crônicas · 2019. 5. 2. · e/ou a sua própria consciência, apoiando-se em "profetas...

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1. Aplicação limitada das técnicas; 2. Aplicação errada das técnicas; 3. Interpretação errada dos resultados; 4. Conclusões. Julio Lobos* * Professor do Centro de Desenvolvimento em Administração da Fundação João Pinheiro; Professor do Centro de Pós-Graduação em Administração da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG. R. Adm, Emp., Rio de Janeiro, Há pouco tempo, um colega contou-me a seguinte hístó- ria: convidado para diagnosticar a necessidade de desenvol- vimento gerencial, pela chefia de relações industriais de certa empresa, recomendou que se iniciasse o experimen- tado gerente de manufatura nas técnicas de dinâmica de grupo. Dessa forma, o gerente melhoraria seu relaciona- mento com o pessoal de vendas e engenharia de produto, relacionamento esse crítico para a eficiência das operações produtivas da empresa A empresa cumpriu cegamente a recomendação de meu colega. No entanto, após o retorno do gerente a suas tarefas habituais, os conflitos interdepartamentais agrava- ram-se. O grau de "desenvolvimento" atingido pelo geren- te demonstrou ser superior ao que seus colegas e supe- riores na empresa estavam dispostos a aceitar. Pouco tem- po depois, o nosso homem apresentava sua demissão. É possível que a situação descrita seja excepcional, pois que os resultados dos esforços de desenvolvimento gerencial nem sempre são desastrosos. Mas o caso sugere a presença de algumas falhas crônicas na atuação do profis- sional de administração de pessoal (AP), que talvez pudes- sem ser generalizadas a todo seu campo de ação. Tais fa- lhas relacionam-se com a exagerada ênfase dada por ele à procura de "soluções práticas" para os complexos proble- mas de comportamento organizacional com os quais se defronta. Ao que parece, a orientação "prática" do profissional de AP caracteriza também suas. próprias expectativas de desenvolvimento. A queixa do professor coordenador de um curso de extensão de recursos humanos, oferecido re- centemente por prestigiosa faculdade paulista, é ilustra- tiva. Apesar dos alunos terem sido inicialmente informa- dos sobre a natureza analítica do curso, continuavam exi- gindo a inclusão no currículo de "coisas práticas", tais como "a preparação dos formulários de avaliação de de- sempenho". Finalmente, minha própria experiência, ao perguntar a uma conhecida casa editora do seu interesse numa coletânea de artigos inéditos sobre comportamento organizacional. A editora nem chegou a olhar os originais. ' "Os executivos que lidam com AP", fui informado, "só gostam de coisas práticas". Mas o que há de errado em se atacarem os problemas de AP pelo lado prático? A resposta é óbvia: nada e muito pelo contrário, desde que essa abordagem seja bem suce- dida. No entanto, minha impressão é que esse não é exata- mente o caso. De fato, muitos profissionais de AP, além de serem criticados furiosamente por seus colegas. e supe- .riores, desempenham inúmeros serviços supérfluos; e pior ainda, devido a seu modesto status organizacional, são os primeiros a sofrer o corte de seu orçamento operacional, logo que a empresa decida controlar os custos. Essa ordem de coisas exige que o profissional de AP adote uma posição mais criativa frente aos seus proble- mas, isto é, proceda analiticamente no momento de deci- dir sobre quando, como e a quem aplicar as técnicas que lhe são familiares. Longe de apoiar-se na "regra do pole- gar", entretanto, tal esforço analítico resulta da sua acer- 16(4): 29-34, jul./ago. 1976 Administração de pessoal prática versus teoria

Transcript of crônicas · 2019. 5. 2. · e/ou a sua própria consciência, apoiando-se em "profetas...

  • 1. Aplicação limitada das técnicas;2. Aplicação errada das técnicas;

    3. Interpretação errada dos resultados;4. Conclusões.

    Julio Lobos*

    * Professor do Centro de Desenvolvimentoem Administração da Fundação João

    Pinheiro; Professor do Centro dePós-Graduação em Administração

    da Faculdade de CiênciasEconômicas da UFMG.

