CULTURA AFRO-BRASILEIRA: A CAPOEIRA NO LIVRO … · obrigatório o ensino da história africana e...
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CULTURA AFRO-BRASILEIRA: A CAPOEIRA NO LIVRO DIDÁTICO
SILVA, Ana Lúcia da - PPE – DHI - UEM
LACERDA, Eva Alves - PPE - UEM
TERUYA, Teresa Kazuko – PPE - UEM
Nesse trabalho, apresentado no Eixo temático: Pedagogias culturais e mídias
do 7º Seminário Brasileiro de Estudos Culturais e Educação e 4º Seminário
Internacional de Estudos Culturais e Educação, analisamos um dos capítulos do
Livro didático de Educação Física (2006), organizado por professores/as da rede
pública estadual do Paraná, que contempla uma das expressões da cultura afrobrasileira:
a capoeira. Historicamente o olhar eurocêntrico na sociedade ocidental predominou nas
instituições de ensino, e os/as personagens negros/as da História do Brasil e a cultura
popular negra foram silenciados e desvalorizados no currículo escolar.
O reconhecimento da capoeira como patrimônio cultural brasileiro contempla a
Lei 10.639/2003 e atende a obrigatoriedade do estudo da cultura negra brasileira no
currículo escolar. Trazer a capoeira como conteúdo do Livro Didático Público de
Educação Física (2006) do Ensino Médio é uma forma de problematizar o conteúdo
escolar e vislumbrar a relevância da cultura afrobrasileira na constituição do povo
brasileiro. Silva (2010) argumenta que o currículo escolar está no centro da relação
educativa sendo este o documento que valida os conteúdos que devem ser estudados na
Educação Básica bem como desautoriza outros conteúdos.
Com o término da escravidão no Brasil em 13 de maio de 1888, a população
negra tornou-se livre, mas em condições precárias ou subalternas, por isso, em 1931 foi
fundada a Frente Negra Brasileira (MALERBA & BERTONI, 2001, p. 60-61). Após a
abolição, essa população sofreu o preconceito racial, sendo tratados como inferiores e
rejeitados pela sociedade. Ao longo do século XX, o Movimento Negro se fortaleceu e
passou a lutar pela cidadania do povo negro, reivindicando políticas públicas para
combater o racismo, as práticas de discriminação racial, a exclusão social a que foram
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relegados os ex-escravos, por meio da promoção de ações para a valorização da História
da África, dos africanos e seus descendentes no Brasil, e da cultura afrobrasileira no
espaço escolar.
Uma das conquistas dessa luta foi à criação da lei 10.639/2003 que tornou
obrigatório o ensino da história africana e cultura afro-brasileira nas instituições de
ensino público ou privado em nosso país e incluiu 20 de novembro, como o Dia
Nacional da Consciência Negra no calendário escolar. Com isso, o currículo e a
produção de materiais didáticos foram repensados e revisados (BRASIL, Lei 10.639,
2003).
Após 14 anos de existência da Lei n. 10.639/2003, ainda constatamos que é
preciso desconstruir estereótipos sobre os povos não europeus, principalmente, as
imagens negativas construídas sobre os indígenas, negros e mestiços. Para tanto, é
primordial repensar a escola, a formação docente inicial e continuada, o trabalho
pedagógico e a abordagem dos conteúdos que compõem o currículo.
A escola é um espaço permeado por tensões e conflitos culturais. As relações
entre o cotidiano escolar e as culturas precisam ser trabalhadas na formação inicial e
continuada de professores/as. Isso pressupõe o trabalho pedagógico com a análise de
diferentes linguagens e produtos culturais no espaço escolar. Além disso, "favorecer
experiências de produção cultural e de ampliação do horizonte cultural dos alunos e
alunas, aproveitando os recursos disponíveis na comunidade escolar e na sociedade"
(CANDAU, 2013, p. 35).
O currículo escolar é um processo de inclusão de certos saberes e de certos
indivíduos, como também de exclusão de outros. Este estabelece diferenças, constrói
hierarquias e produz identidades (SILVA, 2010, p. 11-12). O currículo não deve ser
visto simplesmente como um espaço de transmissão de conhecimentos. O currículo é
um espaço de significação e está relacionado ao processo de formação de identidades
sociais. Este "está centralmente envolvido naquilo que somos, naquilo que nos
tornamos, naquilo que nos tornaremos. O currículo produz, o currículo nos produz"
(SILVA, 2010, p. 27).
