Crise econômica internacional: começou o segundo capítulo?

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Cris e econômica internacional: começou o segundo capítulo? Paula Bach Três elementos fundamentais se combinaram no cenário econômico mundial. A situação econômica e financeira vivida por três países da zona do euro – Grécia, Portugal e Espanha – e, mais em geral, os chamados, depreciativamente, PIGS (Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha) devido à situação crítica das suas economias, seus imensos déficits orçamentários e dívidas públicas. Esta situação além do fato de que poderia se tornar uma séria ameaça para a continuidade da moeda comum européia (euro), apresenta interessantes pontos de contato com a crise da conversibilidade na Argentina em 001, que terminou com a queda do presidente De la Rua. Da mesma forma que, na Argentina, de antes, na Grécia e na Espanha de hoje são anunciados e já estão sendo implementados planos de duros planos de ajustes fiscais, reformas trabalhistas, cortes de conquistas e achatamentos salariais. A Grécia antecipa as primeiras respostas dos trabalhadores e do movimento de massas e na Espanha há uma tensa situação política, com o governo de Zapatero caindo aos seus níveis mais baixos de popularidade. Este processo aparece combinado com a crise no relacionamento entre a China e os EUA que teve origem na recusa da China de valorizar o iuan, um problema que obstaculiza as intenções dos EUA de aumentarem a sua competitividade internacional e reduzir as importações. A resposta dos EUA é ofensiva, com a ameaça da Google de se retirar da China, a venda de armas para Taiwan e o encontro de Obama com o Dalai Lama contra a vontade do governo em Pequim. A economia dos EUA combina um crescimento anualizado de 5,7% do PIB 1 Economista argentina, coordena seminários sobre O Capital no Instituto del Pensamiento Socialista Karl Marx em Buenos Aires. Iniciais dos primeiros três países, Grécia, Portugal e Espanha, mais a Irlanda, e que em inglês significa porcos. Ilha que fazia parte da China e virou refúgio das forças de contrarrevolução de Chiang Kai-Shek em 199. Líder espiritual do budismo tibetano e atual líder do governo tibetano no exílio. para o quarto trimestre de 009, com o desemprego que se mantém em cerca de 10%, e uma profunda crise fiscal e da dívida, que empurram para baixo a popularidade de Obama além dos recentes reveses do Partido Democrata, exemplo disso foi a perda de cadeira parlamentar em Massachusetts, que foi ocupada pelo democrata Edward Kennedy até sua morte. Esses três elementos expressam os limites da forma como o capitalismo impediu que a Grande Recessão fosse transformada em depressão, manifestando-se mais ou menos mediada na crise orçamentária e na dívida pública. Estes elementos podem sinalizar a abertura de uma nova rodada de crise econômica global. Impacto da transformação da dívida privada em dívida pública Após a quebra do Lehman Brothers no final de 008 e do estouro da bolha imobiliária que abriu a mais profunda recessão econômica mundial desde a crise dos anos 0, os Estados capitalistas evitaram a depressão ao custo da conversão de dívida privada em dívida pública. Tanto nos EUA como nos países que constituem a União Européia e no Japão, os maiores bancos de investimento, seguradoras e bancos comerciais (e também empresas como a General Motors) evitaram a falência através da ajuda do Estado. Pacotes de estímulo fiscal e taxas de juros historicamente baixas foram os principais mecanismos para reanimar a demanda e o crédito. Evitando uma limpeza de capitais na magnitude que a crise exigia, conseguiram conter o aprofundamento da depressão, mas apenas deslocaram o problema de lugar, não conseguindo resolvê-lo em seus fundamentos. E, de fato, parte da crise foi transferida do setor privado para o setor público, ou seja, o Estado. Os déficits fiscais e a elevada dívida pública tornaram-se agora o setor mais vulnerável da economia. O mercado de dívida pública sob a forma de ações, títulos e outros instrumentos financeiros funciona de forma semelhante a qualquer outro mercado de capitais e uma vez que os ataques especulativos são direcionados para pontos críticos no sistema, pode-se dizer que “(...) os problemas nos mercados de dívida pública estão começando a se parecer perigosamente com ataques DOSSIÊ Crise econômica internacional

