CORREA, M. D. C. Direito e imanência. O que é pensar a diferença
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Direito e imanncia: o que pensar a diferena?Murilo Duarte Costa Corrai
ndice. I Imagens da Filosofia do Direito; II Signos e afectos: aquilo que da pensar; III A diferena ensima potncia; IV Notas; V Referncia
Resumo. O presente texto fruto da comunicao realizada na mesa Direito e ps -estruturalismo, do I Colquio Baiano de Filosofia e Direito (Direito e Filosofia:Conversaes), organizado pelo curso de Graduao em Direito da Universidade Catlica deSalvador (UCSAL/BA). Partindo de uma breve cartografia da condio da Filosofia do Direitocontempornea, bem como de suas principais influncias modernas, pretende-se elucidar umavia alternativa Filosofia contempornea do Direito baseada na filosofia da diferena e dacrtica representao que atravessam por toda a obra de Gilles Deleuze. Sem adiantarconcluses sobre a viabilidade da presente proposta luz da Filosofia do Direito, o presenteensaio, de pequeno flego, afigura-se uma investida em direo renovao do direito a partir
de um pensamento da diferena. Trata-se, pois, de uma etapa antecedente e, no entanto,necessria, quilo que evocando uma tradio renegada pela Filosofia do Direito do ocidente chamei outrora Filosofia do Direito na imanncia ou, simplesmente, Direito naImanncia.
Palavras-chave. Diferena; Ps-Estruturalismo; Direito; Pensamento.
I
Imagens da Filosofia do Direito
Se retomssemos uma certa tradio comum qual se filiam as filosofias da
justia ditas contemporneas e aqui devo limitar-me a elucidar brevemente aquilo que
nelas h de hegemnico , perceberamos sem dificuldade que elas derivam de dois
eixos modernos da filosofia poltica. Primeiro, uma certa matriz contratualista de raiz
deontolgica, da qual derivam a antropologia moderna, a crena na autonomia moral e
racional dos homens, como encontramos comumente em Jean-Jacques Rousseau (2006)
e Emmanuel Kant (1980); de uma divergncia no interior dessa mesma tradio, haver
toda uma formulao muito peculiar do problema da soberania, nascida no momento da
passagem do estado de natureza, e do direito natural, sociedade civil passagem que,
se retornarmos ao De Cives hobbesiano (Hobbes, 2002), deve envolver a transferncia
dos direitos naturais dos sditos em benefcio do soberano poltico.
Por outro lado, a tradio contempornea entretm-se com o utilitarismo clssico
de Jeremy Bentham (1907) e John Stuart Mill (1879), no seio do qual aproveita
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certo que muito criticamente alguns conceitos-chave da modernidade. dizer, a
filosofia contempornea do direito extrai do utilitarismo noes puras de soberania,
liberdade e igualdade, mas, tambm, um princpio emprico de governamentalidade que
servir elaborao de mecanismos disciplinares ii no sculo XVIII em diante. Como
Foucault nos mostra em meados dos anos setenta, os mecanismos de disciplina no
desapareceram durante o novecentos, mas foram paulatinamente integrados a estratgias
microfsicas de normalizao das condutas, mecanismos de segurana e, mais
recentemente, como atestam Deleuze (2008, p. 219-226) e Agamben (2008, p. 89), de
dispositivos de sujeio biopoltica nas sociedades de controle. Como eu mesmo
observei em outro lugar (Corra, 2010), Foucault distingue com muito rigor os
conceitos de disciplina, norma e mecanismo de segurana; isso, porm, no significa
que eles no possam sofrer entrecruzamentos em dado momento histrico, como o
prprio Foucault reconhece em algumas passagens de Segurana, territrio, populao
(Foucault, 2008, p. 10) iii.
Em resumo, poderamos dizer que a filosofia do direito hegemnica fundamenta-
se em trs eixos derivados diretamente desse contexto da modernidade: (a) A Filosofia
do Direito contempornea , hegemonicamente, contratualista. John Rawls (2008),
considerado o mais relevante filsofo poltico e do direito dos ltimos quarenta anos,
no por acaso transforma o modelo moderno do contrato social em um esquema
hipottico de raciocnio. Seu conceito de posio original supe sujeitos ideais,
racionais e interessados, mas forados imparcialidade por encontrarem-se
condicionados pelo vu da ignorncia. Assim, Rawls concebe o que se pode chamar de
uma teoria da justia procedimental pura, pensada no a partir da igualdade substancial,
mas de critrios de equidade, dos quais derivaro seus princpios de justia. Isso seria
suficiente para indicar, em nossa tradio, a persistncia de uma raiz contratualista, que
busca dar conta de problemas essencialmente modernos, como a Razo de Estado, de
suas instituies, distribuio de riqueza e recursos sociais, Constituio Poltica,
relaes Soberano-Sdito, Igualdade e Liberdade etc.