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A lei 10.639/2003 promoveu a inclusão da história e cultura afrobrasileira e
africana no currículo escolar, um desafio que se impõe aos/as professores/as. A história
do negro africano não deve se limitar à narrativa do tráfico negreiro e da escravidão.
Assim, repensar a educação escolar e o ensino de História é imperativo, para que
nossos/as alunos/as possam ter acesso ao conhecimento científico, aos múltiplos
saberes, conhecer a si e o/s outro/s, os múltiplos povos que formaram e formam o povo
brasileiro. Assim, ecoar no espaço escolar múltiplas identidades, sem hierarquização, e
nos orgulhar de nossa ancestralidade africana e negra.
Neste sentido, é relevante o estudo da História e cultura afrobrasileira em
diferentes áreas de conhecimento, e não apenas na disciplina de História. Por isso,
selecionamos, como objeto de análise, o Livro didático de Educação Física (2006),
destinado aos/as professores/as e alunos/as do Ensino Médio da rede pública estadual do
Paraná, disponível na internet no Portal de Educação, contribui para conhecer um pouco
da história e cultura afrobrasileira em um de seus capítulos que trata da capoeira.
Fonte: PARANÁ. Portal de Educação do Estado do Paraná.
Disponível no site: < http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br> Acesso em: 18 maio
2017.
Esse “livro didático público” é resultado de um trabalho pedagógico coletivo,
que foi elaborado por um grupo de professores/as da Rede Pública Estadual de
Educação do Paraná e distribuído gratuitamente cópias impressas aos/as professores/as e
alunos/as do Ensino Médio. Além da versão impressa há uma versão em pdf disponível
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no http://www.diaadia.pr.gov.br o Portal Educacional do Estado do Paraná. Com base
na “Apresentação” desta publicação, é a primeira vez que um livro didático de
Educação Física busca subsidiar a prática docente escolar, contemplando a abordagem
de práticas corporais, levando-se em consideração aspectos técnicos, táticos, históricos,
sociais, políticos e culturais (PARANÁ, 2006, p. 10-11).
Como esse livro didático da área de Educação Física está organizado? Além da
“Carta da Secretaria”, da mensagem “Aos estudantes”, do “Sumário” e “Apresentação”,
o livro está organizado da seguinte forma: há 5 Conteúdos estruturantes: “Esporte”,
“Jogos e Brincadeiras”, “Ginástica”, “Lutas” e “Dança”. Estes organizam os 14
capítulos que compõem a publicação. Sendo assim, no sumário se apresenta a seguinte
organização: “Conteúdo estruturante: Esporte”: Introdução, 1 – o futebol para além
das quatro linhas, 2 – A relação entre a televisão e o voleibol no estabelecimento de
suas regras, 3 – Eu faço esporte ou sou usado pelo esporte?; “Conteúdo estruturante:
Jogos e brincadeiras”: Introdução, 4 – Competir ou cooperar: eis a questão, 5- O jogo
é jogado e a cidadania é negada; “Conteúdo estruturante: ginástica”: Introdução, 6 –
O circo como componente da ginástica, 7- Ginástica: um modelo antigo com roupagem
nova?, 8 – Saúde é o que interessa? O resto não tem pressa!, 9 – Os segredos do corpo;
“Conteúdo estruturante: Lutas” Introdução, 10 – Capoeira: jogo, luta ou dança?, 11 –
Judô: a prática do caminho suave; “Conteúdo estruturante: Dança”- Introdução, 12-
Quem dança seus males..., 13 – Influência da mídia sobre o Corpo do Adolescente, 14 –
Hip Hop – movimento de resistência ou de consumo? (PARANÁ, 2006, p. 4-9).
Destacamos que o livro didático de Educação Física abriu caminho para o
estudo, tanto da capoeira quanto do Hip Hop, como expressões da cultura popular negra
no espaço escolar, dando visibilidade à história do negro no Brasil e nos Estados
Unidos, a história e cultura afrobrasileira, fazendo ecoar na escola a identidade negra,
entre outras.