    R. Adm, Emp., Rio de Janeiro,

    Há pouco tempo, um colega contou-me a seguinte hístó-ria: convidado para diagnosticar a necessidade de desenvol-vimento gerencial, pela chefia de relações industriais decerta empresa, recomendou que se iniciasse o experimen-tado gerente de manufatura nas técnicas de dinâmica degrupo. Dessa forma, o gerente melhoraria seu relaciona-mento com o pessoal de vendas e engenharia de produto,relacionamento esse crítico para a eficiência das operaçõesprodutivas da empresa

    A empresa cumpriu cegamente a recomendação demeu colega. No entanto, após o retorno do gerente a suastarefas habituais, os conflitos interdepartamentais agrava-ram-se. O grau de "desenvolvimento" atingido pelo geren-te demonstrou ser superior ao que seus colegas e supe-riores na empresa estavam dispostos a aceitar. Pouco tem-po depois, o nosso homem apresentava sua demissão.

    É possível que a situação descrita seja excepcional,pois que os resultados dos esforços de desenvolvimentogerencial nem sempre são desastrosos. Mas o caso sugere apresença de algumas falhas crônicas na atuação do profis-sional de administração de pessoal (AP), que talvez pudes-sem ser generalizadas a todo seu campo de ação. Tais fa-lhas relacionam-se com a exagerada ênfase dada por ele àprocura de "soluções práticas" para os complexos proble-mas de comportamento organizacional com os quais sedefronta.

    Ao que parece, a orientação "prática" do profissionalde AP caracteriza também suas. próprias expectativas dedesenvolvimento. A queixa do professor coordenador deum curso de extensão de recursos humanos, oferecido re-centemente por prestigiosa faculdade paulista, é ilustra-tiva. Apesar dos alunos terem sido inicialmente informa-dos sobre a natureza analítica do curso, continuavam exi-gindo a inclusão no currículo de "coisas práticas", taiscomo "a preparação dos formulários de avaliação de de-sempenho". Finalmente, minha própria experiência, aoperguntar a uma conhecida casa editora do seu interessenuma coletânea de artigos inéditos sobre comportamentoorganizacional. A editora nem chegou a olhar os originais. '"Os executivos que lidam com AP", fui informado, "sógostam de coisas práticas".

    Mas o que há de errado em se atacarem os problemasde AP pelo lado prático? A resposta é óbvia: nada e muitopelo contrário, desde que essa abordagem seja bem suce-dida. No entanto, minha impressão é que esse não é exata-mente o caso. De fato, muitos profissionais de AP, alémde serem criticados furiosamente por seus colegas. e supe-.riores, desempenham inúmeros serviços supérfluos; e piorainda, devido a seu modesto status organizacional, são osprimeiros a sofrer o corte de seu orçamento operacional,logo que a empresa decida controlar os custos.

    Essa ordem de coisas exige que o profissional de APadote uma posição mais criativa frente aos seus proble-mas, isto é, proceda analiticamente no momento de deci-dir sobre quando, como e a quem aplicar as técnicas quelhe são familiares. Longe de apoiar-se na "regra do pole-gar", entretanto, tal esforço analítico resulta da sua acer-

    16(4): 29-34, jul./ago. 1976

    Administração de pessoal prática versus teoria

  • tada compreensão das teorias do comportamento organi-zacional (motivação, liderança, conflito etc.), incluindo asdescobertas empiricas das quais essas teorias se alimentam.

    Numa tentativa de sustentar essa observação, exami-naremos várias funções de AP, mencionando problemasdenunciados pelo conhecimento teórico e empírico, à me-dida - que as "práticas" os apresentarem. Para facilitar aexposição, registramos três tipos de problemas, de quetrataremos a seguir.

    1. APUCAÇÃO LIMITADA DAS TÉCNICAS

    o profissional prefere ignorar a existência (ou a gravidade)de um problema, porque desconhece a técnica para solu-cioná-lo.