(b) Pode-se dizer, ainda, que a Filosofia do Direito contempornea , em
segundo lugar, moralista. A qualificao no deve ser entendida apenas no sentido
negativo da palavra, mas significa que o corao das teorias da justia habitado por
certo sistema axiolgico varivel desde Hans Kelsen (2001, p. 01-25) que, ao
contrrio do que muitos pensam, efetivamente possua um conceito de justia at
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filsofos do direito como John Rawls, Richard Posner (2010), Ronald Dworkin (2005)
ou Amartya Sen (2010). Toda a histria da Filosofia do Direito que conhecemos passa,
portanto, pela histria do desacerto e da variao conceitual do valor de justo. A grande
deficincia que permite reunir essa Filosofia contempornea em torno do signo do
moralismo, ou das teorias dos valores, encontra-se em ignorar que os valores nunca
antecedem os afectos; repetido diversas vezes determinado valor de justo, a ideia de
justia como sistema primrio de afectos, sensaes, decai em proveito de uma histria
do conceito de justia como um valor varivel desatrelado do corpo que, em sentido
espinosano, pode ser entendido como poder de afetar e de ser afetado (Espinosa, 2007).
(c) Finalmente, chegamos a uma terceira caracterstica que perpassa toda a
Filosofia do Direito atualmente: seu liberalismo e uma relao aparentementeindecomponvel entre justia e mercado. Tal relao encontra sustentao em uma
ideologia bastante limitada, e at hoje pouco implementada nos pases subdesenvolvidos
ou, ditos, em desenvolvimento, como Brasil, China e ndia, que reduz todo o conceito
de democracia democracia liberal, e que garante formalmente a proteo aos direitos
humanos, mas se apresenta ainda hoje deficitria se cotejarmos a previso formal de
garantias constitucionais, direitos individuais e sociais e sua efetividade no plano
sociolgico ou emprico.
Negri e Hardt (2006), em um sentido prximo, parecem ter decifrado o modelo
de autoridade imperial e de produo biopoltica que se encontra por baixo de um
direito cada vez mais internacionalizado, atacando, inclusive, o modelo dos valores
universais como um aparelho de captura da belle me que parece recobrir as
heterogneas projees imperiais (Negri; Hardt, 2006, p. 35-39). Exemplar a esse
respeito o desacoplamento entre discurso e prtica imperiais: hoje, todas as guerras e
massacres financiados pelo Ocidente no Oriente tm por leitmotiv a nobreza do objetivo
humanista irrefutvel de levar ao Oriente teocrtico os Direitos Humanos e o modelo
democrtico liberal laico (leia-se, capitalismo cognitivo de mercado), que parece
esgotar todo o sentido possvel da democracia contempornea. Caso nos acerquemos de
Dworkin, por exemplo estranhamente chamado de igualitarista , veremos que entre
as justificaes de seu modelo ideal de justia igualitria est uma espcie de derrisrio
autoelogio do professor de Harvard por ter conseguido, com o modelo do leilo
hipottico, criar um modelo ideal que utiliza uma categoria de mercado (o leilo) como
estratagema terico. Se com Rawls o egosmo presumido como dado natural de seus
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sujeitos ideais, e o desafio fazer frente ao mercado por meio de uma teoria da justia
procedimental pura capaz de assegurar resultados equitativos na diviso dos benefcios
sociais, com Dworkin o modelo ideal de justia deixa de significar uma tentativa de
responder ao mercado com equidade distributiva e passa a receber em seu corao um
modelo extrado da economia de mercado.
Esses so apenas alguns fios invisveis que, por um lado, preciso tornar
aparentes na Filosofia do Direito contempornea e que, por outro lado, permitem-me
chegar justificativa da necessidade de renovar a filosofia do direito, desfazendo essas e
outras transcendncias hegemnicas. Uma nova possibilidade de pensar um direito que
foi sequestrado pela tcnica jurdica ou pelo ideal impotente deseja perguntar-se sobre
uma tradio filosfica menor, que seja suficientemente potente para desativar asFilosofias do Direito contemporneas (escritas com maisculas, porque so saberes de
estado) e, com sorte, lev-las a travar pequenas guerras de guerrilha consigo mesmas
(Deleuze, 2008, p. 07). A essa filosofia do direito menor, um contra-afecto, uma
tentativa de desativar o sistema do juzo e, sobretudo, incorporar no direito uma
filosofia da diferena que j no passe pelas quatro dimenses da representao
(identidade, semelhana, analogia e contrariedade), chamei certa vez de filosofia do
direito na imanncia, filosofia de ruptura ou, simplesmente, direito na imanncia
(Corra, 2009), com minsculas: saber sem modelo, filosofia menor, cujas matrias so
feitas unicamente de criao, de experincia e de devir.