Embora, duas expressões da cultura popular negra sejam contempladas nesse
livro didático, optamos por analisar um dos capítulos que integram o “Conteúdo
estruturante: Lutas”: “10 - Capoeira: jogo, luta ou dança?, de autoria do professor
Sérgio Rodrigues da Silva do Colégio Estadual Olavo Bilac, de Ibiporã – PR. O livro
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didático de Educação Física tem 248 páginas. Destas, 13 páginas foram dedicadas ao
estudo da capoeira, da página 157 a 169 (SILVA, 2006).
Quais pedagogias culturais sobre a capoeira foram produzidas nas páginas desse
capítulo?
Na perspectiva dos Estudos Culturais não há a hierarquização de culturas, ou
seja, relações binárias, tais como: cultura erudita x cultura popular. Assim,
depreendemos como pedagogias culturais a dimensão educativa da hiper-realidade do
mundo atual, em que estão presentes nas mídias eletrônicas, pois a aprendizagem não
ocorre apenas no espaço da escola, mas também nos novos espaços socioculturais e
políticos (STEINBERG, 2015, p. 211-212).
As mensagens sociais, políticas e pedagógicas da cultura popular são relevantes,
tornando-se objetos de análise no campo dos Estudos Culturais, porque se constituem
em um campo interdisciplinar sem hierarquizar as culturas como “alta” ou “baixa”
cultura. Por isso, ao analisar as pedagogias culturais, atentamos para “as complexas
interações entre o poder, o saber, a identidade e a política” (STEINBERG, 2015, p.
214).
As pedagogias culturais sobre a capoeira estão difundidas nas páginas do
capítulo do livro didático de Educação Física, que convidam professores/as, alunos/as
e/ou outras pessoas que acessam o portal de Educação do Estado do Paraná a refletirem
acerca desta expressão da cultura popular negra, presente na sociedade brasileira,
relacionando e problematizando o passado e o presente. A seguir descrevemos as
páginas do livro didático, objeto de análise deste trabalho, que ensinam sobre a
capoeira.
A primeira página apresenta o título do capítulo em dois versos do canto de
capoeira: “Paraná uê, Paraná uê, Paraná”. “Paraná uê, Paraná uê, Paraná”. Depois,
dialoga com os/as leitores/as perguntando se no estado do Paraná tem capoeira, se já
jogaram capoeira, e se a capoeira é um jogo, luta ou dança. Silva (2006) faz um convite
à reflexão sobre a capoeira, para depois apresentar o conteúdo de estudo.
Na página 158 há uma definição de luta, com base no verbete do Novo
Dicionário Aurélio (2005) o subtítulo: “A capoeira como expressão de luta pela
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liberdade”. Há uma imagem colorida de roda de capoeira de autoria desconhecida e um
caixa sobre seu significado. Essa imagem retrata pessoas de diferentes tons de pele,
muitas de pé e poucas sentadas em um banco e em outro assento, ladeadas de
instrumentistas capoeiristas, ambos organizados em um círculo, ao centro há dois
capoeiristas: um homem branco e um homem negro.
Essa organização da página é um exemplo de pedagogia cultural, pois apresenta
textos com a origem da capoeira e a imagem da roda de capoeira que contempla a
diversidade étnica. São ensinamentos que indicam a capoeira em sua origem como
“coisa de negros”, explicando que era praticada por negros submetidos à escravidão em
busca da liberdade. Já na nossa sociedade, a capoeira é uma luta praticada abertamente
por pessoas brancas e/ou negras.
A página 159 apresenta a imagem colorida de Zumbi do Quilombo de Palmares
de autoria desconhecida, o subtítulo: “a História da capoeira” e duas caixas: a primeira,
tem um pequeno texto sobre o tráfico negreiro e a capoeira; e a segunda, tem um
questionamento sobre o que é quilombo e o seu significado, indicando uma bibliografia
especializada. Nessa página as pedagogias culturais se propalam, e ensinam sobre a
prática da capoeira no contexto da diáspora africana, ao fazer alusão ao tráfico negreiro
e a resistência do negro no Brasil com a formação dos quilombos. Os negros submetidos
à escravidão praticavam a capoeira nas senzalas e nos terreiros dos engenhos ou das
fazendas de maneira camuflada, já nos quilombos essa prática era livre. Silva (2006)
ainda destaca que há um debate historiográfico sobre a origem da capoeira, esta teria
surgido no continente africano e/ou no Brasil?