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Crise econômica

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Paula Bach�

Três elementos fundamentais se combinaram no cenário econômico mundial. A situação econômica e financeira vivida por três países da zona do euro – Grécia, Portugal e Espanha – e, mais em geral, os chamados, depreciativamente, PIGS� (Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha) devido à situação crítica das suas economias, seus imensos déficits orçamentários e dívidas públicas. Esta situação além do fato de que poderia se tornar uma séria ameaça para a continuidade da moeda comum européia (euro), apresenta interessantes pontos de contato com a crise da conversibilidade na Argentina em �001, que terminou com a queda do presidente De la Rua. Da mesma forma que, na Argentina, de antes, na Grécia e na Espanha de hoje são anunciados e já estão sendo implementados planos de duros planos de ajustes fiscais, reformas trabalhistas, cortes de conquistas e achatamentos salariais. A Grécia antecipa as primeiras respostas dos trabalhadores e do movimento de massas e na Espanha há uma tensa situação política, com o governo de Zapatero caindo aos seus níveis mais baixos de popularidade. Este processo aparece combinado com a crise no relacionamento entre a China e os EUA que teve origem na recusa da China de valorizar o iuan, um problema que obstaculiza as intenções dos EUA de aumentarem a sua competitividade internacional e reduzir as importações.

A resposta dos EUA é ofensiva, com a ameaça da Google de se retirar da China, a venda de armas para Taiwan� e o encontro de Obama com o Dalai Lama� contra a vontade do governo em Pequim. A economia dos EUA combina um crescimento anualizado de 5,7% do PIB

1 Economista argentina, coordena seminários sobre O Capital no Instituto del Pensamiento Socialista Karl Marx em Buenos Aires. � Iniciais dos primeiros três países, Grécia, Portugal e Espanha, mais a Irlanda, e que em inglês significa porcos.

� Ilha que fazia parte da China e virou refúgio das forças de contrarrevolução de Chiang Kai-Shek em 19�9.

� Líder espiritual do budismo tibetano e atual líder do governo tibetano no exílio.

para o quarto trimestre de �009, com o desemprego que se mantém em cerca de 10%, e uma profunda crise fiscal e da dívida, que empurram para baixo a popularidade de Obama além dos recentes reveses do Partido Democrata, exemplo disso foi a perda de cadeira parlamentar em Massachusetts, que foi ocupada pelo democrata Edward Kennedy até sua morte. Esses três elementos expressam os limites da forma como o capitalismo impediu que a Grande Recessão fosse transformada em depressão, manifestando-se mais ou menos mediada na crise orçamentária e na dívida pública. Estes elementos podem sinalizar a abertura de uma nova rodada de crise econômica global.

Impacto da transformação da dívida privada em dívida pública

Após a quebra do Lehman Brothers no final de �008 e do estouro da bolha imobiliária que abriu a mais profunda recessão econômica mundial desde a crise dos anos �0, os Estados capitalistas evitaram a depressão ao custo da conversão de dívida privada em dívida pública. Tanto nos EUA como nos países que constituem a União Européia e no Japão, os maiores bancos de investimento, seguradoras e bancos comerciais (e também empresas como a General Motors) evitaram a falência através da ajuda do Estado.

Pacotes de estímulo fiscal e taxas de juros historicamente baixas foram os principais mecanismos para reanimar a demanda e o crédito. Evitando uma limpeza de capitais na magnitude que a crise exigia, conseguiram conter o aprofundamento da depressão, mas apenas deslocaram o problema de lugar, não conseguindo resolvê-lo em seus fundamentos. E, de fato, parte da crise foi transferida do setor privado para o setor público, ou seja, o Estado. Os déficits fiscais e a elevada dívida pública tornaram-se agora o setor mais vulnerável da economia. O mercado de dívida pública sob a forma de ações, títulos e outros instrumentos financeiros funciona de forma semelhante a qualquer outro mercado de capitais e uma vez que os ataques especulativos são direcionados para pontos críticos no sistema, pode-se dizer que “(...) os problemas nos mercados de dívida pública estão começando a se parecer perigosamente com ataques

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especulativos contra o setor financeiro de um ano e meio atrás” (El País, �/0�/10).