    Esse tipo de dificuldade caracteriza as funções de APque implicam planejamento de recursos com base naestratégia da empresa, ou seja, o planejamento de recursoshumanos e estrutura organizacional.

    1.1 Planejamento de recursos humanos

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    Como se sabe, no período de 1973/74, a oferta de mão-de-obra especializada retraiu-se alarmantemente no merca-do de trabalho paulista. Segundo informações do diretor-gerente de uma grande empresa automobilística, essa si-tuação influiu negativamente em alguns planos empre-sariais: "somente depois que decidimos implantar o planode expansão é que percebemos não haver mão-de-obra su-ficiente na praça. Tivemos que nos contentar em progra-mar o start up escalonado das novas operações, ao contrá-rio do instantâneo, como teríamos preferido".

    Certamente muitos planos de expansão, "decididos"no período citado, estão agora engavetados. Mas a surpre-endente indolência com que o problema do planejamentode mão-de-obra foi então considerado ainda prevalece, am-parada nos fartos níveis de oferta de mão-de-obra quecaracterizam a presente contração eoonômica.

    As publicações especializadas sobre planejamento demão-de-obra, no entanto, fornecem ferramentas analíticase operacionais úteis para o homem de ação.

    Heneman e Seltzer (1), por exemplo, formulam ummodelo analítico que supõe as necessidades de mão-de-obra como dependentes da procura estimada do produto.O relacionamento entre essas variáveis, por sua vez, é in-fluenciado por variações na produtividade, expansão, tec-nologia e disponibilidade de recursos fmanceiros e ofertade mão-de-obra interna e externa da empresa. Assim, umacréscimo da produtividade, devido à expansão e/ou mu-dança tecnológica, reduzirá as necessidades de mão-de-obra por unidade adicional de produto. O mesmo acrés-cimo, entretanto, poderá reduzir o preço do produto, deforma que um aumento das vendas eventualmente amplie

    . as necessidades de mão-de-obra. Obviamente, o efeito prá-tico do aumento da produtividade sobre as necessidades

    Revista de Administração de Empresas

    de mão-de-obra dependerá tanto da magnitude desse au-mento, como da elasticidade do preço do produto.

    Preocupado com aspectos mais operacionais,Kingstrom (2) desenvolveu uma pesquisa sobre as técnicasde planejamento de recursos humanos utilizadas por 84'empresas americanas de grande porte. O método de plane-jamento da Standard Oil, citando um exemplo qualquer,consiste em:

    a) selecionar um "fator estratégico" para cada área fun-cional da empresa, isto é, um fator organizacional cujasvariações afetem proporcionalmente as necessidades demão-de-obra (exemplo: nível de vendas, capacidade deprodução, plano de expansão etc.);

    b) determinar os níveis histórico e futuro apresentadospelo(s) fator(es) estratégico(s);

    c) determinar os níveis históricos de mão-de-obra porárea funcional;

    d) projetar os níveis futuros de mão-de-obra para cadaárea funcional, correlacionando-os com a projeção dosníveis (históricos e futuros) do fator estratégico corres-pondente.

    Ainda outras empresas, como a IBM, preferem calcu-lar suas necessidades totais de mão-de-obra com base emprojeções relativas apenas a certos segmentos (ou famílias)de cargos da sua força de trabalho.

    1.2 Planejamento organizacional

    Ao comentar as dificuldades enfrentadas-pelo profissionalde AP, ao planejar os recursos humanos, Heneman eSeltzer (1) mencionam o seu limitado acesso a informa-ções sobre as mudanças tecnológicas ou estruturais ado-tadas pela direção da empresa. Todavia, no caso de mu-danças estruturais, admito a existência dessa dificuldade esustento que resulta mais da falta de iniciativa do profis-sional de AP do que do sigilo de seus colegas superiores.Aliás, é provável que esses últimos até celebrassem a inter-venção de alguém que lhes apresentasse várias alternativasde mudança estrutural, cada uma delas acompanhada da'correspondente análise de custo-benefício social e eco-nômico.

    Desde os anos 60, a literatura sobre comportamentoorganizacional tem contribuído à análise e desenho da es-trutura organizacional, tanto a nível de grupo quanto daorganização como um todo.