A capoeira é um termo polissêmico, e sua origem traz a tona um debate
historiográfico. Com base no Dicionário Aurélio, Santos (2002, p.33) explica que a
capoeira pode designar “uma gaiola grande ou casinhola, onde se criam e alojam capões
e outras aves domésticas” ou “uma espécie de cesto para proteção da cabeça dos
defensores da fortaleza”. Na língua indígena Tupi, o termo é conhecido como Kapu’era,
que significa “terreno onde o mato foi roçado ou queimado para o cultivo da terra ou
para outro fim”. A palavra capoeira também designa “mato que nasce em consequência
da derrubada de uma mata virgem”. Além destes significados, ressalta-se que a capoeira
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é um “jogo atlético” com ataques e defesas, individual e/ou coletivo e de origem
folclórica. Alguns pesquisadores afirmam que a capoeira tem sua origem na África. Já
outros fazem a defesa de que esta surgiu no Brasil entre os africanos bantus, oriundos de
Angola, que a praticavam, constituindo-se em uma luta de resistência a escravidão,
desde o período colonial (SANTOS, 2002, p. 33-34).
Diante dos vários significados, Silva (2006) em seu capítulo que inspirou nossa
análise para este trabalho, assume o conceito de capoeira como luta de resistência do
povo negro no âmbito da escravidão, expressão da cultura popular, genuinamente
brasileira, ao apresentar a capoeira no “conteúdo estruturante: Lutas”.
Na página 160 há uma caixa de texto sobre os africanos e o uso da capoeira
como arma de resistência com o uso do corpo. Há uma imagem grande, em preto e
branco, litografia produzida pelo viajante e artista Johann Moritz Rugendas, intitulada
“Jogar capoeira” de 1835, que faz a representação de negros/as no Brasil do século XIX
jogando a capoeira, próximos da Casa grande. E há também uma caixa com uma breve
biografia de Rugendas e o significado de litografia, com citação de referências
especializadas. Nessa mesma página destaca-se que nos séculos passados a capoeira era
praticada por negros, sendo esta expressão da cultura popular admirada por homens e
mulheres deste grupo social.
A cultura popular é um espaço de contestação estratégica, baseada em
“experiências, prazeres, memórias e tradições do povo. Ela tem ligações com as
esperanças e aspirações locais, tragédias e cenários locais que são práticas e
experiências cotidianas de pessoas comuns” (HALL, 2013, p. 378-379).
Nesta perspectiva, a capoeira enquanto luta de resistência de negros, constitui-se
em espaço de aspirações. Sua gente pode expressar as esperanças de liberdade e
contestações à ordem imposta pela diáspora, tráfico negreiro e escravidão na América
portuguesa.
Na página 161 o autor do capítulo do livro convida os/as leitores/as a realizarem
uma pesquisa sobre o contexto histórico de produção da litografia de 1835 de Rugendas,
em relação à capoeira. Há sugestão de atividade para a discussão sobre as técnicas de
pintura de Rugendas. Em outra caixa está o título do capítulo: “Luta, jogo ou dança?”
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com uma breve explicação de que a prática da capoeira depende do contexto histórico e
social, em alguns momentos foi cultivada e aplaudida e em outros foi perseguida.
Abaixo da caixa segue um texto com destaque para a capoeira como uma manifestação
cultural brasileira. Ao lado deste texto há uma caixa sobre Rui Barbosa e a queima de
documentos sobre a escravidão nos primeiros anos do Brasil República.
O autor do capítulo tem um comprometimento em estudar a capoeira e convidar
os/as leitores/as para a reflexão sobre a historicidade da capoeira, relacionando essa
expressão da cultura popular brasileira com fatos históricos do Brasil Imperial e
República. Ele ainda problematiza o conteúdo de estudo e propõem atividades de estudo
que incentivam a pesquisa, o estudo, a análise e a reflexão.
