUCCI, 2005).

Michael Burawoy (1998), de forma similar, admite que a participação do

pesquisador no mundo o desestabiliza enquanto produtor de conhecimento

científico; a metodologia é então utilizada como base para manter o

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pesquisador em equilíbrio. No caso do modelo de ciência reflexiva, em

oposição à positivista, por exemplo, a objetividade científica é obtida através do

diálogo, orientado por teorias, entre pesquisador e pesquisado e pela

reconstrução de teorias a partir de anomalias empíricas.

Estrutura da dissertação

O texto é composto por três partes; a primeira, preponderantemente

teórica, e intitula-se “Sociedade de serviços: sociologia e perspectivas”.

Compreende o exame das modificações do mundo do trabalho; preconizando

as referentes ao período pós-industrial. Os debates empreendidos acerca do

assunto por autores como Daniel Bell, Alain Touraine, Claus Offe, Jean Lojkine,

André Gorz, dentre outros, serão problematizados. A intenção é expor as

expectativas existentes no início da sociedade de serviços.

As outras duas partes da dissertação equilibram teoria e empiria. A

segunda parte “Cultura do trabalho: o serviço de garçons em bares

restaurantes” explicita a metodologia adotada e justifica escolhas da pesquisa,

como o porquê de analisar bares restaurantes e não botequins, botecos,

mercearias, restaurantes. Expõe também a construção dos recursos

metodológicos utilizados: os tipos ideais e os tipos descritivos, caracterizando o

processo de pesquisa de modo geral. No que se refere à parte empírica aborda

a questão da cultura do trabalho, um dos objetos específicos da pesquisa. Ela

remete a sociologia do trabalho mais tradicional, no que se refere aos assuntos

abordados. O foco está nas questões referentes: à organização do trabalho; às

formas de direção; ao ambiente de trabalho; à qualificação dos profissionais e à

trajetória ocupacional.

A terceira parte, “Interações em serviços: o jogo de cintura dos garçons”,

aborda as interações em serviços dos garçons, e tem como prioridade as

interações desenvolvidas com consumidores e clientes. O relacionamento com

patrões, gerentes e colegas de trabalho é na segunda parte do trabalho, por

ser considerado constituinte da cultura do trabalho do local pesquisado.

Problematiza-se aqui as interações em serviços como um todo, com base na

tríade de poder “gestor/trabalhador/consumidor”. O tipo de atendimento

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prestado por garçons para clientes e consumidores e o teor das interações

(participantes, igualitárias, subservientes) desenvolvidas são analisados. As

performances dos garçons em serviço também são discutidas; a

instrumentalização de sentimentos e emoções no trabalho; as demandas de

consumo sob o ponto de vista dos trabalhadores.

Uma das intenções é mostrar como a relação da tríade de poder

direciona as interações em serviços em bares restaurantes. A análise é

articulada ao perfil dos consumidores de cada estabelecimento (clientes fiéis,

consumidores esporádicos), bem como os perfis de consumidores que a

empresa busca alcançar. Afinal alguns estabelecimentos pretendem conquistar

e fidelizar clientes, em oposição, outros não necessariamente, estes tendem a

almejar manter o local em voga e cheio, independente de quem sejam os

consumidores. Os modos como os consumidores e clientes coproduzem o

estabelecimento também é contemplado.

Nas considerações finais o resultado do trabalho é apresentado e

avaliado, bem como são consideradas propostas para novos estudos e

questões a serem trabalhadas.

Empiria nas duas cidades A pesquisa empírica nas duas cidades decorreu da inserção como

estudante no Programa de Cooperação Acadêmica Novas Fronteiras

(PROCAD-NF), desenvolvido pelo projeto “Trabalho, gênero e participação:

identidade, associativismo e políticas públicas de emprego e renda” 10. O

projeto é desenvolvido pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais

da Universidade Federal de Goiás, localizado em Goiânia, e pelo Programa de

Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Campinas,

localizado em Campinas-SP.

10

O projeto é financiado pela Capes e tem como um dos objetivos consolidar o Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFG e aperfeiçoar a formação de alunos e docentes do Programa. Informações sobre o Procad e sobre o projeto podem ser obtidas em: http://www.capes.gov.br/bolsas/programas-especiais/procad-nf e http://www.cienciassociais.ufg.br/nest/?menu_id=1238620432&pos=esq&site_id=153.

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13

Ainda que a metodologia adotada seja tratado na segunda parte da

dissertação, pretende-se aqui justificar o desenvolvimento da pesquisa nas

duas cidades.

Previamente é preciso apontar que autores clássicos das ciências

sociais, como, Karl Marx, Auguste Comte, Émile Durkheim, Max Weber fizeram

análises a partir do método comparativo. E retificar que ainda hoje as análises

comparativas continuam usuais no campo das ciências sociais. Comparar

fenômenos tem algumas vantagens. É possível confrontar similaridades,

divergências e fenômenos inter-relacionados das configurações culturais e

históricas de um determinado lugar. Comparar permite explicitar presenças e

ausências.

Para Ianni o método comparativo tem importância diante do complexo

processo da globalização, segundo ele: “o cientista social é levado a mapear

ângulos e tendências, condições e possibilidades, recorrências e

descontinuidades, diversidades e desigualdades, impasses e rupturas,

desenvolvimentos e retrocessos, progressos e decadências” (1998, p. 37).

Contudo, a intenção da pesquisa não é de realizar uma comparação

estritamente sistemática entre as duas cidades, mas a partir de apontamentos

feitos no que tange à cultura do trabalho, modos de direção e interações

desenvolvidas entre garçons e clientes e consumidores em estabelecimentos e

de cidades conjunturalmente e culturalmente diferentes pensar caminhos que

possíveis de trilhar no que se refere ao trabalho em serviços e ao consumo de

serviços. O percurso histórico dos estabelecimentos pesquisados das duas

cidades ressalta variações, constantes e especificidades do processo

vivenciado por diferentes estabelecimentos de alimentação.

Campinas e Goiânia: aspectos sociais e demográficos

Campinas é uma cidade do interior do estado de São Paulo, situada a

apenas a 98 quilômetros de distância da capital. Goiânia é a capital do estado

de Goiás, na região Centro-Oeste do Brasil. Conforme o Censo Demográfico

2010 a população goianiense (1.302.00) é maior que a campinense

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(1.080.113). No entanto, a população da região metropolitana de Goiânia

(2.100.771) é menor do que a de Campinas (2.798.477).

O Produto Interno Bruto (PIB)11 per capita referente ao ano de 2008 de

Goiânia é consideravelmente menor do que o de Campinas. Em relação ao PIB

per capita das regiões metropolitanas, o PIB per capita de Goiânia é maior do

que o da sua região metropolitana; no caso de Campinas é menor do que sua

região metropolitana. Em outros termos, o local em que Campinas está inserida

é mais rico do que o que Goiânia está. Isto porque na região de Campinas há

forte concentração industrial e agrícola, bem como a presença de centros de

pesquisa, campos tecnológicos e serviços especializados. É preciso ponderar

que algumas cidades do entorno de Campinas, como Paulínia, possuem

pequenas populações, mas o com o valor do PIB per capita bastante elevado.

Paulínia tem suas especificidades, no local há alta produção de petróleo, além

de um polo cinematográfico de referência. A seguir o Quadro 1 expõe os

valores do PIB das cidades e respectivas regiões metropolitana em reais

referentes ao ano de 2008:

QUADRO 1 - PIB PERCAPITA DE GOIÂNIA E CAMPINAS E DAS SUAS

REGIÕES METROPOLITANAS

LOCAIS PIB PER CAPITA EM REAIS (2008)

Goiânia 15.376,50

Campinas 27.788,98

Região Metropolitana de Goiânia 13.069,31

Região Metropolitana de Campinas 28.453,37

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do IBGE Cidades@. Obtidos no site: www.ibge.gov.br

Somado a isso, a diferença de idade das cidades é considerável,

Campinas é uma cidade antiga, foi fundada em 1774. Goiânia é mais recente,

foi fundada em 1933.

11

O Produto Interno Bruto expressa a produção de bens e serviços no período de um ano e é o principal indicador de produção de riqueza de uma economia (Cf. OBSERVATÓRIO DAS METRÓPOLES, 2009).

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15

Apesar da diferença de idade das cidades a história das duas regiões

ora se encontra. É que a origem de Campinas está ligada à ocupação do oeste

brasileiro. A descoberta do ouro no Centro-Oeste do país no século XVII

culminou na abertura de caminhos para Goiás e Mato Grosso12. O “Caminho

dos Goiases” ligava São Paulo a Goiás pelo Triângulo Mineiro.

A viagem até Cuiabá durava até quatro meses, durante o caminho havia

pousos para os viajantes. Um deles, Campinas do Mato Grosso de Jundiahy,

originou a cidade de Campinas. No início o local pouco habitado tinha como

subsistência especialmente a agricultura elementar e o comércio para as tropas

viajantes (Cf. SILVA, 1996; GONÇALVES, 2002; BAENINGER, 1992). Com o

crescimento do pouso, logo se tornou arraial, depois freguesia, depois vila, por

fim recebeu o título de município, em 1842, retomando sua denominação

inicial, Campinas (Cf. LADEIRA e OTÁVIO, 1907, p. 7-10). A princípio o pouso

tornou-se conhecido na região por ter sido considerado positivamente:

O local era magnífico, exuberante; e o pouso se tornou arraial, porque a fama da uberdade do solo havia corrido; o arraial se foi argumentando a pouco a pouco. Já moradores de outras plagas, e principalmente de Taubaté, como Francisco Barreto Leme, que devia ser fundador de Campinas, se haviam aqui localisado, desde 1739, ao que diz (LADEIRA e OTÁVIO, 1907, p. 7).

Enquanto o ciclo do ouro teve importância para o surgimento de

Campinas, sua decadência e o princípio ciclo do açúcar, no início do século

XVIII, tiveram importância para o desenvolvimento da cidade. O fortalecimento

da economia a partir da cana-de-açúcar propiciou o incremento da malha viária

da província de São Paulo, e Campinas era ponto estratégico pela expressiva

capacidade de produção de açúcar e quantidade de escravos no município.

Além disso, a posição geográfica de Campinas muitas vezes vinculou capital e

interior.

Neste período, Campinas, ainda enquanto Vila tornou-se a maior

produtora de açúcar de São Paulo e continha o maior número de escravos do

estado. Em 1836 mais da metade da população campinense era composta por

12

O Caminho de Goiases era uma rota secundária criada mais tarde, em 1722, com o intuito de evitar a passagem pelas Minas Gerais, região marcada pelo confronto para explorar jazidas de ouro descobertas no local. O conflito tornou-se conhecido por Guerra dos Emboabas (Cf. GONÇALVES, 2002).

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escravos africanos, aqueles que sustentavam a produção açucareira. A taxa de

crescimento do local mantinha-se constante durante o ciclo açucareiro. O

crescimento apenas começou a decair a partir da suspensão do tráfico negreiro

e da saída dos mesmos de Campinas, bem como devido ao fortalecimento do

movimento abolicionista (Cf. BAENINGER, 1992).

Todavia a economia açucareira apoiou paulatinamente a passagem para

a economia cafeeira. “A vila açucareira, ia se transformando na cidade do café,

que pelo crescimento e riqueza, iria adquirir em todo o país grande prestígio

político e social” (GONÇALVES, 2002, p. 44).

A economia cafeeira teve início no começo do século XIX e inicialmente

utilizava mão de obra escrava, mas com o real encerramento da escravidão no

país a próspera região atraiu muitos migrantes, tantos nacionais como

estrangeiros. A utilização da mão de obra estrangeira contribuiu para o

incremento das técnicas utilizadas na agricultura, anteriormente mais

rudimentares, este incremento inclusive marcou analiticamente uma divisão na

economia cafeeira (Cf. BAENINGER, 1992). Os novos hábitos de consumo da

população impulsionaram ainda mais o comércio e também a indústria (Cf.

MARTINS, 2010), o que tornou a cidade um polo de referência regional de

comércio e serviços (Cf. BAENINGER, 1992). Segundo Camargo (1981) em

1874 a população de Campinas chegou a ter o mesmo porte de São Paulo, no

que se refere ao número de habitantes. Em 1886, houve outra grande

imigração no país e Campinas recebia boa parte dos estrangeiros, de diversas

origens, alemães, italianos, portugueses, espanhóis, suíços. Martins destaca a

importância do café em Campinas:

Não significou apenas mais fazendas e riquezas. Significou também mais comércio e maior diversificação das atividades urbanas, criando novas oportunidades através de novas necessidades, inerentes ao crescimento econômico e populacional. Local de financiamento e escoamento de safras, ponto de chegada e partida de imigrantes para o interior, a cidade de Campinas, ganhou ao longo dos anos uma série de melhoramentos urbanos (MARTINS, 2010, p. 24).

Campinas além de ter sido bastante beneficiada pela rede ferroviária do

estado assume função central quanto ao centro ferroviário do estado. Dessa

forma, Campinas retoma a seus princípios relacionados aos acessos (Cf.

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17

SEMEGHINI, 1988). O desenvolvimento do local propiciou o título de “Princesa

D’Oeste”.

Fato é que o dinamismo econômico que marca a cidade de Campinas

desde meados da economia açucareira e a riqueza proporcionada pelo café

possibilitaram concomitantemente à crise do café, em 1929, o início exitoso, do

processo de industrialização e urbanização da cidade, o que permitiu seguir o

curso do desenvolvimento nacional. Continuamente a cidade foi se adaptando

as etapas de crescimento do país.

Segundo Baeninger (1992), nesta fase, a região recebeu incentivos

governamentais graças à subordinação da agricultura à indústria e o mercado

de trabalho atraente. A acomodação de agroindústrias e indústrias “intensificou

a conurbação de municípios e a tendência a um processo de metropolização”

(p. 12). Atualmente Campinas se destaca pela concentração agrícola, industrial

e de importantes centros de serviços.

Por sua vez, o estado de Goiás, que já era conhecido pelos portugueses

e povoado por povos indígenas, apenas passou a ser ocupado por portugueses

no século XVIII, a partir da descoberta do ouro na região. É que no século XVII

já haviam encontrado ouro nas Minas Gerais e nas Minas de Cuiabá, por isso

bandeiras paulistas foram ordenadas para o território goiano, região

intermediária as duas minas, em busca de mais minério.

Alguns vilarejos surgiram perto de minas de ouro, como o Meia Ponte,

onde está situada a atual cidade de Pirenópolis. Dentre outros vilarejos

existentes destacou-se o formado nas margens do Rio Vermelho, ao lado da

Serra Dourada, atualmente onde está situada a Cidade de Goiás. Tratava-se

do arraial Sant’Anna, fundado em 1727, pelo Anhanguera, o Bartolomeu Bueno

da Silva. Uma década depois o Arraial que servia de apoio aos bandeirantes e

escravos à execução da mineração tornou-se Vila Boa de Goiás. Pouco depois,

para melhor administrar a região e seus recursos, sobretudo o ouro, à região

que pertencia à Capitania de São Paulo foi emancipada originando a Capitania

das Minas de Goiás (Cf. PALACIN, 1976).

Entretanto, a mineração do ouro em Goiás não durou muito, a partir da

década de setenta do século XVIII algumas regiões já apresentava declínio na

mineração, mas havia regiões com grandes minerações até os anos 1800 em

Goiás (Cf. BERTRAN, 1997). Bertran destaca dois motivos para que a ideia de

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decadência da mineração em Goiás fosse difundida. Além do real declínio, o

autor aponta para as dificuldades geológicas e mineralógicas correntes, bem

como o receio das autoridades locais quanto às fraudes fiscais e o contrabando

existente do mineral, dessa forma o autor conclui: “Convinha portanto às

autoridades coloniais, como precaução política, antes bradar ao trono a

decadência da mineração, do que pôr a mão no fogo pelo seu desempenho”

(1997, p. 12).

As regiões mineradoras de Goiás já começam a mostrar indícios de

estagnação em fins do século XVIII com a decadência da exploração do ouro.

A população de Goiás foi reduzida e a economia tendeu para a ruralizarão. A

particularidade do povoamento da região, marcado pela instabilidade e

irregularidade (Cf. PALACÍN e MORAIS, 2001), novamente se apresenta. A

agropecuária local foi incrementada para fornecer mantimentos para o mercado

interno e um pouco para o comércio externo. Entretanto dificuldades relativas

principalmente ao transporte dificultam o comércio e o desenvolvimento da

região. A pecuária também se iniciou com a migração de pecuaristas paulistas

visando boas terras para criar gado. Apenas com a construção de estradas no

final do século XIX e de estradas férreas no início do século XX aumentou as

possibilidades de crescimento econômico na região (Cf. FERREIRA, 1999).

Já no fim do século XIX a Cidade de Goiás já não apresentava

capacidade geográfica e sanitária adequadas para sediar a capital do estado. A

mudança tanto discutida estava por vir. Durante o primeiro governo do

presidente Getúlio Vargas e de Pedro Ludovico Teixeira, o então interventor

federal de Goiás, decidiu-se, por fim, transferir a capital estadual de Goiás e

construir a nova capital do estado, Goiânia (Cf. CHAUL, 1988).

A capital goiana surgiu a partir de idealizações de renovação e

modernização do interior brasileiro. Diante do plano de Vargas para a

ocupação do Oeste do país pouco depois da fundação de Goiânia, em 1933, foi

inaugurada a nova capital do país, Brasília, em 1960 a duzentos e dez

quilômetros de Goiânia. O distrito federal engloba parte do território goiano.

Além disso, em 1988, outra modificação no território aconteceu. O estado de

Goiás foi dividido devido às consideráveis disparidades do extenso território

goiano. A região norte do estado, a mais precária, deu origem ao estado do

Tocantins, estado que passou a pertencer ao norte do país.

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Ao longo da “Marcha para o oeste”, proclamada por Vargas, o sudoeste

do país passava por um processo de industrialização e este novo modo de

acumulação dependia do desenvolvimento do setor agropecuário, o que ocorria

então no estado de Goiás (Cf. BORGES, 1996). A partir de meados do século

XX o nível de crescimento econômico de Goiás aumentou consideravelmente

modificando a estrutura produtiva do estado. Somado a isso, a partir da década

de setenta a migração do campo para a cidade foi acentuada na região centro-

oeste do país (Cf. RODRIGUES, 2006).

Atualmente Goiânia se encontra no eixo econômico Goiânia-Anapólis-

Brasília e se destaca economicamente na agropecuária e na prestação de

serviços.

A história das duas cidades anuncia diferenças em alguns aspectos que

aqui interessam. O que dizer da tradicional Campinas e da recente Goiânia?

No que se refere às vivências que envolvem diferenças sociais algo tem para

ser expresso. Em serviços subalternos prestados, em uma sociedade do

consumo, as diferenças sociais podem ser notadas no relacionamento entre

servidor e servido e aí diferenças culturais podem ser notadas.

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PARTE 1

SOCIEDADE DE SERVIÇOS: SOCIOLOGIA E PERSPECTIVAS

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1. 1 A sociedade pós-industrial: pontos de vista

Um novo tipo de sociedade estava a se formar. Nela os serviços tornam-

se base da economia, em detrimento da outrora vigente produção de bens e há

a emergência do profissional ancorado na técnica e no conhecimento científico.

Várias denominações foram dadas para demarcar o tipo de sociedade que

emergia: programada, pós-industrial, tecnocrática, sociedade da informação,

dentre outras. As designações evidenciam diferentes problemas considerados

e as expectativas existentes diante da nova fase.

A intenção aqui é abordar importantes autores e obras sobre a temática

do capitalismo de serviços. Como base e inicialmente serão apresentados os

pensamentos de Daniel Bell e Alain Touraine. Os dois são nomes significativos

no debate sobre a sociedade já não mais considerada como industrial. Em

seguida serão apresentados autores que questionaram as análises de ambos.

Para por fim relacionar o debate com a temática base da dissertação: os

serviços, mais especificamente os da área da alimentação.

Em sua obra clássica, O Advento da Sociedade Pós-Industrial, publicada

em 1973, o sociólogo estadunidense Daniel Bell atenta-se para a recorrente

utilização intelectual de prefixos que denotam a transição seguida pela

sociedade (“pós” e “além”) e formula o conceito de “sociedade pós-industrial” 13.

O conceito representa uma tentativa de identificar a mudança na estrutura

social da sociedade ocidental. Por estrutura social Bell entende que “são as

maneiras segundo as quais se organiza as instituições primordiais que

ordenam a existência dos indivíduos no seio de uma sociedade” (BELL, 1977,

p. 21). A intenção do autor nesta obra é especular sobre o futuro da sociedade.

Para tanto, as regularidades e tendências históricas são consideradas.

Bell destaca as cinco dimensões da sociedade pós-industrial: 1) a

mudança de uma economia de produção de bens para uma economia de

serviços: 2) o predomínio de uma classe profissional e técnica; 3) a

13

Apesar das dúvidas em relação à originalidade da expressão “sociedade pós-industrial”, o termo foi utilizado pela primeira vez por Bell em 1959. Bell explica em nota de rodapé na introdução do livro Sociedade Pós-Industrial que o termo foi usado um ano antes por David Riesman, mas além do significado ser diferente do popularizado no discurso intelectual, Riesman não desenvolveu a ideia. Décadas antes, o inglês Arthur Penty também utilizou o termo “pós-industrial”, todavia Daniel Bell é quem é considerado criador do conceito.

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centralidade do conhecimento teórico nas inovações tecnológicas e no meio

político; 4) o controle da tecnologia e de sua distribuição; 5) a invenção de uma

“tecnologia intelectual” atuante na tomada de decisões políticas.

A concepção de sociedade pós-industrial de Bell reforça o papel central

da ciência e do conhecimento na sociedade: os cientistas passam a colaborar

tecnicamente no processo de tomada de decisões políticas e o trabalho

intelectual é mais pressionado e burocratizado.

Bell apresenta de modo superficial como o conhecimento científico

organiza o desenvolvimento econômico e a estratificação da sociedade. Assim

a relação entre ciência e política é salientada, pois o autor sustenta que ela

permite atingir a mudança na estrutura social e os problemas dela decorrentes.

Contudo, na visão de Bell as alterações na estrutura social promovem

problemas para a sociedade, mas não os determinam:

Em suma: o aparecimento de uma nova espécie de sociedade põe em questão a distribuição da riqueza, do poder e do status, problemas centrais em qualquer tipo de sociedade. Acontece, porém, que a riqueza, o poder e o status não são dimensões de classe, mas sim valores buscados ou conquistados por classes. Numa sociedade, as classes são criadas pelos eixos de estratificação mais importantes da sociedade ocidental são a propriedade e o conhecimento. Paralelamente a eles, há um sistema político, que os está administrando cada vez mais e que faz surgir elites temporárias (temporárias, no sentido de não existir uma continuidade necessária de poder entre as mãos de um grupo social específico, continuidade mantida através de um cargo, como existe uma continuidade de família ou de classe, mantida através da propriedade e da vantagem diferencial de pertencer a uma meritocracia)” (BELL, 1977, p. 60).

Em seu livro Bell também contesta o ponto de vista de autores

neomarxistas acerca da fase em constituição, alguns deles são: Alain Touraine,

Radovan Richta, Serge Mallet, André Gorz, e Roger Garaudy.

Fundamentalmente ele pondera a crise ideológica do marxismo perante a

revolução socialista não materializada e profetizada por Karl Marx. Em sua

obra O fim da ideologia (1960), Bell aborda especificamente a exaustão de

paixões ideológicas e a busca por outras novas, além da demanda pela tomada

de decisão de forma técnica. Atento a essas questões percebe a tentativa de

alguns autores de “‘salvar’ o conceito marxista de mudança social” (p. 56) ao

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focarem em análises preponderantemente sobre a velha e a nova classe

operária, já que a antiga classe operária perde sua expressividade histórica.

A crítica estava no fato de ao invés de buscarem a compreensão das

reais modificações correntes, esses autores ainda tinham como norte a

continuidade do pensamento de Marx. Para estes autores a classe

trabalhadora da sociedade pós-industrial, a “nova classe trabalhadora”,

composta por profissionais tecnicamente qualificados, seriam os agentes

históricos da mudança social vislumbrada por Marx. A ideia é que haveria uma

proletarização dos funcionários técnicos a partir da perca de seu valor devido à

expansão da educação pública e a massificação da classe. Entretanto, Bell

apresenta pesquisas empíricas que mostram a distância entre a classe

operária e a classe de funcionários técnicos. A última não teria como aliada a

primeira, pois suas origens medianas e imagem típica mereceriam ser

preservadas.

Um dos autores criticados por Bell é o sociólogo francês Alain Touraine.

Como um todo o cerne do estudo de Touraine é a formação da ação histórica,

sua obra privilegia a análise dos movimentos sociais. Em A sociedade post-

industrial 14, obra publicada em 1969, Touraine discorre sobre a mudança nas

formas de dominação social. O autor utiliza o termo sociedade programada

para demarcar a fase em constituição, o termo a define pela “natureza do seu

modo de produção e de organização econômica” (TOURAINE, 1970, p. 7). Já

os termos sociedade pós-industrial e sociedade tecnocrática demarcam,

segundo Touraine, a intenção de, respectivamente: apontar a distância das

sociedades industriais e; expor o poder que domina a sociedade. Ao escolher o

termo sociedade programada a intenção do autor é de enfrentar um problema

específico: o da dominação social.

Segundo Touraine, na sociedade programada os conflitos sociais ainda

são relacionados com o domínio da produção. Isso por que: a educação, a

informação e o conhecimento – inerentes a essa fase – são diretamente

ligados a este domínio, estas compõem as forças de produção e colaboram

com o crescimento econômico. A diferença da sociedade programada está na

existência e na importância da interferência da esfera política nas atividades

14

Livro traduzido para o português de Portugal.

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econômicas15. Com isso as lutas sociais tornam-se menos ligadas aos

mecanismos econômicos e mais ligadas às questões relacionadas ao poder e

ao âmbito cultural. A classe operária e o movimento sindical, por exemplo, já

não são centrais para a transformação social.

Touraine emprega a ideia de alienação com o intuito de evidenciar as

relações sociais envoltas às possíveis situações de conflito e situar atores na

estrutura social. O alienado é aquele que participa de maneira “dependente” no

mundo em que vive. Ao mesmo tempo ele é: integrado ao sistema e atua

mantendo os interesses e a dominação da classe dirigente. A eles são

impostos os modelos de crescimento que desejam a classe dominante, mas a

imposição é despercebida devido à impessoalidade do modelo. É que há a

aparência de um modelo que seja adequado para todos. O conflito social só

aparece quando a situação de alienação é percebida e condenada. É a partir

da tomada de consciência da condição vivenciada e a ação contrária à situação

de alienação que a luta social acontece. Na obra de Touraine, A sociedade

post-industrial, evidencia-se que:

Por um lado, é o apelo às próprias orientações da sociedade contra a sua apropriação privada pela classe dirigente; por outro, é a resistência da experiência pessoal e coletiva a mudanças que não são controladas pela coletividade (...). A sociedade, entorpecida durante muito tempo na satisfação do seu êxito material, não rejeita o progresso técnico e o crescimento econômico, mas a sua submissão a um poder que se proclama impessoal e racional, que espalha a ideia de já não ser, ele próprio, senão o conjunto das exigências da mudança e da produção (TOURAINE, 1970, p. 15-16).

Touraine demonstra a natureza dos movimentos sociais na sociedade

programada. Para ele um enfrentamento relevante carece de um envolvimento

organizado de todos os domínios da vida social interferindo diretamente nas

decisões políticas por meio de instituições.

O sociólogo francês questiona primeiramente o conceito de classes.

Qual seria a importância desse conceito na sociedade programada? Segundo

ele o poder do conceito tradicional de classe perdeu sua força explicativa. A

15

A interferência da esfera política nas atividades econômicas possibilita o objeto da sociologia, quando os mecanismos econômicos eram definidos pela própria economia não havia objeto para tal ciência. Neste sentido, para Touraine, a sociologia não advém da revolução industrial, mas sim em meados do século XIX, quando há direcionamento do futuro da sociedade, quando há ação social.

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temática deveria ser revista, para tanto o autor repensa os elementos que

compunham a noção clássica do conceito: como a definição de classe e de

relações de classes e a concentração de poder. Mas para Touraine a temática

somente deve ser valorizada se há consciência de classe. Em outros termos,

se há organização dos interesses classistas e não apenas sentimentos de

exploração, exclusão ou dominação.

As visões, de Bell e Touraine, veem a passagem de um tipo de

sociedade para outra de forma positiva. Em sua obra, Da sociedade pós-

industrial à pós-moderna, publicada em 1978, Krishan Kumar, sociólogo

indiano e professor na Universidade de Virginia analisa três teorias advindas da

teoria de Bell sobre a sociedade pós-industrial: a sociedade da informação; as

teorias do pós-fordismo e; as teorias da pós-modernidade. Kumar considera

que as teorias sobre a sociedade da informação sucederam os pensamentos

de Bell acerca da sociedade pós-industrial. Segundo o autor ambas as teorias

possuem um caráter progressista e amparado no ideal de racionalidade e

progresso.

O autor também avalia o posicionamento dos autores de esquerda como

sendo “inesperada”. É que apesar do desenvolvimento econômico colaborar

diretamente como motor da história, o que explica o entusiasmo de

esquerdistas, as diferenças da fase em constituição – a atenuação dos conflitos

entre capital e trabalho, a relevância do setor de serviços, dentre outras – não

foram contempladas nos pensamentos de Marx. Isso, afirma Kumar, demandou

desses autores uma análise do período em vigência, para compreender o

processo de transformação.

Um desses autores, crítico das teorias sobre a sociedade pós-industrial

e a sociedade da informação, foi o economista americano Harry Braverman.

Em sua obra publicada no ano de 1974, Trabalho e capital monopolista,

Braverman traz elementos que caracterizam o trabalho como taylorizado. Há aí

uma contradição. Como pode na sociedade pós-industrial, que pressupõe o

conhecimento como sua base, possuir atividades laborais marcadas

basicamente pela eficiência nas operações? O autor pondera a utilização de

máquinas e instrumentos durante o trabalho que colaboram para a pouca

necessidade de trabalhadores qualificados. Os trabalhadores tornam-se

complementares às máquinas. Braverman inclusive aponta para a feminização

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da força de trabalho burocrática. Em outros termos, o autor demonstra a

participação de mulheres trabalhando em boa parte das atividades em

escritórios do tipo “colarinho branco”. A ideia de Braverman é mostrar o fosso

existente entre uma pequena parcela de profissionais do conhecimento e uma

maioria de trabalhadores com baixos níveis de qualificação e ainda exercendo

atividades burocratizadas e taylorizadas (Cf. BRAVERMAN, 1987).

Os teóricos da sociedade pós-industrial e da sociedade da informação

asseguravam que os trabalhos envolvendo conhecimento iriam aumentar e se

tornarem predominantes diante de outros tipos trabalhos. Contudo a pergunta

mais recorrente feita, já na década de oitenta, era se a tecnologia empregaria

ou desempregaria trabalhadores. Outro questionamento é contemplado nas

analises de Kumar: os trabalhos nessas sociedades são realmente realizados

por profissionais peritos e autônomos? (Cf. KUMAR, 1997). Tendo em vista,

sobretudo a presença e o domínio do taylorismo nas atividades prestadas: “a

tecnologia da informação possui maior potencial de proletarizar do que

profissionalizar o trabalhador (...). Muitos desses trabalhadores, no entanto, são

profissionais de nível superior apenas no nome” (KUMAR, 1997, p. 37-38).

Kumar desvela em seu levantamento bibliográfico que na dita

“sociedade da informação” há a existência de políticas que contribuem para o

incremento das desigualdades. Apesar das teorias sobre a sociedade da

informação trazerem junto a si um discurso que possui um intenso apelo

popular. As expectativas otimistas em relação ao período a porvir, demarcadas

no pensamento de Bell e Touraine são, portanto, gradativamente discutidas.

É necessário recuar novamente para o trabalho de Bell. O conceito dele

de sociedade pós-industrial compreende cinco dimensões, cabe aqui uma

analise das duas principais. A primeira refere-se à mudança da economia de

produção para uma economia de serviços; e a segunda refere-se à mudança

na distribuição de ocupações convergindo para o predomínio de atividades

profissionais e técnicas16. É que muito se esperou do crescimento das

atividades ligadas à sociedade pós-industrial e pouco foi dito sobre o

crescimento em geral das atividades terciárias. Em outros termos, as

16

As outras três dimensões basicamente dizem sobre a instrumentalização do conhecimento, que passa a contribuir diretamente nas questões políticas e no âmbito das inovações técnicas. Ambas colaboram para orientar ações futuras.

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expectativas ofuscaram importantes pontos do debate, como por exemplo, a

real distribuição ocupacional em constituição. Contudo, as prenuncias de Bell

podem ser relevadas, pois se tratava de um período em formação, sua

intenção era desvelar a futura mudança na estrutura social.

A maior parte do crescimento de empregos das últimas décadas é

apontada por Kumar (1997) como não sendo no setor do conhecimento, “mas

nos níveis mais baixos da economia terciária, onde o grau de habilidades e

conhecimento não é alto” (p. 39). Basicamente:

Os novos empregados típicos haviam sido admitidos em estabelecimentos de “comes e bebes”, incluindo lanchonetes, em “serviços de saúde”, principalmente sob a forma de enfermeiras e pessoal auxiliar em hospitais e casas de repouso particulares, e em “serviços e empresas”, sobretudo de trabalhadores em tarefas rotineiras de informação ligadas a processamento de dados, cópias e mala direta. Muitos eram mulheres e um bom número trabalhava em regime de meio expediente ou temporário. Os níveis salariais eram baixos e virtualmente nulas a segurança no emprego e a possibilidade de fazer carreira (KUMAR, 1997, p. 39).

O sociólogo americano Wright Mills publicou em 1951 a obra A nova

classe média (White Collar), que discute basicamente a formação da nova

classe, a dos colarinhos-brancos17. O interessante é que esta obra é anterior às

referidas de Bell e Touraine e nela Mills já havia abordado, de modo pertinente

e com forte teor qualitativo, à questão da fragmentação da classe média. Com

isso, seria ingênuo considerá-la de maneira pouco extensa.