A intervenção dos Estados para conter o curso da crise gerou, assim, um resultado de duas faces: a quebradeira dos negócios privados é contida às custas de absorver a crise e incentivar a geração de uma nova bolha de dívida pública. O problema está em que, por um lado, a dívida pública constitui, como dizia Marx, o mais fictício de todos os capitais fictícios, já que carece de qualquer tipo de contrapartida real. Por outro lado, no primeiro ato o Estado agiu como avalista dos negócios capitalistas; num segundo ato, se os Estados passam a ser o alvo, quem vai resgatá-los?

Europa: uma casa de loucos As primeiras consequências financeiras dos elevados

endividamentos estatais e de sua duvidosa capacidade de pagamento foram sentidas no pequeno emirado árabe de Dubai. Mais tarde a situação começou a ameaçar seriamente o símbolo mais importante da unidade européia: o euro. Primeiro foi a Grécia. Agora se expande à tríade Grécia, Portugal e Espanha. Porém, sobretudo a Espanha, onde a bolsa de valores sofreu em dois dias uma queda de mais de 7%, situação que o diretor-geral do FMI Dominique Strauss-Kahn comparou com “o que se passou nos Estados Unidos”. Como foi assinalado pelo economista e editorialista do Financial Times, Nouriel Roubini, “se a Grécia é um problema para a eurozona, a Espanha poderia ser um desastre porque se trata da quarta economia da região” (La Nación, 5/0�/10). A economia espanhola caiu “(...) a uma velocidade vertiginosa depois de o país haver entrado em recessão em �008. Seus déficits públicos saltaram de um excedente de �,��% do PIB em �007 para um déficit de 11,�% em �009. A dívida pública espanhola evoluiu de �6,�% em �007 a 55,�% em �009 e deverá chegar a 7�% em �01�”. (La Nación, 5/0�/10). O desemprego na Espanha ronda os �0% e é de longe o maior da eurozona.

A Espanha junto com a Grécia, Portugal e Itália e, por fora da zona do euro, a Grã Bretanha, são os países da União Européia cujas economias foram mais comprometidas no processo de especulação imobiliária. Por esse motivo estão entre as mais diretamente afetadas pela crise iniciada em �008 no coração dos Estados Unidos. Além da Espanha, a Grécia tem um déficit público que alcança 1�,7% do PIB, sua dívida pública está em torno de 110% do PIB, e em Portugal o déficit fiscal chega a 8% do PIB e a dívida pública ao redor de 80%. No entanto, a idéia de que o problema do endividamento afeta somente os “PIGS” é, como assinala o economista marxista francês Isaac Joshua, uma ilusão. Como acaba de reconhecer o presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, os dezesseis países que integram a zona do euro possuem em média um déficit fiscal de cerca de 6% do PIB, um valor que está muito acima dos �% exigidos pela

União Européia. Para tomar alguns exemplos relevantes, nos Estados Unidos o déficit fiscal beira os 11% do PIB, 8% na França, 11,6% na Grã-Bretanha e cerca de 10% no Japão. A dívida pública representa aproximadamente 85% do PIB nos Estados Unidos, 76% na França, 60% na Grã-Bretanha e mais de 100% no Japão.

O problema dos déficits fiscais e do endividamento público em si mesmo não é um problema exclusivo dos “PIGS”, nem sequer é especificamente um problema da eurozona. A particularidade da zona do euro é que ao ser vinculado à moeda européia há o impedimento para recorrer a mecanismos tais como a manipulação das taxas de juros, que são definidas pelo BCE (atualmente sob direção alemã), ou decretar desvalorizações5. A corda quebra sempre no lado mais fraco... É por isso que o ataque especulativo (que com uma fúria particular foi estimulado por jornais como Financial Times e The Wall Street Journal, conselheiros do capital especulativo internacional) se concentrou nos países mais débeis, que para permanecer na zona do euro teriam que implementar fortes ajustes fiscais para reduzir os déficits e a dívida, e aumentar a competitividade externa de suas economias através de reduções salariais e cortes de conquistas operárias, tal como já foi anunciado pelo presidente da Espanha, o “socialista” Rodríguez Zapatero, e o ainda mais “socialista” primeiro-ministro da Grécia, Giorgios Papandreu.