A página 162 contém um grande texto, que contempla a História do negro no
Brasil e o contexto pós-abolição, o Código Criminal de 1890 e o tratamento dado à
capoeira e aos capoeiristas, o governo do presidente Getúlio Vargas, o convite ao
Mestre Manoel dos Reis Machado, conhecido como Mestre Bimba, para apresentação
da capoeira no Palácio do Governo, e posteriormente a liberação da capoeira; ao lado do
texto há uma imagem grande e colorida fazendo a representação do Mestre Bimba, com
roupas brancas e tocando um berimbau, de autoria desconhecida; e abaixo desta imagem
há uma caixa com duas perguntas: “Será que a Lei Áurea indenizou os escravos pelo
trabalho realizado? Ou ficaram abandonados a própria sorte?” (SILVA, 2006, p. 162), e
em seguida o autor convida os/as leitores/as a investigar/pesquisar estes dois
questionamentos.
O texto apresentado na página 162 termina na página 163. Na página 163 há um
subtítulo: “Benefícios da capoeira”, com uma imagem colorida de vários instrumentos
de capoeira e um texto sobre a capoeira como um jogo que constitui uma prática lúdica.
Entre as páginas 164 e 166 continua o estudo da capoeira, faz alusão à música, aos
instrumentos, os movimentos corporais e aos golpes da capoeira: cocorinha, queda de
quatro, macaco, meia lua de frente, meia lua de compasso e negativa. Os golpes entre
homens negros são descritos em pequenos textos e representados em várias imagens
coloridas.
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Nessas páginas percebemos que o autor ao promover o estudo sobre a capoeira,
desde a proibição até a liberação desta prática cultural, teve uma preocupação em
primeiro apresentar a origem da capoeira e depois promover a reflexão acerca das
práticas corporais. Os movimentos corporais e o ensino de golpes de capoeira
promovem benefícios para o desenvolvimento humano e uma vida mais saudável.
A página 166 apresenta o golpe de capoeira chamado "negativa" com um
pequeno texto explicativo ao lado da imagem de um homem negro praticando-o. Abaixo
tem a proposta de uma atividade: a confecção de um berimbau; seguido de um pequeno
caixa com a sugestão de convidar capoeiristas para irem a escola, para orientar e
auxiliar na confecção do instrumento proposta na atividade.
Nessa atividade ainda constatamos outra preocupação do autor do capítulo, de
levar à comunidade escolar os atores sociais capoeiristas, que deverão orientar e
expressar seus saberes sobre a capoeira e a confecção de um de seus instrumentos, o
berimbau.
Na página 167 há outra atividade sobre a capoeira e aos movimentos corporais,
por meio de quatro questionamentos. Há três caixas de textos com os significados de:
luta, jogo e dança. Depois das atividades teóricas e práticas sobre a capoeira, o
questionamento do título do capítulo é apresentado novamente aos/as leitores/as:
“Agora responda: afinal, a Capoeira é um jogo, luta ou dança?”; e abaixo há um caixa
“Para saber mais:” (SILVA, 2006, p. 167). Esta caixa de texto explicita que o estudo da
capoeira exige uma análise crítica.
Na página 168 há uma caixa de texto escrito “Ampliando os conhecimentos”
com a Lei 10.639/2003. Ao finalizar o estudo da capoeira, o autor do capitulo propõe
uma atividade de pesquisa sobre o que a capoeira de hoje se diferencia do passado.
Enfim, na página 169, final do capítulo, expõe as referências bibliográficas e os
documentos consultados online.
Ao redigir o capítulo sobre capoeira, o autor teve uma preocupação em ressaltar
a origem da capoeira e a história do povo negro no Brasil, ressaltando a prática corporal
e a historicidade. Ele estabeleceu um diálogo interdisciplinar e profícuo referente a
capoeira envolvendo as áreas de Educação Física, História e Arte e problematizou o
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conteúdo do currículo escolar, propondo atividades teóricas e práticas. É um trabalho
pedagógico possível para desenvolver na Educação Básica. Essa proposta não se limita
à disciplina de Educação Física à prática de esportes que fazem tradição no espaço
escolar, tais como: vôlei, handebol, basquetebol, futebol, entre outros.
A importância da capoeira no currículo escolar já foi destacada na Academia
pelo Dr. Luiz da Silva Santos, licenciado em Educação Física, capoeirista, professor do
Departamento de Educação Física da Universidade Estadual de Maringá – UEM
(atualmente aposentado), sendo ressaltada em suas publicações, nos livros Educação:
Educação Física e capoeira (1990) e Capoeira: uma expressão antropológica da
cultura brasileira (2002).