Há hierarquia entre os colarinhos-brancos, ou seja, eles pertencem a

diferentes níveis. E o autor analisa as diferentes posições sociais ocupadas

pelos membros da classe média. Decrescentemente, no que se refere à

hierarquia, por exemplo, existem: os burocratas políticos e os gerentes, os

profissionais liberais estabelecidos (médicos, advogados e engenheiros, etc.),

os vendedores especializados, empregados de escritório que executam tarefas

17 O conceito de colarinho branco designa trabalhadores que desenvolvem atividades que não estão diretamente envolvidos na produção de bens e que ao final do mês recebem um salário. Diferentemente do pagamento dos operários que recebem por hora, dia ou semana. A contagem do valor a ser recebido também não é feito da mesma forma. A remuneração dos colarinhos brancos normalmente é estipulada por contratos, a dos operários é estipulada por tempo de atividades prestadas. Outro fator que os distingue é o status e o prestígio que os colarinhos brancos possuem, eles, por exemplo, utilizam roupas de passeio no trabalho.

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rotineiras, auxiliares de máquinas, recepcionistas, balconistas, dentre outras

ocupações. A ideia dele é considerar não uma camada horizontal dos

colarinhos-brancos, mas uma pirâmide social dos mesmos. Dessa forma, Mills

acredita que:

Para compreender a nova classe média é necessário traçar pelo menos um esboço da estrutura social de que ela faz parte. O caráter de uma camada social consiste, em grande parte, em suas relações, ou ausência de relações, com as camadas superiores e inferiores; suas consequências ressaltam dessa comparação (1976, p.22).

Ao considerar as ocupações da classe média Mills utiliza três critérios na

qual são vinculadas para decompô-las, são eles: o poder; o status; a situação

de classe; bem como a especialização e função da atividade. A seguir o autor

demonstra parte dessas caracterizações da classe, note:

As raízes históricas do seu prestígio incluem, além da renda superior, a semelhança de seu lugar e tipo de trabalho com os da antiga classe média. Como suas relações com o empresário e freguês rico se tornaram mais impessoais, passaram a tornar emprestado o prestígio da própria firma. Seu aspecto físico, especialmente o fato de que a maioria dos cargos de colarinho branco lhes permite o uso de roupas de passeio, influenciou esse prestígio, assim como as especializações que são exigidas para a maior parte dos empregos, e em muitos deles a variedade de tarefas executadas e o grau de autonomia no trabalho. Além disso, o tempo gasto para aprender essas especializações e a maneira como eles adquirem, através da educação formal e de contatos frequentes com as categorias superiores, tiveram uma grande influência em seu prestígio (MILLS, 1976, p. 94)

Uma diferença essencial entre a antiga classe média e a nova classe

média está na relação com a propriedade. A primeira, composta por

empresários independentes, são detentores de propriedade. Já os segundos,

não possuem propriedade e são dependentes de instituições ou empresas na

qual prestam serviços e recebem o salário ao final do mês. Segundo o autor:

“Em termos negativos, a transformação da classe média representa uma

passagem da propriedade para a não-propriedade; em termos positivos, é a

passagem de uma estratificação social baseada na propriedade para uma

estrutura baseada na ocupação” (MILLS, 1976, p. 85). Em outros termos,

entende-se que para compreender ambas as classes é preciso ponderar no

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caso da antiga classe média à situação diante das propriedades empresariais e

no caso da nova classe média à estrutura ocupacional influente. Por um lado o

status, o poder e o prestígio são determinados pelo controle da propriedade

detida, por outro pela habilidade empregada no mercado de trabalho.

Também são diferenciados os colarinhos brancos dos operários. No que

se refere à situação de renda a dos primeiros é levemente superior. Porém ao

considerar o status e o prestígio dos primeiros diante das atividades ocupadas

há uma profunda disparidade e o impacto psicológico seja por falta ou não de

reconhecimento é evidenciado tanto nos colarinhos brancos e nos operários. E

isso contribui para a distinção social dos mesmos.

Agora já é possível perceber a ligação de Mills com a sociologia da

ocupação e logo, as suas grandes contribuições feitas para o debate em voga,

porém escassamente referidas.

Apesar disso, obras como a de Mills mostraram a necessidade de

alcançar e aprimorar informações sistemáticas sobre aos diferentes tipos de

colarinhos brancos. Já que “a passagem de uma dicotomia simples entre

proprietários e não-proprietários a uma série de diferenciações no interior da

categoria dos não-proprietários” ( MILLS, 1976, p. 307) recaiu na obrigação de

autores de ideais marxistas, sobretudo, revisarem a orientação clássica de

Marx, que praticamente desconsiderava a contribuição de classes medianas no

processo de transformação social.

Ainda assim, Mills reconhece a ligação entre política e estratificação

social, porém pensa uma revisão de Marx a partir de uma perspectiva

psicológica. Essa seria uma tentativa de problematizar a verdadeira vivência

individual e da classe média em questão. Já que estas estão permeadas por

uma falsa consciência de si e cercadas por vivências de alienação. Mills queria

atingir a psicologia da classe média por meio das experiências individuais

cotidianas para compreendê-la:

O homem de colarinho branco não tem cultura própria, a não ser os conteúdos da sociedade de massas que o moldou, e procura aliená-lo (...). Alienado do produto do seu trabalho, desempenhando anos a fio a mesma rotina, dedica seu tempo a lazer à diversão ersatz que lhe é vendida, e participa excitação sintética que não tranquiliza nem relaxa. Ele entedia-se no trabalho, enerva-se no lazer, e essa alternância que o esgota (MILLS, 1976, p. 18).

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A partir desses autores citados percebe-se que inicialmente o debate

sobre a sociedade pós-industrial foi fortemente marcado por uma perspectiva

da esquerda e ancorado por questões políticas que visavam à transformação.

Por isso, muitos consideravam essa sociedade de forma positiva, como um

passo para uma mudança social.

Um deles, autor não referido anteriormente, é o sociólogo Jean Lojkine.

Em sua obra A Revolução Informacional, publicada em 1999 o autor traz à tona

a questão do monopólio do pensamento ante a dominação capitalista e as

novas tecnologias. O ponto está na divisão do trabalho. Segundo Lojkine a

revolução informacional representa um grande potencial para minar a distância

existente entre dirigentes e produtores. Em outros termos, o monopólio do

conhecimento, inerente ao modo da divisão do trabalho, desapareceria com a

revolução informacional, bem como a sociedade de classes, a que opõe

homens, tendo em vista as grandes modificações nas funções da divisão do

trabalho entre os que decidem e os que executam.

Outra perspectiva positiva sobre a sociedade pós-industrial, mais atual, é

do italiano Domenico De Mais. Em sua obra publicada em 2000, O Ócio

Criativo, o autor confia no decréscimo do tempo destinado ao trabalho de

produção e no acréscimo de tempo destinado ao trabalho criativo. Por isso,

haveria a utilização livre do tempo, este seria gasto tendo em vista a satisfação

das necessidades individuais e a liberdade individual de cada um (Cf. DE

MASI, 2000).

Por sua vez, o sociólogo alemão, Claus Offe, publicou em 1977 o ensaio

O crescimento do setor de serviços, onde expõe quatro bases de expectativas

de autores otimistas em relação ao crescimento dos serviços: 1) o esforço do

trabalhador será atenuado porque não mais realizará empenhos físicos

diretamente com máquinas e ferramentas, pois, o trabalhador tratará com

pessoas e símbolos; 2) o trabalhador receberá treinamento para atividades

específicas aos serviços e as funções administrativas serão burocratizadas; 3)

o setor de serviços absorverá o trabalho excedente, assim não haverá

desemprego estrutural; 4) o conflito industrial da produção será diminuído ou

ainda eliminado. Offe também exibe quatro importantes explicações

sociológicas acerca do crescimento de serviços e apresenta falhas em todas

elas. Em síntese, Offe conclui afirmando que todas têm merecimentos relativos,

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mas nenhuma delas consegue convencer completamente. Trata-se de

abordagens com teores funcionais e estruturais18.

Contudo, além de Braverman, passada algumas décadas da obra de

Bell, houve outros autores que contestaram o ideal da sociedade pós-industrial

e a avaliaram como sendo negativa. Um deles é André Gorz. Já em 1988 Gorz

publicou Metamorfoses do trabalho. Nesta obra o autor não vangloria a

sociedade de serviços por prover empregos qualificados e empregados

autônomos como foi amplamente exposto inicialmente por intelectuais

otimistas. Ao contrário, a propósito da perspectiva crítica da racionalidade

econômica19, Gorz denuncia a dinâmica de economia de tempo, que é

possibilitada pela inovação técnica e o advento de atividades de serviços

mercantis de proximidade que antes não eram remuneradas. Há, assim, a

perpetuação de uma dinâmica de economia de tempo: basicamente o tempo

disponível daqueles que logram atributos que possibilitam uma posição de

conforto aumenta, enquanto outros realizam atividades próprias a serviçais,

sem status e sem remuneração descente. Gorz relaciona a sociedade em

questão com o aumento da precariedade e informalidade nos serviços

prestados. É admitido pelo autor que muitas vezes um serviço é requisitado

para proporcionar prazer a uma pessoa em particular que deseja ser servida.

Deste modo, Gorz declara sua percepção sobre o retrocesso social corrente,

pois:

Para uma parte ao menos dos prestadores de serviço, trata-se, dessa vez, de submissão e de dependência pessoal frente àqueles ou àquelas que se fazem servir. Renasce hoje o que a industrialização, depois da segunda guerra mundial abolira: uma classe servil (GORZ, 2007, p. 18).

Gorz, ao perceber o acirramento da racionalidade econômica assume

um ponto de vista bastante crítico e por isso difere de autores que

vislumbravam a sociedade pós-industrial como um passo para uma

18

Sobre o assunto veja também outro ensaio de C. Offe realizado em parceria com J. Berger, A dinâmica do desenvolvimento do setor de serviços, publicado em uma organização de Offe denominada Trabalho e Sociedade, v. 2, 1991. 19

A racionalidade econômica está atrelada ao cálculo contábil em relação ao trabalho moderno. Já que este tem em vista a troca mercantil devendo então ser o mais eficaz possível (GORZ, 2007).

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transformação social ou a concebiam apenas de um ângulo, valorizando os

aspectos positivos desse tipo sociedade e omitindo os aspectos negativos.

Finalmente, em vista do debate apresentado e dos autores abordados a

intenção do texto até aqui é a de também revelar como a sociologia, de modo

geral e a sociologia do trabalho, mais especificamente, esteve ligada à obra de

Karl Marx e, portanto, a esfera da produção e aos ideais de transformação

social. No tópico a seguir a sociologia do trabalho em serviços será destacada,

assim como a temática convergirá para os assuntos específicos da dissertação.

1.2 Sociologia do trabalho em serviços A partir do ponto de vista de Gorz, anteriormente apresentado, nota-se

que as mudanças no mercado, apesar de abrangentes, não atingem a todos de

modo equivalente. Incidem, principalmente, sobre os menos favorecidos

socialmente. Sob tais circunstâncias, trabalhadores com pouca qualificação e

baixa escolaridade acomodam-se em serviços que exigem poucos requisitos e

em atividades informais. De modo geral, são serviços pessoais (domésticos,

higiene e beleza, hotelaria, alimentação), aqueles que atendem a demanda

individual, e serviços distributivos (transporte, comércio, armazenagem) e os

que atendem a demanda de empresas após o processo produtivo finalizado

(Cf. OLIVEIRA, 2003). Tais atividades, a despeito de sua importância,

comumente são desprivilegiadas e logram pouco reconhecimento social.

É indubitável a heterogeneidade do setor de serviços. Nele coexistem

atividades modernas de alta tecnologia que empregam profissionais

qualificados e autônomos e; segmentos tradicionais que demandam pouca

qualificação e muitas vezes estão relacionados à precarização e/ou

informalidade (Cf. ANTUNES, 2009; POCHMANN, 2006). Eles coexistem em

diferentes proporções, dependendo da economia de um determinado país. Por

exemplo, segundo Morais (2006), no caso brasileiro a dinâmica do mercado de

trabalho engendrada nos anos 90 caracterizou-se pela desarticulação da base

do trabalho assalariado e pelo aumento intensivo dos segmentos ocupacionais

não assalariados, em sua maioria nas atividades de serviços pessoais e

domiciliares, ou seja, em ocupações de baixa qualificação, pouco rendimento e

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com níveis consideráveis de informalidade. Para Morais a configuração da

estrutura ocupacional baseou-se no aumento das ocupações de mão de obra

semiqualificada, contrapostas àqueles empregos para profissionais

especializados – desenvolveram-se dois pólos.

Almeida (2004) argumenta nesse sentido, enfatizando que os serviços

relacionais são os que mais expandem. Na maior parte são serviços

especializados, em que a competência técnica é respeitada. Mas os serviços

com menor grau de profissionalização também são requisitados, como os

serviços de restauração e atendimento em balcão. Já os empregos em

transporte, logística e comércio decrescem, bem como atividades bancárias e

em telecomunicação, visto que são serviços capazes de serem padronizados e

mecanizados. A procura por serviços relacionais justifica-se, segundo Almeida,

devido ao aumento de necessidades e desejos de cuidados, assistência,

formação e lazer e também devido ao enfraquecimento de laços de

solidariedade de familiares e vizinhos.

Fato inegável é que a terciarização é uma importante modificação do

mundo do trabalho. Trata-se de um processo gradual que convergiu para o

aumento das atividades de serviços (ALMEIDA, 2004). Em termos analíticos

esse processo pode ser mensurado pelo incremento na participação no

Produto Interno Bruto (PIB) da economia do país e pelo aumento nas

ocupações e empregos (Cf. OFFE e BERGER, 1991; SILVA, 2009).

No entanto, apesar do setor de serviços ser bastante expressivo na

economia e no mercado de trabalho, ainda é pouco compreendido. Na

sociologia do trabalho brasileira, mais influenciada por teorias marxistas, os

estudos ainda abrangem principalmente o setor produtivo e até o agrário e as

análises privilegiam, sobretudo, à organização do trabalho. No Brasil,

majoritariamente as pesquisas realizadas sobre o setor são na área da

economia, ou em sua fronteira, tratam-se de estudos quantitativos que visam

mapear, definir e classificar o setor.

Korczynski (2009) evidência três motivos para a negligência de estudos

do setor de serviços, são eles: o foco dos sociólogos do trabalho estava nas

relações industriais e nos conflitos de classe; os sociólogos do trabalho,

majoritariamente homens, desprivilegiavam teoricamente o setor de serviços

por ser predominantemente composto por mulheres e; por questões

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pragmáticas boa parte das pesquisas era realizada em grandes locais de

trabalho.

A análise da literatura estrangeira da última década indica outra direção,

atualmente o setor de serviços é mais analisado do que o setor industrial

(KORCZYNSKI, 2009; LOPEZ, 2010). As sociologias do trabalho de serviço:

estadunidense, inglesa, australiana, por exemplo, iniciadas na década de 1990

e desenvolvidas ao longo dos anos 2000 incidem em pesquisas empíricas e

qualitativas com teor interacionista e estudos organizacionais. Basicamente os

debates compreendem temáticas relacionadas ao trabalho emocional, à

relação triangular nos serviços (gestor, trabalhador e cliente) e o nexo entre

gênero e controle em trabalhos de serviços, já temáticas ligadas à raça são

mais raras (Cf. LOPEZ, 2010)20.

Segundo Pettinger (2005) o foco nas interações entre trabalhadores e

clientes é uma maneira de tentar caracterizar o emprego em serviços, já que o

mesmo é considerado pela presença do cliente no ambiente de trabalho e

também é uma maneira de abordar estratégias eficazes para a gestão das

interações entre trabalhadores e clientes.

A precursora obra de Arlie Hochschild, The Managed Heart (1983), ainda

é amplamente discutida. Hochschild aborda o poder do controle organizacional

sobre os trabalhadores, de maneira crítica, aponta para os custos sócio-

psicológicos embutidos aos trabalhadores de serviços. Nessa obra Hochschild

apresenta o conceito de trabalho emocional, que consiste na administração de

emoções e sentimentos tendo em vista o ideal da interação social. Já a

expropriação do trabalho emocional refere-se à coação exercida pela

administração sobre os trabalhadores de serviços interativos para que estes

omitam e encorajam determinados emoções e sentimentos, visando um bom

atendimento e o bem estar do cliente. As emoções são expropriadas do

trabalhador com a finalidade de produzir lucro. Com aporte nas considerações

de Hochschild evidencia-se a atuação de atendentes de mesa, por exemplo, a

partir de um roteiro a ser seguido nas relações com clientes que é adotado

20 Lopez (2010) chama a atenção para o princípio da sociologia do trabalho em serviços,

quando o periódico Work and Occupations publicou pela primeira vez uma edição especial sobre o assunto, em 2000, e para o aumento progressivo dos serviços nos Estados Unidos, em contraposição as escassas pesquisas na área. Para chegar a tais conclusões a autora mapeou e examinou os artigos publicados neste periódico desde o fim dos anos 2000 até o fim de 2009 e mais em dois outros periódicos.

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voluntariamente ou forçadamente como estratégias de trabalho que reforçam

ou são reacionárias em relação às interações com clientes.

Entretanto a expropriação do trabalho emocional é um fenômeno sutil,

podendo ser facilmente confundido com identificação espontânea. Segundo a

visão de Hochschild “Quanto mais profundo o laço, mais se faz trabalho

emocional e menos consciente se é disso” (HOCHSCHILD, 1983, p. 359-360).

O empoderamento por parte do trabalhador é relativo, uma vez que ele está

sob uma cultura de trabalho, e possui noções sobre como melhor atender o

consumidor, sobre a melhor maneira de representar a empresa, ou o

comportamento certo ditado pelos administradores e funcionários que

trabalham no local há mais tempo, bem como pelas demandas de

consumidores por um bom tratamento. Ou seja, percebe-se em algumas

situações de serviços certa preponderância de uma cultura do trabalho

orientada não por protocolos, mas por práticas de consumo específicas que

privilegiam a qualidade da interação. Neste sentido, deve-se atentar para as

relações estabelecidas entre consumidores e prestadores de serviços, pois são

impregnadas de representações simbólicas que convergem diretamente para a

composição da identidade social dos trabalhadores.

Karla Erickson (2004) desafia a literatura do trabalho emocional após

realizar um estudo em um pequeno restaurante de subúrbio na cidade de

Minneapolis nos Estados Unidos. Erickson se posiciona contra os efeitos

alienantes da utilização instrumental da emoção no trabalho delineados por

Hochschild. A autora utiliza o método do caso estendido de M. Burawoy21. A

emoção é entendida por Erickson como estratégia psicológica utilizada em

benefício próprio, seja em negociações identitárias ou no desenvolvimento de

roteiros para utilizar nas interações no trabalho. Em sua análise, privilegia

trocas espontâneas em encontros de serviços e estudou como os

trabalhadores voluntariamente modificam scripts para adaptar às demandas

dos clientes (2004, p. 551). Erickson destaca a temática do gênero e detecta

diferenças quanto ao modo de lidar com o trabalho emocional. Mulheres,

21 O método do caso estendido proposto por Michael Burawoy (1998) tem como base a

ciência reflexiva, em oposição à positivista. Sob essa perspectiva a objetividade científica é alcançada pelo diálogo orientado por teorias, entre pesquisador e pesquisado e pela reconstrução de teorias a partir de anomalias empíricas. A ideia de Erickson era de estender a teoria do trabalho emocional a partir de cuidadoso trabalho empírico.

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majoritariamente, adotam a estratégia do investimento: aproveitam o uso da

emoção e se envolvem; neste caso as relações exigidas para além da troca

dão sentido ao trabalho e o trabalho emocional é fonte de prazer. Há certa

quebra de papéis entre atendentes e consumidores, dando maior igualdade na

relação. Na estratégia do distanciamento, adotadas majoritariamente por

homens, há o distanciamento emocional nas trocas de serviço, portanto as

práticas do trabalho e as adotadas pelo self autêntico são díspares. O trabalho

não é elemento identitário; assim, na ausência do consumidor o trabalhador

desloca-se para seu self original.

Tendo em vista as contribuições de Hochschild, Nunes (2009) ao

analisar serviços subalternos ou de baixa qualificação também apresenta

problemas de autenticidade e identificação decorrentes das indeterminações

entre “agir normalmente” e o “agir manipulando emoções”. Hochschild (1983)

levanta algumas questões nesse sentido para problematizar a relação entre

sentimento verdadeiro e fingimento:

Quando as regras de como sentir e de como expressar são estabelecidas pela administração, quando os trabalhadores têm direitos mais fracos de cortesia do que os clientes, quando agir superficialmente e profundamente são formas de labor para ser vendida, e quando a capacidade privada para a empatia e cordialidade são colocadas para os usos corporativos, o que acontece com a forma como uma pessoa se relaciona com seus sentimentos ou sua aparência? Quando a cordialidade excitada torna-se um instrumento de trabalho em serviço, o que uma pessoa aprende sobre si mesma de seus sentimentos? E quando um trabalhador abandona seu work smile, que tipo de vínculo permanece entre seu sorriso e o seu self? (HOCHSCHILD, 1983, p. 89-90).

22

No entanto, sociólogos do trabalho que utilizam as abordagens do

trabalho emocional têm sido alvo de criticas por privilegiar apenas um aspecto

da interação (o trabalho emocional) e desconsiderar ou abordar de forma

superficial outros aspectos que interferem na conduta do trabalhador e do

cliente, como por exemplo, aspectos econômicos e o contexto organizacional

(Cf. PETTINGER, 2005). Ainda existem críticas relativas ao poder de agência

dos trabalhadores e os aspectos positivos do trabalho emocional, como os

elencados por Erickson. Somado a isso, importantes questões relativas à

22

Tradução própria.

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identidade social e expropriação do trabalho emocional são encobertas, apesar

da intrínseca relação de ambos, como mostrado anteriormente pelas palavras

de Hochschild.

A análise de relações entre trabalhadores e consumidores e clientes

também é recente na sociologia do trabalho e decorre de novos estudos na

área de serviços. Para Korczynski (2009) este tipo de análise é importante

porque é uma tentativa de atenuar as lacunas existentes entre a sociologia do

trabalho e sociologia do consumo. Para o autor pensar os consumidores e

clientes como figuras centrais nas relações de serviços pede que “sociólogos

do trabalho e sociólogos do consumo comecem a falar uns com os outros em

vez de uns sobre os outros” (p. 956).

Pettinger (2005) observa, por exemplo, que os trabalhos realizados

sobre o atendimento ao serviço comumente tratam o cliente a partir do ponto

de vista do trabalhador ou da gestão e raramente a partir do ponto de vista do

próprio cliente. Desta forma, Pettinger identifica que em pesquisas que são

desenvolvidas por métodos etnográficos sobre as ocupações de serviços o

cliente aparece de forma marginalizada.

Os clientes carecem de ênfase porque também influenciam o encontro

de serviços e até exercem certo controle nas interações. Além disso, há ainda

a ideia de que os serviços colaboram para a constituição de identidades de

consumo, tanto dos consumidores como dos trabalhadores. Neste sentido, os

serviços modificam até mesmo aspectos culturais e econômicos de países.

Já Johston e Sandberg (2008) advertem que, apesar da literatura de

serviços abordar os clientes de modo secundário, há trabalhos na literatura do

consumo que privilegiam o papel do cliente e parte da ideologia da soberania

do cliente, o que conduz, de certa forma, a considerar a agência nas interações

de serviços aos consumidores e não trabalhadores. Em contraposição existe a

perspectiva teórica que considera a tríade de poder nas relações de serviço

(trabalhador, gestor e cliente); sob este ponto de vista considerar de tal

maneira a soberania do cliente e agência do mesmo é inapropriado porque

desfigura atores que compõem a situação social. Neste sentido, o controle das

interações sociais perpassa, de modos desiguais, por diferentes atores sociais.

E a análise sobre o assunto é mais complexa do que da maneira como tem

sido tratada.

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Outro interessante elemento recentemente abordado nas pesquisas

sobre serviços trata o grau de desigualdade, de status e hierarquia, entre

trabalhadores e clientes e consumidores. A ideia é mostrar como as interações

entre trabalhadores e clientes constituem hierarquia de status para ambos (Cf.

LOPEZ, 2010).

Uma obra clássica que elucida a ênfase nos consumidores é Counter

Culture (1988) de Susan Benson. A obra é pioneira no estudo do trabalho em

serviços, sua análise parte de uma abordagem histórica. A autora é também

valorizada por, mesmo diante da forte influência marxiana nos estudos sobre

trabalho, utilizar o conceito de cultura do trabalho de forma pertinente (Cf.

MCGRAW, 2005).

No que se refere especificamente ao objeto de pesquisa dessa

dissertação trata-se de garçons de bares restaurantes, que fazem parte de um

grupo de trabalhadores de um lado específico dos polos da sociedade de

serviços, mas que não integram a parte extrema do polo. Comumente garçons

são trabalhadores que possuem pouca qualificação e baixa escolaridade, por

isso, se acomodaram em uma atividade que exige pouco e possibilita

rendimento considerável, analisado-se o nível de exigência inicial de

qualificação.

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PARTE 2

CULTURA DO TRABALHO: O SERVIÇO DE GARÇONS EM BARES RESTAURANTES

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2.1 Os bares restaurantes como locais de análise

Os bares restaurantes são preconizados nesta dissertação por alguns

motivos. Inicialmente a análise privilegia o trabalho formal, por isso

estabelecimentos estritamente familiares e comportando atividades sem

vínculo formal são descartados. O crivo do trabalho formal permite utilizar com

mias confiança bases de dados administrativas como a RAIS (Relação Anual

de Informações Sociais) e estatísticas, como a PNAD (Pesquisa Nacional de

Amostra de Domicílios). Mercearias, botecos e bares com organização mais

simples foram rejeitados porque além de muitas vezes serem estabelecimentos

informais e familiares, comumente não incorporam o trabalho de garçons, já

que o proprietário, seus familiares e até mesmo os clientes executam as tarefas

do garçom.

Muitos estabelecimentos se aproximam a isso. É o caso de

estabelecimentos que foram transformados com a chegada de grandes redes

de supermercados. No caso dos armazéns e mercearias, por exemplo,

passaram, para se manterem no mercado, a comercializar bebidas alcoólicas

para consumo no próprio estabelecimento, tornando-se também “botecos”. É o

caso do centenário e familiar Armazém do Senado no Rio de Janeiro, segundo

o proprietário, as mudanças no comércio atacadista fizeram com que eles

fossem obrigados a mudar “aproveitando o aspecto do armazém que é

atraente, folclórico do Rio de Janeiro e com a tradição da casa a gente

conquista o freguês”. A trajetória do Joaquim, atual proprietário de um bar de

Goiânia, explicita parte de sua história que se assemelha ao assunto:

O certo pra fazer era um comércio rápido de pouco investimento, seria uma mercearia. Foi exatamente o que eu coloquei, uma mercearia porque você ia comprando, girando, pagando e você ia formando o patrimônio. E com o tempo Goiânia foi crescendo, desenvolvendo, desenvolvendo, ai veio o Pegue Pague, o Mini Box, veio esses supermercados e eles me engoliram. E ai eu migrei pra outro lado, que se chama comida, bar, e ai a coisa deu certo, pegou. Com minha luta, minha insistência pegou. E até hoje continuo insistindo nesses trinta e oito anos continuo insistindo pra não deixar cair. Deu certo? Deu! Dentro deste contexto de mercearia eu comecei a colocar outras coisas que se chama espetinho, a tradição goiana hoje né, sempre foi né, desde que começou. Colocar o espetinho, a cerveja, isso foi pegando e deixei a fatia que eu tinha dos secos e molhados e fui ficando com outro, que foi a bebida.

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Mas inicialmente a intenção foi pesquisar bares, devido à imagem desse

tipo de estabelecimento como local democrático, de sociabilidade e atenuante

de diferenças sociais. O bar representa momento de descanso, de

informalidade nas relações que são desenvolvidas em torno do balcão ou

mesa, acompanhado de alguma bebida (Cf. CHALHOUB, 2001). Na

apresentação do livro Ponto Chic de Angelo Iacocca (2011), o jornalista Ignácio

Brandão conta suas recordações do antigo e famoso bar paulista, note a

imagem que faz do lugar:

O Ponto Chic foi a instituição mais democrática que conheci. Igualava classes sociais Promovia a solidariedade. Dia e noite, cheio. (...). Ali era o ponto de encontro, num tempo em que os bares ou restaurantes eram lugares para se jogar conversa fora. Hoje, come-se e bebe-se discutindo negócios

23.

As palavras de Brandão expressam uma representação social24 positiva

acerca do Ponto Chic e dos bares de modo geral. Todavia essas

representações sociais de bares também conservam resquícios de discursos

médicos e governamentais do início do século passado que visavam alcançar à

modernidade, à civilização e à ordem. O bar, o botequim, o cabaré eram, e em

até certo ponto são até hoje considerados:

em contraposição à fábrica, à oficina e ao escritório, espaços do trabalho, e ao espaço do lar. Considerava-se que esses espaços de lazer encorajavam a indisciplina e libertinagem, neles se misturavam sociabilidade, violência, prazer e desordem, causando problemas no trabalho e ruína na vida doméstica. (...) O bar, a taberna, o botequim, pontos de encontro para beber, jogar, centro aglutinador e difusor de informações, mas também de território onde se desenrolavam conflitos e brigas por diferentes motivos (MATOS, 2000, p. 75-76).

23

O Ponto Chic foi inaugurado no ano de 1922 no centro de São Paulo e é bastante

famoso pelo sanduíche de Bauru. Na época o centro da cidade era bastante movimentado, perto do bar havia cinemas e shoppings. Atualmente, com a descentralização da cidade, o Ponto Chic tem-se espalhado por São Paulo (Cf. IACOCCA, 2011). 24

As representações sociais são sempre tomadas de posição simbólicas, organizadas de maneiras diferentes. Trata-se de princípios relacionais que estruturam as relações simbólicas entre indivíduos e grupos, constituindo ao mesmo tempo um campo de troca simbólica e uma representação desse campo (DOISE, 2001, p. 193).

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No entanto, ao longo do tempo, devido a várias mudanças sociais, os

bares têm mudado e assumido outra feição. Há a ideia de que a presença de

mulheres e familiares em bares, outrora incomum, por exemplo, modificam

estabelecimentos, tornando-os mais “limpos”. As opções do cardápio

expandem e passam a existir atrativos para crianças, por fim, as refeições

continuamente deixam de serem feitas em casa (Cf. FISCHLER, 1998) e os

bares tornam-se cada vez mais bares restaurantes.

Fato é que dentre as opções para os consumidores usufruírem, os bares

restaurantes têm predominado em detrimento de outros, como o típico bar-

botequim, hoje mais caracterizado pela informalidade e familiaridade nas

relações de trabalho25. A análise então privilegia estabelecimentos do tipo bar

restaurante.

Deve-se ponderar também que houve uma expansão de

estabelecimentos de alimentação e de lazer no período pós-industrial e o que

ocasionou o aumento da demanda pelos serviços de garçons. Com isso, o

tempo de qualificação profissional da categoria diminuiu. Estabelecimentos de

alimentação que não carecem dos serviços de garçons também aumentaram,

graças aos estabelecimentos que oferecem outros tipos de serviço, como o

drive thru, o fast foods ou o self-service. Se antes chefes e garçons iniciavam

suas carreiras lentamente e alçando novos degraus dentro de

estabelecimentos de alimentação ou do ramo da hotelaria, atualmente o

percurso tem sido modificado. Marra, Rego e Jardim (2002), ao discorrerem

sobre a valorização da gastronomia e de certos estabelecimentos de

alimentação, expõem parte desse processo:

A maioria dos antigos chefs começou lavando pratos. Surgiram assim grandes profissionais, mas sem preparo – sua cultura culinária, higiene alimentar e noções de saúde eram intuitivas. Quem entrava na profissão vinha geralmente do Nordeste. Hoje muitos jovens de classe média querem seguir a carreira e para isso fazem cursos no Brasil e no exterior. O perfil e a bagagem cultural dos chefs melhoraram, fazendo com que vários deles assumissem as rédeas do negócio, vendendo inclusive vendendo produtos com sua grife. (...) O restaurante “de dono”, no entanto, continua a existir mais forte e empresarial do que nunca. Exemplo disso é o Fasano, que deixou de

25

Obras de referência sobre o bar botequim foram escritas: uma delas é o livro de Sidney Chalhoub, Trabalho, Lar e Botequim; o artigo de referência de Luis Machado da Silva, O significado do botequim; a crônica de João do Rio, A alma encantadora das ruas; o livro de Luiz Edmundo O Rio de Janeiro do meu tempo, dentre outras.

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ser familiar quando Rogério Fasano fez sociedade com outros empresários (p. 170-171).

2.2 Recurso metodológico: os tipos ideais e os tipos descritos Os critérios para escolha dos bares restaurantes partem inicialmente da

construção de tipos ideais puros (Cf. WEBER, 1992) de estabelecimentos. O

tipo ideal é um meio metodológico que permite apreender discursivamente a

realidade. Trata-se de uma construção racional do pesquisador que consiste

em exagerar alguns aspectos característicos de um fenômeno a partir de um

ponto de vista. O referencial e a objetividade do tipo ideal permitem “medir e

comparar tal fenômeno pela diferença que mantém com relação ao seu tipo

ideal” (Cf. SAINT-PIERRE, 2004, p.58).

Segundo MCKinney (1966), que analisou a construção de tipologias na

pesquisa sociológica, no livro Constructive typology and social theory (1966),

não é possível esgotar a realidade empírica em sua totalidade e complexidade,

por isso é necessário realizar uma seleção da mesma. Para tanto realiza-se

construções a partir de abstrações intelectuais. Desta maneira, o único e o

exótico são ignorados da experiência perceptiva do pesquisador. Obviamente

deve-se avaliar que a generalização tem um custo. Entretanto a ideia apontada

por McKinney é a de reduzir objetos de análise, por vezes, considerando casos

dessemelhantes como similares, para diminuir o número de relações

examinadas e possibilitar a análise científica ao designar relações hipotéticas

entre variáveis.

McKinney apresenta dois tipos de abstração. A primeira é a “abstração

da qualidade comum entre elementos diferentes”, ou seja, ao invés de

considerar por que objetos são diferentes entre si, leva-se em conta o que os

mesmos têm em comum. No processo abstrativo pensa-se, por exemplo, sobre

o que há de comum entre palmeiras, pinheiros e macieiras – é que todas são

árvores – assim é valorizada a semelhança genérica dos objetos, mas não as

diferenças especificas delas. A segunda é a “abstração sob a forma de

seleção” tendo como base os interesses teóricos do cientista, ou seja, esse tipo

de abstração considera o semelhante por demais complexo, pois é repleto de

qualidades mais simples. As diferentes qualidades aqui então são valorizadas a

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partir de um problema particular, o cientista tem a função de selecionar certas

qualidades e excluir outras. As omissões limitam a construção, mas é

justamente isso que permite o cientista distinguir o que é essencial e o que não

é em relação ao problema analisado (Cf. McKINNEY, 1966).