Os limites das políticas de saída da crise se expressam, assim, com todo seu potencial, nos países mais pobres da zona do euro, nos quais o antídoto contra a depressão econômica, o endividamento estatal, não pode continuar ocorrendo se desejam manter-se no marco da moeda européia. Os países mais ricos, como a Alemanha e a França, procurarão manter o euro à custa da exigência de planos neoliberais para os países mais pobres, dando continuidade às políticas de “keynesianismo financeiro” nos países ricos.

No fechamento desta edição se soube que os governos da eurozona haviam decidido ajudar à Grécia, o que abre a possibilidade de que em troca do plano de ajuste anunciado pelo governo seja preparado algum tipo de salvamento que suavizaria momentaneamente as pressões no mercado de títulos. Entretanto, estas políticas, obscenas como são, terão que se deparar (a Grécia é uma antecipação) com a raiva e resistência mais aguda dos trabalhadores e dos setores populares, pois já não se trataria, ao menos nestes países, de conter a crise mas de descarregá-la com os métodos mais tradicionais sobre as massas. Tanto o aprofundamento da crise financeira como o desenvolvimento da resistência do movimento operário, no curto ou no médio prazo, poderiam gerar um contágio

5 Para um estudo mais profundo dos antecedentes da atual crise da União Europeia e do euro, ver Europa frente a la crisis capitalista mundial, de Juan Chingo, traduzido para o espanhol da revista Stratégie Internacionale, �009. Disponível em www.ft-ci.org.

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para a Irlanda e países cada vez mais centrais como a Itália, questionando diretamente a existência do euro ou a manutenção de muitos países na eurozona. Inclusive poderia acabar afetando a própria Grã-Bretanha, que está fora da zona do euro mas dentro da União Européia, possui grandes desequilíbrios em sua economia e cuja moeda, a libra esterlina, está em estado de reserva. A atual crise européia recoloca em cena o velho-novo problema de que a Europa não é nem pode ser um “supra-estado”. Nos anos �0 o economista inglês John Maynard Keynes qualificou o continente europeu como uma “casa de loucos”. A impossibilidade da unidade capitalista européia (e o papel do euro) representa um problema agudo que, ainda que não esteja ocorrendo pela primeira vez na história, mas hoje volta a manifestar-se em toda sua dimensão.

O crescimento dos EUA e o aumento das tensões com a China

Há poucos dias foram divulgados dados de crescimento dos EUA no último trimestre de �009, com uma cifra positiva de 5,7% do PIB anualizado. Este crescimento aparentemente impressionante, que certamente foi o maior desde o início da crise no final de �008, se explica principalmente pela recomposição dos inventários das empresas e os pacotes governamentais de estímulo ao consumo. A recomposição dos inventários se associou ao fato de que durante a pior fase da crise as empresas praticamente liquidaram seus estoques, o que constituiu um fator excepcional que não pode ser considerado como elemento de crescimento estrutural da economia. Como consequencia do freio na queda da economia que já dura dois trimestres, os estoques cairam numa velocidade muito menor do que antes. Segundo a agência EFE “os inventários empresariais se reduziram em ��,5 bilhões de dólares no quarto trimestre, depois de cair 1�9,� bilhões entre julho e setembro” (�/0�). De acordo com a mesma agência “no total, 60% do crescimento do último trimestre obedeceu a essa queda acentuada na redução de inventários, demonstrando que as empresas voltaram a reabastecer seus estoques esgotados pela recessão”. Eliminando-se esses 60%, o crescimento no quarto trimestre representaria cerca de �,�% (sempre em termos anualizados), ou seja, seria menor que o crescimento de �,�% do terceiro trimestre e estaria em consonância com a esperada recuperação fraca da economia dos EUA. Recuperação que, por outro lado, esteve apoiada nas muletas dos planos de estímulo fiscal e juros baixos.