    A nível da organização coma um todo, tem-se de-monstrado que as incertezas provenientes de fatores am-bientais, isto é, o sistema produtivo, o know-how tecnoló-gico disponível, o sistema de propriedade etc., influenciama estrutura organizacional da empresa. A esse respeito,uma pesquisa recentemente dirigida por mim, em São Pau-lo, demonstra que a estrutura organizacional das empresasautomobilísticas apresenta um padrão característico dife-rente daquele das empresas' químicas, devido a diferenças

  • nos respectivos sistemas produtivos. Assim, em geralobservamos que a empresa "reage" às incertezas ambien-tais, adotando uma estrutura organizacional mais ou me-nos burocrática. Finalmente, uma outra descoberta com-plementar é que a configuração da estrutura organiza-cional - expressa em termos de comprimento da linha decomando, amplitude de controle dos gerentes etc. - influisobre as atitudes e comportamento dos empregados.Assim, numa conferência, na Harvard Business School, oProf. J. Lawrence demonstrou que uma estrutura organi-zacional achatada ao contrário de outra mais comprida,facilita as comunicações interpessoais dos empregados, ge-ra atitudes positivas e orienta seu comportamento para aefetiva solução dos problemas.

    A nível de grupo.. por exemplo, inúmeras pesquisasconcluíram não existir um único estilo de liderança maiseficiente, mas um que varia conforme as características da

    I .situação. No seu famoso artigo "Organizações desuma-nas", o Prof, Leavitt (3) confirma isso, ao explicar queuma estrutura de comunicações grupais de tipo piramidal

    . é menos apropriada a tarefas incertas do que uma de co-municações circulares.

    2. APliCAÇÃO ERRADA DAS TÉCNICAS

    O mau profíssíonal gasta tempo e dinheiro na utilização detécnicas cuja efícíêncía é comprovada pelo simples "bomSenso", forçando a obtenção de dados "objetivos" que lhepermitam legitimar suas decisões. Aplica cegamente a téc-nica, sem validá-la de modo sistemático no contexto pecu-liar da sua empresa.

    Esse tipo de problema afeta particularmente as fun-ções de AP relacionadas com seleção, avaliação de desem-penho e administração salarial.

    21 Seleção

    Problemas éticos, mais do que econômicos, fazem comque o processo de seleção tenha sido despersonalizado atéao absurdo por muitas empresas. O profissional de APprocura tranqüilizar o superior do cargo a ser preenchidoe/ou a sua própria consciência, apoiando-se em "profetascientffícos" do desempenho futuro do candidato. Entreesses "profetas" estão os testes de seleção.

    O Prof. M. Haire (4) do MIT, publicou uma brilhantecrítica a respeito da validade dos testes de seleção (porvalidade entende-se a capacidade dos testes para prognos-ticar corretamente o desempenho do candidato).

    Baseado nessa crítica e na minha própria experiência,seria conveniente mencionar o seguinte:

    1. Nem sempre, como o supõem os testes de seleção, ascaracterísticas pessoais' (habilidades, aptidões etc.) distri-buem-se· normalmente. De fato, o âmbito de distribuiçãodessas características num grupo de candidatos às vezes étão pequeno que, pelo menos enquanto característica me-

    dida pelo teste, não faz diferença para a empresa escolherqualquer deles.

    2. A construção do teste baseia-se numa análise das ca-racterísticas pessoais requeridas por um cargo (ou fa-mília de cargos). Entretanto, as atividades e responsabili-dades do cargo variam de empresa para empresa ou, aolongo do tempo, dentro da mesma empresa. Isso implica anecessidade tanto de permanecer alerta a tais variações,quanto de controlar a validade dos testes para cada empre-sa, antes que venham a ser utilizados rotineiramente. Am-bas as condições representam um esforço analítico e eco-nômico considerável.

    3. A maioria dos testes de seleção mede característicaspessoais apenas presentes e parciais. Assim, emborarejeitado hoje, o candidato ainda pode obter um ótimodesempenho futuro, se desenvolver habilidades adicionaise/ou se lograr apoiar-se em outros traços (não medidospelo teste) que lhe sejam instrumentais nesse sentido.