A segunda maneira de realizar a abstração é aqui privilegiada. Os tipos

ideais foram elaborados durante a iniciação científica e anteriormente a ida ao

campo. A construção dos tipos ideais partiu de observações do cotidiano,

dados históricos e referências bibliográficas. Foram considerados, por exemplo,

desde a música de Noel Rosa e Vadico “Conversa de Botequim” (Anexo F) à

obra “Trabalho, Lar e Botequim” de Sidney Chalhoub.

Os tipos ideais construídos opõem bares. De um lado, o

“estabelecimento tradicional”, é caracterizado por relações de proximidade e

confiança, sociabilidade e integração, são estabelecimentos informais de

bairros com fregueses fixos, em que o proprietário está no controle e é

bastante presente na dinâmica do bar. Trata-se do típico botequim carioca.

Muitas vezes conhecido como “pé-sujo”, em referência aos insuficientes

cuidados com higiene e limpeza; a popularidade vem do “boca a boca” (Cf.

MELLO, 2003).

De outro lado, o “estabelecimento moderno”, é caracterizado pela

efetivação de encontros impessoais, são estabelecimentos formais, que

preconizam a marca e imagem do estabelecimento. Cuidados com a

apresentação, higiene e instalações do estabelecimento são essenciais e

delineiam esse novo estilo de bar. Os serviços de acessória de imprensa são

requisitados para trabalhar o conceito do estabelecimento e buscar notoriedade

(Cf. SANTOS, 2005).

Além disso, ir a um “bar moderno”, em contraste aos botecos de bairro,

adquiriu status de realização de um programa, em que se deve vestir

apropriadamente. No “bar moderno” a figura do proprietário é praticamente

inexistente, a dinâmica do bar é traçada muito mais por profissionais

especializados do que pelo proprietário. A existência de filiais ou até mesmo

franquias é comum neste tipo de estabelecimento.

Mello (2003) sugere uma contraposição semelhante de bares a partir da

clientela do local: o bar de proximidade conta com fregueses fixos; já o bar de

passagem absorve uma clientela flutuante. Por sua vez, ao discorrer sobre o

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significado comunitário dos botequins, Silva (2011), caracteriza

estabelecimentos segundo: a intensidade da permanência no local, ou seja, o

tempo que o consumidor permanece no lugar e; a intensidade da frequência

dos clientes, ou seja, ao número de vezes que a mesma pessoa frequenta o

estabelecimento.

Em cada cidade quatro estabelecimentos foram pesquisados e

escolhidos segundo a tipologia construída (bar tradicional/bar moderno).

Contudo, a pesquisa de campo aponta para a complexidade dos locais

pesquisados. Em consonância aos pensamentos de McKinney (1966) nota-se

que a simples oposição de bares construída para os tipos ideais não

compreende suficientemente a realidade empírica dos estabelecimentos, ainda

que permita comparar dados empíricos aos tipos ideais construídos. O recurso

metodológico utilizado inicialmente é contornado a partir de tipos descritivos de

estabelecimentos, construídos ao longo da pesquisa de campo e já em período

de análise, tendo em vista os objetivos específicos do projeto e às teorias

tomadas.

Duas tipificações descritivas pensadas ao longo da pesquisa de campo

compõem a caracterização de bares restaurantes: uma referente à cultura do

trabalho (familiar ou empresarial); a outra referente à interação entre garçons

clientes e consumidores (informal ou formal). Em seguida, já na fase de

análise, as construções discursivas a respeito dos estabelecimentos foram

adequadas nas tipificações. A pretensão metodológica das tipificações é a de

alcançar de maneira mais eficaz a complexidade dos estabelecimentos

selecionados e principalmente transpor fatores ora ligados à tradição, ora à

modernidade.

As tipificações elaboradas consideram então modos de direção de

estabelecimentos, maneiras de organizar o trabalho e formas de consumo no

que se refere ao tratamento efetivado entre garçons e clientes e consumidores.

Esclarecimentos sobre as tipificações descritivas serão apresentados ao longo

do texto. Aqueles referente à cultura do trabalho vêm logo a seguir; os

referentes a interações entre garçons e consumidores e clientes serão

explicitados na terceira parte da dissertação. Por ora basta dizer que a cultura

do trabalho familiar e as interações informais entre garçons, clientes e

consumidores remetem ao tipo de “estabelecimento tradicional”. Já a cultura do

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trabalho empresarial e as interações formais entre garçons e clientes e

consumidores relacionam-se ao “estabelecimento moderno”. Um

estabelecimento pode ser então definido conforme as seguintes combinações

explicitadas no Quadro 2:

QUADRO 2 – COMBINAÇÃO DE ESTABELECIMENTOS SEGUNDO AS

TIPIFICAÇÕES DESCRITVAS

Cultura do trabalho Interações entre garçons e consumidores e clientes

Familiar Informal

Empresarial Formal

Familiar Formal

Empresarial Informal

2.3 Cultura do trabalho: familiar e empresarial Adota-se aqui a posição de S. Benson (1988), que considera a cultura

do trabalho como as “ideologias e práticas com que os trabalhadores

demarcam, de modo relativamente autônomo, a esfera de ação do trabalho”

(BENSON, 1988, p. 228). Esse conjunto remete à acumulação informal de

valores e regras habitualmente utilizados, transmitidos e impostos e está de

acordo com a estrutura de autoridade do local. Para Benson a cultura do

trabalho é criada pelos trabalhadores para enfrentar limitações e maximizar as

possibilidades no trabalho. Nela estão incorporadas as noções que os

empregados têm acerca do trabalho. A cultura do trabalho está atrelada ao

mesmo tempo à gestão do estabelecimento e a gestão própria do empregado

no trabalho e constitui um resultado da combinação de ambos. Além disso, sua

compreensão aprimora a análise das interações estabelecidas no local de

trabalho.

Quanto à construção dos tipos ideais relativos à cultura do trabalho de

bares restaurantes tomou-se como base a argumentação de Boltanski e

Chiapello apresentada no livro O novo espírito do capitalismo (2009). Os

autores escrevem sobre as mudanças ocorridas nas empresas ao longo do

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século XX acerca do processo econômico em contexto da França. Duas

descrições tipificadas do espírito do capitalismo26 foram criadas. Para tanto a

literatura da gestão empresarial voltada para executivos é utilizada como base,

pois além do caráter técnico possui teor moral, trata-se de uma literatura

normativa que visa estimular e atrair executivos. Textos da década de sessenta

e da década de noventa, do século passado, foram comparados pelos autores

na tentativa de compreender o processo de transformação do espírito do

capitalismo. A primeira tipificação remete ao início do século XX e ao

capitalismo familiar, em que “proprietários e patrões eram conhecidos

pessoalmente por seus empregados, o destino e a vida da empresa estavam

fortemente associados aos destinos de uma família” (p.51). A figura do burguês

empreendedor e a descrição dos valores burgueses estão no centro desta

tipificação. Ambos

contribuem com os elementos de segurança numa combinação original que associava as disposições econômicas inovadoras (avareza ou parcimônia, espírito poupador, tendência a racionalizar a vida cotidiana, em todos os aspectos, desenvolvimento de habilidades contábeis, de cálculo e previsão) posicionamentos domésticos tradicionais: importância atribuída à família, à linhagem, ao patrimônio, à castidade das moças (para evitar comportamentos desvantajosos e dilapidação do capital); caráter familiar ou patriarcal das relações mantidas com os empregados (BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2009, p. 49).

A segunda tipificação do espírito do capitalismo é desenvolvida nos anos

trinta a sessenta e representa a separação entre propriedade e direção. Trata-

se do capitalismo de empresa; nela é central a figura nova de profissionais

como diretores e administradores assalariados, “à qual é progressivamente

transferido o gerenciamento operacional das grandes empresas, já que os

proprietários se confinavam ao papel de acionistas” (CHANDLER, 1988 Apud

BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2009, p. 85). Neste tipo de empresa, a família é

desvinculada dos negócios. A burocratização é um processo corrente, há a

hierarquização dos postos e a presença de supervisores cada vez mais

26

O espírito do capitalismo não é entendido para os autores como em Max Weber. O espírito capitalista weberiano remete aos motivos éticos relacionados ao protestantismo que inspiram as ações de empresários em prol da acumulação capitalista na gênese do sistema capitalista. Boltanski e Chiapello buscam saber das razões morais que corroborem aliar-se ao capitalismo. Para eles o espírito do capitalismo é “a ideologia que justifica o engajamento no capitalismo” (BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2009, p. 39).

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qualificados bem como a existência de acionistas anônimos. A seguir a

descrição de Boltanski e Chiapello (2009) do tipo “capitalismo de empresa”:

Centrada no desenvolvimento, no início do século XX, da grande empresa industrial centralizada e burocratizada, fascinada pelo gigantismo, essa caracterização tem como figura heróica o diretor que diferentemente do acionista que procura aumentar sua riqueza pessoal, é habitado pela vontade de aumentar ilimitadamente o tamanho da firma que ele dirige, com o fim de desenvolver uma produção de massa, baseado em economias de escala, na padronização dos produtos, na organização racional do trabalho e em novas técnicas de ampliação dos mercados (marketing) ( p. 50).

Segundo os autores há separação entre propriedade e direção, ou seja,

o proprietário não necessariamente está na chefia da empresa, o que recai na

profissionalização de cargos executivos, já que os proprietários de empresas

desejavam serem mais autônomos e compartilhar poder de decisão e por

vezes até criavam níveis hierárquicos, mas não distribuíam poder. A direção

passa a ser menos centralizada na figura do proprietário, a empresa deixa de

ser pessoal e dirigida por uma burguesia patrimonial e passa a ser dirigida por

uma burguesia de dirigentes assalariados e qualificados a nível superior. A

separação entre patrões patrimoniais e executivos assalariados desvela críticas

em relação ao modo de direção tradicional:

A legitimação dos executivos tem como reverso negativo a deslegitimação do patronato tradicional, a crítica à mesquinharia, ao autoritarismo e a irresponsabilidade que demonstram. São especialmente denegridos os pequenos patrões, acusados de abusar de seu direito de propriedade, de confundir os interesses de empresa com as da família, instalando os integrantes incapazes em postos de responsabilidade, e de pôr em perigo não só a sua a sua própria firma como a sociedade inteira por ignorarem as técnicas modernas de administração das organizações e comercialização dos produtos (BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2009, p.96)

Os mecanismos criados como solução para a centralização da direção e

motivação dos trabalhadores são descritos pelos autores, tais como a

administração por objetivos e a meritocracia. A administração por objetivos

consiste em conceder certa autonomia aos executivos diante de suas funções.

Os critérios de avaliação de desempenho são objetivos e visam ponderar

promoções de trabalhadores e nortear planos de carreira. Dessa forma a

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ordem vigente nas empresas é racionalizada e valoriza-se o mérito. Em

contraposição, julga-se que as empresas familiares avaliam os trabalhadores

de forma subjetiva, portanto de forma injusta. Além disso, “os novos sistemas

de avaliação também se caracterizam por acabar com a promoção por

antiguidade, que só recompensa a fidelidade – valor doméstico por excelência

–, mas não a eficiência” (BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2009, p. 95).

Boltanski e Chiapello acreditam que diante da elevação do nível

educacional e do fenômeno do individualismo emergem também justificações

morais contrárias as relações de dominação e de hierarquia nas empresas. A

organização do trabalho passa a ser mais horizontal, os trabalhadores não

dependem mais dos patrões para trabalhar, se organizam em equipes e são

relativamente autônomos para realizar suas tarefas. Contudo, perante a alta

concorrência a lógica do trabalho passa a privilegiar o cliente, ele se torna o

patrão dos trabalhadores e exerce controle na lógica de trabalho. Trata-se da

mudança do controle para o autocontrole focando na satisfação do cliente27.

No livro O fim da Ideologia Bell dedica o capítulo O desaparecimento do

capitalismo familiar para abordar o assunto. Segundo Bell o capitalismo familiar

está relacionado à propriedade e ao casamento dinástico. A propriedade

possibilita poder e o casamento dinástico possibilita a transmissão da

propriedade pelas leis da herança, conservando, assim, a empresa familiar. No

entanto, a relação entre família e propriedade tem sido minorizada, por alguns

motivos, de ordem econômica ou relacionados a formas de organização

familiar. Os econômicos referem-se, sobretudo, à estima pela utilização de

técnicas administrativas na empresa, ao invés do privilégio das relações

familiares no trabalho. As mudanças na constituição das relações familiares

também contribuem para a modificação do capitalismo:

Na sociedade burguesa, o matrimônio era um meio para manter as relações sexuais dentro de determinados limites; no casamento burguês, como observou com espírito Denis de Rougement, cada mulher tinha um marido e desejava uma amante. As grandes novelas

27

D. Linhart (2007) identifica a “empresa participativa” e a figura central do cliente na

nova dinâmica de trabalho de forma negativa, o controle outrora exercido pela tecnologia passa a ter o cliente como o pressionador do trabalho e os colegas de trabalho tornam-se competidores para diferenciar o atendimento prestado. Segundo a autora esta estratégia de gestão preconiza o equilíbrio e o consenso e desconsideram a desigualdade de status dos trabalhadores.

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européias do século dezenove – Ana Karênina, de Tolstoi, Madame Bovary, de Flaubert, com sua geometria do adultério, ilustram este paradoxo. O desenvolvimento do romantismo, a grande importância atribuída às ligações individuais e á livre escolha do companheiro, a tradução das paixões em termos seculares e carnais – tudo isso trabalhou contra o sistema de casamento “dinástico”. A emancipação da mulher significou, num certo sentido, o desaparecimento de um dos aspectos estáveis da sociedade burguesa. Se as mulheres pudessem casar-se livremente, inclusive desrespeitando as fronteiras de classe, o sistema econômico com que o matrimônio “dinástico” estava entreligado perderia em parte sua continuidade (BELL, 1980, p. 34).

Bell acrescenta que é preciso entender a conjuntura econômica que

marcou os Estados Unidos no período de 1890 a 1910 para entender o trânsito

do capitalismo. A crescente expansão industrial até o fim do século XIX

proporcionou diversas crises econômicas que foram contidas pelo sistema

financeiro. Os banqueiros assumiram a função de reorganizar empresas em

crises. Um novo profissional é então empregado, o gerente. Trata-se da origem

do “capitalismo financeiro” nos Estados Unidos e da separação entre

propriedade e família. Todavia, na medida em que os gerentes se mostravam

suficientemente capazes para desempenhar sua função, o papel realizado por

banqueiros é suprimido. Assim, continuadamente, cada vez mais, gerentes

reinvestem e buscam o lucro.

Através do processo de esgotamento do capitalismo familiar

apresentado por Bell nos Estados Unidos nota-se que o acesso ao poder não é

mais ditado pela herança familiar, pela propriedade privada, mas pela

competência técnica adquirida.

Bell destaca ainda que a empresa familiar tem mais fôlego na Europa,

por causa da “persistência dessas empresas, caracterizadas pela prudência, o

conservadorismo e a rejeição do capital externo” (1980, p. 34). Já nos Estados

Unidos não prevalecem obrigações de herança e há a ideia de que o indivíduo

deve-se estabelecer a partir do desenvolvimento de suas próprias capacidades

e não suceder o pai. Boltanski e Chiapello argumentam a este respeito:

A eliminação dos comportamentos vinculados a uma lógica doméstica é tarefa urgente na velha Europa, especialmente na França, ainda impregnada por um passado feudal de alianças e privilégios. Por toda a parte se encontram resquícios do Antigo Regime, e, seguindo o exemplo dos Estados Unidos, que tiveram a sorte de nunca terem sido submetidos por esse tipo de regime e de terem sido constituídos

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já de início com a sociedade de iguais, é urgente dar-lhe o golpe de misericórdia. A adoção dos métodos americanos, mais democráticos, mas também mais eficazes, é também sentida na França como uma questão de sobrevivência, pois o poder dos Estados Unidos é tal, que os autores franceses têm medo de não conseguirem resistir a uma invasão econômica (p. 95).

As considerações de, Boltanski e Chiapello, quanto às formas de direção

foram aqui incorporadas para construir os tipos descritivos de cultura do

trabalho em bares restaurantes. A predominância em cada estabelecimento

dos três seguintes aspectos é avaliada: a presença ou não do(s) proprietário(s)

na dinâmica do estabelecimento; a relação existente entre a direção e os

trabalhadores e; o desenvolvimento da organização do trabalho. O Quadro 3 a

seguir ilustra a tipologia construída:

QUADRO 3 – TIPOLOGIA PARA A CULTURA DO TRABALHO

Variáveis

Tipos descritivos

Bar Tipo Tradicional Bar Tipo Moderno

Cultura do trabalho

“familiar”

Cultura do trabalho

“empresarial”

Proprietário Presente na dinâmica do

estabelecimento

Ausente na dinâmica do

estabelecimento

Organização do trabalho Individual, seguindo

ordens da direção

Em equipes, decidindo

tarefas coletivamente

Relação entre direção e

trabalhadores Pessoal Impessoal

A análise pioneira de Foote Whyte da “estrutura social do restaurante”

influiu bastante na construção da tipologia de cultura do trabalho aqui

considerada. Em 1949 o sociólogo publicou um artigo com a intenção de

discorrer sobre as principais diferenças entre fábricas e restaurantes,

principiando pela relação tripartite dos estabelecimentos de serviços, que

incluem o consumidor no processo de trabalho. Foote Whyte apresenta, nesse

artigo, cinco estágios de desenvolvimento de restaurantes, pois em

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restaurantes pequenos os problemas de coordenação e atendimento ao cliente

são relativamente simples, mas não em grandes estabelecimentos que

necessitam de uma maior estrutura para atender todas as demandas. Os

estágios elencados por Foote Whyte ajudam a compreender a tipificação da

cultura do trabalho e as mudanças que ocorrem em estabelecimentos de

alimentação.

No primeiro estágio, em restaurantes pequenos, há pouca divisão do

trabalho: o proprietário e os outros funcionários atuam em todas as funções:

balconistas, lavadores de pratos, atendentes, basicamente todos dispensam

ordens pelo balcão.

No segundo estágio ainda há flexibilidade e informalidade nas atividades

desenvolvidas. O proprietário conhece a maior parte dos clientes. O

estabelecimento ainda não requer elaboração formal de papéis de trabalho,

bem como controles. O aumento nos negócios solicita certa divisão de trabalho

(lavador de pratos, funcionários de cozinha, funcionários que recepcionam

clientes, etc.). Apesar disso, o proprietário ainda consegue intervir diretamente

nos problemas de coordenação do restaurante.

O crescimento dos negócios leva ao estágio três, caracterizado pelo

aumento da complexidade da organização e do tamanho físico do

estabelecimento. Somado a isso, gerentes e/ou supervisores são contratados

já que o proprietário não consegue mais realizar todas suas funções.

O estágio quatro emerge quando o proprietário percebe que se

aumentar a divisão do trabalho pode receber um número maior de clientes.

Atividades são criadas para diminuir o trabalho de alguns funcionários e torná-

lo mais específico e eficiente. Passam a existir: o supervisor de controle de

qualidade, o funcionário responsável pela bebida (bartander), o trabalhador da

copa, o carregador de louças, atendentes de despensa etc.

Basicamente o último estágio apresentado é caracterizado pela

existência de outros níveis de autoridades, exercidas por funcionários

localizados em um escritório central.

O artigo de Foote Whyte ilustra de forma bastante clara a tipologia criada

para a cultura do trabalho em bares restaurantes. O crescimento do

estabelecimento e o acentuamento da divisão do trabalho na prestação de

serviços modificam a cultura do trabalho de diferentes formas. Isto remete ao

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51

tema abordado no tópico seguinte, a caracterização dos estabelecimentos

pesquisados.

2.4 Bares restaurantes e cultura do trabalho A seguir os oito bares restaurantes pesquisados serão previamente

apresentados. Depois os estabelecimentos são analisados em relação às

culturas do trabalho, de forma comparativa.

2.4.1 Bares restaurantes de Campinas

O Bom Bar é um antigo estabelecimento de Campinas, passa dos 50

anos e foi classificado como representante da cultura do trabalho do tipo

familiar. O estabelecimento já teve três donos, o atual proprietário, o português

João, está no comando há dezessete anos. A trajetória de trabalho do

proprietário do Bom Bar é ascendente, começou como empregado. É

relativamente comum no ramo que empregados se tornem, ou ao menos

desejem, serem proprietários de estabelecimentos na área. João, por atuar no

ramo e ter estudado pouco acabou tornando-se dono de bar. Atualmente o

estabelecimento conta com a colaboração de mais de trinta funcionários.

Quatro garçons atendem pouco mais de trinta mesas. Também existem

clientes que se acomodam sob a mureta ou em pé de frente ao balcão. A

mureta divide os dois espaços do bar: a parte interna com poucas mesas de

madeira e a parte externa, com mesas de plástico na calçada. O lugar

consegue atender cerca de até duzentas pessoas. João é presente na

dinâmica do bar, no entanto, não fica o tempo todo no lugar, ele é responsável

pelo comando do lugar no primeiro turno e no segundo turno um sócio

minoritário assume. O entrevistado não sente a necessidade de estar no

estabelecimento durante o período noturno, mas comumente passa para

conferir o ambiente. O Bom Bar funciona quase vinte quatro horas por dia, pois

fecha de madrugada, dependendo do dia mais cedo ou tarde e abre às seis da

manhã. Muitos vão ao bar apenas para comprar quitutes para levar, na parte

da manhã ou no mais para o fim da tarde o movimento na parte de dentro do

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bar lembra uma padaria. Acima do balcão, por exemplo, há um quadro de

preços. Pratos-feitos são serviços no horário do almoço, no dia de sexta-feira

há uma opção especial: a bacalhoada. Os funcionários do Bom Bar, de modo

geral, logram um tempo considerável de serviço prestado ao estabelecimento.

Não há música ambiente ou apresentações de músicos. O som local é das

pessoas conversando, é um lugar de convivência de amigos e de

desconhecidos. Trata-se de um bar frequentado por várias classes sociais, mas

a classe média predomina. O Bom Bar é localizado no Bairro Cambuí, região

antiga e nobre da cidade. No Cambuí concentra-se a maior parte dos

estabelecimentos do ramo de serviços de alimentação da cidade, já que

predominam bares, restaurantes, cafés, lanchonetes e boates. Em frente ao

estabelecimento há uma exuberante igreja que é um ponto turístico e centro

cultural da cidade. Na praça há um teatro e muito dos que frequentam o teatro

passam pelo Bom Bar. Também ocorre na praça uma feira de artesanato e

antiquários semanalmente. O local é conhecido por ser um ponto de encontro

de jornalistas por ficar aberto até tarde e por ser anteriormente bastante

frequentado por estudantes universitários da cidade.

O Balhego Imperial foi classificado como próximo à cultura do trabalho

do tipo empresarial. Talvez ele seja o estabelecimento do ramo mais antigo de

Campinas, está quase completando os seus 80 anos. O Balhego modernizou-

se junto à cidade; possui filiais e existem acionistas que investem na marca.

Entretanto o nome do bar, que advém do sobrenome do primeiro proprietário,

um imigrante, permanece. Além disso, uma rede de padarias da cidade

pertence aos proprietários do Balhego; a rede fornece salgados para o

estabelecimento. Na década de 1980 o bar foi vendido para um português, daí

virou rede e se expandiu. Neste sentido é um bar “sem dono”. Ao longo do

processo de modernização parte das demandas de consumo foi atendida. Além

do Balhego Imperial, localizado no Centro da cidade, existem mais dois outros

estabelecimentos em Campinas, O Balhego Hall e o Balhego Cambuí. O

primeiro é localizado em um dos shoppings da cidade e o outro em um Bairro

nobre da cidade. O Imperial permanece no mesmo local desde o princípio. É

um local pequeno e aconchegante, ao contrário das filiais que comportam o

número bem maior de frequentadores. A marca do Balhego é levada para

outras filiais e é adequada ao local e a clientela, em contrapartida o Imperial é

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conservado. Por isso, possui ao mesmo tempo uma clientela cativa e uma

passageira, composta por curiosos turistas, por exemplo. Gerações passam

pelo estabelecimento, desde avós a netos e muitos funcionários permanecem

trabalhando no local e percebem o fluxo familiar. Na entrada há um pequeno

espaço para exposição de produtos que levam a marca Balhego: tulipas,

camisetas, bonés, etc. É necessário frisar que o bar pesquisado foi o Balhego

Imperial, contudo, uma apreciação das filiais foi realizada para contextualizar a

marca. O estabelecimento é em um pequeno prédio com três andares: no

térreo é o bar; no primeiro há o banheiro para clientes e o depósito; no segundo

andar há uma barbearia comanda por um senhor e também tem um senhor que

conduz um ponto de jogo de bicho; o terceiro andar é destinado para os

trabalhadores do Balhego, nele há banheiro e armários para guardar objetos

pessoais. Antes da compra do prédio do estabelecimento, o prédio era alugado

para três contratantes (o Balhego, o barbeiro e o bicheiro). Quando o prédio foi

adquirido pelo Balhego, os atuais proprietários preferiram manter ambos,

barbeiro e bicheiro, no local por estarem no prédio há muitos anos.Para o

barbeiro Elídio foi dito de modo taxativo “compramos o prédio com o que tinha

dentro, você fica aí”. Para ir até ambos é preciso passar pelo Balhego, não há

uma entrada diferenciada, existe a brincadeira de que para ir visitá-los é

preciso “pagar pedágio para o Balhego”, ou seja, beber um chope antes. Sete

garçons são responsáveis pelo bar, na parte interna dele, existem vinte e

quatro pequenas mesas de madeira redondas e na parte externa, na calçada,

onze mesas de ferro. O Balhego Imperial abre logo pela manhã e recentemente

passou a servir almoço. Músicas não são tocadas no bar. A partir da década de

1970 as mulheres começaram, timidamente, a frequentar o Balhego. É que

antes disso a entrada de mulheres era coibida, se não proibida, era um

ambiente eminentemente masculino, por isso as mulheres tinham receio de

frequentá-lo, por medo de serrem mal vistas por estarem ali. No entanto,

muitas iam até o local encomendar pratos; pediam do lado de fora e lá mesmo

esperavam. As mais modernas por vezes entravam. Nesta época tratava-se de

um “botecão”, segundo o gerente Pereira, o local passou por reformas para

adaptar a presença de mulheres (mais rigor na limpeza, pratos mais leves,

opções de bebidas não alcoólicas). Atualmente a maior parte da clientela do

Balhego Imperial é masculina, mas existe a presença de mulheres. O Pereira

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afirmou que os clientes que não gostavam da presença de mulheres no bar “já

morreram”. Entretanto, a paquera não é bem vista por lá, trata-se de um

ambiente do tipo familiar.

O Gira Mundo Bar foi classificado como próximo à cultura do trabalho do

tipo familiar. É um estabelecimento recente, está há 6 anos no mercado e é

localizado no Bairro Cambuí, mais especificamente no local em que o “agito” de

Campinas é concentrado. O atual proprietário do estabelecimento, Jan,

começou junto com um sócio, que investiu financeiramente no negócio e o Jan

colaborou, sobretudo no conhecimento que tinha do ramo e com o trabalho. É

que Jan trabalhou muitos anos em renomados estabelecimentos da cidade

como garçom. Ele sempre alcançou sucesso no que se refere ao atendimento

ao cliente e ainda é popular na cidade devido ao trabalho no ramo durante mais

de duas décadas. O sócio deixou o negócio e agora apenas Jan está no

comando. O fato deste ser uma figura conhecida na cidade ajudou bastante o

Gira Mundo, muitos tornaram-se clientes do bar por sua causa. Jan

normalmente fica no estabelecimento; entretanto existem outros funcionários

que o ajudam a gerenciar o bar: uma pessoa da família cuida do departamento

financeiro, um amigo de infância é gerente e outro responsável pelo salão. Um

diferencial do local é que todos os dias há música ao vivo. Por isso, para entrar

no lugar é preciso desembolsar um valor considerável, não se trata exatamente

de um couvert artístico, é que o bar é realmente fechado. Inicialmente a

proposta do bar era outra, a de um estabelecimento alternativo, em que música

regional e música popular brasileira seriam apresentadas em shows ao vivo. A

ideia era remeter à “época de ouro do Cambuí”, época em que o Cambuí era a

“Broadway campineira, na década de oitenta, noventa” (palavras do Jan).

Neste período a Música Popular Brasileira era privilegiada nos bares de

Campinas. Entretanto, o número de estabelecimentos no Cambuí começou a

crescer demais, inclusive lugares com propostas semelhantes, além disso,

alguns transtornos surgiram como o trânsito excessivo na região e a falta de

estacionamentos e o cartel dos vigias de carros, que cobram altos preços e

adiantadamente para vigiar o veículo. Muitos consumidores preferem buscar

locais mais tranquilos. Consequentemente o tipo de cliente do Cambuí, de

modo geral, foi modificado. Para agradar os jovens o estilo musical do bar

predominante é o pop rock. O Gira Mundo deixou de ser um local do tipo ponto

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de happy hour alternativo para uma balada noturna da moçada. Por dois anos

seguidos o bar foi coroado pela revista Veja como o “Bar para paquerar”. O

Gira mundo tem outra especificidade, é decorado pó objetos de outros países e

por bandeiras, de diversos estados e países, todas doadas por clientes por isso

muitos estrangeiros vão até o estabelecimento. Possivelmente os taxistas

colaboram nesse sentido. O cardápio do lugar é pensando em torno de lugares,

diversas cidades, estados e países são homenageados. Isso porque Jan é um

viajador nato. O Gira Mundo tem como estratégia para fidelizar clientes: o

Clube do Uísque. Funciona assim: a pessoa compra a garrafa de uísque e tem

privilégios na casa, tem acesso direto ao bar, ou seja, não é preciso utilizar a

fila, tem um caixa exclusivo, uma pulseira com cor diferente especifica quem

faz parte do clube. O número de garçons é pequeno para o estabelecimento,

existem apenas seis garçons trabalhando no local e um cumim os auxilia; às

vezes, dependendo do dia um free lancer é chamado. Entretanto, o temporário

estava trabalhando lá há cerca de três meses e a expectativa era de contratá-

lo. Os clientes podem fazer pedidos de bebida direto no balcão, para o

barmens, que são três, e também há um chopeiro. O pedido é marcado na

comanda eletrônica, que cada cliente recebe ao entrar no estabelecimento. O

cartão controla o número de pessoas que ingressam; quando a casa está

lotada, mais de quatrocentas pessoas se acomodam no local, em pé ou nas

mesas.

O Vila Cambuí 1 foi considerado um estabelecimento estritamente

pertencente à cultura do trabalho do tipo empresarial. É um estabelecimento

renomado de Campinas, na cidade possuem duas unidades do local, o Vila

Cambuí 1 e o Vila Cambuí 2. O Vila Cambuí 1 é o primeiro e já está no

mercado há 11 anos. É localizado no Bairro Cambuí e o outro no Gramado. O

estabelecimento emprega profissionais especializados e os proprietários, dois,

são pouco presentes na dinâmica do bar. O diálogo deles é restrito aos

profissionais da área da administração: marketing, comunicação, financeiro e

outros. O lugar é bonito e muito organizado e limpo, além disso, possui

estacionamento próprio. O estabelecimento é grande, acomoda cerca de

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quinhentas pessoas. Dez praças28 dividem o ambiente, no verão aumenta mais

uma, porque são colocadas mesas no jardim. Dez garçons cuidam do espaço.

Não é permitido o atendimento direto no balcão, apenas direto com o garçom.

Além dos dez garçons, existem dois cumins, um maître, um chefe de fila29. Se

necessário, free lancers são solicitados. Existem mesas de vários tamanhos,

mas sentados acomodam-se cerca de trezentas pessoas. O local recebe

muitos estrangeiros, mas de modo geral o público é diversificado e composto

predominantemente por pessoas da alta classe média. Não há música ao vivo,

mas DJ’s são chamados para animar a noite; o estilo de música predominante

é música eletrônica, mas, mais cedo é tocado MPB. No Vila Cambuí 1

acontece uma espécie de happy hour, mas não é um bar restaurante para ir

direto do trabalho, é um local sofisticado, as pessoas se produzem para ir até

lá. O lugar serve almoço, por isso os garçons têm dois turnos de trabalho. Há o

Clube do Cambuí, um clube de destilados, como o Gira Mundo, participando o

cliente tem vantagens. A profusão de marcas no local é corriqueira existe: na

camiseta dos garçons, nos banheiros, nas paredes, no bar, no local destinado

a espera, dentre outros tantos30. Festas são realizadas para confraternizar

clientes e comemorar o aniversário do estabelecimento, convites são

mandados diretamente para a casa dos aclamados convidados.

2.4.2 Bares restaurantes de Goiânia O Arena foi considerado um estabelecimento pertencente à cultura do

trabalho empresarial, embora não atenda às três variáveis relacionadas ao tipo.

Existe há cerca de 2 anos e meio e é localizado no setor Marista. O Marista é a

28

Praça é um termo utilizado pelos garçons para demarcar a área que cada garçom está

responsável por atender. Ou seja, o estabelecimento é dividido em espaços e cada garçom é responsável por atender um destes espaços, que são chamados por eles de praça. 29

Ambos, maîtres e chefes de fila, controlam o serviço prestado pelos garçons. O maître

tem a função de supervisionar o serviço de garçons, basicamente é responsável por planejar a rotina de trabalho, coordenar e treinar e equipes de estabelecimentos. É comum que os maîtres tenham sido garçons no passado e tenham alçado tal posição ao longo de sua trajetória ocupacional. Dentro da estrutura de estabelecimentos de alimentação também existem os chefes de fila, eles são responsáveis por: recepcionar clientes, averiguar o nível de satisfação do cliente, fechar contas e organizar a lista de espera. 30

Carmen Rial escreve sobre o assunto e identifica nos fast foods a profusão de publicidade em elementos não tradicionais, como a TV, cinema, jornais, rádios, ou em out-doors. Segundo ela “os fast foods inovaram também na introdução de publicidade em suportes anteriormente neutros, como o cardápio e a toalha de mesa (1996, p. 94).