A inclusão da capoeira no currículo escolar permite o desenvolvimento humano
e “melhorar as bases psicomotoras e aumentar o prazer pelo lúdico e pela criatividade”
(SANTOS, 1990, p.189). Além disso, a capoeira revela fatos históricos do povo negro
no Brasil, no âmbito da escravidão, por exemplo: a luta pela liberdade (SANTOS, 2002,
p. 189). A prática da capoeira entre o povo negro ao longo da História do Brasil
apresentou diferentes faces no Brasil colonial, imperial e republicano.
Durante o Brasil colonial e imperial, a capoeira se expressou como uma luta de
resistência que surgiu nas senzalas entre os negros submetidos à escravidão. Era uma
luta de defesa pessoal dos negros, para se defender da repressão dos capatazes e
senhores daquela época, a capoeira era camuflada como um “jogo ritmado e cantado”,
sendo “um jogo em forma de dança corporal” (SANTOS, 2002, p. 37). A capoeira
conquistou espaço nos quilombos, espaços de resistências à escravidão, onde era
praticada abertamente pelos negros que lutavam pela liberdade de seu povo (SANTOS,
2002, p. 39-40).
Já no contexto do Brasil República, com o Decreto lei n. 487, de 11 de outubro
de 1890, com o Código Penal Brasileiro ou Código Criminal, o Estado estabeleceu a
proibição da reunião ou ajuntamento de pessoas nos espaços urbanos. A capoeira foi
tipificada como crime, consequentemente seus praticantes, os capoeiristas, foram
perseguidos e marginalizados na sociedade no contexto pós-abolição (SANTOS, 2002,
p. 145).
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No contexto pós-abolição, embora houvesse repressão à capoeira e aos
capoeiristas, alguns fizeram dessa luta um meio de subsistência, visto que eles faziam
algumas apresentações públicas para ganhar algum dinheiro e garantir seu sustento
(SANTOS, 2002, p. 47 - 48). Outros capoeiristas utilizaram a capoeira como outras
formas de subsistência econômica, ou seja, a prestação de serviços às pessoas brancas e
políticos, sendo pagos para tumultuarem comícios, realizarem atividades militares e
exercerem a função de guarda-costas de políticos e/ou pessoas de alto poder aquisitivo
(SANTOS, 2002, p. 47; 213-214).
Desta maneira, nós podemos vislumbrar que a capoeira ao longo da história do
povo negro no Brasil adquiriu diferentes faces, dependendo do contexto histórico e
social em que os capoeiristas a praticavam, constituindo-se em: luta pela liberdade e
resistência à escravidão, jogo ritmado em forma de dança, crime, e/ou meio de
subsistência econômica de negros.
Essas faces da capoeira nos fazem refletir sobre o título: “Capoeira: jogo, luta ou
dança?” do capítulo do Livro didático de Educação Física. O autor do capítulo
problematizou a prática da capoeira, questionando se esta seria um jogo, luta e/ou
dança. O título do capítulo não abrange as diferentes faces da capoeira, principalmente
quando esta foi tipificada como crime, um delito penal e/ou se constituiu em um
trabalho - forma de subsistência de negros no contexto após a abolição da escravidão no
Brasil. Por isso, poderíamos ampliar a discussão sobre a capoeira a partir do seguinte
questionamento: “Capoeira: jogo, luta, dança, crime e/ou trabalho?”
Destacamos que o Livro didático de Educação Física lançado em 2006
contempla a discussão da Academia e a determinações da Lei 10.639/2003. O autor do
livro didático reconheceu a importância da capoeira, uma das expressões da cultura
popular negra, como uma das práticas corporais para se pensar o desenvolvimento
humano. Em alguns espaços da Educação Superior e na Educação Básica, constatamos
que há pesquisadores/as e professores/as que defendem a relevância do estudo da
cultura afrobrasileira.