Da mesma forma que com relação aos “PIGS”, os déficits e o endividamento estatal desempenham um papel central em recuperar a economia dos EUA, que está acumulando o maior déficit desde a Segunda Guerra Mundial e tem a maior dívida pública do mundo, equivalente a mais de 1� trilhões de dólares. As dúvidas

sobre a capacidade de pagamento podem resultar numa fonte permanente de instabilidade na economia norte-americana e mundial.

É por isso que a outra face do anúncio do crescimento apareceu como uma profunda crise orçamentária, quase ao mesmo tempo em que se anunciava o índice, e levou a uma série de compromissos pouco confiáveis de redução do déficit fiscal como resultado das pressões republicanas. Inclusive, no último momento e como expressão da debilidade extrema das finanças norte-americanas, o presidente da Reserva Federal, Ben Bernanke, anunciou que procederia à diminuição da base monetária como um primeiro passo para suprimir posteriormente as medidas de estímulo ao que, aparentemente, deveria se seguir um aumento das taxas de juros. Esta medida de duvidosa aplicação imediata, dada a vulnerabilidade da economia norte-americana, buscaria elevar a atração de capitais mediante um maior rendimento aos títulos do Tesouro, acelerando a quebra dos países mais débeis. Não obstante, esse procedimento, no contexto de uma situação extremamente crítica, arriscaria impulsionar novamente uma tendência recessiva à já abalada economia norte-americana. No momento, não apenas a recuperação tem uma débil base estrutural, apoiada como está nos planos de estímulo estatal e dinheiro barato, como além disso demonstra sua debilidade na incapacidade de gerar recuperação do emprego. A taxa de desemprego é de cerca de 10% e representa um dos problemas mais graves enfrentados pelo Estado. Os índices de recuperação da economia não afetam a taxa de desemprego, que mal conseguiu deter o ritmo de sua elevação. Este problema está na base da queda de popularidade de Obama e do debilitamento do Partido Democrata.

O caráter pouco genuino da recuperação da economia norte-americana e, com ele, o elevado desemprego, são os elementos que determinam que os Estados Unidos tenham apostado em uma política de dólar baixo que implica uma atitude internacional mais ofensiva com o intuito de aumentar a competitividade e reduzir as importações.

É nesse contexto que ganha relevância sua relação com a China. As próprias contradições da recuperação negam a possibilidade de que se restabeleça o equilíbrio relativo entre China e Estados Unidos que vigorou durante os últimos anos, e determinam uma política internacional mais agressiva por parte dos Estados Unidos. Eles precisam que a China valorize o yuan6, pretendendo diminuir as importações mas também para captar uma

6 Esta definição pressupõe que a maior competitividade da China está associada apenas a uma política monetária, quando na realidade é só um elemento. A chave da maior competitividade da China está em seus paupérrimos salários, questão que os Estados Unidos jamais mencionarão porque é muito benéfica para suas próprias multinacionais no processo de deslocalização de investimentos para a China que se operou durante os últimos anos.

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importante parcela de seu mercado interno. Estes são os elementos por trás da mudança na política “amigável” norte-americana e sua atual ofensiva sobre a China com o objetivo de debilitá-la e subjugá-la7.

Rumo ao incremento das contradiçõesAs medidas que, em seu conjunto, os principais

Estados capitalistas aplicaram para conter a depressão encontraram um limite. As instabilidades assinaladas põem em cena a situação paradoxal de que não se pode continuar como até agora, porém uma mudança de política no sentido de reduzir os estímulos fiscais e aumentar as taxas de juros, no contexto de uma recuperação que quase nada tem de estrutural, conduziria a uma nova recaída. Em princípio é provável que esta situação redunde numa combinação eclética de planos neoliberais nos países mais débeis e a continuidade do salvamento nos mais fortes, ainda que este último processo ameace com crises recorrentes e provavelmente leve a mudanças abruptas de políticas com conseqüências imprevisíveis. Selvagens planos de ataque nas nações mais débeis vão incentivar, seguramente, um recrudescimento da luta de classes que poderia contagiar as nações mais fortes que vivem grande elevação no desemprego, como no caso dos Estados Unidos.

