Cultura

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1 Ser Humano Herança Genética Cultura Distingue-se dos outros animais pela sua enorme capacidade de se adaptar ao meio, transformando-o Inacabamento biológico compensado por um cérebro complexo e predisposto para Comportamentos superiores Capital colectivo dos instrumentos adquirid dos saberes aprendidos, transmitidos de ger em geração, através do processo de socializ Produto e produtor de cultura Unidade BIO-PSICO-SOCIO-CULTURAL

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Ser Humano

Herança Genética Cultura

Distingue-se dos outros animais pela sua enorme capacidade de se adaptar ao meio, transformando-o

Inacabamento biológico compensado por um cérebro complexo e predisposto para

Comportamentos superiores

Capital colectivo dos instrumentos adquiridos, dos saberes aprendidos, transmitidos de geraçãoem geração, através do processo de socialização

Produto e produtor de culturaUnidade BIO-PSICO-SOCIO-CULTURAL

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O conceito sociológico de cultura «O conceito de cultura, tal como o de sociedade, é uma das noções mais amplamente usadas em Sociologia. A cultura consiste nos valores de um dado grupo de pessoas, nas normas que seguem e nos bens materiais que criam. Os valores são ideias abstractas, enquanto as normas são princípios definidos ou regras que se espera que o povo cumpra. As normas representam o «permitido» e o «interdito» da vida social. Assim, a monogamia – ser fiel a um único parceiro matrimonial – é um valor proeminente na maioria das sociedades ocidentais. Em muitas outras culturas, uma pessoa é autorizada a ter várias esposas ou esposos simultaneamente. As normas de comportamento no casamento incluem, por exemplo, como se espera que os esposos se comportem com os seus parentes por afinidade. Em algumas sociedades, o marido ou a mulher devem estabelecer uma relação próxima com os seus parentes por afinidade; noutras, espera-se que se mantenham nítidas distâncias entre eles. Quando usamos o termo, na conversa quotidiana, pensamos muitas vezes na «cultura» como equivalente às «coisas mais elevadas do espírito» – arte, literatura, música e pintura. Os sociólogos incluem no conceito estas actividades, mas também muito mais. A cultura refere-se aos modos de vida dos membros de uma sociedade, ou de grupos dessa sociedade. Inclui a forma como se vestem, os costumes de casamento e de vida familiar, as formas de trabalho, as cerimónias religiosas e as ocupações dos tempos livres. Abrange também os bens que criam e que se tornam portadores de sentido para eles – arcos e flechas, arados, fábricas e máquinas, computadores, livros, habitações.

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A «cultura» pode ser distinguida conceptualmente da «sociedade», mas há conexões muito estreitas entre estas noções. Uma sociedade é um sistema de inter-relações que ligam os indivíduos em conjunto. Nenhuma cultura pode existir sem uma sociedade. Mas, igualmente, nenhuma sociedade existe sem cultura. Sem cultura, não seríamos de modo algum «humanos», no sentido em que normalmente usamos este termo. Não teríamos uma língua em que nos expressássemos, nem o sentido da auto consciência, e a nossa capacidade de pensar ou raciocinar seria severamente limitada [...]. O principal tema deste capítulo é, de facto, o da relação entre a herança biológica e a herança cultural da humanidade. As questões relevantes são: o que distingue os seres humanos dos animais? De onde provêm as nossas características distintivamente «humanas»? Qual a natureza da natureza humana?. Para lhes responder, devemos analisar tanto o que os humanos têm em comum como as diferenças entre as diversas culturas. As variações culturais entre seres humanos estão ligadas a diferentes tipos de sociedade [...].»

A Giddens – Sociologia, FCG, pp.46-47

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Noção de culturaPara Edward B. Tylor a cultura é uma totalidade, um todo, mais do que uma soma de crenças, artefactos, valores, regras e costumes, onde se conjugam diversos elementos materiais e simbólicos.

Exemplos de elementos materiais:

1) as crenças, que contemplam, entre outras, as diferentes religiões (hinduísmo, cristianismo, judaísmo, etc), as ideologias politicas (liberalismo, socialismo, anarquismo, etc.) e as ideias acerca da natureza humana (humanismo, existencialismo, racionalismo, etc.);

2) as teorias e os corpos de conhecimentos onde podemos, por exemplo, incluir a ciência moderna e as suas disciplinas, mas também as diversas astrologias e as várias medicinas alternativas (por exemplo, a acupunctura ou a homeopatia);

3) as múltiplas construções e objectos produzidos, quer sejam construções complexas, como casas, satélites, pontes, estradas, computadores, edifícios de culto, ou produções mais simples, como garfos, roupas, garrafas, sapatos, etc.

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4) os valores atribuídos a determinados comportamentos (ao trabalho, ao uso de drogas, ao exercício físico, à actividade sexual, etc), qualidades (à beleza, à criatividade; à inteligência; à preguiça, à insolência, etc.) ou objectos (ao telemóvel, ao cigarro, à gravata, à cadeira eléctica, etc.);

5) as leis e normas consideradas importantes para regular a vida em comum (por exemplo, as regras de trânsito, as leis de imigração, as convenções de direitos humanos, as regras para a escolha de um parceiro sexual, etc.);

6) as artes, ou modos de expressar próprios de uma determinada sociedade (a música, a pintura, a escultura, o teatro, por exemplo, mas também os graffiti, a joalharia, a utilização de pinturas na pele, a tatuagem, etc);

7) os costumes, que são modos convencionais de interagir socialmente, de se comportar relativamente a outros e de se apresentar em sociedade. Esta é uma categoria muito abrangente onde se podem colocar práticas sociais muito variadas, como, por exemplo, rituais de saudação, modos particular de preparar alimentos e de os consumir, celebrações, modos de vestir, etc.

Todos estes elementos, simbólicos e materiais, encontram-se organizados de forma dinâmica no todo cultural, isto é, mudam e influenciam-se mutuamente em cada momento.

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• Aculturação diz respeito ao conjunto dos fenómenos resultantes do contacto contínuo entre grupos de indivíduos pertencentes a diferentes culturas, assim como as mudanças nos padrões culturais de ambos os grupos que decorrem desse contacto.

É um fenómeno que leva a mudanças culturais, quer as culturas sejam maioritárias, quer sejam minoritárias.

Padrões de Cultura

• Os padrões de cultura são modos de pensar e agir comuns aos membros de uma sociedade.

• Sociedades diferentes possuem diferentes padrões de cultura.

• Os padrões de cultura variam no espaço e no tempo

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SOCIALIZAÇÃO - Processo pelo qual ao longo da vida a pessoa humana aprende e interioriza os elementos sócio-culturais do seu meio, integrando-os na estrutura da sua personalidade sob a influência de experiências de agentes sociais significativos, adaptando-se assim ao ambiente social em que deve viver (Rocher).

A socialização primária é responsável pelas aprendizagens mais básicas da vida em comum. Traduz-se na aprendizagem dos comportamentos considerados adequados e reconhecidos como formas de pensar, sentir, fazer e exprimir próprios de um determinado grupo social: as regras de relacionamento entre as pessoas, os hábitos de cuidado com o corpo, as regras de linguagem, etc.A socialização primária no mundo todo, aquela que era tarefa da família, através dos vínculos de afectividade e respeito, vem perdendo terreno, ficando a cargo da instituição escolar. Essa socialização primária, envolvida pela importância dos carinhos, afectos e valores importantes legados pela família, chega incompleta à escola. A família é considerada como instituição muito importante no processo de aprendizagem. É pela socialização primária que são interiorizadas normas e valores, assim como formas de relacionamento. Nas nossas escolas estamos assistindo à falta de vinculação da família como ambiente habitual e fundamental de socialização primária, estando esse papel designado às instituições escolares. Grupos responsáveis pela socialização primária: família, escola, grupo de amigos, vizinhos e meios de comunicação social.

A socialização secundária ocorre sempre que a pessoa tem de se adaptar e integrar em situações sociais especificas, novas para, diferentes tipos de relações, implicam intensificações noprocesso contínuo de socialização o indivíduo. Ao longo da vida das pessoas, diferentes acontecimentos, diferentes contextos. A mudança de escola, o primeiro emprego, a passagem á reforma, o casamento, etc.A participação nestes grupos secundários de socialização vai criar oportunidades e desafios que implicam aprendizagens novas e uma adaptação dos indivíduos a novas realidades sociais e ao desempenho de novos papeis.

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Não sou pobre nem rico, nem bem nem mal educado, sou apenas o produto do meio onde fui criado.

A. Aleixo

Nós somos aquilo que formos capazes de fazer com aquilo que os outros fizeram de nós.

Ortega e Gasset

O Homem como produto e produtor de culturaA influência entre os processos psicológicos e a cultura é mútua, dinâmica e permanente. Todos, nós somos, simultaneamente, sujeitos e agentes de socialização, todos somos, também, produtos e portadores de cultura.

Apesar da influência mútua e fundamental dos aspectos biológicos e dos aspectos socioculturais, o que nos tornamos a cada momento nunca é completamente determinado. Não é determinado pelo que somos em termos físicos e biológicos, nem pelo que nos rodeia em termos socioculturais. Para que se possa ter em conta a autonomia e a autodeterminação dos seres humanos, deve-se rejeitar a possibilidade de qualquer determinismo radical, seja este biológico ou sociocultural.

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Texto - Socialização e individuaçãoO desenvolvimento social é um processo cons truído sob um paradoxo. Este paradoxo consiste em sermos tanto seres sociais como individuais (...). O paradoxo é, claro está, contradição aparente e não contradição real. A estranha fusão de sociabilidade e individualidade desenvolvida no decurso da vida humana pode ser considerada como união de duas funções de desenvolvimento que se complementam. (...) A primeira das funções sociais complementares é normalmente denominada socialização. A função de socialização inclui todas as tendências do indivíduo para estabelecer e manter relações com os outros, para se tornar um membro aceite da sociedade em geral, para regular o seu comportamento de acordo com os padrões e códigos da sociedade e geralmente para se dar bem com os outros. Podemos considerar que esta é a função integradora do desenvolvimento social. (...). A segunda função do desenvolvimento social é a formação da identidade pessoal do indivíduo. Esta função, muitas vezes denominada individuação, inclui o desenvolvimento do sentido de si mesmo do indivíduo e a preparação de um lugar especial para si próprio na ordem social. (...) Podemos considerar que esta é a função diferenciadora do desenvolvimento social. A formação de uma identidade pessoal requer o saber diferenciar o indivíduo dos outros, determinar o caminho que se deve seguir na vida e encontrar através da rede social uma posição unicamente talhada para a natureza, as necessidades e as aspirações particulares de cada indivíduo.

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Tal como acontece com a socialização, as exigências da individuação e diferenciação começam cedo e continuam pela vida fora. Os bebés lutam para se reconhecer a si próprios como pessoas separadas, que são distintas dos seus progenitores. As crianças aprendem a dizer "não" enquanto ainda estão a aprender a andar, como uma afirmação da sua autonomia (...). A meio da infância as crianças na escola brincam e andam ata refadas em descobrir quais os talentos e os interesses especiais que as possam distinguir dos seus pares. A necessidade do jovem adolescente em estabelecer a independência de casa, e da família, é bem conhecida (...). A identidade pessoal do individuo, uma vez construída, irá ser continuamente avaliada e reavalidada durante o desenvolvimento. Ambas as funções de desenvolvimento social são essenciais para a adaptação pessoal à vida. Através da função integradora, o individuo mantém relações satisfatórias e produtivas com os outros e com a sociedade em geral (...). Através da função de diferenciação o indivíduo adquire uma identidade coerente e um sentimento de controlo sobre o seu próprio destino (...). Estas duas funções penetram, em conjunto, em todas as áreas da vida.

DAMON, W. [1983]. Social and personality development, págs. 1 -3. New York, NY: W. W. Norton & Company, Inc.

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A História PessoalO ser humano enquanto ser com capacidade de autodeterminação, escapa tanto a uma determinação biológica como a uma determinação sociocultural. Em cada pessoa, a influência das práticas e dos significados socioculturais interage com a singularidade do seu corpo, do seu ponto de vista e da sua experiência do mundo.Esta dimensão pessoal e o seu sentido próprio dependem, assim, da singularidade do seu corpo situado e é construída com referência a um contexto sociocultural, onde se organizam e enquadram os significados e os valores.Experienciamos o mundo, cada situação, enquanto corpo biológico e social. Enquanto sujeitos activos, encontramos significados para os nossos pensamentos, emoções e acções (com referência a um mundo que nos envolve e onde nos envolvemos). Desta forma, participamos na determinação de nós próprios e na determinação dos contextos onde vivemos.

Experiência e SignificadoOs seres humanos tornam-se humanos inserindo-se no mundo. O mundo de cada um, sucessão permanente de situações e experiências, não é apenas seu. Os seres humanos tornam-se humanos em contextos povoados de outros seres, crescem e aprendem a conhecer-se no seio de relações cheias de história e de cultura.A experiência – experiência do mundo, experiência dos outros, experiência de nós mesmos – é um elemento inescapável da vida psicológica. A ligação que cada um estabelece com estas experiências faz-se através do significado que cada um lhes atribui. É no significado que se realiza a síntese entre a singularidade de cada pessoa e a sua situação ou contexto, quer físico, biológico ou corporal, quer sociocultural e histórico.

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O Mundo intersubjectivoEntende-se por mundo intersubjectivo a compreensão, a forma de ver a realidade, que é partilhada entre as pessoas. Esta compreensão tem de ser partilhada pelo menos o suficiente para permitir que diferentes indivíduos, cada um com a sua compreensão subjectiva do mundo, possam comunicar entre si.

O modo como se interpreta o mundo e os outros resulta de uma aprendizagem que se fez e faz à medida que se explora relações e situações atribuindo-lhes significados, dando-lhe sentido.

A realidade em que cada um nós vive é, não só uma realidade física, feita de objectos, de lugares e de seres, mas também uma realidade interpessoal.

A história de cada um entrelaça-se a cada momento na histórias dos outros e na do seu tempo, circunscrita pela sua vivência cultural, pela sua posição social e também pelas características físicas do seu corpo.

Auto – organização e criação socioculturalA forma como cada um processa, interpreta, atribui significados e organiza, íntima e subjectivamente - auto-organiza -, a informação sobre os acontecimentos, os outros e sobre si mesmo tem um impacto indiscutível sobre a sua vida inter e intra pessoal.O conceito de auto-organização tem subjacente a ideia de plasticidade e de flexibilidade do comportamento e dos processos mentais humanos. Pressupõe também a ideia de uma identidade capaz de se auto – determinar, de se auto – construir, em direcção a um sentido que lhe confira não apenas a singularidade mas, sobretudo, a continuidade e a coerência. Os seres humanos são sistemas abertos que se condicionam mútua e reciprocamente. A interacção entre os diversos indivíduos autónomos – entre os diversos Eu – produz comportamentos e situações que cada um dos implicados integra e auto- organiza. Neste sentido, o processo dinâmico e sempre em aberto de auto – produção de si é indissociável do outro e da causalidade circular que caracteriza as relações interpessoais.

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O caso de June e Jennifer

Aubrey Gibbons emigrou com a família em 1963 da sua região natal, Barbados para Inglaterra. Na época era pai de quatro crianças, incluindo as duas gémeas June e Jennifer. Quando crianças, as gémeas apresentavam problemas de fala e as pessoas tinham dificuldades em entendê-las. Este facto pode ter contribuído para as brincadeiras maldosas de que foram alvo na escola por parte dos colegas. Contudo, pareceu evidente aos investigadores que se ocuparam deste caso, que a maior razão para serem ridicularizadas residia no facto de, na altura, serem as únicas crianças negras da sua escola. Por volta dos 11 anos, as duas crianças fizeram um pacto: não se comunicarem com ninguém. Não falavam nem mantinham contacto visual com professores, colegas ou, inclusive, outros membros da comunidade e da família. Mas falavam uma com a outra, numa língua criada por si e em grande parte ininteligível para os outros. Diversos especialistas tentaram sem sucesso que as meninas falassem. Como medida drástica, aos 14 anos, as gémeas foram separadas e enviadas para internatos diferentes. O resultado foi desastroso. O isolamento auto-imposto fundira as suas duas identidades: tinham-se tornado uma, e separá-las pouco fez pela sua reabilitação social. Mais tarde, novamente reunidas, as gémeas cometeram uma série de crimes, foram condenadas e enviadas para uma prisão de alta segurança, onde permaneceram 14 anos. Jennifer morreu poucas horas depois da sua libertação de um estranho problema cardíaco e June mora actualmente numa casa para ex-pacientes e ex-detidos, ainda traumatizada pelas suas experiências infantis.

Gazzaniga e Heathrton 2005

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O SER HUMANO É UMA TOTALIDADE SINGULAR E COMPLEXA CONDICIONADA POR TRÊS ORDENS GENÉRICAS DE FACTORES:Influências genéticas (de espécie e individual);Factores ambientais (meio sociocultural);Experiências pessoais (vivências).

Continuidade

Biologia Cultura

Experiências pessoais

Complexidade

Auto – organização

Eu

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– Síntese Sermos humanos é mais do que pertencer mos a uma espécie de

seres com uma determinada biologia e estrutura corporal: depende da participação em contextos sociais e culturais particulares, onde aprendemos formas de ser e de nos comportarmos.

As capacidades dos seres humanos em trans formarem o meio em que vivem, adaptando-se a ele, levou à construção de um mundo inter-humano, que constitui o seu ambiente de suporte e protecção, e das suas formas de vida.

A cultura é uma totalidade onde se conjugam, organizados de forma dinâmica, diversos elementos materiais e simbólicos: conhecimentos, crenças, valores, leis e normas, formas de arte e expressão, costumes e práticas sociais, assim como objectos e construções produzidas.