    4. Finalmente, é preciso considerar que todo teste deseleção refere-se, direta ou indiretamente, a um certocritério de "bom desempenho". Se já é muito difícil espe-cificar o que tal critério significa "aqui e agora", ima-ginemos quão difícil seria defini-lo, a longo prazo.

    As observações anteriores não clamam pela elimina-ção dos testes de seleção (nem das entrevistas de sele-ção, que também apresentam problemas de validade seme-lhantes aos testes). No entanto, elas sugerem a aplicaçãocriteriosa desses "profetas" por profissionais habilitadospara essa fmalidade. Por um lado, as alternativas de aplicarum teste ou de proceder conforme o "bom senso" devemsempre ser comparadas a priori em termos de custo-bene-fício. Por outro lado, os resultados dos testes devem serexaminados junto a antecedentes obtidos por outros ins-trumentos menos exóticos (e freqüentemente mais váli-dos), tais como a experiência e o salário no emprego ante-rior, a história de estabilidade no trabalho e as referênciasde terceiros. Apesar de óbvias, muito poucas empresas têmincorporado sistematicamente ambas as recomendaçõesem sua abordagem "prática" aos problemas de seleção.

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    2.2 Avaliação de desempenho

    No meado do ano passado, uma grande empresa paulistaresolveu modíficar a sua política de avaliações de desem-penho. A tradicional avaliação feita pelo superior imediatofoi criticada como pouco digna de confiança. Nomea-ram-se "comissões" para avaliar cada profissional ou ge-rente. Curiosamente, a iniciativa não demorou em apre-sentar falhas, que terminaram por decretar a sua extinção.O que tinha acontecido? Simplesmente, os diversos inte-grantes das "comissões de avaliação" não conseguiramconcordar quanto ao "critério de desempenho" apropria-do para cada caso. O gerente fmanceiro, por exemplo,achava que um engenheiro de compras era "bom" se faziarigorosa triagem dos pedidos de compra enviados por pro-

    Administração de pessoal

  • dução. Para o gerente de produção, ao contrário, o maisimportante era apenas a rapidez com que os pedidos decompra eram atendidos.

    Assim, o primeiro problema que afeta a função deavaliação de desempenho é o fato do próprio conceito de"desempenho" ser uma abstração normalmente inventadapelo profissional de AP. É certo que para contornar esseproblema utilizam-se "fatores indicadores de desem-penho" (exemplo: capacidade de relacionamento inter-pessoal, responsabilidade orçamentária etc.). No entanto,não é menos certo que diversas pesquisas denunciam oconjunto de tais fatores como representando (se correta-mente) apenas uma parcela do que seria o conhecimentototal de desempenho.

    Em segundo lugar, está a limitada confiabilidade dosmecanismos tradicionais de avaliação de desempenho, istoé, dos ratings construídos pelo superior imediato do em-pregado com base num questionário previamente prepa-rado (por "confíabílidade" entende-se um alto coeficientede concordância entre diversos avaliadores de um mesmoindivíduo). Com base nos resultados de duas pesquisas,descobriu-se que até os sistemas de avaliação mais sofisti-cados entregam ratings distorcidos pelos avaliadores, de-vido a:

    a) efeito de halo - a tendência a avaliar qualquer aspec-to de uma pessoa conforme a(s) sua(s) característica(s)mais marcante(s), como boa presença;

    b) interpretação heterogênea dos critérios de de-sempenho;

    c) tendência a avaliar com base no desempenho maisrecente;

    d) tendência natural a não reconhecer a existência dediferenças interpessoais;

    e) simples distorção pessoal.

    32Em terceiro lugar, encontramos deficiências no pró-

    prio processo comportamental que sustenta a avaliação dedesempenho. Elas são mencionadas num artigo, publicadorecentemente pela Harvard Business Review (5), que co-menta uma pesquisa orientada para controlar a eficiênciado método tradicional:

    1. As avaliações anuais de desempenho global têm valorlimitado. Tanto os superiores quanto os subordinados sãoinclinados a trocar idéias sobre o tema com maior freqüên-cia. (Cada indivíduo parece ter um nível de tolerânciaquanto ao número de críticas que pode fazer ou receberde uma só vez.)