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região de Goiânia que atualmente mais concentra bares e boates da cidade;

também existem restaurantes e alguns cafés. O Arena possui dois sócios,

ambos amigos e jovens, com idade aproximada de trinta anos. Ian e Júlio já

trabalhavam em Goiânia promovendo eventos, festas, shows. Além disso, o

Júlio era sócio de uma boate sertaneja de Goiânia. Eles decidiram abrir um bar

por gostarem e frequentarem muitos, a ideia era construir um “com a cara

deles”. Outro fator considerado foi o número de conhecidos e amigos na

cidade. O Ian está sempre no Arena, já o Júlio vai as vezes, então quem toma

conta e é responsável no dia-a-dia é o Ian. Entretanto, a mãe do Júlio trabalha

na parte administrativa da empresa. Os clientes são fundamentalmente os

amigos dos donos, os que se tornaram amigos deles após a criação do bar e

os outros que apreciam o local. Os amigos dos proprietários e os proprietários

costumam ficar em uma mesa específica, logo na entrada do estabelecimento.

Dali a rotina do ambiente é observada. Os donos acabam por fazer “o social”

para os amigos e ao mesmo tempo avaliam o serviço prestado e a qualidade

dos produtos ofertados. Para eles o trabalho também envolve a diversão. O

estilo musical do bar é o sertanejo, há um DJ no comando. Por toda parte tem

TV’s exibindo clipes de música, ou lutas. Contrariando o estilo, a decoração

não remete ao sertanejo, há muitos quadros de filmes e artistas (Beatles,

Poderoso Chefão, Michael Jackson, Elvis etc.) frases de poetas, objetos

antigos, artigos de futebol. Nas paredes também há propagandas de bebidas,

cigarros, mas são discretas, parecem compor a decoração. Há propagandas no

uniforme dos garçons também. Ao longo da noite, mulheres bonitas panfletam,

divulgando lugares, festas, shows. O Arena acomoda duzentos e cinquenta

pessoas sentadas e a lotação máxima acontece mais nos fins de semana. Ao

todo são trinta e seis funcionários, sendo que nove são garçons, um cumim e

um maître. O maître da casa trabalhou quase dez anos na famosa Choperia

Matilha, apenas saiu da casa devido à proposta do pessoal da Arena ser

bastante atrativa. O Ian e o Júlio conheciam o trabalho do maître no Matilha e

resolveram chamá-lo para coordenar o serviço de atendimento ao cliente no

Arena. Ele também é responsável pela fila de espera. O bar tem vários

ambientes, do lado de fora, na calçada, existem dez mesas de plástico, o salão

maior possui trinta e uma mesas e é o lugar mais disputado, o salão superior,

com doze mesas, o mais próximo da cozinha e do bar, cinco mesas

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americanas em frente aos banheiros e cerca de quinze bancos espalhados ao

redor do bar. O Arena faz uso do comércio eletrônico em sites de compra

coletiva. Segundo o Ian é uma forma de fazer propaganda do estabelecimento.

Apesar de aparecer clientes que destoam do perfil do lugar, ele acredita que

trás mídia para o lugar e conquista novos clientes que se identificam com o

estabelecimento. É uma maneira de manter o comércio intenso diante de tanta

concorrência.

O Cidinho Petisqueria foi considerado um estabelecimento estritamente

pertencente à cultura do trabalho familiar. Ele está localizado no Setor Oeste e

está no mercado há 21 anos. No início era uma pequena lanchonete em frente

a uma escola; com o aumento da clientela mudou de lugar duas vezes, mas

sempre tendo no Setor Oeste. No último ponto já são quatorze anos. Ao todo

são cento e quarenta mesas e cerca de vinte garçons divididos pelo salão

interno e parte externa. A casa tem quase sessenta funcionários. À parte

externa é bem maior e é coberta por árvores e toldos. É um ambiente do tipo

happy hour, mas muitos frequentam o ambiente mais tarde, no fim da noite ou

no início da madrugada. Lá não se toca música, às vezes na parte de dentro

alguma MPB como som ambiente. Mas o Cidinho prefere não ter música, para

não desagradar o gosto de distintos clientes. Um diferencial da casa é uma

mesa de petiscos self-service por quilo. A lotação máxima é de seiscentas

pessoas e a rotatividade da casa gira em três vezes ao dia. Inicialmente a

lanchonete sequer tinha nome, mas acabou levando este nome devido à

clientela falar “vamos para o Cidinho?”. O Cidinho comanda o estabelecimento

junto com seus dois filhos. Agora que os filhos estão mais presentes Cidinho

não é tão atuante como antes. Entretanto a popularidade é praticamente toda

do Cidinho. Os clientes gostam de vê-lo no lugar. Um dos filhos cuida mais da

parte administrativa, enquanto o outro do tratamento com os clientes. Devido

estar a família trabalhando e muitos amigos frequentarem o local fala-se na

Família Cidinho. Além disso, muitos funcionários trabalham lá por muito tempo.

A Choperia Matilha foi considerada como pertencente à cultura do

trabalho familiar, mas não atende a todas as características do tipo. Ela surgiu

há 25 anos e atualmente é um ponto gastronômico de referência da cidade. O,

Marcos, proprietário do estabelecimento iniciou o trabalho na área com um

pequeno empreendimento de lava-jato acoplado a um barzinho. O local

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localizado no Setor Oeste era ponto de encontro de amigos e estudantes. Com

o tempo, com a intenção de diversificar a clientela, um bar restaurante mais

sofisticado foi aberto. Depois outra unidade foi aberta no Setor Marista

(estabelecimento pesquisado); o local é dividido entre choperia e restaurante.

O ambiente passou a ser frequentado por famosos que visitavam a cidade, por

políticos e figuras sociais importantes. Nos fins de semana a clientela é mais

jovem e o clima de paquera toma conta do lugar. A marca Matilha teve

expansão na cidade, além da choperia há dois Empórios Matilha, um

restaurante em um dos shoppings da cidade e o serviço de bufê também é

ofertado. O Marcos tem uma pessoa da família como braço direito na parte

administrativa do negócio. Ele se apresenta no local basicamente para tomar

decisões importantes e resolver questões essenciais. Além disso, visita os

estabelecimentos para verificar a qualidade dos produtos e serviços prestados.

Muitos funcionários são antigos na casa, sobretudo os da cozinha. O ambiente

pesquisado basicamente é dividido em três áreas: restaurante, sem acesso

direto para a choperia; parte interna e superior com mesas de madeira, e parte

externa inferior com mesas de plástico. O som tocado no ambiente é

diversificado, porém discreto, no local há TV’s que passam clipes e, às vezes

jogos de futebol.

O Santa Parada foi considerado um estabelecimento estritamente

pertencente à cultura do trabalho do tipo empresarial. É um bar recente em

Goiânia, não tem sequer 2 anos. Também é localizado no Setor Marista. A

inspiração do estabelecimento vem da Vila Madalena, em São Paulo, local de

grande concentração de bares, boates e restaurantes da capital. O

estabelecimento possui dois andares e é decorado preponderantemente com

imagens de Goiânia. O Vila Marista não tem uma proprietária, que não participa

da organização do estabelecimento e até vai razoavelmente pouco ao local. Ela

possui outro estabelecimento de entretenimento na cidade e exerce também

uma profissão, a advocacia. A gerente, Rafaela, é quem fica no comando do

lugar. Os garçons são direcionados por ela, já que a casa não possui maître. A

Rafaela já havia trabalhado em um renomado restaurante da cidade. Devido

aos seus contatos muitos garçons foram trabalhar no estabelecimento por a

conhecerem. O local não tem estilo happy hour, funciona mais como ponto de

balada. Para se firmar no mercado e aumentar o número de clientes algumas

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estratégias foram desenvolvidas; o segundo andar tornou-se uma boate, em

que é preciso pagar para assistir shows. A atitude foi tomada muito pela notória

clientela do bar em frente, que tinha música ao vivo. O estilo musical é bastante

variado durante a semana, mas se toca em geral sertanejo, pop rock, pagode,

MPB. Outra estratégia utilizada para conquistar clientes é a utilização de

ofertas em sites de compra coletiva. Pode-se visitar o local quando a promoção

estava em vigência, a clientela bastante variada, com certeza fugia do tipo de

cliente desejado, além de o atendimento ter deixado a desejar, devido ao

número excessivo de pessoas no local e o tipo de serviço ser diferente, pois se

tratava de servir almoço e não bebidas e petiscos como normalmente se faz no

local. No Santa Parada trabalham dez garçons e cada um fica responsável por

dez mesas. Há um rodízio: quem trabalha um dia em baixo trabalha no

seguinte em cima e vice-versa.

Tendo em vista que os estabelecimentos pesquisados foram

apresentados, o Quadro 4 expõe em qual tipo de cultura do trabalho cada bar

restaurante foi inicialmente adequado. Resta ainda esclarecer que alguns

locais são considerados estritamente familiares ou empresariais, mas nem

todos, alguns apenas se aproximam do tipo descritivo elaborado. O

estabelecimento é amplamente considerado familiar e empresarial se atende

todas as variáveis avaliadas: 1) presença ou ausência do proprietário na

dinâmica do local; 2) relação entre direção e funcionários pessoal ou impessoal

e; 3) organização do trabalho individual (seguindo ordens da direção) ou em

equipes (decidindo tarefas coletivamente). Caso atenda apenas duas variáveis

é considerada pertencente ao tipo, mas não totalmente. Claramente, essas

variações se apresentam e é isso que será abordado no tópico seguinte.

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QUADRO 4 – CLASSIFICAÇÃO DOS ESTABELECIMENTOS SEGUNDO A

TIPOLOGIA DE CULTURA DO TRABALHO

Cultura do trabalho

Familiar Empresarial

Bom Bar Balhego Imperial

Gira Mundo Bar Vila Cambuí 1

Arena Santa Parada

Cidinho Petisqueria Choperia Matilha

2.4.3 Cultura do trabalho: o serviço de garçons em bares restaurantes A princípio será tratada a presença ou ausência do proprietário em bares

restaurantes. Sua presença em estabelecimentos antigos e consolidados no

mercado não é essencial, no que se refere à organização do trabalho de

garçons. Como, normalmente, os funcionários são antigos na casa, já

conhecem o modo de trabalhar e apenas seguem o modelo. Quando novatos

começam o trabalho o aprendizado e a adequação ao local de trabalho

acontece junto aos outros colegas de trabalho. Ao mesmo tempo, nota-se a

preferência em alguns casos, de nomear e instruir funcionários. Como é o caso

do português João, proprietário do Bom Bar: sua trajetória é ascendente,

começou na área como empregado até se tornar dono do próprio negócio. Em

suas palavras, quem “trabalhou em tal lugar, tal lugar, eu não quero, mas se

ele me falar, “não trabalhei em lugar nenhum”, então vem que eu ensino. Claro

que eu levo muito mais tempo”. O fato de não ter trabalhado na área ou em

outros estabelecimentos demonstra que o funcionário não terá manias

inadequadas vindas de outro tipo de local. O funcionário “verde” aprende como

o dono quer que seja sem hesitar. O Cidinho Petisqueria seleciona funcionários

de forma semelhante, prefere os funcionários da casa mesmo, que trabalha em

outras funções, como os cumins, mas possui dois tipos de seleção, como

afirma Cidinho:

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Ou a gente pega o cumim, o cumim é aquele que começa aqui. Ele vai levar os pratos feitos, vai limpar as mesas, tirar garrafa, trocar cinzeiro. Então esses quando ele começa cumim se o cara for muito bom, você vê que ele tem jeito pra coisa, a gente sobe ele pra garçom. Primeiro dá uma testada, né, vai pondo ele assim no dia que precisa numa praça mais fraca, ai falta um você joga ele ali até... A gente tem esse critério e muitas vezes você está com o cumim e o cumim não tem nenhum perfil pra ser garçom, por exemplo, teve uma época que eu tava com uns quatro ou cinco cumim então tem uma época que os quatro não têm aquele perfil ou ainda não está preparado pra entrar, daí a gente pega algum de alguma casa ou quem vem procurar emprego, saiu por um motivo ou outro, então tem isso, ou é... Ai acontece o seguinte, tem os pretendentes que passam e deixam o currículo. Aí tem o maître, ele faz isso eu não, ele faz a entrevista, tudo.

O Joaquim, dono de um estabelecimento de mais de quarenta anos de

Goiânia, boteco não selecionado nesta pesquisa, declara que, “com o tempo

você vai descobrindo o potencial de cada funcionário, a qualificação você vai

fazendo com o tempo”. Outro fato que ele chama atenção é para a dificuldade

com a mão de obra, que além de ter pouca qualificação o rodízio de

funcionários é considerável. Um fato peculiar notado na pesquisa, é que muitos

garçons saem e voltam para o ramo ou para a casa anteriormente ocupada,

esse assunto será tratado adiante. A seguir, Cidinho expressa uma política de

sua petisqueria sobre o retorno de ex-funcionários:

Teve uma época que a gente não aceitava ex-funcionário, tinha que passar quatro anos. Como a dificuldade era muito grande e tem funcionário que sai por bobeira, outro sai pra tentar outra coisa e não dá certo ai quer voltar, então quando era quatro anos era difícil até passar quatro anos, ai passamos pra dois anos. E ai hoje a gente já abre mão também se o cara for muito bom e quer voltar a gente sempre dá uma chance pra ele. Mas o cara que vai pra fora ele volta bom, porque com a cabeça lá fora, ele viu que aqui o caminho era mais fácil, porque a gente paga rigorosamente em dia, nunca atrasou um pagamento, damos incentivo, damos.

Já no Arena, estabelecimento do tipo empresarial, em que o dono, Ian,

acompanha a rotinha do bar, mas possui um renomado maître coordenando a

atividade dos garçons desde a seleção de funcionários, o processo é diferente.

Ian assegura os critérios avaliados “apenas duas coisas: se for experiente, os

locais que já trabalharam e as referências. Se não for – vontade de trabalhar,

esforçar e crescer”. É relevante frisar que a trajetória de Ian não é ascendente

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como nos exemplos de estabelecimentos do tipo familiar em que o proprietário

trabalhou em outras casas até montar seu próprio negócio ou começou com

um estabelecimento pequeno até se tornar reconhecido. Casos assim são

como os do João (Bom Bar), Jan (Gira Mundo), Cidinho (Petisqueria do

Cidinho). Ian era um empreendedor de eventos, até se tornar dono de bar. Por

isso, para a seleção de funcionários, requer o auxílio de um maître e a

referência de outros estabelecimentos para trabalhar no Arena. A ideia é que o

trabalhador chegue ao estabelecimento pronto, justamente para que não gaste

tempo para qualificar funcionários. Acredita-se que com a experiência adquirida

em outros estabelecimentos contribua para que haja destreza suficiente para

que o funcionário se adapte as demandas do novo local de trabalho.

Sobre a relação desenvolvida entre a direção e funcionários pode-se

dizer que em estabelecimentos em que o proprietário é presente na dinâmica

do estabelecimento a relação entre o patrão e o trabalhador é de certa

proximidade, pode ser considerada como uma relação pessoal. No Bom Bar,

há relatos de que o João libera funcionários a faltarem do dia de trabalho caso

necessitem por motivos pessoais. João explicita o motivo do seu diferencial no

que se refere ao seu tratamento com funcionários e ainda expõe uma situação

de solidariedade entre ele e um dos seus empregados:

Sabe por quê? Principalmente, eu já fui empregado, eu comecei como funcionário. Com quinze anos vim de Portugal, fui trabalhar atrás de um balcão de bares. (...) Agora eu tenho consciência porque eu fui funcionário, e sei como eles me tratavam, e sei como eu queria ser tratado, por isso trato eles dessa maneira, se eles têm um problema eu tento resolver. Tenho trinta se cada um traz um problema eu tento ajudá-lo a resolver o problema, mesmo particular. Esses dias um funcionário: “nossa meu filho está com problema saiu umas pipoquinhas e não sara”. Eu falei “traz o teu menino” e eu paguei um médico particular para o filho do funcionário. Ele foi fazer a consulta e o médico cobrou R$ 300,00 reais a consulta, levei e paguei. E depois quis saber se o menino sarou, então essas coisas eu sei que faz o diferencial. Eu não faço isso para ganhar nada, eu faço isso porque eu acho que a gente tem que ser útil ao próximo.

Na rotina do ambiente de trabalho João também desenvolve uma

relação igualitária entre os funcionários. O grupo e as pessoas são valorizadas

por ele. Assim, o relacionamento entre os membros do estabelecimento é

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privilegiado independente das funções ocupadas. O garçom Vilmar expressa

satisfação ao falar sobre o assunto:

Aqui é o seguinte, é maravilhoso, o patrão come junto com você não tem essa “aqui é só os cabeças e os operários tudo pra lá”. Aqui você come o que você quiser. A única coisa que diz é “não jogue fora”. Mas se eu quiser chegar agora e comer dois quilos de bacalhau eu como dois quilos de filé de bacalhau. Ele deixa comer e beber à vontade, todo mundo.

Em outro momento o garçom Vilmar, que já trabalhou no Gira Mundo,

contou como era trabalhar lá. A discrepância no que se refere ao tratamento

dos funcionários e distinção dos mesmos nos dois locais é aparente. Os

utensílios de uso dos funcionários são de qualidade bem diferente do que os

utilizados pelos consumidores. Para tomarem água durante o trabalho copos

de plásticos não descartáveis são utilizados. Isso é válido para os ambientes

usados, a área do bebedor era semelhante a um depósito, cheio de objetos em

volta e com escassa limpeza. A alimentação só pode ser feita durante o horário

do jantar. É uma regra, nada pode ser consumido pelos garçons fora deste

período. Embora, relatos de alimentação escondida feita com os restos dos

pratos dos clientes foram ouvidos pelo próprio Vilmar e outro funcionário da

casa. O garçom Otalício do Bom Bar, que já trabalhou no Balhego, ao escutar a

conversa com o Vilmar acrescentou: “no Balhego, também é assim, garçom

não come o que o cliente come”. Outra diferença do Bom Bar é que se não

houver mesas vagas o garçom pode pedir licença para algum cliente amigo ou

antigo para se sentar e comer. Muito contrastante do que acontece no Vila

Cambuí, que as vias de acesso dos clientes não podem ser utilizadas pelos

funcionários de baixo escalão da casa, ou seja, aqueles que vestem uniformes.

Existem vias especificas e fechadas para que os trabalhadores não sejam

vistos, o que, em muitas circunstâncias, é antioperacional. Já o clima protetor

do Bom Bar é apresentado por Vilmar, ao falar de sua relação com seu patrão,

o João:

Eu falar do seu João é muito suspeito, eu tenho doze anos com ele. Hoje o que eu sou é através dele, quando eu vim pra cá, era um cara completamente descabeçado, então seu João pra mim é como um pai, tudo que faço na minha vida pessoal, primeiro eu consulto ele.

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“Estou pensando em comprar isso, o que você acha e tal” ele dá a opinião dele, se ele falar assim: “não é necessário” não faço negócio não.

No Gira Mundo, estabelecimento considerado do tipo de cultura do

trabalho familiar o garçom Roberto reconhece os problemas de relacionamento

do patrão Jan, por ás vezes ser grosseiro na maneira de tratar pessoas.

Entretanto, gosta do fato de Jan ter o cuidado de questionar se está tudo bem,

perguntar pela família ou se está precisando de algo. Afirma que já trabalhou

em lugares que sequer ouvia a voz do dono, muito menos comprimentos, como

“boa tarde”. Outra situação de que se lembrou, ao falar de Jan, é a respeito de

um funcionário colega da casa que faleceu e ele teve o cuidado de cuidar das

questões formais de um sepultamento, já que boa parte da família estava

distante. Simples atos, como o de o patrão servir um cliente, geram

proximidade no grupo. Ao indagar se o patrão era legal, Roberto responde:

É. Ele já foi garçom. Porque ele entende o lado da gente, às vezes quando está pegando ele está aí começa a ajudar a gente, tira garrafa e vai, atende, ajuda levar pedido, nunca quer se aparecer. Ele sempre fala que um dos melhores serviços da vida dele foi ser garçom, hoje ele tem um lugar devido ele ser garçom, ele dá muita força pra gente. Às vezes na reunião ele fala assim “eu queria que vocês ganhassem dez mil, vinte mil”, ele fala. Eu acho que das casas aqui, a única casa que paga mais certo, certinho é o Gira Mundo. (...) Mas para falar que ele tem dinheiro, ele não tem dinheiro, ele luta na vida dele, uma pessoa que era um cara, que era garçom que teve uma ideia e arranjou um pessoal que ajudasse ele. É uma ótima pessoa, ele é capaz de vender gelo para pinguim, para esquimó.

Por sua vez, na Choperia Matilha, local estabelecido na cidade e que

passou por um processo de expansão do negócio: empórios foram abertos, o

serviço de bufê foi criado e outros restaurantes foram inaugurados, o

proprietário Marcelo não é tão presente na rotina de trabalho da choperia. Isso

é possível porque a casa têm funcionários bastante antigos e de confiança. O

maître de lá, por exemplo, está na função há vinte e três anos e trabalhou

outros anos como garçom na casa. Por isso, muito do que precisa ser resolvido

não é atribuído ao Marcelo. Quando frequenta o estabelecimento raramente

reclama ou dá palpite no trabalho dos garçons. O contato é pequeno entre eles,

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ao falar sobre as passagens dele no local o garçom Dalton diz “ele conversa

com os clientes, mas com nós não”.

No Cidinho Petisqueria foi dito que os problemas do dia a dia devem ser

resolvidos diretamente com o maître, apenas se preciso o contato deve ser

feito com o Cidinho ou algum de seus filhos. Ou seja, existe uma estrutura de

hierarquização instituída e mediada pela descentralização da tomada de

decisões, não mais concentrada na figura do proprietário. Ainda assim, o

garçom Neto, que trabalha há onze anos no estabelecimento, conta situações

em que o patrão se mostra solidário às necessidades pessoais dos

funcionários: “um tempo atrás eu estava com um problema financeiro e ele foi e

arrumou pra mim, ele faz pra mim. Quando eu tive um acidente de moto ele

adiantou um dinheiro pra mim para arrumar minha moto”.

No Balhego casos semelhantes foram relatados: três garçons afirmaram

que, se precisar de ajuda do patrão, possivelmente recebem o apoio. Os

garçons Abelardo, Gerson e Lauro, afirmaram já terem contato com a ajuda

financeira do patrão quando preciso. Abelardo vai além e afirma “quando a

gente precisa de alguma coisa eles ajudam a gente. Financeiramente. Se tiver

um problema para resolver dá orientação, eu acho que eu não quero outro

lugar”. Contudo, os proprietários do Balhego não participam da rotina diária do

estabelecimento, a ampla divisão de trabalho e funcionários especializados

possibilita que estes se ausentem do local, ainda que continuem com certa

relação com os funcionários, até pelo tempo de serviço dos funcionários do

Balhego ser grande.

No Santa Parada a relação entre a direção e funcionários tem sua

especificidade. A proprietária não participa da dinâmica do local; de vez em

quando aparece para conferir como está o estabelecimento, portanto,

praticamente não desenvolve relacionamento com os funcionários. Além disso,

o estabelecimento é recente em Goiânia. Por sua vez, a gerente responsável

pelo bar restaurante tem relação próxima com alguns garçons, porque chamou

alguns deles para trabalhar no Santa Parada por conhecer o serviço dos

profissionais de outros estabelecimentos em que trabalharam juntos e até por

serem amigos. Então alguns possuem posição privilegiada pela direção do

local. Ainda assim, a gerente Rafaela, não tem condições de conferir privilégios

que um proprietário poderia efetivar. Mesmo assim, a proximidade trás

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benefícios. O garçom João conta que sua namorada foi contratada a seu

pedido porque ela estava com ciúmes devido ao trabalho noturno. Além disso,

afirmou ter privilégios por ser o mais antigo da casa, como ligar e dizer que vai

se atrasar, ou até ser liberado durante o carnaval para fazer uma viagem.

Somado a isso, ele contou que é colocado pela direção para atender clientes

especiais na praça de outro garçom, o que gera certo desconforto entre os

colegas de trabalho.

Ian é proprietário do Arena junto com o Júlio, mas apenas Ian, que

acompanha diretamente a dinâmica do local falou sobre sua relação com os

garçons: “amizade cada vez que passa eu tento diminuir, porque eles, não

todos mas, a maioria, são uma coisa aqui trabalhando, e outra fora daqui,

quando saem. Mas o que eles precisam, sempre é dinheiro, e agente tenta

ajudar sempre que possível”. No Arena é o maître Ribeiro quem é responsável

por coordenar o trabalho dos garçons, então os proprietários não dirigem a

palavra para os garçons, quando é preciso criticar falam com o Ribeiro para

que este tome as devidas providências. Isso torna o relacionamento entre eles

ameno. O garçom Sandro dá sua opinião sobre os patrões e do seu superior, o

maître Ribeiro:

. O dono mesmo, o Ian, é super gente boa com todos, ele não tem exceção, brinca com todo mundo, eu vejo aí que ele trata a gente como se fosse irmão, o Júlio é mais fechadão, porque é o homem de negócio. Mas ele é super gente boa também, sempre que eu precisei ele me ajudou, tipo, vale, essas coisas, eu já fiz vale com ele, me ajudou bastante. O Ribeiro o convívio está melhor agora, antes eu vinha pra cá, “nossa eu vou conversar com o Ribeiro”, chegava aqui e ficava na minha aqui, quietinho e ele na dele lá, a gente não se batia não, mas hoje não, hoje eu estou aqui no canto ele vem e me cumprimenta, conversa comigo, nós moramos no mesmo setor, quase vizinhos e antes não dava certo, eu não estava fazendo o serviço correto, pra falar a verdade eu estava acomodando, agora não.

Apesar de algumas divergências entre os colegas de trabalho do Vila

Cambuí o relacionamento entre eles é considerado de maneira positiva. Desde

o gerente de salão, o maître, o chefe de fila, garçons, responsáveis pelo bar e

cozinha. Mas os proprietários, Carlito e Plínio, nunca são mencionados nas

conversas ou entrevistas, apesar de o Carlito estar sempre no estabelecimento,

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na parte reservada para a administração do local. O que é comum na maior

parte dos estabelecimentos como conhecer os proprietários ou fazer pedidos

de vale ou empréstimo de dinheiro, não foi relatado. O relacionamento entre os

proprietários e funcionários é restrito aos empregados de maior escalão. Estes

realizam reuniões e coordenam a dinâmica do estabelecimento junto com os

outros funcionários. Ou seja, o padrão a ser seguido foi estabelecido e cabe a

alguns averiguar se os procedimentos estão sendo realizados com excelência.

No caso do Vila Cambuí então pode-se dizer que a relação existente entre os

patrões e funcionários é impessoal. Possivelmente sequer se conhecem.

Em estabelecimentos burocráticos são considerados por Perrow como

empresas que criam cargos especializados na tentativa de criar rotina nos

processos internos e diminuir a influência de fatores externos para aumentar a

eficiência do trabalho (1972, p. 83). O Vila Cambuí pode ser considerado um

estabelecimento burocrático, ou seja, é uma empresa em que sua estrutura

funcional é pautada claramente pelo nível de: autoridade, informação e

capacidade técnica dos trabalhadores. A ideia é de uma pirâmide de

conhecimentos:

À medida que se desce essa pirâmide hierarquicamente, diminuem as informações técnicas e locais, sobre as referidas circunstâncias, o mesmo acontecendo com o controle sobre os recursos da firma. Verifica-se também a existência de um delineamento mais claro das tarefas de cada pessoa, por seu superior, de modo que tal pessoa pode não só saber o que fazer, em circunstâncias normais, sem precisar consultar ninguém, como pode também saber até que ponto uma situação pode afastar-se da rotina. Além de um certo limite, ela não terá autoridade nem informações suficientes e, normalmente, faltar-lhe-á autoridade nem informações suficientes e, normalmente, faltar-lhe-á capacidade técnica para tomar qualquer decisão. Informa-se-lhe, claramente, portanto, a extensão desses limites, além dos quais só lhe resta um caminho: comunicar os fatos ao superior imediato (PERROW, 1972, p. 62).

Maîtres e chefes de fila ocupam posições superiores aos garçons,

ambos supervisionam o serviços prestado. Por ocuparem um cargo acima da

hierarquia e atuarem diretamente com os garçons podem interferir no trabalho

destes. Maîtres e chefes de fila se vestem de modo diferente do que os

garçons. O uso da gravata para eles é obrigatório na composição da

vestimenta e demonstra o status adquirido por eles. Já em muitos

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estabelecimentos os garçons usam o avental para não se sujarem, caso

aconteça, o avental é virado de lado (Cf. MARRA; REGO; JARDIM, 2002).

Outra interessante característica foi comumente percebida nos locais

pesquisados, tanto em estabelecimentos com cultura do trabalho familiares e

empresariais. Trata-se da contratação por indicação. Amigos e familiares de

garçons, proprietários e até de outros funcionários de bares são recrutados por

serem conhecidos. Obviamente muitos desses amigos são conhecidos por

terem trabalhado juntos em outras casas. Ou seja, além do conhecimento

interpessoal há, às vezes, prévia experiência no ramo. O garçom Vilmar está

no Bom Bar há treze anos e foi contratado por convite do primo, o então

gerente do estabelecimento. O garçom China, do Arena, conta como foi

trabalhar no local “Eu comentei com um amigo meu que trabalha aqui e ele

falou “eu arrumo pra você”, aí liguei e falei com o gerente e ele resolveu me dar

uma oportunidade”. O mesmo aconteceu com o Israel, do Vila Cambuí , “Eu

tinha procurado emprego aqui antes e não tinha conseguido, tinha um amigo

meu que entrou e me indicou, eu vim e fiz o teste, deu certo, o pessoal aprovou

a entrevista”. O Volnei foi trabalhar lavando pratos no Gira Mundo porque o tio

era gerente do lugar. E assim como tantos outros casos documentados. O

garçom Rildo, do Santa Parada, afirma que algumas casas não contratam pelo

currículo, apenas por indicação, segundo ele acontece é que:

Quem indica geralmente somos nós mesmos, nossos próprios colegas. Para você ter um bom restaurante você precisa ter uma boa equipe também. A boa equipe começa dessa forma um indicando o outro, aí a casa vai embora.

Devido ao grande tempo de convivência no trabalho, sobretudo nos

horários de lazer e descanso de amigos e familiares, e devido à contratação de

pessoas conhecidas e próximas torna o ambiente de trabalho de certa forma

“familiar”, pelo menos este pensamento é propagado em frases do tipo

“passamos mais tempo aqui do que com nossos familiares”. No Vila Cambuí,

em que os funcionários dobram o turno, trabalham durante o período do

almoço e noturno isto é evidente, nas palavras do Israel:

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A gente tem uma afinidade muito grande, como se fosse uma família na verdade, é muito bacana. Muito tempo, a gente acaba se apegando um ao outro, como se diz quando acaba acontecendo uma perda, saindo da empresa a gente acaba sentindo bastante. Muito ligado à pessoa no dia-a-dia, a gente acaba vivendo mais com os parceiros de trabalho do que com a própria família, na verdade, se for contar as horas que a gente fica aqui.

Pelo tempo no serviço e convivência próxima há certos desgastes na

equipe de trabalho que lembram brigas e rixas de irmãos. As brincadeiras e

zoações marcam isso. Por vezes há estresse, mas logo “tudo volta ao normal”,

como fala o garçom do Balhego, Abelardo. O Fred, do Cidinho Petisqueria,

expressa o tipo de brincadeira que acontece, bem como o Gerson do Arena,

respectivamente:

Tem de todo jeito. Mas, mais é de mulher “pé de pano”. O cara vai embora e o Ricardão vai lá na sua casa. Esse tipo de brincadeira. Às vezes a gente não gosta, porque não tem esse de intimidade com a pessoa. Aí brinca e a gente corta. Esse eu considero um péssimo dia de trabalho.

Às vezes acontece brincadeira demais, exagerando um pouco. Eu até falo na hora da muvuca mesmo está todo mundo a flor da pele. Às vezes uma brincadeira chata dá uma vontade de explodir e aí a gente tem liberdade, segura um pouco. Comigo eles ainda não brincaram, mas tem uma brincadeira que eles fazem assim, “oh tá armado?!” e puxa a caneta da gente assim, “tá armado?” aí eles vêm e puxam a caneta, aí você tem que tirar e colocar, brincar com eles, aí a gente perde tempo. Eles não brincam comigo, mas eu acho isso muito ruim.

No Bom Bar, onde o ambiente de trabalho é mais informal, as

brincadeiras são corriqueiras, tanto entre os funcionários, quanto entre

funcionários e clientes. O garçom Otalício resume: seus colegas de trabalho

“são brincalhões!”. Outro garçom de lá, Vilmar, conta:

A gente se diverte pra caramba dá risada, brinca com os funcionários, a gente faz umas pegadinhas com os funcionários, por exemplo, um copo se tiver trincado a gente coloca de uma forma que na hora que ele vira esbarra e quebra e a gente ri.

O rendimento da atividade é bom para o nível de qualificação exigido.

Além disso, foi constatado que o nível de escolaridade dos garçons não é alto.

Dentre os entrevistados nem a metade possui ensino médio completo e apenas

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um cursa ensino superior. No discurso dos garçons é habitual ouvir que é difícil

sair da profissão devido à escassa qualificação e escolaridade para

ingressarem em outras atividades e pelo rendimento alcançado no ramo da

alimentação.

Relatos de garçons que desistiram da ocupação e buscaram outras

formas de se manterem foram narradas: seja na área da construção civil ou

aqueles que abriram pequenos negócios. O Fred, do Cidinho Petisqueria,

expõe uma tentativa de abandonar a profissão: “Projeto a gente já fez muitos.

Inclusive em dois mil e três eu abri um depósito de gás, mas não deu certo,

trabalhei um ano, mas não deu certo, eu fechei. Tentar a gente tenta. A

expectativa é não trabalhar mais para os outros no futuro”. No entanto, todos

voltaram a serem garçons.

Nesta atividade é comum que em momentos de alto estresse

trabalhadores abandonem seus empregos. Seja para tentar outra carreira ou

para voltarem a suas origens. Voltam para amenizar a saudade de sua terra,

família e amigos. O maior número de garçons entrevistados não trabalha em

sua cidade natal, apenas quatro deles trabalham na cidade em que nasceu.