A cultura tem uma profunda influência na forma como cada um, pensa, sente e se comporta. Não somos, todavia, produtos directos destas influências culturais: somos também produtores de cultura, agentes da sua construção, transmissão e transformação.

Todas as comunidades humanas possuem cultura. As culturas reflectem as diferentes maneiras como as diversas comunidades organizaram e integraram os acontecimentos da sua história, as suas necessidades de sobrevivência e as exigências do meio onde vivem, em formas de ser e de viver em conjunto.

Dá-se o nome de padrão cultural ao conjunto de comportamentos, práticas, crenças e valores comuns aos membros de uma cultura, às formas particulares e padronizadas de ser e viver de uma comunidade ou grupo social.

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Um padrão cultural não é uma realidade estática: cada padrão cultural muda permanentemente não só pela acção criadora, produtora de cultura, de cada um dos seus membros, mas também através do contacto com outras culturas.

A aculturação é o conjunto dos fenómenos resultantes do contacto contínuo entre grupos de indivíduos pertencentes a diferentes culturas, assim como as mudanças nos padrões culturais de ambos os grupos que deles decorrem.

Cada padrão cultural ajuda a definir as expectativas comportamentais que podem ser encontradas numa determinada comunidade. Os padrões de cultura permitem prever, até certo ponto, os comportamentos daqueles que os partilham.

A socialização é um processo dinâmico de integração de um indivíduo numa dada cultura. Refere-se às formas como cada pessoa interioriza, e aprende, os elementos socioculturais enquanto participa, age e se comporta, em diversas relações, práticas e instituições.

A socialização ocorre ao longo de toda a vida: diferentes acontecimentos, contextos e tipos de relações exigem às pessoas novas adaptações, novas aprendizagens e a criação de novas formas de ser.

Distingue-se, geralmente, socialização primária, que ocorre fundamentalmente durante a infância e a adolescência, e socialização secundária, que acontece sempre que, ao longo da vida, nos temos de adaptar a situações novas.

Apesar da sua influência mútua e fundamental, aquilo que nos tornamos a cada momento das nossas vidas não é só determinado pelo que somos em termos físicos e biológicos, nem pelo que nos rodeia em termos socioculturais.

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É necessário ter em conta a autonomia e a autodeterminação dos seres humanos e rejeitar a possibilidade de um determinismo, seja este biológico ou sociocultural, quando se procura compreender a forma como cada um de nós sente, pensa e age. É enquanto corpo biológico e social que encontramos significados para os nossos pensamentos, emoções e acções, e participamos, portanto, na sua determinação: de nós próprios e dos contextos em que vivemos.

Pode dizer-se que a experiência do mundo, dos outros e de nós mesmos é um elemento fundamental da vida psicológica. A ligação que cada um estabelece com estas experiências faz-se através do significado. É no significado atribuído que se realiza a síntese entre a singularidade de cada um e a sua situação ou contexto: físico, biológico, sociocultural e histórico.

A realidade em que cada um vive é não só uma realidade física, feita de objectos, de lugares, de seres, mas também uma realidade interpessoal construída a partir das compreensões partilhadas e comunicadas entre as pessoas, isto é, intersubjectiva. O mundo intersubjectivo é um mundo de encontros em que cada um de nós conta e improvisa, dia a dia, a sua história. A sua história entrelaça-se a cada momento na história dos outros e na do seu tempo, é circunscrita pela sua vivência cultural e pela sua posição social, assim como pelas características físicas do seu corpo

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A história pessoal desenrola-se no diálogo entre o que percebemos (objectivamente) de nós, dos outros, do mundo, do que os outros percebem, e o que (subjectivamente) construímos - acerca de nós, dos outros e do mundo.

Os seres humanos são seres auto - organizados, isto é, são seres que organizam eles próprios o seu fluxo de experiências e o tornam compreensível. É dessa forma que se constroem, agindo no mundo, organizando-se a si mesmos no seu envolvimento com o mundo.

Nas suas actividades, histórias, e na teia das suas relações e interacções, as pessoas são agentes não só de transformação de si e dos outros mas também agentes de transformação das suas comunidades, sociedades e culturas.

A adaptação dos seres humanos não pode ser encarada de uma forma passiva, como se fosse a resposta a uma ordem e a um ambiente preexistentes. O seu papel é activo no que diz respeito à sua participação nos ambientes e às suas capacidades de auto-organização e autonomia.

A relação dialéctica entre ser vivo e ambiente leva a que, do processo de adaptação, resulte o desenrolar de múltiplas histórias evolutivas. Aí reside o caminho de mudança e transformação quer dos seres humanos quer dos seus contextos de vida.