    2. A reação do subordinado médio às críticas do seusuperior é consistentemente defensiva. Aliás, quantomaior a crítica recebida, mais defensiva a reação, queinflui negativamente sobre a disposição do indivíduo paramelhorar o seu desempenho futuro.

    3. Objetivos ambíguos e/ou definidos unilateralmentepelo superior são simplesmente ignorados pelo subordi-

    Revista de Administração de Empresas

    nado (a menos que exista uma situação de franca coer-ção).

    4. As entrevistas de avaliação de desempenho, que in-cluem discussão de salário ou promoção, demandam gran-de esforço emocional da parte do indivíduo. Assim, eledificilmente vai preocupar-se em associar a crítica de suasações passadas ao aprimoramento do seu desempenho fu-turo.

    2.3 Administração salarial

    O sistema de administração salarial é habitualmente criti-cado apenas pelas suas falhas estruturais. As bases da es-trutura salarial, mencionam os críticos, não são muito váli-das desde que associadas intimamente a um sistema declassificação de cargos. Como ocorre na avaliação de de-sempenho, o conceito central que sustenta o sistema (nes-te caso, o cargo) é uma abstração. Assim, a validade dosconhecidos "fatores de classificação de cargos" é tão dis-cutível quanto a dos "fatores de avaliação de desempe-nho". (Não é preciso fazer uma pesquisa para detectar aescandalosa troca de manuais de classificação de cargos,mantida por muitos profissionais de AP, nem para des-tacar as repercussões negativas dessa prática absurda sobreas estruturas salariais das diferentes empresas.)

    Um outro problema "estrutural" do sistema de admi-nistração salarial refere-se à confiabilidade estatística dosdados pesquisados periodicamente no mercado de traba-lho, para atualizar a curva salarial. Essa confiabilidade vê-se freqüentemente prejudicada por deficiências nas amos-tras, ora das empresas pesquisadas (exemplo: será que asfunções do analista de custos são as mesmas numa empre-sa automobilística e numa empresa farmacêutica? ), orado número de observações levantadas para cada cargo(exemplo: a representatividade de qualquer indicador esta-tístico construído a partir de apenas meia dúzia de obser-vações é irrelevante).

    Os problemas "estruturais" mencionados condi-cionam o salário do empregado e, através dele, a sua satis-fação e desempenho no trabalho. No entanto, muitas em-presas demonstram escassa imaginação ao explorar essasituação. Segundo os Profs. R.L. Opsahl e M. D. Dun-nette (6) um exemplo disso é a política de concessão deaumentos salariais por mérito. Após consultarem inúmeraspesquisas sobre o tema, esses autores concluíram que aspráticas salariais das empresas americanas não assumemabertamente uma associação entre os conceitos de desem-penho e aumento salarial. A mesma atitude é éxtensiva anão poucas empresas brasileiras, se consideramos o costu-me paternalista de aplicar o mesmo percentual sobre osalário-base de cada gerente, ao calcular o seu bônus anualpelo conceito de mérito. Finalmente, cita-se o caso dagrande empresa automobilística que, depois de investirfortemente num método de cálculo de aumentos salariaispor mérito baseado no desempenho, viu seus próprios ge-rentes sabotarem essa iniciativa, temerosos de "criar atri-

  • tos interpessoais" ou de confrontar a reação dos subordi-nados que ficaram descontentes.

    Um último aspecto importante, relacionado à aparen-te incapacidade das empresas para explorar o valor motiva-cional do salário, é de ordem qualitativa e diz respeito àforma como é comunicado aos empregados. A controver-tida descoberta do Prof. Herzberg (7), no sentido do salá-rio não possuir valor motivacional, explica-se pelas irri-tantes práticas com que as empresas tentam proteger, exa-geradamente, a confidencialidade do salário. As pesquisasindicam que o sistema de administração salarial é um dostantos "mistérios" monopolizados (aliás inefetivamente)por alguns profissionais de AP, que assim agem com opropósito de fortalecer sua precária posição de poder naempresa.

    3. INTERPRETAÇÃO ERRADA DOS RESULTADOS

    O profissional deposita expectativas impossíveis no alcan-ce dos resultados obtidos pelas técnicas, de forma que o"fracasso" é inevitável.

    Esse tipo de problema caracteriza as atividades detreinamento e, particularmente, as de desenvolvimento ge-rencial.

    A principal falha do conceito de desenvolvimento ge-rencial reside .no seu pressuposto básico: após ser subme-tido a uma experiência de desenvolvimento (exemplo: cur-so estruturado, grupo T etc.), o gerente mudará a sua ati-tude e comportamento (nessa ordem) no sentido desejadopela direção da empresa. O problema é que o conheci-mento científico existente sobre a mudança atitudinale/ou comportamental indica que ela é mais fortementeinfluenciada por fatores situacionais (exemplo: a organi-zação) do que circunstanciais (exemplo: a experiência dedesenvolvimento). Assim, a mudança atitudinal do gerentede manufatura, comentada no começo deste artigo, provo-cada pela experiência em dinâmica de grupos, não foi re-forçada pelas expectativas de outros participantes na situa-ção de trabalho. Expressa logo em termos de comporta-mento, essa situação conflitiva terminou por deixar aogerente o dilema: retomar à sua atitude original ou deixara organização.

    Baseados nos comentários anteriores, os acadêmicosvêm recentemente alertando os profissionais de AP sobreas grandes limitações apresentadas pelos programas de de-senvolvimento gerencial quanto a ativar (ou reforçar) umprocesso de mudança organizacional. Aparentemente, re-quer-se dos profissionais uma reorientação dos seus esfor-ços em duas direções diferentes. Uma orientação de tipoconservadora sugere que os programas de desenvolvimentogerencial enfatizem experiências reais de trabalho (exem-plo: rodízio de cargos). Uma outra, muito mais radical,advoga pela implantação inicial na organização de mudan-ças estruturais capazes de provocar outras de comporta-mento. Juntas, essas modificações facilitarão o caminho

    para que as mudanças atitudinais ocorram eventualmentevia desenvolvimento gerencial.

    4. CONCLUSÕES

    Alguns dos problemas característicos das diversas funçõesde AP, descritos neste artigo, serão novidade apenas parauns poucos profissionais da área. O trabalho, entretanto,não teve intenção meramente descritiva. Como indicadono começo, o seu propósito principal foi demonstrar queos problemas de AP têm sido (e continuam sendo) objetodo interesse científico, expresso em pesquisas e teorias decomportamento organizacional. Além de confirmar a exis-tência dos problemas, essas pesquisas e teorias apresentama vantagem (além da simples intuição profissional) de po-der caracterizá-los, especificando suas causas e sugerindosoluções.

    Assim, embora numa etapa embrionária, as teorias docomportamento organizacional não deveriam deixar de in-fluir sobre as "práticas" de AP. A compreensão teórica dasdiferenças e semelhanças apresentadas pelas motivaçõesdos diversos grupos na organização, por exemplo, é funda-mental para implantar simultaneamente "práticas" tão di-versas como um teste de seleção de aplicação geral ou umsistema salarial baseado no cálculo de "pacotes" de bene-fícios salariais por grupo.

    Finalmente, apenas conhecer as deficiências apresen-tadas pelas práticas estabelecidas não é suficiente; precisa-se refletir sobre a sua causa e natureza, a fun de podermudá-las. O fato das teorias não serem apresentadas emtermos de "receitas de bolo" não deveria então desenco-rajar o profissional de AP. Muito pelo contrário, o sucessodele estaria ligado à sua capacidade para extrair dessasteorias as idéias que lhe permitam desenvolver-se de ma-neira criativa dentro de sua própria empresa. •

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    REFE~NCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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    Revista de Administração de Empresas