Alguns são do interior do estado, outros de Minas Gerais e o restante do

Nordeste do país. A economia de um tempo de trabalho é utilizada para tanto.

Também é dito que se deve sair de um estabelecimento sem deixá-lo de portas

fechadas, caso seja necessário retornar para o emprego. Os garçons Volnei do

Gira Mundo e o China do Arena, contam respectivamente um dos fatores que

os fazem estressar em um ambiente de trabalho e até pedir as contas é a troca

de gerentes:

É o seguinte, cada vez que muda o gerente é muito difícil adaptar naquele esquema dele. Você está aqui acostumado a beber leite todos os dias, e no outro dia é café com leite e você não gosta, aí pede sai, entra em acordo. Depois que eu estou aqui passou uns quatro.

Tem um tempo que estressa. O fato deu ter saído da casa na maioria das vezes é troca de gerente. Troca de gerente, você já está acostumado, aí chega outro, sabe, e quer mostrar serviço. E você já trabalha muito tempo daquele jeito. O cara quer chegar ou quer chegar e por o pessoal dele de outro lugar.

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A dificuldade em sair desta atividade também tem haver com a trajetória

ocupacional vivenciada na área, que normalmente é ascendente. Alguns

começaram realizando serviços gerais em algum estabelecimento de

alimentação, limpando, lavando pratos, sendo auxiliar de cozinha, trabalhando

no bar ou copa, até alçarem um lugar no atendimento ao cliente, em alguns

casos, passando antes pelo serviço de cumim. No caso de garçons mais

antigos no ramo e, sobretudo os estimados maîtres seguiram trajetórias

ocupacionais ascendentes iniciadas em hotéis, em seus bares e restaurantes,

em que todo o serviço prestado é experimentado por terem ocupado todas as

funções existentes. Assim, a dinâmica de um bar restaurante é dominada por

este tipo de profissional. Os garçons mais jovens no ramo não possuem

trajetória idêntica, começaram a trabalhar diretamente em bares e restaurantes.

Em alguns casos iniciaram logo como garçons ou tiveram ascensão no ramo.

A movimentação funcional dentro da ocupação motiva o funcionário e dá

segurança aos trabalhadores, o que dificulta a saída efetiva da profissão.

O principal motivo que faz com que alguns garçons se estressem e

desistam de seus empregos é o horário de trabalho. É uma clara “chateação”

para os garçons. Contudo, essas reclamações foram mais feitas em bares de

cultura do trabalho empresarial, em que os números, metas e o lucro são

amplamente valorizados em detrimento dos recursos humanos que a empresa

detém. O Bom Bar, definido como cultura do trabalho familiar, é o único dos

estabelecimentos que é fechado no domingo. Isso implica mais oportunidades

para encontros interpessoais e possibilidade de frequentar festas de amigos e

familiares e um tempo de lazer em um dia que as oportunidades de fazê-lo

existem com maior frequência. A seguir as diversas queixas dos garçons sobre

o assunto:

O lado ruim é o familiar, casa, não é tão bom, por quê? Não tem tempo. Você chega em casa cansado, saí cedo de casa e chega a noite, de dia você quer dormir, você acorda e tem que almoçar e já tem que ir embora, falta o tempo com a família. (China – Arena) A parte ruim é que você não tem tempo pra namorar direito, trabalha a noite acaba dormindo durante o dia, então fica complicado arrumar uma namorada, ficar muito tempo com ela. Às vezes ela não te entende, acho que isso é a parte que mais incomoda mesmo. (João – Santa Parada)

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Ruim é o horário, entrada e saída, não tem horário pra sair, só tem pra entrar, não tem final de semana, não tem feriado. Enquanto os outros estão se divertindo você está trabalhando. (Marcolino – Vila Cambuí)

A parte ruim de ser garçom: o que a galera fala mais eu não sei. Porque não conseguimos sair da noitada, tive a oportunidade e não fui. Sair e divertir, como eu vou sair para divertir se eu estou trabalhando, se os melhores dias para se divertir eu estou aqui, que são os fins de semana, que tem a balada, tem festa, tem aniversário e não sei o quê, a gente está. (Volnei – Gira Mundo) Falta de tempo, as datas comemorativas, não tem tempo pra família. (...). A parte ruim é trabalhar a noite, deixar sua família em casa e trabalhar a noite. (Neto – Cidinho Petisqueria).

Enquanto os horários são considerados como a parte ruim da atividade

de garçom, o salário e o fato de conhecer muitas pessoas e pessoas que têm

maior condição financeira e status são considerados como aspectos positivos

de se trabalhar como garçom.

Outra característica do trabalho de garçons é referente à taxa de

serviços. No ramo é comum que a taxa seja direcionada individualmente para

cada garçom conforme seu desempenho enquanto vendedor. Dentre os bares

pesquisados apenas o Bom Bar e o Balhego, ambos de Campinas, adotam a

taxa de serviço global, ou seja, o total da venda do estabelecimento é

socializada igualmente entre os garçons. Só que no Balhego a taxa de serviços

global é adotada apenas no período diurno; no período noturno a taxa é

individual. Já no caso do Bom Bar o valor é dividido igualmente entre todos os

funcionários (segurança, balconistas, chapeiros, cozinheiros, etc.).

Todavia, a forma como o valor é distribuído varia bastante entre os

estabelecimentos: no Gira Mundo, por exemplo, os garçons recebem um

salário mínimo mais 5% do valor das vendas efetuadas por cada um, os outros

5% das vendas de todos os garçons são utilizadas para repor as perdas do

estabelecimento (utensílios quebrados) e dividido entre os funcionários do bar

e da cozinha. No Santa Parada há situações atípicas, existe garçons que não

têm vínculo empregatício com a casa, ou seja, não têm a carteira de trabalho

assinada, não recebem salário fixo, mas recebem integralmente os 10% do

valor vendido individualmente. Trata-se de um acordo entre ambas as partes.

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Os outros garçons cada casa recebem 7% das vendas efetivadas, além de um

salário mínimo.

Entre os garçons há o discurso arraigado de que a taxa de serviços

individual é o ideal, apesar de relatarem em suas falas certa dependência no

trabalho entre eles, o que é característico da organização de trabalho de

garçons. O garçom Neto, do Cidinho Petisqueria, defende que a taxa de

serviço deve ser individual já que não é justo que quem trabalha mais ou

menos receba o mesmo valor no fim do mês. Para ele é um direito receber um

valor maior pelo trabalho realizado com mais esforço para vender ou mais ágil.

O Volnei, do Gira Mundo, fala sobre sua insatisfação quando a taxa de serviços

era global: “Eu vendia dez mil, doze mil e o parceiro do meu lado vendia três

mil e aí? Ia tirar da minha para passar pra dele, isso não era legal”. O que é

dito pela maioria deles é que muitos “escorram” e “acomodam” diante do

trabalho dos outros. O garçom Roberto do Gira Mundo expressa bem esse

ponto de vista, inclusive introduz a questão de gênero em sua resposta, ao

comparar o seu desempenho no trabalho ao de Paula, sua colega de trabalho

garçonete:

Eu acho que é bom, sabe por quê? Se for global, por exemplo, ela tem um ritmo de trabalho e eu tenho outro, eu gosto de fazer as coisas certas, gosto de correr, de andar rápido, não gosto de ficar parado senão fico doente, eu gosto de atender rápido, atender mais mesas, agora imagina? Tem outra pessoa devagar e ganhar o mesmo tanto que aquela pessoa que não está nem aí, agora o individual não! Você quer ganhar.

Apesar de Volnei e Roberto, ambos referidos anteriormente e

funcionários do Gira Mundo, apregoarem que a taxa de serviço deve ser

individual, em certos pontos o posicionamento deles é divergente. Por um lado,

Roberto define o colega como sendo um garçom “liso”. Para ele isso quer dizer

que ele é um funcionário esperto diante das situações que envolvem os

colegas de trabalho, ou seja, que costuma folgar diante de ocasiões que

podem render algo a ele. Já Volnei identifica situações semelhantes e as

encara como sendo um aspecto que denota a solidariedade existente na

ocupação:

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75

Aqui nem isso tem competitividade, aqui é o seguinte: você tá nessa praça aqui, aí cada um tem sua praça, aí tem alguém nadando, a gente fala nadando, não sei, se você já ouviu falar essa palavra. Nadando é o seguinte: quando a gente está cheio de pedido e não consegue atender, não consegue. Tipo quando a gente está num mar e sai de barco, fica quieto no mar, aí a gente vem e ajuda todo mundo. Se você está aqui e eu tiro o seu pedido, aí a Paula foi lá no banheiro, tomar água, fazer as necessidades dela, aí você chega, eu vou atender vocês, marco na comanda manual e quando ela chegar eu passo pra ela, é assim que funciona. Não tem esse negócio deu chegar aqui...

A dependência entre colegas de trabalho acontece quando, por

exemplo, algum garçom se ausenta da praça para jantar e o colega de trabalho

responsável pela praça ao lado fica responsável pela praça do outro. Os

pedidos anotados na comanda, seja de papel ou eletrônica, devem ser

marcados no nome ou número do colega, para que a taxa de serviços seja

destinada a ele. Ou seja, há aí, por um lado, uma relação de confiança, e por

outro, ao mesmo tempo, possivelmente, certo sentimento de cobiça, no que se

refere a vendas. Também pode ser uma estratégia da gestão para que o

trabalhador não demore no período da refeição. Outra situação que acontece é

quando um cliente chama um garçom que não é o responsável pela praça em

que ele está trabalhando. Há casas em que a regra é a de que não se deve

negar atendimento ao cliente dizendo “está não é minha praça” ou “não estou

responsável por atender essa mesa”, deve-se, portanto, anotar e levar o pedido

ou então repassar o pedido para o garçom da praça. Também há casas em

que o comando é para não atender clientes de outras praças. Novamente

mostra-se a estreita relação entre certa confiança e cobiça e as possíveis

divergências entre os colegas de trabalho. Acontece também de situações

desagradáveis em o garçom vende na praça do colega justamente porque sua

praça está vazia, enquanto a do outro está cheia. O Israel, do Vila Cambuí,

conta uma situação que aconteceu e que causa chateação entre os colegas de

trabalho:

Como a gente trabalha com venda de repente o pessoal faz uma brincadeira ou uma atitude acaba te irritando, dando um de João Bobo. De repente vende uma água na sua praça, a gente trabalha com venda, aí chega e fala “foi sem querer”, mas isso acaba te irritando e deixando você irritado.

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76

A questão é que a taxa de serviços individual prega atitudes e valores

individualistas em uma atividade em que a dependência entre trabalhadores é

necessária. Outro exemplo para elucidar a dependência dos garçons: as

praças de atendimento normalmente não são fixas, todo dia elas são sorteadas

entre os garçons. E existem praças boas e ruins, isso depende do movimento e

da preferência dos clientes; então acontece de garçons estarem repletos de

serviços enquanto outros estão parados. Assim como também é preciso da

ajuda de colegas para observar mesas de consumidores considerados

suspeitos a saírem sem pagar. Neste tipo de caso, a solidariedade é natural já

que eles conhecem o sofrimento de levar um calote. A competitividade velada

nas palavras dos garçons é facilmente percebida em algumas situações. Por

exemplo: um garçom atende com capricho uma mesa que tem alto valor de

consumo e os integrantes da mesa resolvem mudar de mesa e isso implica em

mudar de praça, seja para outra em que possam serem mais vistos ou verem

mais, ou para um local mais arejado, o que seja. Como o ideal de que a razão

do cliente é que comanda os estabelecimentos a troca de mesas é permitida,

desde que tenha mesas disponíveis. O Sandro fala sobre uma situação

semelhante:

Somos seres humanos, o ser humano é egoísta, tem pessoas que não entra na minha mente, não bate, isso que atrapalha, mas eu procuro sempre fazer o meu melhor, dar o melhor de mim. Tem gente que toma uísque e às vezes você tem que transferir aquela mesa para outro garçom, porque o cliente quer passar para outra mesa. Tem garçom que quer fechar a mesa para não passar a porcentagem para outro garçom, eu não tenho isso, eu acho que ele tem o direito se quiser pedir a mesa ele pede. Pra mim pode ir para a outra mesa de boa. Já fizeram isso comigo, eu não gostei, pedir para puxar a conta do cliente eu não tenho coragem. (...). Eu estou com aquela mesa ali e o outro garçom está do lado, o cliente vai sentar na mesa dele, se o cliente dele senta na minha mesa, se ele perguntar: “Sandro eu estou quase terminando de atender e ele está quase indo embora, pode terminar pra mim?”. Às vezes minha praça está ruim e tem pouca gente ou então não estou vendendo bem, eu não posso deixar... A praça é minha, a norma da casa é essa, se o cliente passou para a minha mesa, a mesa é minha.

A taxa de serviços individual não acorda com o paradigma da

administração científica, a taxa de serviços está voltada para o paradigma da

administração centrada na figura do cliente. Assim é possível haver competição

individualizante a partir do discurso instrumentalizado do atendimento

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diferenciado (Cf. LINHART, 2007). Uma das preocupações de empresas

burocráticas do século XX é destacada por Mills e se assemelha ao

pensamento de Linhart, trata-se do “hiato existente entre a produção em massa

e o consumo individual” (1976, p.197). Mills analisa o papel da publicidade no

processo de vendas, auxiliando o vendedor; a ideia dele é mostrar como o

processo é difuso. Para Mills o vendedor é, muitas vezes, apenas o elo entre

consumidor e produto e eles têm posturas diferentes diante do processo de

vendas:

Se a venda é fragmentada em suas etapas, torna-se evidente que as três primeiras fases – estabelecimento de contato, criação de um interesse e fixação de uma preferência – são hoje realizadas pela publicidade. Restam ao vendedor duas etapas conclusivas: fazer uma proposta específica e obter um pedido (1976, p. 200).

Quanto às competências, o pessoal de vendas abrange desde os vendedores que criam e satisfazem os novos desejos, os vendedores que não criam desejos ou fregueses, mas esperam por eles, até que simplesmente recebam um pedido (1976, p. 182).

O atendimento ao cliente será abordado especificamente no próximo

capítulo. No que se refere à competição por vender mais, em bares

restaurantes, é preciso ressaltar que, o ranking de vendas de garçons utilizado

em algumas casas expressa isso. A técnica colabora para acirrar a competição

entre os trabalhadores, trata-se de uma estratégia de motivação31 para

aumentar o lucro dos estabelecimentos. Entretanto, como consequência a

estratégia pode enfraquecer a rede de apoio mútuo dos trabalhadores; a

colaboração entre eles diminui já que o reconhecido será dado individualmente,

a moral passa a ser individual.

No Gira Mundo e no Vila Cambuí o ranking dos vendedores é exposto

mensalmente. É necessário lembrar que o proprietário do Gira Mundo

trabalhou como garçom ou maître em casas conceituadas de Campinas,

inclusive no Vila Cambuí. Isso interfere no modo de gestão de seu

31

Motivação é um termo utilizado no campo da psicologia e refere-se a uma força

instituída que visa direcionar comportamentos segundo determinado objetivo. A ideia é que a força instituída funciona como um incentivo já que a mesma rompe o equilíbrio existente, assim, haverá uma tensão para que o equilíbrio seja retomado. Desta maneira, identifica-se a motivação, não sendo um atributo individual, mas uma reação diante do ambiente interacional (Cf. AlLLEGRETTI; TITTONI, 1999).

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estabelecimento; apesar disso, o Gira Mundo é considerado familiar, porque

atende as outras características do tipo de cultura familiar. Ao contrário dos

proprietários de estabelecimentos que são estritamente familiares, em que a

gestão do local é eminentemente leiga. O Balhego apresenta às vezes o

ranking, a estratégia não é utilizada mensalmente. No Balhego a ideia é de os

garçons se acomodam em uma zona de conforto no que se refere às vendas.

Os rankings seriam uma forma de motivá-los a aumentar o valor recebido ao

final do mês através da competitividade benéfica criada. O gerente do local

afirma que a estratégia motivacional visa alcançar os garçons mais antigos, os

que são mais acomodados. Mas talvez, até por serem funcionários mais

antigos e com maior idade, a estratégia não tenha o efeito desejado. O Bom

Bar, em que a taxa de serviço é global, não faz uso dessa técnica. Os

estabelecimentos pesquisados de Goiânia, todos com taxa de serviço

individual, são claramente divididos: os do tipo familiares (Cidinho Petisqueria e

Choperia Matilha) não fazem rankings dos funcionários, os do tipo empresariais

(Arena e Santa Parada) utilizam.

Possivelmente pela maneira de trabalhar de cada garçom é normal que

as posições diante do ranking não variem tanto. Ainda assim não é possível

afirmar que a estratégia não tenha validade, conforme se depreende de alguns

depoimentos. O garçom China, do Arena, vangloria-se: “em várias casas que

eu trabalhei, fui recorde de vendas, primeiro, aqui também é, numa noite de

vendas o recorde também é meu”. Bem como o João, do Santa Parada:

“exatamente tem uns três meses que eu sai em primeiro lugar nas vendas, né,

então eu acho que eu melhorei bastante esses dias”. O Israel, do Vila Cambuí,

orgulha-se por ocupar continuamente o primeiro e o segundo lugar dentre os

garçons que mais venderam garrafas de destilados. A seguir ele comenta suas

estratégias para vender mais:

O cara tem que trabalhar o cliente, de repente o cara pede uma água e você oferece um coquetel ou uma bebida energética, você oferece e vê que a pessoa está mais agitada está tomando uma água oferece coquetel, energético, “vai te dar mais disposição”, você acaba ganhando, isso é um vendedor.

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Para motivar às vezes há premiação para os primeiros colocados, mas

nem sempre, apenas estampar as primeiras colocações diante dos colegas

basta. O garçom João, que ficou três vezes consecutivas em primeiro lugar no

Santa Parada comenta esse aspecto: “a gerente tinha pensado em fazer uma

premiação para primeiro, segundo e terceiro lugar nas vendas, só que acabou

que acho que ela esqueceu isso, acho que vou lembrar ela”. A motivação por

vezes parece ser subjetiva como expressa Volnei, do Gira Mundo, que estipula

suas próprias metas, porém pode-se considerar que o mesmo assuma as

metas da organização como sendo suas. Possivelmente, a prática da empresa

é assumida vigorosamente e subjetivamente. Um valor é estipulado como meta

de acordo com a satisfação de suas necessidades individuais impulsionadas

pelo estabelecimento, nas palavras de Volnei:

Eu sempre tenho uma meta de vendas. É minha mesmo. Eu não posso vender menos de sete mil por semana, acima de oito mil reais. Eu sempre tenho essa meta, não posso ficar menos sete mil, têm que ser oito, dez mil reais.

Também existem regras que visam motivar o comportamento adequado

dentro da organização. Algumas têm estilo punitivo. O Sandro, do Arena, por

exemplo, contou sobre uma estratégia da direção do local para que os

funcionários cheguem no horário estipulado. O ambiente é fechado por duas

grandes grades pesadas e altas, a norma da casa é que os dois últimos

garçons a chegarem ao estabelecimento devem retirá-la do local e guardar no

local designado. A norma causa desavenças entre os colegas de trabalho. Em

um dos dias de observação do local o último garçom a chegar foi o Rilton, o

mais velho dentre eles. Contudo, pela idade, ele tem maiores dificuldades para

realizar a tarefa. Mesmo diante da discussão ocorrida ele e o segundo que

chegou mais tarde foram executá-la com a ajuda de um colega. Já o

proprietário Cidinho mencionou outro tipo de estratégia motivacional realizada

por ele em algumas das reuniões da equipe:

No caso de uma reunião, assim você inventa moda. Por exemplo, quem chega até três horas, até três horas o cara tem direito a participar de um sorteio. E ai você faz um sorteio ai, vamos supor R$ 120,00 reais, R$ 150,00 reais, ai você põe lá e quem chegou três horas e dois minutos, já não pode participar.

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O tipo descritivo sobre a organização do trabalho dos bares restaurantes

pesquisados foi elaborado segundo a oposição: individual, seguindo ordens da

direção e; em equipe, decidindo tarefas coletivamente. O primeiro tipo refere-se

à cultura do trabalho familiar e a segunda à cultura do trabalho empresarial. Na

prática, empiricamente foi difícil distingui-los. Em alguns estabelecimentos as

práticas organizacionais estão bem estabelecidas, mas em outros não, quando

não aparecem estar mescladas o que complica o entendimento sobre a

situação.

No Bom Bar, os garçons seguem suas rotinas sem serem questionados

ou mesmo convocados para algo; eles sabem o que e como fazer. Na Choperia

Matilha e no Cidinho Petisqueria, ambos pertencentes à cultura do trabalho

familiar e estabelecimentos há certo período no mercado, a dinâmica é

semelhante; contudo há a presença da maîtria para interferir em casos que

escapam do controle dos garçons, principalmente em relação ao atendimento

de clientes. No Arena, o trabalho do maître têm maior interferência no trabalho

dos garçons, talvez por ser um estabelecimento recente e ainda não ter

atingido um padrão a ser seguindo conforme a identidade do local e por ainda

não compor uma equipe de trabalho coesa diante dos ideais do

estabelecimento. Trata-se de uma organização orientada pelo poder e marcada

pela hierarquização diante das funções atribuídas. No Santa Parada, a

gerência decide as tarefas coletivamente, aí pode haver uma questão de

gênero. A gerente, nova, é quem comanda o serviço dos garçons, todos

homens, ao contrário de outros estabelecimentos, em que há maîtres mais

velhos e com bastantes anos de atividade na área. Neste caso, do Santa

Parada a subordinação de funcionários é pouco aparente. No Gira Mundo, em

que o proprietário trabalhou muitos anos no ramo e o estabelecimento ainda

tenta firmar seu lugar no mercado de Campinas, Jan participa de modo ativo na

rotina de trabalho dos garçons, até porque não acerta na escolha de um

gerente de salão ou maître. Lá a rotatividade do cargo é alta e isso causa

desconforto e insegurança nos funcionários devido à falta de um modelo de

referência a ser seguido e de um líder a ser respeitado. Jan até é visto como

um chefe rigoroso e autoritário por perceber aspectos inadequados no

ambiente de trabalho.

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No Balhego e no Vila Cambuí traços relacionados a uma gestão

empreendedora são percebidos. A participação e o envolvimento do

trabalhador na dinâmica do trabalho são instigados, bem como a

especialização dos serviços prestados. No material de treinamento interno do

Balhego são explicitados a Missão, a Visão e os Valores do estabelecimento,

como se vê a seguir:

Missão e Visão Intercâmbio de opiniões obtidas pelo esforço em equipe, buscando sempre superar as expectativas da empresa. Capacitar novos profissionais, reciclar os antigos e formar equipes especializadas em atendimento e serviços. Valores TRABALHO EM EQUIPE: Ajudar os colegas de trabalho que precisam de ajuda para que tudo seja perfeito: atendimento e serviço. Dessa forma, todos colaboram para que o resultado final seja a satisfação do cliente. RESPONSABILIDADE: Ao fazermos parte de uma empresa, assumimos responsabilidades e compromissos perante a ela. Devemos cumprir normas e regras, trabalhando com seriedade e desempenhando corretamente a nossa função.

Outras características relevantes no que se refere à cultura do trabalho

serão avaliadas apenas no próximo capítulo, pois se referem ao atendimento

ao cliente. O grau de autonomia dos garçons constitui um exemplo desta, pois

é em algumas situações do atendimento ao cliente que o serviço de garçons se

afasta da rotina de e o funcionário pode demarcar de maneira mais ou menos

livre sua esfera de ação no trabalho.

2.5 Considerações finais

Percebe-se que os tipos descritivos sobre a cultura do trabalho dos

bares restaurantes pesquisados enquadram estabelecimentos segundo

algumas variáveis consideradas. Ainda assim, pelo desenvolvimento das ideias

é possível notar as especificidades de cada local e a complexidade da questão

discutida. Resta analisar a cultura do trabalho dos estabelecimentos quando se

considera a relação entre garçons e clientes e consumidores, tema discutido na

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próxima parte que se vincula às relações efetivadas na modernidade,

sobretudo nas interações de serviços.

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PARTE 3

INTERAÇÕES EM SERVIÇOS: O JOGO DE CINTURA DOS GARÇONS

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3.1 Os terceiros lugares

O sociólogo estadunidense Ray Oldenburg escreve sobre a importância

de locais informais e públicos de reunião para a sociedade. No livro The Great

Good Place o autor classifica três tipos de locais: o primeiro é a casa, lugar da

família, do descanso, não é um bom local para conhecer outras pessoas, fazer

amigos e socializar, não há conforto adequado para isto e nele existem objetos

danificados; o segundo lugar é o local de trabalho, este é o local para alcançar

o sustento e demais regalias, o cenário é estruturado e preparado para a

produção e competitividade, também não é um local adequado para a

socialização; por sua vez, o terceiro lugar é caracterizado pelas conversas,

amizades e por nivelar perfis (Cf. OLDENBURG, 1999).

Segundo o autor os terceiros lugares são fundamentais porque exercem

uma importante função social: reunir diferentes pessoas que estabelecem

relações amigáveis. Nele a informalidade e a ausência de uma estrutura social

sólida abrem margem para diferentes experiências; relações humanas são

desenvolvidas. Neste tipo de local as pessoas suprem suas necessidades de

filiação e intimidade; as situações vivenciadas em terceiros lugares funcionam

como “tônicos espirituais” para aqueles que frequentam esses lugares. Trata-se

de locais em que ocorrem boas conversas, onde há equilíbrio entre egoísmo e

altruísmo. As pessoas se animam após uma xícara de café amigável em um

terceiro lugar e assim, ficam imunes as pessoas infelizes dos segundos

lugares. Ao mesmo tempo, lá recebem e dão aceitação ao outro, as relações

estabelecidas faz com que as pessoas se sintam melhores (Cf. OLDENBURG,

1999).

O terceiro lugar é denominado pelo autor de the great good place32. Os

terceiros lugares podem ser: cafés, bares, livrarias, salões de beleza, pubs,

botequins, tavernas, dentre outros.

32

Oldenburg expressa no livro sua surpresa diante da pouca atenção dada na literatura científica para os benefícios dos terceiros lugares. Estes lugares são comumente identificados como locais que funcionam como uma válvula de escape para o estresse, solidão e alienação. Por muitos são considerados como remédio para estes males. Opostamente, o autor acredita na vivacidade da comunidade e na autenticidade das pessoas nestes lugares. Além disso, Oldenburg surpreende-se diante da literatura que valoriza benefícios transcendentais de encontros ritualísticos, como encontros de meditação, corrida e massagem.

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83

Em seu livro, após caracterizar os terceiros lugares e identificar

elementos comuns, Oldenburg descreve alguns tipos de terceiros lugares de

diferentes culturas: como o pub inglês, o café francês, o jardim da cerveja

alemão, e outros. Ao singularizar cada tipo Oldenburg acredita que assim está

tornando o padrão dos terceiros lugares mais evidente.

K. Erickson (2004) trás uma contribuição ao trabalho do autor ao

destacar que na visão de Oldenburg os terceiros lugares são resultados da

produção de comportamentos dos frequentadores do local. Entretanto Erickson

contesta este ponto de vista e considera também o papel dos prestadores de

serviços para criar um ambiente agradável; transfere o foco do consumidor de

sociabilidade para o servidor. Neste sentido, o enfoque aqui adotado se inspira

no trabalho de Erickson.

O sociólogo e historiador R. Sennett influenciou a obra de Oldenburg

sobre os terceiros lugares e traz importantes contribuições para a temática. Na

obra O declínio do homem público (1988) Sennett realiza uma investigação

sobre a decadência da esfera pública e o advento de uma sociedade intimista.

O autor defende que há um descompasso entre a vida pública e a vida íntima.

Na sociedade intimista as pessoas estariam mais preocupadas com suas

histórias e sentimentos. Em contraste, o espaço público torna-se sem sentido e

silencioso. Para Sennett há uma ambivalência entre a visibilidade em público e

o isolamento íntimo meio aos estranhos das cidades graças à vinda de mão de

obra necessária ao capitalismo industrial. Basicamente na sociedade intimista

há o predomínio de uma cultura narcísica e há a formação de comunidades

destrutivas, o termo remete ao oposto da cultura cosmopolita, surgem

comunidades fechadas integradas.

Ao adotar a metáfora do Theatrum Mundi33 o autor vai além, ao afirmar

que na contemporaneidade os atores estariam inibidos de representar. Para

representar é necessário um público de estranhos e não de pessoas íntimas.

Deste modo os atores estariam desprovidos de sua essencial arte de

desempenhar papéis sociais. Os atores sociais passam a serem expectadores

33

A genealogia do Theatrum Mundi remonta a Platão ao referir sobre a comédia e tragédia da vida. A metáfora do drama social, da vida como um teatro originou o método dramatúrgico (Cf. TEIXEIRA, 1998).

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84

da vida pública, vivem em silêncio, e aos poucos a cultura pública está a se

esfacelar.

Sennett realiza, em seu livro, o diagnóstico a partir de duas cidades

ocidentais importantes dos séculos XIX e XVIII: Londres e Paris. O autor

discute articulando o crescimento das cidades e os locais que estranhos se

encontravam. Sennett reflete sobre a criação de praças e parques urbanos

para pedestres como lazer; a época em que cafés, restaurantes, bares e pubs

(estabelecimentos que servem bebidas alcoólicas) tornaram-se centros sociais.

Outro tipo de centro de reuniões prestes a se constituir em meados do século

XVIII era o clube para homens, contrariando o perfil dos outros centros sociais,

a base dos clubes é que a plateia é selecionada, trata-se de uma associação

privada. A abertura de venda aberta para teatro e ópera, anteriormente

concentrada na distribuição de lugares por aristocratas também é destacada

pelo autor. É um momento em que privilégios familiares não mais centravam as

relações sociais, propiciando então encontros de estranhos.

Os cafés, por exemplo, estavam no auge no século XVII e apenas

decaíram com a importação de chás no século seguinte. Na época os cafés

eram importantes centros de informação de ambas as cidades; neles os jornais

eram lidos:

Como centros de informação, os cafés eram naturalmente locais onde floresciam discursos. Quando um homem entrava no recinto, encaminhava-se diretamente ao bar, pegava um penny, era avisado, se nunca tivesse estado lá anteriormente, sobre os regulamentos da casa (por exemplo, não cuspir nesta ou naquela parede, não brigar perto das janelas etc), e então se sentava para divertir. Isto, por sua vez consistia em conversar com outras pessoas, comandada por uma regra cardinal: a fim de que as informações fossem as mais completas possíveis, suspendiam-se temporariamente todas as distinções de estrato social; qualquer pessoa que estivesse sentada num café tinha o direito de conversar com quem que fosse, abordar qualquer assunto, quer conhecesse as outras pessoas, quer não, quer fosse instada a falar, quer não. Era desaconselhável fazer referências às origens sociais das pessoas com que se falava no café, porque isso poderia ser obstáculo ao livre fluxo da conversa. (...). O tom da voz, a elocução, as roupas, podiam ser dignos de nota, mas a questão toda estava em não se notar (1988, p. 109).

Por sua vez, o bar e o pub, são retratados como instituições do século

XVIII; a maior parte dos frequentadores eram trabalhadores subalternos.

Sennett também escreve sobre a ligação entre classe e estabelecimentos que

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85

vendiam bebidas alcoólicas. De início este tipo de sociabilidade não era temido,

“o beber os faria calar” (SENNETT, 1988, p. 265). Mas logo, no século XIX,

passou a ser considerado uma ameaça social. Este tipo de reunião então

passou a ser coibido pela polícia. Apenas em estabelecimentos próximos aos

teatros a clientela era misturada e servia de ponto de encontro antes e depois

das apresentações (p. 110):

Quando o café se tornou local de conversação entre os pares no trabalho, ameaça a ordem social; quando o café tornou um local onde o alcoolismo destruía o discurso, mantinha a ordem social. A condenação de pubs das classes baixas pela sociedade respeitável precisa ser vista com olhos desconfiados. Ao mesmo tempo em que essas condenações eram sem dúvida sinceras, muitos exemplos de fechamento de cafés e de pubs ocorreram não quando a beberagem tumultuosa ficava fora de controle, mas, antes, quando se tornava evidente que as pessoas do interior dos cafés estavam sóbrias, zangadas e conversando (1988, p. 266).

A ideia apresentada por Sennett perpassa uma mudança social em que

“o silêncio é a ordem, porque o silêncio é ausência de interação social” (p.

266). Assim as pessoas poderiam se proteger contra a sociabilidade e gozar da

“privacidade pública” (p. 269). Tratava-se de uma época em que cafés estavam

repletos de pessoas, no entanto cada uma estava separada das outras,

lendo,bebendo, relaxando, todavia a sós.

O autor ainda destaca mudanças nas relações mercantis quanto ao

consumidor final:

O mercado urbano do século XVIII era diferente de seus predecessores medievais ou do Renascimento: sendo internamente competitivo, aqueles que nele vendiam competiam para atrair a atenção de um grupo mutável e amplamente desconhecido de compradores. À medida que a economia de mercado se expandiu, e as modalidades de crédito, de contabilização e de investimento tornaram-se mais racionalizadas, os negócios eram realizados em escritório e lojas e numa base cada vez mais impessoal. Fica claro que seria errôneo imaginar que a economia ou a sociabilidade dessas cidades em expansão tomaram de um só golpe o lugar das modalidades mais antigas de negócios ou de prazer. Melhor é dizer que modalidade sobreviventes de obrigação pessoal se justapuseram a novas modalidades de interação, adequadas a uma vida levada entre estranhos, sob condições de uma expansão empresarial regulamentada de forma diferente (p. 32-33).

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86

A intensa instigação de Sennett serve de ponto de partida para a

apresentação dos tipos descritivos desenvolvidos quanto à interação entre

garçons, clientes e consumidores em bares restaurantes do século XXI nas

cidades brasileiras pesquisadas e nos estabelecimentos selecionados.

3.2 Interações em serviços formais e informais

Quanto à construção dos tipos descritivos relativos às relações

desenvolvidas com os consumidores tomou-se como base inicial a tipologia

criada por Frenkel et al. (1999) e a pesquisa empírica então em andamento. A

tipologia foi expressa no livro On the front line, baseado em um estudo feito por

quatro autores em cinco anos com oito empresas líderes dos Estados Unidos,

Austrália e Japão. A classificação triádica desenvolvida caracteriza o ambiente

de trabalho, em contexto de economia da informação, como: burocrático,

empresarial ou de conhecimento intensivo.