II
Signos e afectos: aquilo que d a pensar
Logo somos tragados, portanto, pelo problema da diferena muito alm do
qual no pretendo ir, hoje noite. Tudo se passa como se responder questo o que
pensar a diferena? fosse essencial a uma filosofia do direito devolvida a seu plano de
imanncia. Para ensaiar uma breve resposta, devemos ter em mente que, em Proust e os
signos, Deleuze (2006b, p. 88) escreve que toda verdade verdade do tempo. Essa
pequena frase que Deleuze escreve a propsito da Recherche proustiana uma forma
nada convencional de perguntar-se, em Deleuze, o que significa pensar, e o que
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palavra para exprimir esse o que d a pensar. Deleuze chama o que d a pensar de
signo; o signo est sempre lanado a um encontro marcado, a um s tempo, pela
contingncia e pela necessidade (Deleuze, 2006b, p. 91).
Contra o pensamento imaginado como uma possibilidade natural, o que emDiferena e Repetio encontrar eco na poesia de Antonin Artaud conclamando os
idiotas a aoitarem o prprio inatismo , aparece, pela primeira vez, uma breve
definio deleuziana de pensamento que alcanar verdadeira celebridade nos anos
noventa e, por vezes, suscitar a seu redor alguma suspeita: O ato de pensar [...] a
nica criao verdadeira. A criao a gnese do ato de pensar no prprio pensamento.
Ora, essa gnese implica alguma coisa que violenta o pensamento, que o tira de seu
natural estupor, de suas possibilidades apenas abstratas. (Deleuze, 2006b, p. 91).Aquilo que Proust criticava nas filosofias de boa vontade eram a arbitrariedade e a
abstrao das ideias; ideias que ignoravam as foras, as zonas obscuras que precipitam
as foras que nos violentam a pensar.
Nesse sentido, reencontramos talvez o cerne do campo problemtico que faz
corpo com o plano de imanncia deleuziano, o terreno de criao de seus conceitos mais
prprios e impessoais: Deleuze est sempre s voltas com o problema da gnese seja a
gnese do novo, do pensamento ou mesmo da diferena. Responder a ele passa porsaber que as coisas vm a ser, pois bem, mas essa constatao trivial logo se aprofunda
no problema de Deleuze, e torna-se uma infinita proliferao de ensaios para responder:
como tudo vm a ser?, como algo pode estar lanado a uma cadeia heterognea de
devires?,Como tornar o devir objeto de uma afirmao no seio do ser, de uma forma
tal que ser e devir coincidam sem resduos?. Tudo isso pode ser sintetizado em uma
palavra muito cara ao vocabulrio deleuziano, e cujo dbut assistimos em 1962, nas
pginas de Nietzsche et la Philosophie: genealogia. dizer, como o prprio Deleuze a
define a propsito da filosofia de Nietzsche, genealogia remete a um princpio
diferencial e gentico, assim como a vontade de potncia interpretada, ao mesmo
tempo, como um complemento das foras e como algo de interno a elas, uma espcie de
querer interno (Deleuze, 1962, p. 56) que, para Deleuze, delas inseparvel, mas
delas diferenteiv.
A verdade no surge, pois, da boa vontade ou da comunicabilidade, mas do ato
de pensar coagido pelos signos, pelas presses da obra de arte. O amante ciumentoque descobre no rosto da pessoa amada um signo de mentira afetado por ele e busca a
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verdade sempre mantendo alguma relao inseparvel com o tempo. H, portanto,
alguma sntese importante no seio das faculdades sensveis. No por acaso a verdadeira
possibilidade de pensar fora das tagarelices alvissareiras da amizade nasce quando um
signo, uma vez emitido, afeta o sensvel, faz, com ele, um corpo, aumenta ou diminui a
potncia de agir desse corpo; apenas ao preo de atravessar pelo corpo como uma
variao de intensidade e, em Deleuze, nunca h quantidades puras de intensidades, s
diferenas, apenas variaes , que traduzir, decifrar, desenvolver podem ser as
faculdades envolvidas pelo pensamento. O signo objeto de um encontro, contingente e
ao mesmo tempo necessrio; o signo envolve e contm o sentido daquilo que se
desenvolve em Ideia, porque a Ideia j estava contida no signo, mas como uma
virtualidade, uma invisibilidade, no estado obscuro [pode-se ler: dionisaco] daquilo
que fora a pensar (Deleuze, 2006b, p. 91).
Quando Deleuze se pergunta, portanto, o que pensar?, o sentido envolvido
nas ideias de memria involuntria, em Proust, e de inatismo do pensamento, em
Artaud, afetam Deleuze ao desenvolvimento de um sentido que se encontra enrolado e
obscuro nas obras de arte, e que s podem emergir como um afecto. Desse
desenvolvimento, surge uma pergunta que Deleuze (2006a) tentar desdobrar e
circunscrever durante todo o Diferena e repetio: como engendrar pensar no
pensamento?. Uma vez mais, o problema da gnese e da criao encontra, no signo, o
limite exterior do sensvel.
Engendrar pensar no pensamento a partir dos signos, daquilo que d apensar,
portanto, logo convm com o problema de pensar a diferena. No interior desse
prottipo da gnese do pensamento entendido como a criao que deve emergir do
encontro com um signo, a assimetria entre signo e sensvel expe a diferena entre uma
simples recognio platnica acerca do claro e do distinto exerccio voluntrio da
faculdade do pensamento , e o momento involuntrio em que se pensa forado pela
contingncia e pela necessidade. O sensvel suscita o problema, expe o obscuro ser do
problemtico, como se o objeto do encontro, o signo, fosse portador do problema
(Deleuze, 2006a, p. 204). A Ideia distinta e obscura porque um sentido singular
permanece envolvido nos signos e, todavia, deve ser desenvolvido ao preo de
violentar-se o pensamento, isto , engendrar pensar no pensamento. O advento de uma
Ideia provocada por um signo: eis o momento em que o pensamento advm e a verdade
o signo se trai. Ser toda verdade uma verdade do tempo significa que o tempo trai a
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verdade do signo ao diferi-la no encontro com o sensvel. A isso, Deleuze chama de
sntese assimtrica do sensvel. Os sentidos de um signo e seu desenvolvimento
diferencial na Ideia foram o maior elogio que, depois de Nietzsche, um filsofo pde
fazer s potncias do falso.
III
A diferena ensima potncia
O projeto deleuziano de constituir uma filosofia da diferena tem o hegelianismo
como inimigo declarado. Em diversos textos, Deleuze transforma em teatro filosfico o
combate entre Hegel e Nietzsche. Para Deleuze, o hegelianismo representaria um dos
ltimos graus da subordinao da diferena representao. Sendo preciso liberar a
diferena de uma tradio vinculada s exigncias do Mesmo, na repetio que
Deleuze encontra a condio para emancipar a diferena das quatro grandes iluses da
representao na metafsica ocidental: a identidade, a semelhana, a oposio e a
analogia (Deleuze, 2006a, p. 368-374). Todo o Diferena e repetio significa uma
violenta e transmudadora apropriao da filosofia da representao; violenta porque a-
fundar o mundo da representao importa destituir o lugar de uma viso tranquilizadora
da filosofia; transmudadora porque a diferena deve ser liberada de sua submisso ao
idntico e (para sermos malvolos com Hegel) tornada absoluta. Queremos pensar a
diferena em si mesma e a relao do diferente com o diferente, independentemente das
formas da representao que as conduzem ao Mesmo e as fazem passar pelo negativo,
escreve Deleuze (2006a, p. 16). Transmudadora, ainda uma vez, porque a filosofia lanada a um devir ativo quando a diferena tornada objeto de uma afirmao pura.
dizer, a partir da repetio que, por encontrar-se sempre j atravessada pelo tempo, no
pode nunca encarnar uma reproduo material nua, Deleuze quer atingir o seio em que a
gnese da diferena criao de diferena o plano de imanncia a terra atravessada
pela rachadura do tempo.
Por isso propus a pequena e estranha frase de Deleuze: Toda verdade verdade
do tempo, porque nenhuma verdade essencial; o essencial na verdade a diferena
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que ela capaz de expressar na sntese assimtrica do sensvel. No interpretamos
signos para atingir a sua preciso conceitual absoluta, a sua essncia hermenutica
pretend-lo j significa tomar o signo como um afecto que produz em ns a ressonncia
de uma diferena que j no se deve ao suporte material do signo, e muito menos
inclinao do sujeito cognoscente. O modelo diferencial deleuziano , portanto,
espinoso-bergsoniano o modelo do encontro contingente e, todavia, necessrio, dos
corpos com consistncia material ou espiritual.
No entanto, como garantir que a repetio material nua permanea impossvel?
Como garantir que a repetio, ou o eterno retorno, no faam retornar o negativo, ou o
Mesmo? Como garantir que o tempo no retorne a si mesmo como uma aliana divinal
e negativa? luz do bergonismo deleuziano (Deleuze, 1966), sabemos que mesmo amatria, que parece perseverar em uma repetio nua, dura, est sujeita ao
desagregadora logo, criadora do tempo. Gostaria, no entanto, de esboar a sada do
problema da repetio do Mesmo mais precisamente a partir de Nietzsche.
A repetio pressupe o tempo. Uma repetio material, ou nua, tal como diria
Pelbart (2007, p. 123), desmancha-se na sucesso dos casos. A repetio representada
como nua, segundo Deleuze (2006a, p. 96-97), supe um esprito e uma contrao
passiva dos casos na imaginao. Resultante de uma sensibilidade orgnica primria, talcontrao das repeties no esprito que contempla funda o presente e os eus larvares. O
presente, de uma maneira sub-representativa, contrai os instantes. A esse mundo, vida
tal como vivida, Deleuze chama comumente de Atual.
Em Le bergsonisme, porm, nasce uma outra ideia de presente em relao com a
memria. Deleuze (1966, p. 72) a descreve como o nvel mais contrado do passado,
em remisso ao clebre captulo III de Matire et Mmoire (Bergson, 2001). Para essa
sntese, supe-se no mais uma simples repetio nua ou material, mas uma repetio detipo espiritual, em que o passado como Todo Virtual contrado, e, ao invs de suceder,
saltando de instante em instante, coexiste com o presente como sua forma mais
contrada.
Esse dualismo bergsoniano especialmente a verso virtual para explicar a
sntese do presente logo enseja a segunda sntese do tempo, a sntese do passado, ou
da memria, o fundamento do tempo. Sem querer, acabamos por retornar a uma ideia
muito cara a Deleuze em Proust e os Signos: o conceito de memria involuntria. Opassado apresenta-se como a condio transcendental pela qual os instantes se sucedem;
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no entanto, o passado no pode ser compreendido como se fosse um antigo presente.
Isso se deve ao fato de que o passado, o imemorial, so anteriores a qualquer repetio e
contrao espiritual ativa. dizer, sendo sub-representativos e, portanto, atravessados
pelo esquecimento como potncia prpria, o passado e o imemorial antecedem toda
representao espiritual ativa, que, ao recordar-se, deve vencer o imemorial.
Memria, como ser do passado, no se confunde com lembrana, ser passado,
objeto emprico que um dia foi presente. Por essa razo, Deleuze escreve que O
passado no o antigo presente, mas o elemento no qual este visado (Deleuze,
2006a, p. 124). A memria involuntria na medida em que assume a forma de um
passado que nunca foi presente (Deleuze, 2006a, p. 149). No plano dessa segunda
sntese do tempo, a de Mnemsina, o imemorial pode retornar, mas sempre diferente,involuntrio, transcendental; nunca como signo de uma repetio nua.
A possvel analogia e circularidade das duas repeties anteriores prepara o
advento da terceira sntese do tempov, a do futuro, a qual recoloca o problema da
diferena sob o ponto de vista do eterno retorno. Um terceiro tempo advm unicamente
a fim de romper definitivamente o crculo que as duas primeiras repeties poderiam
ensejar. Entrando-lhe pelo miolo, a linha da terceira repetio, que possui uma forma
imanente, arrebata a circularidade que subordina as duas repeties anteriores. aterceira repetio que as distribui [as repeties] segundo a linha reta do tempo, afirma
Deleuze (2006a, p. 408).
a interpretao do eterno retorno nietzscheano que permitir a Deleuze levar a
crtica da filosofia da representao a seu extremo, e a diferena ser, enfim, conduzida
sua ensima potncia. Trata-se de estabelecer, no interior do eterno retorno, um
vnculo conceitual com a repetio e a diferena. O que significa retornar eternamente?
Que tipo de relao com o tempo estaria envolvida em um eterno retorno mstico eobscuro, do qual Nietzsche pouco fala mas, sobretudo, qual a relao intrnseca do
eterno retorno com a vontade de potncia?
Na terceira parte do Zaratustra, de Nietzsche, ora sai da boca do ano, ora da
boca dos animais, a ideia de que o tempo um crculo; de que a roda do ser um eterno
girar vazio e sobre si mesmo, o centro est em toda parte. Curvo o caminho da
eternidade. Da viso e do enigma, bem como O convalescente, mostram um Zaratustra
encarando o fundo de horror que pode haver em um eterno retornar que o eternoretornar do mesmo a roda do ser gira em falso sobre seu prprio centro, que j est em
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todos os lugares e menores acontecimentos. Aquilo que faz Zaratustra adoecer
(Nietzsche, 2008a, p. 257) , par excellence, a anteviso de que tudo retorna, mesmo o
homem apequenado.
Deleuze l o Zaratustra como um teatro filosfico; como tal, percebe queZaratustra nunca enuncia o eterno retorno como eterno retorno do mesmo. A hiptese
circular do eterno retorno sempre levantada pelo ano de quem Zaratustra zomba e a
quem pede No simplifiques demais as coisas, esprito de gravidade, ora pelos
animais, a quem Zaratustra chama farsantes. O ano o demnio do niilismo, o
esprito do negativo; a guia e a serpente, animais de Zaratustra, exprimem o eterno
retorno, mas como eterno retorno do mesmo, de maneira animal (Machado, 2010, p.
88).No se deve esquecer que, se h uma possibilidade de ler Nietzsche
antropologicamente isto , de encontrar uma diferena entre o homem e o animal em
sua obra , ela deve passar por uma qualidade diferencial em suas relaes com o
tempo.
Na Segunda Considerao Intempestiva, intitulada Da utilidade e desvantagem
da histria para a vida, Nietzsche (1990, p. 95-96) diferencia o homem do animal em
face da qualidade de sua relao com o tempo. O animal vive feliz, aferrado unicamenteao instante presente; cada instante se sucede como se fosse nico, de modo que o animal
vive anistoricamente. Por isso, os animais de Zaratustra no podem contemplar seno o
eterno retorno do instante sem a capacidade de operar no esprito uma sntese passiva
que guarde um pouco de virtual, ou de memria; toda a sucesso diferencial dos
instantes compreendida como o uniforme retornar da forma vazia e circular do tempo.
Por sua vez, o homem tem de viver preso ao fardo da memria. O passado lhe
parece to sombrio e pesado, que chega a invejar uma forma de vida bestial. O homem
s surge na natureza quando lhe advm a memria essa teria sido uma das principais
teses de Nietzsche acerca das ontologias do humano. No h humano antes da
memria.vi O peso sombrio da memria erige, no animal-homem, uma nova relao
com o tempo e, com ela, o faz padecer de uma tristeza que nenhum animal havia
experimentado.
porque o advento de uma forma-homem est ligada histria da gnese da
memria como uma nova qualidade de relao com o tempo que, j no incio da
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Segunda Dissertao da Genealogia da Moral, Nietzsche (2008c, p. 47) escreve que o
verdadeiro e paradoxal problema que a natureza se imps com relao ao homem
o de criar um animal capaz de fazer promessas. Porque o ano, esprito do niilista, no
consegue livrar-se do peso perturbador da memria, o tempo o eterno retornar de uma
memria que o acossa desde a origem, e forma um crculo com o presente que a
filosofia da diferena precisa romper.
certo que tanto nos primeiros pargrafos da segunda dissertao de Genealogia
da Moral, quanto ao longo da Segunda Considerao Intempestiva, Nietzsche confronta
a forma-homem, e o pesadume de sua memria, com a potncia do esquecimento, uma
fora ativa e contrria, animal e vital que habita o corao da memria. o
esquecimento que traz ao homem a paz de esprito, um pouco de sossego, um pouco detabula rasa da conscincia, para que novamente haja lugar para o novo (Nietzsche,
2008c, 47). Sem essa vis activa que o esquecimento, viveramos amargurados com o
passado. O esquecimento o que faz o tempo passar.
Zaratustra, pelo contrrio, no homem nem animal, mas o primeiro iniciado, o
devoto da terra, uma espcie mais alta de regozijo do animal no homem como
anunciador do alm-do-homem ou, como Nietzsche (2008b, p. 80-81) o anunciar em
Ecce Homo, Zaratustra, uma espcie de portador da grande sade. Zaratustra adoececom o niilismo do ano, mas sorri e convalesce com seus animais; rindo de sua
ingenuidade ao pensar que o tempo um crculo, redime o animal no homem, e os
afirma em devir. Da segunda vez, quando Zaratustra ri, j no se trata do eterno retorno
do mesmo.
Dito isso, voltamos a Nietzsche et la Philosophie, a fim de compreender como
Deleuze interpreta o eterno retorno nietzscheano e, bem assim, por que razo afirmar
em Diferena e repetio que Nietzsche o pice de uma filosofia da diferena.
O argumento deleuziano fundamental parece aproximar-se de um excerto de Da
viso e do enigma. Defronte a um portal, o ano desce das costas de Zaratustra,
aliviando-o, e este lhe fala do eterno retorno, seu pensamento abissal:
Olha esse portal, ano!, prossegui; ele tem duas faces. Dois caminhos quese juntam; ningum ainda os percorreu at o fim.
Essa longa rua que leva para trs: dura uma eternidade. E aquela longa rua
que leva para frente outra eternidade.
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so os mais profundos; quem olha para dentro de si como para um espao sideral e traz
vias lcteas em seu interior, sabe como so irregulares todas as vias lcteas; elas
conduzem ao caos e ao labirinto da existncia (Nietzsche, 2007, p. 214-215).
De incio, fica claro que Nietzsche ensaia destituir a autoridade da ideia decrculo no cosmos, reconduzindo-o de um aparente estado de equilbrio e regularidade
ao caos. Isso se deve a uma relao histrica que, ademais, Agamben (2005) mostrara
muito sinteticamente, entre uma certa concepo antiga, e platnica, de tempo como
circularidade simples derivada do movimento dos astros e sua retomada, pela filosofia
teolgica medieval, por exemplo, quando Agostinho de Hipona se pergunta se, por
acaso, os astros parassem de se mover, e a roda de um oleiro continuasse a girar, haveria
sido suprimido o tempo. Nietzsche dispara, portanto, contra as variaes de toda umatradio metafsica ocidental e, mais tarde, crist, que pensa o tempo como eterno
retornar do Mesmo.
Contudo, o eterno retorno aproxima-se verdadeiramente da vontade de potncia
apenas em um segundo aspecto: a que Deleuze chamar de eterno retorno como
pensamento tico e seletivo. Mesmo em Alegoria, Nietzsche parece supor uma
contiguidade entre eterno retorno em sentido cosmolgico, ou fsico (a rbita irregular
dos astros, o cosmos reconduzido ao caos) e o eterno retorno em sentido tico ouseletivo especialmente, quando escreve quem olha para dentro de si como para um
espao sideral e traz vias lcteas em seu interior, sabe como so irregulares todas as vias
lcteas; elas conduzem ao caos e ao labirinto da existncia. Seu desenvolvimento,
porm, aparece um pouco mais tarde, no clebre aforismo 341, O maior dos pesos:
E se um dia, ou uma noite, um demnio aparecesse furtivamente em sua maisdesolada solido e dissesse: Esta vida, como voc a est vivendo e j viveu,voc ter de viver mais uma vez e por incontveis vezes; e nada haver denovo nela, mas cada dor e cada prazer e cada suspiro e pensamento, e tudo o
que inefavelmente grande e pequeno em sua vida, tero de lhe sucedernovamente, tudo na mesma sequncia e ordem e assim tambm essa aranhae esse luar entre as rvores, e tambm este instante e eu mesmo. A pereneampulheta do existir ser sempre virada novamente e voc com ela,partcula de poeira! - Voc no se prostraria e rangeria os dentes eamaldioaria o demnio que assim falou? Ou voc j experimentou uminstante imenso, no qual lhe responderia: Voc um deus e jamais ouvicoisa to divina! Se esse pensamento tomasse conta de voc, tal como voc, ele o transformaria e o esmagaria talvez; a questo em tudo e em cadacoisa, Voc quer isso mais uma vez e por incontveis vezes?, pesaria sobreos seus atos como o maior dos pesos! Ou o quanto voc teria de estar bemconsigo mesmo e com a vida, para no desejar nada alm dessa ltima,eterna confirmao e chancela? (Nietzsche, 2007, p. 230).
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A ideia de eterno retorno como retorno do mesmo poderia fornecer um princpio
seletivo ao eterno retorno tomado em sentido tico. O que O maior dos pesos afirma
que viveramos de forma muito diferente se tivssemos de viver essa mesma vida
eternamente. Nesse sentido, Nietzsche elaboraria uma pardia do imperativo categrico
kantiano: viva de tal modo que voc deva desejar reviver, o dever pois de todo
modo voc reviver. Nesse primeiro nvel seletivo, como pensamento prtico e tico, o
eterno retorno fortalece a vontade, eliminando todos os semi-quereres, tudo o que
desejamos precariamente, sem afirm-lo infinitamente e por toda a eternidade. Deleuze
(1962, p. 77) o reescreve de uma forma muito clara: O que voc quiser, queira-o de tal
modo que tambm queira o seu eterno retornoregra, sem dvida, prtica e rigorosa
do desejo.
No entanto, a seleo tica e a eliminao dos semi-desejos no capaz de
conjurar todas as foras reativas. certo que, nesse primeiro nvel, eliminam-se
determinados estados reativos, caprichos e semi-quereres. Contudo, ainda preciso
eliminar especialmente a vontade de nada, tornando sua negao uma negao das
prprias foras reativas (Deleuze, 1962, p. 78). A vontade de nada opera separando uma
fora ativa daquilo que ela pode. Essa destruio ativa importaria fazer o niilismo
vencer-se a si mesmo, promovendo um devir-ativo do reativo ou impedindo o retorno
do negativo. Deleuze (1962, p. 80) afirma que a segunda seleo consiste em produzir o
devir ativo. Do encontro com o niilismo, corporificado no ano, esprito de gravidade,
para quem o tempo curvo, Zaratustra adoece; seu riso e sua convalescena tero lugar
quando se apercebe de que entregar a vontade de nada ao ser seletivo do eterno retorno
importa, como quisera Deleuze (idem, loc. cit.), fazer entrar no ser aquilo que a no
pode entrar sem mudar de natureza.
Assim, ser e vontade tm sua integridade afirmada a cada lance de dados do
devir. Nietzsche chamara transvalorao de todos os valores a isto: reunir aquilo
potncia de que foi separado, suplantar o negativo, destituir o domnio das foras
reativas em proveito do novo; dizer, igualar em uma equao complexa, e no entanto
una, destruio, devir e criao.
S a esse preo o de que {destruio} = {devir} = {criao} a filosofia
deleuziana da repetio e da diferena pode transformar as identidades em simulacros;
isto , toda identidade, sob as formas do Mesmo, do Semelhante, do Anlogo e doOposto, ao passar pelo movimento turbilhonar do eterno retorno, expulsa por uma
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afirmao seletiva. O Mesmo, o Semelhante, o Anlogo e o Oposto no retornam; s os
veremos uma vez, repete Deleuze. As identidades esfacelam-se em simulacros, e Tudo
diferena nas sries e diferena de diferena na comunicao das sries (Deleuze,
2006a, p. 411).
A tese de Deleuze, em que se unem em uma s aliana demonaca Duns Scott,
Espinosa e Nietzsche, a de que o ser se diz em uma s voz: a diferena: o que
unvoco o prprio ser, o que equvoco aquilo de que ele se diz (Deleuze, 2006a, p.
417). Por um lado, as formas pelas quais o ser se diz, suas expresses, no rompem a
unidade de seu sentido; por outro, aquilo de que o ser se diz a prpria diferena. A
concluso de Diferena e Repetiono pode, portanto, ser outra: o Tudo igual e o
Tudo retorna s podem ser ditos onde a ponta extrema da diferena atingida. Se oeterno retorno faz jus ao cone da roda que gira eternamente, Deleuze deu a ela, enfim,
uma ponta mvel e excessiva sobre a qual girar a diferena.
IVReferncias
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VNotas
i Doutorando em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de So Paulo (USP). Mestre emFilosofia e Teoria do Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Graduado em Direitopela Universidade Federal do Paran (UFPR). Professor Titular de Filosofia do Direito e Assistente deTeoria Geral do Direito, vinculado ao Departamento de Propedutica do Direito da Faculdade de Direitode Curitiba (DPD/FD/UNICURITIBA); Professor Adjunto da Faculdade de Direito do Centro de CinciasSociais e Aplicadas da Fundao de Estudos Sociais do Paran (FD/CCSA/FESP-PR). Contato:.ii Agamben, por sua vez, parece perceber esse entrecruzamento ao escrever que (...) para Foucault, osdois poderes que, no corpo do ditador parecem confundir-se por um instante, continuam sendoessencialmente heterogneos, e a sua distino traduz-se em uma srie de oposies conceituais (corpoindividual / populao, disciplina / mecanismos de regulao, homem-corpo / homem-espcie) que, noincio da modernidade, definem a passagem de um sistema a outro. Claro que Foucault se dperfeitamente conta de que os dois poderes e as suas tcnicas podem, em determinados casos, integrarem-se mutuamente; mas eles, no entanto, continuam sendo conceitualmente diferentes.iiiComo exemplar desse entrecruzamento, Foucault (Idem, loc. cit.) escreve que se tomarmos osmecanismos de segurana tais como se tenta desenvolv-los na poca contempornea, absolutamenteevidente que isso no constitui de maneira nenhuma uma colocao entre parnteses ou uma anulao dasestruturas jurdico-legais ou dos mecanismos disciplinares.iv Deleuze deu causa diversas crticas por ter interpretado uma diferena conceitual entre os conceitos defora e vontade de potncia em Nietzsche. A mais influente delas, provavelmente por sua precedncia,talvez tenha sido aquela de (MLLER-LAUTER, 1997, p. 110-111). No entanto, para o momento, umaaprofundamento nessa polmica de todo desnecessrio, pois ela toma a obra de Nietzsche como
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referencial. Para ns, nos limites de nossa proposta, no importa mostrar se a interpretao deleuziana dosconceitos de fora e vontade de potncia fidedigna ou no luz de Nietzsche, mas precisar qual aimportncia dessa disjuno diferencial. Mesmo porque, a clebre imagem deleuziana da histria dafilosofia a da enrabada, ou a da imaculada concepo: Eu me imaginava chegado pelas costas de umautor e lhe fazendo um filho, que seria seu, e no entanto seria monstruoso. (Deleuze, 2008, p.
14). Assim, mesmo no campo aparentemente estril da histria da filosofia, no existir repetio nua dosconceitos, mas repetio diferencial e, portanto, gnese do novo a partir de sua memria. Ainda a respeitodo conceito de vontade de potncia, Deleuze (1962, p. 57) escreve: La volont de puissance, en effet,nest jamais sparable de telle et telle forces dtermines, de leurs quantits, de leurs qualits, de leursdirections ; [...]. Insparable ne signifie pas identique.v Deleuze (2006a, p. 407), a propsito, escreve que a analogia exige que um terceiro tempo seja dado[...].vi A interpretao heideggeriana da Segunda Considerao vai no mesmo sentido; ao invs de qualificar ohomem a partir da memria, porm, Heidegger prefere atribuir ao homem o sentido da historicidade:lhomme est marque et caractris dans son essence par lhistorique. Contudo, isso no significaesquecer-se de que a produo da historicidade no homem desarticula-se de uma forma animal que ohabita: Mais lanhistorique possde en mme temps un primat dans la vie humaine. Cette caractrisationpar lhistorique dune part et ce primat de lanhistorique dautre part vont de pair en lhomme
(Heidegger, 2009, p. 37).