Crise? Qual Crise? Da Inteligência!

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Crise? Qual crise? Da inteligência! Parece que não desenvolvemos a habilidade de analisar e compreender nossos problemos e estamos sempre à espera de alguém para nos dizer o que fazer. Este artigo busca apontar algumas razões para esse fato. Ovídio Mendes - CEO da metodologia.inf.br, Advogado e Professor Universitário Basta abrir as páginas dos grandes jornais brasileiro para ler-se que o Brasil enfrenta grave crise econômica e política. Entretanto, as crises parecem ser componente obrigatório em nosso cotidiano. O Rio Grande do Sul, por exemplo, está parcelando os salários de seu funcionalismo porque não dispõe de recursos para pagá-los. A Universidade de São Paulo, a instituição de ensino mais bem posicionado nos rankings internacionais entre as universidade brasileiras, luta

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Parece que não desenvolvemos a habilidade de analisar e compreender nossos problemos e estamos sempre à espera de alguém para nos dizer o que fazer.Este artigo busca apontar algumasrazões para esse fato.

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Crise? Qual crise? Da inteligência!

Parece que não desenvolvemos a habilidade de analisar e compreender nossos problemos e estamos sempre à espera de alguém para nos dizer o que fazer.

Este artigo busca apontar algumasrazões para esse fato.

Ovídio Mendes - CEO da metodologia.inf.br,Advogado e Professor Universitário

Basta abrir as páginas dos grandes jornais brasileiro para ler-se que o Brasil

enfrenta grave crise econômica e política. Entretanto, as crises parecem ser

componente obrigatório em nosso cotidiano. O Rio Grande do Sul, por exemplo,

está parcelando os salários de seu funcionalismo porque não dispõe de recursos

para pagá-los. A Universidade de São Paulo, a instituição de ensino mais bem

posicionado nos rankings internacionais entre as universidade brasileiras, luta

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para controlar uma folha de pagamento superior ao seu orçamento. A Unimed

Paulistana não conseguiu administrar uma carteira com cerca de 740 mil clientes

e terá de transferi-los para outras operadoras. Como um Estado, uma empresa

supostamente sólida e a mais destacada universidade brasileira, com equipes

compostas por profissionais com expertises em suas áreas, podem ser tão

ineficazes e ineficientes em suas gestões? Qual a justificativa para tais

fenômenos?

A resposta parece estar profundamente enraizada nos hábitos dos brasileiros,

como demonstram algumas observações simples, tanto passadas como atuais.

Comecemos com uma observação história, a vinda da Coroa Portuguesa para o

Brasil em 22 de janeiro de 1808 . Em um país com população majoritariamente

analfabeta, um mês após a chegada da Família Real aconteceu a criação da

primeira faculdade brasileira, a Escola de Cirurgia da Bahia (atual Faculdade de

Medicina da Bahia), em 18 de fevereiro de 1808. Um País sem escolas de ensino

básico já tinha uma faculdade!Presentemente, com uma atividade produtiva em

franca contração, a principal iniciativa do governo federal é agravar o cenário

econômico com aumento da carga tributária e dos juros, já entre as maiores do

mundo. De acordo com as informações mais recentes da Receita Federal, em 2013

o total de impostos pagos correspondeu a 35,95% do PIB contra 34,1% dos países

da OCDE. Para melhor ilustrar a irracionalidade da ação brasileira, a China, que

também enfrenta desaceleração em sua atividade econômica, promoveu

acentuada redução em sua taxa de juros, como noticiou o jornal O Globo no

25/08/2015.

Explicitando o argumento ora defendido: no hábito predominante no Brasil as

crenças pessoais ou coletivas são o guia da ação, em detrimento dos dados da

realidade empírica. Ante a confissão de fé na importância de ter-se uma

universidade, qual a importância de a população ser analfabeta? Coisa do

passado? Absolutamente não. Na palestra "Educação: acelerando o futuro"

proferida em 27/04/2009, a presidente do Instituto Ayrton Senna, de acordo com o

portal de notícias Terra, afirmava que os alunos de português da 8ª série do

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ensino fundamental público precisariam de 247 anos para atingirem o nível de

conhecimento da língua materna equivalente ao de alunos de países

desenvolvidos. E o que é feito para melhorar a educação básica no setor

público? Praticamente nada. Mas no setor universitário, reproduzindo o

comportamento de 1808, temos uma enormidade de programas, como Ciência

sem fronteiras, FIES, PROUNI e por aí afora (qual a importância se 65% da

população entre 15 e 65 anos é analfabeta funcional, como aponta o Indicador

Nacional de Alfabetismo Funcional do Instituto Paulo Montenegro ou que, no

ranking da educação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento

Econômico (OCDE Better Life Index), com 36 países, o Brasil ocupasse, em 2014, a

penúltima posição, à frente somente do México?).

O predomínio do elemento crença, ou argumento de autoridade, antítese da

argumentação baseada em dados empíricos, apresenta gravíssimas

consequências para o bem estar material da sociedade. Além de violação da

premissa que fundamenta o conhecimento científico, com predomínio da

observação, descrição e reprodução da sequência dos eventos do mundo físico

contidos em qualquer argumento e consequente confirmação (ou refutação) de

sua validade, ocorrem bloqueios no avanço tecnológico do país. Disciplinas com

fortes potenciais de aplicação, como Data Mining, em que possíveis correlações

entre dados aptas a gerarem conhecimentos novos recebem sistemáticos

incentivos em países com maior desenvolvimento, permanecem desconhecidas

entre nós ou como simples fontes de saberes sem aplicações efetivas. Aliás, um

dos pilares do desenvolvimento econômico contemporâneo, a gestão e

planejamento estratégico em tecnologia da informação com base nas boas

práticas disseminadas pelas modelagens ITIL, COBIT, BPM e CMMI, repousam na

racionalidade das significações derivadas dos dados empíricos e não na

irracionalidade das crenças infundadas.

Finalizando, ao privilegiar os comportamentos e atitudes com base nas

correlações entre ações justificadas predominantemente por crenças e sem

validá-las empiricamente, ignoramos o elemento fático contido nos dados e a

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geração de conhecimento decorrente da transformação crítica dos dados em

informações (crítica porque questionamos continuamente se nossa interpretação

dos dados conforma-se aos fatos de que são extraídos). Ignorando as

informações oriundas da interpretação dos dados, abrimos mão de uma

habilidade essencialmente humana para influir e transformar a realidade com

vistas a solução de problemas, que é a faculdade da inteligência (ou habilidades

intelectuais). Ao perdermos a capacidade de controlar e direcionar eventos para

objetivos específicos possível pelo emprego lógico e racional das habilidades

intelectuais, originamos as crises. Em resumo: a crise brasileira não é

fundamentalmente econômica nem política, mas, essencialmente, uma crise de

inteligência. Em 2015, continuamos intelectualmente tão ingênuos e

despreparados quanto em 1808.