Essa valorização da cultura popular negra ocorreu, antes mesmo que o Instituto
do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (IPHAN) reconhecesse a roda de capoeira
12
como patrimônio cultural imaterial afrobrasileiro e o ofício do Mestre de capoeira em
2008. (IPHAN, 2017). A Roda de Capoeira está inscrita no Livro de Registro das
Formas de Expressão, em 2008. Afirma-se que na “roda de capoeira se batizam os
iniciantes, se formam e se consagram os grandes mestres, se transmitem e se reiteram
práticas e valores afro-brasileiros” (IPHAN, 2017). Este patrimônio cultural imaterial
afrobrasileiro está presente em todo território nacional, e também em mais de 150
países. E dada à importância da capoeira na construção e reconstrução da identidade do
povo negro no Brasil e de sua resistência no âmbito da escravidão, esta prática cultural
foi reconhecida como patrimônio imaterial da humanidade na 9ª Sessão do Comitê
Intergovernamental para a Salvaguarda, pela UNESCO, em novembro de 2014, em
Paris. A Roda de Capoeira, portanto, tornou-se um dos símbolos do Brasil mais
reconhecidos no contexto internacional (IPHAN, 2017).
A capoeira de luta pela liberdade foi discriminada e reprimida pela elite
brasileira por seus capatazes e capitães do mato e posteriormente enquadrada no Código
Penal de 1890 no Brasil República, mas atualmente na sociedade contemporânea é
reconhecida como uma das expressões de nosso patrimônio cultural imaterial
afrobrasileiro e como patrimônio imaterial da humanidade. Se antes a capoeira era
“coisa de negro”, atualmente esta expressão da cultura popular negra é praticada por
pessoas de diferentes origens, tanto no Brasil como no contexto internacional. O povo
negro criou e recriou sua identidade no âmbito da diáspora africana, tráfico negreiro,
escravidão e luta pela liberdade na América portuguesa por meio da capoeira.
Parafraseando Santos (2002, p. 191), a capoeira é “um livro aberto de nossa própria
história”.
Considerações finais
Para que a lei n. 10.639/2003 seja de fato efetivada é preciso repensar a
formação inicial e continuada de professores/as, o currículo escolar e o trabalho
pedagógico. Se as crianças e jovens, negros e não negros/as tiverem conhecimento e
13
orgulho de nossa ancestralidade africana e negra estaremos construindo uma sociedade
sem racismo. A capoeira contribui para uma prática pedagógica antirracista no
processo de ensino e aprendizagem, ecoando no espaço escolar o processo que levou os
africanos e seus descendentes a criarem e recriarem suas identidades, desde o contexto
da escravidão ao período pós-abolição.
O Livro didático de Educação Física ao abordar a capoeira no “conteúdo
estruturante: Lutas” abriu espaço para a reflexão teórica e prática da cultura popular
negra na educação, vislumbrando uma prática corporal e apontando suas contribuições
para o desenvolvimento humano. Consideramos relevante abordar a história e a cultura
afrobrasileira para refletir sobre a convivência multicultural no espaço escolar,
analisando as pedagogias culturais produzidas, especialmente, nos matériais didáticos
disponibilizados nas plataformas educacionais.
Referências
BRASIL. Lei n. 10.639, de 09 de janeiro de 2003, que instituiu a obrigatoriedade do
ensino História da África, dos africanos no Brasil e da cultura afrobrasileira nas
instituições públicas e privadas.
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18 maio 2017.
MALERBA, Jurandir. BERTONI, Mauro. Nossa gente brasileira. Campinas, SP:
Papirus, 2001.
PARANÁ. Livro didático de Educação Física. Ensino Médio. 2. ed. Curitiba: SEED-
PR, 2006.
SANTOS, Luiz Silva. Capoeira: uma expressão antropológica da cultura brasileira.
Maringá: Eduem, 2002.
14
SANTOS, Luiz Silva. Educação: Educação Física e capoeira. Maringá: Eduem, 1990.
SILVA, Sérgio Rodrigues da. Capoeira: jogo, luta ou dança. In: PARANÁ. Livro
didático de Educação Física. Ensino Médio. 2. ed. Curitiba: SEED-PR, 2006. p. 157-
169.
SILVA, Tomaz Tadeu da. O currículo como fetiche: a poética e a política do texto
curricular. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.
STEINBERG, Shirley R. Produzindo múltiplos sentidos – pesquisa com bricolagem e
pedagogia cultural. In: KIRCHOF, Edgard Roberto. WORTMANN, Maria Lúcia.
COSTA, Marisa Vorraber (Orgs.). Estudos Culturais e Educação: contigências,
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