Para analisar a relação estabelecida entre a organização e seus

consumidores os autores elaboraram tipos ideais para as várias nuanças que

interferem no trato com o consumidor, são elas: 1) relação entre trabalhador e

consumidor; 2) relação entre gestão e consumidor; 3) relação entre gestão e

trabalhador; 4) relação do triângulo de poder “gestor/trabalhador/consumidor” e

por fim; 5) as mais prováveis relações constituídas em cada tipo de ambiente

de trabalho. O Quadro 5, organizado por Frenkel et al. (1999), expõe as

relações referentes entre organização e consumidores segundo cada ambiente

de trabalho:

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87

QUADRO 5 – TIPOLOGIA DE FRENKEL et. al. (1999)

Relações

Tipos ideais de ambiente de trabalho

Burocrático Empresarial Conhecimento

intensivo

Trabalhador e consumidor

Neutralidade Afetiva Baixa proatividade do trabalhador Encontro34

Afetiva-instrumental Alta proatividade do trabalhador Pseudorrelação

Afetiva Alta proatividade do trabalhador Relação

Gestão e consumidor

Consumidores indiferenciados Passíveis de rotinização

Consumidores diferenciados em categorias Soberania do consumidor reconhecida

Consumidor visto como altamente diferenciados

Trabalhador e Gestão

Trabalhador usado para maximizar a eficiência e padronizar o serviço

Trabalhador contratado como agente, mas deve seguir regras

Trabalhador com poderes ilimitados para negociar o serviço

Gestão/trabalhador/consumidor

(triângulo de poder)

Gestão tem mais poder

Consumidor tem mais poder

Ambiguidade quanto o mais poderoso

Relações mais prováveis

Aliança entre gestão e trabalhador contra o consumidor

Aliança entre gestão e consumidor contra o trabalhador

Aliança entre gestão e consumidor

34

Esta tipologia de interações de serviços (encontro, pseudorrelação e relação) é

proposta por B. Gutek et al. (2000). A tipologia parte de três questões a respeito da experiência de serviços: 1) trabalhador e consumidor conseguem identificar a pessoa com que eles interagiram?; 2) trabalhador e consumidor esperam interagir no futuro? e; 3) existe uma história de interações compartilhadas entre eles?. Há uma relação de serviço quando trabalhador e consumidor tornam-se interdependentes e, portanto esperam interagir no futuro. Há um encontro de serviço quando trabalhador e cliente não esperam interagir no futuro. A pseudorrelação é um tipo híbrido de interação, o cliente não necessariamente volta no mesmo prestador de serviço, ou seja, ao mesmo trabalhador, mas volta à mesma empresa prestadora de serviço.

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Apesar de os autores não abordarem diretamente os serviços de

alimentação para construir a tabela, supõe-se que possam ser integrados na

classificação mais ampla por eles desenvolvida. No caso dos bares

restaurantes aqui analisados, apenas o ambiente de trabalho de tipo

“burocrático” interessa pouco, ainda que as relações estabelecidas com os

consumidores sejam bastante frutíferas para explicar o que ocorre em serviços

de fast food. Em estabelecimentos de fast food prevalecem aspectos

eminentemente racionais como a eficiência, a calculabilidade, a previsibilidade

e o controle35. Para Ritzer (1995) o sucesso desse tipo de estabelecimento é

justamente porque oferecem, tanto para clientes, trabalhadores e diretores a

racionalidade durante a jornada de trabalho e durante o período de consumo.

Trata-se de uma empresa burocrática, porque, como afirma Perrow (1972):

dispõe de trabalhadores especializados que atuam para manter os processos

internos e diminuir a influência de fatores externos com a intenção de aumentar

a eficiência do trabalho.

Já as relações estabelecidas com clientes em ambientes de trabalho

“empresarial” e de “conhecimento intensivo” são mais evidentes nos bares

restaurantes pesquisados, pelo menos no que se refere à relação entre

trabalhador e consumidor e à relação entre gestão e consumidor. Nesse

sentido, presume-se que o ambiente de trabalho “empresarial” se incline para o

estilo de estabelecimento denominado como moderno e o ambiente de trabalho

de “conhecimento intensivo” se incline ao estilo de estabelecimento

denominado tradicional.

Quanto à própria tipologia descritiva elaborada para as interações entre

garçons e consumidores/clientes em bares restaurantes foram considerados: 1)

a predominância em cada estabelecimento: da afetividade na interação entre

ambos; 2) o tipo de experiência predominante nas interações entre garçons e

consumidores e clientes; segundo a tipologia proposta por Gutek et al. (2000)

e; 3) o tipo de atendimento oferecido pelo estabelecimento (pessoalizado ou

35

Segundo Ritzer (1995), autor que teve como objeto de pesquisa uma renomada empresa de fast food, a eficiência é marcada pela realização rigorosa de um processo predeterminado sob a supervisão de um superior. A calculabilidade é marcada pela ênfase em todo processo de aspectos quantitativos (tempo gasto, tamanho do produto). A previsibilidade assegura que a oferta de produtos e serviços será a mesma independente da franquia que esteja. Os trabalhadores seguem ordens corporativas em relação ao modo de falar com os consumidores, seguem scripts para criar interações previsíveis. O controle exercido nos trabalhadores e consumidores assegura a rapidez no serviço prestado.

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89

impessoalizado). A seguir o Quadro 6 expõe a tipologia desenvolvida para o

caso deste projeto:

QUADRO 6 – TIPOLOGIA PARA AS INTERAÇÕES ENTRE GARÇONS

CLIENTES E CONSUMIDORES

Variáveis

Tipos descritivos

Bar Tipo Tradicional Bar Tipo Moderno

Interações informais Interações formais

Afetividade na relação

entre garçons e

consumidores

Afetiva Neutralidade afetiva ou

Afetiva-instrumental

Experiência de

interações entre

garçons e

consumidores

Pseudorrelação ou Relação

Encontro ou

Pseudorrelação

Atendimento

consumidor e cliente Pessoalizado Impessoalizado

Por fim, o Quadro 7 ilustra a caracterização dos bares restaurantes

pesquisados segundo as duas tipologias criadas, a referente à cultura do

trabalho e à referente ás interações desenvolvida entre garçons clientes e

consumidores. Notando que a cultura do trabalho familiar e as interações

informais desenvolvidas entre as partes consideradas remetem ao tipo

inicialmente denominado como bar tradicional. Enquanto a cultura do trabalho

empresarial e as interações formais entre garçons e consumidores e clientes

remetem ao tipo dito bar moderno.

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QUADRO 7 - CARACTERIZAÇÃO DOS BARES RESTAURANTES

SEGUNDO AS TIPOLOGIAS ELABORADAS

Bares restaurantes

Tipos descritivos

Cultura do trabalho

Interação entre garçons clientes e consumidores

Bom Bar

Familiar Informal

Balhego Imperial

Empresarial

Informal

Gira Mundo Bar

Familiar

Formal

Vila Cambuí 1

Empresarial

Formal

Arena Familiar

Formal

Cidinho Petisqueria Familiar

Informal

Santa Parada

Empresarial Formal

Choperia Matilha Empresarial

Informal

3.3 À maneira de Erving Goffman: as regiões na perspectiva de análise

dramatúrgica

Goffman apresenta uma perspectiva sociológica para estudar a vida

social, sobretudo em estabelecimentos sociais (hospitais, escolas,

restaurantes, etc.). A perspectiva adotada por ele é da metáfora do teatro, em

outros termos, basicamente Goffman pretende analisar as interações sociais

em lugares públicos a partir da representação teatral. Além da perspectiva da

metáfora teatral Goffman propõe como modelo de análise a ordem social. A

ordem social é entendida como “consequência de qualquer conjunto de normas

morais que regulam a forma com a qual as pessoas buscam atingir objetivos”

(GOFFMAN, 2010, p. 18).

Alguns conceitos norteiam a obra do sociólogo canadense. A

apresentação, por exemplo, acontece quando um indivíduo na presença de um

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91

grupo exerce certa influência. A representação idealiza a situação social, por

isso os indivíduos tendem a incorporar valores reconhecidos socialmente

quando interagem. Ao indagar sobre a representação deseja-se saber da

legitimidade do ator em desempenhar um determinado papel social. A

representação feita por um impostor pode enfraquecer o elo moral da situação

social. A fachada é referente ao desempenho individual normalmente geral e

fixo de definir a situação diante dos observadores. O cenário corresponde aos

elementos do pano de fundo da ação (decoração, mobília, disposição, etc.). Já

a fachada pessoal diz respeito dos elementos expressivos do próprio ator

(idade, vestimenta, sexo, expressões gestuais e corporais, etc.) (Cf.

GOFFMAN, 2008).

A região é outro conceito importante, Goffman realça a relação entre o

ambiente físico e a vida social. O modelo conceitual proposto colabora para

compreender a estrutura normativa que envolve as interações face a face. A

região, por exemplo, é um lugar “limitado de algum modo por barreiras à

percepção” (GOFFMAN, 2008, p. 101). A partir da metáfora teatral Goffman

distingue duas regiões: a fachada e o bastidor. A primeira é onde a

representação ocorre e atos legítimos são executados. Já nos bastidores, atos

que são suprimidos na fachada aparecem. Nos bastidores há elementos de

apoio à encenação do ator social. Isso porque nos bastidores não há a

presença da plateia. Na fachada os atores vigiam a representação e agem em

tom de autoridade, já nos bastidores o clima é informal e familiar. E é nos

bastidores que os atores oferecem apoio uns aos outros.

Na ocupação de garçons é evidente as duas regiões existentes no

ambiente de trabalho. O próprio métier da ocupação é dividido nos momentos

de atuação na fachada e bastidor.

Ao chegarem ao ambiente de trabalho os garçons primeiramente

montam o salão. Neste momento, em que estão no local físico onde mais tarde

se tornará fachada, mas sem os olhares de clientes e consumidores estão no

bastidor. Os garçons ficam sem uniforme já que ainda não começaram a

atender clientes. Antes de assumirem o trabalho de atendimento eles se

alimentam, mas normalmente não no mesmo lugar em que os clientes

consomem aquele ambiente. Frequentemente são em lugares mais precários,

pequenos, escuros, quentes e com poucas cadeiras e mesas. Os utensílios

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para se alimentarem também são bem diferentes do que os clientes usam,

trata-se de pratos, talheres, copos de plásticos, os alimentos também não são

os mesmos, é uma refeição diferenciada para os trabalhadores. Apenas o Bom

Bar, dentre os estabelecimentos pesquisados, como mencionado

anteriormente, não assume esta postura de diferenciar trabalhadores e clientes

e consumidores de forma tão acentuada.

Depois de organizarem o salão, os garçons se alimentam, vestem o

uniforme (sempre limpo e bem passado), para depois atenderem os clientes.

Daí em diante, sobretudo em estabelecimentos estritamente formais, a postura

é amplamente modificada, os garçons se apresentam apenas em pé e em

direção aos clientes, nunca de costas. Os rostos passam a serem aprazíveis

em relação aos clientes, sorrisos aparecem no semblante dos trabalhadores.

Estresse, fisionomia brava e problemas exteriores ao bar são amplamente

coibidos em todos os estabelecimentos pesquisados, já que há a ideia de que

os clientes estão no estabelecimento para minar o estresse. Além disso, os

clientes estão dispostos a gastar dinheiro no estabelecimento e são eles é

quem incrementam o salário do garçom. Portanto, os clientes devem ser bem

tratados para que voltem e façam propaganda do lugar. E mais do que isso,

para que não façam propaganda negativa do lugar, afastando outros

consumidores. Aqui, fica claro que estas ações acontecem na fachada.

Nos bastidores é diferente, quando chateados com consumidores

enjoados ou mesmo exigentes demais os garçons desabafam nos bastidores,

onde não podem ser vistos por quem não é da organização. Muitas vezes

fazem piadas, conversam e até choram fazendo referência às interações que

tiveram com os consumidores. É nos bastidores que as emoções dos

trabalhadores florescem naturalmente. Na fachada as emoções não são

manipuladas. É comum o receio que nos bastidores acontecem ações

desrespeitosas em relação ao cliente, como garçom que cospe na bebida

alheia e etc. Nada disso foi relatado na pesquisa de campo, dizem que é lenda

sobre a ocupação, mas há essa ideia nas representações sociais sobre

garçons.

No caso do Bom Bar, devido ao pouco espaço do lugar, não existe um

local que poderia ser chamado de bastidor, já que o espaço é constituído

apenas pelo salão e pela área atrás do balcão e pelo caixa em que os garçons

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nem entram. A cozinha do Bom Bar, que poderia ser entendida como um

bastidor, é em outro lugar, está a mais ou menos um quilômetro

estabelecimento. Quando estressados e cansados do barulho e calor os

chapeiros, balconistas e garçons tinham como hábito de se acomodar do lado

de fora do local, junto às mesas e cadeiras extras colocadas, ali conversavam e

alguns fumavam cigarro. O local funciona quase como um bastidor, entretanto

nem sempre se tem tempo para ausentar do serviço e sair. Até mesmos os

banheiros são comuns a trabalhadores e consumidores.

O Balhego é semelhante ao Bom Bar quanto ao espaço pequeno. Há

apenas o salão, o balcão e uma cozinha bem pequena, que sequer comporta

outras pessoas além do cozinheiro. A área que pode ser considerada o

bastidor está nos outros andares do prédio, no primeiro em que há um depósito

e no terceiro onde há uma área própria para os trabalhadores se vestirem e

guardar pertences. Como é preciso fazer um deslocamento vertical e também

há a falta de tempo, o local acaba por não funcionar como um bastidor, porque

é difícil encontrar outros pares para desabafar.

Nos outros estabelecimentos pesquisados havia uma clara divisão entre

fachada e bastidor.

A divisão de regiões nos estabelecimentos era claramente percebida

pela restrição da presença da pesquisadora no local. O bastidor simplesmente

não era apresentado ou aberto. No Gira Mundo, através de um pedido e da

confusão sobre a minha presença no local um garçom, sem jeito de recusar,

um garçom me conduziu até uma área específica para trabalhadores: onde

estava o armário dos trabalhadores, o banheiro e bebedouro. Mas com certeza

a ação causou certo desconforto no estabelecimento. A cozinha eu consegui

visualizar da parte de fora, de onde os garçons retiram os pratos. Na Choperia

Matilha consegui visualizar a cozinha porque para ir até o escritório do local é

preciso passar por ela, por isso, a presença não causou estranheza. Entretanto

foi uma passagem pelo ambiente e não uma apresentação.

Por sua vez, a experiência no Bom Bar foi diferente. Após conceder uma

entrevista João, todo orgulhoso, me levou até a cozinha do Bom Bar e mostrou

todo o processo de produção dos alimentos do lugar. No estabelecimento

também tive a interessante oportunidade de estar do lado de lá do balcão e

perceber o local de outro ponto de vista, no Balhego também foi possível isto.

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A diferença do Bom Bar e do Balhego quanto ao local do bastidor não se

deve apenas ao pequeno espaço do estabelecimento. Deve-se também a

tradição na cidade de estabelecimentos com balcão. É uma diferença cultural.

Estabelecimentos com balcão desenvolvem outro tipo de interação em

serviços. Em outros termos, é preciso ressaltar que o balcão assume outro

significado na cidade e nesses estabelecimentos. Nestes lugares o ato de

beber em pé no balcão é corriqueiro. Dali é possível visualizar o trabalho

desenvolvido e conversar com garçons, balconistas, chapeiros, chopeiros,

caixas, sanduicheiros, gerente, proprietário. No balcão é possível se familiarizar

com o estabelecimento de modo mais completo.

No moderno Vila Cambuí, outro estabelecimento de Campinas, é

diferente. Existe balcão, mas é regra não é permitido beber ou sequer fazer um

pedido no balcão. A presença da pesquisadora diante dele causava certo

desgosto, ainda que não tenha sido dito foi possível perceber.

Já nos estabelecimentos pesquisados de Goiânia o balcão é funcional,

servia para repassar bebidas. Até mesmo em um estabelecimento que tem

nitidamente a inspiração em botequins cariocas (estabelecimento visitado

durante a iniciação científica) o balcão é vazio, é apenas ocupado por

trabalhadores. Ou seja, a arquitetura dos botequins é construída, mas a

informalidade, a sociabilidade e a intimidade, que marcam a essência do

botequim carioca36 não são efetivas.

O pensamento do cientista social D. Slater (2002) sustenta a presença

de um “botequim carioca” em Goiânia ao considerar a cultura do consumo na

modernidade. Slater escreve no prefácio do livro Cultura do consumo &

Modernidade que: “ser moderno é ser consumidor; modernizar é, em última

instância, manter tanto um modo de vida consumista quanto a capacidade de

participar da cultura do consumo global” (SLATER, 2002). Ou seja, um

36

Uma estimulante conversa sobre os bares tradicionais ocorrida no I Seminário Internacional do Bar Tradicional, realizado em dezembro de 2011 na capital carioca, discutiu justamente a primazia da comida em botecos. A ideia em voga era a de que a gastronomia estava a invadir este tipo de estabelecimento e isso evidencia algo simples “não temos o que conversar”. A sociabilidade, eminente a estes lugares, não ocupa mais a motivação central de consumo destes estabelecimentos. Para colaborar a hipótese resta destacar os vários eventos gastronômicos realizados, um deles que é feito em ambas as cidades da pesquisa, evento de referência, é o “Comida di Buteco”. Além disso, existem os eventos realizados pelos sindicatos de estabelecimentos de alimentação e pela Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes) para divulgar os estabelecimentos das cidades.

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“botequim carioca” em Goiânia expressa ao mesmo tempo o consumo de uma

novidade e certa participação de outra cultura. Ainda que haja uma adaptação

à cultura local.

3.4 Interações em serviços: garçons de bares restaurantes

Serviços interativos são chamados de serviços da linha de frente, porque

o servidor interage diretamente com o consumidor. O cliente participa da

produção do serviço em maior ou menor grau, dependendo do tipo de serviço.

Quando um cliente pede sugestões ou realiza um pedido para o garçom, por

exemplo, desenvolve seu papel na situação. Téboul (1999) reflete sobre os

serviços como uma “caixa preta”: o que entra na caixa é a necessidade ou

problema do cliente, após o serviço prestado, ou seja, fora da caixa preta

apresenta-se o cliente suprido ou com a solução. “Dentro de um restaurante,

por exemplo, um cliente entra esfomeado e sai satisfeito. Da mesma forma

ocorre no hospital, um paciente entra doente e sai curado” (TÉBOUL, 1999, p.

20).

A coprodução do cliente nos serviços aumenta o grau de incerteza da

atividade. A rotina não é habitual, afinal situações inusitadas acontecem e o

comportamento dos consumidores não é previsível. Se a empresa é

estritamente burocrática como o McDonald’s, em que seu layout e proposta

direcionam o comportamento do consumidor, é possível controlá-lo de modo

suficiente. Caso contrário não. Ainda assim, é preciso destacar que ambos,

trabalhador e consumidor, atuam seguindo normais morais da ordem social. Ou

seja, atuam conforme os valores reconhecidos nas situações sociais

vivenciadas. Outra forma de aumentar a previsibilidade das interações em

serviços é a partir de uma criteriosa seleção e treinamento de funcionários (Cf.

MCCAMMON; HOLLY, 2000). Perrow (1972) enfatiza técnicas e procedimentos

utilizados por empresas burocráticas para direcionar como deve ser o

relacionamento com os consumidores:

Os indivíduos são separados por categorias, porque seria tremendamente dispendioso tratar cada caso especialmente, através de uma análise completa. As categorias, assim como os estereótipos, permitem-nos atuar num ambiente em que vivemos sem ter que

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tomar decisões a cada minuto. A impessoalidade e o formalismo são essenciais em uma organização, para evitar o favoritismo e a discriminação prejudiciais e para proteger indivíduos do constrangimento causado pelo conhecimento e amizade, quando a situação exige uma decisão impessoal (1972, p. 82).

No Vila Cambuí, a situação é semelhante. O estabelecimento é

considerado um representante de um estabelecimento com interações formais

entre garçons, clientes e consumidores. A gestão do estabelecimento coíbe

contato mais íntimo e igualitário dos trabalhadores com o público, acentuando

as diferenças sociais entre trabalhadores, clientes e consumidores ao

determinar o posicionamento distante dos garçons perante os frequentadores

do lugar. Trata-se de estabelecer abertamente o lugar dos garçons diante da

situação social. Quando acontece algum problema mais grave em uma mesa,

por exemplo, o garçom se abstém e chama o maître para responder a questão.

Os garçons não devem estabelecer laços com os consumidores, ainda que os

conheçam. Cumprimentos e apertos de mão, por exemplo, são proibidos. As

vias de acesso ao estabelecimento são diferenciadas para clientes e

trabalhadores.

Neste sentido percebe-se que as interações entre garçons, clientes e

consumidores do Vila Cambuí são preponderantemente formais e impessoais.

Há neutralidade afetiva ou afetividade-instrumental. Alguns clientes, por

exemplo, arriscam “fazer amizade” com garçons por interesse, o garçom Israel

relata: “quando ele volta ali ele já quer de graça, algum benefício, vantagem”.

Mas a distância exigida dos garçons em relação aos consumidores dificulta o

afeto. Os garçons devem estar apostos para atender o consumidor: com

postura solicita, braços cruzados para trás e virados em direção sua praça de

modo que fiquem em contato direto como os seus clientes. Um garçom do

estabelecimento, Marcolino, aponta para a dificuldade em utilizar a formalidade

durante a atividade no Vila Cambuí, e de certa forma, também para a demanda

por parte dos clientes de atenuar o formalismo no tratamento:

Eles cobram, só que a gente não consegue essas cobranças em dia, porque a gente já tem o conhecimento de muitos anos da casa, da cobrança. A cobrança com o cliente é “senhor e senhora”. E a cobrança deles. A gente não consegue fazer isso porque têm conhecimento com os clientes muito grande, todos os clientes aqui.

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Marcolino inclusive menciona o comportamento de alguns clientes do

Vila Cambuí que não colaboram com o serviço porque acreditam que o garçom

deve fazer o trabalho dele da melhor forma. Para não ocorrerem casos de

garçons que “leiloam pedidos”, o estabelecimento criou uma forma de numerar

além das mesas, as cadeiras dos clientes:

Já pensou você chegar na mesa “de quem é o suco de laranja?”. Fica aquela coisa, o cliente começa a assustar, tem cliente que nem responde se o suco é dele, mas ele nem responde, tem cliente desse jeito. Se eu pedi o garçom ele tem que saber. Ele tem a obrigação de saber de quem é o suco dele, tem uns que responde, tem uns que responde mais bravo.

No entanto, há relatos de situações que fogem das exigências gerenciais

da empresa quanto ao tratamento com clientes. Normalmente a regra informal

da ocupação de garçom é que o trabalhador deve seguir a demanda do cliente.

Então se o cliente estende a mão para cumprimentar o garçom este precisa

fazer o mesmo. Se o cliente puxa conversa ou faz perguntas o garçom deve

responder. Ou seja, o garçom está ali para servir o consumidor. Entretanto o

garçom não deve iniciar uma conversa ou ter a iniciativa de cumprimentar

pessoalmente o cliente. Frases receptoras devem ser exprimidas “boa noite”,

“seja bem visto”, “a disposição”, na saída, “volte sempre”, “até mais”. Isso são

regras informais da atividade, contudo variam de estabelecimento para

estabelecimento. O garçom Marcolino, do Vila Cambuí, afirma não conversar

muito com os clientes: “eu acho que o cliente não saiu da casa dele para

conversar com o garçom, se ele puxar conversar com você, você conversa e

de cara já procura sair para não tomar muito o tempo dele, principalmente se

tiver acompanhado”.

No caso do Vila Cambuí há uma curiosa especificidade sobre a postura

do garçom. Ele não deve respeitar os estímulos do cliente, se o cliente

entender a mão para cumprimentar o garçom, o mesmo não deve fazê-lo, por

exemplo. É uma forma de educar o cliente à proposta do estabelecimento e

selecionar o tipo da clientela do local. Porém, nem sempre na prática é assim,

há situações que destoam das reivindicações gerenciais. O garçom Israel e o

Marcolino apresentam, concomitantemente, pontos de vista e situações sobre o

assunto em voga:

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O cliente tem um relacionamento como se fosse amigo, muito parceiro, admira muito. Os clientes chegam e têm um carinho muito grande pelo o nosso profissional. Abraça, beija, quer saber como você está e sua família. A gente fica satisfeito porque a pessoa preocupa com a gente. Uma situação é que a gente expõe um pouquinho para poder trazer ele pra gente, conversa. Acontece muito, você vê o cliente entrando daquele jeito e você faz uma leitura. E chega lá ele é outra pessoa, acontece, aconteceu comigo ontem. O senhor entrou, um casal, entrou sério, eu achei que ele era uma pessoa mais séria. Ele começava a brincar com a mulher e eu não aguentava, chegava perto da mesa e começava a sorrir. E ele “pô! Você só vem na minha mesa sorrindo”, “não aguento olhar no seu rosto”, “se você vim me atender e começar a sorrir vou dá soco em você”, brincando, a mulher dele não aguentava de risada, era legal, era divertido o coroa.

Mas de modo geral, pode-se afirmar que o relacionamento desenvolvido

entre garçons e consumidores do Vila Cambuí é instrumentalizado e baseado

na aparência. A afirmação de Marcolino expressa claramente isto:

Tem gente que gosta que chame pelo o nome, para mostrar que eles já conhecem a casa e conhece os garçons. Por ser o terceiro maior clube de bebidas, o cliente quando entra aqui ele já gosta que leva a garrafa dele pra mostrar que ele é conhecido da casa.

Mas ainda que haja “causos”, neste estabelecimento, situações mais

marcantes e um pouco menos formais que ocorrem entre garçons e clientes

advêm de episódios não rotineiros, como um incidente na prestação do serviço.

Certo dia, no Vila Cambuí, um jovem cliente mostrou descontentamento com o

garçom quando este trouxe copos molhados para degustar uma cerveja

importada (o hábito de beber cervejas importadas no país tem se popularizado

e o mercado apresenta rápida expansão). Fato é que o barman do

estabelecimento preparou a bebida e os copos especiais para a cerveja para o

garçom levar, antes imergiu os copos em um recipiente de gelo. Certo ou não,

o cliente não gostou e acusou o garçom de ter levado copos molhados

(escorrendo água) para a mesa. Este sem saber ao certo explicitar o motivo

técnico de os copos estarem daquela forma disse que era norma da casa o

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procedimento37. Prontamente pediu desculpas e buscou um lenço e secou os

copos em frente à mesa, enquanto os amigos discutiam sobre a maneira

correta de degustar a cerveja o precursor da situação ainda resmungava. A

situação demonstra insatisfação com o estabelecimento, sobre seus

procedimentos adotados, contudo a “chateação” é descontada no garçom.

Afinal está é uma característica da atividade, por estar em contato direto com o

consumidor a maioria dos problemas ocorridos no processo são creditados ao

garçom. Porém as reações dos consumidores são variadas e Israel, garçom do

estabelecimento, comenta:

De repente aconteceu um acidente ali na mesa e nada a ver, uma pessoa superpreparada, chega e derruba uma coisa na pessoa e a pessoa acaba te surpreendendo porque você esperava uma dura. Tem cliente que se você derrubar uma gota de água no braço da pessoa fala que você é um péssimo profissional, chama o gerente e quer te tirar da casa (...).Tem clientes que são muito pra frente chega e chama na lasqueira, chega e fala, tem umas que são muito educadas, outras que são através do olhar.

Israel afirmou que, quando alguém se altera na mesa, sempre tem uma

pessoa na mesa que entende a situação e tenta apaziguar, mas mesmo assim

o garçom assume a posição subalterna na situação. “Por mais que seja um

acidente ou não, não foi à intenção, você fica humilde, pede desculpas, “foi

distração minha”, você tem que assumir”. Segundo ele é gratificante saber lidar

com o estado do cliente:

Acho que a gente usa um pouco dessa psicologia porque a pessoa que está querendo conversar, desabafar, a pessoa chega estressada, você tem que falar com ela pra ela sorrir, é gostoso. Eu acho que é persistência, você chegar na pessoa e tentar agradar, sempre sorrindo, você consegue.

37

Em alguns estabelecimentos barman realizam pequenos cursos de preparação de

drinques oferecidos por distribuidoras de bebidas. Quando algum bar fecha uma parceria com uma marca específica é possível que isso ocorra. Além disso, garçons passam por um treinamento para vender os drinques. Através do Vila Cambuí participei de ambos: do curso para barman ministrado para vários barman da cidade e do treinamento para garçons do Vila Cambuí para vender drinques e também vinhos, oferecido por outra distribuidora. A ideia era que todos os estabelecimentos vendessem drinques específicos com o intuito de instigar e aumentar o consumo de bebidas destiladas no Brasil, já que a expressividade das vendas no país é pouco notória. O que assinala para a massificação e padronização nas situações de consumo, entretanto que ocorre em estabelecimentos específicos. Ou seja, aqueles considerados modernos e empresariais, que fecham contratos com marcas específicas para promovê-las e promover o estabelecimento. Em contrapartida, assinala situações de contínua formação dos funcionários.

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O Vila Cambuí busca o fidelizar o consumidor diante do estabelecimento

e não do atendimento personalizado; em outros termos trata-se de uma

experiência de serviços que é considerada por Gutek et al. (2000) como uma

pseudorrelação, o consumidor volta ao estabelecimento prestador de serviços,

mas não volta atrás por causa de um profissional específico que presta o

serviço. Em alguns serviços específicos a confiança depositada em um

profissional graças a sua competência técnica faz com que o consumidor volte

ao profissional do ramo: como é o caso de serviços de beleza, reparação ou

cuidados.

Ao que parece o Vila Cambuí ambiciona manter-se uma comunidade

destrutiva, no sentido apresentado por Sennett. Ou seja, em que surgem

comunidades fechadas e integradas cunhadas a partir de uma cultura

narcísica. No qual nelas, trabalhadores subalternos devem manter distância

correlata à ocupação desenvolvida. É fácil perceber ao analisar a rotina do

estabelecimento, o jornal impresso e o site do estabelecimento. Fotos de

famosos e pessoas bonitas são estampadas para mostrar quem passou pelo

Vila Cambuí. A ideia apresentada é de que aquele não é um mero

estabelecimento, é “o lugar” daquelas pessoas. Ou seja, é a “Vila” delas, bem

como é a base do clube de homens apresentado também por Sennett, ou seja,

a plateia é selecionada. O estabelecimento, por exemplo, proporciona festas

exclusivas para seus clientes. No jornal comemorativo de dez anos do

estabelecimento são aclamados ordenadamente: os frequentadores do local;

os eventos e propostas do lugar; sua história; prêmios; depoimentos de

parceiros e clientes e para finalizar, na última página; trabalhadores que

compõem a equipe do Vila Cambuí. O que mostra o lugar e importância destes

na proposta do estabelecimento.

No Balhego Imperial é diferente. Ele é considerado representante de um

estabelecimento com interações informais entre garçons, clientes e

consumidores. Os funcionários da empresa são valorizados. São antigos. O

Balhego motiva os funcionários ao declarar que eles foram escolhidos para

trabalharem na renomada casa campinense. A cada cinco anos “de casa” os

garçons recebem um broche em formato de tulipa de chope para afixarem no

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uniforme. Funciona como uma espécie de medalha; a intenção é reconhecer o

trabalho prestado na casa. Também é uma forma de mostrar isso aos clientes

e consumidores, bem como uma maneira de fazer com que considerem e

respeitem o trabalhador pelo tempo que está atuando na casa.

A combinação de funcionários antigos e clientes frequentes recai em

certa familiaridade e intimidade entre ambos e faz com que certo tipo de

interações seja desenvolvido. O gerente Pereira, que antes de alcançar o cargo

tinha sido garçom no Balhego, por vezes senta-se a mesa com alguns clientes

para prosear. Clientes conversam com garçons. também conversam com

outros clientes que ali se encontram por acaso. Pontes conta sobre os clientes

do local: “o cliente aqui normalmente vem todos os dias, você tem uma

amizade com ele, você sabe como ele gosta de ser tratado”. Pontes também

afirma que brincadeiras costumam resolver as angústias dos clientes: “se é um

domingo o cliente não tem pressa pra ir embora, normalmente eu falo ‘hoje é

domingo pra que a pressa? O lanche vai sair rapidinho’. Não pode é ficar

estressado com o cliente senão ele vai cancelar e pedir a conta e ir embora”.

Os clientes chegam a perceber o estado dos garçons:

Tem muitos clientes que vem todos os dias, tem muita amizade com o garçom. Se algum dia você está com algum problema eles percebem na fala do garçom. “Hoje ele não está igual nos outros dias, sorrindo, brincando”. Então normalmente como tem mais contato, vem mais vezes e tal, conhece, pode ter alguma reclamação... Brincando né, eles falam pra mim “hoje o Pontes não está sorrindo não”, mas na brincadeira e acaba incentivando a gente sorrir, sorriso no rosto.

O hábito de acomodar ao balcão é comum. Certo dia também um cliente

ficou parado um bom tempo na porta do estabelecimento tomando um chope e

observando o movimento do centro da cidade e o largo a frente. Outro cliente

disse que ser um hábito saudável ir até o Balhego. “Bar é vida, quem não vem

não sabe nada da vida. Aqui é possível sentir o pulso da cidade, dilemas e

dramas”.

O clima de sociabilidade e tradição do local é evidente. O Pereira afirma

que as mudanças normalmente não são bem vistas pelos clientes do Balhego

Imperial. Se os outros estabelecimentos da rede mudam algo, não

necessariamente a medida é implementada no local. Lá a preocupação de

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manter as coisas. Pereira nota “às vezes há uma mudança boa no mercado e

o cliente não acompanha”. Para ele o antigo cliente Pedro é radical, tem suas

manias. Constantemente aparece para tomar um chope, mas só aceita se for

tirado por Manuel. Além disso, o estabelecimento guarda tulipas antigas para

os poucos clientes que não gostam de tomar chope no novo copo, como é o

caso de Pedro. A massa do pastel que antes era feita no cocho e agora é feita

na máquina também causa descontentamento em alguns. Por sua vez, o

gerente pondera a mesma qualidade do produto e funcionários saudáveis, sem

forçarem excessivamente os braços e coluna para amassar a massa.

Entretanto a maior descoberta no estabelecimento foi quanto à diferença

no tratamento dos tradicionais clientes do Balhego Imperial. Segundo Pereira o

cliente do estabelecimento “quer ser tratado como rei, ele não quer intimidade,

não quer amizade” e ainda ressalta o desprezo de alguns que sequer

respondem ou olham quando o garçom cumprimenta “boa noite”. Lá há tanto

os clientes que reconhecem o trabalho dos garçons e os que não se importam,

desejam apenas serem atendidos por um garçom discreto. Para estes o

trabalhador é praticamente invisível, algumas vezes o atendimento sequer é

agradecido.

Ainda assim conforme a cartilha do Balhego é essencial identificar

clientes. Pereira destaca isto: “o fato de cumprimentar um e não outro faz com

que quem não foi se sinta diminuído, ele quer ser conhecido”. Na apostila de

treinamento, por exemplo, um dos aspectos elencados que diferencia o

profissional é o atendimento personalizado “chamando-o sempre pelo nome”. O

tratamento deve ser diferenciado porque “as pessoas sentem a necessidade de

serem tratadas como únicas” e isso carece capacidade do funcionário de

perceber o cliente. Porém não pode haver discriminação no atendimento. A

evidência valorativa disto é apontada pelo garçom Abelardo: “o dinheiro vale

tanto quanto o do outro”. O garçom Gerson conta sobre as diferenças dos

clientes, mas diz que eles gostam de atenção:

Tem cliente chega quer tomar o chopinho dele, quer privacidade e não quer nem papo. Mas tem cliente, a maioria deles, quer que você trate dando atenção a eles, como se ele fosse o único e ninguém mais em volta dele. Você conta piada pra ele e dá risadas, conversa com você e você dá atenção ao que ele está falando não importa que seja sobre serviço, assunto de trabalho ou de fora, mas dá atenção

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pra ele, e às vezes uma palavra de apoio naquele momento ele vai gostar muito. Às vezes o cliente chega “você não me viu aqui não? Nem me cumprimentou” porque de repente é difícil você atender um cliente e ser de fora, primeira vez que vem aqui, geralmente o cara “eu já vim aqui você lembra de mim?”. Eu costumo falar um ditado que é verdadeiro, a gente do Balhego conhece a metade de Campinas e a outra metade conhece a gente.

Por sua vez, a intimidade pode ser mal vista. Abelardo conta uma

situação que ocorreu com ele e apresenta distintos gostos dos clientes quanto

ao tratamento:

Tem cliente que se você ficar massageando ele, ele acha ruim, tem cliente que não gosta e a gente tem que entender. Eu já tive cliente que eu fui atender, recepcionar na porta ele fez um sinal pra mim (sinal de pare), tava com a mulher dele aí, esse aí eu nunca mais, eu deixo ele a vontade.

No Balhego, extremamente curioso é há ânsia por caprichos por parte

dos clientes, fazendo com que algumas vezes o garçom extrapole suas

obrigações, como comprar remédios para clientes em comércios vizinhos ou

comprar crédito para o celular do cliente que degusta tranquilamente um

chope, chamar táxi, entre outras coisas. O garçom está ali para servi-los de

modo amplo e parte dos consumidores do Balhego gosta desta cômoda

situação. É o prazer em ser servido ressaltado por Gorz. Abelardo conta

situações vivenciadas no estabelecimento neste sentido, bem como o garçom

Pontes:

Às vezes, o cliente está sentado e ele pergunta pra mim: “onde vende cartão telefônico, cartão para carregar celular?”, eu falo “na banca”. Se eu tiver parado sem fazer nada eu peço para o outro garçom “dá uma olhada na minha praça para eu buscar o cartão do cliente”. É uma cortesia, para sair lá e comprar um cigarro. O cliente não vai falar “vai lá comprar pra mim”, ele não vai exigir de você, a gente que vai e compra. O cliente gosta, agradece, às vezes dá até caixinha, tem uns que dá tem uns que não dá.

Você quer agradar o cliente, por exemplo, tem muito cliente que pede pra gente buscar alguma coisa e a gente vai para agradar ele. Mesmo que não seja o papel da gente, eu procuro sempre fazer para agradar ele. Lógico se for uma coisa demais você não vai fazer.

O gerente Pereira apresentou outras situações que ocorrem. Como por

exemplo: se preciso é possível inventar algo para o cliente que extrapole o

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cardápio, “como um caldinho, vale para qualquer um”. Também ocorre de os

clientes quererem levar alguma peça de frios exposta no estabelecimento.

Apesar de os objetos não estarem ali com esta intenção, Pereira assegura

primeiro serve ao cliente, “se quiser, vende. Ter o produto e não servir o

cliente, não dá!”.

Este tipo de situações de serviços denota algo semelhante ao que

defendido por Sennett no período de grande urbanização, trata-se de certa

necessidade dos indivíduos de adquirir

reputação: ser conhecido, ser reconhecido, ser singularizado. Numa cidade grande, essa busca da fama por se tornar um fim em si mesmo; para tanto, os meios são todo tipo de imposturas, convenções e etiquetas com que as pessoas estão sempre tão dispostas a jogar numa cosmópolis (SENNETT, 1988, p. 152).

Essa característica é única ao Balhego. Em Goiânia algo semelhante

não foi encontrado, nem mesmo nos outros estabelecimentos de Campinas.

Com certeza, essa é uma diferença cultural que remonta à história da cidade, a

tradição do Balhego em Campinas e de seus consumidores. Uma cidade em

que a elite por muito tempo foi servida por farta mão de obra escrava parece

carregar resquícios da escravidão. Ainda que esta característica identificada no

Balhego corrobore com a tipificação descritiva de interações informais entre

garçons e clientes, no sentido de que, demonstra a afetividade nas interações

de serviços. Bem como também demonstra uma tentativa de desrotinizar o dia

a dia de trabalho.

Quanto ao relacionamento com clientes o Balhego Imperial apresenta

estabelecer relações marcadas pela afetividade, ora pela afetividade

instrumental, graças à efetividade nos processos de seleção e treinamento dos

funcionários contratados e anos de experiência no local. Por ser um

estabelecimento conhecido na cidade as experiências de serviços manifestam

principalmente relações e pseudorrelações, mas encontros de serviços

ocorrem também devido a sua fama. A pseudorrelação é entendida pelo nível

do padrão de qualidade que o estabelecimento alcançou ao longo dos anos.

Pela idade, tradição e política do estabelecimento o relacionamento com

clientes é pessoalizado.

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O Bom Bar é considerado um estabelecimento com interações informais

entre garçons, clientes e consumidores. A afetividade e o atendimento

personalizado são evidentes nas interações de serviços. Saudações, abraços,

apertos de mão, beijos no rosto, fala ao pé do ouvido e atos afetuosos entre

trabalhadores e clientes foram comuns na observação durante a pesquisa

empírica. Denominações carinhosas feitas por garçons para clientes também

eram comuns de observar como “amigão”, “minha deusa”.

Além disto, a informalidade é constante no Bom Bar. Os garçons fazem

brincadeiras e “pegadinhas” com clientes e trabalhadores. Uma delas, por

exemplo, é quando um garçom bate a caneta duas vezes no pé de alguém

distraído e continua de forma séria o trabalho. A pessoa olha ao redor e não

entende o que aconteceu. Um dos garçons, Vilmar, cantarola e marca o ritmo

na batida do cardápio, “oh abre alas que eu quero passar” e também faz sinal

da sirene para que as pessoas saiam do pequeno caminho da parte interna do

estabelecimento. Quando alguém dá caixinha para um balconista, eles gritam

alto para animar os colegas “caixinha de fulano”. A caixinha recebida no Bom

Bar é dada diretamente aos funcionários e é dividida para todos no fim do

expediente. A pessoalidade é eminente no Bom Bar, o aviso imperativo nos

banheiros do local expressa isto: “conserve, que eu limpo, Pretinho, o cara que

limpa. Obrigado”.

O relacionamento com a pesquisadora não foi diferente. Os clientes

cumprimentavam e os trabalhadores também. Também houve em alguns

momentos em que o estabelecimento oferecia como cortesia da casa,

deliciosos salgadinhos quentes, sobretudo. Ao pagar as contas o Gerônimo no

caixa entregava gentilmente um bombom.

O Bom Bar possui clientela variada, tem pessoas mais jovens, mais

velhas, mais simples, mais abastadas. Segundo o garçom Vilar no

estabelecimento “dá de tudo sem exceção, eu acho que aqui é a escola da vida

eu falo para os outros funcionários, porque você trabalha desde os lá de baixo

até os topes mesmo”. O estabelecimento tem clientes antigos e bastante

frequentes no estabelecimento, tem clientes antigos, mas não tão frequentes e

tem aquelas pessoas que vão ao estabelecimento apenas para conhecer. São

clientes realmente assíduos. Na semana em que acompanhei a rotina do

estabelecimento reconheci várias faces. Aqueles com hábitos extremamente

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rotineiros, aqueles que ali encontravam a turma de amigos, aqueles que por

morarem bastante próximo ao lugar estavam sempre no Bom Bar. Por isso,

pode-se considerar que a predominância nas experiências de serviços é

marcada pela relação ou pseudorrelação. O número pequeno de garçons no

estabelecimento, apenas quatro, também tende ajudar a vislumbrar que as

pessoas voltem ao estabelecimento não apenas por gostarem do

estabelecimento, mas por gostarem do atendimento prestado pelos garçons da

casa. Outras evidências apresentadas a seguir, denotam que relação de

serviços é importante para muitos clientes do Bom Bar. O garçom Vilmar,

começou a trabalhar aos dezoito anos no Bom Bar e já está na casa há doze

anos, ele conta sobre o seu relacionamento com os clientes:

Tem clientes super amigos, de marcar churrasco no fim de semana, tem uns que já é sócio da casa, vem todos os dias. A gente já considera que faz parte da família, porque aqui devido os funcionários serem tudo antigo, então a gente já considera uma família, esses clientes que já são né, que vem todos os dias, já considera um dos nossos, então há uma grande amizade sim.

Por isto um diferencial da casa é que muitos clientes possuem conta na

casa. Dois clientes diários da casa que pagam suas contas mensalmente

afirmaram que o critério para a barganha é que no Bom Bar o “pedágio é ser

honesto”. E não só isto, muitos clientes se servem, vão até o freezer abrem a

cerveja e pede ou para os balconistas ou garçons anotarem. Ao indagar para o

João sobre o ato velado de vender fiado ele responde enfaticamente:

Claro, uai. Como é que eu não vou vender fiado, eu não quis vender fiado. Mas, o sujeito levanta e vai embora e não paga a conta. Quando foi outro dia o cara vem e fala “está aí a conta”. Sabe o que eu falo pra você hoje em dia 90% de quem vêm aqui eles sabem quem é e o nome da pessoa.

Além disto, o nível de confiança dos clientes com os garçons é alto. Um

dia um cliente anota a senha do cartão em um guardanapo e entrega junto ao

cartão para o garçom para que ele efetue o pagamento. Em outros

estabelecimentos não percebi nada parecido, talvez aconteça. Mas com

certeza é uma característica semelhante ao que acontece no tradicional

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Balhego, em que os clientes pedem aos garçons para comprarem coisas no

comércio vizinho.

O garçom Otalício está trabalhando há apenas um ano no Bom Bar, mas

afirma conhecer o estabelecimento há muitos anos. No passado ele foi garçom

do Balhego, ele e outros colegas de trabalho foram mandados embora quando

o estabelecimento em que trabalhava foi fechado. Apesar do pouco tempo no

Bom Bar, o tempo de trabalho em outras casas de Campinas e sua experiência

na área evidencia sua afetividade no tratamento com os clientes e a afetividade

dos clientes com ele:

Tem o carinho que alguns clientes têm com a gente. É uma coisa muito... A pessoa gosta de você, gosta de você atender. Te trata bem, te trata com muita atenção. Isso é uma coisa que marca a gente, isso marca, tem vários clientes aqui, clientes ativos que nossa! São gestos, abraços, eles te olham nos olhos e isso a gente percebe, o cliente não te vê só como um garçom... Diz: “vai na minha casa e tal”.

Além disto os garçons, de modo geral, acabam por aproveitar o bom

relacionamento com clientes e o reconhecimento do trabalho prestado de

algumas formas. Uma delas é ganhar presentes ou serviços relacionados ao

trabalho dos clientes ou ainda receber ofertas de emprego. O garçom Vilmar

conta que ele e sua filha já foram atendidos gratuitamente por médicos que são

seus clientes e a seguir menciona os presentes que recebe e

consecutivamente, Otalício conta uma constrangedora situação vivenciada com

um cliente do Bom Bar, dono de uma fábrica de colchão:

Camisa, vinho, champanhe, quando eles viajam traz uma lembrancinha da cidade. Tem uma moça que me considera como um filho, devido à vida dela ser corrida e a minha também, então todas as datas marcantes dia das mães, natal eu sempre mando mensagem pra ela, ela sempre traz presente para minha filha, pra mim, nossa quando ela me ver quase chora. Chora, dá aquele abraço.

Aí eu perguntei pra ele “quanto você me venderia um colchão?”, ele falou “Otacílio me dá o seu endereço, eu vou mandar com o preço pra você”. Chegou lá e entregou com a nota fiscal isento. Eu queria pagar, mas é uma coisa que eu não gosto. Eu gostei de ganhar, mas eu me senti mal porque não sei... É gostoso você ganhar, mas eu vou pagar pelo ao menos um pouco pra ele.

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A situação narrada pelo garçom expressa a proximidade e pessoalidade

entre garçons e clientes do estabelecimento, bem como a informalidade

apresentada nas interações de serviços. Para Otalício agradar o cliente é

importante para alcançar um bom relacionamento com o cliente e ele gosta de

fazê-lo:

Eu sei o que você gosta de tomar eu já trago pra você, minha intenção é de te agradar. Você vai sentir: “pô! O garçom lembra do meu nome e sabe o que eu gosto de tomar”. Ou isso é ruim? É gostoso você chegar, o cliente, e o garçom te abordar a dez anos, ver as pessoas, ele saber o seu nome.

O garçom Vilmar tem outra característica no que se refere ao tratamento

de clientes, sua autenticidade é manifesta no trabalho. Várias situações

mostram isto. Em um diálogo com uma mãe e filha adolescente após

comprarem um chocolate derretido e reclamarem ele pergunta se quer que

coloque na geladeira, mas logo em seguida diz: “o gostoso minha filha é lamber

o papel” e mostra o gesto. De fato é o que ocorre. Ao escutar outro resmungar

“tem mais na garrafa”, diz “ah quer lavar e beber”. Outro dia estava a fazer

massagem na cabeça de uma cliente. Quando a esposa de um cliente reclama

do calor e ele pede um ventilador ele volta com um cardápio, abana ela e diz

“que marido inútil que você tem”. O cliente segue a mesma linha: “olha não vai

cobrar mais que 10%”.

No Bom Bar os garçons possuem maior autonomia quanto ao

atendimento aos clientes, podendo desenvolver suas personalidades sem que

seja instrumentalizada tendo em vista o gerenciamento e os benefícios da

empresa. Segundo Erickson (2004) quando os trabalhadores possuem maior

autonomia no trabalho são mais envolvidos com o mesmo. Com isto a

propensão de sofrerem psicologicamente com os princípios gerenciais é

menor. Vilmar conta que quando trabalhou em outra casa, o Gira Mundo, era

bem diferente, “você mal podia ver um amigo seu cumprimentar e dar um

abraço, aqui não, deixa você totalmente à vontade, desde que você não deixe

o seu serviço”. A seguir Vilmar conta como é sua postura diante dos clientes do

Bom Bar:

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No meu caso eu procuro ser legal com todo mundo. A gente tenta dar o melhor da gente. Eu gosto de brincar bastante. Já que eu vou passar várias horas no meu serviço eu procuro fazer do meu trabalho uma diversão. Lógico tem gente que não gosta, mas aqueles que não gostam você já percebe de imediato. Você faz uma brincadeirinha ela faz uma carinha que não gostou, tranquilo você faz o seu trabalho. Eu gosto de tirar sarrinho. Vamos supor: você faz um pedido e como tem muita coisa acumulada dá uma demoradinha você fala que estar vindo de Portugal ou fala que está vindo de jegue, então esses fatos aí.

Eu procuro tratar da mesma forma, a única coisa que muda em relação algumas atitudes. Eu sei o cliente que posso atender brincando, aquele que não posso me aproximar muito dele. O atendimento é o mesmo, o que diferencia é a forma que a pessoa deixa chegar próxima dela. Quem vem sempre já é bastante amigo nosso. Já aconteceu de pessoas serem assim no início e ao decorrer do tempo vem aqui direto, e a gente vai quebrando essa barreira com ele, e ele se solta mais com a gente.

Sobre os assuntos conversados com os clientes Vilmar afirma que os

clientes é que iniciam a conversa. E frisa o fato de serem psicólogos em sua

atuação no trabalho, por escutarem e até aconselharem seus clientes. Pelo fato

de não poderem deixar o serviço para prosearem uma técnica utilizada por ele

para não ser descortês com o cliente ao ter que deixá-lo é usar frases como “só

um minutinho”, quando o papo está divertido diz “está na hora do comercial”.

Segundo ele é como “uma programação boa, você está assistindo e chega o

comercial. Eu falo agora está na hora do comercial porque às vezes o assunto

está tão agradável, que eu tenho que parar pra atender”.

Mills (1976), à semelhança de Hochschild (1983), destaca no mundo das

vendas a comercialização da personalidade, porque ao servir as pessoas é

necessário características pessoais que interferem diretamente na esfera

comercial. Sorrisos e gestos amáveis são bem vindos, enquanto a

agressividade deve ser repreendida. Trata-se do aluguel de “seus talentos

pessoais para o lucro de outros” (p. 19). O controle de aspectos pessoais em

função de uma troca comercial refere-se à comercialização de

personalidades38:

38

Para Mills (1976) o mercado das personalidades é marcado por três características: 1) o empregado deve trabalhar em uma empresa burocrática, ser selecionado, treinado e controlado por um superior; 2) seu trabalho está associado ao contato direto com o público; 3) a grande proporção do público é composta por anônimos (p. 201).

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Conhece-se o vendedor não como uma pessoa, mas como uma máscara comercial, uma saudação e um reconhecimento padronizados; não é preciso ser gentil para com um homem da lavanderia hoje, basta pagá-lo; ele, por sua vez, deve apenas ser cordial e eficiente. A gentileza e a amabilidade tornam-se aspectos dos serviços personalizados ou das relações públicas das grandes firmas, padronizadas para aumentar as vendas. Assim, o Homem Vitorioso, com uma falsidade anônima, instrumentaliza sua própria aparência e personalidade (MILLS, 1976, p. 201).

Para o proprietário do Bom Bar o essencial para um garçom é a

educação. Quando o estabelecimento está lotado, por exemplo, ele indica que

o garçom deve atender o cliente pedindo “um minuto” para que possa atendê-

los ou dizendo “já venho te atender”. Segundo ele independendo do tempo que

o garçom o fizer esperar, os clientes compreenderam a situação e esperaram.

Vão embora apenas se realmente precisarem.

Um caso que passou aqui sexta-feira passada um garçom que não é mal educado, mas estava numa correria e dirigiu a um cliente. E ele veio e reclamou pra mim que ele era mal educado. Oh cara chegou e perguntou como é o esquema daqui e o garçom respondeu: “pergunta pra o gordo aí”. Ele achou que não foi legal e veio reclamar pra mim. O cara perguntou como é o esquema ele deveria ter respondido “só um minutinho” essa é a maneira, a maneira mais simples.

O direcionamento dado pelo João aos clientes remete a algo

interessante mencionado no I Seminário Internacional do Bar Tradicional por

um amante de botequins cariocas. Segundo ele não ser atendido tem o seu

charme, chamar pelo garçom é bom. Ou seja, trata-se justamente da

valorização da informalidade em que esperar e não ser prontamente servidos é

natural e até desejável. Aí a máxima comercial de que o cliente sempre tem

razão não tem lugar. Cabe ao cliente se adaptar aos moldes do

estabelecimento está e se preciso “espere um minutinho”.

Contudo, o relacionamento dos garçons com os clientes e consumidores

do Bom Bar também apresentam problemas relativos a um serviço subalterno.

É uma atividade em que normalmente o status de quem é atendido é superior

ao do servidor. Conforme Mills (1976) em conflitos com clientes ou com algum

superior no trabalho o servidor vai ser sempre “o perdedor padronizado: deve

sorrir e permanecer por trás do balcão”. Trata-se de ocupações em que “a

cortesia, a obsequiosidade e amabilidade, antes traços do caráter individual,

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fazem parte agora dos elementos impessoais de uma profissão”. (p. 18-19).

Contudo, a postura de alguns garçons do Bom Bar, como o Vilmar, não

é passiva quanto aos maus tratos dos clientes. Segundo ele, é o seguinte: “eu

trato as pessoas do jeito que me trata, eu não gosto dessas indiferenças não.

Se você me jogar uma pedra eu jogo tijolo, se você me dê um abraço eu te dou

um beijo, eu sou assim”. Há casos drásticos, Vilmar menciona um ato de

violência física ocorrido no estabelecimento em que traz consigo cicatrizes do

evento. Em outro caso, o garçom Everton recebeu inexplicavelmente um murro

de um cliente. Diante da situação os funcionários do Bom Bar espancaram o

agressor. A seguir Vilmar conta uma situação desgastante com uma

consumidora do estabelecimento:

Eu tenho comigo assim eu vim para trabalhar e eu estou aqui para atender todo mundo bem, mas não vem me tirar não que eu não aguento não! O cliente vê que você está com o seu avental e ele acha que é o rei do mundo. Sabe aquele tipo de gente que fala com aquela autoridade. Uma vez aconteceu um fato assim: dois casais, os caras estavam bem vestidos, engravatados, pediram uma mesa pra mim e tinha uma mesa disponível que era mais afastada e eu disse: “liberando aqui eu trago vocês”, “tudo bem”. Acomodei eles lá e tal. E fizeram o pedido beleza! E essa menina me chamou e falou assim: “porque não tem música ao vivo aqui?”. Expliquei pra ela: “moça a gente está a 500 metros do hospital e não permite som” e o bar era aberto. Ela já começou só porque eu falei “sinal sonoro” ela começou a tirar sarro. Aí liberou uma mesa, mas tinha uma fila de espera, eu falei que “tinha duas pessoas na sua frente quando der eu ponho vocês”. Aí ele falou “liberou uma mesa na frente ali”. Eu falei como “eu te falei tem duas pessoas na frente ainda não é a sua vez”. Ela: “não é a minha vez ou você não quer me colocar lá?”. Aí eu brinquei com ela “olha moça! Se você não me der serviço eu não tenho emprego” e ela “o mal de assalariado é isso” aí eu perdi as estribeiras. Eu penso assim a partir do momento que o cliente te maltrata ele te dá liberdade de maltratar ele. Eu falei “moça simplesmente não é porque os dois caras estão de gravata não significa que ganha mais dinheiro do que eu com esse aventalzinho. Esse aventalzinho aqui, tudo que eu tenho hoje, tenho a minha casa, tenho o meu carro” aí ela começou a dar risadas pois é pelo o que eu ganho aí ela ficou quieta.

O Gira Mundo é considerado um estabelecimento com interações

formais entre garçons, clientes e consumidores. Lá o contato com os clientes é

mais restrito. Porque o estabelecimento funciona mais como uma boate. O

número de pessoas dentro do local é alto, por vezes até dificultando o

atendimento ao cliente. Por isto, muitos fazem pedidos diretamente para o

barmen no balcão, o que é possível porque a comanda é individual e não por

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mesa. As conversas que acontecem com o cliente são normalmente restritas

ao atendimento prestado. Segundo o garçom Roberto o atendimento é do “tipo

profissional, não pode ir para o pessoal, porque não tem tempo, você tenta dar

o máximo de atenção para o mínimo de tempo, é uma coisa muito compacta”.

Para ele é desonesto com os colegas e com o estabelecimento conversar com

clientes outros assuntos enquanto a casa está lotada. O garçom Volnei

reafirma: “aqui dentro não dá pra conversar muito. Só vender o produto,

alguma conversa mais sobre venda mesmo. Mais é sobre a casa, a agenda

musical”.

Uma situação de alto estresse vivenciado no Gira Mundo pelo garçom

Roberto expressa a impossibilidade em atender clientes de maneira

personalizada. Foi um dia que o estabelecimento estava lotado e o palm parou

de funcionar. Segundo ele sua vontade era de “largar tudo e sair correndo, ir

embora”. Apesar de poder utilizar a comanda de papel, manual, nestas

situações, o número alto de pedidos em pouco tempo dificulta o trabalho dos

mesmos e dos barmen:

Uma loucura, gente pra todo lado e você não consegui se movimentar. Você ia no bar e os caras não conseguem te atender. Você estava aqui na quinta-feira? Então naquela quinta-feira que você estava aqui deu quase quinhentas pessoas, você não conseguia andar. Naquele balcão, loucura, palm dando pau, travando, eu mesmo já quebrei um, ah! Mil reais. Daí pedi alguém pra ficar aqui e fui lá, bebi um pouquinho de água, alguma coisa pra tomar e relaxar, fumei um cigarro, lavei o rosto e voltei de novo. Queria atender e o palm não ia.

Mas, por ser um local em que as pessoas frequentam para paquerar,

também acontecem especulações dos clientes com os garçons sobre os

frequentadores da casa, bem como os garçons entregam bilhetes e medeiam

conquistas.

Ou seja, percebe-se que no Gira Mundo há uma ligação instrumental

entre garçons e clientes e consumidores. Estes desejam obter informações dos

garçons sobre o estabelecimento e os seus frequentadores. Trata-se de uma

afetividade instrumental ou de uma neutralidade afetivas nas interações de

serviços. Por parte dos garçons o atendimento ao cliente também é

instrumentalizado, a amizade com clientes pode ser mal vista, assim observa o

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garçom Roberto: “o cliente não te dá mais caixinha”; “você não vai enfiar uma

faca nele, ao invés de você vender um fusquinha você não vai mais vender

uma Mercedes, é mais ou menos assim”. É como o garçom Volnei analisa seu

“melhor cliente”:

Duas semanas atrás atendi um cliente, “gostei muito do seu serviço”, aí deu uma olhada pra minha mão e colocou duzentos reais, fiquei feliz (risos). E disse “gostei do seu serviço sempre que eu vir aqui quero ser atendido por você”. E hoje é o meu melhor cliente, sempre que ele vem.

Pode até haver atendimento personalizado, mas o tipo de atendimento

predominante no Gira Mundo é impessoal. Da mesma forma, percebe-se que

os encontros de serviços são evidentes neste tipo de estabelecimento. Mas

também existem aqueles consumidores que gostam do local e possuem

experiências de serviços cunhadas na pseudorrelação. Dificilmente se nota

relações de serviços, ou seja, ambos, funcionários e consumidores, não

possuem uma história juntos e não possuem a expectativa de interagirem no

futuro.

No Gira Mundo, gestos carinhosos ou conversas entre garçons e

clientes e consumidores eram raras. Em contraposição ao observado e dito

sobre as restrições nas interações de serviços, o discurso dos garçons, por

vezes é contraditório. O garçom Roberto, afirma que clientes chamam para

“curtir”, já o garçom Neto, por exemplo, acredita que tem amizade com os

clientes do Gira Mundo:

A gente acaba pegando amizade com o cliente, tem cliente que convida a gente: “vamos sair daqui, vamos lá na boate”. Tem clientes que convida a gente pra sair com eles, eu não gosto muito de sair assim, fechou aqui e vou pra casa, às vezes passo num bar e tomo uma cerveja.

O garçom Roberto lembra que “tem gente que vai embora sem te

cumprimentar. Eu passei dez dias fora e escutei ‘nossa pensei que você tinha

saído’, isso te gratifica”. Volnei afirma ter ganhado vários presentes e que os

garçons perguntam se ele está no estabelecimento. Ele conta sobre a amizade

com os clientes:

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Aqui tenho muito amigo, muita gente que gosta de mim! Cara que me quer super bem, aqui dentro, fora, só cliente gente boa (...). Às vezes encontro com eles nas ruas ou onde eles trabalham, advogados. Conversa, vou lá onde eles trabalham. Às vezes encontro e passo no escritório, eu moro no Centro. Às vezes tomo uma junto. Às vezes liga pra mim (...). Paga a conta (risos). Apesar deu ser garçom tem muita gente que me considera!

Além disto, Volnei assegura que as amizades têm limites. Isto porque o

Gira Mundo identifica que o elo pode ser prejudicial à casa. Algo errado pode

estar acontecendo. Ou seja, ambos, garçons e clientes, podem se unir segundo

seus interesses em detrimento dos interesses do estabelecimento. “Toda casa

tem que ter um certo limite. Todo mundo brinca, brinca com o cliente, o cliente

brinca com a gente, mas tudo tem o seu limite, e eles falam pra gente, está

passando a gente corta”. Além disto, a posição do garçom diante do cliente de

certa forma é complicada. Afinal o trabalhador tem que mediar expectativas

individuais de clientes e estabelecer os preceitos da organização. Por um lado

está mais distante da gestão, por outro mais próximo (Cf. FRENKEL, et.al.,

1999).

Um número considerável de garçons entrevistados, tanto em Campinas,

como Goiânia, trabalhou na boate Café Cancun. E um saudosismo existe sobre

este período. Se o estabelecimento cunhado na ideia de diversão agradava

consumidores os trabalhadores muito mais. O garçom Roberto que pouco

interage com os clientes do Gira Mundo conta sobre como era trabalhar no

Café Cancun:

O Café Cancun era apaixonante! A gente vai sabe: trabalhar cabisbaixo, não ter felicidade de trabalhar? Não tem um por que de você trabalhar? Lá não! Você não via a hora de ir trabalhar, você contava os minutos para poder ir trabalhar lá, lá se vestia de palhaço, pintava o cabelo, arrepia os cabelos, pintava a cara, colocava a roupa, fantasiado, tinha aniversário pegava panela, subia em cima da mesa, dançava em cima do balcão. Quebrava totalmente essa barreira entre nós e os clientes. Chamava por nome “oh! Fulano”. Chegava abraçando, pô, você trabalhar vamos dizer sete, oito anos, onze anos, então tinha uma relação assim. Sabe o dia que a pessoa vai, sabe o que a pessoa gosta de beber, gosta de comer, se a pessoa está de bem, se largou da namorada, se está de bem, tem gente que casou ali conheceram no Cancun e se casaram.

Os estabelecimentos pesquisados de Goiânia não apresentam tantas

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distinções e peculiaridades quanto às interações formais e informais entre

garçons, clientes e consumidores como nos estabelecimentos pesquisados da

cidade de Campinas.

No Cidinho Petisqueria as interações entre garçons, clientes e

consumidores foram consideradas preponderantemente informais. O maître do

local é o Fagundes, segundo ele, o estabelecimento possui clientes assíduos,

ele conta como é seu reacionamento com clientes do estabelecimento e expõe

a proximidade que possui com eles: “tenho uns quinhentos nomes na cabeça,

já fui em uns dez velórios de cliente”.

A postura dos garçons do Cidinho Petisqueria não é protocolar e

baseada na formalidade. Os garçons, por exemplo, são vistos conversando

entre eles quando a casa não está cheia. Conversam em roda junto até mesmo

do maître do local. Ao fazerem isto, contrapõem preceitos básicos de

estabelecimentos formais, ou seja, dar as costas para a praça em que está

atendendo.

O Cidinho Petisqueria é um estabelecimento grande, tem cerca de vinte

garçons atendendo a clientela. Por isto, o atendimento nem sempre é

personalizado. Quer dizer, não é sempre que os garçons conhecem os clientes

pelo nome e sabem de seus gostos. Mas existem os clientes que os garçons

desenvolvem afetividade por eles e os tratam de maneira pessoal. No

estabelecimento existem os três tipos de experiências de serviços elencados

por Gutek et al. (2000). No entanto, no estabelecimento predominam as

relações e pseudorrelações de serviços.

O garçom Neto, que trabalha há onze anos no Cidinho Petisqueria,

conta como é seu relacionamento com os clientes do local:

Eu acho que sou o garçom mais velho, então eu conheço a maioria dos clientes. Porque tem cliente... Se você tiver amizade com o cliente, atender o cliente bem desde o começo que ele chegou, que você começou a trabalhar no local, aí você vai ter intimidade com o cliente. Aí você trata ele bem e ele já sabe o seu nome, chama você direitinho e você dá atenção pra ele.

Neto prefere não conversar assuntos pessoais dos clientes. Os assuntos

mais comuns são futebol e especulações dos clientes sobre mulheres, inclusive

a respeito de profissionais. Os clientes também perguntam sobre a vida

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pessoal dele, sobre família e hábitos. O diálogo entre garçons e clientes e

consumidores é aceito no estabelecimento. O garçom Fred inclusive diz que os

colegas de trabalho falam que tem um cliente chamando um garçom. “Você

estar atendendo de um lado e o cara pergunta ‘fulano está aí?’.Aí alguém vem

e chama e você vai lá”

Convites também são feitos para garçons, sobretudo para trabalhar em

algum evento promovido por algum cliente. Mas a falta de tempo não possibilita

atender à solicitação do cliente. Entretanto, convites relacionados à diversão

ocorrem em proporções bem menores, mas acontece inclusive de serem

realizados, como conta Neto: “tem cliente que eu já fui no Serra Dourada

(estádio de futebol em Goiânia) com ele já, aí tem um que é torcedor do Goiás,

já me chamou também pra ir. São muitas poucas pessoas que convida você

pra essas coisas aí, muitas poucas mesmo”.

Além disto, Neto destaca que há tratamento diferenciado oferecido a

certos clientes, o que acaba causando certa recompensa financeira, porque

estes tendem a só sentarem na praça do garçom preferido. Ao chegarem os

clientes procuram determinado garçom ou perguntam ao maître onde ele está

atendendo. Ao mesmo tempo, Neto admite que existem aqueles clientes que

não o agradam, mesmo assim, confessa fingir durante o atendimento gostar de

servi-los.

O garçom Fred é recente na casa, trabalha há apenas um ano no

estabelecimento. Apesar do pouco tempo de serviço no Cidinho Petisqueria,

Fred afirma ter um relacionamento bom com os clientes. Segundo ele existem

clientes de outras casas em que trabalhou que frequentam o local após

saberem que ele estava trabalhando no estabelecimento. O ponto de vista

adotado por ele é que “toda ação tem uma reação”, por isto nas mesas em que

atende os agradecimentos e elogios são normais. Fred conta com animo e

talvez de modo exagerado que uma situação marcante para ele foi o seu

casamento:

Fora que, quando eu casei, mais de cinquenta foram no meu casamento, ganhei muitos presentes de cliente, ganhei casa na praia, ganhei casa em Caldas Novas. Tudo cliente que me deu. Mas eu não pude usufruir dessa área porque o poder aquisitivo de casal novo é pouco, mas estar lá para quando eu quiser. Você tem dez dias. Tem dez dias lá em Itaparica. Eu ganhei a casa na praia de Itaparica em

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Salvador do Wesley Prado e o outro foi do João Heitor, professor da Universidade Católica de Goiás.

Fred nota que para alguns clientes o garçom sequer importa. E muitos

ainda chamam garçons de modo que causa chateação nos mesmos, como

quando dizem “psiu”, estalam os dedos, assobiam com os lábios ou utilizando

garrafas. A maneira preferida de serem chamados é pelo nome, assim como os

clientes também preferem. A seguir o ponto de vista expresso pelo garçom

Fred:

nem olha para o garçom que esta atendendo ele, nem conhece, não é a toa que você passa e ele diz “ô cadê minha cerveja?”. “Não é você que está me atendendo não?”. Não tem a preocupação, a perspectiva visual de relacionar a imagem ao garçom dele. A gente ainda brinca assim: “pô o cara não sabe ler nem o nome do garçom dele!”. Olha o tamanho do crachá.

No Cidinho Petisqueria clientes que cumprimentam e conversam com

garçons foram observados. Clientes frequentes da casa também.

Uma interessante situação observada foi a de um senhor debilitado em

sua condição de saúde frequentar o local para tomar pinga. O senhor tem

dificuldades em escutar, no entanto, apesar da dificuldades em manter uma

comunicação, conversa bastante, inclusive, segundo um dos garçons, tem o

hábito de “alugar” as moças do local. Também pechincha e reclama do preço

da cerveja. Ele paga, não pede a conta. Quando deixou o recinto, o senhor que

é vizinho do estabelecimento, um garçom foi ajudá-lo a atravessar a rua para

chegar em casa.

Na Choperia Matilha existe tratamento personalizado e há afetividade no

atendimento ao cliente, porque o estabelecimento é antigo, bem como muitos

funcionários são. Além disto, o bar restaurante possui clientes fiéis também

pelo fato de o estabelecimento se destacar pela qualidade dos produtos

oferecidos e serviços prestados. Então muitas experiências são relações ou

pseudorrelações de serviços.

Há inclusive clientes assíduos da Choperia Matilha que são pessoas

famosas, ou importantes da cidade. O local muitas vezes recebe pessoas de

fora, ou seja, trata-se de um local de referência da cidade. O maître do local

disse que cantores, apresentadores e atores vão até o local. Na parte do

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escritório do estabelecimento há um mural que exibe boa parte das pessoas de

famosas e de referência que já estiveram na choperia. De certa forma, os

garçons tomam emprestado o prestígio dos frequentadores do local e do

estabelecimento de trabalho. Um dos garçons até contou que gosta de ir a uma

loja e contar que trabalha na Choperia Matilha, porque isto impõe respeito

sobre sua pessoa. É semelhante ao que Mills (1976) afirma em A nova classe

média referindo-se as balconistas de grandes magazines e proprietárias de

pequenas lojas, ambas gostam de estarem associadas a alguns tipos de

fregueses (p.192).

Então os garçons, ao mesmo tempo em que gozam do prestígio de

trabalhar num local dese tipo também recebem clientes ativos e amigos. O

maître do estabelecimento Jairo conta sobre o status do estabelecimento e

sobre uma característica dos goianos: “goiano é igual boi, gosta de estar

embolado e assim é aqui, o povo gosta de fila, gosta de esperar no balcão, de

esperar em pé”. Neste caso, não se trata de um tumulto para estar no point do

momento. Afinal o estabelecimento é antigo e sequer realiza reformas no

ambiente para atrair clientes. O renome do estabelecimento é que seduz

clientes e consumidores.

A Choperia Matilha é considerada um estabelecimento com interações

informais entre garçons, clientes e consumidores. Apesar de os garçons

conhecerem muitos clientes e também haver certa pessoalidade no

atendimento (garçons e clientes se cumprimentam, chamam pelo nome,

garçons conhecem os gostos dos clientes, e sabem como preferem ser

abordados e tratados etc.), há um pouco de formalidade nas interações de

serviços.

Neste estabelecimento é evidente, por exemplo, que os garçons evitam

ter intimidade com o cliente. A postura do garçom Dalton evidencia isto: “levo

mais para o lado profissional, evito intimidade, converso com ele, mas se for

para pedir as coisas não é comigo. Ele é meu amigo, ‘vou vê se ganho alguma

coisa’, eu não levo para esse lado”. O recente garçom Fábio afirma que a

relação deve ser estritamente profissional “a gente não pode misturar, tem que

ser relação normal cliente com o garçom”. Ainda assim, há casos de garçons

que recebem presentes de clientes. Inclusive há clientes que vão todo dia ao

estabelecimento, há aqueles para quem é preciso reservar uma mesa

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específica e também os garçons sentem falta quando um cliente que está

presente todo dia não comparece.

A maneira como o antigo garçom Lauro chama os clientes também

denota distância e diferenciação social entre garçons e clientes: “doutor”,

“madame”. Segundo ele não são todos clientes que gostam de serem

chamados de senhor e senhora, por isto ele chama assim e ainda afirma que

os clientes gostam de serem chamados deste jeito. A ideia na Choperia Matilha

é que o cliente é quem deve conversar com o garçom e jamais o contrário. As

conversas existentes entre ambos também entoam diferença, basicamente

remetem ao dia a dia, aos hábitos e obviamente os problemas vivenciados por

clientes. E também existem aqueles clientes que possuem o telefone do

garçom e liga para perguntar como está ou para desejar feliz Natal.

O garçom Fábio, por sua vez, que trabalha como garçom há apenas um

ano no estabelecimento e mais dois anos em atividades de bastidor afirma que

os clientes agradecem o atendimento e que irão procurá-lo novamente. Mas

para ele é claro que os garçons mais antigos sejam mais requisitados. O que

causa certo ciúme nos garçons, porque às vezes acontece de um cliente ser

atendido por um garçom e pedir para chamar outro para que possam

conversar. Por fim, pedem que de vez em quando, se possível, apareça por lá.

A informalidade nas interações de serviços é expressa na Choperia

Matilha através de brincadeiras com o cliente, quando reclamam de algo, por

exemplo, o garçom Fábio, está pronto a rebater com uma descontração.

O garçom Lauro é mais antigo, trabalhou doze anos na casa, saiu e está

novamente há dois anos no estabelecimento. Os clientes têm maior liberdade

com ele, conversam e brincam. Segundo ele, se ficar sem crachá os clientes o

chamam pelo nome. Lauro conta com satisfação como é conhecer o gosto dos

clientes e poder servi-los sem que sequer façam seus pedidos:

Tem um pessoal, tem uma cliente minha que ela chega aqui, ela nem pede ela já chega e eu já trago a bebida dela. Ela bebe a tacinha martini e um pouquinho de groselha pra misturar e ai fica um kir royal e ai ela gosta. Ela adora quando ela já chega aqui já levo pra ela água, né só é servido água. (...) Tem, tem pessoas que a gente conhece, a bebida que ele gosta. Se ele gosta de Signo Cirraf eu levo Signo Cirraf pra ele. Às vezes ele fala “não hoje eu não vou beber vinho”, aí você já traz o cardápio, né. “E ai doutor que bebida vai beber hoje?”.

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O Santa Parada possui a peculiaridade de comportar dois ambientes.

Primeiramente, no estabelecimento que não obteve tanto êxito enquanto bar

restaurante foi aberta uma boate com música ao vivo no segundo andar. Com

certeza as interações de serviços correntes giravam em torno da boate. Trata-

se de um estabelecimento considerado com interações formais entre garçons,

clientes e consumidores. O relacionamento do garçom João com as pessoas

que frequentam o lugar demonstra isso. Trata-se de um atendimento cunhado

pela afetividade instrumental. Ao interagirem com os garçons os consumidores

desejam obter informações sobre o local e sobre mulheres. É que ali o garçom

também funciona como um promoter do lugar e dos eventos realizados, assim

como faz intermédio de paqueras no estabelecimento por meio de recados e

bilhetes. Alguns clientes possuem o telefone do garçom para saber dos shows

ou se tem ou vai ter mulher bonita em um dia específico. Daí o garçom reserva

a mesa para seus clientes. Neste sentido, a gestão até incentiva elos entre

garçons e consumidores. Alguns casos demonstram relações de serviços, mas

com certeza os encontros e pseudorrelações predominam no Santa Parada.

Por isto, o atendimento também normalmente é impessoal. Um interessante

fato que aconteceu entre o garçom João e um dos seus clientes mostra

proximidade:

Olha, aqui já teve um cliente que bebeu demais e eu tive que levar ele em casa. Pegar a chave do carro dele, ele pediu eu pra levar ele em casa. Foi bem engraçado esse dia, ele bêbado me atentando, querendo que eu corresse demais, tive que levar ele na casa dele. Foi aquela história eu com medo da polícia e foi triste. Eu sou garçom dele há muito tempo né, que eu atendo ele né, como ele viu que estava muito bêbado me pediu pra levar ele em casa. E o mais engraçado que ele veio no outro dia e falou que não lembrava de nada, veio perguntar como é que ele chegou em casa. Acredita? Ele mora aqui pertinho, no Marista mesmo. Mas ai foi bem engraçado, ele chegando e perguntando como é que eu cheguei em casa? Como que eu fui embora? Como que eu sai daqui? E eu aprontei alguma? E ai a gente acaba conversando com ele e rindo, né.

O garçom Rildo do Santa Parada é mais cauteloso ao destacar como é

criado o elo com clientes. Mostrando que normalmente o atendimento é

impessoal e com de neutralidade afetiva. Segundo ele:

Não é fácil. Porque você tem que fidelizar o cliente, fidelizar um cliente não é fácil, você tem que tratar ele muito bem, é um processo

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lento e demorado, porque não tem como você fidelizar muitos numa noite só. Então você tem que fixar num grupo de clientes, não é que você vai se desfazer dos outros. Não tem como pelo fato da gente atender várias pessoas ao mesmo tempo, não tem como você dar um atendimento 100% pra todo mundo, principalmente se a casa estiver cheia. Como eu estou dizendo pra você é outra coisa. Por quê é outra coisa? Todo mundo senta, tem todo processo de leitura de cardápio, pedido, você tem como dialogar com o cliente, explicar o que vai e o que não vai, tem todo esse processo, nesse processo você vai fidelizar o cliente, vai uma conversa diferente, uma história que ele te conta, então são coisas que você vai vivendo no seu dia-a-dia e cada dia mais. Tem cliente que te fala uma coisa hoje e de repente aconteceu um fato na vida dele e ele fala pra você e no outro dia ele volta e te pergunta como é que está e por aí vai criando amizade.

No Arena as interações entre garçons, clientes e consumidores foram

consideradas formais. O tratamento normalmente é impessoal. As queixas de

garçons reclamando de serem chamados de “psiu”, “ou”, estalando dedos são

consideráveis. Os garçons afirmaram conhecer por nome, sobretudo os amigos

dos proprietários. E também foram poucos os relatos de clientes que chamam

os garçons pelo nome e preferem o atendimento de um garçom específico e às

vezes ligam para pedir para resevar mesa. Percebe-se que os encontros e

pseudorrelações de serviços são predominantes no Arena. A neutralidade

afetiva ou a afetividade instrumental também são destacadas em relação a

afetividade nas interações entre garçons, clientes e consumidores. Os assuntos

são os básicos, futebol e mulher.

O mais interessante de notar é que diante toda a formalidade e distância

entre garçons e clientes e consumidores, raras às vezes foram relatadas casos

de brincadeiras com clientes para espairecer e divertir no trabalho, mas

existem. O garçom China, mais descontraído, conta um caso, bem como o

garçom Gerson, respectivamente:

É o meu estilo é mais na brincadeira, mesmo que você seja séria. Uma vez aconteceu uma coisa com o ketchup. Eu fui lá e naquela correria toda e levei pra mesa, tinha voltado de outra mesa. O cara abriu e colocou lá de volta, o cara pegou... Eu já conhecia ele, “está tudo aberto”, “não irmãozinho eu trouxe aberto para facilitar pra você e você ainda reclama”, daí já virou brincadeira, foi o que veio na hora. Aconteceu esses dias, como tem esse negócio da Lei Seca veio um grupinho de seis pessoas. “Dá uma cerveja aí”, “quantos copos?” a gente pergunta porque as vezes tem gente que não bebe e tal “me dá só cinco”, “dá refrigerante pra ele”, é brincadeira, mas a gente não leva. Os outros pegaram cerveja. Servi ele com coca de boa, e brincando e tal. E eu falei “vou fazer uma gracinha com esse menino”.

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A gente tem que ver o bom humor dos clientes também, aí eu peguei meio copo americano de leite, coloquei um pouco de café velho, toddy e umas torradas, e coloquei no prato e peguei aquele negócio que chama de pica-pau, ele vem no prato tampado, cheguei na mesa dele e falei “foi aqui que vocês pediram um prato individual?”, ele ficou meio assim e ninguém tinha pedido nada “não pedi nada não”, mas eu falei para o outro colega dele e o colega dele “foi eu que pedi pode por aí”, aí coloquei do lado dele e quando abri o toddy e a torrada e os caras morreram de rir, aí ficou extrovertido, ficou marcante. Fiquei conhecido por eles, eles me chamam até pelo o nome “gostei demais da sua brincadeira” e o outro fechou a conta dele, e ainda foi lá e me deu uma caixinha.

Entretanto o mais comum no Arena é formalidade e o tratamento

distante em relação aos clientes. O garçom Gerson inclusive afirma que não se

deve misturar profissional com pessoal. Segundo ele quando um garçom faz

amizade com o cliente os responsáveis pelo estabelecimento tendem a pensar

que eles estão “fazendo rolo”, então para ele “cliente é cliente, garçom é

garçom, funcionário, estou aqui pra trabalhar. Eu não tenho muito diálogo. Eu

converso só sobre a empresa mesmo, cardápio”. O garçom Grandão também

do Arena age da mesma forma, aliás ele até menciona que pelo fato de os

clientes serem mais jovens o público já chega e faz o pedido, não pede

sugestão:

Converso pouco. Não sou muito de ficar batendo papo assim não. Eu gosto de tentar fazer o serviço bem feito. Não sou de ficar papeando não. Você viu aquele negócio ontem? Não sei o quê? Você assistiu isso aqui?. Não gosto muito dessas barulheiras não.

Aqui as interações entre garçons, clientes e consumidores

desenvolvidas em diferentes estabelecimentos de Campinas e Goiânia foram

consideradas informais e formais. Além disto, os aspectos que caracterizam

cada tipo descritivo foram analisados. Nas considerações finais, a relação entre

os dois tipos descritivos utilizados é destacada.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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O projeto de pesquisa que originou esta dissertação propunha analisar,

no serviço de garçons, a cultura do trabalho; e as interações desenvolvidas

entre garçons, clientes e consumidores de determinados estabelecimentos de

duas cidades brasileiras. As tipologias elaboradas demonstraram a

complexidade dos estabelecimentos e a insuficiência de denominá-los de

“tradicionais” e “modernos”. Da mesma forma, as tipologias descritivas

fornecem a vantagem de mostrar variações, ora se aproximando mais ou se

afastando de um tipo. Também demonstram mudanças e contradições histórias

que remontam para mudanças e caracterizações de diferentes ordens sejam

mercantis ou culturais, por exemplo.

É preciso destacar que, ainda que o foco do trabalho seja o trabalho de

garçons o desenvolvimento da pesquisa está relacionado à estabelecimentos

que primariamente foram considerados como ligados à tradição ou

modernidade. Saber situar-se como pesquisadora diante desta distinção para

que não fosse seduzida pelo saudosismo de botequins e mercearias ou pelo

consumismo eminente as diferentes marcas ofertadas no mercado foi um

instigante estímulo.

No que se refere aos resultados obtidos, alguns estabelecimentos

pesquisados destacam-se, por exemplo, por estarem muito associados à

tradição, como no caso do Bom Bar, em que a sociabilidade é eminente e a

proximidade não é apenas entre os membros que compõem o estabelecimento,

mas também entre clientes e consumidores, funcionários e clientes e

consumidores. A pessoalidade e o tratamento diferenciado são claros e

considerados normais pela direção do estabelecimento. Além disto, na

organização do trabalho, não é evidente uma organização baseada na

especialização de funções. O tratamento entre proprietário e funcionários é

próximo e tem como uma das bases a solidariedade.

Já o Vila Cambuí evidencia estar associado à modernidade. A gestão

preconiza a impessoalidade, tanto no que se refere ao tratamento dado aos

funcionários, como ao tratamento dos funcionários com clientes e

consumidores. Além disso a gestão também apregoa a distinção entre

funcionários e consumidores. Contatos pessoais não devem ser efetivados,

vias de acesso são diferentes para funcionários e clientes, bem como os

acessórios utilizados pelos empregados.

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Por sua vez, o Balhego Imperial tem características de ambos os

estabelecimentos; por um lado os hábitos de consumo são relacionados à

tradição. Os clientes gostam dos objetos que remetem ao passado, assim

como nas interações estabelecidas com garçons percebe-se muito de

servilidade, quando, por exemplo, clientes pedem aos garçons para efetuarem

atividades que esquivam de suas obrigações. De certa forma essa atitude

remete a situações usuais para um garçom tradicional, como já caracterizava

Noel Rosa em “Conversa de Botequim”. Por outro lado, a empresa conseguiu

expandir-se no mercado, ao mesmo tempo em que respeita as demandas dos

clientes do Balhego Imperial. A equipe de trabalho da organização é extensa e

especializada. Os funcionários são bem selecionados e treinados, tendo em

vista os objetivos da empresa. Contudo, a mão de obra é valorizada e não é

substituída por novos funcionários. A lealdade não é apenas dos clientes, mas

dos funcionários também.

A Choperia Matilha é semelhante a este estabelecimento, também tem

filiais e expande sua marca, mas ainda assim conserva funcionários e clientes

antigos. Entretanto. na Choperia Matilha não há evidências que remetem à

tradição do local como há no Balhego Imperial. O estabelecimento da jovem

Goiânia é marcado mais pela sofisticação e qualidade dos produtos e serviços

prestados. Daí se deve os clientes do estabelecimento. Ao mesmo tempo, para

manter a marca funcionários tiveram que apreender o padrão do bar

restaurante; por isto, os trabalhadores também são mais antigos, o que facilita

a maior sociabilidade no ambiente.

Ir a um lugar e encontrar pessoas familiares é confortável. Bem como é

confortável, ir ao McDonald’s e tudo estar igual ou muito parecido. Em um

mundo globalizado conhecer pessoas e processos é cômodo. E aí está um

aspecto que denota tradição. Afinal ser moderno, conforme Slater, é consumir

em uma cultura do consumo global. Logo frequentar ambientes familiares

remete a uma volta à tradição.

Outros estabelecimentos, como o Gira Mundo, o Santa Parada e até o

Arena, alcançam públicos que consomem a modernidade. O importante é estar

em um lugar em que outras pessoas estarão, para ali se tornarem vendáveis,

no sentido utilizado por Bauman, que em uma sociedade de consumo as

pessoas também são mercadorias. As relações entre garçons e clientes e

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consumidores que são estabelecidas neste tipo de estabelecimento são

instrumentalizadas. Não cabe ao garçom socializar, entreter, sugerir. Cabe à

ele vender mais e aumentar o valor da taxa de serviço destinado a ele ao final

do mês. Atender o cliente, apenas quando lhe é pedido, seja para enviar um

bilhete, obter informações, ou, por vezes, dependendo do estado do cliente,

escutar um desabafo e até, quem sabe, emitir conselhos. Os garçons, para

quebrarem o estado de invisibilidade, indiferença e pouca autonomia, às vezes

realizam brincadeiras que fogem à regra. Numa dessas, podem até ganhar o

cliente, ou ao mesmo uma caixinha, pelo momento de espontaneidade.

O trabalho de garçom consiste em basicamente em organizar

estabelecimentos para receber consumidores, para então servi-los. Contudo, a

maneira de servi-los diferencia conforme o estabelecimento em que o garçom

trabalha, conforme destacado nos estabelecimentos analisados. Em

estabelecimentos familiares tanto as relações de trabalho, seja com colegas de

trabalho ou com consumidores, tende a serem mais próximas e cunhadas na

pessoalidade no tratamento. Enquanto em estabelecimentos empresariais a

relações de trabalho tendem a serem mais distantes e impessoais. E não se

pode vislumbrar que em estabelecimentos com cultura do trabalho familiar as

relações de trabalho serão calcadas eminentemente pelo autoritarismo de um

chefe e que pessoas da organização são privilegiadas por ele. Percebe-se,

neste tipo de estabelecimento, maior autonomia para o trabalhador desenvolver

o seu trabalho e também laços de solidariedade existentes no local de trabalho,

desenvolvidos tanto entre proprietários e funcionários, entre funcionários e

funcionários e também entre funcionários e clientes. Da mesma forma, não se

deve vislumbrar que em estabelecimentos com cultura do trabalho empresarial

as relações de trabalho sejam sempre cunhadas pela competitividade e

impessoalidade. Relações de amizade e solidariedade também foram notadas

nos locais analisados. Assim como a especialização e hierarquização destes

estabelecimentos podem dificultar a realização de trabalhos em equipe.

Por fim, cabe salientar que as narrativas de proprietários e garçons

tipificam a relação desenvolvida com clientes e consumidores, sejam

interações mais igualitárias, participativas, subservientes etc. E cabe ao

garçom ter jogo de cintura para se adaptar a novas mudanças, seja de

estabelecimentos e consumidores. Ou até mesmo de graduais modificações

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mercantis e culturais que ocorrem. Entretanto recorrer aos clientes e

consumidores também contribui para incrementar ainda mais o debate sobre o

setor de serviços. A problemática em questão proposta direciona para novas

pesquisas a serem realizadas.

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ANEXO A – Termo de anuência concedendo a realização da pesquisa no estabelecimento

_____________, ____, de _____________ de 201__

À Marina Lemes Landeiro

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFG

Eu,____________________________________________________________________

______________________________________, declaro que estou a par da proposta de

pesquisa da cientista social Marina Lemes Landeiro, aluna regularmente matriculada no

curso de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade

Federal de Goiás e integrante do Programa de Cooperação Acadêmica Novas Fronteiras

– Procad NF 2008 – com o Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da

Unicamp, RG. 4758670. A pesquisa intitula-se “Cultura do trabalho e interação no

serviço de garçons”, cujo objetivo é analisar sob o prisma da sociologia do trabalho o

serviço de garçons em bares com nuanças e contradições no que tange à modos de

interação entre trabalhadores e clientes e modos de gestão do estabelecimento nas

cidades de Goiânia –GO e Campinas – SP.

Venho aqui conceder a aquiescência para que Marina Lemes Landeiro observe e

presencie a rotina de trabalho no ____________________________________ durante

uma semana, entreviste trabalhadores e capture imagens.

Estou ciente que a mestranda Marina Lemes Landeiro respeitará todas as

exigências do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa, ao qual se subordina ao Comitê

de Ética da Universidade Federal de Goiás.

Atenciosamente

___________________________________

Nome e contato da organização

______________________________________________________________________

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ANEXO B - Termo de consentimento livre e esclarecido

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-

GRADUAÇÃO

COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Você está sendo convidado (a) para participar, como voluntário, de uma

pesquisa, sou a pesquisadora responsável e minha área de atuação é a Sociologia do

Trabalho. Após ser esclarecido (a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar

fazer parte do estudo, assine ao final deste documento, que está em duas vias. Uma

delas é sua e a outra é do pesquisador responsável. Em caso de recusa você não será

penalizado de forma alguma.

Para tirar dúvidas sobre a pesquisa ou obter maiores informações entre em

contato com a pesquisadora responsável, Marina Lemes Landeiro, nos telefones (62)

3086-4114 e (62) 8133-5475 ou no e-mail [email protected]. Em caso de dúvidas

sobre seus direitos como participante nesta pesquisa, você poderá entrar em contato com

o Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Goiás pelos telefones: (62)

3521-1075 e (62) 3521-1076.

INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA:

Título do Projeto de Pesquisa: Cultura do trabalho e interação no serviço de

garçons

Pesquisadora responsável: Marina Lemes Landeiro

Orientador: Jordão Horta Nunes

Esta pesquisa tem como objetivo geral analisar, sob o ponto de vista da

sociologia do trabalho e do consumo, o serviço de garçons de modo comparado, nas

cidades de Goiânia – GO e Campinas – SP e em bares com nuanças e contradições no

que tange à modos de interação entre trabalhadores e clientes e modos de gestão do

estabelecimento. Pretende-se identificar e analisar: a cultura do trabalho da ocupação; as

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interações entre garçons e consumidores e; as identidades laborais de garçons. São

utilizadas informações de arquivos de órgãos públicos (SEPLAN, SEDESE, IBGE), de

bases de dados (RAIS, Censo Demográfico, PNAD), de instituições do sistema S

(SEBRAE) e de livros e artigos especializados sobre o assunto. Serão também

realizadas entrevistas com trabalhadores – cumins, garçons e mâitres – proprietários e

gestores de estabelecimentos comerciais, além disso será recolhido endereços

eletrônicos de consumidores de bares para que respondam um formulário online sobre

hábitos de consumo em bares e modos de interação com garçons. Serão realizadas cerca

de 35 entrevistas.

Apesar da expansão das atividades de serviços, as pesquisas sociológicas ainda

concentram-se no setor produtivo. Neste sentido, a pesquisa trará contribuições sobre

uma forma de tratamento entre pessoas na sociedade ocidental: a relação entre servidor

e servido; a construção da identidade laboral de garçons e parâmetros para a

profissionalização da atividade.

O intuito da pesquisa é estritamente científico, os resultados desta serão

publicados apenas em revistas científicas e em eventos científicos e estará disponível a

todos entrevistados interessados. As entrevistas serão gravadas no local de trabalho do

entrevistado e têm a duração de 30 a 80 minutos. Só serão efetivadas entrevistas após a

assinatura do termo de consentimento da participação da pessoa como sujeito da

pesquisa. A identidade do entrevistado será resguardada e só serão divulgadas

informações relacionadas a pseudônimos ou nomes fictícios. O entrevistado tem o

direito de, a qualquer momento durante ou após a entrevista, retirar seu consentimento,

obrigando o pesquisador a não utilizar as informações porventura registradas ou de não

responder perguntas incomodas. O sujeito entrevistado não incorrerá em qualquer

sanção ou penalidade caso retire seu consentimento. O entrevistado é voluntário e não

receberá nenhum incentivo financeiro ou gratificação para participar da pesquisa.

A Universidade Federal de Goiás e a Universidade Estadual de Campinas

aproximam-se, assim, das necessidades e demandas da sociedade, procurando

alternativas para analisar as representações sociais da cultura do trabalho e das práticas

de consumo no setor de serviços.

___________________________________________

Marina Lemes Landeiro

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ANEXO C – Termo de assentimento de participação como sujeito de pesquisa

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-

GRADUAÇÃO

COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DA PESSOA COMO SUJEITO DA

PESQUISA

Eu,___________________________________________________________________,

RG/CPF____________________, abaixo assinado, concordo em participar como

sujeito da pesquisa: Cultura do trabalho e interação: o serviço de garçons em

perspectiva comparada. Fui devidamente informado(a) e esclarecido(a) pela

pesquisadora Marina Lemes Landeiro sobre a pesquisa, os procedimentos nela

envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha

participação. A pesquisadora declarou que minha identidade será resguardada,

assegurando a privacidade dos dados confidenciais, e só serão divulgadas informações

relacionadas a pseudônimos ou nomes fictícios. Foi-me garantido que posso retirar meu

consentimento a qualquer momento, sem que isto leve a qualquer penalidade.

Local e data:________________________________________________

Nome e Assinatura do sujeito ou responsável:

_____________________________________________________

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ANEXO D – Roteiro de entrevista para garçons

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA

NÚCLEO DE ESTUDOS SOBRE O TRABALHO

Roteiro de entrevista (garçom)

Estímulo a memória

Imagine que você está indo trabalhar, o que você pensa que te aguarda no dia de

trabalho, quais são as primeiras coisas que lhe vem à cabeça.

Ambiente de trabalho

Descrever ambiente de trabalho, falar de satisfações e insatisfações.

Dia-a-dia de trabalho

Descrever, contar sobre como é um dia de trabalho seu.

Descrever um ótimo e um péssimo dia de trabalho. O que acontece nesses dias?

Relação com colegas de trabalho

Falar sobre relações/situações que envolvam fidelidade, amizade, solidariedade,

hierarquia, situações marcantes vivenciadas.

Trajetória ocupacional

Obter uma descrição de empregos/trabalhos. Identificação ou não. Diferenças entre

estabelecimentos (bares).

Sair e voltar para a mesma casa.

Motivação para se tornar garçom.

Questões jurídicas.

Identidade pessoal/social (representação social)

Definir-se como pessoa.

Como se reconhece? O que acha que é?

Como as pessoas te reconhecem?

Você acha que as pessoas o conhecem como você realmente é?

Identidade ocupacional (representação social)

Expectativas e anseios que tem frente à atividade exercida.

Identificação (gosto).

Aspectos positivos e negativos.

Como seria a sua vida se não fosse garçom e com que acha que estaria trabalhando.

Com que realmente gostaria de trabalhar, realização, sonho.

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Curso de qualificação, estudo.

Representações sociais de garçons

O que é ser garçom? Como é ser garçom? Como você se sente sendo garçom?

Pra você como é um bom garçom?

Subjetividade

Relação com a vida privada, doméstica, particular.

Frequenta bares, como se sente, como trata trabalhadores.

Como é em casa?

Representações sociais de bares

Pra você o que é um bar?

Quem frequenta bares?

O que as pessoas fazem nos bares?

O que procuram nos bares?

Interações com clientes

Qual o perfil dos seus clientes? Como você acha que são suas vidas deles?

Relacionamento com clientes. Relações de fidelidade, amizade, solidariedade.

Remontar conversas típicas, frequentes com clientes.

Contar situações marcantes vivenciadas com clientes.

O que faz pra contornar situações desagradáveis?

“O cliente sempre tem razão”.

Sorriso.

Relação “oficial” de garçons e clientes Normativo, o que deve ser, postura da administração. O que pode e não pode.

O que faz para atender as expectativas e exigências da empresa?

História de vida e Hábitos

Contar sobre família (pais, irmãos, esposa, filhos). O que fazem, de onde são, religião, o

que deseja para eles.

Hábitos, o que gosta de fazer.

Gênero

Trabalho majoritariamente masculino, por quê? A atividade tem a ver com o masculino?

A atividade colabora pra identidade como homem?

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ANEXO E – Roteiro de entrevista para proprietários e gestores de

estabelecimentos

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA

NÚCLEO DE ESTUDOS SOBRE O TRABALHO

Roteiro de entrevista (proprietários)

Estabelecimento

Capacidade, média de clientes por dia, faturamento médio, quantas mesas, cadeiras,

quantos funcionários.

Lógica de funcionamento

Organização dos trabalhadores, 10%.

História e caracterização do estabelecimento

Idade, nomes e caracterizações, localização, tamanho, proprietários, tipo de empresa,

clientela, o que tem num bar (tipos de comida, de bebida, de produtos) inspiração em

algum bar.

Representações sociais de bares

Como é um bar hoje e antigamente.

Imagem que tem de bares.

Relação do dono com clientes

Fidelidade, amizade, solidariedade, situações marcantes.

Relação do dono com funcionários

Fidelidade, amizade, solidariedade, situações marcantes.

Relação “oficial” com clientes e funcionários: normativo, o que deve ser, postura da

Administração, relação com garçons.

Público-alvo e público-atingido

Interesses do estabelecimento, perfil do cliente.

Garçons

Seleção – critérios, gênero, qualificação, questões jurídicos com funcionários.

Subjetividade

Motivação para ter um bar, identificação, trajetória de trabalho/história de vida, se

freqüenta bares, relação com a vida privada, doméstica, particular.

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Dia-a-dia de trabalho: descrição.

Ambiente de trabalho: descrição, satisfações insatisfações, hierarquias.

Associações e sindicatos.

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ANEXO F – Letra da música “Conversa de Botequim” (Noel Rosa e Vadico)

Seu garçom, faça o favor de me trazer depressa

Uma boa média que não seja requentada,

Um pão bem quente com manteiga à beça

Um guardanapo e um copo d‟água bem gelada.

Feche a porta da direita com muito cuidado

Que eu não estou disposto a ficar exposto ao sol.

Vá perguntar ao seu freguês do lado

Qual foi o resultado do futebol.

Se você ficar limpando a mesa

Não me levanto nem pago a despesa.

Vá pedir ao seu patrão

Uma caneta, um tinteiro,

Um envelope e um cartão.

Não se esqueça de me dar palitos

E um cigarro para espantar mosquitos.

Vá dizer ao charuteiro

Que me empreste umas revistas,

Um isqueiro e um cinzeiro.

Seu garçom o favor de me trazer depressa

Uma boa média que não seja requentada,

Um pão bem quente com manteiga à beça

Um guardanapo e um copo d‟água bem gelada.

Feche a porta da direita com muito cuidado

Que eu não estou disposto a ficar exposto ao sol.

Vá perguntar ao seu freguês do lado

Qual foi o resultado do futebol.

Telefone ao menos uma vez

Para três quatro, quatro, três, três, três

E ordene ao seu Osório

Que me mande um guarda-chuva

Aqui pro nosso escritório.

Seu garçom me empreste algum dinheiro,

Que eu deixei o meu com o bicheiro.

Vá dizer ao seu gerente

Que pendure esta despesa,

No cabide, ali em frente.

Seu garçom, faça o favor de me trazer depressa

Uma boa média que não seja requentada,

Um pão bem quente com manteiga à beça,

Um guardanapo e um copo d‟água, bem gelada.

Feche a porta da direita com muito cuidado

Que eu não estou disposto a ficar exposto ao sol.

Vá perguntar ao seu freguês do lado

Qual foi o resultado do futebol.