A estratégia de desvalorização do dólar e a política de “mão aberta” dos Estados Unidos com relação à China, que objetivava uma recuperação mais estrutural da economia norte-americana, – de uma maneira geral – fracassou. Também estão abortando as tentativas no interior da União Européia de manter nos marcos do euro economias profundamente desiguais, deixando correr desequilíbrios extremos. Todos esses elementos vão provocar, estão provocando, maiores contradições no interior dos blocos ou nos pretensos blocos existentes. Por sua vez, um aprofundamento da crise na Europa aumentaria as tendências à desvalorização do euro, cuja contrapartida seria a valorização do dólar. Este elemento afetaria seriamente as tentativas dos Estados Unidos de recompor sua competitividade mundial e reduzir as importações, tornando mais agudas as tensões entre blocos e, em particular, entre as potências como Estados Unidos e Alemanha. Tanto estes elementos como as tensões entre Estados Unidos e China (que não se pode esquecer que mesmo sendo um país dependente trata-se da terceira economia mundial, atrás dos Estados Unidos e do Japão, possuindo ��% dos títulos do Tesouro norte-americano) poderiam conduzir a um incremento do protecionismo e a um maior estancamento do comércio mundial.

Muito além dos tempos concretos, estamos diante dos primeiros elementos de uma nova rodada da crise mundial

7 Para aprofundar sobre a questão das tendências da relação entre a China e os EUA, no marco das condições da recuperação econômica, ver “Cuatro preguntas sobre la situación econômica mundial. Crujidos de la ‘recuperación’”, de Paula Bach, em La Verdad Obrera nº �55 (www.pts.org.ar), dezembro, �009, Buenos Aires.

que muito provavelmente aumentará as contradições no interior dos blocos ou semi-blocos, entre os Estados, com maiores ataques ao movimento de massas, maiores desigualdades econômicas e maior luta de classes. Não parece que no imediato se volte a um curso depressivo coordenado do conjunto da economia mundial, como ocorreu no final de �008, entre outras questões porque o principal afetado por ora não é nenhum país central. Entretanto, é muito provável que de forma mais estendida no tempo estejam se gestando as condições para uma nova recaída que, numa primeira etapa, provavelmente seja mais desigual que a de �008, porém que no médio prazo possa voltar a colocar na cena de forma mais violenta não apenas as condições da depressão econômica mas também aquelas do enfrentamento entre Estados e do desenvolvimento da luta de classes.

“A atividade febril dos últimos dias de vida de Rosa Luxemburgo, em pleno calor das

mobilizações operárias e da formação de sovietes em varias cidades da Alemanha – ao

fundar o partido comunista, ao procurar articular a vanguarda revolucionária ou ao priorizar

os conselhos operários contra o parlamento, por exemplo - valem como atestados públicos no sentido

de afirmação de uma Rosa amadurecida e mais convergente ainda com a perspectiva

revolucionária (bolchevique) dos sovietes em sua condicão de “espinha dorsal” da revolução; sua última

trincheira, os combates das últimas semanas de vida, foram travados por Rosa contra a política do

governo social-democrata, onde e ste opunha a democracia parlamentar e o sufrágio universal ao

poder “minoritário” daqueles conselhos operários”.

(Apresentação do livro Rosa Luxemburgo 90 anos, Brochura, 60 pgs. Edições Centelha Cultural, Brasília, �009, p.6)

“A possibilidade de experimentar sentimentos puramente humanos em nossas relações com

outros seres humanos acha-se já hoje, bastante atrofiada pela sociedade erigida sobre os

antagonismos e o regime de classe em que nos vemos obrigados a mover-nos; não há razão alguma

para que nós mesmos a atrofiemos ainda mais, sacramentando esses sentimentos em uma religião”

(Engels, Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã).